Martelo, Foice e Voto - Revista de História
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15/12/2015 Martelo, foice e voto - Revista de História
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Martelo, foice e votoPrimeiro partido nacional, o PCB sobreviveu à repressão e a longos períodos deilegalidade, influenciando a política brasileira
Marly de Almeida Gomes Vianna
1/11/2015
Ao escreverem o Manifesto do Partido Comunista, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels deram amedida do que estava por vir: “Um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo”. Nãodemorou para que a assombração rompesse fronteiras e cruzasse o Atlântico: no Brasil, aquelas ideiasrevolucionárias começaram a se fazer sentir no início do século XX.
Ainda não havia por aqui um conhecimento teórico do significado do comunismo e das ideias socialistaspelas quais se lutava no mundo. O país era essencialmente agrário, com imensa quantidade deanalfabetos e violentamente repressor do movimento operário, que começava a tentar se organizar elutar por seus direitos. Havia pouca produção intelectual e editorial, o que tornava precária a vidacultural acadêmica da sociedade, inclusive entre aqueles que queriam representar a classe operária:os socialistas e, especialmente, os anarquistas.
O ano de 1917 foi decisivo para a história do movimento operário, pela repercussão da RevoluçãoSocialista na Rússia, que derrubou 300 anos da dinastia dos tzares e fez surgir, pela primeira vez, umEstado socialista proletário. Sob o impacto da notícia, um grupo de anarquistas – que por princípioeram contrários a organizações políticas – começou a aceitar a ideia da formação de um partidocomunista.
Depois de algumas tentativas frustradas, o Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado nos dias 25,26 e 27 de março de 1922, numa reunião que começou no Rio de Janeiro e terminou em Niterói. Era aprimeira legenda política de âmbito nacional no país, pois até então os partidos eram estaduais (comoos partidos republicanos de São Paulo, ou Minas Gerais, ou do Rio Grande do Sul, por exemplo).Considerado seu I Congresso, o encontro que resultou na fundação do PCB contou com a presença denove delegados de diferentes estados: Astrojildo Pereira (jornalista), Abilio de Nequete (barbeiro,sírio), Cristiano Cordeiro (funcionário público), Hermogêneo Silva (eletricista), João da Costa Pimenta(gráfico), Joaquim Barbosa (alfaiate), José Elias da Silva (funcionário público), Luís Peres(vassoureiro) e Manuel Cendon (alfaiate, espanhol). Segundo Astrojildo Pereira, a fundação do partidopassou despercebida pela sociedade. Em todo o país, os comunistas não chegavam a 500 pessoas,conhecidas só nos meios sindicais e pela polícia.
Apenas três meses depois de sua criação, o Partido Comunista do Brasil foi colocado na ilegalidade. Sósairia desta condição de janeiro a agosto de 1927. Mais tarde, voltaria à vida legal de outubro de1945 a maio de 1947, e a uma instável semilegalidade entre 1960 e 1964. Depois, somente a partir de1985.
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A capa da Careta, de janeiro de 1936, alude à forte ação repressora de Getulio contra o comunismo nopaís. Alguns meses depois, Luís Carlos Prestes, preso, é submetido a inquérito. (Imagem: FundaçãoBiblioteca Nacional)
Mesmo ilegal em seu território, em 1924 o PCB foi aceito como membro da Internacional Comunista,durante o V Congresso da organização. Passou então a se chamar oficialmente “Partido Comunista doBrasil (seção brasileira da Internacional Comunista)”. Além da repressão, a situação do partido eraagravada pela fragilidade teórica de seus membros, tanto em relação ao entendimento do marxismo eda realidade nacional quanto pela precária presença no movimento operário que pretendiarepresentar.
Aos poucos, o partido fortaleceu‐se organicamente: realizou congressos e conferências, aumentou onúmero de militantes e lançou um jornal, A Classe Operária. Para ampliar sua atividade política, criouem 1928 o Bloco Operário e Camponês, com a finalidade de organizar uma ampla frente visando àseleições de outubro de 1928, quando conseguiu eleger – pelo BOC – dois vereadores para a CâmaraMunicipal do antigo Distrito Federal.
Em 1930, os comunistas recusaram‐se a apoiar o movimento que levou Getulio Vargas ao poder. Elesconsideravam que tal revolução não interessava aos operários, pois era uma luta entre doisimperialismos – o “ianque” e o inglês. Em outubro de 1932, surgiu a Ação Integralista Brasileira (AIB),organização de direita simpatizante do fascismo. A situação no país ficou bastante radicalizada, sendofrequentes os embates de rua entre democratas e integralistas. Foi dessas lutas que se organizou, emmarço de 1935, a Aliança Nacional Libertadora, a maior frente política democrática que o Brasil jáconhecera. Composta por um grupo de tenentes que havia apoiado a Revolução de 1930 e agora seconsiderava traído – pois eles consideravam que Getulio fazia concessões aos políticos corruptos e nãolevava adiante um programa anti‐imperialista e antilatifundiário – a ANL tinha um programanacionalista, anti‐imperialista, pela reforma agrária e pelas liberdades democráticas, sob o lema“Pão, Terra e Liberdade”. Os comunistas se incorporaram à frente, em especial depois que LuizCarlos Prestes (1898‐1990), aclamado como seu presidente de honra, passou a falar em nome daorganização.
Prestes havia chegado ao Brasil, vindo de Moscou (onde estava desde outubro de 1931) em abril de1935, e começou imediatamente a buscar contatos que o ajudassem a organizar um movimentorevolucionário nacional‐libertador. O grande crescimento da ANL por todo o país assustou o governo,que deu início a uma série de provocações contra a organização, até fechá‐la no mês de julho. Emmeio ao ambiente conturbado pelas eleições estaduais no Rio Grande do Norte, em 23 de novembrodesencadeou‐se uma insurreição no 21º Batalhão de Caçadores, em Natal. O levante recebeu o apoiodos praças do quartel, do Partido Comunista e de uma população entusiasmada com a distribuição
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gratuita de pão, transporte e dinheiro. A revolta durou quatro dias, espalhando‐se pelo interior doestado. No dia 24, o 29º Batalhão de Caçadores, no Recife, também se insurgiu, sendo logoderrotado.
A falta de informações era grande e não se sabia ao certo o que motivara os levantes – no Rio Grandedo Norte, motivado por motivos regionais e, no Recife, por conta e risco dos comunistas locais.Supondo tratar‐se de um movimento revolucionário promovido pela ANL no Nordeste, Prestes decidiudeterminar sublevações também no Rio de Janeiro. Na madrugada de 27 de novembro, rebelaram‐se o3º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, e a Escola de Aviação Militar, no Campo dos Afonsos.Os levantes foram um desastre, dando o pretexto que Vargas precisava para desencadear uma brutalrepressão aos aliancistas e comunistas. A derrota da ANL consolidou o conservadorismo no país.
Esfacelado, vivendo na ilegalidade e buscando a sobrevivência dos militantes que restaram, o PartidoComunista do Brasil foi aos poucos conseguindo se recuperar. Em 1945, o Estado Novo chegava aofim. Àquela altura, o partido estava fortalecido pelo renome que Prestes conquistara e pelo imensoprestígio da União Soviética após a decisiva atuação contra o nazismo. Nas eleições de novembro,Prestes obteve quase 10% dos votos para a Presidência, e o PCB elegeu um senador e 14 deputados.Em maio de 1947, porém, sob o ambiente de tensão da Guerra Fria, iniciou‐se uma nova corridacontra o comunismo, que mais uma vez interrompeu a vida legal do partido.
Sobrevivendo à repressão, à ilegalidade e à propaganda caluniosa contra seus ideais, os comunistasmantiveram‐se, ao longo do século, como uma importante força na política brasileira. Organizaram oprimeiro partido político de âmbito nacional, lutaram por medidas que mudassem a condição de vidados trabalhadores (como melhorias nas condições de trabalho, aumentos salariais, contra o trabalhode menores nas fábricas), defenderam o internacionalismo contra a xenofobia, foram os primeiros adenunciar a exploração imperialista, que levava o país à dependência econômica e política do exteriore, principalmente, travaram uma batalha sem tréguas contra a guerra e contra o nazi‐fascismo.Longe do estereótipo que os define como uma ameaça à sociedade, seu combate sempre foi pelautopia de uma sociedade realmente igualitária.
Marly de Almeida Gomes Vianna é professora da Universidade Salgado de Oliveira e autora deRevolucionários de 1935 – sonho e realidade (Expressão Popular, 2011).
Saiba Mais
CARONE, Edgar. O PCB, de 1922 a 1943. São Paulo: Difel, 1982.DEL ROIO, Marcos. Classe Operária na Revolução Burguesa. Belo Horizonte: Oficina do Livro, 1990.MAZEO, Antônio Carlos & LAGOA, Maria Izabel (orgs.). Corações Vermelhos, os comunistas brasileirosno século XX. São Paulo: Cortez, 2006.RUY, José Carlos & BUONICORE, Augusto (orgs.). Contribuição à História do Partido Comunista doBrasil. São Paulo: Anita Garibaldi, 2010.