Margareth_noda_dissertacao_usp Acesso Eletronico e Tendencias Da Bolsa

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MARGARETH NODA ACESSO ELETRÔNICO E TENDÊNCIAS PARA A INTERMEDIAÇÃO NO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Orientador: Professor Titular Dr. Newton De Lucca FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO São Paulo - 2010

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Mestrado.

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  • MARGARE TH NODA

    ACESSO ELETRNICO E TENDNCIAS PARA A

    INTERMEDIAO NO MERCADO DE VALORES

    MOBILIRIOS

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Orientador: Professor Titular Dr. Newton De Lucca

    FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    So Paulo - 2010

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    MARGARE TH NODA

    ACESSO ELETRNICO E TENDNCIAS PARA A

    INTERMEDIAO NO MERCADO DE VALORES

    MOBILIRIOS

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Orientador: Professor Titular Dr. Newton De Lucca

    Trabalho apresentado

    Faculdade de Direito da Universidade de

    So Paulo, como requisito para a obteno

    do ttulo de Mestre.

    FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    So Paulo 2010

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    Para minha sobrinha Alicia,

    por quem tudo vale a pena.

  • - 4 -

    Agradecimentos

    Personifico em meu Orientador Professor Newton De Lucca os

    agradecimentos a todos os meus professores, desde a mais tenra idade. Ao Professor

    Newton, especialmente, agradeo pela confiana que depositou em mim e pelos

    ensinamentos que ultrapassaram os limites da Academia.

    Ao Professor Jos Marcelo Martins Proena e Professor Ilene Patrcia de

    Noronha, agradeo pelo incentivo e pelos comentrios que me ajudaram a formatar este

    trabalho.

    Agradeo aos meus ex-colegas do Departamento de Treinamento do Banco

    Bradesco S.A., por me ensinarem a aprender.

    Aos meus atuais colegas da Comisso de Valores Mobilirios agradeo

    pelas lies dirias. Em especial, agradeo a Waldir de Jesus Nobre, a Eduardo Jos

    Busato, a Marcos Galileu Lorena Dutra, a Marcus Vinicius de Carvalho, a Andr Francisco

    Luiz de Alencar Passaro, a Isabel Sumida Hirata, a Yumi Hirai, a Fbio Bergamasco, a

    Hlio Rubens de Oliveira Mendes, a Mrcia Tanji, a Eduardo Del Nero Berlendes e a

    Flvia Hana Masuko Hotta, pelo apoio, companheirismo e por confiarem mais em mim do

    que eu mesma.

    Aos diretores da CVM, Dr. Eli Loria e Dr. Otavio Yazbek, agradeo pela

    generosidade de compartilharem comigo as respectivas bibliotecas e pelo estmulo que me

    deram.

    Agradeo a Lus Antonio Gonalves de Andrade cujas anotaes foram de

    grande valia e, sobretudo, pelo seu dedicado auxlio durante o ano de 2009.

    Finalmente, agradeo aos meus pais, Soiti e Otilia, que fizeram de mim o

    que sou. Aos meus irmos, Anie Gracie e Robert, pelo que eles so; e minha cunhada,

    Mariane, pela amizade mais do que fraternal.

  • - 5 -

    RESUMO

    O desenvolvimento tecnolgico experimentado nos ltimos anos causa de

    uma grande transformao no mercado de valores mobilirios. Essa transformao no se

    restringe aos produtos e instrumentos, cada vez mais sofisticados, mas atinge a prpria

    estrutura de negociao. Assim, testemunhamos o abandono dos preges viva-voz e o

    surgimento de sistemas de negociao eletrnica, que aumentaram a velocidade das

    transaes e mudaram a forma de acesso ao mercado secundrio de valores mobilirios. O

    presente trabalho aborda essa questo com foco na atividade de intermediao, procurando

    demonstrar como essa atividade afetada pelo acesso eletrnico ao mercado, inclusive

    pela disciplina regulatria que tal forma de acesso impe.

    PALAVRAS CHAVE

    mercado secundrio, negociao eletrnica, acesso eletrnico, intermediao, regulao

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    ABSTRACT

    Technological development experienced in recent years is causing a major

    transformation in the securities market. This transformation is not restricted to products

    and financial instruments, more and more sophisticated, but reaches the very structure of

    trading. Thus, we witness the abandonment of open outcry system and the emergence of

    electronic trading systems, which increased trading speed and changed the access to

    secondary market securities. This paper addresses this issue with a focus on the

    intermediation activity, seeking to demonstrate how this activity is affected by direct

    electronic access, including the regulatory discipline that such form of access imposes.

    KEY WORDS

    Secondary market, electronic trading, direct electronic access, intermediation, regulation

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    SUMRIO

    Introduo 09

    Captulo 1. Mercado de Capitais e Crescimento Econmico 12

    1.1. O papel da intermediao 16

    Captulo 2. Negociao de Valores Mobilirios no Mercado Secundrio 23

    2.1. Panorama Histrico 23

    2.1.1. As Bolsas no Brasil 23

    2.1.2. O Mercado de Balco no Brasil 26

    2.2. O Mercado Secundrio de Valores Mobilirios no Brasil 27

    2.2.1. Mercados Regulamentados de Valores Mobilirios 29

    2.2.2. Entidades Administradoras de Mercados Organizados 31

    2.2.3. Autorregulao dos Mercados Organizados 32

    2.2.4. Telas de Acesso Negociao em Bolsa Estrangeira 34

    2.2.5. Pessoas Autorizadas a Operar 35

    Captulo 3. Negociao Eletrnica 37

    3.1. Sistemas de Negociao Eletrnica 37

    3.2. A Negociao Eletrnica no Brasil 40

    3.2.1. Negociao Eletrnica na Bolsa 41

    3.3. Efeitos da Negociao Eletrnica no Mercado 45

    3.3.1. Efeito sobre a Transparncia 45

    3.3.2. Efeito sobre o Custo de Transao 47

    3.3.3. Efeito sobre a Formao de Preos 47

    3.3.4. Efeito sobre a Liquidez 49

    3.3.5. Efeito sobre o Acesso ao Mercado 51

  • - 8 -

    Captulo 4. Acesso Direto Eletrnico ao Mercado 52

    4.1. Acesso Eletrnico ao Mercado por meio de Intermedirio 53

    4.2. Acesso Eletrnico ao Mercado no Intermediado 54

    4.3. Problemas Relacionados ao Acesso Eletrnico ao Mercado 55

    4.3.1. Risco de Negociao 55

    4.3.2. Risco de Crdito 56

    Captulo 5. O Papel do Intermedirio enquanto Provedor de Acesso Eletrnico 58

    5.1. As Funes do Intermedirio num Mercado Acessado

    Eletronicamente 60

    5.1.1. Gesto de Risco de Negociao 60

    5.1.1.1. Gesto do Risco de Negociao no Brasil 63

    5.1.2. Gesto do Risco de Crdito 64

    5.1.2.1. Gesto do Risco de Crdito no Brasil 66

    5.2. Ausncia do Intermedirio 67

    Captulo 6. A Regulao Aplicvel Atividade de Intermediao no Contexto

    da Negociao Eletrnica 69

    6.1. Acesso Eletrnico e Regulao 70

    6.1.1. A Regulao no Brasil 74

    6.1.1.1. A Instruo CVM n 380, de 23/12/2002 74

    6.1.1.2. A Instruo CVM n 387, de 28/04/2003 76

    6.1.1.3. A Instruo CVM n 301, de 16/04/1999 81

    Concluso 84

    Bibliografia 87

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    INTRODUO

    O mercado de valores mobilirios indubitavelmente um dos segmentos de

    mercado em que as inovaes se apresentam de maneira mais evidente. Dos enormes

    quadros-negros de pedra, em que eram registrados os negcios com aes nas Bolsas de

    Valores aos sistemas eletrnicos da atualidade, muita evoluo ocorreu.

    A forma de operao dos mercados organizados de valores mobilirios

    mudou e, conseqentemente, os meios de acesso a esses mercados tambm mudaram. As

    operaes so cada vez mais eletrnicas, motivadas no apenas pela necessidade da

    realizao de negcios em escala global, mas tambm pela crescente demanda aos

    instrumentos do mercado.

    Assim, os investidores requerem um novo tipo de acesso. A procura por

    maior controle sobre a execuo das ordens, um acesso mais direto ao mercado e menor

    interveno dos intermedirios crescente entre os clientes denominados sofisticados. Esse

    conjunto de aspiraes se concretiza no que comumente se chama de acesso eletrnico ao

    mercado.

    Esse o pano de fundo que motivou a realizao deste trabalho. O acesso

    eletrnico ao mercado alterou, e imagina-se que alterar ainda mais, a atividade dos

    intermedirios, a ponto de se discutir a sua necessidade na cadeia de negociao. Logo, o

    objetivo do trabalho analisar quais as funes do intermedirio no mercado de valores

    mobilirios, sobretudo no mercado secundrio de aes, no contexto do acesso eletrnico,

    bem como os benefcios e problemas que a adoo dessa forma de acesso implica.

    Para iniciar o tema foi feita uma breve abordagem das relaes entre o

    mercado de capitais e o crescimento econmico, com o objetivo de discutir de que forma o

    mercado de capitais influencia o processo de crescimento econmico. So utilizados os

    conceitos de poupana e investimento e estudos empricos que confirmam a existncia de

    correlao positiva entre o desenvolvimento do mercado e o crescimento econmico.

    A partir da, ainda no Captulo 1, discutido o papel da intermediao no

    mercado financeiro e no mercado de capitais e as diferenas que as caractersticas desses

    mercados produzem na atuao dos intermedirios. Tambm se aborda o tema da

    desintermediao, comumente associado ao mercado de capitais.

  • - 10 -

    O Captulo 2 trata da negociao de valores mobilirios no mercado

    secundrio, iniciando-se por um breve panorama histrico desse mercado no Brasil. D-se

    destaque ao mercado de bolsa, mas tambm se descreve sucintamente o mercado de balco

    organizado.

    A segunda parte desse Captulo trata da atual organizao do mercado

    secundrio de valores mobilirios no Brasil, destacando as escolhas regulatrias feitas pela

    Comisso de Valores Mobilirios para a disciplina dos mercados regulamentados de

    valores mobilirios refletidas na Instruo CVM n 461, de 2007, norma que reforou o

    papel da autorregulao no mercado de valores mobilirios.

    A negociao eletrnica o mote do Captulo 3. Depois da conceituao e

    da abordagem dos sistemas eletrnicos de negociao, faz-se uma apresentao da

    negociao eletrnica no mercado acionrio brasileiro e se discute os efeitos gerados por

    essa forma de negociao.

    A prtica mostrou que um dos efeitos mais visveis da implantao de

    sistemas de negociao eletrnica se deu sobre a forma de acesso ao mercado. O Captulo

    4 procura apresentar como o acesso se transformou e as principais formas que adquiriu,

    tratando do acesso intermediado e do no intermediado.

    No mesmo captulo tambm se colocam os desafios que as formas de acesso

    eletrnico impem. Tais desafios, relacionados basicamente gesto de riscos de

    negociao e de crdito, tm sido as maiores fontes de preocupao dos reguladores e dos

    intermedirios, responsveis primeiros pela gesto desses riscos.

    O Captulo 5 pretende aprofundar a discusso do papel do intermedirio

    enquanto provedor de acesso eletrnico ao mercado. Para tanto, resgatada a funo da

    intermediao, a qual analisada sob o prisma do acesso eletrnico, situao em que os

    intermedirios vem exacerbada a sua funo como gestores de risco, ao mesmo tempo em

    que perdem o controle sobre o processo de negociao.

    Finalmente, o Captulo 6 trata da regulao aplicvel atividade de

    intermediao no contexto do acesso eletrnico ao mercado. Quanto regulao brasileira,

    se recorre s Instrues CVM ns 301, 380 e 387, fazendo-se uma anlise dos seus

    principais mandamentos.

    Embora o objeto do captulo seja a regulao brasileira, tambm se aborda o

    esforo no sentido da uniformizao da regulao mundial representado pelos Princpios

    da IOCV/IOSCO.

  • - 11 -

    Espera-se que o trabalho tenha logrado xito em apontar os benefcios e os

    riscos potenciais que o acesso eletrnico impe no apenas atividade de intermediao,

    mas a todo o mercado, bem como que tenha conseguido apontar caminhos adotados pela

    regulao e pela autorregulao.

  • - 12 -

    1. Mercado de Capitais e Crescimento Econmico

    Embora os jornais estampem, vez por outra, artigos relacionando o Mercado

    de Capitais e o crescimento econmico, a tese est longe de ser unanimidade entre os

    tericos do desenvolvimento.

    Para entender essa relao a Teoria do Desenvolvimento Econmico de

    Schumpeter de grande ajuda. Segundo ele, ... a funo principal do mercado monetrio

    ou de capital o comrcio de crdito com o propsito de financiar o desenvolvimento. O

    desenvolvimento cria e alimenta esse mercado.1

    V-se que para Schumpeter mercado monetrio e mercado de capital

    so expresses sinnimas2, com o que os estudiosos contemporneos j no concordam.

    No entanto, vlida a afirmao de Schumpeter por que, ao mesmo tempo em que afirma

    ser o mercado de capital, o mesmo que popularmente se chama de mercado monetrio, o

    autor admite a possibilidade de distino desses dois mercados em funo dos seus prazos,

    de forma que seria o mercado de capital, o mercado para o poder de compra de longo

    prazo, enquanto o mercado monetrio o mercado para emprstimos a curto prazo. Tal

    critrio atualmente usado para distinguir os dois mercados.

    parte as discordncias sobre a importncia do mercado de capitais para o

    crescimento econmico, parece consensual a posio de que, em economias de mercado, o

    desenvolvimento econmico est intimamente relacionado capacidade de expanso da

    produo que depende da realizao de investimentos, a qual, por sua vez, se viabiliza por

    meio da utilizao de poupana.

    No entanto, altas taxas de poupana no so suficientes para garantir que os

    investimentos sejam realizados e, consequentemente, se atinja o desejado desenvolvimento

    econmico. To importante quanto a existncia de poupana, a presena de mecanismos

    que propiciem o encontro dos poupadores com os tomadores de recursos, esses ltimos

    responsveis pela realizao dos investimentos.

    1 In SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do Desenvolvimento Econmico, Uma Investigao sobre Lucros,

    Capital, Crdito, Juro e o Ciclo Econmico (1934), - Traduo Maria Silvia Possas, in Os Economistas, Ed. Nova Cultural, 1997. p. 127.

    2 In SCHUMPETER, ob. cit. p. 124: o que o homem de negcios chama de mercado monetrio aquele a

    respeito do qual todo jornal noticia diariamente sob esse ttulo. Do nosso ponto de vista, o nome no

    totalmente satisfatrio: no simplesmente o dinheiro que negociado, e poderamos em parte nos juntar ao

    protesto dos economistas contra essa concepo dele. Mas aceitamos o nome. De qualquer modo, o mercado

    de capital a mesma coisa que o fenmeno que a prtica descreve como mercado monetrio.

  • - 13 -

    Esse encontro se d por meio do mercado financeiro e de capitais e s se

    torna possvel se houver um sistema de intermediao eficiente. Entretanto, antes de

    discutir a intermediao importante ressaltar os motivos pelos quais vem ganhado fora a

    posio que destaca a importncia do mercado de capitais para o desenvolvimento

    econmico e social.

    J nas primeiras lies de Macroeconomia se aprende que Poupana igual

    a Renda menos Consumo. Os poupadores so, portanto, os agentes superavitrios de uma

    economia, isto , aqueles de gastam menos do que recebem como renda. E os investidores,

    quem so?

    Investimento o que permite o aumento do estoque de capital de uma

    economia, ou seja, investimento um fluxo de capital novo3. Assim, investidores so

    aqueles que geram aumento da capacidade produtiva da economia. No entanto, nem

    sempre esses agentes dispem de recursos prprios para realizarem o investimento. Se

    assim for, eles devero, como agentes deficitrios, buscar esses recursos junto aos

    poupadores.

    Percebe-se que no sem razo que se diz que o mercado de capitais

    importante para o crescimento e desenvolvimento econmico. Esse mercado viabiliza a

    aproximao do investidor e do poupador4 e gera ganhos de produtividade e aumento da

    eficincia da economia como um todo.

    A relevncia do mercado de capitais para o desenvolvimento econmico

    tambm se mostra por meio de uma de suas principais caractersticas: trata-se de mercado

    que dilui riscos de novos investimentos. O mercado acionrio possibilita que um indivduo

    3 In HALL, Robert E. e TAYLOR, John B.. Macroeconomia Teoria, Desempenho e Poltica, Ed.

    Campus, 1989. p. 5, assim se define Investimento: a parte do PNB (Produto Nacional Bruto) usado pelas empresas para aumentarem sua capacidade produtiva e pelas famlias na aquisio de novas residncias.

    Inclui as mquinas operatrizes, as instalaes de gerao de energia, as fbricas, os computadores, os prdios

    residenciais e as casas. Quando falam em Investimentos, os macroeconomistas esto se referindo ao valor de

    fbricas e equipamentos recm produzidos. No empregam o termo em seu sentido comum de dinheiro

    separado como poupana. S a compra efetiva de novos bens de capital conta como investimento. 4 In HALL e TAYLOR, ob. cit. p. 32: Embora a poupana seja igual ao investimento numa economia

    fechada, no se pode dizer a mesma coisa para uma pessoa, um setor de uma economia ou uma economia

    aberta que tem relaes com outras economias. Tomando-se emprestado, pode-se investir mais do que se

    poupa. Emprestando-se, pode-se poupar mais do que se investe. A capacidade de tomar emprestado ou

    emprestar permite que se faa investimento no lugar e na hora mais eficientes. Tomar emprestado significa

    acumular exigibilidades financeiras. Emprestar significa acumular ativos financeiros. Estes ativos e estas

    exigibilidades financeiras tm implicaes para o comportamento macroeconmico.

  • - 14 -

    se torne scio de um negcio sem assumir o nus de geri-lo e, o que mais importante,

    com o comprometimento de apenas parcela de sua poupana5.

    A ideia de que os mercados proporcionam servios importantes para o

    crescimento econmico parece estar definitivamente consolidada. Muito se produziu sobre

    a contribuio do sistema financeiro para o crescimento da economia, sobretudo sobre o

    papel dos bancos como fornecedores de crdito6. Os estudos acerca da influncia do

    mercado de capitais, apesar de mais recentes, apresentam contedo que confirma a

    correlao positiva entre crescimento econmico e um mercado de capitais desenvolvido.

    Evidncias empricas comearam a surgir nos anos 90. At aquele momento

    sobejavam os estudos tericos. Alguns estudiosos derivaram modelos segundo os quais a

    liquidez do mercado de aes afeta de maneira positiva o crescimento econmico no longo

    prazo7.

    Concluiu-se que em mercados lquidos onde os custos de transao so mais

    baixos h menos desincentivo para os investimentos de longa maturao j que o

    investidor tem boas perspectiva de converter suas aes em dinheiro com facilidade. Em

    outras palavras, to importante quanto a porta de entrada a porta de sada.

    Em um importante artigo Levine e Zervos (1998) apresentaram as

    concluses de um estudo emprico que fizeram sobre a influncia de variveis de mercado

    tais como liquidez, volatilidade, tamanho e integrao com o mercado internacional sobre

    as taxas de crescimento econmico, acumulao de capital, ganhos de produtividade e

    taxas de poupana. Foram usados dados de 47 pases (Brasil includo), no perodo de 1976

    a 1993.

    As concluses so de que h forte correlao entre os indicadores do

    mercado acionrio e as taxas presentes e futuras de crescimento econmico. O estudo no

    apenas abrangeu indicadores do mercado de capitais, mas tambm do mercado financeiro.

    5 In GUEDES FILHO, Ernesto Moreira et alli O Mercado de Capitais: sua importncia para o

    desenvolvimento econmico e os entraves com que se defronta no Brasil. Estudos para o Desenvolvimento do Mercado de Capitais. BOVESPA. 2000. p. 24. O mercado de capitais e, especificamente, o mercado acionrio permite a diluio dos riscos de novos investimentos. Constitui assim um incentivo inovao

    econmica e modernizao que, por sua vez, proporcionam aumento da produtividade, maior retorno, maior

    crescimento, maior renda. Ao mesmo tempo, o mercado acionrio promove uma democratizao e

    socializao do capital. Permite a pulverizao da participao na propriedade das empresas para os pequenos poupadores, seja diretamente, seja atravs de fundos mtuos ou, de maneira crescente nas

    economias mais modernas, atravs de fundos de previdncia. 6 O prprio Schumpeter atribui ao crdito um papel importante para o desenvolvimento da economia.

    7 In LEVINE, Ross. Stock Markets, Growth, and Tax Policy. Journal of Finance, September 1991, 46 (4),

    pp. 1445-65.

  • - 15 -

    No entanto as concluses puderam ser apresentadas separadamente e ficou demonstrado,

    empiricamente, que tanto a liquidez do mercado acionrio, quanto o desenvolvimento do

    mercado financeiro apresentam forte correlao positiva no somente com taxas de

    crescimento atual e futuro da economia, mas tambm com a acumulao de capital e

    crescimento da produtividade.

    De acordo com Levine e Zervos (1998), os resultados que obtiveram so

    consistentes com a viso de que uma maior facilidade de negociar ativos facilita a alocao

    eficiente de recursos, a formao de capital fsico e apressa do crescimento econmico. O

    estudo corroborou, portanto, que h uma importante correlao positiva entre o

    crescimento econmico e o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais, e os

    resultados sugerem que fatores financeiros so parte integrante do processo de

    crescimento.

    Um resultado importante da pesquisa foi a concluso de que o tamanho do

    mercado acionrio no tem correlao com o crescimento econmico, reforando a viso

    de que mais relevante do que o tamanho do mercado so seus custos de transao e a

    liquidez que proporcionam aos agentes econmicos8.

    Por outro lado, como alertaram Friedman e Grose (2006) em um estudo do

    Banco Mundial sobre o acesso ao mercado primrio, os principais papis (as aes de

    primeira linha ou blue chips) so negociados em maior volume em bolsas estrangeiras do

    que nos mercados de origem dos seus emissores. Particularmente na Amrica Latina,

    estudos do Banco Mundial apontaram que as reformas nos mercados domsticos

    resultaram em uma crescente proporo de emissores recorrendo ao mercado externo, o

    que reduziu a liquidez e enfraqueceu o mercado local.

    Em vista disso, Friedman e Grose afirmam que se os grandes emissores no

    impulsionam o mercado domstico, cabe aos formuladores de polticas pblicas a criao

    de mercado para as pequenas e mdias empresas, que constituem a espinha dorsal de

    8 In LEVINE, Ross e ZERVOS, Sara. Stock Markets, Banks, and Economic Growth, The American

    Economic Review, Vol. 88, n 3. 1998. p. 537 stock market liquidity and banking development both positively predict growth, capital accumulation, and productivity improvements when entered together

    regressions, even after controlling for economic and political factors. The results are consistent with the

    views that financial markets provide important services for growth, and that stock markets provide different

    services from banks. The paper also finds that stock market size, volatility, and international integration are

    not robustly linked with growth, and that none of the financial indicators is closely associated with private

    saving rates.

  • - 16 -

    qualquer economia9. Para tanto, concluem ser necessrio um adequado arcabouo

    regulatrio.

    1.1 O papel da intermediao

    importante definir o papel da intermediao no mercado financeiro e no

    mercado de valores mobilirios, dadas as funes distintas que tm os intermedirios em

    cada um dos mercados.

    O artigo 17 da Lei n 4.595, de 1964, que trata da estruturao do sistema

    financeiro nacional, define as instituies financeiras:

    Art. 17. Consideram-se instituies financeiras, para os efeitos da

    legislao em vigor, as pessoas jurdicas pblicas ou privadas, que tenham

    como atividade principal ou acessria a coleta, intermediao ou aplicao

    de recursos financeiros prprios ou de terceiros, em moeda nacional ou

    estrangeira, e a custdia de valor de propriedade de terceiros.

    Pargrafo nico. Para os efeitos desta lei e da legislao em vigor,

    equiparam-se s instituies financeiras as pessoas fsicas que exeram

    qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou

    eventual.

    De acordo, com a Lei n 4.595/64, a intermediao atividade das

    instituies financeiras. Ocorre que a definio do artigo 17 da referida Lei

    demasiadamente ampla e pode levar a equvocos10

    , como bem salientou Eduardo

    Salomo Neto (2005).

    9 In FRIEDMAN, Felice B. e GROSE, Claire. Promoting Access to Primary Equity Markets A Legal and

    Regulatory Approach. World Bank Policy Research Working Paper 3892. April 2006. pp. 04-05: Instead of focusing on prime issuers who, it appears, may leave home as soon as they are able, emerging markets

    could concentrate on improving Access to finance SMEs*, and increasing market participation by domestic

    retail and institutional investor. However, while many emerging markets support a stock exchange, in most

    cases this has not seemed to be an effective source of financing for domestic SMEs. *SMEs: small and medium sized enterprises.

    10

    In SALOMO NETO, Eduardo. Direito Bancrio. Ed. Atlas. 2005. p. 14 e ss. A definio de instituio financeira dada pelo artigo 17 da Lei n 4.595/64 desmesuradamente ampla e, se interpretada literalmente,

    em seu sentido puramente gramatical, poucas atividades escapariam da reserva aberta em favor das assim

    chamadas instituies financeiras. De fato poucas so as atividades que no envolvem a coleta, intermediao

    ou aplicao de recursos prprios ou de terceiros.

  • - 17 -

    Assim, o referido autor afirmou que a interpretao do artigo 17 deve ser

    feita pela exigncia cumulativa de (i) captao de recursos de terceiros em nome

    prprio, (ii) seguida de repasse financeiro atravs de operao de mtuo, (iii) com o

    intuito de auferir lucro derivado da maior remunerao dos recursos repassados em

    relao dos recursos coletados, (iv) desde que a captao seguida de repasse se realize

    em carter habitual.11

    Note-se que a atividade de uma instituio financeira consiste na

    intermediao, ou seja, na captao de recurso junto ao pblico e posterior aplicao desse

    recurso por meio de operaes de crdito12. No h dvidas de que ao cumprir o papel de

    intermediao financeira, as instituies financeiras deslocam recursos das unidades

    produtoras para consumidoras, unindo provedores e tomadores de moeda na economia.13

    Dessa forma, o mercado financeiro certamente desempenha papel

    importante no processo de crescimento econmico, visto que a aproximao de poupadores

    e investidores fundamental para desencadear aquele processo.

    No entanto, o papel do intermedirio no mercado de capitais

    substancialmente diverso do papel do intermedirio no mercado financeiro. Se a

    intermediao nesse ltimo significa captar recursos de terceiros em nome prprio

    oferecendo determinada remunerao, para emprest-los a outrem mediante uma

    remunerao maior do que a utilizada na captao14

    , no mercado de capitais,

    particularmente no mercado acionrio, a funo do intermedirio dista bastante dessa.

    Vale lembrar que os intermedirios atuantes no mercado de aes, quais

    sejam as bolsas de valores, as sociedades corretoras e as sociedades distribuidoras de

    11

    In SALOMO NETO, ob. cit, p. 27.

    12

    In ABRO, Nelson, Direito Bancrio, Saraiva, 2005, p. 58, o autor afirma, citando FERRI, Giuseppe (in Manuale di Diritto Commerciale, Turim, 1971, p. 680) que para a classificao das operaes bancrias

    deve-se considerar a importncia do ato praticado, ... consoante a doutrina de Ferri: A atividade atual dos bancos resulta de uma dplice categoria de operaes: aquelas essenciais funo que prpria dos bancos

    (exerccio do crdito), e que consistem, de um lado, na coleta dos capitais junto aos poupadores (operaes

    passivas) e, de outro lado, na distribuio dos capitais (operaes ativas); aquelas que consistem na prestao

    de determinados servios (chamados servios bancrios) a favor do pblico e que, no obstante a

    notabilssima relevncia assumida da prtica, econmica e juridicamente desempenham uma funo apena

    acessria e complementar. 13

    In OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituies Financeiras Regime Jurdico. Forense, 2006, p. 83.

    14

    A diferena entre a taxa de captao e a taxa de aplicao dos recursos pelas instituies financeiras o

    que se denomina spread bancrio.

  • - 18 -

    valores, so equiparadas a instituies financeiras, embora no desempenhem funes de

    instituio financeira. Tal equiparao feita pelo artigo 18 da Lei n 4.595/6415

    e no

    artigo 52 da Lei n 6.024/74, que dispe sobre a interveno e a liquidao extrajudicial de

    instituies financeiras16

    .

    certo que o intermedirio desempenha funo de relevo no mercado

    acionrio pois esse mercado s pode ser acessado por meio de um intermedirio. Em sendo

    assim, porque se diz que o mercado de capitais o mercado da desintermediao?

    Para responder a esta pergunta necessrio analisar as caractersticas do

    mercado de capitais.

    Em primeiro lugar, o mercado de capitais tem como principal funo o

    direcionamento de recursos para as entidades emissoras de valores mobilirios17

    , o que se

    d por meio da emisso pblica daqueles valores mobilirios.

    15

    Lei n 4.595/64. Art. 18. As instituies financeiras somente podero funcionar no Pas mediante

    prvia autorizao do Banco Central da Repblica do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem

    estrangeiras.

    1 Alm dos estabelecimentos bancrios oficiais ou privados, das sociedades de crdito, financiamento

    e investimentos, das caixas econmicas e das cooperativas de crdito ou a seo de crdito das cooperativas

    que a tenham, tambm se subordinam s disposies e disciplina desta lei no que for aplicvel, as bolsas de

    valores, companhias de seguros e de capitalizao, as sociedades que efetuam distribuio de prmios em

    imveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de ttulos de sua emisso ou por qualquer forma, e as

    pessoas fsicas ou jurdicas que exeram, por conta prpria ou de terceiros, atividade relacionada com a

    compra e venda de aes e outros quaisquer ttulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais

    operaes ou servios de natureza dos executados pelas instituies financeiras. 16

    Lei n 6.24/74. Art. 52. Aplicam-se as disposies da presente Lei as sociedades ou empresas que

    integram o sistema de distribuio de ttulos ou valores monetrios no mercado de capitais (artigo 5, da Lei

    n 4.728, de 14 de julho de 1965), assim como as sociedades ou empresas corretoras de cmbio.

    17

    A definio de valores mobilirios uma das questes mais tormentosas do Direito Comercial dada a

    variedade e caractersticas que apresentam. No Brasil valor mobilirio o que consta do artigo 2 da Lei n

    6.385/76, que disps sobre o mercado de valores mobilirios e criou a Comisso de Valores Mobilirios:

    Art. 2o So valores mobilirios sujeitos ao regime desta Lei:

    I - as aes, debntures e bnus de subscrio;

    II - os cupons, direitos, recibos de subscrio e certificados de desdobramento relativos aos valores

    mobilirios referidos no inciso II;

    III - os certificados de depsito de valores mobilirios;

    IV - as cdulas de debntures;

    V - as cotas de fundos de investimento em valores mobilirios ou de clubes de investimento em quaisquer

    ativos;

    VI - as notas comerciais;

    VII - os contratos futuros, de opes e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobilirios; VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e

    IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros ttulos ou contratos de investimento coletivo, que

    gerem direito de participao, de parceria ou de remunerao, inclusive resultante de prestao de servios,

    cujos rendimentos advm do esforo do empreendedor ou de terceiros.

    1o Excluem-se do regime desta Lei:

    I - os ttulos da dvida pblica federal, estadual ou municipal;

    II - os ttulos cambiais de responsabilidade de instituio financeira, exceto as debntures.

  • - 19 -

    Frise-se, portanto, que o mercado de capitais tem a funo econmica de

    permitir que as empresas faam a captao de recursos junto ao pblico, possibilitando a

    realizao de investimentos (capital fixo ou estoques).

    Em segundo lugar importante ressaltar que o mercado de capitais um

    mercado de risco, j que o resultado dos investidores18

    depender do resultado da emissora

    dos valores mobilirios.

    Se o mercado de capitais permite aos emissores acessarem diretamente os

    recursos dos poupadores por meio da emisso pblica de valores mobilirios, ento, no h

    que se falar em intermediao financeira no mercado de capitais. Da se dizer que se trata

    de mercado desintermediado.

    Sabe-se, entretanto, que as emisses pblicas de valores mobilirios no

    prescindem de uma instituio intermediria que deve fazer a colocao dos valores

    mobilirios junto aos investidores19

    , conforme dispe o pargrafo 2, artigo 3, da Instruo

    CVM n 400/2003:

    2 A distribuio pblica de valores mobilirios s poder ser efetuada

    com intermediao das instituies integrantes do sistema de distribuio

    de valores mobilirios (Instituies Intermedirias), ressalvada a hiptese

    de dispensa especfica deste requisito, concedida nos termos do art. 4.

    A hiptese de dispensa referida trata de situaes particulares disciplinadas

    na prpria Instruo e est no mbito da atuao discricionria da Comisso de Valores

    Mobilirios, observados o interesse pblico, a adequada informao e a proteo ao

    investidor20

    .

    18

    Investidor aqui usado na acepo mais corrente do termo, ou seja, pessoa fsica ou jurdica que aplica as suas disponibilidades na compra de aes e ttulos negociados no mercado de capitais (verbete investidor no Dicionrio Houaiss de Lngua Portuguesa).

    19

    Sobre a emisso pblica de valores mobilirios deve-se verificar o art. 19 da Lei n 6.385/76.

    Verificar ainda a Instruo CVM n 400/ 2003, que em seu artigo 2 estabelece que toda oferta pblica de

    distribuio de valores mobilirios nos mercados primrio e secundrio, no territrio brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurdicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constitudos no

    Brasil, dever ser submetida previamente a registro na Comisso de Valores Mobilirios.

    20

    Instruo CVM n 400/2003. Art. 4 Considerando as caractersticas da oferta pblica de distribuio de

    valores mobilirios, a CVM poder, a seu critrio e sempre observados o interesse pblico, a adequada

    informao e a proteo ao investidor, dispensar o registro ou alguns dos requisitos, inclusive publicaes,

    prazos e procedimentos previstos nesta Instruo.

  • - 20 -

    A intermediao a que se refere a Instruo CVM n 400/2003 um negcio

    jurdico denominado de underwriting. O underwriting, contudo, no uma intermediao

    financeira nos moldes acima descritos porque no ocorre a captao de recursos e a sua

    aplicao por meio de operaes de crdito, como acontece nas operaes do mercado

    financeiro. O underwriter propicia a aproximao entre o emissor e o investidor,

    caracterizando-se como um prestador de servios na emisso pblica de ttulos, servio

    pelo qual remunerado pelo emissor.

    O contrato de underwriting foi assim definido por Eizirik et alli (2008)21:

    O contrato de underwriting caracteriza-se como um ajuste bilateral, no

    solene, comutativo e de trato sucessivo. bilateral porque gera obrigaes

    para a companhia emissora e para o underwriter. No solene, por inexistir

    qualquer formalidade especfica para a sua concretizao. um contrato

    comutativo, na medida em que as prestaes dos contratantes so de

    antemo conhecidas e compensam-se umas com as outras, cabendo ao

    underwriter receber as comisses negociadas e, em contrapartida, realizar

    as prestaes certas e determinadas pactuadas com o ofertante. Constitui

    ainda um contrato de trato sucessivo, ma vez que as prestaes so

    executadas em etapas, de modo contnuo, at o encerramento do perodo de

    distribuio dos valores mobilirios.

    Ao se falar que o mercado de capitais o mercado da desintermediao,

    portanto, est se falando da intermediao que ocorre no mercado financeiro que,

    claramente, no ocorre no mercado de capitais. Isso no significa, no entanto, que o

    1 Na dispensa mencionada no "caput", a CVM considerar, cumulativa ou isoladamente, as seguintes

    condies especiais da operao pretendida:

    I. a categoria do registro de companhia aberta (art. 4, 3, da Lei n 6.404, de 15 de dezembro de 1976);

    II. o valor unitrio dos valores mobilirios ofertados ou o valor total da oferta; III. o plano de distribuio dos valores mobilirios (art. 33, 3); IV. a distribuio se realizar em mais de uma jurisdio, de forma a compatibilizar os diferentes

    procedimentos envolvidos, desde que assegurada, no mnimo, a igualdade de condies com os

    investidores locais;

    V. caractersticas da oferta de permuta; VI. o pblico destinatrio da oferta, inclusive quanto sua localidade geogrfica ou quantidade; ou

    VII. ser dirigida exclusivamente a investidores qualificados. 21

    In EIZIRIK, Nelson et alli. Mercado de Capitais Regime Jurdico, Renovar, 2008, p. 170.

  • - 21 -

    mercado de capitais seja desprovido de intermedirios, ou sequer que sua atuao seja

    dispensvel, muito pelo contrrio.

    A participao dos intermedirios no mercado de capitais no est restrita

    somente ao mercado primrio, como tambm de extrema relevncia no mercado

    secundrio. Ambos, como segmentos do Mercado de Capitais, tm caractersticas bem

    definidas.

    No mercado primrio se do as emisses pblicas de valores mobilirios, ou

    seja, em operaes desse mercado os emissores captam a poupana popular que se

    transformar em investimento da companhia emissora, ao passo que os subscritores dos

    valores mobilirios passam a ter participao nos resultados da emissora, se subscritores de

    aes, ou passam a ser credores da companhia emissora, se subscritores de debntures ou

    notas promissrias comerciais.

    As operaes realizadas no mercado secundrio caracterizam-se pelo no

    ingresso de recursos para o emissor, j que no h emisso de valores mobilirios. Ocorre,

    portanto, uma mera negociao desses valores entre investidores sem reflexos no caixa da

    companhia emissora.

    Poder-se-ia indagar sobre a utilidade do mercado secundrio de capitais.

    No h dvidas de que se trata de segmento muito importante porque nele que se confere

    liquidez aos valores mobilirios adquiridos por subscrio.

    J se viu que to importante quanto a porta de entrada a porta de sada.

    Poucos poupadores estariam dispostos a alocar seus recursos em um empreendimento se

    no houvesse mecanismo para a retirada dos recursos quando desejado. O mercado

    secundrio esse mecanismo. transacionando no mercado secundrio que se obtm

    liquidez, entendida como a propriedade do que facilmente negocivel e convertvel em

    dinheiro, sem perda significativa de valor patrimonial.

    A participao do intermedirio no mercado secundrio fundamental, uma

    vez que as negociaes do mercado secundrio se do em Bolsas de Valores ou no

    Mercado de Balco, ambientes em que, no mais das vezes, imprescindvel a figura do

    intermedirio.

    Certamente, tambm aqui, no se trata da intermediao como ela se

    verifica no mercado financeiro, mas de uma intermediao que permite o acesso ao

    mercado de capitais, por meio da prestao de servios de compra e venda de valores

    mobilirios.

  • - 22 -

    Conclui-se, portanto, que a desintermediao do mercado de capitais s

    existe se considerada a intermediao nos moldes do que ocorre no mercado financeiro, em

    que o intermedirio participa da cadeia obrigacional, ou seja, devedor daquele junto a

    quem captou os recursos e credor daquele a quem os emprestou22

    .

    Assim, consideradas as caractersticas prprias da intermediao no

    mercado de capitais, o intermedirio desempenha papel muito importante nesse mercado.

    Ter ele o mesmo papel nos mercados estrangeiros, particularmente no

    mercado norte americano? Um breve resumo do papel dos intermedirios naquele mercado

    relevante pois l que se iniciaram as inovaes que so o objeto deste trabalho e os

    termos que os designam apareceram nos captulos seguintes.

    Os principais intermedirios do mercado acionrio americano so os

    brokers e os dealers. Legalmente, um broker qualquer pessoa cuja atividade

    implica a negociao de valores mobilirios por conta de terceiros. Conceitua-se como

    dealer qualquer pessoa cuja atividade implica a compra e venda de valores mobilirios

    por conta prpria e de maneira habitual.

    Note-se que o broker no negocia, mas propicia a aproximao do

    comprador com o vendedor de aes, no mercado de bolsa, por exemplo. J o dealer

    negocia para si prprio, aproveitando oportunidades e dando liquidez ao mercado.

    O dealer pode atuar como market maker, ou formador do mercado,

    garantindo a realizao de negcios de compra e venda para o mesmo ativo a partir de sua

    carteira prpria23

    .

    Tem-se, portanto, que o broker um prestador de servio de

    intermediao, enquanto o dealer contraparte do cliente nas suas transaes.

    Grande parte dos intermedirios no mercado americano atua como broker

    e tambm como dealer, da ser muito comum a expresso broker-dealer. No se pode

    negar a existncia de um possvel conflito de interesses nesses casos, o que no foi

    ignorado pelo regulador dos Estados Unidos, a SEC Securities and Exchange

    Commission, que tem regulao especial para preveno desses conflitos.

    22

    In EIZIRIK et alli, ob. cit., p. 4.

    23

    Nos Estados Unidos h uma forte atuao dos dealers. A NASDAQ, conhecida Bolsa norte-americana, por exemplo, um dealer market, ou seja, um mercado em que os dealers so responsveis por dar liquidez aos ativos negociando-os contra as suas carteiras prprias. A Bolsa de Nova Iorque, por sua vez,

    um auction market em que so colocadas pelos investidores ofertas de compra e de venda as quais so executadas quando se combinam em termos de preo. A Bolsa no Brasil, funciona como a de Nova Iorque.

  • - 23 -

    2. Negociao de Valores Mobilirios no Mercado Secundrio

    No resta dvida acerca da importncia do mercado de capitais para o

    crescimento e desenvolvimento econmico. Igualmente, no pode haver dvidas a respeito

    da relevncia do mercado secundrio de valores mobilirios.

    Como a funo primordial do mercado secundrio conferir liquidez aos

    valores mobilirios, parece razovel que a debilidade desse mercado enfraquea tambm o

    mercado primrio, uma vez que, nesse cenrio, h claramente um desincentivo aquisio

    de valores mobilirios que podem ser de difcil alienao no futuro.

    As negociaes no mercado secundrio de valores mobilirios ocorrem em

    bolsa ou no mercado de balco. Antes de analisarmos a atual estrutura do mercado

    secundrio de valores mobilirios no Brasil, cabe fazer uma breve retrospectiva histrica

    do mercado brasileiro.

    2.1. Panormica Histrico

    H alguma controvrsia acerca da origem das bolsas de valores, mas em

    geral se reconhece a Idade Mdia e suas feiras ou mercados especializados como as razes

    das atuais bolsas. Durante o reinado de Felipe, o Justo, na Frana (1285 a 1314), teria sido

    criada a profisso ancestral dos atuais corretores de valores e de mercadorias.

    H quem diga que a origem da palavra bolsa seja a casa da famlia belga

    Van der Buerse, que se tornou um importante centro de negcios em Bruges e acabou por

    se tornar sinnimo de local de negociao.

    certo, entretanto, que pases com tradio comercial viram surgir centros

    especializados em negociao e no incio do sculo XVII as Aes da Companhia

    Holandesa das ndias Orientais j eram negociadas na Bolsa de Amsterd.

    2.1.1. As Bolsas no Brasil

    No Brasil, a histria do mercado de valores mobilirios teve incio em 1845,

    ano em que o Decreto n 417 (regulamentando a Lei n 317/1843), instituiu os corretores

    oficiais de fundos pblicos24 e ano da fundao da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

    24

    O Decreto 417, de 14 de junho de 1845, dispunha sobre a arrecadao do imposto sobre os corretores. Em

    seu artigo 1 o Decreto dispunha que os Corretores so agentes intermediarios para comprar e vender por

  • - 24 -

    O Banco do Brasil foi a primeira companhia brasileira a ter aes listadas

    em bolsa, em 1851, e j no final do sculo XIX houve uma intensa especulao na Bolsa

    do Rio de Janeiro com a criao de empresas que se aproveitaram do aumento de

    liquidez causado pela poltica econmica de Rui Barbosa25

    .

    Em So Paulo a Bolsa Oficial de Valores foi fundada em 1890 e alguns anos

    depois, em 1917, foi estabelecida a Bolsa de Mercadorias de So Paulo. No entanto, foi na

    dcada de 60, com as reformas do sistema financeiro e do mercado de capitais, que as

    bolsas deixaram de ser entidades oficiais corporativas, vinculadas s secretarias de finanas

    estaduais, para se transformarem em associaes civis sem fins lucrativos.

    A mesma reforma tambm alterou o papel dos corretores, antes nomeados

    pelo poder pblico, depois sociedades proprietrias das bolsas.

    O marco para todas essas mudanas foi a Lei n 4.728, de 1965, a primeira

    Lei do Mercado de Capitais, que disciplinou o mercado e abriu o caminho para o seu

    desenvolvimento. Entretanto, somente em maio de 1967, com a alterao dos Estatutos da

    Bolsa de So Paulo, os corretores deixaram de ser designados pelo governador do Estado

    sendo substitudos pelas sociedades corretoras.

    Na dcada seguinte, em 1976, a Lei n 6.385 criou a Comisso de Valores

    Mobilirios. At ento, a regulamentao e fiscalizao do mercado de valores mobilirios

    era exercida pelo Banco Central do Brasil, por meio da Diretoria de Mercado de Capitais.

    Embora houvesse muitas bolsas no Brasil26

    , o volume estava concentrado

    nas Bolsas de So Paulo e do Rio de Janeiro, sobretudo nessa ltima, que foi durante

    muitos anos a principal bolsa de valores do pas.

    A criao da Bolsa Mercantil e de Futuros, cujo primeiro prego ocorreu em

    janeiro de 1986, teria sido parte da estratgia da Bolsa paulista para a tomada da liquidez

    do mercado, ento concentrada no Rio de Janeiro. No entanto, somente no final da dcada

    seus committentes, mercadorias, navios, fundos pblicos, e outros effeitos e obrigaes, letras de cambio,

    bilhetes ordem, e quaesquer papeis commerciaes, fazer negociaes por descontos, seguros, contractos em

    grosso, fretamentos, emprestimos sobre penhores, ou de outro qualquer modo. 25

    Trata-se do fenmeno conhecido na Histria do Brasil como encilhamento, provavelmente o primeiro grande escndalo financeiro do Pas. 26

    Houve nove bolsas de valores em funcionamento no Brasil. Alm das Bolsas do Rio de Janeiro e So

    Paulo, havia a Bolsa de Valores de Minas Gerais, Esprito Santo e Braslia BOVMESB, a Bolsa de Valores do Extremo Sul BVES, a Bolsa de Valores do Paran BVPR, a Bolsa de Valores da Bahia, Sergipe e Alagoas BOVESBA, a Bolsa de Valores de Pernambuco e Paraba BVPP, a Bolsa de Valores Regional (Cear e Rio Grande do Norte) BVRG, e a Bolsa de Valores de Santos BVST.

  • - 25 -

    de 80, com os problemas decorrentes do que convencionou chamar de caso Nahas foi

    que a Bolsa de So Paulo cresceu em importncia e passou a ocupar o lugar antes ocupado

    pela BVRJ.

    Em 2000, a negociao com ttulos e valores mobilirios foi transferida para

    a Bolsa de So Paulo e em 2002 a Bolsa de Mercadorias & Futuros adquiriu os ttulos

    patrimoniais da BVRJ.

    Durante muitos anos o mercado acionrio brasileiro parecia padecer de

    ciclotimia, alternando perodos de euforia com perodos de depresso. No final dos anos

    90, no entanto, a crise do mercado era evidente, os volumes negociados decresciam ano a

    ano e o nmero de companhias listadas seguia o mesmo rumo.

    A reao comeou a se desenhar com o lanamento do Novo Mercado27

    pela

    Bovespa em dezembro de 2000. Tal iniciativa, aliada a uma srie de outros fatores, dentre

    os quais as condies macroeconmicas e o cenrio externo favorvel, fizeram da primeira

    dcada do milnio um perodo de renascimento e expanso do mercado de capitais

    brasileiro.

    Em 2007, repetiu-se no Brasil um movimento que ocorreu em diversos

    pases e alterou as feies das bolsas mundo afora. Trata-se do processo que a doutrina

    convencionou chamar de desmutualizao, que ocorreu com a Bovespa e com a BM&F.

    A desmutualizao nada mais do que a converso de uma associao,

    como eram as bolsas no Brasil, em uma entidade que visa ao lucro. Na realidade, ao se

    desmutualizarem as bolsas desatrelaram a propriedade, manifesta pelo ttulo patrimonial,

    do direito de acesso aos ambientes de negociao.

    Aps a reforma do mercado financeiro e de capitais, as bolsas deixaram de

    ser entidades oficiais corporativas e se organizaram como associaes, sem fins lucrativos.

    Para ser membro da bolsa, vale dizer, para poder intermediar negcios no seu ambiente de

    negociao, tornou-se necessria a aquisio de um ttulo patrimonial da bolsa. Dessa

    forma, os antigos corretores organizaram-se em sociedades corretoras e adquiram ttulos

    patrimoniais, tornando-se associados da bolsa, ou seja, proprietrios da entidade.

    Naturalmente, os desgnios da bolsa eram definidos pelos associados, as

    sociedades corretoras de valores, e a bolsa era organizada de forma a atender s

    27

    O Novo Mercado um segmento especial de listagem de aes de companhias que se comprometam a

    adotar, voluntariamente, boas prticas de governana corporativa. O diagnstico de que dentre os fatores que

    contribuam para o minguamento do mercado brasileiro destacava-se a falta de proteo aos acionistas

    minoritrios, levou a Bolsa a criar um novo segmento de mercado baseado na adeso dos participantes a

    prticas mais rgidas do que as impostas pela legislao.

  • - 26 -

    necessidades dos seus associados ao menor custo possvel. Nesse sentido a bolsa concedia

    uma srie de subsdios para seus associados, o que reduzia o custo operacional das

    corretoras.

    A crescente sofisticao do mercado e o ambiente altamente competitivo das

    economias globalizadas fizeram com que as bolsas brasileiras trilhassem um caminho j

    percorrido por muitas outras bolsas do mundo antes delas. Decidiram desmutualizar-se.

    Tanto a Bovespa quanto a BM&F se desmutualizaram na segunda metade

    do ano de 2007. Os antigos ttulos patrimoniais foram convertidos em aes e a

    propriedade, como dito, foi desvinculada do direito de acesso. Por outras palavras,

    atualmente nenhuma corretora precisa ser scia da bolsa para utilizar os servios por ela

    prestados. A relao entre bolsa e sociedade corretora se d em bases contratuais.

    Organizadas sob a forma de sociedade annima, ambas as bolsas fizeram

    bem sucedidas ofertas pblicas iniciais de distribuio secundria e passaram a ter suas

    aes listadas na Bolsa de Valores de So Paulo no mesmo ano.

    Se 2007 foi o ano da desmutualizao, 2008 pode ser considerado o ano da

    reorganizao societria que originou a BM&FBOVESPA S.A. Bolsa de Valores,

    Mercadorias e Futuros28

    . Fruto da integrao das duas bolsas operantes no Brasil, a

    BM&FBOVESPA constitui a maior bolsa da Amrica Latina e ocupa lugar de destaque no

    cenrio mundial.

    2.1.2. O Mercado de Balco no Brasil

    Distinto do mercado de bolsa, o mercado de balco normalmente tem suas

    operaes realizadas por meio de contatos diretos entre os intermedirios, prescindindo de

    um local ou mesmo de um sistema para o fechamento dos negcios.

    No Brasil, se diz que o mercado de balco organizado quando as

    instituies que o administram criam um ambiente informatizado e transparente de registro

    28

    In EIZIRIK, Nelson et alli, ob. cit., p. 237 : As principais vantagens atribudas ao processo que resultou na criao da BM&FBOVESPA so: (i) a obteno de sinergias de custos e de receitas, com potencial de

    racionalizao nas despesas combinadas das duas bolsas; (ii) a adoo de uma estrutura integrada mais

    eficiente, propiciando o desenvolvimento de novos produtos e servios, o que poder redundar num maior

    volume de negociao nos mercados por elas administrados; e (iii) o fortalecimento da posio das bolsas

    brasileiras no processo de consolidao do mercado internacional, tornando-as um centro de referncia na

    negociao de aes e derivativos na Amrica Latina.

  • - 27 -

    ou de negociao e tm mecanismos de autorregulao. J o mercado de balco no

    organizado no conta com a superviso de entidade autorreguladora.

    O primeiro mercado de balco organizado destinado negociao de aes

    criado no Brasil foi a Sociedade Operadora de Mercado de Ativos - SOMA, adquirida pela

    Bolsa de Valores de So Paulo em 2002.

    A BM&FBOVESPA tambm autorizada pela Comisso de Valores

    Mobilirios a atuar como entidade administradora do mercado de balco organizado,

    embora poucas sejam as companhias listadas nesse segmento.

    Em 1984 foi criada a CETIP na forma de associao destinada a prestao

    de servios de custdia e liquidao financeira de ttulos pblicos e privados. Em 2000, a

    CETIP obteve autorizao precria da Comisso de Valores Mobilirios para atuar como

    balco organizado. Com a edio da Instruo CVM n 461/2007 a autorizao foi

    convolada em definitiva29

    .

    Seguindo a tendncia mundial, tambm a CETIP se desmutualizou em 2008

    e abriu o capital em 2009, sob a denominao CETIP S.A. - Balco Organizado de Ativos

    e Derivativos. Trata-se, sem dvida, da principal entidade administradora do mercado de

    balco organizado em operao no Brasil.

    Atualmente so negociados ou registrados nos ambientes da CETIP mais de

    50 tipos de ativos, de emisso pblica e privada, dentre os quais as debntures, cotas de

    fundos de investimento abertos e fechados e derivativos de balco.

    2.2 O Mercado Secundrio de Valores Mobilirios no Brasil

    A regulamentao do mercado secundrio foi recentemente alterada pela

    edio da Instruo CVM n 461, de outubro de 2007, que introduziu mudanas

    importantes na disciplina dos mercados regulamentados de valores mobilirios e das

    entidades que os administram.

    Seguindo a sua tradio, a Comisso de Valores Mobilirios, antes da

    edio da norma, submeteu uma minuta Audincia Pblica, documento no qual

    29

    Instruo CVM n 461/2007. Art. 122. As entidades administradoras de mercado organizado de valores mobilirios atualmente autorizadas pela CVM a funcionar, em carter definitivo ou precrio, devero adaptar

    seu estatuto social e suas normas e as normas dos mercados por elas administrados s disposies desta

    Instruo, no prazo mximo de 270 (duzentos e setenta) dias, a contar de sua vigncia.

    Pargrafo nico. As autorizaes precrias ou condicionais hoje existentes para entidades administradoras de

    mercado organizado ficam convoladas em definitivas, sem prejuzo do disposto no caput.

  • - 28 -

    expressou os principais pontos que desejava ver debatidos, bem como explicitou a

    estrutura lgica da Instruo.

    Antes da Instruo CVM n 461/2007, o normativo que regulava as Bolsas

    era a Resoluo CMN n 2.690/2000, j que a Lei n 6.385/76, em seu artigo 18, dispunha

    que competia ao CMN e CVM a regulao das bolsas de valores. Ocorre que a Medida

    Provisria n 08/2001, convertida na Lei n 10.411/2002, alterou a Lei n 6.386/76,

    inclusive o artigo 18, de forma que passou a ser unicamente da CVM a competncia para a

    edio de normas gerais relativas s bolsas, tanto de valores quanto de mercadorias e

    futuros, uma vez que a mesma lei ampliou a espectro de atuao da Autarquia.

    Apesar de legalmente competente, a CVM ainda no havia editado

    normativo especfico para as bolsas, de forma que continuava em vigor a Resoluo CMN

    n 2.690/200030

    . O mercado de balco, por sua vez, desde a edio da Lei n 6.385/76,

    sempre fora regulado unicamente pela CVM.

    A necessidade de atualizar o arcabouo regulatrio concernente s bolsas e

    ao mercado de balco em face da existncia de lacunas nos regulamentos que regiam

    aqueles mercados, bem como as tendncias mundias que levaram rediscusso da

    disciplina regulatria dos mercados, geraram o momento propcio para a edio de um

    novo normativo que pudesse ser suficientemente flexvel e abrangente para fazer frente aos

    desafios que o mercado impe.

    Durante a elaborao da Instruo CVM n 461/2007, no podia a CVM

    descuidar de dois fatores com grande influncia na estrutura regulatria dos mercados: (a)

    o processo de desmutualizao das entidades administradoras dos mercados de bolsa, e (b)

    o aumento da concorrncia entre a negociao feita em mercados de bolsa e em outros

    ambientes de negociao.

    Destaque-se que a Instruo CVM n 461 deu uma nova formatao ao

    mercado secundrio de valores mobilirios, introduzindo importantes inovaes, dentre as

    quais merecem realce31

    :

    organizao e estrutura mnima de governana das entidades administradoras de

    mercados organizados;

    30

    A Resoluo CMN n 2.690/2000 tratava apenas das bolsas de valores. Por meio da Instruo CVM n

    362/2002, a CVM estendeu a aplicao dos dispositivos daquela Resoluo, no que coubesse, tambm s

    bolsas de mercadorias e futuros.

    31

    Relatrio de Anlise da Superintendncia de Desenvolvimento de Mercado da Comisso de Valores

    Mobilirios Processo CVM RJ n 2003/11142.

  • - 29 -

    atividade de autorregulao das entidades administradoras;

    distino, por meio de uma abordagem classificatria, entre mercados de bolsa e de

    balco organizado, juntamente com os tipos de organizao possveis para cada

    qual;

    disciplina para autorizao de instalao de telas de negociao de bolsas

    estrangeiras no Brasil;

    substituio do fundo de garantia pelo mecanismo de ressarcimento de prejuzos,

    com alterao das caractersticas que o informam;

    imposio de limitaes participao no capital de entidade administradora do

    mercado organizado de bolsa;

    criao de procedimentos especficos para concesso e cancelamento de

    autorizaes para as entidades administradoras do mercado organizado.

    Uma abordagem das principais inovaes de cada captulo da Instruo

    possibilitar uma viso mais acurada do seu conjunto.

    2.2.1. Mercados Regulamentados de Valores Mobilirios

    So mercados regulamentados de valores mobilirios os mercados

    organizados e o mercado de balco no organizado. Compem o mercado organizado, os

    mercados de bolsa e balco. Esquematicamente, assim se visualiza:

    Mercados Regulamentados Mercados Organizados

    Bolsa

    Balco

    Mercado No Organizado Balco

    Os mercados organizados devem ser administrados por entidades

    administradoras de mercado autorizadas para tal pela CVM e no podem prescindir de uma

    estrutura de autorregulao.

    Tambm caracterstica da Instruo a no definio conceitual dos

    mercados de bolsa e balco organizado32

    , optando-se por uma distino de carter

    32

    O Edital de Audincia Pblica CVM n 06/2007 deixou claro a opo da Autarquia pela no definio

    conceitual dos dois mercados. Apontou como razes o aparente insucesso das regulaes que assim

    procederam e cita como exemplo a experincia norte-americana afirmando que ... por dcadas, a definio

  • - 30 -

    classificatrio, com base em critrios, tais como: as regras de formao de preos, a qual

    dever ser sempre pblica nas bolsas; a possibilidade de acesso direto, s admitida para os

    mercados de balco organizados; existncia de ambientes ou sistemas para registro de

    operaes previamente realizadas, tambm s possvel para o balco; e a divulgao

    diferida de informaes relativas a operaes cursadas ou registradas, igualmente s

    permitida ao balco.

    Ainda que as diferenas relatadas possam, em tese, se constituir em

    vantagem competitiva do mercado de balco organizado, podendo aumentar a concorrncia

    entre os dois mercados organizados, duas medidas em prol da concorrncia no foram

    adotadas pela CVM: (a) possibilidade de dupla-listagem, e (b) a chamada internalizao

    sistemtica de ordens.

    A dupla listagem significa a possibilidade de que uma ao venha a ser

    listada tanto em bolsa quanto em balco, o que foi vedado pelo artigo 57, 3 da Instruo.

    H indcios, no entanto, de que a CVM est disposta a rever essa vedao, ainda que no a

    curto prazo.33

    Quanto a internalizao sistemtica de ordens, definida pela Diretiva

    relativa aos Mercados e Instrumentos Financeiros da Unio Europia como a realizao de

    modo organizado, frequente e sistemtico, por parte de uma empresa de investimentos, da

    negociao por conta prpria executando ordens de clientes fora de um mercado

    regulamentado ou de um MTF (Sistemas Multilaterais de Negociao)34

    , a CVM se

    declarou no confortvel em adot-la.

    de bolsas tem sido mais um fator de insegurana do que de conforto para os mercados e, ainda hoje, a

    definio do que seja um ATS* feita de forma circular e por oposio ao conceito de bolsa. * ATS, sigla para Alternative Trading System, definido no Regulamento dos Estados Unidos como

    qualquer organizao, associao, pessoa, grupo de pessoas ou sistema que: (i) constitua, mantenha ou proporcione um mercado ou instalaes que busquem reunir compradores e vendedores de valores

    mobilirios ou que de qualquer outra forma desempenhe, com relao a esses valores mobilirios, funes

    ordinariamente desempenhados por uma bolsa de valores, assim consideradas de acordo com o significado do

    art. 3b-16 deste captulo; e (ii) que no (a) estipule regras que disciplinem a conduta de subscritores, com

    exceo daqueles subscritores que negociem em tal organizao, associao, pessoa, grupo de pessoas ou

    sistema; ou (b) discipline subscritores em outro campo que no a excluso da autorizao para negociao. 33

    O Edital de Audincia Pblica n 04/2009 d esse indcio ao explicar a adoo do princpio de best execution, ou melhor execuo, para os intermedirios. 34

    Multilateral Trading Facility: A trading system that facilitates the exchange of financial instruments between multiple parties. Multilateral trading facilities allows eligible contract participants to gather and

    transfer a variety of securities, especially instruments that may not have an official market. These facilities

    are often electronic systems controlled by approved market operators or larger investment banks. Traders will

    usually submit orders electronically, where a matching software engine is used to pair buyers with sellers.

  • - 31 -

    Note-se que permitir a internalizao equivale a elevar um intermedirio ao

    status de mercado, o que exigiria uma disciplina regulatria muito mais complexa. A opo

    da CVM foi claramente por restringir a negociao de valores mobilirios aos mercados

    organizados, de forma que no parece haver espao, por enquanto, para a internalizao de

    ordens no mercado brasileiro.

    2.2.2. Entidades Administradoras de Mercados Organizados

    Os mercados organizados de valores mobilirios so estruturados e

    mantidos por entidades administradoras autorizadas pela CVM. A Instruo permite que a

    entidade administradora seja organizada sob a forma de associao ou de sociedade

    annima35

    . Embora no haja direcionamento para uma ou outra forma, claramente a

    Instruo visou a antecipar e prevenir os possveis conflitos de interesses que atingiriam as

    entidades desmutualizadas.

    A CVM preocupou-se em estabelecer uma estrutura de governana para as

    entidades administradoras de mercados organizados. Devem compor essa estrutura,

    obrigatoriamente, (i) Conselho de Administrao, no caso de mercados de bolsa,

    acessorado por um Comit de Auditoria; (ii) Diretor Geral; (iii) Conselho de

    Autorregulao; (iv) Departamento de Autorregulao; e (v) Diretor do Departamento de

    Autorregulao.

    Para cada um desses rgos esto definidas as competncias mnimas, bem

    como alguns requisitos. Um requisito importante o de maioria de membros

    independentes na composio do Conselho de Administrao das entidades

    administradoras do mercado de bolsa36

    . Trata-se de regra muito utilizada por outros

    reguladores como forma de miminizar a influncia dos participantes do mercado no orgo

    mximo da entidade37

    .

    35

    A organizao sob a forma de sociedade annima j era prevista na Resoluo CMN n 2.690/2000, no

    entanto tal normativo no tratava adequadamente, at pelo momento em que foi editado, dos potenciais

    conflitos que a adoo dessa forma de organizao jurdica pode suscitar, tais como a funo autorreguladora da bolsa e seus interesses comerciais

    36

    Para as entidades administradoras do mercado de balco organizado estabeleceu-se que, no mnimo, 25%

    dos membros do Conselho de Administrao sejam independentes.

    37

    Os requisitos de independncia esto no artigo 26 da Instruo CVM n 461/2007.

    Art. 26. Conselheiro independente aquele que no mantm vnculo com:

  • - 32 -

    Outro dispositivo importante da Instruo est no artigo 33, o qual

    estabelece que depende de autorizao prvia da CVM, a aquisio, por pessoa natural ou

    jurdica, ou grupo de pessoas agindo em conjunto ou representando o mesmo interesse, de

    participao direta ou indireta igual ou superior a 15% (quinze por cento) do patrimnio ou

    capital social com direito a voto de entidade administradora de mercado organizado. Tal

    medida visa a minimizar a possibilidade de que o controle da entidade administradora

    fique submetido interesses conflitantes com o interesse do mercado como um todo.

    H, ainda, um impedimento expresso a que qualquer pessoa autorizada a

    operar detenha participao superior a 10% no capital da entidade administradora. Trata-se

    de medida preventiva que objetiva evitar que uma pessoa autorizada a operar venha a

    controlar a entidade administradora e a utiliz-la para satisfao dos seus interesses

    pessoais. Visa, portanto, a proteo dos demais intermedirios e ao bom funcionamento do

    mercado.

    2.2.3. Autorregulao dos Mercados Organizados

    Embora desde a Lei 6.385/76, em seu artigo 17, j tenha estabelecido que as

    bolsas e as entidades do mercado de balco so auxiliares da CVM na fiscalizao de seus

    membros e das operaes nelas cursadas38

    , a nfase atividade de autorregulao um dos

    I a entidade administradora, sua controladora direta ou indireta, controladas ou sociedade submetida a controle comum direto ou indireto;

    II administrador da entidade administradora, sua controladora direta ou indireta, ou controlada; III pessoa autorizada a operar em seu mercado; e IV scio detentor de 10% ou mais do capital votante da entidade administradora. 1 Conceitua-se como vnculo com as pessoas mencionadas no caput:

    I relao empregatcia ou decorrente de contrato de prestao de servios profissionais permanentes ou participao em qualquer rgo administrativo, consultivo, fiscal ou deliberativo;

    II participao direta ou indireta, em percentual igual ou superior a 10% (dez por cento) do capital total ou do capital votante; ou III ser cnjuge, companheiro ou parente at o segundo grau. 2 Equipara-se relao atual, para efeito do disposto no inciso I do 1 deste artigo, aquela existente no

    prazo de at um ano antes da posse como membro do Conselho.

    3 No se considera vnculo, para efeito do disposto no caput, a participao em rgo administrativo ou

    fiscal na qualidade de membro independente.

    38

    Lei n 6.385/76. Art. 17. As Bolsas de Valores, as Bolsas de Mercadorias e Futuros, as entidades do mercado de balco organizado e as entidades de compensao e liquidao de operaes com valores

    mobilirios tero autonomia administrativa, financeira e patrimonial, operando sob a superviso da Comisso

    de Valores Mobilirios.

    1o s Bolsas de Valores, s Bolsas de Mercadorias e Futuros, s entidades do mercado de balco

    organizado e s entidades de compensao e liquidao de operaes com valores mobilirios incumbe,

    como rgos auxiliares da Comisso de Valores Mobilirios, fiscalizar os respectivos membros e as

    operaes com valores mobilirios nelas realizadas.

  • - 33 -

    principais pontos da Instruo CVM n 461/2007, pois que disciplinou a forma pela qual a

    autorregulao ser exercida.

    A Instruo estabelece que o Departamento de Autorregulao, o Diretor

    do Departamento de Autorregulao e o Conselho de Autorregulao so os rgos da

    entidade administradora encarregados da fiscalizao e superviso das operaes cursadas

    nos mercados organizados de valores mobilirios que estejam sob sua responsabilidade,

    das pessoas autorizadas a neles operar, bem como das atividades de organizao e

    acompanhamento de mercado desenvolvidas pela prpria entidade administradora39.

    Alm de uma estrutura mnima de autorregulao antes mencionada, a

    Instruo tambm estabelece que o Conselho e o Departamento de Autorregulao devem

    ser funcionalmente autnomos dos rgos de administrao da entidade administradora dos

    mercados que lhes incumba fiscalizar, bem como possuir autonomia na gesto dos recursos

    previstos em oramento prprio, que devero ser suficientes para a execuo das atividades

    sob sua responsabilidade; e possuir amplo acesso a registros e outros documentos

    relacionados s atividades operacionais dos mercados que lhes incumba fiscalizar, da

    entidade de compensao e liquidao que preste esses servios para os mercados, se for o

    caso, e das pessoas autorizadas a operar. Para tanto, a Instruo estabelece, ainda um dever

    de colaborao do Diretor Geral da entidade administradora40

    .

    Quanto s competncias de cada um dos rgos que compem a estrutura da

    autorregulao importante frisar que esto todas definidas na Instruo, que,

    adicionalmente, estabelece requisitos de independncia tanto para os membros do

    Conselho de Autorregulao, quanto para o Diretor de Autorregulao.

    Alis, ao lado das responsabilidades do Diretor de Autorregulao lhe foram

    conferidas garantias41

    para a execuo do seu trabalho com iseno, uma vez que um dos

    39

    Instruo CVM n 461/2007, artigo 36, caput. 40

    Instruo CVM n 461/2007, artigo 37, caput e incisos I, II e III.

    41

    A Instruo determina em seu artigo 39 que o mandato do Diretor e dos Conselheiros de Autorregulao seja de trs anos, passveis de renovao. No inciso III do mesmo artigo estabelece que a perda dos mandatos

    s ocorre por fora de renncia, condenao judicial ou em processo sancionador instaurado pela CVM, em

    ambos os casos por deciso irrecorrvel que leve ao impedimento ou inabilitao, ou se assim deliberar o Conselho de Administrao, com base em proposta fundamentada e detalhada acerca das circunstncias que a

    justificaram, apresentada por qualquer membro do Conselho de Administrao ou do Conselho de

    Autorregulao. Dispe, ainda, no pargrafo nico que a destituio do Diretor ou de membros do Conselho

    de Autorregulao, assim como as condies em que tal destituio tenha se dado, sero consideradas pela

    CVM ao avaliar as atividades de auto-regulao desenvolvidas pela entidade administradora, inclusive no

    tocante observncia do princpio de independncia e autonomia.

  • - 34 -

    possveis conflitos que podem surgir numa entidade administradora do mercado (sobretudo

    quando desmutualizada), diz respeito contraposio de seus interesses comerciais e sua

    atividade como autorreguladora.

    Outra forma de garantir a independncia da atividade de autorregulao da

    entidade a submisso CVM do programa anual de trabalho do departamento de

    autorregulao. No entanto, o trabalho da Autarquia no se exaure no recebimento do

    programa, mas se aperfeioa no acompanhamento da sua execuo.

    2.2.4. Telas de Acesso Negociao em Bolsa Estrangeira

    Trata-se de uma inovao da regulamentao brasileira. A partir de outubro

    de 2007 passou a ser possvel a instalao, no Brasil, em instituies integrantes do sistema

    de distribuio (nos termos do artigo 15 da Lei n 6.385/76), de telas de acesso aos

    sistemas de negociao de bolsas estrangeiras, o que j se concretizou com a concesso de

    autorizao, pela CVM, a algumas bolsas estrangeiras.

    A instalao de telas de acesso constitui uma real possibilidade de

    concorrncia para os ambientes de negociao no Brasil, j que permite o acesso do

    investidor local aos mercados estrangeiros.

    Por essa razo, foram estabelecidos critrios de autorizao que levam em

    conta a proteo ao investidor. Essa proteo fundamental porque tanto a bolsa

    estrangeira quanto os emissores de valores cujos papis so nelas negociados no esto sob

    a competncia regulatria da CVM.

    Dentre esses critrios de proteo esto a necessidade de que o pretendente

    seja reconhecido como bolsa e esteja devidamente autorizado a operar como tal em seu

    pas de origem; esteja sujeito superviso da autoridade reguladora de mercado de

    capitais de seu pas de origem, com a qual a CVM mantenha convnio ou acordo de

    cooperao internacional ou que seja signatria do Memorando Multilateral de

    Entendimentos da Organizao Internacional de Comisses de Valores OICV/IOSCO; e,

    os requisitos exigidos para autorizao e funcionamento de bolsas no pas de origem do

    pretendente sejam, no mnimo, substancialmente equivalentes aos previstos na Instruo

    CVM n 461/2007.

    Alm disso, numa avaliao subjetiva, a CVM analisar a acessibilidade,

    suficincia e qualidade das informaes a respeito dos ativos negociados na bolsa

  • - 35 -

    estrangeira, bem como de seus emissores e exigir o envio de informaes das transaes

    efetuadas por investidores brasileiros no exterior utilizando-se das referidas telas.

    Por fim, deve-se destacar a restrio a que apenas investidores brasileiros

    qualificados42

    possam negociar por meio das telas, medida adicional de proteo ao

    investidor local.

    2.2.5. Pessoas Autorizadas a Operar

    O artigo 11 da Instruo CVM n 461/2007 dispe que se considera pessoa

    autorizada a operar a pessoa natural ou jurdica devidamente autorizada, pela entidade

    administradora, a atuar nos ambientes ou sistemas de negociao ou de registro de

    operaes do mercado organizado.

    V-se, nos incisos do pargrafo nico do mesmo artigo, que o conceito de

    pessoa autorizada a operar mais amplo do que o conceito de intermedirio, porque alm

    deste, que pode atuar em nome prprio ou de terceiros, tambm pode ser pessoa autorizada

    a operar, (i) o operador especial, que atua em nome prprio ou de intermedirio, e (ii)

    quaisquer pessoas jurdicas ou fundos de investimento, desde que atuando em nome

    prprio, diretamente e sem a necessidade de interferncia de intermedirio43

    .

    No que respeita aos requisitos para admisso de pessoa autorizada a operar

    houve muita preocupao da CVM para evitar possveis barreiras a competio. Sobretudo

    numa bolsa desmutualizada, no h razes para se restringir o nmero de pessoas

    autorizadas a operar.

    Por outro lado, deve-se reconhecer que essencial que a entidade

    administradora estabelea critrios para a concesso de autorizaes para operar. A

    42

    Para efeito das telas de negociao em bolsas estrangeiras considera-se investidor qualificado (i) instituies financeiras; (ii) companhias seguradoras e sociedades de capitalizao; (iii) entidades abertas e

    fechadas de previdncia complementar; (iv) pessoas fsicas ou jurdicas com investimentos financeiros

    superiores a R$ 1.000.000,00 (um milho de reais); (v) administradores de carteira e consultores de valores

    mobilirios autorizados pela CVM, em relao a seus recursos prprios; (vi) regimes prprios de previdncia

    social institudos pela Unio, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou por Municpios; e (vii) fundos de

    investimento destinados a investidores que preencham os requisitos previstos neste pargrafo.

    43

    Esta ltima hiptese restrita ao mercado de balco pela interpretao da norma considerando o teor do

    artigo 93 da Instruo CVM n 461/2007. Art. 93. Em mercado de balco organizado, a negociao ou o registro de operaes previamente realizadas pode ocorrer sem a participao direta de intermedirio

    integrante do sistema de distribuio de valores mobilirios, desde que neste caso, nos termos previstos no

    regulamento, a liquidao da operao seja assegurada contratualmente pela entidade administradora do

    mercado de balco organizado, ou, alternativamente, seja realizada diretamente entre as partes da operao.

  • - 36 -

    Instruo cita, em seu artigo 51, que devem ser considerados a organizao do pleiteante,

    os recursos humanos e materiais exigveis para o desempenho da atividade e a idoneidade e

    aptido profissional das pessoas que atuem em seu nome.

    Nada obstante, os requisitos de admisso como pessoa autorizada a operar

    devem observar os princpios de igualdade de acesso e de respeito concorrncia, mas

    fundamental que as qualificaes mnimas para a admisso e manuteno como pessoa

    autorizada a operar contemplem necessidades de patrimnio alocado proteo de riscos

    de cada uma das atividades autorizadas, a segregao de atividades destinada a prevenir

    conflitos de interesse e a existncia de departamento encarregado de verificar a

    observncia das regras e normas de conduta aplicveis s operaes realizadas no mercado.

    Ainda no que tange concorrncia, diga-se que atualmente no se restringe

    a capacidade de atuao em bolsa s sociedades corretoras, sendo perfeitamente possvel

    que uma sociedade distribuidora de valores mobilirios pleiteie seu ingresso como pessoa

    autorizada a operar44

    .

    Note-se que a Instruo CVM n 461/2007 apontou o caminho para o

    aperfeioamento da atividade da pessoa autorizada a operar. Esse caminho ser trilhado em

    outro normativo da Autarquia j submetido Audincia Pblica e que dever revogar,

    dentre outras, a Instruo CVM n 387/200345

    .

    44

    Deciso Conjunta BCB/CVM n 17/2009. Art. 1 As sociedades distribuidoras de ttulos e valores mobilirios ficam autorizadas a operar diretamente nos ambientes e sistemas de negociao dos mercados

    organizados de bolsa de valores. 45

    Trata-se do Edital de Audincia Pblica n 04/2009, que trouxe a minuta da Instruo que dispor sobre

    normas e procedimentos a serem observados nas operaes realizadas com valores mobilirios em mercados

    regulamentados.

  • - 37 -

    3. Negociao Eletrnica

    Durante muitos anos o prego viva-voz foi a nica forma de se negociar

    valores mobilirios em bolsa. No entanto, esse cenrio mudou radicalmente com a

    implantao de sistemas eletrnicos de negociao, fazendo com que os preges viva-voz

    comeassem a perder importncia e fossem totalmente abandonados na maioria das bolsas,

    inclusive a brasileira.

    Dentre outras inovaes, os sistemas eletrnicos de negociao

    possibilitaram que os clientes das sociedades corretoras pudessem se utilizar da Internet

    para colocar ordens de compra e venda de aes em bolsa. No Brasil, esse servio

    comeou a ser oferecido em 1999 e tem estado em franca expanso desde ento46

    .

    O home broker apenas uma das inovaes que o desenvolvimento

    tecnolgico ps a disposio do mercado de capitais e, hoje, apesar da sua crescente

    utilizao, est longe de representar a modernidade no segmento.

    Neste Captulo, se far uma abordagem dos sistemas de negociao

    eletrnica, dos meios de acesso eletrnico ao mercado e das influncias do

    desenvolvimento tecnolgico na forma de negociao no mercado de valores mobilirios.

    3.1. Sistemas de Negociao Eletrnica

    Historicamente, os mercados de aes eram locais onde compradores e

    vendedores se reuniam para negociar. Os avanos da tecnologia, com o aperfeioamento

    das comunicaes reduziu a importncia do local da negociao e, atualmente,

    compradores e vendedores se encontram de maneira virtual.

    Assim, pode-se dizer que os sistemas de negociao eletrnica so os

    instrumentos que permitem aos compradores e vendedores trocarem informaes sobre

    preos e ofertas de ativos financeiros e negociarem por meio de uma plataforma eletrnica.

    Da mesma forma se pode afirmar que eles dominam o mercado secundrio de valores

    mobilirios, em vista da quase que completa extino dos preges viva-voz.

    46

    A BM&FBOVESPA informou que em comparao com o ano de 2008 a mdia mensal de negcios via

    home broker cresceu 43,5%, atingindo, em 2009, a marca de 4,12 milhes de negcios/ms. Em 2009, o

    volume total negociado pelo home broker foi de R$ 468,48 bilhes.

  • - 38 -

    De acordo com o BIS Bank for International Settlements, os sistemas de

    negociao eletrnica so assim definidos47

    :

    An Electronic Trading System is a facility that provides some or all of the

    following services: electronic order routing (the delivery of orders from

    users to the execution system), automated trade execution (transformation

    of orders into trades) and electronic dissemination of pre-trade (bid/offer

    quotes and depth) and post-trade information (transaction price and

    volume data).

    A negociao eletrnica ao mesmo tempo em que elimina restries

    geogrficas, permite uma contnua interao entre todos os participantes. bem verdade

    que o telefone j havia eliminado as restries geogrficas, mas no permitia a interao

    simultnea com os demais participantes do mercado. O prego viva-voz, por outro lado,

    permitia essa interao, mas padecia da barreira geogrfica48

    .

    No entanto, como acentua o BIS, um sistema de negociao eletrnica no

    um telefone melhorado, mas sim uma nova forma de negociar diversa dos preges viva-

    voz e das transaes conduzidas por telefone.

    No h dvidas de que a negociao eletrnica permite o aumento do

    volume transacionado e a reduo dos custos de transao. Adicionalmente, tambm se

    observa uma melhora da qualidade da informao colocada disposio do investidor,

    sendo esses os motivos normalmente citados para a eletronificao dos sistemas de

    negociao.

    Muita pesquisa se faz acerca das relaes entre a forma como o mercado se

    estrutura e os resultados que obtm em termos de formao de preos e quantidade

    transacionada. A estrutura do mercado tambm influencia enormemente aspectos

    qualitativos, tais como liquidez e custos de transao e, por consequncia, afeta a eficincia

    do mercado com reflexos no crescimento e desenvolvimento econmico.

    47

    In The Implications of Electronic Trading in Financial Markets, reported by a working group established by the Committee on the Global Financial System of the Central Banks of the Group of Ten Countries. BIS Bank for International Settlements. 2001, p. 3

    48

    In ALLEN, Helen et alli. Electronic Trading and its implication for financial systems. BIS Papers n 7: Electronic finance: a new perspective and challenges, BIS Bank for International Settlements, 2001, pp. 30-52.

  • - 39 -

    De fato, o mercado de valores mobilirios um dos mercados em que a

    negociao eletrnica mais se desenvolveu. Diz-se que mercados em que os produtos so

    padronizados favorecem a utilizao de plataformas de negociao eletrnica, mas nem

    sempre de forma homognea.

    Um exemplo disso a maneira pela qual os sistemas de negociao

    eletrnica foram introduzidos nos Estados Unidos e na Europa. Enquanto na Amrica o

    mercado acionrio pode ser caracterizado por uma proliferao de sistemas de negociao

    eletrnica alternativos que convivem com um nmero comparativamente pequeno de

    bolsas49

    , na Europa evidente a ausncia de sistemas separados, com o uso dos meios

    alternativos de negociao incorporado pelas bolsas50

    .

    Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos a migrao para o uso de

    sistemas eletrnicos de negociao mostrou uma efetiva reduo de custos.

    No caso dos Estados Unidos, alteraes