Marc Bloch

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Marc Bloch (Marc Bloch, na 1ª GM, 1917) Vida Marc Léopold Benjamim Bloch nasceu na cidade francesa de Lyon, em 6 de julho de 1886. De ascendência judia, sua família tinha raízes na região da Alsácia, fronteira entre França e Alemanha e objeto de longas disputas territoriais. Marc Bloch tinha orgulho da tradição patriótica de sua família, iniciada por seu bisavô, Gabriel Bloch, que defendera a França dos ataques prussianos, em plena Revolução Francesa (1793) e a qual seu pai, Gustave Bloch, deu continuidade, estando presente na frente de batalha, em 1870, defendendo Estrasburgo, na Guerra Franco-Prussiana. Apesar da colaboração de sua família em defesa da Alsácia, a região foi anexada ao território alemão, o que obrigou muitas famílias, inclusive a de Marc Bloch, a mudar-se. Juntamente com influências de ordem patriótico- militar, Marc Bloch teve presente em sua formação influências acadêmicas. Seu avô, cujo nome também era Marc, foi professor e diretor da Escola Israelita de Estrasburgo. Seu pai, um eminente professor de história, com passagem pela Universidade de Lyon, aposentou-se como professor de história antiga, na Sorbonne e teve oportunidade de conhecer outro afamado historiador, Fustel de Coulanges. Com apenas um ano de idade, Marc Bloch mudou-se com sua família para Paris, onde cresceu em um ambiente cercado por ideais liberais e republicanos, no contexto próspero,

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Marc Bloch (Marc Bloch, na 1ª GM, 1917)

Vida

Marc Léopold Benjamim Bloch nasceu na cidade francesa de Lyon, em 6 de julho de 1886. De ascendência judia, sua família tinha raízes na região da Alsácia, fronteira entre França e Alemanha e objeto de longas disputas territoriais. Marc Bloch tinha orgulho da tradição patriótica de sua família, iniciada por seu bisavô, Gabriel Bloch, que defendera a França dos ataques prussianos, em plena Revolução Francesa (1793) e a qual seu pai, Gustave Bloch, deu continuidade, estando presente na frente de batalha, em 1870, defendendo Estrasburgo, na Guerra Franco-Prussiana. Apesar da colaboração de sua família em defesa da Alsácia, a região foi anexada ao território alemão, o que obrigou muitas famílias, inclusive a de Marc Bloch, a mudar-se.

Juntamente com influências de ordem patriótico-militar, Marc Bloch teve presente em sua formação influências acadêmicas. Seu avô, cujo nome também era Marc, foi professor e diretor da Escola Israelita de Estrasburgo. Seu pai, um eminente professor de história, com passagem pela Universidade de Lyon, aposentou-se como professor de história antiga, na Sorbonne e teve oportunidade de conhecer outro afamado historiador, Fustel de Coulanges.

Com apenas um ano de idade, Marc Bloch mudou-se com sua família para Paris, onde cresceu em um ambiente cercado por ideais liberais e republicanos, no contexto próspero, mas politicamente tenso, da Terceira República francesa. Sua juventude também foi fortemente marcada por debates anti-semitas, materializados, sobretudo, por um famoso caso de anti-semitismo ocorrido no exército francês (Caso Dreyfus). No final da adolescência (1904), foi admitido na École Normale Supérieure, obtendo o conceito de excelente aluno. Foi na École que Marc Bloch estabeleceu amizades duradouras e contatos acadêmico-profissionais que o acompanhariam por longa data, muitos dos quais vieram a falecer nos fronts da Primeira Guerra Mundial (dez dos quarenta e um estudantes da turma de Bloch morreram entre os anos de 1914 e 1919).

Ao sair da École Normale Supérieure, em 1908, Bloch cruzou o Reno para uma breve temporada de estudos em Berlim e Leipzig. Ao retornar a Paris, já interessado em dedicar-se a temas relacionados à história medieval, rural e regional, obteve uma bolsa de pesquisa, na Fundação Thiers, onde permaneceu até 1912, tendo a oportunidade de ampliar seu contato com as ricas coleções do Arquivo e da Biblioteca Nacional. Terminado o período de concessão da bolsa de estudos, Bloch obteve sua primeira colocação como professor, na cidade de Montpellier.

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Com o início da Primeira Guerra Mundial, Bloch deixou temporariamente a docência e esteve nas frentes de batalha desde os movimentos iniciais da peleja, em 1914, servindo na França e no norte da África e recebendo várias condecorações. Ao final da Guerra, Bloch pôde não só retomar a vida acadêmica, como teve a oportunidade de fazê-lo na terra natal de sua família, na Alsácia, recém reanexada à França. O período que se iniciou, marcado pelo casamento de Bloch com a jovem Simonne (juntos, teriam seis filhos) e pela sua admissão como professor da Universidade de Estrasburgo (como professor titular, apenas após 1920), seria o mais profícuo de sua vida.

Para a Universidade de Estrasburgo afluíram muitos dos mais notáveis intelectuais franceses da época, incluindo Lucien Febvre, que teria seu gabinete, dentro da Universidade, instalado ao lado do gabinete de Bloch. A culminância dessa época de efervescência intelectual seria o lançamento, em 1929, da revista Annales d`histoire économique et sociale (inspirada em publicações como os Annales de Géographie e a Revue de Synthèse Historique), que teria como principais editores Bloch e Febvre, auxiliados por um comitê editorial interdisciplinar.

No início dos anos de 1930, esse grupo de intelectuais começou a dispersar-se devido a motivos políticos e acadêmicos, deixando a Universidade de Estrasburgo, principalmente rumo a Paris. Bloch conseguiu sua transferência para a Sorbonne, como professor de história econômica, apenas em 1936. Apesar desses fatos e das relações entre Bloch e Febvre recrudescerem ao longo da década, prosseguiria com sucesso a publicação dos Annales.

No entanto, mais uma vez, a vida militar faria seu chamado a Bloch. Em 1939, aos 53 anos de idade, Bloch foi para o front, na Segunda Guerra Mundial. Ficaria nos campos de batalha até o ano seguinte, quando a França foi dividida em dois territórios: um oficialmente ocupado pelas tropas alemãs e outro – a França Vichy – que, na prática, colaborava com o regime nazista. A situação de Bloch e de sua família complicou-se devido à política anti-semita vigente, o que culminou com a exigência de sua retirada da co-direção dos Annales (Febvre continuou com a publicação). Houve uma tentativa de partida para os Estados Unidos, que acabou frustrada. Nesse período, apesar de ver-se obrigado a mudar várias vezes de uma cidade para outra, Bloch não abandonou sua produção intelectual. Por fim, engajou-se no movimento de Resistência francesa contra a ocupação nazista, o que lhe custaria a vida. Foi capturado e torturado pelos alemães, vindo a ser fuzilado em junho de 1944, poucos dias após o desembarque dos Aliados na Normandia.

Obra

Na historiografia, a obra de Marc Bloch aparece como filiada à 1ª geração da Escola dos Annales, movimento assim batizado devido à revista que teve à frente, em seus primeiros anos de publicação, não apenas Bloch, mas também Lucien Febvre. Na realidade, tanto Bloch como Febvre (oito anos mais velho que Bloch) começaram a publicar suas obras antes de 1929, ano do lançamento dos Annales d`histoire économique et sociale, mas a sua convivência na Universidade de Estrasburgo (a qual propiciaria o surgimento da revista) foi fundamental para definir os traços comuns entre os trabalhos desses dois historiadores e, conseqüentemente, as características desse novo movimento historiográfico; bem como, nos anos seguintes, serviria para evidenciar as divergências entre os estilos pessoais de cada um.

Em linhas gerais, é possível afirmar que a 1ª geração dos Annales têm como principais referenciais: inspiração na historiografia romântica de Jules Michelet; oposição à historiografia positivista; recuso em fazer história oficial eou factual;

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ampliação do conceito de fontes históricas e criação de novas formas de análise dessas fontes; forte apelo pela interdisciplinaridade; reflexão acerca do método histórico; valorização do homem comum como sujeito histórico; combate ao anacronismo na interpretação das fontes; elaboração de novas categorias para a pesquisa e estudo da história, como “longa-duração” (expressão que seria mais utilizada pela 2ª geração dos Annales e que implica na desconsideração da tradicional periodização do tempo histórico) e “história-problema” (forma peculiar de analisar o passado e as fontes históricas, o que conduz à formulação de hipóteses e à obtenção de conclusões verídicas – jamais verdadeiras – passíveis de questionamento posterior).

A Escola dos Annales influenciaria sobremaneira toda a produção historiográfica a partir de então, seja por filiação ou oposição à mesma.

Para tratar especificamente da produção historiográfica de Marc Bloch, cremos ser interessante fazê-lo sob o viés de suas discordâncias com relação ao estilo de Lucien Febvre, posto que as características comuns dos dois historiadores, que viriam a ser aquelas adotadas pelos Annales, já foram sumariamente elencadas acima.

Bloch optou por especializar-se em história medieval, focando seus estudos em questões ruraisagrárias e regionais. Ainda no início da carreira, publicou um estudo sobre a Île de France (exemplo de estudo sobre história regional), porém seus trabalhos mais conhecidos seriam La societé féodale (história medieval) e Les caractères originaux de l`histoire rurale française (história rural).

Em razão de seus interesses acadêmicos, Bloch é freqüentemente identificado como um historiador econômico. No entanto, uma de suas mais importantes obras, Les rois thaumaturges, foi pioneira para o que atualmente chamamos de história das mentalidades. Através dessa obra, Bloch demonstrou ser possível fazer um estudo de história política não identificado com a história oficial, recorrendo à psicologia coletiva.

Outras importantes contribuições de ordem metodológica oferecidas por Marc Bloch são: 1) o que o historiador chamou de história comparativa, materializada no estudo das similaridades e diferenças entre sociedades vizinhas e distantes no tempo e no espaço e 2) o método regressivo ou história ao inverso, segundo a qual uma vez que conhecemos mais a respeito dos últimos períodos, ao questionar o passado, devemos ir do conhecido ao desconhecido (de acordo com Bloch, esse método já havia sido utilizado anteriormente por F.W. Maitland).

Apesar da interdisciplinaridade ser uma característica comum aos Annales, os diversos historiadores interessaram-se em diferentes medidas por outras áreas do conhecimento. Enquanto Febvre foi um entusiasta da geografia aplicada aos estudos históricos, por exemplo, Bloch estabeleceu maior compromisso com a sociologia, reconhecendo publicamente a influência que Émile Durkheim e a revista por ele editada, Année Sociologique, teve em seu trabalho. Nesse sentido, Bloch utilizou amplamente em suas pesquisas históricas categorias tipicamente durkheiminianas, como “consciência coletiva” e “fato social”. Essa opção angariou diversas críticas para sua obra, inclusive de Febvre, que o acusavam de criar uma forte impressão de consenso na mentalidade popular, negligenciando conflitos existentes no interior da sociedade e abordagens que propiciassem a investigação da psicologia do indivíduo (crítica ainda hoje freqüentemente direcionada a estudos antropológicos).

Em seus últimos anos de vida, durante a Segunda Guerra Mundial, dedicou-se a refletir sobre a história e o trabalho do historiador. Essas reflexões, inacabadas pela superveniência de sua morte, foram posteriormente publicadas sob o título Apologie pour l`histoire ou Métier d`historien.

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Principais Obras

Publicações em vida

Les rois thaumaturges: Étude sur le caractère surnaturel attribué à la puissance royale particulièrement en France et en Angleterre (1924).

o Tradução portuguesa: Os reis taumaturgos. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.

Les caractères originaux de l'histoire rurale française (1931). La société féodale (1939).

o Tradução portuguesa: A sociedade feudal. Lisboa, Edições 70

Publicações póstumas

L'étrange défaite (1946). Apologie pour l'histoire ou métier d'historien (1949).

o Tradução portuguesa: Introdução à história. Mem-Martins, Publicações Europa-América.

Apologie pour l'histoire ou métier d'historien. (1949). Edição crítica organizada por Étienne Bloch (1993).

o Traduções portuguesas: Introdução à história. Mem-Martins, Publicações Europa-

América. Apologia da história ou o ofício do historiador, Jorge Zahar

Editor, Rio de Janeiro, 2002. Histoire et historiens. Colectânea organizada por Étienne Bloch, Paris, Armand

Colin, 1995. o Tradução portuguesa: História e historiadores. Lisboa, Teorema, 1998

Rois et serfs et autres écrits sur le servage. Posfácio por Dominique Barthélémy. Paris, La Boutique de l'histoire éditions, 1996.

Écrits de guerre: 1914-1918. Colectânea organizada e apresentada por Etienne Bloch, com introdução de Stéphane Audoin-Rouzeau. Paris, Armand Colin, 1997.

Referências

BLOCH, Marc. Introdução à história. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1997.

BURKE, Peter. A revolução francesa da historiografia: a escola dos Annales (1929- 1989). São Paulo: UNESP, 1991.

FINK, Carole. Marc Bloch – a life in history. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Marc_Bloch