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Lurdes Marques SILVA, Lusotopie 2000 : 359-374 Descolonização, nacionalismo e separatismo no Sudeste Asiático Os casos da Indonésia e Timor Leste que nós, falantes da Língua Portuguesa, conhecemos actualmente das relações entre a Indonésia e Timor Leste encontra-se quase totalmente marcado pela brutal invasão e anexação do território timorense pelo seu gigantesco vizinho. Nos campos do direito e da política internacional, Timor Leste transformou-se numa questão por resolver e num paradigma de um conflito político, social e cultural pelo reconhecimento do direito à autodeterminação de um espaço territorial colonizado durante mais de quatro séculos por Portugal e que se encontrava, entre 1974 e 1975, a desenvolver um processo de descolonização. Dir-se-á, assim, que o nosso conhecimento da Indonésia e de Timor Leste se encontram marcados, afinal, por más razões e dramáticas lições. E se o direito internacional ilumina tanto como justifica o combate dos timorenses pelos seus direitos nacionais, já a contribuição das ciências sociais para aumentar a compreensão séria e rigorosa acerca deste conflito tem-se mostrado escassa. Menor também é a investigação da própria Indonésia e das razões que concorreram para transformar essa antiga colónia holandesa em país também colonizador de espaços insulares que, à semelhança de Timor Leste, não deixam de encontrar numa longa história e antropologia próprias elementos de possível construção de territórios nacionais. O que queremos sublinhar é que o reconhecimento e a investigação das características do conflito de Timor Leste obrigam também a reconhecer a Indonésia, a sua multiplicidade, a sua própria construção nacional, tanto como os movimentos e populações que, no interior das suas milhares de ilhas, reivindicam autonomia e, por vezes, um caminho de independência. Recorde-se que a Indonésia é o maior arquipélago do mundo, constituído por 13 667 ilhas, estendendo-se da ponta Este à ponta Oeste sobre cerca de 5 000 km e de Norte a Sul sobre praticamente 2 000 km. Multiplicidade insular em que se reúnem centenas de pequenas ilhas a grandes territórios insulares que, como Java, Sumatra ou Kalimantan, se apresentam bem maiores que muitos dos grandes países da Europa. A Indonésia com as fronteiras que lhe conhecemos hoje é herdeira do império colonial holandês no sudeste asiático, comunicando, assim, com essa longa história que, desde O

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  • Lurdes Marques SILVA, Lusotopie 2000 : 359-374

    Descolonizao, nacionalismo eseparatismo no Sudeste Asitico

    Os casos da Indonsia e Timor Leste

    que ns, falantes da Lngua Portuguesa, conhecemos actualmente dasrelaes entre a Indonsia e Timor Leste encontra-se quasetotalmente marcado pela brutal invaso e anexao do territrio

    timorense pelo seu gigantesco vizinho. Nos campos do direito e da polticainternacional, Timor Leste transformou-se numa questo por resolver e numparadigma de um conflito poltico, social e cultural pelo reconhecimento dodireito autodeterminao de um espao territorial colonizado durante maisde quatro sculos por Portugal e que se encontrava, entre 1974 e 1975, adesenvolver um processo de descolonizao. Dir-se-, assim, que o nossoconhecimento da Indonsia e de Timor Leste se encontram marcados, afinal,por ms razes e dramticas lies. E se o direito internacional ilumina tantocomo justifica o combate dos timorenses pelos seus direitos nacionais, j acontribuio das cincias sociais para aumentar a compreenso sria erigorosa acerca deste conflito tem-se mostrado escassa. Menor tambm ainvestigao da prpria Indonsia e das razes que concorreram paratransformar essa antiga colnia holandesa em pas tambm colonizador deespaos insulares que, semelhana de Timor Leste, no deixam deencontrar numa longa histria e antropologia prprias elementos de possvelconstruo de territrios nacionais. O que queremos sublinhar que oreconhecimento e a investigao das caractersticas do conflito de TimorLeste obrigam tambm a reconhecer a Indonsia, a sua multiplicidade, a suaprpria construo nacional, tanto como os movimentos e populaes que,no interior das suas milhares de ilhas, reivindicam autonomia e, por vezes,um caminho de independncia.

    Recorde-se que a Indonsia o maior arquiplago do mundo, constitudopor 13 667 ilhas, estendendo-se da ponta Este ponta Oeste sobre cerca de5 000 km e de Norte a Sul sobre praticamente 2 000 km. Multiplicidadeinsular em que se renem centenas de pequenas ilhas a grandes territriosinsulares que, como Java, Sumatra ou Kalimantan, se apresentam bemmaiores que muitos dos grandes pases da Europa. A Indonsia com asfronteiras que lhe conhecemos hoje herdeira do imprio colonial holandsno sudeste asitico, comunicando, assim, com essa longa histria que, desde

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    finais do sculo XVI, faria com que mercadores e soldados holandeses,enquadrados pela Companhia das ndias Orientais, fossem sistematicamentesubstituindo a presena portuguesa na Insulndia que se costuma datar de1511, quando Afonso de Albuquerque conquistava a cidade de Malaca. No tambm surpreendente que uma entidade nacional com uma superfcie decerca 1 900 000 km21, multicultural e multitnica, tenha ao longos dostempos sido recipiente de vrias religies, povos e culturas : ao budismo ehindusmo desde o sculo IV, soma-se o islamismo a partir do sculo XIII e ocristianismo nos princpios de Quinhentos2 ; s migraes demoradas depopulaes austronsias no primeiro milnio a.c., sucedem-se os emigrantesindianos, malaios, os comerciantes chineses e rabes, emigrantes do sul dasia e das Filipinas, bem como, no perodo moderno, soldados,comerciantes, missionrios tanto como degredados e aventureiros europeus.

    A independncia e afirmao nacional da Indonsia so fenmenosrecentes. Complexos tambm. Datam de 1945, quando em comunicao coma IIa Guerra Mundial e a crescente afirmao poltica e cultural daintelectualidade indonsia, dos seus partidos, movimentos e sensibilidadesnacionais, procurando libertar-se do colonialismo depois de sculos deocupao holandesa, Sukarno e Hatta, os dois principais lderes naciona-listas indonsios, proclamaram unilateralmente a independncia nacional3.No prembulo da Constituio de 18 de Agosto de 1945 que consagrava anova independncia podia-se ento ler :

    A Independncia o direito natural de qualquer Nao ; o colonialismodeve ser abolido do Mundo porque no est em conformidade com ahumanidade e a justia 4.

    Um pouco mais frente, significativamente, o artigo primeiro daconstituio proclama a Indonsia como uma Repblica unitria, procu-rando, duplamente, prevenir a fragmentao de um Estado multinacional erelevar uma identidade nacional unvoca. Escreve-se, por isso :

    O Estado da Indonsia ser um Estado Unitrio que tem a forma de umaRepblica .

    1. A que se deve ainda somar volta de 7 900 000 km2 de superficie de zona econmica

    martima, o que faz da Indonsia um espao territorial e martimo verdadeiramente gigan-tesco, quase uma espcie de continente insular que, exceptuando as Filipinas, pratica-mente totaliza a dimenso insular (se preferirmos insulndia ) do Sudeste Asitico.Utilizmos, por isso, precisamente o termo Insulndia, concretizado e divulgado pelascartografias, cronsticas e documentos da expanso oriental portuguesa no sculo XVI parareferenciar o espao histrico-geogrfico actualmente ocupado pela Indonsia. Consi-deraes geo-histricas mais aprofundadas podem seguir-se em D. LOMBARD, Le CarrefourJavanais Essai dhistoire globale, Paris, d. EHESS, 1990 : 13-39 e A. REID, Southeast Asia in theage of commerce 1450-1680, New Haven London, 1988. Nestes como noutros especialistas tambm comum encontrar a noo de arquiplago Indo-Malaio para designar a regioformada pela pennsula da Malsia e pela Indonsia.

    2. Sumrio competente da expanso do budismo e do hindusmo na Insulndia podeencontrar-se em P. BELWOOD, Prehistory of the Indo-Malaysian archipelago, Honolulu,University of Hawaii Press, 1997 : 136-42 e, mais especializadamente, em G. COEDS, Lestats hindouiss dIndochine et dIndonsie, Paris, De Boccard, 1989. Para o estudo da difusodo islamismo nestas regies consultem-se, entre outros, os trabalhos de I.M. LAPIDUS,A History of Islamic Societies, Cambridge, Cambridge University Press, 1988 : 749-784 eM.C. RICKLEFS, A History of Modern Indonesia since c. 1300, Stanford, 1993 : 3-22. Acerca dosprimeiros contactos de missionrios cristos no Sudeste Asitico veja-se o trabalhodocumental fundamental de A.B. de S, Documentao para a Histria das Misses do PadroadoPortugus no Oriente, Lisboa, 1958.

    3. M.C. RICKLEFS, op. cit. : 212-233.4. As citaes da Constituio da Indonsia (18 de Agosto de 1945) seguem-se a partir da

    edio de Department Luar Negeri Section for International Treaties and Legal Affairs, Jakarta,1979.

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    O que se conhece hoje deste caminho unitrio de construo de umEstado Nacional neste gigantesco mosaico asitico de milhares de ilhas ?O Estado conseguiu construir uma ideia nacional centrpeta e atractiva nosplanos poltico, social e cultural ? Especializaram-se movimentos separa-tistas, regionalistas e localistas neste extenso e variado mundo insular ?O sistema de Estado unitrio dissolveu nacionalidades, etnicidades e parti-cularismos culturais ? A ideologia dominante de construo do Estado-nao perseguiu influncias e programas ocidentais ou tratou de trilhar umcaminho asitico e prprio ? As recentes transformaes polticas na Indo-nsia precipitadas pela queda do Presidente Suharto mostraram no apenaso pouco que se sabe sobre este Pas - da economia, com os seus enganadoresmilagres, sociedade, com as suas misrias e novas riquezas - comotambm parece desafiarem a prpria identidade da construo do EstadoNacional, pese embora a escassez de manifestaes e reivindicaes separa-tistas especializadas no calor das movimentaes sociais, principalmenteestudantis, larga e significativamente centradas na capital do pas, Jacarta.Parece, assim, pertinente investigar mais atentamente a construo nacionaldo Estado indonsio, discutindo com mais profundidade as questes donacionalismo, da descolonizao e do separatismo no sudeste asitico,elegendo os casos da Indonsia e Timor Leste, da conflitualidade coloni-zao, do nacionalismo resistncia, como paradigmas para a investigaoem cincias sociais destes temas.

    O caso indonsio : processo de descolonizao e independncia

    Quando, em 1945, os dois dirigentes nacionalistas, Sukarno e MohamedHatta, proclamaram a independncia da Indonsia, esta assumiu asfronteiras coloniais das chamadas ndias neerlandesas , com a excepo daGuin ocidental que, sob a designao de Irian Jaya, viria a ser incorporadano estado indonsio em 19695. Rememore-se que os holandeses percorreramsistematicamente a Indonsia desde 1596, especializando atravs da pode-rosa VOC, a clebre Companhia mercantil criada em 1602, um eficaz mono-plio comercial que perdurou at ao sculo XIX. Substituindo a presenacomercial portuguesa, mas adoptando muitos dos modelos da presena dePortugal no Sudeste Asitico - do apoio dos mestios ao modelo dascidades-fortaleza-feitorias - os comerciantes e soldados holandeses ergue-ram a partir do domnio mercantil transformado em dominao poltica, umverdadeiro imprio colonial. Com um curto intervalo francs (1808-1811) eingls (1811-24), a Holanda administrou as ndias neerlandesas at aosculo XX, centrando largamente o Estado colonial em Batavia, a futuraJacarta.

    O nacionalismo indonsio, enquanto programa poltico e intelectual, uma realidade do incio do sculo XX, seguindo, assim, parte importante dacronologia dos movimentos nacionais da sia do Sul. Comea por sedesenvolver, como noutros horizontes asiticos, atravs de correntes eprogramas intelectuais : o Budi Utomo (1908) e o Sarekat Islam (1912).Descobrem-se dois movimentos animados por intelectuais e comerciantes

    5. Para uma compreenso mais detalhada da histria da Guin Occidental (Irian Jaya) podera

    se consultar G. DEFERT, LIndonsie et la Nouvelle-Guine-Occidentale, Paris, LHarmattan,1996.

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    que procuravam defender os interesses locais e regionais contra os interessesda metrpole, constituindo ambas as associaes um recipiente para acolherinteresses privados e temas nacionalistas em que o interesse econmico semisturava com as reivindicaes nacionalistas6. A esta duas organizaesdeve ainda somar-se o Partido comunista indonsio (PKI) que, a partir de1920, comea a desenvolver um sindicalismo cada vez mais activo que iriaprovocar movimentos grevistas nos anos 1926/27. Estes movimentos soreprimidos com dureza pelos holandeses e o prprio Partido Comunistaencontra-se obrigado a entrar na clandestinidade entre 1927 a 1934, juntandos reivindicaes polticas e laborais o tema nacional7. Nasce, nesta altura, oprimeiro partido que se proclama abertamente pela independncia : oPartido nacionalista indonsio (PNI), criado em 1927 por Sukarno. Mas,rfo do seu fundador e presidente, preso e condenado em 1930, o PNI dissolvido, sendo substitudo por outro partido nacionalista, o Partindo, queviria a desenvolver o mesmo programa de combate pela independncia.Outras organizaes surgem na dcada de 1930 e, em 1939, um passo impor-tante dado na luta para a independncia com a constituio do GAPI,reunindo oito organizaes nacionalistas e convocando, nesse mesmo ano,um Congresso do Povo em que os eixos e smbolos fundamentais da indepen-dncia e da identidade nacional so adoptados : uma lngua nacional (BahasaIndonesia), uma bandeira e um hino nacional (Indonesia Raya). Um esforonacionalista invalidado pela ocupao japonesa do arquiplago, em 19428.Mohammed Hatta, Sjahrir e Sukarno, os principais lderes nacionalistas,comeam por acolher os novos ocupantes como irmos asiticos e liber-tadores do colonialismo holands, mas depressa se verifica a opocolonial dos novos ocupantes. Aproveitando, em seguida, a dissoluo eisolamento das foras do Eixo, Hatta e Sukarno proclamam a independnciada Indonsia, em 17 de Agosto de 1945. Uma independncia que no reconhecida pelos holandeses, originando confrontos militares violentoscom as foras nacionalistas indonsios, atingindo o seu corolrio na clebrebatalha de Surabaya, entre Outubro e Novembro de 19459, na qual aresistncia dos nacionalista indonsios viria a obrigar os holandeses areconhecerem a autoridade de facto da recm-criada Repblica nas ilhas deJava, Madura e Sumatra10.

    Tenta-se ento criar um Estado federal indonsio (Estados Unidos daIndonsia) federado com a Holanda e incorporando trs estados federais : a 06. J. BRUHAT, Histoire de lIndonsie, Paris, PUF, 1976 : 77-79 ( Que Sais-je ? ).07. F. CAYRAC-BLANCHARD, Le Parti communiste indonsien, Paris, Armand Colin, 1973 : 13-25.08. M.C. RICKLEFS, op. cit. : 199-211. Romance especialmente importante para a compreenso da

    resistncia indonsia ocupao japonesa acolhe-se s pginas desse escritor clebre que P.A. TOER, Le fugitif, Paris, ditions 10/18, 1991.

    09. A batalha de Surabaya comemorada como smbolo de libertao nacional foi, na prtica, umconjunto de violentos afrontamentos entre o exrcito nacionalista indonsio apoiado namobilizao popular e tropas regulares anglo-holandesas, maioritariamente formadas porindianos. Tendo chegado cidade cerca de seis milhares de soldados indianos ingleses em25 de Outubro de 1945, ver-se-iam dizimados por dez a vinte mil soldados indonsiossecundados por cerca de uma centena de milhares de populares, largamente convocados emobilizados por escolas, confrarias e movimentos islmicos. A partir de 10 de Novembro,as tropas britnicas iniciaram uma violenta reaco apoiadas por bombardeamentos areose navais, desvastando Surabaya e matando mais de seis mil indonsios. Apesar do sacrifcioem vidas humanas, da perda de armamento e de capacidade de manobra, a batalha deSurabaya representou um ponto fundamental de viragem ao demonstrar o grande apoiopopular dos nacionalistas, empurrando os britnicos para uma progressiva posio deneutralidade e isolando as pretenses coloniais holandesas. (M.C. RICKLEFS, op. cit. : 217-218).

    10. B. DORLANS, LIndonsie, Paris, La Documentation Franaise, 1992 : 20.

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    repblica de Indonsia (Java, Madura e Sumatra), uma repblica da Indonsiaoriental (Negara Indonesia Timur) e a repblica ocidental de Kalimatan11. Solu-o rapidamente contrariada pelo desenvolvimento nacional da Indonsia,finalmente reconhecida como grande Estado independente pela Holanda em1949. Em termos panormicos, o desenvolvimento do nacionalismo indo-nsio partilha tanto da cronologia como dos iderios de outros movimentosnacionais asiticos, aproveitando, como vrios outros, o conflito mundialpara concretizar os seus planos de independncia. De raiz intelectual,convocando fortes apoios na burguesia comercial nacional, crescendo nasgrandes cidades ao ritmo da sua prpria exploso demogrfica, o naciona-lismo indonsio preferiu geneticamente seguir programas claramentebebidos nos nacionalismos ocidentais, afastando-se de expresses de etnici-dade e especificidade cultural que seriam desadequados unificao, porum Estado nacional, de uma larga pluralidade de identidades culturais. No, assim, qualquer tipo de etnicidade ou localismo que envolve a ideianacional, mas antes um programa nacionalista intelectual com projecoem movimentos, partidos e congressos polticos que reivindica e procuraconstruir uma Nao independente12.

    O Caso de Timor Leste

    Diferente se mostra o caso de Timor Leste. Assinale-se desde j aausncia do territrio timorense tanto dos principais programas naciona-listas indonsios como da construo do Estado independente. No se recen-seiam reivindicaes oficiais de anexao do chamado Timor Portugus Indonsia independente, apesar de ambos os espaos partilharem territriosvizinhos ou de terem igualmente sofrido uma violenta ocupao japonesaque praticamente dissolveu, nos dois casos, as administraes coloniaiseuropeias. Timor Leste transformou-se para Portugal, numa questo princi-palmente de direito internacional, e num conflito poltico e nacional. Nocampo do direito, a questo de Timor Leste invadiu mesmo o direito consti-tucional portugus, sendo conveniente recordar que o artigo 293 da Consti-tuio Portuguesa dedicado a Timor Leste, intitulando-se Autodeterminaoe independncia de Timor Leste. Trata-se, no entanto, de uma caracterizaojurdica com um envasamento mais longnquo, visto que o estatuto de TimorLeste havia sido j internacionalmente alterado em Dezembro de 1960, dataem que o territrio passa a ser qualificado de territrio no-autnomo noquadro do captulo XI da Carta das Naes Unidas13. Se o direito, do direitointernacional s responsabilidades constitucionais portuguesas, parece ofe-recer slidas razes para a legitimidade do processo de autodeterminao deTimor Leste, j mais difcil e menos reconhecida a construo de uma ideianacional que, da especificidade cultural resistncia poltica, fundamente eautorize a reivindicao de Independncia. 11. B. DORLANS, op. cit. : 21.12. Para um estudo mais profundo do nacionalismo indonsio, vejam-se, entre outros ttulos, os

    seguintes trabalhos : G. Mc Turnan KAHIN, Nationalism and Revolution in Indonesia, Cornell,Cornell University Press, 1952 ; SOEKARNO, Nationalism, islam and Marxism, Cornell, 1969 :35-53, translation series ; B. ANDERSON, Imagined Communities-Reflections on the spread ofNationalism, Londres, Verso, 1983 e J.T. SIEGEL, Fetish, Recognition and Revolution in Indonesia,Princeton, Duke University Press, 1997.

    13. Sobre o estatuto jurdico do territrio veja-se L. Marques SILVA, Timor oriental : la difficilebataille du droit, Lusotopie (Paris, Karthala), 1997 : 35-53.

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    Identificada cartograficamente em 1512, no Livro do cosmgrafoFrancisco Rodrigues, a ilha de Timor foi regularmente frequentada ainda noperodo quinhentista por navegadores e comerciantes portugueses que pro-curavam o rico e lucrativo comrcio do sndalo. A colonizao territorialconcretiza-se a partir do princpio do sculo XVII, centrada em Lifao, noactual enclave de Oecussi, orientalizando-se no sculo seguinte quando, em1767, se ergue a capital do Timor Oriental, Dili. Timor fez tambm parte darivalidade luso-holandesa pelo controlo do comrcio das especiarias doSudeste Asitico, concorrncia equilibrada atravs de vrios acordos queculminariam no tratado de 1859, consagrando a diviso entre um TimorOcidental holands, centrado em Cupang, e um Timor oriental Portugus,com capital em Dili, a que se juntavam o enclave de Oecussi, a ilha deAtaro e o ilheu de Jaco. A dominao colonial portuguesa foi sempreconcretizada, praticamente at dcada de 1950, por um punhado deeuropeus, geralmente coadjuvados por indianos e africanos orientais, princi-palmente moambicanos, assentando o seu poder na vassalagem dospoderes tradicionais de liurais e datos, os grupos sociais dominantes dassociedades timorenses14. A administrao colonial apenas se estendeu a todoo territrio de Timor Leste a partir de 1913, quando terminam as guerras deManufai que reduziram os separatismos locais, abrindo um perodo de forteaculturao e de progressiva configurao e adaptao ao poder colonial dosdireitos tradicionais15. Processo acelerado nos finais da dcada de 1950 comos primeiros investimentos econmicos srios no territrio somados a outrosfactores mais complexos, como o afluxo progressivo das populaes aosmeios urbanos16.

    Em 1945 quando a Indonsia proclama a sua independncia, a parteocidental da ilha de Timor passou a incluir-se na soberania indonsia, per-manecendo a parte oriental sobre domnio portugus, apesar da ocupaojaponesa, entre 1941 e 1945, no se tendo suscitado, ento, qualquer reivindi-cao conhecida, oficial e formal, com impacto internacional, sobre oterritrio. Para Portugal, no plano interno, Timor Leste entende-se semprecomo o Timor Portugus , sendo considerado, at Revoluo do 25 deAbril de 1974, uma possesso colonial como Angola, Moambique, Guin-Bissau, Cabo Verde e So Tom e Prncipe, pese embora as suas mudanasde estatuto poltico-administrativo : em 1951, sob presso dos movimentosanticolonialistas internacionais, Portugal passa a denominar as colniasportuguesas de provncias ultramarinas , uma alterao cosmtica comreduzido significado no desenvolvimento do reconhecimento da especifici-dades dos territrios colonizados17.

    A partir de Dezembro de 1955, quando Portugal se torna membro dasNaes Unidas, as crticas e oposies poltica colonial da ditaduraportuguesa passam tambm a contar com a autoridade da carta das Naes 14. Pode compulsar-se uma sntese das caractersticas principais da histria e antropologia da

    dominao colonial portuguesa de Timor em I. Carneiro de SOUSA, Timor-Leste desdemuito antes dos portugueses at 1769 , Encontros (Vila Nova de Gaia), I (3), [1998].

    15. O longo processo de pacificao e efectiva extenso da administrao colonialportuguesa ao conjunto do territrio do Timor oriental suscitou um demorado conjunto deconflitos e afrontamentos violentos que se podem seguir em R. PLISSIER, Timor en guerre Le crocodile et les Portugais 1847-1913, Orgeval, d. Plissier, 1996.

    16. Acerca deste tema importante do desenvolvimento urbano de Timor, veja-se L.F. REISTOMS, De Ceuta a Timor, Lisboa, 1994.

    17. Sobre a concesso do estatuto de provncias ultramarinas aos territrios sobadministrao colonial portuguesa, veja-se, AGNCIA GERAL DO ULTRAMAR, Timor-pequenamonografia, Lisboa, 1965.

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    Unidas, consagrando, como se sabe, o direito dos povos a autodeterminaoem dois articulados. Assim, logo no Artigo 1, a carta esclarece que Osobjectivos das Naes Unidas so : [] Desenvolver relaes de amizadeentre as naes baseadas no respeito do princpio da igualdade de direitos eda autodeterminao dos povos [] ; e, no Artigo 55, estabelece-se nova-mente que Com o fim de criar condies de estabilidade e bem-estar,necessrias s relaes pacficas e amistosas entre as Naes, baseadas norespeito do princpio da igualdade de direitos e da autodeterminao dospovos [] . Entre 1955 a 1960, Portugal consegue contornar os constran-gimentos jurdicos destes princpios, situao que se altera quando, em 1960,a Assembleia Geral das Naes Unidas adopta uma resoluo histrica, aResoluo 1514 (XV) implementation of the declaration on the granting ofindependence to colonial countries and peoples adoptada com 89 votos a favor enove abstenes em 14 de Dezembro. Declarao logo seguida pelaResoluo 1541 (XV), de 15 de Dezembro 1960, esclarecendo que os autoresda Carta das Naes Unidas consideram que o princpio da autodetermi-nao aplicvel aos territrios at a considerados como sendo do tipo colo-nial. Adopta-se seguidamente uma resoluo que viria a definir o estatutointernacional de Timor Leste : a Resoluo 1542 (XV) da Assembleia Geralclassifica claramente Timor Leste e as outras colnias portuguesas (contra osprotestos de Portugal) na lista dos territrios no autnomos regidos pelocaptulo XI da Carta das Naes Unidas. Desde de 1960 Timor Leste , porisso, considerado pelo direito internacional como sendo um territrio no-autnomo. Refira-se ainda que o artigo 73 deste captulo indica que oestatuto dos territrios em questo adquire uma dimenso particular, transi-tando de um problema interno (a administrao nacional de territrios cujospovos ainda no se governam completamente a si mesmos) para umproblema internacional, visto passar a ser competncia da comunidade inter-nacional, no geral, e da potncia administrante, em particular, o dever depromover e de respeitar o princpio do primado dos interesses doshabitantes desses territrios, princpio que mesmo literalmente entendidocomo sendo uma misso sagrada que concretiza a ideia de um serviopblico internacional 18. De tal forma que o interesse duma potnciaadministrante (no caso de Timor Leste, Portugal) torna-se para estes prin-cpios do interesse da comunidade internacional, determinando-se mesmoque as potncias administrantes tenham por obrigao transmitir com regu-laridade ao Secretrio-Geral das Naes Unidas informaes sobre osterritrios pelos quais so responsveis. De 1960 a 1974, como sabido,Portugal recusou-se sistematicamente a prestar estas informaes por noconsiderar as suas colnias como territrios no-autnomos, no secomunicando naturalmente tambm qualquer tipo de informao sobreTimor Leste.

    A partir de 1974, com a Revoluo dos Cravos, o Portugal democrticoreconhece o princpio da autodeterminao aos povos sob sua administraocolonial. Em 13 de Maio 1974, o Governador de Timor estabelece umacomisso para a autodeterminao de Timor Leste, depois acompanhada porum gabinete de assuntos polticos, cuja misso consistia em estudar epreparar contactos com os partidos polticos timorenses para aplicao dapoltica de descolonizao. Assim, no Dirio do Governo de 17 de Julho 18. Veja-se a este respeito, Mmoire du Gouvernement de la Rpublique Portugaise Affaire Timor

    Oriental, Portugal c. Australie, Haa, Tribunal Internacional de Justia, AGU, 1995.

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    publicada a lei 7/75 que pretende regular o processo de descolonizao e oexerccio do poder poltico at ao termo das prerrogativas da soberania quePortugal exerce sobre o territrio de Timor . Apesar da conflitualidadeentre partidos e movimentos timorenses e da quase ausncia de poder sriode interveno poltica e militar por parte de Portugal, o processo de auto-determinao foi-se desenvolvendo em comunicao com a emergncia deprogramas polticos de evidente cariz nacional. Infelizmente, o processo dedescolonizao interrompido brutalmente no final de 1975, quando aIndonsia invade a 7 de Dezembro o territrio, iniciando um demorado pro-cesso de conflito militar, poltico e cultural com as populaes e a resistnciatimorense, procurando integrar, tanto pela fora blica como pela assimi-lao scio-econmica, lingustica e cultural, o territrio de Timor oriental noespao poltico indonsio19. Ao lado da resistncia armada, desenvolve-seuma longa batalha diplomtica entre os dois pases que perdura at hoje :para a Indonsia o territrio a sua 27 provncia ; para Portugal, TimorLeste um territrio no-autnomo sob administrao portuguesa que aindano foi descolonizado. Da que desde de 1960 at hoje o Comit dos 24 ouComit da descolonizao continue a administrar a questo de Timor Lesteno seio das Naes Unidas. Os desenvolvimentos mais recentes das nego-ciaes entre Portugal e a Indonsia sobre o problema de Timor Leste noalteraram ainda estes princpios antagnicos, apesar de se gerarem vias parao aprofundamento das negociaes que devem obrigatoriamente passar aenvolver os representantes da resistncia timorense.

    A questo que mais nos interessa colocar a de saber como se foiforjando um sentimento nacional em Timor Leste que qualifica e alimenta aResistncia invaso de um vizinho poderoso, mas que alcanou tambmtardiamente a sua prpria independncia. Existem pontos de contacto entre 19. Ainda no se acumularam investigaes srias e rigorosas que permitam avaliar as trs

    dimenses que interagem no processo de descolonizao de Timor Leste e que concorrempara explicar a invaso da Indonsia : (a) a dissoluo do Estado e da Administraocoloniais nas vertentes polticas, militares e administrativas, sendo substitudo pelainterveno poltico-ideolgica de grupos, movimentos e sensibilidades sob a expresso do movimento das foras armadas ou de outras modalidades de organizao grupal ; (b) aconflitualidade intratimorense poltica, ideolgica, social e cultural, exacerbada por factoresendgenos e exgenos ; (c) as pretenses coloniais e anexacionistas da Indonsia enquantoexpresso de polticas regionais e internacionais que devem ser discutidas no contexto dasrelaes internacionais da dcada de 1970 que encontram precisamente em 1975 um dosperodos de mais intensos confrontos na expresso do afrontamento entre a poltica doschamados dois blocos. Ideias superficiais como as de impreparao dos timorenses paraa independncia ou de considerao de temas essencialistas em torno do carcter ounatureza dos timorenses que, por vezes, circulam em algumas memrias, histrias edeclaraes actuais sobre o territrio, devem ser completamente afastados da investigaoem cincias sociais e polticas, a qual deve procurar apurar as comunicaes entre factorespolticos, sociais e econmicas nas suas dimenses locais, regionais e internacionais paracompreender rigorosamente a situao de Timor Leste em 1975. Neste contexto, as anlisesprimrias e superficiais, com alguma ressonncia nos meios polticos da chamadasolidariedade portuguesa, de contedo poltico-ideolgico que se baseiam em formas de causalidade diablica , entrevendo na invaso indonsia de Timor Leste obscuras conspiraes unindo americanos ao Vaticano e a estranhas internacionais imperialistas (ver a este propsito Antnio Barbedo de MAGALHES, Timor Leste e asjornadas da Universidade do Porto, Porto, Reitoria da Universidade do Porto, 1997) devemtambm ser liminarmente recusadas no apenas porque no estudam os interessesnacionais e regionais da Indonsia, as caractersticas da comunicao poltica regional e assuas ligaes com a poltica internacional, mas tendem tambm a procurar proposita-damente esquecer as responsabilidades da potncia colonial dos seus responsveispolticos nacionais aos governadores e agentes locais (militares, polticos, dirigentespartidrios, professores, etc.) e a rpida desagregao dos seus instrumentos, meios eprogramas de actuao poltica, incluindo o processo de descolonizao e mais grave oabandono do apoio as populaes locais.

  • Separatismo no Sudeste Asitico : os casos da Indonsia e Timor Leste 367

    o nacionalismo indonsio e a resistncia nacional timorense ? Trata-se, emambos os casos, de nacionalismos especializados pela luta anticolonial ouencontramo-nos perante modalidades diversas de construo nacional ? Aresistncia timorense enforma um movimento separatista ou exibe todas ascaractersticas que permitem identificar um movimento nacionalista eindependentista ?

    O Nacionalismo indonsio e a resistncia nacional de Timor Leste

    A questo do nacionalismo constitui um tema complexo, tanto maiscomplicado quanto a sua raiz etimolgica sugere obviamente que onacionalismo deriva da ideia de Nao. Sendo assim poder-se- dizer,seguindo as lies do lxico, que o nacionalismo a preferncia, por vezesexclusiva, por tudo o que diz respeito nao de que se faz parte (nadeclarao, por exemplo, do Dicionrio Universal da Lngua Portuguesa) ? Defi-nio aparentemente simples, obrigando a reconhecer que no se pode falarde nacionalismo sem Nao ? Na negativa excluir-se-iam, ento, os prpriosMovimentos de Libertao Nacional, os partidos nacionalistas ou os movi-mentos de resistncia nacional que procuram garantir a autodeterminaode um determinado territrio ? Em rigor, a comunicao entre nacionalismoe Nao no se mostra to evidente e causal como se pode pensar, impondo-se geralmente duas grandes tipologias de especializao do nacionalismo :aquela em que o Estado precede a Nao e outra em que a prpria Nao imaginada 20 precede o Estado21. O nacionalismo pode desenvolver-se,assim, sem que exista o conceito e a concretizao de um Estado-Nao, damesma forma que este se pode institucionalizar longe de pressesnacionalistas.

    No caso de Timor Leste importa perceber a gnese do nacionalismo e aconstruo de uma ideia nacional. Em termos gerais, no se arrolam movi-mentos, partidos ou sensibilidades organizadas que, anteriores a 1974,tenham sistematicamente combatido pela autodeterminao e indepen-dncia de Timor Leste. Descobrem-se, certo, lutas e oposies ao regimecolonial portugus, por vezes at violentas, em comunicao com vriasreivindicaes de promoo poltica, social e cultural das populaes timo-renses. A oposio administrao colonial encontra-se tambm em crticase opinies que se estendem dos jornais aos clubes desportivos e culturais,passando pela politizao dos meios militares, mas difcil, mesmo nestesmeios mais politizados e crticos, deparar com movimentos e partidos orga-nizados de tipo nacional e independentista. A falta de um programanacionalista cobre tambm as revoltas de 1959 que, apesar de se oporem comveemncia ao poder colonial, no agitam ainda alternativas nacionalistas.Releia-se, por isso, o depoimento de um dos timorenses intervenientes nessarevolta, preso e degredado em Angola :

    Em 1953 eu e alguns meus companheiros, todos j funcionrios de Estado,pedimos ao Senhor Governador de Timor para mudar as aulas do 2 ciclo do

    20. Seguimos aqui, nesta ideia de que toda a Nao se apoia numa construo e numa

    comunidade imaginada , o estudo referencial de B. ANDERSON, Imagined Communities,Londres, Verso, 1983.

    21. Veja-se a tipologia de J. PLAMENATZ, Two types of Nationalism , p. 22-36 in E. KAMENKA,ed., Nationalism : the nature and evolution of an idea, Canberra, Australian National UniversityPress, 1973, 126 p.

  • 368 Lurdes Marques SILVA

    liceu, criado nesse mesmo ano, para a parte da tarde a fim de ns podermosfrequentar tambm as aulas como alunos matriculados. O SenhorGovernador, em resposta, disse-nos que aqueles que quisessem frequentar o2 ciclo tinham de pedir a sua exonerao de funcionrios, pelo contrrio noautorizava, porque no podia alterar o trabalho dos professores. Devoesclarecer que antes de irmos falar com o Senhor Governador, tnhamospedidos aos senhores professores de liceu se podiam fazer o favor de nosensinar na parte da tarde. Os mesmos senhores disseram-nos que estavamsempre prontos a ensinar-nos a qualquer hora do dia, pois a misso deles erade educar e instruir, isto , mostrar a luz a todos aqueles que ainda estavamnas trevas da ignorncia e que j h centenas de anos que andavam a procurada referida luz. Ns no podamos deixar de ir trabalhar para ir ao liceu naparte da manh porque no tnhamos quem nos pudesse ajudar,encarregando-se de fazer semelhantes despesas. Tivemos conhecimento pelosdiferentes jornais da Metrpole de que os nossos irmos de l andavam alutar em aprender [] pois o Governo, para acabar com analfabetismo emPortugal, criou vrias escolas diurnas e nocturnas, destinadas aos adultos.Sabendo isso, julgmo-nos tambm com direito, porque o senhor AlmiranteSarmento Rodrigues, ento Ministro do Ultramar, quando a sua visita aTimor, disse-nos, no seu discurso que "Timor tambm Portugal". [] Todosestes abusos praticados pelos mandantes de Timor, sombra da suaautoridade, levaram-nos cabea a ideia de planear a revolta para reclamar osnossos direitos de cidados livres 22.

    Pouco rigoroso seria concluir que o nacionalismo timorense nasceu apartir de revoltas deste teor em torno do tema da injustia social e da margi-nalidade das populaes colonizadas, produzindo reivindicaes que semovimentam ainda no interior da prpria exigncia de democratizao doPortugal Colonial. Tambm no caso destas revoltas de 1959 devem continuara recordar-se, afinal, as lies de Frantz Fanon que, no seu famosssimo livroLes Damns de la terre, ainda em 1961, esclarecia que a oposio anticolonialno tem necessariamente que forjar um sentimento nacional :

    Que le combat anti-colonialiste ne s'inscrive pas d'emble dans uneperpesctive nationaliste, c'est bien ce que l'histoire nous apprend. Pendantlongtemps le colonis dirige ses efforts vers la suppression de certainesiniquits : travail forc, sanctions corporelles, ingalit de salaires, limitationsdes droits politiques, etc 23.

    O nacionalismo timorense emerge com continuidade histrica e estrutu-rao poltica a partir de 1974, quando a revoluo em Portugal propiciou aabertura de um processo de descolonizao em Timor Leste. A criao departidos polticos timorenses, a especializao de programas partidriosligados s realidades sociais e culturais do territrio, o aparecimento delderes locais, a multiplicao de organizaes, reunies, debates e disputaspolticas foi contribuindo para aprofundar a ideia de uma Nao inde-pendente que viria mesmo a ser proclamada por um dos principais partidosnacionais timorenses, a Fretilin (Frente revolucionrio de Timor Lesteindependente)24. Interrompido o processo de autodeterminao pela invasoindonsia, o nacionalismo timorense tornou-se progressivamente um iderio

    22. Memorendum sobre o acontecimento em Timor em 1959, depoiemento de Jos Manuel

    Duarte, preso na colnia do Bi, provncia de Angola, Arquivos Nacionais Torre do Tombo,Arquivo Oliveira Salazar, Lisboa, AOS/CO/UL 32-A, pasta 7.

    23. F. FANON, Les damns de la terre, Paris, Gallimard, 1991 : 189. ( Coll. Folio actuel ).24. Esta declarao de independncia foi proclamada em 28 de Novembro de 1975. Importaria

    investigar mais longamente as motivaes que impeliram os responsveis da Fretilin aprecipitar esta declarao, o que obriga a cruzar a situao interna de Timor Leste com asituao internacional em estreita ligao com os processos que, noutros horizontes dadescolonizao portuguesa, impuseram as independncias dos pases africanos lusfonos.

  • Separatismo no Sudeste Asitico : os casos da Indonsia e Timor Leste 369

    alimentado pela Resistncia, tanto civil como armada no interior doterritrio, multiplicada igualmente pela dispora, comeando a criar tantosmbolos de identificao nacional quanto insistindo em preservar e, emvrios casos, restaurar a especificidade timorense, da cultura material aosurgimento de artes e literaturas. A comear, a resistncia identificou aNao em torno precisamente da noo de Timor Leste, uma ideia pratica-mente esquecida pela colonizao portuguesa que entendia o territrio emtorno da generalizao de Timor , ilha de Timor ou Timor Portu-gus 25. Reafirmou a especificidade lingustica na adopo do Portuguscomo lngua oficial e na promoo das lnguas vernaculares locais, como otetum. Colou a Nao resistncia armada, aos seus dirigentes e mrtires,aos seus smbolos, das bandeiras s palavras de ordem, da paisagem aovesturio. Promoveu a cultura e a identidade cultural timorense na dispora,multiplicando-se os grupos etnogrficos, musicais e de dana, correndo aolado do aparecimento de novos escritores e artistas timorenses, buscando a alma cultural de Timor 26. Divulgou a cultura timorense no estrangeiro.Especializou-se ainda um fenmeno mais complexo de enorme crescimentoda Igreja catlica no territrio, precisamente pela sua posio de resistnciapoltica, cultural e religiosa dominao indonsia. Em todas estas vertentesdestaca-se um sentimento de pertena a uma comunidade nacional cujaidentidade assenta na tripla especializao da resistncia poltica, cultural ereligiosa. Descobre-se, assim, nesta dimenso comunitria precisamenteum dos elementos mais constantes em todas as teorias da Nao, sublinhadoj em 1882 por Ernest Renan que, no seu livro Qu'est ce qu'une Nation ? exprimia em frase clebre que l'essence d'une nation est que tous les individusaient beaucoup de choses en commun et aussi que tous aient oubli beaucoup dechoses 27. Um iderio que, no sem exagerar a busca de uma espcie de essncia cultural e, mesmo, religiosa, se encontra no texto da Magna Cartada primeira conveno da dispora timorense, realizada este ano, podendoler-se no prembulo deste documento que Ns, o povo de Timor []conscientes da nossa herana histrica, cultural e espiritual e da nossaidentidade cultural enrazada na tradio judaico-crist Uma declaraode proclamao identitria que teria interesse discutir com mais profun-didade, visto remeter para uma categoria ( identidade cultural enrazada natradio judaico-crist ) religiosa que, pretendendo-se tradicional, seencontra, em rigor, mais vinculada actuao presente da Igreja catlicaenquanto resistncia anexao indonsia, do que a uma histria que,despida de quaisquer factores de tradio judaica , remete para a longadurao de uma colonizao em que a religio foi mais factor de aculturaodo que identidade cultural consuetudinria.

    25. Vale a pena, neste campo, seguir as lies dos manuais oficiais de geografia e histria que

    eram adoptados no ensino oficial.26. A propsito do tema da especificidade cultural de Timor Leste, consulte-se I. Carneiro de

    SOUSA, Album do Territrio No-Autnomo de Timor-Leste para a Expo-98, Lisboa, Pavilho doterritrio no autnomo de Timor Leste, 1998.

    27. E. RENAN, Quest- ce quune Nation ? Et autres essais politiques, Paris, Pocket, 1992.

  • 370 Lurdes Marques SILVA

    Em torno do tema do separatismo e do nacionalismo na Indonsia e emTimor Leste

    Pode ser a questo de Timor Leste considerada como um problema deseparatismo, diferente de um processo de construo nacional ? Ser que oconflito de Timor Leste apresenta uma dimenso local, interna, exterior considerao de uma resistncia nacional com larga projeco e apoiosinternacionais ? Existem pontos de contacto entre a resistncia nacionalistade Timor Leste e o desenvolvimento de outros movimentos separatistas nointerior da Indonsia ? Assumem estes movimentos tambm uma dimensonacionalista ?

    Estas questes merecem a ateno da investigao em cincias sociais epolticas at porque a potncia ocupante de Timor Leste tem vindo aconsiderar o conflito timorense como um problema de separatismo, deacordo com o direito interno indonsio que considera, ilegalmente, como seesclareceu, Timor Leste como uma provncia indonsia. O argumento ainda agitado para apresentar o problema de Timor Leste como uma espciede precedente que, a ser resolvido num sentido de autodeterminaonacional, poderia excitar outros movimentos separatistas no interior daIndonsia. Importa, por isso, tratar de avaliar, ainda que panoramicamente,a situao dos conflitos regionais no interior da Indonsia, discutindotambm a partir deles o tema do nacionalismo e o estatuto poltico e simb-lico da resistncia timorense.

    Uma das regies que, no interior da Indonsia, tem continuadamentereivindicado uma soberania prpria a do Aceh, no norte de Sumatra.Antigo sultanato islmico, erguido entre os sculos XIV e XVI, o Aceh foi umgrande centro de influncia politica e religiosa que permitiu a construo deum Estado Moderno e a emergncia de um forte sentimento de identidadeautonma28. Em termos histricos, esta identidade tem como fase deconsolidao fundamental a memria do perodo de ouro do Sultanato quepode situar-se na poca do Sulto Iskandar Muda (1607-36), ainda hoje umlugar da memria referencial do nacionalismo acehns29. Esta regio deSumatra teve sempre, assim, historicamente, uma tradio de resistncia dominao exterior que, na longa durao, se estende da resistncia contra ainfluncia portuguesa no sculo XVI quando os nossos comerciantes esoldados se apoderaram dos circuitos do comrcio das especiarias viaMalaca30, resistncia tambm colonizao holandesa que, entre outrosafrontamentos, culmina na guerra de 1871 que s conseguiria ser reprimidadefinitivamente em 190331. Uma resistncia tambm historicamente demo-rada contra o poder central indonsio/javans que, acumulando guerras econfrontaes vrias entre os sculos XV e XIX, haveria de se precipitar, maisrecentemente, com a revolta de 195332. E, embora, na sequncia das revoltas,ao Aceh tenha sido oferecido um estatuto regional especial em 1959, asreivindicaes separatistas com apoio de uma luta armada tomaram corpo 28. T. KELL, The roots of acehnese rebellion -1989/1992, Cornell, Cornell Modern Indonesia Project,

    1995 : 3-12.29. I.M. LAPIDUS, op. cit. : 467-488.30. Sobre o perodo do sultanato de Iskandar Muda, veja-se D. LOMBARD, Le sultanat dAtjeh au

    temps dIskandar Muda (1607-1636), Paris, 1967.31. Veja-se J.C. CLIVE, A Modern History of Southeast Asia Decolonization, Nationalism and

    Separatism, Londres, Tauris Academic Studies, 1996 : 142.32. Veja-se o manifesto dos rebeldes acehnses de 1953 reproduzido em Indonesian political

    thinking 1945-1965, Cornell, Cornell University Press, 1970 : 211-213.

  • Separatismo no Sudeste Asitico : os casos da Indonsia e Timor Leste 371

    com a formao em 1976 de um partido claramente independentista, o Gerakan Aceh Merdeka , o movimento pela libertao de Aceh, actuantetambm, intermitentemente, durante o perodo suhartiano. E para os obser-vadores que foram esquecendo estes movimentos, ainda nos ltimos meses,quase todos os noticirios mostravam a ecloso de novas revoltas no Acehque colocam de novo, nas ruas, com violncia, o problema da autonomianacional.

    O movimento separatista das Molucas do Sul talvez o movimento sepa-ratista menos conhecido dentro da Indonsia. Com efeito, praticamentedesconhecido que a luta pela autodeterminao neste espao insular pro-duziu mesmo uma declarao de independncia das Molucas do Sul, em1950. Ao contrrio do Aceh em que o elemento islmico se mostra funda-mental na reunio de uma conscincia nacional, nas Molucas descobre-seuma expresso nacional que entronca na cristianizao promovida com achegada portuguesa, em 1512, depois especializada pelas igrejas protes-tantes sob influxo holands, principalmente na ilha de Ambono33. Por isso,os Amboneses cristos, formando uma camada de mestios e comerciantessocialmente elevada, foram suporte fundamental da colonizao holandesa,dela retirando um conjunto de privilgios polticos e sociais que organizava,ao mesmo tempo, uma administrao autctone e a armada colonial holan-desa. Esta aliana tradicional com o poder colonial, permite compreenderesse projecto holands de finais da dcada de 1940 procurando promover,contra a independncia da Indonsia, um Estado Federal Indonsio comuma repblica indonsia oriental, designada Negara Indonesia Timur (NIT).Projecto que criou principalmente nos meios elitrios Amboneses o desejode separarao da, ento, recm-criada Rpublica da Indonsia, promo-vendo um movimento independentista que teve, porm, pouco sucessointerno e externo, sendo completamente destrudo logo no princpio dosanos 196034.

    O movimento separatista do Irian Jaya, na parte ocidental da grande ilhada Nova-Guin, parece destacar um caso de estudo cuja trajectria, a umaprimeira leitura, se aproxima do conflito de Timor Leste. De facto, em 1945,aquando da proclamao da independncia da Indonsia, os dois territriosdo grande arquiplago malaio-indonsio que no foram incorporados nanova repblica foram precisamente Timor Leste e o Irian Jaya. Timor Lestenunca foi sequer sugerido como territrio da Repblica da Indonsia porno pertencer ao imprio colonial holands, enquanto o Irian Jaya se encon-trava excludo do referido grupo Negara Indonesia Timur com que aHolanda procurava projectar o seu programa de Estados federais na Indo-nsia. Como se sabe, a prpria Holanda acabaria por incentivar o naciona-lismo papua, especialmente na parte oriental da Nova-Guin, hoje, de facto,independente, mas guardando a sua soberania sobre a parte ocidental dailha at 1962, data em que um acordo indonsio-holands transferiu asoberania holandesa para a Indonsia sob a condio de, no quadro dasNaes Unidas, se organizar um referendo populao sobre a sua auto-determinao35. A legalidade deste plebiscito que se veio a concretizar,votando a integrao do territrio na Indonsia, embora com a aprovao das Naes Unidas, continua a ser questionado de tal forma que um

    33. J.C. CLIVE, op. cit. : 108-126.34. J.C. CLIVE, op. cit. : 108-126.35. G. DEFERT, op. cit. : 237-262.

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    movimento de libertao nacional, Organisasi Papua Merdeka (OPM), semantem activo, reivindicando a abertura de um autntico processo de auto-determinao que tem vindo a convocar vrios apoios internacionais.

    Timor Leste, pese embora as aproximaes com estes movimentos,mostra-se um caso singular. Desde logo, por razes de direito internacionalque convm continuar a sublinhar : (a) estava a decorrer um processo dedescolonizao que no foi levado a termo pela potncia administrantequando se efectua a interveno militar indonsia em Timor Leste ; (b) odireito internacional no reconheceu a integrao de Timor Leste naRepblica da Indonsia como vlida ; (c) o direito interno indonsio nestamatria s produz efeitos no quadro interno indonsio que no so inter-nacionalmente vlidos ; (d) no houve at hoje nenhum referendo ouqualquer tipo de consulta popular que permitisse ao povo de Timor Lesteexprimir a sua vontade soberana de acordo com as normas internacionais. Seas razes do direito concorrem para justificar a resistncia timorense, noquadro da investigao social que se deve procurar compreender a suadinmica, marcada por vinte e trs longos anos de combate difcil, muitasvezes em condies de grande incompreenso internacional. A resistnciatimorense mostra-se um movimento popular, socialmente amplo, assen-tando num quadro de nacionalismo cujas razes cruzam a oposio demo-crtica ditadura com influncias dos movimentos de libertao anti-coloniais nos pases africanos de expresso portuguesa. Neste campo, aestreita comunicao entre a Frelimo (Frente de libertao de Moambique) ea Fretilin merece investigao mais demorada, at porque precisamente emMoambique que se descobre ainda hoje uma das mais activas comunidadestimorenses na dispora, gerando quadros, programas e actividades degrande relevo no desenvolvimento geral da resistncia timorense36. Paraalm dos factores identitrios mais gerais, sublinhe-se este factor decisivo deuma ideia de Nao que se organizou com a (e em) Resistncia, preparandouma Nao que, agora, de certo, rapidamente, reescrever a geografiapoltica do Sudeste Asitico. Timor Leste prenunciar tambm a incontor-nvel fragmentao de um Estado-Nao pluritnico e multicultural, quase imperial : aquilo que se chama hoje Indonsia ?

    Fevereiro de 1999Lurdes Marques SILVA

    Centro portugus de estudos do Sudeste Asitico (Lisboa)

    ADDENDUM

    Lorsque nous avons prpar cet article pour les journes dtudes deLusotopie Goa, le processus rfrendaire Timor oriental ntait pas encoreacquis. Aujourdhui, plus dun an aprs le rfrendum qui a permis ce 36. Neste domnio, torna-se fundamental a investigao actualmente em desenvolvimento de

    M. ALKATIRI, Dispora, Nacionalismo e Resistncia : o caso da comunidade timorense deMoambique, comunicao apresentada ao I Seminrio Poderes, Identidades e Etnicidadesna Histria da frica Austral , Porto, Centro de Estudos Africanos da Universidade doPorto, 1998.

  • Separatismo no Sudeste Asitico : os casos da Indonsia e Timor Leste 373

    territoire de se sparer de lIndonsie, il importe de mener quelquesrflexions sur lavenir de lIndonsie et de son voisin Timor Loro Sae.

    La premire interrogation porte videmment sur la question desconsquences de laffaire de Timor oriental sur lavenir de lIndonsie. On abeaucoup spcul dans les mdias et ailleurs sur la probable et prochebalkanisation de lIndonsie, et lon na pas compris en Occident que lerfrendum de Timor oriental autoris, souvenons-nous par Djakarta ,avait justement pour but de prvenir une telle balkanisation. Lorsque lePrsident Habibie dcida du jour au lendemain de permettre ce que lacommunaut internationale, et le Portugal en sa qualit de puissanceadministrante, rclamaient sur les fronts diplomatiques, politiques,conomiques et mdiatiques depuis des dcennies, cela navait pour but quede trouver une sortie ce que lon qualifie Djakarta dincident delhistoire . Habibie et son entourage nignoraient pas que les Est-Timoraisallaient voter massivement pour la sparation et on aurait presque dit Dieu merci, ils ont rejet la proposition dautonomie .

    Pourquoi ? Parce quune solution dautonomie aurait t catastrophiquepour lIndonsie. Comment, en effet, promettre un rfrendum surlautonomie pour Timor oriental, et nier ce mme droit aux autres provincespour lesquelles un plan dautonomie (aujourdhui mis en pratique) avaitdj t bauch. Ce que le prsident Habibie navait pas prvu cestvidemment lampleur de la violence qui sen suivit. Ce nest un secret pourpersonne aujourdhui que le pouvoir civil en Indonsie nopre aucuncontrle sur le pouvoir militaire. Le prsident Wahid, est lui aussi, bien loinde contrler ce pouvoir dans le pouvoir. Lincident rcent de lassassinat detrois fonctionnaires des Nations Unies Atambua est l pour le prouver,pour peu quon ait encore eu des doutes. Plus dune quinzaine detravailleurs indonsiens employs par les Nations Unies ont aussi t lesvictimes des milices dans ce massacre, mais personne nen a parl. Lesmdias occidentaux seraient-ils aussi atteints de crises dethnicit ?

    Mais revenons sur cette menace de balkanisation de lIndonsie, etefforons-nous de comprendre le problme vu de lintrieur. On ne compteplus aujourdhui les mouvements sparatistes dans larchipel : ceux que lonconnat dj Aceh, Irian Jaya (Papouasie Nouvelle-Guine Occidentale) ouencore les Molluques , et ceux qui surgissent au jour le jour ou peut-treles mconnaissions-nous ? : le chef traditionnel de Wetar veut un rf-rendum, Riau veut se sparer Vu dOccident bien sr ces mouvements ontleur lgitimit, mais vu de lintrieur, on observe les choses, certes avecnationalisme, mais aussi avec perplexit : ces mouvements reprsentent-ilsla majorit de la population ? Les Papous sont-ils majoritairement favorables lindpendance ? Et que dire dAceh : y souhaite-t-on la cration dun tatislamiste aux portes du plus grand pays musulman du monde ? La popu-lation dAceh est-elle majoritairement favorable la cration dune socitislamiste ? La population fminine dAceh sest, elle, dj manifeste encongrs contre ltablissement dun islamisme orthodoxe qui les priverait detoutes ces liberts dont lOccident si justement senorgueillit. Riau, fort deces ressources ptrolires, souhaite une sparation, mais verrait dun bon illa non-incorporation du groupe qui ne possde pas de ptrole Dcidmentvue de lintrieur ou de lextrieur, lIndonsie restera bien pour longtempsencore une mosaque dinterrogations et de surprises. Rien nest pluscompliqu que ce qui parat vident

  • 374 Lurdes Marques SILVA

    Enfin une petite rflexion sur le devenir de Timor Loro Sae. Le dfi de ladmocratie nest pas un dfi des plus simples, nous le savons. Pourconstruire une socit stable et prospre o les droits de chaque individusont respects, il faudra encore bien des efforts. Le premier effort accom-plir est de tenter de comprendre l'Indonsie, de laider aussi dans son effortde dmocratisation. Les Est-Timorais ont chang le cours de lhistoire, maisils ne changeront pas la gographie. LIndonsie est leur voisin le plus pro-che, et dfaut davoir confiance en elle, il leur faut au moins essayer de lacomprendre. Il leur faut aussi changer de discours, pour cesser de rendrelIndonsie responsable de tous les maux assaillant la scne politique est-timoraise. Cest un discours de facile adhsion et rsonance auprs despopulations, mais il nest srement pas souhaitable. Le problme si lonregarde ce qui se passe Timor Loro Sae, cest que la majorit des ministresdu gouvernement de transition sont des Timorais issus de la diaspora, ceux-l mme qui pendant des dcennies ont utilis un discours anti-indonsien.Reste esprer quils sachent avec sagesse se recycler.

    Un dernier effort consiste faire de cette nouvelle personnalit inter-nationale un lieu o les valeurs dmocratiques de tolrance, de justice etdgalit soient garanties. Les signes qui nous arrivent du territoire sont cette augure bien peu rconfortants, hier la campagne de lglise catholiquecontre lutilisation des prservatifs, aujourdhui la tentative de lynchage dejeunes filles qui exprimaient, aux dires des plus orthodoxes, un got jugtrop pouss pour les modes vestimentaires occidentales

    Les Est-Timorais nous ont rserv depuis des dcennies bien des sur-prises et des leons de courage et daffirmation. Esprons quils nous sur-prennent encore lavenir par leur lucidit et leur esprit de tolrance. Enmatire danalyse politique on en revient toujours lhistoire de la bouteille moiti vide ou moiti pleine

    Lisbonne, 13 novembre 2000