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    Favorecimento econmico e excelncia escolar

    Revista Brasileira de Educao 133

    Favorecimento econmico e excelncia escolar:um mito em questo

    Maria Alice NogueiraUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educao

    Introduo

    A sociologia da educao tanto no Brasil quanto

    no exterior s muito recentemente passou a se inte-

    ressar pela escolarizao dos jovens pertencentes afamlias favorecidas do ponto de vista social, j que,

    tradicionalmente, para os meios populares que a

    ateno do pesquisador se dirige. Atualmente a situa-

    o vem modificando-se com o surgimento de alguns

    trabalhos que deslocam o olhar da desvantagem so-

    cial para o privilgio (Sirota, 2000, p. 166). Talvez,

    em nosso pas, a prova mais bem acabada desse inte-

    resse seja a publicao, em 2002, da coletneaA es-

    colarizao das elites (Almeida & Nogueira, 2002)

    que oferece um panorama da pesquisa nacional e in-

    ternacional sobre o tema e que j se encontra em sua

    segunda edio.

    No entanto, mesmo em terreno to lacunar, uma

    distino precisa ser feita. que a reflexo sobre o

    impacto do patrimnio cultural familiar sobre a esco-

    laridade dos filhos j se encontra bem mais desenvol-

    vida, graas sobretudo aos estudos, de inspirao

    bourdieusiana, sobre a transmisso da herana cultu-

    ral pela famlia. J o papel da riqueza econmica nos

    destinos escolares dos indivduos no logrou ainda se

    constituir em objeto sistemtico de pesquisa do soci-

    logo. A meu conhecimento, apenas duas excees

    extemporneas, diga-se de passagem podem ser re-gistradas: os trabalhos de Fourasti (1970, 1972) e o

    livro de Ballion (1977), ambos franceses.

    Jean Fourasti, econometrista do Conservatoire

    National des Arts et Mtiers (CNAM), em Paris, in-

    terrogou, ao longo de toda a dcada de 1960 e por

    meio de questionrio, um conjunto de 1.276 famlias

    pertencentes a categorias socioprofissionais ditas su-

    periores: empresrios da indstria, funcionrios p-

    blicos de alto escalo, artistas clebres, mdicos com

    alta reputao, egressos das grandes colesfrancesas

    (Politcnica, Normal Superior e Central), englobando

    assim tanto as fraes das elites bem aquinhoadas do

    ponto de vista cultural, quanto aquelas privilegiadas

    financeiramente. Seus resultados demonstraram que,

    embora essas categorias sociais apresentem taxas de

    sucesso escolar acima da mdia da populao, elas no

    so imunes ao fracasso escolar, pois uma porcenta-

    gem considervel dos filhos dos pesquisados (30%,

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    tgias de reproduo prprias de determinados gru-

    pos sociais, dentre elas as que incidem sobre o uso da

    instituio escolar (Truzzi, 1991; Grn, 1992, 2002).

    Mas, de um modo geral, pode-se afirmar que o tema

    constitui territrio ainda a ser explorado entre ns.

    Resolvi ento aceitar o desafio de investigar em

    meios sociais favorecidos, colocando-me questes

    como: que tipo de trajetria escolar realizam os jo-

    vens provenientes de lares economicamente privile-

    giados? Quais so as condies sociais e familiares

    que tornam possveis e inteligveis esses destinos es-

    colares? De que modo os privilgios ligados fam-

    lia de origem podem constituir-se em trunfos (ou em

    obstculos) perante os estudos?

    Sem pretender nem poder responder a essas per-guntas de modo cabal e completo no espao deste tra-

    balho, apresento aqui apenas alguns aspectos (e de

    forma bastante resumida) de uma pesquisa recente-

    mente concluda, com a finalidade principal de abrir

    o debate.

    Trata-se de um estudo realizado, em 2000-2001,

    com 25 famlias de grandes e mdios(as) empres-

    rios(as) de Minas Gerais.1Seu objetivo era conhecer

    as histrias escolares dos jovens e as estratgias edu-

    cativas postas em prtica por esses pais ao longo des-ses itinerrios. Como instrumento de coleta dos da-

    dos, utilizei-me de entrevistas semidiretivas feitas com

    os prprios jovens e com suas mes, separadamente.

    O estudo baseia-se, portanto, num corpus formado por

    50 entrevistas.

    Sua origem imediata associa-se minha perple-

    xidade perante o alto grau de disseminao, no senso

    comum, da ideologia de que o padro de excelncia

    escolar apangio dos ricos ou, em outros termos,

    em mdia) no teve acesso, na poca, ao ensino supe-

    rior. Entretanto, o autor constatou diferenas signifi-

    cativas entre os diferentes grupos ocupacionais inves-

    tigados, as quais poderiam ser resumidas na concluso

    maior da pesquisa, a saber: o desempenho escolar dos

    jovens oriundos das fraes economicamente domi-

    nantes da amostra (os filhos de empresrios), quando

    comparado ao das fraes mais intelectualizadas (eli-

    tes cientficas e artsticas), se mostrou bem inferior.

    Partindo dessas constataes de Fourasti, o so-

    cilogo Robert Ballion debruou-se sobre um tema

    absolutamente inusitado para os anos de 1970: o do

    insucesso escolar em meios altamente favorecidos do

    ponto de vista econmico. Mediante dados empricos

    obtidos em universo de 670 alunos de estabelecimen-tos privados de ensino secundrio, localizados em

    Paris e caracterizados por atender a uma clientela de

    filhos de homens de negcios, Ballion chegou a, pelo

    menos, duas concluses de grande importncia.

    A primeira refere-se constatao de que o ndi-

    ce de insucesso escolar, entre essas categorias sociais,

    bem mais elevado do que se poderia supor, atingin-

    do, por exemplo, quase a metade dos filhos de em-

    presrios da indstria. E a segunda diz respeito des-

    coberta, feita pelo autor, de que largent effacelchec ou, em outros termos, de que as posses eco-

    nmicas conseguem reparar, em boa parte, os preju-

    zos dos atrasos e dos acidentes ocorridos no percurso

    escolar. Isso porque essas famlias dispem de meios

    de luta contra o insucesso escolar, atravs de estrat-

    gias variadas de compensao e de reparao, capa-

    zes de remediar ou, ao menos, de atenuar os efeitos

    nefastos do fracasso. Dentre essas estratgias, sobres-

    saem aquelas relacionadas escolha de certos tipos

    de estabelecimento de ensino, que o autor chamou de

    tablissements de rattrapage, os quais funcionam

    como refgio para alunos em situao de fracasso

    escolar, para os quais organizam uma estrutura espe-

    cial de recepo.

    Na pesquisa brasileira, ainda no contamos com

    estudos sobre o assunto, embora alguns trabalhos mais

    recentes, mas fora do campo da educao, tenham tra-

    zido alguma contribuio, ao se ocuparem das estra-

    1Delimitei para estudo famlias em que o pai e/ou a me

    exercessem funes empresariais e, vivendo ou no em regime de

    unio conjugal, tivessem filho(s) residente(s) no domiclio e em

    idade (esperada) de realizao de estudos universitrios. Porm,

    em razo de dificuldades encontradas no acesso a essa populao,

    foi preciso incluir um caso de uma famlia cujo filho mais velho

    tinha, na poca, 16 anos e cursava o ensino mdio.

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    de que as elites escolares se compem de alunos ri-

    cos. A tentativa , portanto, a de colocar em questo

    algo que no discutido usualmente, porque consi-

    derado (implicitamente) como indiscutvel: o papel

    incondicionalmente positivo do capital econmico no

    destino escolar do aluno.

    Por outro lado, sua origem terica se enraza

    numa problemtica clssica na sociologia da educa-

    o: a dos fatores em jogo ou das mediaes que se

    interpem na relao entre o meio social de pertenci-

    mento e os resultados escolares, em particular a con-

    trovrsia sobre o peso relativo dos fatores culturais e

    dos fatores econmicos na definio dos rumos de

    uma trajetria escolar.

    As trajetrias escolares dos jovens pesquisados2

    O estudo das trajetrias escolares, lato sensu, no

    constitui propriamente uma novidade na sociologia

    da educao, pois, j a partir dos anos de 1960, os

    socilogos passaram a se interessar pelas relaes

    entre os percursos dos indivduos no interior do siste-

    ma de ensino e seu meio social de pertencimento. No

    entanto, nesse primeiro momento, as interrogaes re-

    caam sobre as macrorrelaes entre o sistema esco-lar e a origem social, utilizando-se, geralmente, como

    metodologia de anlise, o acompanhamento longitu-

    dinal (e em grande escala) de coortes de alunos, com

    o objetivo de observar a distribuio das oportunida-

    des escolares. Consistindo basicamente numa anlise

    de fluxos, esses estudos deixavam de considerar a di-

    menso individual das biografias escolares.3

    Foi somente a partir da dcada de 1980 que se

    viu emergir um novo enfoque que se afasta duplamen-

    te da generalidade do modelo anterior. Primeiro, por-

    que desenvolve um interesse sociolgico pela diversi-

    dade (relativa) dos destinos e das prticas escolares

    no interior de um mesmo meio social. Segundo, por-

    que se interessa pelas histrias de vida escolar de in-

    divduos concretos (de carne e osso) e pelos proces-

    sos subjetivamente vividos e interpretados por eles.4

    No perodo mais recente, a partir dos anos de

    1990, surge uma nova abordagem inaugurada por pes-

    quisadores que se interessam pelas trajetrias atpicas,

    excepcionais, inesperadas, em suma, aquelas que fo-

    gem s regularidades estatsticas que haviam sido des-

    cobertas nos anos de 1950/1960. Doravante, o insig-

    nificante estatstico vai tornar-se sociologicamente

    significativo (Baudelot, 1999).5

    Assim, podemos afirmar sem receio a existncia,nos dias atuais, de uma sociologia das trajetrias es-

    colares, embora tal afirmativa deva ser acompanhada

    da observao de que esta, a exemplo de toda a socio-

    logia da educao contempornea, abriga uma certa

    pluralidade interna: os horizontes tericos, as formas

    de abordagem, os dispositivos metodolgicos no so

    os mesmos de um autor a outro. Um ponto, no entanto,

    parece constituir consenso: o de que a trajetria esco-

    lar no completamente determinada pelo pertenci-

    mento a uma classe social e, portanto, de que ela seencontra associada tambm a outros fatores, como as

    dinmicas internas das famlias e as caractersticas

    pessoais dos sujeitos, ambas apresentando um certo

    grau de autonomia em relao ao meio social.6

    Com relao definio operacional do termo, a

    maioria dos pesquisadores concorda em considerar a

    2Em relao varivel sexo, o grupo de 25 jovens entrevis-

    tados compunha-se de 13 rapazes e 12 moas. Quanto faixa etria,

    sua idade variou entre 16 e 26 anos.

    3Exemplo clssico desse tipo de trabalho so as pesquisas

    realizadas nos anos de 1960/1970 pelo Institut National dtudes

    Dmographiques (INED), na Frana.

    4Representam esse segundo momento trabalhos como os de

    Terrail (1984, 1990) sobre os operrios, de Zroulou (1988) sobre

    os imigrantes e de Berthelot (1993) sobre os camponeses.

    5Constituem exemplos dessa ltima abordagem o artigo de

    Laacher (1990) e os livros de Laurens (1992), de Lahire (1997) e

    de Ferrand, Imbert e Marry (1999).

    6No entanto, com relao dimenso do pessoal, preciso

    reconhecer, de acordo com Dubet (1996), que a sociologia no

    dispe [ainda] de categorias de anliseslidaspara enfrent-la.

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    trajetria como um encadeamento temporal de posi-

    es sucessivamente ocupadas pelos indivduos nos

    diferentes campos do espao social (Battagliola et

    al., 1991, p. 3), direcionando essa definio para o cam-

    po educacional. Em consonncia com isso, um per-

    curso biogrfico escolar dever ser captado por meio

    dos acontecimentos que o pontuam, com seus momen-

    tos decisivos, suas bifurcaes e suas encruzilhadas.

    No caso deste trabalho, optei por me apoiar es-

    sencialmente nas etapas institucionalizadas de um iti-

    nerrio escolar (graus do ensino, processos seletivos),

    tal como se d no sistema de ensino em vigor no pas.

    Um pouco mais da metade do grupo investigado

    sofreu alguma reprovao ao longo da escolaridade

    bsica (ensino fundamental e mdio). Mais precisa-mente, 13 jovens foram afetados, perfazendo juntos

    um total de 19 reprovaes (cf. Tabela 1). Essas lti-

    mas, embora concentradas no segundo segmento do

    ensino fundamental e no ensino mdio, no deixaram

    de atingir, em um quinto dos casos, alunos das pri-

    meiras quatro sries. H que se acrescentar ainda a

    esses dados o fato de que quatro jovens passaram por

    cursos supletivos: em trs casos no nvel do ensino

    mdio, e no quarto, no nvel do ensino fundamental

    (5 a 8 srie) e mdio. Esse ltimo fenmeno concer-ne justamente queles alunos que tiveram, em seu

    percurso, duas ou mais reprovaes.

    Tabela 1 Distribuio dos pesquisados

    segundo o desempenho escolar na educao

    bsica

    Os estudos sobre trajetrias constatam que, de

    um modo geral, as carreiras escolares vo construindo-

    se por etapas, e que ao longo do tempo que o valor

    escolar de um indivduo vai constituindo-se e adqui-

    rindo consistncia, de forma a possibilitar em de-

    terminados momentos algum prognstico quanto ao

    futuro do percurso dentro do sistema de ensino. No

    Brasil, o vestibular representa o mais forte desses

    momentos, capaz de dar visibilidade ao caminho at

    ento percorrido.

    Menos da metade dos jovens atingiu a universi-

    dade em idade regular ou antes dela, isto , aos 17 ou

    18 anos. Como nesse meio social diferentemente

    dos meios populares o abandono/interrupo dos

    estudos, antes dessa idade, constitui fato rarssimo,

    isso significa que mais da metade do universo pes-

    quisado apresentou algum tipo de atraso em seu iti-

    nerrio escolar, decorrente seja das reprovaes no

    nvel do ensino fundamental ou mdio, seja de tenta-

    tivas malsucedidas no vestibular.

    Tabela 2 Distribuio dos pesquisados

    segundo a idade de entrada na universidade

    Obs.: O total 23 deve-se ausncia de dois sujeitos que no haviamainda atingido o ensino superior no momento da entrevista.

    Tabela 3 Distribuio dos pesquisados

    segundo o nmero de tentativas de ingresso

    no ensino superior

    Obs.: O total 24 deve-se ausncia de um sujeito que no haviaainda concludo o ensino mdio no momento da entrevista.

    A defasagem acumulada no percurso no impe-

    dir, no entanto, os jovens em atraso de ingressar no

    ensino superior, aps um certo nmero de ensaios frus-

    trados e mediante o auxlio largamente utilizado dos

    cursinhos. Uma ampla maioria dos jovens serviu-

    se deles (a metade por um perodo de um a dois anos;

    Desempenho escolar

    Nenhuma reprovao

    Uma ou mais reprovaes

    Total

    N de pesquisados

    12

    13

    25

    Nmero de tentativas

    Uma

    Duas

    Trs

    Quatro

    Total

    N de pesquisados

    15

    6

    2

    1

    24

    Idade de entrada

    17-18

    19-20

    21-22

    23-24

    Total

    N de pesquisados

    10

    11

    1123

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    o restante por um perodo que ficou em torno de

    seis meses).

    Alm disso, h tambm o fato de que a escolha

    da instituio de ensino superior recai sobre institui-

    es privadas que se caracterizam por praticarem exa-

    mes vestibulares menos seletivos e, na maior parte,

    pouco exigentes. A tabela a seguir exibe o rol e a dis-

    tribuio das instituies freqentadas pelos jovens

    entrevistados:

    Tabela 4 Distribuio dos pesquisados por

    instituio de ensino superior freqentada

    Obs.: O total 23 deve-se ausncia dos dois sujeitos que no ha-viam ainda atingido o ensino superior no momento da entrevista.

    Uma distribuio bastante semelhante a essa foi

    verificada entre os irmos dos interrogados que tam-

    bm se encontravam, no momento da coleta, cursan-

    do o ensino superior (36 casos), o que confere aos

    dados maior significado.

    A esse respeito, um estudo recente e, possivel-

    mente, o mais completo at hoje sobre o ensino supe-

    rior privado no Brasil (Sampaio, 2000), desmente a

    suposio corrente na opinio pblica, na mdia e

    mesmo entre os gestores educacionais de que osestudantes universitrios da rede privada apresentam

    um nvel socioeconmico mais baixo do que aqueles

    que estudam em instituies pblicas de ensino supe-

    rior. A autora mostra que as diferenas quanto ao per-

    tencimento social entre esses dois grupos de estudan-

    tes so muito pequenas, indo, porm, no sentido

    inverso ao da crena comum, ou seja, o corpo discen-

    te dos estabelecimentos superiores particulares li-

    geiramente mais elitizado do que aquele das institui-

    es pblicas (cf. Captulo 6). Outro estudo ainda mais

    recente, realizado por Simon Schwartzman (2004)

    com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amos-

    tra de Domiclios (PNAD/2001) e do Instituto Brasi-

    leiro de Geografia e Estatstica (IBGE), questiona

    igualmente o senso comum de que a rede pblica de

    ensino superior, no Brasil, abrigaria os estudantes mais

    ricos, enquanto os pobres s teriam acesso, nesse n-

    vel, ao ensino privado. O autor demonstra que o

    estudantado do ensino superior privado apresenta ren-

    da familiar superior do estudantado da rede pblica.

    Tabela 5 Distribuio dos irmos dos

    pesquisados por instituio de ensino superior

    freqentada

    Com relao especificamente ao vestibular da

    UFMG,7trs quartos dos jovens tentaram (quase sem-

    pre, uma nica vez), mas no obtiveram aprovaonesse vestibular. Quanto ao quarto restante, razo-

    vel supor que, diante do alto grau de competitivida-

    de, jovens com preparo insuficiente, ou que assim se

    sintam, no se candidatem a esse exame vestibular

    7A UFMG uma das universidades pblicas de maior pres-

    tgio do pas e a mais conceituada do Estado de Minas Gerais,

    sendo seu vestibular altamente seletivo.

    Instituio de ensino

    PUC-MG

    FUMEC

    Newton Paiva

    UNA

    UNI-BH

    Izabela Hendrix

    IBMEC

    Promove

    UFMG

    Total

    N de pesquisados

    9

    4

    2

    2

    2

    1

    1

    1

    1

    23

    Instituio de ensino

    PUC-MG

    Milton Campos

    FEAD

    FUMEC

    UNI-BH

    Universidades no exterior

    UNA

    IBMEC

    UFMG

    Izabela Hendrix

    Newton Paiva

    Faculdades Machado Sobrinho

    FMU (So Paulo)

    UEMG (FUMA)

    Total

    N de pesquisados

    10

    3

    3

    3

    3

    3

    2

    2

    2

    1

    1

    1

    1

    1

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    por considerarem suas possibilidades de xito como

    muito exguas. Na verdade, dentre os 25 sujeitos fo-

    calizados pela pesquisa, apenas um cursava a UFMG,

    qual teve acesso, no entanto, no pela via do vesti-

    bular, mas sim por meio de transferncia a partir de

    uma faculdade privada do interior do estado. Todos

    os restantes freqentavam, na poca da pesquisa, es-

    tabelecimentos privados de ensino superior, como se

    viu na Tabela 4.

    Tais resultados parecem questionar a idia cor-

    rente de que para se conquistar uma vaga nas gran-

    des universidades pblicas de alto prestgio basta

    possuir recursos financeiros, os quais supostamente

    condicionariam um passado escolar de excelncia que

    fatalmente levaria ao sucesso na seleo dessas ins-tituies. preciso tambm que os indivduos este-

    jam predispostos a ambicionar os destinos universi-

    trios mais favorecidos e a pr em prtica meios de

    conquist-los.

    Como no nvel do ensino fundamental e mdio

    esses jovens freqentaram igualmente escolas parti-

    culares,8pode-se afirmar que a escolaridade dos fi-

    lhos de empresrios se desenrola, de ponta a ponta,

    na rede privada de ensino. Essa fidelidade ao ensino

    privado surpreende quando se trata de ensino supe-rior, no qual a reputao e o prestgio das instituies

    pblicas so, de um modo geral, bem superiores ao

    das particulares. Ela questiona, por um lado, as falsas

    evidncias do senso comum que consistem em pen-

    sar que os ricos estudam em universidades pbli-

    cas, enquanto os pobres o fazem nas instituies

    privadas de ensino superior. Mas, por outro, ela ques-

    tiona tambm a extenso, a esse grupo social, da hi-

    ptese do circuito virtuoso que circula no meio aca-

    dmico (cf. Souza, 1990-1991) e que prev, para os

    favorecidos, em geral, freqncia a escolas privadas

    no nvel da educao bsica e, em seguida, ensino

    superior pblico.

    Quanto ao ramo universitrio escolhido, ntida

    a orientao dominante para um certo tipo de forma-

    o superior: aquela que prepara para o mundo dos

    negcios e para a gesto empresarial, pois praticamente

    a metade dos jovens pesquisados optou pelo curso de

    Administrao de empresas, como se v na Tabela 6.

    Tabela 6 Distribuio dos pesquisados

    segundo o curso superior freqentado

    Obs.: O total 23 deve-se ausncia dos dois sujeitos que no ha-viam ainda, no momento da entrevista, atingido o ensino superior.

    Se a esse contingente acrescentarmos aqueles que

    fizeram opo por reas conexas, como Publicidade

    e propaganda ou Relaes pblicas, teremos um agru-

    pamento macio dessa populao em torno de um setor

    profissional especfico: o da direo e organizao

    do mundo da empresa. Os dois casos, na amostra, de

    jovens que no haviam ainda atingido o grau superior

    s vm reforar esse quadro: no primeiro deles, a for-

    mao secundria escolhida pelo jovem estava se dan-do em um curso denominado Tcnico gerencial; e, no

    segundo, a jovem se preparava, no momento da en-

    trevista, para prestar o vestibular para o curso de Ad-

    ministrao de empresas.

    Aumentando ainda mais o significado desses

    dados, a Tabela 7 mostra que entre os irmos dos in-

    terrogados que, no momento da coleta, tambm se

    encontravam cursando o ensino superior a mesma ten-

    dncia se verifica, apesar de maior disperso das es-

    8No meu propsito, neste texto, tratar da escolha dos

    estabelecimentos de ensino pelas famlias, embora esse tenha sido

    um ponto abarcado pela pesquisa. Esclareo apenas que, de um

    modo geral, a preferncia dos pais no recai sobre os colgios

    particulares de maior reputao por suas exigncias acadmicas e

    por aparecerem habitualmente como campees nos rankingsde

    aprovao nos vestibulares mais concorridos.

    Curso

    Administrao de empresas

    Arquitetura

    Relaes pblicas

    Publicidade e propaganda

    Psicologia

    Direito

    Medicina

    Pedagogia

    Total

    N de pesquisados

    12

    2

    2

    2

    2

    1

    1

    1

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    Favorecimento econmico e excelncia escolar

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    colhas. Se queles que cursam Administrao de em-

    presas juntarmos os irmos que fizeram opo por

    reas conexas (Economia, Publicidade e propaganda,

    Cincias contbeis, Comrcio exterior,Design indus-

    trial,Marketing em design e Relaes pblicas), te-

    remos mais da metade deles em ramos universitrios

    ligados ao mundo empresarial.

    Tabela 7 Distribuio dos irmos dos

    pesquisados segundo o curso superior

    freqentado

    A propenso aos estudos de Administrao no

    distingue homens e mulheres pois os doze casos en-

    contrados dividem-se em propores praticamente

    iguais entre os sexos: sete rapazes e cinco moas (seis

    moas, quando se acrescenta o caso da ento vestibu-

    landa).

    Qual o sentido subjetivo dessa escolha? O que

    dizem seus protagonistas? Ao justificar sua deciso

    por Administrao, alguns jovens confessam t-lo feito

    por eliminao, na ausncia de alternativas mais

    atraentes entre os ramos universitrios existentes:

    E como eu no gosto nem um pouco de Medicina, de

    Direito, nem muito de Exatas, eu fiquei meio em dvida

    entre Engenharia e Administrao. [...] Eu no tinha certe-

    za absoluta, no. Mais por eliminao, de eu no querer

    mesmo outros cursos, ento sobrou mais ou menos esses

    dois, eu preferi Administrao que tem mais a ver com o

    negcio da famlia, uma coisa que me interessava. Eu via

    que meu pai gostava, e tal, ento influenciou e eu fui fazer

    Administrao.

    Eu, pra falar a verdade, eu fiz Administrao foi por

    falta de opo, porque eu no sei o que eu quero fazer.

    Eu queria uma coisa mais ampla assim... nada ligada

    a Medicina, nada ligada a Engenharia, nada ligada a Hu-

    manidade, nada. A eu optei por Administrao e nem fiz

    pesquisa, foi por excluso.

    Franois Dubet, em um estudo sobre o estudante

    universitrio dos dias atuais, chama a ateno paraesse fenmeno da escolha negativa que tambm

    encontrou entre seus interrogados. Ele recomenda que

    no se veja a um sujeito sem projeto, mas sim al-

    gum que s dispe do projeto que pde formular ao

    final de uma srie de renncias. Para o autor, a con-

    cordncia entre desejos e projetos privilgio apenas

    de uma elite escolar, com real poder de escolha. Ele

    exemplifica com palavras altamente sugestivas: Os

    estudos de Medicina no so nunca apresentados [pe-

    los entrevistados] como uma escolha na falta de coisamelhor. Se mdico porque se escolheu ser mdico

    desde sempre (Dubet, 1994, p. 520).

    Nos casos em que justificativas para a opo pelo

    curso de Administrao so fornecidas, os argumen-

    tos giram em torno de dois eixos. De um lado, so

    evocados aspectos objetivos, relacionados s carac-

    tersticas imputadas ao curso, em torno do qual paira

    um forte imaginrio: o de ser um curso de fracas exi-

    gncias acadmicas.

    Como eu nunca fui um cara de gostar de estudar em

    casa, de ler livros e ler essas coisas, eu falei... eu sempre

    que eu via meu irmo, o cara pra fazer Direito tem que

    estudar igual a um co, que ele tem que saber ler de trs

    pra frente e de frente pra trs, ler cdigo disso, daquilo,

    cdigo, cdigo, cdigo, e isso no pra mim, e eu falei isso

    no pra mim, Direito eu sabia que no era a minha praia,

    a foi Administrao.

    Curso

    Administrao de empresas

    DireitoEngenharia civil

    Economia

    Arquitetura

    Publicidade e propaganda

    Cincias contbeis

    Pedagogia

    Comrcio exterior

    Design industrial

    Decorao

    Marketing em design

    Relaes pblicas

    Matemtica

    Total

    N de pesquisados

    10

    6 4

    3

    3

    2

    1

    1

    1

    1

    1

    1

    1

    1

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    Mas tambm, e sobretudo, por ser um curso cujo

    contedo de natureza muito geral, o que propiciaria

    uma certa maleabilidade, seja em termos de forma-

    o posterior, seja em termos de atividade profissio-

    nal futura. Assim, o contedo do curso visto mais

    em sua funo instrumental de adaptao do que em

    sua dimenso de desenvolvimento intelectual:

    Eu cheguei concluso que Administrao uma base

    de tudo. A, depois, s fazer uma ps-graduao que voc

    j... Por exemplo: eu fao Administrao, e eu fao uma

    ps-graduao em Economia, eu acho que Administrao

    seria o pilar da construo.

    Eu acho que um curso que os ensinamentos queesto l so muito amplos, d pra voc usar em muitos cam-

    pos, n? Eu acho que o curso de Administrao te d uma

    base de muitas coisas, entendeu? De Direito, de Contabili-

    dade, de cada Administrao especfica, n? Logstica... en-

    to, assim, um campo muito amplo e eu acho que eu pen-

    sei Administrao por isso.

    Mas, por outro lado, os pesquisados em sua

    maior parte apontam razes do mbito da indivi-

    dualidade (gosto, personalidade, vocao etc.) comoresponsveis por sua opo com relao ao curso:

    Eu queria uma coisa ligada rea de Matemtica, eu

    adorava! Mas eu queria uma coisa mais geral, e foi Admi-

    nistrao mesmo. Papai tinha uma factoring, a eu fazia

    controle de cheque pra ele, juros, uns negcios...

    Eu sempre gostei de Administrao e Publicidade, mas

    tambm por ter a empresa, meu pai sempre me falou: Voc

    poderia optar, j que voc t entre as duas, voc podia optar

    pela Administrao.

    O fato de eu ser filho de empresrio e de eu no ter

    caracterstica para fazer alguma outra coisa. De ver tam-

    bm que eu tenho caracterstica para ser um administrador,

    pelo fato do meu jeito parecer um pouco com o do meu pai.

    Ento, mais por isso, pela influncia tambm.

    Eu tava no terceiro ano [do ensino mdio] e eu j

    tinha... eu queria Administrao. Eu j sabia disso [...]. Acho

    que eu vi muito meu pai, assim... o que ele fazia, acabava

    que apesar de eu no entender muito assim aquela lingua-

    gem tcnica que ele tava falando, eu assim... pequenininho,

    eu ia pra garagem,9minha diverso era ficar brincando l

    de almoxarifado, eu acho que entendia o que era aquilo,

    assim... uma viso diferente, mas entendia, a eu acho que

    isso influenciou muito.

    As falas anteriores sugerem que, no essencial, as

    preferncias pessoais no se opem aos constrangi-

    mentos exteriores que se manifestam, nesse caso, na

    forma da influncia parental. O sentimento experi-

    mentado de realizao de inclinaes pessoais evi-dencia que o exerccio da subjetividade pode se dar

    em harmonia com e no interior de imperativos de or-

    dem social que escapam ao sujeito, sem que sua sen-

    sao de liberdade seja atingida. Qual a alquimia

    que est por trs desse processo?

    Uma das respostas sociolgicas atualmente pos-

    sveis est na idia de que as inclinaes, prefern-

    cias, disposies aparentemente irredutveis s

    estruturas sociais no podem ser concebidas inde-

    pendentemente das condies de existncia, em rela-o s quais representam ajustamentos que escapam,

    na maior parte do tempo, conscincia individual. O

    conhecimento desse processo subjetivo que leva o ator

    a amar seu destino social o amor fatique prope

    Bourdieu afasta o risco de uma dupla armadilha, a

    saber: considerar as percepes e aes dos indiv-

    duos seja como fruto de uma coero social mecni-

    ca, seja como ato de pura liberdade.

    Na verdade, um longo e lento processo de socia-

    lizao familiar encarrega-se da constituio do gosto

    por alguma atividade (pelos negcios, por exemplo) e

    da transmisso de predisposies que possibilitam a

    integrao a grupos sociais ou a universos profissio-

    9O pai proprietrio de uma empresa de transporte rodo-

    virio.

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    cher;11a necessidade de conhecer o mundo profissio-

    nal real, em contraposio viso abstrata que a

    escola supostamente tem dele.

    A percepo mais geral que fica para o pesquisa-

    dor a de que a escola pouco para esses jovens, e

    isso em sentido mltiplo. pouco porque toma ape-

    nas parte do tempo de sua rotina diria. So recorren-

    tes, no discurso deles, expresses como: meu tempo

    estava ocioso; eu ficava em casa sem fazer nada;

    toa; sem ocupao, referindo-se aos perodos

    do dia em que no freqentavam as aulas.

    pouco porque ocupa lugar secundrio em suas

    preferncias pessoais e afetivas: por mim eu no es-

    tudava no, s trabalhava, mas..., declara uma das

    entrevistadas; eu nunca gostei de estudar, eu no seise eu gosto... mas eu gosto muito mais de trabalhar

    do que estudar, afirma um outro; meu trabalho t

    acima [dos estudos] e pronto!, sentencia um tercei-

    ro; ou ainda, nas palavras de mais um deles: eu no

    gostava, eu no me sentia bem na aula, no gostava

    da faculdade, e at hoje eu no sinto o menor teso da

    faculdade....

    A escola pouco, ainda, porque desempenha pa-

    pel secundrio em sua preparao profissional, j que,

    a seu ver, transmite conhecimentos e teorias acad-micas em grande descompasso com o dia-a-dia em-

    presarial, no conseguindo portanto rivalizar com a

    realidade vivida no prprio meio. Um dos interroga-

    dos afirmou:

    Tdio, me entedia profundamente [referindo-se aos

    estudos], principalmente depois de uma certa poca que eu

    tava trabalhando com publicidade, desde 96, muita coisa

    que voc v na prtica no bate com o que eles ensinam.

    Ento voc tem uma perda de tempo gigantesca, na minha

    viso. Eu acho que se fosse resumir o curso de Publicidade

    ou qualquer outro curso a, no ia levar dois anos. S que

    tanta encheo de lingia e tanta abobrinha, que leva

    quatro, cinco anos e no final perda de tempo e dar dinhei-

    ro para os outros.

    Essas concepes encontram eco nas represen-

    taes e nos valores parentais verificados nas entre-

    vistas com as mes, as quais revelaram, de um modo

    geral, a crena de que a formao para o empreende-

    dorismo deve comear cedo e em famlia. A despeito

    das contradies e ambigidades detectadas nos de-

    poimentos maternos com relao escolaridade dos

    filhos, essa insero precoce no mundo dos negcios

    representa um poderoso fator de socializao, pois elatrabalha pela formao de vocaes para o univer-

    so empresarial (Grn, 2002) ou, em outros termos,

    pela constituio do gosto pelos negcios. Um

    desapreo pelo destino de empregado, do qual ten-

    tam poupar os filhos, constitui a outra face desse dis-

    curso parental, assim como o ceticismo e a descon-

    fiana em relao aos conhecimentos escolares, vistos

    como demasiadamente livrescos e abstratos.

    Quanto s estratgias familiares, a melhor forma

    que encontro para caracterizar a relao que as fam-lias de empresrios mantm com o universo escolar

    emprestada da linguagem ordinria: esses pais no

    apostam todas as suas fichas na escola, investindo

    semelhana dos filhos moderadamente (sempre

    em termos relativos) no setor. Na verdade, os pais do

    meio empresarial se servem tambm (ou at mais) de

    outros tipos de estratgia para salvaguardar ou elevar

    a posio do grupo familiar no espao social. Nesse

    sentido, pude detectar estratgias de tipo econmico,

    tais como: preparar os filhos desde muito cedo para

    sua sucesso; associ-los empresa paterna; ou abrir

    para eles um pequeno negcio, ainda durante seu pe-

    rodo de formao.

    Quanto aos jovens, o fato de que eles no inves-

    tem toda sua energia na causa escolar , sem dvida,

    o resultado de todo um processo de socializao fa-

    miliar que escapa, em boa parte, conscincia dos

    sujeitos. O que no exclui atitudes de natureza mais

    11Cabe lembrar que como se viu as escolhas dos ramos

    universitrios, por parte desse grupo de jovens, no recaem sobre

    as carreiras mais exigentes do sistema de ensino, como os cursos

    superiores mais seletivos, em perodo integral. Tampouco eles rea-

    lizam atividades acadmicas extracurriculares, tais como: moni-

    toria, iniciao cientfica, auxlio pesquisa etc.

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    Favorecimento econmico e excelncia escolar

    Revista Brasileira de Educao 143

    racional e consciente: no tendo a sensao de que os

    estudos implicam uma via de mobilidade social as-

    cendente, eles no vem razo para se engajar esco-

    larmente em troca de vantagens sociais to pouco sig-

    nificativas. No entanto, em contradio com isso,

    percebem claramente a necessidade da cauo esco-

    lar para legitimar a posio social economicamente

    dominante que sero chamados a ocupar. Assim, no

    deixam de ser sensveis aos benefcios simblicos do

    diploma: prestgio, respeitabilidade, legitimidade cul-

    tural, crculo de amizades, influncias, alianas ma-

    trimoniais etc. Como seus pais, eles vivem, portanto,

    uma contradio interna entre, de um lado, a descren-

    a no poder do diploma e, de outro, o reconhecimen-

    to de seu valor simblico; contradio essa que nofavorece a constituio de uma relao positiva e pes-

    soal do jovem com a escola e no trabalha pela cria-

    o de um gosto pela escola ou pelo interesse por aqui-

    lo que l ensinado.

    MARIA ALICE NOGUEIRA, doutora em educao pela

    Universidade de Paris V, professora titular da Faculdade de Edu-

    cao da UFMG e pesquisadora na rea de sociologia da educa-

    o. Organizou recentemente duas coletneas: Famlia e escola:

    trajetrias de escolarizao em camadas mdias e populares (com

    Geraldo Romanelli e Nadir Zago, Petrpolis: Vozes, 2000), na qual

    colaborou com o captulo A construo da excelncia escolar: um

    estudo feito com estudantes universitrios provenientes das ca-

    madas mdias intelectualizadas; eA escolarizao das elites: um

    panorama internacional da pesquisa (com Ana Maria F. Almeida,

    Petrpolis: Vozes, 2002), na qual publicou o captulo: Estratgias

    de escolarizao em famlias de empresrios. Participou tambm

    da coletneaLenseignement suprieur au Brsil: enjeux et dbats

    (Paris: IHEAL/COFECUB, 2002), com o captulo La constructionde lexcellence scolaire. Trajectoires et stratgies scolaires en

    milieu cultiv. Publicou ainda, em co-autoria com Cludio Mar-

    ques M. Nogueira, A sociologia da educao de Pierre Bourdieu

    (Educao & Sociedade, n 78, p. 15-36, abr. 2002). Atualmente

    coordena o projeto integrado de pesquisa: A construo da

    longevidade e da excelncia escolar em famlias de diferentes

    meios sociais: processos e prticas de escolarizao, no qual de-

    senvolve o subprojeto: Cosmopolitismo cientfico e escolarizao

    dos filhos: o caso das famlias de ex-bolsistas no exterior. E-mail:

    [email protected]

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    Maria Alice Nogueira

    144 Maio /Jun /Jul /Ago 2004 No26

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    Recebido em outubro de 2003

    Aprovado em janeiro de 2004

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    Resumos/Abstracts

    Revista Brasileira de Educao 183

    time-space for the production of new

    knowledge. In this study, we analyse

    the processes of didactical/

    museographical transposition and of

    recontextualization in spaces at

    science museums, in order tounderstand those mechanisms, which

    constitute the discourse expressed in

    expositions dealing with biological

    themes. Studies carried out in the

    educational and museological fields

    were used to understand the specificity,

    which museums impose on this process

    of production. In this paper, we give

    special attention to the construction of

    the theoretical framework used in the

    research process. The theoretical

    premises that were initially used were

    those of the concept of didactical/

    museographic transposition. Based on

    a critique of the limits of this concept,

    new theoretical principles were utilised

    taking as their principal support the

    concept of recontextualization. Finally,

    we seek to discuss the possibilities and

    limits of the use of the concept of

    didactical/museographic transposition

    and analyse the challenges of working

    with the concept of recontextualization

    in order to understand those

    educational processes, which take

    place in spaces offered by science

    museums.

    Key-words: didactical transposition;

    recontextualization; museographic

    transposition; museum education

    Alice Casimiro Lopes

    Polticas curriculares: continuidade

    ou mudana de rumos?

    Com base nas anlises de Stephen Ball

    e nos conceitos de recontextualizao

    (Basil Bernstein) e de hibridismo

    (Garca Canclini), analisa as polticas

    curriculares no Governo Lula. Defende

    que tais polticas ainda se desenvolvem

    sob influncia da mesma comunidade

    epistmica do Governo Fernando

    Henrique Cardoso e aponta os princi-

    pais marcos de mudana que poderiam

    ser desenvolvidos.

    Palavras-chave:hibridismo; polticas

    de currculo; recontextualizao

    Curriculum policy: continuity or

    change?Analyses the curriculum policies

    developed by the Lula Government. It

    concludes by stating that they belong

    to the same epistemological community

    as those developed by the previous

    Fernando Henrique Cardoso

    Government. It also mentions the main

    possible turning points, as far as Balls

    analysis of curriculum policy,

    Bernsteins recontextualization and

    Canclinis hybridism are concerned.Key-words:curriculum policy;

    hybridism; recontextualization

    Mriti de Souza

    Fios e furos: a trama da subjetividade

    e a educao

    Discute a constituio da subjetividade

    atravessada pelopathose pelo logose

    remetida ao singular e ao coletivo.

    Essa concepo demanda a anlise do

    excludo da identidade individualizadado homem moderno e do conhecimento

    como ancorado exclusivamente na ra-

    zo. Considerando o trabalho desen-

    volvido com a populao escolar e a

    escuta dos discursos produzidos pela

    alocao dessas pessoas em lugares

    subjetivos perante o saber, indaga-se a

    possibilidade da prtica pedaggica

    constituir-se em experincia produzin-

    do efeitos de subjetivao.

    Palavras-chave:subjetividade; educa-o; escola; modernidade

    Threads and holes: the plot of

    subjectivity and education

    Discusses the constitution of

    subjectivity cut through with pathos

    and logos and addressed to the singu-

    lar and the collective. This conception

    requires the analysis of that which is

    excluded from the individualised

    identity of modern man and of

    knowledge as anchored exclusively in

    reason. Based on research developed

    with the school population and on

    listening to speeches produced by these

    people situated in subjective places

    with relation to knowledge, wequestion the possibility of pedagogical

    practice constituting experience, which

    produces subjective effects.

    Key-words:subjectivity; education;

    school; modernity

    Maria Alice Nogueira

    Favorecimento econmico e

    excelncia escolar: um mito em

    questo

    Na pesquisa educacional brasileira ain-da carecemos de estudos sobre os pro-

    cessos de escolarizao dos jovens ori-

    ginrios de famlias privilegiadas do

    ponto de vista econmico. O presente

    trabalho prope-se a incursionar, por-

    tanto, em terreno altamente lacunar,

    apresentando alguns resultados parciais

    de um estudo realizado, em 2000-2001,

    com 25 famlias de grandes e mdios

    empresrios(as) de Minas Gerais, cujo

    objetivo principal era conhecer as his-trias escolares dos jovens e as estrat-

    gias educativas postas em prtica por

    esses pais ao longo desses itinerrios.

    Um corpusde 50 entrevistas, feitas com

    os jovens e suas mes, foi reunido. Suas

    concluses permitem questionar a idia

    corrente de que o padro de excelncia

    escolar apangio dos ricos ou, em

    outros termos, de que as elites escola-

    res se compem de alunos ricos.

    Palavras-chave:trajetrias escolares;

    estratgias educativas familiares; rela-

    o famliaescola

    Economic privilege and school

    excellence

    In Brazilian educational research we

    still lack studies which focus on the

    schooling process of youngsters from

    families privileged from the economic

    point of view. This paper aims, therefore,

  • 8/13/2019 Maria Alice Nogueira_Favorecimento Economico e Excelencia Escolar

    14/14

    Resumos/Abstracts

    184 Maio /Jun /Jul /Ago 2004 No 26

    to make an incursion into a highly

    incomplete field, presenting some

    partial results of a study undertaken in

    2000-2001, with 25 families of average

    to successful entrepreneurs from Minas

    Gerais. The aim of the study was tolearn about the young peoples school

    history and the educational strategies

    used by their parents during that time.

    A corpus of 50 interviews conducted

    with the youngsters and their mothers

    was compiled. Our conclusions allow

    us to question the current belief that

    the pattern of school excellence is a

    privilege of the rich, or in other

    terms, that school lites are composed

    of rich students.

    Key-words:school trajectory; family

    educational strategies; school/family

    relations

    ngela C. de Siqueira

    A regulamentao do enfoque

    comercial no setor educacional via

    OMC/GATS

    Aponta o crescente interesse de grupos

    empresariais na rea educacional, pe-

    rante o grande volume de recursos nelaenvolvidos, apresentando a perspectiva

    de incluso da educao, como servio,

    na agenda do Acordo Geral Sobre Co-

    mrcio em Servios, regido pela tica

    da Organizao Mundial do Comrcio.

    Para tanto, analisa documentos da

    OMC, do GATS, propostas apresenta-

    das por alguns pases, evidenciando o

    interesse destes na eliminao de bar-

    reiras para seu livre comrcio. Sina-

    liza que a existncia de regulamenta-

    es nacionais e mesmo a oferta do

    ensino pblico podem ser questionados

    como prticas prejudiciais livre ofer-

    ta de servios educacionais, sujeitos s

    sanes da OMC, entre as quais os

    grupos empresariais podero vir a exi-

    gir recebimento de recursos pblicos e

    outros benefcios. Alerta para o fato de

    que, caso o GATS se concretize, corre-

    se o risco da transformao da educa-

    o de direito pblico subjetivo em

    simples comercializao de pacotes

    educacionais (cursos, sistemas de ava-

    liao e certificao, livros, uniformes,

    mapas etc.). Conclui, indicando que tal

    perspectiva fere a soberania e autono-mia das naes, em um caminho que

    pode levar perda da diversidade cul-

    tural e de valores locais, em benefcio

    de um processo de homogeneizao

    cultural, o que vem sendo contestado

    com a emergncia de movimentos con-

    trrios.

    Palavras-chave:comercializao da

    educao; privatizao; Organizao

    Mundial do Comrcio; Acordo Geral

    sobre Comrcio em Servios

    The regulation of the commercial

    approach to the educational sector

    by WTO/ GATS

    The text indicates the entrepreneurial

    groups growing interest in the

    educational field given the large

    amount of resources involved,

    presenting the perspective of including

    education, as a service, on the agenda

    of the General Agreement on Trade in

    Services, as a World TradeOrganisation directive. To this end, it

    analyses WTO and GATS documents,

    as well as proposals presented by some

    countries, demonstrating their interests

    in eliminating barriers to free

    trade in education. The text points out

    that the existence of national

    regulations and even the offer of public

    education can be challenged as

    practices which are harmful to the

    free offer of educational services

    and subject to WTO sanctions allowing

    business groups to demand public

    resources and other benefits. Should

    GATS succeed, it runs the risk of

    converting education from a subjective

    public right into a process of simple

    commercialisation of educational

    packages (e.g. courses, systems of

    evaluation and certification, textbooks,

    uniforms, maps etc.). It concludes by

    indicating that such a perspective

    clearly endangers national sovereignty

    and autonomy, leading potentially to

    the loss of cultural diversity and local

    values, to the benefit of a process of

    cultural homogeneity. Notwithstanding,it also highlights the emergence of

    movements opposing this tendency.

    Key-words:commercialisation of

    education; privatisation; World Trade

    Organisation; General Agreement on

    Trade in Services

    Munir Fasheh

    Como erradicar o analfabetismo sem

    erradicar os analfabetos?

    O texto desafia vrias suposies queesto freqentemente embutidas nas

    discusses oficiais sobre alfabetizao,

    questionando o valor inerentemente li-

    bertador e positivo do processo de alfa-

    betizao, com base na necessidade de

    respeitar e revalorizar a diversidade de

    formas de aprender, estudar, conhecer e

    se expressar. Argumenta que liberao

    e liberdade esto articuladas diver-

    sidade e ao pluralismo e que a educao

    representa apenas uma das formas deaprender. Afirma que o universalismo,

    mais do que qualquer outra coisa, tem

    sido a causa principal para se eliminar a

    diversidade considerada a essncia da

    vida. Sugere que a adoo da alfabeti-

    zao como forma dominante de conhe-

    cimento pode contribuir para o desapa-

    recimento da diversidade e para a

    predominncia de um nico caminho

    para o progresso e o desenvolvimento.

    Palavras-chave:analfabeto; alfabeti-

    zao; linguagem; conhecimento; di-

    versidade

    How to erradicate illiteracy without

    erradicating illiterates?

    The text challenges various

    suppositions which are frequently

    included in official discussions on

    literacy, questioning the inherent

    liberating and positive value of the

    literacy process on the basis of the