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MARGINALIDADE, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL : UMA QUESTÃO HISTÓRICA Roberto Jarry Richardson (*) RESUMO O presente trabalho é uma tentativa de resgatar o significado do conceito de marginalidade, pobreza e exclusão, percorrendo a sua evolução e características históricas. Mais especificamente, procura-se mostrar que o conceito de exclusão social, faz referência aos mesmos problemas que a noção de marginalidade fazia nas primeira décadas do século XX : a desintegração social e a discriminação de pessoas e grupos, produto do modo de produção capitalista, com uma diferencia importante, é um conceito relacional adequado ao estudo das mudanças econômicas e sociais do mundo ocidental neste século. Conceitos chaves: marginalidade, pobreza ,exclusãosocial 1. Considerações preliminares Existe uma abundante e crescente bibliografia relacionada com o conceito de exclusão social. Alguns autores iniciam seus trabalhos supondo que o leitor potencial, conhece as características do conceito. Outros, introduzem suas publicações oferecendo algum tipo de definição do mesmo. Muitos, dedicam várias páginas e considerações tentando descobrir qual é o conteúdo mais preciso, advertindo que o significado do conceito depende de muitos fatores e contextos sociais. Cabe destacar, que

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Processo da marginalidade até a exclusão

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MARGINALIDADE, POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL : UMA QUESTÃO

HISTÓRICA

Roberto Jarry Richardson (*)

RESUMO

O presente trabalho é uma tentativa de resgatar o significado do conceito de marginalidade, pobreza e exclusão, percorrendo a sua evolução e características históricas. Mais especificamente, procura-se mostrar que o conceito de exclusão social, faz referência aos mesmos problemas que a noção de marginalidade fazia nas primeira décadas do século XX : a desintegração social e a discriminação de pessoas e grupos, produto do modo de produção capitalista, com uma diferencia importante, é um conceito relacional adequado ao estudo das mudanças econômicas e sociais do mundo ocidental neste século.

Conceitos chaves: marginalidade, pobreza ,exclusãosocial

1. Considerações preliminares

Existe uma abundante e crescente bibliografia relacionada com o

conceito de exclusão social. Alguns autores iniciam seus trabalhos supondo

que o leitor potencial, conhece as características do conceito. Outros,

introduzem suas publicações oferecendo algum tipo de definição do mesmo.

Muitos, dedicam várias páginas e considerações tentando descobrir qual é o

conteúdo mais preciso, advertindo que o significado do conceito depende de

muitos fatores e contextos sociais. Cabe destacar, que sendo o conceito um

termo de uso comum, que pode ser utilizado para explicar uma variedade de

situações, é necessário delimitá-lo, tentando eliminar dele os elementos

estranhos à ciência, particularmente, às ciências sociais, facilitando assim, a

formulação de políticas públicas destinadas a enfrentar suas causas e efeitos.

Para J. F.Tezanos (1999), o conceito exclusão social tem-se popularizado nos

ambientes sociais e políticos, antes de se consolidar como uma teoria

sistemática... A prática cotidiana está na frente da conceituação acadêmica,

agora, é necessário restabelecer o equilíbrio para impulsionar o

desenvolvimento da investigação.

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O tema está presente nos planos dos governos, na mídia, no discurso

político e acadêmico. O conceito de exclusão social passou a formar parte do

cotidiano de todos os países. De acordo com Mariângela Wanderley (2003),

não é só um fenômeno que atinge os países mais pobres. Pelo contrário faz

referência ao destino de exclusão da grande maioria da população mundial,

seja pelas condições impostas pelo mundo do trabalho ou por situações

provocadas por modelos e estruturas econômicas que criam desigualdas

absurdas na qualidade de vida das diversas sociedades.

Assim, o trabalho tem como objetivo apresentar a evolução das

principais idéias sobre o conceito de “exclusão social”, a partir de inícios do

século XX e aprofundar a análise das características básicas, atualmente,

atribuídas a esse termo, mostrando seu caráter universal e polêmico.

Historicamente, os pobres da terra (mendigos, pedintes, errantes e

outros), moraram em espaços sociais, e passaram séculos constituindo um

universo de estigmatizados. No entanto, a partir dos anos 90, surge um novo

conceito – a exclusão – protagonista de um intenso debate acadêmico e

político. De acordo com Paugman ( 1996: 14):

se na atualidade, a maioria dos problemas sociais são aprehendidos atravês deste conceito, é preciso ver alí,o resultado da degradação do mercado de trabalho, particularmente intensa no início da década, e também a evolução das representações e das categorias de análise.

Busso e Gorbán (2003) fazem uma reflexão extremamente interessante

dos processos de mudança social na Argentina, analisando a rua (“la calle”)

como espaço de trabalho de catadores de lixo e feirantes. Sem dúvida suas

ideais se aplicam ao Brasil, América Latina e, também, o que não acontecia

no passado, aos países hegemônicos.

Concordando com as autoras mencionadas, as transformações que

caracterizaram o mundo de trabalho capitalista, na década de 90, com a

aplicação do modelo econômico neoliberal, configuraram uma situação

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marcada pela expulsão das pessoas do mercado de trabalho, seja pela

extinção dos postos ocupados, ou por ajustes na estrutura das empresas e

fábricas. Essa situação levou a que um número cada vez maior de

trabalhadores veja reduzidas suas possíveis fontes de renda. Nesse contexto,

a rua foi um dos poucos espaços desse mercado que abriu suas portas aos

desempregados, como mais uma trincheira desde donde poder resistir à

incontrolável queda na miséria e na marginalidade.

Assim, as ruas, além de integrar os itinerários ou caminhos que

conduzem de um lugar a outro, se transformam em um local de trabalho, as

vezes, regulamentados por medidas legais (normas para a colheita do lixo),

onde interagem tensões, conflitos, relações de poder e as identidades sociais

são redefinidas.Seguindo as idéias de Gorbán (2005), a rua é o espaço para se

dirigir a algum lugar, para o encontro com outra pessoa, para o passeio e para

conversar com muitos. Também é o espaço que sempre temos a mão, que é

de todos, que podemos usar, sujar, e até gritar. No entanto, nos últimos anos,e

cada vez maior o numero de pessoas para as quais a rua é um “lugar”, e

particularmente, um lugar de trabalho, onde se compartilham histórias, relações

e identidades. Em outra palavras, a rua é o espaço que excluídos acharam

possível para prover os recursos necessários para garantir o sustento da sua

vida e da sua família. Isso, quaisquer um de nós, pode constar.

Assim, o espaço da rua, o espaço físico transforma-se em um espaço

social onde se desenvolve uma multiplicidade de relações e processos.

Vendedores ambulantes, catadores de lixo e outros, a partir do trabalho, fazem

da rua o seu lugar de vida. Sua aparição, através de discurso e da ação

(Arendt, 2005) no espaço público, lhes permite ser vistos por outros,

apresentar-se e ser representados.

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2. Bases históricas do fenômeno

O conceito exclusão social tem sido amplamente utilizado nos diversos

paises, particularmente, na Europa a partir de la década de 80.

Considerando a crescente abrangência do fenômeno, a luta contra a

exclusão social tem se convertido em um dos grandes desafios que devem

enfrentar as sociedades ocidentais. A exclusão social evoluiu junto com as

mudanças produzidas nas diversas sociedades pela aplicação, na década de

90, do modelo capitalista neoliberal, extremamente prejudiciais para a grande

maioria da população mundial. Hoje, não podemos identificá-la com o que

tradicionalmente foi chamado de “pobreza”, nem, apenas, considerá-la um

problema de raízes econômicas. A exclusão constitui uma realidade complexa,

multifacetada que tem por trás emaranhado de condicionamentos, causas e

conseqüências (Consejería de Bienestar Social y Sanidad de Melilla, Espanha.

2007).

Como uma primeira aproximação, concordo com Saunders e Tsumori

(2002) do Instituto de Estudos Independentes de Londres, Inglaterra. Segundo

esses autores um novo conceito, "exclusão social", está substituindo um mais

antigo e tradicional, a idéia de pobreza. O termo exclusão social pode significar

qualquer coisa e se aplicar a quase todos. No entanto, diferente de pobreza,

sempre implica causa. Se identificamos pessoas como socialmente excluídas,

estamos pressupondo que não devem ser responsabilizadas pela sua

condição. A exclusão é algo que acontece às pessoas. São em certa medida

vítimas, em um sentido que o conceito de pobreza não pode tratar. São outros

os responsáveis. Alguém foi responsável pela estrutura econômica de

desemprego, pela discriminação racial, pela discriminação da mulher, dos

velhos e das pessoas com deficiência.

Como têm evoluído as idéias sobre exclusão social? No seu livro

“Teorias da Exclusão” Martine Xiberras (1993), parte da constituição de três

conjuntos de teorias, simultaneamente cronológicas e temáticas, nos

proporcionar um modelo explicativo do fenômeno da exclusão. Esta autora

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inicia seu estudo a partir dos denominados “pais fundadores" da sociologia:

Durkheim, Simmel e Max Weber. Estes sociólogos adotaram como objeto de

estudo a questão da coesão social. O fundamento de suas teorias consistia

em que o equilíbrio social e a coesão dos agregados humanos dependem de

duas grandes variáveis: a coesão das relações sociais, ou a natureza do laço

social, e a coerência das representações coletivas, ou a natureza do laço moral

Embora estes autores não tenham abordado diretamente o fenômeno

da exclusão, todavia indicaram pistas importantes, particularmente, para quem

defende a idéia de exclusão como problema de coesão social.

Para Caetano (2007) Émile Durkheim apresenta as categorias de

solidariedade mecânica e de solidariedade orgânica, para compreender as

formas do laço social horizontal, que liga os homens em coletividade e

possibilita tecer relações de solidariedade. Durkheim analisa, sobretudo a

influência da consciência coletiva sobre a natureza do laço social. A partir da

abordagem do termo solidariedade que possibilita vincular os homens entre si,

coloca em evidência a forma como o laço social se desfaz, quando não é

diretamente substituída por outras representações coletivas adequadas, a partir

de uma modelização.

Émile Durkheim, acadêmico francês ( 1858 – 1917),considerado o pai

da sociologia, um dos melhores teóricos da coesão social. Por outro lado, é

também considerado o pai da sociologia positivista, ou seja, uma sociologia

metódica, que toma como modelo de análise o rigor das ciências exatas do

século XX: a física, a biologia, a medicina. Este autor vai estudar as formas de

solidariedade, na perspectiva de descrever as formas de agrupamentos assim

como, a lei de funcionamento da sociedade. Apresentando duas formas de

solidariedade. Na solidariedade mecânica ou natural, descreve o laço social

existente nas sociedades tradicionais ou primitivas, a partir dos agrupamentos

estáveis e restritos, onde os indivíduos são intermutáveis porque se

assemelham, simultaneamente, do ponto de vista da sua função no grupo e da

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identidade das suas representações. Este tipo de solidariedade expressa-se de

forma natural ou mecânica, a partir do contato ou proximidades entre os seres

humanos. (XIBERRAS, 1993, p.44).

A solidariedade orgânica é específica das sociedades modernas,

consiste na idéia de que a divisão do trabalho opera uma diferenciação cada

vez maior das tarefas e das profissões entre os indivíduos. Segundo o

pensamento de Durkheim, nessas sociedades, os homens assumem funções

diferentes, mas todas constituem indispensáveis à vida social. Este autor

analisa o funcionamento da sociedade similar ao funcionamento do corpo

humano. Embora cada parte do corpo desempenhe funções diferentes, todas

são importantes. Desse modo, as pessoas embora ocupem posições desiguais

na sociedade, devem cumprir bem o seu papel, independente da sua função,

ou lugar, para obtenção do equilíbrio social. A pessoa que não entra nesse

equilíbrio é considerada desviada da sociedade, uma pessoa desajustada.

(XIBERRAS, 1993).

Para Durkheim, a evolução histórica da humanidade tem possibilitado a

passagem do primeiro tipo de solidariedade para o segundo. Para este autor, a

solidariedade que é alcançada a partir de uma consciência coletiva, possibilita

aos indivíduos incorporem uma imagem a partir sentimentos e convicções

comum a uma determinada sociedade. Esta consciência coletiva se expressa

em forma de idéias, valores e sentimentos. Portanto, a força e o grau de

intensidade desta consciência coletiva, varia de acordo com a força ou o grau

de coesão desses indivíduos de um para com o outro. (MIGUEL, 2003, p.25).

Nesse contexto, “la ‘anomia’ implica la desagregación de los valores y ausência

de referencias a nivel del tejido de las relaciones humanas. Resulta de la falte

de adhesión a los valores que se hallan em el plano de las representaciones”.

Desse modo, Durkheim, refere-se e se preocupa com a questão das

“sociopatías”, diferenciando as pessoas normais da patológica. Portanto, as

patologias, assim como as anomalias seriam resultados da falta de

solidariedade existente nas sociedades modernas.(MIGUEL, 2003, . Assim, nas

sociedades modernas, a partir da fragilização dos espaços sociais de

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integração, tais como família, trabalho, religião, etc, e a progressiva

individualização, a categoria “anomia”, vai expressar a figura principal da

exclusão em Durkheim.

Segundo ESCOREL (1999, p.61), a anomia representa

...no plano das representações, a desagregação dos valores e a ausência de referencias, e, no plano das relações sociais, indica a desagregação do tecido social e a falta de adesão aos valores. A anomia descreve um mecanismo de exclusão macro e microssocial que atinge facilmente a desagregação da ordem social pela morte do ser humano: o suicídio anomico. Anomia contém a idéia de morte, individual depois coletiva”.

Georg Simmel, sociólogo alemão da segunda metade do século XIX,

aborda nesses mesmos vínculos, as modalidades das relações de alteridade.

Entretanto, este pensador tenta esclarecê-la a partir dos conceitos de

proximidade e distância e da categoria do “estrangeiro”: o laço social global na

sua forma microssocial, na interação entre os homens. Max Weber se interessa

particularmente pelo laço político, definido como aquele que liga os agentes

sociais às autoridades que os submete. O autor analisa a natureza dos

vínculos sociais verticais: o que liga os homens às representações coletivas às

quais aceitam submeter-se e que constituem, de fato, valores comuns a todos.

Nesse aspecto, essas teorias têm em comum o objeto de estudo “o desvio”

(grupos excluídos) enquanto uma categoria da população. Nesse caso, a

exclusão é definida pelo “excesso”, no sentido de que o fenômeno se expande

materialmente nos processos de urbanização. (XIBERRAS, 1993).

A sociologia desenvolvida por Simmel, analisa fundamentalmente à

interação, ou seja, a relação de reciprocidade que ligam os indivíduos entre si.

Portanto, para ele, a consistência da coesão social, se dá, sobretudo, na

interação, na relação com o outro. Simmel analisa essa deficiência nas

representações coletivas na ralação com o outro, se dá a partir da alteridade,

no modo de pensar a diferença (proximidade/distância), fazendo uso da figura

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do estrangeiro. Como referência, ele analisa a Cidade Antiga, identifica o

estrangeiro no interior (escravo) e o estrangeiro no exterior (o bárbaro). Com o

bárbaro não existe uma relação, “a relação é uma não relação, é a distância

máxima, um não reconhecimento de qualquer similitude, sequer a mais geral, a

da humanidade”. Simmel define o vinculo social da modernidade como

excludente por natureza. Assim, no contexto das diferenças, as interações são

de estranhamento e hostilidade. (ESCOREL, 1999, p.61).“A barbárie. Na

Grécia Antiga, os Bárbaros são considerados como estrangeiros que não

pertencem ao grupo. A relação é uma não-relação, porque a relação de

semelhança geral (aqui a sua humanidade) lhes é recusada. É um caso de

distancia máxima” (XIBERRAS, 1993, p.68).

Max Weber, economista e sociólogo alemão (1864 – 1920) apresenta

uma terceira perspectiva no âmbito dos pais criadores da sociologia,

centrando-se nos aspectos constitutivos da sociedade (política, economia,

direito, religião, etc.)Trata-se da sociologia compreensiva Ele define como

objeto da sociologia “a atividade social”, que vai além do fato social, apresenta

“a idéia de um movimento, que o agente social pode imprimir no socius que o

rodeia”. (XIBERRAS, 1993, p.76). Segundo este autor, existe três tipos de

dominação legitima: a dominação tradicional, a carismática e a legal. Weber se

opõe fundamentalmente a Durkheim quando vai estudar o espírito do

capitalismo. Enquanto para Weber o capitalismo consiste num sistema de

representação coletivo, para Durkheim, o capitalismo é, sobretudo uma

representação em nível do individual. O indivíduo é que se conduz diretamente

a anomia. Portanto, Max Weber, centra seus estudos no objetivo de

compreender as razões que levam os indivíduos aceitar a subordinação,

...legitimando su accionar es que los indivíduos logram tarnsformar la disciplina em adhesión. Es asi que, em la trama social de la modernidade, los sujeitos legitiman su subordinación com relación a uma estructura material –economia- y/o espiritual – religión-, em tanto se considera que quedar por fuera de esta legitimación econômica y/o religiosa implica quedar por fuera también de la legitimación social, generándose implicitamente relaciones de exclusión social para aquellos que no logran tal letigimación. (MIGUEZ, 2003, p.27).

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Enfim, os três pensadores que vivem na mesma época, considerados

os pais da sociologia preocupam-se essencialmente com os mecanismos de

coesão social das sociedades modernas. Não estudam as populações

excluídas, entretanto, esboçam formas e processos de exclusão próprios da

modernidade. Portanto, o conceito de anomia consiste a figura principal de

mecanismo de exclusão neste contexto. O conceito de desvio é herdeiro do

pensamento de Durkheim e Simmel. Este conceito emerge a volta do conceito

de anomia, a partir do seguinte argumento: quando a densidade social

aumenta, a densidade moral decresce. (XIBERRAS, 1993,p.95).

Nesse sentido, a questão central desse primeiro grupo de teóricos,

denominados criadores das “teorias da sociologia clássica”, constitui a

problemática interrogativa do porquê e o como os seres humanos viveram em

conjunto. Estes autores se esforçaram para demonstrar os mecanismos da

ordem social e global, assim como da composição do laço social na sociedade

moderna. (XIBERRAS, 1993). Nesse contexto, a sociologia vai se debruçar

sobre a exclusão enquanto um tema da moral, um problema do indivíduo,

combatendo os desajustes sociais e morais, para garantir o bom

funcionamento do sistema capitalista.

Margarita Lozar , socióloga da Universidad Complutense de Espanha,

no seu trabalho Marginación y Pobreza ( 2002) faz uma excelente síntese da

evolução do conceito de exclusão social, a partir de pensadores do século XIX.

Segundo Lozar, com a publicação, em 1928, no American Journal of Sociology,

do artigo de Roberto Park, Migração humana e homem marginal (Human

Migration and Marginal Man), entre em cena um conceito que terá uma grande

importância para estudar alguns fenômenos característicos da sociedade

moderna. No entanto a autora adverte, desde o primeiro momento, só através

de uma intenso processo de extensão e dispersão semântica pôde chegar a ter

as conotações atuais.

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Park estava, particularmente, preocupado das doutrinas que tentam

explicar, a partir de uma causa dominante, as diferencias culturais que existem

entre raças e povos. De Montesquie deriva a escola que procura explicar tais

diferenças a partir das características climáticas e do contexto físico. José

Arthur, o conde Gobineau, no seu Ensaio sobre a desigualdade da raça

humana (Essai sur l'inégalité des races humaines), de 1853-5, considerada a

bíblia do racismo moderno,considera que as diferenças culturais se explicam

por características inatas das raças, transmitidas por herança biológica.

Gobineau, afirmava que a raça branca era superior às outras, e os arianos,

identificados como os louros de descendência germânica, eram superiores aos

demais brancos.

Sem embargo, a Park lhe resulta mais atrativa, por referir-se a uma

grande diversidade de fatos e permitir a explicação de um maior número de

situações, o que ele denomina “teoria catastrófica da civilização” que teria suas

origens no pensamento de Hume, na Inglaterra e Turgot, na França. Segundo

tal teoria, mais importante que as raças e a manutenção de suas

características, é o contraste, fusão, incluso o antagonismo entre elas.

Nesse contexto, Park incorpora o fenômeno dos movimentos

migratórios, à análise das guerras e revoluções. Para ele, a emigração tem

importância especial e não deve ser estudada apenas no seus aspectos

superficiais e externos que fazem referência às mudanças na moral e nos

costumes, mas deve ser tratada, também, nos seus aspectos subjetivos.

Assim, será necessário prestar atenção às mudanças que a emigração

produz nos tipos de personalidade. Quando a organização da sociedade

tradicional se rompe (perde a coesão) como resultado do contato e choque

com uma nova cultura invasora, podemos afirmar que o efeito é a emancipação

do individuo. Libertam-se as energias que estavam controladas pelos costumes

e tradições. Em certa forma, a pessoa converte-se em estrangeiro e

cosmopolita, a secularização passa a ocupar o lugar da antiga mentalidade

sagrada.

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Seguindo as idéais de Lozar (op. cit), nesta primeira elaboração do

conceito de “homem marginal” podem-se destacar os seguintes aspectos:

trata-se de um individuo que, como conseqüência da emigração encontra-se

entre dois raças, povos e/ou culturas, emancipado em relação à sua e livre

frente à nova, portanto, em uma situação de relativa independência, que pode

estimular o surgimento de respostas inovadoras. Alguns anos mais tarde, Park

afirma que o típico homem marginal é aquele que possui uma herança racial

misturada.

Na introdução do livro de E.V. Stonequist, O Homem Marginal (The

Marginal Man), publicado em 1937, dedicado à análise do conceito de Park.

Este último, faz por primeira vez, e da maior importância menção aos efeitos

desorganizadores da marginalidade. O homem marginal, é aquele que o

destino condenou a viver em duas sociedades e em duas culturas, não só

diferentes, mas antagônicas.

Stonequist, caracteriza quatro tipos pessoa marginal: o emigrante

estrangeiro, o emigrante de segunda geração, o judeu emancipado do gueto e

o mestiço. Além desses, menciona outros tipos de marginalidade, o

desclassificado, o emigrante do campo para a cidade e a mulher que assume

novos papeis na sociedade. Mas, concentra sua análise, nos primeiros quatro.

Nos anos seguintes à publicação do livro de Stonequist, os

pesquisadores centraram seus estudos na segunda geração de emigrantes.

Diversos fatos, favoreceram esta escolha: o índice relativamente alto de

criminalidade, a desorganização social e o aumento dos problemas emocionais

dos indivíduos. Alem disso, os estudos procuravam mostrar que a

marginalidade não está intrinsecamente relacionada a questões étnicas e

raciais. Golovensky (apud. Lozar (2002 ) , critica as conotações avaliativas da

marginalidade e o fato que o conceito se aplique apenas a grupos étnicos,

quando em nas sociedades modernas existem muitos outros tipos de homens

nessa condição.

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De acordo com Miguel (2003) na primeira metade do século XX, uma

equipe de sociólogo integrante da Universidade de Chicago, renova a

problemática da sociologia, ao estudar diretamente as formas de

decomposição social e os grupos definidos como anônimos. Portanto, teve-se

início os estudos sobre as possíveis formas de decomposição da questão

social, fundamentado pela teoria denominada da ecologia humana da coesão

do laço social, objetivando a recomposição desses laços sociais

(Universidade de Chicago, anos 20-30). Os autores vinculados a este tempo e

a esta Teoria, concebem a cidade como um organismo natural, na qual se

agregam a organização material e a organização moral. Desse modo, a

interação de ambas as organizações implica a adaptação de uma a outra

organização. A concepção que sustenta esta teoria se fundamenta da idéia de

que qualquer agregado humano naturalmente se organiza material e

espiritualmente, enquanto uma condição da preservação do equilíbrio da

humanidade.

Desse modo, a Escola de Chicago estuda desde os anos 30, a questão

da densidade moral nas grandes metrópoles industriais. Os estudos analisam

os mecanismos que conduzem a desagregação moral e à desagregação do

tecido social e provocam a exclusão material e moral do gueto. Analisam como

os guetos, enquanto um espaço social recompõe, à sua maneira, um laço

social parcial de tipo comunitário. (XIBERRAS, 1993, p.96).

E, posteriormente, tem-se a partir dos anos 60, a corrente do

interacionismo simbólico, que vai estudar as formas de exclusão simbólica, nos

Estados Unidos da América, através de estudos sobre as perspectivas e o

objeto da criminologia americana e retoma as idéias da Escola de Chicago.

Esses pesquisadores vão demonstrar que o crime ou a delinqüência, não são

os únicos fatores sociais sancionados pela sociedade, estendendo toda uma

categoria de práticas sociais, a exemplo o alcoolismo, as doenças mentais, que

acarretam também uma forma de sanção pela sociedade instituída. Nesse

contexto têm-se os estudos de Becker: Outsiders (1963), de Goffman: Stigmate

(1961), David Matza, Delinquency and drif (1964). Nesse sentido, as categorias

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do “desvio” (Becker) e de “estigma” (Goffman), muito tem servido de substrato

teórico para análise do fenômeno da exclusão em contextos urbanos e

metropolitanos. Estes autores vão demonstrar que as minorias forjam também

formas de resistência e proteção, aos processos de exclusão de ordem

simbólica. (XIBERRAS, 1993).

David Riesman em Individualism Reconsidered and Other Essays(1954)

lamenta, que nessa época e, particularmente, nos Estados Unidos de Norte

América, a atitude sociológica seja de desagrado e de nostalgia em relação à

marginalidade, considerando apenas seus aspectos negativos, esquecendo

que nos sistemas sociais do passado existiam desarraigados. A condição de

marginalidade seria sinônimo de alienação.

No seu livro, The Lonely Crowd (publicado no Brasil em 1995, “A

Multidão Solitária”) Riesman, deixa claro que o sentimento de solidão, produto

de emigração, pode expandir a aspiração de ser diferente, o que não existia em

épocas anteriores.

Na atualidade, os pesquisadores tem substituído o conceito de

marginalidade, pelo conceito de pobreza e, particularmente, de exclusão social,

mais abrangente e relacional.

No entanto, seguindo as idéias de Lozar, foi necessário uma mudança

semântica importante para chegar aos atuais significados do conceito. Não

deixa de ser significativo que o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define

marginalidade, como “posição marginal em relação a uma forma social”;

marginalização, como, “efeito de marginalizar”, e, marginalizar como “impedir a

integração ou participação de (alguém) em um grupo, no meio social, na vida

pública etc”. Por último, de acordo com esse Dicionário, a locução “à margem”

é utilizada para indicar que alguém não tem participação em algum assunto.

Assim, essas definições supõem a existência de dois mundos, e que a

separação ou distanciamento de um deles, se produz por ação do outro,

deixando-o em uma situação desfavorável.

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3. O conceito de marginalidade em América Latina.

Para Mario Theodoro( 2002), pesquisador do Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA) em contraposição à ideologia keynesiana da

CEPAL do Estado planificador e desenvolvimentista ( industrialização integral

por meio de planejamento e de decidido apoio estatal) capaz de reverter o

subdesenvolvimento, a chamada Teoria da Dependência viria, já nos anos

1960, recolocar sob novas bases toda essa problemática.

Segundo essa abordagem, de cunho estruturalista, o

subdesenvolvimento não seria apenas um problema de relação entre centro e

periferia, mas principalmente no que diz respeito às relações entre as classes

sociais internamente ao país. Para Kowarick,(1977,p. 65) “...é uma teoria que

abrange fatores macroestruturais, tanto políticos e econômicos,como

sociológicos e culturais, a partir dos quais se analisa a trajetória histórica das

sociedades periféricas tendo em vista suas relações com os países centrais”.

A idéia de marginalidade urbana é resgatada pelos teóricos da

Dependência na explicação da pobreza e da miséria nas grandes cidades do

continente. Com efeito, o subemprego, tido como um dos principais elementos

constitutivos de uma economia subdesenvolvida, estaria associado à idéia de

marginalidade e seria visto agora não mais como um fenômeno passageiro

e/ou fortuito. Ao contrário, seria, antes, o produto mais imediato e perene do

processo de modernização via industrialização (Theodoro, 2002).

O subdesenvolvimento seria a essência do crescimento econômico

“dependente”; a marginalidade urbana, sua expressão mais concreta. O

subemprego como resultado último desse processo “vicioso” – como a própria

marginalidade e o subdesenvolvimento – só encontraria uma reversão se

houvesse perspectivas de mudanças estruturais na sociedade.

Para Theodoro (op.cit), a principal contribuição do enfoque da

dependência/marginalidade parece residir na contextualização do

subdesenvolvimento dentro de um arcabouço explicativa mais amplo, onde a

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dimensão econômica aparece como importante – e mesmo primordial - mas

não como a única. Fatores ligados à conformação social, à formação histórica e

mesmo cultural apareciam como constitutivos. A fronteira entre o

subdesenvolvimento e o desenvolvimento não poderia ser transposta apenas

pela adoção de um conjunto de políticas tecnicamente adequadas. A questão

passava a ser vista como algo mais abrangente e estrutural. Introduzia-se

assim uma perspectiva histórica e social que ultrapassava a visão técnica e

economicista do problema do subdesenvolvimento.

Os dois enfoques da CEPAL e o da teoria da marginalidade –

coexistiram, ainda que com uma certa margem de conflito, durante a década de

1960 e início dos anos 1970, cada qual proliferando em um espaço bem

definido. O pensamento cepalino continuava a nortear as diretrizes da política

desenvolvimentista utilizada pelos governos latinoamericanos, enquanto que a

marginalidade ganhava espaço na discussão acadêmica. Nos anos 1970,

porém, as estatísticas recém-publicadas mostraram que mais de uma década

de crescimento vivenciada pelos países da região não haviam se traduzido em

uma reversão do quadro de subemprego.Ao contrário, mesmo países que

experimentaram um elevado grau de crescimento econômico no período – caso

do Brasil – teimavam em exibir largos contingentes da força de trabalho

subempregada (Hoffmann, 1980 e Jatobá, 1989). De algum modo, o que

preconizava a teoria cepalina não encontrara eco na realidade vigente, pelo

menos no que se referia ao mercado de trabalho.

Para Aníbal Quijano (apud Maiolino e Mancebo, 2005), um dos mais

destacados estudiosos da marginalidade, a palavra [marginalidade] introduziu-

se em nosso meio como referência a certos problemas surgidos no processo

de urbanização posterior à Segunda Guerra Mundial, como conseqüência do

estabelecimento de núcleos de populações recentes e de características sub-

standard na periferia do corpo urbano tradicional da maior parte das cidades

latinoamericanas. ... Como, precisamente, esses povoamentos se levantaram,

em regra geral, nas bordas ou margens do corpo urbano tradicional das

cidades, o mais fácil era denominá-los “bairros marginais” e seus habitantes,

15

Page 16: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

“populações marginais”. ... O problema que estes grupamentos encerravam se

constitui uno problema das “populações marginais

Assim, para Maiolino e Mancebo, Quijano circunscreve de forma clara

não apenas a origem do termo marginal, mas também sua vinculação à

questão do crescimento acelerado e desigual das grandes cidades, ocorrido,

sobretudo,a partir da década de 1950. Ressaltando que moradias precárias

não se encontravam apenas nas áreas marginais, mas também eram

localizáveis nos setores mais centrais e tradicionais das cidades. Além disso,

não era unicamente a moradia ou a habitação como tais que se encontravam

em precariedade, mas todo o conjunto de ‘serviços comunais’ (água, esgoto,

luz elétrica, transportes) de certas áreas da cidade

Em geral, a teoria da marginalidade pretendeu explicar a existência de

uma parcela de trabalhadores urbanos que, na América Latina, não se

integrava aos setores modernos da economia. Tratava-se basicamente dos

trabalhadores autônomos, ambulantes, prestadores de serviços, atividades

domésticas. Eles constituíam um “massa marginal” (Nun) ou “mão-de-obra

marginalizada” (Quijano). O conceito de exército industrial de reservas (Marx)

não daria mais para dar conta desse setor. O contingente de desempregados

existiria para suprir as fases de expansão do capital e para pressionar para

baixo os salários. Nun e Quijano consideram que os “trabalhadores marginais”

não servem para os setores hegemônicos da economia – não funcionam mais

como reserva, são “excedentes”. Nas palavras de Hobsbawn “ Não se pode

dizer que este elemento funcione como um ‘exercito industrial de reserva’ no

sentido clássico,... Pode ser dito que uma proporção do excedente de trabalho

é irrelevante para a economia, “marginal”. (apud Caetano, 2007, p.58).

Nesse contexto, a teoria da marginalidade vai servir para explicar um

fenômeno tipicamente latino-americano, próprio do capitalismo dependente ou

periférico. Seguindo as colocações de Lesbaupin (2001), poderia servir para

explicar o surgimento de um setor que não consegue se integrar no

desenvolvimento capitalista – ou que é expulso do setor dinâmico da economia.

16

Page 17: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

O “marginalizado” assemelha-se ao termo utilizado por Marx de

“lumpenproletariado”. Marx não contemplava este setor no conjunto da classe

trabalhadora, reconhecido nesse contexto como os pobres, mendigos,

vagabundos, criminosos, prostitutas. Nesse contexto, Marx, falava que na

França pairavam cerca de 5 milhões que eram oficialmente reconhecidos como

aqueles que pairavam à margem da existência, e sejam do campo ou da

cidade, “tem seus casebres no próprio campo, seja continuamente abandonado

no campo pelas cidades e as cidades pelo campo, com seus trapos e crianças.

(LESBAUPIN, 2001, p.31).

Portanto, quanto ao conceito de “exército industrial de reserva”, Marx o

elaborava em O Capital, sobre o processo de acumulação do capital. Segundo

Marx o capital cresce sempre e que a força de trabalho absorvida por ele

também cresce, mas em proporções constantemente decrescente. Sobra,

portanto, sempre uma parte da população operária desempregada. Essa

superpopulação relativa constitui um contingente disponível para os mementos

de expansão do capital. Portanto, o exército de reserva exerce pressão sobre o

exercito operário em atividade, refreando as suas exigências, sobretudo para

manter os salários controlados. Assim, Marx também vai falar de uma

população “os últimos despojos” dessa superpopulação os que se refugiam na

órbita do pauperismo. Essa massa cresce nas épocas de crise: as viúvas, os

órfãos, idosos, deficientes, inaptos ao trabalho, como também pessoas

capacitadas para o trabalho e que ficaram de fora (LESBAUPIN, 2001).

Para Kowarick (apud. LAVINAS, 2002) nesse momento a marginalidade

é reconhecida como inerente ao sistema capitalista e, sobretudo, às

sociedades dependentes que, ao adotarem o modelo da substituição de

importações, dão lugar à constituição de um mercado de trabalho dual,

formado por dois setores independentes. A pobreza é retratada pela expansão

dos excedentes populacionais, pelos grupos marginais que não encontram

trabalho no setor formal e moderno da economia e que costumam viver nas

favelas.De novo, a pobreza é entendida como uma forma de exclusão: não

pertencer à nova classe trabalhadora portadora do projeto de modernidade

social.

17

Page 18: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Segundo Lavinas (2002), duas idéias-força - marginalidade e dualidade -

intimamente ligadas à dinâmica do mercado de trabalho nas sociedades

periféricas, vão, assim, informar o debate sobre pobreza no Brasil e também na

América Latina, sob a influência do pensamento cepalino (uma industrialização

tardia e fortemente excludente, marginalizadora, como propôs a teoria da

dependência). Tal matriz vai permanecer até meados da década de 70. Nela,

os pobres são aqueles que permanecem no mercado informal, onde

predominam os setores tradicionais e atrasados, à margem do setor moderno

da economia e que, por isso mesmo, não conseguem romper com a cultura

da pobreza e adotar os novos valores urbanos-industriais das sociedades

capitalistas desenvolvidas.

Oliveira (apud, Lavinas 2002), critica essa posição demonstrando que a

exclusão não era dada pela forma inadequada, disfuncional da integração

produtiva dos trabalhadores, mas pela sua exclusão dos “ganhos da produção”,

dos frutos do crescimento econômico:

“[…] a expansão capitalista da economia brasileira aprofundou no pós-64 a exclusão que já era uma característica que vinha se firmando sobre as outras e, mais que isso, tornou a exclusão um elemento vital de seu dinamismo” ( Lavinas, p:42).

Segundo Alexsandro da Silva (2003) a teoria da marginalidade foi uma

reação ao modelo da modernização que preconizava uma mudança no modelo

capitalista tradicional, ou melhor, uma modernização no âmbito da produção. A

idéia dominante era a de que na medida em que o ritmo da urbanização se

acentuava devido à intensificação das migrações internas, as populações

migrantes passaram a se localizar na periferia ou nas áreas decadentes das

grandes metrópoles, dando origem ao que se chamou de bairros marginais

(KOWARICK, 1981).

18

Page 19: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

O foco das análises residia sobre os “espaços de pobreza”, periferias,

favelas, e como se estruturavam em face do capitalismo, decorrentes da rápida

urbanização. O “conteúdo programático” da Marginalidade pode ser resumido

em pontos como: (a) marginais seriam espaços de pobreza, caracterizados

pela precariedade dos meios de subsistência e habitabilidade (como as

favelas); (b) tais espaços seriam homogêneos, do ponto de vista social e

cultural; (c) a população possuiria indivíduos problemáticos, com

desorganização e pouca adaptabilidade a “cultura dominante”, entre outros

aspectos (KOWARICK, 1981).

Seguindo Da Silva (op.cit.) a teoria da marginalidad enfatizava os

aspectos macroestruturais, tendo como categoria principal a acumulação

capitalista. Achava-se, nesse momento, que o desenvolvimento seguia

estágios e que os países do terceiro mundo poderiam conseguir alcançar o

pleno desenvolvimento. O problema era, então, dualizado entre o tradicional e

o moderno.

O Centro de Desenvolvimento Econômico e Social da América Latina

(DESAL)(*), criado na década de 60, no Chile, teve uma grande

importância no combate da marginalidade no continente, manteve estreito

contato com o governo de John Kennedy dos EUA e com a Aliança para o

Progresso, órgão criado por esse país para colaborar com o trabalhão

assistencial dos governos de AL. O DESAL passou a defender a intervenção

do Estado na questão relativa à marginalidade com o argumento de que ela

afetava todas as esferas da vida social, nos seus aspectos econômicos,

sociais, culturais e políticos, incapacitando, inclusive os próprios marginais

de se integrarem. A morte do Presidente Kennedy e o conservadorismo do seu

sucessor, o compromisso que essa instituição tinha com os diversos governos

do continente americano, o aumento da pobreza e os mínimos efeitos das

poucas medidas tomadas para enfrentar a marginalidade, contribuíram para o

fim do DESAL em inícios da década de 70.

Em geral, o avanço do capitalismo, a deterioração crescente das condições de

vida da maioria da população da América Latina e dos paises “em

19

Page 20: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

desenvolvimento” e, a falta de clareza das propostas dos defensores da teoria

da marginalidade, levaram ela a perder espaço para a pobreza.

Podemos afirmar que O Mito da Marginalidade de Janice Perlman, publicado

em 1977, foi o funeral da teoria de marginalidade. A autora coloca que toda a

construção teórica da marginalidade na tentativa de criar um “outro mundo”, à

parte da sociedade (como as favelas cariocas), não era adequado na medida

em que a exclusão é também um aspecto constituinte e necessário à cidade

capitalista, tendo nesta seu papel integrador. Utilizando como objeto de

estudo a remoção de favelas no Rio de Janeiro, Perlman conclui que os pobres

estariam integrados ao sistema econômico e social que se reproduz para toda

a sociedade, possuindo uma função específica neste sistema:

A marginalidade é um mito, e também a descrição de uma realidade social. Na qualidade de um mito, serve de fundamento para crenças pessoais e interesses da sociedade; suas profundas raízes no espírito dos indivíduos não se deixarão abalar por qualquer análise teórica. Na qualidade de descrição de uma realidade social, refere-se a um conjunto de problemas específicos que precisam ser abordados desde um ponto de vista teórico diferente, a fim de que seja corretamente compreendida (PERLMAN, 1977,p.285).

_______________________________________

(*) O DESAL assessorou o governo democrata-cristão chileno de Frei, no período de 1964 a 1970. A criação desse órgão esteve estreitamente vinculada ao avanço experimentado pelos partidos democratas cristão na Europa do pós-guerra, particularmente na Alemanha Ocidental e na Itália.

20

Page 21: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Em geral, a Teoria da Marginalidade foi um momento extremamente

importante para América Latina, ao igual que a Teoria de Dependência. Um

momento de transição entre as teorias que dividiam o mundo em grupos

“numéricos”: Primeiro, Segundo, Terceiro, etc. e as novas abordagens ligadas

aos efeitos desastrosos do capitalismo neoliberal e da “globalização”.

Lamentavelmente, na atualidade, o conceito de marginalidade, marginal e

outros, está muito relacionado com violência e delinqüência.

4. A noção de pobreza

Considero que uma das caracterizações mais importantes do conceito

de pobreza foi feita pelo Programa Global Estratégias e Técnicas contra a

Exclusão Social e a Pobreza (STEP) da Organização Internacional do Trabalho

(OIT) que intervém em duas áreas temáticas interdependentes: a extensão da

protecção social aos excluídos e as estratégias integradas de inclusão social.

Farei a análise à luz do relatório A luta contra a pobreza e a exclusão

social em Portugal. Experiências do programa nacional de luta contra a

pobreza, publicado pelo Organização Internacional do Trabalho, Programa

Estratégias e Técnicas contra a Exclusão Social e a Pobreza, em Genebra,

2003

Para o STEP (2003) , durante muito tempo, a pobreza foi considerada

uma «anomalia» na evolução normal de uma sociedade moderna. Por

tanto,não necessitava de intervenções por parte da sociedade no seu todo, o

através do Estado, nem de teorias específicas.

Tinha-se como certo que o crescimento econômico associado (e muitas

vezes confundido) com a idéia de desenvolvimento, teria como conseqüência

inevitável a redução da pobreza, pelas maiores oportunidades de emprego,

consumo e riqueza criadas.

Nesse sentido, a pobreza era vista do ponto de vista econômico, como

uma ausência de riqueza, com as conseqüentes privações. Isso podia ser

21

Page 22: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

resolvido pelo crescimento econômico ou, pontualmente, por ações

compensatórias de tipo assistencialista (aos mais pobres).

Segundo STEP (op. cit), acreditava-se que os países “ricos” estavam

livres desse «problema», ou que, pelo menos, estava sob controle, como

conseqüência dos seus processos de desenvolvimento. Assim, a pobreza era

marca “registrada” dos países subdesenvolvidos.

Infelizmente, esse é um dos maiores flagelos estruturais dos países em

desenvolvimento, chegando a níveis desumanos e trágicos de privação e

miséria em uma grande parte da população mundial. Mas, na década de 70 e

80, de acordo com as autoridades das organizações internacionais e dos

governos dos países hegemônicos, se os países “pobres” imitassem os (bons)

exemplos dos países mais ricos, a pobreza, também, deixaria de ser um

problema.

As últimas décadas (sobretudo desde meados da década de 80 até

hoje) vieram contudo desmentir, de forma alarmante, essa pretensão dos

países “desenvolvidos”

Em geral, o conceito de pobreza foi, durante muito tempo, associado a

insuficiência de rendimentos e/ou de consumo (bem-estar material), tendo

evoluído, nas últimas décadas, em função das suas nefastas manifestações

nas sociedades contemporâneas.

Nesse sentido, segundo o Banco Mundial (2001) podem-se considerar

cinco grandes perspectivas, agrupadas em duas categorias.

4.1 Privação fisiológica

Neste caso privilegia-se a abordagem das condições materiais da vida,

segundo duas perspectivas diferentes:

22

Page 23: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

4.1.1. Abordagem centrada no rendimento e no consumo

É a perspectiva mais tradicional das organizações internacionais,

relacionada com a chamada política econômica de bem-estar, em que

se define uma linha de pobreza, em termos absolutos ou relativos,

segundo um determinado nível de rendimento e/ou consumo, sendo

pobres os que se encontram abaixo de uma linha de pobreza .

4.1.2. Abordagem centrada nas necessidades humanas básicas

Neste caso, considera-se um certo nível de necessidades básicas

relativas à alimentação, vestuário, abrigo, água potável, saneamento básico e

educação, como mínimo necessário para prevenir doenças, desnutrição e

analfabetismo.

Esta perspectiva foi sobretudo desenvolvida nos anos 70 e permitiu, em

relação à anterior, alargar o leque das necessidades básicas consideradas no

conceito de bem-estar. Representante importante desta corrente foi Paul

Streeten, fundador e presidente do Conselho de Desenvolvimento Mundial,

consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e

da UNESCO. Particularmente importante é o seu trabalho com Sahid Burki e

colaboradores: First Things First. Meeting Basic Human Needs in the

Developing Countries publicado em 1981 pela Oxford University Press

4.2 Privação social

Esta lógica enfatiza a natureza social da pobreza, com a conseqüente

degradação das relações sociais. Podemos identificar três abordagens

diferentes neste grupo:

4.2.1 Abordagem centrada no conceito de pobreza humana.

Desenvolvida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), no final da década de 90, com base, fundamental, nos trabalhos do

indiano Amarthya Sen um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em

23

Page 24: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Economia do Desenvolvimento (Universidade da ONU)., prêmio Nobel de

Economia em 1998, pelas suas contribuições para a teoria da decisão social, e

do Estado de Bem-estar. No seu artigo, Poor, relatively speaking , em

Resources, Values and Development, publicado na Inglaterra pela Oxford:

Basil Blackwell em 1984, utiliza como referência para tratar a pobreza, os

conceitos de capacidades (o que podemos fazer) e funções (o que fazemos).

Nesse sentido, segundo o STEP (op.cit), a pobreza é a incapacidade de

desenvolver uma vida longa, saudável e criativa e de usufruir de um nível

decente de vida, com liberdade, dignidade, respeito por si próprio e respeito

dos outros.

4.2.2. Abordagem centrada nas consequências ao nível da exclusão

social.

Adotada sobretudo pelo Instituto Internacional de Estudos Laborais, da

Organização Internacional do Trabalho, com base às idéias do sociólogo inglês

Peter Townsend (1985), para quem a pobreza deve ser vista essencialmente

como a não disponibilidade dos recursos necessários para fazer face às

condições de vida e de conforto genericamente difundidas (padrão de vida

dominante) e participar nas atividades sociais e culturais da sociedade a que se

pertence.

Para o STEP, o conceito de pobreza associa-se assim à discussão dos

conceitos de cidadania de integração social.

4.2.3. Abordagem participativa

Para os defensores desta abordagem, o International Institute for

Environment and Development (Instituto Internacional para o Meio-ambiente e

o Desenvolvimento (IIED), em inícios da década de 90, a questão fundamental

não era o conteúdo do conceito mas quem o define, propondo-se, para esse

efeito, a participação ativa dos próprios pobres.

24

Page 25: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Nesse sentido, a pobreza começa pela não participação, pelo que os

aspectos mais relevantes, segundo esta abordagem, serão necessariamente a

falta de dignidade, de auto-estima, de segurança e de justiça, que impedem a

participação, para além do acesso à saúde e a uma vida social, mais do que a

um rendimento.

Assim, de acordo com a descrição do STEP, nos últimos anos, o

conceito de pobreza tem vindo portanto a alargar-se, centrando-se atualmente

na ausência de recursos, considerados estes numa perspectiva

multidimensional, ou seja, incluindo os de natureza econômica, social, cultural,

política e ambiental.

Nessa linha situa-se já a definição de pobreza adotada na Europa, por

decisão do Conselho da União Econômica Européia, de 19 de Dezembro de

1984:

“Por pobres devem entender-se as pessoas, famílias e grupos de

pessoas cujos recursos (materiais, culturais e sociais) são tão limitados que os

excluem do nível de vida minimamente aceitável do Estado-membro onde

residem”

Por outro lado, a pobreza pode ser considerada em termos relativos ou

absolutos, consoante se defina o limiar de pobreza com referência ao padrão

de vida dominante na sociedade ou sem essa referência, respectivamente.

Para o STEP, também é comum utilizar um segundo modelo de análise dos

conceitos de pobreza, associado à forma como é identificada a população

pobre. Têm-se assim os conceitos subjetivos, quando a avaliação que um

indivíduo faz das suas condições de vida face à pobreza é integrada no

processo de identificação (caso da abordagem participativa), ou os conceitos

objetivos, quando tal avaliação não é considerada.

Entretanto, a globalização, para além de outros fatores, está na origem

do aparecimento de novas formas de manifestação do fenômeno da pobreza,

que também afeta as economias hegemônicas. Esta nova pobreza não se

25

Page 26: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

restringe à escassez de recursos materiais, podendo traduzir-se pela não

participação no padrão de vida dominante devido a fatores como a

escolaridade, a idade, o desconhecimento das novas tecnologias e a falta de

integração no vasto mundo da informação cibernética.

É neste contexto mais amplo que o conceito de exclusão social tem vindo

a ganhar importância, relativamente à definição de pobreza.

4.3 Algumas características da pobreza ?

Fassin (1996) com o objetivo de analisar os pressupostos contidos na

noção de pobreza construiu, em termos muito gerais, três figuras que, mesmo

que não se refiram exatamente à pobreza, a circundam, podem explica-la.

Termos como exclusão, marginalização e “underclass”, são produtos de

tradições teóricas distintas e realidades sociais expecíficas; o certo é que os

três termos não podem ser considerados em nenhum momento como

sinônimos, ainda que, aparentemente, esquadrinhem os espaços e

grupossociais bem similares. Na França, por exemplo, o termo exclusão tem

sido amplamente usado referindo-se ao que se vem chamando de questão

social, enquanto nos Estados Unidos, o mais usado para estudar a pobreza é o

de “underclass”; finalmente, na América Latina, predomina a palavra

marginalização.

Exclusão é um conceito fortemente ligado às literaturas política e

acadêmica francesas. Na França, os excluídos são habitantes dos bairros

pobres, reprovados no sistema escolar, os desempregados há longo tempo, a

população que não tem acesso à assistência social e médica. Em cada caso é

possível ler o princípio em que se apóia o diagnóstico da exclusão: “é a

existência de duas populações distribuídas de um lado e outro de uma linha

simbólica - a fronteira da cidade, o padrão escolar, o contrato de trabalho, a

seguridade ou a assistência social. O espaço social é, portanto, descontínuo,

comum ‘dentro’ onde se acham os indivíduos integrados e um ‘fora’ onde vivem

as pessoas excluídas” (FASSIN, apud BOTELLO, 2006 p. 133)

26

Page 27: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

O termo underclass tem uma história de mais de trinta anos nos

Estados Unidos e, semelhante ao conceito de exclusão, possui origem política

mais que acadêmica. Geralmente, atribui-se a Gunnar Myrdal a criação do

termo, com o objetivo de designar uma classe desprivilegiada de

desempregados, sem perspectiva de emprego e subempregados, vítimas da

própria dinâmica do sistema econômico (Gans, 1996). Sem uma definição

precisa, underclass designa, na década de 1970, os grupos sociais mais

desfavorecidos: com menor mobilidade social, vivendo em desemprego e

desqualificados para atender às exigências do mercado de trabalho. Os críticos

do conceito, particularmente, Gans e Wilson, advertem para que não se

atribuam as causas de uma condição social a um comportamento individual ou

de grupo (Botello,2006).

O conceito de marginalização ou marginalidade – analisado em

páginas anteriores - oferece uma imagem da urbanização que apresenta um

“centro” e uma “periferia” de uma cidade, onde a dotação de serviços urbanos –

transporte, água, esgoto, energia elétrica - delineiam a fronteira entre um e

outro. Da mesma forma, na esfera econômica, a relação “centro/periferia”

dependerá da pessoa estar ou não inserida no mercado formal de trabalho. O

conceito de marginalização apresenta, na maior parte das vezes, três variáveis:

inserção de certos grupos sociais no mercado de trabalho, sua posição

espacial no meio urbano, assim como seu ambiente cultural; contudo, a

complexidade do modelo pode tornar impossível uma análise detalhada e mais

específica, uma vez que seus críticos afirmaram que os marginalizados não

são um grupo sociologicamente identificável (Botello, 2006).

Na acepção mais imediata e generalizada, defendida por Amarthya Sen,

pobreza significa falta de renda ou pouca renda. Para a autora, uma definição

mais criteriosa define pobreza como um estado de carência, de privação, que

pode colocar em risco a própria condição humana. Ser pobre é ter, portanto,

sua humanidade ameaçada, seja pela não satisfação de necessidades básicas

(fisiológicas e outras), seja pela incapacidade de mobilizar esforços e meios em

prol da satisfação de tais necessidades. “O fato ‘pobreza’, qualquer que seja

seu grau ou definição, é sempre assimilado ao ‘problema’ da pobreza, seja no

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Page 28: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

plano ideológico e moral, seja no plano político e econômico”.(DESTREMEAU

B. E SALAMA P.,2002, P.108).

Segundo Max-Neef, Elizanlde e Hopenhayan, as necessidades humanas

constituem um sistema composto por dois grandes grupos: (i) as necessidades

existenciais que dizem respeito ao ser, ao ter, ao fazer e ao interagir ; e (ii) as

necessidades axiológicas, que tratam da subsistência, da proteção, do afeto,

da compreensão, da participação, da criação, do ócio, da identidade e da

libertade. Esse sistema dispensa uma dicotomia entre o que é fundamental e o

que não é, pois todas essas necessidades mostram-se essenciais e devem ser

garantidas em quantidade suficiente (LAVINAS, 2002).

Concordando com Lavinas, tal concepção questiona a caracterização da

pobreza vigente na Inglaterra, assentada num elenco hierarquizado de

prioridades, a começar pelo direito à susbsistência. Como identifica Townsend,

a vertente nutricionista (Rowntree, 1918), na busca de elementos que possam

definir o que é pobreza, vai estabelecer que pobre é todo aquele que não se

beneficia de um padrão de subsistência mínimo, baseado na ingestão diária de

um requerimento calórico dado. Portanto, inicialmente, pobreza e fome são

quase sinônimos e se confundem na identificação de quem é pobre. Nesse

enfoque, as necessidades humanas aparecem limitadas às necessidades da

sobrevivência física – comer, vestir-se - desconsiderando o social. Esse é

ainda hoje o enfoque que prevalece na definição da pobreza absoluta ou da

indigência : um padrão de vida aquém do que é exigido para assegurar a mera

subsistência ou sobrevivência.

Para Estivill (2003).Townsend, nos seus estudos sobre a pobreza na

Grã-Bretanha e à escala internacional, estabeleceu em torno do termo de

privação, não só uma lista de bens e de serviços necessários como também

em relação ao nível de vida da sociedade. Nesse estudo do sociólogo inglês

merece destaque a importância de compreender as necessidades, não só nos

países ricos, mas especialmente, nos países de terceiro mundo. De tal modo,

que na década de 1990, começam a manifestarem-se novos fenômenos que

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Page 29: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

exigem novos conceitos para identificá-los. Os termos “marginal” e “nova

pobreza” vão ser os dois mais utilizados no contexto europeu.

Por sua vez, Serge Pauman (2003) , renomeado sociólogo francês da

atualidade, considera que existem duas formas de compreensão do conceito

de pobreza: a teoria da “cultura da pobreza” de Oscar Lewis, e a tese da

pobreza “estrutural”. A cultura da pobreza é ao mesmo tempo uma adaptação e

uma reação dos pobres à sua posição marginal em uma sociedade de classes

estratificada, extremamente individualizada e capitalista.

Para esse autor, os teóricos da pobreza estrutural contestam a idéia de

uma cultura específica de pobreza, ou seja, a explicação da reprodução da

desigualdade social por causas internas, representadas por deficiências

individuais transmitidas de geração para geração. Nesse sentido, propõem que

se leve em consideração as pressões estruturais. Pois, se os excluídos são

afastados temporariamente ou definitivamente do mercado de trabalho e das

instituições oficiais, isso não ocorre porque eles se desinteressam pelos

valores da sociedade em geral. Entretanto, são as suas perspectivas diante da

perda do emprego, da ausência de uma renda estável, de qualificação

profissional, que se vêem em condições desiguais de acessar os benefícios

sociais e econômicos da sociedade. Ao contrário, estão condenados a viver por

mais ou menos tempo em um contexto cultural no limite da exclusão social.

(PAUGAM, 2003).

O pesquisador espanhol José Felix Tezanos (1999) afirma que, na

atualidade, os processos de exclusão nos colocam na perspectiva de uma

problemática social própria das sociedades pós-industriais . A noção de

pobreza poderia situar-se no marco das sociedades industriais ou tradicionais.

A partir desses posicionamentos podem-se estabelecer as seguintes

diferenças:

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Page 30: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Quadro 1- Diferenças entre as noções de pobreza e exclusão social

Aspectos de diferenciação

Pobreza Exclusão social

Situação É um estado É um processo

Caráter básico Pessoal Estrutural

Sujeitos afetados Indivíduos Grupos sociais

DimensõesBasicamente unidimensional (Carências econômicas)

Multidimensional (aspectos laborais,econômicos, sociais, culturais)

Âmbito históricoSociedades industriais (ou tradicionais)

Sociedades pós-industrais e/ou tecnológicas avançadas

Enfoque analítico aplicado

Sociologia do desvio Sociologia do conflito

Variáveis fundamentais

Culturais e econômicas Laborais

Tendências sociais associadas

Pauperização Dualismo social

Riscos agregados Marginalização social Crise dos vínculos sociais

Dimensões pessoais Fracasso, passividade Desafiliação, ressentimento

Evolução Residual, estática Em expansão. Dinâmica

Distâncias sociais Acima - abaixo Dentro-fora

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Page 31: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Variáveis ideológico-políticas que influem

Liberalismo não assistencial

Neoliberalismo desregulador

Fonte: J.F. Tezanos (1999): “Tendencias de dualización y exclusión social en las sociedades avanzadas. Un marco para el análisis”, Sistema, Madrid, p.32.

No final dos oitenta, na América Latina, na Europa e no mundo tudo,

aqueles que viviam à margem desaparecem das páginas dos jornais e das

preocupações da ordem pública, enquanto aumentam as capas com aqueles

que vão sendo vítimas das conseqüências da crise econômica e, muito

especialmente, da reestruturação do processo produtivo. Essa nova realidade

atinge as populações que nunca pensaram vir a ser afetada pela precariedade.

Assim, a “nova pobreza” é muito bem representada pelos trabalhadores

qualificados expulsos do seu trabalho devido às reconversões industriais e às

alterações tecnológicas. Observa-se alguns pequenos empresários,

comerciantes, artesãos e profissionais sem possibilidade de adaptação,

pessoas, especialmente mulheres, que tendo responsabilidades familiares não

podem obter trabalho ou que o perdem, pessoas que se endividam para além

das suas posses. Não se trata de inaptos para o trabalho e sem relações

sociais. Estes grupos compõem um setor social com dificuldades relacionadas

com o emprego e com os seus salários. Dessa forma, os termos da nova

pobreza vão encontrar um certo eco na Espanha (Candel, F., 1988), na

Inglaterra (Room, G., 1990), na França (Paugam, S., 1991), e na Itália

(Saraceno, C., 1990), constituindo objeto de debates transnacionais,

(ESTIVILL, 2003, p.13).

Cabe destacar o resgate que Lavinas (op. cit) do pensamento de Georg

Simmel, que intelectuais como Serge Paugam, , consideram o fundador da

“sociologia da pobreza”. Cabe destacar que Simmel, no início do século XX,

define pobre como todo aquele que é assistido. Os pobres, enquanto categoria

31

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social, não são aqueles que sofrem de déficits ou privações específicas, mas

os que recebem assistência ou deveriam recebê-la, em conformidade com as

regras sociais existentes. Por isso mesmo, a pobreza não pode ser definida

como um estado quantitativo em si mesmo, mas tão-somente a partir da reação

social que resulta dessa situação específica.

Para a autora, cabem três observações sobre o pensamento de Simmel

em relação a sua definição do que é ser pobre.

A primeira é derivada da compreensão de que a pobreza é uma

construção social, pois é enunciada como uma categoria específica, que

responde a critérios de identificação. Segundo Lavinas (op cit) tratar da

pobreza implica discutir métodos e formas de identificá-la, analisá-la, medi-la

ou estimá-la. Constata-se, aqui, uma convergência evidente entre Simmel e os

primeiros estudiosos engajados nesse processo de identificação (economistas

e estatísticos ingleses) que, através de pesquisas de orçamento familiar junto

às camadas pobres, tentaram estabelecer uma definição de pobreza. Simmel

caracteriza o pobre como  aquele que não tem meios de atender às

necessidades impostas pela natureza, quais sejam alimentação, vestuário e

moradia.

A segunda observação diz respeito ao aspecto relacional da definição de

Simmel, pois a pobreza, ao pressupor uma “reação da sociedade”, expressa a

existência de uma relação de interdependência, a existência de vínculos,

entre aqueles designados como pobres e os demais. Logo, os pobres não são

aqueles que se encontram excluídos da sociedade ou à sua margem, mas os

que, fazendo parte desse todo orgânico, são contemplados por medidas

assistenciais. Nesse sentido, continua Lavinas, dar assistência ao pobre ou

combater a pobreza aparece como um fator de equilíbrio e de coesão social,

que atua em prol da comunidade como um todo. Em lugar de se constituir num

fator contra o risco (seguro), a assistência é entendida como um mecanismo de

proteção da sociedade em benefício próprio (redução do risco dos não pobres

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frente aos pobres). Na visão simmeliana, a pobreza deve ser combatida em

prol da prosperidade pública 

Um terceiro aspecto a ser enfatizado refere-se à natureza dessa relação,

mediada por direitos e deveres. É um dever da sociedade combater a

pobreza e um direito dos pobres receber assistência. Mas esse direito é

limitado, tal como a responsabilidade social de assistir. Assim, o que está em

jogo é a definição ótima de um mínimo necessário à manutenção dessa relação

em condições aceitáveis, pois conceder mais do que o mínimo seria ética e

moralmente indesejável, indo além do que implica o dever de assistir. Por outro

lado, não assegurar o mínimo poderia ameaçar a estrutura social. Direitos e

deveres são, assim, regulados, em torno a um mínimo, que varia segundo o

modelo de solidariedade nacional e de harmonia social. Nesse modelo de

solidariedade, a assistência é um dever da comunidade e um direito do pobre.

Segundo Lavinas, a definição simmeliana de pobreza, pelo viés da

assistência, o enfoque das necessidades básicas insatisfeitas e a concepção

de Amarthya Sem, onde ser pobre é ter sido destituído das condições de agir

em prol da obtenção de um nível aceitável de bem-estar, resumem três

importantes correntes do pensamento contemporâneo em relação à pobreza.

Para concluir a análise da evolução desse conceito, considero

importante a contribuição de Hélène Thomas (1997), cientista social francesa,

na periodização no tratamento da pobreza pelos pensadores europeus. De

acordo com Lavinas, a autora identifica três grandes correntes. Na década de

60, predomina, o conceito de necessidades insatisfeitas que pressupõe a

definição de um padrão mínimo de condições de vida. A carência é, assim,

instituída como direito. Vivem na pobreza absoluta ou na indigência todos

aqueles cujo padrão de consumo situa-se abaixo do mínimo vital em razão do

seu déficit de renda. Para calcular qual a renda adequada em função do

tamanho das famílias, estabelece-se uma escala de equivalências.

Nos anos 70, o conceito de pobreza relativa passa a figurar como medida

para identificar qual a « posição social » do pobre vis-a-vis o padrão médio de

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consumo da população como um todo. É pobre relativamente ao conjunto da

população quem se situa abaixo desse padrão médio de consumo, tanto na

renda, quanto no acesso a bens e serviços. Passa-se de uma abordagem

centrada exclusivamente na renda para um enfoque mais amplo, o da falta de

recursos. A pobreza (a intensidade da pobreza) passa a ser calculada com

base numa medida de desigualdade (LAVINAS, 2002).

Thomas destaca que a Comunidade Econômica Européia (CEE) , introduz

já ao final dos anos 70 a categoria dos excluídos, em torno da qual vai-se

reconfigurar o debate teórico e metodológico sobre pobreza a partir da década

de 80. De acordo com Thomas, surge uma nova categoria, uma

“metacategoria”, a exclusão.

Em geral, concordando com Lavinas, com a caracterização feita pelo

STEP/OIT, e com a periodização de Thomas, essas concepções estão

relacionadas com a orientação e formulação das políticas públicas para

enfrentar a pobreza, tanto na Europa, quanto na América Latina.

4.4 Da pobreza à exclusão.

De acordo com Farmacki e Ward ( 2007) , em um sentido bíblico o

primeiro exemplo de exclusão é a expulsão de Adam e Eva do Paraíso.Até

esse momento, ambos formavam parte do Éden , com os mesmos direitos e

responsabilidades. Posteriormente,,tribos e grupos de indivíduos se juntaram

pra assegurar a sobrevivência de uma comunidade. No entanto, não existia

muito contanto entre comunidades vizinhas. Mais tarde, esses grupos se

transformaram em nações e impérios. Já na época dos gregos, Platão

distinguia entre agricultores, artesões e cidadãos, estabelecendo uma

hierarquia social; os filósofos, os cidadãos, artesões, e, totalmente excluídos,

os escravos e as mulheres –não deveriam ter direitos políticos e sociais.

Na Idade Média e entre os séculos XII e XIX, os excluídos eram pessoas

consideradas indesejáveis pela Igreja: criminosos, pobres, algumas ocupações

(mercadores), mulheres, portadores de deficiências, etc. Nessa época

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Page 35: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

percebemos a exploração dos excluídos por parte da sociedade .Avançando na

história, com a revolução industrial desenvolve-se o capitalismo e a exploração

do proletariado. Já no século passado surgem as corporações multinacionais

com o objetivo de aumentar lucros às custas dos empregados e do meio

ambiente (Farmacki e Ward , 2007).

Em princípio, o estado de exclusão é velho como a humanidade e

refere-se a processos de segregação justificados sob diferentes motivações.

Por questões religiosas, tem sido explicada a segregação milenar dos parias na

Índia e, mais recentemente,dos católicos na Irlanda, por questões de saúde,

tem sido explicada a segregação dos leprosos na Antigüidade e dos aidéticos

na modernidade. Por questões políticas tem sido explicado o,ostracismo entre

os gregos e o exílio dos subversivos modernos; por questões econômicas, tem

sido explicada a segregação dos vagabundos na sociedade inglesa do século

XVIII e dos “não-empregáveis” na sociedade contemporânea globalizada, estes

últimos colocados como objetos privilegiados de estudos sobre processos de

exclusão (RIBEIRO, 1999)

De acordo com Fretigné(1999), um dos primeiros pensadores a falar dos

excluídos, a partir dos anos 1980, com a persistência dos efeitos da crise do

petróleo, com as transformações no processo produtivo devidas às inovações

tecnológicas,registrou-se uma distorção entre os níveis de oferta ede procura

por trabalho. Os primeiros programas de formação e as tentativas de

flexibilização da legislação trabalhista, criadas para enfrentar esse

problema,não impediram o crescimento do desemprego. A variável econômica

assumiu, então, uma posição explicativa central, porque a situação de

desemprego e/ouas formas atípicas de emprego alteravam negativa-mente os

salários. A nova pobreza corresponderia,assim, a uma população cuja

participação na vida econômica e social seria conjunturalmente aleatória.

O termo exclusão social começou a ser utilizado na França, na década

de 60, como forma de fazer referência, de um modo impreciso, a problemas de

pobreza. A partir da década de 80, os países europeus vem observando um

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aumento do número de pessoas que se encontram em situação precária , uma

“nova pobreza” o quarto mundo – o terceiro mundo dentro do primeiro. Essa

nova pobreza se caracteriza pelo desemprego estrutural, concentração de

população nas periferias das grandes cidades, falta de emprego,

particularmente para pessoas, problemas migratórios, falta de moradia, etc.

Assim, a nova pobreza não se restringe à escassez de recursos

materiais. Mais que isso, expressa a falta de participação no padrão de vida

dominante, devido a fatores como a escolaridade, a idade, o domínio das

novas tecnologias e a integração no vasto mundo da informação cibernética.

A maioria dos autores estudados considera o livro de René Lenoir (1974)

como a primeira obra a adotar o termo exclusão. Fretigné (1999) e Paugam

(1996), porém, apontam obras anteriores ao Os excluídos, um fran-cês em

cada dez. Esse último autor lembra ainda que o termo “excluídos” – usado no

título – estaria mais ligado a imperativos promocionais da edição do que a uma

clarificação conceitual, podendo ser entendido como o primeiro exemplo da

ocorrência de um termo“guarda-chuva”. Escorel (1999) lembra que o título do

livro teria sido escolhido pelo editor por causa do sucesso de Foucault em seus

estudos sobre a história da loucura. Feitas essas considerações, a ordem de

aparecimento da expressão seria, segundo Fretigné (1999), a que se segue:

a: 1960 – Les dividendes du progrès, de Pierre Massé.

b: 1965 – L’exclusion sociale, de Jean Kanfler.

c: 1974 – Les exclus: un français sur dix, de René Lenoir.

Lenoir (1974) se aproxima do uso contemporâneo da noção de exclusão;

trata da exclusão mais como inadaptação social; interessa-se principalmente

pelo handicap físico e mental, pelas pessoas idosas e outros inadaptados,

como delinqüentes, fugitivos, prostitutas, marginais; entretanto desvia-se de

determinações unilateralmente psicologizantes, e esta exclusão seria um

fenômeno irredutivelmente social; as origens do problema encontrar-se-iam na

própria organização social, não se tratando de pobreza individual, mas de

disfunção social. Urbanização incontrolada produtora de segregações sociais e

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Page 37: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

raciais, distanciamento geográfico crescente que enfraquece as solidariedades

familiares, êxodo rural, inadaptação do sistema escolar, perenidade e

crescimento das desigualdades de renda, de acesso aos cuidados, enfim,

todos esses fatores seriam características das sociedades modernas,

apontadas pelo autor como responsáveis e produtoras de exclusão (Zioni,

2006).

Fassin (1996) com “ La Patetización del mundo”, refere-se à nova

realidade mundial com o aumeno das desigualdades sociais em diversos

países, sobretudo com o surgimento de novas formas de pobrezas nas

sociedades ricas. Para este autor, este fenômeno denominada de “Patetização

do mundo”, repercute em todas as esferas da humanidade.

O autor fala do processo de “patetización” do mundo global e desigual.

Esta perspectiva não implica uma visão teleológica determinista da realidade.

“Describo um cambio em la manera de considerar el mundo y sus

desigualdades, especialmente frente la vida y a la muerte”. (FASSIN, 1996,

p.11). Estuda as mudanças que estão ocorrendo no contexto atual do

capitalismo globalizado, enfatizando os processos atuais de desigualdades

sociais, e como as pessoas, a sociedade se coloca diante de temas tão

“profundo e significativo”, a exemplo a vida e a morte.

Galeano usa a expressão “a cidade como cárcere”, para descrever a

vida moderna nas grandes metrópoles:

Quem não está preso à necessidade, está preso ao medo. Quem tem alguma coisa por pouco que seja, vive sob estado de ameaça, condenado ao pânico do próximo assalto. Quem tem muito, vive trancado nas fortalezas da segurança. Os grandes edifícios e condomínios residenciais são castelos feudais da era eletrônica. (...) Há grandes grades elevadiças, altas muralhas, torres de vigilância e guardas armados (...) Na civilização do capitalismo selvagem, o direito à propriedade é mais importante que o direito à vida. As pessoas valem menos que as coisas (GALEANO, 1992:74).

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Segundo Paugam (1996), no final do século XX a França, assim como

outros países ocidentais enfrentaram a chamada “nova pobreza”, representado

pela degradação do mercado de trabalho, o crescimento dos empregos

instáveis e assim como o crescimento do desemprego prolongado – estrutural,

como também o enfraquecimento dos vínculos sociais, representado,

sobretudo pelo crescimento das separações conjugais e o declínio da

solidariedade de classes e de proximidade. A nova pobreza é constituída,

portanto, não das pessoas componentes do chamado Quarto Mundo, mas das

pessoas que nunca vivenciaram condições de carência material em toda sua

vida.

Com o desemprego em longa duração, centenas de milhares de operários, de empregados do comércio ou da indústria, e mesmo de executivos, perderam, de um dia para o outro e por longo tempo, os vínculos que mantinham com o mercado de trabalho. Esse distanciamento fez-se acompanhar, para muitos deles, por um afastamento da vida social, uma crise de identidade, problemas de saúde (depressão) e, em alguns casos, por uma ruptura familiar (PAUGAM, 2003, p.31).

Para Paugam (1996), que reconhece a banalização do termo pelo uso

abusivo, deve-se considerar que o paradigma da exclusão apresenta como

ponto positivo o fato de que,por meio dele, “nossa sociedade toma consciência

dela mesma e de suas disfunções, procurando, às vezes de maneira

desordenada, soluçõepara esse mal que a transpassa.”(p.15).

Em relação ao pauperismo e a exclusão social, caracterizaria a entrada

na sociedade industrial, antes das conquistas sociais e das regularizações

estatais; a exclusão, hoje, representaria a crise estrutural dos fundamentos

desta sociedade, depois de décadas em que se imaginou que a miséria teria

desaparecido. Ambos os termos remeteriam a situações precárias de trabalho,

à ausência de qualificação, ao desemprego e à incerteza sobre o futuro,mas a

similitude não seria total porque, enquanto o primeiro seria explicado pela

situação de barbárie do início da industrialização, a noção de exclusão seria

entendida atualmente como um processo de afastamento de populações

menos qualificadas. O que ambas as noções compartilhariam seria o fato de

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Page 39: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

acentuarem o risco de perturbação para a sociedade como um todo, apelando,

portanto, às reformas sociais (Zioni, 2006)

A exclusão social, então, não seria um fenômeno marginal que diria

respeito a grupos definidos como subproletariado, mas sim um processo que

afetaria, de acordo com as estatísticas, um número cada vez maior depessoas

e que, portanto, exigiria uma filosofia de ação.

É neste contexto mais amplo que o conceito de exclusão social tem

vindo a ganhar importância, relativamente à definição de pobreza. A exclusão

social significa fundamentalmente desintegração social a diferentes níveis:

económico, social, cultural, ambiental e político.

O conceito “exclusão” tem o mérito de ampliar a compreensão de

problemas que fazem parte das relações sociais no modo de produção

capitalista, mas que não podem ser explicados tão-somente pela expropriação

da terra ou pela apropriação do produto do trabalho, dos meios de produção e

de sobrevivência. A nova questão social que dá evidência aos excluídos dos

benefícios da riqueza produzida socialmente também inclui, no debate, a

opressão, a discriminação e a dominação, exigindo um tratamento teórico-

prático adequado, tendo por base as relações sociais de exploração/

expropriação, próprias do modo de produção capitalista (RIBEIRO, 1999)

A exclusão social é portanto, um conceito mais abrangente do que a

noção de pobreza, traduzindo-se pela ausência de vários tipos de poder:

econômico, de decisão, de influência e de participação na vida da comunidade,

como exercício pleno dos direitos e deveres de cidadão. Tem, por outro lado,

um forte caráter relacional, considerando-se que as relações sociais são uma

componente fundamental do bem-estar das populações.

O sociólogo francês Robert Castel, tem se tornado uma referência

obrigatória para o debate acerca da categoria exclusão social. Seus estudos

tem estabelecido uma matriz teórica sobre o processo histórico da

conformação e transformação do vínculo salarial, das “metamorfoses da

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Page 40: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

questão social”, do mesmo modo como as políticas foram utilizadas na França

desde a Idade Média até os dias atuais. Castel (2005), faz uma análise da

questão social centrada na crise da sociedade salarial. Observa em seus

estudos, a emergência da relação contratual e os que dela eram excluídos até

a atualidade em que a vulnerabilidade dos pobres trabalhadores e

desempregados se expressa não só no aumento da exclusão do emprego, mas

também pela precarização das relações contratuais, das formas de

sociabilidade perversas e de um panorama que passa pelo desmonte do

Estado de bem-estar social.

Na sua obra As Metamorfoses da Questão Social (CASTEL,2005),

afirma que na atualidade tem-se uma “nova questão social”, que tem a mesma

amplitude que o pauperismo na primeira metade do século XIX. Pois, ao se

impor às leis do mercado ao conjunto da sociedade, dar-se um processo de

destruição da forma específica de regulação social, mediada pelo Estado, que

se institui no novo século. Dessa forma, o trabalho de Castel nos possibilita

compreender as novas facetas da exclusão presentes na sociedade francesa.

Embora, o foco do autor seja o cenário francês, muitos elementos são úteis

para indagarmos a respeito da presença da “precariedade do emprego” e

“desfiliação social” no cenário mundial.

Nessa perspectiva, a nova questão social está na centralidade do

trabalho. Se o desemprego é a face mais visível e mais dramática dessa

realidade, a nova questão social não se reduz a isso. Ela envolve três

manifestações: primeiramente, a de “desestabilização dos estáveis”, em

segundo lugar, a “instalação da precariedade”. Em terceiro lugar, tem-se um

déficit crescente de postos de trabalhos face aos que estão dispostos a

trabalhar. Realidade que tende a produzir um contingente cada vez maior de

“trabalhadores sem trabalho”, de “inúteis ao trabalho”, “excedente”.

O núcleo da questão social hoje seria, pois, novamente, a existência de “inúteis para o mundo”, de supranumerários e, em torno deles, de uma nebulosa de situações marcadas pela instabilidade e pela incerteza do amanhã que atestam o crescimento de uma vulnerabilidade de massa. Paradoxo, se as relações do homem com o trabalho forem consideradas no interior de um longo período. Foram necessários séculos de

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sacrifícios, de sofrimentos e de exercícios da coerção – a força da legislação e dos regulamentos, a coerção da necessidade e também da fome - para fixar o trabalhador em sua tarefa e nela conservá-lo através de um leque de vantagens “sociais” que vão qualificar um status constitutivo da identidade social. É no momento em que a “civilização do trabalho” parece impor-se definitivamente sob a hegemonia da condição de assalariado que o edifício racha, repondo na ordem do dia a velha obsessão popular de ter que viver “com o que ganha em cada dia”. Não se trata, entretanto, de um infortúnio, mas, sim, de uma completa metamorfose que se apresenta hoje, de forma inédita, a questão tem que fazer face a vulnerabilidade de após proteções. (CASTEL, p. 593).

Dessa forma, podemos afirmar que o fenômeno da exclusão da

atualidade se manifesta com uma nova faceta, uma nova expressão da

metamorfose da questão social, além disso, insuficientemente pesquisada e

que exige a premência de estudos teóricos e empíricos para subsidiar o

entendimento do tema. A exclusão propõe uma nova forma de problematização

da questão social e, conseqüentemente, do seu tratamento, que precisa de

categorias práticas para definir as políticas públicas e as respectivas ações

sociais. Dessa forma, corre o risco de ter mais um conceito funcional às

justificativas de políticas públicas compensatórias, como foi o caso da

marginalidade e do fracasso escolar das camadas populares e como está

sendo, na atualidade, o conceito de renda mínima.

Castel versa sobre a emergência das relações contratuais de trabalho –

e os que dela foram excluídos, como os vagabundos, os desempregados, os

pobres e outros, ao longo da constituição da sociedade burguesa. Através da

reconstituição histórica do sistema de proteção social, chega ao período atual,

em que a vulnerabilidade de pobres, trabalhadores, desempregados, se

expressa no aumento da exclusão do emprego, mas também na precarização

das relações contratuais, nas formas de sociabilidade perversas e em um

panorama onde tudo passa também pelo desmonte do Estado de Bem Estar

Social. Com relação ao termo exclusão, Castel prefere usar a terminologia

desfiliação, abordando processos contemporâneos como desestabilização dos

estáveis, situação de precariedade, déficit de lugares a serem ocupados na

estrutura social.

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Page 42: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Assim, a desfiliação caracterizaria um processo de,ruptura da,coesão s

ocial, processo esse que atinge um número considerável de pessoas

particularmente frágeis. O que poderia distinguir o “pobre antigo” do

“supranumerário” (indivíduos que foram descartados por questões conjunturais)

de hoje, seria o fato de que o primeiro encontrava refúgio em associações

filantrópicas, já que não ameaçava a ordem social. Ele era somente desprovido

de valor para a sociedade que se modernizava. Na atualidade, as novas formas

de “invalidação social” são produzidas pela desestabilização dos mecanismos

de regulação,o que faz com que o processo de desfiliação seja encarado como

onipresente.

Segundo Castel, a exclusão contemporânea é diferente das formas

existentes anteriormente de discriminação ou mesmo de segregação, pois cria

indivíduos inteiramente desnecessários ao mundo laboral, aludindo não haver

mais possibilidades de inserção.Nessa perspectiva, a sociedade salarial gerou

nesta acepção de exclusão, um tipo inédito de segurança: uma segurança

pautada no trabalho, e não somente à propriedade. Deste modo, os excluídos

não são mais residuais nem temporários, mas contingentes populacionais que

não encontram lugar no mercado. São os “inúteis para o mundo”. Assim, na

França, a fragilização das proteções historicamente conquistadas no mundo do

trabalho elucidaria a vulnerabilidade das massas e, no limite, a chamada

“exclusão” . A zona de vulnerabilidade alimenta as turbulências que fragilizam

as situações conquistadas e desfazem os estatutos assegurados... A

vulnerabilidade é um vagalhão secular que marcou a condição popular co o

selo da incerteza e, mais amiúde, com o do infortúnio”. (CASTEL, 2005, p.27).

Considerando os eixos de trabalho e inserção relacional que se

associam de forma dinâmica, o autor propõe a utilização de zonas de coesão

social para a explicação das formas de existência social. Neste sentido, o

cruzamento entre os eixos, possibilita que o sujeito se localize em quatro zonas

de existência social que têm em seus extremos a expulsão do

emprego/isolamento social e a estabilidade no emprego/inserção relacional

forte. As zonas, nomeadas pelo autor são: integração, vulnerabilidade,

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Page 43: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

assistência e desfiliação. Conceitualmente, na zona de integração

encontramos os indivíduos que associam trabalho estável com inserção

relacional sólida em grupos familiares e sociais. No outro extremo, na zona de

desfiliação encontramos a ausência de participação em qualquer atividade

produtiva e o isolamento social. Em um ponto intermediário, a zona de

vulnerabilidade caracteriza-se pela precariedade do trabalho e a fragilidade

dos suportes de proximidade. Além disso, encontramos a zona de assistência

que se configura como uma zona “de dependência segurada e integrada” .

Nesta zona estão os indivíduos que associam o não trabalho, por incapacidade

de trabalhar (idosos, deficientes, crianças) com forte inserção social, providas

por mecanismos assistenciais. ( GONTIJO, 2006)

De acordo com esta concepção, os indivíduos oscilam entre uma zona

e outra através de um processo em que tem um peso importante sua relação

com o mercado de trabalho. As rupturas são compensadas pelas redes de

proteção social, tais como a família, instituições de solidariedade comunitária,

assim, a concepção de exclusão - inserção se gesta diante de um contexto de

redefinição das políticas públicas, diante dos mecanismos de proteção social

através do emprego e seguros sociais. Tem-se nesse sentido as políticas

Revenu Minimum d’Insertion francesa surgidas no final dos anos 80 e início dos

anos 90 em alguns países europeus. (CASTEL, 2005; PAUGAM, 1993).

Assim, podemos constatar que pelos autores mencionados, a exclusão

social deve passar pela analise da questão social. A sua origem e

consolidação estão associadas às grandes transformações econômicas do fim

do século XX, e às suas trágicas conseqüências que agora atingem, também,

aos paises hegemônicos europeus. Aos poucos, os governos desses países

perceberam que os níveis de pobreza não eram insignificantes, o crescimento

do desemprego, a precarização do trabalho, cresce constantemente em

economias quase estagnadas. A exclusão social continuará dominando o

cenário político e acadêmico no mundo todo.

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Page 44: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

5.1 A exclusão social na América Latina

São vários os autores latino-americanos que se destacam na discussão da

exclusão social. Nesta oportunidade farei referência às importantes

contribuições do especialista chileno Fernando Robles e de pesquisador

argentino Juan Carlos Tedesco.

Robles(2000), pesquisador chileno da Universidad de Concepción,

estabelece uma interessante tipologia de exclusão social, semelhante em

alguns aspectos às idéias de Pierre Bourdieu sobre a “inclusão na exclusão”.

O autor toma em consideração a capacidade de integração do individuo ou

grupo à sociedade concreta onde vive, o risco de ser excluído e o y tipo de

construção de sua identidade.

Segundo Robles, é uma condição necessária para o desenvolvimento do

capitalismo na periferia, o empleo precário e a mão-de-obra não organizada,

barata e sempre disponível. Logicamente, isto leva a repensar a relação entre

setor formal da economia ( os incluídos) e o setor informal (dos excluídos).

Para ele, esta forma de exclusão se denominaria "exclusão primária”. No

entanto, paralelamente à diferenciação funcional das sociedades que delimita

os contornos da exclusão/inclusão primária, pode se obervar que funcionam

pequenas e grandes redes de inclusão (secundária) – semelhantes às redes

sociais e ao capital social. Estas são redes de favores, de venda de

vantagens, intercâmbio de influências, atividades parasitárias, cujo recurso

básico radica no conhecimento de alguém e o intercâmbio de favores e ações

que supõem relações cara a cara. Essas formas de inclusão geram seus

próprios mecanismos de exclusão. Assim, “exclusão secundária” seria o não

acesso a redes de influência.

Em relação à tipologia, no primeiro tipo, denominado “inclusão na

inclusão”, usualmente chamado de integração ao sistema social. Não existe

exclusão primária ou secundária. Podemos supor que os que estão nessa

situação “podem aceder a tudo”. O risco é baixo. Caso característico é a

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chamada “classe alta” da sociedade: não por sua renda, mas por sua rede de

conexões sociais, construídas não apenas no mundo de suas atividades

econômicas, também nos bairros de moradia, nos clubes que freqüentam, nas

redes de amigos forjadas nas instituições que estudaram, etc. Encontram-se

muito protegidos de qualquer risco.

O segundo tipo corresponde à situação de “exclusão na inclusão”. É o

setor da sociedade onde se tem acesso ao emprego formal, educação , saúde,

recreação, remuneração aceitável, etc., mas, não inclue redes de favores

influências e reciprocidades de conveniência. É um setor de contradições, onde

se configuram instituições ( por exemplo, sindicatos) ou redes que tentam

controlar políticas ou ações econômicas que poderiam excluí-los. Mas,

também, lutam para neutralizar ou conter a exclusão que supõem as redes de

influência dos que pertencem ao primeiro grupo.

O terceiro tipo corresponde à “inclusão dentro da exclusão”. Onde, a

pesar de não ter acesso a muitos dos sistemas básicos de bem-estar social,

existe acesso a redes de interação e auto-ajuda que, as vezes, configuram um

verdadeiro sistema alternativo. As redes de apoio nas vizinhas, redes de

gênero, de amizade ou estritamente solidárias, formam um tecido que permite

compensar, de alguma forma, a exclusão primária. Este setor tem acesso a

um trabalho informal, instável e precário, com permanente incertezas em

entrada e saída de fontes de remuneração, de serviços de utilidade pública. È

o setor majoritário das sociedades latino-americanas.

Por último, encontramos um quarto grupo de “excluídos na exclusão” ,

que corresponde àqueles que se encontram em uma situação limite ou nas

instituições , chamadas, totais, tais como, cárceres, instituições psiquiátricas,

asilos de anciãos e, a situações de exclusão voluntária. Este grupo não é

majoritário, na realidade , pode ter poucos, mas, existe. Tem setores da

sociedade que podem estar muito próximo a essas situações. Não devemos

esquecé-los.

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Page 46: marginalidade,pobreza e exclusa - jarry

Outra contribuição muito importante na discussão da exclusão social na

América Latina, são os trabalhos reaizados por Juan Carlos Tedesco, Diretor

do Instituto Internacional de Planificación de la Educación, Filial da Unesco–

Buenos Aires/Argentina. Para ele, as transformações na organização do

trabalho estão provocando não só o aumento nos níveis de desigualdade como

a aparição de um novo fenômeno social: a exclusão da participação no ciclo

produtivo. Nesse sentido, os estudos sobre as possibilidades oferecidas pelas

novas formas de organização do trabalho indicam que elas poderiam incorporar

de maneira estável só uma minoria de trabalhadores, para os quais haveria

garantias de segurança no emprego em troca de uma identificação total com a

empresa e com suas exigências de reconversão permanente. Para o resto, em

compensação, seriam criadas condições de extrema precariedade, expressas

por formas tais como contratos temporários, trabalhos interinos, trabalhos de

tempo parcial e, no extremo destas situações, o desemprego (Tedesco, 2002)

Com a exclusão do trabalho, se produz uma exclusão social mais geral

ou, como prefere dizer Castel (1995), uma "desfiliação" em relação às

instâncias sociais mais significativas. Assim, o fenômeno da exclusão social

provoca, deste ponto de vista, uma modificação fundamental na estrutura da

sociedade.

Segundo Tedesco(2002) a partir desse enfoque, estaríamos vivendo um

momento de transição:

a.- de uma sociedade vertical, baseada em relações sociais de exploração

entre os que ocupam posições superiores, em face dos que ocupam as

posições inferiores;

b.- a uma sociedade horizontal, em que o importante não é tanto a hierarquia

como a distância em relação ao centro da sociedade.

A exclusão tende, dessa maneira, a substituir a relação de exploração.

A comparação entre ambos os modelos de relações permite notar que os

vínculos entre exploradores e explorados são completamente diferentes dos

que se estabelecem entre incluídos e excluídos. Exploradores e explorados

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pertencem à mesma esfera econômica e social, já que os explorados são

necessários para manter o sistema. A tomada de consciência da exploração

pode provocar, além disso, uma reação de mobilização coletiva e de conflito

organizado pelas instituições representativas dos explorados, como os

sindicatos, os partidos políticos etc.

A exclusão, em compensação, não implica relação, mas sim divórcio. A

tomada de consciência da exclusão não gera uma reação organizada de

mobilização. Na exclusão não há grupo contestador, nem objeto preciso de

reivindicação, nem instrumentos concretos para impô-la. A exclusão é uma

ruptura (Castel, 1995, p.147).

Em síntese, o conceito de exclusão proporciona uma base de análise da

precarização social que está menos centrada na situação econômica ou

financeira e, que é capaz de explorar causas históricas, regionais, étnicas e

outras. Nesse sentido, exige uma base analítica multidisciplinar que inclua

diversas ciências sociais para procurar saber quem são os excluídos, de quê

são excluídos e por quê são excluídos. Como já foi colocado por Saunders e

Tsumori (2007), o conceito de exclusão implica causas. A exclusão é algo que

acontece às pessoas ou grupos. Eles não são responsáveis, em certa medida

são vítimas. Outros foram os responsáveis pela estrutura econômica de

desemprego, pela discriminação racial, pela discriminação da mulher, dos

velhos e das pessoas com deficiência. Já os conhecemos, agora temos que

agir para mudar a situação.

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