MARCELO CORDEIRO & ADVOGADOS ASSOCIADOS · 2020. 5. 19. · MARCELO CORDEIRO & ADVOGADOS ASSOCIADOS...
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Quadra 108 Norte, Alameda 08, Lote 07, Palmas – TO, CEP 77.006-110 Fone (63) 3215-5621 e (63) 99973-0520
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EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA
____VARA DA FAZENDA E REGISTROS PÚBLICOS DA COMARCA DE
PALMAS – ESTADO DO TOCANTINS
DIRETÓRIO METROPOLITANO DO
MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO - MDB, órgão de direção local de
partido político, inscrito no CNPJ/MF sob o nº 15.719.139/0001-67, com sede na
Quadra 110 Sul, Avenida Juscelino Kubitschek, Lote 13, Plano Diretor Sul, Palmas –
TO, CEP: 77.020-124, por meio de seus advogados que abaixo subscrevem, com
endereço profissional indicado no rodapé da página, vem, à presença de Vossa
Excelência, com fulcro na Lei nº 12.016/09, na Lei nº 9.394/96, na Lei nº 9.536/97, na
Lei nº 11.440/06 e no artigo 206 e seguintes da Constituição da República Federativa do
Brasil, e demais legislações que regem a presente matéria, para impetrar o presente
MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR
contra ato da PREFEITA DE PALMAS – TOCANTINS, sra. CINTHIA ALVES
CAETANO RIBEIRO, com endereço profissional na sede da Prefeitura de Palmas –
TO, localizada na Quadra 104 Norte, Rua NE 6, 91, Plano Diretor Norte, Palmas - TO,
CEP 77.001-036, sendo a pessoa jurídica a qual a Impetrada integra o MUNICÍPIO DE
PALMAS – TO, inscrito no CNPJ sob nº 24.851.511/0001-85, com sede no endereço
mencionado, pelos fatos e fundamentos de direito abaixo concatenados.
I – DA SÍNTESE FÁTICA
1. Como é cediço, recentemente, a população mundial foi
acometida pela pandemia de COVID-19, o que exigiu a adoção de diversas medidas
excepcionais para conter a proliferação do vírus.
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2. No Brasil, o governo federal, antes do surgimento do primeiro
caso de coronavírus no país, antecipou-se e editou a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de
2020, que dispôs sobre “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública
de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de
2019”, em que restaram conceituadas e previstas medidas como isolamento e
quarentena.
3. Já no âmbito da cidade de Palmas – TO, o primeiro caso
confirmado da referida doença se deu em 18 de março de 2020, contexto em que foram
editados decretos estadual e municipal para evitar a proliferação do vírus e
contaminação da população.
4. Assim, as legislações em comento visavam impedir
precipuamente a aglomeração de pessoas, em harmonia com a lei federal supracitada,
fazendo uso das medidas nela previstas, mais precisamente isolamento social horizontal.
5. Todavia, inusitadamente, a Impetrada publicou o Decreto nº
1.896, de 15 de maio de 2020, que, em seu artigo 1º, inciso III, proibiu a
“comercialização de bebidas alcoólicas em todos e quaisquer estabelecimentos
varejistas, atacadistas, distribuidores e fabricantes, para pessoas físicas e jurídicas”,
sem qualquer motivação idônea para tanto.
6. Nessa esteira, afora a falta de fundamentação do ato
administrativo assinalado, o referido ato ainda foi editado por ente incompetente, haja
vista que a matéria de consumo é reservada à União, aos Estados e ao Distrito Federal.
7. Ademais, o ato nulo em evidência afronta os princípios da
liberdade de trabalho, da livre iniciativa e da ordem econômica, tendo representado
graves prejuízos aos empresários da capital, que, já prejudicados pelas medidas
restritivas de isolamento, tiveram sua atividade praticamente inviabilizada pelo último
decreto municipal.
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8. Com isso, ante o ato nulo da Impetrada, não resta ao Impetrante
outro remédio a ser utilizado que não seja recorrer ao judiciário para reconhecer a
flagrante nulidade do artigo 1º, inciso III, do Decreto Municipal nº 1.896, de 15 de maio
de 2020, com supedâneo nas teses jurídicas melhor abordadas a seguir.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
II.1 – DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA PARA A
PROIBIÇÃO DE VENDA DE BEBIDA ALCOÓLICA NO ÂMBITO
MUNICIPAL. DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO.
9. Em um primeiro momento, convém destacar que o Decreto nº
1.896, de 15 de maio de 2020, que proibiu a venda de bebidas alcoólicas, conforme
mencionado na síntese fática, não apresenta a motivação / fundamentação adequada
para tanto, revestindo-se de ato arbitrário e nulo.
10. Observa-se que, em que pese tenha sido justificada a adoção de
medidas restritivas pelo decreto em razão do “crescimento progressivo dos números de
infecções pelo novo coronavírus (COVID-19)”, a proibição impugnada não guarda
qualquer relação com esse argumento, uma vez que a venda de bebidas alcoólicas tem
respeitado as medidas sanitárias restritivas (distanciamento necessário entre as pessoas,
uso de máscaras, higienização dos produtos etc.).
11. Ora, Excelência, os atos administrativos devem ser motivados,
com o desiderato de se coibir a arbitrariedade no âmbito da administração pública, não
podendo ser restringidos direitos sem o amparo em manifesto interesse público.
12. Nesse sentido, o artigo 50, inciso I, da Lei nº 1.156/2002, do
Município de Palmas assim dispõe:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com
indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
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I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;
13. Com isso, para que se dê efetividade à disposição legal, não
basta que o ato contenha fundamentação genérica, mas a limitação de direitos imposta
por ele deve guardar coerência com tal motivação, sob pena de violação à norma adrede
transcrita.
14. Em consonância com a previsão legal e sua interpretação, que
preserva a mens legis, segue precedente que aborda a matéria:
DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL -
MOVIMENTAÇÃO DE POLICIAL MILITAR POR INTERESSE
PRÓPRIO MOTIVADA POR NECESSIDADE DE BENEFICAR
SAÚDE DA PRAÇA OU DE PESSOA DE SUA FAMÍLIA -
POSSIBILIDADE - PREVISÃO LEGAL EXPRESSA -
REQUERIMENTO INDEFERIDO - FUNDAMENTAÇÃO -
AUSÊNCIA - NULIDADE DO ATO - ANTECIPAÇÃO DA
TUTELA ESPECÍFICA - REQUISITOS DO ART. 461, § 3º,
CPC - PREENCHIMENTO. 1 - A movimentação de praça "por
interesse próprio", com o intuito de assistir pessoa enferma de
sua família é possível, uma vez satisfeitos os requisitos dos arts.
175, inciso III, § 3º, da Lei Estadual nº 5301/1969, e 8º, incisos
I a VIII, §§ 3º, 4º e 5º, da Resolução 4123/2010-PMMG. 2 - Ao
ato administrativo praticado sem a devida motivação, ou sem
coerência com ela, aplica-se a sanção de nulidade, por ofensa
ao princípio da legalidade. 3 - Demonstrados a relevância da
fundamentação do demandante e o justificado receio de
ineficácia do provimento final, impõe-se a antecipação da tutela
específica da obrigação, nos termos do art. 461, § 3º, CPC,
inclusive em face da Fazenda Pública. 4 - Agravo de
instrumento provido.
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(TJ-MG - AI: 10024130240146001 MG, Relator: Ana Paula
Caixeta, Data de Julgamento: 26/09/2013, Câmaras Cíveis / 4ª
CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/10/2013)
15. Conforme o julgado invocado, o ato administrativo deve vir
acompanhado de motivação e guardar coerência com esta, para preservar a sua
legalidade. Ao revés, sem a adequada e devida fundamentação, o ato deve ser tido como
nulo, sendo necessária a ingerência do poder judiciário para reconhecer o referido
vício formal.
16. No caso concreto sub examine, não há qualquer motivação
específica para a proibição de vendas de bebidas alcoólicas, principalmente porque
essa comercialização já vinha sendo feita em respeito a todas as exigências do
poder executivo municipal para evitar a proliferação do vírus, como entrada restrita
de pessoas nos estabelecimentos ou atendimento somente na área externa, número
reduzido de funcionários, uso de máscaras, disponibilização de álcool em gel para
funcionários, para clientes e para limpeza de produtos, entre outras.
17. Veja que a compra de bebidas alcoólicas para consumo na
residência do consumidor não desencadeia a propagação do vírus, sendo que as
medidas de proibição de aglomeração e de distanciamento entre as pessoas nos
estabelecimentos em funcionamento que tendem a impedir a contaminação.
18. Assim, padece de nulidade o ato administrativo atacado, que,
desprovido de motivação idônea, consiste em ato ilegal e arbitrário, produzindo graves
prejuízos aos comerciantes e empresários que trabalham com a venda e distribuição de
bebidas alcoólicas.
19. Aliás, avulta-se que os locais públicos em que poderia haver o
consumo de bebida alcoólica, como restaurantes e bares, se encontram fechados, por
determinação também da Impetrada, isto é, por consectário lógico, a bebida alcoólica só
estaria sendo vendida para consumo no interior da residência do consumidor, sem
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comprometer a saúde pública e sem desrespeitar os demais decretos que proíbem a
aglomeração de pessoas.
20. Inclusive, o próprio Decreto nº 1.896, de 15 de maio de 2020,
impõe a “proibição de consumo de bebida alcoólica em qualquer estabelecimento
comercial, industrial e de serviços, bem como em todo e qualquer local público”, contra
o qual não se insurge o presente mandamus e que seria suficiente para conter a
concentração de pessoas.
21. Desse modo, conclui-se que a medida de proibição de venda de
bebidas alcoólicas é excessiva e não foi devidamente fundamentada / motivada no ato
que a determinou, oportunidade em que se pleiteia que seja reconhecida sua nulidade.
22. Por essas razões, pugna-se que seja reconhecida a nulidade do
artigo 1º, inciso III, do Decreto nº 1.896, de 15 de maio de 2020, da Prefeita de Palmas
– TO1, dada a falta de motivação do ato administrativo, com fulcro no artigo 50, inciso
I, da Lei nº 1.156/2002.
II.2 – DA COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE MATÉRIA DE CONSUMO. DA AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO
MUNICÍPIO PARA TANTO.
23. Além de não se encontrar motivado o ato que proibiu a venda de
bebidas alcoólicas no município de Palmas – TO, o ato administrativo em questão ainda
é nulo ante a evidente incompetência do município para editar normas sobre o assunto.
24. Faz-se mister salientar que a comercialização de bebidas
alcoólicas consiste em matéria de consumo, sendo competência da União, Estados e
Distrito Federal legislar sobre esta. Nesses termos, o artigo 24, inciso V e §§ 1º a 4º, da
Constituição da República Federativa do Brasil:
1 Art. 1° São adotadas, no âmbito do munícipio de Palmas, as medidas restritivas a seguir:
(...)
III - proibição da comercialização de bebidas alcoólicas em todos e quaisquer estabelecimentos
varejistas, atacadistas, distribuidores e fabricantes, para pessoas físicas e jurídicas;
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Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
(...)
V - produção e consumo;
(...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da
União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais
não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados
exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas
peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais
suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
25. Nesse compasso, por se tratar de matéria nitidamente de
consumo, a proibição de venda de bebidas alcoólicas somente podia ter sido
determinada pela União ou Estados, não sendo constitucionalmente autorizada a
edição dessa norma pelo município.
26. Com a propagação da pandemia em outras regiões no mundo, o
governo federal se antecipou e editou a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que
dispôs sobre “medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”,
em que restaram conceituadas e previstas medidas como isolamento e quarentena.
27. Sucessivamente, com o implemento dessas providências em
algumas regiões do país, fez-se imprescindível a previsão dos serviços tido como
essenciais, que deveriam continuar a ser disponibilizados para a população mesmo no
quadro de isolamento e/ou quarentena, o que se fez por meio do Decreto Federal nº
10.282, de 20 de março de 2020.
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28. Por conseguinte, o artigo 3º, §1º, XII do supracitado Decreto
Federal, elencou como atividade essencial a “produção, distribuição, comercialização e
entrega, realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico, de produtos
de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção”.
29. Pela simples leitura da norma, verifica-se que a
comercialização de bebidas, sem fazer qualquer ressalva às de teor alcoólico, foi
prevista como atividade essencial, que não deve ser atingida pelas medidas
impostas pelos entes municipais para conter a proliferação do vírus.
30. Nesse teor, o decreto impugnado pelo presente mandamus
não apenas foi editada por ente incompetente como também contraria a legislação
federal publicada e vigente, o que não pode ser tolerado.
31. Do mesmo modo, impende esclarecer que o Governador do
Estado do Tocantins, por meio do Decreto nº 6.070, de 18 de março de 2020, declara
"situação de Emergência no Tocantins em virtude da pandemia da COVID-19 (novo
Coronavírus)” e, posteriormente, através do Decreto nº 6.072, de 21 de março de 2020,
impõe algumas medidas para conter a propagação do vírus, como a proibição de
realização de eventos e de reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado,
em que ocorra a aglomeração de pessoas, tendo sido esta vedação prorrogada por tempo
indeterminado pelo Decreto nº 6.086, de 22 de abril de 2020.
32. Sobreleva-se que, em nenhum desses atos do governo federal
e do governo estadual, restou prevista a proibição de comercialização e venda de
bebidas alcoólicas. Pelo contrário, o governo federal previu esta como sendo
atividade essencial no precitado artigo 3º, §1º, XII, do Decreto nº 10.282, de 20 de
março de 2020.
33. Nesse viés, tem-se que a competência dos municípios, conforme
preconiza o artigo 30, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil,
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limita-se a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”, sendo
vedado ao município ingressar em matéria de consumo não abordada pela legislação
federal ou estadual e, principalmente, estando impedido o município de contrariar as
referidas legislações.
34. Por essa linha de raciocínio, cabe ao município somente editar
normas que concretizem e viabilizem as normas federais e estaduais competentes
relativas a consumo, isto é, não é lícito que o município exorbite de sua competência
para legislar sobre matéria de consumo não prevista pelos entes estaduais e federal.
35. Como exaustivamente delineado e enumerado, as normas que
preveem as medidas para evitar a proliferação do vírus no âmbito do país e estado do
Tocantins não proíbem a venda de bebida alcoólica, sendo incompetente o município de
Palmas para inaugurar legislação sobre a matéria.
36. Com o fito de corroborar os argumentos lançados na presente
peça, segue precedente que vai ao encontro da tese defendida:
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR Nº
122 DO ANO DE 2012 DO MUNICÍPIO DO RIO DE
JANEIRO. INCONSTITUCIONALIDADE TRADUZIDA NA
USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA TRATAR DA
MATÉRIA. O MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO AO TRATAR
DE NORMAS RELATIVAS À PRODUÇÃO E CONSUMO DE
MERCADORIAS EXTRAPOLOU A COMPETÊNCIA
PREVISTA NAS CONSTITUIÇÕES FEDERAL E ESTADUAL.
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL QUE SE
PROCLAMA, COM EFEITOS EX TUNC. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DE
ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS. IMPROVIMENTO AO
RECURSO. I - Analisando-se a lei municipal impugnada se
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conclui que a competência para legislar, pautada em regras da
Constituição Federal e da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, foi violada; II - A lei em comento trata de matéria
relativa ao consumo e, sem dúvida, traz medidas de proteção
ao consumidor não albergadas na competência da
municipalidade segundo o legislador constitucional; III - O
Município tratou de matéria reservada à União, aos Estados e
ao Distrito Federal, extrapolando sua competência legislativa,
razão pela qual se impõe o reconhecimento do vicio de
inconstitucionalidade formal; IV - Inconstitucionalidade que se
proclama, aplicando-se à declaração os efeitos ex tunc. V - O
art. 535 do CPC possibilita o acolhimento dos embargos de
declaração quando houver no acórdão, obscuridade,
contradição ou quando for omitido ponto sobre o qual devia
pronunciar-se o tribunal, descaracterizando-se como terreno
apropriado à rediscussão da matéria, acerto ou desacerto da
decisão (error in iudicando ou error in procedendo), o que
reclama veredas recursais adequadas; VI - Improvimento ao
recurso.
(TJ-RJ - ADI: 00475281120128190000 RJ 0047528-
11.2012.8.19.0000, Relator: DES. ADEMIR PAULO
PIMENTEL, Data de Julgamento: 17/02/2014, OE -
SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL,
Data de Publicação: 01/04/2014 12:51)
37. Destarte, a legislação municipal que versar sobre matéria de
consumo, que é de competência da União, Estados e Distrito Federal, estará
revestida do vício de inconstitucionalidade formal e não deve subsistir.
38. Por derradeiro, tendo em vista que o Decreto nº 1.896, de 15 de
maio de 2020, em seu artigo 1º, inciso III, trata de matéria de consumo, reservada à
União, aos Estados e ao Distrito Federal, contrariando, aliás, o artigo 3º, §1º, XII, do
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Decreto Federal nº 10.282, de 20 de março de 2020, imperioso o reconhecimento de sua
nulidade.
II.3 – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRABALHO (ART. 5º,
XIII, CF). VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA
(ART. 1º, IV, CF). AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA
(ART. 170, II e V, CF).
39. A Prefeita de Palmas editou o sobredito Decreto Municipal nº
1.896, de 15/05/2020, determinando como medidas restritivas a proibição da
comercialização de bebidas alcoólicas na cidade de Palmas para pessoas físicas ou
jurídicas, independente do estabelecimento ser varejista, atacadista, distribuidora ou
fabricante, nos seguintes moldes:
“Art. 1° São adotadas, no âmbito do munícipio de Palmas, as
medidas restritivas a seguir:[...] III - proibição da
comercialização de bebidas alcoólicas em todos e quaisquer
estabelecimentos varejistas, atacadistas, distribuidores e
fabricantes, para pessoas físicas e jurídicas; [...]”
40. Restou demonstrado de forma exaustiva no tópico anterior que,
o ato em questão padece de fundamentação legal e jurídica estando eivado de nulidade,
com base na ausência de motivação da referida medida restritiva adotada pelo
Município, sob a única alegação de que a medida seria necessária em decorrência do
aumento da transmissão do vírus COVID-19 entre a população.
41. Todavia, além do vício verificado na constituição do ato
administrativo, o decreto também viola direitos e princípios fundamentais dos
comerciantes da cidade, quando diversos estabelecimentos comerciais praticam
unicamente a venda e distribuição de bebidas de teor alcoólico ou não.
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42. Inicialmente, constata-se que, após a confirmação do primeiro
caso de COVID- 19 no Município de Palmas, a Prefeita editou o Decreto Municipal nº
1.856/20, em 14 de março de 2020, visando regulamentar o isolamento horizontal na
cidade, determinando o fechamento do comércio de forma geral, possibilitando a
continuidade apenas dos serviços considerados essenciais, com base na Lei Federal nº
13.979/20.
43. Dentre os serviços considerados essenciais, encontram-se os
supermercados e demais estabelecimentos que pratiquem a venda de bebidas e
alimentos, inclusive, a produção, comercialização e distribuição de bebidas está
autorizada e amparada pelo Decreto Federal nº 10.282/2020, editado para regulamentar
a Lei Federal nº 13.979/20, in verbis:
“Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de
2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos
serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.
[...]
XII - produção, distribuição, comercialização e entrega,
realizadas presencialmente ou por meio do comércio eletrônico,
de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e
materiais de construção; [...]”
44. Excelência, a redação do art. 3º do Decreto Federal nº 10.282/20
é assídua no tocante ao caráter essencial da produção, distribuição, comercialização e
entrega de bebidas.
45. Desde então, todos os estabelecimentos comerciais estão
seguindo os dizeres do Decreto Municipal nº 1.856/20, dispondo dos cuidados
necessários para retardar a proliferação do vírus e orientações da Organização Mundial
de Saúde - OMS, o que inclui, o uso de máscara, atendimento ao público do lado
externo do estabelecimento, filas com distanciamento de 2 (dois) metros,
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fornecimento de álcool em gel, dentre outras medidas adotadas para garantir a
segurança dos comerciantes, funcionários e clientes.
46. Ademais, é de suma importância destacar que, a primeira
medida adotada pela Prefeita foi a publicação do Decreto Municipal nº 1.856/20, sendo
que este já prevê a proibição de aglomerações e o isolamento social na cidade de
Palmas, portanto, não se justifica a proibição de venda de bebida alcoólica para evitar
as referidas aglomerações, dado que, caso sejam detectadas ou denunciadas
aglomerações, as pessoas infratoras deverão ser responsabilizadas por infringirem o
decreto vigente supracitado.
47. Nesse sentido, é desproporcional e injustificável o teor do inc.
III, do art. 1º, do Decreto 1.896/20, que não deve ser entendido como medida eficaz
para evitar aglomerações, as quais já são reprimidas nos termos do primeiro decreto
editado, por meio de fiscalização por parte da Prefeitura, que poderá adotar as medidas
sancionatórias aos infratores.
48. A proibição da venda de bebida alcoólica irá apenas penalizar os
comerciantes que dependem dessa renda para sobreviver e sustentar sua família e
negócio, além de outros consumidores que não poderão fazer o uso de forma isolada em
suas residências sem nenhuma aglomeração.
49. Ademais, é importante prever as consequências que a
manutenção do referido decreto pode causar para a cidade, dado que a proibição poderá
gerar um comércio clandestino de bebidas alcoólicas, e até mesmo de bebidas
falsificadas que poderão por em risco a saúde da população e a segurança.
50. O Decreto Municipal nº 1.896/20 contraria frontalmente os
seguintes princípios fundamentais: i) da liberdade de trabalho, ofício ou profissão (art.
5º, inc. XIII, da CF); ii) dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e (art. 1ª,
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inc. IV, da CF2); iii) da ordem econômica (art. 170, inc. II e V, da CF3), conforme
restará demonstrado a seguir.
51. Primeiramente, conforme dito alhures, o decreto em questão
viola a liberdade de trabalho e a livre iniciativa, na medida em que os empresários e
proprietários de estabelecimentos comerciais ficam restringidos no seu direito de
exercer na plenitude o empreendedorismo, tolhidos por medida governamental ilegal.
52. O princípio da livre iniciativa versa acerca da liberdade e
autonomia do comércio, como forma de controlar a intervenção estatal, mantendo-se a
essência do capitalismo.
53. Sabe-se que o comércio e as empresas de forma em geral estão
diretamente ligados as condições financeiras e econômicas regionais, garantindo,
inclusive, o recolhimento de impostos pela Administração Pública, geração de
empregos e renda.
54. O artigo 5º, em seu inciso XIII, afirma que: “[...] XIII – é livre
o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer[...]”, portanto, é evidente que o decreto está violando
o livre exercício do trabalho dos proprietários e comerciantes de estabelecimentos que
comercializam, fabricam ou entregam bebidas alcoólicas, não podendo o MUNICÍPIO
DE PALMAS manter os termos do sobredito decreto, quando há decreto federal
declarando que estes estabelecimentos estão entre os serviços essenciais.
55. Desta forma, o decreto ao restringir a comercialização de
bebidas alcoólicas, acaba por esbarrar no próprio Decreto Federal nº 10.828/20
2 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV - os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
3 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: [...] II - propriedade privada; [...] V - defesa do consumidor; [...]
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que regulamenta a Lei Federal nº 13.979/20, isso porque, reconhece a
essencialidade dos estabelecimentos que são responsáveis por comercializar,
distribuir e fabricar bebidas.
56. É cediço a necessidade de medidas coerentes por parte dos entes
federados para combater e retardar o avanço da pandemia, todavia, o decreto em
questão não preencheu os requisitos necessários para a validade do ato administrativo,
por evidente ausência de competência legislativa e da infringência direta dos princípios
constitucionais apontados.
57. Portanto, conclui-se, que o ponto fulcral do problema está na
ausência de competência por parte do MUNICÍPIO DE PALMAS para legislar
acerca do consumo ou proibição de bebida alcoólica pela população, juntamente
com o fato de o ato em questão afrontar os princípios constitucionais da livre
iniciativa, liberdade de trabalho e da ordem econômica, atos de restrição
praticados de forma ilegal e arbitrária através da edição do Decreto nº 1.896/20.
III –DA MEDIDA LIMINAR PLEITEADA.
58. Doutrinaria e jurisprudencialmente exige-se, para o deferimento
da competente medida liminar, exige-se a presença dos requisitos da probabilidade do
direito (fumus boni iuris) e do perigo da demora ou resultado útil do processo
(periculum in mora), para que o ato ilegal praticado seja suspenso liminarmente.
59. Esses dois requisitos estão sobejamente demonstrados no caso
presente, merecendo assim, o deferimento da medida liminar, initio litis, verifica-se a
existência de ilegalidade do ato praticado pela Autoridade Coatora, momento em
que não restou configurada a fundamentação e competência do ato administrativo
praticado, e ainda, a infringência direta de princípios constitucionais e direito dos
comerciantes.
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60. Em segundo plano, sabe-se que as bebidas alcoólicas possuem
prazo de validade, e que os produtos que estiverem na iminência de vencer não poderão
ser comercializados, caso a presente liminar não seja concedida para suspender a
vigência do inc. III, do art. 1º, do Decreto nº 1.896/20.
61. Desta forma, é evidente que por serem produtos voltados para o
consumo possuem prazo de validade, e o vencimento destes dentro das prateleiras dos
estabelecimentos ocasionará em prejuízos imensuráveis aos comerciantes e
empreendedores, os quais, até segunda ordem, encontram-se proibidos de dar
continuidade às atividades laborais que envolvam comércio e entrega de bebidas com
teor alcoólico.
62. Nesse diapasão, até que o presente writ seja efetivamente
processado e julgado, os produtos estarão correndo o risco de vencerem e
consequentemente se tornarem inadequados para consumo, demonstrando-se a urgência
na concessão da presente medida liminar.
63. Por sua vez, o art. 7º, III, da Lei 12.016/09, estabelece que:
Art. 7o. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...) III – que se
suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver
fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a
ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo
facultado exigir da Impetrante caução, fiança ou depósito, com
o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
64. Desta forma, resta sobejamente demonstrado no presente
Mandado de Segurança o preenchimento dos requisitos autorizadores da concessão da
medida liminar, para que seja determinada a SUSPENSÃO dos efeitos do inc. III, do
art. 1º, do referido decreto, para determinar que os estabelecimentos voltem a
comercializar e entregar bebidas alcoólicas, ante a nulidade do ato administrativo
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praticado pelo MUNICÍPIO DE PALMAS e para fins de rechaçar as consequências de
cunho econômico ocasionadas aos comerciantes.
IV – DOS REQUERIMENTOS
65. Ante o exposto, diante dos argumentos aduzidos no presente
mandado de segurança, o Impetrante requer à Vossa Excelência:
a) A suspensão, inaudita altera pars, do artigo 1º, inciso
III, do Decreto nº 1.896, de 15 de maio de 2020, permitindo
que os estabelecimentos voltem a comercializar, distribuir e
entregar bebidas alcoólicas, ante a ausência de motivação e
competência do Município de Palmas para vedar tal atividade,
bem como afronta aos princípios constitucionais previstos nos
artigos 1º, inc. IV, 5º, inc. XII e 170, inc. II e V, todos da
Constituição Federal da República Federativa do Brasil, e ainda,
para se evitar que os comerciantes sofram prejuízos de cunho
financeiro em razão da perda de validade dos produtos até
decisão ulterior, já que presentes, então, os requisitos
insculpidos no artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/09
(relevância dos fundamentos e perigo de ineficácia da medida);
b) A notificação da autoridade coatora, no endereço
constante de sua qualificação, para prestar as informações no
prazo de 10 (dez) dias, conforme determina o art. 7º, I da Lei
12.016/09;
c) Que, após serem prestadas as informações devidas pela
autoridade coatora, seja dada vista dos autos ao MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DO TOCANTINS para emissão de
parecer, com esteio no artigo 12, caput, da Lei nº 12.016/09;
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d) Ao final, em confirmação da liminar, seja
CONCEDIDA A SEGURANÇA, para reconhecer a nulidade
do artigo 1º, inciso III, do Decreto nº 1.896, de 15 de maio de
2020, permitindo a comercialização de bebidas alcoólicas em
todos e quaisquer estabelecimentos varejistas, atacadistas,
distribuidores e fabricantes, para pessoas físicas e jurídicas, no
âmbito do município de Palmas – TO.
Dá-se a presente causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para
efeitos fiscais.
Nestes termos,
Requer deferimento.
Palmas -TO, 18 de maio de 2020.
DANIELE TAVARES ALVES
OAB/TO nº 8.037
DANIELA IGNÁCIO GAGOSSIAN
OAB/TO nº 6.589