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INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE MARIANA VANNUCHI TOMAZINI RESILIÊNCIA E EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA EM AMBIENTES NATURAIS SÃO PAULO 2011

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INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE

MARIANA VANNUCHI TOMAZINI

RESILIÊNCIA E EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA EM AMBIENTES

NATURAIS

SÃO PAULO

2011

MARIANA VANNUCHI TOMAZINI

RESILIÊNCIA E EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA EM AMBIENTES

NATURAIS

Monografia apresentada ao Instituto Sedes

Sapientiae de São Paulo para obtenção do

título de Especialista em Psicologia do Esporte

Área de Concentração: Psicologia do Esporte

Orientadora: Profª. Drª. Simone Sanches

SÃO PAULO

2011

DEDICATÓRIA

A todas as pessoas que enfrentam adversidades. Para que não esqueçam que há

sempre algum recurso, interno ou externo, a ser mobilizado para enfrentá-las.

AGRADECIMENTOS

- À Minha família, meu apego seguro, que, com amor, limites e sabedoria,

proporcionou-me autonomia progressivamente e me auxiliou a desenvolver recursos

para enfrentar os desafios da vida. Obrigada por serem meu porto e me darem forças

para desbravar os mares da existência.

- À minha orientadora, Professora Doutora Simone Sanches, pela paciência, afeto e

sabedoria. Sua presença foi de extrema importância.

- À Outward Bound Brasil, por abrir suas portas e possibilitar esta pesquisa com

tamanha gentileza e atenção.

- Ao Flávio Kunreuther. Instrutor da Outward Bound Brasil e pesquisador da área da

aprendizagem experiencial ao ar livre. Obrigada pelo seu tempo, atenção e palavras que

me inspiraram.

- Aos instrutores e alunos do FEAL (janeiro de 2011), pela receptividade e colaboração

com a pesquisa. Obrigada por me permitirem adentrar seu universo interior,

compartilharem seus aprendizados e, com eles, me ensinarem sobre a vida.

- Aos meus Professores e Colegas da Pós-graduação, pelo afeto e sabedoria

compartilhados. Obrigada por me auxiliarem a enxergar meus recursos internos e a ser

mais resiliente, apesar das adversidades. Vocês ficarão sempre nas minhas lembranças e

em meu coração.

- Ao Instituto Sedes Sapientiae, por promover o curso de Formação em Psicologia do

Esporte.

- Aos meus amigos, pela hospitalidade, por serem minha “rede de apoio social” e um

grande fator de proteção em minha vida.

- A Deus, por ser meu apego seguro invisível.

- À natureza, por ser meu Deus personificado.

Sem vocês, esta pesquisa não seria viável! Obrigada

EPÍGRAFE

“Só o que está morto não muda. Repito por pura alegria de viver. A salvação é pelo risco, sem o qual a vida não vale a pena”.

(Clarice Lispector)

RESUMO

TOMAZINI, M. V. Resiliência e Educação Experiencial pela Aventura em Ambientes Naturais. 2011. Monografia (Pós graduação latu sensu ) - Instituto Sedes

Sapientiae, São Paulo, 2011.

Na atualidade, o método pedagógico da educação experiencial pela aventura em ambientes naturais vem sendo bastante utilizado como ferramenta facilitadora do processo de ensino-aprendizagem e do desenvolvimento físico, cognitivo, emocional, moral, pessoal e social dos indivíduos. O presente método tem como princípio básico o potencial educativo das experiências seguidas de reflexão e, utiliza os desafios intrínsecos da natureza como recursos pedagógicos, impondo aos educandos situações de enfrentamento e superação de riscos. A resiliência, no âmbito da saúde mental, denota a capacidade dos indivíduos de, frente às adversidades inerentes ao desenvolvimento humano, preservarem a própria integridade psíquica e agirem de modo perseverante, flexível, adaptativo e construtivo. A resiliência compreende um processo complexo de interação entre fatores de risco e de proteção e os estudos acerca desta temática evidenciam a importância de se compreender quais são os fatores que prejudicam ou favorecem o desenvolvimento da capacidade de resiliência dos indivíduos. Neste ínterim, esta pesquisa possui como objetivo investigar o processo de resiliência no contexto da educação experiencial pela aventura em ambientes naturais e, mais especificamente, os fatores de risco e de proteção nele envolvidos. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de campo, de caráter qualitativo. Os dados foram coletados em um curso de Formação de Educadores ao ar Livre (FEAL), ministrado pela Outward Bound Brasil e, posteriormente, foram submetidos ao processo de Análise de Conteúdo de Bardin (1977). Os dados obtidos demonstram que os fatores de proteção à disposição dos educandos ao longo do curso superaram os fatores de risco enfrentados, tanto quantitativa como qualitativamente. Destarte, ao enfrentar situações desafiadoras, porém transponíveis, os educandos tiveram a oportunidade de vivenciar uma experiência positiva de superação de adversidades, o que por sua vez favoreceu o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais, de recursos internos e externos de proteção e facilitou o aprimoramento da capacidade de resiliência destes. Os dados encontrados também apontam aspectos significativos acerca da aplicabilidade dos aprendizados e habilidades desenvolvidos durante o curso em outros âmbitos da vida dos educandos. Visto que os eventos estressores são indissociáveis do desenvolvimento humano e, a capacidade de enfrentá-los de modo construtivo é imprescindível à manutenção da saúde psicológica, o método pedagógico da educação experiencial evidencia sua relevância à área da saúde mental, na medida em que compreende uma ferramenta potencial de desenvolvimento da capacidade de resiliência dos indivíduos.

Palavras-chave: Resiliência; Fatores de Risco e de Proteção; Educação Experiencial Pela Aventura; Ambientes Naturais.

ABSTRACT

TOMAZINI, M. V. Resilience and experiencial education through wilderness challenges. 2011 305 f. Monograph (latu sensu post-graduation) - Sedes Sapientiae Institute. São Paulo, 2011.

Nowadays, the pedagogical method of experiential education through wilderness challenges has been widely used as a facilitating tool of the teaching-learning process, and of physical, cognitive, emotional, moral, personal and social development of individuals. This method has as basic principle the educational potential of experiences followed by reflection and, uses the inherent challenges of nature as pedagogical resources, so that imposes on learners situations of coping and overcoming risks. The resilience at mental health context, denotes the ability of individuals to, while facing the inherent adversity of human development, preserve their mental integrity and act in a tenacious, flexible, adaptive and constructive way. The resilience comprises a complex process of risk and protective factors interaction and the studies about this theme show the importance of understanding which factors promotes or harms the development of individual’s resilience. Thus, this research has as objective the investigation of the resilience process at experiential education through wilderness challenges context and, more specifically, the risk and protection factors involved in it. On this purpose, a qualitative field research was conducted. The data were collected at an Outdoor Educators Formation course (FEAL), ministered by Outward Bound Brazil, and submitted to the Content Analysis process of Bardin (1977). The results show that the protective factors available to educators throughout the course, overcame the risks factors faced, quantitative and qualitatively. Therefore, by facing challenge but also transposable situations, the educators had the opportunity to live a positive experience of adversities overcoming, which favored the development of personal and social abilities, of intern an extern protection resources and facilitated the improvement of their resilience capacity. The obtained data also show significant aspects about the applicability of learning and abilities developed during the course in other areas of the educators’ lives. Since the stressful events are inseparable of human development and, the capacity of facing them on a constructive way is indispensable to psychological health maintenance, the pedagogical method of experiential education demonstrates its relevance to the mental health area, because comprises a potential tool of individuals resilience development. Key words: Resilience; Risk and Protection Factors; Experiential Education Through Wilderness Challenges; Natural Environments

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................10

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1. ADVERSIDADES INERENTES AO CICLO VITAL E RESILIÊNCIA....12

1.2. RESILIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO POR MEIO DA

PRÁTICA ESPORTIVA....................................................................................18

1.3. ATIVIDADES FÍSICAS DE AVENTURA NA NATUREZA (AFAN),

RISCO E RESILIÊNCIA...................................................................................21

1.4. EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL.......................................................................25

1.5. EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA EM AMBIENTES

NATURAIS E RESILIÊNCIA..........................................................................27

1.6. A OUTWARD BOUND E A EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA

AVENTURA........................................................................................................33

1.6.1. O Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL) da

Outward Bound Brasil (OBB)......................................................37

2. MÉTODO

2.1. Objetivos.............................................................................................................43

2.1.1. Objetivo Geral.........................................................................................43

2.1.2. Objetivos Específicos..............................................................................43

2.2. Justificativa.......................................................................................44

2.3 Participantes..................................................................................................44

2.4 Instrumentos..................................................................................................46

2.5. Procedimentos........................................................................................46

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO..........................................................................48

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................144

5. REFERÊNCIAS..................................................................................................148

6. ANEXOS

6.1. Anexo I: Roteiro de entrevista realizada com alunos do FEAL............152

6.2. Anexo II: Roteiro de entrevista realizada com instrutores do FEAL...154

6.3. Anexo III: Questionário online aplicado aos alunos do FEAL..............156

6.4. Anexo IV: Termo de Consentimento Institucional.................................157

6.5. Anexo V: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.......................159

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INTRODUÇÃO

Atualmente, um dos recursos que vem sendo bastante utilizado como método

pedagógico e ferramenta de desenvolvimento pessoal e social é a educação experiencial

realizada em ambientes naturais, também conhecida como educação pela aventura. A

educação experiencial parte do princípio de que as experiências seguidas de reflexão são

potencialmente educativas. A frase: “O que ouço, esqueço; o que vejo lembro e o que

vivo aprendo” sintetiza a importância da aplicação prática dos ensinamentos teóricos

aos processos de aquisição, interiorização, e aplicação da aprendizagem. Na medida em

que no ambiente natural o controle das variáveis é realizado pela natureza, a educação

experiencial pela aventura envolve riscos e a superação de desafios. Neste contexto, o

ambiente natural, seus desafios intrínsecos e as experiências nele vivenciadas, são

utilizados como recursos pedagógicos.

Os estudos sobre resiliência, no âmbito da saúde mental, investigam a capacidade

dos indivíduos de superarem as adversidades de modo adaptativo e construtivo. Além

disso, buscam compreender quais são os contextos que favorecem ou prejudicam o

desenvolvimento do processo de resiliência. Visto que as adversidades são aspectos

indissociáveis do desenvolvimento humano, a capacidade de enfrentamento dos fatores

adversos de modo construtivo torna-se condição sine qua non à promoção da saúde

psicológica. Neste ínterim, esta pesquisa parte da hipótese de que a educação

experiencial pela aventura na natureza compreende um contexto de capacitação dos

indivíduos para enfrentarem as adversidades inerentes à vida, ou seja, de facilitação do

desenvolvimento da resiliência.

Afinal, neste contexto, o educando sai de sua zona de conforto socioambiental

para aventurar-se em um processo pedagógico no qual irá enfrentar inúmeros desafios e

variáveis do ambiente natural, sob os quais não tem controle total, interagindo apenas

com os educadores e outros educandos. A superação de desafios propostos por esta

experiência demanda dos educandos, a aprendizagem e o aprimoramento de habilidades

pessoais e sociais e a mobilização e desenvolvimento de recursos internos e externos de

enfrentamento. Sabe-se que a superação de desafios facilita o desenvolvimento da

autoestima, da auto-eficácia e da autoconfiança, aspectos essenciais ao desenvolvimento

da resiliência. Neste sentido, na medida em que os programas educacionais norteados

pela educação experiencial pela aventura visam promover o desenvolvimento integral

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do ser humano, buscamos investigar se os benefícios propiciados por este método

pedagógico também incluem o aprimoramento da capacidade dos educandos lidarem

com as adversidades de modo mais positivo.

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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1.ADVERSIDADES INERENTES AO CICLO VITAL E RESILIÊNCIA

A resiliência compreende a capacidade de, frente às adversidades, reagir de forma

consistente, flexível, positiva e perseverante; buscar estratégias para preservar-se

psicologicamente e recuperar-se; manter um equilíbrio dinâmico durante e após os

embates; não se deixar consumir pelas demandas adversas e superar-se e superar as

pressões de seu mundo com um autoconceito realista, autoconfiança e senso de

autoproteção (PLACCO, 2002).

De acordo com Yunes (2006), a origem do termo resiliência se deu na área de

exatas, mais especificamente na Física, que a define como:

“Capacidade de resistência de um material ao choque; energia

potencial acumulada por unidade de volume de uma substância

elástica, quando deformada elasticamente” (Dicionário Editora da

Língua Portuguesa, 2009).

Atualmente o tema da resiliência está bastante em voga nas áreas das ciências

sociais e humanas. Sanches (2009) ressalta que a partir do final da década de 1970 a

resiliência passou a ser objeto de estudo da psicologia e da psiquiatria, passando a ser

investigada em inúmeras pesquisas cientificas. Na área da saúde mental, o conceito de

resiliência adquiriu nova conotação, passando a ser definida como:

A capacidade de resistir às adversidades, a força necessária para a

saúde mental estabelecer-se durante a vida, mesmo após a exposição

a riscos (...), a habilidade de se acomodar e de se reequilibrar

constantemente frente às adversidades (ASSIS; PENCE; AVANCI,

2006, p. 18).

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É imprescindível ressaltar que o conceito de resiliência investigado pelo presente

estudo vai ao encontro da definição empregada pela Psicologia e pela Psiquiatria. De

modo que, ao longo deste trabalho, utilizamos o termo como a capacidade de um

indivíduo de defender-se e recuperar-se diante de fatores ou condições adversas

(Dicionário Editora da Língua Portuguesa, 2009).

Apesar de a resiliência ser objeto de pesquisa há apenas quatro décadas, desde os

primórdios a sobrevivência do homem esteve condicionada à superação de

adversidades. O enfrentamento delas é inerente à condição humana. O desenvolvimento

humano é constante, dá-se através da relação dialética entre o homem e o meio

ambiente e é permeado por adversidades em todas as suas fases. Logo, todos os

indivíduos estarão sempre sujeitos a enfrentar situações adversas. Porém, alguns

indivíduos conseguem superar-se, vivenciando as adversidades de forma construtiva,

desenvolvendo recursos de enfrentamento e transformando a vulnerabilidade em

potencialidade e amadurecimento, enquanto outros se tornam mais vulneráveis e

sucumbem frente às circunstâncias adversas (ASSIS; PENCE; AVANCI, 2006).

O conceito de “crise” do psicanalista Erikson (1972) também enfatiza a inerência

dos períodos adversos ao longo do desenvolvimento humano. A crise não denota

catástrofe iminente, mas um período de transição presente em todas as fases do

desenvolvimento humano, em que a capacidade do indivíduo de responder

adequadamente às demandas do seu meio torna-se defasada, demandando um salto

qualitativo, para que ele possa readequar-se à nova realidade e desenvolver-se

plenamente. Tal qual no processo de resiliência, se o indivíduo conseguir mobilizar e

desenvolver recursos suficientes para enfrentar e ressignificar a nova realidade imposta

pelo meio, o período de crise será uma oportunidade de desenvolvimento da

autoconfiança, de reestruturação e fortalecimento de sua identidade. Ou seja, o

fortalecimento ou a vulnerabilidade dos indivíduos depende da forma como reagem às

crises e adversidades.

Nos estudos iniciais acerca da resiliência, sua definição estava associada à

invencibilidade ou invulnerabilidade, o que denota resistência absoluta ao estresse e

imunidade a qualquer tipo de desordem, independente da situação vivenciada. Porém,

visto que a invencibilidade e a invulnerabilidade não traduzem a resiliência de modo

fidedigno, o termo evoluiu. Atualmente, sabe-se que o conceito de resiliência deve ser

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analisado sempre de forma relativa, visto que ela está associada tanto a aspectos

individuais e constitucionais dos sujeitos, quanto às variáveis ambientais. Logo, os

estudos sobre a temática não podem negligenciar o amplo conjunto de fatores

intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo que influenciam na sua capacidade de

enfrentamento das adversidades (YUNES; SZYMANSKY, 2002).

Sanches (2009) afirma que não há uma receita para o desenvolvimento da

resiliência. Mas é possível investigar quais são os contextos favoráveis ou desfavoráveis

ao desenvolvimento do processo desta e quais são os aspectos que permeiam esse

processo, através da identificação dos fatores de risco, que são eventos negativos que

ocorrem ao longo do desenvolvimento de um indivíduo, podendo favorecer a ocorrência

de problemas físicos, sociais ou emocionais e, dos fatores de proteção, que são os

recursos internos e externos que cada indivíduo possui para lidar com esses riscos e que

atuam reduzindo os efeitos e consequências negativas de estressores e de situações

adversas, protegendo sua integridade física e psíquica e capacitando-os para o

enfrentamento de riscos durante o ciclo vital.

O processo de resiliência não existe sem os fatores de risco. Afinal, os fatores de

proteção não possuem efeito na ausência dos fatores de risco, visto que o que o papel

dos fatores de proteção é amenizar consequências negativas das situações adversas.

Portanto, é justamente o enfrentamento do estímulo estressor que faz com que os

indivíduos possam desenvolver e mobilizar fatores internos e externos de proteção

(YUNES; SZYMANSKY, 2002).

Dessa forma, resiliência compreende “um processo dinâmico que envolve a

interação entre processos sociais e intrapsíquicos de risco e proteção” (ASSIS,

PESCE; AVANCI, 2006). Apesar de didaticamente o haver a divisão entre os fatores de

risco e de proteção, para auxiliar a melhor compreensão acerca dos aspectos que

envolvem a resiliência, na realidade a relação entre ambos é bastante dinâmica e a linha

que os divide, muito tênue. Assim, as pesquisas acerca desta temática nunca devem

investigar os fatores de risco e os fatores de proteção como variáveis isoladas, devem

sim, fazê-lo de modo contextualizado, processual e interativo.

Segundo Yunes (2001), a maioria das pesquisas acerca do processo de resiliência

utilizam métodos quantitativos de avaliação de dados, através da aplicação de testes

psicométricos, questionários e testes de personalidade, associados a complexas análises

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estatísticas. Apesar de evidenciar a grande contribuição destes estudos para a construção

do conceito acerca do que é um indivíduo resiliente ou não-resiliente, a autora discorda

de seu caráter classificatório e compreende que o modelo de investigação acerca desta

temática deve ser reavaliado. Na medida em que a resiliência compreende um processo

complexo de interação entre fatores de risco e de proteção, a sua investigação demanda

uma análise mais qualitativa, pormenorizada e individualizada.

Não se pode considerar a resiliência como um atributo fixo dos indivíduos, pois

um indivíduo pode apresentar respostas adaptativas e positivas às adversidades em um

dado contexto, e não necessariamente fazê-lo em outros. A intensidade com que os

riscos são vivenciados pelos indivíduos e os efeitos deletérios que podem acarretar ao

seu desenvolvimento dependem da qualidade e da quantidade de fatores de proteção que

ele dispõe em cada contexto. Assim, o que é adverso para um indivíduo, não

necessariamente o é para outro, pois, em função de suas idiossincrasias e experiências

de vida, cada qual significa a realidade de modo diverso e possui um repertório de

fatores protetores único, que poderão amenizar em maior ou menor grau os efeitos

nocivos das adversidades (RUTTER, 1999 apud SANCHES, 2009).

Yunes e Szymansky (2000) apontam que, não raro, um mesmo fator pode atuar,

para um mesmo indivíduo, como um fator de proteção em dado contexto e como um

fator de risco, em outro. Ademais, o conceito de risco também é relativo: o que pode ser

um risco para um indivíduo, pode não ser para outro, pois a forma como as pessoas

significam a realidade varia, de acordo com suas experiências de vida, características e

recursos pessoais. Portanto, as variáveis contextuais e a complexa interação entre os

fatores de risco e de proteção devem ser sempre consideradas ao se investigar o

processo de resiliência.

Segundo a literatura acerca da resiliência, alguns aspectos que atuam como fatores

de proteção são: otimismo; flexibilidade; afetividade; sociabilidade; apoio social;

autoestima; auto-eficácia; controle de impulsos e espiritualidade. (DE ANTONI;

BARONE E KOLLER, 2006). Outros aspectos apontados como componentes de

personalidades resilientes e, portanto, fatores protetivos da saúde psicológica são:

criatividade; equilíbrio emocional; empatia; autenticidade; habilidades de comunicação;

autoconhecimento; capacidade de encarar as adversidades como desafios; autoconceito

positivo; esperança; capacidade de se auto regular; abertura às experiências e às

mudanças; autonomia; responsabilidade; autoconfiança; tolerância; capacidade de

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analisar situações e tomar decisões (TAVARES, 2002); senso de humor; assertividade;

identificação com modelos positivos; capacidade de adaptação; disciplina;

comportamento direcionado a metas, dentre outros (TROMBETA, 2000 apud

SANCHES, 2009).

Os estudos acerca do processo de resiliência ressaltam a extrema relevância da

existência de redes de apoio social para o desenvolvimento humano, na medida em que

atuam como um fator externo de proteção imprescindível ao desenvolvimento de

recursos internos de enfrentamento. Porém, é necessário que os vínculos que compõem

as redes de apoio sejam significativos, sólidos e permeados por afeto, presença e

confiança. (ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006). A importância de vínculos significativos

para a promoção da saúde mental e física também foi enfatizada por Bolwby (1984), o

principal teórico do comportamento de apego.

Bolwby (1984) compreende que os vínculos estabelecidos ao longo do ciclo vital,

não são essenciais apenas ao ser humano, mas à maioria das espécies. Ao investigar o

comportamento de apego em diversas espécies, o presente autor constatou que o bebê

humano é, dentre os seres vivos, o que nasce mais vulnerável e possui o período mais

longo de dependência da presença e atenção de cuidadores. A teoria do apego enfatiza

que o indivíduo que satisfaz as necessidades fisiológicas e afetivas primitivas e

primordiais do bebê, torna-se, para ele, uma figura de apego significativa. No mundo

ocidental, esta figura é representada na maioria das vezes pela mãe, que é quem costuma

exercer o papel da maternagem. Porém, qualquer indivíduo que exerça este papel, pode

vir a ser a figura de apego.

A figura de apego ideal para propiciar o desenvolvimento saudável do bebê,

denominada apego seguro, deve ser afetiva, sensível às suas necessidades, acessível,

confiável e presente. A ausência de figuras de apego na infância está intimamente

associada com comportamentos desadaptados durante a vida. Porém o presente autor

enfatiza que a presença de múltiplas figuras de apego, no caso de o bebê possuir

inúmeros cuidadores, apesar de não ser tão eficaz quanto uma única figura de apego

seguro, ainda é melhor do que nenhuma (BOLWBY, 1984).

A existência de um apego seguro é imprescindível para que o bebê adquira

confiança e se sinta seguro para, gradativa e progressivamente, explorar o ambiente e

desenvolver sua autonomia. Ao longo do desenvolvimento da autonomia, a dependência

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do vínculo com a figura de apego inicial vai diminuindo e novas figuras de apoio são

eleitas, como por exemplo, o “grupo de iguais” na adolescência. O comportamento de

apego em relação a figuras significativas está presente em todas as fases do

desenvolvimento humano. Mas o vínculo estabelecido com a figura de apego inicial e a

natureza deste vínculo são os mais relevantes ao longo do desenvolvimento humano,

visto que facilitarão e influenciarão o estabelecimento e a natureza dos vínculos

subsequentes do indivíduo (BOLWBY, 1984).

Ao discorrermos acerca do desenvolvimento humano e do desenvolvimento da

capacidade de resiliência, não podemos deixar de enfatizar o papel da escola,

componente de extrema relevância da rede de apoio social dos indivíduos. Para Assis,

Pesce e Avanci (2006), a escola é um dos tutores da resiliência mais importantes e

potentes em nossa sociedade, visto que os educadores e profissionais que atuam neste

contexto têm a oportunidade de estabelecer um contato diário intenso com os educandos

e de acompanhá-los de perto em diversas fases do desenvolvimento humano. Neste

mesmo sentido, Castro (2002) ressalta que a Educação deve facilitar o desenvolvimento

da resiliência não apenas dos educandos, mas dos educadores. Ou seja, As instituições

responsáveis pela formação dos educadores deve prepará-los para lidar com as

adversidades do âmbito escolar e da vida.

De acordo com Tavares (2002) uma demanda nuclear da sociedade atual é o

desenvolvimento da habilidade de lidar com os riscos e eventos estressores, cada vez

mais frequentes. Assim, os sistemas de Educação e de promoção da cidadania devem

facilitar o desenvolvimento de mecanismos físicos, psíquicos, sociais, éticos e religiosos

que favoreçam a capacidade de resiliência dos indivíduos. Para tanto, é necessário que

os métodos, os meios, os conteúdos e os processos de ensino-aprendizagem sejam

revistos, pois, para facilitar o desenvolvimento da capacidade de resiliência dos

indivíduos, uma nova dinâmica de ensino-aprendizagem deve ser criada: uma dinâmica

dialética, desafiadora, inovadora, que permita as educandos serem atores do processo de

aprendizagem e vivenciarem situações reais, do mundo e da vida como o são.

A temática da resiliência é bastante relevante e está cada vez mais presente nas

investigações e intervenções da Psicologia. Afinal, na medida em que é impossível

impedir a sujeição dos indivíduos às situações adversas ao longo de suas vidas, para a

manutenção da integridade física e mental, é essencial que eles estejam aptos a lidar

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com elas. Logo, a identificação e a compreensão dos aspectos individuais, ambientais e

contextuais que atuam como agravantes ou protetores das adversidades, permite a

construção de estratégias de proteção e promoção à saúde que objetivam facilitar o

desenvolvimento de recursos de enfrentamento e auxiliar os indivíduos a vivenciar as

situações de risco de modo mais efetivo e construtivo (POLETTO; KOLLER, 2002

apud SANCHES 2009).

1.2.RESILIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO POR MEIO DA

PRÁTICA ESPORTIVA

A prática e o contexto esportivos compreendem ferramentas importantes na

facilitação da educação, do desenvolvimento humano integral e no aprimoramento da

capacidade de resiliência dos indivíduos. Uma pesquisa realizada por Sanches (2004)

evidencia o potencial psicoprofilático da inserção no contexto esportivo, visto que esta

favorece o desenvolvimento de habilidades de socialização e comunicação; o

autocuidado com o corpo e a saúde; a formação de uma rede de apoio social e afetivo

entre os participantes, o aprimoramento da autoestima, a capacidade de trabalhar em

grupo e de respeitar os próprios limites e os limites do outro.

Porém, para que este potencial seja efetivado, o universo esportivo deve propiciar

o estabelecimento de uma rede de apoio social segura, composta por vínculos

significativos e a atuação dos educadores deve estar comprometida não apenas com os

aspectos técnicos e táticos das modalidades esportivas, mas também com a formação do

praticante como cidadão e ser humano (SANCHES, 2009).

Ao investigar a relação entre a prática esportiva e o processo da resiliência, a

autora verificou que a socialização e os vínculos estabelecidos no contexto esportivo

podem atuar como fator externo de proteção e favorecer o desenvolvimento de recursos

internos de proteção, fortalecendo a capacidade de enfrentamento de adversidades dos

indivíduos. Porém, para tanto, a socialização propiciada pelo contexto esportivo deve

basear-se em atividades que favoreçam a ampliação e o fortalecimento da rede de apoio

afetivo e social de seus atletas e praticantes, para que a inserção no universo esportivo

atue como fator de proteção. Deste modo, a ampliação e o fortalecimento da rede de

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apoio, possibilitada pela prática esportiva, facilita o desenvolvimento da autoconfiança e

autoestima, recursos internos essenciais no enfrentamento das adversidades.

Além da rede de apoio social e afetivo, o contexto desafiador da prática esportiva

e da atividade física possibilita inúmeras experiências de superação e frustração.

Experiências estas que influenciam na imagem e avaliação que o praticante faz de si

mesmo e facilitam a percepção de seus defeitos e potencialidades, catalisando o

autoconhecimento. Logo, ao transpor as dificuldades intrínsecas ao contexto esportivo,

o indivíduo pode manifestar sua capacidade de resiliência, ou seja, pode descobrir seu

potencial de superação e desenvolve autoconfiança e recursos internos, necessários para

o enfrentamento das adversidades de sua vida (SANCHES, 2009).

A presente autora enfatiza que os indivíduos expostos repentinamente a fatores de

risco extremos, que ultrapassem demasiadamente seus repertórios de enfrentamento,

possuem menos probabilidade de obter êxito no enfrentamento das adversidades. Por

outro lado, quando os fatores de risco são apresentados de modo gradual e progressivo,

os indivíduos possuem maior capacidade de mobilizar e desenvolver recursos para

superá-los. Pois a autoestima, a autoconfiança e a auto-eficácia do individuo aumentam

a cada pequeno desafio superado, capacitando-o a enfrentar os desafios mais

complexos.

O esporte se insere nesta mesma lógica. Na medida em que impõem desafios

progressivos a seus praticantes, possibilitam que a superação dos obstáculos mais

simples os instrumentalize, gradualmente, a superar os mais complexos. Assim, as

experiências do contexto esportivo, desde que mediadas de forma crítica e responsável,

podem favorecer a melhoria da autoestima, da autoconfiança e da auto-eficácia;

promover a saúde e o desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral e

auxiliar no desenvolvimento da resiliência (SANCHES, 2009).

Esta autora ressalta que, para que o esporte seja uma potente ferramenta de

prevenção e promoção da saúde mental de todos os envolvidos nesse contexto, é

imprescindível identificar quais são os potenciais fatores de risco e de proteção que

permeiam o universo esportivo. Dentre os principais fatores atuantes neste âmbito, estão

os colegas, praticantes da mesma modalidade esportiva e os técnicos esportivos.

Principalmente no que tange às modalidades coletivas, a prática esportiva permite

que o indivíduo tenha contato com colegas praticantes da mesma modalidade esportiva,

o grupo de iguais, com os quais costumam identificar-se, devido à similaridade do estilo

de vida e dos interesses comuns. O grupo de iguais, elemento de extrema importância à

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rede de apoio estabelecida no universo esportivo, atua como um fator de proteção, na

medida em que possibilita que o indivíduo pertença a um grupo que o aceite, que lhe

forneça modelos positivos e que represente um espaço de suporte emocional e de

compartilhamento de informações, angústias, desejos e emoções em relação ao contexto

esportivo e à vida (SANCHES, 2009).

Ainda de acordo com esta autora, além dos colegas da mesma modalidade, os

técnicos esportivos, ou mediadores da prática esportiva surgem como pessoas de grande

relevância, visto que, dependendo de sua postura e conduta, podem tanto favorecer,

quanto prejudicar a saúde psicológica e o desenvolvimento dos atletas e praticantes de

atividade física: a assunção da postura de educador comprometido, de forma crítica,

com o desenvolvimento físico, psíquico e social dos praticantes os favorece, enquanto o

papel de técnico autoritário, inacessível e mero transmissor de conhecimentos técnicos e

táticos, os prejudica.

Para que o contexto esportivo efetivamente favoreça o desenvolvimento humano,

o aprendizado deve ser construído em uma relação dialética entre educador e educando.

Assim, a atuação do mediador da prática esportiva deve ser mais ampla do que a

simples transmissão de aprendizados técnicos e táticos; ser exercida de forma

responsável, ética, crítica e comprometida com a promoção do desenvolvimento físico,

cognitivo, afetivo, social e moral do educando; respeitar o educando como ator de seu

próprio aprendizado; estimular a reflexão crítica acerca do que é aprendido, criar

oportunidades para que o aluno possa participar da construção e significação do

conhecimento, desenvolver e aflorar suas potencialidades; facilitar a construção de

identidades e a edificação de valores; estimular e propiciar o exercício e a construção da

cidadania e da autonomia; facilitar o desenvolvimento de fatores de proteção e a

capacidade de lidar com desafios tanto no âmbito esportivo, quanto nos diversos

contextos de suas vidas (RUBIO; QUEIROZ; MONTORO; KURODA; MARQUES,

2000).

Sanches (2009) ressalta que a criação de um ambiente acolhedor, aberto a críticas,

que permita a formação de vínculos significativos e favoreça os relacionamentos

interpessoais, são condições nucleares para que haja a participação ativa do educando

no processo de aprendizagem.

Diversos pesquisadores que investigam o potencial educativo e de

desenvolvimento humano da prática esportiva, destacam que diversos valores,

habilidades e recursos podem ser desenvolvidos através do esporte e da atividade física,

21

dentre eles: superação de desafios; tolerância; integração; solidariedade; autonomia;

igualdade; autocontrole; capacidade de lidar com vitórias e fracassos, habilidade e

prontidão física; sociabilidade; criatividade; estabelecimento e alcance de objetivos e

metas; cooperação; companheirismo; diversão; autoimagem positiva;

autoconhecimento; esportividade e jogo limpo; habilidades pessoais e sociais; expressão

de sentimentos; responsabilidade; sinceridade; percepção dos próprios limites e

potencialidades; diálogo; autocuidado; desenvolvimento da autoestima e da

autoconfiança; paz; amizade; respeito; justiça (GUTIÉRREZ, 1995; GÓMEZ RIJO,

2003; RUIZ; CABRERA, 2004; CARRERAS; EIJO; ESTANY; GÓMEZ; GUICH;

MIR; OJEDA; PLANAS; SERRATS, 2006 apud SANCHES, 2009). Todas as

habilidades e recursos mencionados acima podem atuar direta ou indiretamente, como

fatores de proteção, favorecendo o desenvolvimento da resiliência.

A prática esportiva pode ser considerada uma excelente ferramenta de profilaxia e

de promoção à saúde física e mental dos indivíduos e, portanto, de desenvolvimento da

resiliência. Logo, o desenvolvimento de recursos protetores de enfrentamento através da

inserção no universo esportivo bem como a aplicabilidade dos aprendizados adquiridos

através desta prática em outros âmbitos da vida dos seus praticantes, são questões de

extrema relevância para a Psicologia do Esporte e demandam maior investigação

científica para sua compreensão e para o benefício dos atores nela envolvidos.

1.3.ATIVIDADES FÍSICAS DE AVENTURA NA NATUREZA (AFAN), RISCO E

RESILIÊNCIA

Segundo Azevedo (2006), apesar de não haver um marco cronológico que

demarca o início das práticas corporais na natureza com finalidade competitiva ou de

lazer, estas práticas são bastante antigas. No final do século XV, o montanhista Antonie

de Ville escalou o Monte Aiguille nos Alpes, em 1778, o capitão da marinha britânica

James Cook presenciou a prática do surf em expedição às Ilhas Sandwich, hoje

denominadas Havaí.

As práticas corporais na natureza com finalidade de lazer ou de competição

recebem diversas denominações, como esportes ao ar livre, esportes radicais, esportes

de aventura, esportes alternativos, atividades e lazer na natureza, atividades ao ar livre,

prática de tempo livre na natureza, dentre outros. Dada a multiplicidade de termos

22

nominativos, o presente estudo adotará o termo Atividades Físicas de Aventura na

Natureza (AFAN). O termo AFAN engloba todas as atividades físicas que são

realizadas no ambiente natural e que permitem aos seus praticantes uma intensa

interação com a natureza e a vivência de aventuras que despertam sensações e emoções

hedonistas. Logo, as AFAN englobam as atividades esportivas, de lazer e de turismo no

qual há o movimento corporal em interação com o meio natural (BETRÁN, 1995).

Humberston (2007) ressalta que em sua origem, os esportes e atividades de

aventura na natureza eram práticas restritas a um universo masculino, composto por

indivíduos que buscavam sensações e emoções intensas e desejavam desafiar-se através

do enfrentamento de elementos do ambiente natural. Apesar de no imaginário social as

práticas de aventura na natureza ainda serem mais associadas a entusiastas do sexo

masculino, nas últimas décadas está havendo um movimento mais global de retorno à

natureza, de modo que, independente do sexo, os indivíduos têm buscado o contato

com a natureza, para diversos fins: esportivos, recreativos, educativos, terapêuticos e de

lazer, viabilizados pela “indústria outdoor”.

Segundo a autora, a aventura e o desafio são aspectos inerentes da existência do

ser humano. Na era nômade do homo sapiens, a luta pela sobrevivência demandava o

engajamento em constantes aventuras, afinal, para suprir suas necessidades fisiológicas,

era necessário transpor situações de verdadeiro risco. Nas últimas décadas, o

movimento de retorno à natureza na busca de vivenciar aventuras deliberadamente tem

se intensificado sobremodo. Porém, o que motiva os praticantes de AFAN não é mais a

busca pela sobrevivência, como o faziam nossos ancestrais. Atualmente, para os

praticantes de atividades de aventura na natureza, o ambiente natural adquire o sentido

de lugar de realização de atividade física e de manutenção da boa forma, de interação

social, de busca de sensações, de adoção de um estilo de vida mais natural ou saudável

e de desenvolvimento e superação pessoal (HUMBERSTON, 2007).

O fato de os praticantes destes esportes de risco desafiarem a vida, não implica na

intenção de morrer, não se enquadrando, pois, na classificação de suicídio de Durkheim,

para quem a intencionalidade é um fator determinante deste, definindo-o como “[...]

todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato positivo ou negativo

praticado pela própria vitima, ato que a vítima sabia dever produzir este resultado”

(DURKHEIM, 1983). Segundo o existencialismo, a prática de esportes de aventura é

motivada pela busca de algo que auxilie os praticantes a suportarem a angustiante

23

condição finita do ser humano e visa à significação e à legitimação da vida através do

desafio lúdico da morte (FERREIRA JÚNIOR, 2000).

Como teoriza Costa (2000), o crescimento dos esportes de aventura na natureza

nas últimas décadas está intimamente relacionado à tecnologização da vida, associada à

dessubstancialização na era do vazio e ao aumento progressivo da incerteza na

sociedade, que impõem aos seres humanos a demanda de saber lidar com os riscos. Por

conseguinte, os homens buscam reestruturar-se, reequilibrar-se e aprender a lidar com

os riscos de modo lúdico através das aventuras na natureza, sem, no entanto, abandonar

a urbanização e a vida nas cidades.

Neste mesmo sentido, Ferreira Júnior (2000) defende que na era da sociedade da

informação, em que o vínculo real entre os indivíduos vem se afrouxando em

detrimento da formação de vínculos virtuais, a ludicidade possui importância existencial

como elo de preenchimento de significação da vida moderna. Neste ínterim, a busca

pelo resgate da ludicidade, que confere sentido à existência, é um dos aspectos que

motivam os indivíduos a se engajarem em atividades e esportes na natureza. Afinal, na

medida em que neste contexto as adversidades podem ser relativamente gerenciadas, é

possível aprender a lidar com riscos de maneira mais lúdica.

Em uma pesquisa sobre o discurso de praticantes de esportes de aventura, Costa

(2000) constatou que não apenas o exercício físico, o entretenimento e a descarga de

adrenalina do esporte seduzem esportistas. Em seus discursos, aspectos como riscos,

desejos, aventuras e esforços humanos também são explicitados. Os obstáculos naturais,

no caso a montanha, aparecem em suas falas como um objeto de sedução. A autora

compreende que o símbolo da aventura vinculado à prática esportiva em meio à

natureza e em meio ao selvagem, mobiliza o imaginário de seus atores sociais. O desejo

de superar as adversidades do ambiente natural e alcançar o objetivo proposto mobiliza

nos praticantes de esportes de aventura uma multiplicidade de sentimentos e sensações.

Falar do Esporte de aventura significa falar do risco, da magia, da aventura, do lúdico,

do sofrimento, dos rituais e dos símbolos que envolvem seus atores.

Atualmente, não apenas os esportistas associam as práticas de aventura e o risco

ao seu estilo de vida. Os segmentos ecoturísticos, empresariais e educacionais,

motivados pela incerteza característica da aventura e pela interação com os elementos

da natureza, também os têm adotado em suas práticas, de modo que, desafiando

24

calculadamente os riscos inerentes da prática de atividades em áreas naturais, utilizam o

contexto do esporte de aventura como um simulacro da vida e de aprendizagem da arte

de viver (COSTA, 2000).

A autora enfatiza que quando o praticante de esportes de aventura adentra a

natureza e inicia seu percurso, inicia-se uma fase de adaptação, ou seja, faz-se

necessário um período de ambientação para que o organismo se adapte ao esforço físico

e às novas variáveis ambientais. Logo, a realização de AFAN deve ser realizada de

modo a respeitar este período de adaptação para que os indivíduos possam aproveitar da

ludicidade desta experiência sem colocar-se em perigo.

Além da ambientação física, a prática de AFAN também demanda a ambientação

emocional e comportamental ao ambiente natural. Na medida em que no ambiente

natural, as variáveis e os acontecimentos estão submetidos ao controle da natureza, os

praticantes de aventura em ambientes naturais, necessitam desenvolver alguns recursos

e habilidades comportamentais e emocionais, para estarem aptos a lidar com as

adversidades e desafios intrínsecos do contexto de aventura na natureza, como

intempéries, possíveis incidentes e acidentes. Dentre as habilidades e recursos

importantes à prática de AFAN estão: equilíbrio emocional; capacidade de análise e

resolução de problemas inesperados com prontidão e maturidade; capacidade de

adaptar-se física e emocionalmente a novos contextos; autocuidado; percepção das

próprias limitações e potencialidades; autoconfiança; dentre outros. Ademais, a prática

de AFAN inclui a superação de desafios que facilitam o desenvolvimento da

autoestima, da autoconfiança e da auto-eficácia do praticante (COSTA, 2000).

Neste sentido, a prática de AFAN pode compreender uma ferramenta importante

de desenvolvimento da resiliência, pois as habilidades e recursos desenvolvidos pela

prática de AFAN, mencionados acima, podem atuar como fatores de proteção no

enfrentamento de situações adversas, protegendo o desenvolvimento humano da

vulnerabilidade.

25

1.4.EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL

A aprendizagem experiencial se baseia no potencial pedagógico da experiência

seguida de reflexão, ilustrado pela máxima “O que ouço, esqueço; o que vejo, lembro; o

que vivo, aprendo”. Apesar de atualmente haver inúmeros programas de aprendizagem

experiencial, principalmente na Inglaterra, na Austrália, nos Estados Unidos e no

Canadá, o reconhecimento do valor da experiência como ferramenta de promoção do

desenvolvimento humano não é recente. Diversos filósofos e teóricos, ao longo da

historia humana já enfatizavam a relevância da educação experiencial, dentre eles

Aristóteles, Confúcio, John Dewey, Kurt Hahn, Maria Montessori, Carl Rogers e Paulo

Freire, dentre outros (KUNREUTHER, 2011).

Segundo o presente autor existem diversos modelos de educação experiencial,

porém, todos os autores que teorizam sobre este tema concordam que o ciclo de

aprendizagem experiencial é composto por quatro estágios: experiência, reflexão,

generalização e aplicação. Segue abaixo o ciclo de aprendizagem experiencial descrito

por Luckner & Nadler (1992 apud KUNREUTHER), para ilustrar os estágios do ciclo

de aprendizagem experiencial:

Os estágios desse ciclo serão descritos de forma mais detalhada a seguir:

26

- Primeiro estágio do ciclo: a vivência da experiência

De acordo com KUNREUTHER (2011), visto que as experiências são

potencialmente educativas, elas podem ser planejadas e organizadas para que

determinado aprendizado seja atingido. Desse modo, na aprendizagem experiencial os

objetivos de aprendizados específicos são definidos e, posteriormente é desenvolvida

uma sequência de atividades (experiências) que contribuirão para atingir tal

aprendizado. Portanto, a fase da experiência do presente ciclo é o momento em que os

educandos vivenciam as experiências, potencialmente facilitadoras do aprendizado que

se deseja atingir. Se o processo de aprendizagem é interrompido após este estágio de

vivência da experiência, não há garantia de aprendizado.

Vygostsky (1984) ressalta a existência de três zonas de desenvolvimento: a zona

de desenvolvimento real, a de desenvolvimento potencial e a de desenvolvimento

proximal. A zona de desenvolvimento real compreende os aprendizados que os

educandos são capazes de atingir de forma autônoma, através de seus próprios recursos,

ou seja, independem de mediadores para obtê-los. Já a zona de desenvolvimento

potencial, compreende os aprendizados que o educando é capaz de aprender, mas para

que isso ocorra, a mediação de um educador faz-se necessária. E, por fim, a distância

entre o nível de desenvolvimento real e o nível potencial é denominada de zona de

desenvolvimento proximal. Nesta fase do ciclo, o educador deve proporcionar uma

experiência desafiadora, relevante e adequada à zona de desenvolvimento real do

educando e dentro da sua zona de desenvolvimento potencial para que o educando não

se sinta em perigo, o que poderia prejudicar a vivência da experiência.

- Segundo estágio do ciclo: a reflexão acerca da experiência

Na medida em que vivência da experiência por si só não é capaz de garantir que

haja aprendizado, o processo reflexivo sobre o que foi vivenciado é fundamental para

que a experiência seja transformada em aprendizado experiencial. Sabe-se que através

da reflexão e da análise do que foi vivenciado, é que o educando pode significar a

experiência e integrá-la às experiências vividas ao longo de sua vida. Kunreuther (2011)

enfatiza que nesta fase do ciclo, o educador deve propiciar aos educandos momentos de

reflexão, individuais ou coletivos, para que cada qual possa compreender sua própria

vivência. E caso o aprendizado em questão esteja fora da zona de desenvolvimento

potencial dos educandos, cabe ao educador auxiliá-los a significar a experiência vivida.

27

- Terceiro estágio do ciclo: a generalização do aprendizado

Para que o aprendizado adquirido através da experiência seja generalizado, é

essencial que ele seja transponível a outros contextos da vida do educando. A

generalização, segundo Kunreuther (2011), compreende a fase do ciclo na qual o aluno

generaliza a compreensão de um fenômeno ou experiência isolada para outras situações

correlatas. Nesta fase, cabe ao educador auxiliar o educando a fazer inferências,

ressignificar conceitos e fazer correlações acerca da transposição e aplicabilidade do

aprendizado em seus cotidianos.

- Quarto estágio do ciclo: a aplicação do aprendizado

No quarto e último estágio do ciclo da aprendizagem experiencial, os educandos

são estimulados a colocar em prática as generalizações que eles identificaram no estágio

anterior. Esta é a fase em que o educando testa o aprendizado recém-adquirido em uma

nova situação real, para validar e solidificar o novo aprendizado, ou desconstruí-lo. Se

essa fase do ciclo de aprendizagem não for efetivada, o aprendizado tende a ser

superficial e efêmero.

Na medida em que o processo de aprendizagem experiencial compreende um

ciclo, o término do quarto estágio leva o educando novamente ao primeiro estágio

(KUNREUTHER, 2011). Ou seja, se o educando obtiver sucesso em todos os estágios

do ciclo de aprendizagem experiencial, o novo aprendizado passa a fazer parte de seu

background cognitivo, afetivo e comportamental, que por sua vez, servirá como base

para a vivência de novas experiências e a para a construção de novos aprendizados.

1.5.EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA EM AMBIENTES

NATURAIS E RESILIÊNCIA

A educação experiencial por meio da aventura na natureza compreende o método

pedagógico que utiliza como ferramentas educacionais o ambiente natural e seus

intrínsecos desafios, bem como as experiências vivenciadas pelos educandos neste

contexto. Há diversos termos para designar este tipo de educação. Na língua portuguesa,

28

os termos utilizados são: educação pela aventura; educação ao ar livre; educação

experiencial ao ar livre; dentre outros, enquanto, na língua inglesa, os termos

compreendem: experiencial education through wilderness challenges; outdoor

education; wilderness education; challenge education; outdoor education, dentre outros

(KUNREUTHER, 2011). Portanto, a citação de qualquer um destes termos ao longo

deste texto, diz respeito à educação experiencial pela aventura em ambientes naturais.

O presente método pedagógico foi sistematizado no contexto da Segunda Guerra

Mundial. Como evidencia Dinsmore (2004), que relata que durante essa guerra os

Aliados perderam centenas de embarcações e milhares de marinheiros para os

submarinos alemães. Sir Lawrence Holt, proprietário de uma Companhia Marítima que

havia cedido seus navios à Grã-Bretanha para suporte bélico, contratou Kurt Hahn,

professor de educação progressiva, para investigar a razão de os marinheiros mais

jovens e, teoricamente os mais fortes, curiosamente terem maior índice de mortalidade.

Após análise, Hahn observou que a alta mortalidade dos marinheiros jovens devia-se à

menor experiência de vida e à consequente falta de autoconfiança para enfrentar os

perigos e intempéries do combate marítimo (KURT HAHN, s.d., apud DINSMORE, 2004).

O autor também destaca que, no intuito de reduzir a grande quantidade de

marinheiros perdidos no mar, Hahn fundou no país de Gales um método de treinamento

experiencial denominado, Outward Bound. O termo Outward Bound compreende um

jargão náutico que denota a saída dos navios do porto-seguro com destino aos desafios

do alto-mar e foi utilizado para ilustrar a saída dos jovens marinheiros da segurança do

lar, para os perigos de assumir o papel de marinheiro em plena guerra mundial. O

presente método consistia em um programa de treinamento progressivo, para auxiliar os

jovens marinheiros a desenvolverem autoconfiança e recursos internos de

enfrentamento das adversidades intrínsecas ao ambiente marinho e ao contexto bélico.

Um programa padrão de Outward Bound possuía a duração de um mês e incluía provas

de atletismo; treinos de manobras de pequenas embarcações; trekking nas montanhas;

treinamento em segurança e salvamento; provas de obstáculos e serviços à comunidade.

O programa de treinamento desenvolvido por Hahn foi extremamente exitoso,

auxiliando os jovens marinheiros a desenvolverem a capacidade de solucionar

problemas, a autoconfiança e a coragem para lutar pela sobrevivência. Porém, apesar

destes programas visarem o aprimoramento do desempenho bélico dos marinheiros, o

treinamento realizado no mar era o meio, não o fim, pois as habilidades, os recursos e os

29

aprendizados desenvolvidos neste contexto não preparavam os marinheiros apenas para

enfrentar o mar, mas para enfrentar as adversidades da vida, como ressalta Hahn:

O treinamento deve ser entendido menos como um treinamento para o

mar e mais como um treinamento pelo mar, beneficiando todos os

aspectos da vida (KURT HAHN, s.d., apud, DINSMORE, 2004).

De acordo com Dinsmore (2004), na década de 70, o Project Adventure Inc., uma

adaptação do Programa Outward Bound de Hahn para a educação social, foi

implementado em aproximadamente 400 escolas dos Estados Unidos, com o objetivo de

inserir nos currículos das escolas secundárias americanas o método pedagógico da

aprendizagem experiencial ao ar livre. O autor ressalta que nos dias de hoje é grande o

número de organizações que utilizam o método de outdoor education em cursos ou

programas para fins organizacionais, terapêuticos, educacionais e para facilitar a

transformação de atitudes e comportamentos, o desenvolvimento e a capacitação dos

indivíduos para a vida.

Segundo Kunreuther (2011), atualmente a aprendizagem experiencial pela

aventura na natureza é utilizada como método educativo no Canadá, nos Estados

Unidos, na Austrália e na Inglaterra. Nestes países, diversas escolas e universidades

possuem programas de educação ao ar livre, departamentos de educação ao ar livre e há

também, é necessário ressaltar, uma extensa bibliografia na área. As escolas de

adventure education, como a Outward Bound (OB) e a National Outdoor Leadership

School (NOLS) são referência na área. Estas escolas utilizam em seus cursos ao ar livre,

técnicas de canoagem e de montanhismo, dentre outros esportes de aventura. O formato

dos cursos e as técnicas utilizadas variam, adequando-se ao respectivo relevo e

ambiente natural no qual é realizado. Por exemplo, em um país em que há neve, um

curso de aprendizagem experiencial na natureza pode se apropriar de técnicas do esqui.

Porém, o recurso pedagógico da educação ao ar livre em formato de expedições na

natureza ainda é pouco utilizado no Brasil de modo regulamentado. Dentre as poucas

instituições que o fazem, destacam-se os cursos da escola Outward Bound (OB).

30

Diversos teóricos da educação experiencial pela aventura ressaltam que este

método pedagógico facilita o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais, tais

como habilidades de comunicação; autonomia; autoconfiança; capacidade de analisar

situações e tomar decisões; comportamento direcionado a metas; identificação com

modelos positivos; autoconceito positivo; dentre outros (FERREIRA JÚNIOR; 2000,

CARVALHO, 2002). Estas habilidades são apontadas pelos teóricos da resiliência

como fatores de proteção às adversidades (TAVARES, 2002; ASSIS; PESCE;

AVANCI, 2006; DE ANTONI; BARONE E KOLLER, 2006; TROMBETA, 2000 apud

SANCHES, 2009). Logo, é possível afirmar que a educação experiencial pela aventura

pode ser utilizada como uma ferramenta de facilitação do desenvolvimento de recursos

de proteção e, portanto, da resiliência.

Kunreuther (2011) afirma que a educação experiencial ao ar livre possibilita aos

educandos uma oportunidade significativa de superação de limites físicos e emocionais;

de autoconhecimento; de desenvolvimento da autoestima; de reflexão acerca de quais

limites devem ser traspostos e quais devem ser respeitados; de aprendizado de valores

morais; e desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais; de socialização positiva;

de aprimoramento da capacidade de resolver problemas e de enfrentar situações

adversas. Tais aspectos foram apontados por Assis, Pesce e Avanci (2006) como fatores

de proteção relevantes à promoção da capacidade de resiliência dos indivíduos.

Dinsmore (2004) compreende a educação pela aventura como ações educacionais

heterodoxas, que incluem alguma forma de risco e diferem de métodos pedagógicos

ortodoxos por possibilitar a união do corpo e da mente e desenvolver as potencialidades

do educando através da superação de situações adversas e inesperadas do ambiente

natural. Estas atividades facilitam o autoconhecimento, o desenvolvimento de

habilidades pessoais e sociais, da autoestima, da autoconfiança e da capacidade de

enfrentar dificuldades. O autor define como objetivo primordial deste método

pedagógico, a conscientização dos educandos acerca da existência de forças e recursos

interiores em todo ser humano, bem como auxiliá-los a acessar e desenvolver seus

próprios recursos internos.

De acordo com Assis, Pesce e Avanci (2006), as pesquisas acerca do processo de

resiliência evidenciam que a mobilização e o desenvolvimento de recursos internos de

proteção diminuem a vulnerabilidade dos indivíduos e que, as habilidades e recursos

mencionados acima por Dinsmore (2004), como passíveis de serem desenvolvidos pela

31

educação experiencial pela aventura em ambientes naturais, compreendem importantes

fatores de proteção. Neste sentido, é possível pensar a educação experiencial pela

aventura como um método facilitador do desenvolvimento da resiliência.

A existência de forças internas nos seres humanos sempre instigaram filósofos e

grandes pensadores. Na Grécia Clássica, filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles

tentavam decifrar como o ser humano poderia acumular tanta sabedoria, tendo uma

existência tão finita e limitada. Daí a hipótese de que forças internas desconhecidas, ou

melhor, não acessadas, habitariam o interior dos seres humanos. Durante o período da

Renascença, Descartes, Leibnitz e Spinoza também tentavam compreender este

fenômeno. E atualmente, a filosofia moderna possui diversos pensadores, dentre eles

Chomsky e Gurdjieff, que ainda procuram compreender o fenômeno e acreditam que o

ser humano possui em seu interior muito mais conhecimento do que supõe.

Afinal, como teorizou Darwin, a espécie mais forte e adaptada evolui e se

perpetua. Portanto, se o homo sapiens ainda habita a face da terra, é porque sua espécie

possui recursos para enfrentar as adversidades do meio que a cerca. Assim, acredita-se

que há, no interior de todo ser humano, um patrimônio de forças internas, acumuladas

ao longo da evolução de gerações antepassadas que lutaram para sobreviver. Porém,

uma questão que sempre intrigou os pensadores acerca das forças interiores dos seres

humanos está relacionada ao descobrimento de formas adequadas de desenvolvê-las e

acessá-las (RINK 2004).

Como mencionado, Sócrates acreditava que todo ser humano possuía “uma

verdade interior”, representada pelas potencialidades, recursos e sabedoria de cada

indivíduo. A Maiêutica é o método dialético criado pelo filósofo para facilitar os

indivíduos a entrarem em contato com sua própria verdade interior. Através da

Maiêutica, ele questionava as premissas equivocadas de seu interlocutor, até que este

caísse em contradição e percebesse sua ignorância acerca do que acreditava saber.

Assim, Sócrates mediava os processos de desconstrução de conceitos errôneos e de

ressignificação dos dogmas e verdades prontas, para que seu interlocutor pudesse

desenvolver o pensamento crítico e autônomo e descobrir sua “verdade interior”.

Do mesmo modo, os métodos pedagógicos que se fundamentam na Maiêutica,

como o é a educação experiencial ao ar livre, são ferramentas importantes para facilitar

o desenvolvimento das potencialidades dos educandos e para auxiliá-los a entrarem em

contato com os próprios recursos internos. A postura dos educadores que atuam

norteados por tal método assemelha-se à postura de Sócrates na Maiêutica, na medida

32

em que inserem conteúdos e questões contextualizadas, visando propiciar aos

educandos experiências que estimulem a capacidade de agir, aprender, refletir e pensar

de modo crítico, responsável e autônomo para que possam ter confiança em suas

próprias capacidades e recursos internos (RINK, 2004).

A educação experiencial através da aventura na natureza parece propiciar o

contexto ideal ao acesso e desenvolvimento dos recursos internos dos indivíduos.

Afinal, além de basear-se na maiêutica, método “revelador da verdade interior”, o

presente método pedagógico une mente, corpo e movimento em ambiente natural,

aspectos apontados como facilitadores do acesso aos recursos internos dos seres

humanos.

De acordo com Rink (2004), em estudo antropológico acerca da educação pela

aventura, os antropaleontólogos e os neurologistas do século XX concluíram que há

pelo menos trinta mil anos o cérebro humano atingiu sua atual capacidade intelectual. O

que denota que a capacidade cognitiva do homem está mais preparada para solucionar

questões do ambiente natural do que do meio urbano. O autor também enfatiza que o

cérebro aprende e funciona melhor em contextos nos quais a dicotomia cartesiana

mente-corpo é desfeita. Logo, o ser humano não é capaz de utilizar toda sua

potencialidade cognitiva no ambiente urbano, pois a demanda de esforço mental dos

centros urbanos, associada ao convite ao sedentarismo da sociedade do consumo, gera a

desarmonia mente-corpo, tão característica da atualidade.

Alguns dos grandes pensadores como Aristóteles, Rousseau e Darwin,

acreditavam na maior efetividade da aprendizagem e do acesso aos recursos naturais em

contextos em que o pensamento é estimulado em movimento e em ambiente natural.

Eles defendiam que a realização do movimento corporal em ambiente natural estimula a

capacidade cognitiva do homem e possibilita o resgate de recursos ancestrais de

enfrentamento, por recriar o ambiente dos primórdios, no qual o ser humano nômade

precisava utilizar sua capacidade cognitiva para desenvolver estratégias de transposição

das adversidades do ambiente natural para garantir sua sobrevivência (RINK, 2004).

Dinsmore (2004) ressalta que a educação experiencial através da aventura na

natureza facilita o aprimoramento de capacidades física, motoras, cognitivas e afetivas

dos educandos, pois, ao estar no ambiente natural e ampliar o horizonte físico, o corpo é

convidado ao movimento e, fisiologicamente, o movimento e a expansão corporal

estimulam o movimento e a expansão do pensamento e dos afetos. Assim, o autor

enfatiza que este método pedagógico propicia aos educandos um contexto de ampliação

33

de paradigmas, de maior acesso aos recursos internos, de aprimoramento de

potencialidades e, portanto, de expansão do repertório de recursos internos de proteção.

Apesar dos inúmeros benefícios da educação experiencial pela aventura, uma das

críticas à este método pedagógico, é que o contexto da “vida real” é muito diferente do

da aprendizagem experiencial no ambiente natural. E, portanto, questiona-se a

aplicabilidade dos aprendizados e recursos desenvolvidos no contexto natural ao

contexto urbano. Porém, Dinsmore (2004) afirma que a educação experiencial ao ar

livre é capaz de gerar aprendizados cognitivos, afetivos e comportamentais tenazes,

pois, as situações vividas no contexto da educação experiencial ao ar livre deflagram a

cooperação entre mente e corpo para a resolução de problemas e o enfrentamento de

adversidades e, por conseguinte, a construção de conhecimento associada à atividade

física facilita a memorização do que foi aprendido e faz com que a memória do

aprendizado não seja apenas cognitiva, mas também muscular e, portanto, mais sólida.

Sabe-se que um dos principais objetivos da educação ao ar livre no formato de

expedições na natureza é o desenvolvimento pessoal. O desenvolvimento pessoal, que

compreende a facilitação da aprendizagem de repertórios, comportamental e emocional,

mais adequados às demandas do meio ambiente, bem como o processo de tornar

manifesto as habilidades e capacidades latentes dos indivíduos. Neste sentido, a

educação experiencial apela aventura em ambientes naturais, possui como objetivo

“despertar as forças adormecidas” no interior de cada indivíduo. Porém, resta saber se

este método pedagógico efetivamente alcança os objetivos aos quais se propõe. E é com

a motivação de responder a esta questão que o presente estudo foi desenvolvido.

1.6.A OUTWARD BOUND E A EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA

AVENTURA1

As escolas Outward Bound (OB) são organizações educacionais, sem fins

lucrativos e compreendem a maior instituição mundial em educação experiencial ao ar

livre. A Outward Bound, pioneira na utilização deste método pedagógico, possui mais

1 Todas as informações acerca da organização Outward Bound e Outward Bound

Brasil foram obtidas no site: http://www.obb.org.br

34

de 70 anos de história e atualmente possui sedes em mais de trinta países, entre eles o

Brasil. A missão da presente instituição é promover o desenvolvimento humano e o

potencial de cada indivíduo para cuidar de si, do outro, do mundo à sua volta e da

natureza, através de experiências grupais desafiadoras na natureza que utilizam da

metodologia da educação experiencial. Para propiciar o aprendizado através da

experiência, processo pedagógico baseado na ação e na reflexão, a OB planeja e

possibilita deliberadamente as experiências, para que elas sejam atraentes, relevantes e

sequenciais e promovam o desenvolvimento de habilidades e saberes dos educandos,

que possam ser aplicadas aos diversos âmbitos de suas vidas. Para tanto, são propiciadas

atividades ao ar livre e desafios físicos, mentais e emocionais, dentro de uma margem

de segurança física, psíquica e social para que o aprendizado através da experiência

ocorra em um ambiente seguro de aprendizagem e dentro de uma cultura de grupo

positiva e inclusiva, que permita a livre expressão dos sentimentos e opiniões dos

educandos. Ademais, todos os programas da OB são realizados com ética ambiental e

respeito aos ambientes naturais nos quais são desenvolvidos, utilizando sempre, técnicas

de mínimo impacto na natureza.

A Outward Bound Brasil (OBB), instituição que oferece o Curso de Formação de

Educadores ao Ar Livre (FEAL), no qual a coleta de dados do presente estudo foi

realizada, pertence a um segmento educacional das AFAN. A OBB é referência

nacional e internacional, no uso das práticas de aventura na natureza como método

pedagógico e como ferramenta de desenvolvimento pessoal.

A OBB oferece cursos a jovens e adultos desde 2001, visando auxiliá-los a

desenvolver habilidades e a realizar suas potencialidades. Apesar do primeiro curso da

OBB ter sido ministrado em 2001, o primeiro estudo aferindo o resultado de seus cursos

data de 2011. Flávio Kunreuther, instrutor da OBB e mestre em educação física,

realizou sua dissertação de mestrado sobre o tema: “Educação ao ar livre pela aventura:

o papel da experiência e o aprendizado de valores morais em expedições à natureza”.

Esta realidade diverge bastante de países como Canadá, Austrália, Inglaterra e Estados

Unidos, nos quais as escolas Outward Bound e outras instituições que se utilizam deste

método pedagógico, possuem extensa bibliografia na área. Neste ínterim, faz-se

necessário que novas pesquisas sejam realizadas, para verificar a realidade brasileira do

uso da aprendizagem experiencial ao ar livre.

35

Os programas da OBB objetivam promover em seus educandos o

desenvolvimento pessoal e social e a educação ambiental. Por desenvolvimento pessoal,

a presente instituição entende: a melhoria da autoconsciência e da autoconfiança; o

desenvolvimento do autocuidado; o aumento da motivação e da persistência para

superar dificuldades e o reconhecimento pelo educando de seu próprio potencial. Já o

desenvolvimento social implica no aumento da percepção social e das habilidades de

comunicação dos educandos; a construção de relações interpessoais positivas; o

desenvolvimento da capacidade de atuar com sucesso como membro ativo de uma

equipe e o desenvolvimento da capacidade de cuidar dos outros e do mundo à sua volta,

com solidariedade. Por fim, por educação ambiental a OBB compreende: a vivência de

uma educação na, sobre e para a natureza, que desenvolve a apreciação, a consciência e

a responsabilidade ambiental.

A OBB atua norteada por um padrão internacional de Gestão de Segurança e

Prevenção de Acidentes, seguindo normas de segurança reconhecidas pela Outward

Bound Internacional e que serviram de referência para a construção das Normas de

Turismo de Aventura publicadas pela ABNT. A presente instituição possui um comitê

de segurança, conta com o sistema vinte e quatro horas de resposta a emergências,

realiza relatórios de segurança e de incidente periodicamente e passa por auditoria

externa a cada dois anos, para que seu padrão de gestão de segurança seja sempre

aprimorado. Ou seja, embora as atividades realizadas pela OBB envolvam experiências

desafiadoras em áreas remotas da natureza, tendo como educandos indivíduos com

diferentes níveis de condicionamento físico e de habilidades, elas são conduzidas com

vigilância, responsabilidade e segurança.

Ao se realizar atividades na natureza, é necessário considerar sempre a existência

do perigo e dos riscos. O perigo é algo que a ação dos indivíduos não pode mudar: é

algo que está no ambiente natural, que é como é. Já o risco, compreende a relação que

os indivíduos estabelecem com o perigo, sobre as quais têm poder e podem manejar

conforme a necessidade. Neste sentido, o objetivo do gerenciamento de riscos da OBB

é minimizar ao máximo a probabilidade de ocorrência de incidentes graves e fatalidades

e ainda oferecer programas que incluam experiências desafiadoras.

O padrão de gerenciamento de riscos da OBB inclui o manejo dos riscos, processo

essencial à educação experiencial ao ar livre. O manejo de risco compreende o processo

de reconhecimentos e análise dos perigos inerentes às atividades e ambientes, para que

36

estratégias de manejo de risco sejam cuidadosamente traçadas e administradas. Assim a

análise dos riscos de cada contexto é seguida pela tomada de decisões que visam manter

as ações dentro da margem de segurança desejada. O manejo de risco deve ser um

processo responsável, ativo e constante de monitorar o grupo, as atividades, o ambiente

e tomar decisões conscientes e cuidadosas. É essencial ressaltar que o processo de

manejo de riscos não implica em evitar atividades inerentemente arriscadas. O seu

objetivo é capacitar os participantes técnica, física e psicologicamente, respeitando

sempre os limites das capacidades de cada indivíduo, para que estejam habilitados a

lidar de modo competente com os riscos e situações adversas.

A atuação dos instrutores durante os cursos e atividades desenvolvidos pela OBB

é bastante complexa, pois eles necessitam estar bem preparados para realizar o

gerenciamento dos riscos e dividir continua e constantemente sua atenção e energia

entre a função de educador e supervisor da segurança dos alunos, os desafios intrínsecos

ao ambiente natural, as necessidades dos alunos, enquanto indivíduos e grupo, além de

sua própria segurança. Logo, é imprescindível que o instrutor possua capacidade de

analisar prioridades e gerenciar todas as demandas desse contexto extremamente

dinâmico.

O gerenciamento de riscos realizado pelos instrutores da OBB é norteado por

protocolos e normas de segurança e de primeiros socorros e eles passam por reciclagem

em primeiros socorros a cada dois anos e utilizam os standards de resposta a ferimentos

e enfermidades desenvolvidos pela Wilderness Medical Society para programas em

áreas silvestres. Para a realização do manejo de riscos de modo satisfatório, os

instrutores devem possuir conhecimentos técnicos e experiência suficientes para poder

antecipar e lidar com riscos de maneira consciente, responsável e segura, e saber

responder a situações de risco de forma conservadora e eficaz, nunca realizando a

análise dos riscos sob o efeito da adrenalina.

Em se tratando de uma organização educacional, os instrutores da OBB não

devem somente supervisionar e monitorar a segurança dos alunos, mas também

capacitá-los para que também possam assumir essa responsabilidade. Os cursos e

atividades da OBB se baseiam no conceito de safety net, ou teia de segurança. Ou seja,

não somente o instrutor cuida da segurança grupal, mas cada membro da equipe de

alunos deve se responsabilizar pela própria segurança e pela segurança grupal,

facilitando a criação dessa rede. A segurança propiciada por essa teia de segurança

37

permeia toda a experiência e objetiva manter os indivíduos focados, mesmo em

momentos difíceis. Mas isso só é viável após a capacitação dos alunos para que possam

atuar no ambiente natural com segurança.

Alguns fatores podem influenciar no grau do risco durante as atividades realizadas

ao ar livre, sendo eles fatores ambientais, humanos e técnicos. Dentre os fatores

ambientais estão topografia, visibilidade, clima, hora do dia, exposição e outros. Já

dentre os fatores humanos estão cansaço, atenção/distração, complacência, audácia,

nível de experiência, competência técnica e outros. E, por fim, dentre os fatores técnicos

estão equipamentos e técnicas utilizadas; nível de treinamento e experiência em

primeiros socorros e em resposta à emergência, distância ao atendimento médico e

outros. Logo, no que tange à realização de atividade em ambiente natural, todos estes

fatores demandam atenção ao se realizar o processo de manejo de risco, para que os

participantes possam desfrutar da aventura dentro de uma margem mínima de

segurança.

1.6.1. O CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES AO AR LIVRE (FEAL)

DA OUTWARD BOUND BRASIL (OBB)

O FEAL compreende um curso ministrado pela Outward Bound Brasil (OBB) no

formato de expedição na natureza, com a duração de quatorze dias, que objetiva a

capacitação teórico-prática de indivíduos que desejam se aprimorar profissional, social e

pessoalmente, através do método pedagógico da educação experiencial pela aventura

em ambientes naturais. Os cursos no formato de expedição são cursos de longa duração,

desenvolvidos em ambientes naturais remotos, que possibilitam vivências educacionais

contínuas, progressivas e desafiadoras aos educandos. Neste contexto, alunos e

instrutores percorrem trajetos em ambientes naturais, de modo autossuficiente, munidos

dos alimentos e equipamentos necessários para que a expedição seja realizada com

segurança (KUNREUTHER, 2011).

O FEAL envolve a realização de duas modalidades de AFAN associadas, o

trekking e o montanhismo. A palavra trekking é originária do vocabulário inglês e

38

significa “grande marcha”. O trekking compreende caminhadas de longo curso, em

ambientes naturais, com mínima infra-estrutura, o que demanda que seus praticantes

carreguem os equipamentos e os mantimentos que irão necessitar ao longo da prática.

Esta modalidade de AFAN possibilita aos seus praticantes o contato com ambientes

naturais de grande beleza e de difícil acesso ou desprovidos de via de acesso. Os

caminhos e trilhas utilizados na prática do trekking são geralmente difíceis de percorrer,

devido à topografia e aos obstáculos naturais. Para tanto, é necessário que os praticantes

dominem técnicas de orientação e navegação, incluindo o uso de mapas topográficos e

bússolas. Ademais, as longas caminhadas demandam planejamento e o controle da

quilometragem diária percorrida, para que os trajetos sejam realizados em segurança,

visto que é a natureza quem controla as variáveis onde o trekking é realizado

(ROMANO, 2009 apud ABETA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE

ECOTURISMO E TURISMO DE AVENTURA, 2005).

De acordo com este autor a prática de trekking tira os praticantes da zona de

conforto, impondo a necessidade de adaptação a condições climáticas frequentemente

adversas e a renúncia a confortos da vida urbana. Nestes contextos, os praticantes têm

que satisfazer suas necessidades diárias e dormir de modo desconfortável, o que pode

potencializar ainda mais o desgaste decorrente da prática. O trekking é praticado por

indivíduos que buscam contemplação ou superação de limites. Além disso, os

praticantes de trekking abandonam temporariamente suas zonas de conforto para

enfrentar uma infraestrutura precária.

Já o montanhismo consiste em uma espécie de trekking por morros e montanhas.

O objetivo desta modalidade de AFAN é alcançar o cume de uma montanha ou um de

seus picos. O montanhismo impõe a seus praticantes o enfrentamento de subidas e

descidas exaustivas, por entre frestas e sobre grandes rochas, sob intensas variações de

relevo, temperatura e altitude em curto espaço de tempo (FERREIRA JÚNIOR, 2000).

Para a prática de trekking e do montanhismo, recomenda-se a realização prévia de um

treinamento físico com enfoque no desenvolvimento e aprimoramento de força

resistência, flexibilidade, capacidade cardiorrespiratória, além de atividades que

facilitem a ampliação do repertorio de habilidades motoras, afinal, estas são

modalidades de AFAN que demandam bom condicionamento físico, boa capacidade

cardiovascular e amplo repertório motor (SCHURMAN; SCHURMAN, 1966).

39

De acordo com informações disponibilizadas pelos coordenadores do FEAL antes

do início do curso, os alunos respondem a uma ficha médica e a um questionário,

contendo informações sobre saúde, condicionamento físico, motivações e expectativas

em relação ao curso.

No início do curso a atuação dos instrutores é diretiva e envolve a apresentação

aos alunos da instituição, do método pedagógico utilizado, das atividades que serão

desenvolvidas e dos desafios e riscos intrínsecos aos ambientes naturais; o

desenvolvimento de atividades lúdicas que objetivam a integração e o estabelecimento

de vínculo entre alunos e instrutores; a explicação aos alunos sobre a progressão do

curso e as normas de segurança utilizadas; a co-construção junto aos alunos e de forma

democrática, das regras que permearão o convívio social ao longo da expedição;

supervisão e delegação de funções aos alunos; a capacitação técnica dos alunos, através

da promoção de treinamento básico em técnicas outdoor, necessárias à viabilidade e à

segurança da expedição. Em síntese, esta fase se caracteriza pelo aprendizado técnico,

que propicia aos alunos, a segurança, o conforto e a autonomia durante o curso.

Na medida em que os alunos aprendem e aplicam as técnicas básicas, os

instrutores lhes ensinam as mais avançadas e passam a atuar de modo menos diretivo,

dedicando-se ao desenvolvimento pessoal e social dos alunos; à consultoria de eventuais

dúvidas técnicas; à mediação de eventuais conflitos e de compartilhamento de ideias, à

promoção de atividades, aulas, leituras e ensinamentos específicos e à realização de

feedbacks.

Ao longo da expedição, ao final de cada atividade específica e de cada dia do

curso, há momentos de reflexão e debates, para facilitar a significação do que foi

vivenciado. Estes são momentos propícios para a abordagem de temas coerentes com o

contexto de superação de desafios e riscos, de relacionamentos interpessoais que podem

incluir eventuais conflitos, de desconstrução e ressignificação de paradigmas e, do

mesmo modo, para o compartilhamento e elaboração dos sentimentos, atitudes,

comportamentos e aprendizados propiciados pelo contexto da educação experiencial em

ambientes naturais.

A expedição na natureza compreende dias desgastantes e longos. Além do

desgaste físico, os cursos neste formato também geram desgaste cognitivo e emocional.

Para que o grupo de alunos obtenha êxito em gerenciar a progressão da expedição com

40

autonomia, seus integrantes devem saber o trajeto total a ser percorrido ao longo do

curso; possuir habilidades sociais e de liderança para conseguir organizar-se, delegar

funções, assumir tarefas, tomar decisões constantes e lidar com as consequências destas.

O método de educação experiencial pela aventura possibilita que os educandos

tenham autonomia para decidir os aspectos relativos à progressão da expedição e

possam aprender com os próprios erros e acertos e com as consequências das próprias

decisões e atitudes. Porém, no ambiente natural as reações são imediatas às ações e,

neste sentido, os educadores/instrutores só podem delegar a tomada de decisão aos

alunos se estes tiverem sido capacitados e possuírem ferramentas que viabilizem o

enfrentamento das eventuais consequências das decisões. Ou seja, os desafios propostos

devem ser justos para que os alunos tenham a possibilidade de transpô-los com sucesso.

É fundamental que, na educação experiencial pela aventura, os educadores não

permitam que os educandos realizem ou liderem atividades que possam vir a

comprometer sua integridade física e psíquica.

Segundo Kunreuther (2011) os cursos no formato de expedição das escolas

Outward Bound podem ter estruturas diversas, que variam de acordo com alguns

aspectos, como por exemplo, o relevo e o clima do local em que o curso acontece, a

quantidade de alunos inscritos. Porém, apesar destas nuances, os cursos em formato de

expedição possuem etapas e componentes fixos, que serão descritas a seguir:

- A atividade Solo

A atividade solo é considerada pela maioria dos alunos como o ápice dos cursos

da Outward Bound no formato de expedição na natureza, pois é o momento em que

cada educando é conduzido pelos instrutores a um local isolado em meio à natureza,

onde ficarão apenas consigo mesmos. Esta atividade compreende o momento da

expedição no qual há a quebra das atividades coletivas intensas, para propiciar aos

educandos a oportunidade de vivenciar um momento de isolamento social, de redução

de estímulos externos e de silêncio, de reflexão, de introspecção, de autocontemplação e

de contemplação da natureza, de encontro e de contato apenas consigo mesmo e com o

ambiente natural.

Os educandos têm a liberdade de aceitar ou não vivenciar esta experiência. E os

instrutores devem analisar se os alunos estão aptos a fazê-lo. Acredita-se que o contexto

41

da atividade solo facilita que os educandos entrem em contato com suas deficiências,

potencialidades, temores e forças internas, favorecendo o autoconhecimento e, auxilia-

os a visualizarem a própria vida através de uma perspectiva diferente, que favorece a

avaliação de problemas, as tomadas de decisão, o estabelecimento de metas e a

ocorrência de insights.

A única atividade a ser realizada pelos educandos durante a atividade solo é

escrever uma carta sobre si mesmo e para si mesmo, que lhe será enviada pela OBB

transcorrido alguns meses da realização do FEAL. O objetivo desta carta é auxiliar os

educandos a reviverem as experiências do FEAL e seus respectivos aprendizados,

relembrar aspectos que consideraram importante durante a atividade solo, como os

planos, decisões e insights acerca de si mesmos e de suas próprias vidas, além de fazê-

los refletir se estão efetivamente aplicando estes aspectos em suas vidas e em seus

cotidianos.

- O Trabalho Comunitário

Ao longo de todo o curso, os educandos auxiliam-se mutuamente na realização de

todas as tarefas, de modo cooperativo para atingir metas coletivas. Ademais,

normalmente ao fim da expedição, os educandos atuam em conjunto em um trabalho

comunitário que favoreça alguma comunidade ou organização existente nas

proximidades de onde o curso é realizado. Além dos benefícios inerentes ao trabalho

comunitário final, este é um momento que possibilita a aplicação dos aprendizados

decorrentes das experiências vividas no FEAL e que visa estimular o educando a atuar

como multiplicador de benefícios sociais e ambientais em seu próprio cotidiano e

círculo social.

- A Expedição final

A expedição final compreende o momento - dia ou horas finais do curso - nos

quais o grupo de educandos gerencia, com autonomia e sem a presença dos instrutores,

a progressão do trajeto até o ponto final da expedição, tendo a possibilidade de aplicar o

que aprenderam durante o curso. A duração da expedição final depende da idade,

maturidade e desempenho técnico e relacional dos alunos. Porém, esta atividade

somente acontecerá se os instrutores considerarem o grupo de educandos aptos a fazê-lo

com sucesso e segurança e se a condição climática e o relevo forem favoráveis para tal.

42

E, além disso, os educandos podem escolher se desejam, ou não, realizar a presente

atividade. Para proteger a integridade dos educandos, a expedição final só pode ocorrer

se os alunos forem capacitados para lidar com incidentes de primeiros socorros e

possuírem aparato técnico de segurança.

- Encerramento

O encerramento do curso é momento em que há o compartilhamento de ideias,

reflexões e aprendizados propiciados pela expedição final e por todo o curso entre

alunos e instrutores; os instrutores fornecem feedbacks individuais acerca da atuação de

cada aluno ao longo do curso e abordam temas acerca da aplicabilidade dos

aprendizados adquiridos no contexto do FEAL no cotidiano dos educandos e em outros

âmbitos de suas vidas, realizam o ritual de entrega de diplomas de conclusão do curso e

solicitam que os educandos avaliem o curso realizado.

De modo geral, o curso de formação de educadores ao ar livre (FEAL) é

estruturado de modo a propiciar experiências individuais e grupais peculiares em um

contexto de intensos desafios ambientais, físicos, psíquicos, cognitivos e sociais,

objetivando facilitar o desenvolvimento de habilidades físicas, psíquicas, cognitivas,

comportamentais, morais e sociais em seus educandos.

43

2. MÉTODO

O método de investigação escolhido para nortear esta pesquisa possui um caráter

qualitativo, visto que o enfoque quantitativo propicia a generalização estatística dos

dados e uma visão homogênea e estática do objeto investigado e, portanto, não possui a

profundidade necessária à compreensão do complexo processo da resiliência, que

compreende um fenômeno heterogêneo e processual. Já a abordagem qualitativa, se

mostra coerente com a investigação da resiliência, pois não negligencia aspectos

essenciais à compreensão desta temática, dentre eles, as nuances significativas de como

o processo de resiliência se dá para cada indivíduo e em cada contexto.

2.1.OBJETIVOS

2.1.2. OBJETIVO GERAL

O objetivo geral desta pesquisa é investigar, no contexto de um curso de

Formação de Educadores ao ar Livre (FEAL) no formato de expedição na natureza, a

relação do método da educação experiencial pela aventura em ambientes naturais com o

desenvolvimento da capacidade de resiliência dos educandos.

2.1.3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Investigar quais aspectos do FEAL foram vivenciados por cada educando como

fatores de risco e fatores de proteção

- Investigar a visão dos instrutores acerca dos fatores de risco e de proteção

atuantes no contexto deste curso e, de modo geral, no contexto da educação experiencial

pela aventura

- Investigar o aprendizado que um curso como o FEAL possibilita aos seus alunos

44

- Investigar a relação das atividades físicas de aventura na natureza (AFAN) com

o processo de resiliência no contexto da educação experiencial

- Investigar os aprendizados facilitados pelo FEAL e sua aplicabilidade em outros

âmbitos da vida dos educandos.

2.2. JUSTIFICATIVA

Os estudos acerca do processo de resiliência evidenciam a necessidade de se

buscar compreender os processos educativos e de interação social que auxiliam os

indivíduos a desenvolverem mais resistência e maturidade para lidar com as

adversidades intrínsecas ao desenvolvimento humano, bem como quais são os contextos

facilitadores e prejudiciais ao desenvolvimento da capacidade de resiliência dos

indivíduos. Na medida em que a educação experiencial pela aventura favorece o

desenvolvimento integral dos educandos, partimos da hipótese de que este método

pedagógico pode atuar como uma ferramenta facilitadora do desenvolvimento da

capacidade de resiliência dos indivíduos.

Neste ínterim, a relevância científica desta pesquisa reside na escassez de estudos

referentes à temática da resiliência no contexto da educação experiencial pela aventura

em ambientes naturais, tanto no Brasil quanto nos demais países. E, no que tange à sua

relevância social, acreditamos que a investigação dos fatores de risco e de proteção

existentes neste contexto, poderá produzir dados importantes para o desenvolvimento de

programas de prevenção e de promoção da saúde psicológica dos indivíduos envolvidos

nesta atividade.

2.3. PARTICIPANTES

Dentre os participantes do presente estudo, a seguir discriminados, seis são alunos

e dois são instrutores do Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL), da

Outward Bound Brasil (OBB). Dentre os alunos, dois pertencem ao sexo feminino e

quatro ao sexo masculino, faixa etária entre 19 e 32 anos. Metade dos alunos possui

45

nível superior completo, enquanto a outra metade está cursando o ensino superior. De

modo geral, a área de atuação dos alunos está relacionada à educação e a atividades ao

ar livre.

Alunos do FEAL

• ALUNO 1: Sexo Feminino; 28 anos; solteira; Professora e Bióloga (Educadora

Ambiental); Já havia praticado expedições e travessias na natureza antes do

FEAL; pratica escalada há onze anos.

• ALUNO 2 : Sexo Masculino; 32 anos; casado; Psicólogo, Empresário e Coach;

nunca havia realizado uma expedição na natureza antes do FEAL já praticou

arborismo, rapel, rafting e pratica caminhada e corrida; promove treinamentos

empresariais utilizando jogos, arborismo, rapel e técnicas outdoor de navegação

com bússola.

• ALUNO 3: Sexo Feminino; 27 anos; solteira; estudante de Biologia. Não

possuía experiência em expedições na natureza antes do FEAL; já havia

realizado travessia em grupo em ambiente natural durante quinze dias antes do

FEAL; já fez rapel; sua motivação para participar do FEAL não foi a prática de

esportes de aventura, mas a educação ao ar livre.

• ALUNO 4: Sexo Masculino; Idade: 28 anos; solteiro; Professor e Psicólogo

(doutorando em Psicologia); pratica uma variedade grande de esportes na

natureza, como prática de tempo livre: canoagem, trekking, escalada, mergulho e

cicloturismo; aprecia bastante o contato com o ambiente natural; antes do FEAL,

já havia realizado expedições de longo curso na natureza no Brasil e fora do

Brasil.

• ALUNO 5: Sexo masculino; 19 anos; solteiro; Estudante de Educação Física;

pratica atividades físicas ao ar livre como escalada, já havia realizado travessia

na natureza antes do FEAL, por lazer, há uma no pratica trekking.

• ALUNO 6: Sexo masculino; 22 anos; solteiro; Estudante de Turismo; não

possuía experiência anterior ao FEAL com expedição na natureza, mas já havia

acampado, praticado trekking e escalada na natureza.

46

Como é possível perceber através da caracterização dos participantes, a grande

maioria possui experiência anterior com atividades físicas de aventura na natureza e

nenhum deles pode ser considerado sedentário.

Instrutores do FEAL

• INSTRUTOR 1: Sexo masculino; casado; Empresário; instrutor da Outward

Bound Brasil desde 2000 e do FEAL desde 2003.

• INSTRUTOR 2: Sexo feminino; 38 anos; casada Instrutora; Veterinária e

Educadora ao ar livre; instrutora da Outward Bound Brasil desde 2004 e do

FEAL, desde 2006.

2.4. INSTRUMENTOS

Foram utilizados dois roteiros de entrevista semiestrurada, um para o grupo de

alunos (anexo I) e um para a dupla de instrutores (anexo II). Foi elaborado também um

questionário com três perguntas abertas somente para os alunos, para serem enviadas

por e-mail seis meses após o término da expedição (anexo III).

2.5. PROCEDIMENTOS

Após o contato com a Outward Bound Brasil, a permissão para a realização desta

pesquisa e a assinatura do Termo de Consentimento Institucional (anexo IV) pelo

responsável pela presente Instituição, realizou-se a coleta de dados.

Os dados foram coletados no dia dois de fevereiro de 2011, último dia da

expedição do FEAL, imediatamente após o encerramento do curso. As entrevistas foram

realizadas no alojamento do IBAMA, na Serra do Cipó - MG, local em que terminava o

trajeto da expedição e no qual os sujeitos pernoitaram antes de voltar às suas respectivas

cidades de residência.

47

A coleta de dados foi realizada em duas etapas. A primeira etapa consistiu em

uma entrevista semiestruturada, realizada com os participantes e instrutores do FEAL,

ao final do curso, no local onde foi realizada a expedição.

Logo após a última atividade do curso, a proposta da pesquisa foi apresentada aos

participantes do FEAL e eles foram convidados a participar desta. Dentre os dez alunos

e dois instrutores participantes do curso, seis alunos e os dois instrutores aceitaram fazê-

lo. As entrevistas foram realizadas individualmente, após a assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (anexo V) pelos sujeitos. Face à permissão dos

sujeitos, as entrevistas foram gravadas em áudio para posterior transcrição e análise dos

dados.

A segunda etapa da coleta de dados consistiu na aplicação de um questionário

com três perguntas abertas, enviado via e-mail apenas ao grupo de alunos, seis meses

após a realização do FEAL.

Após a transcrição das entrevistas, os dados obtidos foram categorizados de

acordo com o procedimento de Análise de Conteúdo de Bardin (1977), para posterior

discussão dos dados. A Análise de Conteúdo consiste em descobrir e categorizar os

núcleos de sentido presentes nos dados obtidos, cuja presença e frequência significam

algo sobre o objeto investigado.

48

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir, os relatos dos participantes desta pesquisa serão apresentados e

discutidos a partir da análise qualitativa e da correlação dos resultados encontrados com

as informações presentes na literatura específica da área. Os dados obtidos foram

submetidos à análise e subdivididos em categorias, de acordo com o procedimento de

Análise de Conteúdo de Bardin (1977). As categorias obtidas foram: motivações dos

educandos para realizar o Curso de Formação de Educadores ao Ar livre (FEAL);

fatores de risco atuantes durante a realização do FEAL; fatores de proteção disponíveis

aos educandos durante a realização do FEAL; aprendizados adquiridos através do FEAL

e aplicabilidade dos aprendizados adquiridos através do FEAL em outros âmbitos da

vida dos educandos. Estas categorias serão apresentadas e discutidas ao longo deste

capítulo. É imprescindível ressaltar que a análise dos dados foi realizada de modo ético,

preservando a identidade dos participantes.

3.1. MOTIVAÇÕES DOS EDUCANDOS PARA REALIZAR O

FEAL

Dentre os aspectos que motivaram os participantes a realizar o FEAL destacam-

se: a busca pelo aprimoramento profissional, através da capacitação teórica e prática em

técnicas outdoor e em educação pela aventura, pois a maioria dos sujeitos atua ou

almeja atuar em áreas relacionadas às atividades educacionais ao ar livre. Os

participantes destacaram também a busca pelo desenvolvimento pessoal, como ilustram

as falas de alunos abaixo:

Eu trabalho com educação ambiental, educação ao ar livre, monitoria de acampamento, programas de trilha e de expedição com jovens (...) meus objetivos e expectativas em relação ao curso eram principalmente profissionais...aprender mais sobre educação ao ar livre e técnicas outdoor. Não que não houvesse objetivos pessoais, porque sei que quando você está em um de seus limites, você desenvolve muito do lado pessoal e psicológico (Aluno 1).

49

Além da busca profissional, vim pro FEAL pra trabalhar meu lado pessoal e me conhecer melhor no contexto do curso (...) minhas motivações para participar do curso foram o desafio de subir e atravessar a serra, o aprendizado da educação experiencial ao ar livre e o desenvolvimento pessoal “através” da realização de atividade física na montanha (...) e a OBB é uma empresa de referência neste setor (Aluno 3).

Na fala do Aluno 1, podemos perceber que, apesar de sua motivação principal

para participar do FEAL ter sido a busca pelo aprimoramento profissional, a aluna tinha

a consciência de que as experiências desafiadoras vivenciadas no contexto do curso

poderiam facilitar seu desenvolvimento pessoal e emocional.

Já na fala do Aluno 3, percebemos que o desafio de praticar uma atividade física

exploratória na natureza atuou como fator de motivação para a realização do curso.

Porém, a prática de AFAN durante o FEAL não aparece apenas como fim, mas como

meio de desenvolvimento pessoal e profissional. O que vai ao encontro da definição de

Hahn (s.d., apud DINSMORE, 2004) sobre o treinamento experiencial Outward Bound,

que propiciava a aprendizagem pelo mar e não para o mar. Neste sentido, a educação

experiencial ao ar livre no FEAL aparece na fala do Aluno 3 como um treinamento

“pela serra” e não apenas “para a serra”. Percebe-se assim que o objetivo não se

concentra apenas na prática de trekking em si ou a reprodução de técnicas outdoor, mas

o desenvolvimento profissional e pessoal dos alunos, utilizando os desafios inerentes da

prática das AFAN como ferramenta pedagógica. Este potencial de desenvolvimento

profissional e humano através das atividades realizadas no FEAL mostrou-se efetivo de

acordo com os dados obtidos no relato dos alunos ao longo desta pesquisa. Estes

aspectos serão discutidos no capítulo acerca dos aprendizados adquiridos durante o

FEAL.

50

3.2. FATORES DE RISCO ATUANTES DURANTE A

REALIZAÇÃO DO FEAL

Segundo o protocolo de gerenciamento de riscos da OBB (OUTWARD BOUND

BRASIL, 2011) alguns fatores ambientais, humanos e técnicos podem influenciar,

amenizando ou potencializando, o grau do risco durante as atividades realizadas em

ambiente natural. Os fatores ambientais incluem a topografia, a visibilidade, o clima, a

hora do dia, dentre outros. Os fatores humanos incluem cansaço, atenção/distração,

complacência, audácia, nível de experiência, competência técnica e outros. E, os fatores

técnicos incluem equipamentos e técnicas utilizadas; nível de treinamento e experiência

em primeiros socorros e em resposta à emergência, distância ao atendimento médico e

outros. Vários destes fatores foram encontrados nos relatos dos alunos acerca dos

fatores de risco encontrados ao longo da expedição.

Antes de discorrer acerca dos fatores de risco percebidos pelos alunos durante o

FEAL, é importante ressaltar que a forma como as pessoas significam os riscos não é

unânime, portanto, o que significa um risco para um indivíduo, pode não ser um risco

para outro, ou pode até ser um fator de proteção para este outro. Os indivíduos

vivenciam as situações adversas de forma distinta, pois cada qual possui um conjunto de

fatores de proteção intrínsecos e extrínsecos únicos, que interagem com a realidade e

influenciam sua percepção (ASSIS, PESCE; AVANCI, 2006).

Kunreuther (2011) ressalta que a existência de riscos é imprescindível para a

viabilidade da educação pela aventura, porém, isto não implica que os educandos sejam

colocados em perigo ou expostos a risco que lhes sejam nocivos. Afinal, na medida em

que neste contexto há o gerenciamento de riscos, o risco real é menor do que o risco

percebido pelos educandos. Le Breton (2009) afirma que o receio eliciado pelos riscos

está mais relacionado ao modo subjetivo como os indivíduos avaliam-nos e às fantasias

que neles despertam, do que efetivamente à concretude e objetividade destes. Mas, não

se pode negligenciar a ocorrência de eventos naturais imprevisíveis, que possam vir a

afetar a dimensão dos riscos ao longo de uma expedição na natureza.

A seguir, encontra-se uma tabela que sintetiza os fatores de risco, ou seja,

aspectos existentes ao longo da expedição do FEAL, que foram avaliados pelos alunos

como fatores de risco potenciais e reais.

51

TABELA I: RELAÇÃO DOS FATORES DE RISCO ATUANTES DURANTE A

REALIZAÇÃO DO FEAL

3.2.1. Perigos intrínsecos das Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN)

3.2.2. Imprevisibilidade dos acontecimentos em ambientes naturais

3.2.3. Sair da zona de conforto socioambiental habitual

3.2.4. Desconforto fisiológico

3.2.4.1. Sobrecarga física

3.2.4.2. Prática de atividade física sob condição climática extrema

3.2.4.3. Condicionamento físico insuficiente à demanda de atividade física do FEAL.

3.2.5. Demandas de navegação e orientação outdoor

3.2.6. Formato não diretivo do curso (lidar com a autonomia durante a expedição)

3.2.7. Desconforto emocional

3.2.8. O contexto de interação grupal do FEAL

3.2.9. Baixo nível de autoconhecimento e de consciência acerca das limitações pessoais

3.2.10. Fator de Risco interno

3.2.11. Fatores de risco durante a Atividade Solo

3.2.11.1. Quebra do coletivo: atividade solitária após inúmeras e intensas atividades grupais

3.2.11.2. Caráter repentino e inesperado da atividade

3.2.11.3. Estar sozinho no contexto do FEAL

3.2.11.4. Não estar habituado ao ambiente natural

3.2.12. Fatores de risco durante a Expedição Final

3.2.12.2. Ausência das figuras de apego seguro (instrutores)

52

3.2.1. PERIGOS INTRÍNSECOS DAS ATIVIDADES FÍSICAS NA NATUREZA

(AFAN)

Nas atividades de aventura realizadas em ambientes naturais, o controle das

variáveis ambientais é realizado pela natureza. Deste modo, os indivíduos engajados

neste tipo de atividade tornam-se dependentes da natureza e vulneráveis aos seus

perigos intrínsecos, visto que não podem controlá-los, como diz um dos alunos

entrevistados:

Em uma expedição na natureza, você tem n fatores pra conseguir terminar a expedição com todo mundo bem e não se colocar, nem colocar ninguém em risco (...) no ambiente natural, somos de certo modo reféns dos desejos da natureza (Aluno 1)

Apesar de o ser humano não ter controle sobre os perigos da natureza, ele o tem

sobre os riscos, que são as relações que estabelece com estes perigos. (OUTWARD

BOUND BRASIL, 2011). O risco pode ser gerenciado através do manejo de riscos,

processo que será discutido no item fatores de proteção.

3.2.2. IMPREVISIBILIDADE DOS ACONTECIMENTOS EM AMBIENTES

NATURAIS

Nos ambientes naturais, as variáveis são controladas pela própria natureza, o que

faz com que os eventos sejam imprevisíveis e o grau de controle dos indivíduos sobre o

ambiente diminua. Como podemos perceber na fala de um dos alunos a seguir, a

imprevisibilidade das variáveis ambientais no contexto do FEAL, atuou negativamente

sobre sua autoconfiança, deixando-o inseguro acerca de sua auto-eficácia e sua

capacidade de superar desafios desconhecidos:

53

O FEAL não é nada fácil...tem muitas variáveis que você não controla...que você nem imagina que vai ter lá. E quando você vê, você já está na situação...e tem que dar um jeito de se virar (...) isso amedronta...dá insegurança...porque...e se eu não desse conta de me virar com algo que acontecesse? (Aluno 2)

De acordo com os instrutores do FEAL, nas experiências educacionais na natureza

para que a imprevisibilidade dos acontecimentos não comprometa a integridade física e

psíquica dos educandos, além do gerenciamento e do manejo de riscos, é necessário que

eles sejam capacitados para que possam apresentar: prontidão; agilidade; flexibilidade;

assertividade e eficiência nos processos decisórios; capacidade de discernir e avaliar as

variáveis ambientais; maturidade para evitar atitudes impulsivas e imprudentes; atenção

ao autocuidado e ao cuidado grupal; habilidades sociais, como, por exemplo, a

capacidade de comunicar-se e de viver em grupos; conhecimento acerca da dinâmica

dos ambientes naturais; aparato técnico seguro; domínio técnico suficiente para

proteger-se das intempéries. Na capacitação dos educandos realizada durante o FEAL, a

maioria destes aspectos foi trabalhada pelos instrutores e serão discutidos com mais

profundidade na categoria dos fatores de proteção.

3.2.3. SAIR DA ZONA DE CONFORTO SOCIOAMBIENTAL HABITUAL

O ambiente modifica o homem e é por ele modificado. A Psicologia Ambiental é

a área de conhecimento que investiga as relações do comportamento humano com seu

ambiente físico. Há consenso entre diversos teóricos da Psicologia Ambiental acerca da

existência da territorialidade no repertório comportamental do ser humano. A

territorialidade é um comportamento espacial humano, que compreende a delimitação e

a manutenção de um espaço pessoal, visando obter conforto, privacidade e segurança.

Esta demarcação não é apenas física, mas também social a psíquica. A família, por

exemplo, é um dos maiores exemplo da territorialidade humana (HEIMSTRA,

MCFARLING, 1978).

54

Os autores enfatizam que apesar do ser humano apresentar o comportamento de

territorialidade, ele tem a capacidade de se adaptar psíquica e fisiologicamente a uma

ampla série de ambientes, através do processo de adaptação ambiental, que compreende

a modificação do sistema sensorial pela apresentação contínua de estímulos. Porém é

difícil precisar a quantidade de tempo e de estimulação necessárias para que cada

indivíduo se adapte a cada tipo de ambiente, bem como os efeitos causados pelo

processo de adaptação em cada organismo.

A participação em um curso como o FEAL, implica que os educandos abandonem

temporariamente seus respectivos territórios pessoais e zonas de conforto ambiental e

social. Sabe-se que os ambientes e as mudanças ambientais despertam diferentes tipos

de atitudes e reações afetivas em cada indivíduo (HEIMSTRA, MCFARLING, 1978).

Logo, ao longo do processo de adaptação ao novo contexto ambiental e social do curso,

diversos afetos são mobilizados e diversos tipos de atitudes e comportamento são

estimulados em cada educando. E, dependendo das histórias de vida e das

idiossincrasias de cada um deles, este processo pode até ser vivenciado como um fator

de risco. Abaixo, encontram-se falas dos alunos acerca da mudança e da adaptação

ambiental vivenciadas no curso:

Por estar fora do seu lugar e do seu grupo habituais, seu psicológico já começa a pender algumas vezes (Aluno 1).

O FEAL são quatorze dias bem difíceis...em termos de mudança de ambiente...de cenário comportamental. Não é nada fácil quatorze dias em cima da montanha com frio, vento, calor excessivo, mosquitos, insetos, pernilongos...dividindo tudo com pessoas que você nem conhecia (...) pra mim a sensação emocional de estar longe de casa...a saudade da família foi bem difícil...pegou bastante (Aluno 2).

Além das intempéries inerentes ao ambiente natural (citada pelo Aluno 2), às

quais os alunos devem se adaptar ao longo do curso, ambos os alunos ressaltam o

desconforto afetivo gerado pela falta do espaço pessoal cotidiano e da rede de apoio

social e familiar habituais.

55

Eu vim de um lugar que é mata atlântica...cerrado pra mim é coisa nova. É muito diferente andar no cerrado, pra se localizar, inclusive. Isso dificultou bastante o curso pra mim...porque não estou acostumado...tive que me adaptar ao longo do curso (Aluno 4)

Já nesta fala, o aluno demonstra que a mudança de bioma, de seu “habitat

natural”, a mata atlântica para o cerrado, dificultou a realização do curso e, enfatiza a

importância do processo da adaptação ambiental ao longo do curso.

3.2.4. DESCONFORTO FISIOLÓGICO

O desconforto fisiológico ao realizar o FEAL foi um aspecto unânime na fala dos

alunos. Os aspectos causadores deste desconforto foram: a sobrecarga física e a

condição climática extrema durante a travessia.

3.2.4.1.SOBRECARGA FÍSICA

De modo geral, os alunos do FEAL consideraram as AFAN realizadas durante o

curso, o trekking e o montanhismo, difíceis e desgastantes, o que reforça a definição da

Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA)

cerca de ambas as modalidades como práticas exaustivas. De acordo com a presente

associação, o trekking, associado ao montanhismo, consiste uma prática bastante

desgastante, na medida em que consiste em caminhadas de longo curso, que percorrem

ambientes naturais, de topografia extremamente desafiadora, sob o peso de cargas

pesadas (todo o aparato técnico e mantimentos utilizados no trajeto), durante dias a fio.

(ROMANO, 2009 apud – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE

ECOTURISMO E TURISMO DE AVENTURA, 2005).

56

Em consonância com os apontamentos realizados pela ABETA sobre a prática do

trekking e do montanhismo, segundo os alunos, os principais motivos de sobrecarga

física durante a realização do curso foram: a intensidade e a duração das atividades

desenvolvidas durante o curso e da atividade física; o ambiente natural no qual a

atividade física foi realizada e o peso dos equipamentos e mantimentos, que todos os

integrantes do grupo tinham que carregar durante a expedição. Segue abaixo as fala de

dois alunos acerca do grau de dificuldade da atividade física realizada no contexto do

FEAL:

A caminhada do FEAL é difícil porque não é uma simples caminhada...são vários quilos dentro de uma mochila, debaixo de sol, em um ambiente que você pega serra, montanha, descida, cruze de rio...o que com certeza gera um desgaste maior (Aluno 1)

Para esta aluna, o grau de dificuldade da atividade física torna-se maior quando

realizada em ambiente natural, o que exige mais do organismo. Afinal, a natureza impõe

obstáculos naturais que devem ser transpostos ao longo da expedição.

Além disso, a atividade física do FEAL foi realizada no formato de expedição, o

que implica que todos os equipamentos e pertences, individuais e grupais, além do

montante de alimentos consumido pelo grupo durante uma semana (apesar de a

expedição ter durado quatorze dias, no meio do curso houve o reabastecimento de

alimentos) eram carregados em mochilas, por todos os participantes do grupo, todos os

dias. Logo, passar inúmeros dias transpondo obstáculos naturais carregando muito peso,

em relevo acidentado, exige bastante da capacidade física dos alunos, o que ficou claro

na fala de ambos os alunos.

Na seguinte fala a sobrecarga física sentida durante a realização do curso também

está associada à intensidade da carga e à duração da atividade física realizada

O FEAL não é só alegria, não é só ver paisagem bonita...é um curso difícil...super intenso (...) É esforço físico e atividade o dia inteiro...o dia todo...a gente não parava. O dia começava às sete da manhã e acabava meia noite. Pra mim isso foi o mais difícil de superar....e o que às vezes me fazia pensar em desistir (...) A maior dificuldade do

57

curso é física...a ralação é muito grande...as caminhadas são muito longas e intensas...10 horas ou mais de caminhada por dia...muito cansaço e dores no pé (Aluno 6)

Além de passar quase metade do dia realizando a travessia do FEAL, ou seja,

realizando uma atividade física exaustiva, ao fim do dia os integrantes do grupo

montavam acampamento, preparavam a própria refeição e lavavam os utensílios

utilizados. Ao acordar, o grupo só voltava a caminhar após se alimentar e desarmar o

acampamento. Todo esse trabalho era dividido e realizado coletivamente, de modo que

todos os integrantes do grupo estavam sempre realizando alguma atividade. Nesta fala, é

possível perceber que o fato de praticamente não haver tempo ocioso durante o curso,

no qual os alunos pudessem descansar e se refazer do desgaste físico provocado pelas

longas caminhadas diárias, potencializou ainda mais a sobrecarga causada pela

atividade física.

3.2.4.2. PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA SOB CONDIÇÃO CLIMÁTICA

EXTREMA

Além da sobrecarga física, outro aspecto apontado pelos alunos do FEAL como

responsável pelo desconforto fisiológico sentido durante o curso, foi a realização de

atividade física sob condição climática extrema, dado que em alguns momentos durante

a travessia, a temperatura elevou-se significativamente.

O ser humano pertence ao grupo dos animais homotérmicos, nos quais os

processos químicos (função química), físicos (funções mecânicas), as funções corporais

e, de modo geral, a vida, dependem da constância da temperatura, pois o funcionamento

das enzimas e a reação dos processos químicos somente ocorrem dentro de um limite

ótimo de temperatura. Logo, tanto a hipertermia, quanto a hipotermia, podem prejudicar

o funcionamento do organismo homotérmico em diversos graus, inclusive causando a

falência orgânica e a morte (GANONG 1972, apud WEINECK, 2000).

No que tange à elevação da temperatura corporal, apesar de o corpo humano

suportar altas temperaturas ambientais, por um curto espaço de tempo, sem sofrer uma

58

hipertermia, isso acarreta uma sobrecarga ao sistema cardiocirculatório. A temperatura

média do ser humano é de 37 graus Celsius. O aumento da temperatura interna corporal

acima de 41 graus Celsius, pode acarretar déficit de células ganglionares importantes e

lesão cerebral (WEINECK, 2000).

A atividade física realizada no contexto deste FEAL incluiu a associação de

diversos fatores que causam um aumento significativo da temperatura corporal. Dentre

estes fatores estão: a temperatura do local em que o FEAL foi realizado: segundo um

dos participantes, a sensação térmica chegou próxima aos 50 graus Celsius durante o

curso e a atividade física desgastante realizada com carga intensa. Segundo Weineck

(2000), a realização da atividade física influencia na temperatura corporal, elevando-a,

devido à intensificação da atividade muscular durante o trabalho corporal. E, do mesmo

modo quanto maior a elevação da carga durante o exercício, maior a temperatura

corporal. Logo, a elevação térmica, associada ao desgaste físico devido ao trekking,

trouxe um grande desgaste fisiológico à maioria dos alunos do FEAL, como pode ser

verificado na fala abaixo:

Eu senti bastante cansaço no FEAL. Principalmente no último dia, que o sol tava muito, muito forte...muito sol na cabeça, sensação térmica acima de 50 graus. Tinha hora que eu pensava que se eu andasse por mais um tempo, eu não ia aguentar. Nesse momento eu me senti pior, mais frágil...eu tava muito cansado mesmo (...) O calor judia da gente. Você perde muito líquido. Caminhar com sombra ou quando tá nublado é uma delícia, uma beleza, mas debaixo do sol... (...) Os piores momentos eram os de sol intenso, o sol queimando...caminhando ao sol do meio-dia, da uma hora...subindo e descendo serra...Naquele momento a gente tava baqueando...se não tivesse parado, ido pro rio e se hidratado logo, talvez cinco, dez minutos depois tivesse complicações (Aluno 4)

De acordo com a Biologia do Esporte, a termorregulação, mecanismo de

regulação da temperatura corporal é extremamente importante para a prática esportiva e

de exercícios físicos, na medida em que as oscilações da temperatura podem provocar

alterações funcionais da musculatura, da respiração, da circulação e do sistema nervoso

central. (FINDEISEN; LINKE; HAIN 1980, apud WEINECK 2000). Esta fala

corrobora a teoria na medida em que o cansaço físico do aluno, somado à elevação de

59

sua temperatura corporal, afetaram o funcionamento de seu organismo, prejudicando

seu desempenho físico e fazendo-o sentir-se fragilizado.

Um contexto de intensa carga corporal, de longa duração, sob alta temperatura

ambiental, como era o do FEAL, pode afetar não apenas o equilíbrio orgânico de um

organismo, mas o psíquico também. O distúrbio de esgotamento de calor, por exemplo,

pode afetar o funcionamento psíquico, causando alterações comportamentais e de

humor, tais como: diminuição da capacidade de discernimento e de autocontrole,

perturbação da consciência, estados de ansiedade, excitação, agressividade, histeria,

apatia e psicose, dentre outros. (ISRAEL 1982, WEINECK, 2000).

Os alunos não desenvolveram este distúrbio. Mas, o desconforto fisiológico

gerado pelo desgaste físico e pela elevação térmica, atuou como um fator de risco

potencial para eventuais divergências grupais e fragilidades emocionais, como podemos

conferir na fala de um dos alunos:

A região onde o curso foi realizada é seca e não choveu...A gente passou por algumas situações de extremo calor, bem perrengues....a sensação térmica neste curso chegou várias vezes ao extremo (...) Quando você tá andando debaixo de um sol de quarenta graus, com trinta quilos nas costas, cansado, fica mais fácil ficar incomodado, colocar barreiras e brigar um com o outro. Passar por necessidades fisiológicas durante o curso altera o seu psicológico (...) Em um contexto como o do FEAL, o fato de você sair da sua zona de conforto física ou chegar no seu extremo físico, já começa a alterar o seu psicológico (Aluno 1)

3.2.4.3.CONDICIONAMENTO FÍSICO INSUFICIENTE À DEMANDA DE

ATIVIDADE FÍSICA DO FEAL

Para a prática de trekking e de montanhismo, atividades físicas realizadas durante

o FEAL, recomenda-se a realização prévia de um treinamento físico com enfoque no

desenvolvimento e aprimoramento de força resistência, flexibilidade, capacidade

cardiorrespiratória, além de atividades que facilitem a ampliação do repertorio de

habilidades motoras (SCHURMAN; SCHURMAN, 1966). Neste sentido, a ausência de

60

condicionamento físico, ou um condicionamento físico insuficiente à prática de AFAN

sob condições extremas de temperatura, como o era no contexto do FEAL, torna-se um

fator de risco potencial para a vulnerabilidade física e psíquica dos alunos, como vemos

na fala de um aluno:

Alguns dos colegas do curso estavam fisicamente mais abalados...porque apesar de trabalharem com atividades físicas, não tinham tanto preparo físico...e não estar preparado fisicamente no contexto do curso, é algo que fragiliza...física e psicologicamente (Aluno 1)

Na fala seguinte, um dos instrutores afirma que possuir pouca experiência com

atividades físicas e com atividades ao ar livre pode prejudicar a adaptação dos alunos ao

ambiente do FEAL:

Para os alunos mais sedentários ou menos acostumados à vida ao ar livre...certamente o FEAL foi desafiador (...) quem não tem vivência ao ar livre...e com esportes...atividade física...tem mais dificuldades pra se adaptar a este contexto do curso (Instrutor 1).

Na fala abaixo um dos alunos demonstra que a ausência de treinamento físico

antes do início do curso pode ser um fator de risco para a adaptação ao contexto de

atividades físicas durante o FEAL:

A atividade física do FEAL é intensa...o mais difícil e impactante foram os primeiros dias...tinha subidas longa e muito íngremes...faltava até o ar...e eu não tava acostumado ainda com a mochila nas costas e com aquele peso todo (...) apesar de praticar esportes regularmente, eu não tinha feito um preparo físico muito forte antes...isso potencializou a dificuldade (Aluno 6).

Na fala, percebe-se a dificuldade sentida pelo aluno no processo de adaptação

física à intensidade da carga e à demanda cardiorrespiratória elevadas da atividade física

realizada durante o curso. Seu processo de ambientação poderia ter sido menos

desgastante se a intensidade da carga e do exercício físico fosse elevada progressiva e

61

gradualmente. Porém, o FEAL é realizado em formato de expedição e não há outra

opção a não ser levar, desde o primeiro dia, toda a carga que será utilizada durante todo

o curso. Ademais, um treinamento progressivo durante o FEAL torna-se impossível,

pois quem determina a intensidade da atividade a ser realizada é a topografia local.

Logo, para facilitar o processo de ambientação física, o ideal seria que os indivíduos que

participassem do FEAL, realizassem um programa de treinamento físico antes de iniciar

o curso.

3.2.5. DEMANDAS DE NAVEGAÇÃO E ORIENTAÇÃO OUTDOOR

No início do FEAL os instrutores ensinam aos alunos a teoria e prática de técnicas

de navegação e orientação outdoor (leitura de mapas cartográficos, entornos e uso da

bússola), necessárias para que a travessia seja realizada. No início, os instrutores são

mais diretivos no gerenciamento da expedição. Após o aprendizado das técnicas, os

instrutores passam a ser apenas “staff” dos alunos e quem assume o comando da

expedição e decide os trajetos a serem seguidos, é o grupo de alunos, através da leitura

dos mapas cartográficos, dos entornos e do uso da bússola. Vários alunos encontraram

bastante dificuldade perante as demandas de navegação e de orientação durante a

travessia do FEAL, como ilustram as falas abaixo:

O mais difícil do curso é a parte de navegação (...) conseguir estabelecer uma rota só olhando pra mapa e lendo o ambiente era o grande desafio... que forçava a gente a ficar pensando demais o tempo todo...que tirava a gente um pouco do sério (...) durante a expedição você tem que tentar ajudar o grupo a se orientar...a sua cabeça está pensando o tempo todo e isso exige mais de você e do seu físico e do seu mental...traz um desgaste maior (Aluno 4).

Segundo este aluno, as demandas de navegação e orientação exigem bastante do

funcionamento cognitivo o que potencializa o desgaste físico e emocional durante o

curso.

62

Se você não aprende a usar a bússola, a carta de navegação e estiver sozinho na montanha, você não se mexe...ou se perde cada vez mais....pode até acabar se colocando em alguma situação arriscada (Aluno 6).

De acordo com este aluno, o não domínio das técnicas de orientação e navegação

outdoor durante o FEAL, dificultam a localização dos caminhos e prejudicam a

locomoção no ambiente natural, podendo atuar como um fator de risco a segurança dos

participantes. Porém, a fala de outro aluno, apresentada a seguir, enfatiza que apesar de

essas técnicas serem imprescindíveis às atividades de aventura na natureza, mesmo

indivíduos que não as dominam podem realizar este curso, pois a capacitação técnica

dos instrutores foi suficiente para instrumentaliza-los neste sentido:

A orientação e navegação são aspectos difíceis do curso...não há como fazer o curso sem saber estas técnicas (...) mas nada impede que quem não domina estas técnicas façam um curso experimental ao ar livre e aprendam no curso o que precisam saber pra se virar (Aluno 2).

3.2.6. FORMATO NÃO DIRETIVO DO CURSO (LIDAR COM A

AUTONOMIA DURANTE A EXPEDIÇÃO)

Como já mencionado, após os alunos aprenderem as técnicas, habilidades e

conhecimentos necessários ao gerenciamento da expedição, a responsabilidade de

liderar o grupo de alunos passa a ser do próprio grupo. A partir de então, é o grupo de

alunos que, de modo democrático, toma todas as decisões necessárias durante a

travessia e, consequentemente, lida com as consequências das próprias decisões. O

formato não diretivo do curso e a atribuição de autonomia aos alunos podem atuar como

fator de risco para alguns educandos, como podemos conferir na fala a seguir:

Por ser um curso, eu achava que no FEAL eu ia aprender um monte de técnicas, modelinhos e receitinhas prontas de educação ao ar livre a seguir. E foi completamente diferente (...) o curso é muito mais do que aprender receitinhas prontas (...) de repente você vê que o curso é seu...que é você que tem que fazê-lo...isso é assustador...dá vontade de

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falar: ‘Me dá uma receita, não quero ir sozinha’...mas você tem que ir sozinha sim...e ainda em uma ambiente de natureza...e sem as pessoas que costumam te dar apoio no cotidiano (Aluno 3).

Na fala percebemos que esta aluna tinha a expectativa de que o método

pedagógico utilizado no FEAL tivesse um formato mais diretivo de educação. Deste

modo, lidar com a própria autonomia, repentinamente, em um ambiente novo, repleto de

desafios naturais e sem a sua rede habitual de apoio, lhe pareceu assustador.

Na fala a seguir, um dos instrutores discorre acerca da autonomia dos alunos nas

tomadas de decisão durante o curso:

Na cidade pra ter conforto você adquire o que quiser. Já no ambiente do FEAL são suas escolhas te propiciam conforto ou não...então o conforto dos alunos vai depender muito das escolhas e da disciplina deles (...) os alunos é que vão escolher os caminhos, a hora de parar de caminhar, onde vão dormir, o que vão cozinhar...e as consequências das decisões em um ambiente natural são imediatas (Instrutor 2).

Através desta fala, percebe-se a importância das decisões tomadas pelos alunos

durante a expedição. Na medida em que as escolhas dos alunos definem ações que, por

sua vez geram consequências, é importante que a autonomia seja exercida com cuidado

e responsabilização no processo de tomada de decisões, para que os alunos não tenham

que lidar com consequências negativas. Neste sentido, a seriedade da assunção da

autonomia no contexto do FEAL, pode potencializar o temor ao formato não diretivo do

curso. Ademais, os indivíduos que não estão acostumados a exercer a própria

autonomia, a responsabilizar-se pelas próprias atitudes e que são dependentes do apoio

de sua rede social habitual, estão mais sujeitos a vivenciar o formato não diretivo do

FEAL como uma adversidade.

3.2.7. DESCONFORTO EMOCIONAL

A maioria dos alunos relata ter sentido algum tipo de desconforto emocional

durante a realização do curso, como podemos conferir a seguir:

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Em diversos momentos do curso, várias pessoas ficaram bastante incomodadas emocionalmente (...) na verdade todos, inclusive eu, ficamos psicologicamente fragilizados...em termos de sentimentos e emoções (Aluno 2)

Muitos alunos sentiram medo durante o FEAL. Mas não considero que algum participante tenha se sentido em perigo (Instrutor 1).

A vivência de desafios físicos, cognitivos, sociais e emocionais em um contexto

de adaptação a uma nova realidade social e ambiental, como o era no FEAL, mobilizam

inúmeros afetos, tanto positivos, quanto negativos, podendo causar fragilidade

emocional. Porém, a fala deste aluno não especifica quais aspectos desta experiência

causaram a referida fragilidade emocional.

De acordo com a avaliação de um dos instrutores, apesar de os alunos do FEAL

terem sentido medo em algumas situações, eles não chegaram a se sentir em perigo. Ou

seja, apesar de os alunos terem vivenciado desconfortos emocionais durante o curso, aos

olhos da instrutora, isso não foi um fator de risco para esses participantes.

3.2.8. O CONTEXTO DE INTERAÇÃO GRUPAL DO FEAL

O FEAL impõe aos seus participantes uma situação de interação social bastante

peculiar, pois propicia um contato grupal extremamente intenso entre indivíduos que

não se conheciam antes do curso, em meio ao ambiente adverso da natureza. No relato

dos alunos, a convivência grupal no contexto do FEAL foi caracterizada tanto como um

fator protetor, por propiciar uma rede de apoio social necessária à segurança física e

psíquica dos integrantes em meio ao ambiente natural, quanto como um fator de risco

predisponente da fragilidade emocional. Essas premissas corroboram o que teorizam

Yunes e Szymansky (2002), que ressaltam que um mesmo fator pode atuar, ao mesmo

tempo, como um fator de proteção e como um fator de risco.

Segue abaixo a fala de um dos alunos sobre o contexto grupal do curso:

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O mais desafiador pra mim foi a convivência em grupo...a dificuldade psicológica de estar ali conhecendo as pessoas, respeitando o jeito, as características de cada um (...) mesmo com o limite físico estabilizado, a convivência em grupo no FEAL às vezes abala o psicológico (Aluno 1).

Em sua fala, esta aluna afirma que, mesmo na presença do fator de proteção

‘limite físico estabilizado’, a intensa convivência com pessoas que até o curso eram

desconhecidas e ter que lidar com a alteridade e respeitar as idiossincrasias dos

integrantes da equipe, foram aspectos que potencializaram as dificuldades enfrentadas

no curso.

No curso você precisa respeitar o seu processo, o seu tempo e ao mesmo tempo acompanhar os processos e o tempo do grupo...com pessoas que você nunca viu. É um desafio enorme (Aluno 3).

Esta fala explicita alguns desafios impostos pelo convívio grupal no FEAL, como

a necessidade de harmonizar as necessidades e características individuais e grupais e

fazê-lo entre indivíduos que se conheceram apenas no início do curso.

3.2.9. BAIXO NÍVEL DE AUTOCONHECIMENTO E DE CONSCIÊNCIA

ACERCA DAS LIMITAÇÕES PESSOAIS

O autoconhecimento insuficiente e a falta de noção acerca das próprias

potencialidades, limitações e deficiências foram mencionados como fatores de risco

para a exposição dos educandos a situações para as quais não possuem recursos de

enfrentamento suficientes, aumentando a probabilidade de se submeterem a situações de

perigos que lhes sejam nocivas, como nos mostra a fala de um aluno:

Têm pessoas que querem ir além...querem ser o rambo...o he-man, (risos) e acabam se dando mal...por não conhecerem até onde podem ir...até onde aguentam...acabam se colocando em risco (Aluno 6).

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3.2.10. FATOR DE RISCO INTERNO

Além dos aspectos externos que atuaram como fatores de risco, alguns alunos

também mencionaram como fator de risco interno alguns aspectos da própria

personalidade, que prejudicaram o enfrentamento das dificuldades vivenciadas durante

o curso, como podemos conferir na fala abaixo:

O que me atrapalhou a enfrentar as dificuldades do curso não foi nada externo, foi minha mente....uma luta interna comigo mesma (Aluno 1).

Esta fala reforça o fato de que as AFAN, apesar de serem atividades físicas de

caráter predominantemente cooperativo, impõem ao praticante uma disputa a ser

travada com os riscos intrínsecos ao ambiente natural e com seus próprios temores,

limites e monstros internos (COSTA, 2001).

3.2.11. FATORES DE RISCO DURANTE A ATIVIDADE SOLO

A atividade solo foi apontada por todos os alunos do FEAL como uma das

atividades mais difíceis e desafiadoras do curso, devido a três aspectos, dentre eles o

fato desta atividade ter representado a separação do grupo para a realização de um

desafio individual após diversos dias de atividades grupais; o caráter repentino e

inesperado da atividade e o fato do educando ficar sozinho durante a atividade solo no

contexto do FEAL.

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3.2.11.1. QUEBRA DO COLETIVO: ATIVIDADE SOLITÁRIA APÓS

INÚMERAS E INTENSAS ATIVIDADES GRUPAIS

Na visão dos instrutores, uma das dificuldades impostas pela atividade solo é a

quebra repentina do coletivo, afinal, durante toda a expedição os alunos realizam todas

as atividades em grupo e de repente, devem ficar sós:

Durante todo o FEAL o grupo de alunos tá muito unido...é tudo muito coletivo...eles processam tudo junto...são cobrados por metas coletivas, comem junto, dormem junto e fazem tudo junto (...) a atividade solo, após tanta atividade coletiva, num primeiro momento assusta muito. E de repente há a quebra deste conjunto (Instrutor 2).

Através desta fala, percebe-se que a atividade solo é o único momento durante o

FEAL em que os alunos devem contar apenas com os próprios recursos de

enfrentamento das adversidades e ela ocorre após os alunos terem se acostumado a

contar com a soma dos recursos individuais e com os recursos grupais. Logo, a

atividade solo é também um processo de mudança e demanda a adaptação dos alunos a

esta nova realidade.

3.2.11.2. CARÁTER REPENTINO E INESPERADO DA ATIVIDADE

Um dos aspectos que potencializaram a dificuldade imposta pela atividade solo,

foi o fato de que esta foi uma atividade surpresa, visto que os alunos souberam de sua

existência apenas na iminência de sua realização, como evidencia a fala de um aluno:

A gente não sabia da atividade solo...de repente os instrutores falaram...peguem as lanternas...sacos de dormir...que vocês vão dormir fora...aí eles ensinaram a fazer bivack...uma cama pra dormir ao relento...com uma lona...em caso de chuva (...) o fato de ser uma

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atividade inesperada...assusta bastante...porque a gente não se preparou conscientemente pra isso (Aluno 5).

Para este aluno, o fato de não saber da existência da atividade solo e de esta ter

sido proposta repentinamente, fez com que ele se sentisse mais temeroso e despreparado

para enfrentar este desafio.

3.2.11.3. ESTAR SOZINHO NO CONTEXTO DO FEAL

O fato de estar só durante a atividade solo, em um contexto de ambiente natural

com seus perigos intrínsecos, foi apontado pelos alunos, de modo unânime, como um

grande e difícil desafio. Apesar de estarem a sós na atividade solo, era possível que os

alunos chamassem os instrutores através de um apito. E havia uma luz distante

sinalizando o local no qual os instrutores estavam. Ou seja, era possível solicitar apoio

caso fosse necessário. Porém, a fala abaixo demonstra que mesmo tendo a possibilidade

de pedir auxílio frente a alguma adversidade, a ausência física dos instrutores tornou

alguns dos alunos mais vulneráveis:

Fiquei inseguro na atividade solo...você está no meio do mato sozinho. Apesar de saber que tem gente por perto, dá receio...qualquer barulhinho você fica meio esperto (Aluno 6).

A fala seguinte demonstra que, apesar do caráter adverso de se estar sozinho no

contexto do FEAL, a atividade solo é um momento que favorece que os alunos entrem

em contato com os próprios recursos de enfrentamento e percebam se estes são ou não

suficientes para enfrentar os desafios que lhe são impostos. Desta forma, essa vivência

de configura como uma oportunidade de autoconhecimento:

69

Na atividade solo tive que lidar com um medo que não tinha sentido até então...no começo do solo eu me desesperei e chorei pensando que eu sou fraca...que não consigo ficar sozinha...que quando depende de mim eu não consigo (...) foram uns vinte minutos de desespero (...) mas depois consegui superar esse momento de desespero, porque eu tinha recursos pra isso (Aluno 3).

Por meio desta fala, é possível perceber que este aluno sentiu-se vulnerável no

início da atividade solo, frente à ausência da rede de apoio social à qual estava

habituada durante a expedição. De modo que, ao se perceber só em pleno contexto do

FEAL, não acreditou possuir recursos suficientes para enfrentar esse desafio, o que

resultou em descontrole emocional. Porém, após o desespero inicial, o fato de estar só

neste contexto possibilitou o contato com os próprios recursos de enfrentamento e o

reconhecimento de sua capacidade de superação de desafios. Assim, para este aluno o

fator de risco externo (estar só) facilitou a mobilização do fator de proteção interno

(confiança na própria capacidade de transpor adversidades). Isto corrobora a evidência

de que um mesmo aspecto pode atuar, para um mesmo indivíduo, como um fator de

risco e, ao mesmo tempo, estimular a mobilização e o desenvolvimento de fatores de

proteção (ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006). E, além disso, vai ao encontro do que

enfatizam Yunes e Szymansky (2002) sobre o processo de resiliência. As autoras

ressaltam que a resiliência não existe sem os fatores de risco, afinal, os fatores de

proteção não possuem efeito na ausência de um fator de risco, visto que sua função é

atenuar os efeitos adversos dos estressores. Logo, é necessário que um indivíduo esteja

exposto a uma situação de risco, para que, no intuito de superá-la, possa descobrir e

mobilizar fatores externos e internos de proteção.

3.2.11.4. NÃO ESTAR HABITUADO AO AMBIENTE NATURAL

Segundo um dos instrutores, a não familiaridade com o ambiente natural aumenta

a probabilidade de a atividade solo ser vivenciada como um fator de risco pelos alunos:

70

O solo é uma atividade muito exigente, porque coloca os alunos em contato com eles mesmos e em contato com o ambiente natural...a pouca familiaridade com o ambiente natural pode fazer com que o solo seja um momento bem adverso...neste grupo tinha alguns alunos que não tinham tanto problema com este ambiente...mas os que não estavam acostumados a este tipo de ambiente, com certeza sofreram mais...tiveram mais medo (Instrutor 2).

Ou seja, aqueles alunos menos habituados ao contato com ambientes naturais

antes do FEAL, ficaram mais vulneráveis e fragilizados ao estar só em meio à natureza,

durante a atividade solo.

3.2.12. FATORES DE RISCO DURANTE A EXPEDIÇÃO FINAL

A expedição final consiste em uma atividade realizada no último dia da expedição

do FEAL, na qual os instrutores se retiram da equipe e apenas o grupo de alunos deve

gerenciar a expedição e seguir sozinhos, até o ponto de chegada da travessia. A ausência

dos instrutores, que representaram figuras de apego seguro (BOLWBY, 1984) aos

educandos ao longo da expedição, foi apontada pelos alunos como potencializadora da

dificuldade desta atividade, como podemos verificar a seguir.

3.2.12.1. AUSÊNCIA DAS FIGURAS DE APEGO SEGURO (INSTRUTORES)

Os instrutores foram apontados por todos os alunos como um fator de proteção

essencial para a segurança física e emocional da equipe. Logo, a ausência das figuras de

apego seguro, representadas pelos instrutores, favoreceu a vulnerabilidade e o aumento

da insegurança dos educandos durante a expedição final. Como ilustra a fala de um dos

alunos destacada a seguir:

71

Na expedição final, tava só o grupo de alunos...os instrutores não estavam próximos da gente...eu fiquei com mais receio, mais insegura... porque não tinha aquele alicerce, aquela base. Eu ficava assim: ‘nossa, vai chover, você têm certeza que esse é o melhor lugar pra acampar?’ (...) se acontecesse alguma coisa com qualquer um durante a expedição final, como é que a gente ia conseguir sanar esse problema? (Aluno 1).

Porém, apesar da maior vulnerabilidade do grupo de alunos durante a expedição

final, devido à ausência dos instrutores, esta atividade não chegou a ser um fator de

risco para os alunos. Evidencia-se que eles estavam instrumentalizados para transpor

este desafio, ou seja, possuíam fatores de proteção suficientes para fazê-lo. Como ilustra

a fala a seguir:

Apesar da insegurança maior na expedição final...por não ter os instrutores...o grupo de alunos estava preparado para enfrentar este desafio...porque tínhamos aprendido com os instrutores o necessário para conseguir...e nós conseguimos (Aluno 6).

Esta fala também evidencia que a capacitação dada ao longo do curso

efetivamente propiciou a aprendizagem de aspectos suficientes para permitir aos alunos

a assunção da autonomia em segurança, mesmo na ausência dos instrutores.

3.2. FATORES DE PROTEÇÃO DISPONÍVEIS AOS EDUCANDOS DURANTE A

REALIZAÇÃO DO FEAL

A partir das entrevistas realizadas com os participantes do FEAL, foram

encontrados fatores externos e internos de proteção, ou seja, aspectos disponíveis

durante a realização do curso, que amenizaram os efeitos negativos dos fatores de risco

atuantes. Os fatores de proteção internos encontrados compreendem os aspectos

referentes às características pessoais dos participantes do curso. Enquanto os fatores de

proteção externos estão relacionados às medidas de segurança propiciadas pela

instituição responsável pelo curso (OBB); à estrutura da educação experiencial pela

72

aventura e do processo de ensino-aprendizado norteado por este método pedagógico; ao

contexto de interação grupal do curso; dentre vários outros aspectos, explanados a

seguir.

TABELA II: RELAÇÃO DOS FATORES DE PROTEÇÃO DOS EDUCANDOS

DURANTE A REALIZAÇÃO DO FEAL

3.3.1. Segurança institucional (Outward Bound Brasil)

3.3.1.1. Padrão de gestão de segurança e de prevenção de acidentes dos cursos da OBB

3.3.1.2. O processo de gerenciamento e manejo de riscos no ambiente natural

3.3.1.3. Instrutores devidamente capacitados para atividades outdoor

3.3.1.4. Estabelecimento da Safety net (rede de segurança)

3.3.1.5. Capacitação dos educandos

3.3.1.5.1. Capacitação em técnicas outdoor

3.3.1.5.2. Capacitação para o desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais

3.3.1.6. Respaldo dos instrutores (figuras de apego seguro): da capacitação à atribuição de

autonomia aos educandos

3.3.1.6.1. Debriefing e Feedbacks fornecidos pelos instrutores

3.3.2. O Método de Educação Experiencial pela Aventura

3.3.2.1. Capacitação experiencial contextualizada

3.3.2.2. Capacitação gradual através de desafios progressivos

3.3.2.3. Método pedagógico não diretivo e embasado na Maiêutica

3.3.3. Saúde (bem-estar físico)

3.3.4. Condicionamento físico

3.3.5. Autocuidado

3.3.6. Atenção às necessidades fisiológicas

3.3.7. Condição climática relativamente favorável (ausência de chuva)

3.3.8. O estabelecimento de metas coletivas tangíveis

3.3.9. Relação com o ambiente natural

3.3.9.1. Experiência prévia com Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN)

3.3.9.2. Apreço pelo ambiente natural

73

3.3.9.3. Conhecimento sobre a dinâmica dos ambientes naturais

3.3.10. Rede de apoio social

3.3.10.1. Respaldo do grupo de iguais

3.3.11. Capacidade de enfrentar as dificuldades com bom humor

3.3.12. Recursos internos de proteção

3.3.12.1. Abertura para vivenciar as experiências

3.3.12.2. Autoconhecimento (consciência acerca das próprias limitações)

3.3.12.3. Capacidade de utilizar os recursos ambientais no enfrentamento das

adversidades

3.3.12.4.Conceito pessoal de necessidades básicas

3.3.12.5. Habilidades sociais

3.3.12.6. Capacidade de expressar sentimentos (Catarse)

3.3.12.7. Experiência prévia em se afastar da zona de conforto socioambiental pessoal

3.3.13. Caráter temporário das adversidades do FEAL

3.3.14. Questões de gênero

3.3.15. Vivenciar o desconforto

3.3.16. Ritual Social de Reforço Positivo (O “Ritual da Gravata”)

3.3.17. Fatores de Proteção durante a atividade solo 3.3.17.1. Recursos Internos de Proteção 3.3.17.2. Viabilidade de acesso às figuras de apego seguro 3.3.18. Fatores de proteção durante a Expedição Final

3.3.18.1. Ambientação 3.3.18.2. Disposição das atividades do curso 3.3.18.3. Rotinas de expedição 3.3.18.4. O respaldo do grupo de iguais 3.3.18.5. Capacidade de aprender com os próprios erros

3.3.19. Superação de trauma pessoal

3.3.20. Ausência de situação adversa extrema

3.3.1. SEGURANÇA INSTITUCIONAL

Diversos aspectos referentes à organização estrutural do FEAL foram

mencionados pelos alunos como fatores protetores ao longo da expedição. Estes

aspectos, discutidos a seguir, compõem a categoria segurança institucional, por serem

providos pela Outward Bound Brasil (OBB).

74

3.3.1.1.PADRÃO DE GESTÃO DE SEGURANÇA E PREVENÇÃO DE

ACIDENTES DOS CURSOS DA OBB

Segundo os alunos, o padrão de segurança propiciado Outward Bound Brasil

(OBB) é um fator de proteção importante para que a expedição seja realizada em

segurança. Afinal, os cursos desenvolvidos pela OBB baseiam-se no padrão

internacional de Gestão de Segurança e Prevenção de Acidentes, aprovado pela

Outward Bound Internacional, que foram utilizados como referência na elaboração das

Normas de Turismo de Aventura publicadas pela ABNT, para que os participantes

possam desfrutar da aventura dentro de uma margem mínima de segurança. Ademais,

atuação da OBB é norteada por protocolos e normas de segurança e de primeiros

socorros e por standards de resposta a ferimentos e enfermidades desenvolvidos pela

Wilderness Medical Society para programas em áreas silvestres. E os cursos da OBB

são facilitados por instrutores constantemente capacitados e experientes em atividades

outdoor, que realizam o gerenciamento e manejo de riscos em ambientes naturais e

capacitam os alunos a fazê-lo. Segue abaixo a fala de um aluno acerca do caráter

protetor do padrão de segurança utilizado pela OBB em seus cursos:

Realizar o FEAL foi muito legal do início ao fim (...) desde a inscrição no curso, temos a sensação de conforto, de que é tudo bem organizado, bem projetado (...) a Outward Bound é referência em atividades experienciais na natureza...eles possuem um padrão internacional de segurança...e isso é levado muito a sério pelos instrutores (...) saber que você está lidando com pessoas sérias e não com algum aventureiro qualquer, dá muita segurança (Aluno 4).

Nas últimas três décadas, as atividades de aventura na natureza estão sendo

utilizadas em grande escala, para fins empresariais, educacionais, recreativos e

terapêuticos. Porém, infelizmente, nem todas as instituições que promovem este tipo de

programa, baseiam-se em padrões de segurança reconhecidos pela ABNT (OUTWARD

BOUND BRASIL, 2011). A fala deste aluno demonstra que o padrão de gestão de

segurança da OBB, norteado pelas normas da ABNT para atividades de aventura na

natureza e a excelência profissional dos instrutores no contexto outdoor, atuaram como

fatores de proteção por inspirarem confiança ao longo de todo o curso.

75

3.3.1.2. O PROCESSO DE GERENCIAMENTO E MANEJO DE RISCOS NO

AMBIENTE NATURAL

De acordo com a OBB (OUTWARD BOUND BRASIL, 2011) a existência de

perigos e de riscos é inerente aos ambientes naturais. O perigo compreende as

adversidades intrínsecas da natureza, sobre as quais o homem não tem controle. Já os

riscos, são as relações que o homem estabelece com os perigos da natureza, mais

passíveis de serem controladas. Dentre as medidas da Gestão de Segurança e prevenção

de acidentes da OBB estão o gerenciamento e o manejo dos riscos em ambientes

naturais, que compreendem o reconhecimento e a análise dos perigos inerentes às

atividades em ambientes naturais, possibilitando que estratégias de gerenciamento de

riscos e de promoção da segurança grupal sejam desenvolvidas. De acordo com os

instrutores da OBB, o gerenciamento e manejo de riscos é o que permite que o FEAL

seja um curso desafiador e ao mesmo tempo seguro, como podemos conferir na fala

abaixo:

É possível propor um contexto de experiências desafiadoras e ao mesmo tempo buscar a segurança dos alunos (...) a gente [instrutores] têm o controle do que é seguro e do que é inseguro...não vamos expor o participante a um risco desnecessário...porque o intuito do curso não é traumatizar ninguém (...) a gente [instrutores] avalia os riscos previamente, ainda na fase de escritório, na preparação dos instrutores antes de ir a campo e durante o curso (...) temos consciência dos riscos envolvidos na realização de um curso como este e assumimos o gerenciamento dos riscos (...) é claro que o risco percebido pelo participante, às vezes é muito mais alto do que o risco real. O que não significa que não existem riscos. Existem, mas tem toda uma gestão desses riscos (...) a gente [instrutores] tá preparado pra lidar com riscos e pra minimizar a exposição a riscos maiores e as eventuais consequências de algum incidente ou um acidente (Instrutor 1).

De acordo com esta fala, percebemos que os riscos dos programas da OBB são

seriamente calculados e os instrutores estão capacitados para gerenciar estes riscos e

lidar com eventuais acidentes. Esta fala corrobora os dados trazidos pela OBB

(OUTWARD BOUND BRASIL, 2011) acerca do manejo de riscos, que evidenciam que

apesar de os alunos possuírem autonomia durante a expedição, os instrutores estão

76

sempre atentos aos riscos, gerenciando-os, de modo que a percepção dos riscos pelos

educandos é maior do que estes efetivamente o são.

O gerenciamento de riscos não significa impedir que os alunos vivenciem os riscos...significa capacitá-los para que se “arrisquem em segurança”...e estamos [instrutores] sempre atentos à segurança deles [alunos] durante a vivência dos riscos (...) mas entrar em pânico desnecessariamente é uma prática que não existe em campo...não ficamos pensando: ‘ai meu deus, ai meu deus...o que pode acontecer?’...a gente [instrutores] deixa as coisas acontecer e aprende a lidar com o que acontece...não ficamos antecipando problemas...que podem nem vir a acontecer...então a gente [instrutores] deixa eles [alunos] vivenciarem os processos...deixa eles lidarem com as consequências das próprias ações...e quando necessário, temos a opção de fazer uma remoção de alguém...porque sempre temos suporte pra isso (...) mas claro que se for algo sério, a gente [instrutores] intervêm pra evitar qualquer fatalidade (Instrutor 2)

De acordo com a fala deste instrutor, percebe-se que o gerenciamento e o manejo

dos riscos não implicam em eximir os alunos dos riscos, mas sim em capacitá-los para

que sejam capazes de enfrentá-los e manejá-los a seu favor. E, quando os alunos já estão

autônomos no gerenciamento e manejo de riscos, os instrutores continuam monitorando

a segurança grupal, mas de modo menos interventivo e menos preventivo, para permitir

que os alunos vivenciem as experiências e lidem com as consequências de suas próprias

decisões e ações, para que possa haver aprendizado. Se por uma eventualidade um

educando necessitar de auxílio médico, ele será removido do curso e receberá atenção

médica, pois os cursos da OBB possuem o sistema 24 horas de resposta a emergências.

E, além disso, se o grupo de educandos ou algum deles for realizar algo que

comprometa sua integridade física e psíquica de modo mais severo, os instrutores

intervirão, impedindo-o de fazê-lo.

Segundo o relato de todos os alunos do FEAL, o processo de gerenciamento e de

manejo de riscos da OBB é um importante fator de proteção durante a expedição, como

ilustra a fala a seguir:

São vários os riscos em uma expedição na natureza. Mas a OBB é bem rígida nesta questão de segurança...eu considero o padrão de segurança deles ideal (...) os riscos acontecem, mas são riscos

77

controlados, na maneira do possível...os instrutores gerenciavam os riscos durante a expedição...e ensinaram os alunos a fazer o mesmo. Esse gerenciamento é essencial pra gente poder passar a expedição com segurança (Aluno 1).

3.3.1.3. INSTRUTORES DEVIDAMENTE CAPACITADOS PARA ATIVIDADES

OUTDOOR

Os instrutores da OBB devem estar capacitados para gerenciar os riscos do

ambiente natural e, ao mesmo tempo, educar e supervisionar a segurança dos alunos e

garantir sua própria segurança. Logo, para que os instrutores estejam aptos para assumir

uma função tão complexa e dinâmica, a capacitação e o aprimoramento contínuo são

imprescindíveis. Pois os cursos em formato de expedição só podem ser conduzidos por

instrutores que possuem bastante experiência em áreas naturais, como explicitam as

falas de ambos os instrutores a seguir:

Quem vem ser instrutor em um curso longo como esse, em área remota da natureza, é quem já tem uma experiência acumulada pra se sentir suficientemente à vontade pra lidar com o que surgir (...) a gente [instrutores] tá bastante confortável com esse tipo de ambiente natural...porque a gente foi capacitado de todas as maneiras pra isso...temos treinamento e reciclagem em primeiro socorros contínuos...e treinamento para lidar com qualquer eventualidade que surgir...estamos sempre nos capacitando pra isso (Instrutor 1)

Grande parte dos instrutores da OBB praticam esportes de aventura na natureza...nos quais há risco e a necessidade de gerenciamento de riscos (...) e as experiências em expedições e em cursos ao ar livre nos faz [instrutores] adquirir tranquilidade e maturidade (...) criamos uma “casca” de experiência e vamos aprendendo a lidar com nosso próprio medo e com o medo dos alunos com tranquilidade...isso faz com que a gente passe tranquilidade para os alunos no campo (Instrutor 2).

Ambos os instrutores apontam a relevância do instrutor possuir experiência em

atividades de aventura em ambientes naturais e de capacitar-se constantemente, para que

78

possa lidar com os perigos imprevisíveis da natureza, com os próprios medos e com o

medo dos alunos com excelência e tranquilidade.

Todos os alunos do FEAL mencionaram a excelência da capacitação teórica,

técnica e prática dos instrutores em conduzir atividades experienciais pedagógicas na

natureza e em lidar com os educandos neste contexto, como um fator de proteção de

extrema relevância durante a expedição. Como refere um dos alunos no trecho seguinte:

A OBB possui curso de formação e capacitação de instrutores com alto padrão de qualidade (...) fiquei realmente admirada com a capacitação, a inteligência, a gama de conhecimentos dos instrutores e com a forma deles de lidar com os alunos...eles estão muito bem preparados pra dar nos dar suporte...físico...técnico...emocional...o que nos deixa [alunos] tranquilos (...) é necessário que o educador ao ar livre esteja seguro de quais são as habilidades necessárias para uma expedição e como atuar para que os alunos possam desenvolvê-las...quais são os recursos para enfrentar as dificuldades e dar segurança na expedição...prestar atenção às pessoas que estão sendo educadas...os instrutores sabiam e faziam tudo isso (Aluno 1).

Através desta fala, verifica-se que o padrão de formação e capacitação dos

instrutores que atuam nos cursos da OBB, contribui para que os alunos sintam-se

seguros durante o FEAL. Afinal, além dos instrutores possuírem capacidade suficiente

para suprir as necessidades de segurança dos alunos, supervisionando-os e protegendo

sua integridade física e psíquica ao longo da expedição, eles também estão aptos a

capacitar os educandos a fazê-lo.

3.3.1.4. ESTABELECIMENTO DA SAFETY NET (REDE DE SEGURANÇA)

Uma medida de segurança relevante do processo de gerenciamento de riscos em

ambientes naturais, utilizada pela OBB em seus programas de outdoor education, é o

desenvolvimento da Safety Net, ou rede de segurança, na qual cada indivíduo da equipe

deve zelar pelo autocuidado, o cuidado dos outros indivíduos e o cuidado grupal. Desde

o início do curso, os alunos são orientados pelos instrutores a atuar na construção desta

79

“teia” de cuidado mútuo intra-grupo, como demonstra a fala de um dos instrutores a

seguir:

Logo no início do curso nós [instrutores] frisamos a importância do cuidado mútuo entre os alunos...a importância de se criar e manter um clima de acolhimento e segurança...não só física...mas também social e emocional...pros alunos se sentirem à vontade pra ousar...pra aprender...e não se sentirem constrangidos por enfrentar dificuldades ou não saber sobre algo (Instrutor 1).

Esta fala demonstra que a estratégia do estabelecimento da safety net favorece a

segurança física, emocional e social e propicia um clima favorável à aprendizagem.

Alguns alunos apontaram o desenvolvimento da safety net como um fator de proteção

durante a prática de AFAN no FEAL, na medida em que favorece a promoção da

segurança e a prevenção da vulnerabilidade dos alunos durante a expedição:

Os instrutores sempre colocavam a segurança em primeiro lugar. A própria segurança e a do outro...eu não tinha que cuidar só de mim...mas do grupo todo (...) sempre todo mundo atento a si mesmo e ao outro...o que trazia uma sensação de “ninho”...de cuidado e proteção...proteção física...psicológica...e fazia com que as dificuldades fossem menos...difíceis...essa estratégia de cuidado mútuo entre os membros da equipe é necessária em atividades físicas em ambientes naturais. (Aluno 2)

De acordo com esta fala, percebe-se que a safety net, estabelecida entre os

membros da equipe do FEAL, propicia proteção física e psíquica aos seus integrantes,

possibilitando que as experiências desafiantes do curso sejam vivenciadas em menor

vulnerabilidade.

3.3.1.5.CAPACITAÇÃO DOS EDUCANDOS

O processo de manejo de riscos em ambientes naturais não compreende evitar

atividades inerentemente arriscadas, mas possui como objetivo a capacitação dos

80

participantes, técnica, física e psicologicamente, respeitando sempre os limites das

capacidades de cada indivíduo, para que estejam preparados para lidar de modo

competente com os riscos e as situações adversas. A capacitação dos alunos realizada

pelos instrutores compreende tanto a capacitação em técnicas outdoor, quanto o

desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais necessárias à realização da

expedição.

3.3.1.5.1. CAPACITAÇÃO EM TÉCNICAS OUTDOOR

Na medida em que a finalidade do FEAL é educacional, os instrutores da OBB

não atuam apenas monitorando a segurança dos alunos, mas também os capacitam para

que eles mesmos sejam capazes de fazê-lo. Ao longo do curso, os instrutores ensinaram

aos alunos do FEAL diversas técnicas outdoor: como técnicas de montanhismo, de

trekking, de navegação e de orientação, dentre outras, instrumentalizando os alunos para

que eles pudessem superar os desafios da expedição em segurança:

Durante o curso aprendemos várias técnicas de navegação e orientação outdoor...uso de bússola...leitura da carta de navegação e dos entornos...treino de percepção do ambiente e da geografia do lugar...pra gente conseguir escolher os caminhos (...) uso correto dos equipamentos...toda a logística de uma expedição...técnicas de camping...cozinha outdoor...técnicas de mínimo impacto na natureza...cruze de rio com um monte de equipamento nas costas...o que calçar, o que vestir...como montar um fogareiro...organização da mochila e a maneira correta de usá-la pra sentir menos o peso e prejudicar menos a coluna (...) a questão de afrouxar a bota em alguns momentos e apertar em outros, dependendo da subida ou da descida ...e muitas outras coisas (Aluno 1).

De acordo com todos os alunos do FEAL, a capacitação técnica realizada pelos

instrutores foi um fator de proteção durante o curso, por permitir que pudessem

enfrentar as dificuldades ao longo do curso com estabilidade, confiança e segurança,

como conferimos na fala a seguir:

81

Eu nunca fiz montanhismo...nunca acampei...e não sabia nem montar uma barraca ou uma mochila antes do FEAL (...) esse curso tem todo um processo de capacitação pro montanhismo, que nos protege muito (...) as técnicas ensinadas e as dicas, ferramentas e instruções dadas pelos instrutores foram essenciais...me ajudaram a estar bem estável, seguro e a ter confiança pra realizar a expedição e o curso...e principalmente as dificuldades do curso (...) estas técnicas nos permite nos localizar, sair de alguma situação perigosa...realizar tomada de decisão acertadas...e resolver os eventuais problemas (Aluno 2)

Segundo este aluno, a capacitação técnica do FEAL favorece o desenvolvimento

de habilidades necessárias à realização da expedição em segurança, tais como: a

habilidade de orientar-se no ambiente natural; a habilidade de solucionar problemas; a

habilidade de proteger-se frente às adversidades e a habilidade de tomar decisões e

desenvolver estratégias mais acertadas. Além disso, esta fala demonstra que a

capacitação técnica do curso permite que, mesmo aos alunos com pouca experiência em

atividades outdoor, possam realizar a expedição em segurança.

Além disso, o domínio das técnicas de navegação e orientação forneceram

parâmetros norteadores para as decisões grupais durante a expedição, dificultando a

ocorrência de conflitos decorrentes de divergência de opiniões e facilitando a resolução

destes quando ocorrem. Como ilustra o trecho abaixo:

As técnicas ensinadas pelos instrutores ajudam a contornar as dificuldades de navegação e orientação (...) ter um sentido de orientação ajuda a dar um norte ao grupo de qual caminho seguir...facilita que os conflitos de qual caminho seguir sejam resolvidos...ou que eles não aconteçam (...) se você consegue se orientar, manusear as coisas, dominar a técnica, você tem muito mais facilidade e aquilo deixa de ser um problema (...) as técnicas de montanhismo que os instrutores ensinam ajudam a sentir-se mais seguro pra saber o que fazer (Aluno 3)

A fala a seguir ilustra a visão de ambos os instrutores acerca da capacitação

técnica do FEAL: neste contexto, o ensino das técnicas outdoor e das técnicas das

AFAN, não compreende um fim em si, mas oferece meios que permitem aos alunos a

vivência dos processos, experiências e aprendizados com segurança e autonomia:

82

Não tem como dizer separadamente sobre o papel da atividade física e de esportes como o montanhismo neste contexto do FEAL. Porque é um todo, uma coisa depende da outra (...) a atividade física nesse contexto...as técnicas de caminhada, trekking e montanhismo ensinadas no FEAL são o meio, não o fim (...) são ferramentas para viabilizar a expedição, os processos, o aprendizado e para dar segurança. (...) a importância de você ensinar as técnicas destes esportes é justamente para que as pessoas possam adquirir autonomia no ambiente natural. Porque aí quando você ensina, o aluno tem escolhas...a escolha e as consequências dessa escolha são dele são imediatas (Instrutor 1).

3.3.1.5.2. CAPACITAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE

HABILIDADES PESSOAIS E SOCIAIS

Apesar da importância da capacitação técnica para a viabilização do curso, o

conteúdo didático do FEAL não visa apenas o aprendizado técnico. Durante o

programa, os instrutores também desenvolvem atividades e ministram aulas sobre

determinados temas, com o objetivo de facilitar o desenvolvimento de habilidades

pessoais e sociais necessárias ao contexto do curso, como ilustra a fala de um aluno,

apresentada a seguir:

Além da capacitação de técnicas outdoor os instrutores desenvolveram algumas atividades grupais...pra trabalhar alguns conteúdos como liderança...comunicação...tomada de decisão (...) esse aprendizado não técnico...mais comportamental...foi essencial pra mediar as relações em grupo...pra manter uma interação grupal positiva...e pra desenvolver habilidades pessoais e grupais necessárias ao contexto de natureza...que são importantes pra realização da expedição em segurança física e emocional (Aluno 1)

Para esta aluna, a capacitação pessoal e social facilitou o estabelecimento de um

bom relacionamento grupal e desenvolveu nos alunos habilidade pessoais e sociais,

necessárias à manutenção da integridade física e psíquica durante o curso. O instrutor

também complementa apontando que:

83

Nós [instrutores] damos aulas sobre comunicação, resolução de conflito, liderança...trabalhamos um pouco sobre a “escuta ativa” e a questão da tomada de decisão...de analisar um processo de tomada de decisão com método e não simplesmente decidir a esmo. Porque são aspectos que eles vão precisar durante toda a expedição...para realizar o curso em segurança...física e psicológica...e para mediar o contato pessoal...o contato social...e o contato com o ambiente natural (Instrutor 2).

Por meio desta fala é possível perceber que a capacitação pessoal e social durante

o curso possibilita o desenvolvimento de habilidades necessárias para que as relações:

do aluno consigo mesmo, do aluno com o grupo e do grupo com o ambiente natural,

sejam desafiadoras, memoráveis e ocorram dentro de uma margem de segurança física,

psíquica e social.

3.3.1.6. RESPALDO DOS INSTRUTORES (FIGURAS DE APEGO SEGURO)

Todos os alunos do FEAL citaram o respaldo técnico e afetivo dos instrutores

como um dos fatores de proteção primordiais ao longo do curso. Porém, antes de

discorrer acerca da função protetora dos instrutores, faz-se necessário clarificar o papel

desempenhado por eles no FEAL. De modo geral, a função dos instrutores durante o

FEAL é facilitar os processos de aprendizagem e de interação social; gerenciar os riscos

da expedição; zelar pela integridade física e psíquica dos alunos e capacitar o grupo de

alunos para que possam vivenciar o curso em segurança. Porém, o papel desempenhado

por eles se transforma ao longo do curso.

No início do curso, momento em que os alunos estão em período de adaptação ao

ambiente natural e ao novo ambiente social, faz-se necessário que a ação dos instrutores

seja mais interventiva e direta. Neste período inicial do curso, os alunos são

instrumentalizados pelos instrutores a utilizar as técnicas outdoor, necessárias à

realização da expedição, tais como: técnicas de montanhismo e trekking; técnicas de

orientação e navegação em ambiente natural, através da leitura de entornos e de mapas

cartográficos e a utilização correta da bússola; técnicas de acampamento e cozinha

outdoor, técnicas de mínimo impacto na natureza, dentre outras. Conforme os alunos

84

aprendem os ensinamentos técnicos, táticos e atitudinais necessários à realização da

expedição, os instrutores passam a atuar progressivamente de modo mais indireto e

permitir que os alunos se responsabilizem pela expedição. Como ilustra a fala de um

dos instrutores abaixo:

Nosso papel [instrutores] muda ao longo do curso...no início a gente tem um papel muito mais presente, porque tudo é novo para os alunos. É quando ensinamos a arrumar a mochila, a armar barraca e...todas as técnicas necessárias à realização da expedição em segurança (...) e conforme os alunos vão se habituando a esses processos técnicos, a gente [instrutores] vai se ausentando gradativamente. E depois a gente cobra que o grupo tenham a autonomia de se responsabilizar pela expedição e eleger mediadores e facilitadores dentro do próprio grupo (Instrutor 2)

Bolwby (1984) enfatiza a importância de o bebê humano ter a possibilidade de

desenvolver um vínculo constante e seguro com uma figura de apego, representada por

alguém que possa suprir suas necessidades fisiológicas e afetivas. De acordo com os

dados obtidos por esta pesquisa, é possível perceber que a presença e o respaldo dos

instrutores estão para os educandos ao longo da expedição, como a figura de apego

seguro está para o bebê ao longo do desenvolvimento infantil. Afinal, ao proteger a

vulnerabilidade inicial dos educandos durante o período de ambientação ao contexto do

curso e ao suprir suas necessidades primordiais de segurança e de orientação, os

instrutores se tornaram figuras de apego significativas para o grupo de alunos durante o

FEAL. Além disso, os instrutores apresentaram todos os aspectos mencionados pelo

autor como essenciais às figuras de apego seguro: eram acessíveis, afetivos, presentes,

confiáveis e sensíveis às necessidades dos alunos, como podemos verificar nos relatos

dos alunos abaixo:

Os instrutores foram muito importantes em todos os momentos...sempre presentes...nos apoiando, nos confortando, dando bastante suporte nas dificuldades...sempre atenciosos às nossas necessidades (...) pra mim, eles eram como pai e mãe...quando eu precisava, conversava com eles...eles nos acolhiam com carinho, davam conforto com palavras de sabedoria e passavam confiança com a experiência e o conhecimento deles (...) a sabedoria, o bom-humor, a energia e a tranquilidade deles ao mediar a relação dos alunos...e em qualquer situação, passava muita confiança (...) admiro muito eles.

85

Eles têm capacidade de promover a integridade física e psicológica dos alunos, tanto que eles conseguiram fazer isso com todo mundo (Aluno 6).

Os instrutores...o cuidado deles com os alunos...a sabedoria técnica que eles tinham pra se virar naquele ambiente foram essenciais durante a expedição (...) me senti plenamente confortável e segura com a presença dos instrutores...principalmente no início do curso...quando a gente [alunos] tava menos ambientado e mais inseguros...quando eles estavam junto, eu sentia uma segurança muito grande, porque eles têm tudo muito sobre controle. Eu tinha certeza que se acontecesse algum problema físico ou psicológico...que ninguém do grupo ficaria sem auxílio, porque a gente tava com profissionais que iam conseguir nos orientar e sanar nossas necessidades...a gente podia conversar sobre qualquer coisa que precisasse com eles, pois eles são muito éticos (...) se o grupo estivesse só no curso, sem os instrutores, eu não sentiria tamanha segurança e não teria aproveitado tanto o curso (Aluno 1)

A segurança propiciada pelo apego seguro é imprescindível ao desenvolvimento

da autoconfiança necessária à exploração do ambiente e ao desenvolvimento da

autonomia (BOWLBY, 1984). De modo análogo, o vínculo sólido estabelecido entre

alunos durante o curso, atuou, concomitantemente, como porto seguro, possibilitando a

manutenção da integridade física e psíquica dos alunos durante o curso e, como

estímulo ao desenvolvimento da autoconfiança e da autonomia necessárias à exploração

do ambiente natural. Como podemos conferir na fala do aluno a seguir:

Os instrutores são essenciais pra dar segurança...a conduta deles é o que suporta a gente em cima da montanha (...) no processo do FEAL é como se a gente [alunos] fosse filhos dos instrutores. Eles nos ensinaram o que precisávamos aprender pra nos virar. E depois que aprendemos e estávamos “prontos pro mundo”...pra fazer e experimentar as coisas com responsabilidade, mesmo longe dos "pais", eles nos deram autonomia e liberdade total para explorar o ambiente e para fazermos as escolhas durante a expedição. Mas isso depois de termos passado por várias experiências, que nos prepararam para enfrentar o que pudesse acontecer (Aluno 3).

Esta fala demonstra que, tal qual a criança em desenvolvimento, o fato de os

educandos no FEAL terem cuidadores responsáveis e atenciosos, que os capacitaram e

os respaldaram e, ao mesmo tempo, lhes permitiram o exercício da liberdade, foi

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essencial para o desenvolvimento da autonomia, da maturidade e de recursos internos de

enfrentamento das adversidades durante o curso. Mesmo quando os alunos já possuíam

autonomia suficiente para gerenciar a expedição, os instrutores continuaram atuando

como staff, educadores e mediadores de processos, sem intervir diretamente, mas

representando um porto-seguro que podia ser acessado caso houvesse alguma

necessidade, como explicitado na fala do aluno, apresentada a seguir:

Em nenhuma hora me senti em risco físico ou psicológico, porque apesar dos instrutores terem nos dado autonomia rapidinho depois que aprendemos as técnicas necessárias pra gente [alunos] se virar no ambiente natural...eles deixaram de intervir diretamente, mas sempre ficavam na retaguarda...intervindo indiretamente...nos acompanhando e nos deixando viver nossas experiências (...) eles são um suporte gigantesco...um porto-seguro sempre presente...durante todo o curso você sabe que os dois instrutores estão ali do lado e você pode pedir uma informação se precisar...mesmo quando os alunos já conseguiam gerenciar a expedição, ele eram um porto-seguro (Aluno 2)

Apesar dos instrutores estarem sempre atentos ao gerenciamento dos eventuais

riscos durante a expedição e simbolizarem um apego seguro para os participantes, a

postura assumida por ambos é menos diretiva e paternalista possível. Afinal, o papel dos

instrutores não compreende apenas proteger a integridade física e psíquica dos alunos,

mas também, auxiliá-los a perceber, a mobilizar e a desenvolver os próprios recursos

internos de enfrentamento, como ilustra a fala de um dos instrutores:

A gente [instrutores] tá muito atento aos alunos, pra intervir e auxiliar nas horas de fragilidade física e emocional. Mas a gente não é paternalista, porque queremos que o aluno entenda que as respostas...e a força maior tá dentro dele e não num abraço amigo, numa “asa de galinha” ou num “colo de mãe” (...) tivemos um exemplo concreto de fragilidade emocional durante o curso. Uma participante, diante de uma situação mais difícil, perdeu o controle e chorou. Ao vê-la chorar, nossa preocupação [instrutores] principal foi se ela estava chorando por algum problema físico, algum machucado ou algo mais grave. Mas não era. Então, deixamos ela viver esse processo de chorar sem interferir (...) quando as pessoas entram na zona do medo, elas normalmente choram e têm reações emocionais exageradas porque querem sensibilizar as pessoas para que sejam acolhidas...e é justamente isso que a gente [instrutores] desconstrói. Sofrer faz parte de viver e se conhecer dói. (...) a gente respeita esse processo, gerenciando à distância e depois a gente conversa com os alunos sobre

87

como está sendo esse processo (...) ao final do curso essa aluna disse que pra ela foi extremamente importante não ter sido acolhida pelos instrutores no momento do seu choro. Porque em sua vida, ela se apoia muito nos outros e isso faz com que ela se acomode e não descubra que tem capacidade para fazer as coisas sozinha...e a nossa atitude, cuidadora, porém não paternalista, auxiliou ela a perceber sua própria força interior (Instrutor 1)

A atitude de não acolhimento imediato, fez com que a aluna conseguisse perceber

seus próprios recursos de enfrentamento das adversidades, o que talvez não ocorresse se

todos à sua volta tivessem se mobilizado para acolhê-la. Porém, é importante ressaltar

que apesar de a aluna não ter sido acolhida durante este momento de fragilidade

emocional, havia um contexto relativamente acolhedor à sua volta, visto que os riscos

são gerenciados no FEAL, de modo que ela teria respaldo se efetivamente estivesse em

perigo. Esta fala explicita a confiança desse instrutor no potencial de superação das

adversidades de cada indivíduo e nas situações adversas como oportunidades para o

desenvolvimento dos recursos e das forças internas. Assim, o fato de não ter havido um

acolhimento externo, permitiu que a aluna desabafasse sua fragilidade emocional e

acolhesse a si mesma, percebendo-se como um apego seguro interno e reconhecendo

sua própria força interior.

No que tange à resiliência, sabe-se que a existência de uma rede de apoio social é

um fator de proteção externo de grande relevância no enfrentamento de adversidades.

Porém, a superproteção pode atuar como fator de risco, prejudicando a percepção do

indivíduo superprotegido acerca de seus próprios recursos internos (ASSIS; AVANCI;

PESCE; 2006) Logo, fica a questão: qual intensidade de acolhimento afetivo e apoio

social favorecem o desenvolvimento da resiliência? Esta é uma questão de difícil

resposta. Já que depende da história de vida de cada um e do significado desse apoio

dentro do contexto vivenciado. Mas ao menos, podemos afirmar, através dos dados

coletados pelo presente estudo, que um acolhimento ótimo para facilitar o

desenvolvimento de recursos internos de enfrentamento, não seria a superproteção, nem

um abandono. Mas o equilíbrio entre estes extremos, resultando em um cuidado

acolhedor, responsável e seguro, que não negligencie as necessidades de quem é

acolhido e, ao mesmo tempo, não mascare suas capacidades internas, nem tolha seu

potencial de desenvolvimento.

88

3.3.1.6.1. DEBRIEFINGS E FEEDBACKS FORNECIDOS PELOS

INSTRUTORES

Por debriefing entendem-se reflexões grupais, mediadas pelos instrutores,

realizadas aos finais de cada atividade ou de cada dia da expedição do FEAL. Por meio

de debriefings, os instrutores colocam questões para o grupo de alunos, no intuito de

estimulá-los a avaliar e significar o que foi vivenciado, desconstruir e a ressignificar

paradigmas, observar a própria atuação, reações e atitudes perante as atividades

propostas e consolidar aprendizados. Além dos momentos de reflexão propiciados pelos

debriefings, ao longo da expedição, os instrutores forneciam feedbacks individuais e

grupais aos alunos, no intuito de avaliar o desempenho grupal e individual e auxiliá-los

a reconhecer seus próprios defeitos, qualidades e potencialidades.

Tanto os debriefings realizados, quanto os feedbacks fornecidos pelos instrutores

aos alunos, foram mencionados pelos alunos como fatores de proteção durante o curso

por facilitarem o autoconhecimento, auxiliando-os a reconhecer as próprias deficiências,

potencialidades e recursos internos. E, por conseguinte, o reconhecimento dos próprios

recursos foi apontado pelos alunos como pré-requisito para o desenvolvimento da

autoconfiança necessária à mobilização e emprego destes. Como evidenciado na fala de

um deles:

Após cada atividade, cada dia de expedição, os instrutores nos estimulavam a refletir sobre o que foi vivenciado, as dificuldades enfrentadas e a forma como cada um lidou com elas (...) os instrutores nos deram feedbacks grupais e individuais sobre o que precisávamos melhorar, potencialidades e recursos de cada um. Mas eles eram muito éticos...sem expor ninguém (...) os feedbacks e as reflexões grupais após as experiências foram essenciais...nem sempre você consegue enxergar o que tem dentro de você...e pude ter uma visão melhor sobre meus defeitos e qualidades...isso me estimulou muito a tentar desenvolver minhas potencialidades e cuidar dos meus defeitos...me ajudou a me conhecer e a enxergar melhor quais são meus recursos. (...) saber dos nossos recursos é muito importante, porque pra poder usar seus recursos, você precisa saber quais são eles (Aluno 1).

Esta fala ratifica um aspecto mencionado por Assis, Avanci e Pesce (2006) como

um fator de proteção: a reflexão acerca das adversidades. Isto porque, ao refletir sobre o

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os aspectos que lhe são adversos e lhe afetam negativamente (fatores de risco) o

indivíduo tem a oportunidade de se conhecer melhor e entrar em contato com os

mecanismos internos que possui para enfrentá-los (fatores de proteção).

3.3.2. O MÉTODO DA EDUCAÇÃO EXPERIENCIAL PELA AVENTURA

De acordo com Kunreuther (2011), a educação experiencial é um método

pedagógico que se baseia na construção do aprendizado a partir da vivência da

experiência, seguida de pensamento reflexivo. Segundo o relato dos alunos do FEAL, o

presente método pedagógico mostrou-se como um dos fatores de proteção mais

relevantes durante a realização do curso. Para melhor entendimento da educação

experiencial enquanto fator de proteção, esta será dividida didaticamente em dois

subtópicos: capacitação experiencial contextualizada e capacitação gradual para

desafios progressivos.

3.3.2.1. CAPACITAÇÃO EXPERIENCIAL CONTEXTUALIZADA

O método pedagógico utilizado durante o FEAL insere os conteúdos e os

recursos didáticos de modo experiencial e contextualizado. Ao longo do curso, os

instrutores somente ensinam aos alunos as técnicas que efetivamente serão necessárias à

realização da expedição. Logo, a sequência dos ensinamentos é determinada pela

experiência vivenciada e pela demanda de utilização destes, como ressalta um dos

instrutores:

Nós, instrutores, ministramos conteúdos que os alunos precisam pro sucesso da expedição e eles procuraram aplicá-los ao longo do curso. Nós estamos sempre atentos às necessidades deles pra perceber qual ensinamento será inserido e quando será inserido (...) só são inseridos conteúdos que vão ser imediatamente aplicados. Não tem ensino de técnica pela técnica (...) didaticamente, o ideal é você ensinar o

90

conteúdo o mais próximo possível do momento dos alunos o aplicarem (...) mas o que pode acontecer é, por questões de segurança, você ensinar determinadas técnicas que não precisem ser usadas, porque o fator de risco não aconteceu (Instrutor 1)

Como ressalta o instrutor, na educação experiencial pela aventura, o

encadeamento dos conteúdos pedagógicos é realizado de modo lógico e coerente com a

experiência a ser vivenciada, propiciando a aplicabilidade imediata do aprendizado e

instrumentalizando os alunos para vivenciarem a expedição. Os conteúdos só não serão

imediatamente aplicados quando o fator de risco não acontecer, pois o gerenciamento de

riscos também é realizado de modo preventivo, para proteger a integridade física e

psíquica dos alunos e prepará-los para lidar com demandas inesperadas. Esse preceito é

muito pertinente, afinal o FEAL é realizado em ambiente natural, um ambiente repleto

de variáveis imprevisíveis, sob as quais o ser humano, mesmo o mais capacitado, não

possui total controle. Seguem abaixo impressões de dois alunos acerca da

contextualização dos ensinamentos durante a expedição:

O modelo de aprendizagem experiencial é fundamental pro processo vivido no FEAL (...) os instrutores ensinam gradativamente as técnicas que a gente precisa usar durante a expedição...só é ensinado o que vai ser usado no curso (...) aprendemos todas as técnicas de montanhismo que precisamos utilizar durante a expedição, cada uma aplicada no momento certo. Por isso é experiencial...aprendemos mais com esse método e nos sentimos mais seguros de que somos capazes de aplicar esse aprendizado (Aluno 2)

O FEAL é um curso excelente pela forma que é conduzido, é experiencial mesmo: você ir e fazer (...) os conteúdos e as técnicas ensinadas pelos instrutores são muito bem escolhidos...e são aplicados em uma sequência bem lógica...de modo experiencial...os instrutores davam as instruções nos momentos que você ia precisar delas...não tinha uma instrução que era dada sem ser usada na hora (...) isso nos capacita melhor pra enfrentar a expedição...ajuda a absorver e a aplicar os conteúdos...e nos dá a sensação de que a gente realmente aprendeu...de que a gente é capaz (Aluno 6).

Estas falas são emblemáticas, pois todos os alunos do FEAL concordam que a

ordenação contextualizada dos conteúdos didáticos atua como facilitador da aquisição,

interiorização e aplicação do aprendizado; fortalecedor da autoconfiança, autoestima e

91

auto-eficácia, que são conhecidos como fatores de proteção (ASSIS; AVANCI; PESCE;

2006). Além de instrumentalizá-los para transpor as adversidades ao longo do curso em

segurança.

3.3.2.2. CAPACITAÇÃO GRADUAL ATRAVÉS DE DESAFIOS

PROGRESSIVOS

De acordo com Sanches (2009) a transposição gradual de desafios facilita o

desenvolvimento da resiliência, pois o êxito no enfrentamento de obstáculos de menor

dificuldade favorece o fortalecimento da autoestima e da confiança na própria

capacidade de superação, o que contribui para que o indivíduo desenvolva recursos

internos que o auxiliarão na transposição de obstáculos mais complexos que ele venha a

enfrentar posteriormente.

Assim, o método da educação experiencial utilizado no FEAL pode vir a ser uma

ferramenta importante no desenvolvimento de recursos internos de enfrentamento de

seus educandos, pois lhes possibilita a transposição de desafios progressivos, para os

quais são capacitados gradualmente, de modo que tais desafios tornam-se transponíveis.

Seguem abaixo relatos de um aluno e de um instrutor que ilustram esta afirmativa:

É muito importante a atividade solo e a expedição final serem no final do curso, porque elas são as experiências mais desafiadoras (...) no final do curso os instrutores já tinham nos instrumentalizado, a gente já tinha interiorizado os conteúdos e estava mais preparado do que no começo (...) durante o FEAL vai tendo literalmente um processo de aproximação sucessiva em relação a este desafio final...cada experiência vivida vai te preparando pra outra...são desafios graduais...o desafio menor te capacita pro maior...a cada desafio superado, nossa confiança aumenta e a gente se sente mais forte pra enfrentar o próximo (...) esse aprendizado gradual e experiencial nos deixa confiantes em nossa capacidade (Aluno 2).

Os cursos da OBB oferecem experiências desafiadoras, que tiram os alunos da zona de conforto. Mas isso é colocado de uma forma progressiva, pro aluno conseguir ir crescendo aos poucos nestes desafios, pra não entrar em pânico. A ideia do curso não é traumatizar

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ninguém. Não é um curso de sobrevivência, mas uma oportunidade de aos poucos as pessoas irem aceitando desafios cada vez maiores. E a expedição final é a coroação deste processo (Instrutor 1).

Através destes relatos, percebe-se a importância de os obstáculos iniciais do

FEAL terem sido apresentados de forma proporcional à capacidade de enfrentamento

dos alunos. Afinal, isso os auxiliou a desenvolver autoconfiança e auto-eficácia

suficientes para enfrentarem os desafios mais complexos do curso. Ou seja, ao longo do

curso, a superação gradual de desafios progressivos favoreceu a mobilização e o

desenvolvimento dos recursos internos de enfrentamento dos alunos.

Ademais, sabe-se que quando os indivíduos são expostos a fatores de risco

maiores que sua capacidade de enfrentamento, eles se tornam mais vulneráveis (ASSIS;

AVANCI; PESCE; 2006). E, estar vulnerável em um ambiente inóspito da natureza,

como o do FEAL, colocaria a segurança dos alunos em risco e prejudicaria o

aprendizado e os potenciais benefícios desta experiência.

3.3.2.3. MÉTODO PEDAGÓGICO NÃO DIRETIVO E EMBASADO NA

MAIÊUTICA

Para que a educação atue como um fator de proteção na vida dos indivíduos, o

método pedagógico adotado deve transpor a simples reprodução de

conhecimentos prontos, abordar conteúdos e questões contextualizadas e

proporcionar aos educandos experiências que demandem reflexão e pensamento

críticos, atitude, resolução de problemas, assunção de responsabilidades e

autonomia, para que possam aprender e desenvolver confiança em suas próprias

capacidades e recursos internos. Segue abaixo a fala de um dos instrutores

acerca da mediação promotora, porém não diretiva, dos processos de

aprendizado e desenvolvimento dos alunos, realizada pelos instrutores durante o

FEAL:

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A gente [instrutores] observa, apoia, facilita e media os processos...e em alguns momentos a gente propõe algumas reflexões ou faz perguntas pra um ou outro aluno, ou pro coletivo... pra que eles reflitam sobre alguma coisa (...) mas as escolhas durante a expedição são deles...os alunos é que tomam as decisões ou tentam achar soluções para os problemas que surgirem durante o curso...então o curso é deles (...) e esta é uma forma de atuar que realmente gera desenvolvimento pessoal e cognitivo dos alunos (Instrutor 2).

Como frisa Rink (2004), os métodos pedagógicos baseados na maiêutica são mais

efetivos em facilitar o desenvolvimento das potencialidades e dos recursos internos dos

educandos. Essa questão pode ser ratificada pela fala do aluno a seguir:

Os instrutores não nos lideravam diretamente, nunca impunham nada...nenhum conhecimento...não mandavam a gente fazer as coisas nem faziam as coisas pela gente (...) eles proporcionavam situações pra gente vivenciar os processos...e nos e instrumentalizaram pra gente poder enxergar algumas coisas e lidar com elas...pra gente se organizar e fazer nosso próprio curso... eles deixavam acontecer e sempre colocavam perguntas, questionamentos, até “cair a ficha”...pra nós mesmos chegarmos às conclusões (...) a forma que os instrutores agiram é a forma adequada de um educador agir...porque fez com que a gente [alunos] descobrisse que a gente era mais capaz do que imaginava (Aluno 6).

Os educadores, norteados pelo método da educação experiencial pela aventura,

assumem uma postura pedagógica de caráter não diretivo, baseada na maiêutica (RINK,

2004). A fala deste aluno evidencia que a postura assumida pelos instrutores, atuou

como um fator de proteção ao longo do curso. Afinal, ao confiar na capacidade dos

alunos de gerenciar a expedição com autonomia; mediar o processo de construção da

aprendizagem, respeitando os alunos como atores deste processo; favorecer a aquisição

de aprendizados da zona proximal e potencial de aprendizagem, bem como o

pensamento reflexivo e crítico, os instrutores, tal qual Sócrates norteado pela Maiêutica,

criaram condições para que os educandos desenvolvessem suas potencialidades e

recursos internos.

Porém é importante ressaltar que a postura menos diretiva dos instrutores só é

passível de ser assumida após os alunos já terem sido capacitados tecnicamente no

início do curso e estarem aptos a gerenciar a expedição em segurança.

94

3.3.3. SAÚDE (BEM-ESTAR FÍSICO)

A saúde, em termos de bem estar físico, foi um dos critérios mencionados pelos

alunos como pré-requisito para que a participação do FEAL seja viável e positiva:

Pra participar desse curso você não precisa ter um grande condicionamento físico. Mas precisa estar bem de saúde (...) se você estiver bem fisicamente...se tiver bem estar físico...acho que você trabalha tudo psicologicamente...o bem-estar físico dá um suporte pros desafios físicos e psicológicos da expedição (Aluno 1)

De acordo com este aluno, o condicionamento físico não é imprescindível para a

realização do FEAL, de modo que a ausência deste não configura um fator de risco

durante o curso. Já a saúde e o bem estar físico aparecem como critérios para a

realização do curso e como fatores de proteção para eventuais intercorrências físicas e

emocionais.

3.3.4. CONDICIONAMENTO FÍSICO

Apesar da ausência de condicionamento físico não ter sido avaliada na fala

anterior como um fator de risco para a realização do FEAL, o relato de alguns alunos

apontam que a presença deste aparece como um importante fator de proteção perante as

eventuais adversidades da expedição. A presença do condicionamento físico neste

contexto propicia ao aluno aspectos essenciais ao desempenho da atividade física em

ambientes naturais, que atuam amenizando o desgaste fisiológico e protegendo-os de

acidentes físicos. Dentre estes aspectos estão: prontidão motora e física; força;

condicionamento cardiovascular; coordenação; equilíbrio; resistência e flexibilidade

(CARVALHO, 2002). E, além disso, de acordo com estes alunos, o condicionamento

físico fornece a autoconfiança necessária ao enfrentamento dos desafios impostos pela

realização do curso; protegendo nãos apenas a integridade física dos educandos, mas

também a psíquica, como podemos conferir na fala abaixo:

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Eu tenho treinamento e condicionamento físico e isso me ajudou a ter autoconfiança e a me virar muito bem durante o curso, tanto em relação aos aspectos físicos...quanto aos emocionais (...) o que me dava força pra enfrentar os momentos mais difíceis da expedição era saber que eu estava bem fisicamente...que eu teria suporte físico pra poder suportar alguma coisa psicológica que acontecesse (...) meu condicionamento físico me dá segurança, pois eu sei como me virar se eu tiver algum problema ali (Aluno 1)

Esta fala é bastante representativa, na medida em que não apenas um aluno do

FEAL avaliou o condicionamento físico como um fator facilitador da superação dos

desafios e de prevenção e proteção a eventuais fragilidades físicas e psicológicas. Logo,

pode-se dizer que no contexto desafiador da educação experiencial em ambientes

naturais, “o corpo são predispõe a mente sã”.

3.3.5. AUTOCUIDADO

O autocuidado foi mencionado como um fator de proteção primordial para que os

alunos pudessem suportar as dificuldades e a intensidade do curso sem desistir de

realizá-lo, como ilustra a fala de um aluno:

Você tem que se cuidar no FEAL, senão você não dá conta...senão você desiste. Porque o curso é muito pesado, muito forte...se você não se cuidar, nem o corpo, nem a mente agüentam (Aluno 6).

Esta fala demonstra a percepção do aluno acerca da importância do autocuidado ao

longo do curso, devido à sua função protetora e mantenedora da saúde física e

psicológica.

96

3.3.6. ATENÇÃO ÀS NECESSIDADES FISIOLÓGICAS

A partir do relato dos alunos, um fator de proteção importante para promover a

integridade física e psíquica do grupo durante a prática de trekking, mesmo sob

condições climáticas extremas, foi a atenção às necessidades fisiológicas, como

conferimos na fala de um aluno:

Durante a caminhada sob calor intenso, a atenção às necessidades fisiológicas ajudou a enfrentar momentos difíceis (...) a gente precisava se hidratar muito, parar pra dar uma descansada e abaixar a temperatura do corpo, senão o bicho pegava...tanto física...como psicologicamente (Aluno 4).

3.3.7. CONDIÇOES CLIMÁTICAS RELATIVAMENTE FAVORÁVEL

(AUSÊNCIA DE CHUVA)

Os instrutores avaliaram as condições climáticas durante o curso como um fator

de proteção, pois, apesar de ter havido momentos de extremo calor, não houve chuva ou

tempestades elétricas, aspectos que atuam como fatores de risco, pois predispõem o

desgaste físico e emocional dos alunos e potencializam a ocorrência de adversidades

mais severas, como podemos constatar na fala de um dos instrutores:

Pra o grupo desse FEAL as adversidades não foram tão grandes. A gente teve um fator bem positivo, no aspecto até de segurança, que foi o aspecto do tempo (...) apesar de ter feito um calor extremo durante alguns dias, não teve chuva. Os processos teriam sido talvez mais intensos se houvesse chuva. Porque o desconforto da chuva mexe com as pessoas...em todos os sentidos. Então o desconforto físico não foi tão grande, exceto pelo calor que eles passaram ao longo do curso (Instrutor 1).

Apesar deste instrutor não avaliar a presença do calor extremo durante o curso

como um fator de risco à segurança e à integridade dos educandos, a maioria deles

relata ter sofrido bastante com a temperatura elevada em alguns momentos do FEAL.

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3.3.8. O ESTABELECIMENTO DE METAS COLETIVAS TANGÍVEIS

Segundo Sanches (2009), em pesquisa acerca do processo de resiliência na prática

esportiva, o comportamento direcionado a metas e a luta constante para atingi-las foram

apontados como fatores de proteção. Neste mesmo sentido, vários alunos mencionaram

o estabelecimento de metas coletivas durante a expedição como um fator de proteção,

pois além de facilitar a coesão grupal, norteava as ações do grupo de alunos no

gerenciamento da expedição. A fala de um dos educandos a seguir, demonstra a

importância da adoção de metas coletivas ao longo da expedição e enfatiza a relevância

delas serem realistas e tangíveis, para que pudessem efetivamente ser alcançadas. Como

ilustra a fala do aluno a seguir:

Todo dia tínhamos um objetivo coletivo, um ponto a chegar (...) ter um objetivo comum unia o grupo...dava segurança...e também ajudava a ter um norte...pra gente saber o que deveria ser feito (...) eventualmente tínhamos um ou outro fracasso em relação a metas...mas de modo geral sempre alcançávamos (...) porque eles eram possíveis de ser alcançados...no curso são criadas condições pro grupo ter desafios, com metas que são compatíveis com o que éramos capazes de fazer (...) como na maioria das vezes dávamos conta do que era solicitado, durante grande parte do curso o clima era de brincadeira...de prazer...de piada...de diversão e de risada (...) e alcançar as metas nos motivava a vencer mais desafios (Aluno 4)

Através desta fala, percebe-se que as metas coletivas estabelecidas durante o

FEAL, por serem compatíveis com a capacidade de realização do grupo de educandos e,

portanto, realistas e tangíveis, são passíveis de ser atingidas. Por conseguinte, a

probabilidade de sucesso no alcance das metas propostas atua como um fator de

proteção, pois favorece alguns aspectos que facilitam o enfrentamento construtivo das

adversidades durante a expedição, dentre eles: a ludicidade na vivência dos desafios; o

estabelecimento da coesão e do bom relacionamento grupal e o fortalecimento da

autoestima e da confiança dos educandos em sua capacidade de superação. E, além

disto, a cada meta atingida, os alunos tornam-se mais motivados, engajados e

instrumentalizados a superar novos desafios.

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3.3.9. RELAÇÃO COM O AMBIENTE NATURAL

A análise dos relatos dos alunos evidencia que o histórico de atividades físicas na

natureza (AFAN), bem como o tipo de relação estabelecida pelos educandos com o

meio ambiente natural, influenciam sua adaptação ao contexto do FEAL. Neste sentido,

tanto a experiência em AFAN quanto o apreço pela natureza e o conhecimento acerca

da dinâmica dos ambientes naturais, foram mencionados pelos alunos como fatores

facilitadores da ambientação ao contexto do curso e do enfrentamento das adversidades

ao longo da expedição.

3.3.9.1. EXPERIÊNCIA PRÉVIA COM ATIVIDADES FÍSICAS DE AVENTURA

NA NATUREZA (AFAN)

A maioria dos alunos desta edição do FEAL relata possuir experiências prévias

com AFAN, tanto no âmbito profissional, quanto na prática de esportes e de atividades

físicas de tempo livre. Estas experiências foram apontadas como fator de proteção à

prática de exercício físico, às demandas de orientação e navegação em contexto

outdoor; à segurança dos alunos no relacionamento com o ambiente natural, à

ambientação à natureza e, de modo geral, ao enfrentamento de adversidades no contexto

do FEAL. Ademais, de acordo com os alunos, a experiência prévia com AFAN favorece

o desenvolvimento da autoconfiança, a capacidade de empregar os recursos do ambiente

natural a favor da manutenção da estabilidade física e emocional durante o curso, além

de propiciar ao educando habilidades e estabilidade físicas, motoras, cognitivas e

emocionais, como ilustra a fala de um dos alunos:

Eu já pratico bastante atividade ao ar livre...vivo na roça e dou aula em área rural (...) esse contexto natural do FEAL foi extremamente prazeroso pra mim...foi um acréscimo, porque eu me sinto forte...fisicamente e emocionalmente neste ambiente (...) o exercício físico do FEAL foi tranquilo pra mim, porque eu tenho experiências anteriores com travessias e com escalada e estou preparada pra esse tipo de ação (...) a travessia do curso teve uma durabilidade maior do

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que as que eu costumava fazer, mas não foi nada que chegasse ao meu extremo...porque minha experiência com atividades na natureza me deixou mais estável no curso (Aluno 1).

As atividades físicas ao ar livre demandam o emprego de amplo repertório motor,

de força, resistência e flexibilidade (SCHURMAN; SCHURMAN, 1966). Deste modo,

os alunos praticantes de AFAN possuem maior prontidão física e motora, fazendo com

que a adaptação à demanda física do FEAL seja realizada de modo mais natural. Como

ressalta a fala deste aluno, quem possui experiência em AFAN, está mais apto para

enfrentar não apenas os desafios físicos impostos pelo contexto do FEAL, mas também

os desafios emocionais.

Na fala a seguir, um dos alunos ressalta que a sua experiência de escoteiro e em

brincadeiras infantis ao ar livre durante sua infância, atuaram como fatores de proteção

na atividade solo, considerada a atividade mais difícil do FEAL pela maioria dos

alunos:

Quando me vi sozinho na atividade solo, comecei a estudar o ambiente...ver o que eu ia fazer, onde ia dormir, que recurso da natureza usar pra me abrigar (...) eu fui escoteiro, então sei fazer vários nós, sei como e quando usar os recursos da natureza ao meu favor (...) essa minha vivência pregressa de aprendizagem e de interação com a natureza, faz com que eu saiba lidar com os limites dela...que eu saiba onde posso e onde não posso me enfiar (...) mesmo estando em um ambiente selvagem, minha sensação de controle e de previsibilidade sobre os eventos desse ambiente é muito grande (...) então eu vivenciei a atividade solo como uma grande brincadeira, uma experiência muito tranquila e divertida...até lembrei muito das brincadeiras de infância...e a minha bagagem prévia na relação com a natureza que ajudou a dar um conforto danado (Aluno 4).

Deste modo, a experiência deste aluno com AFAN fez com que ele vivenciasse

uma atividade potencialmente desafiadora com maior controle ambiental, físico e

emocional, maturidade, conforto, ludicidade, prazer e autoconfiança, permitindo o

melhor aproveitamento desta experiência tão rica em termos de desenvolvimento

pessoal, que é a atividade solo.

Porém, apesar da experiência prévia com AFAN atuar como fator de proteção

durante o FEAL, a falta de experiência com este tipo de atividade não foi caracterizada

100

pelos alunos como um fator de risco. Afinal, a capacitação teórica e técnica realizada

pelos instrutores ao longo do curso é, segundo os alunos, suficiente para que os

educandos possam desenvolver os aprendizados e habilidades necessárias a uma

adaptação segura ao contexto do FEAL, como ilustra a fala abaixo:

Ter experiência anterior com atividades de aventuras na natureza e dominar técnicas ajuda bastante durante o curso. Mas pra quem não teve uma vivência anterior na natureza, como eu tive, as informações e técnicas que os instrutores passam possibilitam fazer o curso em segurança e com um grau de tranquilidade (...) tinha colegas no curso que não tinham essa experiência...um deles nunca tinha acampado...e eles conseguiram desenvolver habilidades durante o curso para superar desafios e dificuldades (...) acho até mais interessante desenvolver isso na prática...porque você consegue perceber mais os seus limites e se conhecer melhor (Aluno 1).

3.3.9.2. O APREÇO PELO AMBIENTE NATURAL

De acordo com a Psicologia Ambiental, o ser humano influencia o meio no qual

está inserido e é por ele modificado. Desse modo, os ambientes são capazes de despertar

nos indivíduos afetos, atitudes e comportamentos, tanto positivos, quanto negativos

(HEIMSTRA; MCFARLING,1978). Logo, ao estar em um ambiente no qual aprecia, o

indivíduo possui maior probabilidade de apresentar pensamentos, sentimentos e atitudes

construtivos e adaptados. Os relatos dos alunos evidenciam que, aqueles que apreciam o

contato com a natureza, tiveram mais facilidade para se adaptar positivamente ao

contexto do FEAL, como podemos conferir nas falas dos alunos a seguir:

Eu gosto mesmo desse contato com o ambiente natural, sou muito apegada à natureza. A natureza é um ambiente onde eu me sinto muito bem...muito forte...muito à vontade...muito tranquila (...) isso ajudou com que o curso fosse extremamente prazeroso pra mim. O tempo todo eu estava positiva, vendo o lado bom das coisas (Aluno 1).

101

Para a aluna, o hábito de estar na natureza atuou como fator de proteção durante o

curso, favorecendo que o contexto e as experiências do FEAL fossem vivenciadas

positivamente e, contribuindo para o desenvolvimento de força, bem-estar,

tranquilidade, prazer e otimismo. O apreço pelas paisagens naturais também foi

mencionado pelos alunos como um estímulo para prosseguir com a expedição mesmo

nos momentos de dificuldade, como nos mostra a próxima fala:

Eu adoro estar na natureza, no mato. Às vezes eu tava cansada no curso, mas via que um pouco mais pra frente tinha um lugar de visual lindo. Então a vista da natureza era uma recompensa nos momentos difíceis, uma coisa que motivava a seguir (...) o contato com a natureza é pra mim a melhor coisa que tem, é um presente, isso não tem preço. E só isso já vale a pena (Aluno 3).

3.3.9.3. CONHECIMENTO SOBRE A DINÂMICA DOS AMBIENTES

NATURAIS

Além das técnicas outdoor ensinadas pelos instrutores ao longo do curso, os

educandos também aprendem sobre a dinâmica dos ambientes naturais e sobre formas

viáveis de lidar com as variáveis deste contexto com segurança e harmonia. Os saberes

acerca do ambiente natural foram apontados como fatores de proteção por alguns

alunos, pois lhes possibilitaram atuar na natureza com autonomia, sem, no entanto,

negligenciar os limites naturais ou colocar-se em perigo desnecessariamente, o que nos

mostra a fala de um dos alunos a seguir:

O aprendizado sobre a dinâmica da natureza, dos animais...a informação e a preparação pra lidar com os fenômenos da natureza, com condições climáticas...a forma correta de agir em um ambiente natural...são recursos que te capacitam e te deixam seguro e tranquilo pra lidar com qualquer coisa...porque te deixa ciente de que independente do que acontecer, você vai tá bem (...) a gente aprende com os instrutores a manejar o ambiente de maneira a criar condições de melhor segurança...o que possibilita criar condições pra poder ficar tranquilo (...) se cair uma tempestade ou aparecer um animal peçonhento, tá tudo bem, porque aí você já sabe o que está em jogo, o

102

risco que corre, que não corre, o que fazer em relação a isso (...) você aprende a conviver de maneira harmônica com a natureza...e sem danificá-la (Aluno 4).

Nesta fala, percebe-se que a capacitação realizada pelos instrutores, acerca da

dinâmica dos ambientes naturais, além de atuar como um fator de proteção durante a

expedição, instrumentalizando os educandos a lidar com a natureza em segurança,

também alcançou o objetivo de educação ambiental e difusão de princípios de conduta

ética e sustentável em áreas naturais, proposto pelos cursos de educação pela aventura

da OBB (KUNREUTHER, 2011).

3.3.10. REDE DE APOIO SOCIAL

O apoio social é uma base fundamental, segura, e protetora em todas as fases do

ciclo vital (ASSIS; AVANCI; PESCE, 2006). De acordo com o relato de todos os

alunos do FEAL, a rede de apoio social, composta, tanto pelo respaldo dos instrutores,

quanto pelo respaldo do grupo de iguais, composto pelos educandos, foi um fator de

proteção significativo durante o curso, por propiciar acolhimento, cuidado mútuo,

proteção à integridade física e psíquica e promoção da segurança integral dos alunos,

como podemos conferir na fala abaixo:

Tanto os alunos quanto os instrutores, sempre davam uma mão amiga e faziam com que eu me sentisse protegido, seguro e confortável (...) não teve nenhuma intercorrência, ninguém se machucou no curso todo...nem surtou emocionalmente...porque todo mundo ali cuidava um do outro (Aluno 2)

Na medida em que a relevância do respaldo dos instrutores já foi discutida

anteriormente, cabe agora discutir o apoio social propiciado pelo grupo de iguais.

103

3.3.10.1.RESPALDO DO GRUPO DE IGUAIS

Como teoriza Bowlby (1984) o comportamento de apego em relação a figuras

significativas não está presente apenas na infância, mas em todas as fases do ciclo vital

e é de extrema importância ao desenvolvimento humano. Ao longo do ciclo vital, novas

figuras de apego serão eleitas, a exemplo do vínculo estabelecido entre o grupo de

iguais durante a adolescência.

Neste mesmo sentido, Sanches (2009) nos traz que, no universo esportivo, o

grupo de iguais compreende os colegas praticantes de uma mesma modalidade.

Segundo a autora, o estabelecimento de vínculo com o grupo de iguais no universo

esportivo é facilitado pela identificação entre eles devido à similaridade de estilo de

vida e de interesses. Este vínculo estabelecido entre o grupo de iguais atua como um

fator de proteção, pois: amplia a rede de apoio social de seus integrantes; permite que

façam parte de um grupo que os compreenda, os aceite e os acolha; oferece modelos

positivos; possibilita o suporte afetivo e o compartilhamento de emoções positivas e

negativas e, facilita o enfrentamento de adversidades, tanto no âmbito esportivo, quanto

nos diversos contextos de suas vidas.

Do mesmo modo, no âmbito do FEAL o suporte social propiciado pelo grupo de

iguais, também atuou como fator de proteção aos educandos. Dentre os aspectos do

grupo de alunos que favoreceram a segurança física, psíquica e social durante o curso

estão: os diferentes perfis dos alunos, na medida em que cada qual possuía habilidades

diversas e complementares, necessárias ao sucesso da expedição; a cooperação grupal

para o alcance de objetivos comuns, que favorecia a união e coesão grupal; o afeto e a

sintonia desenvolvidos entre os alunos; a empatia por vivenciarem a mesma situação, o

que facilitava atitudes de solidariedade, acolhimento, respeito à alteridade e de cuidado

mútuo; o bom relacionamento grupal e baixo grau de conflito intra-grupo; a maturidade

do grupo devido à idade dos participantes; a confiança estabelecida entre os alunos; a

identificação com modelos positivos de comportamento, de atitudes e de superação e

questões de gênero (homens e mulheres desenvolvendo as mesmas atividades durante a

expedição e o receio de alunos do sexo masculino de apresentarem desempenho físico

inferior às alunas do sexo feminino, o que os motivava a continuar quando desejavam

desistir da expedição). Alguns destes aspectos serão ilustrados nas seguintes falas dos

alunos:

104

Alguns alunos tinham muito conhecimento, habilidades e técnicas pra atividade ao ar livre. E alguns não tinham tanto domínio da técnica ou a capacidade física tão desenvolvida, mas tinham um companheirismo, uma habilidade mais psicológica de acolhimento. Esses dois aspectos do grupo se complementavam e eram importantes pra dar segurança durante a expedição (Aluno 1).

Com esta fala podemos perceber a importância da diversidade de perfis dos

alunos, no que tange à complementariedade de habilidades técnicas e humanas, ambas

protetoras da equipe durante a expedição. Assim, mesmo os integrantes que possuíam

pouca capacitação técnica também eram essenciais à equipe, na medida em que

atuassem como suporte afetivo e vice-versa.

O suporte afetivo propiciado pelo grupo de iguais também foi apontado pelos

alunos como fator de proteção ao fator de risco representado pela ausência da zona de

conforto social e da rede de apoio cotidiana dos participantes, mais precisamente a

família, como podemos conferir na fala a seguir, de um dos alunos:

Nosso grupo era muito sintonizado, afetivo, a gente dava abraço de bom dia, de boa noite...isso faz um bem danado, dá forças, agrega (...) pra mim a falta da família foi uma dificuldade grande durante o curso...e o afeto do grupo ajudou a amenizar isso...nosso grupo parecia uma família mesmo (...) todo mundo tava vivendo a mesma situação e sempre havia alguém pronto a apoiar bastante o outro...essa troca fluiu...quando alguém tava triste, sempre chegava alguém pra oferecer um ombro amigo, pra conversar, chorar, desabafar (...) fazíamos tudo junto...éramos realmente uma equipe...tínhamos muita intimidade e parecia que nos conhecíamos há muito tempo (...) teve pouco abalos psicológicos entre a gente e nas poucas vezes que aconteceu, o próprio grupo resolveu. Os instrutores mal precisaram interferir na dinâmica do grupo de alunos...até por ser um grupo adulto...maduro (Aluno 2).

Outro aspecto mencionado nesta fala compreende a empatia sentida pelos

integrantes do grupo de iguais por estarem submetidos ao mesmo contexto desafiador, o

que, por conseguinte, favorecia o acolhimento e o cuidado mútuos. Além disso, apesar

do convívio e da intimidade grupal terem sido intensos entre os alunos durante o curso,

para este aluno, o fato da grande maioria dos participantes ser adulto, foi um fator de

proteção à ocorrência de conflitos intra-grupo.

105

No relato dos alunos, o pertencimento ao grupo de iguais também foi apontado

como um fator de proteção que motivava os alunos a não desistirem do curso nos

momentos adversos, como conferimos na fala do aluno abaixo:

O grupo me motivava a continuar nas horas difíceis em que eu tinha vontade de desistir, tanto pelo cuidado mútuo, quanto por ver outros alunos cansados, lutando para conseguir vencer os desafios sem desistir (...) eu e todos os alunos procurávamos as pessoas do grupo quando precisávamos de apoio (...) é muito importante ter um grupo unido, em que as pessoas se ajudam nas horas de cansaço, te veem, te estimulam, se preocupam com você, se você comeu, se bebeu água, se passou protetor solar...no nosso grupo um sempre tava cuidando do outro...a gente se sente integrado de ver que as pessoas se preocupam com a gente, que estão ali do seu lado (Aluno 6).

Esta fala vai ao encontro dos resultados encontrados por Sanches (2009), que

evidenciam que os vínculos estabelecidos entre o grupo de iguais durante a prática

esportiva, favorecem a mobilização e o desenvolvimento dos fatores de proteção de seus

integrantes, facilitando o enfrentamento das adversidades.

Na fala a seguir, um dos instrutores aponta a sociabilidade, o convívio

harmonioso, a coesão e o bom humor existentes entre o grupo de alunos, como aspectos

protetores, que amenizaram a ocorrência de adversidades durante o curso:

Pra esta equipe o FEAL não foi tão desafiador. Porque era um grupo muito coeso, muito equipe, muito bem humorado, sociável...isso tudo ajudou bastante no convívio (Instrutor 1).

A rede de apoio estabelecida entre o grupo de iguais também favoreceu a

realização da atividade física durante o curso e amenizou o desgaste fisiológico

propiciado pelas intensidades destas, como ilustra a fala a seguir de um dos alunos:

No FEAL é muita dificuldade física, cansaço, dor de tanto andar...mas tá todo mundo na mesma situação, com dor, cansado, com fome, sono...e isso causa uma cooperação maior, de um querer ajudar o outro (...) estar inserido no grupo me motivava a continuar nas horas que eu queria parar, porque se eu parasse todo mundo teria que parar. E eu também não fiquei desesperada a ponto de atrapalhar o andamento do grupo (...) apesar da atividade física ser pesada, muito

106

desgastante, não é impossível de ser realizada...porque o grupo acaba equilibrando tudo isso...se as pessoas do grupo quando perceberem que você não agüenta, não consegue e estiverem disponíveis, elas te ajudam a carregar o peso dos equipamentos (Aluno 3).

Esta fala demonstra que o fato de estar inserido em um grupo submetido às

mesmas adversidades, auxilia a elevar o limiar de resistência e de persistência

individual frente às dificuldades, pois o grupo fornece modelos positivos de superação e

faz com que a realização das metas coletivas seja mais relevante que os interesses

individuais. Neste sentido, como ilustra o relato desta aluna, um grupo harmônico está

mais apto a enfrentar as adversidades intrínsecas às atividades de aventura na natureza

do que um só indivíduo. Desta forma, o fato dos integrantes do grupo compartilharem

as adversidades, favorece o senso de coletividade, a empatia, a coesão, a solidariedade e

o cuidado mútuo entre eles.

As AFAN não são práticas tipicamente coletivas em vão. Afinal, elas objetivam,

concomitantemente, propiciar experiências desafiadoras e seguras aos seus praticantes.

Segundo Rink (2004), um dos fatores de proteção à sobrevivência do homo sapiens em

ambientes naturais nos primórdios da humanidade, era o fato dos indivíduos se

agruparem, para viabilizar a promoção do cuidado e da proteção mútuos. Os dados

encontrados sobre o estabelecimento da rede de apoio social no FEAL reforçam o que

teoriza este autor: o grupo no FEAL é essencial para a manutenção da integridade do

educandos e para a mobilização e o desenvolvimento de recursos individuais e grupais

de enfrentamento das adversidades.

3.3.11. CAPACIDADE DE ENFRENTAR AS DIFICULDADES COM BOM

HUMOR

A capacidade de manter o bom humor frente aos desafios enfrentados durante o

FEAL foi um fatores de proteção mencionados pelos alunos, como ilustra a fala a

seguir:

O grupo de alunos foi algo positivo, que trouxe proteção e segurança durante o curso. Nosso grupo era muito sólido, coeso, forte,

107

respeitador, bem-humorado...mesmo nas dificuldades, o grupo cantava, brincava...isso trouxe união e ajudou a superar as dificuldades (Aluno 2).

Esta fala reforça o que Assis, Avanci e Pesci (2006) ressaltam acerca da relação

entre bom humor e resiliência: a capacidade de utilizar a criatividade e o humor no

enfrentamento das adversidades é um importante fator de proteção, na medida em que

facilita a sublimação do sofrimento de forma reparadora. Além disso, as autoras

enfatizam que o bom humor, na medida em que é visto como algo positivo costuma

trazer a simpatia e o apoio dos pares, favorecendo a ampliação e o fortalecimento da

rede de apoio social. Esta afirmação é ilustrada por este aluno, ao dizer que o bom

humor grupal utilizado na superação das dificuldades promovia a união do grupo.

3.3.12. RECURSOS INTERNOS DE PROTEÇÃO

Além dos aspectos contextuais do FEAL, externos aos educandos, que atuaram

como fatores de proteção ao longo do curso, a análise dos dados obtidos nesta pesquisa

também evidenciaram a função protetora de alguns aspectos internos dos alunos. Dentre

os fatores internos de proteção mencionados pelos alunos estão: a abertura para

vivenciar as experiências; autoconhecimento; capacidade de utilizar os recursos

ambientais no enfrentamento das adversidades; conceito pessoal de necessidades

básicas; habilidades sociais; capacidade de expressar sentimentos (catarse) e experiência

prévia em deixar a zona de conforto socioambiental.

3.3.12.1. ABERTURA PARA VIVENCIAR AS EXPERIÊNCIAS

A capacidade de estar disponível às vivências, às experiências e ao

relacionamento interpessoal durante o FEAL, foi citada pelos alunos como

imprescindível ao aproveitamento do curso, à aprendizagem, ao desenvolvimento

108

pessoal e à proteção ao desgaste causado pelo curso e às dificuldades encontradas ao

longo deste. E, do mesmo modo, a ausência desta capacidade foi apontada como

potencializadora das dificuldades impostas pelo curso, como enfatiza um dos alunos:

É preciso estar aberto pra receber as experiências do FEAL...pra poder aprender e evoluir. Se você se fechar, vai se desgastar mais, o curso vai ser bem mais difícil e você não vai conseguir experienciar de verdade os processos do curso (Aluno 1).

A abertura para vivenciar as experiências também foi mencionada como um fator

de proteção por outros autores que investigam o desenvolvimento da resiliência (ASSIS;

AVANCI; PESCE; 2006).

3.3.12.2. AUTOCONHECIMENTO (CONSCIÊNCIA ACERCA DAS PÓPRIAS

LIMITAÇÕES)

O autoconhecimento foi mencionado pelos participantes desta pesquisa como um

fator de proteção ao contexto adverso do FEAL. Afinal, ter consciência acerca dos

próprios limites, deficiências e potencialidades, possibilita ao educando a opção de

respeitar suas próprias limitações, evitar realizar algo que lhe seja prejudicial, que esteja

além de sua capacidade, ou que lhe coloque em risco desnecessariamente e de submeter-

se aos desafios para os quais possui recursos de enfrentamento suficientes, como

podemos conferir na fala de um dos alunos:

É essencial ter um mínimo de autoconhecimento e saber dos próprios limites pra participar desse curso e estar seguro durante ele. Porque o ambiente e as condições são muitas vezes adversas...e o tempo inteiro nossos limites são testados no FEAL (...) tem que saber a hora de pedir pra parar, tomar uma água, se hidratar, de comer e de assumir que precisa descansar (...) tem que se conhecer pra saber onde você pode se enfiar...o que você aguenta...pra não assumir algo que você não dá conta e que possa te prejudicar (Aluno 6).

109

O autoconhecimento também foi apontado como fator de proteção em outras

pesquisas acerca do processo de resiliência (TROMBETA, 2000 apud SANCHES)

3.3.12.3. CAPACIDADE DE UTILIZAR OS RECURSOS AMBIENTAIS NO

ENFRENTAMENTO DAS ADVERSIDADES

Como podemos conferir na fala de um dos alunos abaixo, a capacidade de

reconhecer os recursos disponíveis nos ambientes naturais e a habilidade de utilizá-los a

favor do enfrentamento das adversidades intrínsecas ao contexto do FEAL, também foi

apontada como um fator de proteção:

A principal coisa pra você ficar tranquilo no meio do mato é ter habilidade de perceber e de saber utilizar os recursos que você tem disponíveis para enfrentar as situações e adversidades que existem em ambientes naturais (Aluno 4).

3.3.12.4. CONCEITO PESSOAL DE NECESSIDADES BÁSICAS

O FEAL é realizado na Serra do Cipó - MG, onde os alunos passam duas semanas

em travessia, em condições de pouco conforto. Neste sentido, de acordo com os

instrutores, os alunos que possuem um nível de exigência de conforto menor e para os

quais o suprimento das necessidades básicas compreende o conforto fisiológico,

possuem maior probabilidade de se adaptar ao contexto do FEAL e de enfrentar as

adversidades encontradas no curso de modo positivo, como nos mostra a fala a seguir:

Alguns alunos já vêm com o exercício de querer desapegar de algumas coisas. Até para adequar sua renda àquilo que consome. Pra esses alunos, o desconforto não é um risco. Porque se você tiver como se abrigar, se você tiver comida, se você tiver como fazer um fogo, se você tá cumprindo suas necessidades básicas, pronto, você está

110

protegido. Mas esse conceito de básico varia muito entre os indivíduos e depende do momento de vida de cada um também...e as nossas necessidades básicas já extrapolaram pra muito menos básicas do que a gente pode imaginar. Então muitos alunos vêm com este conceito errado do que é básico. E aí pega bastante essa questão da vida simples (Instrutor 2).

Porém, segundo o relato deste instrutor, os alunos que possuem um conceito de

necessidades básicas que extrapola o conforto fisiológico, possuem maior probabilidade

de vivenciar o desconforto do contexto do FEAL como um risco. Esse é um exemplo

ilustrativo de que os indivíduos vivenciam e avaliam a realidade de modo diverso, de

modo que o que pode significar um risco para um indivíduo pode não o ser para outro

(ASSIS; AVANCI; PESCI, 2006).

3.3.12.5. HABILIDADES SOCIAIS

A análise dos dados obtidos evidencia a importância do fator de proteção

compreendido pela rede de apoio social estabelecida entre os participantes do FEAL.

Porém, o relato dos participantes mostra que o bom relacionamento grupal é pré-

requisito para que a rede de apoio social seja efetivamente protetora. Logo, na medida

em que o contexto social no FEAL é bastante peculiar, devido à intensidade do contato

grupal em meio a um contexto repleto de desafios ambientais, algumas habilidades

sociais foram apontadas como imprescindíveis à mediação do convívio grupal e à

promoção de um relacionamento grupal harmônico, como nos mostra a fala de um dos

alunos abaixo:

O FEAL é realizado num ambiente adverso, com pessoas que você não conhece e que você vai ter que conviver intensamente o curso inteiro...então você vai ter que aceitar essas pessoas e as diferenças entre elas...se você não aceitar, talvez a convivência seja mais difícil (...) e o relacionamento tem que ser bom...porque o grupo tem que ser unido neste contexto pra garantir a segurança de todos (...) na sociedade as pessoas causam atrito por não se identificarem ou por haver discordância de ponto de vista. Mas no FEAL quando há diferença de ponto de vista, você tem que relevar isso, saber conviver com as diferenças e procurar dar valor no que vocês têm em comum.

111

E ali tem muita coisa em comum, porque todo mundo tá realizando a mesma atividade (Aluno 6).

Além da capacidade de lidar com a alteridade e de relevar as divergências e

valorizar as semelhanças entre os indivíduos, mencionadas pelo presente aluno, outras

habilidades sociais foram citadas como facilitadoras do estabelecimento de um vínculo

positivo e protetor entre os participantes do FEAL, sendo elas: habilidades de

comunicação como saber ouvir e se expressar; espírito de coletividade; paciência e

respeito aos outros e às diferenças; saber se posicionar; capacidade de compartilhar e

dividir uma eventual angústia e, de modo geral, saber conviver em grupo. Estas

habilidades sociais, que atuaram no FEAL como fatores de proteção, também são

apontadas por teóricos da resiliência como fatores protetores do desenvolvimento

humano em diversos contextos (TAVARES, 2002; DE ANTONI; BARONE E

KOLLER, 2006).

3.3.12.6. CAPACIDADE DE EXPRESSAR SENTIMENTOS (CATARSE)

A capacidade de expressar os sentimentos, positivos e negativos, despertados

pelas experiências vivenciadas ao longo do FEAL, foi apontada tanto pelos alunos

quanto pelos instrutores como um aspecto catártico, protetor da integridade emocional e

facilitador da mobilização de recursos internos frente ao enfrentamento das dificuldades

durante o curso. Segue abaixo um trecho ilustrativo da fala do instrutor:

Há momentos no curso, diante de uma situação mais difícil, que os alunos podem chorar. Nesse curso aconteceu de alguns alunos chorarem em momentos de dificuldade, mas isso faz parte....faz parte do ser e do viver, né? E o choro é um desabafo...é expressão de sentimentos...que acaba dando até mais força (Instrutor 1).

112

3.3.12.7. EXPERIÊNCIA PRÉVIA EM SE AFASTAR DA ZONA DE

CONFORTO SOCIOAMBIENTAL PESSOAL

Os alunos que possuem experiência anterior à realização do curso com novos

contextos sociais e ambientais, demonstraram mais facilidade em deixar a zona de

conforto habitual e adaptar-se ao novo contexto socioambiental do FEAL, sem que isto

lhes fosse nocivo. Na medida em que o FEAL exige que os educandos abandonem

temporariamente as próprias zonas de conforto, este pode compreender um importante

fator de proteção para a realização do curso, como explicita a fala de um aluno:

Eu gosto muito de ter contato grupal com pessoas que não conheço (...) já morei fora, viajei um tempo sozinho e sempre conhecia novas pessoas...então eu não tenho medo ou receio quanto a isso e eu estava bem aberto ao relacionamento grupal no curso (Aluno 6).

3.3.13. CARÁTER TEMPORÁRIO DAS ADVERSIDADES DO FEAL

A consciência acerca da finitude das adversidades do FEAL foi um dos aspectos

mencionado pelos participantes como algo que auxiliava a suportar o desgaste físico e

emocional ao longo do curso. Afinal, as adversidades às quais estavam expostos

acabariam ao findar do curso, como assinala um dos alunos entrevistados:

Apesar de dar vontade de ficar deitado na barraca e descansar, pra parar as dores no corpo de tanto andar, pra relaxar...não dá pra parar com a expedição. Então você tem que suportar as dores físicas...os desconfortos psicológicos (...) o que faz a gente conseguir suportar é saber que aquilo não vai durar um mês...ou pra sempre...vão ser alguns dias difíceis e ‘vamo que vamo’ (Aluno 6).

113

3.3.14. QUESTÕES DE GÊNERO

Apesar de atualmente estar havendo um movimento mais global de retorno à

natureza, fazendo com que a participação de mulheres no contexto das AFAN se torne

mais significativa, Humberston (2007) evidencia que a ideia de fragilidade e

inferioridade física feminina ainda é extremamente arraigada no imaginário social. Nele,

as AFAN, são frequentemente designadas como território hegemônico masculino, na

medida em que a natureza representa um lugar rústico, habitat do “homem selvagem”,

do “herói”, do “guerreiro” e cenário no qual o homem, ao longo de sua evolução, testa

sua virilidade contra os perigos dos elementos naturais por meio da exploração e da

aventura no ambiente natural. Deste modo, enquanto no imaginário social o sexo

masculino está comumente associado à aventura, à potência, ao desafio e à força, o sexo

feminino está associado à aventura comedida, à potência controlada, à força mensurada

e ao desafio ameno.

Porém, para a autora, as AFAN também podem oferecer oportunidades sociais

significativas de desconstrução de ideologias sexistas e reducionistas de gênero, na

medida em que impõem obstáculos naturais aos seus praticantes, que devem ser

transpostos, independente de seu sexo. Assim, ao superar os mesmos desafios, as

diferenças entre mulheres e homens tornam-se tênues e, as semelhanças, mais marcadas.

Os relatos de alguns alunos vão ao encontro desta constatação de Humberston (2007),

como nos traz a fala de um dos participantes do sexo masculino:

No FEAL todos são iguais...homens e mulheres fazendo as mesmas coisas, carregando os mesmos pesos, a diversidade é gostosa, diferente. É gostoso você não ver só a menina como aquela que não vai conseguir fazer, mas ela te mostrar que é possível ser feito, da mesma maneira com que o homem faz (Aluno 2).

A despeito desta fala evidenciar a negação da fragilidade e da inferioridade

femininas através do compartilhamento equitativo de atividades e da vivência de

desafios conjuntos na prática de AFAN durante o FEAL, também houve relatos que

reforçaram a desigualdade entre gêneros, como nos mostra a fala de outro aluno do sexo

masculino a seguir:

114

Tinha hora que eu não tava agüentando aquelas subidas muito grandes...dava vontade até de desistir. Mas eu não falava nada porque tinha menina que tava bem, com mochila tão pesada quanto eu (risos). As meninas são pequenas e subiram e não estavam reclamando e eu vou reclamar? (risos) Não dá, fica feio, né? Então, acho que isso também estimulava a prosseguir (Aluno 6).

Curiosamente, esta fala demonstra que a vergonha sentida por um dos alunos do

sexo masculino de demonstrar menos resistência e um desempenho físico inferior às

alunas, favoreceu sua persistência, motivando-o a prosseguir com a expedição, mesmo

quando sentia vontade de desistir dela. Logo, para este aluno, a persistência, resistência

e bom desempenho físico das alunas atuaram como um modelo positivo a ser seguido.

Ou seja: a prática de AFAN tanto pode ser um contexto de reforço e propagação sexista,

quanto de desconstrução de conceitos reducionistas de gênero.

3.3.15. VIVENCIAR O DESCONFORTO

De acordo com um dos instrutores, o conforto propiciado pelo FEAL se restringe

ao suprimento das necessidades fisiológicas básicas, imprescindível à segurança dos

alunos durante o curso. Neste sentido, o contexto rústico do FEAL pode ser vivenciado

por alguns alunos como um risco, devido à ausência de sua zona habitual de conforto.

Porém, a instrutora ressalta que os educandos que estiverem disponíveis a vivenciar este

relativo desconforto durante o curso, descobrirão que não estão em risco, visto que suas

necessidades de sobrevivência estão sendo providas, como nos traz a fala a seguir:

No FEAL os alunos aprendem técnicas que precisam pra poder passar pelos desafios com segurança...não com conforto (risos). Quer dizer, com conforto térmico e alimentar sim (...) mas se os alunos vivenciarem o desconforto, eles descobrirão que o desconforto é a ausência de recursos que você está acostumado, mas não é risco. Se a ausência de desconforto fossem vitais pra sobrevivência da espécie humana, a gente não teria gente habitando o sertão do país, a gente não teria povos embrenhados no meio da mata, a gente não teria fugitivos de guerra e sobreviventes. Mas em relação a essas coisas, pra uns alunos ‘caem fichas’, pra outros não...e para quem não compreende isso, o curso com certeza será mais difícil (Instrutor 2).

115

Ao citar exemplos de seres humanos que se embrenham em ambientes naturais

sem, no entanto, estarem em risco, a instrutora enfatiza a capacidade do homem de

superar adversidades intrínsecas a este contexto. Porém, ela aponta que nem todos os

educandos são capazes de compreender que o desconforto não denota risco e, por

conseguinte, a ausência desta percepção pode atuar como fator de risco potencial para a

realização do curso.

3.3.16. RITUAL SOCIAL DE REFORÇO POSITIVO (“RITUAL DA

GRAVATA”)

Durante o FEAL, havia um ritual grupal de reforço positivo aos educandos que se

destacassem positivamente ou que superassem alguma adversidade externa ou interna

ao longo da expedição diária. Este ritual era representado por um símbolo de superação:

uma gravata. Segundo um dos educandos, este ritual se iniciou quando a gravata foi

dada pela instrutora a um integrante que superou um trauma pessoal em relação à água

durante a expedição. Posteriormente, o detentor da gravata elegia alguém para recebê-

la, de modo que isso virou um ritual diário. Segue no trecho abaixo, o relato de uma

aluna sobre a relevância deste ritual:

Uma aluna deu a gravata para um cara que deu muita força pra ela quando ela tava mal...eu dei pra um cara que estava muito doente e ficava falando em desistir do FEAL...mas não desistiu (...) eu recebi a gravata de um dos meninos do grupo e ele disse ao grupo que ia dar a gravata pra uma pessoa que tinha se esforçado muito na noite anterior, que estava confusa e atrapalhada, mas todo tempo esteve firme pra contribuir com o grupo (...) quando recebi a gravata eu percebi que eu podia me permitir ser frágil. Percebi que as pessoas estavam me percebendo lá e que eu não precisava aguentar tudo sozinha...que as dificuldades que o grupo enfrentava, eram do grupo e não só minhas (Aluno 3).

A fala desta aluna demonstra o efeito motivador e protetor deste ritual. Afinal, ao

receber este reforço social positivo pelas atitudes e recursos pessoais que se mostraram

116

adaptativos no enfrentamento das dificuldades do curso, o educando possui a

oportunidade de desenvolver sua autoconfiança e autoestima e de reconhecer, legitimar

e desenvolver seus recursos internos de proteção. Esta fala também demonstra que, o

fato de receber a gravata, fez com que esta aluna se sentisse mais acolhida e integrada

ao grupo e reconhecesse a rede de apoio social e afetivo com o qual podia contar neste

contexto. Em síntese, ao longo do FEAL, o ritual da gravata atuou como um fator lúdico

de proteção diário, que beneficiou os educandos em diversos aspectos.

3.3.17. FATORES DE PROTEÇÃO DURANTE A ATIVIDADE SOLO

Segundo os alunos, a atividade solo foi o momento mais difícil do FEAL, pois foi

o primeiro e único momento no qual cada aluno teve a oportunidade de estar só em

meio à natureza, contando apenas com seu próprio respaldo e companhia. Além disso,

cada aluno foi instruído pelos instrutores a escrever uma carta sobre si e para si mesmo

durante a atividade solo. O conteúdo da carta deveria ser resultado de uma reflexão

realizada por cada aluno acerca de si e de sua vida. Logo, o contexto da atividade solo

propicia aos educandos um momento de solidão, silêncio, introspecção e de encontro

consigo mesmos, em meio à natureza. Este encontro pode atuar tanto como um fator de

proteção, quanto como um fator de risco, dependendo das idiossincrasias e da história

de vida de cada aluno, como ilustra o poema a seguir:

“Algum dia, em qualquer parte, indefectivelmente, você há de se

encontrar consigo. E só de você depende que esta seja sua hora mais

amarga, ou o seu melhor momento” (PABLO NERUDA).

3.3.17.1. RECURSOS INTERNOS DE PROTEÇÃO

Apesar das potenciais adversidades possibilitadas pelo contexto da atividade solo,

os educandos mencionaram diversos fatores de proteção internos, que ao serem

117

mobilizados, amenizaram as dificuldades desta atividade e favoreceram a manutenção

da segurança física e psíquica dos educandos durante ela.

Dentre os fatores de proteção mencionados, estão: controle emocional;

serenidade; tranquilidade; capacidade de reconhecer e utilizar os recursos do ambiente

natural; capacidade de expressar os próprios sentimentos; emprego de técnicas de

treinamento mental como o uso de auto-falas positivas e motivadoras acerca da própria

capacidade de superação, visualização e mentalização positiva e o controle da

ansiedade; técnicas de relaxamento, de controle de respiração e contemplação

meditativa da paisagem; foco em superação de desafio; otimismo; autoconfiança;

persistência; desejo de auto superação; comportamento orientado para a realização de

metas; vergonha de desistir da expedição; desejo de cumprir todas as atividades

propostas pelo curso; diálogo interno com as figuras de apego seguro (instrutores)

internalizadas; medo de decepcionar os instrutores; experiência em AFAN e hábito de

estar só em ambientes naturais; o apreço pela própria companhia e pela solitude; o

hábito de vivenciar momentos de introspeção e de reflexão sobre si mesmo; orgulho e

vergonha de desistir de um desafio que foi assumido deliberadamente; determinação;

desejo de terminar a expedição e vontade de sentir a sensação de tarefa cumprida. Segue

abaixo a fala de dois alunos que contêm alguns dos fatores de proteção mencionados:

Eu gosto de caminhar sozinha (...) eu passo muito tempo sozinha, porque gosto de passar tempo comigo mesma...eu fico bem só...talvez se eu não fosse assim, a atividade solo teria sido bem difícil...surtante até (Aluno 1).

Tive um momento de desespero no começo da atividade solo. Mas depois passou, porque eu tinha recursos para enfrentar isso (...) o que me ajudou a enfrentar esse momento foi uma coisa que tava dentro de mim...tipo uma conversa interna: ‘eu sei que posso, eu consigo, eu sou forte, então vamos lá, agora eu vou ficar tranquila’ (...) também foi importante ter chorado, dado uns chiliques, desabafado...ter pensado em desistir e falar pra mim mesma: ‘ai instrutores, venham aqui’...como se fossem meus pais (...), eu pensei que se os instrutores deram essa oportunidade pra gente e estão seguros de que cada um aqui consegue fazer isso, então eu posso fazer (...) aí achei um lugar tranquilo na beira do rio, fiquei olhando o céu e tentei me tranquilizar controlando minha respiração...e aí pronto, passou (...) serenidade e tranquilidade são características importantes para não entrar em pânico e enfrentar as situações difíceis no FEAL e na atividade solo (Aluno 3).

118

Alguns dos mecanismos de proteção mencionados pelos alunos no enfrentamento

das dificuldades da atividade solo, também foram encontrados por Sanches (2009) em

pesquisa sobre a resiliência e a prática esportiva, sendo eles: as técnicas de treinamento

mental como o uso de auto-falas, visualização, mentalização e controle da ansiedade; a

capacidade de expressão; o controle emocional; a autoconfiança; o comportamento

orientado para a realização de metas; o foco em superação de desafio e o otimismo.

3.3.17.2.VIABILIDADE DE ACESSO AOS INSTRUTORES (FIGURAS DE

APEGO SEGURO)

De acordo com os alunos, a viabilidade de acesso aos instrutores, caso necessário,

compreendeu um importante fator de proteção durante a atividade solo. Afinal, durante

esta atividade, todos os alunos possuíam um apito para que pudessem chamar os

instrutores no caso de qualquer emergência e também havia uma luz indicativa da

direção onde os instrutores estavam acampados. Segue abaixo a fala de um dos alunos

ilustrando a importância deste fator de proteção:

Até durante a atividade solo, mesmo sem os instrutores, eles eram um porto-seguro. Não dava pra ver a luz de onde eles estavam acampados, mas era só andar na direção da bússola que eles estavam uma hora você via a luz. Então a referência tava lá, presente o tempo todo conosco. Você sabia não tava sozinho...que tinha recursos em casos de emergência (Aluno 4).

Bowlby (1984) ressalta que durante o desenvolvimento infantil, após o vínculo

com a figura de apego ter sido estabelecido de forma segura e tenaz, a criança adquire

mais confiança para explorar o ambiente. E, conforme a criança vai adquirindo

autonomia, a ausência da figura de apego passa a ser mais tolerável. Porém, mesmo

quando a criança já adquiriu independência, a proximidade da figura de apego, ainda

que ela esteja distante do alcance da visão, fornece à criança segurança e conforto,

atuando como um fator de proteção. Do mesmo modo, a fala deste aluno evidencia que

a consciência da possibilidade de acesso aos instrutores, atuava como um fator de

119

proteção durante a atividade solo, pois representava uma referência e uma base de

segurança. Tal qual um barco que desbrava as adversidades do mar necessita de um

porto para poder ancorar, a existência de um porto-seguro, ainda que simbólico,

mostrou-se essencial para que os educandos enfrentassem as dificuldades durante a

atividade solo e demais atividades do FEAL.

3.3.18. FATORES DE PROTEÇÃO DURANTE A EXPEDIÇÃO FINAL

Na medida em que a expedição final significa a saída dos instrutores de cena

para a consequente responsabilização total do grupo de alunos pela expedição, esta

atividade poderia ser considerada um fator de risco potencial. Porém, os dados obtidos

através do relato dos alunos e instrutores evidenciam que a presença de alguns fatores

de proteção tornou a expedição final menos adversa. Seguem abaixo a apresentação e

discussão destes fatores.

3.3.18.1. AMBIENTAÇÃO

Um fator que atuou como protetor da segurança dos alunos durante a expedição

final foi o fato de esta atividade ter sido realizada apenas no último dia da expedição,

permitindo que eles já estivessem familiarizados com o ambiente natural e a navegação

e orientação em meio à natureza, como podemos observar na fala de um dos alunos:

Na expedição final, o grupo de alunos seguiu sem os instrutores. Mas como foi realizada no último dia do curso, a gente já conhecia o relevo do terreno, já estava familiarizado com o mapa, com a bússola. A gente já tinha tido essa experiência anterior, então não teve nenhuma insegurança...todo mundo tava tranqüilo. (...) se a expedição final tivesse sido no primeiro dia do FEAL, seria inviável seguir sem os instrutores. A gente [alunos] ficaria completamente inseguro e

120

provavelmente se perderia no meio do mato, porque a gente ainda não tinha andado nada e não conhecia o local, a vegetação, o ambiente hostil que é aqui...e no começo ninguém saberia ler uma carta de navegação, nem usar a bússola direito (Aluno 6).

Nesta fala, o aluno enfatiza a importância da adaptação prévia ao contexto

ambiental do FEAL antes da exposição dos alunos a desafios maiores e supõe que a

falta de ambientação ao ambiente natural e às técnicas outdoor poderia atuar como um

fator de risco à segurança dos alunos durante a expedição final.

3.3.18.2.DISPOSIÇÃO DAS ATIVIDADES DO CURSO

O fato de a expedição final ter sido realizada no último dia da expedição,

associado à capacitação e atribuição de autonomia gradativa que os instrutores fornecem

ao grupo de alunos ao longo do curso, fez com que os alunos já estivessem preparados

para enfrentar um desafio maior, como o era a expedição final. Além disso, o fato da

expedição solo ter sido realizada um dia após a atividade solo é essencial, pois, na visão

dos instrutores, a atividade solo é considerada um preparo para a expedição final, como

podemos conferir na fala adiante:

É essencial que a atividade solo anteceda a expedição final. Porque o solo é fundamental pra ter essa quebra do coletivo e a pessoa realmente entrar numa reflexão, numa introspecção e descobrir do que ela é capaz, pra depois, na expedição final, aplicar seus potenciais no grupo (Instrutor 2).

Nesta fala da instrutora, o solo aparece como um momento em que os recursos

internos dos alunos seriam mais facilmente acessados por eles, devido ao “convite” à

interiorização que esta atividade propõe.

121

3.3.18.3. ROTINAS DE EXPEDIÇÃO

Ao longo do curso, a equipe do FEAL estabeleceu uma rotina diária de expedição,

com o objetivo de proteger a equipe, organizar as atividades desenvolvidas e favorecer o

engajamento grupal na realização destas. Estas rotinas foram definidas tanto pelos

instrutores, incluindo procedimentos importantes à segurança em ambientes naturais,

quanto pelo grupo de alunos, incluindo aspectos que julgavam necessários e coerentes

ao contexto. No relato de alguns alunos, os rituais e rotina diários, na medida em que

representavam variáveis estáveis em um contexto de tamanha imprevisibilidade

ambiental, eram elementos que proporcionavam conforto e segurança ao longo do

curso. Ademais, a manutenção da rotina de expedição foi mencionada como um fator de

proteção à ausência do respaldo dos instrutores ao grupo de alunos, durante a expedição

final, pois forneceu um parâmetro norteador de procedimentos, trazendo a eles

autonomia, conforto e segurança. Como ressalta a fala de um dos alunos:

Durante a expedição, tínhamos uma espécie de rotina... rituais de início de dia, de fim de dia...que dão uma sensação de conforto, de segurança...a gente sabe que é uma coisa estável, que se mantém. (...) algumas coisas destas rotinas os instrutores que ensinaram ao longo da expedição e outras o grupo foi criando (...) eram rituais que se mantiveram do inicio até o fim do curso. Na expedição final, a gente também manteve estas rotinas, mesmo sem a presença dos instrutores... saber que tem uma rotina, deu muita segurança pro grupo...‘agora é horário disso, agora é horário daquilo’ (Aluno 4).

3.3.18.4. O RESPALDO DO GRUPO DE IGUAIS

Como já mencionado anteriormente, o grupo de iguais foi um fator de proteção de

extrema relevância ao longo do curso. Porém, durante a expedição final, as figuras de

apoio seguro dos educandos, os instrutores, estavam ausentes, de modo que o respaldo

técnico, afetivo e social do grupo de iguais tornou-se ainda mais importante, como

verificamos na fala da aluna a seguir:

122

Na expedição final, que os instrutores não estavam, o que ajudou a dar segurança e a superar os problemas, foram os colegas, que dominavam as técnicas de navegação e sabiam se orientar...e também a ajuda mútua... o bom humor...a sintonia...a coesão e a confiança ente o grupo de alunos...que ajudaram a ir além (Aluno 1).

Assim, é possível perceber que, mesmo na ausência das figuras de apego seguro,

representadas pelos instrutores, o respaldo do grupo de iguais foi suficiente para

proteger a integridade dos educandos e facilitar o enfrentamento adaptativo das

adversidades durante a expedição final. De acordo com a fala desta aluna, na ausência

das figuras de apego seguro, os alunos que possuíam o maior domínio das técnicas

outdoor e os aspectos positivos intra-grupo passaram a representar o porto-seguro dos

educandos.

3.3.18.5. CAPACIDADE DE APRENDER COM OS PRÓPRIOS ERROS

De acordo com um dos instrutores, durante a expedição final os alunos já

estavam autoconfiantes em sua capacidade de finalizar a travessia, mesmo sem a

presença dos instrutores, pois já haviam errado bastante ao longo do gerenciamento da

expedição diária e aprendido com os próprios erros, de modo que, ao chegar o momento

de vivenciarem a expedição final, já tinham aprendido a lidar com os próprios erros de

forma mais lúdica e já possuíam relativa experiência em aventura outdoor, como ilustra

a fala a seguir:

Este grupo se saiu bem na expedição final. E eu não tinha dúvida que seria assim. Porque eles estavam bem confiantes, até porque já tinham errado e repetido o erro inúmeras vezes. Eles já estavam até satirizando os próprios erros e a repetição destes erros. E isso é muito rico. Quando você vê que mesmo errando, você aprende (Instrutor 2).

123

3.3.19. SUPERAÇÃO DE TRAUMA PESSOAL

De acordo com os instrutores, um dos alunos do curso, que não participou da

coleta de dados da presente pesquisa, possuía um trauma pessoal em relação à água,

que, ao longo da expedição pôde ser superado, como conferimos na fala a seguir:

Um participante tinha trauma em relação à água. Diante um pouco maior de água, ele entrava quase que em pânico (...) e no curso, teve bastante atividade com água...cachoeira, cruze de rio...e ele conseguiu superar esse trauma durante o FEAL...o que o ajudou a superar esse medo foi uma combinação de suportes: primeiro o suporte da instrutora e depois de alguns outros participantes. Esse participante foi um exemplo de superação....foi pra quem talvez o desafio físico e emocional tenha sido maior. E ele ficou emocionado por ter se superado (Instrutor 1).

Por meio desta fala, é possível perceber a realização de atividades com água, ou

seja, a exposição ao estímulo aversivo, respaldada pela rede de apoio social, auxiliou

este educando a superar seu trauma. Logo, a rede de apoio social e afetivo estabelecida

durante o FEAL facilita a mobilização e o desenvolvimento de fatores de proteção

internos, favorecendo não apenas a superação das adversidades intrínsecas ao contexto

do curso, mas também, a elaboração de traumas e a transposição de dificuldades em

outros âmbitos de suas vidas.

3.3.20. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO ADVERSA EXTREMA

Apesar de todas as dificuldades relatadas pelos alunos na realização do FEAL, a

maioria deles não se sentiu em risco em nenhum momento:

O curso foi muito desafiador...me senti frágil e tive dificuldades em muitos momentos...mas eu não cheguei ao meu extremo... nem me senti em risco em nenhum momento...até porque tinha coisas ao longo

124

do curso que compensavam estas dificuldades...que ajudavam a enfrentar as dificuldades (Aluno 2).

Esta fala demonstra que, apesar de os alunos terem encontrado dificuldade na

vivência de alguns aspectos do curso, eles não se sentiram em risco, porque havia mais

fatores de proteção ao longo do curso, do que fatores de risco. O que vai ao encontro do

que a literatura diz acerca Sanches (2009) acerca da resiliência, quanto mais fatores de

risco, maior a vulnerabilidade e, quanto mais fatores de proteção, menor a

vulnerabilidade.

O fato de não ter havido nenhuma situação de risco extrema ao longo do FEAL

foi apontado como um fator de proteção para o bom relacionamento grupal, como

evidencia um dos alunos:

O relacionamento interpessoal foi bom. Acho até que éramos meio contidos em relação a conflitos...acho que não teve conflito grupal sério por não termos enfrentado nenhuma situação extrema...e ter algum conflito sério no contexto do curso, poderia prejudicar todo mundo...porque a gente precisa do apoio do grupo (Aluno 3).

Nesta fala, fica implícito que uma condição mais adversa do que a que os

educandos vivenciaram no curso, poderia atuar como um fator de risco para a existência

de conflitos grupais mais severos, o que por sua vez, poderia prejudicar a qualidade de

um fator de proteção imprescindível à segurança integral dos educandos, a rede de apoio

social estabelecida durante o curso.

3.4. APRENDIZADOS PROPICIADOS PELA REALIZAÇÃO DO FEAL

De acordo com o Luckner & Nadler (1992, apud KUNREUTHER, 2011), o

método de educação experiencial somente facilitará a aquisição de aprendizado quando

o ciclo de aprendizagem experiencial for completo, ou seja, quando os quatro estágios

125

do ciclo, dentre eles o da experiência, da reflexão, da generalização e da aplicação, são

atingidos e contemplados.

É unânime nos relatos dos alunos que a realização do FEAL efetivamente

possibilita a aquisição de diversos aprendizados e facilita o desenvolvimento pessoal.

Porém, para que isso ocorra, todos os alunos mencionaram como pré-requisito a

abertura para vivenciar as experiências propiciadas pelo curso. Ou seja, durante o

primeiro estágio do ciclo de aprendizagem experiencial, o da experiência, não basta que

os alunos realizem o curso, eles devem estar disponíveis para envolver-se com as

atividades propostas ao longo deste, como podemos conferir na fala de um dos alunos:

O FEAL realmente traz mudanças e aprendizados...mas desde que você esteja disponível, aberto para o novo e aberto pra essa experiência...porque o treinamento experiencial é um processo, então se você não se abrir pra viver o curso de verdade, não vai ser experimental e não vai te tocar de uma maneira profunda, a ponto de mudar um comportamento...o aprendizado e a reflexão são bem mais profundos se a pessoa estiver disponível a isso (...) se você vier preso ou fechado às experiências, não vai haver mudança (Aluno 2).

No contexto de aprendizagem propiciado pelo FEAL, os educandos possuem

autonomia para decidir sobre as condutas a serem tomadas durante a expedição. Na

medida em que o fazem na natureza, as consequências das decisões tomadas são

imediatas e os afetam diretamente e, por conseguinte, o fato de sentir “na pele” as

reações de suas próprias ações, facilita que os educandos aprendam com os próprios

erros e acertos. Como evidenciado na fala de um instrutor:

No FEAL, depois de capacitados, os alunos tem a autonomia para decidir as ações que tomam. E consequências neste ambiente natural são imediatas...por exemplo, se os alunos escolhem trilhar por um trajeto mais acidentado, vão ter que lidar com obstáculos físicos maiores...se não gerenciarem bem o tempo da expedição, vão ter que caminhar à noite...e isso ensina bastante...porque permite a percepção do processo ação-reação (Instrutor 1).

126

Os alunos avaliaram a realização do FEAL não apenas como a vivência de uma

aventura outdoor, mas também como um curso sério de capacitação em educação

experiencial pela aventura, como nos mostra a fala de um deles:

Durante a expedição, o tempo todo foram criadas experiências e possibilitadas condições para o desenvolvimento de aprendizagens. O FEAL não foi só uma aventura...não era só fazer atividade pela atividade...eu consegui enxergar aqui, de fato, uma formação em educação experiencial, um método pedagógico (...) e vivenciar na prática a metodologia da aprendizagem experiencial faz efeito. É diferente de simplesmente me ensinarem a teoria e falarem como aplicá-la (...) ao estar dentro do processo, você consegue ter uma visão melhor dele...você vive a experiência...passa pelos processos...sabe quais são as sensações...tem a visão de dentro... percebe como se dá essa estrutura de todas as técnicas (...) vivenciar na prática essa metodologia faz com que eu possa trabalhar o que é ensinado em mim e me deixa mais maduro pra trabalhar com isso e pra ensinar o que aprendi (Aluno 4).

Nesta fala é possível perceber que a possibilidade de vivenciar

concomitantemente a teoria e a prática da aprendizagem experiencial pela aventura,

contribui sobremaneira para a facilitação do aprendizado acerca deste método

pedagógico e do desenvolvimento profissional dos educandos.

Além do maior conhecimento teórico-prático acerca da metodologia da educação

experiencial pela aventura, os alunos relatam ter aprendido técnicas e ferramentas

outdoor que os instrumentalizaram a se locomover e se orientar melhor no ambiente

natural, como podemos conferir no trecho abaixo:

Antes do FEAL eu já tinha experiência com ambiente ao ar livre e tinha noção básica de como me orientar com mapa e bússola...de percepção ambiental...mas nunca tinha aplicado isso...então não sabia me situar no ambiente natural (...) com esse curso eu realmente evolui em termos de aprendizagem técnica...depois do FEAL...de aprender a teoria e vivenciá-la na prática...sei realmente utilizar a bússola, o mapeamento e a carta de navegação topográfica...vivenciar e experimentar tudo isso na prática fez toda diferença pro conhecimento ser interiorizado (...) agora tenho mais confiança em mim pra me situar no ambiente natural e me sinto preparada pra aplicar as ferramentas e técnicas que aprendi no curso...fora daqui (Aluno 1).

127

Esta aluna enfatiza a relevância da aplicação das técnicas e ferramentas outdoor

durante a travessia para que houvesse os processos de aquisição e de interiorização

destes conhecimentos. De acordo com esta fala, percebe-se que não apenas a aquisição e

a interiorização do conhecimento são facilitadas quando a experiência prática “ilustra” o

aprendizado teórico, mas também, a transposição do aprendizado a outros contextos.

A realização do FEAL também despertou, naqueles alunos que não atuam na área

da educação ao ar livre, o desejo de utilizar a metodologia da educação experiencial

pela aventura em sua atuação profissional:

Minha experiência no FEAL incentivou meu desejo de trabalhar na escola...com atividades extraclasse ao ar livre...na Chapada Diamantina. Eu pretendo dar aula e tenho vários planos de levar os alunos aos lugares e instigá-los a aprender da mesma forma que a gente era instigado lá no FEAL. Eu já até pensei em bolar mini expedições (Aluno 3).

Nesta fala, explicita-se a capacidade da educação experiencial pela aventura em

ambientes naturais, de despertar em seus alunos aspectos essenciais ao processo de

aprendizagem: a curiosidade e a vontade de aprender. Esta fala também evidencia dois

aspectos importantes propiciados pelo curso, a maior sensação de autonomia da aluna e

o efeito multiplicador dos aprendizados adquiridos.

Porém, os aprendizados facilitados pela realização do FEAL não se restringem

apenas à capacitação técnica e ao aprimoramento ocupacional, mas também

compreendem o desenvolvimento pessoal e interpessoal em diversos sentidos, como

podemos observar na fala de um aluno:

O curso superou minhas expectativas. Porque além de atingir meu foco principal, que eram minhas expectativas profissionais...de capacitação em técnicas outdoor, ao mesmo tempo a experiência e a transformação pessoal vão muito além do que a gente espera...foi trabalhado muito o meu psicológico...o autoconhecimento, o aspecto humano e comportamental...o que vai ajudar me muito como pessoa e como profissional (Aluno 1).

128

Dentre os participantes que compuseram o grupo do FEAL, havia indivíduos de

ambos os sexos, de diferentes idades, pertencentes a diferentes áreas de atuação

profissional (humanas, exatas e biológicas) e que possuíam diferentes graus de

experiência em atividades outdoor e de condicionamento físico. A heterogeneidade do

grupo de participantes e o contexto de atividades e experiências grupais intensas e

desafiadoras de interação e cooperação, propiciados pelo FEAL, foram mencionados

pelos alunos como facilitadores do desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais e

da capacidade de estabelecer relacionamentos interpessoais saudáveis, harmônicos e

construtivos, tais como: maior percepção de si e dos outros com os quais se relaciona;

capacidade de respeitar e lidar com a alteridade; habilidades de comunicação como a

assertividade e a capacidade de ouvir e compreender os outros; empatia; capacidade de

cooperar e atuar em equipe para a realização de metas coletivas. Alguns destes

aprendizados são evidenciados na fala dos alunos a seguir:

As relações na vida nem sempre são estabelecidas tão rapidamente e de forma tão intensa quanto são no FEAL. No FEAL a relação com as pessoas é muito intensa, porque é bastante tempo de convívio...você fica vinte e quatro horas com aquelas pessoas...dorme junto...acorda junto...toma decisões junto...e você sabe que você tem que contribuir com o outro e respeitar o outro...então o relacionamento em grupo no FEAL traz amadurecimento em termos de relacionamento grupal, porque você se permite presenciar, compartilhar e respeitar...então você aprende a lidar melhor com...a respeitar mais a diferença das pessoas...aprende a ouvir o outro...a saber a hora e a forma correta de falar...de modo geral, as experiências grupais que a gente tem no FEAL, ensinam a conviver melhor em grupo (Aluno 1).

A qualidade do vínculo estabelecido entre os participantes do FEAL foi

mencionada pelos alunos como um estímulo à reflexão acerca de como atuam nas

relações interpessoais que estabelecem em suas vidas, como nos traz a fala de um deles:

O carinho e cuidado que um dava ao outro no grupo me fez perceber o quanto falta eu perceber mais a minha esposa no dia-a-dia, dar aquele beijo e abraço, por mais que o dia-a-dia seja cansativo (Aluno 2).

129

Assim, ao observar os benefícios que o afeto, o acolhimento e o cuidado

compartilhados entre os participantes propiciaram ao relacionamento grupal durante o

curso, este aluno percebeu a importância destes aspectos para o estabelecimento e a

manutenção das relações interpessoais e a necessidade de se dedicar mais e dispender

mais afeto e cuidado aos seus relacionamentos e às pessoas com as quais se relaciona.

Visto que o FEAL é realizado em meio à natureza, o bom relacionamento entre os

participantes é essencial para o desenvolvimento da safety net, a rede de segurança e de

apoio social, imprescindível à integridade dos praticantes de AFAN. Assim, para

facilitar uma interação grupal positiva, os instrutores propunham atividades que

possibilitassem o desenvolvimento das habilidades sociais necessárias à mediação do

convívio e da comunicação interpessoais durante o FEAL. De acordo com os alunos,

tais habilidades não apenas foram extremamente importantes para que a interação social

durante o curso fosse construtiva, mas possibilitaram a avaliação e a ressignificação da

forma que se relacionam e se colocam nas relações que estabelecem em suas vidas:

Um dos temas ressaltados nas aulas e nos feedbacks dos instrutores foi a “escuta ativa”, que é a importância de aprender a ouvir, entender e processar o que ouvimos...e a gente pôde aplicar este aprendizado de escuta ativa na relação com os outros participantes do curso...e saber ouvir era essencial pro convívio em grupo no contexto do FEAL (...) isso foi muito importante pra mim em termos de aprendizado pessoal e interpessoal...me deu uma nova visão das relações e me fez entender o que é ouvir realmente (...) tenho certeza que esse aprendizado será muito útil pra mim e que vou levar isso pra minha vida. Porque agora sei escutar as pessoas e me relacionar melhor com outros. (Aluno 1).

O contexto de interação social intensa e interdependente, em meio a um ambiente

repleto de desafios naturais, também foi mencionado pelos alunos como um fator

facilitador do autoconhecimento, como evidencia a fala de um deles:

Esse curso coloca você entre doze pessoas que você não conhecia em um ambiente adverso...isso facilita o autoconhecimento...pelo menos pra mim facilitou...o curso foi uma grande oportunidade para me conhecer mais (...) fora o convívio em república, o FEAL foi a melhor experiência que tive, em termos de viver no coletivo (...) o contexto do FEAL é o ambiente propício pra se expor e pra se descobrir, porque lá

130

as pessoas são obrigadas a estar juntas e dependem muito umas das outras (Aluno 3).

Como evidenciam Assis, Pesce e Avanci, (2006), o autoconhecimento é um fator

de proteção de extrema relevância para o desenvolvimento do processo de resiliência.

Neste sentido, podemos considerar o FEAL um contexto facilitador do processo de

resiliência, na medida em que foi apontado pelos alunos como um contexto catalizador

do autoconhecimento e do desenvolvimento pessoal e interpessoal, tanto pelas

atividades desenvolvidas ao longo do curso, quanto pelo relacionamento interpessoal e

pelo contato com o próprio mundo interno, facilitado pelo ambiente natural.

No que tange às atividades propostas ao longo do curso, diversos alunos

mencionaram uma dinâmica sobre liderança facilitada pelos instrutores, na qual os

educandos deveriam assumir diversos papéis: se posicionando ora no início da

expedição e atuar como líder do grupo, ora no meio da expedição e ora no final desta.

De acordo com os relatos dos alunos, a assunção de diferentes papéis permitiu que eles

descobrissem com os quais se identificavam e se sentiam mais ou menos confortáveis, o

que, por sua vez, facilitou o autoconhecimento e o desenvolvimento de habilidades de

liderança, como exemplifica a fala de um dos alunos:

O autoconhecimento foi um dos grandes desafios do FEAL...na dinâmica que os instrutores realizaram sobre liderança, eu aprendi que meu tipo de liderança é o tipo diretivo...aprender sobre isso na prática, me ajudou a me conhecer, a ver o que preciso melhorar pra poder contribuir com meu tipo de liderança pro grupo e pra que eu lidere de forma madura quando for preciso liderar...o FEAL despertou em mim a aceitação da minha habilidade de líder, de coordenar situações (...) os feedbacks dos instrutores também foram essenciais pra eu me conhecer mais...me fizeram “rebobinar” toda a expedição, fazer uma análise de mim mesma no curso e me questionar qual era o meu papel naquele grupo (...) tanto os feedbacks, quanto as atividades propostas pelos instrutores me fizeram pensar qual era o meu papel no grupo do FEAL e qual é o meu papel na vida...e pensar onde posso melhorar na minha vida, no meu trabalho e nos meus outros meios de interação social (Aluno 1).

Esta fala demonstra que a intervenção dos instrutores durante o curso, através da

proposição de atividades temáticas, coerentes com as experiências vivenciadas pelos

alunos e, da realização de devolutivas acerca das atitudes, comportamento e

131

desempenho de cada aluno perante os desafios propostos pelo curso, bem como suas

deficiências e potencialidades explicitadas no enfrentamento destes, facilitou o

autoconhecimento dos alunos.

A maior adaptabilidade ao ambiente natural, após a vivência de diversos e longos

dias em expedição na natureza, também foi apontada como um dos benefícios da

realização do FEAL, como ilustra a fala de um aluno:

Na atividade solo cada participante tinha que dormir sozinho e em bivaque, que é um acampamento temporário ao ar livre, sem barraca. No dia seguinte, na expedição final, quase todo mundo dormiu fora da barraca por opção. Nós fizemos uma fila de bivaque, foi bem legal. E antes da atividade solo, só eu e mais um menino tínhamos dormido fora da barraca (...) no começo da expedição, a gente não molhava o pé no rio por nada. E no finzinho da trilha da expedição final, quase todos os alunos entraram de bota e roupa no rio. Essas coisas, pra mim, mostram como os 12 dias foram nos transformando...mesmo os alunos que se sentiam menos à vontade em estar na natureza, se adaptaram a este ambiente ao longo do curso (Aluno 3).

Esta fala corrobora a afirmação de Heimstra e Mcfarling (1978), de que através da

adaptação ambiental, processo que consiste na modificação do sistema sensorial pela

apresentação contínua de estímulos, o homem é capaz de se adaptar psíquica e

fisiologicamente a diversos ambientes. Deste modo, o processo de adaptação ambiental,

fez com que estar em meio à natureza, o que inicialmente configurava um estímulo

desafiador e potencialmente aversivo para alguns participantes, se tornasse um estímulo

mais neutro.

Todos os alunos relatam ter desenvolvido mais admiração, respeito e cuidado com

a natureza, através do aprendizado de valores ambientais ao longo do FEAL, como

podemos conferir na fala de um deles:

Aprendemos bastante sobre a questão de mínimo impacto na natureza e de desperdício, coisas que a gente viu e vivenciou na pele. Nos doze dias que a gente ficou na serra, a quantidade de lixo que a gente produziu em doze pessoas é mínima. Até assusta quando comparamos com a quantidade enorme de lixo que a gente produz na cidade, em casa, num só dia, numa semana. Aprendi que a gente pode contribuir

132

com a natureza. E eu não tinha a mínima ideia sobre o mínimo impacto (Aluno 6).

Atualmente, muito se fala de meio ambiente e da importância da sustentabilidade

para a manutenção e harmonia da vida. Porém, inúmeros programas de educação

ambiental são demasiadamente teóricos, dificultando que os aprendizados possam

efetivamente ser aplicados no cotidiano dos educandos nos centros urbanos, ou mesmo,

possuem uma retórica ambiental pouco coerente com a prática de sustentabilidade.

Porém, a fala deste aluno demonstra que a educação ambiental, viabilizada pelo método

de educação experiencial pela aventura em ambientes naturais, é eficaz em desenvolver

valores ambientais potencialmente aplicáveis na vida dos educandos, na medida em que

não apenas consiste em um discurso vazio acerca da sustentabilidade, mas oferece

exemplos e vivências práticas de mínimo impacto e de seus benefícios para a natureza.

Ao comparar a quantidade de lixo produzido ao longo da expedição com a

quantidade produzida no cotidiano dos centros urbanos, este aluno está refletindo acerca

desta experiência e generalizando os aprendizados para outros âmbitos além do qual

foram adquiridos. Ou seja, este aluno vivenciou ou três estágios do ciclo de

aprendizagem experiencial de Luckner & Nadler (1992 apud KUNREUTHER, 2011),

pois ele viveu uma experiência significativa, refletiu sobre o que foi vivenciado e

generalizou o que foi aprendido para outros âmbitos de sua vida. Por conseguinte, para

que este aprendizado seja efetivo e tenaz, este participante deve ter a oportunidade de

aplicar o que foi aprendido em sua vida, ou seja, atingir o último estágio do ciclo de

aprendizagem experiencial, o da aplicação do que foi aprendido em outros contextos

além do qual o aprendizado foi adquirido.

Esse exemplo demonstra que as experiências propiciadas pelo FEAL, por serem

significativas e ilustrarem o que é ensinado, possuem grande probabilidade de eliciar os

processos de reflexão, generalização e aplicação dos aprendizados adquiridos, o que

demonstra o grande potencial educativo e de desenvolvimento humano do método

pedagógico da educação experiencial pela aventura.

O desenvolvimento do apreço pela atividade física também foi mencionado como

resultado da realização do FEAL. De acordo com Costa (2001), as práticas corporais em

ambientes naturais, distanciam os praticantes de suas rotinas obrigatórias, oferecendo a

133

oportunidade de vivenciarem a sensação de resgate da liberdade e de regeneração de

forças minadas pelo estresse do cotidiano. Os relatos de alguns alunos reforçam a

afirmação da autora, como podemos constatar na fala de um deles:

Eu tenho uma vida fisicamente ativa...gosto de esportes, de caminhar, correr...e tô saindo deste curso desejando praticar ainda mais atividades físicas na natureza (...) o esporte na natureza é muito bom...até as pessoas que não têm a cultura de praticar esporte, depois de um curso como esse vão ver que praticar atividade física é muito bom...traz muitos benefícios...pra tirar um pouco da rotina estressante das cidades...extravasar um pouco o estresse (...) até os alunos menos ativos fisicamente saíram do curso querendo implementar atividades físicas na natureza em seu cotidiano (Aluno 2).

Para este aluno na medida em que a prática de atividade física no contexto do

FEAL compreende uma oportunidade de renovação e de liberação do estresse causado

pela rotina dos centros urbanos, a realização do curso favorece o apreço pela prática de

esportes e de atividade física e despertam, mesmo nos educandos mais sedentários, o

desejo de adotar um estilo de vida mais fisicamente ativo em seus cotidianos.

Em síntese os aprendizados e as habilidades desenvolvidos através da realização

do FEAL, relatados pelos alunos e que por sua vez compreendem recursos de proteção

no enfrentamento e adversidades são: desenvolvimento humano integral

(aprimoramento técnico, cognitivo, moral, emocional, físico, motor, pessoal e social);

capacidade de autocuidado e desenvolvimento da noção de autocuidado ampliado, que

inclui o cuidado com o meio-ambiente devido à percepção do ser humano como parte da

natureza; desenvolvimento da autoestima, da auto-eficácia e da autoconfiança;

capacidade de avaliar e manejar riscos; capacidade de reconhecer e utilizar recursos

internos e externos no enfrentamento das adversidades; capacidade de análise e de

tomada de decisões; capacidade de lidar com a própria autonomia e com as

conseqüência das próprias ações; capacidade de aprender com os próprios erros;

capacidade de lidar com as adversidades com maior equilíbrio emocional e bom humor;

coragem para enfrentar mudanças e desafios; capacidade de adaptar-se a diversos

contextos e de lidar positivamente com a ausência da zona de conforto socioambiental;

autoconhecimento; desenvolvimento de diversas habilidades sociais, que por sua vez

favorecem o estabelecimento de rede de apoio social segura; apreço por prática de

134

tempo livre saudáveis; contato com os próprios limites, potencialidades e recursos

interiores e percepção da necessidade da introspecção, auto-reflexão e de

autoconhecimento no cotidiano.

3.4.1. APRENDIZADOS PROPICIADOS PELA VIVÊNCIA DA ATIVIDADE

SOLO

A atividade solo foi caracterizada pelos alunos como um momento de bastante

introspecção, aprendizado, desenvolvimento e transformação pessoal, como nos traz a

fala de dois alunos:

Na atividade solo trabalhamos muito o nosso psicológico. Foi uma experiência de autoconhecimento...de encontro comigo mesma...é muito difícil e muito prazeroso entrar em contato com a gente mesmo (...) foi um momento importante pra pensar em mim, nas minhas atitudes, nas minhas metas, objetivos e sonhos (...) é uma experiência muito forte...um momento de bastante reflexão...não dá pra dizer que você é a mesma pessoa depois da experiência do solo (Aluno 3).

Eu nunca tinha feito nada como a atividade solo...foi muito bom porque foi um momento de tirar um tempo pra ficar sozinho e pensar sobre mim mesmo...faz refletir muito. (...) o solo me ensinou que às vezes é bom estar sozinho e que quando estamos somente na nossa companhia, aprendemos muito sobre nos mesmos (Aluno 5).

Ambas as falas demonstram a importância de ao estar só, conseguir efetivamente

contar com a própria companhia e entrar em contato com os próprios recursos internos,

o que remete a um trecho de um poema de Clarice Lispector:

Que a minha solidão não me destrua. Que minha solidão me sirva de

companhia. Que eu tenha a coragem de me enfrentar. Que eu saiba

ficar com o nada e mesmo assim, me sentir como se eu estivesse plena

de tudo.

135

Através dos relatos dos alunos, podemos afirmar que a atividade solo, apesar de

compreender um grande desafio, significou um contexto de mobilização e de

desenvolvimento de recursos internos de proteção, ou seja, de facilitação do

desenvolvimento do processo de resiliência. Afinal, tanto os alunos quanto os

instrutores concordam que a atividade solo compreende um convite à introspecção e,

portanto, uma oportunidade de autoconhecimento, reflexão e percepção das próprias

potencialidades, deficiências, recursos e força interior, como evidencia a fala de um

instrutor:

No primeiro momento a atividade solo assusta, pois é um contexto nada familiar que envolve muitos medos, onde os alunos não tem o controle sobre as variáveis ambientais. Mas depois acaba sendo uma grande surpresa, porque é uma oportunidade rara e transformadora de aprendizagem e de ‘auto-revisão’...pros alunos ficarem sós, longe de estímulos externos e da dependência dos confortos do dia-a-dia...entrar em contato consigo mesmos, arrumar a ‘casa interna’, pensar em si e nas suas vidas, descobrir novas potencialidades e resgatar a força interior (...) o ambiente natural facilita o autoconhecimento, porque há o silêncio, os sons da natureza e menos estímulos ambientais pra competir com o pensar e com o refletir. Diferente da vida moderna na cidade, onde ficar só, em silêncio e entrar em contato consigo mesmo é muito difícil (...) A atividade solo foi um processo forte e emocionante para os alunos, que os ajudou a ter percepções e aprendizados bem importantes pra vida deles (...) o quanto esses aprendizados vão se transformar em ação efetiva, já não dá pra saber. Mas se perceber já é bem importante, já ganha boas sessões de terapia (risos) (Instrutor 2).

Esta fala caracteriza o contexto urbano, devido à sua típica sobrecarga de

estimulação ambiental, como um local que dificulta o contato do homem com seu

próprio universo e recursos interiores. E, o ambiente natural, como um contexto que

favorece a interiorização, visto que, ao amenizar a sobrecarga dos estímulos ambientais,

oferece aos indivíduos a oportunidade de dirigir o foco atencional ao seu interior.

Neste sentido, a atividade solo também foi mencionada como uma experiência

que promove o despertar da consciência dos alunos sobre a importância e os benefícios

da introspecção e do autoconhecimento, mesmo em meio à sobrecarga de estímulos

ambientais características dos centros urbanos, como nos ilustra a fala de um dos

alunos:

136

Na correria do cotidiano...na minha zona de conforto na cidade, eu me entretenho com muitas atividades ao mesmo tempo e tem muita coisa pra distrair a mente...é difícil ter o seu tempo pra se olhar, pensar e refletir sobre si mesmo e sobre sua vida, se conhecer...se perceber realmente...você acaba fugindo um pouco do seu eu (...) quando eu tô na natureza, é a hora que eu me encontro e entro em contato comigo mesma. Por isso todo final de semana eu faço questão de estar no ambiente natural. Mas o FEAL e a atividade solo me ajudaram a me conhecer melhor e me ensinaram algo que vou levar pra minha vida: eu não vivo só de fim de semana, então tenho que viver o meu eu todos os dias...apesar de tantos estímulos no cotidiano, é essencial separar um tempo pra mim mesma, pra me interiorizar, entrar em contato comigo, meditar, refletir e olhar para as coisas que são importantes pra mim e pra minha vida’ (Aluno 1).

A fala desta aluna ilustra um consenso entre todos os alunos entrevistados: a

realização da atividade solo e do FEAL de modo geral, facilitaram o autoconhecimento

e o reconhecimento da necessidade e da importância da auto-percepção e da

interiorização em suas vidas.

A carta escrita durante a atividade solo pelos alunos, sobre e para si mesmos,

também foi apontada por eles como um dos aspectos que facilita o autoconhecimento

neste contexto, afinal, ao escreverem-na, possuem a oportunidade de entrar em contato

com as próprias emoções, os próprios medos, sonhos, limitações e recursos.

Outros aprendizados que foram propiciados pelo intenso contato com a natureza e

com o próprio mundo interior durante a atividade solo, mencionados pelos alunos,

foram: valorização da rede de apoio social habitual; ressignificação da visão de mundo e

do modo de viver; maior percepção, valorização e respeito à própria vida e à natureza e

compreensão do ser humano como parte integrante da natureza.

A maioria dos alunos relata que, ao superar os desafios propostos pelo FEAL,

percebeu ser mais forte e resistente, física e psicologicamente, do que julgava ser, como

exemplificado no trecho a seguir:

Com o FEAL, eu senti na pele qual é a carga que eu aguento...tanto psicológica, quanto fisicamente...e aprendi que sou muito mais forte e resistente e que aguento mais do que eu imaginava (...) nos primeiros dias pegamos trilhas bem pesadas e eu tava muito gripado...achava que não ia aguentar. Se eu estivesse em algum outro lugar que fosse mais fácil ir embora, eu teria desistido do curso. Mas além de não querer desisti, pra desistir era toda uma logística trabalhosa...porque a

137

gente tava no meio da serra. Então tentei aguentar e prosseguir...e vi que consigo prosseguir mesmo com adversidade...que eu sou forte. E isso é um grande aprendizado, porque em outros momentos da vida a gente tem que pensar bem antes de desistir...e tentar persistir, porque a gente muitas vezes é mais forte do que imagina...e eu quero aplicar todo esse aprendizado em minha vida...pra me tornar cada vez mais forte e capaz de enfrentar as dificuldades (Aluno 6).

A fala deste aluno demonstra que, o fato de ter persistido mesmo frente a um

desafio para o qual acreditava não possuir recursos internos de enfrentamento

suficientes, fez com que ele descobrisse em si forças internas e a capacidade de superar

adversidades, superiores às que julgava possuir. Assim, a experiência de responder

positivamente às adversidades do FEAL e obter êxito no enfrentamento destas, fez com

que este aluno descobrisse a resistência e a eficácia de seus recursos internos de

enfrentamento; desenvolvesse confiança em sua capacidade de superação; percebesse a

importância da persistência no enfrentamento das adversidades; aprimorasse seu

potencial de resiliência e percebesse a possibilidade de aplicar este potencial em sua

vida.

3.5. APLICABILIDADE DOS APRENDIZADOS DO FEAL EM OUTROS

ÂMBITOS DA VIDA DOS EDUCANDOS

Segundo o ciclo de aprendizagem experiencial, a educação experiencial somente é

eficaz em promover aprendizados e o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e

emocional dos educandos se os aprendizados suscitados pela experiência proposta

forem aplicáveis também a outros contextos (LUCKNER & NADLER, 1992 apud

KUNREUTHER, 2011). De acordo com o relato dos educandos e dos instrutores do

FEAL, todos crêem que os aprendizados adquiridos no contexto do FEAL são passíveis

de ser transpostos a outros âmbitos de suas vidas, como exemplificado nas falas a

seguir:

Acho que tudo o que aprendi no FEAL pode ser aplicado em meu dia-a-dia...e vai influenciar minha vida...e não só psicológica, mas

138

fisicamente Essa experiência já começou a influenciar em meu cotidiano, só por ter me feito ver e aprender muitas coisas. E ainda vai me influenciar muito mais. Não só o que eu vivi aqui, mas também o que tá passando pela minha cabeça agora e o que eu vou analisar sobre essa experiência única depois que eu estiver fora daqui...quando chegar em minha rotina (...) as experiências que vivi no FEAL foram muito intensas, emocionantes, significativas, inesquecíveis...tenho certeza que o que vivi e aprendi...e as lembranças do que vivi aqui, vão influenciar minha vida (Aluno 1).

De acordo com a avaliação desta aluna, mesmo antes de retomar sua rotina, ela

percebe que a realização do curso lhe possibilitou a aquisição de aprendizados que

eliciaram a ressignificação de seu cotidiano e de sua vida. E, além disso, ela acredita

que ao retomar sua rotina, mesmo não estando mais no contexto do curso, a recordação

e a reflexão acerca das experiências vivenciadas ao longo deste, irão promover novas

ressignificações e novos aprendizados, A fala desta aluna corrobora o que teoriza

Izquierdo (2002) sobre o processo de fixação da memória. De acordo com o autor o

processo de fixação da memória é em sua maior parte, consolidado nas primeiras horas

após a aquisição do aprendizado. Porém, para que a solidificação do aprendizado

ocorra, durante a etapa de estabilização da informação armazenada, é importante que

haja a reflexão acerca do que foi aprendido, pois a reflexão implica em uma

reconstrução ativa do aprendizado e facilita sua fixação. Neste sentido, a fala desta

aluna evidencia que a educação experiencial pela aventura, ao propiciar aos educandos

experiências e aprendizados memoráveis, facilita não apenas o processo de aquisição

dos aprendizados, mas também os processos de recordação e, portanto, de fixação

destes.

No que tange ao processo de evocação da memória, o conteúdo emocional das

experiências e dos aprendizados afetam a maneira como são armazenados, de modo que

os eventos mais facilmente lembrados são aqueles acompanhados de elevada emoção

(IZQUIERDO, 2002). Através da fala desta aluna é possível verificar que as

experiências propiciadas pelo FEAL, por seu caráter peculiar e intenso, possuem o

potencial de mobilizar emocionalmente os educandos. Logo, na medida em que a

educação experiencial pela aventura propicia aos educandos experiências passíveis de

eliciar diversas emoções, ele método pedagógico possui o potencial de facilitar a

aquisição de aprendizados tenazes e um desenvolvimento pessoal que não se limita ao

contexto no qual a experiência é vivenciada.

139

Assim, apesar de o FEAL ser uma experiência singular, realizada em um contexto

específico diferente do contexto cotidiano dos educandos, é possível perceber que o

curso não consiste em um ‘treinamento para a montanha, mas pela montanha’. Ou seja,

o método pedagógico norteador do curso possui o potencial de capacitar os educandos a

atuar com mais maturidade não apenas no contexto do curso, mas nos diversos âmbitos

de suas vidas. Afinal, os desafios propostos por este método pedagógico envolvem

temáticas universais e, portanto, possibilitam o desenvolvimento de habilidades pessoais

e interpessoais e a aquisição de aprendizados relevantes e aplicáveis a qualquer contexto

humano, como afirma um dos alunos:

Desde que você esteja aberto a aprender e a vivenciar as experiências do curso...todo esse aprendizado é totalmente aplicável na vida...não tem nada que eu vivi e experimentei nesses dias de curso que eu não faça uma analogia com o dia-a-dia...que não possa ser praticado no meu cotidiano. Porque no FEAL você tem que tomar decisões, administrar tempo e recursos individuais e grupais, tem momentos de exercer liderança, de criatividade, de ficar sozinho, de estar com o grupo, de alegria e de tristeza e...no seu dia-a-dia você tem tudo isso (...) no curso você experimenta realmente as coisas, é fisiológico...então isso realmente gera uma transformação pessoal e comportamental...por isso acredito que o que aprendi aqui é possível de ser aplicado no meu cotidiano...essa vivencia realmente me transformou (Aluno 2).

Ao avaliar a aprendizagem possibilitada pelo FEAL como algo fisiológico e,

portanto, mais eficiente em facilitar aprendizados transformadores e duradouros, este

aluno corrobora a afirmação de Dinsmore (2004) acerca da capacidade da educação

experiencial pela aventura promover aprendizados tenazes, por propiciar um contexto

que favorece a integração mente e corpo, de modo que a memória do aprendizado não é

apenas cognitiva, mas também muscular.

Na fala a seguir, um dos alunos demonstra a importância de ao findar do curso e

ao retornarem às suas respectivas rotinas, os educandos buscarem vivenciar

experiências análogas às do FEAL, para que os aprendizados adquiridos ao longo do

curso não se percam:

Com certeza a experiência do FEAL vai influenciar no meu cotidiano...porque mexeu comigo como pessoa. Claro que tem que sempre reciclar, buscar novas experiências, tentar viver o que a gente

140

viveu no curso, de contato com a natureza, de autoconhecimento, de reflexão. Estou voltando pro meu cotidiano muito empolgado, querendo fazer tudo, mas se não praticar isso no cotidiano, depois passa. Como tudo na vida, o que não se pratica se esquece (Aluno 6).

Esta fala confirma o que afirmam Luckner & Nadler (1992, apud

KUNREUTHER, 2011) acerca do Ciclo de Aprendizagem Experiencial: se o último

estágio do ciclo, o da aplicação do aprendizado recém-adquirido em uma nova situação

real, não for realizado de forma completa, o aprendizado não será solidificado,

tornando-se superficial e efêmero.

Transcorridos seis meses da realização do FEAL, foi enviado aos educandos

participantes desta pesquisa, via e-mail, um questionário contendo três perguntas, que

visava investigar a repercussão do curso em suas vidas e a aplicabilidade dos

aprendizados adquiridos no contexto do curso, em seus cotidianos e nos diversos

âmbitos de sua vida. Porém apenas dois dos participantes responderam ao questionário.

De acordo com os alunos que responderam a essas questões, após seis meses da

realização do FEAL, os aprendizados e habilidades desenvolvidos através do curso que

efetivamente foram transpostos aos seus cotidianos foram: autoconfiança e persistência

para enfrentar desafios; habilidade de comunicar-se e expressar sentimentos e opiniões

de modo assertivo; capacidade de vivenciar o momento presente; maior

inteligência/equilíbrio/controle emocional e serenidade para lidar com conflitos e

situações adversas; valorização, cuidado e respeito à natureza; adoção de um estilo de

vida mais simples, ativo e saudável; busca pelo contato com a natureza; ressignificação

da visão de mundo; maior aceitação e melhor uso da realidade; transformação pessoal;

adoção de momentos de introspecção e de autoconhecimento à rotina; maior capacidade

de resiliência; capacidade de atuar em equipe; dentre outros. A grande maioria destes

aprendizados compreende importantes fatores de proteção no enfrentamento das

adversidades (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006).

De acordo com o relato de todos os alunos, o FEAL é efetivamente uma

experiência que elicia grandes transformações pessoais em diversos aspectos. Porém,

para que os educandos possam transpor os aprendizados, as habilidades e os recursos

internos desenvolvidos no contexto de ambiente natural do curso ao contexto urbano no

141

qual vivem, é necessário que haja empenho em fazê-lo. Como nos mostra a fala de um

dos alunos, seis meses após a realização do FEAL:

Após seis meses do curso, vejo que é impossível vivenciar algo como o FEAL e sair ileso...o FEAL repercutiu muito em minha vida...me ajudou a entender melhor meus conflitos internos, a conhecer mais meus limites físicos e psicológicos (...) o curso potencializou um verdadeiro processo de transformação pessoal...de autoconhecimento, me deu mais coragem de experimentar o novo...me ajudou a desenvolver mais ferramentas para lidar com dificuldades...me fortaleceu pra enfrentar o mundo com coragem e vontade de viver (...) saí do curso me achando uma supermulher, transformada e renovada, cheia de ideias, sem medo de falar o que penso, o que sinto, de me impor...decidida a ir mais atrás das coisas que eu quero, a confiar mais em mim e no que penso...voltei pro meu cotidiano achando que poderia mudar o mundo com toda experiência vivida no FEAL (...) mas quando retornei ao meu mundo real, vi que as mesmas dificuldades estavam lá. A realidade do dia a dia é muito diferente do que vivemos no curso...a correria do cotidiano nos engole e nos faz esquecer um pouco as decisões, propósitos pessoais e aprendizados que tivemos (...) pra aplicar no cotidiano o que aprendi no FEAL, tem que ter um exercício contínuo de empenho pessoal (...) mas quando estou na natureza, quando me interiorizo e entro em contato comigo mesma, quando estou em uma situação de interação grupal, quando acontece algum conflito ou problema na minha vida...eu acesso na memória as experiências e as lembranças de superação do FEAL...e elas ajudam a sair da loucura do dia a dia, trazem força, poder e um sentimento de que sou capaz (Aluno 3).

Esta fala demonstra que, apesar do cotidiano dificultar a aplicação dos

aprendizados e habilidades desenvolvidos ao longo do FEAL na vida dos educandos, o

resgate destes recursos internos é facilitado quando o educando vivencia alguma

experiência que possua características análogas ao contexto do FEAL, por exemplo, ao

estar no ambiente natural, ao vivenciar momentos de introspecção e de autorreflexão e

ao deparar-se com situações de tomada de decisão, de resolução de conflitos, de

interação grupal e de enfrentamento de adversidades. Fato este que pode estar associado

ao que evidencia a Psicobiologia acerca dos processos de aquisição e de evocação da

memória: a evocação da memória é favorecida em contextos que remetem ao contexto

no qual a memória foi adquirida (IZQUIERDO, 2002).

Apesar da diferença existente entre o contexto do FEAL e o contexto de vida dos

educandos, a fala desta aluna demonstra que as experiências de enfrentamento e de

142

superação das adversidades durante o curso, efetivamente aprimoraram seu potencial de

resiliência, na medida em que favoreceram o desenvolvimento de recursos internos de

enfrentamento e fatores de proteção, passíveis de serem empregados no enfrentamento

de adversidades ao longo de sua vida. Logo, se os recursos internos desenvolvidos ao

longo do curso são mais facilmente acessíveis em situações que remetem ao contexto do

FEAL, as práticas de interiorização e autoconhecimento, de contato com a natureza e de

AFAN no cotidiano dos educandos, podem viabilizar a incorporação efetiva destes

novos recursos ao repertório de recursos internos de proteção dos educandos.

A educação experiencial somente é eficaz em promover aprendizados e o

desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e emocional dos educandos se as quatro

etapas do ciclo de aprendizagem experiencial forem corretamente realizadas e

concluídas (LUCKNER & NADLER, 1992 apud KUNREUTHER, 2011). Os dados

obtidos por esta pesquisa demonstram que a estrutura do FEAL propicia que as quatro

etapas do ciclo de aprendizagem experiencial sejam contempladas, de modo que a

realização do curso efetivamente permite a aquisição de aprendizados e o

desenvolvimento pessoal dos educandos.

Uma das principais contribuições desta pesquisa é evidenciar o potencial da

educação experiencial pela aventura em facilitar o desenvolvimento da resiliência dos

educandos. Tavares (2002) aponta que a sociedade atual demanda que os indivíduos

saibam lidar com os riscos e eventos estressores, de modo que os sistemas de Educação

devem ser responsáveis não apenas pela promoção da cidadania, mas pela facilitação do

desenvolvimento de mecanismos que favoreçam a capacidade de resiliência dos

educandos. Por conseguinte, é necessário que os métodos, os meios, os conteúdos e os

processos de ensino-aprendizagem possuam uma dinâmica de ensino-aprendizagem

dialética, desafiadora, inovadora e que permita aos educandos serem atores do processo

de aprendizagem e vivenciarem situações reais, do mundo e da vida como o são. Os

dados obtidos nesta pesquisa evidenciam que o método pedagógico da educação

experiencial pela aventura possui todas as características mencionadas pelo referido

autor e, por conseguinte, é capaz de instrumentalizar os educandos a lidarem com os

riscos de modo mais dinâmico e positivo.

Partindo do princípio que a escola é um dos tutores da resiliência mais

importantes e potentes da sociedade, por possibilitar aos educadores um

143

acompanhamento diário e longitudinal das fases do desenvolvimento humano dos

educandos (ASSIS, PESCE e AVANCI, 2006), alguns países como a Austrália, os

Estados Unidos e o Canadá, adotaram a educação experiencial pela aventura como

método pedagógico integrado aos sistemas público e privado de Educação, objetivando

o desenvolvimento integral dos educandos e obtiveram resultados extremamente

benéficos aos âmbitos da Educação e da Saúde (DINSMORE, 2004). Logo, acreditamos

que a adoção do presente método pedagógico pelos sistemas de Educação,

principalmente por países com alto índice de populações em risco psicossocial, como o

é o Brasil, é uma alternativa viável e eficaz à promoção da educação, da saúde, do

desenvolvimento humano e do aprimoramento da capacidade de resiliência dos

educandos.

Além do mais, o Brasil é um país privilegiado para o desenvolvimento de

programas de educação experiencial pela aventura, pois possui uma vasta área de

ambientes naturais. E, na medida em que a educação experiencial é eficaz em

desenvolver valores ambientais em seus educandos, através da intensa interação com a

natureza e das práticas de mínimo impacto, além do desenvolvimento integral dos

educandos, incluindo o desenvolvimento de fatores internos de enfrentamento de

adversidades, este método pedagógico tem muito a contribuir à educação ambiental, tão

necessária à sustentabilidade do meio ambiente em nosso país.

144

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de resiliência não existe sem os fatores de risco. Afinal, os fatores de

proteção não possuem efeito na ausência dos fatores de risco, visto que o que o papel

dos fatores de proteção é amenizar conseqüências negativas das situações adversas.

Portanto, é justamente o enfrentamento do estímulo estressor que faz com que os

indivíduos possam desenvolver e mobilizar fatores internos e externos de proteção

(YUNES; SZYMANSKY, 2002). As experiências possibilitadas pelo método

pedagógico da educação experiencial pela aventura na natureza possibilitam aos

educandos o enfrentamento de desafios físicos, ambientais, cognitivos, psíquicos e

sociais em meio à natureza. Neste contexto, os educandos abandonam temporariamente

sua zona de conforto socioambiental para ingressar, deliberadamente, em uma aventura

na qual enfrentarão adversidades inerentes ao ambiente natural, bem como dificuldades

físicas e emocionais, decorrentes da grande demanda de esforço físico, do intenso

contato com uma nova rede social e com o próprio mundo interno.

Logo, o contexto de desafios propiciados pela educação experiencial pela aventura

em ambientes naturais oferece aos educandos um simulacro das adversidades

vivenciadas ao longo do desenvolvimento humano. E, desde que as experiências

propostas sejam, concomitantemente, desafiadoras e transponíveis, este método

pedagógico oferece aos educandos uma oportunidade de realizar um treinamento seguro

de enfrentamento de riscos, que favorece a mobilização, o aprimoramento e o

desenvolvimento de fatores internos e externos de proteção, capacitando os indivíduos a

lidarem de modo mais resistente e construtivo com as adversidades da vida.

Os dados coletados pela presente pesquisa evidenciam o potencial da educação

experiencial pela aventura em ambientes naturais, em facilitar o processo de ensino-

aprendizagem, o desenvolvimento integral e o aprimoramento da capacidade de

resiliência dos educandos, na medida em que este método pedagógico lhes possibilita a

oportunidade de vivenciar experiências reais, significativas, positivas e bem sucedidas

de superação das adversidades.

Porém, para que este potencial efetivamente se concretize, a educação

experiencial pela aventura deve propiciar aos educandos a vivência de experiências

significativas e desafiadoras, que possam despertar a ânsia pelo aprendizado e eliciar

145

uma transformação pessoal; o contato com fatores de risco, para que a demanda de

superação destes possa favorecer a mobilização e o desenvolvimento de recursos de

enfrentamento; a resolução de desafios graduais, progressivos, tangíveis e proporcionais

aos seus recursos internos de enfrentamento e externos de proteção. Em síntese, a

quantidade e, principalmente, a qualidade dos fatores de proteção disponíveis aos

educandos devem sobrepor a dos fatores de risco enfrentados, para que haja um

contexto desafiador, transformador, sem, no entanto, que a segurança física e emocional

dos educandos, necessárias ao aprendizado e ao desenvolvimento integral dos

indivíduos, sejam negligenciadas.

Neste ínterim, uma grande ênfase recai sobre um fator de proteção essencial no

contexto da educação experiencial pela aventura na natureza: os mediadores do

processo de ensino-aprendizagem, que devem estar devidamente capacitados para

coordenar atividades de aventura ao ar livre; atentar-se às necessidades, à capacidade e

aos recursos dos educandos para propor desafios progressivos, compatíveis, realistas e

tangíveis; mediar relações grupais em meio ao ambiente de recursos e de conforto

ínfimos, que o é a natureza; dominar técnicas de segurança outdoor; perceber, avaliar e

manejar os riscos ambientais; possuir capacidade didática e ética; propiciar experiências

educativas desafiadoras e, ao mesmo tempo, proteger a integridade física e psíquica dos

educandos; capacitar progressivamente os educandos para que possam se

responsabilizar pelo autocuidado, pelo cuidado grupal e pelo próprio aprendizado e

desenvolvimento pessoal; fornecer feedbacks coerentes com as experiências

vivenciadas; atuar como uma figura de apego seguro e, ao mesmo tempo, estimular a

exploração do ambiente, a liberdade de escolha e atribuir autonomia aos educandos.

Nesta pesquisa, os instrutores atuaram como um importante fator de proteção

justamente por estarem capacitados a realizarem todas as exigências acima

mencionadas.

De acordo com a análise dos dados obtidos por esta pesquisa, verificamos que a

quantidade e a qualidade dos fatores de proteção disponíveis aos educandos, durante o

enfrentamento das dificuldades ao longo do FEAL, sobrepuseram os fatores de risco

atuantes neste contexto. De modo que os alunos tiveram a oportunidade de mobilizar,

desenvolver e aprimorar seus repertórios de recursos internos de enfrentamento de

adversidades. Dentre os fatores de proteção desenvolvidos através da realização do

FEAL estão: autoconhecimento; contato com os próprios limites, potencialidades e

146

recursos interiores; autoconfiança; capacidade de expressar sentimentos e opiniões

assertivamente; autocuidado e capacidade de zelar pela própria segurança; capacidade

de permitir-se ser cuidado; capacidade de zelar pelo outro e pelo meio ambiente;

valorização da rede de apoio social pessoal; autoestima; auto-eficácia; capacidade de

empregar recursos internos e externos no enfrentamento das adversidades; coragem para

enfrentar desafios e mudanças; capacidade de admitir, avaliar e manejar riscos;

capacidade de organizar-se, cooperar e resolver problemas em grupo; maturidade para a

tomada de decisões; capacidade de lidar com a alteridade; habilidades sociais que

favorecem o estabelecimento de uma rede de apoio social segura; capacidade de

estabelecer vínculos mais harmônicos; valorização da introspecção e percepção da

necessidade de autorreflexão e de autoconhecimento no cotidiano; habilidade de

liderança; bom humor e equilíbrio emocional ao enfrentar adversidades; autonomia e

capacidade de lidar com a própria liberdade de escolha; percepção da própria

capacidade de superação; percepção da importância do controle emocional durante as

situações adversas; capacidade de lidar com as dificuldades com mais serenidade e

sofrer menos por antecedência; maior aceitação da realidade e das adversidades

vivenciadas; capacidade de aprender com os próprios erros; capacidade de adaptação a

contextos que oferecem menos recursos; capacidade de lidar positivamente com a

ausência da zona de conforto; percepção da conseqüência das próprias ações;

autoconceito positivo; capacidade de superar adversidades; dentre outros.

Destacamos a relevância da educação experiencial pela aventura em ambientes

naturais ao campo da saúde mental e, mais especificamente, da psicologia do esporte.

Afinal, na medida em que os resultados encontrados por esta pesquisa apontam este

método pedagógico como ferramenta facilitadora do desenvolvimento da resiliência, seu

emprego em ações e programas de prevenção, promoção e reabilitação em saúde,

poderá beneficiar indivíduos e grupos, principalmente aqueles submetidos a riscos

psicossociais, potenciais ou reais. E, além disso, os programas norteados por esta

metodologia se apresentam à Psicologia do Esporte como uma alternativa saudável e

edificante de lazer e de prática de tempo livre: a prática de AFAN como fim e como

meio de desenvolvimento físico, motor, cognitivo, pessoal, emocional e social.

Os dados obtidos por esta pesquisa são extremamente ricos e comprovam a

hipótese inicial que motivou sua realização: efetivamente há uma relação positiva entre

o método pedagógico da educação experiencial pela aventura em ambientes naturais e o

147

desenvolvimento de fatores de proteção em seus educandos. Porém, para compreender

como o aprimoramento dos recursos de enfrentamento dos educandos através deste

método se traduz em maior capacidade de resiliência, faz-se necessário que novas

pesquisas investiguem, em caráter longitudinal, a relação entre a educação experiencial

pela aventura na natureza e o processo de resiliência.

Esperamos que esta pesquisa possa motivar não apenas novas investigação

científicas acerca desta temática, mas também o desenvolvimento e a implementação de

programas educativos que utilizem o método da educação experiencial pela aventura

como uma ferramenta de desenvolvimento humano, de promoção da saúde integral dos

indivíduos e do aprimoramento da capacidade de enfrentarem riscos e lidarem com as

adversidades de modo mais adaptativo e construtivo.

148

5. REFERÊNCIAS

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152

6. ANEXOS

6.1. ANEXO I: ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADO COM OS

ALUNOS DO FEAL

Dados Pessoais:

- Nome

- Idade

- Sexo

- Profissão

- Estado Civil

- Número de Filhos

- Cidade Natal e Cidade de Residência

1. O que motivou sua participação no FEAL?

2. Você teve alguma experiência anterior ao FEAL, com expedições ou esportes na

natureza?

3. Quais eram suas expectativas na realização do FEAL? Elas foram atingidas?

4. Como foi para você participar do FEAL?

5. Que tipo de atividade física / esportiva você realizou durante o FEAL?

6. Como você avalia o FEAL em termos de relacionamento interpessoal?

7. Como você avalia a atuação dos instrutores?

8. Como foi para você vivenciar a atividade solo?

9. Como foi para você vivenciar a expedição final?

10. Você encontrou alguma (s) dificuldade (s) na realização do FEAL? .

11. Em algum instante do FEAL você se sentiu em perigo físico ou psicológico?

12. Nos momentos de dificuldade, quais foram os fatores que te ajudaram a enfrentá-

las?

13. Em algum momento você pensou em desistir da expedição? Por quê?

153

14. Quais recursos e habilidades você considera importantes aos participantes do

FEAL?

15. Como você avalia o FEAL em termos de aprendizagem pessoal?

16. Você considera que a participação no FEAL contribuiu para despertar em você

alguma nova habilidade ou para desenvolver alguma habilidade que você já possuía?

17. Você considera que a experiência do FEAL poderá influenciar o seu cotidiano?

18. Para finalizar a entrevista, você teria algo a acrescentar?

154

6.2. ANEXO II: ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADO COM OS

INSTRUTORES DO FEAL

Dados Pessoais:

- Nome

- Idade

- Sexo

- Profissão

- Estado Civil

- Número de Filhos

- Cidade Natal e Cidade de Residência

1. Há quanto tempo você atua como instrutor da OBB? E do FEAL?

2. O que motivou seu engajamento nesse tipo de atividade?

3. Quais os objetivos do FEAL?

4. Qual o papel dos instrutores no FEAL?

5. Que tipo de aprendizado o método pedagógico utilizado pelo FEAL pretende

propiciar aos seus participantes?

6. Quais recursos e habilidades pessoais você considera importantes aos

participantes do FEAL?

7. Qual a relevância da aprendizagem de técnicas de montanhismo durante a

expedição?

8. Você considera que o FEAL apresenta alguma dificuldade aos seus

participantes?

9. Você considera que há algo que favoreça ou dificulte o enfrentamento de

eventuais adversidades durante a expedição?

10. Como você lida com eventuais dificuldades dos alunos durante a expedição?

11. Você acredita que em algum momento do FEAL algum aluno se sentiu em

perigo?

12. Esta edição do FEAL contou com atividade solo e expedição final? Como o

grupo de alunos lidou com tais experiências?

155

13. Como você avalia o desempenho deste grupo de participantes deste FEAL?

14. Você considera que o FEAL contribui para o desenvolvimento pessoal dos

alunos?

15. Você acredita que os ensinamentos do FEAL podem ser aplicados no cotidiano

dos alunos?

16. Para finalizar a entrevista, você teria algo a acrescentar?

156

6.3. ANEXO III: QUESTIONÁRIO ONLINE APLICADO AOS ALUNOS DO

FEAL

1. Transcorrido seis meses da realização do FEAL, você considera que o curso

repercutiu em sua vida de alguma forma?

2. Você considera que foi possível transpor algum aprendizado adquirido no FEAL

para sua vida e seu cotidiano?

157

6.4. ANEXO IV: TERMO DE CONSENTIMENTO INSTITUCIONAL

1. Nome da Pesquisa: “RESILIÊNCIA E APRENDIZAGEM

EXPERENCIAL EM EXPEDIÇÕES NA NATUREZA”.

2. Justificativa e Objetivo geral: O presente estudo possui como objetivo investigar a

resiliência no contexto de um curso de Formação de Educadores ao ar Livre da Outward

Bound Brasil, que utiliza como método pedagógico a Aprendizagem Experiencial em

Expedições na Natureza.

3. Procedimentos: Os sujeitos do presente estudo serão os participantes e instrutores do

Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre – FEAL, da Outward Bound Brasil. A

coleta de dados será realizada em duas etapas. A primeira consistirá em uma entrevista

presencial semi-estruturada, a ser realizada com os participantes e instrutores do FEAL,

no último dia da expedição do presente curso, na Serra do Cipó - MG. As entrevistas

serão gravadas em áudio, se cada sujeito assim o permitir. Os sujeitos terão acesso ao

conteúdo de suas respectivas entrevistas a qualquer momento que o desejarem. A

segunda etapa da coleta de dados será realizada dois meses após o FEAL, no formato de

um questionário online, a ser enviado via e-mail aos participantes que responderem à

primeira etapa da coleta de dados. Vale ressaltar que a primeira etapa da coleta de dados

terá como sujeitos os alunos e instrutores do FEAL, enquanto da segunda etapa,

participarão apenas os alunos do FEAL. Ademais, é imprescindível ressaltar direito dos

sujeitos à confidencialidade em ambas as etapas deste estudo.

4. Garantia de acesso: Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais

responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O orientador da

presente pesquisa é a Profa. Dra. Simone Meyer Sanches, que pode ser encontrada no

endereço Av. Comendador Enzo Ferrari, 280 – Swift – Campinas - SP, telefone (19)

3776-4000. Do mesmo modo, a orientanda da presente pesquisa pode ser encontrada no

endereço Rua Joaquim Rodrigues de Oliveira, 1165 – Vila Cláudia – Limeira – SP,

telefone (019) 82001888, e-mail: [email protected].

5. Garantia de saída: É garantida a liberdade da retirada de seu consentimento a

qualquer momento, deixando de participar deste estudo, sem qualquer prejuízo;

6. Direito de confidencialidade: Em todas as etapas deste estudo, Será preservada sua

identidade, assim como a identidade de todas as pessoas por você referidas

158

Eu,______________________, responsável pela instituição

________________________ acredito ter sido suficientemente informado a respeito do

que li ou do que foi lido para mim, descrevendo o estudo: ”Resiliência e Aprendizagem

Experiencial em Expedições na Natureza”.

Concordo voluntariamente em participar deste estudo, sabendo que poderei retirar o

meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante a realização do mesmo, sem

penalidades ou prejuízos.

__________________ - __________________ - _______________ - ___ / ___ / 2011

Nome do participante Assinatura Local Data

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e

Esclarecido deste sujeito para a participação.

_________________ - ___________________ - _______________ - ___ / ___ / 2011

Nome do pesquisador Assinatura Local Data

159

6.5. ANEXO V: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

1. Nome da Pesquisa: “RESILIÊNCIA E APRENDIZAGEM EXPERENCIAL EM

EXPEDIÇÕES NA NATUREZA”.

2. Justificativa e Objetivo geral: O presente estudo possui como objetivo investigar a

resiliência no contexto de um curso de Formação de Educadores ao ar Livre da Outward

Bound Brasil, que utiliza como método pedagógico a Aprendizagem Experiencial em

Expedições na Natureza.

3. Procedimentos: Os sujeitos do presente estudo serão os participantes e instrutores do

Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre – FEAL, da Outward Bound Brasil. A

coleta de dados será realizada em duas etapas. A primeira consistirá em uma entrevista

presencial semi-estruturada, a ser realizada com os participantes e instrutores do FEAL,

no último dia da expedição do presente curso, na Serra do Cipó - MG. As entrevistas

serão gravadas em áudio, se cada sujeito assim o permitir. Os sujeitos terão acesso ao

conteúdo de suas respectivas entrevistas a qualquer momento que o desejarem. A

segunda etapa da coleta de dados será realizada dois meses após o FEAL, no formato de

um questionário online, a ser enviado via e-mail aos participantes que responderem à

primeira etapa da coleta de dados. Vale ressaltar que a primeira etapa da coleta de dados

terá como sujeitos os alunos e instrutores do FEAL, enquanto da segunda etapa,

participarão apenas os alunos do FEAL. Ademais, é imprescindível ressaltar direito dos

sujeitos à confidencialidade em ambas as etapas deste estudo.

4. Garantia de acesso: Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais

responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O orientador da

presente pesquisa é a Profa. Dra. Simone Meyer Sanches, que pode ser encontrada no

endereço Av. Comendador Enzo Ferrari, 280 – Swift – Campinas - SP, telefone (19)

3776-4000. Do mesmo modo, a orientanda da presente pesquisa pode ser encontrada no

endereço Rua Joaquim Rodrigues de Oliveira, 1165 – Vila Cláudia – Limeira – SP,

telefone (019) 82001888, e-mail: [email protected].

5. Garantia de saída: É garantida a liberdade da retirada de seu consentimento a

qualquer momento, deixando de participar deste estudo, sem qualquer prejuízo;

6. Direito de confidencialidade: Em todas as etapas deste estudo, Será preservada sua

identidade, assim como a identidade de todas as pessoas por você referidas.

160

Eu, _____________________________________________________, acredito ter sido

suficientemente informado a respeito do que li ou do que foi lido para mim,

descrevendo o estudo: ”Resiliência e Aprendizagem Experiencial em Expedições na

Natureza”.

Concordo voluntariamente em participar deste estudo, sabendo que poderei retirar o

meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante a realização do mesmo, sem

penalidades ou prejuízos.

______________ - ____________________ - _______________ - ___ / ___ / 2011

Nome do participante Assinatura Local Data

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e

Esclarecido deste sujeito para a participação.

__________________ - ___________________ - _______________ - ___ / ___ / 2011

Nome do pesquisador Assinatura Local Data