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    86 Revista FAMECOS Porto Alegre n 35 abril de 2008 quadrimestral

    IMPASSES TERICOS

    Marco Toledo de Assis BastosDoutorando /[email protected]

    RESUMOA obra de Jess Martn-Barbero forneceu admirveisaportes tericos para a comunicao, no obstante suaanlise tenha por objeto prticas culturais especficasdo contexto latino-americano. Este ensaio tem por objeti-vo discutir o alcance de um conceito particular da suateoria para o campo da comunicao: as mediaes.Conceito que, por sua vez, s toma contornos mais cla-ros quando associado a um segundo conceito, a princ-pio de menor importncia para sua teoria das media-es: o sentido.

    PALAVRAS-CHAVEcomunicaomediaosentido

    ABSTRACT

    The work of Jess Martn-Barbero supplied communicationstudies with remarkable theoretical contributions, even thoughhis analysis is focused on specific cultural experiences relatedto Latin American background. The purpose of this paper is todiscuss the range of a specific concept in his theory forcommunication studies: the idea of mediations. This very idea

    nonetheless will not have clear outlines until associated withanother concept, at first not really important to Martn-Barberos theory of mediation: the meaning.

    KEY WORDS

    communicationmediationsmeaning

    Do sentido da mediao: s margens dopensamento de Jess Martn-Barbero

    As contribuies dos estudosculturais para o campo dacomunicao tm na obra do espanhol naturalizadocolombiano, Jess Martn-Barbero, seu mais impor-tante aporte terico. Expoente do pensamento comuni-cacional latino-americano, sua proposta de passar dosmeios s mediaes forneceu subsdios para pensar arecepo fora do diagrama da teoria informacional.

    A abordagem culturalista de Martn-Barbero permi-te trabalhar a idia de cadeias envolvendo produtores,produtos e receptores, compreendendo deslocamentosde significados entre as instncias envolvidas. A nfasemuda da produo para a recepo, circuito que recodi-ficaria os sentidos sociais.

    O eixo epistemolgico condiciona cultura comuni-cao, e comunicao cultura. A comunicao entoprocesso, simultneo e co-depentente das formaesculturais. O desafio aparece com toda a sua densidade nocruzamento dessas duas linhas de renovao que inscrevema questo cultural no interior da poltica e a comunicao, nacultura(Martn-Barbero, 1997, p.299). O efeito imediatodessa noo terica envolver os elementos da liturgiainformacional1: emissor, receptor, canal e mensagemem contextos culturais. O conceito chave que coordenaessas manifestaes o de mediao. Dos meios s

    mediaes, pois.Mediao seria o pano de fundo onde as manifesta-

    es comunicacionais orquestram tramas culturais. Oconceito no tem contornos muito claros e compreendetoda a gama de relaes e interseces entre cultura,poltica e fenmeno comunicacional.

    Especialmente, as mediaes se referem s apropria-es, recodificaes e resignificaes particulares aosreceptores. Outra assuno importante que produo,recepo, meio e mensagem s podem ser pensadoscomo um processo contnuo as mediaes posiode onde possvel compreender o intercmbio entre

    produo e recepo.A mediao integra cultura e comunicao na pro-cessualidade do cotidiano, a cultura vivida em suadinamicidade comunicativa. A interdependncia di-nmica entre cultura e comunicao quer desfazer osvcios da sociologia, da semiologia e da abordageminformacional, oferecendo o conceito de mediaocomo o ponto fulcral de um sentido processado nacomunicao.

    alis o conceito de sentido, parcamente desenvol-vido por Martn-Barbero, que permite a conjuno decultura e comunicao, afastando um entendimentoantropolgico de cultura; de outra maneira, cultura ecomunicao seriam categorias intercambiveis2.

    O que garante sustentao ao esquema, o que inviabi-

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    liza a reduo da comunicao cultura ou da cultura comunicao, essa instncia que processa sentido, asmediaes. Essa centralidade dos dispositivos comunicacio-nais implica em um redesenho de seu sentido e sua razo(Martn-Barbero, 1993)3. Mediaes dinamizam a cultu-

    ra, que so funcionalizadas pela comunicao e assimsucessivamente. O esquema se fecha.Isso fica claro nos estudos de caso. Martn-Barbero

    (1997) oferece ao leitor inmeros exemplos de recndi-tas codificaes da realidade medial. A recepo assu-me formas de resistncia insuspeitas, e a irradiaounidirecional dos meios de comunicao sofre assaltose apropriaes de significado inauditas.

    No invisvel da trama social, as classes populares sevingam secretamente(Martn-Barbero, 1997, p.318). Mar-tn-Barbero imagina uma negociao de sentido entrediferentes blocos sociais, uma movimentao poltico-cultural que as teorias da informao no podiam ver.A novela no aconteceria no significado frio do roteirofilmado, mas na circulao social de boatos e coment-rios, no bate-papo dirio entre vizinhos.

    Onde havia consenso social, as mediaes fazemver contestao. Onde havia identidade, conflito.De um ponto de vista sociolgico, os contextos setornam delimitveis apenas com a caracterizaoda dinmica comunicacional, que reconfigura e reco-difica a ao social.

    Dadas diferentes redessemiticas dentro de umamesma comunidade lingstica, osentido seria o lugar datranscodificao que atravessatodas as redes semiticas,oferecendo uma interseco de

    significaes como universo desentido.

    H uma produo social de sentido implcita s me-diaes, e isso que viabiliza a teoria de Martn-Barbe-ro. A proposta condicionada por uma idia de sentidoque relaciona sujeitos, significaes e mensagens emfunes mais complexas que a receita informacional deemissores e receptores.

    Mas o conceito de sentido (funo que perfaz as medi-aes) que Martn-Barbero apresenta apinhado de as-

    sunes no declaradas: h blocos fechados que com-preendem as mensagens, h sentidosnegociados e h

    significaes compartilhadas sorrateiramente, isto ,sentidossecretos que os grupos sociais trocam entre si. como uma guerrilhadesentido entre as diferentesformaes sociais, arena onde a vingana das massasse realiza. Assim, a arquitetura conceitual da proposta

    de Martn-Barbero est montada em um diagrama decirculao de sentidos que, de maneira curiosa, no exposto pela teoria; velado, uma dimenso que a teo-ria no apresenta mas que lhe permite funcionar.

    Velado porque as mediaes so simultaneamentesignificao individualmente codificada e sentido soci-almente produzido. O sentido assim apresentado temcontornos semelhantes ao proposto por Bernard Pottier(1992), que tomando de emprstimo o exemplo de Hjel-mslev sobre uma expresso traduzida para diferenteslnguas, define o sentido como uma instncia para aqual convergem as significaes particulares das dife-rentes lnguas, criadas nos diferentes registros semiti-cos de cada cultura. Seria como uma interseco dastradues em um texto geral, atravessando diversas ln-guas e semiticas.

    Esse conceito de sentido tambm se aproxima da defi-nio de Greimas e Courts (1979), como lugar da trans-codificao das significaes, aquilo que permite atraduo de uma funo semitica de uma lnguapara outra. Sentido seria, portanto, simples funoda significao, um texto comum que Pottier (1992)chama de instncia conceitual do sentido, um sentidoconceitual comum.

    na idia de transcodificao das significaes que

    as mediaes de Martn-Barbero se encontram com osentido. Dadas diferentes redes semiticas dentro deuma mesma comunidade lingstica, o sentido seria olugar da transcodificao que atravessa todas as redessemiticas, oferecendo uma interseco de significa-es como universo de sentido. O sentido se formaria,assim, na experincia prtica de usos e desusos, antesuma zona de sentido, necessariamente mais extensaque a manifestao semitica.

    Essa caracterstica ambgua do conceito de sentidono particular a Martn-Barbero, antes uma invari-vel nas cincias da linguagem, que tambm partilham

    um entendimento confuso do conceito. Mas o tericocolombiano complica ainda mais a questo, pois asmediaes ultrapassam o escopo da linguagem e assi-nalam fenmenos culturais.

    De maneira semelhante ao interacionismo simblico,Martn-Barbero recusa o esquema informacional decaixas estanques, atentando para processos sociais.Enquanto categorias como ao e reao enfat iza-vam a circulao de unidades, conceitos como sen-tido e significao reforam a noo de processosintegrados. De diagramas independentes que des-creviam a circulao de informao, passa-se paraesquemas dinmicos de interdependncia no pro-

    cesso comunicativo.Mas Martn-Barbero no conceitua essa movimenta-

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    o de sentido e significao. Pelo contrrio, ela ilus-trada como recodificao dos textos culturais, sem mais.A teoria das mediaes sugere a incorporao de umenvelhecido diagrama do sentido, primeiro descrito pelopsiclogo e educador Charles Egerton Osgood (1957).

    Osgood usa o termo sentido para se referir aos julga-mentos interiores que os indivduos fazem. Seria umdiferencial semntico que insere um conceito onde an-tes havia um contnuo de termos polares, permitindo ojulgamento.

    Com isso, o comportamento das pessoas dependeriado significado pessoal atribudo s situaes cotidia-nas: atitudes e valores seriam codificados em processosrepresentacionais ou simblicos por ele chamados desentido. Um conceito que no nem significao nemsentido propriamente ditos, mas as inferncias entre asduas dimenses.

    Um ponto de vistacomunicacional pedir outrasnoes, porque para alm daoperacionalidade medial dacultura, quer compreender o queh de comunicacional em cadacultura.

    H tambm a dimenso social dessa produo desentido, um entendimento diverso ao do interacionismosimblico e que aparece nas anlises do discurso deMichel Pcheux (1995). Se para Osgood o sentido estavanas pessoas, para Pcheux no est nem nas pessoas,nem nas coisas, mas no instante em que os atos verbaistomam forma, no entrelaar histrico entre lugar sociale prtica verbal.

    Discursos seriam como conjugaes da significao,

    efeitos de sentido entre interlocutores diversos cuja his-toricidade no auto-evidente. uma estrutura invis-vel do discurso, um elemento de ordenao abstruso queconduz o tecido social. Pcheux trabalha com umarede de conceitos que vai ao encontro das mediaesde Martn-Barbero: sujeito, contexto, ideologia e dis-curso.

    Mas a teoria das mediaes no considera essas di-menses. Isto , ainda que o terico colombiano se desfa-a de conceitos como emissor e receptor, propondo umaanlise que abandona os meios para se deitar sobre asmediaes, no fica claro quais elementos compem es-sas mediaes.

    Pois se a mediao todo um complexo social inco-mensurvel que resignifica os produtos culturais, crian-

    do sentido intersubjetivo, ento h pouco de comuni-cao e muito de sociologia na abordagem, que nopermite vasculhar a translao de significaes emsentidos, que no explica como a natureza andinado significado textual se transforma em sentido social.

    Martn-Barbero, verdade, tem o mrito de ver a comu-nicao com processo (como mediao, afinal), mas econmico sobre a natureza desse processo. No final,nos oferece uma sociologia atenta aos fenmenos con-temporneos, onde o conceito de mediao aponta paraa insidiosa penetrao de significaes no previstasnos produtos culturais, um movimento concomitante einexpugnvel prpria circulao de signos na cultura.

    No , de todo modo, uma anlise voltada aos fenme-nos da comunicao, conquanto a trama da mediaofaz da trama do sentido um processo secreto, um peque-no segredo da teoria.

    A proposta contudo audaciosa, pois busca um con-ceito que permita penetrar no processo comunicacional.Que permita ultrapassar a termodinmica de emisses erecepes; meios e mensagens. Mas esse conceito demediao precisa ser funcionalizado por um sentido,uma codificao da experincia social, elemento que ateoria comunga mas no conjuga. A mediao delineia oprocesso mas no acusa seus componentes, jogandopouca luz na mgica do acontecimento comunicacional.

    Destarte o conceito de mediao, esse universo darecepo e apropriao dos significados, demanda no-es que caracterizem a processualidade comunicacio-nal, que no pode ser reduzida circulao de signos no

    tecido social. As deformaes que os receptores dedicamaos estmulos mediais transformam o endereamento dacomunicao, alterando toda a cadeia de profuso designificados.

    H na durao desse processo toda uma especifi-cidade que no pode ser simplesmente subsumidapela esfera cultural. O risco de nos encontrarmosnovamente com o conceito antropolgico de cultu-ra, onde tudo cultura, at mesmo o sentido: Acultura resgatada como espao estratgico da contra-dio, como lugar de crise de motivao ou de sentido(Martn-Barbero, 1997, p.100). E se tudo cultura,

    nada o , tampouco a comunicao.Esses apontamentos em nada conflitam com o estatu-to transdisciplinar do campo da comunicao. No setrata de normatizar a rea, mas de arriscarmos teorias altura do objeto. Martn-Barbero (2002, p.217) rpidoem concordar com o diagnstico:A transdisciplinaridadede modo algum significa a dissoluo dos problemas-objeto docampo da comunicao nos de outras disciplinas sociais4.

    Infelizmente, os estudos culturais, incluindo a teoriadas mediaes de Martn-Barbero, constituem uma dis-ciplina acadmica que combina elementos diversos, dapoltica comunicao, mas cujo foco em prticasculturais especficas.

    Um ponto de vista comunicacional pedir s media-es uma arquitetura conceitual mais robusta, que rela-

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    cione a recepo aos processos comunicacionais comconceitos especficos, ultrapassando essa seara da cul-tura que envolve o fenmeno comunicacional em diver-sidade indiferenciada e o devolve em atividades simb-licas invisveis. Um ponto de vista comunicacional pedir

    outras noes, porque para alm da operacionalidademedial da cultura, quer compreender o que h de comu-nicacional em cada cultura.

    Infelizmente, os estudosculturais, incluindo a teoria dasmediaes de Martn-Barbero,constituem uma disciplina

    acadmica que combinaelementos diversos, da poltica comunicao, mas cujo foco emprticas culturais especficas.

    Por fim, o caso de se perguntar: o que h de comuni-cao na mediao, esse processo social, esse perambu-lar de significaes a que os produtos culturais so obje-to dentro de diferentes grupos sociais?

    O trip conceitual que a mediao, afinal, medeia:poltica, cultura e comunicao, torna visvel a comple-xa compleio dos produtos culturais. Mas a questopermanece: o que h de autenticamente comunicacionalnessas mediaes? FAMECOS

    NOTAS1. Martn-Barbero (1997) apresenta uma extensa crti-

    ca teoria da informao nas pginas 291, 292 e293.

    2. Mas permanece certa conversibilidade entre os con-

    ceitos, como fica claro nessa passagem relacionandocultura e poltica: precisamos ler a cultura em chavepoltica e a poltica em chave de cultura

    (Martn-Barbero, 1997, p.148).

    3. No original: Esa centralidad de los dispositivos dela comunicacin est implicando el replanteamientode su sentido y su razn.

    4. No original: Transdisciplinariedad en el estudio dela comunicacin no significa la disolucin de _sus_objetos en los de las disciplinas sociales sino la cons-truccin de las articulaciones - mediaciones e inter-

    textualidades - que hacen su especificidad.

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