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MARIANA BARRETO SIMAS
AS REPRESENTAÇÕES DE LEITOR EM ATIVIDADES
DIDÁTICAS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
São João del-Rei
2015
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MARIANA BARRETO SIMAS
AS REPRESENTAÇÕES DE LEITOR EM ATIVIDADES DIDÁTICAS: UMA
ANÁLISE DISCURSIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Letras da
Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Letras.
Área de concentração: Teoria Literária e Crítica da Cultura
Linha de Pesquisa: Discurso e Representação Social
Orientador: Prof. Dr. Edmundo Narracci Gasparini
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS:
TEORIA LITERÁRIA E CRÍTICA DA CULTURA
São João del-Rei
2015
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MARIANA BARRETO SIMAS
AS REPRESENTAÇÕES DE LEITOR EM ATIVIDADES DIDÁTICAS: UMA
ANÁLISE DISCURSIVA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Edmundo Narracci Gasparini – UFSJ (Orientador)
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Ernesto Sérgio Bertoldo – UFU
__________________________________________________________________________
Profa. Dra. Bruna Sola da Silva Ramos – UFSJ
__________________________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Marcio do Carmo – UFSJ (SUPLENTE)
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS: TEORIA LITERÁRIA E
CRÍTICA DA CULTURA MESTRADO EM LETRAS
2015
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DEDICATÓRIA
Para a minha mãe, e em memória de meu pai, que sempre acreditaram
e continuam acreditando em mim.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador Prof. Dr. Edmundo Narracci Gasparini, pela paciência, compreensão e
atenção durante a realização deste trabalho.
À Prof. Dra. Dylia Lysardo-Dias pela maestria na condução de suas aulas que tanto me
ajudaram a entender conceitos essenciais ao meu trabalho.
Aos demais professores do Mestrado em Letras da UFSJ, que, com profissionalismo ajudaram
a mim e aos demais mestrandos a ampliar nossos conhecimentos.
Ao Prof. Dr. Écio Antônio Portes pelas palavras encorajadoras durante nossos breves
encontros pela UFSJ, e por ter me apresentado durante a minha graduação em Pedagogia os
Aparelhos Ideológicos de Estado.
Aos meus professores da Pedagogia da UFSJ, com quem iniciei minha trajetória acadêmica
em 2006.
À Carolina Bassi, amiga muito querida, pelos conselhos e incentivos.
Aos meus colegas e amigos de pós-graduação, especialmente: Jaqueline Félix, José Elenito
Morais e ao Thiago de Paula, com quem pude trocar ideias e dúvidas. Amizades adquiridas
nesta caminhada e que sempre farão parte da minha história.
À Karina Vale pela atenção e presteza por esclarecer minhas dúvidas sobre os prazos e
regulamentos do Programa de Mestrado.
Ao PIBID Letras/Inglês pela receptividade durante a realização do meu estágio em docência.
Muito obrigada aos bolsistas pela convivência e pelas discussões sobre livro didático.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de
mestrado concedida para a realização desta pesquisa.
A Deus pela coragem e determinação por chegar ao fim desta etapa
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RESUMO
Amparada no arcabouço teórico da Análise do Discurso de linha francesa, esta
pesquisa tem como objetivo investigar as representações de leitor em atividades de leitura do
livro didático de língua portuguesa Português e Linguagens (2012), de William R. Cereja e
Thereza A. C. Magalhães, utilizado no 3º ano do ensino médio. Esta pesquisa pautou-se nas
seguintes questões: que imagem de leitor encontramos no livro Português e Linguagens? Que
sujeito é esse? Um sujeito que interpreta ou um reprodutor de modelos? Com base nessas
questões, e a partir do objetivo geral, que consiste em investigar as representações de leitor
presentes nas atividades de leitura deste manual, procuramos problematizar também o
discurso pedagógico, segundo Eni Orlandi. Optamos por trabalhar como o livro didático
justamente por ser um produto que deve ser compreendido como instrumento afetado e, ao
mesmo tempo, difusor de ideologias. O livro didático não pode ser entendido fora de seu
contexto social. Ele é, na verdade, um produto cultural produzido segundo as normas, a lógica
e as ideologias da sociedade em que está inserido. Para possibilitar esta discussão
consideramos o conceito de representação tal como proposto por Michel Pêcheux, ao definir o
discurso. Segundo Pêcheux em sua retomada do esquema “informacional” de Jakobson,
destinador e destinatário designam determinados lugares numa estrutura social que são
representados no discurso. A partir da análise proposta através de um gesto interpretativo,
observamos que a constituição das representações que identificamos no manual se dá na
heterogeneidade em que esse leitor é inscrito na materialidade linguística das atividades que
fundamentaram a nossa análise. Foi possível constatar que o leitor é representado como: a) a
do leitor que irá localizar o que a questão solicita no texto; b) o que deve responder às
questões a partir de respostas “já-dadas” no próprio enunciado; c) o leitor que deve seguir a
interpretação do autor; d) também identificamos algumas (poucas) atividades que convidam o
leitor a se manifestar e expor seu ponto de vista, e essa abertura à manifestação do leitor
acontece de duas maneiras: “discreta”, em que o leitor é convidado a interpretar, mas com um
direcionamento, é uma abertura que fica “a meio do caminho”, e a outra é uma abertura
“plena”, em que o leitor realmente é convidado a expor seu posicionamento; e) a do leitor que
tem como meta aprender literatura, gênero textual, e/ou gramática, o que resulta em um
apagamento do posicionamento do aluno/leitor enquanto um sujeito crítico; e, por fim f)
identificamos também algumas questões trazem uma imagem de leitor como um cidadão
engajado e comprometido com problemas e temas que afetam a sociedade. E, dentro dessa
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constituição heterogênea das representações de leitor, há uma contradição importante: aquela
entre o leitor silenciado e o leitor produtor de sentidos. Fundamentalmente é nessa
contradição – entre o silenciamento do leitor e a promoção do seu dizer – que as
representações se configuram no livro analisado.
PALAVRAS-CHAVE: LEITOR; DISCURSO; REPRESENTAÇÃO; LIVRO DIDÁTICO.
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ABSTRACT
Based upon French Discourse Analysis, this research has the objective of investigating
the representations of reader in reading activities in the textbook Português e Linguagens
(2012), by William R. Cereja and Thereza A. C. Magalhães, a textbook commonly used in 3°
ano at Ensino Médio. This research pursued the following questions: what images of reader
can be found in Português e Linguagens? What subject is this? A subject who interprets or
one who reproduces models? Based upon these questions, and taking into consideration the
general objective of the research, which is to investigate the representations of reader in the
reading activities of Português e Linguagens, we will also try to discuss the pedagogical
discourse as discussed by Eni Orlandi. We decided to work with a textbook because it is a
product that must be understood as an instrument which is affected by ideology and, at the
same time, diffuses ideologies. The textbook must not be understood out of its social context.
It is, in fact, a cultural element which is produced according to the norms, the implicit logic
and the ideologies of the society in which it is made. To make this discussion possible we took
into consideration the concept of representation as proposed by Michel Pêcheux, when the
concept of discourse is defined. According to Pêcheux’s discussion on the informational
scheme proposed by Roman Jakobson, producer and receptor correspond to positions in
society, positions which are represented in discourse. The analysis carried out here by means
of an interpretative gesture has shown that the representations identified are heterogeneously
constituted in the linguistic material of the activities which were analyzed. It was possible to
identify the following representations: a) the reader as the one who must identify what the
activity asks him/her to identify; b) the reader as the one who must answer questions which
were already answered in the utterances that constitute the reading activitiy; c) the reader as
the one who must follow the author’s interpretation; d) the reader as the one who states
his/her point of view, be it in a ‘directed way’ (more explicitly directed by the activity) or in
an ‘undirected way’ (thus giving the reader a chance to really interpret the text); e) the reader
as the one who must learn literature, genres or grammar, which results in a silencing of his/her
interpretation as a critical subject; f) last, the reader as a participative citizen, commited to the
problems and themes which affect society. Within this heterogeneous constitution of the
representations of reader, we identified an important contradiction between the silenced
reader and the reader who interprets. It is basically within this contradiction – between
silencing of the reader and promotion of his/her interpretation – that the representations of
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reader are constituted in the textbook which was analyzed.
KEYWORDS: READER; DISCOURSE; REPRESENTATION; TEXTBOOK.
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Esquema “informacional” ................................................................................ 27
FIGURA 2: Esquema que constitui o DP ............................................................................. 32
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SIGLAS USADAS
AD (ADF) – Análise do discurso de linha francesa
CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático
COLTED – Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
DP – Discurso Pedagógico
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FAE – Função de Assistência ao Estudante
FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FENAME – Fundação Nacional do Material Escolar
LD – Livro didático
MEC – Ministério da Educação
MST – Movimento dos Sem Terras
PCNS – Parâmetros Curriculares Nacionais
PLD – Programa do Livro Didático
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio
WWF – World Wide Found for Nature
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 – DISCURSO: UM OLHAR SOBRE A AD FRANCESA ......................... 18
1.1 Michel Pêcheux e a Análise do Discurso........................................................................ 18
1.2 Entendendo os sujeitos e os sentidos do discurso........................................................... 21
1.2.1 Sujeito e ideologia ................................................................................................... 21
1.2.2 Sujeito e sentido e suas relações com a formação discursiva .................................. 24
1.3 Representações sociais ................................................................................................... 26
1.3.1 Representação: situando alguns conceitos ............................................................... 26
1.4 Discurso Pedagógico: o “dizer” institucionalizado ........................................................ 31
CAPÍTULO 2 – LIVRO DIDÁTICO, LEITURA E REPRESENTAÇÕES DE LEITOR:
ALGUNS APONTAMENTOS ............................................................................................... 35
2.1 Currículo e a cultura escolar ........................................................................................... 36
2.1.1 Cultura, educação e cultura escolar: onde está o currículo nesta relação? .............. 36
2.1.2 Currículo e ideologia ............................................................................................... 39
2.2 Livro didático ................................................................................................................. 41
2.2.1 Livro didático como objeto de investigação ............................................................ 41
2.2.2 O livro didático ontem e hoje no Brasil: um breve histórico................................... 43
2.3 Leitura e a Análise do Discurso ...................................................................................... 46
2.3.1 Leitura e as condições de produção: algumas considerações discursivas ............... 46
2.3.2 A paráfrase e a polissemia da leitura ....................................................................... 51
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DE LEITOR .............................. 54
3.1 Algumas considerações metodológicas .......................................................................... 55
3.2 Português e Linguagens: apresentando o corpus e suas leituras .................................... 57
3.3 Português e Linguagens: análise das atividades ............................................................ 59
3.4 As representações de leitor: a heterogeneidade entre o mesmo, uma (discreta) tentativa
de ruptura e as “vozes” do LD .............................................................................................. 99
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 111
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INTRODUÇÃO
[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção.
Paulo Freire
O presente trabalho pretende discutir as representações de leitor no livro didático
Português e Linguagens, elaborado por William Roberto Cereja e Theresa Cochar Magalhães
(2012). Nosso objetivo, então, é identificar que leitor é esse, inscrito em algumas atividades
de leitura desse manual, atentando, também, para o fato de como o discurso pedagógico (DP)
opera na estrutura enunciativa das atividades.
Para realizarmos esta pesquisa, tivemos como escopo teórico: a Análise do Discurso
(AD) de linha francesa a partir das formulações teóricas elaboradas por Pêcheux (1988, 1997,
2002) e Orlandi (1999, 2001, 2006); os conceitos de leitura e livros didáticos (LD) em
Coracini (1995, 1999, 2003); as noções de ideologia e aparelho ideológico de Estado
desenvolvidas por Althusser (1987); as noções de currículo a partir dos postulados de Silva
(1999) e Moreira e Silva (2006); e a noção de cultura conforme preconizada por Hall (2006),
entre outras formulações teóricas que serão importantes para a elaboração desta pesquisa.
Traremos, ainda, outros fundamentos complementares que endossarão o nosso trabalho, a fim
de construirmos uma reflexão acerca das representações de leitor, de modo que possamos
instaurar uma análise discursiva do manual didático selecionado.
Consideramos a AD como um campo privilegiado, porque, segundo essa perspectiva,
o discurso é a língua funcionando para a produção de sentidos. Para a AD, o discurso não é
apenas um meio de se comunicar ou informar, mas um efeito de sentidos entre destinador e
destinatário (PÊCHEUX, 1997). Quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar para outra
pessoa que também se encontra em outro lugar. Em Pêcheux (1997), esses lugares são
representados nos processos discursivos. Sobre isso, de acordo com Orlandi (2001, p. 26), “há
nos mecanismos de toda a formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre
as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso”.
Ao tomarmos as atividades de leitura do livro Português e Linguagens, de Cereja e
Magalhães (2012), como o material do qual foram feitos recortes para se compor o corpus,
partimos do pressuposto de que encontramos nesse manual representações de leitor, visto que
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entendemos o LD como um instrumento dotado de uma materialidade linguística que
comporta em sua constituição diferentes vozes, as quais se configuram em sua estrutura.
Afinal de contas, o LD é uma construção social e, como tal, ele pode ser considerado um
discurso afetado pela ideologia.
No entanto, do mesmo modo como estamos falando de representações de leitor,
acreditamos que é significativo, também, trazermos alguns apontamentos sobre a concepção
discursiva de leitura. Portanto, o que é leitura? Orlandi (2006, p. 41), em sua teorização sobre
a leitura, diz que “toda leitura tem sua história” e que todo leitor “tem suas histórias de
leituras”. Em outros termos, “há leituras e leitores do passado e há leituras e leitores do
presente”. Ou seja, dessa maneira, percebemos que há uma representação de leitor inscrita em
qualquer texto, seja em um texto do passado ou em um texto do presente. A partir disso,
perguntamos: que imagem de leitor encontramos nos LD atualmente? Que sujeito é esse? Um
sujeito opinativo e construtor de sentidos ou um reprodutor de modelos? De qualquer modo,
adiantamos o modo como estamos concebendo a imagem de leitor ali instaurada.
Acreditamos, juntamente com Orlandi (2006, p. 76), que as representações do sujeito em um
discurso podem ser assim definidas:
Não nos interessa, entretanto, falar das marcas que atestam essa inscrição do sujeito
– elas existem e são muitas –, mas do fato de que os diferentes modos pelos quais o
sujeito se inscreve no texto correspondem a diferentes representações que, por sua
vez, indicam as suas diferentes funções enunciativo-discursivas.
Por conseguinte, escolhemos realizar esta pesquisa sob a perspectiva discursiva, uma
vez que, no interior da teoria do discurso proposta por Pêcheux (1988), o discurso é um objeto
linguístico dotado de historicidade. Nesse sentido é que nos propomos a investigar as
representações de leitor que estão inscritas no LD elaborado por Cereja e Magalhães (2012).
Portanto, tendo a AD de linha francesa como base teórica, propomo-nos a identificar esse
leitor inscrito nas atividades do manual.
Dessa forma, é fundamental acrescentarmos que a leitura, principalmente a leitura
escolar, exclui das suas atribuições o fato de que o aluno interage com a língua de diversas
maneiras. As leituras não estão presentes só no espaço escolar. Elas estão em toda parte.
Assim, a relação do aluno com o mundo faz com que ele interaja com a língua de diferentes
modos. Sobre isso, Orlandi (2006, p. 39) complementa:
Caberia, pois a questão: qual é a imagem de leitor que a escola produz?
Como as representações são constitutivas da ação pedagógica, é preciso saber como
é representado esse aluno-leitor. Assim como se constrói uma ideia do que seja a
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legitimidade, há também a proposta de um leitor capaz dessa legitimidade, na
escola.
No nosso caso, interessamo-nos pela leitura tal como ela é difundida em âmbito
escolar, principalmente por meio dos LD, que pode ser considerado um instrumento de
legitimação. E, apesar do LD ser considerado um instrumento legitimador de leituras e
conhecimentos, ele é, como dito anteriormente, um “instrumento” usado por alguém em sala
de aula. Em última instância, a legitimação dos sentidos propostos pelo LD está na
dependência da forma pela qual ele é utilizado neste contexto. Contudo, tal utilização – em
grande parte determinada pela atuação do professor em sala de aula – não se constitui como
objeto de estudo desta pesquisa.
Como citado, as leituras diferem dependendo da época. Portanto, a leitura escolar de
hoje é diferente da leitura de outros tempos. Ainda assim, uma vez que tratamos da leitura no
âmbito do discurso, temos de considerar suas condições de produção. O que é lido, seus
elementos, o dito e o não dito devem ser relacionados aos sujeitos do discurso – autor e leitor
– e ao lugar que esses sujeitos ocupam na sociedade. Não devemos nos esquecer de que as
formações imaginárias regulam as condições de produção da leitura tanto do locutor em
relação à imagem de leitor que o texto traz consigo quanto do leitor propriamente dito em
relação ao autor e ao texto (ORLANDI, 2001).
A partir disso, é importante frisarmos que os LD e, como no caso do estudo que
propomos, as atividades de leitura neles presentes passam por transformações, refletindo a sua
época, a sociedade para qual se destinam e sua historicidade. O LD, com o passar do tempo,
assume novas configurações; ou seja, novas propostas de leitura. Vale lembrarmos, também,
que o LD tem o estatuto de facilitador da aprendizagem, trazendo os modelos a serem
seguidos pelo professor. Os alunos, por sua vez, assumem igualmente essa função de seguir
esses modelos já dados no processo de ensino. Nessa perspectiva, o LD se configura em um
dos principais fornecedores da leitura que circula nos espaços escolares. As aulas e as leituras
são orientadas e estabelecidas por aquilo que o LD traz, legitimando e autorizando os textos
aos quais os alunos têm acesso no espaço escolar (CORACINI, 1999a).
Desse modo, é relevante identificarmos qual (ou quais) representação(ões) de
aluno/leitor estão inscritas nos enunciados das atividades de leitura do manual que nos
propomos a investigar. Pensando nisso, fazemos aqui a suposição de que nos LD de língua
portuguesa há uma tendência à homogeneização das suas atividades. Esse caráter
homogeneizante, segundo Grigoletto (1999a, p. 68), pode ser entendido como um “efeito de
uniformização provocado nos alunos (todos são levados a fazer a mesma leitura, a chegar às
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mesmas conclusões, a reagir de uma única forma às propostas do manual)”. Tal perspectiva
vai de encontro à ideia do leitor como um executor de tarefas ao invés de um sujeito pensante
e opinativo. Com base nessa suposição esboçada e, a partir do objetivo geral, que consiste em
investigar as representações de leitor presentes nas atividades de leitura do livro Português e
Linguagens, de Cereja e Magalhães (2012), formulamos, também, os seguintes objetivos
específicos, que irão nortear a nossa investigação:
• identificar a maneira como as atividades de leitura presentes no livro Português e
Linguagens são apresentadas, observando o contexto textual e a sua disposição;
• analisar os modos de funcionamento discursivo das atividades de leitura;
• problematizar o DP e as representações de leitor presentes nessas atividades.
Em síntese: pretendemos, aqui, analisar as representações de leitor – construídas
no/pelo LD de língua portuguesa para o Ensino Médio Português e Linguagens, de Cereja e
Magalhães (2012) – e discutir suas implicações. Nesse sentido, optamos por trabalhar com o
LD justamente por este ser um produto que deve ser compreendido como instrumento afetado
e, ao mesmo tempo, difusor de ideologias. Contudo, o LD não pode ser entendido fora de seu
contexto sócio-histórico, pois ele é um artefato cultural, produzido segundo as regras e as
ideologias da sociedade na qual se insere. Entender o LD como um produto discursivo
significa compreendê-lo como uma forma de materialização ideológica.
É preciso frisar que, principalmente devido às limitações de tempo para a elaboração
de uma dissertação de mestrado, é inviável analisar todo o livro. Como as atividades de leitura
do livro Português e Linguagens podem ser consideradas uma das principais propostas, que,
de certa maneira, caracterizam o material, optamos por centrar a nossa análise em atividades
de leitura que trazem um ou mais textos escritos seguidos de questões. Acreditamos que,
mediante esse tipo de atividade, poderemos visualizar a maneira como o livro representa esse
leitor ao qual se direciona. Não incluímos nesta investigação atividades que não se destinam à
leitura; ou seja, não apresentam textos para serem lidos ou questões para estes. Outras
questões e procedimentos para a realização da análise serão explicitados com maior
detalhamento na metodologia1.
Para finalizarmos a introdução, descrevemos, agora, como se organiza este trabalho.
1 Os procedimentos metodológicos usados estão no Capítulo 3, no tópico Algumas considerações metodológicas.
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No primeiro capítulo – intitulado Discurso: um olhar sobre a AD francesa –, discutiremos,
como o título indica, a AD segundo Michel Pêcheux. Analisaremos nesse capítulo os
conceitos de sujeito, ideologia, formação discursiva, representação (formação imaginária) e
DP (segundo Eni Orlandi).
No capítulo 2, Livro Didático, leitura e representações de leitor: alguns
apontamentos, apresentaremos dois elementos que norteiam este trabalho: o LD e a leitura.
Primeiro, discorreremos a respeito da cultura escolar e do currículo, para, com isso,
introduzirmos a nossa discussão sobre o LD. Abordaremos nesse capítulo algumas questões
sobre os manuais didáticos e apresentaremos, também, um breve histórico do LD no cenário
brasileiro. E, fechando esse capítulo, destacaremos algumas considerações discursivas sobre a
leitura, tendo como escopo teórico as contribuições de Orlandi (2001, 2006), que possui uma
sólida bibliografia sobre a leitura como um processo discursivo.
Por fim, no capítulo 3, além de descrevermos o corpus, apresentaremos algumas
atividades de leitura a partir de alguns recortes extraídos do livro Português e Linguagens.
Procuraremos realizar nossa análise a partir de uma perspectiva discursiva, tendo como base o
gesto interpretativo (o olhar da pesquisadora) direcionado às atividades selecionadas.
Na sequência, apresentaremos as considerações finais, quando buscaremos recapitular
e discutir sobre as representações de leitor que identificamos. Por fim, traremos as referências
bibliográficas que foram utilizadas na redação deste trabalho.
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CAPÍTULO 1
DISCURSO: UM OLHAR SOBRE A AD FRANCESA
Neste capítulo, apresentaremos as bases teóricas que mobilizamos nesta pesquisa. Para
isso, organizamos quatro grandes seções, que, em alguns casos, se subdividem em subseções.
Na seção 1.1, pontuamos a AD de linha francesa conforme proposto por Pêcheux (1988,
1997).
Na seção 1.2, a partir de Pêcheux (1988, 1997) e Pêcheux e Fuchs (1997),
apresentaremos algumas reflexões sobre a relação do sujeito com o sentido. Em seguida, na
seção 1.3, discorreremos sobre a noção de representação social. Para entendermos o conceito
de representação sob a ótica discursiva, apoiar-nos-emos em Pêcheux (1997), que associa esse
conceito às formações imaginárias. O esquema informacional de Jakobson (1963) foi a base
para que esse autor apresentasse as representações dos sujeitos (destinador e destinatário) em
um discurso.
Por fim, na seção 1.4, discorreremos sobre a ideia de DP, conforme proposta por
Orlandi (2001), que elaborou esse conceito a partir das formações imaginárias de Pêcheux
(1997). Abordaremos, ainda, algumas características do DP, que nos ajudarão a entender as
representações de leitor e leitura no livro Português e Linguagens.
1.1 Michel Pêcheux e a Análise do Discurso
Na década de 1960, se desenvolveu um novo campo teórico de investigação formulado
por Michel Pêcheux: a Análise do Discurso de linha francesa. Para a AD, a linguagem não é
dotada de transparência e homogeneidade. Ela é opaca e apresenta sentidos múltiplos e
heterogêneos. O objeto da AD é o discurso. Isto é, seu interesse é investigar a “língua
funcionando para a produção de sentidos” (ORLANDI, 1999, p. 17). A partir disso, a AD
identifica os sentidos produzidos em uma materialidade composta de significações. Assim,
essa disciplina de interpretação tem seu foco nos estudos sobre o funcionamento da língua nas
mais diferentes situações sociais.
Em todos os estudos, debates e discussões em torno da AD, lermos Pêcheux se
configura em algo fundamental, necessário e, ao mesmo tempo, em um desafio. Fundamental
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e necessário pela importância histórica, e por ser também um dos marcos, talvez o pontapé
inicial, no que se refere aos estudos discursivos. E, em contrapartida, um desafio, pelas
dificuldades de reconstruir com exatidão e clareza o legado deixado por esse filósofo. Cabe
destacarmos que vários pesquisadores e estudiosos em AD, como as pesquisadoras Denise
Maldidier e Eni Orlandi, não têm medido seus esforços para compreender, interpretar e
repassar as teorias de Pêcheux para os novos pesquisadores. Sobre isso, Coracini (2003)
afirma que, apesar da presença sólida e intensa de pesquisas sobre o legado desse filósofo,
estudiosos e analistas do discurso sempre encontrarão barreiras (subjetivas) ao interpretar os
textos pecheutianos.
Apesar do desafio e percalços encontrados diante da obra de Michel Pêcheux, neste
momento, temos como proposta trazer alguns pontos que nos parecem extremamente
relevantes sobre um conjunto de textos e publicações que se encontram em interminável
reconstrução. Portanto, para delinearmos alguns apontamentos teóricos da AD, elaborada por
Pêcheux (1988, 1997), objetivamos trazer algumas questões que nos parecem extremamente
relevantes sobre a AD de linha francesa.
Na AD, conforme proposta por Pêcheux, notamos que o legado de Freud, Marx e
Saussure seria o escopo teórico que sustentaria as suas formulações. Desse modo, entendemos
que Pêcheux (1997) concebe o discurso como um efeito de sentido entre os interlocutores.
Isso coloca em foco a questão de que o sentido não é uma construção estática e pronta. Os
dizeres sempre remetem a outros, e se desdobram, a partir da posição dos interlocutores e das
condições de produção.
Conforme já citado, as publicações de Saussure trouxeram contribuições importantes
para Pêcheux. Saussure, em suas teorizações, indicou as regras que regem o funcionamento e
a estrutura da língua, como sistema, procurando identificar o que está latente na fala dos
sujeitos. A língua e a fala são dois campos distintos: a língua se opõe à fala, pois ela é
constituída por um conjunto de combinações e substituições controladas por elementos
definidos; e a fala é variável, pois está submetida às idiossincrasias do indivíduo. A língua
está concretizada na e pela fala. Ou seja, separar a língua da fala é o mesmo que separar o que
é social do que é individual (PÊCHEUX, 1997). Nas palavras de Saussure (1974, p. 27),
temos:
Sem dúvida, esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam
mutuamente; a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os
seus efeitos; mas esta é necessária para que a língua se estabeleça; historicamente, o
fato da fala vem sempre antes. Como se imaginaria associar uma ideia a uma
imagem verbal se não se surpreendesse de início esta associação num ato de fala?
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Por outro lado, é ouvindo os outros que aprendemos a língua materna; ela se
deposita em nosso cérebro somente após inúmeras experiências. Enfim, é a fala que
faz evoluir a língua: são as impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam
nossos hábitos linguísticos. Existe, pois, interdependência da língua e da fala; aquela
é ao mesmo tempo o instrumento e o produto desta. Tudo isso, porém, não impede
que sejam duas coisas absolutamente distintas.
Tendo por base essa perspectiva, a língua deve ser pensada como um sistema.
Concomitante a isso, ela se consolida como um elemento que pode ter o seu funcionamento
descrito pela ciência. Então, a linguística, a partir de Saussure, não consiste em “procurar o
que cada parte significa, mas quais regras tornam possível qualquer parte, quer se realize ou
não” (PÊCHEUX, 1997, p. 62, grifo do autor).
A proposta de Saussure, conforme Pêcheux (1997), concebe a língua como um
sistema, e não como um meio de expressar sentidos. A atenção de Saussure é direcionada à
estrutura homogênea da língua, àquilo que é comum a todos os falantes, independente dos
sujeitos e das condições de produção.
A AD, para Pêcheux (1997), por sua vez, irá transformar essa relação de pensar as
questões da linguística, principalmente no que concerne à relação do sujeito com a língua.
Assim, sob a ótica de Pêcheux (1997), a língua não é apenas uma estrutura, mas um elemento
que está alocado na relação estabelecida entre a língua(gem) e a ideologia.
Percebemos que na AD a língua tem autonomia relativa2, atuando para transformar as
atividades humanas, no interior dos processos sociais e históricos. Dessa forma, Pêcheux e
Fuchs (1997, p. 163-164) elaboraram um quadro epistemológico que articula três regiões do
conhecimento científico, que “são, decerto modo, atravessadas e articuladas por uma teoria da
subjetividade (de natureza psicanalítica)”: a) o materialismo histórico como teoria das
formações sociais e suas transformações (como a estrutura ideológica relacionada ao modo
de produção que domina determinada formação social); b) a Lingüística como teoria dos
mecanismos sintáticos e dos processos de enunciação (é na materialidade linguística que se
realizam os efeitos de sentido); e c) a teoria do discurso como teoria da determinação histórica
dos processos semânticos (processos discursivos como fonte da produção dos efeitos de
sentido).
Ao constituir o discurso como seu objeto, a AD relaciona a língua à sua exterioridade.
2Quando falamos que a língua tem “autonomia relativa” significa afirmarmos que “a língua tem sua ordem
própria, mas só é relativamente autônoma” (PÊCHEUX, 1988, p. 91). Essa autonomia da língua significa que
seu funcionamento é produzido socialmente. Ela não é transparente e é atravessada pela incompletude. Daí,
decorre a necessidade de aspas, pontuação para administrar o dizer. Portanto, essa autonomia da língua diz
respeito aos processos morfológicos, sintáticos e fonológicos.
21
Isto é, é na historicidade que se constitui o sentido. Assim, a língua não deve ser encarada
apenas como um sistema abstrato ou um instrumento de comunicação, mas, principalmente,
como mediação necessária e relação constitutiva e transformadora entre o homem e as
realidades natural e social.
A língua é o elemento de mediação entre o homem e o mundo. Como forma de engajá-
lo na própria realidade, ela se configura no lugar de conflito, de confronto ideológico, não
podendo ser estudada fora das suas condições de produção (BRANDÃO, 1995). Para Pêcheux
(1988), os sentidos não se encontram nas palavras. Todavia são determinados pela ideologia.
Dessa maneira, os sentidos são determinados “pelas posições ideológicas que estão em jogo
no processo sócio-histórico, no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas
(isto é, reproduzidas)” (PÊCHEUX. 1988, p. 160).
Dessa forma, entendemos que a língua não se constitui apenas em um conjunto de
signos que tem como objetivo apenas a transmissão de informações. Segundo Brandão (1995), a
língua, como um discurso, é interação; é um modo de produção social. Como já citado
anteriormente, a língua não é transparente. Ela é opaca. Por isso, é um campo atravessado pela
ideologia.
1.2 Entendendo os sujeitos e os sentidos do discurso
1.2.1 Sujeito e ideologia
Em toda a obra de Pêcheux, ficam evidentes as alusões quanto ao trabalho de
Althusser (1987). Resgatando seu conceito de “aparelho ideológico3”, Pêcheux (1988, 1997) e
Pêcheux e Fuchs (1997) fixam e reformulam sua noção sobre o papel da ideologia na
elaboração de sua teoria do discurso. Desse modo, buscamos algumas considerações feitas por
Althusser, principalmente sobre a relação sujeito e ideologia, e analisamos como tais aspectos
são retomados por Pêcheux. Então, procuramos saber em que medida as ressignificações e os
deslocamentos conceituais são feitos no campo teórico da AD no que se refere às reflexões de
Louis Althusser.
3Louis Althusser, em seu ensaio Aparelhos Ideológicos de Estado,define, como aparelho ideológico, as diferentes
instituições vinculadas ao Estado, que têm como função repassar de modo inconsistente a ideologia dominante.
Então, religião, escola, família, sindicato, imprensa, meios culturais etc. exercem esse papel de aparelho
ideológico, garantindo a reprodução das relações de produção.
22
De acordo com Althusser (1987), a ideologia é uma representação da relação
imaginária dos sujeitos com suas condições de existência. Na perspectiva althusseriana, a
ideologia não atua apenas nas representações dos sujeitos em relação ao seu papel social, mas
também nas construções linguísticas direcionadas e produzidas por ele. Tal condição é
demonstrada pelo autor mediante duas teses simultâneas – “só há prática através de e sob uma
ideologia” e “só há ideologia pelo sujeito e para o sujeito” –, as quais levam à formulação
central: “a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos” (ALTHUSSER, 1987, p. 93).
Com isso, entendemos que a ideologia existe para os sujeitos concretos. Sobre essa
“interpelação ideológica”, Althusser (1987, p. 93-94, grifos do autor) complementa:
Dizemos: a categoria de sujeito é constitutiva de toda a ideologia, mas, ao mesmo
tempo, e imediatamente, – acrescentamos que a categoria de sujeito não é
constitutiva de toda a ideologia, uma vez que toda ideologia tem por função (é o que
a define) ‘constituir’ indivíduos concretos em sujeitos. É neste jogo de dupla
constituição que se localiza o funcionamento de toda a ideologia, não sendo a
ideologia mais do que o seu funcionamento nas formas materiais de existência deste
mesmo funcionamento.
É pertinente destacarmos que a ideologia não é uma condição externa, que se coloca
entre o sujeito e a realidade e a distorce, criando um mundo imaginário. A ideologia é uma
construção inerente a todos, comum aos diferentes sujeitos, os quais, por estarem
interpelados, imaginam que as condições sociais vivenciadas lhes foram “naturalmente”
dadas. A “interpelação ideológica”, como proposta por Althusser (1987), produz duas
evidências: o sujeito, que, sob o efeito da ideologia, vive a ilusão da liberdade e da autonomia;
e, também, o sentido, sendo que a “aparente” transparência da linguagem é devida à
intervenção da ideologia na língua e nas palavras.
[...] sujeito é uma ‘evidência’ primeira (as evidências são sempre primeiras): está
claro que vocês, como eu, somos sujeitos (livres, morais etc.). Como todas as
evidências, inclusive as que fazem com que uma palavra ‘designe uma coisa’ ou
‘possua um significado’ (portanto, inclusive, as evidências da ‘transparência’ da
linguagem), a evidência de que você e eu somos sujeitos – e até aí não há problema
– é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar (ALTHUSSER, 1987, p. 94).
A ideologia sustenta essas “evidências” de maneira discreta e sutil, pois elas se
impõem aos homens à sua revelia. “A ideologia é, então, a expressão da relação dos homens
com seu ‘mundo’” (ALTHUSSER, 1979, p. 207). A ideologia, para Althusser, não seria
apenas um sistema de representações imaginárias, mas a “ideologia dominante”, que consiste
em um poder organizado que age por intermédio das instituições. Dessa forma, a ideologia
corresponde à “uma ‘representação’ da relação imaginária dos indivíduos com suas condições
23
reais de existência” (ALTHUSSER, 1987, p. 85).
A partir disso, esse filósofo parte do pressuposto de que as ideologias têm uma
existência material. Isto é, as representações não são construções “idealizadas”, mas materiais.
Essa afirmação pode ser entendida como um artifício teórico de que ele fez uso para poder
justificar sua teoria sobre a condição material dos aparelhos ideológicos. A existência material
da ideologia diz respeito às práticas e aos rituais que se constituem nos aparelhos ideológicos
de Estado. Então, quando Althusser (1987, p. 92) aborda essas materialidades da ideologia4,
ele destaca que essas construções apresentam diferentes modalidades, dentre elas “um
discurso verbal interno (a consciência)” ou “um discurso verbal externo”, predizendo que
língua(gem) era uma das formas de realização da ideologia.
Essa tese foi reconsiderada no âmbito da AD quando relacionada às noções de
formação ideológica e formação discursiva, explicitadas por Pêcheux e Fuchs (1997) e
Pêcheux (1988). Pêcheux e Fuchs (1997, p. 166, grifo do autor) definem as formações
ideológicas como “um conjunto complexo de atitudes e representações que não são nem
‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de
classe em conflito umas com as outras”. As formações ideológicas comportam uma ou várias
formações discursivas e “interligadas que determinam o que pode e deve ser dito” (ibidem) a
partir de uma determinada posição e conjuntura. Em outros termos, é possível depreendermos
que toda formação discursiva deriva de determinadas condições de produção, específicas e
identificáveis:
O ponto da exterioridade relativa de uma formação ideológica em relação a uma
formação discursiva se traduz no próprio interior desta formação discursiva: ela
designa o efeito necessário de elementos ideológicos não discursivos
(representações, imagens ligadas à prática etc.) numa determinada formação
discursiva. Ou melhor, no próprio interior do discursivo ela provoca uma defasagem
que reflete esta exterioridade. Trata-se da defasagem entre uma e outra formação
discursiva, a primeira servindo de algum modo de matéria-prima representacional
para a segunda, como se a discursividade desta ‘matéria-prima’ se esvanecesse aos
olhos do sujeito falante (PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 168).
A lei constitutiva – “a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos” – elaborada por
Althusser é resgatada na AD de linha francesa por Pêcheux (1988, 1997) e Pêcheux e Fuchs
(1997). Desse modo, Pêcheux e Fuchs (1997), ao retomarem o conceito de “interpelação
4Althusser (1987, p. 92) cita diferentes modalidades da materialidade da ideologia: “a materialidade de um
deslocamento para a missa, de uma genuflexão, de um sinal da cruz ou de um mea culpa, de uma frase, de uma
oração, de uma contrição, de uma penitência, de um olhar, de um aperto de mão, de um discurso verbal interno
(a consciência) ou de um discurso verbal externo”. Ainda, comenta que deixará “em suspenso a teoria da
diferença das modalidades da materialidade” (ibidem) e que a ideologia se materializa no uso da linguagem.
24
ideológica”, afirmam que os indivíduos são interpelados em sujeitos falantes; ou seja, sujeitos
de seu discurso.
Conforme Pêcheux e Fuchs (1997), os aparelhos ideológicos de Estado são espaços
onde ocorre o embate entre classes sociais e também entre os posicionamentos políticos e
ideológicos. Tais elementos são colocados em questão nesse embate e se organizam em
“formações ideológicas”, as quais mantêm entre si relações de antagonismo, de aliança ou de
dominação. Portanto:
Somos levados, assim, a nos colocar a questão da relação entre ideologia e discurso.
Considerando o que precede, vê-se claramente que é impossível identificar ideologia
e discurso (o que seria uma concepção idealista da ideologia como esfera das ideias
e dos discursos), mas que se deve conceber o discursivo como um dos aspectos
materiais do que chamamos de materialidade ideológica (PÊCHEUX; FUCHS,
1997, p. 166).
A ideologia é materializada no discurso, sendo que as “formações ideológicas”
comportam “uma ou várias formações discursivas interligadas, que determinam o que pode e
deve ser dito” (PÊCHEUX, 1988, p. 160). Nessa relação, podemos dizer que a ideologia
fornece escopo para que as palavras e/ou enunciados queiram dizer o que dizem e,
concomitante a isso, para que também deixe implícita, sob a aparente transparência da
linguagem, a materialidade do sentido.
O sujeito está sempre imerso em uma determinada ideologia. Portanto, se a ideologia
faz dos indivíduos sujeitos, o indivíduo é sujeito de acordo com a conjuntura social de que
toma parte, e o seu discurso reflete o contexto sócio-histórico e ideológico de seu tempo,
desencadeado pelo conflito e pela luta de classes.
1.2.2 Sujeito e sentido e suas relações com a formação discursiva
A inter-relação entre formação ideológica e formação discursiva explicitada por
Pêcheux (1988) e Pêcheux e Fuchs (1997) demonstra o modo como a ideologia fundamenta e
se manifesta no discurso; principalmente, indica que todo discurso se insere em alguma
formação discursiva, que pertence a uma formação ideológica. Em outras palavras, é possível
afirmarmos que a formação discursiva materializa a ideologia presente nas formações sociais
e no modo como o indivíduo se relaciona com o mundo (PÊCHEUX; FUCHS, 1997).
Quando o sujeito fala, ele está delegando sentido às suas palavras em condições
específicas. No entanto, o modo como o sujeito atribui sentido traz a ilusão de que esse
25
sentido pertence à palavra, apagando suas condições de produção. A interpretação é entendida
como o resgate do sentido “já-lá”, sendo a ideologia uma instância que constitui o sentido na
relação do sujeito com o contexto sócio-histórico. O significante é desprendido de sentido: ele
assume um sentido na relação com outros significantes numa formação discursiva:
[...] na realidade, afirmamos que o ‘sentido’ de uma sequência só é materialmente
concebível na medida em que se concebe esta sequência como pertencente
necessariamente a esta ou àquela formação discursiva (o que explica, de passagem,
que ela possa ter vários sentidos). É este fato de toda sequência pertencer
necessariamente a uma formação discursiva para que seja ‘dotada de sentido’ que se
acha recalcado para o (ou pelo?) sujeito e recoberto para este último, pela ilusão de
estar na fonte do sentido, sob a forma da retomada pelo sujeito de um sentido
universal preexistente (isto explica, particularmente, o eterno par
individualidade/universalidade, característico da ilusão discursiva do sujeito)
(PÊCHEUX; FUCHS, 1997, p. 169, grifo do autor).
Pêcheux (1988) afirma que o lugar do sujeito é preenchido por aquilo que ele nomeia
como “forma-sujeito” ou sujeito do saber de uma determinada formação discursiva. A forma-
sujeito tende a “esquecer” os entrecruzamentos que compõem determinado discurso, tendo a
ilusão de que ele é um discurso “puro”, único e que não recebe influência de outras formações
discursivas; isto é, o “já-dito”.
Trata-se do “‘sempre já-aí’ da interpelação ideológica que fornece e impõe a
‘realidade’ e ‘seu sentido’ sob a forma da universalidade” (PÊCHEUX, 1988, p. 164), o que
corresponde ao pré-construído do discurso. Isso nos remete ao exemplo do Barão de
Münchhausen5 citado por Pêcheux (1988). Esse autor, ao se utilizar dessa personagem, critica
uma concepção que define o sujeito pelo sujeito, ou o sujeito constituído pelo próprio
indivíduo, sob o efeito do ideológico.
Tomando Pêcheux (1988) novamente como referência, é possível compreendermos,
então, que o discurso se origina na formação discursiva com a qual o sujeito se identifica. O
modo como o sujeito irá se relacionar com a formação discursiva diz respeito àquilo que pode
e deve ser dito, pois é preciso inscrever-se em uma formação discursiva para que seu dizer
tenha sentido. As palavras se relacionam com outras já ditas. E todo o discurso mantém uma
relação com outros já ditos, que estão presentes e os que estão abrigados na memória. O
indivíduo interpelado, em sujeito pelas formações discursivas (que representam na
materialidade linguística as formações ideológicas), manterá os processos discursivos, que
5Trata-se de um militar e senhor rural alemão, que, ao cair em um pântano, consegue se reerguer puxando os
próprios cabelos. Essa história faz parte do livro As aventuras do Barão de Münchhausen, publicado por
Rudolph Erich Raspe, na Inglaterra, no final do século XVIII. Michel Pêcheux, para exemplificar o sujeito em
Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio, toma como exemplo essa personagem.
26
consistem em um “sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias etc., que
funcionam entre elementos linguísticos –‘significantes’– em uma formação discursiva dada”
(PÊCHEUX, 1988, p. 161).
Na verdade, o sentido irá se constituir nas e por meio das formações discursivas. As
formações discursivas se constroem na contradição e na heterogeneidade e se configuram e
reconfiguram de maneira contínua nas relações que estabelecem com outras formações
discursivas. A relação de dependência entre formação discursiva e interdiscurso é, no entanto,
encoberta por intermédio da ilusão de que o sentido é transparente, o que atribui à forma-
sujeito uma característica que o constitui, a saber, o duplo esquecimento: esquecimento do
que designa o lugar que ele ocupa e esquecimento de que ele elege um dizer (e não outro), que
já é previsto no campo da formação discursiva considerada (esquecimento que lhe confere a
ideia de “liberdade” de que é origem de sua fala). Isso não quer dizer que os sentidos já são
predeterminados na fala do sujeito. Mas a ilusão da transparência do sentido reforça a noção
de que todo dizer tem sua origem no sujeito. Ele é o senhor de suas palavras, quando, na
verdade, o sujeito ocupa apenas uma posição, na qual lhe é permitido falar.
1.3 Representações sociais
1.3.1 Representação: situando alguns conceitos
A representação é um conceito que, dependendo da corrente teórica, pode abarcar
significados distintos. Recorrendo a Pêcheux (1997), e procurando elucidar a apropriação do
conceito de representação sob a ótica da AD de linha francesa, é possível percebermos que o
sujeito falante experimenta o lugar do seu ouvinte. Portanto, a partir da sua posição de
enunciador, “sua habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele
sabe prever, em tempo hábil, onde este ouvinte o ‘espera’” (PÊCHEUX, 1997, p. 77). Esta
ideia de se colocar no lugar do seu ouvinte com o intuito de entender o que ele pensa ou
espera faz parte da constituição do discurso.
Pêcheux (1997) afirma que não pretende apresentar em suas propostas uma sociologia
sobre a formulação de um discurso, mas definir determinadas proposições teóricas que
possibilitem pensar o discurso. Nessa perspectiva, Pêcheux direciona sua teoria discursiva
tendo como base os conceitos de “condição de produção” e “formação imaginária”. O
conceito de “condição de produção” implica três mecanismos: as “relações de forças”, que
27
consistem no espaço social ocupado pelo sujeito; as “relações de sentido”, que dizem respeito
aos discursos que remetem a outros discursos; e a noção de “antecipação”, que consiste na
habilidade do sujeito falante em idealizar (imaginar) seu interlocutor, sendo que essa
representação será um fator que determinará as condições de produção do seu discurso.
Em 1963, Jakobson elaborou um esquema em que um destinador A envia uma
mensagem a um destinatário B inserido em um determinado contexto (que também pode ser
definido segundo Jakobson como “referente”) (R), seja ele verbal ou não, e que constitui um
código linguístico (L) comum a ambas as partes. O estabelecimento da comunicação se dá por
meio de um canal físico ou uma conexão psicológica (D), configurando, desse modo, um
contato ( ), que permite estabelecer e manter a comunicação entre A e B. Tal esquema pode
ser exemplificado da seguinte maneira, de acordo com a Figura 1:
Figura 1: Esquema “informacional”
(L)
D
A ________________________________ B
R
Fonte: Jakobson (1963).
A (destinador) comunica uma mensagem a B (destinatário).
Dessa forma, temos, respectivamente:
A: “destinador”
B: “destinatário”
R: “referente”
(L): código linguístico
: contato
D: sequência verbal
A mensagem não se trata apenas de uma transmissão, mas sim de uma informação
enviada de A para B, que contém efeito de sentidos. Dessa forma, consideramos que A e B se
28
encontram em determinados lugares numa estrutura social e são representados no discurso,
estabelecendo, assim, o conceito de formações imaginárias. Esse esquema de comunicação
proposto por Jakobson foi a base para Pêcheux pensar as relações entre os sujeitos e o
discurso. Com base no entender de Pêcheux (1997), as formações imaginárias se manifestam
a partir das “representações” que o sujeito enunciador (A) tem do seu interlocutor (B),
definindo o discurso, que será direcionado ao seu ouvinte. A formação imaginária se dá em
ambos os sujeitos: destinador (A) e destinatário (B).
Em sua releitura do esquema informacional de Jakobson, Pêcheux propõe a
substituição do destinador e do destinatário por um dispositivo (conforme indicado na Figura
1), que se desdobra em representações imaginárias das posições do sujeito falante e do seu
interlocutor. Essas representações imaginárias no discurso encontram-se intrinsecamente
relacionadas às formações sociais e às relações de classe, como apresentadas pelo
materialismo histórico (PÊCHEUX; FUCHS, 1997). Não se trata apenas de uma transmissão
e apreensão de informação de um sujeito ao outro, como designado no clássico esquema de
Jakobson, mas de um processo discursivo, entendido como um ‘“efeito de sentidos’ entre os
pontos A e B” (PÊCHEUX, 1997, p.82).
Portanto, o conceito de “formação imaginária” não se apresenta com base em sujeitos
empíricos, mas sim apoiado nas posições representadas que esse sujeito ocupa nas relações
que estabelece e o lugar social que ocupa. As condições de produção determinam como um
discurso será pronunciado. A formação imaginária ocorre em ambos os sujeitos: o emissor
constrói uma representação do seu receptor, que, por sua vez, também formará determinada
imagem sobre o emissor. Assim, A (destinador) e B (destinatário) atribuem a si e ao outro suas
representações sobre o lugar que ocupam e o lugar do outro.
Para Pêcheux (1997, p. 82, grifo do autor), “esses lugares estão representados nos
processos discursivos em que são colocados em jogo”. Daí, é possível compreendermos que
um processo discursivo não se limita a ser apenas mera troca de informações entre A e B, mas
uma série de formações imaginárias que estabelecem o local que esses sujeitos atribuem a
cada um, a si e ao outro. A noção de discurso estabelecida entre A e B, de modo geral, reflete
um jogo de efeito de sentidos entre os sujeitos.
Desde sempre, fica claro que A e B não representam “a presença física de organismos
humanos individuais”, e sim lugares passíveis de uma descrição sociológica (o lugar do
patrão, do operário etc.), que se apresentam modificados em uma série de formações
imaginárias referentes à imagem que fazem do seu lugar e do lugar do outro, assim como do
referente (isto é, o contexto ou a circunstância em que tem lugar o discurso). Estabelecem-se,
29
desse modo, relações entre as situações (objetivamente definíveis e que acabam coincidindo
com a realidade física) e as posições (objetos imaginários, que são representações dessas
situações) segundo uma lógica específica.
Dessa maneira, o sentido não poderá ser situado na materialidade do significante, pois
se encontra antes, na dependência de uma formação discursiva; isto é, segundo a posição
ocupada pelo enunciador. A imagem ou representação influencia a construção de sentidos do
sujeito. Já as formações imaginárias correspondem a um elemento que está presente no modo
como um determinado discurso funciona e fazem parte das condições de produção do
discurso, remetendo, também, a uma formação discursiva.
Segundo Pêcheux (1997), as formações discursivas demonstram porque o sujeito pode
atribuir diferentes sentidos ao discurso. Se A está inserido em uma determinada formação
discursiva e B em outra formação discursiva, dessa forma, A atribuirá sentidos diferentes em
relação a B. Na visão de Pêcheux (1997), o discurso é exterior ao sujeito. Para que o que é
dito faça sentido, é preciso que o sujeito se inscreva no “já dito” de uma formação discursiva.
O sujeito possui uma memória discursiva que lhe permite estabelecer relações entre um
discurso e outro(s) discurso(s). Essa relação só é possível porque o sujeito traz consigo uma
memória discursiva.
Assim, os processos discursivos são caracterizados pela presença das formações
imaginárias que definem os lugares “que A e B se atribuem cada um a si e ao outro, a imagem
que eles se fazem de seu próprio lugar e do lugar do outro” (PÊCHEUX, 1997, p. 82, grifo do
autor). Conforme esse autor, todo processo discursivo supõe a existência das seguintes
formações imaginárias:
IA(A): Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em A - Quem sou eu para lhe falar
assim?
IA(B): Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em A - Quem é ele para que eu lhe fale
assim?
IB(B): Imagem do lugar de B para o sujeito colocado em B - Quem sou eu para que ele me
fale assim?
IB(A): Imagem do lugar de A para o sujeito colocado em B - Quem é ele para que me fale
assim?
Podemos concluir, com Pêcheux (1997, p. 84, grifo do autor), que um processo
30
discursivo supõe, “por parte do emissor, uma antecipação das representações do receptor,
sobre a qual se funda a estratégia do discurso”. Como se trata de antecipações, o que é dito
precede as eventuais respostas de B, que vão sancionar, ou não, as decisões antecipadas de A.
Essas antecipações são formadas pelo “já ouvido” e pelo “já dito”, que constituem a
substância das formações imaginárias enunciadas, como, por exemplo, os conceitos de
pressuposição e de implicação. Ela corresponde à imagem que os participantes (A e B) fazem
uns dos outros.
As formações imaginárias guiam e identificam as relações entre locutor e receptor,
sendo decisivas para o entendimento de um determinado processo discursivo. Como
mecanismos de funcionamento discursivo, não dizem respeito aos sujeitos físicos ou lugares
empíricos, mas às imagens resultantes de suas projeções (PÊCHEUX, 1997). Assim, segundo
Orlandi (2001), são esses mecanismos que fazem com que os discursos funcionem nesse jogo
de imagens. Desse modo, o que está presente não são os sujeitos físicos nem os lugares
empíricos que funcionam no discurso, mas as imagens que resultam de projeções mantidas
pelo contexto sócio-histórico.
Diante do que foi exposto, podemos situar as representações de leitor nas atividades de
leitura. Essas representações são estabelecidas tendo em mente uma “imagem” de leitor
representada e antecipada. Ou seja, temos uma representação “já-dada”, necessária a essa
prática discursiva. Nesse contexto, as representações de aluno/leitor e de todos os outros
sujeitos presentes no espaço escolar dizem respeito às imagens que fazem de si e do outro de
acordo com as regras sociais e discursivas que se configuram no interior da escola.
Por fim, as formações imaginárias fazem parte das condições de produção do DP, que
se configura em um elemento atuante no fazer educativo. Tal constatação evidencia que os
sentidos são produzidos a partir de um mecanismo imaginário, sendo esse fator determinante
para o funcionamento da língua(gem). Por isso e tendo como base o principal objetivo desta
pesquisa, em relação às representações de leitores presentes nas atividades didáticas, a seção
seguinte traz algumas importantes considerações sobre o DP, segundo Orlandi (2001), e,
principalmente, como tal elemento foi elaborado a partir das “formações imaginárias” de
Michel Pêcheux.
31
1.4 Discurso Pedagógico: o “dizer” institucionalizado
Procurando distinguir os diferentes modos de funcionamento do discurso, Orlandi
(1999, 2001) identificou três categorias que seriam descritas como “tipologias discursivas6”:
discursos lúdico, polêmico e autoritário. O critério utilizado pela autora para caracterizar essas
três tipologias diz respeito às condições de produção de um discurso e, também, à sua relação
com o modo de produção de sentidos com seus efeitos.
Desse modo, podemos caracterizar as três tipologias da seguinte maneira: a) discurso
lúdico – nesta tipologia, a polissemia é aberta; é aquela “em que o objeto7 se mantém presente
enquanto tal” (ORLANDI, 2001, p. 15) e os interlocutores se expõem aos efeitos dessa
presença, não regulando sua relação com os sentidos; b) discurso polêmico – a polissemia
aqui é controlada; os participantes não se expõem, mas, ao contrário, procuram controlar seu
referente, direcionando-o numa relação de disputa de sentidos; e c) discurso autoritário –
neste modelo, a polissemia é contida; o referente está apagado, oculto pelo dizer; não há
realmente um interlocutor; o sujeito falante nesta situação discursiva se coloca como agente
exclusivo (ORLANDI, 1999, 2001).
Dentre essas três tipologias, à qual mais nos atentaremos, a princípio, para este estudo,
será o discurso autoritário. Voltaremos nosso olhar com mais atenção para ele, porque, tendo
por base essa tipologia, Eni Orlandi irá conceber o DP. Nesse contexto, o DP será um dos
pontos importantes que irá nos ajudar a entender as representações de leitor no livro de Cereja
e Magalhães (2012).
Orlandi (2001), na obra A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso,
procura caracterizar o DP com o propósito de explorar as possibilidades e enquadramentos
que esse esquema permite. A partir do esquema a seguir, Orlandi (2001) representou o DP
utilizando o esquema “formações imaginárias”, tal como encontrado em Análise Automática
do Discurso (PÊCHEUX, 1997), conforme a Figura 2:
6Essas categorias de análise foram elaboradas por Eni Orlandi tomando como referência elementos que
constituem suas condições de produção de sentidos com seus efeitos. Essas tipologias (lúdico, polêmico e
autoritário) “procuram distinguir diferentes modos de funcionamento do discurso” (ORLANDI, 1999, p, 86) e a
forma como este se organiza para cumprir essas intenções.
7 Quando Orlandi (2001) utiliza o termo objeto, ela se refere ao discurso propriamente dito.
32
Figura 2: Esquema que constitui o DP
Imagem Inculca Imagem Imagem Escola
do do do
Professor (A) Referente Aluno (B)
Aparelho Metalinguagem Ideológico
(Ciência/Fato) (X)
(R)
Fonte: Orlandi (2001).
A Figura 2 pode ser representada da seguinte maneira: “A ensina R a B em X”
(ORLANDI, 2001, p. 16). Ainda segundo a autora, como discurso autoritário, o DP aparece
como o discurso do poder. Já o DP tem uma voz autos suficiente e inquestionável. Seu
posicionamento final culmina com o “esmagamento do outro”. Nesse sentido, poderíamos
dizer que “A ensina B = A influencia B” (ORLANDI, 2001, p. 16, grifo da autora).
Com base no entender de Orlandi (2001), ensinar, no DP, não se restringe a ser apenas
um meio de repassar informações ou explicar, mas, principalmente, inculcar. Para ela, os atos
de fala são regidos por determinadas regras. Por exemplo, ao se ordenar algo a alguém,
estabelece-se, assim, uma relação hierárquica: quem ordena (autoridade) e quem obedece.
Mediante algumas estratégias, é possível percebermos o autoritarismo do DP. As
questões adquirem uma forma imperativa; por exemplo, exercícios didáticos, provas etc.,
apresentando as seguintes formulações: “Responda”, “Copie”, “Transcreva”, “Justifique” etc.
Desse modo, identificamos a posição dominante do DP em relação aos alunos. Nessa
perspectiva, o professor é a autoridade na sala de aula. Ele se utiliza dessa posição de poder
que foi atribuída a ele por causa do lugar que ocupa na relação professor/aluno.
De acordo com Orlandi (2001, p. 18), os principais objetivos do DP são a transmissão
de informações e a fixação. A natureza dessa informação é que ele se estabelece a partir da
cientificidade que “pode ser observada especialmente em dois pontos: a) a metalinguagem8 e
8 A metalinguagem, neste contexto, consiste no modo como se transmite uma informação. No DP, diz respeito à
Quem Ensina O Quê Para Quem Onde
33
b) a apropriação do cientista9 feita pelo professor”.
A metalinguagem tem como objetivo “a construção da via científica do saber que se
opõe ao senso comum” (ORLANDI, 2001, p. 19). Assim, a metalinguagem prioriza a
transmissão do conhecimento de modo legítimo e institucionalizado, criando a noção de
homogeneidade. A partir disso, Orlandi (2001, p. 20) afirma:
É dessa perspectiva de metalinguagem que se podem entender questões do tipo:
posso dizer com minhas palavras? Cuja resposta é: ou não pode, ou, mais
benevolentemente, se diz que pode para depois se recusar essa linguagem e
substituí-la por outra ‘mais adequada’.
O professor, ao se apropriar do cientista, se confunde com ele. Ele não é o mediador
do saber. Ao contrário, ele é o conhecimento. Nessa perspectiva, ao se apossar da “voz de
cientista” e pela posição de poder que o professor ocupa na relação com o aluno, o dizer e o
saber acabam se equivalendo. Sobre isso, a autora complementa:
O aluno é idealmente B, isto é, a imagem social do aluno (o que não sabe e está na
escola para aprender), e o professor é idealmente A, isto é, a imagem social do
professor (aquele que possui o saber e está na escola para ensinar). É assim que se
‘resolve’ a lei da informatividade e, de mistura, a do interesse e utilidade: a fala do
professor informa e, logo, tem interesse e utilidade. O professor diz que e, logo, sabe
que, o que autoriza o aluno, a partir de seu contato com o professor, a dizer que sabe,
isto é, ele aprendeu (ORLANDI, 2001, p. 21, grifo da autora).
Desse modo, o DP se caracteriza pela informatividade e legitimidade do
“conhecimento escolar”. Entre a imagem do professor (aquele que detém o conhecimento) e o
aluno (o que nada sabe), há um percurso preenchido pela ideologia. E, nesse jogo ideológico,
as imagens que o aluno irá construir das interações que poderá estabelecer – de si mesmo, do
seu interlocutor e do conhecimento – vão estar marcadas pela representação que ele deve
fazer do lugar do professor (ORLANDI, 2001).
Orlandi (2001) questiona se realmente existe uma maneira de intervir no autoritarismo
do DP. Segundo a autora, o caminho seria torná-lo um discurso polêmico. O autoritarismo
está presente nas relações sociais, sendo que a escola e os processos discursivos são apenas
alguns desses lugares. Tornar o DP um discurso polêmico pode ser uma alternativa de intervir
nesse autoritarismo, pois é um modo de “questionar os seus implícitos, o seu caráter
informativo, sua ‘unidade’ e atingir seus efeitos de sentidos” (ORLANDI, 2001, p. 30).
Então, o professor, ao se apoderar do discurso polêmico, irá “construir seu texto, seu
transmissão do conhecimento. 9Orlandi (2001) concebe o professor cientista como aquele que personifica o saber científico.
34
discurso, de maneira a expor-se a efeitos de sentidos possíveis, e deixar um espaço para a
existência do ouvinte como ‘sujeito’” (ORLANDI, 2001, p. 32). Portanto, fazer do DP um
discurso polêmico consiste em saber ser ouvinte do seu discurso e do seu interlocutor. Sobre
isso, Orlandi (2001, p. 34) ainda continua:
É essa dinâmica de papéis que caracterizaria a possibilidade do discurso polêmico, e,
junto, a isso, haveria a recuperação do objeto da reflexão, isto é, dos fatos, dos
acontecimentos, encobertos pela fixidez desse tipo de discurso que é o autoritário.
Onde está a linguagem está a ideologia. Há confronto de sentidos, a significação não
é imóvel e está no processo de interação locutor-receptor, no confronto de interesses
sociais. Portanto, dizer não é apenas informar, nem comunicar, nem inculcar, é
também reconhecer pelo afrontamento ideológico. Tomar a palavra é um ato dentro
das relações de um grupo social.
É interessante observarmos que o DP como um discurso polêmico pode assumir esse
papel de mediador no processo de ensino, promovendo a ruptura e o movimento. Desse modo,
haveria um lugar para a reflexão, e o sujeito seria respeitado pela sua individualidade,
podendo interpretar e compreender de acordo com a situação sócio-histórica e ideológica em
que se encontra. Nesse sentido, essa é, na visão de Orlandi (2001), uma alternativa para se
romper com o autoritarismo do DP. Em outros termos, é necessário que o professor dê espaço
para que seus alunos interajam como sujeitos heterogêneos, possibilitando reflexões,
associações e comparações de acordo com suas condições de produção.
Conforme proposto anteriormente, este primeiro capítulo teve como objetivo construir
algumas reflexões sobre a AD, o conceito de representação e o DP. Portanto, este percurso que
fizemos agora teve como intuito fornecer elementos que possam orientar a análise das
atividades de leitura do livro elaborado por Cereja e Magalhães (2012). No capítulo seguinte,
procuraremos levantar alguns conceitos e reflexões sobre o LD e a leitura. Para isso,
problematizaremos algumas questões como a relação entre currículo e cultura e, também, a
leitura como um discurso.
35
CAPÍTULO 2
LIVRO DIDÁTICO, LEITURA E REPRESENTAÇÕES DE LEITOR: ALGUNS
APONTAMENTOS
No intuito de compreendermos as representações de leitor nas atividades de leitura do
livro Português e Linguagens, propomos, neste segundo capítulo, apresentar alguns conceitos
que endossam esta investigação. Para isso, organizamos este capítulo em três seções. Na
primeira, 2.1, apresentaremos alguns apontamentos sobre o currículo e a cultura escolar
conforme proposto por Moreira e Silva (2006) e Silva (1999). A escolha por esses autores não
é neutra e se justifica pelo fato de que o conhecimento escolar presentes nos livros didáticos
(LD) se fundamenta a partir de um planejamento curricular.
Nas seções 2.2, discorreremos sobre o LD, como um objeto de investigação, e,
também, apresentaremos o seu percurso histórico no cenário brasileiro, partindo das
contribuições de Carmagnani (1999b), Choppin (2004) e Freitag, Motta e Costa (1989). E,
quando se fizer necessário, recorreremos a Coracini (1999), que, em suas publicações, trouxe
importantes contribuições sobre o LD.
Já na terceira e última seção (2.3), debruçar-nos-emos sobre o conceito de leitura a
partir de uma perspectiva discursiva conforme preconizada por Orlandi (2006). A princípio,
traremos alguns (dos vários) sentidos que podem ser atribuídos à leitura. Refletir sobre a
relação leitura e discurso implica trazer para esta discussão: o leitor (como um sujeito que
interage com um texto), o autor, as condições de produção da leitura e, também, os processos
parafrástico (repetição) e polissêmico (múltiplos sentidos).
Ressaltamos que este percurso que realizaremos a seguir se faz necessário pelo fato de
que esses elementos nos ajudarão a entender as representações de leitor presentes nas
atividades a que nos propomos a analisar.
36
2.1 Currículo e a cultura escolar
2.1.1 Cultura, educação e cultura escolar: onde está o currículo nesta relação?
Com o propósito de fundamentarmos a nossa pesquisa sobre as representações de
leitor nas atividades didáticas, procuramos apresentar, neste capítulo, alguns apontamentos
sobre a relação entre a educação, a cultura e o currículo. A escolha por abordar essas questões
se deve principalmente porque as atividades didáticas foram formuladas a partir de um
currículo que está imerso em uma cultura. De fato, pensar como estão estabelecidas as
representações de leitor no manual didático exige uma reflexão sobre como cultura e currículo
atuam no cenário educacional. Parece, contudo, que elucidar cultura e currículo é, sem
dúvida, uma tarefa extensa. Por isso, apresentaremos aqui alguns apontamentos que são
fundamentais para o nosso trabalho. Acreditamos que este percurso teórico é válido, pois
cultura e currículo são construções indissociáveis para entendermos como o conhecimento
escolar é organizado e o que ele traz imbricado em suas configurações: como no caso do
presente trabalho, as atividades de leitura do livro Português e Linguagens.
Incontestavelmente, definir cultura não é algo simples devido à arbitrariedade com que
essa palavra é empregada nos mais diversos contextos. Segundo Hall (2006), o sujeito não se
identifica apenas com uma única cultura, pois temos um conjunto de pertencimentos sociais
que o caracterizam: idade, sexo, religião, língua etc. Partindo dessa instabilidade em se
conceituar cultura, apoiar-nos-emos em Hall (2006), que, ao definir a cultura nacional,
argumenta que ela não é formada apenas de instituições culturais, mas de símbolos e
representações. Hall (2006, p. 50) ainda acrescenta que a cultura “é um discurso – um modo
de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que
temos de nós mesmos”. De acordo com o autor, esse processo acontece da seguinte forma:
As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais
podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas
estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com
seu passado e imagens que dela são construídas (HALL, 2006, p. 51).
Moreira e Silva (2006, p. 26), indo na mesma direção de Hall, afirmam que a cultura
não é um conjunto estável e fixo de valores e crenças e tradições “a serem transmitidos de
forma não problemática a uma nova geração, nem ela existe de forma unitária e homogênea”.
37
Assim, a cultura precisa ser encarada como algo central, considerando toda a amplitude
associada a ela. Nessa perspectiva, voltando nosso olhar para a educação, observamos que
entre cultura e currículo há uma relação indissociável. Todo o processo educativo, como o
currículo, requer uma dimensão cultural e supõe transmissão e aquisição de valores,
conceitos, saberes e hábitos, que constituem o conhecimento escolar. De outra forma, ainda
segundo Silva (1999, p. 13), o currículo também pode ser pensando também como um
discurso, sendo que, a partir dessa visão, não há “nenhum objeto ‘lá fora’ que se possa chamar
de ‘currículo’”. Entender o currículo como um discurso significa que ele “pode ser todas essas
coisas, pois ele é também aquilo que dele se faz” (SILVA, 1999, p. 147).
Desse modo, entendemos que currículo e educação estão envolvidos em uma
determinada cultura, o que faz dele um campo de produção ativa, como também um campo de
debate e luta. Essa noção da cultura como um campo de luta traz implicações importantes
para as teorias do currículo. O currículo não é um conjunto de informações estáticas e
passivas, mas um espaço ativo em que a cultura será produzida (SILVA, 1999).
Talvez, uma das questões centrais sobre o currículo consiste em saber “qual
conhecimento deve ser ensinado” (SILVA, 1999, p. 14). Diante disso, o que deve ser
transmitido aos alunos é o que eles devem saber. Sabemos que o currículo é resultado de uma
seleção e pensar o currículo significa questionar. Por que determinados conhecimentos e
saberes são selecionados ao invés de outros? Por que fazer uso de certas atividades didáticas,
e não outras? Tal condição acaba posicionando o aluno de uma determinada maneira diante
das “coisas” do mundo, influenciando fortemente o modo como ele vai agir e entender a
sociedade (SILVA, 1999).
Com base no entender de Moreira e Silva (2006), as profundas relações entre currículo
e as diferentes culturas têm levado as “novas” políticas públicas a elaborar propostas
curriculares que se contraponham às características tradicionais que concebem o currículo
como uma atividade simplesmente mecânica. Assim, Silva (1999, p. 24), ao abordar o
currículo a partir de uma visão tradicionalista, destaca que sua finalidade é estabelecida “pelas
exigências profissionais da vida adulta”, exigindo dos alunos uma trajetória escolar bem-
sucedida. O currículo, nessa perspectiva, se resume a uma questão meramente técnica, “como
os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e
desenvolvimento ou ainda de imagens estáticas como as de grade curricular ou de lista de
conteúdos” (SILVA, 1999, p. 147). Por isso, conforme Moreira e Silva (2006, p. 10-11):
38
A escola foi, então, vista como capaz de desempenhar papel de relevo no
cumprimento de tais funções e facilitar adaptação das novas gerações às
transformações econômicas, sociais e culturais que ocorriam. Na escola, considerou-
se o currículo como instrumento por excelência do controle social que se pretendia
estabelecer. Coube, assim, à escola, inculcar os valores, as condutas e os hábitos
‘adequados’. Nesse mesmo momento, a preocupação com a educação vocacional
fez-se notar, evidenciando o propósito de ajustar a escola às novas necessidades da
economia. Viu-se como indispensável, em síntese, organizar o currículo e conferir-
lhe características de ordem, racionalidade e eficiência.
Assim, tem surgido uma nova tendência em vincular o currículo a conceitos e
temáticas antes tidas como secundárias, como cidadania, questões do universo dos jovens e
mercado de trabalho. No entanto, esses novos modelos podem culminar em formulações,
talvez até mais discretas, de regulação da ideologia dominante. Sobre isso, Moreira e Silva
(2006, p. 34) afirmam que a “história da educação institucionalizada mostra que o objetivo de
produzir (novos) cidadãos acabou sempre implicado em novas e talvez mais sutis formas de
regulação e padrões de controle e governo”.
Como sublinha Silva (1999), o currículo deve ser vislumbrado como um campo de
força e luta na afirmação do sujeito. Ele é um “documento de identidade10
”. Por isso, o
currículo, ou melhor, o conhecimento legitimado e selecionado, transmitido na escola, “é uma
área contestada, é uma arena política” (SILVA, 1999, p. 21). O currículo, como artefato
cultural, não é um veículo de transmissão de uma cultura única e homogênea, mas o local de
heterogeneidade em que o saber dominante irá se consolidar num terreno de luta e embate
(MOREIRA; SILVA, 2006; SILVA, 1999). Recorrendo novamente aos preceitos de Louis
Althusser, o currículo pode ser entendido como um elemento a serviço do aparelho
ideológico, reproduzindo a ideologia dominante. Sobre isso, Silva (1999, p. 31) acrescenta:
Essencialmente, argumenta Althusser, a permanência da sociedade capitalista
depende da reprodução de seus componentes propriamente econômicos (força de
trabalho, meios de produção) e da reprodução de seus componentes ideológicos.
Além da continuidade das condições de sua produção material, a sociedade
capitalista não se sustentaria se não houvesse mecanismos e instituições
encarregadas de garantir que o status quo não fosse contestado.
A partir disso, entendemos que o currículo não é um veículo passivo, neutro, “mas o
terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura” (MOREIRA; SILVA, 2006, p. 28).
Então, percebemos que o currículo é o veículo de transmissão do conhecimento escolar, de
10
O termo documentos de identidade é utilizado por Tomaz Tadeu da Silva (1999) em sua definição sobre o
currículo. Destacamos que essa expressão é também o título de uma de suas principais obras: Documentos de
Identidade: uma introdução à teoria do currículo.
39
capacidades e de hábitos, sendo que tais saberes são selecionados a partir do conteúdo cultural
de uma sociedade.
Transpondo essas formulações para os manuais didáticos, é possível percebermos que
certos conteúdos culturais serão selecionados em detrimentos de outros. Isso quer dizer que o
currículo designa tais escolhas feitas pelos autores do LD. E na relação currículo e LD,
encontramos a ideologia atuando, impondo e legitimando determinados conhecimentos.
2.1.2 Currículo e ideologia
Desde o início dos primeiros ensaios críticos sobre a educação, a ideologia se
estabeleceu como um dos principais conceitos no que se refere à análise da dinâmica escolar,
de uma maneira mais ampla, e também ao currículo, de modo particular. A obra Aparelhos
Ideológicos de Estado, além de influenciar Michel Pêcheux, conforme vimos no capítulo
anterior, marca também o princípio dos estudos sobre a relação entre ideologia e educação.
Louis Althusser fornece nessa obra as bases para pensarmos a educação de maneira crítica. A
ideia tradicional e clássica de que o conhecimento é transmitido de modo neutro e
desinteressado é desfeita por Althusser (MOREIRA; SILVA, 2006; SILVA, 1999). Os modos
de pensarmos e concebermos os processos educativos passaram por uma grande reviravolta.
Posteriormente, a relação da ideologia com a educação veio fundamentar os debates dos
pesquisadores e teóricos do currículo, que, em sua maioria, seguiram os preceitos de
Althusser.
Como vimos anteriormente, a reprodução da ideologia dominante fica a cargo dos
aparelhos ideológicos de Estado (religião, mídia, escola, família...). Na argumentação de
Althusser, a escola é o aparelho ideológico que ocupa uma posição central, pois é o espaço
que é frequentado por praticamente todas as crianças por um longo período de tempo.
Althusser (1987, p. 79) destaca que a escola assume essa posição dominante, porque:
[...] se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde o
Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em que a
criança é mais ‘vulnerável’, espremida entre o aparelho de Estado familiar e o
aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (o francês, o
cálculo, a história natural, as ciências, a literatura), ou simplesmente a ideologia
dominante em estado puro (moral, educação cívica, filosofia).
A partir dessa ideia, Silva (1999) questiona como a escola, enquanto um aparelho
ideológico de Estado, transmite a ideologia. Segundo o autor, o currículo é uma das formas de
40
transmissão da ideologia, assim como as disciplinas escolares. As disciplinas são mais
suscetíveis à transmissão de crenças sobre como se concebe uma estrutura social ideal, como
a História e a Geografia, por exemplo, ou por meio de matérias mais “técnicas”, como
Ciências e Matemática. Silva (1999, p. 31-32) prossegue na sua leitura dos Aparelhos
Ideológicos de Estado identificando como a ideologia atua na escola:
A ideologia atua de forma discriminatória: ela inclina as pessoas das classes
subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes
dominantes aprendem a comandar e a controlar. Essa diferenciação é garantida pelos
mecanismos seletivos que fazem com que as crianças das classes dominadas sejam
expelidas da escola antes de chegarem àqueles níveis onde se aprendem os hábitos e
habilidades próprios das classes dominantes.
Conforme Apple (2006a, 2006b), o currículo não é um conjunto de conteúdos neutros
e desinteressados, mas sua seleção é resultado de interesses particulares das classes
hegemônicas. Para Silva (1999), o currículo pode ser entendido como um discurso e, como
tal, pode receber diferentes atribuições, como o fato de ser algo dotado de historicidade e
inscrito em uma determinada configuração social. E, nesse percurso de “validar” um
conhecimento, a ideologia exercerá um papel decisivo. Voltando a nossa atenção para as
leituras didáticas, isso nos leva a questionar por que essas (e não outras) leituras estão
inseridas nos LD? Tendo por base Silva (1999, p. 148), entendermos o currículo como
construção sócio-histórica é entendermos que “a pergunta importante não é ‘quais
conhecimentos são válidos?’, mas sim ‘quais conhecimentos são considerados válidos?’”
A ideologia é essencial na luta desses grupos pela manutenção das vantagens que
lhes advém dessa posição privilegiada. É muito menos importante saber se as ideias
envolvidas na ideologia são falsas ou verdadeiras e muito mais importante saber que
vantagens relativas e que relações de poder elas justificam ou legitimam. A pergunta
correta não é saber se as ideias veiculadas pela ideologia correspondem à realidade
ou não, mas saber a quem beneficiam (MOREIRA; SILVA, 2006, p. 23-24).
Portanto, nesse viés, debruçamo-nos sobre os manuais didáticos e suas atividades de
leitura, pois, conforme esses autores, a ideologia é ‘“cristalinamente’ transmitida por meios
como os livros didáticos” (MOREIRA; SILVA, 2006. p. 25). Nessa perspectiva, a ideologia se
corporifica nas ideias e no conhecimento escolar. Diante dessas colocações, o LD é um objeto
que sucinta pesquisas, debates e questionamentos sobre a sua importância e função no campo
educacional. Assim sendo, na seção seguinte, traremos algumas concepções sobre o LD como
um objeto de investigação e, na sequência, destacaremos alguns momentos do LD no cenário
brasileiro que consideramos relevantes para esta pesquisa.
41
2.2 Livro didático
2.2.1 Livro didático como objeto de investigação
Partimos da ideia de que selecionar saberes, conhecimentos e conteúdos escolares em
detrimento de outros é um processo de legitimação. Isso quer dizer que o conhecimento tido
como legítimo e autorizado traz em suas configurações uma ideologia, que está a serviço das
classes dominantes e que tem como objetivo reproduzir certas estruturas sociais. Assim, o LD
assume a responsabilidade de apresentar e, ao mesmo tempo, trazer o conhecimento escolar
legítimo aos professores e também aos alunos, ganhando, assim, papel significativo na
definição do currículo que se vai ensinar. A esse respeito, Torres Santomé 11
(1991, apud
DÍAZ, 2011, p. 614) afirma:
Os livros didáticos, enquanto produtos culturais, são escritos e produzidos por
indivíduos que, por sua vez, são membros de grupos sociais e comunidades
científicas que, por um lado, fazem determinadas interpretações da realidade e, por
outro lado, fazem seleções de todo o volume de conhecimentos que a humanidade
possui para ser transmitido às novas gerações.
Assim, o conteúdo curricular dos LD é o resultado de saberes, nos quais se
entrecruzam interesses e ideologias de diferentes grupos sociais. A partir dessa compreensão,
procuramos entender o LD, uma vez que o currículo é um aparelho ideológico que envolve
um possível discurso que institucionaliza as relações de saber e poder na escola.
O LD é um instrumento afetado pela ideologia. Por isso, exerce uma poderosa
influência na configuração da dinâmica escolar e na maneira como o currículo é abordado.
Continuando nessa perspectiva, Coracini (1999a) destaca que o LD é um instrumento
legitimador e legitimado na escola, que, por sua vez, tem como função preparar o aluno para a
vida em sociedade. Caberá, então, à escola selecionar o conteúdo que é realmente válido. O
LD, portanto, tem seu papel consolidado nas práticas educativas, sendo que a:
[...] importância da temática se intensifica quando se constata que os livros didáticos
constituem muitas vezes o único material de acesso ao conhecimento tanto por parte
de alunos quanto por parte de professores que neles buscam apoio e legitimação para
as suas aulas (CORACINI, 1999a, p. 11).
11
TORRES SANTOMÉ, J. T. El curriculum oculto. Madrid: Morata, 1991.
42
O interesse de muitos teóricos pelo LD sempre movimentou muitas pesquisas e
investigações. Como destaca Coracini (1999c, p. 34), o LD funciona como o “portador de
verdades que devem ser assimiladas tanto por professores quanto por alunos” e se configura
como um dos personagens centrais no que concerne ao processo de ensino. É possível
notarmos como, nas mais diversas áreas de conhecimento, encontramos grande volume de
trabalhos voltados para os manuais didáticos. No Brasil, identificamos um ápice desses
estudos já nos anos 1960 e 1970. Desse período em diante, o número de publicações e debates
em torno desse manual apenas cresceu (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1989).
Nos últimos anos, encontramos também várias pesquisas que elucidam a constituição
dos materiais didáticos no Brasil. Trabalhos como os de Carmagnani (1999b) Choppin (2004),
Freitag, Motta e Costa (1989), Grigoletto (1999a, 2003) e Peruchi e Coracini (2003) são
alguns deles. A tendência maior desses trabalhos recai, normalmente, sobre a análise de seus
conteúdos, visando a identificar sua inserção histórica, prováveis erros conceituais, ideologias
por eles veiculadas e políticas públicas do Ministério da Educação (MEC) (FREITAG et al.,
1989).
Choppin (2004) define duas linhas de investigação que, de maneira geral, norteiam as
pesquisas em torno dos manuais didáticos: os aspectos ideológicos e o modo de organização
didática. Sobre isso, o autor acrescenta que não é possível separar essas duas linhas, porque
elas são indissociáveis. Ou seja, falar da ideologia dos manuais escolares recai em abordarmos
também a sua estrutura.
Choppin (2004, p. 553) afirma que são quatro as funções dos manuais, que, de certo
modo, dependem do contexto sócio-histórico. São estas as funções do LD: a) função
referencial: o LD é, então, apenas fiel às orientações curriculares governamentais, sendo “o
depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja
necessário transmitir às novas gerações”; b) função instrumental: põe em prática métodos de
aprendizagem com o objetivo de favorecer a aquisição de habilidades e competências; c)
função ideológica e cultural: esta é a função mais antiga, pois é exercida desde o século XIX.
Com o desenvolvimento dos sistemas educativos, o LD adquire notoriedade “como um dos
vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes”; e d) função
documental: o LD é entendido como fonte de informação e do conhecimento, apresentando
em suas páginas “um conjunto de documentos, textuais ou icônicos”, que poderão auxiliar o
desenvolvimento do aluno como um sujeito opinativo.
Nesse dinamismo, e também observando as múltiplas funções que podemos atribuir ao
LD, entendemos que ele é um instrumento que deve ser considerado em sua amplitude,
43
envolvendo a sociedade e a história como um todo. Talvez, aí, resida uma das principais
razões que motivam o interesse de vários pesquisadores em entender o funcionamento desse
objeto culturalmente fabricado. Mas como podemos entender o seu percurso no cenário
brasileiro? Na seção seguinte, procuraremos descrever um breve histórico do LD no Brasil,
principalmente no que diz respeito às suas políticas públicas.
2.2.2 O livro didático ontem e hoje no Brasil: um breve histórico
O livro didático pode ser considerado um dos principais instrumentos do cenário
educacional brasileiro. Nesse sentido, destacam-se as análises de Freitag, Costa e Motta
(1989), que trouxeram significativas contribuições para entendermos o percurso histórico dos
LD a partir da década de 1930 até o início de 1980. Conforme Freitag et al. (1989), a década
de 1930deu início às primeiras políticas públicas de controle e distribuição do LD no Brasil.
Ainda segundo esses autores, a trajetória dos manuais didáticos nas escolas brasileiras foi
marcada por leis e decretos, que eram sancionados de forma desorganizada, sem um
planejamento detalhado e, também, sem a participação da sociedade. De acordo com
Carmagnani (1999b, p. 46), a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) “tinha mais a
função de um controle político-ideológico do que uma preocupação didática”.
Seguindo esse percurso do LD no Brasil, em 1938, a partir do Decreto nº 1.006, foi
criada a CNLD, que estabeleceu a primeira política legislativa sobre os LD. Esse órgão tinha
como objetivo avaliar e escolher os manuais educativos que seriam posteriormente utilizados
nas escolas. No entanto, a CNLD não apresentava uma organização, e seus métodos de
seleção dos manuais na época foram severamente criticados (FREITAG et al., 1989).
Durante o regime militar, criou-se a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
(COLTED) em 1966. Alguns dos objetivos da COLTED eram a criação de bibliotecas e a
ampliação da distribuição dos LD. Para que isso fosse possível, esse órgão tinha como metas
baratear os LD produzidos e estimular a expansão da indústria do livro.No entanto, ao invés
de estimular o acesso aos manuais didáticos, esse órgão apenas exerceu um controle dos
aspectos ideológicos dos LD, sendo que muitos manuais foram censurados por serem
considerados “subversivos”. A COLTED foi extinta em 1971, mas antes, em 1968, a
Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) foi criada. Esse órgão tinha como
finalidade ampliar o acesso ao LD. Na década de 1970, a FENAME tornou-se a principal
editora do Estado, com publicações do Ensino Fundamental ao Médio. Em 1976, a FENAME
44
tornou-se responsável também pela execução do Programa do Livro Didático (PLD). Na
década de 1980, aconteceu uma mudança na maneira de se pensar o LD com a criação da
Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) (FREITAG et al., 1989).
A FAE e as políticas públicas no que se referem à circulação do LD acabaram
fornecendo novas diretrizes para a educação brasileira. Também no âmbito da FAE, foi criado
um comitê com a função de orientar as políticas e os planos sobre LD, com o propósito de
realizar estudos e pesquisas que aprimorassem e corrigissem eventuais falhas nos manuais,
entre outras. Nesse sentido, a FAE procurava orientar os planos que aprimorassem manuais
educativos. Apesar dessa preocupação governamental com o ensino, essas medidas
apresentavam problemas quanto à distribuição inadequada de livros, sendo que alguns desses
problemas se referiam aos lobbies dos grupos editoriais junto ao governo. Havia, ainda, o
autoritarismo das secretarias de educação, que adquiriam os manuais, mas não tinham o
cuidado de avaliar a sua qualidade (CARMAGNANI, 1999b; FREITAG et al., 1989 ).
Os efeitos dessa política foram sentidos principalmente na década de 1990. Segundo
Carmagnani (1999b), os livros utilizados no ensino público foram considerados de má
qualidade, contendo erros de conteúdo, insuficiências conceituais e outras inadequações. Tais
características eram um indicativo da falta de rigor na elaboração e aquisição desse manual.
Segundo Miranda e Luca (2004), esses problemas eram ocasionados pela falta de organização
administrativa dos programas antes implantados, que só seriam corrigidos em 1996 com o
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o qual ficou sob a responsabilidade da FAE
até 1997, quando essa Fundação foi extinta.
De acordo com Miranda e Luca (2004, p. 127), apenas em 1996 “[...] se iniciou
efetivamente a avaliação pedagógica dos livros didáticos” por meio do PNLD. Esse Programa
definiu alguns critérios, passando a organizar os manuais em quatro grupos: a) excluídos: os
que apresentavam erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou
discriminação de qualquer tipo; b) não recomendados: aqueles nos quais a dimensão
conceitual se apresentava com insuficiência, trazendo impropriedades que comprometiam
significativamente sua eficácia didático-pedagógica; c) recomendados com ressalvas: livros
que possuem qualidades mínimas que justifiquem sua recomendação e que, mesmo
apresentando problemas, podem, sendo esses problemas levados em conta pelo professor, não
comprometer sua eficácia; e d) recomendados: livros que cumprem corretamente sua função,
atendendo satisfatoriamente não só a todos os princípios comuns e específicos, como também
aos critérios mais relevantes da área (PNLD, 1997).
A partir de 1997, com a extinção da FAE, a responsabilidade de execução do PNLD
45
foi transferida para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Esses
critérios de avaliação propostos em 1996 pelo PNLD foram sendo aperfeiçoados e são
utilizados até os dias atuais. Os livros que apresentam erros conceituais, indução a erros,
desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro
Didático (FNDE, 2015).
Já em 2001, os LD passaram a ser distribuídos nas escolas um ano antes de sua
utilização. Os manuais referentes ao ano de 2001 foram entregues nas escolas até o dia 31 de
dezembro de 2000. Nesse mesmo ano, o PNLD ampliou o atendimento de forma gradativa
aos alunos portadores de deficiência visual, fornecendo os LD em Braille. Atualmente, alunos
portadores de deficiência auditiva são atendidos também com livros em Libras (FNDE, 2015).
Em 2004, foi criado o Programa Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM), que
apresenta as mesmas propostas do PNLD, mas sua atenção está direcionada exclusivamente
ao Ensino Médio. A primeira distribuição de LD para o Ensino Médio, em 2005, foi parcial:
apenas Matemática e Português para todos os anos e regiões do País. A partir de 2011, o
FNDE passou a distribuir integralmente livros para o Ensino Médio, inclusive na modalidade
Educação de Jovens e Adultos (EJA). O material foi utilizado inicialmente em 2012 (FNDE,
2015).
Desse modo, como citado anteriormente, uma política direcionada para aquisição,
avaliação e distribuição do LD no Brasil foi adquirindo forma e características, que se
mantêm nos dias atuais, principalmente a partir da década de 1990. Segundo Miranda e Luca
(2004), nessa década, o cenário político brasileiro não era mais caracterizado pelo
autoritarismo. Assim, os referidos critérios de aquisição, avaliação e distribuição do LD no
Brasil “foram aprimorados por intermédio da incorporação sistemática de múltiplos olhares,
leituras e críticas interpostas ao programa e aos parâmetros de avaliação” (MIRANDA;
LUCA, 2004, p. 127).
Nesse breve percurso histórico, observamos que o LD foi se consolidando como um
recurso educativo fundamental nas escolas brasileiras. A atenção às políticas públicas
governamentais junto às editoras demonstra que, ao longo da história, o LD foi passando por
transformações e reformulações. Nesse contexto, o LD assumiu contornos relevantes no
processo de ensino e aprendizagem, adquirindo permanência e importância nas instituições
escolares há várias décadas.
Nessa mesma perspectiva, é possível depreendermos que as leituras (sejam elas
escolares ou qualquer outra), também com o tempo, passaram por transformações e
reformulações. A imagem de leitor inscrito no texto também mudou. Neste percurso, na
46
próxima seção, traremos alguns apontamentos sobre o que é leitura, principalmente tendo
como base teórica a AD.
2.3 Leitura e a Análise do Discurso
2.3.1 Leitura e as condições de produção: algumas considerações discursivas
No intuito de compreendermos o leitor e suas representações em manuais didáticos, é
importante apresentarmos algumas considerações sobre a leitura e o leitor subjacentes a este
trabalho. O termo leitura, por si só, abarca uma multiplicidade de sentidos. Na visão de
Orlandi (2006, p. 7), é possível “fazer uma longa enumeração de sentidos que se podem
atribuir à própria noção de leitura”. Mas, antes de trazermos alguns desses sentidos, é
relevante destacarmos algumas contribuições de Eni Orlandi sobre a relação leitura e leitor. A
autora, em grande parte de suas publicações, articula várias concepções que permitem
entender a leitura não como um mero ato de decodificar o texto, mas como um processo
discursivo12
. Dessa forma, Orlandi traz novas maneiras de pensarmos a leitura em vários
contextos e, principalmente, no âmbito escolar, explicitando seus mecanismos e suas
implicações nas salas de aula e na formação e constituição do aluno(leitor).
Com o objetivo de compreendermos melhor a leitura, propomos que, a princípio, é
pertinente distinguirmos alguns dos vários sentidos que podem ser atribuídos a esse processo
discursivo. De acordo com Orlandi (2006), dependendo do campo teórico, a leitura pode
adquirir as mais diferentes significações. Vista de maneira abrangente, a leitura pode ser
entendida como “atribuição de sentidos”. Assim, diante de qualquer manifestação da língua,
independente de sua origem ou situação, temos uma possibilidade de leitura. Portanto,
entender a leitura a partir dessa perspectiva significa que estamos nos referindo tanto à “fala
cotidiana da balconista como do texto de Aristóteles” (ORLANDI, 2006, p. 7).
Em contrapartida, a leitura pode significar “concepção”. Tal condição é usada quando
falamos em “leitura de mundo”. O termo “leitura de mundo” pode ser atribuído a Paulo Freire
(1988), que, em sua obra A importância do ato de ler, apresentou a seguinte reflexão: “a
12
A expressão “processo discursivo”, usada por Orlandi (2001) ao se referir à leitura, diz respeito à interação
leitor/texto que desencadeia o processo de significação, instaurando, assim, o espaço da discursividade. Em
contrapartida, Pêcheux (1997, p. 170) define que os “processos discursivos”se referem aos sentidos inerentes a
uma formação discursiva. Em outras palavras, esse termo faz referência às “relações de paráfrase interiores ao
que chamamos a matriz do sentido inerente à formação discursiva”.
47
leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Antes de conhecer as palavras, o texto e a
leitura, o sujeito vai construindo a sua interpretação sobre as coisas e objetos que estão à sua
volta. Tais construções serão posteriormente relacionadas à sua leitura da palavra. Para
Orlandi (2006, p.7), quando esse termo é atribuído à leitura, ele reflete “a relação com a noção
de ideologia, de forma mais ou menos geral e indiferenciada”.
Em um sentido acadêmico, a leitura pode significar a construção de determinadas
estratégias teóricas e metodológicas de aproximação do leitor com o texto. Para exemplificar,
Orlandi (2006) cita dois autores: Saussure e Platão. Segundo ela, o leitor pode construir
“várias leituras de Saussure” ou “possíveis leituras de Platão”. Isto é, nessa perspectiva, cada
leitor, na sua individualidade, irá construir estratégias diferenciadas para compor sua leitura.
Desse modo, o texto filosófico, teórico, literário ou qualquer outro texto exigirá do leitor uma
postura diferente.
Falando de modo mais restrito, em âmbito escolar, a leitura pode ser vinculada à
alfabetização. A leitura, na escola, tem uma representação já consolidada e construída,
principalmente nos primeiros anos de inserção da criança na escola. Ou seja, a leitura
significa, literalmente, ler e escrever. Em outras palavras, o aprendizado formal do aluno, seu
processo de ensino e aprendizagem no decorrer de sua trajetória escolar, dependerá da leitura;
ou melhor, da sua capacidade de ler e escrever (ORLANDI, 2006).
Dessa maneira, observamos que a leitura pode ser vista de maneiras diversas,
abarcando múltiplos sentidos. Mas como a AD concebe a leitura? Na ótica de Orlandi (2001,
p. 193), a leitura, como um processo discursivo, pode ser considerada como “o momento
privilegiado do processo de interação verbal”. Dito de outra forma, no momento de interação
leitor/texto, é desencadeado o processo de significação, instaurando o espaço da
discursividade:
Isto é, embora, de fato, o momento da escrita de um texto e o momento de sua
leitura sejam distintos, na escrita já está inscrito o leitor e, na leitura, o leitor interage
com o autor do texto. Por isso, preferimos falar, em geral, em condições de produção
de um texto, considerando que estas condições incluem locutor e receptor. Daí,
então, se pode falar, sem que isto pareça estranho, em condições de produção da
leitura do texto. Nossa perspectiva é, pois, a de que a leitura é produzida
(ORLANDI, 2001, p. 180, grifo da autora).
Desse modo, entender a leitura à luz da AD significa entender que ela é produzida em
condições determinadas. As condições de produção da leitura são afetadas pelo histórico e
pelo social. Retomando uma reflexão que apresentamos nas primeiras páginas deste trabalho,
a leitura tem história ou histórias, pois as leituras que foram possíveis no passado talvez não
48
sejam possíveis hoje ou poderão ser possíveis no futuro (ORLANDI, 2006).
Há ainda a considerar outras formas de variação. Por exemplo, aquela que é referida
aos diferentes tipos de discurso: podemos lembrar aqui o fato de que antigos textos
sânscritos sagrados são hoje lidos como literatura. Isso faz parte do processo de
significação desses textos e, logo, do processo de sua compreensão. Uma variante
deste fato pode ser observada na alteração dos modos canônicos de leitura, por
exemplo: quando se lê a história em quadrinhos de forma diferente daquela
tipicamente proposta para histórias em quadrinhos. Lê-se, então, essas histórias
como documentos, ou como textos literários etc. (ORLANDI, 2006, p. 41-42)
Nesse viés, percebemos que a leitura, como um processo discursivo,está
intrinsecamente relacionada às suas condições de produção. Para Orlandi (2001, p. 194), isso
“significa dizer que a noção de funcionamento remete o discurso à sua exterioridade,
necessariamente”. A relação que o texto estabelece com a exterioridade (contexto da
enunciação e contexto sócio-histórico) mostra o texto em sua incompletude. Nessa
perspectiva, devemos levar em conta que as condições de produção da leitura estão
estritamente vinculadas a essa incompletude (ORLANDI, 2001, 2006).
Por conseguinte, a incompletude do texto não significa que ele é formado por lacunas
que devem ser preenchidas pelo leitor. Ao contrário, essa incompletude advém das condições
de produção e da relação dos interlocutores com o contexto de enunciação (situação
enunciativa) e com o contexto sócio-histórico:
O texto é incompleto porque o discurso instala o espaço da intersubjetividade, em
que ele, texto, é tomado não enquanto fechado em si mesmo (produto finito), mas
enquanto constituído pela relação de interação que, por sua vez, ele mesmo instala
(ORLANDI, 2001, p. 195).
O texto é um processo de significação, lugar dos sentidos. Como já foi dito, as
diferentes posições que o sujeito ocupa podem representar diferentes formações discursivas
no texto. A relação entre sujeito, texto e discurso reflete “a inserção do discurso em uma
formação discursiva determinada que produz a impressão de unidade, a transparência, em
suma a completude do seu dizer” (ORLANDI, 2006, p. 57). No entanto, o texto não é
transparente, mas uma instância marcada pela instabilidade, pelas falhas por equívocos e pela
ideologia. Em sua teorização sobre a ausência de transparência do texto, Pêcheux (1988, p.
160) afirma:
[...] o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, não existe ‘em
si mesma’ (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante),
mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no
processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são
produzidas (isto é, reproduzidas).
49
Ao pensarmos a leitura e o discurso, essas instabilidade e opacidade do texto serão
algumas das questões que irão nortear a relação leitor/texto. A partir disso, devemos nos
atentar para dois fatores que agem no texto: a sua relação com outros textos e a experiência do
leitor tanto no que se refere à língua como também seu conhecimento de mundo, sua
ideologia e sua historicidade.
Existem diferentes tipos de leitores, e a sua experiência com a língua(gem) é um fator
relevante que irá caracterizar a maneira como ele irá interagir com o texto. Assim, voltamos
novamente para a importância das condições de produção na relação leitor/texto. As diferentes
estratégias de leitura utilizadas pelo leitor correspondem aos diferentes modos de interação
leitor/texto com a leitura e, também, aos diferentes tipos de discurso (ORLANDI, 2001).
A relação leitor/texto não é direta nem mecânica. Ela é instável e dispersa, afetada pela
historicidade, que marca a relação do sujeito com a língua. Desse modo, entendemos que a
leitura é interação, seletividade, algo produzido e que depende das suas condições de
produção. O leitor não se apropria de um sentido que já está no texto, fixo e determinado. Ao
contrário, ao ler, ele está atribuindo sentidos ao texto. O ato de ler compreende o processo em
que a leitura é produzida. A partir disso, é possível depreendermos que a leitura é o momento
em que o sujeito(leitor) constrói significados, desencadeando o processo de funcionamento do
discurso.
A fim de que a leitura faça sentido, é necessário que o sujeito esteja inscrito na
história, para poder atribuir sentido. Nessa perspectiva, é fundamental destacar que o leitor, “à
medida que lê, se constitui, se representa e se identifica” (ORLANDI, 2001, p. 185). A partir
disso, como o leitor é construído no e pelo discurso? Para Orlandi (2006), a representação do
leitor só é possível na relação estabelecida entre a língua(gem) e o autor. No caso dos LD,
objeto de nossa investigação, o autor, ao elaborar o seu dizer no livro, constrói ali a sua
representação de leitor.
Partindo desse pressuposto, como os leitores são representados nas leituras? De acordo
com Marangoni (2012), as representações de leitor supõem a circulação e também uma
imitação ou reprodução da realidade. Ainda segundo a autora, as representações estão
inseridas em um contexto social e histórico. Em contrapartida, as representações de leitor
sofrem a “interpolação do aspecto criativo do autor, podendo então traduzir vivências da
época (contexto de recepção) e (pessoais) do autor” (MARANGONI, 2012, p. 18).
O contexto sócio-histórico regula e determina as maneiras de representarmos o leitor.
Assim, tendo a AD como escopo teórico, é possível depreendermos que os modos como a
50
leitura e o leitor são representados nas leituras podem passar por variações dependendo da
época. A partir disso, é importante frisarmos, como no caso do estudo que propomos, que as
representações de leitor inscritas nos manuais didáticos passam por transformações, refletindo
a sua época, a sociedade para a qual ele se destina e sua historicidade.
Assim, a historicidade irá definir a imagem de leitor instaurada nos LD, pois as
representações de leitor que encontramos nos LD no passado contrastam com as que os
manuais apresentam hoje. Nesse sentido, e tendo a AD como base teórica fundamental,
observamos que a leitura, como um discurso, pode ser concebida como algo dotado de
representações. Voltando o nosso olhar para o LD, entendemos que ele é um instrumento que
apresenta certas especificidades e características, trazendo inscrita(s) em suas atividades de
leitura imagem(ns) de leitor(s). Dessa maneira, investigar como essas representações estão
inscritas em um manual se faz imprescindível, pois permite entender, em consonância a isso,
como a leitura é concebida, principalmente como um discurso atravessado pela ideologia, pela
história e, também, pela sociedade.
Dessa maneira, é possível percebermos que há uma variedade de elementos que nos
ajudam a entender as representações de leitor e de leitura. Para Orlandi (2006), não se lê da
mesma forma um texto literário, científico, um conto de fadas etc. Partindo dessa visão, é
possível observarmos que as representações de leitor que estão inscritas em cada um desses
textos também se diferenciam.
Vale lembrarmos que a leitura não se constitui apenas de representações de leitor.
Orlandi (2006, p. 8), ao abordar a leitura como um discurso, traz outros componentes que
também são significativos, como os modos de leitura (possíveis, propostos ou pressupostos)
que indicam as diferentes maneiras utilizadas pelo leitor para se relacionar com o texto. Esses
elementos estão enunciados a seguir:
a) relação do texto com o autor: o que o autor quis dizer?
b) relação do texto com outros textos: em que este texto difere de tal texto?
c) relação do texto com seu referente: o que o texto diz de x?
d) relação do texto com o leitor: o que você entendeu?
e) relação do texto com o para quem se lê: (se for o professor).
A partir disso, entendemos que haverá modos diferentes de leitura, que dependerão do
contexto e de seus objetivos. Ou seja, novamente voltamos à importância das condições de
produção. Para entendermos a leitura, é preciso termos em mente que o que está em jogo são
51
dois sujeitos: o autor (destinador) e o leitor (destinatário), que, como sujeitos, estão atribuindo
sentidos. Assim, são elementos de um mesmo processo: o da significação. Observamos, então,
que essa atribuição de significados feita pelo autor e/ou leitor permite-nos evidenciar a
presença do outro, que faz com que esses sujeitos assumam uma determinada posição no
discurso. Esses diferentes modos de interagir e atribuir sentido na leitura podem ser definidos,
na ótica de Orlandi (2001, 2006), como processos parafrástico e polissêmico da leitura. É
sobre esses dois processos que falaremos na seção seguinte.
2.3.2 A paráfrase e a polissemia da leitura
A AD considera dois processos fundamentais para entendermos a leitura: a paráfrase e
a polissemia. Tais conceitos serão importantes para que possamos identificar as
representações de leitor no livro Português e Linguagens.
Pensar a língua pelo viés discursivo não é algo simples, principalmente quando
procuramos traçar limites (graus) entre o mesmo e o diferente. Conforme Orlandi (1999,
2006), ao pensarmos a relação língua e contexto, podemos depreender que o discurso se faz
na articulação de dois processos: paráfrase (reconhecimento) e polissemia (atribuição de
múltiplos sentidos). Além de mostrar, a partir de Pêcheux, a amplitude do funcionamento
discursivo, Orlandi (2001, 2006) associa a paráfrase e a polissemia à leitura. Desse modo, em
suas publicações, a autora explicita algumas características da leitura parafrástica, que
consiste na reprodução do sentido dado pelo autor, e da leitura polissêmica, definida pela
atribuição de múltiplos sentidos ao texto (ORLANDI, 2001, 2006).
Podemos dizer que a paráfrase e a polissemia convivem em uma tensão constante.
Enquanto a paráfrase mantém o homem num retorno constante do mesmo sentido, a
polissemia, por outro lado, desloca esse sentido e o direciona para a ruptura, para o conflito e
para a multiplicidade de dizeres. Segundo Orlandi (2006, p. 86), a tensão entre esses
processos pode se manifestar de maneiras diferenciadas: “na existência da regra e da exceção,
do previsível e do imprevisível, do certo e do indeterminado, do legítimo e daquilo que tem
que legitimar do que já é e do que pode ser, do estabelecido e do que muda etc.” Sobre essa
relação entre paráfrase e polissemia, Orlandi (1999, p. 36) acrescenta:
Essas duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo que todo o
discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente. Se toda vez que falamos,
ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de filiação dos sentidos, no
entanto, falamos com palavras já ditas. E é esse jogo entre paráfrase e polissemia,
52
entre o mesmo e o diferente, entre o já dito e o a se dizer que os sujeitos e os
sentidos se movimentam, fazem seus percursos, (se) significam.
Nesse mesmo sentido, Orlandi (1999) esclarece que a paráfrase é a “matriz do
sentido”, pois o sentido se sustenta na repetição e a polissemia é a fonte do sentido. No caso,
quando falamos de polissemia, cabe ressaltarmos que ela é a própria condição da origem dos
discursos, uma vez que, se os sentidos, e também se os sujeitos, não fossem múltiplos e
interpelados por outras vozes, por outros dizeres, não haveria movimento e ruptura.
Dessa forma, ao abordar a leitura parafrástica e a polissêmica, entendemos que ambas
as construções “não se distinguem de forma estanque, mas gradualmente” (ORLANDI, 2001,
p. 201). Em outras palavras, a leitura parafrástica ou polissêmica vai depender do grau de
inferência que é estabelecida na interação leitor/texto. Quanto menos inferências o leitor
realizar, significa que a leitura parafrástica será mais acentuada. Em contrapartida, quanto
mais inferências, a leitura polissêmica será mais evidente. Orlandi (2001, p. 200) descreve
que, em “um discurso lúdico, por exemplo, a leitura polissêmica se faz em maior grau, em um
autoritário, em grau menor, em um discurso poético é maior a possibilidade da leitura
polissêmica, em um discurso científico é menor etc.”
Tal constatação ressalta como a leitura pode corresponder a diferentes estratégias,
dependendo do tipo de discurso que temos em jogo. Assim, quando pensamos na ideia de
“produção de leitura, preferimos distinguir diferentes graus de inferência e compreensão,
entre o polo mais parafrástico e o polo mais polissêmico” (ORLANDI, 2001, p. 201).
A autora acrescenta que a leitura polissêmica não deve ser encarada como o modelo
mais adequado do que o da leitura parafrástica. Conforme citamos, a leitura é uma prática
seletiva, pois há vários modos de leitura. As condições de produção, os objetivos e a interação
estabelecida entre leitor/texto é que irão direcionar a leitura tanto mais se ela for mais
parafrástica ou mais polissêmica. Assim:
[...] a leitura mais adequada pode ser, circunstancialmente, a mais parafrástica: por
exemplo, a leitura ortodoxa escolar de um texto científico quando se objetiva
reproduzir o que o autor disse (o que é relevante, então, é o dizer do autor)
(ORLANDI, 2001, p. 202).
Orlandi (2001) destaca que a leitura parafrástica realmente exige que o leitor
estabeleça menos relações com o que se encontra além do texto em comparação com a leitura
polissêmica. Desse modo, a leitura ficará situada sempre no limite entre o dito e o não
dito,uma condição delicada na relação leitor/texto. No entanto, caberá ao próprio leitor
53
decidir, ou seja, se posicionar entre os ditos, que estão explícitos no texto, e os não ditos, que
estão presentes no texto de forma implícita e que, também, de certo modo, constituem a
leitura.
A partir dessas constatações, observamos que as representações de leitor estão situadas
entre a leitura parafrástica (repetição) e a leitura polissêmica (a multiplicidade de sentidos).
Assim, compreendermos a leitura como um discurso é entendermos que ela segue princípios,
sejam eles parafrásticos ou polissêmicos, que tendem a ser diferentes dependendo do tipo de
leitura que temos em jogo. Assim, como o nosso propósito é identificar as representações de
leitor no livro Português e Linguagens, interessa-nos observar a recorrência desses dois
processos, pois ambos podem se articular no discurso, apontando para o rompimento da
tensão entre o “mesmo” e o “diferente”, e estabelecendo, assim, a relação entre as várias
formas de movimentarmos a leitura (ORLANDI, 2001).
No capítulo seguinte, traremos uma breve discussão sobre o corpus deste trabalho
seguida de alguns apontamentos metodológicos. A partir disso, analisaremos alguns recortes
de atividades que nos possibilitarão dialogar com a AD de linha francesa, nosso referencial
teórico principal, assim como com os autores nos quais procuramos fundamentar as nossas
reflexões sobre as representações de leitor que podem estar inscritas no manual a que nos
propomos a analisar.
54
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES DE LEITOR
As representações construídas nos/pelos processos discursivos resultam da memória
discursiva dos sujeitos, das percepções que os atravessam, do “já dito” que está presente no
discurso. Como vimos, as representações podem ser consideradas como imagens projetadas
no discurso e que o constituem: nenhum discurso é construído fora das condições de
produção. Mediante essas imagens, podemos vislumbrar o discurso na sua historicidade, visto
que as representações se manifestam e estão presentes no “já dito”.
Diante disso, sabemos que o LD atribui e, de certo modo, necessita trazer
determinadas representações de sujeito/leitor, que se constituem como representações já
dadas; ou seja, institucionalizadas. Como vimos, partimos da suposição de que as atividades
de leitura do livro Português e Linguagens trazem um leitor como um reprodutor de modelos,
não dando espaço para o aluno/leitor se posicionar como sujeito construtor de sentidos.
Tomar a AD de linha francesa como aparato teórico nos permite verificar como as
representações de leitor estão inscritas na materialidade linguística das atividades. Para a
AD, o sujeito desconhece o modo como os saberes passaram a fazer sentido, mas acredita ser
dono deles. Como os sentidos não são literais, a análises e opõe à transparência da
linguagem, à literalidade do sentido, desvendando a opacidade, o descentramento e o efeito
de sentido produzidos por meio das atividades de leitura.
A partir das constatações citadas, neste terceiro capítulo, apresentaremos a análise de
algumas atividades do livro Português e Linguagens. Primeiro, na seção 3.1, traremos
algumas considerações metodológicas que embasaram esta investigação. Já na seção 3.2,
pontuaremos uma breve descrição do LD, partindo das contribuições do PNLEM (2015). Na
seção 3.3, traremos as representações de leitor que identificamos nas atividades analisadas.
Para isso, tomaremos como referência o DP, conforme proposto por Orlandi (2001), e
observaremos como ele opera nas atividades que embasam a nossa investigação. E, fechando
este terceiro capítulo, apresentaremos nossas observações em torno das representações que
identificamos.
55
3.1 Algumas considerações metodológicas
Nossa escolha pela obra Português e Linguagens, de William Roberto Cereja e
Thereza Cochar Magalhães (2012), se justifica pelo fato de que esse manual é recorrente na
lista de livros aprovados pelo PNLEM, sendo amplamente usado no Ensino Médio. Além
disso, os nomes dos autores desses manuais figuram de modo recorrente no cenário escolar
(tanto nas escolas públicas como nas particulares) há um bom tempo, constituindo-se, pois,
como uma espécie de referência para o ensino da língua portuguesa.
Assim, por meio do livro de Cereja e Magalhães (2012), temos não somente um
manual que é referência no PNLEM, mas a obra traz em suas propostas aquilo que é
considerado como prioridade no ensino da língua portuguesa, seja por meio da gramática,
literatura ou da produção e da interpretação de texto. O primeiro passo para a realização da
análise do livro foi a delimitação (recorte) das atividades. Selecionamos atividades de leitura
que se encontram nas unidades 1 e 2, a partir dos quatro eixos temáticos (teóricos) nos quais o
livro se organiza: Literatura, Língua: uso e reflexão, Produção de Texto e Interpretação de
Texto. Ao longo de suas 530 páginas, encontramos nesse manual várias atividades de leitura,
que, por sua vez, utilizam diferentes gêneros textuais desde o poema de vanguarda até o texto
publicitário.
O objetivo de nos debruçarmos nas atividades das duas primeiras unidades se deve ao
fato de acreditarmos que nessa parte do LD nos deparamos com um vasto material que é
suficiente como uma amostra do LD selecionado. É importante frisarmos que as atividades
escolhidas tinham que trazer como características um ou mais textos, seguidos de uma ou
mais questões, que poderiam ser tanto referentes ao texto proposto como leitura na atividade
ou a questões sobre o ensino da gramática.
Partindo dessa perspectiva, é fundamental destacarmos o modo como o livro se
organiza. O livro Português e Linguagens é organizado em quatro grandes unidades, que, em
geral, contemplam questões de língua e literatura. Em cada unidade, são apresentados 11
capítulos, que se subdividem em: Literatura, Língua: uso e reflexão, Produção de Texto e
Interpretação de Texto. Dentro desses eixos, questões diversas sobre a língua portuguesa são
abordadas desde as mais gramaticais, como pontuação e sintaxe, até as mais
textuais/discursivas: gêneros, intertextualidade etc., para citar apenas algumas.
Procuramos contemplar também os diferentes gêneros textuais que se encontram no
manual. Dessa forma, nossa análise traz textos literários, jornalísticos, publicitários,
quadrinhos etc. Além de analisarmos o modo como o leitor/aluno é representado nas questões,
56
buscamos observar também o DP, segundo Orlandi (2001), como um discurso autoritário. Tal
condição é fundamentada na perspectiva da leitura como um processo que envolve a(s)
construção(ões) de sentido(s).
É importante destacarmos que, fechando cada unidade, o livro apresenta também uma
seção com propostas diferenciadas: a sessão Intervalo, que pode ser considerada uma parte
acessória do manual. Notamos que a finalidade dessa seção é propor sugestões para o trabalho
extraclasse; por exemplo: filmes, roteiros de leitura, atividades manuais e trabalhos em grupo.
Encontramos, em algumas seções, apenas sugestões de atividades sem a apresentação de
textos. Há algumas seções que apresentam um texto apenas. Vale destacarmos que essa seção
não traz atividades de leitura como nos moldes dos quatro eixos que irão embasar a nossa
análise. Desse modo, não incluímos a seção Intervalo em nossa análise pelo fato de ela não
apresentar as características que são fundamentais para a investigação que propomos, a qual
consiste em identificar as representações de leitor inscritas em atividades que têm um texto ou
dois, seguido(s) de uma ou mais questões.
A temática abordada nesta pesquisa tem o caráter qualitativo na medida em que o foco
será a interpretação (o olhar da pesquisadora) sobre as representações de leitor inscritas nas
atividades de leitura selecionadas, mas alternadas com a descrição da materialidade
linguística, como proposto por Pêcheux (2002) em Discurso: estrutura ou acontecimento.
Segundo esse autor, a AD é uma disciplina de interpretação e se distingue, portanto, das
ciências da natureza e das matemáticas. A AD supõe que, pelas descrições regulares, “é
possível identificar os momentos de interpretação enquanto atos que indicam um
posicionamento, consistindo em efeitos de identificação, assumidos e não negados”
(PËCHEUX, 2002, p. 57).
Assim, a linha teórica assumida junto ao olhar da pesquisadora sobre as representações
de leitor não se refere a algo imparcial, mas a uma tomada de posição. Tal condição permite
conceber as representações de leitor a partir de uma nova perspectiva, que consiste no gesto
interpretativo da pesquisadora (não significa que seja correta ou incorreta, superior ou inferior
a outras encontradas em outras investigações já realizadas ou que se realizarão no futuro),
masapenas diferente. De certa maneira, acreditamos que este estudo poderá trazer
contribuições para os pesquisadores que se debruçam sobre a AD, principalmente no que
tange às representações de leitor.
57
3.2 Português e Linguagens: apresentando o corpus e suas leituras
Procuramos, neste momento, apresentar o nosso corpus brevemente,
principalmente algumas características do livro Português e Linguagens. A esse respeito,
vamos fazer um levantamento de como o PNLEM (2015) descreve as leituras que compõem a
coleção formulada por Cereja e Magalhães (2012). Cabe destacarmos que o material foco
desta pesquisa é o terceiro volume dessa coleção. Mas como os três livros apresentam a
mesma estrutura no que se refere à organização, acreditamos que os apontamentos realizados
pelo PNLEM (2015) serão fundamentais para a nossa análise.
Como citado anteriormente, William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães
(2012) são os autores de Português e Linguagens, obra empregada no 3º ano do Ensino Médio
em várias escolas brasileiras. Sendo assim, buscaremos, por meio desta revisão, apresentar
algumas considerações do PNLEM (2015), com o propósito de visualizarmos com mais
solidez a discussão que estamos elencando.
Na introdução da resenha, o guia destaca que essa coleção é organizada em manuais,
sendo que o planejamento pedagógico da obra mantém uma profunda articulação com a
leitura e a formação para a cidadania. As atividades de leitura são tratadas em destaque na
resenha. Segundo o PNLEM (2015), o modo e o uso de diversos gêneros literários que a
coleção apresenta colaboram para a formação de um leitor eclético. Dito de outra maneira, o
Capa do livro Português e Linguagens – volume 3
58
ensino da leitura é o que sustenta a proposta da obra, que “perpassa as diferentes unidades da
coleção e distribui-se pelos capítulos referentes aos eixos de literatura, conhecimentos
linguísticos e produção escrita” (PNLEM, 2015, p. 54). Já o ensino da literatura é regido pela
sequência histórica do movimento literário estudado. Cada gênero textual é trabalhado a partir
de determinados temas em cada unidade e com um nível de complexidade gradativo.
Depois de descrever o modo de organização da coleção, o PNLEM (2015) retoma duas
questões: o ensino de literatura e a leitura, especificando-os com mais detalhes. O ensino de
literatura pauta-se no tradicionalismo fundamentado em uma visão historicista e evolutiva dos
fatos literários. Há uma crítica sobre como a literatura é trabalhada. Apesar da riqueza de
detalhes e estilos no modo como os períodos literários são abordados, observamos que a
“perspectiva adotada para o ensino de literatura pouco prioriza a experiência de leitura e de
fruição do texto literário” (PNLEM, 2015, p. 58)
O ensino de leitura articula os vários eixos de ensino. Então, nas unidades de cada
volume, os capítulos sistematizam um gênero textual, destacando “principalmente as
características dele em função de seu uso social” (PNLEM, 2015, p. 58). Já nos capítulos que
tomam como foco a literatura, há a seção Leitura. Nos eixos teóricos Literatura, Língua: uso
e reflexão, Produção de Texto, Interpretação de Texto e Intervalo, a leitura está presente, quer
seja para ensejar a reflexão sobre um tópico de conteúdo, quer seja para retomar e ampliar o
que foi visto no capítulo. Segundo o PNLEM (2015), os textos selecionados representam a
diversidade cultural brasileira, chamam a atenção do jovem e podem trazer experiências
significativas de leitura.
Sobre a produção textual, o guia novamente destaca a prática da escrita em seu
universo de uso social. A proposta da coleção é trabalhar gêneros textuais diferenciados em
cada volume, com temáticas específicas nas unidades e com um nível de complexidade
gradativo. O tratamento da oralidade se realiza pela exploração da expressão oral, que se
apresenta em sugestões de debates e seminários. Há uma explicação sobre a estrutura do
gênero oral solicitado, seguida de orientações de como planejá-lo, prepará-lo e apresentá-lo, e
também referências à postura a ser assumida pelo orador e à linguagem que deve empregar.
Fechando seus comentários sobre a coleção, o PNLEM (2015, p. 59) destaca que esse
manual pode auxiliar de modo efetivo a prática docente, “tendo em vista, principalmente, a
qualidade da coletânea e a propriedade de muitas das atividades dos diversos eixos de
ensino”. O PNLEM ainda destaca que, no que se refere à leitura, o objetivo principal do livro
de Cereja e Magalhães (2012) é a formação do leitor literário apesar de a obra ser
complementada com textos do universo juvenil. Segundo o documento, o professor deverá
59
ampliar as propostas de atividades com a produção de textos escritos e, principalmente, com
as de oralidade, bem como tratar mais intensivamente as diferenças entre o oral e o escrito. A
esse respeito, o PNLEM (2015) destaca que é importante que os manuais promovam
atividades que priorizem a reflexão sobre o uso da língua nos mais diferentes espaços e
contextos.
Uma vez apresentada esta revisão do PNLEM (2015) sobre a coleção Português e
Linguagens, na próxima seção, apresentaremos a análise das atividades. Gostaríamos também
de enfatizar novamente que as representações de leitor foram identificadas mediante
atividades que apresentam como característica um ou mais textos seguidos de questões. Dessa
forma, analisamos atividades que fazem uso de diferentes gêneros textuais, a saber,
publicidade, histórias em quadrinhos, textos jornalísticos, poemas etc.
3.3 Português e Linguagens: análise das atividades
Diante das observações citadas até o momento, traremos agora a análise de algumas
atividades do livro de Cereja e Magalhães (2012). Pretendemos apresentar aqui as
representações de leitor que foram identificadas a partir do olhar da pesquisadora.
Acreditamos que trazer uma investigação pautada na AD de linha francesa pode trazer
contribuições sobre como o leitor é representado nas atividades de leitura: ele é um sujeito
engajado e construtor de sentidos ou apenas um reprodutor de modelos?
Por essa razão, as análises aqui apresentadas propõem uma possível leitura das
atividades selecionadas, segundo o gesto interpretativo de um leitor; neste caso, a
pesquisadora. Portanto, a seguir, destacamos, a partir de algumas atividades, as representações
que identificamos.
Literatura
Os exemplos apresentados nesta seção se encontram no eixo temático denominado
Literatura. As atividades deste eixo são sedimentadas em obras de autores consagrados como:
José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade e Rachel de
Queiroz, entre outros. Tais autores, e suas respectivas publicações, são referências legítimas
no contexto escolar (e também fora dele), o que permite conceber que uma das principais
características do livro diz respeito a uma acentuada valorização do ensino da literatura.
60
Observamos, portanto, que o ensino de literatura se integra à área de leitura no
material analisado. Esperamos que o aluno do Ensino Médio consiga reconhecer os períodos
literários brasileiros com suas particularidades e especificidades. Para tornar esse leitor mais
interessado pela obra, os textos são, em sua maioria, acompanhados de ilustrações, de
referências a outras obras baseadas no texto, livros, filmes e/ou publicações que apresentam
alguma relação com a obra. Convém destacarmos que, no final de cada atividade, são
sugeridos alguns sites para que o leitor conheça mais sobre o(s) autor(es) e a(s) obra(s) de
onde foi retirado o texto. Notamos aí uma necessidade de motivá-lo a ler e também conhecer a
obra por meio de outros recursos midiáticos e informativos.
Recorte 1
62
Este recorte corresponde a trechos de poemas que foram escritos por Oswald de
Andrade. Três desses versos pertencem ao livro Pau Brasil e o quarto compõe a obra O
primeiro caderno do aluno de poesia de Oswald de Andrade. Eles foram a base para as quatro
questões propostas. Cabe destacarmos que, nessa atividade, utilizamos uma ilustração feita
pelo autor sobre um dos poemas.
As quatro questões que acompanham o poema pedem ao aluno/leitor que responda
apontando informações que estão contidas no poema. A atividade como um todo tem como
objetivo discutir a importância do modelo poético proposto por Oswald de Andrade e das
características encontradas nesses poemas (mudança nos padrões estilísticos, nacionalismo,
paródia).
Observamos que as quatro questões apresentam a mesma estrutura, contendo um
enunciado que comenta o trabalho de Oswald de Andrade seguido de perguntas ou comandos.
Dessa forma, a leitura já chega ao aluno/leitor pronta e realizada, ficando restrita às
afirmações do livro. Assim, as três questões apresentadas induzem o leitor a compreender os
textos a partir dessa perspectiva, que é proposta nessa atividade como sendo a mais adequada.
Conforme Orlandi (2001), o DP pode ser definido como um discurso autoritário, uma
vez que se revela como discurso único, por meio do qual o material didático “incorpora” uma
voz autossuficiente e inquestionável, assumindo uma posição de destaque em relação ao seu
interlocutor (aluno/leitor). Isso pode ser identificado em todas as questões propostas, no uso
de verbos no imperativo, exprimindo uma ordem e um comando, e no uso das palavras:
“identifique”, “explicite” e “associe”, como, por exemplo, nas letras a, b e c da questão 3 e na
letra a da questão 4. Esses comandos trazem uma imagem de leitor que é solicitado pelo livro
a executar uma determinada tarefa. Dessa maneira, notamos essa imposição autoritária
dirigida ao leitor.
Coracini (1999b) cita que o uso de “comandos” em atividades didáticas, como as que
já identificamos,acaba sendo, de certa maneira, indispensável. Porém, cabe destacarmos,
segundo a autora, que esse recurso acaba sendo demasiadamente recorrente nos LD.
Grigoletto (1999a, p. 67) destaca que é comum nos manuais didáticos a repetição de
determinados enunciados, formas e modelos. Essas “características gerais”, como o uso
repetido de comandos, são resultados de determinados funcionamentos e “regras” que regem
esse tipo de publicação. Tais características provocam um efeito de uniformização nos alunos,
em que todos fazem as mesmas leituras, redigem as mesmas respostas e, também, acabam
reagindo de forma única às propostas do LD.
Notamos, nessas quatro questões, que temos estabelecida uma representação de leitor
63
na qual os sentidos devem ser resgatados pelo leitor. O enunciado já traz um fragmento do
manifesto da poesia Pau-Brasil, sendo que as questões se limitam a transcrições de
informações. Tal característica se torna evidente a partir das sentenças: “Aponte semelhanças
entre os poemas...”, da letra a, e “De acordo com as ideias presentes no poema...”, da letra b
na questão 4.
Dessa forma, e ainda com base no entender de Grigoletto (1999a, p. 68), “o livro
didático é concebido como um espaço fechado de sentidos”. Observamos na questão 3, letra
a,uma representação de leitor que tem como objetivo se apropriar de partes do poema, para,
em seguida, chegar à resposta correta; ou seja, à adequada e legitimada pelo LD. Assim, o
ensino da literatura a partir da identificação e interpretação de trechos do poema acaba sendo
o objetivo dessa questão, culminando em uma leitura prevista em detrimento de propor uma
atividade que envolva mais engajamento do leitor.
Desse modo, o ensino sobre o trabalho de Oswald de Andrade acaba silenciando o
leitor. Se o tomarmos como um processo de produção de sentidos, podemos dizer que o autor
do LD, em certa medida, já está interpretando no lugar do aluno/leitor. Assim, temos
representado um leitor que deve identificar uma interpretação já proposta pelo LD ao invés de
construir a sua interpretação sobre o poema.
66
A atividade em questão utilizou um fragmento do livro Vidas Secas, de Graciliano
Ramos. Essa é a primeira atividade da seção Literatura da unidade 2 e foi utilizada para
apresentar aos alunos algumas características e traços estéticos da literatura brasileira de 1930.
Acompanhando o texto, temos sete questões sobre o texto proposto.
É possível observarmos que as questões 3, letra a, 5, letra a, e 6 apresentam como
proposta a localização de alguma informação referente ao texto e que elas são elaboradas a
partir de excertos do texto. Notamos que esses excertos aparecem em destaque, inseridos em
um quadro branco nas questões. Exemplificando, na questão 3, letra a,apesar de não estar
dada na questão,a resposta é óbvia. Percebemos que não é de difícil compreensão para o leitor
relacionar a expressão “elementos da natureza” com as palavras “cabra”, “bicho” e “macaco”
apresentadas nesses fragmentos, e, assim, chegar à resposta correta. As questões já propõem
comentários acerca desses excertos, e tal condição acaba delimitando a leitura.
Na questão 5, letra b, e também na questão 1, letra b, temos um exemplo (discreto) da
influência dos PCN (1997), que priorizam a formação cidadã, uma vez que as questões
solicitam que o aluno cite um problema social que aflige o cenário brasileiro. Ao trazermos
uma questão sobre o Movimento dos Sem Terra (MST), deparamo-nos com a busca do LD
em promover a interação do aluno/leitor com a sociedade, de forma que ele estabeleça
relações entre os problemas sociais e econômicos atuais com o que é retratado em Vidas
Secas. Essa abordagem, conforme apresentada, demonstra como as atividades didáticas
buscam esse comprometimento com o exercício da cidadania, informando e conscientizando
os alunos das mazelas sociais. No entanto, reconhecermos as desigualdades socioeconômicas
não significa necessariamente uma reflexão ou um posicionamento acerca dos problemas dos
sem terra no Brasil, tanto que a questão solicita que o aluno cite o problema ao invés de,
talvez, propor uma reflexão mais crítica e profunda.
A questão 5, letra a, é acompanhada de uma ilustração, que traz homens do campo
cuidando do gado. Observamos que o MST, conforme citamos, foi abordado de modo bem
discreto na atividade. Nessa questão, o MST foi relacionado a alguns fragmentos do livro que
abordam a questão da apropriação de terras. A questão não promove uma discussão mais
abrangente em torno dos elementos que movimentam esse tema. Novamente, o ensino da
literatura acaba sendo o objetivo, impossibilitando a produção de novos sentidos pelo leitor.
Já nas questões 2 e 6, encontramos enunciados longos e explicativos, apresentando
comentários acerca do período literário estudado. A questão 2 é sobre o romance de 30 e sua
67
busca por uma linguagem brasileira, e a questão 6, que traz em seu enunciado o que
caracteriza o “romance de 30”, diz respeito ao uso de novas técnicas narrativas,
principalmente “aquelas que sustentam a introspecção e a análise psicológica do
personagem”. Para chegar às respostas solicitadas na questão 7, o leitor deve apenas se
atentar para as informações que estão descritas nos enunciados das questões 2 e 6.
Identificamos, então, nessa atividade, uma representação em que o leitor é chamado a
identificar na questão informações já atribuídas ao texto, tanto que os enunciados das
questões 2 e 6 o estimulam a tal. As instruções das atividades e o objetivo de se ensinar
literatura acabam silenciando o leitor e promovendo apenas o reconhecimento e a repetição
de informações já dadas nos enunciados. Os autores do LD são os detentores do poder de
interpretação. Segundo Grigoletto (1999a), em exemplos como esse com enunciados
explicativos, há um movimento de interdição da interpretação; ou seja, a fixação de uma
única possibilidade de leitura e consequente “homogeneização dos leitores”. O movimento é
limitado, pois os sentidos são fixos e delimitados. Assim, a interpretação do leitor é
silenciada.
Na questão 7, temos representado um leitor capaz de reconhecer apenas, e de modo
superficial, o conteúdo fatual do texto, conforme proposto nas questões, sendo que as
respostas,que são óbvias, já se encontram inseridas nos enunciados de questões anteriores,
como já indicamos. No momento em que limitam os alunos a serem reprodutores de
exercícios de reconhecimento, ocorre, então, um silenciamento do leitor. Identificamos aqui a
recusa de um gesto interpretativo (GRIGOLETTO, 1999a). De acordo com o que nos aponta
Coracini (1995), junto com essa representação de leitor, o autor dos enunciados das questões
é a autoridade que tem prioridade em relação ao leitor, atribuindo significados ao texto. O
ensino da literatura (que acaba se configurando no principal objetivo desta seção) impede que
o leitor se posicione e produza novos sentidos. Na verdade, o texto tem prioridade sobre o
leitor, o qual precisa ser competente, a fim de apreender o(s) significado(s) inscrito(s) na
materialidade da língua.
71
O recorte 3 integra a unidade 2 e foi retirado do romance Capitães de Areia, obra de
Jorge Amado publicada em 1937. Esse trecho corresponde ao capítulo “Luzes do Carrossel”.
Sobre ele, foram elaboradas seis questões. Como é possível notarmos, a atividade utilizou
duas ilustrações. O texto foi acompanhado também de um pequeno glossário, e sua presença
na atividade pode ser justificada pelo fato de encontrarmos em Capitães de Areia gírias e
regionalismos próprios do Nordeste, principalmente da Bahia.
A questão 1 foi formulada a partir de um excerto do texto. Encontramos, na letra a
dessa mesma questão, um modo de direcionar a leitura. Tal condição fica evidente, pois é
solicitado que o leitor identifique “outras passagens do texto”, que são similares ao trecho
destacado. Percebemos, na letra b, que, ao questionar os efeitos sentidos presentes nessa
repetição de trechos, a atividade procura promover, timidamente (pois temos aqui um
direcionamento), a interação do leitor com o texto. A partir disso, cabe retomarmos a ideia de
Orlandi (2001), que indica que uma das maneiras de questionarmos e procurarmos romper
com o caráter autoritário do DP é promovermos a criticidade do sujeito. Dito de outra forma,
é preciso darmos espaço para o sujeito (leitor, aluno, interlocutor) dentro do discurso como
alguém que irá refletir e pensar o texto. Assim, parece-nos que a letra b da primeira questão
procura dar esse espaço para o aluno/leitor.
As questões 4, 5 e 6 apresentam um enunciado longo explicitando algumas ideias e
características do texto de Jorge Amado. As questões 4, 5, letra a, e 6, letra a,fazem referência
a algum trecho do texto,exigindo do leitor a identificação de alguma informação. Dessa
forma, temos representado um leitor que deve transcrever as respostas que já se encontram
inscritas nas três questões. O aluno deverá identificar e repetir as informações reproduzidas
nesses enunciados, o que não demanda reflexão e interpretação mais detalhadas.
É possível verificarmos, na letra b da questão 5, uma pergunta mais ampla, que,
apesar de embasada no texto, procura ir além dele. Ao utilizar a expressão “Na sua opinião”,
o LD mostra novamente que procura romper com o autoritarismo do DP. Então, essa pergunta
deixa o aluno “livre” para manifestar seu ponto de vista, mas, ainda assim, há um
direcionamento, pois o posicionamento do leitor depende de como o texto é interpretado pelo
autor, restringindo as possibilidades de leitura que o aluno poderia realizar. Já a letra b da
questão 6 estabelece uma ponte entre o texto e o tema da unidade 2, o romance de 30, abrindo
espaço para que o aluno possa relacionar o que já aprendeu e identificou nas leituras
anteriores com o fragmento de Capitães de Areia. Novamente, temos uma abertura discreta à
reflexão sem explorarmos com mais profundidade a relação entre o texto de Jorge Amado e a
unidade 2 como um todo.
72
Assim, em algumas questões propostas, temos uma imagem de leitor que deve extrair
o significado do texto, o qual foi autorizado pelo LD (GRIGOLETTO, 1999b; SOUZA,
1999). Apesar de identificarmos uma questão (5, letra b) que promove o posicionamento do
leitor, observamos que ela é uma questão que apresenta uma abertura discreta à reflexão, não
permitindo que o leitor estabeleça uma reflexão mais profunda sobre o capítulo estudado.
Desse modo, entendemos que as atividades apresentam certa heterogeneidade. Ao mesmo
tempo em que procuram promover a interpretação desse aluno/leitor, as atividades direcionam
a leitura do aluno, conduzindo-o a responder “adequadamente” às questões conforme
estabelecido pelo LD.
Língua: uso e reflexão
Enquanto no eixo Literatura temos basicamente textos literários clássicos, em Língua:
uso e reflexão encontramos, além dos textos literários, outros como: publicidade, quadrinhos e
textos jornalísticos. Segundo o PNLEM (2015), o eixo temático Língua: uso e reflexão traz
atividades relacionadas ao ensino da gramática, como pontuação, acentuação e sintaxe, dentre
outros. A seção Literatura, Língua: uso e reflexão pode ser considerada também uma seção
bastante explorada pelo manual. Nessa parte, encontramos os mais diferentes gêneros
textuais, o que acaba sendo um diferencial em relação à seção Literatura, que é formada
apenas por textos retirados de obras literárias.
Outro ponto que caracteriza esse eixo é a presença de textos curtos, que ocupam meia
página no máximo, o que também é um diferencial em relação à seção Literatura.
Acreditamos que a presença de textos curtos nesta parte do livro tem como objetivo explorar
um maior número de atividades; isto é, trazer mais exercícios gramaticais sobre o conteúdo
estudado.
73
Recorte 4
Neste recorte, temos uma história em quadrinhos de autoria de Níquel Náusea que
integra a unidade 1. A atividade apresenta duas questões. A primeira diz respeito ao estudo da
gramática. O aluno deve identificar e classificar uma oração subordinada. Já a segunda
questão aborda o efeito humorístico do segundo quadro, que, de acordo com a própria
questão, proporciona uma “quebra de expectativa” entre a personagem (o cliente) retratada
nesse quadrinho (um vampiro) e o serviço oferecido pela clínica (bronzeamento artificial). As
questões são direcionadas: a questão 1corresponde ao quadrinho 1 e a questão 2, apesar de
ser um pouco mais abrangente, diz respeito ao quadrinho 2, respectivamente.
Na questão 1, o aluno é limitado a uma tarefa de reconhecimento, pois a resposta da
questão já é dada, já que, no primeiro quadrinho, temos apenas uma oração subordinada que
corresponde a “[...] que só funcionamos no horário comercial!” Entendemos que essa questão
74
traz representado um aluno/leitor que tem capacidade de compreender o que lhe é solicitado.
No entanto, o modo como a questão foi formulada, por si só, silencia essa habilidade do
sujeito. Apesar de o objetivo desta seção ser o foco no ensino da gramática, acreditamos que
a reflexão e a atribuição de sentidos, que poderiam ter sido propostas ao aluno/leitor, acabam
substituídas por uma mera atividade automática de reconhecimento, limitando o leitor a
identificar, copiar e classificar a oração do primeiro quadrinho (GRIGOLETTO, 1999a;
SOUZA, 1999; ORLANDI, 2001).
Na questão 2, foi proposto ao aluno identificar qual “situação surpreendente é
responsável pelo humor da tira”. Tal questão vem ao encontro da ideia de compreensão
proposta por Orlandi (2006), que a define como um processo que se dá na interação, no
momento em que o sujeito-leitor se relaciona com sua posição, como um produtor de
sentidos, explicitando as condições de produção da sua leitura. Temos, então, uma imagem de
leitor que é mobilizado a dizer algo específico do texto: qual é a situação surpreendente que
traz como efeito de sentido o humor? A partir disso, identificamos que o autor construiu uma
determinada interpretação sobre o humor presente no segundo quadrinho. Cabe, então, ao
leitor identificá-lo e descrevê-lo.
Do que procede, podemos dizer que a questão 1 está embasada em uma imagem de
leitor que vai se utilizar de um determinado texto (no exemplo, uma história em quadrinhos)
para o estudo da gramática.No primeiro quadrinho, há uma oração subordinada, que deve ser
transcrita e classificada. Desse modo, temos um leitor representado como sendo um
personagem que deve seguir o que já foi previamente formulado. Diante disso, o papel desse
sujeito fica restrito a ser apenas um executor de atividades já previstas: por exemplo: “siga o
modelo”, “transforme”, “copie” e “reescreva”. Já na segunda questão, notamos uma
representação de leitor que deve identificar a interpretação que o autor atribuiu ao quadrinho.
Ambas as questões, como já identificamos, seguem a ordem dos quadrinhos. Apesar de a
segunda questão ser mais ampla, tal condição pressupõe uma imagem de leitor que deve
realizar sua leitura de maneira ordenada, seguindo o modo como o quadrinho e as
informações nele contidas se estabelecem. Justamente, há um direcionamento da
interpretação. Há uma abertura discreta. O aluno/leitor não é chamado a construir “novos”
sentidos, mas a identificar sentidos já construídos. Em ambas as questões, o leitor é
silenciado, sendo que na segunda questão o seu silenciamento acontece de maneira discreta,
pois, ao solicitar que o aluno identifique o efeito de humor no segundo quadro, temos uma
tentativa de propor ao leitor a atribuição de sentidos, mas que novamente é delimitada e
esbarra na construção proposta pelo LD.
77
A atividade a seguir integra a unidade 2. Tendo como texto base o poema “O Gato”,
de autoria de Mário Quintana, ela é composta de duas questões. É uma atividade pequena,
característica comum no que se refere às propostas de ensino de gramática no eixo Língua:
uso e reflexão. Na primeira questão, é proposto ao aluno que analise semanticamente o uso da
pontuação no poema. Já a segunda questão é sobre a interpretação dos dois últimos versos do
poema.
É importante destacarmos que a leitura do poema nessa primeira questão é utilizada
como pretexto para discutir o uso da pontuação. As letras a, b e c dessa primeira questão se
mantêm presas em uma sequência rígida e repetida, pois temos nesses enunciados a repetição
de sua organização textual. Isso é observado, porque, ao utilizar nas três letras as expressões:
“o emprego do ponto e das reticências...”, “o emprego do ponto na segunda estrofe...” e “o
emprego das reticências e do ponto...”, por exemplo, Coracini (1999b) e Grigoletto (1999b)
destacam que esse tipo de comando se configura em algo recorrente nos manuais didáticos e,
de certa forma, acaba sendo indispensável. Todavia, segundo as autoras, é relevante que os
manuais procurem utilizar novas maneiras de abordar o texto que evitem a repetição de
expressões e procurem desafiar e interagir com seu leitor.
Na segunda questão, distanciando-se um pouco do que geralmente caracteriza a seção
Língua: uso e reflexão (que tem como objetivo o ensino da gramática), temos uma questão de
interpretação. Observamos a possibilidade de o aluno expressar seus pontos de vistas pessoais.
No entanto, essa interpretação fica reduzida aos últimos versos do poema. Novamente, temos
uma abertura discreta. O leitor não é convidado a se posicionar de modo mais “livre” diante do
texto. Tal condição se torna evidente a partir da expressão do enunciado da questão 2:
“Analise e interprete os últimos versos do poema”. A interpretação do aluno, como na
situação em destaque, acaba ficando comprometida, limitando-se apenas aos últimos
versos. Observamos, também, que o poema de Quintana poderia ser explorado com mais
profundidade e permitir ao leitor se posicionar frente ao texto como um todo.
Na questão 1, a pontuação é explorada de modo mais detalhado. Em contrapartida,
o que poderia ser uma proposta abrangente, ou seja, levar o leitor a refletir e questionar os
sentidos do poema e seus recursos estilísticos, acaba se voltando para um exercício repetitivo.
Já na segunda questão, temos uma tentativa discreta de trazer para sua cena enunciativa um
leitor mais participativo, mas tal condição fica reduzida a um pequeno trecho do poema.
Nesse sentido, observamos que a atividade analisada coloca em cena duas
representações. Na primeira questão, a pontuação é o objetivo da questão, e o aluno deve
pontuar o texto de maneira correta. Já na questão 2, temos representado um leitor que é
78
convidado a interpretar, só que essa interpretação acaba sendo limitada apenas à parte final do
poema. Diante desse posicionamento, mais uma vez, encontramos uma tentativa de abertura
discreta ao leitor, que não é plena e acaba ficando pelo caminho, no entremeio.
Recorte 6
79
Outra atividade de leitura selecionada consiste em um texto que foi retirado de um
blog. O texto chama-se “Eu estava ali deitado”, de autoria do escritor mineiro Luiz Vilela,
sendo publicado originalmente em 1968 na obra O bar. Uma das características do texto, e
que talvez foi o principal motivo de ele ter sido usado nessa atividade, é que ele
(propositalmente) não segue as regras sobre pontuação. O texto é seguido por três questões,
sendo que as duas primeiras se subdividem em questões curtas.
A questão 1, em seu enunciado principal e na letra a, utiliza as expressões “responda”
e “justifique sua resposta com base no texto”. Tais expressões têm como função direcionar as
respostas do aluno pelo fato de a atividade estar afirmando o que o autor propôs e diz respeito
à participação do narrador na história. Ou seja, a questão direciona a leitura para uma visão
única a respeito do texto, limitando as possibilidades de leitura que o aluno/leitor poderia
realizar. Essa maneira de abordar o texto é uma das estratégias que compõem a relação de
poder instaurada pelo DP. Para Orlandi (2001), dentro do DP não há espaço para que os
alunos interajam como sujeitos heterogêneos ou para que estabeleçam reflexões, associações
e comparações de acordo com suas condições de produção. Em contrapartida, na letra c dessa
mesma questão, que pergunta “De que se trata a narrativa?”, deparamo-nos com uma
tentativa de dar “voz” ao leitor, para que ele se posicione, no entanto de maneira discreta,
pois a resposta do aluno deve se fundamentar na leitura do texto.
Na questão 3, foi proposto ao aluno identificar qual foi o efeito de sentido que o
autor quis apresentar ao escrever esse texto “sem respeitar” as regras formais de pontuação.
Observamos que a questão coloca em cena um leitor que reflete e deve dizer algo específico
sobre o texto: “Que efeito de sentido o autor pretendeu construir...” No entanto, essa reflexão
fica delimitada pela própria atividade. Encontramos, novamente, uma abertura bem discreta
ao leitor.
Diante do exposto, é possível dizermos que o enunciado da questão 3 apaga a história
de leitura do aluno/leitor, pois não considera a sua posição de sujeito como um produtor de
80
leitura(s) e sentido(s). Coracini (1995, 2005) afirma que o fator determinante em uma leitura
não é o texto, e nem a suposta intenção do autor, mas o sujeito como participante de uma
determinada formação discursiva (ORLANDI, 2006). Segundo a autora, o sujeito é
heterogêneo e se inscreve no discurso, acrescentando que é só nessa visão de sujeito que se
pode dizer que o leitor é o ponto de partida da produção do sentido. Em outras palavras,
podemos dizer que a posição ocupada pelo sujeito, a formação discursiva na qual o sujeito se
insere, será determinante nesse processo de atribuição de sentidos durante a leitura.
Do que procede, podemos dizer que essa atividade está embasada em uma imagem de
leitor que vai utilizar um determinado texto, que possui características específicas que
favorecem o ensino da gramática. De acordo com Orlandi (2006, p. 50), o sujeito-leitor
acolhe “o individualismo e o mecanismo coercitivo de individualização imposto pelas
instituições13
”. Dessa forma, encontramos na questão 3 uma tentativa de convidar o leitor a se
posicionar diante do texto, mas tal condição acaba sendo contida diante do próprio objetivo
da atividade, que consiste no ensino da pontuação.
Produção de Texto
Esta seção procura contemplar a prática da escrita e, em algumas situações, o seu uso
social. É importante considerarmos que o foco desta seção não se restringe apenas à produção
escrita, mas inclui também a expressão oral ou, conforme exposto no PNLEM (2015), o
tratamento à oralidade.
É fundamental destacarmos que nesta seção a produção escrita tem como base a leitura
de um ou mais textos. As propostas apresentadas neste tópico, de modo geral, têm como foco
o debate de algum assunto que está em evidência na sociedade e nos meios de comunicação.
Geralmente, os alunos devem elaborar um texto argumentativo-dissertativo como forma de
preparação para a escrita da redação, conforme proposto pelo ENEM e outros processos
seletivos. Assim, os textos apresentados trazem algum assunto cotidiano e, geralmente, são
extraídos dos veículos midiáticos (publicidade, revistas, jornais, internet etc.). Observamos
que as propostas desta seção envolvem o debate em sala de aula, em que pontos de vista e
ideias são compartilhados com os colegas de classe e o professor, e, em algumas atividades, o
texto deve ser escrito coletivamente.
13
O termo “instituições”, conforme Eni Orlandi (2006), faz uma referência ao conceito de instituição como
apresentado por Althusser (1987); ou seja, um espaço que tem como função inculcar valores, normas e hábitos
das classes dominantes.
82
Essa atividade da Unidade 2 traz dois textos que apresentam opiniões diferentes sobre
o uso de sacolas plásticas. O primeiro é uma notícia, que fala da retirada da lei municipal de
São Paulo que proibia o uso de sacolas plásticas. Cabe destacarmos que o livro trouxe apenas
alguns trechos da reportagem. Já o segundo texto é uma peça publicitária, que traz uma
campanha realizada pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com a World Wide Fund
for Nature (WWF), uma organização não governamental que atua na preservação e
conservação das reservas naturais. O anúncio teve como objetivo conscientizar a população
sobre os danos ambientais causados pelo uso de sacolas plásticas.
A atividade é formada por duas questões abertas que envolvem a produção de texto. A
primeira diz respeito à realização de um debate em sala de aula entre os alunos, para que em
grupos desenvolvam uma carta aberta defendendo um ponto de vista sobre a proibição ou não
das sacolas plásticas. A segunda é um desenvolvimento de texto, que também deverá ser
elaborado coletivamente, a partir de uma discussão entre o aluno e os colegas de classe,
propondo a solução para algum problema enfrentado, que, segundo a questão, “vem afligindo
a escola, a comunidade, a cidade, o Estado ou todo o País”. Em relação às questões, notamos
uma preocupação para que essa atividade promova um debate e uma interação em sala de
aula.
A questão 1 solicita um posicionamento do leitor sobre a proibição ou não das sacolas
plásticas. É realmente importante para a preservação do meio ambiente? Que representação de
leitor essa atividade evoca? Abordar temas como esse, em que temos a questão ambiental
como foco, vai ao encontro novamente com as exigências dos PCN (1997, 2000). Os PCN
(1997) trazem em suas orientações que a formação cidadã esteja presente nas atividades
didáticas. O aluno/leitor deve se posicionar como um cidadão engajado e atento aos
83
problemas que afetam o Brasil. É fundamental destacar que a imagem de leitor que
identificamos aqui, além de estar em conformidade com as orientações curriculares dos PCN
(1997), é a de um leitor que interpreta, opina e debate um tema que tem se destacado no
cenário brasileiro.
Entendemos que a atividade sobre a qual estamos discutindo produz como efeito uma
abertura ao leitor. Ou seja, a atividade quer que o leitor se identifique com uma das propostas
apresentadas e, a partir disso, se posicione. Então, essa atividade traz representado um leitor
que se posiciona em relação aos textos e, desse modo, defenderá seu ponto de vista por meio
de um debate em sala de aula e também da produção de um texto.
Os PCN (1997) definem a formação para o exercício da cidadania como um dos
objetivos do ensino, dos professores e dos manuais didáticos. Para formar um cidadão, é
necessário, segundo esse documento, que o aluno desenvolva um olhar crítico no que se
refere às questões sociais, estimulando sua participação. Portanto, observamos que um
instrumento culturalmente fabricado, como o LD, apresenta como uma de suas metas
principais que o saber seja apreendido mediante um currículo voltado para a cidadania,
atentando-se para as diversidades existentes na sociedade (PCN, 1997, 2000). Atualmente, as
propostas curriculares dos PCN (1997) adquiriram novas diretrizes, não restringindo o
conhecimento a um único contexto e cultura, mas propondo, também, trazer para os LD os
chamados “temas transversais14
”. Dessa forma, não apenas a questão ambiental, mas outros
“temas transversais” devem ser incluídos nas propostas curriculares e nos manuais didáticos.
Assim, a concepção de currículo que norteia as propostas pedagógicas procura
articular o conhecimento escolar ao conhecimento cotidiano. Tanto o conhecimento escolar
quanto o cotidiano trazem consigo suas significações e atravessamentos sócio-históricos e
ideológicos, e estão envolvidos por complexas relações de poder (SILVA, 1999). De acordo
com os PCN (2000), escola, professor e materiais didáticos precisam se preocupar em tratar
tanto valores como conhecimentos que permitam desenvolver as competências para que o
sujeito tenha uma postura atuante na sociedade.
Em outros termos, nessas questões, o “exercício de cidadania” é confirmado e
legitimado pelo LD. Na questão 2, que pede que os alunos apresentem soluções para um
problema que a escola enfrenta, promovendo o debate em sala de aula e a escrita de uma
14
O compromisso com a “formação cidadã” fez com que o MEC elaborasse em 1997 os Parâmetros Curriculares
Nacionais apresentando os chamados “temas transversais”, que se dividem em: questões da Ética, da Pluralidade
Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde e da Orientação Sexual. Esses temas transversais são voltados “para a
compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e
ambiental” (PCN, 1997, p. 15).
84
“cara aberta”, deparamo-nos com a busca do LD em promover a interação sujeito e sociedade
de forma que ele se posicione sobre os problemas locais e da sociedade como um todo. Essa
imagem de leitor que se instaura aqui pede e exige o reconhecimento e a opinião de um tema
que é relevante no cenário nacional. Esta representação, a do leitor opinativo, pode ser
explicada pelos textos que embasam essa atividade, pois apresentam posicionamentos
antagônicos sobre o uso ou não das sacolas plásticas.
De acordo com Grigoletto (2003, p. 360), o funcionamento discursivo do LD propõe
ao aluno identificar-se com o discurso da igualdade e neutralidade, “como condição para
exercer seu papel de bom aprendiz e bom cidadão”. Observamos que essa atividade privilegia
um dos “temas transversais” propostos pelos PCN (1997), em que a questão ambiental é um
desses temas. Segundo os PCN (1997, p. 27), pensar e abordar o meio ambiente nas propostas
educativas significa fazer com que o aluno reflita “sobre como devem ser essas relações
socioeconômicas e ambientais, para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das
metas desejadas por todos”.
Por isso, temos representado um leitor que é levado a pensar e valorizar as ações de
preservação que propõem a sustentabilidade como objetivo “para a construção de normas que
regulamentem as intervenções econômicas” (PCN, 1997, p. 33). Temos uma atividade que
traz e chama o leitor para o debate sobre um assunto que ainda continua em discussão no
Brasil. Digamos que temos nesse exemplo um leitor opinativo. Percebemos na atividade um
compromisso com a construção da cidadania com uma proposta voltada para a compreensão
da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à questão ambiental.
Trazer para os LD determinadas questões sociais se justifica pela necessidade e
urgência em se debaterem esses temas, como no caso dessa atividade, a questão da
preservação do meio ambiente nos espaços escolares. No entanto, como esses temas são
produtos das políticas governamentais, do Estado e das instituições, eles acabam sendo
abordados a partir de uma visão utilitarista. Isto é, a inserção do debate sobre a questão
ambiental nesse LD se deve principalmente ao fato de que os documentos oficiais, como os
PCN (1997), recomendam que a questão ambiental seja um tema que deveria ser priorizado e
contextualizado em sala de aula.
86
Mediante dois textos sobre o acesso fácil à informação pela internet, a atividade a
seguir, extraída da Unidade 1, tem como proposta trabalhar com os pontos de vista pessoal e
impessoal na abordagem de um assunto por meio de um texto. O primeiro texto, narrado em
primeira pessoa, foi retirado do jornal Estado de São Paulo. Já o segundo, narrado em
terceira pessoa, foi retirado do jornal Folha de São Paulo. Os textos são acompanhados de
três questões.
87
O enunciado da questão 1 fala da pessoalidade e impessoalidade em geral, enquanto
que o enunciado da segunda questão remete mais diretamente aos textos da atividade.
Observamos que essas questões têm como objetivo discutir a questão da impessoalidade e da
pessoalidade, mas não da interpretação ou produção de sentidos sobre o texto.
Na questão 1, letras a e b, notamos que os enunciados que acompanham cada letra não
dão espaço para que o leitor interaja com o texto.A atividade envolve apenas reconhecer tipos
diferentes de texto, sendo um pessoal e o outro impessoal. Já na questão 2, temos
informações sobre um dos textos, que faz “afirmações mais genéricas, utilizando os verbos
no presente como se eles se referissem a verdades indiscutíveis”, e o leitor é solicitado a
identificar qual seria esse texto. Desse modo, segundo o enunciado, um dos textos é
considerado uma “verdade indiscutível”, competindo ao leitor seguir essa afirmação para que,
assim, escreva a sua resposta.
Nessa situação, a imagem de leitor que identificamos nos exemplos citados é a do
sujeito que deve reconhecer se o texto é pessoal ou impessoal. A atividade, de maneira geral,
não promove a produção de sentido. Notamos, também, que as questões são muito
repetitivas. As três questões abordam o ponto de vista dos textos sobre o acesso à informação.
Na questão 3, letras b e c, encontramos a resposta já dada, e, no enunciado da questão 1, o
leitor se depara com os elementos que marcam a pessoalidade e a impessoalidade do texto.
Não há reconhecimento de sentido, mas reconhecimento de elementos formais já dados no
enunciado da questão 1.
Essa atividade poderia ter proporcionado ao leitor um debate entre as histórias de
leituras do autor com as histórias de leitura do aluno/leitor, o que poderia levar à construção
de novos sentidos pelo leitor. No entanto, em nenhum momento, as questões permitem que o
aluno se posicione em relação aos textos. O aluno/leitor deve apenas identificar qual texto
traz marcas de pessoalidade e qual é impessoal.
Todavia, é importante frisar que as três questões interpretativas acabam limitando esse
leitor a uma tarefa de reconhecimento de informações contidas no texto, pois o leitor
representado é o que deve apenas identificar se o texto é pessoal ou impessoal. Portanto, essa
mobilização e movimento que podiam ser proporcionados ao leitor, levando-o a debater e
questionar os efeitos da tecnologia no cotidiano dos jovens, acabam sendo um elemento
secundário na atividade e durante a leitura dos dois textos. Mais uma vez, o LD promove uma
interdição da produção de novos sentidos pelo leitor.
91
Outra atividade de leitura selecionada utilizou cartas de leitores publicadas em
revistas e jornais de circulação nacional. Assim, a atividade traz seis cartas de leitores
publicadas nos seguintes veículos da imprensa: Horizonte Geográfico, Istoé, Veja, Época,
Veja São Paulo e Folha de São Paulo. Essas seis cartas selecionadas consistem em textos
curtos e breves, e cada comentário diz respeito a um assunto diferente.
Após a leitura das seis cartas em destaque, como vemos, a atividade é formada por
sete questões, cujo objetivo é o trabalho com o gênero textual carta de leitor. A pergunta da
letra a que integra a primeira questão (Qual a finalidade da carta de leitor?) já remete ao
próprio enunciado. Na questão 1, a carta ao leitor é apresentada como um relevante gênero
textual, “que permite o diálogo dos leitores com o editor de jornais e revistas ou entre
leitores”. Portanto, a resposta à questão 1, letra a,está dada no enunciado da questão.
A pergunta b da questão 1, ao convidar o leitor a expor sua opinião sobre se o fato de
escrever uma carta a algum meio de comunicação é um ato de cidadania, ele deve apenas
dizer se a carta ao leitor é, sim ou não, um exercício de cidadania e justificar a sua resposta. O
leitor, nessa questão, é convocado a dizer algo sobre o gênero carta de leitor de forma
direcionada. Em contrapartida, ele não é chamado a opinar sobre os temas das cartas nessa
92
questão. Assim, ao invés de a questão mobilizar o aluno a discutir e opinar sobre temas que
estão em evidência na sociedade, a atividade se restringe a ser apenas um trabalho sobre o
gênero carta ao leitor.
A questão 1, letra b, mobiliza, de certa forma, a produção de sentidos ao questionar se
a carta de leitor é um “exercício de cidadania”. Entretanto, a questão não convida o leitor a se
posicionar como “cidadão” sobre os temas discutidos nas cartas. Observamos que, nas
questões 2 e 4, as expressões solicitam que o leitor apenas escolha uma ou mais cartas, o que
implica um direcionamento das respostas dos alunos. Novamente, o aluno/leitor deve
identificar e transpor os sentidos já estabelecidos para os textos propostos, impossibilitando
que o leitor vá além e possa realizar uma leitura mais livre.
Assim, ao considerarmos a atividade como um todo, notamos que seu objetivo é o
trabalho com o gênero textual. A questão 6, letra b, é um exemplo desse trabalho com gênero
apesar de pedir ao leitor que reflita sobre as cartas lidas. Identificamos na questão 7 a única
tentativa de convidar o leitor a se posicionar e interagir de modo “livre” sobre os textos
solicitando seu posicionamento.
O uso repetido da expressão “na sua opinião”, nas questões 1, letra b, e 6, letras a e
b,pode ser considerado uma tentativa para que o leitor se posicione de modo crítico sobre as
cartas. Todavia, notamos que o leitor não é convidado a refletir de maneira “livre”. Talvez,
encontramos uma abertura a essa reflexão na letra b da primeira questão: “Na sua opinião, a
carta ao leitor constitui uma forma de exercício da cidadania? Por quê?” Encontramos uma
tentativa de abordar a cidadania. Só que isso não é explorado com profundidade pela
atividade. O trabalho com o gênero silencia esta proposta de se abordar a “formação cidadã”
nas atividades.
Observamos que essa atividade tem uma proposta interessante. trazendo cartas de
leitores de diferentes revistas e jornais. Isto é, ela traz o posicionamento de sujeitos sobre as
matérias e reportagens que andaram lendo. No entanto, ao invés de a atividade destacar esse
debate e opiniões dos leitores sobre suas leituras, ela acaba se limitando a um trabalho com
gênero textual. A imagem de leitor que temos aqui é a do que sabe identificar e caracterizar o
gênero textual carta, o que, de certo modo, silencia o debate e a discussão sobre o
posicionamento do leitor e suas leituras.
93
Interpretação de Texto
Esta seção fecha os quatro principais eixos temáticos do livro de Cereja e Magalhães
(2012). Nesta parte, encontramos questões que têm como objetivo a preparação dos alunos
para processos seletivos como o vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
Há predominância nesse bloco de questões de múltipla escolha e que utilizam diferentes
gêneros textuais. Trata-se de um percurso compreensível de ser encontrado, uma vez que
estamos às voltas com manuais produzidos para o Ensino Médio. É significativo destacar que,
além de trazer questões de processos seletivos anteriores, o livro traz também questões
próprias elaboradas pelos autores, tendo como foco o que foi estudado na unidade. Nesta
exposição, iremos trazer duas atividades que foram elaboradas para o livro.
Recorte 10:
95
Esse exemplo utilizou um texto oriundo do jornal Correio Popular. O título da
reportagem é “Educadora faz celular passar de vilão a aliado”. Nesse exemplo, temos,
também, uma única questão de múltipla escolha. Dentre as cinco opções de resposta, o leitor
deve identificar o objetivo do projeto proposto pela professora de incluir em sala de aula a
tecnologia, como, por exemplo, o uso do celular, que é um aparelho visto como incompatível
com o processo de ensino. Ou seja, como explicitado na reportagem, o celular, que é
considerado vilão, foi “transformado” em um aliado no processo pedagógico.
Observemos que a questão apresentada solicita que o leitor identifique o objetivo da
proposta da educadora, pedindo que ele marque a assertiva mais adequada ao que temos no
texto. Tal condição pode ser identificada pelo enunciado: “O projeto da professora buscava,
principalmente:”. Esse recurso, focado na escolha da resposta mais adequada, também aponta
para uma única possibilidade de interpretação, legitimando-a e, ao mesmo tempo, excluindo
outras que não se associam totalmente com a interpretação estabelecida pelo autor para a
reportagem.
Assim, instituímos não somente uma interpretação, mas explicitamos também o que é
mais adequado e o menos adequado dentre as cinco assertivas. Questões como a citada
procuram direcionar a leitura do aluno. Segundo Orlandi (2001), no DP, a polissemia, ou seja,
a ruptura, o deslocamento da linguagem é contido. Há somente uma resposta correta para a
questão. O enunciador é o “agente exclusivo”, o que dá as ordens ao seu interlocutor
(ORLANDI, 2001).
Com base no entender de Grigoletto (1999a), as atividades de leitura apresentam como
características perguntas de “compreensão” do conteúdo do texto, sendo que essa
“compreensão” é resultado de uma interpretação, a do autor do livro. Tal característica pode
ser identificada nessa atividade, pois o modo como foi formulada é, ao mesmo tempo, a
apresentação de um ponto de vista sobre o texto, o do autor do livro, que prioriza uma
resposta, que, segundo o LD, melhor explica o objetivo da professora. Na verdade, as cinco
assertivas propostas como respostas, de certa maneira, explicam e atribuem uma
interpretação ao texto. Uma característica que denota essa condição é a presença do advérbio
“principalmente”. Em outras palavras, as letras a, b, c, d e e trazem uma explicação sobre o
texto, mas o autor quer a “principal”, que, segundo ele, é a mais correta.
Percebemos, portanto, um paradoxo entre a reportagem e a forma como ela foi
utilizada na atividade. O texto traz uma proposta de como o professor pode usar o celular, que
é encarado nas salas de aula como algo antipedagógico, como um instrumento que vai
despertar a atenção do aluno para as aulas. Isto é, temos uma atividade que pode despertar a
96
atenção do leitor e estimular a sua criticidade, pois fala de tecnologia, inovação e novas
formas de ensinar e aprender. Porém, a atividade, com seu modelo e esquema
preestabelecidos – uma questão de múltipla escolha –, constrói uma representação de leitor,
em que ele é direcionado pelo autor a identificar os sentidos já dados e autorizados pelo LD.
Nesse exemplo, temos representado um leitor que deve identificar a interpretação que
o autor atribuiu ao texto, que continua a ser autoridade, o portador de significados por ele
limitados. Então, nessa concepção, temos um texto que tem prioridade sobre o leitor, o qual
precisa, mesmo que mecanicamente, assimilar os significados contidos na leitura. Conforme
Carmagnani (1999a), atividades dessa natureza colocam em cena uma representação em que
temos estabelecida uma imagem de leitor que tem que seguir o que é determinado: ler o texto
e identificar a interpretação que o autor construiu para o texto.
98
O texto da atividade citada foi retirado da versão online do jornal Gazeta do Povo. A
reportagem é sobre uma manifestação que reuniu 1.000 ciclistas na cidade de Curitiba. O
fragmento é acompanhado da imagem de uma placa de trânsito adulterada. Observamos que a
atividade apresenta uma questão de múltipla escolha que procura associar a placa a uma
expressão presente no trecho. Não fica claro se essa questão foi extraída do ENEM ou de
outro processo seletivo. Entendemos que ela foi elaborada pelos próprios autores do livro.
Temos nesse exemplo, novamente, uma imagem de leitor que tem que identificar
dentre as opções a que melhor se relaciona com a ilustração. Temos, então, um aluno/leitor
que irá responder a uma pergunta de maneira objetiva, ficando restrito ao que foi informado.
Na visão de Carmagnani (1999a), questões de múltipla escolha, como a do exemplo citado,
apresentam como proposta o treinamento do aluno em responder a um certo tipo de pergunta
a partir de um elemento determinado. A questão tem como objetivo associar uma passagem
do texto que melhor se relaciona com a placa adulterada.
A leitura aqui é utilizada como um recurso que irá fazer o leitor identificar qual,
dentre as cinco passagens selecionadas (da letra a até a letra e), é a que mais se associa à
ilustração. Portanto, o leitor deve relacionar a imagem com a ideia do texto. Assim, a
atividade fica restrita a uma única ideia: associar a imagem ao trecho da publicação. Não é
necessário que o aluno/leitor tenha acesso a todo o texto, mas que reconheça um sentido já
sedimentado pelo autor. Assim, ele é guiado pela atividade, que, por sua vez, “não leva o
aluno a uma análise mais aprofundada de conteúdos ou à internalização de conceitos”
(CARMAGNANI, 1999a, p. 53).
Percebemos que o texto-base da questão é sobre uma manifestação popular: o protesto
de um grupo de ciclistas sobre o uso de uma ciclovia. Como descrito no próprio texto, este
evoca ideias como “união”, “luta” e “mobilização cidadã”. Vale dizermos que, talvez, se esse
texto fosse explorado de outra forma, pudesse propiciar ao seu leitor a construção de novos
sentidos na reportagem. Talvez, a atividade pudesse proporcionar ao aluno refletir de maneira
crítica e responsável sobre outras situações sociais. O texto, que discute o uso de ciclovias,
poderia suscitar no seu leitor a ideia de como o diálogo entre população e poder público pode
ser utilizado como forma de mediar conflitos e auxiliar nas decisões que dizem respeito a um
segmento social. No entanto, o aluno deve identificar a afirmativa correta e se apropriar de
um único elemento presente no texto. Essa interdição à interpretação impede que o sujeito
busque novos sentidos, limitando-o a tarefas de reconhecimento de informações já
legitimadas.
Tal representação evoca um leitor que irá exercer uma única leitura, que, por si só, irá
99
suscitar uma única interpretação. A atividade nega o posicionamento do leitor, impedindo-o
de fazer uma leitura “livre” e diferente, fazendo com que ele identifique a interpretação que
os autores atribuíram ao texto, que consiste na interpretação correta e legítima. O LD, nessa
perspectiva, é a autoridade, o portador de significados por ele limitados, trazendo a imagem
de um leitor que irá localizar a informação que o LD atribuiu ao texto e que é a correta.
3.4 As representações de leitor: a heterogeneidade entre o mesmo, uma (discreta)
tentativa de ruptura e as “vozes” do LD
Em nosso propósito de investigar as representações de leitor, buscamos, neste
momento, sintetizar algumas de nossas principais observações sobre esse sujeito inscrito no
livro de Cereja e Magalhães (2012). Assim, pautamo-nos em apontar algumas dessas imagens
com que nos deparamos inscritas nas atividades analisadas. Não pretendemos trazer aqui uma
descrição longa e exaustiva, mas apresentar de maneira sucinta algumas das nossas principais
impressões e questionamentos sobre o que observamos.
O que temos a dizer é que a constituição das representações que identificamos se dá na
heterogeneidade em que esse leitor é inscrito na materialidade linguística das atividades que
fundamentaram a nossa análise. Dessa forma, temos, em Português e Linguagens, algumas
representações que destacamos aqui: a) a do leitor que irá localizar o que a questão solicita no
texto, limitando-se a um executor de tarefas; b) o que deve responder às questões a partir de
respostas “já dadas” no próprio enunciado; c) o leitor que deve seguir a interpretação do autor,
sendo que a resposta correta é justamente a que foi atribuída por ele. Tal característica é
observada, por exemplo, nas questões de múltipla escolha; d) também, identificamos algumas
(poucas) atividades que convidam o leitor a se manifestar e expor seu ponto de vista. Essa
abertura à manifestação do leitor acontece de duas maneiras: “discreta”, em que o leitor é
convidado a interpretar, mas com um direcionamento. É uma abertura que fica “a meio do
caminho”. E a outra é uma abertura “plena”, em que o leitor realmente é convidado a expor
seu posicionamento. Essas representações não são frequentes nas atividades de leitura do LD,
limitando-se a uma ou duas questões; e) a do leitor que tem como meta aprender literatura,
gênero textual e/ou gramática, o que resulta em um apagamento do posicionamento do
aluno/leitor como um sujeito crítico; e, por fim, f) identificamos, também, que algumas
questões trazem uma imagem de leitor como um cidadão engajado e comprometido com
problemas e temas que afetam a sociedade. Essas questões contemplam: situações cotidianas
(como o uso ou proibição das sacolas plásticas) e discussões que estão em evidência no
100
cenário brasileiro (MST, a tecnologia usada pelo jovem para ter acesso à informação). Enfim,
observamos, em alguns exemplos, que essas propostas mobilizam e convidam o leitor a
manifestar seu ponto de vista.
Nessa constituição heterogênea das representações de leitor, há uma contradição
importante: aquela entre o leitor silenciado e o leitor produtor de sentidos. Fundamentalmente,
é nesta contradição – entre o silenciamento do leitor e a promoção do seu dizer – que as
representações se configuram no livro analisado. A heterogeneidade que constitui as
representações de leitor que trouxemos nesta pesquisa revela as mudanças pelas quais o LD
vem passando ao longo dos anos. Ao mesmo tempo em que refletem modelos já padronizados
pela repetição como, por exemplo, “justifique”, “reescreva”, “copie” etc., esses modelos
silenciam o leitor, pois ele acaba sendo representado como um reprodutor de modelos ao
invés de um sujeito produtor de sentidos. Porém, sabemos que os LD buscam novas
configurações como uma abertura ao posicionamento do leitor. Observamos, assim, a
complexidade do discurso. A materialidade linguística é marcada pela heterogeneidade entre o
discurso dominante e institucional e a tentativa em manter um diálogo com o leitor ao qual se
direciona, que é silenciado pelas “vozes” do LD.
É do conhecimento de todos que o trabalho com a leitura segue uma rotina, já
consagrada no contexto escolar, que consiste em: uma conversa prévia sobre o conteúdo do
texto, a leitura silenciosa realizada pelos alunos, a leitura em voz alta pelo professor e depois
pelos alunos, e, em seguida, os alunos devem realizar as atividades propostas. Tendo como
base essa maneira (tradicional) de se abordar a leitura nas aulas, foi possível percebermos, em
algumas atividades analisadas, que o texto é tratado como “depósito” de sentido, a ser
resgatado pelo leitor mediante a decodificação da sua materialidade linguística, recuperando
sentidos já construídos. Tal perspectiva acaba se consolidando em algo recorrente nas
situações educacionais. Assim, ancorada nessa visão da língua como código, é preciso
decodificá-la para que ela tenha sentido. Sobre isso, observamos em algumas atividades que a
prática da leitura não passa de mera reprodução, pois o bom leitor é o que lê o texto do modo
previsto e capta a informação, decodificando o texto.
Verificamos, também, que algumas atividades apresentam perguntas de
“compreensão” do conteúdo do texto que colocam em cena uma interpretação já autorizada
pelo autor do LD. Tal característica pode ser identificada em algumas questões, pois o modo
como são formuladas é, ao mesmo tempo, a apresentação de um ponto de vista sobre o texto,
priorizando determinados elementos, que serão o principal objetivo da atividade. Então:
101
[...] as questões que conduzem o aluno a essa compreensão são já fruto de uma
interpretação – a do autor do LD –, interpretação concretizada na própria maneira de
se formularem as perguntas e na priorização por determinados fatos que serão objeto
das questões. Nessa visão, é somente após a ‘compreensão’ por meio do qual o
sentido do texto se revela (ilusoriamente) na sua transparência, garantida pela
obtenção de uma única leitura para todos, que o aluno pode trazer a sua contribuição
pessoal, ao ser solicitado a dar opiniões. Atribui-se mais valor, portanto, à apreensão
dos fatos e/ou ideias do texto, o que conduz a uma leitura homogeneizante, do que
às leituras pessoais, que têm seu caráter acessório marcado pelo espaço que ocupam
no livro (sempre menor que os das questões de entendimento) e pela hierarquia
imanente à ordem das atividades (sempre após o primeiro tipo de questões)
(GRIGOLETTO, 1999a, p. 70).
Diante disso, percebemos que o LD tenta padronizar as respostas dos alunos, não
considerando a individualidade de cada sujeito, para dar lugar à homogeneidade. A imagem de
leitor que se tem instaurada é a do sujeito que é passivo diante da atividade, sendo anulado
seu processo de construção de sentido em relação aos textos propostos. Verificamos que o
leitor é representado como alguém que deve extrair o significado proposto pelo autor. Isto é,
extrair o sentido delimitado pelo LD (CORACINI, 1999b; ORLANDI, 2001). No livro
analisado, foi possível percebermos que o leitor deve apenas, na maioria das situações,
resgatar e apreender o sentido já dado. A interpretação e construção de novos sentidos acabam
ficando em segundo plano. Não há um trabalho e atenção desse material a esse
posicionamento do leitor.
As expressões “identifique”, “reescreva”, “copie” e outras que observamos nas
atividades, conforme citamos anteriormente, têm como função direcionar as respostas do
aluno. Esses “comandos” antecipam o leitor como um executor de tarefas que deve seguir o
que as atividades determinam (GRIGOLETTO, 1999a), limitando as possibilidades de leitura
que o aluno/leitor poderia realizar (CORACINI, 1999b; GRIGOLETTO, 1999a, 1999b). Essa
maneira de abordar o texto é uma das estratégias que compõem a relação de poder
instaurada pelo DP. Para Orlandi (2001), dentro do DP, não há espaço para que os alunos
interajam como sujeitos críticos ou para que estabeleçam reflexões, associações e
comparações de acordo com suas condições de produção.
Nas atividades que têm como proposta a identificação e a transcrição de informações,
o aluno/leitor já se depara com uma interpretação já estabelecida pelo autor. Assim, temos
representado um sujeito submisso ao texto, que continua a ser autoridade, o portador de
significados por ele limitados. Então, nessa concepção, temos um texto que tem prioridade
sobre o leitor, o qual precisa, mesmo que mecanicamente, assimilar os significados contidos
na leitura do texto. Conforme Carmagnani (1999b), atividades dessa natureza são
direcionadas a um leitor idealizado, que segue o que é determinado e que no final aprende.
102
Buscamos, dessa maneira, garantir que o LD forneça o que é necessário e que o aluno/leitor
receba essas informações de forma organizada, para que os objetivos sejam alcançados.
Observamos que, muitas vezes, não apenas no livro Português e Linguagens, mas nos
LD de maneira geral, o processo de construção de sentidos, a partir da leitura do texto, é
conduzido de maneira equivocada, por serem fechadas as portas ao diálogo entre o leitor e o
texto. Em outras palavras, os alunos são levados a realizar uma leitura previsível por meio de
atividades que se restringem à superficialidade da cópia e identificação de fragmentos do
texto.
Nesse viés, encontramos também atividades que convidam o aluno/leitor a expor seus
pontos de vista. Mas tal convite acontece ora de maneira discreta e em (poucas) questões de
maneira “plena”. Nesse sentido, entendemos que buscar o posicionamento do leitor
demonstra que os LD procuram ser mais sensíveis ao aluno/leitor, procurando uma abertura
para suas opiniões e ideias, e tendo como propósito romper com o autoritarismo do DP.
Assim, o LD apresenta algumas atividades com essa tentativa de abertura, o que não leva,
necessariamente, a um posicionamento mais crítico e engajado do leitor. Entretanto, talvez,
seja um indicativo de que o livro tem procurado, mesmo que modestamente, dar mais espaço
ao leitor como um sujeito que atribui sentidos ao invés de ser a voz única e central da leitura.
Tal condição reflete essa heterogeneidade, que marca as representações de leitor que
trouxemos para esta pesquisa. Cabe destacarmos que esse tipo de atividade, em que o leitor é
chamado para opinar, é encontrado em menor número no LD analisado em relação a outras
identificadas. Ou seja, essa “abertura plena” ao leitor acontece em alguns (senão raros)
momentos nas atividades. Elas aparecem em alguns textos. Isto é, ainda é um modelo de
questão que é explorado em manuais como esse de modo secundário.
Vale considerarmos, também, que nos deparamos com uma representação de leitor um
pouco diferente em algumas atividades. Em outros termos, temos um leitor que é convidado a
opinar e debater temas sociais, como a preservação ambiental (proibição ou não de sacolas
plásticas, uso das ciclovias). Ainda nesse percurso, é importante considerarmos que debater
questões sociais se justifica pela necessidade em trazer esses temas para os espaços escolares.
Tal perspectiva vai de encontro também às exigências dos PCN (1997) em formar o aluno
para o exercício da cidadania. No entanto, como esses temas são produtos das políticas
governamentais, do Estado e das instituições, eles acabam sendo abordados a partir de uma
visão utilitarista. Dessa forma, a temática social é apenas usada como alternativa para se
trabalhar a produção de texto ou, então,o ensino da literatura. Isto é, sua função principal é
servir às estratégias de ensino. Ou seja, novamente, o objetivo principal não é propor
103
atividades que permitam a construção de novos sentidos sobre a sociedade, mas cumprir o
que os documentos oficiais, como os PCN, exigem em suas diretrizes.
Conforme citado anteriormente por Apple (2006a, 2006b), o conhecimento escolar não
é um conjunto neutro de conhecimentos, que, de algum modo, estão presentes nas práticas
pedagógicas e nos manuais didáticos. Esse conhecimento resulta da seleção e escolha do
grupo que detém o poder e que reconhece o que deve ser considerado como um saber
legítimo. Em outras palavras, o saber escolar é um “produto das tensões, conflitos e
concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo”
(APPLE, 2006a, p. 59). Sobre isso, Moreira e Silva (2006, p. 45) acrescentam:
[...] é vital perceber que, embora nossas instituições educacionais de fato operem
para distribuir valores ideológicos e conhecimento, sua influência não se resume a
isso. Como sistema institucional, elas também ajudam, em última análise, a produzir
o tipo de conhecimento (como se fosse um tipo de mercadoria) necessário à
manutenção das composições econômicas, políticas e culturais vigentes. Chamo-o
‘conhecimento técnico’, no presente contexto. É a tensão entre a distribuição de
produção que em parte responde por alguma das formas de atuação das escolas no
sentido de legitimar a distribuição de poder econômico e cultural existente.
Diante disso, entendemos que o DP ou discurso escolar está muito bem amarrado pela
ideologia. Assim, o aluno/leitor acaba imerso em um sistema que prioriza a reprodução e a
repetição de conhecimentos já autorizados, sem espaço para que manifeste a sua opinião
diante das atividades de leitura. Mas mesmo apresentando essas características, notamos que o
LD procura, em alguns momentos, romper com esses modelos já recorrentes no LD.
A instituição escolar, como já citado, procura priorizar e homogeneizar o
conhecimento, autorizando e validando o saber. No entanto, notamos que as representações
que identificamos nesta pesquisa são constituídas por outras vozes (PCN, DP, conhecimento
escolar legítimo), que se cruzam no funcionamento da língua, que constroem possibilidades
de leitura e interpretação e que constituem o LD como algo dotado de heterogeneidade. Além
das vozes que citamos, PCN, DP e conhecimento escolar, há, também, as vozes dos textos que
são apresentados nas atividades e, ainda, a do autor, que, em alguns momentos, pode ser
determinante para o rumo tomado pela atividade.
Podemos perceber, nesta investigação, que as vozes que compõem e influenciam o LD
são uma das condições que caracteriza essa heterogeneidade. No início deste trabalho,
apresentamos uma questão: o livro Português e Linguagens traz inscrito em suas atividades
um leitor que constrói sentidos ou um sujeito que reproduz modelos? A respeito disso,
observamos que o LD procura trazer em suas atividades um leitor engajado, comprometido
104
com a leitura e que interpreta, e, junto a isso, um leitor que é silenciado. Ou seja, há um
conflito entre a representação do leitor que interpreta e a do leitor reprodutor de modelos.
Presumimos, portanto, que as contradições detectadas entre essas duas representações
(opostas) de leitor sejam também decorrentes desse conflito no momento da interação dessas
vozes que atuam e configuram o LD.
Diante das representações de leitor e leitura que apresentamos, e, também, do
posicionamento que o leitor pode assumir (ao se reconhecer com uma ou com outra imagem
de leitor), acreditamos que este trabalho abre uma possibilidade de reflexão sobre a interdição
à interpretação dos leitores pelas vozes que interferem no manual analisado.
Observamos que o LD Português e Linguagens é uma composição heterogênea que
procura dar voz ao aluno/leitor. Só que tal condição, na maioria das situações, acaba não se
concluindo “plenamente”, só em alguns raros momentos. A análise das atividades que
trouxemos aqui chama a atenção para esta busca em formar um leitor construtor de sentidos.
Todavia, se considerarmos as atividades como um todo, não nos deparamos com esse espaço
“amplo” e “pleno” para que o leitor opine e se posicione.
A partir disso, entendemos que as representações de leitor ainda estão presas a certos
modelos que, por sua vez, são legitimados e autorizados pelo LD. Como já dissemos, o LD
tende à homogeneidade e à repetição de suas estruturas, que, por sua vez, são vinculadas às
relações de poder e saber, direcionando os sujeitos. Retomando algumas considerações de
Silva (1999), por que trazer nas propostas curriculares determinados conhecimentos, e não
outros? Ou melhor, como no caso da nossa investigação, a pergunta que cabe aqui seria: por
que identificamos essas representações de leitor, e não outras?
Assim, as imagens de leitor são estabelecidas visando ao objetivo de ensino que pode
ser, como nos exemplos que trouxemos, o trabalho com o gênero, o ensino da literatura, da
gramática e da preparação para o ENEM e o vestibular. Isto é, certas leituras são legítimas, e
outras não. Por fim, as representações de leitor, tal como identificamos no livro de Cereja e
Magalhães (2012), se dão na tentativa de trazer inscrito em suas propostas um leitor opinativo
e construtor de sentidos. Todavia, ao mesmo tempo, tal tentativa acaba esbarrando nos valores
e esquemas tradicionais já cristalizados e perpetuados nos LD. A heterogeneidade demonstra
o conflito entre as representações de leitor que o LD apresenta.
A busca pela formação de um leitor construtor de sentidos é silenciada por essa
estrutura cristalizada e tradicional. Tendo por base essa perspectiva, aproximamo-nos das
conclusões de Orlandi (2001), Coracini (1995, 2005) e Silva (1999), que afirmam que o
conhecimento escolar, a leitura e a educação são processos ideológicos em constante
105
movimento, permitindo tanto a paráfrase quanto a polissemia, pois temos várias vozes em
jogo, mobilizando diferentes possibilidades de entendermos as representações de leitor e
leitura.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um público comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco
manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias.
Mário Vargas Llosa
Neste estudo, objetivamos investigar as representações de leitor nas atividades do livro
Português e Linguagens. Para isso, tivemos como respaldo teórico a AD de linha francesa.
Dessa maneira, a análise empreendida neste estudo foi construída a partir de um gesto
interpretativo. Não consideramos os resultados apresentados aqui como corretos ou
incorretos. Eles são apenas uma nova maneira (a da autora deste trabalho) de entendermos
qual o leitor encontramos no livro de Cereja e Magalhães (2012). Vale lembrarmos que a AD
é uma disciplina de interpretação e nos baseamos nessa perspectiva de Pêcheux (2002) já tão
consolidada nos estudos discursivos.
Sobre as representações que identificamos, percebemos que ela se constituem na
heterogeneidade em que esse leitor é inscrito na materialidade linguística do LD analisado.
Nessa perspectiva, há uma contradição entre o leitor silenciado e o leitor produtor de sentidos.
Dessa forma, o leitor é representado ora como um sujeito capaz de depreender os sentidos já
dados e inscritos na superfície do texto, e, em outros (poucos) momentos, como um construtor
de “novos” sentidos. No entanto, cabe destacarmos a tentativa do livro de tentar chamar o
leitor para interagir com o texto. Reconhecemos, assim, um avanço na medida em que o LD
analisado também representa o leitor como um construtor de sentidos, mesmo que esse
“convite” seja realizado em raros momentos, sendo que na maioria das atividades não
identificamos essa abertura ao leitor.
A partir da nossa análise, observamos, também, um comprometimento do LD com a
formação cidadã. Temos, nas representações identificadas, um leitor que deve ser preparado
para o exercício da cidadania, sendo convidado para o debate em sala de aula com o professor
e os demais colegas. O leitor é representado como um sujeito que atua dentro da sociedade,
opinando e participando na busca por soluções para os problemas sociais que afligem o Brasil,
e o mundo, como um todo. Essas questões apontam para uma ruptura com a representação
predominante nesse manual, que consiste no sujeito que extrai os sentidos já dados no texto.
Ou seja, o leitor é visto como alguém que opina e discute temas relevantes. Porém, ao
107
olharmos para as questões, percebemos que elas acabam esbarrando nos “objetivos” em se
ensinar literatura, gramática, trabalho com gêneros textuais, e até mesmo o “compromisso”
com a “formação cidadã” etc. Nesse viés, os objetivos de ensino “silenciam” o leitor como um
produtor de sentidos.
Estas representações, a do leitor que atribui sentidos e a do leitor reprodutor de
modelos, conforme citado na seção anterior, demonstram essa constituição heterogênea do
LD. Ambas as representações (a do leitor que interpreta e a do reprodutor de informações)
refletem essa heterogeneidade. Por um lado, temos a busca pela ruptura de velhos modelos,
mas que não rompe totalmente, só em algumas raras situações. Dessa maneira, percebemos
que o modelo engessado do LD impede essa quebra de paradigma. O LD oscila entre essas
duas representações opostas no seu modo de abordar o leitor. A influência e a presença dos
diferentes discursos que atuam no LD contribuem, de certa forma, para essa heterogeneidade.
É do nosso conhecimento que há inúmeras pesquisas sobre o leitor e suas
representações. Entretanto, esta investigação surgiu de uma inquietação em saber se nos
manuais didáticos atuais o leitor é representado como um sujeito crítico ou apenas um
reprodutor de modelos. Ao tratarmos da leitura, principalmente a leitura que circula nas
instituições escolares, remetemos à ideia de que os LD trazem uma imagem de leitor já
estabelecida, que consiste no sujeito que deve fazer o que é solicitado, cumprindo, assim, os
objetivos de ensino (aprender gramática, literatura e gêneros textuais; adquirir habilidade para
resolver questões de múltipla escolha, entre outras). Mas procuramos identificar se temos nas
atividades uma imagem de leitor “diferente” e pensante, que se distancia dos modelos
repetidos e marcados pelo tradicionalismo dos sistemas de ensino.
Acreditamos que as representações que identificamos foram sendo adquiridas e
consolidadas ao longo dos anos, sendo influenciadas e, ao mesmo tempo, construídas pelas
“vozes” do DP, dos PCN, do conhecimento escolar autorizado e das políticas públicas, entre
outras. Diante disso, temos “vozes” que constituem as representações de leitor e que também
se inscrevem na história, sustentando as relações de poder e mantendo o discurso das classes
dominantes. Por isso, o LD analisado pode ser considerado como algo heterogêneo, pois é o
reflexo de várias vozes, que, por sua vez, fazem com que ele represente seu leitor ora como
um sujeito opinativo e, na maioria das situações, como um reprodutor de informações já
dadas.
Percebemos, então, nas atividades do livro, que há um comprometimento com o
incentivo à leitura, tanto que o LD traz inúmeras atividades com os mais diferentes gêneros
textuais. As atividades, em sua maioria, são acompanhadas de ilustrações. Também, notamos
108
todo um cuidado na apresentação e abordagem dos textos propostos. Há sugestões
(principalmente nos textos literários) para que sua “leitura” continue em outras mídias como a
internet. Em algumas (poucas) questões, identificamos um leitor que é representado como um
construtor de sentidos, crítico e atuante, mas tal condição é discreta e pouco explorada pelo
manual. Acreditamos que esse efeito não é “culpa” dos autores do LD, mas talvez essas
representações sejam resultados da ideia de que o leitor e a leitura são construções fixas, ao
invés de mutáveis e em movimento, afetadas pela história.
Em nossa opinião, essas representações são construções já consolidadas e cristalizadas
no jogo de relações sociais. Contudo, acreditamos também que a reprodução de tais
construções – ou a ruptura em relação a elas – está na dependência da forma pela qual o LD é
utilizado em sala de aula.
Ao longo desta pesquisa, ressaltamos, repetidas vezes, que a leitura é um objeto
dotado de historicidade. Em outras palavras, a leitura, encarada na perspectiva discursiva, não
é uma unidade fechada em si, pois ela mantém uma relação constante com outras leituras
(possíveis ou imaginárias), com as histórias de leitura do leitor (há leituras possíveis em uma
época que talvez não sejam possíveis hoje e talvez sejam no futuro) e com suas condições de
produção (os sujeitos do discurso e a situação) (ORLANDI, 2001). Portanto, acreditamos,
como Orlandi (2001), que a formação do sujeito-leitor intérprete deve considerar suas
histórias de leituras, seus conhecimentos prévios e seu posicionamento como um sujeito que é
capaz de ir além da reprodução de modelos e esquemas já estabelecidos.
Dessa forma, entendemos que o ato de ler é uma prática que se dá na interação
leitor/texto. Portanto, o que propomos neste trabalho é explicitar o modo como o leitor é
idealizado nas atividades de leitura. Voltando à pergunta que trouxemos no início deste
trabalho: o leitor é imaginado como construtor de sentidos ou um reprodutor de informações
já dadas?, identificamos representações de leitor que apresentam uma abertura ao
posicionamento do aluno que, por sua vez, não se conclui, em algumas situações, em uma
abertura “plena”, e, também, outras representações já consolidadas nos manuais escolares, a
do “leitor padrão”, tal como descrito por Eni Orlandi em suas publicações sobre a leitura
escolar. O leitor padrão consiste no leitor que irá seguir o que é indicado pela atividade e, por
sua vez, decora, imita e repete.
Todo esse percurso que fizemos, procuramos fazê-lo considerando que as atividades
didáticas dos LD precisam urgentemente problematizar as leituras e os leitores a quem elas se
direcionam. Consideramos que um dos pontos fundamentais é o LD propor um trabalho
significativo que proporcione mudanças no modo como o leitor é representado nas atividades
109
didáticas. Dessa forma, esperamos que a investigação que trouxemos aqui ofereça um novo
olhar não só no que se refere ao ensino da leitura, mas também à reflexão sobre como os LD
atualmente concebem e entendem o leitor com quem “dialogam”.
As representações de leitor são formadas na e pela heterogeneidade. Elas se situam
neste entremeio, nesta contradição e neste conflito: o leitor deve opinar, mas ao mesmo tempo
é silenciado. Diante desse posicionamento, entendemos o LD como um instrumento afetado e
constituído por outras vozes, que sustentam o autoritarismo do DP, engessando as
representações de leitor inscritas nas atividades. Então, essas representações de leitor tão
heterogêneas com que nos deparamos demonstram as diferentes maneiras com que as vozes
que atuam no LD constituem o seu discurso, que, por sua vez, se reflete nessa imagem de
leitor que está inscrita na materialidade da língua.
Assim, direcionamos nosso olhar e expectativas para que a imagem de leitor presente
no LD deixe de refletir o engessamento das estruturas hegemônicas e que ele movimente e
apresente outras representações, ocupe outros lugares, não se limitando a reproduzir o leitor
padrão. Esperamos, também, que os LD, de modo geral, pensem o seu leitor como um
cidadão comprometido e um sujeito que, ao ler, irá questionar e se posicionar. Não queremos
que nossas considerações sejam limitadas a informações soltas, como muitas outras, mas que
elas possam fazer outros pesquisadores pensarem a educação e a leitura visando a políticas
que culminem em uma transformação no modo como os LD concebem o seu leitor.
A leitura (seja escolar ou não), como um discurso, é afetada pelas condições de
produção. Na perspectiva da AD, a leitura é o lugar do jogo de sentidos, de movimentação da
língua, de funcionamento do discurso (ORLANDI, 2006). Sabemos que o LD, por ser um
propagador de conhecimento, é um terreno de luta e conflito, onde temos o encontro e o
embate de várias vozes procurando reconhecimento e afirmação. A composição heterogênea
do LD faz desse material um lugar de representações conflitantes: o leitor é convidado a
participar. Contudo, esbarra nos modelos já engessados do LD, que, por sua vez, silenciam e
impedem o seu posicionamento.
Neste trabalho, propusemo-nos a investigar as representações de leitor no manual
elaborado por Cereja e Magalhães (2012), ficando, para nós, a necessidade de estendermos
esta investigação para outros LD, que, como o Português e Linguagens, também são muito
utilizados e se configuram como referência para o ensino. Acreditamos, também, que esta
pesquisa possa ser um indicativo para futuras pesquisas, trazendo novas maneiras de se pensar
a imagem de leitor dos LD. Consideramos que nossa investigação poderá ser direcionada
futuramente para o ensino da leitura não apenas em livros do Ensino Médio, mas em livros do
110
Ensino Fundamental. Ademais, pesquisar as representações de leitor, em âmbito educacional,
não deve ser algo restrito aos LD, mas deve ser estendido a outros materiais e livros que
fazem parte das leituras do aluno/leitor.
Finalizando, longe de termos esgotado o potencial analítico das atividades de leitura
dos LD, pois esta análise demonstra como esse tema é central quando voltamos o nosso olhar
para as instituições escolares e para o campo educacional como um todo. De qualquer modo,
acreditamos que a contribuição da presente investigação, que foi realizada a partir de um
gesto interpretativo (afinal, existem outras pesquisas sobre a leitura escolar e suas
representações), possa suscitar, futuramente, novas investigações e debates. Esperamos, por
conseguinte, que os dados analisados aqui possam despertar novos olhares e outras
interpretações sobre a temática aqui contemplada.
111
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