MARIA IRENE DE SOUSA CAMPOS Linguística no 1º CEB · dos planos morfológico e lexical,...

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Universidade de Aveiro 2011 Departamento de Educação MARIA IRENE DE SOUSA CAMPOS RAMOS Gramática e Sensibilização à Diversidade Linguística no 1º CEB

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  • Universidade de Aveiro

    2011

    Departamento de Educao

    MARIA IRENE DE SOUSA CAMPOS RAMOS

    Gramtica e Sensibilizao Diversidade Lingustica no 1 CEB

  • Universidade de Aveiro

    2011

    Departamento de Educao

    MARIA IRENE DE SOUSA CAMPOS RAMOS

    Gramtica e Sensibilizao Diversidade Lingustica no 1 CEB

    Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Didtica/ Lnguas/ Educao de Infncia e 1 e 2 Ciclos do Ensino Bsico, realizada sob a orientao cientfica da Professora Doutora Filomena Rosinda de Oliveira Martins, Professora Auxiliar do Departamento de Educao da Universidade de Aveiro.

  • Ao meu marido, Rui, e s minhas filhas, Francisca e Ana Lcia

  • o jri

    presidente Prof. Doutora Ana Isabel de Oliveira Andrade Professora Associada da Universidade de Aveiro

    Prof. Doutora Maria Leonor Simes dos Santos Professora Adjunta da Escola Superior de Educao / Instituto Politcnico de Santarm

    Prof. Doutora Filomena Rosinda de Oliveira Martins Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

  • agradecimentos

    professora Filomena, orientadora deste trabalho, pelo acompanhamento constante, pelo incansvel apoio, pela disponibilidade que sempre manifestou, pela ateno e pelo nimo que continuamente me deu, Ao meu marido, Rui, pela pacincia demonstrada e pelo incentivo na concretizao deste projeto, Direco do Agrupamento de Escolas, pelo apoio na implementao deste estudo, colega, professora titular da turma que participou no projeto, pela disponibilidade e apoio demonstrados, coordenadora da escola, pelo apoio incondicional, pela amizade e pela fora que sempre me transmitiu, Aos alunos, participantes neste estudo, pelo entusiasmo e recetividade que demonstraram, A todas as colegas da escola, pela pacincia, pelo apoio, pela fora que sempre tentaram transmitir-me, a todos, muito obrigada!

  • palavras-chave

    gramtica, sensibilizao diversidade lingustica, conscincia (pluri)lingustica, conscincia morfolgica, conscincia lexical.

    resumo

    O estudo que levmos a cabo insere-se na problemtica da sensibilizao diversidade lingustica e ensino da gramtica no 1 CEB e teve como objetivo principal a construo de conhecimento na rea da didtica da gramtica, nomeadamente nos planos morfolgico e lexical, procurando tambm compreender de que forma atividades de desenvolvimento da conscincia lingustica em lngua materna podero, ou no, promover objetivos da sensibilizao diversidade lingustica. De modo a dar resposta aos objetivos e questes definidos no nosso estudo, concebemos e implementmos um projeto de interveno didtica constitudo por seis sesses de trabalho, nas quais abordmos contedos programticos dos planos morfolgico e lexical, nomeadamente os processos de formao de palavras por derivao e por composio (radicais eruditos), de acordo com as orientaes programticas emanadas do Programa de Portugus do Ensino Bsico, seguindo uma abordagem aproximada ao laboratrio gramatical. No tratamento dos contedos programticos atrs mencionados, foram includas atividades de sensibilizao diversidade lingustica, atravs do recurso a unidades lingusticas em diferentes lnguas romnicas. Neste estudo, enquadrado numa metodologia do tipo investigao-ao, estiveram envolvidas a investigadora, responsvel pela conceo, implementao e avaliao do projeto de interveno, e uma turma do 3 ano de escolaridade de um Agrupamento do Distrito de Viseu, constituda por 19 alunos. Os dados analisados foram recolhidos a partir da observao direta dos comportamentos e atitudes dos alunos, das reflexes escritas produzidas individualmente no final de cada sesso do projeto de interveno, das notas de campo da investigadora e dos questionrios a que os participantes responderam antes do incio da implementao do projeto e aps a sua concluso e analisados seguindo tcnicas de anlise de contedo. Os resultados obtidos permitem-nos afirmar que a realizao de atividades de observao, manipulao e reflexo com unidades lingusticas em diferentes lnguas contribuem para o desenvolvimento de uma conscincia lingustica plurilingue, nomeadamente no mbito da conscincia morfolgica e lexical, favorecendo o desenvolvimento de atitudes positivas em relao diversidade lingustica. Os resultados do estudo apontam ainda para uma maior abertura e recetividade dos alunos a atividades de desenvolvimento do conhecimento explcito da lngua, quando tm a possibilitar de observar e manipular unidades lingusticas em outras lnguas.

  • keywords

    grammar, linguistic diversity awareness, (pluri)linguistic awareness,

    morphological awareness, lexical awareness

    abstract

    The study we developed is in the areas of linguistic diversity awareness and the teaching of grammar in primary school. Its main purpose was to build knowledge in the area of grammar didactics, namely in terms of morphological and lexical knowledge, also aiming at understanding how far activities whose purpose is to develop linguistic awareness in the mother tongue can raise awareness to linguistic diversity. In order to answer the questions raised in our study, we designed and implemented a didactical intervention project made up of 6 sessions where the whole group worked together. In these sessions several topics were approached, such as noun formation processes by derivation and composition (erudite radicals), according to the orientations that are part of the curriculum for the Portuguese Language, using an approach close to the "grammar laboratory". When teaching the contents the curriculum requires, activities of linguistic diversity awareness were included, through the use of units of language from Romance Languages. In the present study, inscribed in a methodological approach of investigation-action, were involved the investigator, responsible for designing, implementing and evaluating the intervention project, and 19 students from a 3rd grade class of a school in the District of Viseu. The data were collected through direct observation of the students' behavior and attitudes, through the analysis of the written reflections students produced at the end of each session of the intervention project, from the field notes of the investigator and from the questionnaires the participants answered before and after the implementation of the intervention project. The data collected were then analyzed using content analysis techniques. The results show that the classroom use of observation, manipulation and reflection activities with language units in different languages promote the development of a plurilingual linguistic awareness, namely in the areas of morphological and lexical awareness, stimulating the development of positive attitudes towards linguistic diversity. The results also indicate students show a greater openness and acceptance of activities related to the development of explicit knowledge, when they are given the possibility to observe and manipulate language units in other languages.

  • ndice

    ndice de figuras

    ndice de grficos

    ndice de quadros

    Lista de anexos

    Lista de abreviaturas

    INTRODUO ................................................................................................................... 7

    CAPTULO I DIDTICA DA GRAMTICA ............................................................ 12

    1. Conceito de gramtica ......................................................................................... 12

    2. Gramtica principais escolas de pensamento ................................................... 14

    2. 1 - Gramtica Geral ................................................................................................ 14

    2. 2 - Gramtica Comparada ...................................................................................... 14

    2. 3 - Os Neo-gramticos ........................................................................................... 15

    2. 4 - Estruturalismo ................................................................................................... 16

    2. 5 - Gramtica generativa e transformacional ......................................................... 18

    3. Gramtica e conscincia lingustica .................................................................... 21

    4. Desenvolvimento da conscincia lingustica e ensino da gramtica no 1 Ciclo

    do Ensino Bsico ................................................................................................................. 23

    5. Ensino da gramtica no 1 Ciclo do Ensino Bsico - principais documentos

    orientadores.. 25

    CAPTULO II SENSIBILIZAO DIVERSIDADE LINGUSTICA E

    CULTURAL ..32

    1. Diversidade lingustica europeia ......................................................................... 32

    2. Plurilinguismo, competncia plurilingue e pluricultural e sensibilizao

    diversidade lingustica ......................................................................................................... 33

    3. Sensibilizao diversidade lingustica evoluo histrica do conceito ......... 36

    4. Sensibilizao diversidade lingustica alguns pressupostos .......................... 37

  • 5. Implicaes didticas de uma sensibilizao diversidade lingustica e cultural

    no 1 CEB. 40

    CAPTULO III ORIENTAES METODOLGICAS DO ESTUDO ................... 43

    1. Enquadramento e apresentao do estudo ........................................................... 43

    2. Apresentao do projeto de interveno .............................................................. 49

    2. 1 - Insero curricular da temtica .......................................................................... 49

    2. 2 - Caracterizao dos participantes ....................................................................... 51

    2. 2. 1 - As lnguas que os alunos dizem falar ........................................................... 52

    2. 2. 2 - As lnguas que os alunos dizem conhecer .................................................... 53

    2. 2. 3 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ouvido falar ....... 54

    2. 2. 4 - Conceito de lngua ........................................................................................ 56

    2. 3 - Projeto de interveno ....................................................................................... 57

    2. 3. 1 - Sesso I - Descoberta de outras lnguas ............................................ 59

    2. 3. 2 - Sesso II - Descoberta de outras famlias ......................................... 62

    2. 3. 3 - Sesso III - Descoberta de palavras derivadas por prefixao .......... 64

    2. 3. 4 - Sesso IV - Descoberta de palavras derivadas por sufixao ........... 65

    2. 3. 5 - Sesso V - Descoberta de radicais latinos e gregos .......................... 67

    2. 3. 6 - Sesso VI - Descoberta do latim ....................................................... 68

    3. Instrumentos de recolha de dados ........................................................................ 71

    3. 1 - A observao direta ........................................................................................... 71

    3. 2 - As notas de campo ............................................................................................. 71

    3. 3 - As fichas de reflexo individual ........................................................................ 72

    3. 4 - O questionrio inicial e o questionrio final ..................................................... 72

    CAPTULO IV APRESENTAO E ANLISE DOS DADOS ................................ 75

    1. Metodologia de anlise de dados ......................................................................... 75

  • 2. Anlise e discusso dos resultados...................................................................... 81

    2. 1 - Cultura lingustica .......................................................................................... 81

    2. 1. 1 - Origem da lngua portuguesa ....................................................................... 81

    2. 1. 2 - Famlias de lnguas ...................................................................................... 83

    2. 1. 3 - Evoluo da lngua ....................................................................................... 85

    2. 2 - Conscincia lingustica plurilingue ................................................................ 87

    2. 2. 1 - Regularidades lingusticas na formao de palavras por derivao e

    composio... 87

    2. 2. 2 - Semelhanas e diferenas entre as lnguas ................................................... 95

    2. 2. 3 - Recurso a metalinguagem ............................................................................ 97

    2. 3 - Atitudes e comportamentos .......................................................................... 100

    2. 3. 1 - Atitudes face ao projeto ............................................................................. 100

    2. 3. 2 - Atitudes face (s) lngua(s) ........................................................................ 104

    2. 4 - Sntese dos dados obtidos ............................................................................. 105

    CONCLUSO .................................................................................................................. 108

    BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 114

    ANEXOS .......................................................................................................................... 121

  • ndice de figuras

    Figura 1 - Ciclo de investigao-ao (Coutinho et al., 2009) ........................................ 45

    Figura 2 - Quadro com imagens da histria e respetiva legenda .................................... 61

    Figura 3 - rvore das Lnguas Romnicas ...................................................................... 61

    Figura 4 - Quadro com as profisses e respetiva legenda ............................................... 67

    Figura 5 - Quadro com os polgonos e respetiva legenda ............................................... 68

    Figura 6 - Jogo das profisses 1 ...................................................................................... 70

    Figura 7 - Jogo das profisses 2 ...................................................................................... 70

    ndice de grficos

    Grfico 1 - As lnguas que os alunos dizem falar ........................................................... 53

    Grfico 2 - As lnguas que os alunos dizem conhecer .................................................... 54

    Grfico 3 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ter ouvido falar... na

    televiso ...................................................................................................................... 54

    Grfico 4 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ter ouvido falar... nas

    revistas/ livros/ jornais ................................................................................................ 55

    Grfico 5 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ter ouvido falar... na

    Internet ........................................................................................................................ 55

    Grfico 6 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ter ouvido falar... na

    rua ............................................................................................................................... 55

    Grfico 7 - As lnguas que os alunos dizem j ter visto escritas ou ter ouvido falar... na

    escola .......................................................................................................................... 56

    ndice de quadros

    Quadro 1 - Questes e objetivos da investigao ............................................................ 48

    Quadro 2 - Viso geral das sesses ................................................................................. 57

    Quadro 3 - Categorias e subcategorias de anlise .......................................................... 79

    Quadro 4 - Ocorrncias no uso da metalinguagem na pergunta n 1 ............................. 98

    Quadro 5 - Ocorrncias metalingusticas na pergunta n 5 ............................................ 99

    Quadro 6 - As atividades que mais gostei ................................................................ 102

    Quadro 7 - As atividades que menos gostei .............................................................. 103

    file:///C:/2010-2011/Dissertao%20de%20mestrado/Verso%20provisria.docx%23_Toc310775277file:///C:/2010-2011/Dissertao%20de%20mestrado/Verso%20provisria.docx%23_Toc310775278file:///C:/2010-2011/Dissertao%20de%20mestrado/Verso%20provisria.docx%23_Toc310775280file:///C:/2010-2011/Dissertao%20de%20mestrado/Verso%20provisria.docx%23_Toc310775281file:///C:/2010-2011/Dissertao%20de%20mestrado/Verso%20provisria.docx%23_Toc310775282

  • Lista de anexos

    Anexo 1 - Questionrio 1

    Anexo 2 - Dados do Questionrio 1

    Anexo 3 - Planificaes das Sesses de Interveno

    Anexo 4 - Questionrio 2

    Anexo 5 - Ttulos da histria em vrias lnguas

    Anexo 6 - Imagens da Sesso I

    Anexo 7 - Odisseia das Lnguas

    Anexo 8 - Ficha de reflexo Hoje descobri que (SI)

    Anexo 9 - Imagens da Sesso II

    Anexo 10 - Ficha de trabalho (Sesso II)

    Anexo 11 - Ficha de reflexo Hoje descobri que (SII)

    Anexo 12 - Ficha de trabalho (Sesso III)

    Anexo 13 - Imagens da Sesso III

    Anexo 14 - Ficha de reflexo Hoje, o que mais gostei de descobrir (SIII)

    Anexo 15 - Poema A fora das palavras de Luisa Ducla Soares

    Anexo 16 - Ficha de Trabalho (Sesso IV)

    Anexo 17 - Imagens da Sesso IV

    Anexo 18 - Ficha de reflexo Hoje descobri que (SIV)

    Anexo 19 - Imagens da Sesso V

    Anexo 20 - Ficha de trabalho (Sesso V)

    Anexo 21 - Ficha de reflexo Hoje descobri que (SV)

    Anexo 22 - Power Point (Sesso VI)

    Anexo 23 - Cartes com a frase Era uma vez um velho moleiro que tinha trs filhos nas

    lnguas do projeto

  • Anexo 24 - Imagens da Sesso VI

    Anexo 25 - Ficha de trabalho (sesso VI)

    Anexo 26 - Quadro e cartes com as profisses em latim

    Anexo 27 - Ficha de reflexo Hoje descobri que... (SVI)

    Anexo 28 - Notas de campo da investigadora

    Anexo 29 - Dados das fichas de reflexo dos alunos

    Anexo 30 - Dados do Questionrio 2

    Anexo 31 - Quadro comparativo de respostas questo Na tua opinio, como apareceu a

    lngua portuguesa?

    Lista de abreviaturas

    CEB Ciclo do Ensino Bsico

    CNEB Currculo Nacional do Ensino Bsico

    ME Ministrio da Educao

    PNEP Programa Nacional de Ensino do Portugus

    SDL Sensibilizao Diversidade Lingustica

    SDLC Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural

    UE Unio Europeia

  • Introduo

    7

    INTRODUO

    O estudo que a seguir apresentamos, centrado no ensino da gramtica e na

    sensibilizao diversidade lingustica e cultural (SDLC), insere-se no mbito do

    Mestrado em Didtica, ramo de Lnguas para Educadores de Infncia e Professores do 1 e

    2 Ciclos do Ensino Bsico (Universidade de Aveiro).

    Uma lngua um importante fator de identidade de um povo, e o portugus a lngua

    oficial, a lngua de escolarizao, a lngua materna da maioria da populao escolar

    portuguesa. O portugus tambm a lngua de acolhimento de minorias lingusticas que

    vivem em Portugal (ME, 2001, p. 31).

    A proficincia no uso da lngua determinante no desenvolvimento pessoal e

    profissional dos seus falantes, indispensvel no acesso ao conhecimento, nas relaes

    sociais e no sucesso escolar e profissional. Conforme afirmam Sim-Sim, Duarte & Ferraz

    (1997), a eficincia com que utilizamos a lngua da comunidade a que pertencemos []

    fator determinante na expanso dos interesses individuais, assim como do sucesso

    alcanado (escolar includo) (p. 38) .

    Considerando a importncia do domnio da lngua na realizao plena da cidadania,

    pensamos que o ensino da lngua deve preparar os alunos para lidarem com a linguagem

    verbal nas suas diversas situaes de uso e manifestaes, conscientes de que atravs da

    forma como a usamos que somos melhor ou pior compreendidos, avaliados positiva ou

    negativamente, que nos realizamos enquanto cidados de uma determinada comunidade.

    As mudanas na sociedade atual, provocadas por fenmenos como a globalizao, a

    evoluo tecnolgica, a abertura de fronteiras, as migraes, impem aos cidados

    competncias lingusticas que vo muito para alm da proficincia na lngua materna,

    exigindo que a escola, logo a partir dos primeiros anos, implemente estratgias que

    sensibilizem os alunos para a existncia de outras lnguas e culturas, promovendo a

    compreenso e a aceitao, fomentando o desenvolvimento de atitudes de respeito pelo

    Outro, no sentido de uma educao plurilingue e intercultural que v ao encontro do direito

    de qualquer indivduo a uma educao de qualidade (Beacco et al., 2010).

    O contacto com a temtica da sensibilizao diversidade lingustica e cultural,

    abordada na unidade curricular Pluralidade Lingustica em Educao, no 1 semestre do

    Mestrado em Didtica, e o trabalho desenvolvido no mbito da referida unidade curricular

  • Introduo

    8

    tornaram-nos mais conscientes da importncia da escola e dos primeiros anos de

    escolaridade na preparao das crianas para lidarem com a diversidade lingustica e

    cultural. Sensibilizar os alunos para a diversidade lingustica e cultural, para alm de

    fomentar o respeito por outras lnguas e respetivos falantes, por vezes colegas da escola,

    promove tambm a confirmao da identidade lingustica e cultural da criana (Ferro

    Tavares, 2001).

    O percurso que realizmos ao longo da nossa carreira, iniciada no 2 Ciclo do Ensino

    Bsico, como professora de Portugus e Francs, com uma passagem pelo ensino de

    adultos e pelo ensino profissionalizante, e que nos trouxe para o 1 Ciclo do Ensino Bsico

    como titular de turma, no reduziu o nosso interesse pelo ensino da lngua materna em

    particular, nem das lnguas estrangeiras, em geral. Pelo contrrio, os conhecimentos

    adquiridos ou aprofundados nos ltimos anos tornaram-nos mais consciente dos nossos

    deveres enquanto docente de lngua, responsvel pelo desenvolvimento de competncias

    lingusticas que podem ser decisivas no sucesso escolar dos alunos e ao longo da vida.

    O trabalho que desenvolvemos entre 2007 e 2010, como Formadora Residente do

    Programa Nacional de Ensino do Portugus no 1 Ciclo do Ensino Bsico (PNEP), no

    Ncleo Regional de Viseu (Escola Superior de Educao de Viseu), alertou-nos para a

    necessidade de melhorar as condies de ensino e aprendizagem do Portugus, em

    resultado do mau desempenho dos alunos em competncias do domnio da lngua materna,

    possibilitando-nos a participao num projeto de enriquecimento e valorizao das

    competncias dos professores do 1 Ciclo do Ensino Bsico (CEB). Ao longo deste

    perodo, em conjunto com outros professores deste nvel de ensino, contactmos com

    novas orientaes para o ensino da lngua, descobrimos e crimos novos materiais,

    partilhmos experincias e prticas didticas, e evolumos como profissionais empenhados

    em contribuir para melhorar o ensino do Portugus1.

    Da articulao entre as experincias de prtica docente e formativa atrs apresentadas

    e os conhecimentos adquiridos, resultou a inteno de investigar a relao entre o

    desenvolvimento da conscincia lingustica em lngua materna e a Sensibilizao

    Diversidade Lingustica e Cultural (SDLC), nomeadamente o desenvolvimento da

    conscincia morfolgica, numa perspetiva plurilingue. Para alm de procurarmos a

    melhoria da competncia lingustica dos alunos, pretendamos contribuir para o

    1 Cf. Despacho n. 546/2007 (normativo que regula o programa de formao).

  • Introduo

    9

    desenvolvimento de atitudes mais positivas relativamente diversidade lingustica, com

    repercusses na aceitao do mundo multilingue e multicultural do qual fazem parte.

    Assim, no intuito de compreender o papel que pode assumir a SDLC no

    desenvolvimento da conscincia lingustica em lngua materna, em particular na formao

    de palavras por derivao e composio, concebemos e implementmos um conjunto de

    propostas pedaggico-didticas, a partir da verso plurilingue do conto O Gato das

    Botas2, desafiando os alunos a observarem e analisarem conjuntos de palavras simples,

    derivadas por prefixao ou por sufixao, e palavras compostas por radicais latinos e

    gregos, de modo a descobrirem regularidades na estrutura interna das palavras e no

    significado que determinados afixos ou radicais conferem aos radicais a que se juntam, na

    lngua portuguesa e em diferentes lnguas romnicas. Ao longo de seis sesses de trabalho

    com os alunos, procurmos sensibiliz-los para a famlia das lnguas romnicas e, nessa

    perspetiva, utilizmos unidades lingusticas em portugus e em espanhol, francs, italiano,

    catalo e romeno (as lnguas do material Itinerrios Romnicos, concebido pela Unio

    Latina), que os alunos observaram, manipularam e compararam, numa perspetiva de

    laboratrio gramatical3.

    A escolha de um material dos Itinerrios Romnicos, para servir de apoio ao

    projeto que pretendamos desenvolver, decorreu da nossa vontade de implementar esta

    temtica a partir de um conto ou histria tradicional, contando com as potencialidades

    deste tipo de histrias para a sensibilizao precoce s lnguas e culturas, no s pela

    estrutura e elementos constituintes dos prprios contos, como tambm pelo contexto ldico

    que, em certa medida, as crianas associam a este tipo de enunciados (Martins, 2000).

    Fizemos a opo pelas lnguas romnicas, no s porque so lnguas vizinhas, da mesma

    famlia, procedentes do latim, logo com processos idnticos na formao de palavras, mas

    tambm porque so lnguas mais familiares para os alunos, no s pela proximidade afetiva

    (muitas crianas tm familiares a trabalhar em Espanha e Frana, por exemplo), como

    tambm pelo conhecimento proporcionado pela participao nas atividades dos Projetos

    Comenius em curso no Agrupamento (cf. Captulo III deste estudo). O facto de no

    existirem na escola crianas com outras lnguas de origem, para alm do portugus,

    2 In Itinerrios Romnicos, material disponibilizado on-line pela organizao Unio Latina

    (http://dpel.unilat.org/DPEL/Creation/IR/index.pt.asp) 3 Atividade de natureza experimental apresentada no mbito do PNEP. Confronte-se, por exemplo,

    Duarte, 2008, pp. 18-19.

    http://dpel.unilat.org/DPEL/Creation/IR/index.pt.asp

  • Introduo

    10

    influenciou tambm a nossa escolha, pois se assim no fosse teramos procurado incluir as

    lnguas presentes na escola no estudo que levmos a cabo.

    A partir do projeto que concebemos e implementmos, procurmos construir

    conhecimento na rea da didtica da gramtica, mais especificamente no desenvolvimento

    da conscincia morfolgica e lexical, tornando o ensino da gramtica mais motivador,

    profcuo e adequado ao desenvolvimento de outras competncias em lnguas, procurando

    ao mesmo tempo perceber de que forma atividades de ensino da gramtica em lngua

    materna podero, ou no, promover objetivos da SDLC.

    Face a estes propsitos, a apresentao do estudo far-se- em quatro captulos,

    conforme a seguir se explicita:

    Captulo I - Didtica da Gramtica neste primeiro captulo apresentamos o

    conceito de gramtica que norteou o nosso estudo, fazendo uma breve incurso pelas

    principais escolas de pensamento de forma a compreender a polissemia e ambiguidade do

    termo. Nesta parte do enquadramento terico expomos tambm o conceito de conscincia

    lingustica que adotmos no nosso estudo, relacionando-o com o conceito de gramtica e

    suas implicaes didticas. De modo a contextualizarmos a temtica que pretendemos

    estudar, inserida no domnio da conscincia morfolgica e lexical, procedemos ainda a um

    estudo sumrio dos documentos orientadores que regulam o ensino da gramtica, no 1

    Ciclo do Ensino Bsico.

    Captulo II - Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural neste captulo,

    tomando como referncia as caractersticas e exigncias da sociedade atual, refletimos

    sobre a necessidade de se implementar uma poltica educativa que promova o

    desenvolvimento de uma competncia plurilingue e intercultural. No seguimento da ideia

    anterior, procuramos fundamentar a importncia de uma abordagem de SDLC, iniciada nos

    primeiros anos de escolaridade, no desenvolvimento de competncias lingusticas,

    articulando saberes e capacidades em lngua materna com saberes e capacidades em outras

    lnguas, em prol do desenvolvimento de uma conscincia (pluri)lingustica. Ainda neste

    captulo, procuramos fundamentar o estudo que levmos a cabo, relacionando as

    finalidades de uma abordagem de SDLC com a didtica da gramtica em lngua materna.

  • Introduo

    11

    Captulo III - Orientaes metodolgicas do estudo neste terceiro captulo

    apresentamos a metodologia que escolhemos, a investigao-ao, divulgamos os

    instrumentos de recolha de dados que utilizmos, apresentamos os participantes do nosso

    estudo e descrevemos o projeto de interveno que concebemos e implementmos.

    Capitulo IV - Apresentao e anlise de dados neste ltimo captulo, damos a

    conhecer o modelo de anlise de dados que utilizmos, de acordo com a persecuo dos

    objetivos propostos, e descrevemos e analisamos os resultados obtidos.

    Para terminar, tecemos algumas consideraes sobre questes emergentes da

    investigao, referindo as implicaes e as limitaes do nosso estudo, e apontamos

    algumas sugestes para estudos futuros.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    12

    CAPTULO I DIDTICA DA GRAMTICA

    1. Conceito de gramtica

    Segundo o Dicionrio da Lngua Portuguesa Contempornea4, gramtica significa

    descrio dos princpios que organizam e regem a fonologia, a morfologia e a sintaxe de

    uma lngua, completando-se a definio com a referncia ao sistema de regras que atuam

    na construo de frases dessa lngua. Trata-se de uma definio bastante comum para o

    termo, no muito diferente da que encontramos no Dicionrio de Lingustica de Dubois

    (1973): Gramtica a descrio completa da lngua, isto , dos princpios de organizao

    da lngua (p. 313) . De acordo com este dicionrio, a gramtica comporta quatro partes

    distintas: fonologia, sintaxe e semntica, conforme encontramos na primeira definio,

    acrescentando-lhe uma quarta parte, o lxico.

    No entanto, esta aparente facilidade e concordncia conceptual na definio de

    gramtica rapidamente se esbate se tentarmos aprofundar a pesquisa, descobrindo que

    definir gramtica uma tarefa de enorme complexidade uma vez que se trata de um termo

    com vrios significados, indissociveis do contexto em que utilizado e de acordo com as

    diferentes teorias lingusticas. A polissemia da palavra gramtica referida, por exemplo,

    no Dicionrio de Metalinguagens da Didtica (Botelho, 2000), onde podemos ler que,

    apesar de ser uma nomenclatura bastante comum entre ns, torna-se difcil defini-la em

    virtude das suas mltiplas acepes (p. 210). Tambm Galisson & Coste (1983) se

    referem a gramtica como uma palavra correntssima (), delicada quanto sua

    definio, porque os seus empregos so to fluidos como mltiplos, sobretudo em

    metodologia do ensino das lnguas (p. 364).

    A ambiguidade do termo e a dificuldade em proceder sua definio so

    reconhecidas ainda por Besse & Porquier (1991) que assumem tratar-se de uma palavra

    com vrios significados, que ora se confundem, ora se afastam: ou bien il [le mot] prend

    des acceptions sensiblement diffrentes les unes des autres, ou bien il confond ces mmes

    acceptions, comme si elles renvoyaient une seule ralit (p. 10).

    4 Academia das Cincias de Lisboa e da Fundao Calouste Gulbenkian (2001, p. 1923)

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    13

    Assim, a diversidade de significaes encontradas, reflexo da ambiguidade e

    polissemia do termo, levou-nos a optar por apresentar aqui as acepes que considermos

    mais apropriadas ao nosso estudo e que lhe serviro de referente terico.

    Deste modo, tomamos como ponto de partida as acepes de Besse & Porquier

    (1991) que, depois de apresentarem um conjunto de frases exemplificativas, delimitam trs

    acepes de gramtica: 1) un certain fonctionnement interne caractristique dune langue

    donne, 2) lexplicitation plus au moins mthodique de ce fonctionnement, 3) la mthode

    dexplicitation suivie (p. 11). Nestas trs significaes de gramtica encontramos

    referncia ao que consideramos os trs domnios de abrangncia de gramtica: por um lado

    a gramtica enquanto princpio de organizao interna prprio de uma dada lngua,

    remetendo para a competncia lingustica/comunicativa de um falante-ouvinte; por outro, a

    gramtica enquanto conhecimento reflexivo das regras ou normas de uma lngua, o que nos

    reenvia para um terceiro domnio, o de uma dada teoria ou escola de pensamento sobre o

    funcionamento interno das lnguas. Verificamos assim que o primeiro sentido diz respeito

    a atividades lingusticas, enquanto o segundo e o terceiro apontam para atividades de

    carcter metalingustico (Lamas, 2000).

    Importa agora analisar que, enquanto Besse & Porquier (1991), conforme explcito

    na acepo 1) do termo, enfatizam a lngua em si mesma, Cuq (2003) no Dictionnaire de

    Didactique du Franais apresenta um conjunto de definies para gramtica, nas quais o

    foco colocado sobre o sujeito falante, que desempenha um papel ativo na construo da

    gramtica da sua lngua, afirmando mesmo que () les locuteurs connaissent la

    grammaire de leur langue. Tambm Galisson & Coste (1983) colocam o foco no sujeito,

    ao inclurem nas definies de gramtica que apresentam no Dicionrio de Didtica das

    Lnguas referncia a um Sistema formal construdo pelo linguista para estabelecer um

    mecanismo suscetvel de produzir frases consideradas como gramaticais pelos falantes de

    uma lngua (p. 364). Encontramos, assim, duas posturas muito diferentes, mas de grande

    relevncia na didtica da gramtica: gramtica interna vs gramtica externa ao sujeito.

    Conforme procurmos expor anteriormente, a complexidade na definio de

    gramtica resulta no s desta dupla perspetiva, mas tambm de diferentes teorias.

    Procurando tornar mais claro o conceito de gramtica que serviu de base ao nosso estudo,

    apresentamos a seguir um resumo das principais escolas de pensamento, seguindo uma

    perspetiva histrica.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    14

    2. Gramtica principais escolas de pensamento

    2. 1 - Gramtica Geral

    A Gramtica Geral, cujo objetivo principal enunciar um conjunto de princpios

    universais a que obedecem todas as lnguas, explicando a partir deles os usos particulares

    de cada lngua (Dubois, 1973; Ducrot & Schaeffer, 1995), surgiu com Aristteles, mas a

    sua consagrao ocorreu nos sculos XVII e XVIII com o sucesso obtido pela Grammaire

    Gnrale et Raisonne, tambm conhecida como Grammaire de Port-Royal, escrita em

    1660, por um professor das Petites coles de Port-Royal, Claude Lancelot, em

    colaborao com Antoine Arnauld. Esta gramtica parte do pressuposto de que a

    linguagem a imagem do pensamento, exprime juzos, logo uma representao do

    pensamento lgico, pelo que as diversas realizaes que se encontram nas lnguas devem

    seguir esquemas lgicos universais (Dubois, 1973; Ducrot & Schaeffer, 1995 e Botelho,

    2000).

    A importncia da Gramtica Geral prende-se com a inteno de pr fim tendncia

    que existia nos sculos anteriores de utilizar a gramtica latina como modelo de todas as

    gramticas, contrapondo-se tambm s gramticas filosficas e empricas (Ducrot &

    Schaeffer, 1995). De acordo com Fisher (2002), esta gramtica prope um modelo

    universal, uma teoria geral da gramtica, cujo objetivo o de revelar a unidade subjacente

    a todas as gramticas que serviam para comunicar o pensamento humano (p. 146).

    2. 2 - Gramtica Comparada

    No final do sculo XVIII, com o aparecimento de novos dados, sobretudo a

    descoberta da existncia de semelhanas entre o snscrito e as lnguas europeias (Ducrot &

    Schaeffer, 1995), deu-se uma viragem nos estudos lingusticos que levou os linguistas a

    adotarem uma abordagem do estudo lingustico mais histrica e menos terica (Fisher,

    2002, p. 147). O responsvel por esta viragem foi o britnico William Jones ao apresentar

    em Calcut (1786), onde se encontrava em funes ao servio da Companhia das ndias

    Orientais, uma comunicao histrica na qual identificava a relao gentica do snscrito

    com o grego, o latim, o gtico, o celta e o persa antigo. Apesar de no se tratar de um

    conceito totalmente novo, William Jones introduziu-lhes duas ideias inovadoras: por um

    lado, a ideia de que as lnguas podiam estar historicamente relacionadas e no serem

    produtos umas outras, e por outro a ideia de que existiam lngua ancestrais (protolnguas).

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    15

    A descoberta de Jones no s abriu caminho para a lingustica histrica, como tambm deu

    a conhecer a tradio lingustica indiana, possibilitando a mistura das tradies indiana e

    ocidental, incontornvel na cincia da lingustica da primeira metade do sculo XIX

    (Fisher, 2002).

    O sculo XIX ficou marcado como a era da lingustica comparada e da lingustica

    histrica, em busca de semelhanas e diferenas entre as lnguas e das relaes histricas,

    de parentesco, existentes entre elas, procurando desenvolver uma terminologia cientfica.

    A investigao das famlias de lnguas, desencadeada pela investigao histrica das

    lnguas indo-europeias, dominou o sculo XIX.

    No estudo comparado e histrico da famlia de lnguas indo-europeia, destacaram-se

    dois linguistas, o dinamarqus Rasmund Rask e alemo Jacob Grimm, seguidos por outros

    estudiosos que muito contriburam para a cincia lingustica moderna: Wilhelm von

    Humboldt, considerado um dos pensadores linguistas mais originais do sculo XIX

    (Ducrot & Schaeffer, 1995, p. 149), que procurou realar na sua obra a capacidade

    lingustica inerente a toda a humanidade. Tambm August Schleicher contribuiu

    grandemente para o avano da cincia lingustica deste sculo, introduzindo uma

    abordagem biolgica ao estudo da linguagem. Utilizando o modelo da rvore

    genealgica, Schleicher agrupou as lnguas e dividiu-as em subfamlias ou ramos, de

    acordo com as suas caractersticas. Este modelo foi um dos instrumentos tericos mais

    importantes da lingustica histrica (Ducrot & Schaeffer, 1995, p. 149).

    2. 3 - Os Neo-gramticos

    Na segunda metade do sculo XIX, surgiu um grupo de linguistas, sobretudo

    alemes, seguidores da doutrina neogramtica, que propunha uma nova teoria segundo a

    qual as mudanas fonticas, enquanto processos mecnicos, ocorriam regidas por leis que

    no permitiam excees dentro do mesmo dialeto, o que implicava que o som evoluiria

    sempre da mesma forma. Esta teoria punha em causa a regularidade das transformaes

    fonticas nas lnguas humanas ao longo dos tempos, princpio no qual se baseava toda a

    cincia da lingustica histrica e comparada, passando a variao fortuita a ser regra, pondo

    em causa a existncia de uma verdadeira cincia da lingustica (Fisher, 2002).

    O trabalho dos neogramticos foi alvo de muitas crticas, mas transformou a

    investigao lingustica numa disciplina cientfica, com mtodos semelhantes aos das

    cincias naturais. Muitos linguistas proeminentes, tais como Boas, Sapir e Bloomfield,

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    16

    entre outros, desenvolveram o seu trabalho nos mtodos e princpios neogramticos

    (Fisher, 2002).

    2. 4 - Estruturalismo

    Enquanto no sculo XVIII dominou a lingustica filosfica e no sculo XIX a

    lingustica histrica, na primeira metade do sculo XX foi a lingustica descritiva que

    prevaleceu, isto , o estudo da estrutura de uma lngua, num dado momento do tempo,

    normalmente com a excluso de dados histricos e comparativos (Fisher, 2002, p. 152). O

    grande impulsionador desta teoria lingustica foi Saussure que estabeleceu a distino entre

    estudos lingusticos diacrnicos e estudos lingusticos sincrnicos, cada um com mtodos e

    princpios prprios, distinguindo ainda langue (competncia lingustica do falante) e

    parole (os enunciados concretos realizados pelos falantes) e colocando a lngua como

    objeto principal da investigao lingustica.

    Segundo o prprio Saussure (1992), Ao darmos cincia da lngua o seu verdadeiro

    lugar no conjunto do estudo da linguagem, estabelecemos de uma s vez a organizao

    global da lingustica (p. 47). Deste modo, todos os outros elementos da fala que

    constituem a linguagem se subordinam a essa cincia e assim todas as partes da lingustica

    se situam nas suas posies naturais.

    Para Saussure, o funcionamento da linguagem no anrquico, obedece a uma

    organizao, inerente a todas as lnguas, qual chama sistema (Ducrot & Schaeffer,

    1995), em que todos os termos so solidrios e em que o valor de um resulta da presena

    simultnea dos outros (Saussure, 1992, p. 149).

    Apesar de falar de sistema e no de estrutura, Saussure considerado o grande

    fundador do estruturalismo lingustico (Galisson & Coste, 1983).

    A gramtica estrutural assenta, assim, na conceo da lngua como estrutura, uma

    estrutura cujas unidades se definem no por si mesmas, mas pelas relaes que

    estabelecem entre si e com o todo que constituem. como se as palavras da lngua j no

    interessassem por si prprias mas apenas na medida em que entre elas se estabelecem

    combinaes diversificadas (Morais, 2000, p. 213).

    A abordagem estruturalista de Saussure refletiu-se de modo quase imediato na

    fonologia, graas ao trabalho que desenvolveu em torno do fonema, conceito definido

    ainda no sculo XIX, mas que s se tornou uma referncia na gramtica com o trabalho

    desenvolvido nas aulas de Saussure (Fisher, 2002). Segundo o prprio (Saussure, 1992), o

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    17

    fonema a soma das impresses acsticas e dos movimentos articulatrios, da unidade

    ouvida e da unidade pronunciada, condicionando-se mutuamente: ele , assim, uma

    unidade complexa, com um membro em cada cadeia (p. 80). Para o linguista francs, a

    fonologia no se podia preocupar apenas com os sons isolados, limitando-se a ditar as

    regras pata articular todos os sons, como acontecia na fonologia tradicional. Era necessrio

    considerar tambm os conjuntos de sons falados, os grupos binrios e as sequncias de

    fonemas, numa perspetiva de fonologia combinatria.

    Na lingustica estrutural distinguem-se sobretudo: um estruturalismo europeu

    Crculo Lingustico de Praga, glossemtica de Hjelmslev e funcionalismo de Martinet - e

    um estruturalismo americano distribucionalismo de Bloomfield e Tagmmica de Pike

    (Morais, 2000, Galisson & Coste, 1983).

    O Crculo Lingustico de Praga, desenvolvendo ainda mais a teoria do fonema de

    Saussure, considerava-o como pertencente lngua e tratava-o como uma unidade

    fonolgica complexa. Em resultado do trabalho deste grupo de linguistas, o fonema

    assumiu um papel principal na teoria lingustica, encontrando-se atualmente implcito na

    descrio e anlise de qualquer lngua do mundo (Fisher, 2002).

    Hjelmslev, linguista dinamarqus, elaborou uma teoria, a que chamou Glossemtica,

    propondo-se apresentar, segundo Ducrot e Schaeffer (1995), lexplicitation des intuitions

    profondes de Saussure (p. 42). Embora partindo de algumas teses defendidas por

    Saussure, Hjelmslev pretendia ir para alm do que defendia o linguista suio,

    reinterpretando alguns dos princpios.

    O linguista francs Martinet e a sua escola, inspirados em Saussure, desenvolveram

    uma teoria lingustica o Funcionalismo segundo a qual organizam toda a descrio

    lingustica relacionando-a com a funo central da linguagem, isto , a comunicao,

    recusando considerar a lngua como um sistema formal ou um objeto de anlise fechado

    que pode ser estudado em si mesmo (Galisson & Coste, 1983). Embora Martinet (1973)

    reconhea a existncia de outras funes da linguagem funo de suporte ao pensamento,

    forma de expresso, funo esttica -, para este linguista, a funo essencial do

    instrumento que a lngua reside na comunicao [] isto , na compreenso mtua (p.

    6-7). Nesse sentido, as modificaes que as lnguas sofrem ao longo dos tempos so

    entendidas pelo linguista como uma forma de adaptao s necessidades comunicativas

    dos grupos que as falam.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    18

    Leonard Bloomfield, linguista americano, juntamente com dois linguistas alemes

    radicados nos Estados Unidos, Franz Boas e Edward Sapir, desempenhou um papel

    importante no nvel de excelncia que a lingustica descritiva atingiu nos Estados Unidos

    na dcada de 20. Os estudos que desenvolveram marcaram a lingustica da poca, levando

    os linguistas americanos a centrar os seus estudos na anlise formal, atravs de operaes e

    conceitos que pudessem ser descritos objetivamente. Na anlise dos constituintes imediatos

    da frase, os fonemas e os morfemas eram colocados em destaque na estrutura frsica, com

    os morfemas ligados em rvores. Utilizavam, assim, um modelo de distribuio,

    conhecido por distribucionalismo, que relegava para segundo plano a sintaxe e a

    morfologia (Fisher, 2002).

    Por sua vez, Keneth Pike desenvolveu uma teoria e mtodo de anlise de origem

    estruturalista - a Tagmmica cuja principal caracterstica consiste em utilizar, para alm

    dos critrios formais e distribucionais, a noo de funo gramatical (familiar ao

    gramticos tradicionais) e do sentido (recusada pelos gramticos estruturalistas) (Galisson

    & Coste, 1983). Deste modo, o linguista americano e os seus colegas criaram o sistema

    tagmmico de anlise que consistia em identificar o tagmema como a unidade

    gramatical fundamental ou espao funcional estrutural. De acordo com este sistema, as

    frases poderiam ser analisadas mais facilmente, no como acontecia com Bloomfield,

    como uma sucesso de constituintes imediatos, [] mas como cadeias de constituintes

    colaterais (Fisher, 2002, p. 154).

    2. 5 - Gramtica generativa e transformacional

    O aparecimento da obra de Noam Chomsky, Syntactic Structures (1957), e o

    conceito de gramtica generativa transformacional, romperam com a tradio lingustica

    da primeira metade do sculo XX.

    Nesta obra, Chomsky (1969) tenta provar que os modelos anteriores de linguagem

    no respondem adequadamente aos objetivos da descrio gramatical:

    un certain modle du langage, trs simple, fond sur la thorie de la communication,

    et un modle plus puissant, qui comprend une large part de ce qui est connu sur le

    nom d analyse en constituants immdiats , ne peuvent rpondre aux buts de la

    description grammaticale (p. 7).

    O linguista considera ainda que estes modelos da teoria lingustica possuem vrias

    lacunas, nomeadamente a impossibilidade de encontrar certas relaes entre as frases.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    19

    Procurando colmatar tais lacunas, Chomsky apresenta um novo modelo de estrutura

    lingustica : le modle transformationnel, qui est plus puissant plusieurs gards que le

    modle en constituants immdiats et qui, lui, rend compte de ces relations de manire

    naturelle (Chomsky, 1969, p. 8).

    Criticando o modelo distribucional e o modelo estrutural por descreverem apenas as

    frases realizadas pelo falante, sem conseguirem explicar um grande nmero de dados

    lingustico (como a ambiguidade ou os constituintes descontnuos), Chomsky define uma

    teoria que d conta da criatividade do falante, da sua capacidade de emitir e compreender

    frases inditas (Dubois, 1973, p. 314).

    Para este linguista americano, a linguagem, especfica natureza humana, assenta na

    existncia de estruturas universais inatas, ativadas pelo contexto lingustico, que

    possibilitam criana a aquisio dos sistema particulares que so as lnguas (ibidem).

    A gramtica da lngua assume-se como um conhecimento global que abrange vrios

    domnios (Fonologia, Morfologia, Sintaxe, Semntica), a partir do qual um sujeito produz

    e reconhece sequncias gramaticais. Para Chomsky, esse conhecimento global (implcito)

    que os sujeitos possuem da sua prpria lngua a competncia gramatical (ou competncia

    lingustica) que lhes permite produzirem e reconhecerem um nmero infinito de frases

    mesmo que nunca as tenham ouvido ou que nunca tenham sequer sido produzidas. Esta

    capacidade inata de reagir linguisticamente de forma adequada a situaes novas, assume-

    se para Chomsky como a criatividade lingustica (Campos & Xavier, 1991, p. 24).

    Podemos, no entanto, encontrar dois tipos diferentes de criatividade (Yaguello, 1997, p.

    120): o que decorre da competncia do locutor, resultante da regra da recursividade,

    inerente linguagem, e o que do domnio do desempenho, isto , da atualizao da

    competncia por parte de um dado sujeito.

    Para Campos & Xavier (1991), a Gramtica generativa transformacional baseia-se na

    ideia de que existe uma Gramtica Universal determinada biologicamente nos seres

    humanos, que inclui princpios universais que so comuns s gramticas das diversas

    lnguas naturais e parmetros que caracterizam as lnguas particulares e que so

    responsveis pela variao lingustica mundial.

    Segundo Chomsky (1969), la grammaire doit projeter le corpus fini et toujours plus

    au moins accidentel des noncs observs sur lensemble (prsum infini) des phrases

    grammaticales . Trata-se, segundo Campos & Xavier (1991), do Princpio da Projeo

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    20

    (p. 41), que define que as representaes sintticas so projetadas do lxico, devendo

    respeitar as propriedades de seleo dos itens lexicais. Tambm Fisher (2002) se refere a

    este princpio, afirmando que a gramtica generativista essencialmente uma gramtica

    que projeta um ou mais conjuntos determinados de frases sobre o conjunto maior,

    tendencialmente infinito, de enunciados que compem a lngua que estamos a descrever

    (p. 156).

    Para alm do Princpio da projeo, Campos & Xavier (1991) consideram ainda o

    Princpio de Preservao da Estrutura que exige que a representao da estrutura se

    mantenha inalterada nos seus aspetos essenciais ao longo da derivao sinttica, e o

    Princpio de Interpretao Total que determina que todos os elementos lingusticos tm

    de ser legitimados de forma adequada, existindo condies de legitimao fonolgica ou

    lgico-semntica (p. 49).

    A gramtica generativa , ento, um mecanismo finito que permite gerar um

    conjunto infinito de frases gramaticais de uma lngua. uma gramtica formada por regras

    que definem as sequncias de palavras ou sons permitidos, que constitui o saber lingustico

    dos indivduos que falam uma lngua, isto , a sua competncia lingustica; assim, a

    utilizao que cada indivduo faz da lngua numa determinada situao de comunicao

    depende da performance (Dubois, 1973; Fisher, 2002). Conforme explicam Campos &

    Xavier (1991, p. 26), a performance diz respeito utilizao efetiva da competncia

    lingustica, mas da qual no depende exclusivamente, pois existem fatores de natureza

    extralingustica que interagem com a competncia na determinao da performance.

    Fisher, discpulo de Chomsky (2002) afirma categoricamente que, apesar de o tempo

    ter relativizado o lugar de Chomsky na histria da lingustica, a gramtica generativa

    continuar a ser o modelo terico lingustico mais importante que emergiu na segunda

    metade do sculo XX (p. 157).

    A polissemia e ambiguidade do termo gramtica que nos levaram a apresentar neste

    captulo as principais acees que considermos no nosso estudo, refletem-se tambm no

    contexto educativo, onde gramtica poder designar tanto o estudo do conhecimento

    intuitivo da lngua que tm os falantes de uma dada comunidade como os princpios e

    regras que regulam o uso oral e escrito desse conhecimento (Duarte, 2008, p. 17).

    Assumindo que os princpios e regras que regulam o uso da lngua so conhecidos

    pelos falantes de forma intuitiva, fruto da sua insero numa comunidade falante, cabe

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    21

    escola, transformar progressivamente o conhecimento implcito em conhecimento explcito

    da lngua, promovendo o desenvolvimento da conscincia lingustica dos alunos (Sim-Sim,

    Duarte & Ferraz, 1997).

    Neste sentido, procuramos, a seguir, explicar de forma mais clara a relao entre

    gramtica e conscincia lingustica.

    3. Gramtica e conscincia lingustica

    O desenvolvimento da conscincia lingustica constitui um fator decisivo no

    processo de aquisio da linguagem, quer em termos de desenvolvimento da linguagem

    oral, quer em termos de apropriao da linguagem escrita.

    Quando comea a usar a linguagem oral, adquirida espontaneamente e ativada pelas

    trocas lingusticas da comunidade em que se encontra inserida, a criana f-lo

    automaticamente, sem ter conscincia das propriedades do sistema que est a mobilizar.

    Trata-se de um nvel de conhecimento da lngua que se caracteriza pelo uso espontneo e

    pelo domnio implcito e inconsciente das regras que regulam a sua lngua materna, tanto

    no que respeita forma, como ao contedo e ao uso. Este conhecimento intuitivo, no

    consciente pode conceber-se, segundo Sim-Sim, Duarte & Ferraz (1997), como a

    gramtica5 da lngua materna desenvolvida natural e espontaneamente pelo falante a partir

    da interao entre a faculdade da linguagem e o input lingustico que o meio lhe fornece

    (p. 20).

    Quando comea a identificar algumas propriedades formais da lngua, a avaliar a

    aceitabilidade e correo dos enunciados e a isolar e identificar unidades no discurso, a

    criana passa do uso espontneo e automtico da lngua para um nvel de conscincia

    lingustica (Sim-Sim, 1998). Ao interessar-se por rimas, inventar palavras, realizar jogos

    de linguagem, a criana comea a evidenciar uma capacidade que ultrapassa o

    conhecimento intuitivo da lngua e que exige a conscincia e o controlo de determinados

    processos lingusticos.

    A conscincia lingustica, enquanto capacidade de refletir sobre a lngua (Moore,

    1995), exige um certo distanciamento relativamente lngua, sem o qual o sujeito falante

    5 Segunda as autores, em nota de rodap na obra citada, a gramtica de uma lngua um sistema de

    elementos e regras que caracterizam o modo como, nessa lngua, se relaciona som e significado.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    22

    no consegue abstrair-se do contedo da mensagem para se concentrar nas propriedades

    que pe em funcionamento quando usa a lngua. A lngua torna-se assim o objeto do

    pensamento, continuando, no entanto, como o instrumento que permite expressar esse

    mesmo pensamento.

    An & Alegre (2003) definem a conscincia lingustica como a capacidade que os

    falantes e aprendentes de uma lngua tm de refletir sobre a lngua e de verbalizar essa

    reflexo. Trata-se de uma competncia que varia conforme a idade e o nvel de

    aprendizagem da lngua, originando diversos graus de conscincia, de acordo com o nvel

    etrio ou o grau de instruo do falante, e pode ser exercida em relao lngua materna ou

    lngua estrangeira. este conceito de conscincia lingustica que assumimos no nosso

    estudo.

    Quase sempre associado ao contexto escolar e construdo atravs do ensino

    gramatical, surge mais tarde o conhecimento metalingustico, isto , o conhecimento

    consciente em que o sujeito controla deliberadamente a utilizao das regras estruturais da

    lngua (Sim-Sim, 1998, p. 220). Sendo um conhecimento refletido, explcito e

    sistematizado das propriedades e regras da lngua, permite criana tratar a lngua como

    qualquer outro objeto de estudo e anlise, facilitando-lhe a identificao das dificuldades

    no uso da lngua e ajudando-a a descobrir as regras gramaticais. Tambm Duarte (2008), se

    refere ao conhecimento explcito da lngua como o conhecimento reflexivo e sistemtico

    do sistema intuitivo que os falantes conhecem e usam, bem como o conhecimento dos

    princpios e regras que regulam o uso oral e escrito desse sistema (p. 17).

    Relativamente lngua materna, verificamos que as aprendizagens escolares,

    nomeadamente no mbito da leitura e da escrita, exigem o funcionamento da conscincia

    lingustica da criana, mas ao mesmo tempo facilitam o desenvolvimento dessa mesma

    competncia (Gombert & Col, 2000).

    Quanto s lnguas estrangeiras, An & Alegre (2002) entendem que o

    desenvolvimento da conscincia lingustica dos falantes desempenha um papel

    preponderante na construo da capacidade de compreenso das lnguas e das culturas

    (p. 31).

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    23

    4. Desenvolvimento da conscincia lingustica e ensino da gramtica no 1 Ciclo

    do Ensino Bsico

    Quando inicia o seu percurso escolar, a maioria das crianas apresenta um

    desenvolvimento lingustico que lhe permite comunicar oralmente com relativa eficcia,

    fazendo uso do conhecimento da lngua falada fornecido pela comunidade em que se

    insere. Segundo Sim-Sim, Ferraz & Duarte (1997), esse conhecimento intuitivo, isto ,

    no consciente e pode conceber-se como a gramtica da lngua materna desenvolvida

    natural e espontaneamente pelo falante a partir da interao entre a faculdade da linguagem

    e o input lingustico que o meio lhe fornece (p. 19).

    Neste sentido, a gramtica encarada como a descrio do conhecimento da lngua,

    ou, na definio de Duarte (2000) como a descrio da engenharia que caracteriza o

    conhecimento da lngua e suporta o uso que fazem dela os falantes (p. 45). Nesta

    definio, a autora refere-se ainda linguagem humana como um sistema combinatrio

    discreto, isto , um sistema que dispe de um conjunto finito de elementos distintos que se

    combinam para formar um nmero infinito de unidades (ibidem).

    A conscincia lingustica de uma criana desenvolve-se a partir do momento em que

    ela comea a adquirir a linguagem, no entanto trata-se de uma conscincia lingustica

    implcita uma vez que resulta de uma aprendizagem informal; s com a aprendizagem

    formal, em contexto escolar, esta conscincia evoluir para um estdio de conhecimento

    explcito, definido por Sim-Sim, Duarte & Ferraz (1997) como a progressiva

    consciencializao e sistematizao do conhecimento implcito da lngua (p. 30).

    O desenvolvimento da conscincia lingustica, baseado na explicitao de

    conhecimentos intuitivos que os falantes possuem da sua lngua ainda que de tal no

    tenham conhecimento constituiu, em grande medida, a base de uma abordagem didtica

    que Hawkins defendeu na dcada de 80 do sculo XX, na Gr-Bretanha, a que deu o nome

    de language awareness. A iliteracia e os maus resultados dos alunos britnicos em lngua

    materna e em lngua estrangeira, deram origem a um movimento que defendia la necessit

    de dvelopper des habilets de conceptualisation qui prcdent et accompagnent la mise en

    place des comptences plus traditionnellement prises en charge par les instances scolaires

    (Moore, 1995, p. 26).

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    24

    Hawkins (1996) definiu o conceito de language awareness como um novo elemento

    do currculo que procura to bridge the difficult transitions from primary to secondary

    language work, and especially to the start of foreign language studies and the explosion of

    concepts and language introduced by the specialist secondary school subjets (p. 4).

    Hawkins defendia que era necessrio ultrapassar the space between the different

    aspects of language education wich at present are pursued in isolations, with no meeting

    place for the different teachers, no common vocabular for discussing language (Hawkins,

    1996, p. 4), referindo-se falta de partilha dos diferentes tipos de abordagens didticas no

    ensino das lnguas, forma isolada como trabalhavam os professores, sem procurarem

    saber o que se passava com os seus colegas da mesma ou de outras escolas, qualquer que

    fosse o nvel de ensino (Hawkins, 1999, p. 124).

    Hawkins sustentava o tratamento da linguagem como uma matria ponte que devia

    ser trabalhada no currculo, nas diferentes reas disciplinares e associada a objetivos de

    natureza intercultural.

    Voltaremos a debruar-nos sobre a abordagem didtica proposta pela corrente

    language awareness no captulo II, a propsito da SDLCe cultural.

    O ensino da gramtica no 1 ciclo, segundo Duarte (2008), visa desenvolver a

    conscincia lingustica das crianas, a qual, ao longo do seu percurso escolar, evoluir para

    o estdio de conhecimento explcito, que a mesma autora define como o conhecimento

    reflexivo e sistemtico do sistema intuitivo que os falantes conhecem e usam, bem como o

    conhecimento dos princpios e regras que regulam o uso oral e escrito desse sistema (p.

    18).

    Nesta perspetiva, entendemos que ensinar gramtica no ensinar algo

    completamente novo, mas sim tornar os nossos alunos conscientes de um conhecimento

    que eles tm e aplicam, mas do qual no tm conscincia (Costa, Cabral, Santiago &

    Viegas, 2010, p. 8). Conforme afirma Kail (2000), le savoir grammatical nest pas la

    connaissance dun ensemble de rgles abstraites, de nature symbolique, mais une

    connaissance implicite de relations probabilistes entre les squences dlments

    grammaticaux et de significations (p. 12).

    Neste sentido, mais importante do que exigir que o aluno se limite a decorar regras

    cuja aplicao nem sempre compreende, parece-nos mais produtivo que seja dada ao aluno

    a oportunidade de observar, colocar hipteses para descobrir os mecanismos de

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    25

    funcionamento da lngua e manipular a lngua, de forma a compreender as regras que deste

    processo vai extraindo (Silva, 2008, p. 97).

    Tomando a lngua como um meio essencial na expresso do pensamento e nas

    aprendizagens escolares, desejvel que [] os alunos aprendam coisas sobre ela, tal

    como aprendem coisas sobre a matria, a energia, a vida, as sociedades humanas ou os

    climas (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997, p. 31). Tambm Duarte (2008), citando o

    relatrio da Comisso Kingman, afirma to importante ensinar aspetos do contexto

    lingustico como do contexto fsico, to importante ensinar a estrutura da lngua

    portuguesa como a estrutura do tomo (p. 16).

    Analisando o papel da gramtica no ensino da lngua materna, Duarte (2000) aponta

    trs argumentos a favor da reflexo gramatical: 1) constitui-se como uma atividade

    metacognitiva, uma vez que se trata de uma atividade de reflexo sobre comportamentos

    lingusticos e sobre o sistema de ensino que suporta; 2) proporciona um meio de acesso ao

    Portugus padro. Como o sucesso escolar nas vrias disciplinas depende da lngua, um

    dos objetivos do ensino deve ser o de facilitar o acesso dos alunos ao Portugus padro,

    sem desvalorizar outras variedades lingusticas existentes na escola; 3) pode ser usada na

    aprendizagem da escrita, na medida em que permite tornar conscientes mecanismos e

    processos lingusticos que devem ser mobilizados na escrita.

    Neste sentido, e conforme j referimos neste captulo, fundamental que a escola

    assuma o papel que lhe cabe no desenvolvimento da conscincia lingustica dos alunos,

    promovendo o ensino da gramtica como uma atividade de descoberta, exigindo dos

    alunos treino de observao, classificao de dados e formulao de generalizaes quanto

    aos comportamentos dos mesmos (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997).

    5. Ensino da gramtica no 1 Ciclo do Ensino Bsico - principais documentos

    orientadores

    Depois de termos apresentado o conceito de conscincia lingustica subjacente ao

    nosso estudo, relacionando-o com o ensino da gramtica nos primeiros anos de

    escolaridade, parece-nos essencial expor de seguida as linhas orientadoras da didtica da

    gramtica no 1 Ciclo do Ensino Bsico, tais como so apresentadas nos principais

    documentos reguladores do ensino da Lngua Portuguesa neste nvel de ensino.

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    26

    O ensino da gramtica no Ensino Bsico regeu-se nos ltimos anos pelas orientaes

    emanadas dos Programas de 1991, reeditados em 2004, sob o ttulo Organizao

    Curricular e Programas do Ensino Bsico 1 Ciclo, em articulao com o Currculo

    Nacional do Ensino Bsico Competncias Essenciais (CNEB), publicado em 2001,

    seguindo os princpios orientadores da Organizao e Gesto Escolares, definidos no

    Decreto-Lei n6 /2001, de 18 de Janeiro e no Decreto-Lei n. 209/2002, de 17 de Outubro.

    Embora a publicao deste ltimo documento orientador fizesse prever a elaborao

    de novos programas para as vrias reas disciplinares, conforme se depreende da leitura da

    Nota de Apresentao - o presente documento, enquadrando os programas escolares em

    vigor, constitui tambm um guia luz do qual se proceder a uma reformulao geral

    desses programas (ME, 2001, p. 3) e o documento Organizao Curricular e Programas

    do Ensino Bsico 1 Ciclo, na Nota Prvia 4 Edio (2004) tambm aludisse a tal

    reformulao, foi necessrio esperar quase uma dcada at que, no que respeita Lngua

    Portuguesa, tal acontecesse e durante esse perodo, conforme afirmam Costa et al. (2010),

    os Programas de 1991 e o CNEB conviveram com indicaes contraditrias e legitimando

    prticas divergentes (p. 5).

    Uma breve anlise aos Programas de 1991 permite-nos verificar que neste

    documento o ensino da gramtica se encontra contemplado no terceiro bloco -

    Funcionamento da Lngua , entendido nestes programas como um instrumento de

    descoberta e de desenvolvimento das possibilidades de uso da Lngua e de aprendizagem

    da Escrita e da Leitura (ME, 2004, p. 157), o que leva Costa et al. (2010) a considerarem

    que o Funcionamento da Lngua ocupava um lugar perifrico nos Programas de 1991,

    justificado com a prpria organizao do documento, que no reservava para a descrio

    gramatical contedos, mas apenas nveis e processos de operacionalizao (p. 5). De

    facto, nos Programas de 1991, podemos ler que no se espera que, durante este ciclo, os

    alunos venham a dominar a nomenclatura correspondente a todo o trabalho realizado,

    deixando-se esse trabalho de memorizao para o 2 ciclo do Ensino Bsico.

    Outro aspeto interessante no documento em anlise o facto de o Funcionamento da

    Lngua se destinar apenas aos 3. e 4. anos de escolaridade, orientado pelo objetivo de

    descobrir aspetos fundamentais da estrutura e do funcionamento da lngua a partir de

    situaes de uso (ME, 2004).

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    27

    De modo completamente diferente, no CNEB, a gramtica apresentada como uma

    competncia especfica denominada Conhecimento Explcito da Lngua, considerada to

    importante como todas as outras competncias (Expresso Oral Compreenso do Oral,

    Leitura e Escrita) e uma das reas nucleares do currculo, a exigir um trabalho autnomo,

    tal como o previsto para as restantes competncias (Costa et al., 2010).

    Uma anlise mais aprofundada dos dois documentos permite-nos verificar que no se

    trata apenas de uma mudana de terminologia, de Funcionamento da Lngua (Programa do

    1 Ciclo, 1991) para Conhecimento Explcito da Lngua (CNEB, 2002), mas de toda uma

    abordagem diferenciada do ensino da gramtica. Enquanto os Programas de 1991

    perspetivam, por exemplo, um trabalho orientado para a correo do erro em situaes de

    comunicao, procurando que os alunos () se sirvam dos seus erros e inadequaes para

    descobrir regularidades e irregularidades da Lngua (ME, 2004, p. 157), no CNEB

    recomenda-se um trabalho orientado para a descoberta de regularidades da lngua,

    mobilizando posteriormente os conhecimentos adquiridos em situaes de uso. Como

    afirmam Costa et al. (2010) a propsito da implementao dos programas de 1991 luz das

    orientaes emanadas do CNEB, se se implementar este programa com prticas idnticas

    s anteriores ou sem uma apropriao dos pressupostos inerentes a estas diferenas,

    corremos o risco de estar a fazer uma falsa implementao do programa (p. 12).

    Apenas em 2009, com a homologao do Programa de Portugus do Ensino Bsico,

    com entrada em vigor prevista para 2011/2012, se d cumprimento reformulao dos

    programas de Lngua Portuguesa anunciada aquando da publicao do CNEB.

    Com efeito, os resultados dos estudos em que Portugal tem participado, tais como o

    IEA (International Association for the Evaluation of Educational Achievement) em 1991, o

    PISA (Project for International Student Assessment) 2000 ou o PISA 2003, bem como o

    resultado da anlise de prticas pedaggicas seguidas ao longo dos ltimos anos e os

    avanos metodolgicos que a didtica da lngua tem conhecido exigiam a reformulao dos

    programas de Lngua Portuguesa, em vigor h mais de duas dcadas. Para alm dos

    documentos de poltica lingustica educativa, tais como o Currculo Nacional do Ensino

    Bsico, foi ainda tido em considerao um conjunto de iniciativas de reconhecida feio

    doutrinria ou de orientao pedaggica, nomeadamente o Programa Nacional de Ensino

    do Portugus (PNEP), destinado a aprofundar a formao de professores de Portugus,

    sobretudo do 1 ciclo, o Plano Nacional de Leitura, da responsabilidade do Ministrio da

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    28

    Educao, a Conferncia Internacional sobre o Ensino do Portugus, cujas recomendaes

    constituram tambm um ponto de partida para o trabalho em anlise, e ainda o Dicionrio

    Terminolgico, documento que fixa a terminologia a utilizar nos diferentes aspetos do

    conhecimento explcito da lngua.

    A equipa que concebeu o Programa de Portugus do Ensino Bsico procurou criar

    um documento de trabalho to claro e sinttico, quanto possvel, que no descurando os

    elementos programticos precisos, nomeadamente os contedos, permita ao professor

    articular o que est enunciado nos programas com a realidade das turmas que leciona.

    Tal como o CNEB, o Programa de Portugus do Ensino Bsico encontra-se

    organizado por competncias: Expresso Oral, Compreenso do Oral, Leitura, Escrita e

    Conhecimento Explcito, explicitando-se os contedos especficos da rea / disciplina,

    recomendando-se que cada competncia seja alvo de um ensino explcito e sistematizado

    de modo a ser posteriormente mobilizada.

    Relativamente ao Conhecimento Explcito, embora considerado transversal aos

    diferentes domnios, o programa recomenda que seja tratado com cuidado especial e

    [em] momentos de trabalho autnomo, sublinhando a necessidade de reforar a

    exigncia [] nos diversos estdios de desenvolvimento e ensino e da aprendizagem da

    lngua, tendo em vista o ensino da gramtica, indicando-se expressamente que tal trabalho

    deve ter incio no 1 ciclo (ME, 2009, p. 19).

    De acordo com as orientaes programticas do Programa de Portugus de 2009,

    necessrio promover a anlise e reflexo sobre a lngua, de modo a desenvolver a

    conscincia lingustica, no sentido de transformar o conhecimento implcito em

    conhecimento explcito da lngua.

    Analisando de modo mais detalhado os quadros da competncia Conhecimento

    Explcito da Lngua, verificamos que os contedos se encontram distribudos por Planos:

    Fonolgico, Morfolgico, das Classes de Palavras, Sinttico, Lexical e Semntico,

    Discursivo e Textual e da Representao Grfica e Ortogrfica, seguindo a organizao do

    Dicionrio Terminolgico6.

    Nas Orientaes de Gesto, recorda-se que o trabalho que incide sobre o

    conhecimento explcito da lngua tem um triplo objetivo: 1) o desenvolvimento da

    conscincia lingustica dos alunos, a partir de atividades de observao, comparao e

    6 http://dt.dgidc.min-edu.pt/

    http://dt.dgidc.min-edu.pt/

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    29

    manipulao de dados, para descoberta de regularidades no funcionamento da lngua; 2) a

    sistematizao e explicitao dessas regularidades, utilizando ou no metalinguagem; 3) a

    mobilizao dos conhecimentos adquiridos na compreenso e produo de textos orais e

    escritos (ME, 2009, p.72).

    Na sequncia do Currculo Nacional do Ensino Bsico de 2001 e do Programa de

    Portugus do Ensino Bsico de 2009, foi apresentado em 2010 o projeto Metas de

    Aprendizagem. Este projeto, conforme pode ler-se no documento de apresentao,

    Consiste na conceo de referentes de gesto curricular para cada disciplina ou rea

    disciplinar, em cada ciclo de ensino, desenvolvidos na sua sequncia por anos de

    escolaridade, incluindo ainda metas finais para a Educao Pr-escolar (ME, 2009)7.

    No caso da Lngua Portuguesa, as Metas foram construdas como referenciais de

    aprendizagem, espelhando uma continuidade articulada e progressiva ao longo da

    educao bsica (ibidem). Estes referenciais de aprendizagem traduzem o que o aluno

    deve saber em resultado de atividades formais de ensino, permitindo ao professor situar a

    aprendizagem num contnuo, referenciando o ponto de aprendizagem anterior e o ponto de

    aprendizagem seguinte. Deste modo, o professor possuir mais conhecimentos acerca do

    que aluno sabia antes e o que dever saber depois, facilitando assim a construo dos

    recursos para alcanar os objetivos propostos.

    Estes referenciais de aprendizagem constituem assim o essencial que todos alunos

    devem saber, organizados de forma articulada e progressiva e formulados de modo claro e

    preciso. Encontramos, assim, os Domnios de Referncia, grandes reas de aprendizagem

    que exigem a mobilizao simultnea de diversas competncias que, por sua vez, se

    dividem em subdomnios, denominados Organizadores de Aprendizagem, que envolvem e

    promovem o conhecimento e o desenvolvimento cognitivo e lingustico, sempre na

    perspetiva do que o aluno deve aprender.

    Os Domnios de Referncia, elaborados a partir das cinco competncias essenciais,

    so nove, cabendo-nos destacar aqui, no mbito deste trabalho, os domnios VIII, Conhecer

    as propriedades das palavras e alargar o capital lexical (conforme a prpria denominao

    do domnio, abarcam as aprendizagens relativas ao conhecimento das propriedades das

    palavras), e IX, Estruturar e analisar unidades sintticas (abrangem os conhecimentos que

    determinam a estruturao das frases).

    7http://www.metasdeaprendizagem.min-edu.pt/ensino-basico/metas-de-aprendizagem/metas/?area=6&level=2

    http://www.metasdeaprendizagem.min-edu.pt/ensino-basico/metas-de-aprendizagem/metas/?area=6&level=2

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    30

    De acordo com os objetivos do nosso estudo, no projeto de interveno que

    concebemos e implementmos, centrmos o nosso trabalho no desenvolvimento da

    competncia especfica do Conhecimento Explcito da Lngua, seguindo as orientaes do

    Programa de Portugus do Ensino Bsico de 2009. Neste sentido, selecionmos os

    Descritores de Desempenho e os Contedos do Plano Morfolgico e do Plano Lexical,

    previstos para o 3 e 4 ano de escolaridade, no Programa de Portugus do Ensino Bsico

    de 2009. Uma vez que os Descritores de Desempenho so semelhantes em todos os planos

    do Conhecimento Explcito da Lngua, selecionmos para o nosso projeto: Manipular

    palavras e constituintes de palavras e observar os efeitos produzidos segmentar palavras

    nos seus constituintes e produzir novas palavras a partir de sufixos e prefixos; Comparar

    dados e descobrir regularidades; Explicitar regras e procedimentos distinguir palavras

    simples e complexas e identificar os processos de formao de palavras; Mobilizar o saber

    adquirido na compreenso e expresso oral e escrita. Assim, do Plano Morfolgico,

    selecionmos os seguintes contedos: Palavra, palavra simples, palavra complexa, radical,

    sufixo, prefixo, derivao por prefixao e derivao por sufixao. Por entendermos

    tratar-se de contedos que se articulam, abordmos ainda o contedo Famlia de

    palavras, do Plano Lexical e Semntico.

    O projeto de interveno apresentado no captulo 3, prende-se com o

    desenvolvimento de aprendizagens que, no documento Metas de Aprendizagem se

    encontram inseridas no Domnio Conhecer as Propriedades das palavras e Alargar o

    Capital Lexical. Do subdomnio Mobilizao do conhecimento de processos de inovao

    lexical, identificmos para o nosso projeto as metas: O aluno identifica e usa os prefixos

    e sufixos mais frequentes e produtivos (meta 102); O aluno identifica nos textos que l

    radicais eruditos (latinos e gregos) mais frequentes (meta 103). Ainda no mesmo

    Domnio, mas do Subdomnio aprendizagem de palavras novas, identificmos para o

    nosso trabalho a meta final: O aluno usa a estrutura interna para descobrir o significado de

    palavras desconhecidas (meta 107)

    Conforme procurmos evidenciar ao longo deste captulo, o ensino da gramtica no

    1 CEB deve contribuir para a progressiva consciencializao e sistematizao do

    conhecimento implcito no uso da lngua (Sim-Sim, Duarte & Ferraz, 1997, p. 30). A

    escola deve pois procurar seguir uma abordagem didtica que possibilite aos alunos

  • Captulo I Didtica da Gramtica

    31

    observar, manipular, detetar regularidades, colocar hipteses, deduzir, classificar, extraindo

    conhecimentos sobre a lngua, como fazem noutras reas.

    Assim, cabe escola promover o desenvolvimento da competncia lingustica dos

    alunos, contribuindo para uma melhor e mais fcil comunicao, um conhecimento

    crescente e uma mais harmoniosa insero no mundo (Lamas, 2000, p. 212).

    precisamente neste referencial terico que se enquadra o projeto que levmos a

    cabo e que procurou integrar o ensino da gramtica numa abordagem de sensibilizao

    diversidade lingustica, adotando uma perspetiva (pluri)lingustica, que promova o

    interesse e a curiosidade dos alunos, tornando o ensino da gramtica mais significativo,

    motivar e profcuo.

  • Captulo II Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural

    32

    CAPTULO II SENSIBILIZAO DIVERSIDADE LINGUSTICA

    E CULTURAL

    1. Diversidade lingustica europeia

    Fenmenos mundiais como a globalizao, os avanos tecnolgicos, as migraes, a

    mobilidade, vieram transformar as sociedades atuais, acentuando-lhes a diversidade social,

    lingustica e cultural.

    Embora sempre tenha existido, a diversidade de lnguas na Europa tem-se

    modificado ao longo dos tempos, em grande parte devido deslocao dos povos que

    trouxeram para o continente europeu novas famlias de lnguas, tornando minoritrias

    outras mais antigas, e colocando algumas em perigo de extino.

    Para alm das lnguas oficiais de cada pas - segundo dados da Comisso Europeia8,

    existem na Europa mais de 60 comunidades autctones que falam diversas lnguas

    minoritrias e regionais (algumas consideradas oficiais) tambm as lnguas trazidas pelas

    comunidades imigrantes que se instalaram nos diversos pases muito tm contribudo para

    a construo do panorama lingustico atual do continente europeu.

    Cada uma das numerosas lnguas nacionais, regionais, minoritrias e migrantes

    faladas na Europa parte integrante da herana cultural comum a todos os cidados

    europeus e por isso deve ser partilhada, pois s dessa forma se conseguir promover o

    dilogo e o respeito mtuo.

    A possibilidade de todos participarem na vida social, cultural e poltica da

    comunidade onde se encontram inseridos, beneficiando dos servios disponveis e

    contribuindo para a vida dessa mesma comunidade, no exerccio pleno da cidadania s

    possvel se os cidados possurem boas competncias lingusticas e se sentirem plenamente

    integrados.

    O reconhecimento da importncia do multilinguismo que caracteriza a Europa, em

    geral, e a Unio Europeia (UE), em particular, obrigou definio de uma poltica de

    defesa e preservao da diversidade lingustica e de promoo das competncias

    interculturais com repercusses nas polticas educativas seguidas na UE, nomeadamente no

    8 In, http://ec.europa.eu/languages/languages-of-europe/index_pt.htm

    http://ec.europa.eu/languages/languages-of-europe/index_pt.htm

  • Captulo II Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural

    33

    que diz respeito ao ensino das lnguas, no s por razes de identidade cultural e integrao

    social, mas tambm porque conhecer novas lnguas promove os contactos interculturais, a

    compreenso mtua e a compreenso direta entre os cidados (Comisso Europeia9, 2008).

    Os pases europeus, conscientes que o multilinguismo oferece aos cidados mais e

    melhores oportunidades de ensino, profissionais e econmicas, no mbito de uma Europa

    integrada, tm procurado implementar medidas que preservem a diversidade lingustica,

    uma vez que esta pode representar uma mais-valia preciosa, sobretudo tendo em conta o

    mundo globalizado em que vivemos hoje (Comisso das Comunidades Europeias10

    ,

    2008).

    Uma poltica europeia de promoo do multilinguismo e de preservao da

    diversidade lingustica e cultural exige a implementao de medidas educativas que

    procurem, por um lado, desenvolver o plurilinguismo como competncia e, por outro lado,

    estimulem uma educao para o plurilinguismo junto dos seus cidados (Beacco & Byram,

    2007, p. 10).

    2. Plurilinguismo, competncia plurilingue e pluricultural e sensibilizao

    diversidade lingustica

    Conforme expusemos anteriormente, o atual panorama lingustico e cultural da

    Europa, bem como o aumento das possibilidades de interao e de mobilidade nos pases

    europeus, nomeadamente na UE, passaram a exigir dos seus cidados um elevado nvel de

    competncias comunicativas.

    Atravs da leitura do Guide pour llaboration des politiques linguistiques

    ducatives en Europe11

    , constatamos que Le Conseil de lEurope et ses Etats membres ont

    pris position en faveur du dveloppement de la diversit linguistique qui sera donc

    lobjectif des politiques linguistiques ducatives (Beacco & Byram, 2007, p. 7).

    Verificamos, ento, que existe vontade poltica para a criao de condies que

    promovam a valorizao das lnguas e das culturas e, consequentemente, para a

    importncia da SDLC. No entanto, o desenvolvimento de competncias cognitivas

    adequadas s exigncias da realidade atual no se alcana atravs da aprendizagem de duas

    9 In http://ec.europa.eu/publications/booklets/move/74/pt.pdf 10 In http://ec.europa.eu/languages/documents/2008_0566_pt.pdf 11 In http://www.coe.int/t/dg4/linguistic/Source/Plurilingal_Education_FR.pdf

    http://ec.europa.eu/publications/booklets/move/74/pt.pdfhttp://ec.europa.eu/languages/documents/2008_0566_pt.pdfhttp://www.coe.int/t/dg4/linguistic/Source/Plurilingal_Education_FR.pdf

  • Captulo II Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural

    34

    ou trs lnguas estrangeiras, mas exige o desenvolvimento de uma competncia plurilingue

    e pluricultural que se assume assim como um dos vetores essenciais das polticas

    educativas europeias, destacando-se nos contextos formais de aprendizagem, no s

    tericos como prticos (Coste, Moore & Zarate, 1997, p. 12).

    As polticas educativas que o Conselho da Europa tem procurado implementar, para

    alm de terem como objetivo a preservao da herana cultural europeia, entendem o

    ensino das lnguas como o desenvolvimento de uma competncia plurilingue e intercultural

    (Quadro Europeu Comum de Referncia para as Lnguas12

    - QECR), no mbito de uma

    educao para o plurilinguismo, assumida como uma educao para o respeito pelas

    lnguas dos outros e pela diversidade lingustica.

    De acordo com Beacco & Byram (2007), as polticas lingusticas educativas devem

    perspetivar o ensino das lnguas no sentido do desenvolvimento de uma competncia

    lingustica individual, favorecendo lapprentissage de plusieurs langues pour tous tout au

    long de la vie de sorte que les Europens deviennent effectivement des citoyens

    plurilingues et interculturels capables de communiquer avec les autres Europens dans tous

    les domaines (p. 7).

    Neste sentido, os objetivos das polticas lingusticas definidas pelo Conselho da

    Europa, no domnio da educao, passam por former des citoyens plurilingues et

    interculturels, capables dinteragir dans plusieurs langues au-del des frontires

    linguistiques et culturelles (Conseil de lEurope, 2006, p. 5)13

    . Trata-se de promover uma

    aprendizagem de lnguas baseada no desenvolvimento de uma competncia comunicativa,

    para a qual contribuem todo o conhecimento e toda a experincia das lnguas e na qual as

    lnguas se inter-relacionam e interagem. Mais do que a proficincia numa ou duas lnguas,

    a finalidade do estudo das lnguas passa a ser o desenvolvimento de um repertrio

    lingustico no qual cabem todas as capacidades lingusticas (Conselho da Europa, 2001,

    pp. 23-24).

    De acordo com o QECR, a conscincia plurilingue e pluricultural a capacidade

    para utilizar as lnguas para comunicar na interao cultural, na qual o indivduo, na sua

    12 Disponvel em http://www.asa.pt/downloads/Quadro_Europeu_001_072.pdf

    http://www.asa.pt/downloads/Quadro_Europeu_001_072.pdf

  • Captulo II Sensibilizao Diversidade Lingustica e Cultural

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    qualidade de ator social, possui proficincia em vrias lnguas, em diferentes nveis, bem

    como experincia de vrias culturas (Conselho da Europa, 2001, p. 231).

    Segundo o Guide pour llaboration des politiques linguistiques ducatives en

    Europe (Beacco & Byram, 2007), competncia plurilin