Marketing do Bom Senso

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© Luiz Valério de Paula Trindade 02.03.2013 M M a a r r k k e e t t i i n n g g d d o o B B o o m m S S e e n n s s o o É possível observar que, de acordo com a literatura acadêmica, existem diversas teorias, correntes e escolas de pensamento em marketing e, de tempos em tempos, surge alguma novidade ou até mesmo a releitura de alguma delas, porém, melhor adaptada a circunstâncias atuais. Naturalmente que o presente artigo não tem a pretensão de discorrer ou expor uma nova teoria na área de marketing, mas sim de sugerir uma reflexão crítica ao leitor no sentido de analisar mais detidamente determinados discursos midiáticos que podem induzi-los a uma decisão de compra com falhas. Verifica-se ser possível identificar este tipo de mensagem falaciosa, por exemplo, em anúncios e promoções veiculadas com regularidade em canais de televisão e outros meios de comunicação. Há mensagens que argumentam que qualquer pessoa pode adquirir determinados produtos com “apenas” R$ 1,99 por dia (ou outros valores igualmente baixos). Este tipo de mensagem (ou argumentação de venda) é utilizado para promover um amplo leque de produtos. Mas, geralmente, são mais utilizados na comunicação de produtos de valor agregado mais elevado que, invariavelmente, tem seu acesso mais restrito a uma reduzida parcela dos consumidores. A compra parcelada/financiada, onde paga-se prestações por um bem cujo valor é, na maioria das vezes, pouco acessível para ser adquirido a vista, é uma realidade muito comum na economia brasileira e representa uma solução muito interessante, na medida em que contribui para que mais consumidores tenham acesso a produtos de valor mais expressivo que, de outra forma, não seria possível.

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ÉÉ possível observar que, de acordo com a literatura acadêmica, existem

diversas teorias, correntes e escolas de pensamento em marketing e, de tempos

em tempos, surge alguma novidade ou até mesmo a releitura de alguma delas,

porém, melhor adaptada a circunstâncias atuais.

NNaturalmente que o presente artigo não tem a pretensão de discorrer ou

expor uma nova teoria na área de marketing, mas sim de sugerir uma reflexão

crítica ao leitor no sentido de analisar mais detidamente determinados

discursos midiáticos que podem induzi-los a uma decisão de compra com

falhas.

VVerifica-se ser possível identificar este tipo de mensagem falaciosa, por

exemplo, em anúncios e promoções veiculadas com regularidade em canais de

televisão e outros meios de comunicação. Há mensagens que argumentam que

qualquer pessoa pode adquirir determinados produtos com “apenas” R$ 1,99

por dia (ou outros valores igualmente baixos).

EEste tipo de mensagem (ou argumentação de venda) é utilizado para

promover um amplo leque de produtos. Mas, geralmente, são mais utilizados

na comunicação de produtos de valor agregado mais elevado que,

invariavelmente, tem seu acesso mais restrito a uma reduzida parcela dos

consumidores.

AA compra parcelada/financiada, onde paga-se prestações por um bem

cujo valor é, na maioria das vezes, pouco acessível para ser adquirido a vista, é

uma realidade muito comum na economia brasileira e representa uma solução

muito interessante, na medida em que contribui para que mais consumidores

tenham acesso a produtos de valor mais expressivo que, de outra forma, não

seria possível.

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ÉÉ sabido também que grande parte dos consumidores utiliza como um

de seus principais critérios de seleção e decisão de compra, uma avaliação de

qual o peso da prestação em seu orçamento familiar mensal. Embora os

consumidores estejam atentos aos juros cobrados, ainda assim, a análise de

quanto a prestação representa em sua renda mensal prevalece.

SSendo assim, ao argumentar que o produto “A” pode ser “facilmente”

adquirido por intermédio do desembolso de “apenas” R$ 1,99 por dia ou até

mesmo menos, esta mensagem pode ser interpretada de algumas formas.

Inicialmente, é possível dizer que, conceitualmente, a argumentação de fato faz

sentido, pois se o consumidor poupar esta quantia de valor relativamente baixo

todos os dias ao longo de um período de vários meses, é de se esperar que o

bem desejado realmente tenda a convergir para a real possibilidade de ser

adquirido.

PPor outro lado, considera-se que na realidade, nem sempre as coisas

funcionam assim de forma tão simplória. Partindo desta linha de raciocínio,

espera-se então que todas as pessoas (ou pelo menos toda a população

economicamente ativa do país) têm condições de adquirir absolutamente tudo o

que ela quiser. A única variável independente nesta equação de causa e efeito,

seria o tempo, ou o prazo de acumulação do valor total do bem a partir da

economia diária de R$ 1,99 ou outro valor baixo equivalente. Contudo, vejamos

alguns exemplos prosaicos para esclarecer um pouco mais este panorama:

Você quer comprar uma Mercedes Benz luxuosa avaliada em R$

250.000,00, por exemplo? Por “apenas” R$ 1,99 por dia ela poderá

ser toda sua;

Ou que tal então comprar um veículo do tipo chamado popular

avaliado em R$ 30.000,00? Disponível também por R$ 1,99 por dia;

Ou então, caro leitor, talvez você precise adquirir um computador

novo avaliado em R$ 2.800,00. Como adquiri-lo? Bastam R$ 1,99

por dia.

SSendo assim, percebe-se que estes exemplos contribuem para ilustrar a

reflexão de que, esta lógica é simplória demais, pois ela camufla um fator

importante nesta equação que consiste no tempo para quitação do pagamento

parcelado, que naturalmente, se estenderia por um tempo extremamente

prolongado. Neste caso, a Mercedes demoraria nada mais nada menos do que

370 anos para ser quitada, enquanto que para quitar o carro popular seriam

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necessários 42 anos e o computador demandaria quase 4 anos para ser pago em

sua totalidade.

CCertamente que as situações e exemplos mencionados são hipotéticos,

mas mesmo assim, contribuem para ilustrar o conceito. Além disso, existe a

possibilidade também de que a argumentação dos anunciantes seja de caráter

ou viés mais retórico e menos absoluto.

CContudo, considera-se importante comentar que os anunciantes que

recorrem a esta linha de comunicação, carecem de um pouco mais de bom

sendo, pois este tipo de abordagem pode até parecer psicologicamente

interessante, na medida em que transmite a ideia de acessibilidade, mas

lamentavelmente (é preciso dizer), subestima a inteligência coletiva dos

consumidores.

PPortanto, o presente artigo propõe justamente que os anunciantes

deveriam recorrer mais à aplicação dos princípios do Marketing do Bom Senso

e menos de retóricas desta natureza que não são convergentes com a realidade.