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Instituto Politécnico de Viseu Escola Superior de Educação de Viseu IPV - ESEV | 2016 Viseu, 2016 Brincadeiras no espaço exterior e aprendizagens: percursos de prática de ensino supervisionada e de investigação na Educação Pré-Escolar Maria de Fátima Teixeira Martins Maria Martins Brincadeiras no espaço exterior e aprendizagens: percursos de prática de ensino supervisionada e de investigação na Educação Pré-Escolar

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Viseu, 2016

Brincadeiras no espaço exterior e aprendizagens:percursos de prática de ensino supervisionada e deinvestigação na Educação Pré-Escolar

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Janeiro de 2015

Brincadeiras no espaço exterior e aprendizagens:percursos de prática de ensino supervisionada e deinvestigação na Educação Pré-Escolar

Maria de Fátima Teixeira Martins

Relatório Final de Estágio

Trabalho efectuado sob a orientação deProfessora Doutora Isabel AbrantesProfessora Doutora Maria Figueiredo

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“Brincar dá alma! E dá sabedoria. E abre, todos os dias, uma avenida onde o horizonte

fica sempre mais além.”

Eduardo Sá (2015)

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Agradecimentos

Terminado este percurso académico e esta etapa importante na minha vida, é

essencial agradecer às pessoas que contribuíram para o meu crescimento pessoal e

profissional. Este percurso foi percorrido de um modo positivo, com momentos

marcantes, mas por outro lado, com alguns desafios e dificuldades, que foram

ultrapassados com a ajuda e apoio de pessoas inesquecíveis. Assim, deixo os meus

agradecimentos a todas as pessoas que contribuíram e acompanharam o decorrer desta

etapa tão relevante na minha vida.

Às professoras Isabel Abrantes e Maria Figueiredo, pela forma como me

orientaram durante o relatório, pela disponibilidade, confiança, ajuda e pela partilha de

um conjunto de saberes significativos, que foram importantes para melhorar o presente

trabalho e para o futuro profissional.

A todos os professores que partilharam a sua ciência, nas suas respetivas áreas,

ensinando aos seus alunos um conjunto de saberes fundamentais para as práticas e

para a subsequente etapa profissional.

À educadora e professora cooperantes, pela orientação, confiança, pelas

reflexões e partilha de conhecimento, fundamentais para a melhoria das práticas e

também para as práticas futuras, como educadora ou professora.

À minha família, em especial aos meus pais e irmãos, que me acompanharam

sempre durante este percurso, apoiando e dando força para encarar os desafios e para

nunca desistir e lutar pelo que se deseja. Agradeço-lhes também pelas palavras de

conforto e congratulação pelos resultados positivos alcançados.

À minha amiga e colega de casa Margarida, pela ajuda, apoio, amizade e

dedicação ao longo deste percurso. Sem dúvida que o seu auxílio nesta etapa foi muito

importante e gratificante na preparação das práticas, nas frustrações, nas dificuldades,

nas intervenções; por outro lado, partilhamos também a alegria das vitórias e dos

desafios superados que foram surgindo e que nos permitiram crescer e fortalecer a

amizade.

Às minhas amigas, que conheci em Viseu, Vanessa, Catarina, Tânia e Francisca,

pela força que me foram dando ao longo deste caminho, pelo carinho e pela amizade.

Uma palavra amiga confortou sempre e ajudou a encarar os desafios com mais

resistência.

Às minhas amigas de longa data, Bruna e Raquel, que foram sempre um apoio

incondicional, pela forma como se preocupavam, pela amizade, ajuda, carinho,

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dedicação e disposição que tiveram para me confortar nos maus momentos e nas

dificuldades e também pela alegria e felicitação que demonstraram quando alcancei os

objetivos.

A todas as pessoas que me deram força durante a concretização deste trabalho

e que desejaram que alcançasse o meu objetivo.

A todos, um sincero obrigada por tudo.

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Resumo

O presente relatório de estágio tem como objetivos principais analisar

criticamente a prática de ensino supervisionada que foi desenvolvida em contexto de

Educação Pré-Escolar e de 1.º Ciclo do Ensino Básico e compreender quais os

contributos de brincar no espaço exterior para a aprendizagem de conceitos de

Geologia. Para refletirmos e analisarmos o trabalho desenvolvido no decorrer das

práticas, recorreu-se aos instrumentos e materiais utilizados ao longo das intervenções,

assim como a autores de referência e a legislação em vigor. No que respeita ao estudo

empreendido sobre os contributos de brincar no espaço exterior para a aprendizagem

de conceitos de Geologia, tratou-se de uma investigação de caráter qualitativo que

envolveu a construção de uma cozinha de lama em contexto de educação pré-escolar

e subsequente análise através de observação participante, diários de bordo, fotografias

e filmagens. Pretendeu-se evidenciar a importância para as crianças de brincar no

exterior, em contacto com a natureza e com os seus elementos, como lama, entre

outros; mais especificamente, pretendeu-se destacar a aprendizagem e construção de

conceitos e conhecimentos ligados à área da Geologia, que é abordada de modo

superficial nos documentos orientadores da educação pré-escolar em Portugal. Conclui-

se que as cozinhas de lama contribuem para aprendizagens neste âmbito que são

relevantes pois permitem-lhes compreender melhor o que as rodeia, ao mesmo tempo

que sustentam futuras aprendizagens.

Palavras-chave: Educação Pré-Escolar; cozinha de lamas; espaço exterior; brincar;

Geologia; natureza; 1.º Ciclo do Ensino Básico.

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Abstract

The aim of this report was to analyze the supervised teaching practice,

developed in early childhood and primary education and understand how playing outside

could support children’s learning of geology concepts. The authors and legislation were

considered as well as instruments and materials used. A qualitative study was undertook

to understand the contribution of outside playing for geology learning. A mud kitchen was

built with the children and participant observation, logbooks, photographs and video. The

experience aimed to highlight the importance of playing outdoors to the children, in

contact with nature and its elements, with mud, among others; in addition, we intended

to further highlight the importance of playing in those contexts in learning geology

concepts. This area appears in a very superficial way in the curricular guidelines, for

early childhood education but is an important area, because there are fundamental

concepts to work with children which are bases for other concepts in a subsequent

development stage.

Keywords: Early Childhood Education; Mud Kitchen; outdoor; play; Geology; nature;

Primary education.

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Índice

Introdução geral ........................................................................................................... 1

Parte I - Reflexão crítica sobre as práticas em contexto ............................................... 4

Introdução .................................................................................................................... 5

1. Caracterização dos contextos ............................................................................... 6

1.1. 1.º Ciclo do Ensino Básico ............................................................................. 7

1.2. Educação Pré-escolar .................................................................................... 8

2. Análise das práticas concretizadas na PES II e III ................................................10

2.1. 1.º Ciclo do Ensino Básico ............................................................................11

2.2. Educação Pré-Escolar...................................................................................14

3. Análise das competências e conhecimentos profissionais desenvolvidos na

Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico ...................................................16

Parte II – Brincadeiras no espaço exterior e aprendizagens de Geologia: um estudo na

Educação Pré-Escolar .................................................................................................23

Introdução ...................................................................................................................24

1. Revisão da literatura ............................................................................................25

1.1. Importância de brincar para o desenvolvimento da criança ...........................25

1.2. Brincar no exterior .........................................................................................27

1.2.1. Brincar e aprender na Natureza .................................................................31

1.2.2. Brincar com lama .......................................................................................31

1.2.3. Brincar no exterior e a aprendizagem de conceitos da área de

conhecimento do mundo ..........................................................................................35

2. Metodologia .........................................................................................................41

2.1. Definição do problema e objetivos ................................................................41

2.2. Tipo de investigação .....................................................................................42

2.3. Participantes e justificação da sua escolha ...................................................43

2.4. Processos e instrumentos de recolha de dados ............................................43

2.5. Processo de análise dos dados .....................................................................48

3. Apresentação e discussão dos resultados ...........................................................49

3.1. Preparação da montagem da cozinha ...........................................................49

3.2. Montagem da cozinha de lama .....................................................................51

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3.3. Brincar na cozinha ........................................................................................56

3.4. Jogo faz de conta/criações ............................................................................64

3.5. Conflitos e resolução dos mesmos ................................................................66

3.6. Interações criança-criança e criança-adulto na cozinha de lama ...................67

3.7. Envolvimento e Bem-Estar Emocional ..........................................................69

3.8. Cozinha de lama e a aprendizagem de conceitos de geologia ......................73

3.9. Cozinha de lama: elementos fundamentais ...................................................74

4. Cozinha de lama: aprendizagens fundamentais ao desenvolvimento da criança

77

Conclusões do estudo .................................................................................................80

Conclusão geral ..........................................................................................................85

Referências Bibliográficas ...........................................................................................88

Anexos ........................................................................................................................97

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Índice de imagens

Figura 1- Mapas do Science for All ....................................................................................... 37

Figura 2- Indicadores de bem-estar emocional ................................................................... 44

Figura 3- Indicadores de implicação ..................................................................................... 47

Figura 4- Níveis de implicação ............................................................................................... 47

Figura 5- Montagem da cozinha ............................................................................................ 53

Figura 6- Conclusão da montagem com o 2.º grupo .......................................................... 53

Figura 7- Crianças exploram o solo e manipulam objetos ................................................. 57

Figura 8- Crianças a encher recipientes, explorar o solo e os utensílios de cozinha ... 58

Figura 9- Primeiros cozinhados feitos com solo .................................................................. 58

Figura 10- Primeiros cozinhados com recurso a relva, folhas, abrunhos, paus... ......... 59

Figura 11- Descoberta e uso da peneira .............................................................................. 60

Figura 12- Recurso a um coador de legumes para utilizar como peneira....................... 60

Figura 13- Cozinhados "empratados" ................................................................................... 61

Figura 14- Cozinhados “empratados” e decorados ............................................................ 62

Figura 15- Brincadeiras com água e solo ............................................................................. 63

Figura 16- Criança a colocar os bolos no forno improvisado ............................................ 65

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Índice de tabelas

Tabela 1- Tabela de propriedades do solo e exemplos das suas potencialidades na

cozinha de lamas ........................................................................................................39

Tabela 2- Registos de níveis de implicação por criança (sexo, idade) e por data ........69

Tabela 3- Registos de níveis de bem-estar por criança (sexo, idade) e por data .........70

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Introdução geral

A escola é um dos lugares mais importantes para a criança partilhar e construir

sabedoria. É o local a que estão associados grandes marcos da sua infância e onde

devem ser vividas experiências diversificadas e significativas. A escola deve ser o lugar

onde também se aprende a brincar, a brincar com tudo que envolve as crianças, desde

os amigos, professores, conhecimento, funcionários, entre outros. Deve ser um lugar

onde elas se divertem, aprendem, superam e desenvolvem. A escola é uma instituição

que deve promover o bem-estar das crianças, o desejo e o gosto de aprender e andar

na escola. É o local onde devem ser promovidos valores relevantes para o viver em

conjunto e onde as crianças são desafiadas, tornam-se autónomas, crescem

fisicamente e intelectualmente. A escola como lugar onde tudo é possível acontecer e

desenvolver e no qual as crianças podem encontrar as respostas para as suas dúvidas,

requer que a criança sinta alegria em ir para a escola, para que deseje tanto aprender

a brincar na sala de aula, como a brincar no recreio ou noutro lugar de que gosta e onde

é feliz. Para isso, é fundamental que o professor seja dotado de competências e

sabedoria, capazes de dar resposta às características das crianças. O professor deve

ser capaz de promover a alegria e o gosto em aprender e dotar os seus alunos de

competências essenciais à sua vida e ao seu desenvolvimento. Assim, a Escola

Superior de Educação de Viseu, mais concretamente, o curso de licenciatura em

Educação Básica e o Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do

Ensino Básico, preparou-nos pessoal e profissionalmente, com um conjunto de

competências e aprendizagens fundamentais para o bom desempenho profissional do

professor e educador.

Na componente curricular da Prática de Ensino Supervisionada (PES),

aprendemos a refletir sobre as ações e durante as ações, nos momentos de prática,

reflexões essas que foram essenciais para melhorar o nosso desempenho. As três

unidades curriculares tornaram-se uma mais-valia na nossa formação, uma vez que nos

proporcionaram conhecimento fundamental para a prática e sobretudo para a nossa

futura vida profissional. A PES tornou-se essencial para sermos capazes de

proporcionar aos alunos bem-estar, o gosto em aprender, o aprender a brincar, a vencer

os desafios e as dificuldades, entre outros…

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Este relatório final de estágio foi desenvolvido no âmbito dessas unidades

curriculares PES I, II e III - do curso de Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do

1.º Ciclo do Ensino Básico, da ESEV.

O presente relatório é constituído por duas partes, sendo que na primeira faz-se

uma análise e reflexão acerca das práticas desenvolvidas na Educação Pré-Escolar e

no 1.º Ciclo do Ensino Básico. O relatório inicia-se com uma reflexão crítica sobre o

trabalho desenvolvido nas práticas, onde é apresentada uma caracterização dos

contextos onde estagiámos. De seguida, procedemos a uma reflexão sobre as

pedagogias concretizadas durante o tempo de estágio, tendo como suporte as

planificações, os relatórios crítico-reflexivos e os documentos fundamentais na prática

de um docente. Por fim, procede-se a uma análise das competências e conhecimentos

profissionais desenvolvidos, tendo em conta o perfil geral de desempenho profissional

do educador de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário

consignados no Decreto-Lei n.º 240/2001, de 30 de agosto e o Decreto-Lei n.º 241/2001,

de 30 de agosto.

Na segunda parte, apresentamos um trabalho de investigação sobre os

contributos de brincar no exterior para a aprendizagem de conceitos de Geologia, uma

vez que os documentos orientadores da prática na Educação Pré-Escolar indicam

algumas pistas sobre aprendizagens no âmbito da Geologia, mas considera-se que o

seu potencial para apoiar a compreensão das crianças sobre o Mundo pode ser melhor

explorado. Este trabalho de investigação realiza-se através do projeto de construção de

uma cozinha de lama no espaço exterior e do envolvimento e desenvolvimento de

atividades neste tipo de contexto por parte das crianças.

A investigação aborda ainda outros temas relacionados com o brincar na cozinha

de lama, nomeadamente os conflitos que surgem, o jogo de faz-de-conta, as interações

entre crianças e crianças-adulto, a implicação e o bem-estar, os elementos

fundamentais para construir uma cozinha de lama e as aprendizagens decorrentes

deste tipo de brincadeira.

Na primeira secção da segunda parte do trabalho, apresentamos a revisão da

literatura, no qual é contextualizada a importância do brincar para o desenvolvimento da

criança, o brincar no exterior, o brincar e aprender na Natureza, o brincar com lama e

apresentamos ainda dois exemplos de trabalhos desenvolvidos em Portugal, sobre a

construção de uma cozinha de lama no espaço exterior e as aprendizagens que esta

atividade permite.

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Na segunda secção, expomos a metodologia usada na concretização da

investigação, dando a conhecer o problema em estudo e os objetivos, o tipo de

investigação, a amostra e a justificação da sua escolha, as técnicas e o instrumento de

pesquisa, o procedimento e, por fim, a análise e o tratamento dos dados.

Na terceira secção, apresentamos os resultados obtidos, a partir da análise da

informação obtida pela observação direta, dos diários de bordo, das filmagens e das

imagens, procedendo também à sua análise e interpretação, tendo por base a revisão

da literatura realizada anteriormente.

Finalmente, na conclusão geral do relatório, procedemos à reflexão geral do

percurso profissional da nossa formação, assim como à síntese das conclusões da

investigação realizada.

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Parte I - Reflexão crítica sobre

as práticas em contexto

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Introdução

A primeira parte deste relatório tem como objetivo fazer uma reflexão crítica

sobre o trabalho desenvolvido ao longo do Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino

do 1.º Ciclo do Ensino Básico, nomeadamente sobre as práticas desenvolvidas na

Prática de Ensino Supervisionada (PES) I, II e III, para percebermos de que forma é que

estas contribuíram para a construção de competências e conhecimentos profissionais.

O professor e educador têm um papel educativo fundamental para a criança e

ambos permitem que nas etapas da Educação Pré-Escolar e no 1.º Ciclo do Ensino

Básico, ocorra o desenvolvimento pessoal e social da criança, que se formem cidadãos

conscientes e solidários, educando-os para a cidadania e permitindo a oportunidade de

inclusão das crianças na sociedade. Ambos devem criar oportunidades, estratégias e

experiências positivas às crianças que permitam o sucesso educativo, assim como o

desenvolvimento global da criança, estimulando a curiosidade e o espirito crítico. Deste

modo, cabe a ambos criar ambientes onde as crianças se sintam bem e tenham gosto

e vontade de aprender.

Tendo em conta os aspetos acima mencionados, é importante analisar e refletir

sobre as práticas desenvolvidas. Em ambos os contextos ocorreram aspetos positivos

e negativos e como tal, neste ponto, pretendemos dar a conhecer as competências

desenvolvidas em ambas as práticas e as dificuldades sentidas e refletir sobre as

mesmas pois, segundo Shulman, a reflexão “é processo pelo qual o professor aprende

a experiência” (1989, p.19).

Deste modo, a primeira parte está dividida em três secções. A primeira secção

corresponde à caraterização dos contextos onde decorreram os estágios das unidades

curriculares de PES I, II e III. Na segunda secção fazemos uma análise do percurso

realizado nos dois contextos, tendo em conta as planificações, relatórios críticos-

reflexivos e planificações e materiais elaboradas. A terceira secção tem como objetivo

a apresentação de uma análise crítica das competências e conhecimentos profissionais

adquiridos e desenvolvidos durante as práticas supervisionadas, que foram sustentadas

com base nos Decretos-Lei n.º 240/2001 e 241/2001, de 30 de agosto.

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1. Caracterização dos contextos

O Mestrado em Educação Pré-Escolar e Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico é

composto por várias áreas de formação que nos permitem habilitar para a área da

docência em Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico. A prática educativa

que será descrita neste relatório é parte integrante de uma destas áreas, designada de

Prática de Ensino Supervisionada (PES), que nos possibilitou um maior contacto com a

realidade escolar. Esta ocorreu em dois contextos, um concernente à prática educativa

em Educação Pré-Escolar (EPE) e outro referente ao contexto de 1.º Ciclo do Ensino

Básico (1.º CEB). Ambas as práticas começaram com momentos de observação, que

foram bastante importantes para conhecer as instituições, os grupos de crianças com

que se iria trabalhar, assim como a restante comunidade escolar. Este conhecimento foi

fulcral, pois possibilitou perceber o modo como se trabalhava nas instituições, conhecer

as características individuais de cada criança, assim como o funcionamento do grupo,

permitindo a cada dia melhorar e reorganizar as práticas de forma a promover

aprendizagens cada vez mais significativas para as crianças.

Importante, também, referir que esta unidade curricular permitiu ter um maior

contacto com os documentos orientadores, que são fundamentais para a prática

pedagógica, assim como, permitiu a discussão de ideias e reflexões com os professores

tutores e cooperantes, que originaram momentos de crescimento, reflexão,

aprendizagem e melhoria das práticas profissionais. A PES permitiu trabalhar com um

grupo de trabalho composto por três elementos, que constituiu uma mais-valia, pois

permitiu o trabalho em grupo e a discussão e partilha de ideias. Com a ajuda dos

elementos do grupo foi possível elaborar os materiais didáticos e as planificações e

possibilitou também o auxílio por parte destes mesmos elementos durante as

dinamizações, que foi fulcral para o decorrer das mesmas.

Reportando agora para cada PES deste ciclo de estudos e relativamente à PES

I, teve-se a primeira oportunidade de trabalhar, de dinamizar atividades, com os dois

ciclos de ensino, tanto EPE como 1.º CEB num mesmo semestre. No 1.º CEB, tivemos

a possibilidade de trabalhar com uma turma do 2.º ano de uma Escola Básica do 1.º

CEB da Zona Urbana de Viseu. Por outro lado na EPE, trabalhámos com um grupo de

crianças de um Jardim de Infância pertencente ao Agrupamento de Escolas da Zona

Urbana de Viseu. Na PES II, no segundo semestre, a prática ocorreu também numa

escola de 1.º CEB pertencente igualmente ao Agrupamento de Escolas da Zona Urbana

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de Viseu, na qual trabalhámos com uma turma do 1.º ano. Por último, e já na etapa final

deste percurso, a PES III, foi concretizada num Jardim de Infância da Zona Urbana de

Viseu, onde trabalhamos com um grupo de crianças em contexto de EPE.

1.1. 1.º Ciclo do Ensino Básico

A PES II decorreu ao longo do segundo semestre, em contexto de 1.º CEB, numa

turma do 1.º ano de escolaridade, pertencente ao Agrupamento de Escolas da Zona

Urbana de Viseu, com a qual tivemos a possibilidade de interagir e aprender em três

dias por semana durante doze semanas.

Uma vez que o grupo de estágio da PES I era composto por três elementos e

um deles saiu do grupo, um novo elemento juntou-se aos dois elementos que ficaram e

formaram um novo grupo na PES II. Assim, como este novo elemento já tinha estagiado

com uma turma do 1.º ano e teve uma experiência positiva, optámos por estagiar neste

ano de escolaridade, uma vez que os outros dois elementos do grupo de estágio

também tinham vontade e curiosidade em trabalhar com um ano de escolaridade

diferente e principalmente com uma turma de 1.º ano, para poderem experienciar as

aprendizagens primordiais deste ciclo de ensino.

O horário do estágio decorreu às segundas, terças e quartas-feiras, no regime

da manhã, ou seja, das 8h às 13h, tendo apenas um intervalo das 10h30m às 11h, que

coincidia com a hora do recreio das crianças. A escola tinha quatro salas de aulas (duas

em cada piso), uma biblioteca, um bar, instalações sanitárias, um pequeno gabinete

para os professores, uma sala de apoio para as crianças com dificuldades, equipada

com manuais escolares e material didático, e um espaço exterior de grandes dimensões

com algumas árvores, um campo com relva sintética e um gradeamento ao redor da

escola. A sala do 1.º ano encontrava-se no 2.º andar do edifício, sendo o acesso apenas

possível através das escadas. A sala era ampla e com bastante luz solar, pois ao longo

de todo o comprimento de uma das paredes possuía três janelas. No que diz respeito

ao material, a sala estava bem equipada, uma vez que possuía um quadro interativo,

um computador, um projetor multimédia, colunas, um quadro negro, placares de cortiça

e materiais didáticos.

A turma do 1.º ano de escolaridade era constituída por vinte e um alunos dos

quais dez eram do sexo feminino e onze do sexo masculino. Uma das crianças tinha

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necessidades educativas especiais (NEE) e outras três crianças tinham dificuldades de

aprendizagem, estando referenciadas para terem apoio especializado.

A turma apresentada era bastante heterogénea, quer em termos de

comportamento, quer ao nível das capacidades cognitivas, uma vez que tinham

diferentes ritmos de aprendizagem e de trabalho.

Neste grupo as relações de afetividade e o bom ambiente entre todos os alunos

era notório, promovendo-se assim, a ajuda, o companheirismo e a cooperação.

1.2. Educação Pré-escolar

A PES III decorreu ao longo do 1.º semestre do 2.º ano de mestrado, no contexto

de EPE num jardim de infância pertencente ao Agrupamento de Escolas da Zona

Urbana de Viseu. O grupo de estágio foi encaminhado para implementar as suas

práticas de ensino neste jardim, pois considerou-se que seria o jardim apropriado para

realizar a parte prática deste projeto de investigação, nomeadamente a construção de

uma cozinha de lama.

No que concerne ao espaço destinado à Educação Pré-Escolar, a sala do grupo

de crianças com quem se trabalhou era ampla, com forma retangular. O espaço interior

encontrava-se bem organizado e com bastante luz natural. O facto de a sala ser limitada

em grande parte por vidro, facilitava a entrada de luz e um grande contacto visual com

o exterior. Era também uma sala bastante agradável e quente, devido à luz solar e ao

aquecimento central, na qual as crianças se sentiam à vontade. A sala estava

organizada por seis áreas de interesse, que continham uma diversidade de materiais e

instrumentos. Estas áreas estavam acessíveis a todas as crianças da sala para livre

exploração, durante parte substancial do dia. Esta disponibilizava materiais, tais como,

jogos de construção, jogos de mesa, jogos matemáticos, animais de plástico,

brinquedos e acessórios de faz-de-conta, materiais para as expressões artísticas, livros

de diferentes géneros, quadro de escrita que continha uma parte de giz e uma de íman,

entre outros. É de salientar que a oferta em termos de material era bastante adequada

já que a sala se encontrava bem equipada, com materiais diversificados e lúdicos.

O Jardim era constituído por quatro salas de atividades (salas amarela, verde,

azul e vermelha), instalações sanitárias, um gabinete para educadores, uma sala de

apoio a crianças com NEE, uma sala da componente de apoio à família, um refeitório,

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um polivalente de grandes dimensões e um espaço exterior amplo separado por um

muro e uma grade do recreio da escola do 1.º CEB

Existiam suficientes e adequados meios informáticos neste espaço, tais como,

internet e computadores. Existia ainda uma sala específica para a Componente de Apoio

à Família, que comportava jogos, televisão e diversos materiais para atividades

alternativas e diversificadas. As crianças podiam usufruir desse espaço ao longo do dia,

tanto em atividades letivas como extralectivas. Neste jardim de infância, as crianças

podiam ainda usufruir de um recreio coberto com algum equipamento, tais como, bolas,

triciclos, arcos, legos, carros, matraquilhos, casas, entre outros. Este era um espaço

com boas condições para fazer diferentes atividades, nomeadamente, atividades de

expressão motora, jogos, entre outras. Existia também um grande espaço exterior,

sendo que as crianças só tinham acesso a parte dele. Aí existiam escorregas, um piso

mais apropriado para que as crianças não se magoassem e um espaço relvado, para

correr e brincar. Este jardim de infância tinha bastante equipamento de apoio para

diversas atividades físico-motoras, tais como, colchões, cordas, arcos, blocos, pinos,

bolas, cestos de basquetebol, que eram desafiantes e úteis para as crianças.

O grupo de crianças era heterogéneo, sendo constituído por vinte e cinco

crianças, treze do sexo masculino e doze do sexo feminino, com idades compreendidas

entre os 3 e os 5 anos de idade. A heterogeneidade do grupo constituía um desafio

constante para a educadora, que tinha de gerir as diferentes vivências e posturas de

cada criança, em particular.

As crianças demostravam estar à vontade, relaxadas, com energia e vitalidade.

Isto era visível através da forma como circulavam pelo espaço, pela comunicação que

efetuavam com os adultos e com as restantes crianças. Era um grupo de crianças

participativo e colaborativo e, no geral, implicavam-se em tudo o que faziam, quer

fossem, atividades em grupo, ou atividades individuais ou mesmo nas atividades

autodirigidas. As crianças demonstravam apoio mútuo e era um grupo que possuía um

vasto conhecimento prévio, em diferentes áreas. As crianças evidenciavam estabilidade

emocional, satisfação e aparentavam sentir-se à vontade no contexto educativo,

estabelecendo relações positivas entre si e com os adultos. Era um grupo que

apresentava um nível bastante elevado de bem-estar e gostavam das novas

experiências e dos momentos desafiadores que lhes eram propostos, demonstrando

satisfação e prazer na realização dos mesmos. Neste grupo, destacava-se ainda a

afetividade e carinho que transmitiam com os colegas e com os adultos. Relativamente

à relação com o adulto, as crianças nutriam um sentimento de confiança,

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companheirismo, afetividade, respeito e segurança. É de salientar que as crianças se

sentiam bem recebidas e pertencentes a este espaço e grupo.

Raramente existiam conflitos entre as crianças, apenas tal se verificava quando

estavam nas atividades livres e queriam o mesmo jogo/brinquedo. Nestas situações

conseguiam resolver os seus conflitos, mas por vezes necessitavam da ajuda do adulto.

Relativamente à planificação das atividades, esta era geralmente decidida pela

educadora, mas muitas das vezes era feita com a colaboração das crianças, sendo que

algumas atividades e conteúdos a abordar eram decididas pelas mesmas, no âmbito do

trabalho por projeto.

A Educadora Cooperante mostrou sempre a sua disponibilidade para ajudar,

partilhando a sua experiência e incentivando a uma postura crítica e reflexiva sobre as

práticas.

2. Análise das práticas concretizadas na PES II e III

Segundo Schon (1992), a reflexão é algo a que se deve dar muita importância

pois é ao refletir sobre a ação que se consciencializa o conhecimento tácito, se procuram

crenças erróneas e se reformula o pensamento. Assim, na nossa opinião, a reflexão

constitui uma forma importante de refletirmos acerca do que aconteceu de positivo e

negativo durante as implementações, assim como, aquilo que poderíamos ter feito para

melhorar a nossa prática profissional, uma vez que a prática constitui uma fonte

importante de conhecimento para os estagiários e permite-nos evoluir cada vez mais, o

que contribuirá para uma melhor conduta para o nosso futuro. Ainda nesta perspetiva,

Alarcão (1996) defende que:

o professor tem de assumir uma postura de empenhamento autoformativo e

autonomizante, tem de descobrir em si as potencialidades que detém, tem de conseguir

ir buscar ao seu passado aquilo que já sabe e que já é e, sobre isso, construir o seu

presente e o seu futuro, tem de ser capaz de interpretar o que vê fazer, de imitar sem

copiar, de recriar, de transformar. Só o conseguirá se reflectir sobre o que faz e sobre

o que vê fazer (p. 8).

A reflexão permite ao docente crescer profissionalmente, é o que o professor faz

quando, em retrospetiva, analisa o ensino e a aprendizagem, reconstrói os

conhecimentos os sentimentos e as ações.

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É neste seguimento que é apresentada uma análise e reflexão das práticas

concretizadas nos dois contextos, Educação Pré-Escolar e 1.º CEB.

2.1. 1.º Ciclo do Ensino Básico

Durante as 12 semanas de prática de ensino supervisionada experienciou-se o

que é o dia-a-dia de um professor de 1.º Ciclo do Ensino Básico, responsável por um

grupo de crianças. Deste modo, ficou-se a conhecer as exigências colocadas aos

profissionais de educação, demonstrando o seu papel no processo educativo: observar,

planear, agir e avaliar. Assim, alude-se à importância do estágio na formação de

professores, pois é na prática que o professor tem a oportunidade única e útil de

contactar com a realidade e refletir sobre a mesma, comunicar experiências e acima de

tudo perceber que a aprendizagem de um professor nunca acaba (Roldão, 2005).

O período de formação de um professor é fundamental para este, na medida em

que tem a oportunidade de alcançar um conjunto de saberes e experiências.

A prática de ensino supervisionada permitiu uma colaboração estreita entre os

supervisores e as formandas, que se traduziu em apoio, conselhos e orientações de

modo a solucionar eventuais dificuldades.

As múltiplas experiências vividas neste estágio, tanto as boas como as menos

boas, não podem ser esquecidas, pois todas elas foram bastante enriquecedoras,

permitindo adquirir conhecimento e aprendizagem. Tal como nos diz Roldão (2005),

estamos sempre a aprender, tanto com exemplos bons ou menos bons, pois quando

nos apercebemos que uma ação não foi tão correta, vamos construindo conhecimento.

Assim, o contacto com a realidade e a dificuldade das situações que vão ocorrendo

numa sala de aula é sempre enriquecedor.

Deste modo, existiu ao longo da prática um processo de reflexão antes e após a

ação desenvolvido através de reflexões e conversas menos formais com a professora

cooperante, com as colegas de grupo e com o professor tutor, que permitiram perceber

os aspetos positivos e os aspetos menos positivos da nossa prática educativa e a forma

de a melhorar. Segundo Alarcão (2005), “a reflexão para ser eficaz precisa ser

sistemática nas suas interrogações e estruturante dos saberes dela resultante”. Assim,

toda a formação inicial de um professor é feita essencialmente de inúmeras experiências

que contribuem para a sua prática, e sem dúvida nenhuma que esta PES na vertente

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do 1.º CEB foi carregada com essas mesmas experiências a vários níveis. Portanto,

pode-se aferir que este processo permitiu uma evolução significativa que levou a que

semana após semana existisse uma boa interação entre todos, refletindo-se num

trabalho mais produtivo e com mais qualidade.

Na turma, existiam crianças que apresentavam um ritmo de aprendizagem mais

lento, demonstrando algumas dificuldades na execução das tarefas e levando mais

tempo a concretizá-las. Deste modo, foi por vezes necessário explorar de forma mais

cuidada alguns conteúdos de modo a que não permanecessem dúvidas, acabando-se

por vezes por não cumprir a totalidade da planificação.

O facto de não conhecer a turma fez com que a primeira intervenção fosse mais

receosa, com alguma insegurança e nervosismo, pelo que podemos corroborar a ideia

de Mesquita-Pires (2007) quando menciona que o período de estágio é conhecido por

ser um momento dilemático onde os desafios e tomadas de posição desencadeiam

sentimentos de insegurança e incerteza, expondo o educador - estagiário a situações

de elevada fragilidade.

Ainda segundo o mesmo autor as relações que se estabelecem com as

educadoras-cooperantes, no decorrer da formação inicial, são consideradas como

fatores potenciadores na integração profissional (Mesquita-Pires, 2007). Havendo um

auxílio do(a) cooperante cria-se uma maior segurança e um melhor bem-estar, uma vez

que este transmite a ideia que permanecerá lá para o que for indispensável. Assim, a

nossa professora cooperante mostrou-se sempre disponível para nos apoiar, tendo

colaborado connosco ao longo de toda a prática pedagógica, mostrando-se sempre

muito prestável, quer na partilha de ideias, quer na disponibilização de materiais

necessários à prática. Esta partilha de ideias favoreceu o nosso desenvolvimento

individual e profissional, fundamental para o saber teórico e para o desempenho em sala

de aula. Com ela foi ainda possível organizar experiências de aprendizagem

significativas, que foram ao encontro dos interesses dos alunos.

Com o decorrer das práticas, foi existindo uma maior interação com os alunos,

o que acabou por facilitar a afinidade, comunicação e ajudou a conhecer melhor o grupo

de alunos. Este conhecimento da turma permitiu verificar o tipo de atividades que mais

se adequava, bem como conhecer os interesses das mesmas. As atividades propostas

foram bem aceites pelos alunos, que se empenharam e participaram na sua realização,

isto devido ao auxílio da planificação e da organização pensadas previamente, uma vez

que, o professor necessita de organizar e planificar as suas atividades para que as

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crianças possam colaborar e interagir com o educador e com os restantes colegas

(Mesquita-Pires, 2007).

No entanto, existiram algumas atividades que os alunos apreciaram mais,

nomeadamente os jogos matemáticos, pelos quais as crianças mostravam agrado e

onde se notava empenho, entusiasmo e rapidez na execução dos mesmos. Também no

que diz respeito à área das expressões, os alunos demostraram bastante interesse e

satisfação na concretização das atividades, especialmente nas atividades de expressão

plástica, uma vez que podiam contactar e explorar diversos materiais e realizar trabalhos

diferentes que estavam de acordo com os conteúdos programáticos. As atividades de

Estudo do Meio, em particular as atividades experimentais, foram muito apreciadas

pelos alunos, pois foram realizadas na maioria das vezes em grupo, tendo podido

interagir uns com os outros, participar mais ativamente na atividade e observar e concluir

os processos que ocorriam em cada atividade que experienciavam. Ainda referente às

atividades, os alunos demonstraram muito interesse pela leitura, até porque estavam no

1.º ano e estavam a aprender a ler. A leitura de histórias era muito apreciada pelas

crianças que as ouviam com muita atenção. Muitas vezes as crianças levavam livros

para a escola para poderem ler um bocadinho no final da aula; também requisitavam

livros na biblioteca para lerem em casa. Quando um trabalho era terminado mais

rapidamente por um aluno em relação aos outros colegas, poderia ler um livro na sala

enquanto os outros terminavam. Esta estratégia foi proposta pelas estagiárias, de modo

a que as crianças aproveitassem de forma significativa o tempo. Esta turma era muito

competitiva e gostavam muitos de jogos e atividades competitivas, nomeadamente caça

ao tesouro, campeonatos de matemática e jogos da glória.

Relativamente às áreas do conhecimento, procurou-se que todas fossem

trabalhadas durante os três dias de cada semana de intervenção. Num dia eram

trabalhadas mais do que uma área e tentou-se que na maioria das vezes fossem

articuladas umas com as outras, pois deste modo os conteúdos eram aprendidos de

forma mais significativa.

Todos os conteúdos abordados foram pensados previamente pelas formandas,

as quais adotaram estratégias diversificadas ao longo do tempo, de modo a que os

alunos sentissem gosto, motivação e alegria em aprender. Algumas das estratégias

utilizadas foram o recurso a dramatizações, jogos, apresentações em suporte digital,

canções, que tiveram como objetivo servir de suporte ao conteúdo a abordar de forma

mais lúdica e dinâmica.

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Ao longo de todo o tempo de estágio nesta turma, as dificuldades sentidas

passaram essencialmente pelo controlo da turma, a gestão do tempo e a procura de

estratégias adequadas. No entanto, semana após semana e depois das reflexões que

se iam fazendo, estes aspetos foram sendo melhorados, o que contribuiu para a

aprendizagem do aluno e também para a aprendizagem da formanda. Só refletindo

sobre as suas ações e sobre a melhor forma de promover aprendizagem nos alunos, é

que o professor aprende, desenvolve e evolui ao longo da sua carreira, o que por sua

vez, fará com que os alunos também aprendam e se desenvolvam.

.

2.2. Educação Pré-Escolar

O trabalho desenvolvido ao longo do período de estágio na Educação Pré-

Escolar possibilitou “observar cada criança e o grupo permitindo-nos conhecer as suas

capacidades, interesses e dificuldades, recolher as informações sobre o contexto

familiar e o meio em que as crianças vivem” (Ministério da Educação, 1997, p. 25). Este

contacto com o grupo foi uma mais-valia, porque o conhecimento do grupo permitiu-nos

fazer uma melhor adequação do processo educativo ao longo de todo o período de

prática. Os primeiros dias de estágio não foram fáceis, pois o nervosismo, as dúvidas e

os medos eram bastantes, o que fez com que as implementações no início fossem mais

receosas. Nem sempre correu tudo bem, nem como planeado nas intervenções,

principalmente na organização do ambiente educativo e na gestão do tempo. O grupo

de crianças era um grupo bastante heterógeno com idades compreendidas entre os 3 e

os 5 anos e parte do grupo era constituído por crianças de 3 anos. Era um grupo muito

afável, mas por vezes um pouco agitado e distraído, o que fazia com que em certos

momentos existisse a necessidade de mudar de estratégia para voltar a ter o grupo

implicado e concentrado na atividade. No decorrer da prática educativa tiveram-se em

conta algumas considerações, tais como, as características, os interesses, as

necessidades do grupo, a organização da sala de atividades e todo o material

disponível. Tentou-se sempre proporcionar um meio estimulante de desenvolvimento

para as crianças, através de atividades significativas, dinâmicas, divertidas e

diversificadas de forma a promover e desenvolver aprendizagens a diversos níveis, pois

cabe ao educador “ (…) planear situações de aprendizagem que sejam suficientemente

desafiadoras, de modo a interessar e a estimular cada criança” (Ministério da Educação,

1997, p. 26).

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Em certos momentos, houve a necessidade de criar outras estratégias mais

lúdicas e atrativas e proporcionar outras atividades com materiais diferentes, capazes

de despertar a atenção e curiosidade das crianças. A utilização de estratégias

diversificadas e inovadoras é relevante, não só porque motiva o aluno, mas porque esta

tem como objetivo importante apoiar o processo de aprendizagem da criança. As

atividades desenvolvidas possibilitaram a interação uns com os outros, o diálogo e o

conhecimento, através do trabalho prático e do contacto físico com os objetos e

materiais.

Durante este tempo de implementação, pretendeu-se assegurar o bem-estar

emocional e a implicação das crianças, para que assim se desenvolvesse uma prática

de qualidade, tal como sugerem Bertram e Pascal (2009).

No decorrer das intervenções, verificou-se que o grupo à medida que nos iam

conhecendo e interagindo uns com os outros, de acordo com os seus ritmos e

características, iam revelando que se sentiam bem no ambiente educativo que era

oferecido. Deste modo, foi enriquecedor trabalhar com este grupo de crianças tão

diferentes e com imensa vontade de aprender. Por outro lado, tal interação não seria

tão satisfatória sem a ajuda da educadora orientadora-cooperante que se apresentou

sempre disponível para ajudar e refletir.

A relação adulto-criança foi uma preocupação, mas foi bem-sucedida. Esta

relação foi essencialmente uma relação de cooperação, respeito, consideração, carinho,

confiança e disponibilidade, que permitiu que as interações fossem positivas, facilitando

o trabalho com o grupo e fazendo com que estas se envolvessem e participassem nas

atividades proporcionadas.

As planificações foram muitas vezes flexíveis, porque o diálogo com as crianças

se prolongava, porque existiu a necessidade de estender a duração de algumas

atividades por dificuldades sentidas pelas crianças, porque alguma atividade demorou

mais do que estava previsto ou até mesmo por alguns imprevistos. Os conteúdos a

abordar eram definidos em cada semana com a educadora; apenas uma vez as crianças

planificaram a semana em conjunto com as formandas, que foi a semana de preparação

para o Natal. No entanto, ao longo do tempo fomos tendo em conta os interesses das

crianças e situações que ocorriam em contexto de Educação Pré-Escolar para abordar

determinados conteúdos.

As áreas do currículo foram todas trabalhadas durante as diversas

implementações. Na maioria das vezes procurou-se articular várias áreas do

conhecimento abrangendo a (s) mesma (s) temática (s), pois “a distinção entre

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diferentes áreas de conteúdo corresponde a uma chamada de atenção para aspectos a

contemplar, que devem ser vistos de forma articulada” (Ministério da Educação, 1997,

p. 48). As várias atividades promovidas foram planificadas de forma a articular as

diversas áreas do conhecimento e partindo do conhecimento que a criança já detinha.

Assim, esta articulação deverá ser concretizada do modo mais correto para que as

atividades “se integrem num processo flexível de aprendizagem que corresponda às

suas intenções e objectivos educativos e que tenha sentido para a criança” (Ministério

da Educação,1997, p. 50). A aprendizagem de cada criança é fundamental e para isso

é necessário articular e planificar os conteúdos tendo em conta os distintos ritmos de

aprendizagem de cada criança. De um modo geral as atividades foram bem aceites

pelas crianças, pois estas demonstraram entusiasmo, concentração e empenho. No

entanto, apesar de serem aceites nem sempre foram do agrado de todas as crianças,

uma vez que estas no momento da avaliação do dia, davam a sua opinião sobre a (s)

atividade (s) que mais gostaram e a (s) que menos gostaram. A exploração feita nas

diversas áreas do currículo foi baseada nas Orientações Curriculares para a Educação

Pré-Escolar, que serviram de suporte na planificação e organização dos conteúdos e

ambiente educativo.

As dificuldades mais sentidas ao longo das implementações foram ter todo o

grupo implicado, empenhado e concentrado nas atividades. No entanto, com o tempo

este aspeto foi sendo melhorado. É essencial destacar que a ajuda da cooperante foi

fundamental nestes momentos, e não só, pois muitas das vezes ao longo das

implementações ia dando sugestões para a atividade ser executada de forma mais

correta e de modo a manter as crianças implicadas. Sem dúvida que esta experiência

foi carregada de boas aprendizagens, pois também erramos algumas vezes e foi com

esses erros, com as opiniões e reflexões com a educadora orientadora-cooperante e os

professores tutores que crescemos, aprendemos e nos desenvolvemos no sentido de

pensar e definir a nossa ação no futuro como educadoras.

3. Análise das competências e conhecimentos profissionais

desenvolvidos na Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico

Após todo o percurso de formação académica é necessário fazer uma avaliação

e uma análise da prática realizada, nomeadamente no que diz respeito às competências

e conhecimentos profissionais desenvolvidos. Este não foi um caminho fácil, mas

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permitiu à formanda aprender com as experiências positivas e negativas, beneficiando

deste modo de um conjunto de competências e conhecimentos fundamentais para a

vida de um professora e educadora. O profissional de educação deve constantemente

analisar e refletir sobre a sua ação, para se tornar num bom agente de aprendizagem e

desenvolvimento de crianças em busca de tudo o que o mundo tem para lhe oferecer.

O professor e o educador devem ser acima de tudo responsáveis por tornar a criança

num ser livre, responsável, único, criativo, ativo e preparado para deter uma visão

holística do mundo.

No decorrer de todas as PES, apercebemo-nos de algumas condições

necessárias e comuns aos dois níveis de ensino, que nos permitiram obter

conhecimento para o nosso futuro profissional. Em primeiro lugar, apesar dos

professores e educadores terem suportes que os ajudam no processo educativo e no

desenvolvimento de um currículo, estes devem ter sempre na sua mente uma questão

fundamental: o que é que as crianças devem e querem aprender?

Quando um educador ou professor planeia aquilo que pretende ensinar,

necessita de responder a quatro questões essenciais, nomeadamente, o que deve ser

aprendido, quando deve ser aprendido, a melhor forma de ser aprendido e como é que

sabemos que aquilo que foi planeado foi bem-sucedido. Apercebemo-nos que os

conhecimentos, as capacidades, as predisposições e os sentimentos das crianças são

quatro objetivos que devem ser incluídos na aprendizagem. Aprendemos que as

interações diárias com as crianças devem ser ricas, significativas, satisfatórias,

interessantes e envolventes, de modo a garantir ambientes de boa qualidade.

O professor e o educador devem também colocar-se no lugar de aprendiz e

respeitar a autonomia e dignidade das crianças, pois cada um tem as suas questões,

respostas, inquietudes e linguagem, que devem ser respeitados, pois como diz

Perrenoud (2000),“a criança não é “uma tábua rasa ou mente vazia” (p. 28).

Neste percurso, percebemos que devemos estimular a criança no sentido de

esta corrigir os seus erros, refletir sobre os seus atos, observar a sua evolução de modo

a que perceba onde falhou e onde obteve sucesso, compreendendo porque é que isso

aconteceu.

Aprendemos que o profissional de educação deve selecionar atividades e jogos

que provoquem nas crianças a necessidade de pensar antes de agir e interagir com

outras crianças. Este deve também estar sempre atento às etapas do desenvolvimento

da criança, colocando o seu trabalho no respeito mútuo, no afeto, na confiança,

estabelecendo acima de tudo uma relação de ajuda com as crianças.

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No decorrer de todo o trabalho verificou-se que a motivação é um trabalho muito

importante para as crianças, pois é necessário motivá-las não só com elogios mas

também fazer com que o processo de aprendizagem seja motivador em si mesmo. Para

que assim seja, apercebemo-nos que é essencial propor atividades dinâmicas,

diversificadas, estimulantes e acima de tudo significativas, que auxiliem na construção

do conhecimento. As crianças devem colocar toda a sua energia para aprender, pois o

prazer em aprender irá ter repercussões na aprendizagem, nas competências pessoais

e na resolução de problemas.

Aprendemos fundamentalmente que o professor e educador deve ajudar a

criança na aprendizagem e vice-versa, que esta necessita de ter ao seu lado um

profissional que a perceba nos diferentes momentos da aprendizagem e lhe responda,

de modo a auxiliá-lo na sua evolução durante o processo, alcançando um elevado nível

de conhecimento e superando as dificuldades do caminho. Como tal, é fundamental ter

em conta os conhecimentos prévios, capacidades e dificuldades das crianças, de forma

a dar resposta às suas necessidades.

Todos estes prossupostos devem ser tidos em conta ao longo de todo o percurso

de um professor e educador, pois só assim o processo de aprendizagem faz sentido, é

eficaz, significativo e permitirá o aluno crescer e desenvolver-se num ambiente

favorável, positivo e estimulante.

Os aspetos supramencionados acima foram sendo aprendidos ao longo do início

desta jornada educativa desde a licenciatura até ao mestrado e procurou-se que à

medida que foram sendo aprendidos pela formanda, fossem aplicados nas suas práticas

de modo a melhorá-las cada vez mais ao longo do tempo.

No decorrer das práticas educativas, delineou-se um perfil de desempenho

profissional ao nível da EPE e do 1.º CEB, embora que não tenha sido muito

desenvolvido. Como tal, para fazer a análise das competências e conhecimentos

desenvolvidos, teve-se como base os Decretos-Lei nº 240/2001 e n.º 241/2001, de 30

de agosto, que definem os perfis de desempenho do educador de infância e do professor

do ensino básico.

No que concerne ao perfil do educador de infância e relativamente à conceção

e desenvolvimento do currículo, contribuímos para a conceção deste, através da

planificação e organização e avaliação do ambiente educativo, assim como o

desenvolver de atividades curriculares com vista à aprendizagem.

No âmbito da organização do ambiente educativo, apesar de já se encontrar

organizado, colaboramos na disposição do mesmo, nomeadamente através da

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introdução do quadro dos aniversários e na criação de uma nova área de interesse

(gabinete médico). Durante as intervenções, quando foi necessário, reorganizamos o

espaço e os materiais, de acordo com as atividades em si e as necessidades das

crianças para essas mesmas atividades. Procuramos sempre que possível utilizar

materiais diversificados, muitos deles ligados às tecnologias da comunicação e

informação, de modo a proporcionar experiências significativas e integradoras para as

crianças. A organização do tempo de modo flexível permitiu criar condições de

segurança, estímulo, apoio, bem-estar e acompanhamento que são circunstanciais para

o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Através da observação, planificação

e avaliação, analisamos as crianças, brincando e interagindo com estas, para

compreender quais as suas dificuldades, conhecimentos, capacidades e interesses.

Durante o estágio fomos sempre fazendo uma avaliação das nossas

intervenções, refletindo, analisando e avaliando os aspetos positivos, os menos

positivos e o modo de melhorar estes últimos. Destaca-se a relação de afinidade e

proximidade que tivemos com as crianças, que permitiu às crianças sentirem-se

autónomas e seguras.

O envolvimento das crianças em atividades/projetos da sua iniciativa não foi

muito desenvolvido por nossa parte. As crianças apenas planificaram por sua iniciativa

nas atividades relacionadas com a época natalícia. Consideramos que a criação de

projetos e atividades por iniciativa das crianças seja benéfico para a criança e para o

seu desenvolvimento, mas durante o tempo de estágio não foi possível que assim fosse.

Uma vez que era a educadora que sugeria na maioria das vezes os temas a abordar

com as crianças, não surgiu a oportunidade de envolvê-los em projetos e atividades de

sua iniciativa, uma vez que ela pretendia abordar outros temas sem ser em contexto de

projeto. No entanto, sabemos que neste contexto era habitual envolverem das crianças

em projetos por iniciativa própria.

Relativamente à integração do currículo procuramos promover a

interdisciplinaridade, desenvolvendo um ensino integrado com as diferentes áreas de

conteúdo. Ao nível da Expressão e Comunicação desenvolvemos durante o estágio

todos os aspetos decretados neste ponto. Tentamos sempre oferecer às crianças

momentos de interação e comunicação nas diversas áreas, desenvolvendo assim a sua

linguagem oral. Desenvolvemos atividades de exploração de materiais escritos,

favorecendo o aparecimento de comportamentos emergentes de leitura e escrita.

Promovemos diferentes formas de expressão (plástica, musical, dramática e motora),

embora nem sempre de forma integrada, apesar de considerarmos que integrar os

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diferentes tipos de expressão proporciona várias experiências significativas de

aprendizagem curricular. Propusemos atividades que permitiram à criança produzir sons

e ritmos com o corpo, a voz e instrumentos musicais. Organizamos atividades nos

domínios do jogo simbólico e do jogo dramático, que permitiram a expressão e o

desenvolvimento motor. Organizamos jogos, com regras, proporcionando o controlo

motor na atividade lúdica, bem como a socialização pelo cumprimento das regras.

Promovemos também, o desenvolvimento da motricidade global das crianças, tendo em

conta diferentes formas de locomoção e possibilidades do corpo, da orientação no

espaço, bem como da motricidade fina e ampla, permitindo à criança aprender a

manipular objetos.

No domínio do Conhecimento do Mundo, promovemos atividades exploratórias

de observação e descrição de atributos dos materiais, das pessoas e dos

acontecimentos; incentivamos a observação, a exploração e a descrição de relações

entre objetos, pessoas e acontecimentos, com recurso à representação corporal, oral e

gráfica; criamos oportunidades para a exploração das quantidades, como por exemplo,

através de receitas de culinária que seriam confecionadas posteriormente pelas

crianças; estimulamos, nas crianças, a curiosidade e a capacidade de identificar

características das vertentes natural e social da realidade envolvente; promovemos a

capacidade de organização temporal, espacial e lógica de observações, factos e

acontecimentos, nomeadamente através do preenchimento do calendário.

Proporcionamos ainda, ocasiões de observação de fenómenos da natureza e de

acontecimentos sociais que favoreçam o confronto de interpretações, a inserção da

criança no seu contexto, o desenvolvimento de atitudes de rigor e de comportamentos

de respeito pelo ambiente e pelas identidades culturais.

Olhando para tudo aquilo que desenvolvemos ao longo do tempo durante as

intervenções, considera-se que construímos bastante conhecimento e desenvolvemos

diversas competências importantes para a nossa vida profissional e acima de tudo

desenvolvemos muitas competências nas crianças, fundamentais ao seu crescimento e

desenvolvimento. Procuramos sempre ter a melhor postura, linguagem e desempenho

necessário para a aprendizagem das crianças.

Reportando agora para o 1.º CEB, traçamos também um perfil de professor,

embora como formandas. Relativamente à conceção e desenvolvimento do currículo,

não foi possível colaborar na construção do PCE, nem do PCT, uma vez que ambos já

estavam concluídos no momento da nossa prática.

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Nas intervenções procuramos trabalhar de modo interdisciplinar, tendo sempre

atenção em agregar as diferentes áreas curriculares, com o objetivo de as articular e

tornar o ensino mais significativo e eficaz. Em cada área que pretendíamos trabalhar e

nas atividades a preparar, tentamos atender aos conhecimentos prévios, capacidades

e dificuldades dos alunos, de modo a organizar e desenvolver as aprendizagens nos

alunos de forma mais correta e eficiente.

Nas planificações fomos investigadores, com o objetivo de dominar os conteúdos

a lecionar. As atividades propostas foram a nosso ver estimulantes, desafiadoras,

diversificadas, dinâmicas e exploratórias, com o recurso a materiais diferentes e

apelativos, que permitiram aos alunos participar ativamente nas mesmas, pois estes

mostraram-se interessados e entusiasmados na realização das mesmas. Promovemos

a participação dos alunos, com a realização de trabalhos de grupo, contribuindo deste

modo para a prática de convivência e respeito com o outro. Beneficiamos de uma boa

relação com os alunos, professora orientadora-cooperante e restante comunidade

educativa, que contribuiu para o melhor cumprimento da nossa prática.

Quanto à integração do currículo, na área de Português, propusemos

experiências de aprendizagem com a finalidade de desenvolver competências de

compreensão e expressão oral e competências de leitura e escrita. Uma vez que a turma

na qual estagiamos era do 1.º ano de escolaridade, foi muito importante incrementar o

gosto pela leitura e a escrita, para que o decurso da aprendizagem ocorresse da melhor

forma possível. Estimulamos os alunos a elaborar textos com diferentes objetivos,

individualmente, mas sobretudo em grupo, de modo a fomentar o trabalho em grupo e

com objetivo de obter um trabalho mais produtivo, tendo em conta as diversas opiniões

dos alunos.

Na área da Matemática, despertámos os alunos a conhecerem conceitos

matemáticos com o recurso a jogos e atividades distintas, lúdicas e desafiantes, pois os

alunos mostram-se sempre muito participativos, entusiasmados e ativos. Nesta turma

notou-se que a maioria dos alunos gostavam muito de matemática e de todos os

desafios e atividades mais dinâmicas ligadas à Matemática. Organizávamos as

aprendizagens matemáticas no sentido de não ser o professor a transmitir o conteúdo

que vai abordar com eles, mas sim, serem os próprios alunos a chegarem ao conteúdo

e ao problema. É importante referir que muitos dos problemas e desafios matemáticos

foram associados à vida real, de modo a ser mais familiar e significativo para os alunos.

Articulamos muitas vezes outras áreas com a Matemática, como por exemplo a

Expressão Dramática, na qual íamos integrando as duas áreas ao mesmo tempo e

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interagindo também com os alunos de maneira a chegar ao objetivo pretendido. Na área

de Estudo do Meio estimulamos a curiosidade, criando muitas vezes sempre um

momento inicial de motivação, utilizando materiais e recursos que despertavam o

interesse e a curiosidade para aprender os conteúdos. Articulávamos as realidades do

mundo social e natural dos alunos, com as aprendizagens escolares. Nas atividades

experimentais envolvemos os alunos em atividades de manipulação dos materiais. Na

área da Expressão e Educação Físico-Motora desenvolvemos atividades que

promoveram o desenvolvimento físico-motor, articulando-a com as distintas áreas

curriculares. No entanto, esta foi uma área menos trabalhada, devido ao tempo proposto

para as outras áreas curriculares, que acabaram por condicionar o nosso trabalho nesta

área. A área da Educação Artística foi trabalhada de modo interdisciplinar e integrada

com as outras áreas curriculares, de modo a desenvolverem a sua criatividade,

manipularem e terem contacto com diferentes materiais e aprenderem algumas técnicas

artísticas.

Olhando e refletindo sobre todo este processo, considera-se que este percurso

nestas duas vertentes, foi carregada de boas experiências. Aprendemos que as crianças

são seres únicos com características únicas e necessitam de ajuda e motivação para

encarar o processo de ensino-aprendizagem. Aprendemos que a superação de um

desafio e de uma dificuldade é uma batalha vitoriosa, no qual a dificuldade ultrapassada

passa a capacidade, aprendizagem e conhecimento. Aprendemos que as crianças

necessitam de sentir confiança e segurança, pois só assim conseguirão demonstrar as

suas frustrações e dificuldades. Aprendemos que devemos estar em constante

investigação, aprendizagem e atualização, para atender a todos os desafios colocados

no caminho e para superar as nossas dificuldades.

Aprendemos sobretudo que a vida de um educador e de um professor tem uma

enorme importância na vida pessoal, social e ética das crianças e cabe-lhes a eles ter

o melhor desempenho possível, para tornar estas crianças, em bons seres humanos,

dotados de um saber fundamental para se desenvolver e posteriormente ajudar no

desenvolvimento de outros seres. A vida é um ciclo vicioso e se cada um procurar

desempenhar o melhor papel possível e transmitir bons conhecimentos, boas crenças

e bons valores, conseguiremos ter uma sociedade mais justa, mais culta, mais civilizada,

mais respeitada e mais democrática.

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Parte II – Brincadeiras no espaço

exterior e aprendizagens de Geologia:

um estudo na Educação Pré-Escolar

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Introdução

O processo de investigação é um exercício que deve permanecer ao longo da

vida profissional de um docente, pois é um exercício de reflexão crítica e de

aprendizagem. É importante o docente olhar para os contextos de modo a compreender

as condições de desenvolvimento e aprendizagem das crianças e refletir, investigar e

agir consoante as condições que vão surgindo no decurso do processo educativo.

O estudo realizado centra-se na temática da importância de brincar no exterior

para a aprendizagem de conceitos de Geologia e surgiu por ser ainda um tema pouco

destacado nas OCEPE e restantes documentos orientadores da Educação Pré-Escolar

em Portugal. Pretendeu-se dar resposta à seguinte questão ”Quais os contributos de

brincar no exterior para a aprendizagem de conceitos de Geologia?”. Para chegar a uma

resposta, construiu-se uma cozinha de lama na parte exterior do jardim de infância, no

qual se observaram as crianças a brincar, no período de um mês. Ao longo do texto

iremos designar a cozinha por “cozinha de lama”, mas iremos também considerar o

termo “cozinha de lamas” na apresentação e discussão dos resultados, uma vez que

não tivemos só um tipo de lama, mas sim vários tipos de lamas e deste modo fez sentido

designarmos a cozinha por “cozinha de lamas”.

A apresentação do estudo surge em quatro secções. Na primeira, apresenta-se

a revisão da literatura acerca da temática em questão, onde se apresenta a perspetiva

de diversos autores sobre conceitos estruturantes para o trabalho.

Na segunda seção alude-se à metodologia à qual se recorreu para a

concretização do estudo e nesta apresentam-se outros pontos ligados ao processo de

investigação desenvolvido, tais como a formulação do problema e dos objetivos do

estudo empírico.

Na terceira secção, apresentam-se os resultados obtidos através da recolha

efetuada da observação direta das crianças a brincarem na cozinha de lama.

Por fim, na última secção, estão presentes as conclusões que se retiraram do

estudo e que deram resposta ao problema em questão.

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1. Revisão da literatura

1.1. Importância de brincar para o desenvolvimento da criança

Brincar é um direito e deve ser a atividade principal do dia a dia enquanto se é

criança, pois quando esta brinca sente-se bem e feliz. Para além de sentir bem-estar ao

brincar, a criança descobre o mundo que a rodeia, aprende e desenvolve-se.

Na Declaração dos Direitos da Criança, a Organização das Nações Unidas

(1959) reconhece que “a criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se,

visando os propósitos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas

empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito” (princípio 7.º), que é o primeiro

direito da criança. Em 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconhece que

brincar é um direito fundamental no texto de CDE.

Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o

direito de participar em jogos e atividades recreativas próprias da sua idade e de

participar livremente na vida cultural e artística. (artigo 31.º, Convenção dos Direitos da

Criança, 1989).

Torna-se, pois, essencial compreender a importância que merece ser atribuída

ao brincar no desenvolvimento da criança e se a mesma é validada nas instituições de

educação, principalmente, ao nível pré-escolar (Rosa, 2013).

Brincar é importante para a criança, pois como refere Ferland (2005), “brincar é

um admirável motor de desenvolvimento da criança”. Este autor refere, ainda, que o

brincar contempla um conjunto de atividades caracterizadas pela diversão e pelo prazer,

que se perpetuam de geração em geração. Ao brincar a criança aprende as regras, os

valores e os costumes que regem o seu ambiente, ou seja, descobre o mundo em que

vive (Rosa, 2013). Thomas e Harding (2011) referem que através do brincar a criança

encontra estímulos, bem-estar e felicidade, que promovem o crescimento físico,

cognitivo e emocional. Brincar é, antes de mais, encontrar o ambiente que rodeia a

criança. Durante a brincadeira a criança tem a oportunidade de encontrar e delimitar as

fronteiras do seu corpo. Ao manipular os diversos objetos a criança experimenta as

várias possibilidades dos mesmos e usa-os de todas as formas possíveis. Brincar é uma

das atividades mais importantes na formação global das crianças (Ferland, 2005).

Segundo Almeida (1987), o brincar corresponde a um impulso da criança e

satisfaz uma necessidade interior, pois o ser humano apresenta naturalmente uma

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tendência lúdica. O brincar é algo intrínseco à criança e por não ser uma atividade

sistematizada e estruturada, acaba por ser a própria expressão de vida da criança. Esta

é a linha de pensamento de Piaget (1983), que defende que a criança realiza a sua

aprendizagem pelo contacto que estabelece com o seu mundo exterior através do meio

familiar, escolar e social. Valorizando não apenas o meio ou a pessoa na construção do

conhecimento, o autor sublinha o papel interativo entre ambos.

Cada criança possui as suas distintas características e o seu ritmo de

desenvolvimento, no entanto, todas as crianças brincam, em conformidade com a sua

cultura e nível de desenvolvimento. Deste modo, embora hajam formas

correspondentes ao período de desenvolvimento da criança, o brincar não é sempre

realizado da mesma maneira, pois este está subjugado à individualidade de cada

criança, às suas vivências, à cultura, ao meio onde vive, aos objetos que dispõe para

brincar, entre muitos outros aspetos (Vital, 2012).

O brincar para a criança é indispensável, essencial e importante como comer ou

dormir e por isso é fundamental ter-se em conta a satisfação destas e de outras

necessidades básicas. Hoje em dia, constantemente, ouvem-se críticas de adultos

referindo “falta” de tempo para estas ocasiões de brincar tanto dentro como fora da

escola ou que o brincar serve apenas para preencher o tempo. Contudo, o brincar não

poderá ser considerado como um simples divertimento ou diversão, mas como uma

aprendizagem para a vida adulta (Solé, 1980).

Brincar é não só essencial para o desenvolvimento saudável do cérebro como

possibilita que as crianças usem a sua criatividade enquanto desenvolvem a sua

imaginação, destreza e força física, cognitiva e emocional (Ginsburg, 2007).

Na perspetiva de Piaget (1995), o brincar é visto como o princípio obrigatório das

atividades intelectuais da criança tornando-se, assim, imprescindível à prática

educativa. Através do brincar as crianças podem criar e explorar um mundo que elas

controlem, superando os seus medos e desenvolvendo novas capacidades que levam

ao aumento da sua confiança e resiliência, competências estas que serão muito úteis

para que consigam encarar desafios no futuro (Ginsburg, 2007).

Brincar é uma atividade e um direito importante para as crianças, pois estas têm

direito a experienciar situações de exploração ativa, variadas e ao seu próprio nível, têm

direito a experienciar situações de descoberta e de conquista pessoal, por ensaio e erro,

sem medo de errar, têm direito a vivenciar situações suscitadoras de imaginação e

criatividade, têm direito a experienciar situações cognitivamente significativas e

relevantes, têm direito a experienciar situações que as disponham bem, afetiva e

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socialmente, têm direito a experienciar situações de implicação/envolvimento ativo em

atividades potenciadoras de aprendizagem (Portugal, 2014).

No seguimento de todas estas perspetivas e face ao potencial de

desenvolvimento, brincar é uma das atividades e dos direitos mais importantes para a

criança. É esta atividade que alarga os horizontes, que abarca as mais variadas

potencialidades e que estrutura o pensamento da criança, que a ajuda aprender e a

resolver problemas. É através do brincar que a criança cria laços de amizade, que

interage com os outros, que se fantasia. É ao brincar que a criança enfrenta os desafios,

as dificuldades, os riscos e as frustrações, é onde todas as áreas do conhecimento se

ligam e se constrói o bolo do saber. É a brincar que a criança sente o que é a liberdade

sem saber o que a palavra significa, é o que as torna autónomas, atentas, curiosas,

criativas, imaginativas, perspicazes, felizes. “Brincar dá alma! E dá sabedoria. E abre,

todos os dias, uma avenida onde o horizonte fica sempre mais além” (Sá, 2015).

1.2. Brincar no exterior

Até aos anos 1940, o espaço exterior foi considerado algo inerente ao jardim

de infância, constituindo um ambiente de aprendizagem, cuidadosamente desenhado,

planeado e cuidado, onde os educadores partilhavam atividades e jogos com as

crianças (Figueiredo, 2015).

As mudanças sociais verificadas ocasionam alterações progressivas nos estilos

de vida e nas formas de representação do mundo (Neto, 1997).

Como menciona Neto (2000), nos dias que correm, o tempo espontâneo, da

imprevisibilidade, da aventura, do risco, do confronto com o espaço físico natural, foi

ocupado pelo tempo organizado, planeado, uniformizado. As crianças de hoje em dia

estão mais tempo fechadas em casa a brincar do que na rua, ao ar livre. A criança sem

experienciar situações como o encontro com crianças num espaço livre, onde se brinca

com a solo e água, se inventam jogos, se vivem aventuras que são inerentes ao jogo

espontâneo, acaba por revelar menos capacidade de defesa e adaptabilidade a novas

circunstâncias.

De acordo com as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, o

espaço exterior é um espaço educativo, sendo visto como um prolongamento do espaço

interior. É um espaço com diversas potencialidades e oportunidades educativas e, por

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isso, merece a mesma atenção do educador que o espaço interior (Ministério da

Educação, 1997). Se as atividades que se realizam normalmente na sala podem

igualmente ter lugar no espaço exterior, este tem características e potencialidades que

possibilitam um desenvolvimento e diversificação de oportunidades educativas. O

espaço exterior é um local privilegiado de recreio para efetuar aprendizagens e para

atividades da iniciativa das crianças que, ao brincar, têm a oportunidade de desenvolver

diferentes formas de interação social e de contacto e exploração de materiais naturais

(rochas, folhas, plantas, paus, areia, solo, água etc.) que, por sua vez, podem ser

levados para a sala e ser objeto de outras explorações e utilizações. No espaço exterior

as crianças têm a oportunidade de explorar e recriar o espaço e os materiais existentes.

É ainda um espaço em que as crianças têm oportunidade de desenvolver atividades

motoras (correr, saltar, trepar, jogar à bola, fazer diversos tipos de jogos de regras, etc.),

num ambiente de ar livre (Ministério da Educação, 2016).

Para tal, o educador pode observar ou interagir com as crianças, auxiliando e

enriquecendo as suas atividades. O adulto tem um papel fundamental ao apoiar as

atividades que emergem no espaço exterior, ao fornecer uma linguagem adequada e ao

responder às necessidades das crianças durante os momentos de brincadeira neste

espaço.

Erickson e Ernest (2011, cit. por Bento, 2013) afirmam que atualmente vários

investigadores se têm debruçado sobre este tema reconhecendo que brincar no exterior

traz enormes benefícios para o desenvolvimento da criança, desde as habilidades

motoras até às habilidades sociais. Brincar no exterior ajuda a criar conexões positivas

com a natureza. As crianças beneficiam a nível físico, emocional, mental e espiritual, ao

mesmo tempo que brincar no exterior promove o amor e o respeito pela natureza, o que

fomenta um espírito ecológico, consciência de cidadania, e dando sentido à tão

recomendada sustentabilidade (Wilson, 2012, cit. por Bento, 2013).

Brincar ao ar livre é, como refere Bento (2013), importante para o

desenvolvimento da independência e da autonomia da criança. Os riscos e desafios que

surgem à medida que a criança brinca no exterior e o estabelecimento de limites a ela

própria fazem com que a autonomia seja mais facilmente fornecida ao ar livre,

promovendo confiança, o que se reflete no aumento da autoestima e confiança nas suas

próprias habilidades (Thomas & Harding, 2011). Os mesmos autores consideram que

brincar no exterior é uma oportunidade para desenvolver competências sociais e

emocionais. O tempo que a criança passa a brincar no exterior diminui os níveis de

stress uma vez que na natureza a criança pode relaxar, descontrair, ser reflexiva e estar

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altamente comprometida em imaginar e explorar o meio envolvente, sem que a mobília

e o ruído característicos do espaço fechado do contexto de sala o comprometam.

De acordo com Moser e Foyn- Brunn (2006, cit. por Carruchers, 2010), as

crianças devem brincar ao ar livre por diversas razões: a) as crianças são seres naturais,

que nascem naturalmente com o desejo de estar ao ar livre; b) desenvolvem aspetos

físicos e capacidades motoras; c) pela importância de usar todos os sentidos, uma vez

que os ambientes externos estimulam todos sentidos; d) fortalece a saúde física e

mental das crianças, pois é menos barulhento e stressante; e) desenvolve a resistência,

que faz com que estas suportem mais facilmente as mudanças climáticas, condições

meteorológicas, vento…; f) aumenta a autoestima e é um contexto onde as crianças se

deparam todos os dias com novos desafios.

Segundo os mesmos autores, as crianças têm direito de brincar ao ar livre,

porque além de ser um maravilhoso trampolim para a aprendizagem, é lá que elas

querem estar a maior parte do tempo. O lado de fora é evidentemente diferente do lado

de dentro de um jardim de infância e proporciona experiências diferentes daquelas que

as crianças têm na parte interior.

Segundo Cruz (2013), as vivências no exterior proporcionam um espaço de

brincar motivador, uma vez que contribui para o bom desenvolvimento da criança, na

medida em que a criança tem um papel ativo e central na organização e estruturação

das brincadeiras, uma forte motivação e envolvimento durante o tempo de brincar e as

interações revelam maior competência e consistência, facilitando a mobilização de

sentimentos, conhecimentos e afetos. No meio exterior a criança tem a possibilidade de

decidir e brincar com autonomia num contexto estimulante e que desencadeia maior

curiosidade, pensamento criativo e imaginação, tendo a oportunidade para a interação,

resolução de problemas e desafios complexos, e, assim, realizar aprendizagens

significativas e profundas (Cruz, 2013; Thigpen, 2007; Thomas & Harding, 2011).

Para Portugal (2011), investir nos espaços exteriores é bastante importante, pois

ao ar livre, no contacto com solo, água, rochas, seixos, areias e diferentes tipos e partes

de plantas como ervas, árvores, flores, troncos, ramos e folhas, etc…, as crianças

deparam-se, naturalmente, com desafios que se colocam no prolongamento das suas

capacidades e realizam descobertas insuspeitáveis e permanentemente renovadas,

acedendo física e sensorialmente ao mundo do conhecimento.

Hewes (2006, cit. por Rosa, 2013) salienta o impacto positivo no bem-estar físico

e psicológico que o brincar no exterior proporciona à criança. Ao brincar no exterior a

criança tem acesso a um conjunto de experiências ricas e multissensoriais, tem

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oportunidade para desenvolver um brincar fisicamente ativo, barulhento e vigoroso, de

vivenciar situações de desafio e de risco intrínsecas ao brincar, contactar com

superfícies ásperas e irregulares que permitem o desenvolvimento de noções como o

equilíbrio e a coordenação, e ainda a ocasião de ter contacto com diversos elementos

da natureza com os quais a criança pode brincar, explorando-os e manipulando-os,

dando-lhes o fim desejado. Esta variedade e flexibilidade de recursos que podem ser

encontrados em espaços naturais oferece à criança a possibilidade de desenvolver

múltiplas brincadeiras, permitindo o desenvolvimento de diversas aprendizagens (Lester

& Maudsley, 2007). Brincar no exterior é um meio e um mecanismo para o bem-estar,

aprendizagem e desenvolvimento (Thomas & Harding, 2011). O contacto com a

natureza traz benefícios fisiológicos, psicológicos, intelectuais e sociais para as

crianças, referem Miller, Tichota e White (2009).

Para além de estimular o desenvolvimento motor e cognitivo, brincar no exterior

possibilita construir competências essenciais para o desenvolvimento da criança a nível

emocional (avaliação do risco, desenvolvimento da autonomia e autoestima) e social

(cooperação com os pares, partilha de conhecimento) (Dowdell, Gray & Malone, 2011).

Brincar ao ar livre é, como referem White e Stoecklin (1998), relevante para o

desenvolvimento da independência e da autonomia da criança. O exterior possibilita o

aparecimento de atividades de colaboração e trabalho em grupo, propondo perguntas

genuínas, ideias e afetos compartilhados entre crianças e adultos, promovendo a

interação entre ambos (Thomas & Harding, 2011). Além de promover a interação social,

brincar no exterior, na visão de Laforest (2001), melhora o bem-estar e a autoestima da

criança, admitindo que esta explore de modo pleno o meio envolvente.

O exterior assume-se como um lugar de inúmeras potencialidades,

oportunidades e experiências. Este constitui um mecanismo para o bem-estar,

aprendizagem e desenvolvimento. No espaço exterior as crianças podem tirar maior

partido daquilo que a natureza oferece e recriar os espaços de acordo com as suas

necessidades e interesses. Ao ar livre as crianças superam desafios, os problemas e

encaram o risco. Brincar no espaço exterior ainda é pouco valorizado nos espaços

educativos, mas tendo em conta todos os benefícios mencionados ao longo deste ponto,

sem dúvida que os docentes deverão olhar e repensar o processo de ensino-

aprendizagem e valorizar mais o espaço e as brincadeiras no exterior, pois é aqui que

as crianças retiram significativas e diversificadas aprendizagens e onde são

fotografadas mentalmente as suas melhores memórias.

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1.2.1. Brincar e aprender na Natureza

Schepers e Liemped (2010), afirmam que “os seres humanos foram feitos para

viver na Natureza” (p. 5). Para estes autores, existe uma disparidade entre aprender na

Natureza e aprender com a Natureza. A Natureza é caprichosa, inesperada e todos os

dias diferente, não é controlável como a tecnologia moderna, mas oferece muitas

experiências de aprendizagem. Ainda segundo os mesmos autores, “as crianças

aprendem muitas coisas quando brincam no exterior em ambientes naturais, que têm

não só a ver com a resiliência, mas também com o desenvolvimento da autoconfiança”

(p. 5). As saídas frequentes no meio próximo oferecem às crianças novos

conhecimentos e experiências. Brincar no exterior e na Natureza proporciona equilíbrio

e bem-estar físico. A Natureza não é apenas idílica, comporta também perigos reais.

Estar exposto a alguns perigos estimula a vontade natural de se proteger. Os adultos

necessitam de aprender a encontrar um equilíbrio entre segurança e risco, para

oferecerem às crianças a liberdade bastante para descobrirem a Natureza por si

próprias (Schepers & Liemped, 2010).

Segundo Santos (2013), uma dose de Natureza é tão eficiente ou mais que uma

quantidade de medicação para o bem-estar físico e emocional das crianças.” O tempo

na natureza promove um desenvolvimento saudável e contribui para o bem-estar”

(Parker-Pope, 2009). Melhor do que irmos para um parque de diversões é deslocarmo-

nos para um jardim onde conseguimos brincar com os materiais que a Natureza nos

oferece, mas igualmente trazer materiais para depois podermos continuar a brincar em

casa ou no jardim de infância, ou seja, trazer a Natureza e enriquecer com ela o nosso

espaço de vida. Acreditamos que ao possibilitarmos este contacto com a natureza

contribuímos para que as crianças sejam melhores “amigos da natureza” (Santos,

2013).

1.2.2. Brincar com lama

White (2014) refere que:

há poucas coisas importantes no nosso mundo físico do que a terra e a água, que são

coisas realmente intrigantes, especialmente quando interagimos com elas. Misturar

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terra, água e toda uma variedade de outros materiais naturais tem um papel funcional

na infância pelas profundas e infinitas possibilidades de proporcionar bem-estar,

desenvolvimento e aprendizagem. A amplitude e profundidade do que estas

experiências oferecem às crianças é verdadeiramente notável (p. 6).

Segundo a mesma autora, brincar com lama é um trabalho cheio de valor

emocional, pessoal e social e oferece o contexto para a aprendizagem de uma

maravilhosa variedade de vocabulário novo e interessante, para a linguagem verbal e a

expressão.

O papel do adulto neste processo será de facilitador e viabilizador. O adulto é

uma peça fundamental nas brincadeiras na cozinha de lama, pois cabe a este contruir

a cozinha com as crianças a partir das suas especificações, apoiando o jogo que emerge

das crianças. O adulto deve observar o que acontece nas brincadeiras, procurando

entender o que realmente acontece, pois esse é um aspeto importante para a criança e

o grupo de crianças e depois responder cuidadosamente sobre aquilo que poderá ajudar

mais a criança. Os adultos podem estar a volta das crianças, mas sem atrapalhar e

ajudá-las em tudo aquilo que for necessário e solicitado por elas. Neste processo é

fundamental fornecer no contexto linguagens adequadas para os equipamentos, ações

e descrições, pois poder muito proveitoso para a criança, mas esta descrição não deverá

ser exagerada. Brincar na cozinha tem tantos significados profundos para as crianças

que o papel do adulto é fulcral e valioso neste momento de atividade. (White, 2014).

Neste processo, importa que os adultos estejam atentos e sensíveis às emoções,

pensamentos, dúvidas e necessidades das crianças, garantindo que estas se sentem

seguras e apoiadas na exploração que realizam (Huggins & Wickett, 2011; Waller, 2011,

cit. por Dias & Bento, 2016). As oportunidades de desenvolvimento e aprendizagem

cozinha só serão asseguradas se os adultos promoverem experiências desafiantes e

significativas, que reconheçam que o espaço exterior deve ser planeado e organizado

com o mesmo rigor.

Brincar com lama traz consigo diversos significados importantes para a

aprendizagem e desenvolvimento da criança. As crianças são extremamente

interessadas e biologicamente programadas para explorar as coisas da Natureza, sobre

como os materiais se comportam e o que podem fazer com eles. Estabelecer relações

através da descoberta e investigação de causa-efeito é o material de desenvolvimento

do cérebro e do sistema científico. A curiosidade, o fascínio e o prazer de descobrir são

de enorme importância para o ser humano. O processo de fazer misturas, criando

coisas, aproxima os mundos da ciência, e da arte pela imaginação de possibilidades. A

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experiência de conceber misturas traz a criança para os reinos da magia e da fantasia

(White, 2014).

Brincar com lama e com solo, como refere a mesma autora, traz muitos

significados para a aprendizagem da criança e desta forma, existem já em Portugal

alguns jardins de infância a introduzir este tipo de brincadeira. Exemplos disso são o

Centro Social Infantil de Aguada de Baixo (Águeda), em contexto de creche e o Jardim

de Infância de Canas de Santa Maria (Viseu), em contexto de educação pré-escolar,

que já implementaram nos seus espaços exteriores uma cozinha de lama. No Centro

Social Infantil de Aguada de Baixo, a cozinha de lama está exposta num espaço amplo

que contém uma bancada, um fogão, utensílios de cozinha, um depósito de água

(reaproveitada da chuva), entre outros; o espaço contém bastante solo, no qual as

crianças podem escavar, explorar e brincar à vontade. Neste espaço as crianças gostam

de encher recipientes e esvaziar, fazer cozinhados, transportar água...

No Jardim de Infância de Canas de Santa Maria, a cozinha de lama foi resultante

da vontade manifestada pelas crianças de brincar no exterior com as misturas do solo

dos canteiros das flores e água (lama), com a finalidade de “cozinharem” bolos e sopas.

O desenvolvimento da mesma tem como enfoque as aprendizagens na área curricular

do Conhecimento do Mundo, a partir do brincar com a lama, explorar a água e o solo.

Em termos de solo, existe mais do que um tipo, solo franco e arenoso. As crianças neste

espaço têm também utensílios de cozinha, um banca para lavar a loiça e para guardar

os materiais e as mesas são feitas de paletes que madeira. Brincar nesta cozinha

despertou a atenção para realizar experiências, no sentido de testarem as suas

hipóteses. Para além disso, o brincar na cozinha promoveu várias aprendizagens para

estas crianças, como por exemplo sobre as características do solo: cor, textura,

granularidade/separação do solo, permeabilidade, composição; promoveu

aprendizagens sobre as características da água: incolor, inodora, insípida, os estados

em que se pode encontrar, como se pode “limpar”, as misturas que se podem fazer com

ela, de forma lúdica, na natureza, entre outros.

Bento e Dias (2016) referem que “a cozinha de lama, enquanto área de interesse

nos espaços exteriores, assume-se como palco de muitas aprendizagens ao ar livre,

evidenciando as inúmeras potencialidades dos elementos naturais.” A combinação de

água e solo, que dá como resultado lama, possibilita um inúmero de possibilidades

inesgotáveis.

De acordo com as autoras, as cozinhas de lama em espaços exteriores são

pertinentes nos contextos educativos, pois trazem consigo muitos benefícios para o

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bem-estar e desenvolvimento da criança. A cozinha de lama é um lugar potenciador de

experiências ricas em interação entre adultos e crianças que promovem a partilha,

diálogo, cooperação e negociação. Ao longo das brincadeiras, as crianças vão sendo

surpreendidas pela natureza ou por obstáculos imprevisíveis, que desencadeiam a

cooperação, partilha de ideias e definição de estratégias conjuntas de modo a chegarem

ao objetivo pretendido. A interação entre crianças promove ocasiões de aprendizagem

voluntária, em que se alternam papéis de aprendente e ensinante, em função das

exigências de cada tarefa. A cozinha de lama é um lugar onde se privilegia o brincar faz

de conta, no qual é estimulada a imaginação e a criatividade. Por ser um espaço próximo

ao contexto familiar, as crianças representam modelos e ações que conhecem, que

estão habituados a vivenciar no seu dia a dia e que são importantes. Os objetos

disponíveis na cozinha de lama têm várias utilidades, o que contribui para o

desenvolvimento de um pensamento criativo e divergente. A cozinha permite que as

crianças reinventem novas utilizações para os objetos, atribuindo-lhes assim diferentes

significados e funções, adaptando-os em função das suas atividades e interesses.

Bento e Dias (2016, s/p) afirmam que brincar na cozinha de lama também

estimula várias descobertas que conduzem à colocação de questões e ampliam o

conhecimento sobre o meio.

Ao encherem e esvaziarem, várias vezes, recipientes com água e/ou terra, as crianças

começam a contactar com conceitos relacionados com o peso (e.g. quando o balde

está cheio fica mais pesado), o volume (e.g. é necessário escavar muita terra para

encher o balde), o tempo (e.g. demoro menos tempo a encher o balde com água do

que com terra), entre outros. A repetição que caracteriza estas tarefas assume-se como

estratégia que permite consolidar conhecimentos e esquemas de pensamento (s/p).

Neste sentido, interessa atribuir tempo e espaço para que a criança experiencie

e repita diversas estratégias ou padrões de ação, até se sentir competente para começar

novas explorações (Nutbrown, 2011, cit. por Bento & Dias, 2016). Estes momentos têm

um grande potencial para a aprendizagem, possibilitando à criança agrupar um conjunto

de conhecimentos implícitos e sensoriais, que suportarão aprendizagens futuras.

As autoras supramencionadas referem ainda que a “linguagem tem um papel de

mediador na atribuição de sentido àquilo que a criança vê, pensa e sente, servindo de

suporte ao estabelecimento de relações entre crianças e adultos”. A possibilidade de

conceder um “nome” aos fenómenos ou aos objetos assume-se como uma dimensão

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central na perceção do mundo, incentivando as crianças a adotarem uma atitude crítica

e curiosa desde uma idade precoce.

1.2.3. Brincar no exterior e a aprendizagem de conceitos da área de

conhecimento do mundo

Tendo em conta que é importante promover a literacia científica das crianças, é

fundamental estimular a sua curiosidade, o questionamento e a organização do saber,

de modo a compreenderem melhor o mundo físico, social e tecnológico que as envolve.

Uma vez que as aprendizagens das crianças acontecem nos diferentes contextos em

que vivem, na educação pré-escolar existe uma intencionalidade educativa, que só é

possível de concretizar se o ambiente em que essa intencionalidade ocorre for

estimulante, rico, coerente e consistente, em que as diferentes experiências de

aprendizagem fazem sentido e têm ligação entre si (Ministério da Educação, 2016).

O espaço exterior constitui um bom contexto para que as aprendizagens em

ciências ocorram, pois este é um meio rico em aprendizagens e contactos com

elementos físicos e naturais. Ao brincar no espaço exterior a criança contacta

diretamente com diversos conceitos ligados ao Conhecimento do Mundo.

Dentro da literacia científica encontram-se conceitos complexos com que a

criança pode contactar na educação pré-escolar e que são fundamentais para

compreender os conceitos que irão surgir mais tarde, nos outros níveis de ensino.

É neste sentido que se destaca o projeto reformulação curricular norte-

americano “Science for all”, que faz parte de um projeto mais abrangente, denominado

Projeto 2061, que estabelece os conteúdos que os estudantes deveriam estudar em

áreas como a matemática, ciência e tecnologia. O manual do “Science for all” refere que

instrução científica é de enorme importância para a formação de todos os estudantes,

independentemente da situação social e dos seus desejos profissionais e sugere temas

que servem de suporte à construção do conhecimento ao longo da vida, cumprindo os

critérios de: utilidade, responsabilidade social, valor intrínseco do conhecimento, valor

filosófico e enriquecimento da infância. Neste manual são apresentados mapas que

evidenciam a importância das aprendizagens nos primeiros anos de educação para

compreender progressivamente processos mais complexos. No caso da Geologia

encontramos conceitos relacionados com a formação da Terra e até mesmo com a

engenharia, nomeadamente com a construção de edifícios, em que os materiais

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geológicos (rocha e solos) servem de fundações. Apresentamos um exemplo desses

mapas na figura 1. Trata-se de um mapa do tema ”natureza da ciência”, que apresenta

um conjunto de conteúdos fundamentais para os primeiros anos da criança que têm

ligação com outros temas, de outros níveis de escolaridade superior. Neste mapa, no

círculo a azul, é evidenciado que na idade dos 3 aos 5 anos a criança deve descrever e

comparar objetos/materiais em termos de cor, forma, textura…A descrição possibilita à

criança comparar a sua observação com as dos outros e pode suscitar a necessidade

de efetuar novas observações. O desenvolvimento destas competências permitirá por

exemplo, por volta dos 9 aos 12 anos, formular hipóteses, muito utilizadas em ciências.

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No sistema português, os educadores regem-se ao nível da EPE, pelas

orientações curriculares e ao nível do 1.º CEB pelo programa. Nestes dois níveis de

Figura 1- Mapas do Science for All

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ensino, identificam-se aprendizagens ligadas à área da Geologia. Na EPE, destaca-se

apenas que se faça uma comparação e coleção de rochas e a observação das suas

propriedades. Já no 1.º CEB, pretende-se que os alunos recolham amostras de

diferentes tipos de solo, que identifiquem algumas das suas características (cor, textura,

cheiro, permeabilidade), que procurem o que se encontra no solo (animais, rochas,

restos de seres vivos), que recolham amostras de rochas existentes no ambiente

próximo e que identifiquem algumas das suas características (cor, textura, dureza…).

Olhando para o que sugere o programa do 1.º CEB e tendo em conta a

experiência desta investigação, que ocorreu no espaço exterior, mais propriamente em

momentos de atividade numa cozinha de lamas, podemos referir que aquilo que se

sugere para este nível de ensino foi experienciado pelas crianças da educação pré-

escolar.

Para esta investigação criou-se uma tabela de propriedades, com conteúdos da

área da Geologia daquilo que se pode explorar com as crianças na cozinha de lamas

(tabela 1). Nesta tabela destacam-se também momentos em que o contacto com os

conceitos pode ocorrer.

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Tabela 1- Tabela de propriedades do solo e exemplos das suas potencialidades na cozinha de lamas

Martins et al (2009) fazem referência à importância de um contacto precoce com

conceitos e fenómenos científicos para uma melhor compreensão dos conceitos

apresentados mais tarde, enfatizando que de acordo “com as teorias construtivistas, a

construção de aprendizagens, decorrentes de observações, envolve sempre a

integração de conhecimentos anteriores, o confronto com novas situações deverá

ocorrer o mais precocemente possível, para facilitar a construção posterior de novos

conceitos” (p. 13).

Propriedades Definição Potencial na cozinha de lama

Permeabilidade

A permeabilidade é a capacidade da rocha, do solo ou de outras substâncias permitirem que fluidos passem através delas (Santos, 2013).

As crianças poderão perceber que ao colocarem solo, a água travessa com maior ou menor facilidade.

Consistência

Consistência é o grau de coesão ou adesão dos agregados do solo e que depende fundamentalmente da textura, humidade e conteúdo em matéria orgânica do solo. Pode ser determinada a seco, húmida ou molhada (FAO, 2006).

Ao tocar no solo as crianças poderão verificar se tem agregados/torrões.

Suspensão É a mistura homogénea que resulta da mistura de duas substâncias (o soluto num solvente) (Santos, 2013).

As crianças verificarem que a água ao misturar-se com solo fica castanha.

Textura

A textura do solo é a proporção relativa em que se encontram no solo as partículas com diferente granulometria/tamanho. Em termos texturais os solos podem classificar-se de um modo muito simplificado, em solos argilosos, médios e arenosos (Santos, 2013).

As crianças poderão sentir que os solos têm diferentes características e poderão questionar porquê. Por exemplo, a sensação de plasticidade e pegajosidade do solo em húmido, é característica de um solo argiloso; sensação de áspero ou o ranger das partículas do solo quando esfregadas ocorre no solo arenoso. Um solo é macio e sedoso quando tem uma textura média.

Cor

A partir da cor é possível fazer inferências sobre: conteúdo em matéria orgânica (quanto mais escura, maior o conteúdo em matéria orgânica); presença de óxidos de ferro (avermelhada ou amarelada); drenagem (cores neutras e acinzentadas indicam solos mal drenados) (Varennes, 2003).

As crianças poderão questionar ou ter curiosidade em perceber porque é que solos têm cores diferentes.

Solo orgânico O solo orgânico é composto pelo resto de plantas e animais (Santos, 2013).

Ao manipular o solo as crianças poderão encontrar ervas, raízes, folhas.

Solo inorgânico

O solo inorgânico é composto pelo resto de rochas e minerais inorgânicos (Santos, 2013).

As crianças ao manipularem o solo poderão entender que este é também composto por fragmentos de rochas.

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Williams (2008) garante que as crianças aprendem conceitos extremamente

relevantes da área da matemática e das ciências, ao observarem e examinarem o

mundo que as rodeia. Este considera ainda que mergulhar em poças de água, brincar

na lama e cavar no solo é uma forma da criança interagir com os diferentes elementos

do exterior, o que lhe permitirá entender melhor o que acontece no mundo que a rodeia.

O facto de o meio ambiente ser controlado pelo clima, estação do ano e temperatura e

não pela mão humana, segundo Thomas e Harding (2011), significa que a

aprendizagem se torna mais vasta e profunda, uma vez que, não foi limitada pelos

pensamentos de uma ou variadas pessoas. Ao dar oportunidade à criança de contactar

com a natureza, o adulto está a estimular o desenvolvimento científico e estético das

crianças, na medida em que lhes é permitido fazer uma observação e apreciação da

sua beleza, estando atentas aos diversos padrões e dimensões dos elementos que a

compõem (Williams, 2008). O exterior estimula o desenvolvimento de competências de

observação e atenção, pois pela sua variedade e imprevisibilidade de estímulos

sensoriais desperta a curiosidade da criança, fazendo com que sinta necessidade de

saber e descobrir mais (Thomas & Harding, 2011). Enquanto brincam na e com a

natureza, as crianças têm oportunidade de sentir o vento no seu rosto, ver as folhas a

cair e a mudar de cor, apreciar a delicadeza e beleza das flores, sentir o cheiro da chuva,

tocar e apreciar seres vivos. Esta quantidade e diversidade de informações sensoriais

fazem com que as crianças tenham maior probabilidade de serem capazes de fazer

conexões com outras experiências sensoriais e aprenderem noutros contextos (Thomas

& Harding, 2011).

É nesta linha de pensamento que o brincar no exterior e na cozinha de lama

permite o contacto com materiais não estruturados que irá promover o pensamento

divergente e o contacto com alguns elementos naturais, tais como, rochas, solos,

misturas, reações e sobre as propriedades do solo, incluindo a permeabilidade, cor,

textura, entre outros. Estes elementos e propriedades ganham sentido nas brincadeiras

no exterior em cozinhas de lama. O processo de aprender inicia-se com explorações

não estruturadas que permitem observações, manipulações, interrogações que depois

são a base da aprendizagem sistematizada. Crianças exploram, colocam hipóteses,

testam através do brincar com os elementos. A pedagogia estruturada baseia-se nos

conhecimentos e das experiências das crianças (Ministério da Educação, 1997) e cabe

ao adulto alargar e aprofundar essas experiências de forma significativa neste caso na

área da Geologia, sabendo que os estudos mostram que a maioria das crianças no

contexto familiar têm menos contacto com a natureza.

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2. Metodologia

2.1. Definição do problema e objetivos

Com este projeto de investigação pretendeu-se estudar as brincadeiras no

exterior e as suas implicações na aprendizagem de conceitos de Geologia na Educação

Pré-Escolar. Assim, a questão central desta investigação é: “Quais os contributos do

brincar no espaço exterior na aprendizagem de conceitos de Geologia na educação pré-

escolar?”

Hoje em dia, o fenómeno brincar é afetado pela gestão do tempo, mas também

pelo espaço em que este é realizado. O brincar no exterior é uma atividade pouco

explorada, apesar do brincar no exterior ter muita importância para o desenvolvimento

das crianças (Rosa, 2013). Neste sentido, torna-se fulcral refletir acerca deste tema,

para entender de que forma é que o brincar no exterior, em contacto com elementos da

Natureza, é importante para as crianças e como é que as crianças se envolvem nas

atividades. O estudo concretizou-se na implementação de uma cozinha de lamas num

contexto de EPE, sendo analisado o processo de construção e o início de exploração

pelas crianças que foi observado durante um mês. Assim, tendo em conta o problema

enunciado anteriormente definiram-se os seguintes objetivos que nos propusemos

atingir com as práticas desenvolvidas:

Refletir acerca da importância do brincar para o desenvolvimento e

aprendizagens das crianças no contexto de exterior;

Refletir sobre a importância de brincar em contacto com a natureza em geral e

com os materiais geológicos em particular;

Fomentar o brincar no exterior como prática diária de um contexto de educação

pré-escolar.

Analisar o envolvimento e as ações das crianças ao brincar nas cozinhas de

lamas;

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2.2. Tipo de investigação

A investigação sobre o contributo do brincar no exterior na aprendizagem de

conceitos de Geologia na educação pré-escolar foi realizada no final do estágio da

unidade curricular Prática de Ensino Supervisionada em Educação de Infância e 1.º

Ciclo do Ensino Básico III, devido às condições atmosféricas que se fizeram sentir

durante o período de estágio. O estudo que se pretendeu realizar assumiu um caráter

qualitativo, uma vez que “as questões a investigar não se estabelecem mediante a

operacionalização de variáveis”, orientando-nos “o objetivo de investigar os fenómenos

em toda a sua complexidade e em contexto natural.” (Bogdan & Biklen, 1994, p.16). De

acordo com Fernandes (1991), a investigação qualitativa tem como objetivo a

compreensão pormenorizada dos problemas. É através desta, e graças à sua natureza,

que existe informação acerca do ensino e da aprendizagem. Podemos considerar que

este estudo se tratou de uma investigação sobre a prática. Segundo Ponte (2002), a

investigação sobre a prática visa resolver problemas profissionais e aumentar o

conhecimento relativo a estes problemas, tendo por referência principal, não a

comunidade académica, mas a comunidade profissional. Richardson (1994, cit. por

Ponte, 2002), frisa que a investigação sobre a prática não tem como propósito fornecer

a resposta a um problema, mas os resultados sugerem novas formas de olhar para o

contexto e o problema e/ou possibilidades de alterações na prática.

Com esta investigação, pretendeu-se observar como é que as crianças se

envolvem nas cozinhas de lama, como se apropriam de termos da área da Geologia,

como reagem a cada tipo de solo e o vocabulário que desenvolvem no decurso das

atividades na cozinha de lamas.

Relativamente ao tipo de observação, foi participativa, uma vez que envolveu a

interação pessoal entre o investigador e os participantes. De acordo com Silveira e

Gerhardt (2009), o investigador participa até certo ponto como membro da comunidade

ou população pesquisada. A ideia de sua incursão na população é ganhar a confiança

do grupo, ser influenciado pelas características dos elementos do grupo e, ao mesmo

tempo, conscientizá-los da importância da investigação (p.75).

Quivy e Campenhoudt (1992, p.197) referem que “(…) os métodos de

observação direta constituem os únicos métodos de investigação social que captam os

comportamentos no momento em que eles se produzem e em si mesmos, sem a

mediação de um documento ou de um testemunho.”

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2.3. Participantes e justificação da sua escolha

Para esta investigação foi necessário identificar um contexto e um conjunto de

participantes que permitissem concretizar o desenvolvimento do estudo. Os

participantes foram crianças do grupo de estágio. O estudo foi realizado no recreio, mais

propriamente a cozinha de lamas que foi construída no espaço exterior. O estudo

envolveu um conjunto de 25 crianças, divididas em dois grupos, sendo que cada grupo

brincava na cozinha por um período de tempo aproximadamente de uma hora. A divisão

em dois grupos foi efetuada de modo a permitir às crianças brincar com mais espaço e

com mais liberdade de escolha dos materiais existentes. É de salientar que os grupos

foram sempre heterogéneos ao nível das idades e dos elementos para ser possível

observar as diferentes interações entre as crianças, nomeadamente, perceber como é

que as crianças interagiam umas com as outras em termos de diversidade/igualdade de

idades e com crianças com as quais tinham mais/menos afinidade, embora essas

variáveis não fossem relevantes para a questão de investigação.

2.4. Processos e instrumentos de recolha de dados

A recolha dos dados deste estudo foi efetuada através da observação das

crianças na cozinha de lamas. A observação participante foi o principal formato de

produção de dados. Para auxiliar essa observação, foi utilizado um diário de bordo,

registos fotográficos, e filmagens. Na observação participante, como o nome indica, o

investigador é participante, ou seja, ele tem de estar no local da observação. “A

observação participante é uma técnica de investigação social em que o observador

partilha, na medida em que as circunstâncias o permitam, as atividades, as ocasiões,

os interesses e os afetos de um grupo de pessoas ou de uma comunidade” (Anguera,

1985). Relativamente ao diário de bordo, Máximo-Esteves (2008) refere que “as notas

de campo e os diários são instrumentos metodológicos que os professores utilizam com

mais frequência para registar dados de observação” (p.88). Assim, nesta investigação,

o diário foi indispensável uma vez que os diários “…incluem não só notas de campo,

mas também outro tipo de dados” e “todos os registos devem estar convenientemente

datados e referenciados (relativamente aos locais, aos intervenientes) ” (Máximo-

Esteves 2008, p.89).

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A observação foi ainda apoiada pelas escalas de implicação e de bem-estar

emocional da criança, na versão disponibilizada no Sistema de Acompanhamento da

Criança (Portugal & Laevers, 2010). Laevers define bem-estar emocional como:

um estado particular de sentimentos que pode ser reconhecido pela satisfação e

prazer, enquanto a pessoa está relaxada e expressa serenidade interior, sente a sua

energia e vitalidade e está acessível e aberta ao que a rodeia. Isto porque a situação

conjuga-se com as suas necessidades, a pessoa tem um autoconceito positivo e está

bem consigo própria. Em resultado: a sua saúde emocional está garantida (p.20).

O grau de bem-estar evidenciado pelas crianças num contexto educativo

indicará o quanto a organização e dinâmica do contexto ajuda as crianças a “sentirem-

se em casa”, a serem elas mesmas e a terem as suas necessidades satisfeitas. O bem-

estar da criança é avaliado com base nos indicadores da figura 2:

Os níveis de bem-estar são avaliados a partir de 5 níveis apresentados

seguidamente (Portugal & Laevers, 2010):

1) Muito baixo – Este nível atribui-se a crianças que usualmente estão tristes,

evidenciando frequentemente sinais claros de desconforto, medo, raiva ou

simplesmente tristeza; choramingando, chorando, gritando; tensão corporal; quebrando

coisas ou magoando outras crianças; evidenciando tiques ou maneirismos, chuchando

no dedo; evitando o olhar do adulto; não reagindo ao contexto, evitando contacto,

isolando-se; com medo de falhar; magoando-se a si próprias; sujando as calças e/ou a

cama; com queixas psicossomáticas. A satisfação das necessidades destas crianças

estará ameaçada, predominando na sua experiência, frustração e mal-estar, sendo o

Figura 2- Indicadores de bem-estar emocional

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seu funcionamento global negativamente afetado; não demonstram vitalidade ou auto

confiança, possuem pouca flexibilidade e dificuldades de assertividade, não estão bem

consigo próprias e as suas relações com o mundo são difíceis e insatisfatórias,

necessitando de ajuda ou de apoios continuados.

2) Baixo – Neste nível, as crianças evidenciam frequentemente sinais de desconforto

emocional, embora sinais positivos de bem-estar alternem com sinais mais negativos: a

postura, a expressão facial e as ações indicam que a criança não se sente à vontade.

Os sinais são menos explícitos do que os evidenciados em 1 e o sentimento de

desconforto não se expressa tão permanentemente. Frequentemente, estas crianças

estão tensas e raramente evidenciam vitalidade. A sua confiança e auto estima são

baixas. Por vezes, evidenciam prazer em coisas “negativas” (e.g., magoando ou

aborrecendo outra criança, exigindo excessiva proteção). O sentimento de desconforto

pode evidenciar-se mais numa determinada esfera relacional (e.g., relação com o adulto

ou relação com outras crianças), sendo que facilmente outras áreas de ação da criança

são afetadas. O nível 2 pode ainda atribuir-se a crianças que normalmente evidenciam

um relativo bem-estar emocional mas que, pontualmente, expressam elevado

desconforto, por exemplo, quando se despedem dos pais ou quando um desconhecido

entra na sala. Se estes momentos de desconforto acontecem frequente e

persistentemente, assume-se o nível 2. Se acontecem esporadicamente, assume-se o

nível 3.

3) Médio/Neutro ou flutuante – As crianças avaliadas com o nível 3, parecem estar

“bem”. Ocasionalmente evidenciam sinais de desconforto (comportamentos

sintomáticos), mas estes não são predominantes, pois frequentemente verificam-se

sinais positivos de bem-estar. Frequentemente, as crianças aparentam estar relaxadas,

com relativa vitalidade e auto confiança. O nível 3 é também atribuído a crianças que

podem aparentar uma postura neutra: não existem sinais claros indicando propriamente

tristeza ou prazer, conforto ou desconforto. As relações destas crianças com o mundo

não são as ideais mas também não são propriamente negativas e muito menos

alarmantes. Muitas vezes “desligam” do contexto e embora haja momentos de abertura,

estes são pouco intensos. Estas crianças podem adotar atitudes assertivas e expressar

os seus desejos e necessidades de formas adequadas, embora tenham momentos

significativos em que experienciam sofrimento emocional, podendo necessitar de apoios

pontuais para ultrapassar certas dificuldades.

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4) Alto – Em geral, estas crianças evidenciam sinais claros de satisfação/felicidade. Os

momentos de bem-estar superam claramente os momentos de desconforto. As suas

relações com o mundo são boas. Na maior parte do tempo, as crianças parecem estar

bem, podendo manifestar, ocasionalmente, sinais de desconforto. Poderão, por

exemplo, ficar temporariamente perturbadas com a entrada de um desconhecido na

sala, mas na generalidade, na interação com o contexto, percebe-se que existe uma

adequada satisfação das suas necessidades.

5) Muito alto – Estas crianças, claramente, parecem sentir-se como “peixe na água”,

confortáveis. Irradiam vitalidade e tranquilidade, auto confiança e auto estima.

Evidenciam alegria e simpatia, sorrindo, rindo, gritando de prazer, cantarolando,

conversando com outras crianças; expressando autenticidade e espontaneidade;

segurança e abertura a novas atividades e experiências, sem sinais de tensão, com

energia e vitalidade. Notoriamente, a criança está bem consigo própria, estabelecendo

facilmente relações positivas com as outras pessoas. Tem autoconfiança suficiente para

ultrapassar situações de frustração sem se deixar abater. Uma situação de frustração

apenas atinge o seu equilíbrio de forma passageira.

No que diz respeito ao segundo indicador processual de qualidade, Laevers

(1994, cit. por Portugal & Laevers, 2010) define implicação como:

uma qualidade da actividade humana que pode ser reconhecida pela concentração e

persistência, caracterizando-se por motivação, interesse e fascínio, abertura aos

estímulos, satisfação e um intenso fluxo de energia. É determinada pela necessidade

de exploração e pelo nível de desenvolvimento. Em resultado: o desenvolvimento

acontece (p.128).

Este instrumento permite que se observe a forma como as crianças se envolvem

nas situações do seu quotidiano e entender, através de indicadores como a

concentração, a energia, a complexidade e criatividade, a expressão facial e postura, a

persistência, a precisão, o tempo de reação, a linguagem e a satisfação, o nível de

envolvimento na aprendizagem. Esta escala é composta por dois campos: uma lista de

indicadores de envolvimento da criança, que são um conjunto de sinais

comportamentais que ajudam o observador a ter uma melhor compreensão e perceção

da situação de envolvimento da criança (figura 3).

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Os níveis de envolvimento são aferidos numa escala de 1 a 5 pontos (figura 4).

Estes instrumentos permitiram observar a forma como as crianças se

envolveram e implicaram na cozinha de lama.

Os níveis de implicação e bem-estar foram obtidos a partir de uma classificação

em 5 níveis, muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto. Em cada sessão, as crianças

Figura 3- Indicadores de implicação

Figura 4- Níveis de implicação

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foram observadas a brincar na cozinha de lama e os níveis de cada criança foram

identificados através dos indicadores mencionados acima.

Como o grupo de crianças era grande e as crianças interagiam muito com a

estagiária, não existiu a possibilidade de fazer observações de 2 minutos para cada

criança. Assim, os níveis de cada criança foram considerados individualmente, mas com

base na impressão geral que a criança foi deixando nos diferentes dias.

2.5. Processo de análise dos dados

Quando se recolhe os dados, é preciso ter em conta que devemos “ (…)

organizá-los de modo a ser capaz de ler e recuperar os dados à medida que se apercebe

do seu potencial de informação (…) ” (Bogdan & Biklen, 1994, p.232). Deste modo, os

dados foram analisados, tendo como objetivo perceber qual o contributo do brincar no

espaço exterior na aprendizagem de conceitos de Geologia em crianças em idade pré-

escolar. A análise de dados é o processo de busca e de organização sistemático de

transcrições de entrevistas, de notas de campo e de outros materiais que foram sendo

acumulados, com o objetivo de aumentar a sua própria compreensão desses materiais

e de lhe permitir apresentar aos outros aquilo que encontrou. (Bogdan & Biklen, 1994,

p. 205).

Nesta investigação, os dados foram analisados e trabalhados para dar resposta

à questão de investigação e aos objetivos. Após a recolha de todos os dados, procedeu-

se à sua análise de conteúdo de forma cronológica, para estudar todas as atividades e

brincadeiras realizadas ao longo do tempo, assim como a evolução das mesmas. Esta

análise descritiva foi sendo confrontada com a revisão teórica para se interpretarem os

passos concretizados. Os dados referentes à implicação e bem-estar emocional foram

analisados seguindo as indicações das escalas e interpretados em conjugação com os

restantes dados.

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3. Apresentação e discussão dos resultados

Neste capítulo, apresentamos os resultados obtidos através da análise das

observações diretas, das notas de campo, das fotografias e das filmagens. Neste

seguimento, faz-se a descrição e a análise dos procedimentos de conceção e montagem

da cozinha de lamas. Aborda-se o tempo e sequência de introdução dos materiais e

equipamentos, bem como o brincar na cozinha, o jogo faz de conta, os conflitos e a

resolução dos mesmos, o envolvimento das crianças e a aprendizagem de conceitos de

Geologia.

3.1. Preparação da montagem da cozinha

A criação de um projeto, como o da cozinha de lama, não é um processo fácil e

simples. Requer um conjunto de processos até chegarmos à criação física da cozinha.

O projeto foi inicialmente apresentado às educadoras do jardim de infância onde

decorreu o estágio, tendo-se explicado o que eram cozinhas de lama e apresentado,

em suporte digital (anexo 1), exemplos de várias cozinhas. As educadoras gostaram

muito da ideia e deram a sua opinião sobre a cozinha que mais gostariam que se criasse.

Embora possamos idealizar uma cozinha de lama perfeita, no sentido de ser

muito bem estruturada e esteticamente bonita, inicialmente, para a construção de uma,

precisamos apenas de um espaço, alguns materiais, nomeadamente, tachos, panelas,

frigideiras, recipientes de plástico, bacias, colheres…, suportes para os materiais,

mesas para fazer as brincadeiras e solo para as crianças. Os aspetos relacionados com

a estética da cozinha podem ser pensados e estruturados ao longo do tempo, pois o

mais importante são, sem dúvida, as experiências que são proporcionadas às crianças.

Alguns materiais não foram fáceis de arranjar, como mesas grandes, assentos

para as crianças se sentarem e bidões para a água. No entanto, pensou-se noutras

soluções e conseguiu-se improvisar, mas com materiais mais pequenos, como foi o caso

das mesas e do bidão de água.

No decurso da reunião, pedimos às educadoras utensílios de cozinha de que já

não precisassem e que, independentemente do seu estado de conservação, pudessem

ser utilizados pelas crianças na cozinha de lama. Até um simples recipiente de plástico

de algum produto alimentar ou de higiene devidamente lavado servia para as crianças

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brincarem; o mais importante é aquilo que a criança produz com os materiais e a

aprendizagem que constrói com a exploração e manipulação dos mesmos.

O projeto foi posteriormente apresentado às crianças, que diretamente e

ativamente iriam participar nele. No diálogo com as crianças, foi explicado que, tal como

têm uma cozinha no cantinho da casinha, também podiam ter uma cozinha no exterior,

ao ar livre e em contacto com a natureza, mas com utensílios de cozinha verdadeiros e

não só de plástico, como estavam habituados na área de interesse da casinha. Referiu-

se também que nesta cozinha para fazer os cozinhados e doces podiam utilizar “solo”,

explicando-lhes que este era o termo correto para designar aquilo a que vulgarmente

chamamos “terra”.

Apresentaram-se, em suporte digital (anexo 2), imagens de cozinhas de lama

existentes noutros países e outros jardins-de-infância, para as crianças verem como

eram e o que poderiam ter numa destas cozinhas. As imagens foram exploradas com

as crianças, para que estas pudessem dizer o que viam nas imagens, quais os materiais

existentes e quais as diferenças de umas cozinhas para as outras. Assim, as crianças

foram percebendo que uma cozinha de lama podia ser construída de várias maneiras e

com diferentes materiais. No final, quando se questionaram as crianças se gostariam de

ter uma cozinha de lamas no exterior, a resposta foi imediatamente “siiiimmmm”, o que

denotou o seu entusiasmo e a sua vontade de ter uma destas cozinhas. As crianças

foram informadas de que a sua cozinha ia ser diferente das que tinham visto, porque

não era possível ter no início alguns materiais mais complexos, como os armários, mas

que iam ter uma cozinha no espaço exterior, na qual poderiam brincar e fazer os seus

cozinhados e doces e que os colegas das outras salas também poderiam ir brincar para

a cozinha, mas em horários diferentes dos seus.

As crianças participaram na tomada de decisões, nomeadamente na escolha do

local, na sua montagem e na sua organização. Uma vez que a cozinha seria um espaço

onde as crianças iriam brincar, estas deveriam ter a oportunidade de partilhar as suas

opiniões e decisões na construção do projeto, pois deveriam sentir que a cozinha lhes

pertencia e que o projeto era seu. Este sentimento de pertença foi notório durante o

tempo de observação das crianças, como denota um diálogo ocorrido aquando da

escolha do primeiro grupo para ir brincar na cozinha; uma criança questionou a

estagiária “Fatinha, depois de ires embora vamos poder ir brincar para a cozinha?” (M,

4 anos, sexo masculino) e então outra respondeu” a cozinha não é da Fatinha, é nossa

e nós também mandamos nela” (I, sexo feminino, 5 anos). As crianças sentiam que a

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cozinha era delas, que lhes pertencia apesar de ter sido a estagiária a construir com

eles a cozinha.

A escolha do local onde se situaria a cozinha, foi decidido numa deslocação à

parte exterior do jardim, tendo sido questionado às crianças sobre local mais indicado

para a sua construção. As opiniões destas foram diversas, algumas foram dizendo ao

acaso os locais e outras apontavam para os sítios onde gostariam que se construísse.

Como as opiniões não eram unânimes, a educadora e a estagiária optaram por sugerir

um local, com muitas árvores que as ajudava a protegerem-se do sol e as crianças

concordaram com a escolha. Um canto acolhedor e seguro cria alguma privacidade e é

bom para gerar jogo dramático em crianças pequenas (White, 2014). Depois de tomada

a decisão acerca do local da cozinha de lamas, passou-se à sua montagem e

organização.

3.2. Montagem da cozinha de lama

No primeiro dia de montagem da cozinha de lama, a formanda dirigiu-se ao local

com as crianças e com a ajuda destes transportaram os materiais e uma mesa, que

foram fornecidos pela estagiária e a educadora. A mesa foi colocada no lugar onde se

iria construir a cozinha de lama e os materiais (colheres, conchas, tachos, panelas,

frigideiras…) foram colocados num lugar próximo, para posteriormente serem colocados

pelas crianças no espaço destinado à cozinha. As crianças pegaram todas nos

utensílios de cozinha ao mesmo tempo e deslocaram-nos para a mesa que já estava no

local, acabando por ficar tudo amontoado e sem organização. Este primeiro momento

de montagem acabou por gerar alguma confusão, pois a informação dada às crianças

não foi a mais correta.

Esta situação fez com que a estagiária refletisse sobre a melhor maneira de se

organizar o grupo e a montagem da cozinha, evitando que as crianças fossem todas ao

mesmo tempo colocar os materiais no local onde se iria montar a cozinha e que ficassem

desorganizados. No que se refere à organização dos utensílios da cozinha, constatou-

se que faltavam ganchos/suportes para os pendurar os utensílios de modo a que estes

não ficassem amontoados na mesa.

Quando se inicia uma atividade, deve-se pensar como se vai fazer, qual a

informação que se dá às crianças e como se organiza o grupo no sentido de definir

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quem vai fazer o quê e em que momento. Assim, a atividade acabará por correr bem e

torna-se mais fácil e organizada a sua participação. Um ambiente seguro apoia a

iniciativa das crianças. A montagem da cozinha acabou por não acontecer neste dia,

devido à chuva.

Na sala, foi explicado às crianças que todos teriam a oportunidade de brincar na

cozinha e que o grupo seria dividido em dois, um ficava a trabalhar dentro da sala e o

outro iniciaria a montagem da cozinha e depois trocavam. Esta estratégia revelou-se a

mais adequada, pois o grupo era mais pequeno e mais fácil de gerir e orientar. Contudo,

as decisões de montagem da cozinha, assim como a organização dos grupos, foram

muito orientadas pelo adulto e deveriam ter sido preferencialmente negociadas com as

crianças em grande grupo. A participação das crianças no planeamento é importante

pois “permite ao grupo beneficiar da sua diversidade, capacidades e competências de

cada criança, num processo de partilha facilitador da aprendizagem e do

desenvolvimento de todas e de cada uma” (Ministério da Educação, 1997, p.26).

A estagiária distribuiu vários ganchos às crianças e explicou-lhes para que

serviam. As crianças colocaram os ganchos numa rede que existia à volta de todo o

jardim e no espaço onde foi montada a cozinha.

Depois de colocados os ganchos, sugeriu-se às crianças que agrupassem os

materiais de modo a ficarem organizados e não estar tudo misturado. Assim, separam-

se as colheres, os copos, as frigideiras, os tachos e os outros materiais. Cada criança,

orientada pela estagiária, foi levando um ou dois utensílios, de cada vez, e colocou-os

no espaço reservado à cozinha, nomeadamente nos ganchos presos à rede e nos

caixotes que serviram para colocar os materiais. De acordo com White (2014), as

cozinhas de lama que têm muros, paredes ou outras superfícies verticais, são um bom

suporte para pendurar utensílios, tornando-as mais parecidas com uma cozinha e mais

acessíveis para utilizar. Ganchos nas paredes podem ser úteis para facilitar a utilização

dos utensílios.

O primeiro grupo montou uma parte da cozinha e o outro que veio a seguir

completou-a com o resto dos materiais (figura 5 e 6). O planeamento do ambiente

educativo possibilita às crianças explorar e utilizar espaços, materiais e instrumentos

colocados à sua disposição, proporcionando-lhes variadas interações com todo o grupo,

em pequenos grupos e entre pares, e ainda a possibilidade de interagir com outros

adultos (Ministério da Educação, 1997). As vivências proporcionadas pela participação

na organização do ambiente educativo e pela participação na aprendizagem em grupo,

contribuem para a tomada de consciência de valores espirituais e éticos e deste modo

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a organização do material deste ambiente deverá favorecer os valores estéticos. Assim,

é importante que o ambiente educativo, como o equipamento, material e decoração

corresponda a critérios estéticos que favoreçam a educação do gosto (Ministério da

Educação, 1997).

Inicialmente o material existente na cozinha foi fornecido pela estagiária e pela

educadora e consistia em panelas, tachos, bacias, copos, talheres de plástico, colheres

de pau, formas pequenas de pudim em alumínio, funis, escoadores de legumes, forma

de bolo, varas de arames, caixas plásticas, tabuleiros, pratos de plástico, uma mesa,

frigideiras, raspador de legumes e forma para bolos ou pudim. White (2014), no

Figura 5- Montagem da cozinha

Figura 6- Conclusão da montagem com o 2º grupo

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documento das orientações para conceber uma cozinha de lama, sugere que se

preencha o espaço com uma boa seleção de tachos, panelas, jarros, funis, utensílios de

pastelaria e de cozinha, bacias e recipientes. Mais tarde os pais contribuíram com mais

material para a cozinha, que ficou mais completa e com mais variedade de material para

as crianças puderem utilizar. As melhores cozinhas de lama são aquelas que têm a

melhor ambiente e personalidade, são criadas a partir de objetos encontrados,

recolhidos e oferecidos, em especial se são fornecidos pelas famílias das próprias

crianças. Interessa não gastar dinheiro, pois o que importa às crianças é que estes

utensílios vêm do mundo real, para ser utilizado no mundo físico real (White, 2014)

Todo o material levado para a cozinha era de plástico, de metal e de madeira.

Considerou-se que não deveria ser permitido material de porcelana e vidro nem objetos

cortantes como facas, à exceção das de plástico. Apesar das crianças contactarem com

este tipo de materiais em casa, por norma, estes não são utilizados em contexto de

brincadeira, mas sim no dia a dia. A preocupação com a segurança e ainda a falta de à

vontade com os limites do risco levou ainda a que não se colocassem as panelas ou

outro tipo de utensílios mais pesados na cozinha, pelo facto de poder cair no pé de uma

criança e magoá-la. Embora muitas educadoras pensem que o risco deva ser removido

em prol da proteção e segurança das crianças, este possui uma componente importante

que tem influência no desenvolvimento da criança (Tovey, 2011 cit. por Bento, 2013).

Segundo Bento, “A noção de risco não pode ser vista apenas como ameaça à saúde e

ao bem-estar do indivíduo, relacionando-se também de forma positiva, com atitudes de

empreendedorismo, inovação e aventura” (2013, p. 18). O risco deverá ser

compreendido, assimilado e minimizado para promover na escola uma cultura na qual

a noção do risco não seja excessiva, que origine uma paralisia e que não seja tão

diminuída que conduza à irresponsabilidade (CNE, 2011). Deste modo, a escola deve

educar para o risco, expondo-o não só como indício de algo correr mal, mas também

como indicador de sucesso em empreendimentos e iniciativas pessoais (CNE, 2011).

Segundo Bento (2013), o risco assume-se presente em experiências diversificadas de

aventura e desafio, como um fator potenciador de progresso e a excessiva segurança

como um perigo para esse mesmo progresso da criança. O risco na brincadeira tem um

relevante papel no desenvolvimento da criança, respondendo à sua natural curiosidade

e necessidade de estimulação (Christensen & Mikkelsen, 2008, cit.por Bento, 2013).

Apter (2007, cit. por Bento, 2013) defende que a busca de desafios por parte das

crianças é estimulada pela possibilidade de experienciar altos níveis de estimulação

positiva, que envolvem sentimentos de felicidade, entusiasmo, orgulho, medo e

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ansiedade. Apesar de aparentemente contraditórios, são estes os sentimentos que

fazem que o risco seja tão interessante, levando a que crianças permaneçam na tarefa,

superem o medo e vivam o entusiasmo quando dominam uma nova competência.

Segundo Smith (1998, cit. por Bento, 2013), as crianças têm consciência do risco, sendo

competentes a avaliar as situações e compreender quais as estratégias e competências

que detêm para enfrentar a situação.

O facto de as panelas serem pesadas não significaria que as crianças não

pudessem pegar nelas; o facto de pegar em algo mais pesado seria mais desafiante e

interessante; a criança testaria os seus limites e experienciaria o risco e algo diferente.

No projeto do Centro Infantil da Aguada de Baixo, as crianças pegam em materiais mais

pesados e neste caso são crianças mais pequenas. O risco não é totalmente removido,

ou seja, as educadoras permitem dentro de determinados limites, que as crianças

contactem com o risco e testem os seus limites, contribuindo deste modo para o

crescimento e desenvolvimento de competências das crianças. A decisão de permitir

que as crianças experienciem o risco é um processo complexo que exige por parte do

adulto uma consciência e reflexão sobre as ações da criança perante esse risco. É

importante que este decida de forma consciente até que ponto o risco não coloca em

causa a segurança das crianças. Ele tem de adotar uma atitude de interdependência

face à supervisão, ou seja, o adulto deve possibilitar que a criança contacte com risco,

mas com alguma supervisão por parte deste. Quando um adulto tem a capacidade de

gerir o risco de forma flexível e reconhece que este tem impacto no desenvolvimento da

criança, é possível prever que as vivências de desafio serão facilitadas e incentivadas

por parte da criança (Sandseter, 2000, Stephenson, 2003, cit. por Bento, 2013). Ao lidar

com o risco criança desenvolve a autonomia. É fundamental dar espaço à criança para

que esta teste os seus limites e tome decisões, de forma autónoma, de modo a perceber

do que á capaz ou não. No entanto, não invalida que o adulto não observe ou participe

ativamente na atividade (Bento, 2013). As crianças necessitam de ter oportunidades

para aprenderem a avaliar os riscos, pois devido às reduzidas experiências de vida que

possuem, podem precisar da ajuda de uma criança mais velha ou de um adulto para

lidar com a situação (Tovey, 2007, cit.por Bento, 2013). O risco deve ser entendido como

um elemento necessário na relação pedagógica entre o adulto e a criança, sendo

essencial analisar as situações de brincadeira arriscada tendo em conta a perspetiva da

criança (Smith, 1998, cit. por Bento, 2013).

No contexto desta cozinha de lama e tendo em conta que existiam mais salas

que poderiam também ir brincar para a cozinha, decidiu-se que as panelas pesadas

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seriam retiradas. Num projeto mais prolongado esta seria sem dúvida uma questão a

refletir e debater com outras educadoras, pois o contacto com o risco permite à criança

desenvolver competências. Como o tempo não possibilitou esta reflexão com as outras

educadoras decidiu-se remover as panelas.

Os utensílios de cozinha foram pedidos aos familiares das crianças através de

um recado que foi enviado para casa (anexo 3) e mais tarde, numa reunião de pais em

que se deu a conhecer o trabalho que os educandos estavam a desenvolver. O local

onde se ia construir a cozinha era de relva e esta não podia ser removida, pelo que foi

necessário trazer para o jardim de infância sacos com diferentes tipos de solo. Assim

as crianças tiveram a seu dispor solo rico em matéria orgânica, solo arenoso e solo

argiloso, que possuem propriedades diferentes, como a textura e a cor. A cozinha

necessita de um abastecimento amplo e acessível dos materiais básicos, como o solo.

Quanto mais se oferecer às crianças em termos de cor, textura, comportamento de

mistura mais possibilidades de exploração são oferecidas às crianças (White, 2014).

Pretendia-se que as crianças ao brincarem com estes tipos de solos pudessem

aprender conceitos de Geologia importantes para a construção de conhecimento

científico, necessário a futuras aprendizagens. Grande parte da atividade foi realizada

com o solo arenoso, por existir maior quantidade.

3.3. Brincar na cozinha

Cada grupo (entre 8 a 13 crianças, conforme o número de crianças presentes no

dia) deslocava-se à cozinha cinco vezes por semana por um período de

aproximadamente 50 minutos. Na primeira semana cada grupo foi à cozinha 2 dias pelo

motivo de estar a chover e na quarta semana foram apenas 3 dias, por terem outras

atividades curriculares agendadas. A constituição dos grupos variou em cada sessão.

As crianças começaram por explorar o solo e só mais tarde foi introduzida a

água. Nos primeiros dias, dedicaram-se mais à exploração dos materiais, ou seja, à

manipulação/exploração dos utensílios de cozinha: colheres, tachos, panelas,

frigideiras, recipientes de plástico…, e do solo; usando uma colher enchiam os

recipientes (panelas, tachos, frigideiras, caixas de plástico…) com solo e esvaziavam-

nos (figura 7). Estas ações de encher e esvaziar envolvem ações sobre objetos, que

constituem uma das experiências chave do modelo High/Scope. O ato de encher e

esvaziar são ações que permitem à criança ser capaz de construir e compreender as

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relações espaciais. O simples facto de encher e esvaziar é uma atividade satisfatória

para a criança em idade pré-escolar. Muitas encontram conforto e bem-estar nestes atos

de encher, esvaziar, decantar e despejar, uma vez que podem utilizar materiais.

Hohmann e Weikart (1997) Ao mesmo tempo, as crianças ganham experiência com a

ligação de objetos (encher) e a sua separação (esvaziar), ajudam a “ver os objetos como

separados ou unidos no espaço” (Flavell, 1963, cit. por Hohmann, & Weikart, 1997) e

ações que lhe são familiares enquanto observam o que acontece à sua volta. Muitas

vezes também mudavam o solo de um recipiente para outro e mexiam no solo com as

mãos ou com colheres e varas de arames. Recorriam regularmente ao solo para fazer

os seus cozinhados e doces, era muito raro não irem buscar solo ou brincar com os

utensílios (figura 7 e 8), como faziam na casinha das bonecas. Foi ainda observável

nesta fase que as crianças não tinham bem a noção do que queriam fazer e do que

precisavam e acabavam por ir buscar muitos utensílios para as mesas, não os utilizando

todos.

Figura 7- Crianças exploram o solo e manipulam objetos

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Nesta altura, os cozinhados eram ainda muito simples, apenas com recurso a

solo (figura 9).

Figura 9- Primeiros cozinhados feitos com solo

Figura 8- Crianças a encher recipientes, explorar o solo e os utensílios de cozinha

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Passadas duas semanas, as crianças evoluíram nas suas brincadeiras e nos

seus cozinhados. Já recorriam a outros elementos da natureza, como relva e folhas,

para juntar ao solo, que acabavam por transformar em sopas, bolos, sumos… (figura

10).

Foi também observável nesta fase a descoberta do peneirar, as crianças iam

deitando solo numa peneira e iam percebendo que este deixava passar as partículas

mais finas do solo, ficando as mais grosseiras na peneira (figuras 11).

Figura 10- Primeiros cozinhados com recurso a relva, folhas, abrunhos, paus...

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Uma vez que a peneira era só uma, as crianças encontraram outra solução para

o efeito que desejavam, utilizando assim outros utensílios, como coadores de legumes

e tampas de tachos com furos para conseguirem separar as partículas (figura 12).

Figura 11- Descoberta e uso da peneira

Figura 12- Recurso a um coador de legumes para utilizar como peneira

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Na terceira e quarta semana, as crianças passaram a fazer “cozinhados

empratados” (figura 13). As crianças passaram a utilizar dois novos utensílios, duas

formas de pudim e com uma forma de coração, e começaram a colocar solo dentro das

formas e a fazer bolos com formas. Tudo o que fosse formas de alumínio, recipientes

de plástico quadrados ou redondos, que não fossem de tamanho muito grande, serviam

para fazer os mais variados bolos e cozinhados.

Algumas das crianças, nomeadamente as mais velhas, evoluíram nas suas

brincadeiras, e passaram a decorar os bolos com diversos materiais, como flores de

plástico, paus, folhas (figura 14). Algumas crianças utilizavam o peneiro para tornar o

solo mais fino e utilizavam esse solo nos seus cozinhados, que no final decoravam com

os pequenos fragmentos de rocha que tinham ficado retidos no peneiro.

Figura 13- Cozinhados "empratados"

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Na quarta semana de observação, a água foi introduzida inicialmente com

borrifadores. A novidade suscitou a curiosidade e o interesse das crianças. Quando

foram introduzidos os borrifadores, as crianças gostavam de borrifar os seus

cozinhados, de encher os recipientes com água ou de fazer misturas da água com solo.

A poucos dias do fim do tempo de observação, foi fornecido às crianças um bidão

de 10 litros de água com uma torneira. As crianças com este novo recurso aproveitaram

para fazer papas, cozinhados, misturar água com solo ou simplesmente encher os

recipientes com água e transportá-la de um lado para o outro (figura 15).

Figura 14- Cozinhados “empratados” e decorados

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É de salientar que no final de cada momento de brincadeira na cozinha de lamas,

a higiene era assegurada, com a lavagem das mãos e limpeza da roupa e calçado.

Brincar na cozinha de lama faz com que as crianças se envolvam numa

extraordinária variedade de ações, encher, deitar (derramar), esvaziar, transferir, mexer,

agitar, carregar, manipular, moldar, bater, amolecer, atirar, espalhar, borrifar, repartir,

Figura 15- Brincadeiras com água e solo

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servir, alisar, selecionar, apanhar, colecionar, escavar, recolher, triturar, guarnecer,

misturar, esmagar, moer, ralar, medir, acrescentar, ferver, peneirar, filtrar, separar,

pipetar e decantar (White, 2014). Tendo em conta o que afirma a autora, verificou-se

que na cozinha de lama criada para esta investigação, as crianças também se

envolveram numa incrível variedade de ações que coincidem na maioria com as que a

autora lista.

Esta cozinha teve como suporte de ajuda algumas das orientações para fazer

uma cozinha de lama de escritas por White (Anexo 4).

3.4. Jogo faz de conta/criações

O jogo faz de conta é uma brincadeira com a qual as crianças aprendem muito

e mostram-nos bastante sobre as suas vivências. Segundo Vygotsky (1998), as

brincadeiras faz de conta são recreações da vida real, que vão-se tornando cada vez

mais complexas ao longo do tempo, acompanhando o desenvolvimento da criança. No

jogo faz de conta, a criança viaja no mundo dos adultos, vivenciando situações do dia a

dia, começando a entender o mundo, as suas responsabilidades e papéis. Neste tipo de

brincadeiras, a criança aprende a sentir-se no papel do outro, a trabalhar em grupo e a

partilhar as suas ideias. As crianças aprendem também a cumprir regras, a desenvolver

a linguagem, aprendendo novo vocabulário. O mundo do faz de conta é sem dúvida o

mundo da aprendizagem e desenvolvimento da criança.

Desta forma, a cozinha de lamas foi um projeto no qual as crianças puderam

brincar, aprender, partilhar e viajar no mundo dos adultos, recreando algumas vivências

do seu dia a dia. A cozinha de lamas permitiu que as crianças dessem asas à sua

imaginação e criatividade, criando e preparando os variados e elaborados cozinhados,

sobremesas, bebidas, entre outros. Neste contexto, o jogo faz de conta esteve sempre

presente a partir do momento em que as crianças se dirigiam para a cozinha para brincar

nela. O jogo foi tendo várias dimensões com as diversas crianças, isto é, para algumas

foi evoluindo do mais simples para o mais complexo. Inicialmente só faziam cozinhados

ou sobremesas e mais tarde já os levavam ao forno ou fogão, davam a provar aos

colegas, criavam uma confeitaria de bolos, festejavam aniversários, distribuíam o bolo

e ofereciam prendas. Por outro lado, e sobretudo algumas crianças mais novas,

permaneceram sempre no mesmo tipo de brincadeira que era fazer um bolo ou um

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cozinhado, deitar o solo num recipiente e mexer, mantendo-se nessa atividade por muito

tempo. Foram várias as situações nas quais as crianças viajaram no mundo dos adultos,

determinando papéis: “temos de planear quem vai cozinhar” (M, sexo masculino, 5

anos), “eu sou o pai, eu sou a mãe, eu sou a irmã, eu sou a avó, eu sou a filha” (várias

crianças, entre os 4 e 5 anos, sexo feminino e masculino). Outras situações, que

representaram estas vivências da vida real, passavam pela distribuição da mesa,

colocação de pratos e colheres para a sopa e servir os pratos. Em determinada ocasião,

ouviu-se uma criança a chamar os colegas para a mesa, dizendo “está na hora da

comida”. Num dado momento em que brincavam na cozinha, um grupo de três crianças

de 5 anos criaram a pastelaria, e faziam e decoravam bolos para vender aos colegas.

Uma criança colocou os bolos no forno (figura 16), imaginou os bicos do fogão e

rodou-os como se estivessem lá, depois pegou numa luva para tirar os bolos do forno

(o fogão era uma caixa virada para baixo com dois pratos onde colocavam as panelas,

tachos).

Outra das situações que revelou evolução, foi festejar os anos depois de fazer o

bolo. Não se limitavam apenas a fazer o bolo, enfeitavam-no, colocavam as velas,

comiam-no e ofereciam a prenda. Para além dos bolos, fizeram também manteiga, que

davam a provar em torradas e vendiam-na.

Foram, sem dúvida, inúmeras as vezes em que as vivências do mundo real

apareceram neste contexto. Muitas das situações e o que criavam, estavam

Figura 16- Criança a colocar os bolos no forno improvisado

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relacionadas com o que vivenciam na vida real ou no contacto direto do dia a dia ou

através da televisão, internet, entre outros

Uma criança do sexo masculino, de 5 anos, disse a determinado momento que

ia fazer sopa para vários dias, o que remete para o que muito provavelmente acontece

na sua casa, para o que vivencia, na sua vida real e que representa no seu mundo faz

de conta. É de salientar que os sumos, bebidas, doces e cozinhados eram elaborados

com os utensílios disponíveis, com paus, pequenas rochas, solo, folhas, flores, entre

outros.

Os cozinhados foram inúmeros e criativos: sopa de cenoura, de ervilhas, de

alface, bolo de limão, bolo chocolate, bolo de morango, gelatina em puré, bolo de

batatas fritas, sumo, cereais estrelitas, manteiga, cerveja para o pai, bolo de maçã, café,

papa de chocolate, gelatina, manteiga, massa, pudim de morango, pudim de chocolate,

mousse, entre outros…

A cozinha apesar de oferecer uma variedade de ações, também proporciona

uma gama de possíveis experiências, tais como ordenar, classificar, cozinhar,

transformar, criar, investigar, testar, repetir, experimentar, denominar, rotular, decorar,

vender e usar (White, 2014).

Na última semana de observação foi questionado às crianças o que gostariam

de ter na cozinha e estas responderam que gostavam da cozinha assim, tendo uma

referido que gostava de ter um avião. Quando questionadas sobre se tinham gostado

de brincar na cozinha, as respostas foram unânimes: “gostei”, “gostei muito”, “adorei”.

Quando as crianças foram questionadas acerca do que tinham gostado mais as

respostas foram, “gostei mais do solo, “gostei de tudo”, gostei mais de brincar com a

água”. Quanto ao questionamento acerca do que aprenderam, as crianças responderam

que tinham aprendido que água com solo origina lama e que “terra” também se pode

designar por solo e que à “pedra” pode dar-se o nome de “rocha”.

3.5. Conflitos e resolução dos mesmos

Quando a criança brinca com outras crianças, muitas das vezes o conflito surge,

porque querem brincar com o mesmo brinquedo, ou porque uma tirou o brinquedo à

outra, entre outros. É inevitável que ocorra o conflito onde ocorre a livre interação

pessoal (Devries & Zan, 1998). No decurso desta investigação, surgiram também alguns

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conflitos entre as crianças. O primeiro conflito aconteceu porque o solo não era

suficiente para o tipo de brincadeiras/cozinhados que eles queriam e, por vezes, iam

retirar solo dos recipientes dos colegas. Nestas situações, chamava-se a atenção às

crianças e era explicado que como o solo era pouco tinham apenas que brincar com o

que tinham no seu recipiente. Por vezes, os colegas que tinham mais solo partilhavam-

no com os outros colegas. Este conflito resolveu-se rapidamente com a existência de

mais solo. Outros conflitos surgiram pelo facto das crianças terem preferência e

interesse por determinados utensílios e estes não serem suficientes, como era o caso

das varas de arames, peneiro, forma de pudim, tabuleiro de metal retangular e mais

tarde os borrifadores. O que acontecia nestes casos, é que mais do que uma criança

queria ter esse utensílio. Nestes casos, o adulto negociava com as crianças a utilização

dos utensílios, ou seja, num momento usava um e depois emprestava ao colega.

Procurou-se então levar para a cozinha mais utensílios, como formas de bolos e pudins,

mais borrifadores, para que a oferta de utensílios mais desejados fosse maior e os

conflitos terminassem. É importante nestas situações não tomar partido, mas ajudar as

crianças a compreender o ponto de vista das outras e a reconhecer o sentimento das

outras. Nestes momentos, o docente exerce um papel fundamental de mediador,

ajudando as crianças a tornarem as suas ideias mais claras, repetindo-as e ajudando-

as a trocar ideias e sentimentos (Devries & Zan, 1998).

3.6. Interações criança-criança e criança-adulto na cozinha de

lama

Brincar na cozinha de lama é uma atividade muito importante para a interação

entre crianças e também entre crianças e adultos, pois permite que a criança

experimente as interações, ao imaginar o que vai brincar com os outros, ao distribuir

papéis e a resolver conflitos que podem acontecer neste tipo de brincadeira. As relações

sociais que as crianças estabelecem com os colegas e com os adultos são

extremamente importantes, pois é a partir destas relações que as crianças em idade

pré-escolar concebem a sua compreensão sobre mundo social (Hohmann & Weikart,

1997).

Durante o tempo de observação, procurou-se que cada grupo de crianças que ia

brincar para a cozinha, fosse variando em termos de idades e relações de proximidade,

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para percebermos como eram as interações entre as crianças nesta nova área de

interesse. Ao longo dos diversos momentos de brincadeira, conseguimos verificar que

existiram diversificados tipos de interação. As crianças de 5 anos brincavam com as da

mesma idade, as irmãs gémeas gostavam muito de brincar juntas, as de 4 anos

brincavam ou com as de 3 ou 4 anos e as crianças de 3 anos brincavam muitas vezes

sozinhas.

Verificou-se em grande parte dos momentos de brincadeira que, quando as

crianças tinham os amigos mais próximos, brincavam com eles; caso isso não

acontecesse brincavam sozinhas ou então ao longo dos momentos de brincadeira

procuravam outros colegas para se juntarem. A escolha dos pares pelas crianças é

seletiva, pois como afirmam Ladd e Coleman (2002), elas preferem quase sempre

crianças aproximadamente da mesma idade, do mesmo sexo, e etnia. Segundo Ladd e

Coleman (2002, p.141), “os comportamentos sociais positivos estão relacionados com

a aceitação pelos pares e os comportamentos negativos e antissociais estão

relacionados com a rejeição.” As crianças de 3 anos eram as que mais tempo se

mantinham a brincar sozinhas, mas por vezes também brincavam com outros colegas

da mesma idade e em alguns momentos com crianças mais velhas. Estes tipos de

interações são fundamentais para o desenvolvimento da criança, pois “vão ajudar o

outro a socializar-se e a aprender sobre si e sobre os outros, vão ajudá-la a perceber o

mundo” (Matta, 2001, p.315). Ao interagirem umas com as outras, as crianças estão a

estabelecer relações de cooperação, confronto, busca de consenso (Oliveira, 2002).

Quando as crianças fazem parte de um grupo e aceitam brincar com outras crianças de

idade distinta da deles e de menor afinidade estão a demonstrar interesse pelo outro,

estão a aprender e a desenvolver-se consoante as características e capacidades de

cada um. Nestas interações, as crianças podem ajudar-se mutuamente a superar

dificuldades.

As interações com os adultos, neste caso mais concretamente com a estagiária,

foram constantes. As crianças gostavam de pedir ao adulto ajuda para fazer bolos ou

desenformar bolos, gostavam muito de preparar um bolo e de cantar os parabéns ao

adulto e dar a provar os doces ou comidas que preparavam. O bolo era feito de solo e

enfeitavam-no com elementos naturais como flores, relva, folhas, pequenas rochas e as

velas que eram representadas por colheres de pau, ou paus. No fim, as crianças

gostavam ainda de agradar o adulto com um presente fictício. O presente geralmente

vinha dentro de uma caixa de plástico com solo dentro. As crianças gostavam muito de

interagir com o adulto, pois notava-se o entusiasmo, o gosto e a vontade que tinham em

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preparar o bolo, cantar os parabéns, presenteá-lo com um presente e também dar a

provar os seus cozinhados ou sobremesas. As crianças manifestavam alegria e bem-

estar nesses momentos e sem dúvida que esse sentimento é uma mais valia para a

criança e para o adulto; a criança implica-se, sente gosto, aprende, cresce e desenvolve-

se e o adulto sente-se feliz, competente, realizado por estar a contribuir para o

desenvolvimento e bem-estar da criança e um aprendiz por perceber o modo como a

criança interage e reage a este tipo de brincadeira. Estas interações são importantes

para o desenvolvimento da criança, pois notou-se que as crianças sentiam confiança,

respeito e liberdade para brincar e partilhar com o adulto as suas brincadeiras. Ao adulto

cabe o papel de brincar com as crianças e alinhar nas suas brincadeiras, pois as

crianças irão sentir-se mais motivadas e confiantes na relação e interação com este.

3.7. Envolvimento e Bem-Estar Emocional

Com base nos níveis e indicadores de implicação observados ao longo dos vários

momentos da cozinha de lamas criou-se uma tabela (tabela 2) no qual estão os níveis

de implicação registados para cada criança nos diferentes dias.

Tabela 2- Registos de níveis de implicação por criança (sexo, idade) e por data

21/04

23/04

11/05

12/05

13/05

14/05

15/05

18/05

19/05

20/05

21/05

22/05

25/05

26/05

27/05

Cr. 1/M/5 MA MA MA N/A MA MA MA N/A MA N/A MA A MA MA MA

Cr. 2/F/5 MA MA MA N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A

Cr. 3/F/5 MA MA MA MA N/A MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 4/M/5 MA MA N/A MA MA MA N/A N/A MA N/A A MA MA MA MA

Cr. 5/F/5 MA MA N/A MA N/A MA N/A N/A MA N/A MA MA A MA MA

Cr. 6/F/5 MA MA MA N/A MA A MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 7/M/5 MA MA N/A MA MA MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 8/M/5 MA A MA N/A MA A MA N/A MA N/A A N/A MA MA MA

Cr. 9/M/4 MA A MA N/A MA MA MA MA MA MA MA A MA MA MA

Cr.10/F/4 MA MA N/A A MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA

Cr.11/F/4 MA A N/A MA MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA

Cr.12/M/4 MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.13/M/4 MA MA MA N/A N/A MA MA MA A MA MA A MA N/A MA

Cr.14/M/4 MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA A MA MA A MA MA

Cr.15/M/4 MA A MA N/A MA MA MA MA MA MA N/A MA MA MA MA

Cr.16/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA N/A N/A MA

Cr.17/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA N/A MA MA MA

Cr.18/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.19/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.20/M/3 MA MA N/A N/A MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

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Cr.21/M/3 MA MA MA N/A MA MA A MA MA MA A MA MA N/A MA

Cr.22/M/3 MA MA N/A MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

Cr.23/F/3 MA MA MA N/A MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

Cr.24/M/3 MA MA A N/A MA MA MA MA MA A MA MA MA MA MA

Cr.25/F/3 MB MB N/A M M A N/A A A A MA MA MA MA MA

MA – Muito alto, A – Alto, M – Médio, B – Baixo, MB – Muito Baixo, N/A – sem registo

Uma vez que a maneira mais económica e conclusiva para avaliar a qualidade

em qualquer contexto de ensino, segundo Laevers (1994), é atender a duas dimensões

implicação e bem-estar emocional, faz sentido perceber como as crianças se implicam

neste tipo de contexto, mas por outro lado, observar também os seus níveis de bem-

estar nestes momentos de atividade. O conceito de envolvimento está diretamente

ligado ao conceito de bem-estar. Sem bem-estar torna-se pouco provável que haja

envolvimento, uma vez que a criança não tem as suas necessidades básicas satisfeitas

e, deste modo, não se apresenta disponível para se dedicar por completo a uma

determinada atividade ou estímulo (Laevers et al., 1997). Quando uma criança se

apresenta envolvida está a experienciar uma oportunidade de aprendizagem profunda,

intensa, motivada e duradoura (Laevers, 1994) Deste modo criou-se também uma tabela

(tabela 3), com os níveis de bem-estar observados em cada criança, nos diferentes dias

que brincaram na cozinha de lamas.

Tabela 3- Registos de níveis de bem-estar por criança (sexo, idade) e por data

21/04

23/04

11/05

12/05

13/05

14/05

15/05

18/05

19/05

20/05

21/05

22/05

25/05

26/05

27/05

Cr. 1/M/5 MA MA MA N/A MA MA MA N/A MA N/A MA A MA MA MA

Cr. 2/F/5 MA MA MA N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A N/A

Cr. 3/F/5 MA MA MA MA N/A MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 4/M/5 MA MA N/A MA MA MA N/A N/A MA N/A A MA MA MA MA

Cr. 5/F/5 MA MA N/A MA N/A MA N/A N/A MA N/A MA MA A MA MA

Cr. 6/F/5 MA MA MA N/A MA A MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 7/M/5 MA MA N/A MA MA MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA MA

Cr. 8/M/5 MA A MA N/A MA A MA N/A MA N/A A N/A MA MA MA

Cr. 9/M/4 MA A MA N/A MA MA MA MA MA MA MA A MA MA MA

Cr.10/F/4 MA MA N/A A MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA

Cr.11/F/4 MA A N/A MA MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA

Cr.12/M/4 MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.13/M/4 MA MA MA N/A N/A MA MA MA A MA MA A MA N/A MA

Cr.14/M/4 MA MA N/A MA N/A MA MA MA MA A MA MA A MA MA

Cr.15/M/4 MA A MA N/A MA MA MA MA MA MA N/A MA MA MA MA

Cr.16/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA N/A N/A MA

Cr.17/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA N/A MA MA MA

Cr.18/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.19/F/3 MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA MA

Cr.20/M/3 MA MA N/A N/A MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

Cr.21/M/3 MA MA MA N/A MA MA A MA MA MA A MA MA N/A MA

Cr.22/M/3 MA MA N/A MA MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

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Cr.23/F/3 MA MA MA N/A MA MA MA N/A MA MA MA MA MA MA MA

Cr.24/M/3 MA MA A N/A MA MA MA MA MA A MA MA MA MA MA

Cr.25/F/3 MB MB N/A M M A N/A A A A MA MA MA MA MA

MA – Muito alto, A – Alto, M – Médio, B – Baixo, MB – Muito Baixo, N/A – sem registo

A partir dos dados das tabelas relativos aos níveis de implicação e bem-estar

das crianças em cada sessão que estiveram a brincar na cozinha, podemos verificar

que, de um modo geral, as crianças atingiram níveis muito altos de implicação e bem-

estar nas atividades. É possível aferir que existiu uma criança que atingiu níveis muito

baixos no início, mas que foi evoluindo ao longo das sessões. Esta criança, no início, só

olhava e não interagia com o grupo. Foram várias as tentativas, por parte da estagiária,

para a incentivar a brincar com os colegas ou até com a estagiária, mas a criança

preferiu ir para dentro da sala. Na segunda sessão, a criança continuou com um nível

muito baixo, olhando para os outros no vazio e evidenciando sinais de pouco interesse.

Nas sessões seguintes, a criança já se envolveu mais na atividade, mas não se foi

verificando muita intensidade naquilo que estava a fazer, ou seja, notava-se pouca

energia e não existia uma entrega direta neste tipo de brincadeira, mesmo sendo dado

algum incentivo por parte da estagiária e colegas que a chamavam para brincar e fazer

bolos. Porém, mais tarde e ao longo das outras sessões, a criança foi atingindo níveis

mais altos e muito altos de implicação, já brincava de forma intensa e motivada e era

visível, através do seu rosto, a sua felicidade e alegria. A criança estava implicada,

concentrada e não se distraia facilmente, permanecendo na atividade por muito tempo.

Relativamente às outras crianças, de um modo geral, foram sempre atingidos

níveis altos e muito altos em todas as sessões e durante o tempo que estavam a ser

observadas. Notava-se que as crianças estavam felizes e gostavam daquilo que

estavam a fazer permanecendo durante muito tempo na atividade. Quando a estagiária

dizia “vamos arrumar” a resposta era sempre ”nãããããooooo”, o que denotava que as

crianças estavam a gostar e desfrutar da atividade. Em alguns momentos foi escutado

algumas crianças a proferirem palavras de satisfação e divertimento “isto está a ser tão

divertido” (cr.5/F/5), “isto foi uma excelente ideia” (cr.6/F/5), “que boa vida, podia-me

habituar a isto. Parece que estou na praia” (“porquê?”), “então temos água e podemos

fazer bolos com terra” (cr.6/F/5), “isto é muito fixe” (cr.14/M/4).

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É de salientar que no decurso do estágio, uma criança evidenciou nesse tempo

níveis de implicação e bem-estar baixos, o que neste contexto de cozinha de lama, não

aconteceu. A criança manteve-se envolvida, implicada, autónoma divertida e alegre ao

brincar na cozinha. Os seus níveis foram altos e muito altos e acima de tudo o seu rosto

irradiava alegria e satisfação nas brincadeiras.

Neste contexto, observou-se também outra criança que não gostava de

experiências sensoriais, nomeadamente, envolver as mãos em tinta ou massas; neste

contexto da cozinha de lama, a criança mexeu no solo e em lama sem qualquer

problema e demonstrou alegria e diversão ao fazê-lo.

Os momentos em que estiveram na cozinha de lamas foram de intensa atividade

mental e as crianças foram-se sentindo desafiadas e a sua imaginação estimulada.

Envolveram-se nas atividades praticamente sem interrupções. Facilmente iniciavam

uma atividade na cozinha, como fazer um bolo ou outra coisa e ficavam totalmente

absorvidas e motivadas. Exemplo claro disso foi uma criança de 3 anos do sexo feminino

que foi passando solo de uns recipientes para os outros, implicada, ativa e sem

interrupções; colocou inicialmente solo num fervedor, depois passou-o para o recipiente

do sal, depois para um tacho, de seguida juntou água, voltou a deitar no recipiente do

sal, depois num tacho, seguidamente numa forma de pudim, passou para a forma do

bolo e por fim para o recipiente de furos. A elevada implicação verificada nestas crianças

era expressa em elevada concentração, energia, persistência e criatividade. Muitas

vezes, outros estímulos, mesmo que atrativos, não conseguiam aliciar a criança a

eventuais interrupções, sendo então as brincadeiras seguidas de intensa atividade.

Verificaram-se momentos de grande alegria, vitalidade, abertura, tranquilidade,

energia, que se fizeram sentir nos diferentes dias. As crianças demonstravam rostos

felizes e sentiam-se bem e divertidas. Em certos momentos as crianças corriam na relva

porque se sentiam contentes e livres por estar ao ar livre. Quando surgiram os

borrifadores, as crianças lançavam água aos colegas e a alegria, diversão e entusiasmo

que transmitiam ao brincar uns com os outros era sem dúvida carregada de bem-estar

emocional. Estes momentos foram uma “lufada de ar fresco” para a estagiária, pois a

sensação de que estamos a permitir que as nossas crianças aprendam, brinquem e

sejam felizes, sobretudo no contacto com o ar livre e no contacto com a natureza, é a

melhor meta que um educador pode cortar. Certamente que as melhores memórias que

cada criança tem são aquelas que se sentiu livre e feliz e normalmente essas memórias

são vividas no contacto com o espaço exterior. Este espaço é um forte potenciador de

imagens, lembranças e aprendizagens significativas que jamais sairão do álbum da vida.

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É de salientar que nem sempre as crianças tiveram vontade de ir para a cozinha

brincar e então preferiram ficar a brincar dentro da sala. A decisão das mesmas foi

respeitada. Foram poucas as vezes que estas situações aconteceram, mas

provavelmente nesses dias a vontade e o interesse destas situava-se noutra área de

interesse da sala e não propriamente no brincar na cozinha de lamas.

3.8. Cozinha de lama e a aprendizagem de conceitos de geologia

Brincar na cozinha de lamas é uma atividade com muito valor emocional, pessoal

e social e oferece o contexto para a aprendizagem de uma variedade de vocabulário

conceitos ligados à Geologia.

Ao longo do tempo de observação, foram vários os momentos em que se

ouviram as crianças pronunciar os termos “terra” e “pedra”. Quando estes termos

surgiam, era explicado que, segundo os cientistas, o termo correto para designar a

“terra” era solo e para “pedra”, era rocha e que as “pedras mais pequenas” eram

fragmentos ou pedaços de rocha. Martins et al. (2009) referem que:

a utilização de uma linguagem cientificamente adequada com crianças pequenas pode

influenciar o desenvolvimento de conceitos científicos. A linguagem pode ser

considerada como mediador principal de todas as funções mentais e, portanto,

condição essencial para o crescimento cognitivo. Sendo uma ferramenta valiosa na

teorização da experiência de cada um, a linguagem usada, no contexto de exploração

com as crianças de um dado fenómeno, deve ser simples, mas rigorosa do ponto de

vista científico. Caso contrário poder-se-á, ainda que inconscientemente, fomentar a

construção de conceções alternativa (p.13).

No decurso das atividades na cozinha de lamas, procurou-se complementar o

discurso das crianças com terminologia científica, mas não se verificou grande

apropriação dos novos termos. Este facto poderá ser justificado pelo tempo reduzido

em que decorreu a atividade. As crianças sabiam o que era o solo e as rochas, mas não

utilizavam estes termos naturalmente nos seus diálogos. Curiosamente, o termo rocha

foi utilizado corretamente em algumas situações. O conceito de textura foi experienciado

pelas crianças quando peneiravam o solo e as partículas mais grosseiras ficavam

retidas no peneiro enquanto o solo peneirado ficava mais fino, isto é, constituído por

partículas com dimensões menores do que a malha do peneiro.

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No início da atividade, as crianças trabalharam com três tipos de solo e

aperceberam-se que estes apresentavam cores diferentes.

A composição do solo relativamente à componente orgânica e inorgânica foi

também percecionada pelas crianças ao separarem os pedaços de caule (que

designavam por paus) e folhas das partículas minerais do solo.

A mistura da água com o solo permitiu verificar que a água ficava castanha,

apenas durante algum tempo, enquanto as partículas mais finas ficavam em suspensão.

Apesar de terem utilizado água e solo, as crianças não experienciaram a forma como

os diferentes tipos de solo se deixavam atravessar pela água.

No que se refere ao conceito de consistência, as crianças não fizeram qualquer

referência à existência de torrões.

Em contexto do dia a dia na Educação Pré-Escolar, o brincar na cozinha de

lamas poderá constituir um bom momento para os educadores explorarem com as

crianças os conceitos de Geologia, que são a base para aprendizagens

progressivamente mais complexas.

3.9. Cozinha de lama: elementos fundamentais

As crianças são seres muito curiosos em relação ao mundo que as rodeia e a

natureza e os espaços exteriores são condutas de curiosidade e aprendizagem para

estas. No período de estágio, foi visível no tempo de recreio o interesse que as crianças

tinham em brincar e correr na relva, em fazer brincadeiras com as folhas secas que

caíam das árvores, o desejo em mexer nas poças de água que se formavam no espaço

relvado quando chovia. Nesses momentos, notava-se nas crianças e na sua

movimentação pelo espaço, um sentimento de alegria, de descoberta, um sentimento

de liberdade e muita energia. Os rostos das crianças não poderiam ser mais genuínos

e transparentes carregados de sensações positivas no contacto e exploração da

natureza.

Desta forma, proporcionar às crianças brincar no exterior vai permitir que estas

aprendam e desenvolvam e que tenham contacto com um contexto diferente do interior.

A cozinha de lamas é um projeto que permite inúmeras aprendizagens e desafios para

as crianças. É uma área de interesse que proporciona o desenvolvimento de muitas

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capacidades, superação de desafios e oferece liberdade para as crianças explorarem,

brincarem, criarem, imaginarem e acima de tudo conhecerem e aprenderem.

A cozinha de lamas não precisa ser muito complexa. Criar uma cozinha requer

um conjunto de elementos essenciais, sendo que o primeiro passo deverá ser escolher

um espaço exterior propício à descoberta, exploração, bem-estar e aprendizagem,

rodeado se possível, de elementos naturais como árvores, relva, ervas, solo,

rochas…Tal como o nome indica, “cozinha de lama”, significa brincar com lama, que é

a junção de água e solo e como tal, a água e o solo são dois ingredientes fundamentais

num projeto destes. Relativamente ao solo, se o espaço escolhido já tiver solo as

crianças poderão brincar com esse solo, caso contrário, como aconteceu neste projeto,

em que o espaço era relvado e não era possível retirar solo, é necessário colocar no

espaço solo suficiente para as crianças brincarem. Dispor na cozinha de lama outros

tipos de solo, como areia, solo mais argiloso ou arenoso, constitui uma mais valia para

as aprendizagens das crianças, pois, além de suscitar interesse por ser um tipo de solo

diferente, as crianças poderão perceber que o solo pode ter diferentes propriedades,

essencialmente no que diz respeito à cor e textura. Assim, poderemos chamar a

cozinha, “cozinha de lamas”, pois as crianças terão acesso a mais do que um tipo de

lama diferente.

A água é um elemento que suscita curiosidade e interesse por parte das

crianças e que estimula a sua exploração. Quando a água foi introduzida na cozinha, as

crianças gostavam muito de encher e esvaziar recipientes, misturar solo com água,

transportar a água para outros lugares e borrifar os bolos com água. A água fornecida

para este projeto começou por ser utilizada através de borrifadores de água, que eram

utensílios que necessitavam de pouca água e mais tarde foi fornecido um bidão de 10

litros, que era enchido com água da torneira. A água é um elemento que se esgota

facilmente neste tipo de brincadeira, por suscitar bastante interesse, curiosidade e como

tal as crianças recorrem constantemente à água para fazer as suas brincadeiras. Desta

forma, se a água tivesse sido introduzida logo no início do projeto e este se tivesse

prolongado no tempo, os gastos e desperdícios seriam elevados e não estaríamos a ser

conscientes e responsáveis face à educação ambiental. Como tal, aconselha-se a

recorrer a outro tipo de estratégia para que tal não aconteça, como por exemplo,

aproveitar a água da chuva num depósito ou bidões grandes de plástico, que podem ser

facilmente adaptados com torneiras para as crianças poderem usufruir deste recurso.

Desta forma, poupa-se água potável e os seus gastos e reaproveita-se a água da chuva,

que serve perfeitamente para as brincadeiras das crianças.

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Para construir uma cozinha de lama, é fundamental preencher o espaço com

diversos utensílios. Os utensílios podem ser fornecidos pelos familiares ou amigos, que

poderão ter nas suas casas materiais que já não usem e que poderão facultar para as

crianças brincarem. Os materiais para um projeto destes podem ser desde recipientes

de plástico, panelas, frigideiras, conchas, colheres, formas de bolos, bacias…). Uma

mesa ou mais para as crianças produzirem as suas brincadeiras é também importante,

pois é um apoio para colocar os materiais e para além disso, servirá para outro tipo de

brincadeira, e.g. servir a comida aos colegas, comer, entre outros.

Importa fundamentalmente que as crianças tenham bastante material à sua

disposição para que a oferta de material seja suficiente para as crianças. Quando o

material ficar danificado, deverá ser retirado e substituído por outro. Muitas das vezes

acontece que as crianças interessam-se por determinados materiais, como aconteceu

neste projeto, a vara de arames, forma de pudim, peneiro, e como a oferta destes

materiais é menor, acabam por gerar conflitos entre as crianças. Desta forma, para

evitar estes entraves, deveremos tentar fornecer mais materiais destes. Se não for

possível, poderá negociar-se com as crianças a utilização destes materiais, explicando

que todos poderão brincar, mas em momentos diferentes. Neste projeto, os conflitos

surgiram, mas foram-se resolvendo, com a explicação que poderiam brincar noutro

momento com esses utensílios. As crianças acabavam por compreender e no decorrer

do projeto estes conflitos já não surgiam. Os materiais deverão estar todos ao alcance

das crianças e num espaço próprio de arrumação, para poderem retirá-los do lugar e

coloca-los novamente no lugar sem que seja necessário o adulto intervir.

No decorrer deste projeto, surgiu a necessidade por parte de algumas crianças,

de um fogão para cozinhar os bolos; nesse momento, com a ajuda do adulto e das

crianças procurou-se solucionar o problema, questionando o grupo de crianças sobre o

que poderia ser utilizado para fazer de fogão. Como as crianças não encontraram

nenhuma solução, o adulto sugeriu que improvisassem o fogão com uma caixa de

plástico que lá se encontrava. Assim, colocou-se o cesto de plástico virado ao contrário

e uns pratos também virados ao contrário, que serviram de bicos de fogão e o problema

resolveu-se. O forno chegou a ser improvisado por baixo desse mesmo cesto. A cozinha

de lamas permite isto mesmo, que se dê resposta aos desafios, encontrando solução

para os mesmos; se as crianças não encontrarem a solução, cabe ao adulto auxiliá-las

nessa tarefa. Deste modo, pensamos que é necessário e faz sentido ter um fogão na

cozinha. Mesmo que este seja improvisado, é fundamental ter um para as crianças

fazerem os seus cozinhados se assim preferirem. Nem sempre as crianças o utilizaram.

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Muitas delas fizeram os seus cozinhados sem recorrem ao fogão. Mas importa ter um

para o caso das crianças que queiram fazê-lo. Embora se possa improvisar um fogão,

poderemos tentar ao invés disso, facultar para a cozinha um micro-ondas, um fogão ou

um forno. Importa neste caso que não esteja muito degradado ou com ferrugem, para o

caso de as crianças não se magoarem e não terem contacto com a ferrugem.

Ao longo do projeto, apercebemo-nos que as crianças tinham necessidade de

se sentarem. Na maior parte das vezes, quando as crianças sentiam necessidade de

sentar-se, faziam-no na relva ou encontravam outras soluções, como por exemplo,

sentar-se em cima das panelas. Assim, aconselha-se a equipar a cozinha com algum

material para as crianças se sentarem, como por exemplo pneus, bancos de plástico ou

bancos construídos com paletes.

Relativamente à roupa para este tipo de atividade, aconselha-se a que as

crianças tenham uns aventais de plástico ou uns fatos de plástico ou outro tipo de

material, assim como um calçado extra para o caso de se sujarem ou molharem.

Por fim, a arrumação do material e limpeza dos utensílios são aspetos

fundamentais a explicar às crianças, para assegurar que o espaço fique limpo e

arrumado para uma próxima utilização. As crianças neste contexto espalham os

materiais por todo lado e usam muitos utensílios e assim torna-se fundamental que

exista arrumação para que numa próxima vez que brinquem o acesso ao material seja

mais fácil e com boa visibilidade.

Importa ainda referir que é essencial assegurar a higiene das crianças depois de

brincarem, pois, o contacto com o solo, a relva, as ervas fazem com que as crianças

fiquem com as mãos e a cara sujas e desta forma devemos ter cuidado em assegurar a

higiene e saúde das crianças.

4. Cozinha de lama: aprendizagens fundamentais ao desenvolvimento

da criança

Ao longo de todo o tempo de observação, apercebemo-nos que brincar na

cozinha de lama traz bastantes contributos para as crianças.

As crianças neste tipo de brincadeira atingem níveis altos de bem-estar e

implicação, que são cruciais para o seu desenvolvimento. A cozinha permite que as

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crianças brinquem, cooperem com os outros, partilhem brincadeiras e ideias, resolvam

conflitos, dialoguem, sejam criativas e interajam com outras crianças e com os adultos.

O brincar faz de conta assume-se com um papel relevante nesta atividade, pois

as crianças dão asas à sua imaginação e criatividade para as variadas brincadeiras.

Para além disso as crianças assumem papéis e trazem para o contexto de brincadeira

situações da vida real, como cozinhar, colocar a mesa, fazer sopa para vários dias, criar

uma pastelaria, que são ações que as crianças estão habituadas a vivenciar no seu dia

a dia. A criança neste contexto está em contacto com uma grande diversidade de

materiais que oferecem diferentes possibilidades, que permitem experimentar e

exercitar o seu corpo e a sua mente, colocando-se em relação direta com o mundo que

a rodeia, pois como nos dizem as OCEPE (Ministério da Educação, 1997), “fazer de

conta” permite à criança recrear experiências da vida quotidiana, situações imaginárias

e utilizar os objetos livremente, atribuindo-lhes variados significados.

Os materiais e utensílios não são utilizados só para um fim. As crianças utilizam

os utensílios com outras funções de acordo com aquilo que necessitam adaptando-os à

sua necessidade, contribuindo assim para o desenvolvimento da criatividade. Existiram

momentos em que as panelas serviram de suporte para se sentarem, uma pequena

rocha era uma cenoura que estava a ser raspada no raspador, o solo era por vezes

sumo, café, o testo de uma panela com buracos serviu de peneiro, utilizavam as

colheres e paus para fazer de velas.

Ao brincarem na cozinha, as crianças estão a desenvolver conhecimentos

ligados ao Conhecimento do Mundo, que estão muito ligados a conceitos de Geologia

que são pouco referenciados nas brochuras e orientações para a Educação Pré-Escolar.

Ao brincar com diferentes tipos de solo, a criança fica a conhecer solo com diferentes

propriedades e texturas. Ao brincar com a água e o solo, juntando-os, a criança

apercebe-se que dois elementos ao serem misturados podem transformar-se em outro

tipo de substância, neste caso, misturar água e solo origina lama, que pode ser mais

grossa ou mais fina dependendo da quantidade de água que colocam. Para além disso,

a criança apropria-se de novos conceitos como solo e rocha que vulgarmente

chamamos de “terra e pedras”.

A atividade de encher ou esvaziar recipientes, que é uma atividade frequente

neste tipo de brincadeira, decorre da ação que as crianças realizam ao manipular e das

interações que fazem com os objetos, estabelecendo um tipo de causa/efeito, ou seja,

as crianças aprendem que “se fizer uma coisa acontece aquilo”, logo para isso

“acontecer têm de fazer aquilo”. Se usar uma colher mais pequena demoro mais tempo

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a encher um recipiente, se usar uma maior demoro menos tempo, se utilizar o borrifador

demoro mais tempo a encher um recipiente, se for à torneira do bidão demoro menos

tempo, se juntar um pouco de água ao solo os bolos não se desmancham tão facilmente,

pois a mistura fica mais consistente.

Segundo Bento e Dias (2016), a repetição com que estas tarefas acontecem

constitui uma estratégia que permite consolidar conhecimentos e esquemas de

pensamento. Assim, “importa conceder tempo e espaço para que a criança experimente

e repita diferentes estratégias ou padrões de ação, até se sentir capaz para iniciar novas

explorações” (Nutbrown, 2011, cit. por Bento & Dias, 2016, s/p). Neste seguimento, esta

atividade assume um papel importante para a aprendizagem da criança, ao permitir um

conjunto de experiências, conhecimentos e questionamentos fundamentais para

aprendizagens futuras.

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Conclusões do estudo

Com o estudo que foi apresentado e realizado ao longo deste relatório pretendia-

se compreender quais os contributos de brincar no espaço exterior para a aprendizagem

de conceitos de Geologia em contexto de EPE. Para o estudo definiram-se objetivos

com vista a apoiar a construção da resposta ao problema, tais como, refletir acerca da

importância do brincar para o desenvolvimento e aprendizagens das crianças no

contexto de exterior, refletir sobre a importância de brincar em contacto com a natureza

em geral e com os materiais geológicos (solos argilosos, arenosos e cascalho) em

particular, analisar o envolvimento e as ações das crianças ao brincar na cozinha de

lamas, fomentar o brincar no exterior como prática diária de um contexto de educação

pré-escolar e facultar/proporcionar às crianças no decurso das atividades, a

terminologia geológica adequada à situação experienciada. Este trabalho de

investigação possibilitou retirar conclusões relevantes e interessantes que serão

sintetizadas seguidamente.

Sabemos que brincar é um motor de desenvolvimento e aprendizagem, no qual

a criança descobre o mundo em que vive. A criança quando brinca com o que gosta e

se sente bem, encontra felicidade e bem-estar, que permite-lhe desenvolver-se a vários

níveis, cognitivo, físico e emocional. Brincar, para além de ser aquilo que a criança mais

gosta de fazer e sente prazer, possibilita a construção de um conjunto de competências

significativas pela criança. Sendo o brincar um importante direito da criança, existem

outros direitos, segundo Zavalloni (2009), que devem ser tidos em conta, denominados

de “direitos naturais”, tais como o direito ao lazer, também, o direito de as crianças se

sujarem, existindo a necessidade destas brincarem com materiais naturais, como uma

poça de água, por exemplo, sendo bastante prazeroso observar a satisfação das

crianças ao longo deste tipo de contacto. Temos o direito de cheirar, sendo relevante

que a criança tenha contacto com diferentes experiências olfativas, tais como o cheiro

a terra molhada e de outros “perfumes da Natureza”. Há, ainda, o direito ao diálogo,

cada vez mais limitado pela utilização massiva da televisão, sendo necessário incentivar

o conto de histórias e os teatros de marionetas, por exemplo, de modo a tornar possível

a comunicação e o diálogo. É-nos apresentado o direito de usar as mãos, sendo este

considerado um dos direitos menos reconhecidos na sociedade pós-industrial. Com o

uso recorrente do computador e videojogos, são perdidas oportunidades de desenvolver

a destreza manual das crianças, especificamente os movimentos finos. Há, também, o

direito a um bom começo, sendo este associado ao problema da poluição, relacionado

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com o progresso a que temos vindo a assistir. Há, portanto, uma necessidade de

“recuar” e de saborear os pequenos prazeres da vida, tais como passear pela cidade,

conviver com os outros, comer comida saudável, beber água pura e respirar ar puro.

Um direito bastante relevante que é apontado é o direito à rua, sendo este espaço

pensado para as pessoas se encontrarem e conviverem, contudo, encontra-se ocupado

por carros e lugares de estacionamento, deixando de pertencer às pessoas que circulam

e procuram um espaço de encontro. É-nos referido o direito à Natureza em estado

selvagem, sendo apontada a importância de se construir uma cabana na floresta, jogar

às escondidas, subir às árvores, ao invés de conduzir a criança apenas a parques

infantis e outros espaços estritamente organizados e estruturados. Temos o direito ao

silêncio, sendo apresentada a importância de ouvir o vento, os pássaros, a água… sem

os constantes estímulos auditivos, como, por exemplo, a música. Por último, é-nos

mencionado o direito aos matizes, sendo apontada a luz elétrica como possibilitadora

de vivermos de noite como se fosse dia, impedindo-nos de observar e notar o pôr e

nascer do sol. Um simples ato como ver as estrelas ou a lua tem caído em desuso,

sendo um risco para a compreensão de pequenos fenómenos diários. O autor termina

com uma frase significativa e dá, ainda, sentido a todo este processo: “Tentemos ver

em conjunto o Mundo com olhos de crianças!”. A cozinha de lamas é deste modo um

contexto favorável para as crianças vivenciarem estes direitos, pois muitos destes

mencionados acima, foram possíveis de ser sentidos por elas.

Pensar num projeto como a construção de uma cozinha de lama constitui um

desafio, pois requer um conjunto de processos, desde preparar toda a informação para

dar a conhecer o projeto à comunidade escolar, fazer a recolha dos materiais e planear

e organizar a construção com as crianças. A construção de uma cozinha de lama deve

ser preparada, planeada e orientada com algum rigor, mas uma vez que a cozinha é

para as crianças, devem ser elas a tomar grande parte das decisões sobre o processo,

sob a orientação e apoio do adulto.

O espaço exterior assume-se como um palco de oportunidades e

potencialidades favoráveis ao crescimento, desenvolvimento e aprendizagem para as

crianças. A criação de uma cozinha de lama é uma das oportunidades que o espaço

exterior oferece. Para além de ser um espaço no qual a criança brinca com objetos reais,

construir uma cozinha de lama no exterior permite contactar com a natureza e elementos

naturais, tais como rochas, solos, folhas, caules, árvores, flores, entre outros.

O exterior e a cozinha são lugares privilegiados para as atividades de iniciativa

da criança e possibilitam o desenvolvimento de interações sociais, partilha e negociação

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com as outras crianças e com os adultos. Estes permitem também o desenvolvimento

da autoestima e confiança da criança através dos obstáculos e desafios que encontram.

No exterior e na cozinha, as crianças sentiram-se motivadas, relaxadas, mais

felizes, puderam tomar decisões, encontraram um ambiente estimulante, sentiram-se

curiosas, fascinadas, fizeram descobertas, exploraram e resolveram problemas e

conflitos. Brincar na cozinha e no exterior possibilitou um conjunto de experiências e

explorações ricas, no qual as crianças sentiram bem-estar e desenvolveram a sua

criatividade e imaginação. Este tipo de brincadeira alimenta o cérebro das crianças,

ajuda-as a aprender e desenvolver-se. Brincar com lama e solo é uma arte maravilhosa

e uma boa experiência sensorial para as crianças; para as mais novas é bom para

sentirem e explorarem e para os mais velhos é ótimo para fazerem empratamentos com

formas.

Ao contactarem com a natureza e a explorarem elementos naturais, existe

potencial para as crianças desenvolverem o respeito pela natureza, percebendo que

devem estimar a natureza, pois ela é importante para o ser humano. As pessoas foram

feitas para brincar na Natureza- no meu caso em especial, as melhores memórias foram

em contacto com a natureza. A preocupação com o risco era menor, logo a superação

dos desafios era alcançada mais facilmente.

Brincar na cozinha e ao jogo faz de conta, durante o estudo, foi analisado como

permitindo o desenvolvimento da linguagem, cooperar em grupo e aprender novo

vocabulário. Neste tipo de brincadeira, as crianças atingiram elevados níveis de bem-

estar e implicação, que foram demonstrados através das suas brincadeiras que

revelavam empenho, dedicação, concentração, criatividade, que foram sendo

realizadas com muita alegria e felicidade.

A cozinha e brincar no exterior contribuiu para a aprendizagem de conceitos de

Geologia, pois ao longo do tempo que brincaram na cozinha contactaram com

linguagem e materiais ligados à Geologia. As crianças aperceberam-se que alguns

conceitos como “pedra e terra” têm as denominações corretas de rocha e solo que foram

ensinadas pela estagiária. No entanto, as crianças não se apropriaram facilmente destes

termos, provavelmente pelo facto de o tempo que brincaram na cozinha não ser

suficiente para a sua apropriação. Deste modo, este fator constituiu uma limitação para

o estudo, pois certamente se o tempo que tiveram para brincar na cozinha fosse mais

prolongado, as crianças se apropriaram mais facilmente destes termos mais técnicos e

poderiam ser desenvolvidos outros conceitos. No entanto, embora não se tenham

apropriado dos termos, as crianças experienciaram vários conceitos ligados à Geologia,

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nomeadamente o conceito de textura quando exploraram o solo e percebiam se era

macio, áspero; as componentes inorgânicas e orgânicas quando separam os pedaços

de caule e folhas das partículas minerais do solo; e a mistura do solo com a água

permitiu verificar que a água ficava castanha apenas durante algum tempo, pois as

partículas mais finas ficavam em suspensão. A cozinha de lama é um bom contexto

para explorar conceitos de Geologia que se tornam pontos de partida para outras

aprendizagens mais complexas.

O brincar no exterior e na cozinha é um bom lugar para possibilitar à criança o

contacto com o risco, pois é uma oportunidade para a criança testar os seus limites,

assumir desafios e experienciar algo novo. Para além disso, tem um importante papel

no desenvolvimento da criança, pois a criança testa as suas capacidades, define

estratégias e constrói competências. Quando a criança lida com o risco e conhece as

suas capacidades e limites vai tornando-se capaz de enfrentar o risco sem a presença

de um adulto. O adulto tem também um importante papel neste processo, ao dar espaço

à criança para que esta teste os seus limites e tome decisões de forma autónoma sobre

aquilo é capaz ou não de fazer.

A cozinha de lama é pois um lugar de inúmeras experiências e significados, que

permite à criança aprender e desenvolver-se significativamente. O adulto tem um papel

fundamental neste processo, na medida em que deve auxiliar, organizar e brincar com

as crianças. O adulto é o responsável por ir proporcionado cada vez mais desafios e

atividades ricas e desafiantes para as crianças, promovendo-lhes a construção de

competências e o seu desenvolvimento. Para além disso, este deve também estar

disponível para brincar com as crianças e auxilia-las em tudo que for necessário nestes

momentos de brincadeira.

Este projeto permitiu o envolvimento dos pais, na medida em que contribuíram

para o apetrechamento de materiais para a cozinha. Para além disso foi realizada uma

reunião no qual ficaram a conhecer o projeto e tiveram acesso a um conjunto de imagens

dos seus educandos a brincar na cozinha. O envolvimento dos pais na vida dos filhos é

importante para o desenvolvimento da criança, pois ao ligar-se à vida escolar do filho,

este sente-se mais seguro, confiante e apoiado.

Com este estudo apercebemo-nos que tanto as crianças envolvidas neste

estudo, como as da Aguada de Baixo e as de Canas de Santa Maria, revelaram a

capacidade de usufruir do espaço exterior de forma significativa, com bons níveis de

implicação e bem-estar, lidaram com conceitos complexos, aprenderam sobre o mundo,

sobre os outros e acima de tudo foram felizes. Tudo isto foi comum nos três contextos

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com idades diferentes, o que denota que o contacto com o espaço exterior, com lama é

um excelente trilho natural para a aprendizagem e desenvolvimento da criança. É um

lugar onde as crianças sentem e demonstram muita felicidade e essa é a melhor imagem

que podemos ter das nossas crianças. Por estes motivos, esta atividade deverá ser uma

prática diária na Educação Pré-Escolar.

Neste processo, também realizei aprendizagens muito importantes (e fui feliz)

chegando a algumas conclusões fundamentais, que permitiram crescimento a nível

pessoal, através da aprendizagem que obtive a partir do contacto com as crianças.

Apercebi-me que quando queremos criar um projeto devemos pensar muito bem nele e

estruturá-lo de forma organizada com as crianças. A tomada de decisões deve ser

apoiada e auxiliada pelo adulto, que constitui uma estrutura não fechada que apoia a

iniciativa neste processo; deverá ser dado o maior poder de decisão às crianças, pois o

projeto é para elas e ao fazerem-no estão a desenvolver competências. O adulto teve

também um importante papel na resolução de conflitos, pois auxiliou as crianças na sua

resolução, fazendo com que o brincar fosse mais harmonioso e sem conflitos e

permitindo que as crianças soubessem respeitar os outros e as suas brincadeiras.

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Conclusão geral

Finalizada esta última etapa do mestrado e deste relatório, procuro fazer uma

retrospetiva do que foi alcançado tanto a nível pessoal como profissional.

Ao longo de todo o percurso de estágio foi-se afirmando a noção de que o

trabalho de um educador e professor é complexo e que este deve estar em constante

atualização e reflexão. Ao longo de toda a prática, um docente deve pensar na ação e

sobre a ação, de modo a perceber aquilo que correu bem e menos bem, para melhorar

as suas práticas e promover aprendizagens significativas nos alunos.

A prática de ensino supervisionada possibilitou observar o desenvolvimento e

aprendizagem das crianças/alunos, a organização do espaço, do tempo, do grupo e do

material nos diferentes momentos de prática. Foi possível o contacto com crianças muito

heterogéneas, que permitiu construir conhecimentos e práticas que surgiram nos

contextos específicos, com grupos reais de crianças, com características, interesses e

necessidades diferentes. Aprendi que em cada ano, com cada grupo/turma, se constrói

uma forma de interação e de ensino na qual as minhas características e preferências se

articulam com as das crianças. A experiência de estágio permitiu-me identificar algumas

das minhas características, mas outras surgirão, certamente, nos próximos anos de

prática.

O trabalho desenvolvido com o grupo de estágio permitiu expor diferentes pontos

de vista, troca de experiências, refletir, possibilitando uma melhor e enriquecedora

aprendizagem fundamental ao crescimento profissional e pessoal. Cada elemento ao

expor o seu saber e competência, permitiu reunir um conjunto de ideias que

possibilitaram que o momento de prática fosse o mais significativo, dinâmico e

diversificado possível.

O estudo realizado constitui uma mais valia para o futuro profissional, pois

permitiu reunir a vertente teórica e pratica, proporcionando a apropriação de

conhecimentos e a construção de competências. Este estudo pretendeu

consciencializar os docentes para a importância de brincar no exterior e os contributos

que este traz, nomeadamente no que diz respeito às aprendizagens da área da

Geologia, dado que é uma área pouco referenciada nas Orientações Curriculares para

a Educação Pré-Escolar.

Com este estudo apercebemo-nos que é importante brincar no exterior, numa

cozinha de lama e que estes contextos são um ponto de partida para a aprendizagem e

desenvolvimento das crianças. Nestes contextos, as crianças aprendem diversos

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conteúdos de diferentes áreas e como vimos é possível aprender sobre conceitos de

Geologia. O programa do 1.º CEB define como um dos conteúdos a desenvolver que os

alunos recolham amostras de diferentes tipos de solo, que identifiquem algumas das

suas características (cor, textura, cheiro, permeabilidade), que procurem o que se

encontra no solo (animais, rochas, restos de seres vivos), que recolham amostras de

rochas existentes no ambiente próximo e que identifiquem algumas das suas

características (cor, textura, dureza…). Tendo em conta estes objetivos e o estudo em

questão, apercebemo-nos que a construção de uma cozinha de lama em espaço

exterior constituiria um bom recurso pedagógico para os alunos do 1.º ciclo do ensino

básico concretizarem estes objetivos. Com este estudo, vimos que as crianças da

Educação Pré-Escolar contactaram com diferentes tipos de solo e as suas

características, nomeadamente a cor e textura e encontraram também animais, rochas,

nestes solos. Estes são objetivos do 1.º CEB que foram possíveis de concretizar na

educação pré-escolar. Não foi uma abordagem aprofundada com as crianças, mas estes

objetivos foram concretizados ao brincarem nesse contexto. É neste sentido que é

necessário sensibilizar os professores para a emergência de pensar nos momentos de

ensino-aprendizagem que se proporcionam às crianças. Visto que o espaço exterior é

um lugar onde as crianças gostam de estar, se sentem bem e desenvolvem muitas

aprendizagens, sem dúvida que este é também um bom contexto para as crianças do

1.º CEB. Deste modo seria importante noutra linha de investigação refletir sobre a

importância do brincar no espaço exterior para a aprendizagem em contexto de 1.º Ciclo

do Ensino Básico. Como professora, procurarei que algumas das minhas práticas

incidam no espaço exterior, nomeadamente na construção de uma cozinha de lama e

subsequente uso e exploração da mesma. A cozinha de lama é um bom meio para

promover diversas aprendizagens significativas, fundamentais ao desenvolvimento dos

alunos. Uma vez que a cozinha é um espaço diferente, a motivação da criança e a sua

disposição para aprender será diferente do que na sala de aula. Ao contactar

diretamente com os conceitos e com elementos desses conceitos, as aprendizagens

dos alunos serão mais simples de alcançar.

Considera-se que as questões do estudo foram respondidas e os objetivos

alcançados, mas por outro lado se o tempo de observação fosse mais prolongado,

alguns conceitos de Geologia poderiam ter sido mais aprofundados e novas questões

de investigação levantadas.

Este estudo apresentou uma limitação significativa, pois apesar de o jardim de

infância ter quatro salas, apenas uma sala foi envolvida na criação da cozinha, não

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tendo sido possível envolver todas. Mesmo assim, uma das salas foi brincar para a

cozinha num dia em que as crianças deste estudo não puderam ir, por terem o tempo

ocupado com outras atividades. Se este trabalho continuasse, este seria um trabalho a

desenvolver com as educadoras, ou seja, envolver todas as salas no projeto, pois

sabemos que brincar na cozinha e no espaço exterior traz muitos benefícios para as

crianças. Para além disso, melhoraria também o espaço exterior, nomeadamente, com

o apetrechamento de material para a cozinha, como assentos, mais mesas e mais

alguns materiais com que as crianças gostavam de brincar. Por outro lado, procuraria

analisar que aprendizagens de outras áreas, além da Geologia, se tornam relevantes

ao brincar numa cozinha de lama.

Por ter sido um estudo de exploração, não foram criados registos sistemáticos

dos níveis de bem-estar e implicação das crianças. A possibilidade de brincar por um

tempo mais prolongado e de registar em vídeo essa utilização da cozinha de lamas,

permitiria realizar um estudo mais aprofundado e rigoroso da atividade das crianças e

do seu bem-estar emocional e implicação no espaço criado. Esses dados permitiriam

fortalecer o argumento de que as crianças são felizes e realizam aprendizagens

significativas nas cozinhas de lamas.

Em suma e em jeito de conclusão, este mestrado permitiu-me uma oportunidade

de autoconhecimento, isto é, permitiu-me adquirir diversas aprendizagens a diferentes

níveis. Senti que fui evoluindo ao longo do tempo a vários níveis, que me fizeram crescer

muito enquanto profissional, tais como, as interações que ia estabelecendo com as

crianças, a forma de comunicar com elas, o discurso que ia tendo com elas, no controlo

do grupo, na procura de estratégias cada vez melhores e diversificadas e na promoção

de experiências motivadoras, lúdicas, divertidas, na preparação dos materiais, entre

outros. Tudo isto só foi possível através da reflexão e dos feedbacks que iam sendo

feitos sobre a minha prática com a ajuda dos professores orientadores, educadora e

professora cooperante e colegas de grupo. Como futura profissional, estas práticas

foram sem dúvida uma mais valia para aprender a desenvolver a criança na íntegra,

atendendo sempre os seus diferentes níveis de desenvolvimento. Através desta foi

possível entender que cada criança é um ser único com características, necessidades

e interesses pessoais diferentes, nos quais devemos ter sempre em atenção para tudo

aquilo que pretendemos pôr em prática. Este estágio constituiu um desafio no qual

superei e evoluí e no futuro, a profissão de educadora e professora será também um

desafio constante, no qual procurarei dar o meu máximo para desenvolver

conhecimentos importantes e fundamentais para o desenvolvimento da criança.

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Referências Bibliográficas

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Anexos

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Anexo 1 e 2- Power point apresentado às educadoras e às crianças de exemplos de

cozinhas de lama

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Anexo 3- Recado enviado aos pais

Eu, Fátima Martins, aluna na Escola Superior de Educação de Viseu, a

frequentar o Mestrado em Educação Pré-Escolar e 1.º Ciclo do Ensino Básico, estou a

terminar este ciclo de estudos e encontro-me a realizar um projeto de investigação para

o relatório final de estágio. Este projeto consiste em investigar quais os contributos de

brincar no exterior para a aprendizagem de conceitos de Geologia na Educação Pré-

Escolar. Este projeto será desenvolvido com o grupo de crianças da sala verde, no qual

estagiei durante este ano. Como tal, pretendo construir com as crianças uma cozinha

na parte exterior do jardim, no qual o seu educando terá a oportunidade de brincar com

vários tipos de solo e utensílios, experienciar e aprender num contexto diferente, ao ar

livre e em contacto com a natureza. Assim, gostaria de pedir a sua colaboração com

alguns utensílios de cozinha que já não utilize, tais como, tachos, frigideiras, panelas,

bacias, colheres, coadores, entre outros, isto é, qualquer utensílio que seja comum

vermos numa cozinha no nosso dia-a-dia. Os contributos para o desenvolvimento do

seu educando com este tipo de brincadeiras são inúmeros. Informo também que será

marcada uma reunião com todos os pais para ficarem a par dos objetivos deste projeto,

assim como se vai desenvolver todo este processo.

Atenciosamente

Fátima Martins

Anexo 4- Orientações para fazer uma cozinha de lama

Orientações para conceber uma cozinha de lama (Adaptado de White,

2014)

A água e o solo são das poucas coisas mais importantes no nosso mundo físico

e são coisas efetivamente misteriosas, particularmente quando interagimos com elas. O

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ato de misturar terra, água e toda uma diversidade de outros materiais naturais, tem um

papel fundamental na infância pelas profundas e incomensuráveis possibilidades de

proporcionar bem-estar, desenvolvimento e aprendizagem. A amplitude e profundidade

do que estas experiências presenteiam às crianças é realmente extraordinária.

As cozinhas de lama oferecem algo bem diferente de áreas de terra para escavar

e são mais fáceis de gerir. Uma cozinha de lamas inclui elementos da área interior da

casa, que é enormemente enriquecida pelo facto especial de estar na rua. As cozinhas

de lama funcionam muito bem durante todo o ano e devem ser vistas como um elemento

central a disponibilizar no exterior.

As cozinhas de lama não necessitam de ser exuberantes nem de custar muito

dinheiro. Não há nada que bata a simplicidade e originalidade de criar a sua própria

cozinha a partir de objetos esquecidos que as pessoas já não utilizam, e, é fundamental

não esquecer que, as melhores cozinhas de lama são produzidas em colaboração com

as crianças que a irão utilizar.

Relativamente ao local a cozinha precisa de:

Abastecimento amplo e acessível dos materiais

básicos

Os materiais básicos devem ser areia e/ou terra. Se dermos

os dois, usufruiremos de um contraste de cor, textura,

comportamento de mistura e muitas outras hipóteses que a

imaginação ditará. Ficar situada perto da área de areia ou da

área de terra pode ajudar a dar à cozinha mais contexto e

significado, mas grandes contentores destes materiais

resultam, de preferência ao nível do chão para facilitar o

acesso.

Muros, paredes ou outras superfícies verticais

As cozinhas de lamas devem ter este tipo de estruturas num

ou dois lados, pois adquirem um potencial para pendurar

panelas e utensílios, tornando-as mais parecidas com uma

cozinha e mais fáceis de usar. Um canto acolhedor e seguro

cria alguma privacidade e, de acordo com a pesquisa, é bom

para gerar jogo dramático em crianças pequenas.

Uma fonte de água

Esta é essencial, mas não precisa de estar na cozinha ou

próxima, pois as crianças gostam de encher recipientes

grandes e pequenos para transportar e usar na cozinha.

Assegure-se no entanto, de que existem vários tipos de

recipientes para esta atividade e uma fonte de agua

suficiente, (de preferência corrente), tal como uma torneira

exterior ou um recipiente grande de agua.

Estes são bons para fazer misturas. Se estes não estão

normalmente disponíveis no espaço ao ar livre, então

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Cascalho, pedras e outros materiais naturais precisamos de recipientes com um bom abastecimento

destes materiais. Deve considerar-se a necessidade de

drenagem caso fiquem ao ar livre.

Material vegetal

É um importante ingrediente de uma boa cozinha de lama.

Isto pode ser em qualquer lugar- as crianças só precisam de

ter autorização para escolher e apanhar. E algumas regras,

de modo a que as plantas possam continuar a existir e a

fornecer material. Muitas plantas robustas e acessíveis

espalhadas por todo o espaço exterior é o ideal.

Deve ser colocada perto de atividades compatíveis

Exemplos: esconderijos, pois a proximidade enriquecerá a

experiência das crianças.

Imaginar o espaço:

Tamanho influência a sensação do lugar

As cozinhas podem ser de todos os tamanhos, mas o

tamanho influencia a sensação do lugar e, provavelmente, o

tipo de atividades que ali irão ocorrer, é importante haver

espaço para varias crianças trabalharem lado a lado ou em

colaboração. Cozinhas grandes e abertas podem gerar temas

e ações mais barulhentas. A opção por recantos maiores e

mais pequenos seria ideal, considerando o contexto de grupo.

Cercas

Podem ser feitas com caixas e muros ou através da instalação

de limites baixos, como cercas de vime (de modo que as

crianças possam ver por cima mas o espaço permaneça

fechado) podem fazer a criança sentir-se bem na cozinha de

lama. Não e necessário um telhado, porque este impediria a

participação dos elementos que fazem parte do estímulo e

variedade de experiências. Algumas cozinhas que estão no

meio de uma área de areia ou de terra também funcionam

bem, mas não dão tanto a sensação de ser um lugar especial.

Fácil de entrar e sair

Ao criar sentido de privacidade, através do uso de cercas, é

importante não separar a cozinha do resto do espaço ao ar

livre. É necessário que seja fácil entrar e sair e interagir com

qualquer outra coisa que aconteça no exterior.

As superfícies de trabalho

São um elemento crucial. Devem ser da altura certa para as

crianças e fornecer o espaço suficiente para se trabalhar, com

toda a confusão que o trabalho na cozinha criativa envolve.

Tornam a cozinha muito mais funcional. Será útil que cada

recipiente e utensilio seja colocado de modo que se destaque

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Estantes e armários (em comparação com a confusão de uma caixa cheia de

coisas) e seja fácil de alcançar.

Ganchos e cestos

Servem para colocar nas paredes ou na parte da frente das

prateleiras e cestos para colocar tipos diferentes de utensílios

podem ser uteis (cuidado para que os ganchos não fiquem a

altura dos olhos das crianças.

Lugar onde colocar as misturas depois de usadas Deve pensar-se para onde irão as misturas depois de usadas.

Preencher o espaço:

Material

Armário

Um velho armário ou dois ou uma comoda são bons

utensílios.

Bancada de trabalho

Deverá ter uma superfície ampla

Fogão

Algo para fazer de fogão (micro-ondas velho pode ser muito

eficaz, tem uma porta para abrir e fechar e botões para

empurrar, o que é muito gratificante).

Prateleiras

Acima e atrás da superfície de trabalho, ou um armário alto

de lado.

Vários utensílios

Tachos panelas, jarros, funis, utensílios de pastelaria, coleção

de utensílios de cozinha comuns, juntamente com alguns

mais inusitados e intrigantes, como uma colher d sorvete.

Muitas bacias e recipientes, novamente uma gama dos mais

comuns, e outros especiais, como tabuleiros e cubos de gelo.

Materiais naturais

Fornecimento de materiais naturais em pequenos recipientes

e/ ou frascos (de preferência com tampa).

Plantas

Para apanhar, misturar e triturar.

Enriquecimento

Para situações adequadas, como uma seleção de corantes,

essências, ervas e especiarias, giz para triturar e misturar, e

ingredientes especiais para adicionar aquele toque mágico

final necessário para poções e feitiços.

Grande bacia

Deve ser particularmente bem segura na bancada é muito útil

para o jogo e para lavar tudo no final.

Nota: não é necessário roupa especial

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Lugares para encontrar o que precisa

As melhores cozinhas de lama, aquelas que têm a melhor atmosfera e

personalidade, são feitas a partir de objetos encontrados, recolhidos e oferecidos,

especialmente se estes vêm das famílias das próprias crianças. É importante não gastar

muito dinheiro: o que interessa às crianças é que essas coisas vêm do mundo humano

real, para combinar com as coisas do mundo físico real.

Eis algumas possibilidades:

Famílias das crianças e adultos

Pedidos específicos e achados uteis; itens usados

na variedade de culturas existentes; o pequeno

velho armário perfeito pode vir da garagem de

qualquer um.

Loja de produtos em segunda mão Especialmente para utensílios de cozinha e

pastelaria

Liquidações e “lojas dos 300” Podem ter algumas coisas realmente

interessantes e fora do vulgar.

Centros de reciclagem de móveis Podem ter armários ou comodas peculiares e

baratos.

Fornecedores especializados Têm uma gama de recursos muito interessantes e

incomuns para criar e ampliar cozinhas de lama.

O contexto da cozinha de lama faz que as crianças se envolvam numa incrível

variedade de ações como: encher, deitar (derramar), esvaziar, transferir, misturar,

mexer, agitar, fazer espuma, escavar, carregar, manipular, moldar, bater, amolecer,

riscar, marcar, atirar, espalhar, borrifar, repartir, servir, alisar, selecionar, apanhar,

colecionar, recolher, triturar, guarnecer, esmagar, moer, ralar, medir, acrescentar,

ferver, peneirar, filtrar, separar, pipetar e decantar.

Da mesma forma, a gama de experiencias possíveis é vasta, incluindo ordenar,

classificar, cozinhar, transformar, criar, investigar, testar, repetir, experimentar,

denominar, rotular, decorar vender e usar.

O estímulo perfeito de experimentar e explorar as transformações físicas

(fazendo) que ocorrem coloca o cérebro no lugar perfeito para criar transformações

mentais (imaginação) - e a mistura facilmente se torna o café com açúcar, o bolo de

aniversário, sopas, e guisados, gelado de muitos sabores, cremes e maquiagem,

bebidas magicas e poções, feitiços e perfumes…

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Este trabalho é cheio de valor emocional, pessoal e social e oferece o contexto para a

aprendizagem de uma maravilhosa variedade de vocabulário novo e interessante, para

a linguagem verbal e a expressão.

Ser um bom assistente

O principal papel dos adultos é o de facilitador e viabilizador, tornando a cozinha

disponível (construindo-a com as crianças a partir das suas próprias especificações) e

apoiando o jogo que emerge das crianças.

Ser um bom suporte consiste em observar (perceber o que realmente esta a

acontecer), esforçando-se para entender (reconhecendo a importância disso para essa

criança e para esse grupo de crianças) e, em seguida, responder de acordo com uma

análise cuidadosa sobre o que poderia ajudar mais a criança (os adultos podem estar

em volta, de pé, mas sem atrapalhar!)

Fornecer a linguagem adequada para os equipamentos, ações e descrições

pode ser muito útil, desde que seja feito no contexto (e sem exagero!).

Há tanta coisa neste brincar das cozinhas de lama e os seus significados são

tao profundos para as crianças que o papel de investigador seria altamente valioso.

Outros adultos podem não entender por que isto tudo é tao valioso e importante e

podem ter muitas objeções, por isso os adultos também precisam de explicar o que está

a acontecer e defender a importância deste jogo na vida de todas as crianças.