MAPEAR, CONHECER, OCUPAR. AS … de Aquino...5 dos índios; e em 1840 recebeu o título de Barão de...

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1 MAPEAR, CONHECER, OCUPAR. AS EXPLORAÇÕES DOS SERTÕES DO PARANÁ E A CRIAÇÃO DA COLÔNIA MILITAR DE JATAÍ, 1845- 1858 Jéssika de Aquino Bezerra (UNIFESP) Resumo: Este estudo pretende analisar a criação da colônia militar do Jataí, no norte da província do Paraná em 1855, tentando depreender das fontes quais os planos embutidos neste projeto, para o Estado que se pretendia consolidar. A partir de 1851 o governo Imperial criou diversas colônias militares no território brasileiro, com o propósito de inibir o inimigo interno, ou seja, a população entendida como perigosa, como índios, escravos fugidos e criminosos, e assim estabelecer nos sertões pontos de segurança que viabilizassem o reconhecimento, o controle e a ocupação do território. Assim, também seriam capazes de proteger o país contra o inimigo externo, as Repúblicas vizinhas, ao povoar e fortalecer as fronteiras. Nosso interesse é entender como os planos políticos da Corte se desenrolavam nos sertões paranaenses, através das expedições pelo sertão, que mapearam e fincaram nas matas estes núcleos de povoamento. Palavras Chave: Colônia Militar; Estado; Paraná; Indígenas; Território. Abstract: This study aims to analyze the creation of military colony Jatahy, in the northern province of Paraná in 1855, trying to deduce the sources which plans built in this project, for the state that was intended to consolidate. From 1851 the Imperial government created several military colonies in Brazil, with the purpose of preventing the enemy, ie, the population perceived as dangerous, as Indians, runaway slaves and criminals, and thus establish the backlands safety points that viabilizassem recognition, control and use of the area. So too would be able to protect the country against foreign enemies, the neighboring republics, the people and strengthen the borders. Our interest is to understand how the political plans of the Court unfolded Paraná in the hinterlands, through the backcountry expeditions which mapped and dug in the woods these nuclei of settlement. Key Words: Military Colony; State; Paraná; Indigenous; Territory.

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MAPEAR, CONHECER, OCUPAR. AS EXPLORAÇÕES DOS SERTÕES DO PARANÁ E A CRIAÇÃO DA COLÔNIA MILITAR DE JATAÍ, 1845-

1858

Jéssika de Aquino Bezerra (UNIFESP)

Resumo:

Este estudo pretende analisar a criação da colônia militar do Jataí, no norte da província do Paraná em 1855, tentando depreender das fontes quais os planos embutidos neste projeto, para o Estado que se pretendia consolidar. A partir de 1851 o governo Imperial criou diversas colônias militares no território brasileiro, com o propósito de inibir o inimigo interno, ou seja, a população entendida como perigosa, como índios, escravos fugidos e criminosos, e assim estabelecer nos sertões pontos de segurança que viabilizassem o reconhecimento, o controle e a ocupação do território. Assim, também seriam capazes de proteger o país contra o inimigo externo, as Repúblicas vizinhas, ao povoar e fortalecer as fronteiras. Nosso interesse é entender como os planos políticos da Corte se desenrolavam nos sertões paranaenses, através das expedições pelo sertão, que mapearam e fincaram nas matas estes núcleos de povoamento.

Palavras Chave: Colônia Militar; Estado; Paraná; Indígenas; Território.

Abstract: This study aims to analyze the creation of military colony Jatahy, in the northern province of Paraná in 1855, trying to deduce the sources which plans built in this project, for the state that was intended to consolidate. From 1851 the Imperial government created several military colonies in Brazil, with the purpose of preventing the enemy, ie, the population perceived as dangerous, as Indians, runaway slaves and criminals, and thus establish the backlands safety points that viabilizassem recognition, control and use of the area. So too would be able to protect the country against foreign enemies, the neighboring republics, the people and strengthen the borders. Our interest is to understand how the political plans of the Court unfolded Paraná in the hinterlands, through the backcountry expeditions which mapped and dug in the woods these nuclei of settlement.

Key Words: Military Colony; State; Paraná; Indigenous; Territory.

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Mandou o governo que se fundasse duas colônias militares, uma em Alagoas outra no Pernambuco, com o objetivo de limitar a facilidade com que os facinorosos se subtraiam a ação da justiça se embrenhando nas matas , que cobrem grande parte do território destas províncias. Em São Paulo mandou fundar também uma colônia militar no porto do rio Tibagy, destinada a proteger os povoadores da nova via de comunicação entre está província a do Mato Grosso, esperando que seja muito freqüentada , se transformando depressa em uma bela povoação.

José da Costa Carvalho (1850)

A conquista dos territórios inexplorados, que se estendiam dos sertões1 do rio Ivaí,

Tibagi e do Vale do Tietê, foram objeto de preocupação desde o período colonial. No

Seiscentos houve a implantação das Reduções Jesuíticas no Guairá, e as bandeiras paulistas

invadindo a região para capturar índios. Prosseguiu no século XVIII com a descoberta de ouro

e diamantes no Tibagi, e com as expedições militares do Morgado de Mateus, que

construíram fortificações e cruzaram o território rumo ao Mato Grosso (MOTA, 1996). Nesse

período também se cogitou a criação de povoações nos saltos de Avanhandava e Itapura,

considerados mais perigosos, na extensão do rio Tietê, com intuito de socorrer viajantes e

facilitar diligências para Cuiabá (HOLANDA, 1990, p.39). Ainda no século XVIII, o Capitão-

General da província de São Paulo, D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, enviou

expedições conquistadoras para o rio Ivaí e o Tibagi. Vemos então, como foi recorrente o

interesse em estabelecer melhor comunicação fluvial para o Mato Grosso e criar fortificações

nestas áreas, a fim de representar pontos de avanço do povoamento brasileiro, e vigilância

sobre o sul do Mato Grosso e do Oeste do Brasil (SILVA, 1972, p.3). No entanto, os vários

esforços de povoar os sertões do Paraná e do Tietê no século XVIII deixaram poucas marcas.

No século XIX, a extensão do sertão desconhecido em São Paulo compreendia o

território entre os rios Paranapanema, Paraná e a margem esquerda do Tietê, segundo o

Marechal reformado Daniel Pedro Muller (MULLER,1978). A região, em que foi fundada a

colônia militar de Jataí, fazia parte do sertão do rio Tibagi: compreendido entre os rios Tibagi

e Iguaçu. Região percebida como fronteira importante para proteção do território brasileiro,

frente a possíveis pretensões das repúblicas vizinhas, pois estava entre a província do Mato

1 No século XIX e em termos gerais denominava áreas extensas afastadas do litoral, habitada por índios “selvagens” e animais, sobre as quais as autoridades possuíam pouca informação e controle.

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Grosso e a Corte. Diante disso, além das colônias criadas no Paraná (Jataí) e em São Paulo

(Itapura e Avanhandava), foram criadas a de Nhoaque, Brilhante, Dourados e Miranda todas

no Mato Grosso, em pontos estratégicos do território.

A intenção era integrar, a partir de caminhos mais rápidos, o Mato Grosso à Corte.

Viviane Alves de Morais demonstrou, em sua pesquisa a respeito das estradas

interprovinciais, como esta política para integrar o Mato Grosso, fez parte de um esforço do

governo de criar meios para unificação do território. Afinal a província estava em uma zona

estratégica, por ser fronteira com os países vizinhos, e eixo entre o sul e o norte. Morais

destaca que por este motivo a província recebeu muita atenção, no que diz respeito à

construção de estradas, mais que o sul ou o nordeste (MORAIS, 2010). Afinal, as fronteiras

no século XIX ainda não estavam garantidas.

Para além da defesa da soberania, a ação dos conservadores no poder, a partir de 1840,

deu início a uma série de políticas com intuito de ordenar a administração e reforçar a

integração do território na política Imperial, consolidando o poder fluminense: fortalecer o

centro dependia da possibilidade de fazer circular com facilidade, de uma província a outra,

pessoas, informações e as ordens que saiam da corte. No entanto, essa ocupação era tarefa

penosa, que encontrava poucos adeptos. Emília Viotti da Costa indica que os nacionais

impedidos do acesso a terra, preferiam ir para as cidades que se expandiam com a economia

cafeeira (COSTA, 1998, p.73). O único meio de promover o povoamento “[...]Num sertão de

mais de vinte léguas de extensão infestado por inimigos temíveis”2 era com a colonização

oficial, empreendida pelo próprio Estado, através de presídios e colônias militares.

Criada pelo Decreto 751, de 2 de Janeiro de 1851, a colônia militar de Nossa Senhora

da Conceição do Jataí foi instalada somente em 10 de agosto de 1855, por ato de seu diretor

Thomaz José Muniz. Contudo, os pormenores que intervieram para a sua criação, tiveram

inicio a partir de 1845, quando o notório político e proprietário de terras João da Silva

Machado promoveu expedições pelos sertões de Curitiba, buscando novas vias de

comunicação entre a província de São Paulo e a do Mato Grosso.

Nesta época, Curitiba ainda era a quinta Comarca da província de São Paulo, e sua elite

local negociava apoio político para a emancipação. Foi na conjuntura da Revolta Liberal de

2 DEAP-PR PB001 EXE CMJ 29/11/1855. Ofício ao presidente da província, major diretor Thomaz José Muniz.

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1842, que a comarca ganhou visibilidade, assim como o proprietário de terras e político

liberal João da Silva Machado; este teve papel preponderante nas negociações. Como uma das

principais lideranças da localidade, conseguiu articular um acordo no qual o presidente da

província, Barão de Monte Alegre, se comprometia a apoiar a emancipação da Comarca, caso

os liberais ali estabelecidos não aderissem a Revolta de 1842.

O projeto separatista, proposto em 1843, se efetivaria somente dez anos depois, em

1853. Entre os argumentos para emancipação estavam: o temor de que a comarca se rebelasse,

a facilidade maior para civilizar seus indígenas, suas rendas gerais e provinciais, além de ser

área de fronteira, distante do centro do poder paulista, que tornava difícil sua administração

(GREGÓRIO, 2012). Logo, a criação da colônia de Jataí em 1851, solicitada por Silva

Machado, evidencia os interesses locais de desenvolver a região de forma autônoma. Assim

como, a criação da província demonstrava o interesse do Estado em facilitar o

desenvolvimento dessas regiões. A respeito da relevância do poder local nestas resoluções,

Vitor Gregório mostrou que a negociação entre as elites foi uma chave fundamental para o

funcionamento do sistema monárquico, questionando a noção de que todas as medidas eram

resultado das decisões internas do poder executivo sob o partido conservador (GREGÓRIO,

2012).

Assim, para entender melhor os motivos que levaram a criação desta colônia militar,

precisamos apresentar um pouco da trajetória e da atuação de João da Silva Machado nos

sertões e na política imperial. Silva Machado nasceu no Rio Grande do Sul em 1782, e

começou a fazer negócios como condutor de tropas de sua terra natal até Sorocaba,

estabelecendo patrimônio nas províncias de São Paulo e Paraná. As ligações que fez com

famílias importantes em São Paulo, permitiram-no expandir ainda mais seus negócios.

Ficou sócio do Barão de Iguape na arrematação dos impostos dos Campos de

Guarapuava, e em 1820 tornou-se responsável pela conservação das estradas entre o Rio

Grande do Sul e São Paulo. Neste mesmo período, iniciou sua carreira política integrando

seus negócios pessoais com projetos públicos. Após a Guerra dos Farrapos, na qual teve

atuação legalista, foi promovido a coronel do Exército Imperial e foi incumbido de missões de

reconhecimento nos sertões do rio Tibagi, e de definições de fronteira e de formação de

aldeamentos. Assim consolidou ainda mais sua ascensão social, construindo uma imagem de

empreendedor do sertão, articulador de importantes rotas, defensor da imigração e protetor

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dos índios; e em 1840 recebeu o título de Barão de Antonina. Nesse período, foi Deputado na

Assembleia Legislativa de São Paulo, e eleito Senador pela província do Paraná.

O livre direito de exploração dos territórios do Brasil Meridional, foi resultado de seu

alinhamento com as premissas do governo Imperial. Assim, passou a criar inúmeros

aldeamentos nas regiões exploradas, prática que fazia parte da política indigenista do Império,

com objetivo de integrar estes sertões ao território brasileiro. Entre 1844 e 1857, Machado

empreendeu nove expedições que percorreram os seguintes rios: Verde, Tibagi e

Paranapanema, em São Paulo e Ivinheima, Iguatemi, Brilhante e Dourados, penetrando no

Mato Grosso; visou estabelecer a comunicação fluvial entre Curitiba e Cuiabá, interligando as

bacias do Paraná e do Paraguai (WISSENBACH, 1995, p.137).

Como um grande proprietário de terras, e também político, Silva Machado pretendia

expandir a fronteira de seus domínios e negócios comerciais, através da exploração dos

sertões. Entre os motivos que o levaram a explorar estes sertões a caminho do Mato Grosso,

foi o crescimento do negócio de animais, que com a ascensão do café, a partir de 1820 em

expansão rumo ao oeste paulista, exigiu novas fazendas para engorda e descanso dos animais,

durante o transporte entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba (BORGES, 2014, p.288).

Por outro lado, o governo não poderia arcar com os imensos gastos de expedições para

exploração. Sendo assim, foi parte da política Imperial estimular que empreendedores

particulares, tomassem para si este tipo de atividade. Estes por sua vez aceitavam, com vistas

a se beneficiar com a arrematação de impostos sobre transporte e produtos, além de

conquistarem poder sobre determinados pontos do território do Império (LEITE, 2010,

p.207).

Através de suas explorações, Silva Machado conquistou prestígio e poder naquelas

regiões, chegando a referir-se aos sertões do Tibagi como “meus sertões”. Além disso, sua

atuação nos sertões o fez aumentar sua fortuna, “com a habilidade de construir sentidos para

as terras de Tibagi, Ivaí e Guarapuava” (WISSENBACH, 1995, p.235), pois com o

desbravamento das matas e pacificação dos índios que realizava, ainda atribuía a estas terras

um valor comercial do qual se beneficiava. Até porque estes territórios eram liberados para

atividades economicamente valorizadas, que terminava por beneficiá-lo (MATTOS, 2002).

Assim antes da Lei de Terras de 1850, Silva Machado articulou a posse de grandes áreas

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territoriais, e colocou a venda parte desse território em 1858, calculado em noventa mil

quilômetros quadrados (WISSENBACH, 1995, p.138).

As atividades, que lhe renderam a posse destes imensos terrenos no Mato Grosso e

Paraná, iniciaram-se em 21 de Agosto de 1845, quando o Barão de Antonina promoveu a

primeira entrada das explorações, para descobrir nova via de comunicação entre a província

de São Paulo e o Baixo-Paraguay, via Mato Grosso, fazendo seguir uma bandeira de dezenove

pessoas, embarcando a partir do Rio Verde. Braço direito para realizar as expedições

exploratórias, foi o sertanista Joaquim Francisco Lopes: homem de família de sertanistas foi

um dos primeiros desbravadores da região centro-sul do Mato Grosso, na década de 1830.

Comandou bandeiras para abrir caminhos, pacificar grupos indígenas, reconhecer rios e tomar

posses para seus mandatários. Antonina também recrutou o marinheiro e cartógrafo norte-

americano John H. Elliot; este decidira, por curiosidade, conhecer o interior do Brasil e se

estabeleceu em Curitiba. Foi arregimentado pelo Barão, devido as suas habilidades na

navegação.

A primeira entrada pelo rio Verde não obteve muito sucesso, sendo colocado em

execução novo plano do Barão de Antonina em agosto de 18463. Essa entrada partiria do rio

Tibagi. Conforme Elliot afirmou, ao atingir os altos da serra de Apucarana e analisar a região

em 15/09/1846,

d’estas indagações concluímos que o Tibagy devia ser navegável logo para baixo da campina do Inhoho: que era necessário explorar taes campinas que tínhamos visto, afim de ver se eram sufficinetes para estabelecer um deposito, acomodar algum gado e servir de pastagem para as tropas que tivessem de conduzir mantimentos.4

Após ausência de cinquenta e quatro dias, em outubro de 1846, chegam a fazenda de

Perituva em São Paulo, apresentando exatas informações ao Barão. Este determinou que

prosseguissem as explorações, até conseguir o que havia projetado, ou até perceber a

impossibilidade de tal empreitada. Iniciam a terceira entrada após duas semanas, agora

acompanhados do genro do Barão, o Sr. Vergueiro, chegando aos campos do Inhoó, onde o

Machado definiu que seria o ponto das operações que tinha encetado, para a descobrir a via de

3 ELLIOT, João Henrique. Itinerario das viagens exploradoras emprehendidas pelo sr. Barão de antonina para descobrir uma via de comunicação entre o porto da Villa de Antonina e o Baixo Paraguay na província de Mato Grosso: feitas nos annos de 1844 a 1847 pelo sertanista o Sr. Joaquim Francisco Lopes e descriptas pelo Sr. João Henrique Elliot. RIHGB T10 p.153-177 4 Ibidem, p.156

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comunicação. Ali realizaram queimada, que os índios responderam com fogo em três pontos,

dois ao norte e um a nordeste. Deste ponto, onde fizeram roças e abriram picadões,

começaram a explorar as campinas ao norte, que deram o nome de São Jerônimo; concluíram

que era um bom lugar para o depósito que o Sr. Barão projetava, a fim de continuar o seu

plano de explorações. Estas campinas, apossadas por Antonina, seriam em 1859 doadas ao

Império para a criação do aldeamento de São Jerônimo.

Na quarta e na quinta entrada, iniciada em dezembro de 1846, examinaram estes

terrenos para abertura de uma estrada desde as campinas de São Jerônimo, até a confluência

do Tibagi com o Paranapanema. Na quinta entrada, Elliot apontava que “As fadigas,

privações e perigos inseparáveis da vida do sertanista tinham intimidado de tal maneira a

gente que nos havia acompanhado que não foi possível arranjar camaradas sufficientes para

esta quinta entrada”5, seguindo apenas quatro pessoas.

Em Junho de 1847, a sexta expedição composta apenas por Lopes, Elliot e mais dois

camaradas seguiu o Tibagi abaixo, até saírem no Paranapanema, atravessar o Paraná,

descendo pelo rio Miranda, chegando finalmente a Albuquerque no dia 9 de Setembro, quase

três meses depois de haverem embarcado no Tibagi6. Ao regressarem, descendo o Ivinheima,

encontraram na margem direita deste rio uma porção de índios Kaiowá, cujas boas

disposições, segundo os sertanistas, “filhos da sua índole tímida e pacífica”, estimulou-os a

travar com eles amizade. Era também intuito destas expedições, o de atrair essa população

para submetê-los a catequese e fazer conhecida e frequentada a via de comunicação fluvial

recém-descoberta.

Esta via de comunicação parecia ser em tudo, preferível a que se fazia pelo Tiete desde

Porto Feliz até Cuiabá, utilizada desde as monções do período colonial, repleta de

dificuldades e cachoeiras perigosas. Destarte, em 1848, Antonina mandou abrir um picadão

que facilitasse um bom porto de embarque, no mesmo rio Tibagi, e que ao mesmo tempo

proporcionasse o melhor trajeto possível, a quem por essa via fluvial quisesse empreender

viagem para Mato Grosso.

5 ELLIOT, João Henrique. Op. cit., p. 159. 6 Idem.

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Em 27 de Outubro de 1848, partiu a sétima expedição7 para verificar a possibilidade da

abertura de uma estrada, entre o porto na vila de Antonina até o Mato Grosso. Esta foi descrita

por Joaquim Francisco Lopes e compunha-se de nove pessoas e um intérprete dos índios.

Encontraram uma família de Kaiowá no Ivinheima, a qual presentearam, recordando de sua

visita ao seu alojamento meses antes8. Desta forma, era estratégia destas explorações

construírem uma imagem de amigos, que facilitasse sua circulação naquele território.

As aventuras transcorridas nestes sertões foram narradas através dos itinerários que

Elliot e Lopes produziram, e que renderam ao Barão uma cadeira no Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro. Na revista do Instituto foi recorrente a publicação de itinerários de

viagens exploratórias pelo interior do Brasil, com descrições dos caminhos e suas florestas,

rios e terrenos e que estariam à espera da ação civilizadora. Com isso, demonstrava-se a

importância que, naquele momento, havia de se construir um conhecimento a respeito do

território nacional, assim como configurar uma ideia de progresso, assentada na imagem do

homem branco submetendo esta natureza a seus interesses (GUIMARÃES, 1988).

A publicação dos roteiros das viagens, através dos sertões do Tibagi, mostra também a

preocupação em instituir saberes a repeito daquela região, da qual praticamente nenhuma

informação se possuía. Dessa maneira, as descrições de Elliot e Lopes, como muitas outras da

época apresentadas na revista do IHGB, exaltavam a riqueza da nação: a fertilidade da terra,

os rios como vias de comunicações naturais, os terrenos salubres, os rios piscosos, as “árvores

soberanas”, palmitais e campos nativos de erva mate. Contudo, são acompanhadas das

diversas dificuldades intrínsecas ao desbravamento dos sertões, as cachoeiras e saltos

perigosos, animais e índios selvagens, as chuvas que podiam em poucas horas fazer subir

quatorze palmos os rios, o que reforçava a imagem heroica destes desbravadores. Para Sergio

Buarque, esta era uma “empresa para aventureiros audaciosos, mais inclinados a turbulência

do que a submissão e ao trabalho construtivo” (HOLANDA, 1990, p.37); e eram poucos

aqueles que se arriscavam em tais explorações. Tanto que na quinta expedição, além de Lopes

e Elliot, apenas dois homens se dispuseram a entrar naqueles sertões rumo a província do

Mato Grosso.

7 LOPES, Joaquim Francisco. Itinerário de Joaquim Francisco Lopes encarregado de explorar a melhor via de communicação entre a província de S. Paulo e a de Matto-Grosso pelo baixo Paraguay. RIHGB, 1850, tomo 13, p.313- 333 8 Ibidem,p. 334

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Nestas expedições, o Barão demandou o sertão do Paiquerê, ordenando que fossem

procuradas ao longo do trajeto, as ruínas das missões jesuíticas do Guairá, de Santo Ignácio-

Merim e de Nossa Senhora do Loreto. Vemos que as primeiras tentativas de ocupar e civilizar

a região deixaram alguns vestígios e informações, que deram um contorno a estas

explorações. Neste sentido, Wissenbach percebe uma particularidade, enquanto discurso e

prática, pois estas áreas possuíam uma memória histórica perceptível, que atribuía um sentido

adicional de projeto histórico ao plano de Antonina; restaurava-se assim, os sinais do passado

e uma memória, que daria aos desbravadores legitimidade na sua ação (WISSENBACH,

1995, p.137-155).

Desse modo, a empresa de Silva Machado colocada em prática por Lopes e Elliot, tinha

enorme relevância para os planos do governo, pois o reconhecimento destas áreas, suas

potencialidades e obstáculos era uma tarefa que consolidava o controle e domínio do Estado

sobre suas partes. Assim como, unir as províncias fortaleceria a ideia de nação, eliminando

dessa forma o provincianismo. Em “Nação e Civilização dos Trópicos”, Manoel Guimarães,

afirma o nexo existente entre nacionalidade e as viagens exploradoras, sobretudo entre 1840 e

1850, marcado pela preocupação com a consolidação do Estado. Esse impulso daria forma à

ideia de nação enquanto entidade física, e traria para a sociedade as populações selvagens,

minando influências exógenas (GUIMARÃES, 1988, p.5-27).

Vemos que organizar uma sociedade para defesa de um território definido, que lhe

atribui sentido, era uma das funções deste Estado. Logo, torna-se necessário entender, como

se lidou com a vastidão desconhecida deste território e com a população presente nela. Uma

das formas encontradas foi a criação das colônias militares a partir de 1850. Para o governo,

as colônias militares surgem como meio de estabelecer o policiamento nas matas, levando

segurança para lugares ermos – para onde fugiam do poder do Estado homens considerados

perigosos para sociedade – e também para áreas de fronteira. Este foi um projeto amplamente

aceito pelo governo, e em 1858 já seriam 16 colônias espalhadas pelo território brasileiro

(OLIVEIRA, 2011).

O decreto de criação da colônia militar do Jataí foi baixado em 1851, e logo o Barão de

Antonina redobrou sua atividade, determinando que se fizessem roças no local. Em 1852

mandou ao Ivinheima, no Mato Grosso, encarregados de trazer os índios Kaiowá que durante

as expedições, Elliot e Lopes tentaram persuadir da conveniência de aldearem-se. Estes

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ocupavam as matas desde o rio Iguatemi até o Ivinheima, e dos campos Xerez até o grande

Paraná; alguns grupos já haviam aparecido na Comarca de Curitiba e no município de

Itapetininga, mas retraíram-se, entrando nos sertões a margem esquerda do Paranapanema.

Assim tornava-se interessante, que esta população que vagava errante por esta região que se

pretendia ocupar, estivesse sob o controle, liberando assim estas paragens. Foram, então,

reunidos 170 indivíduos com seu cacique Imbaracahy, e o grupo chegou à colônia militar de

Jataí em 21 de Novembro de 1852, após quarenta e um dias de viagem9. Elliot apontava que

uma tentativa anterior de trazer os Kaiowá havia falhado, mas que isso não desestimulou o

Barão de Antonina da tentativa de anexar a colônia militar a um aldeamento indígena.

O Barão de Antonina empenhou-se para que a colônia militar fosse concretizada, pois

garantiria a navegação para a província do Mato Grosso, servindo de ponto de apoio e de

recurso às pessoas que lá chegassem com negócio para Cuiabá, e auxiliaria o aldeamento

indígena de São Pedro de Alcântara.

Contudo, é com a criação da província do Paraná em 1853, que fica ainda mais latente a

necessidade de conhecer, ocupar e integrar a região. Como província recém-criada fazia-se

necessário desenvolver seu comércio, e melhorar sua comunicação interna e com outras

províncias. Logo, tornava-se prioridade criar núcleos de povoamento que permitissem estas

comunicações. Para transformar a atrasada Comarca de Curitiba em desenvolvida província,

eram muitas as dificuldades; e a falta de comunicação regular entre diversos locais,

impossibilitava o desenvolvimento do comércio e de novas indústrias. Ademais, as viagens

pelo interior da província tornavam-se perigosas em razão dos assaltos. Neste sentido, as

ordens do governo Imperial para o primeiro presidente da província do Paraná em 1853,

Zacarias de Góis e Vasconcelos orientavam que:

Deverá tratar com o maior empenho dos meios de promover o aumento da população livre [...] indicando creação de núcleos de colonização estrangeira e na fundação de presídios e colônias militares, para que apontará as localidades mais apropriadas por seus recursos e condições de salubridade, ou tenhão por fim a catequese e civilização dos indígenas10.

A ocupação da província estava concentrada nas vilas de Curitiba, São José dos Pinhais,

Bocaiuva do Sul, Serra Acima e Morretes, iniciadas no século XVII com as expedições em

9 Elliot, John H. A emigração dos Cayuaz . RIHGB, 1856, Tomo 16, p 430-447 10 ANRJ. IJJ9, 1853. Carta do Ministério do Império a Zacarias Góis de Vasconcelos Presidente da Província do Paraná.

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busca de minas. Mas foi com a descoberta de minas de metais preciosos no que seria a

província de Minas Gerais que se criou uma nova demanda por alimentos, desenvolvendo as

vilas de Paranaguá e Curitiba, onde já existiam criações de gado, e que passaram a abastecer

as novas regiões mineradoras (GREGÓRIO, 2012, p.287). Inicia-se assim, um ciclo de

crescimento econômico que enriqueceu algumas famílias da região. Novos caminhos foram

abertos para facilitar o transporte das tropas, e com eles oferta de pouso e invernada para as

elas, até se formar povoações e vilas.

No inicio do século XIX a política de D. João VI visava ocupar áreas de fronteira com

as colônias espanholas, incentivando a ocupação dos campos de Guarapuava. Esta região se

desenvolveu rapidamente devido ao tropeirismo, que utilizava estes caminhos (LEITE, 2010).

Assim se formou uma poderosa elite ligada às fazendas de gado, como foi o caso de João da

Silva Machado. Contudo, apesar do desenvolvimento econômico com a criação de gado e

produção da erva mate a partir de 1820, as cidades permaneciam despovoadas e sem

melhoramentos. Ao norte da vila de Curitiba era tudo sertão desconhecido.

Diante disso, o Barão de Antonina, responsável pela fundação da colônia militar do

Jataí, deu início à organização da mesma. No ano de 1853 chegam os primeiros engajados

para a colônia, contratados na vila da Faxina em São Paulo, com ordem de permanecer e

prosseguir com as plantações. Nessa leva também fora enviado o sertanista Joaquim Francisco

Lopes para organizar os serviços e alguns “camaradas”, como africanos livres, para dar início

aos trabalhos na colônia. John H. Elliott ficou encarregado da medição das terras para rocio

dos colonos engajados, bem como do alinhamento das ruas da futura povoação. Em 1854

escreveu ao Barão informando que havia realizado alinhamento das ruas, e que estava

progredindo os serviços da capela, além de concluída a limpeza das ruas; enquanto isso,

Lopes havia feito plantações de milho, arroz e feijão11. Até 1855 Lopes ficou encarregado

pelo aldeamento de São Pedro de Alcântara, e da administração dos serviços para inauguração

da colônia militar do Jataí. Segundo o Barão de Antonina, este possuía um “jeito particular de

agradar os indígenas”, conseguindo que estes fizessem suas roças para subsistência12.

11 BN- Biblioteca Nacional,RJ, I48,16,18; 17/09/1854, Carta ao Barão de Antonina de João Henrique Elliot. 12 BN- Biblioteca Nacional,RJ, I48,16,17;12/10/1854. Carta ao Conselheiro Luiz Pedreira do Couto Ferraz de João da Silva Machado.

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Para assumir a direção da colônia militar foi nomeado o major reformado do exército

José Thomaz Muniz, que chegando a Janeiro de 1855, informou que se deparou com meia

dúzia de indivíduos, em situação desoladora, por falta de alimentos e dispostos a evadirem-se

da colônia. Desse modo, percebendo a impossibilidade de fazer coisa alguma, o major

regressa ao seu domicílio – na vila do Rio Negro – para aguardar orientação acerca dos novos

procedimentos. Retornando a 9 de Agosto a Jataí, não percebeu grandes mudanças, fora um

pequeno aumento da população. Ainda sem receber orientações ou Regulamento sobre suas

atribuições, por ato oficial, instalou a colônia Militar do Jataí em 10 de agosto de 1855. Neste

momento havia na colônia 28 engajados, 31 operários e suas famílias e um capelão, o

missionário capuchino Frei Mathias de Genova13. A colônia, apesar de ter o título de militar,

compunha-se de indivíduos puramente paisanos e agricultores, com a denominação de

“operários agrícolas”. Para o major Muniz, havia “a conveniência de povoar aqueles sertões

immensos abandonados ao domínio do selvagem e das feras e cujas terras é superiormente

excellentes como são de imensas”14. Todavia, alertava sobre o comércio através da navegação

do rio Tibagi para o Mato Grosso

que da importância e possibilidade desse comercio concebeu-se a ideia exagerada atribuindo-se a navegação mais facilidade de que ela realmente apresenta e dando-se já como fato a perspectiva ainda remota de um comercio regular e bem estabelecido entre as duas províncias.15

Em 1856, onze anos após as primeiras expedições do Barão de Antonina, que

descobriram a via de comunicação para Cuiabá, o diretor da colônia militar do Jataí

asseverava que o fato da navegação apresentar dificuldades, acabava por desanimar a todos os

que pretendiam utilizar os novos caminhos; também não percebia

do povo dessa província a menor tendência para empreender ou dar-se a uma espécie de comercio [...] que talvez mesmo bem longe estejam de saberem-no compreender como seja esse, cuja ideia serviu de uma das bases, se não foi a primeira para a fundação da colônia militar.16

Fica sugerido pela afirmação do diretor que a perspectiva era de longo prazo. Com a

intenção de consolidar o território conquistado pela coroa portuguesa, e sucessivamente pelo

13DEAP-PR, PB001 EXE Cmj 1.28 a 104.28. 03/01/ 1856. Ofício ao presidente da província. Thomaz José Muniz-Major diretor da Colônia Militar do Jataí. 14 Idem. 15 DEAP-PR, PB001 EXE Cmj 1.28 a 104.28, 17/05/ 1856. Ofício ao presidente da província do Paraná, Thomaz José Muniz-Major diretor CMJ . 16 Idem.

13

Império, não visava o crescimento comercial imediato. Vemos que a integridade e integração

do território nacional era uma das principais preocupações do governo: o Império precisava

prioritariamente, ser conhecido e mapeado, para que fosse possível estabelecer o domínio

sobre estas regiões. Afinal, como um território referido como “sertão desconhecido” poderia

ser contestado? No sentido estratégico, estabelecer boas vias de comunicação entre estas

províncias, poderia garantir a proteção das fronteiras com o Paraguai. Sendo assim, existe um

consenso quanto à importância de promover esta nova via de comunicação entre as

províncias, mesmo sem evidencias de que se realizaria em curto prazo, a expansão do

comércio. Em 1853, o presidente da província do Paraná, Góes e Vasconcelos, em

correspondência com o Ministério do Império, apontava que

[...] o transporte pelo Tibagy, Paranapanema , Ivinheima e Brilhante suppõe muito menor distância a vencer do que pela actual via de communicação com o Mato Grosso, e que é da maior conveniência tentar, se corresponder ao que se espera cultivar , a nova via de communicação [...]17

Neste sentido, antes de utilizar a nova via comunicação, o governo precisava certificar-

se pessoalmente das condições que se encontrava, e após os desbravamentos de Antonina e

instalação da colônia militar de Jataí, novas explorações foram realizadas, agora sob a ordem

direta do Governo Imperial. Em 1855 foi enviado por ordem do Ministro da Guerra, Marquês

de Caxias, o capitão engenheiro Manoel Joaquim Pinto Pacca para que examinasse e

informasse se seria possível, que pelo Rio Tibagi se enviassem artigos bélicos que da Corte se

destinavam para a província do Mato Grosso18. Em sua investigação consultou o Barão de

Antonina, o qual

na forma de seu costume, que he não achar difficuldades, figura o transporte a que alude [...] , tão commodo e economico , que pode custar ao Estado metade da despesa, que se faria, remettendo-se os artigos bellicos pelo modo actualmente em uso19.

Para o tenente-coronel Henrique de Beaurepaire Rohan esta via de comunicação

também era preferível e apropriada para o envio destes objetos. O engenheiro concluiu que

apesar das opiniões convergirem, sobre a menor distância que se tinha de vencer pelo Tibagi,

17 ANRJ. IJJ (9) 620, 05/02/1854. Carta de Zacarias Góes de Vasconcelos- Presidente da Província-PR ao Ministério do Império. 18PACCA, Manoel Joaquim Pinto 13/04/1856. Mato Grosso por Coritiba e Tibagy. Itinerário da viagem que fiz ao baixo Paraguay, por ordem de SEx o Sr Marquez de Caxias , ministro e secretario d estado dos negócios da Guerra, acompanhado das observações que lhe são concernentes. RIHGB 1865 Tomo 28,Parte I p.32 19 ANRJ, IG190, 1856 – Carta do Engenheiro enviado para examinar a via de comunicação do rio Tibagi ao Mato Grosso ao Ministro da Guerra.

14

e cogitar que conviria tentar uma remessa por esta província, “não asseguro a V Exª que se

effetue tão economicamente como pensa o Barão de Antonina, nem ainda por dous terços da

despesa, que presentemente se fás”20.

Vemos que Antonina atribuía às vantagens dessa via de comunicação, proporções

maiores do que as realmente praticáveis. Isso porque lhe interessava tornar frequentada esta

via, dinamizando e valorizando a região na qual investia seus esforços. Além disso, junto com

a credibilidade deste caminho fluvial, viriam maiores investimentos do governo para

desenvolver a colônia militar e o aldeamento indígena, assim como suas estradas.

Em 31 de Dezembro de 1857, outra expedição foi empreendida, agora do porto do Jataí

até a fronteira a oeste na Villa de Miranda, compreendendo os rios Tibagi, Paranapanema,

Paraná, Samambaia, Ivinheima e Brilhante, como também os rios Neoac e Miranda21 pelo 1º

Tenente de engenheiros Epifanio Candido de Sousa Pitanga. Este verificou que o rio Tibagi,

defronte a colônia, se apresentava a qualquer gênero de navegação. Descreve a descida do rio,

informando suas características de largura, profundidade e terrenos. O engenheiro terminou

sua viagem em 12 de Abril de1858, e durante os mais de três meses de viagem relatou cada

ponto pelos quais passou a expedição, possibilitando o reconhecimento minucioso do trajeto

com suas possibilidades e obstáculos para o transporte.

Em conformidade com tais perspectivas, em dezembro de 1857, partiram da Corte cem

praças com destino a província do Mato Grosso pelo Tibagi. Estes seguiriam de Castro para

Jataí, com auxílio do encarregado do Barão de Antonina, o engenheiro Feliciano Nepomuceno

Prates. Durante a viagem, alguns adoeceram e um deles morreu, além de doze deserções;

sendo assim, o contingente desfalcado foi completado pelos da Companhia Provisória por

ordens do presidente Francisco Liberato de Mattos. Prates ficou responsável pelo

fornecimento de pranchas, para o transporte deste contingente do Tibagi ao Brilhante. Em 14

de Janeiro de 1858 o presidente informava que aguardava a chegada do armamento, para fazê-

lo seguir com a Companhia Provisória22. Estes contingentes, enviados a partir do Tibagi,

demonstram como a preocupação em guarnecer as fronteiras no Mato Grosso era algo

20 Idem. 21PITANGA, Epifanio. Diário de viagem do porto do Jatahi a Villa de Miranda. RIHGB 1864 Tomo 27, Parte I p.149-192. 22 ANRJ. IG190,12/01/1858. Presidência da Província do Paraná Francisco Liberato de Mattos ao Ministro da Guerra.

15

urgente. Vemos tais intenções na fala do presidente Francisco Liberato, que questionava os

valores cobrados por Prates para o transporte das praças ao Brilhante; este queria ganhar com

o transporte de 5 a 6 contos de réis e propunha ao governo que fizesse as pranchas por conta,

“sendo possível com isso se fazer a remessa de 2 em 2 meses de 100 a 150 praças sem

intervenção de particulares.”23 Assim este transporte se faria mais rápido e econômico.

No ano de 1858, nova exploração seria realizada a cargo do sertanejo Joaquim

Francisco Lopes24, novamente por ordem governo Imperial, agora seguindo o rio Dourados

até a confluência com o rio São João, na fronteira mais ao sul do Mato Grosso. Nesta tarefa

foi ordenado pelo governo, que 50 soldados o acompanhassem. Partindo a 13 de Abril de

1858 da colônia militar do Jataí, com cinco camaradas remeiros, dos quais três eram africanos

livres e dois eram índios do aldeamento de São Pedro. Durante a viagem uma canoa que

conduzia alguns soldados afundou, constando que sete teriam morrido afogados. Retornou à

colônia militar do Jataí em 02 de Julho trazendo informações sobre a exploração do rio

Dourados e suas condições de navegabilidade, além das potencialidades de seus terrenos,

onde seria fundada, em 1861, a colônia militar de Dourados.

Estas expedições, empreendidas de 1855 a 1858, se passam em condições distintas das

primeiras realizadas pelo Barão de Antonina a partir de 1845. Neste momento já existe uma

estrutura física e algum conhecimento sobre a região, permitido pelo estabelecimento da

colônia militar do Jataí e os aldeamentos de São Pedro e do Pirapó, este na margem do

Paranapanema, como também da fazenda de São Jerônimo no caminho para Castro. Em 03 de

Janeiro de 1856, a criação de uma subdelegacia no Jataí, tendo como subdelegado o diretor da

colônia militar, demonstrou o aumento da circulação de pessoas na área. Logo, naqueles

exaustivos sertões, estes pontos surgiam como um clarão, um alívio para quem demandava

aquelas paragens. Assim a colônia e o aldeamento faziam seu papel de prestar auxílio.

O engenheiro Prates encarregado em 1857, por exemplo, recebeu ajuda dos diretores

Tomaz Munis e Frei Timótheo que o acompanharam parte do trajeto. Assim como Lopes, que

foi acompanhado por africanos remadores e índios tradutores do Aldeamento de São Pedro. A

dinamização desta área, apesar de não atingir o grau esperado de comércio e povoamento,

23 ANRJ. IG190,p. 400, 08/02/1858. Presidência da Província do Paraná Francisco Liberato de Mattos ao Ministro da Guerra. 24 ANRJ. IG190, 11/09/1858. Presidência da Província do Paraná Francisco Liberato de Mattos ao Ministro da Guerra.

16

havia se alterado significativamente. Tendo em vista que pouco ou quase nada se conhecia da

região, e que nenhum vestígio de civilização existia até meados do XIX. Nesta segunda fase

de explorações o governo empenhou-se em se certificar das vantagens que o Barão exaltava

sobre a via de comunicação para o Mato Grosso.

Contudo, neste momento as expedições ordenadas pelo Ministério da Guerra

evidenciam a necessidade de estabelecer pontos estratégicos para segurança da fronteira.

Estes seriam estabelecidos na vila de Miranda, nas proximidades do rio Paraguai e no rio

Dourados ao sul, guarnecendo desta forma, os principais pontos por onde poderiam penetrar

forças estrangeiras. Levando-se em consideração que estas regiões se constituíam em pontos

sensíveis, em contato com países instáveis, muitas vezes hostis e regidos por um sistema

político diverso e indesejado (GREGÓRIO, 2012, p.376-377). Portanto, desde a década de

1850, o governo estava adotando medidas como a criação das colônias militares e abertura de

novas vias de comunicação para o Mato Grosso, o que não significava que uma situação de

guerra com o Paraguai e Entre Rios era prevista.

Desta forma, é possível perceber a relevância que estas explorações e a criação destes

núcleos militares e indígenas adquiriram no Império. Todavia aqueles desbravadores,

aventureiros que viabilizaram estes projetos, são subtraídos da memória que se construiu

sobre a ocupação do interior do território brasileiro. Vemos o mérito e prestígio recair

somente sobre o proeminente Barão de Antonina, que acumulou durante a década de 1840 e

de 1850, riqueza, poder e honrarias. Contudo, personagens como Joaquim Francisco Lopes e

John H. Elliot, que contribuíram diretamente para o sucesso de tais explorações com suas

habilidades e saberes constituídos em suas trajetórias, ficaram na sombra. Lopes, de família

de sertanistas, teve sua vida enredada nos sertões, desde 1829 quando reconhecia as terras do

leste sul-matogrossense, demarcando posses para mandatários e abrindo estradas. Sob ordens

de Silva Machado explorou as terras do oeste do Paraná, organizou os estabelecimentos no

Jataí e dirigiu a Colônia Indígena de São Jerônimo até 1868, e nesta vila permaneceu em sua

vida simplória, fincado ao sertão, até sua morte em 1884.

Elliot, por sua vez, desbravou mar e sertão. Ex-marinheiro e militar, também tinha

conhecimentos de cartografia, e assim confeccionou mapas, produziu aquarelas das paisagens

paranaenses e deixou, além de diversos roteiros de viagem, um romance: “Aricó e Caocochée”

17

25. Nele retratou os índios, com quem conviveu por anos. Suas produções (mapas e

ilustrações), que resultaram das viagens realizadas com Lopes, constituíram por muitos anos

as únicas referências sobre os sertões do Paraná e Mato Grosso. Contudo, após abrir

caminhos, traçar conhecimentos sobre esta região e demarcar imensas porções de terra para

seu mandatário, também faleceu na vila de São Jerônimo, em seu pequeno sítio, onde viveu

com sua esposa e filhos (CARVALHO, 2010, p.36).

Diferente de seus empregados, Antonina apossou-se de parcelas de terras imensas,

objeto que o persuadiu a iniciar explorações. Conforme apontou Rosangela Leite, a

colonização representava além da expansão, um negócio de um grupo político e econômico,

que poderia controlar o processo de organização da terra (LEITE, 2010). Desta maneira, ao

longo desse período, foi comum a direção por particulares em empresas para ocupação do

território, abertura de estradas e fundação de colônias e aldeamentos indígenas. Estas ações

que recebiam apoio e captavam recursos e concessões do Estado, faziam parte do processo de

controle da terra.

Diversas atividades importantes para organização do Estado, nas quais eram

despendidas verbas consideráveis, se encontravam nas mãos de um particular. Isso demonstra

como não havia condições por parte do governo de executar estas atividades, sem que

houvesse delegação de poderes a próceres locais26. Consequentemente, homens como o Barão

de Antonina captavam recursos e tiravam vantagens do governo, ao mesmo tempo em que o

Estado necessitava e se beneficiava do seu prestígio nas localidades, bem como de sua

disposição e experiência em explorar os sertões, criar colônias indígenas e de imigrantes e

abrir novas vias de comunicação. Elliot exaltava, referindo-se ao Barão, que “nem um outro

que não seja o Pahy Guassu dos Cayuaz da Faxina e de Jatahy terá para essas emprezas mais

gênio, energia e dedicação como os fatos demonstram”27. Barão de Antonina no meio político

e “Pahi-Guassu” entre os índios, Silva Machado tornava-se elemento mediador entre a Corte e

25 Aricó e Caocochée, publicada inicialmente na edição n.º 8 do Jasmim em 08 de novembro de 1857. Biblioteca Pública do Paraná. 26 Em contraposição a ideia de centralização conservadora Miriam Dolhnikoff, em O Pacto Imperial - Origens do Federalismo no Brasil indica que a descentralização e a divisão de competências entre centro e província foram a fórmula que realizou a consolidação do Império, tendo em vista que a corte não possuía meios econômicos e estrutura para controlar todas as localidades. Cf.DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial - Origens do Federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005 27 Elliot, John H. 1856- A emigração dos Cayuaz . RIHGB Tomo XVI p 430-447- O termo “Pahy Guassu” era utilizado pelos índios Kaiowá do aldeamento de São João Batista criado em São Paulo em 1844, em referência ao Barão de Antonina, demonstrando como este era considerado um “pai” para este grupo.

18

o sertão (BORGES, 2014, p.289). Percebendo este empenho, tornava-se mais seguro e

vantajoso para o governo investir nesta empresa particular.

Para obras, de conservação dos caminhos e instalação da colônia, o Barão de Antonina

recebeu do ministério do Império em 1854 a quantia de 3:000$000 (três contos de réis)28.

Antonina era então encarregado da direção e gerência superior dos estabelecimentos no Jataí,

e também responsável pelas verbas gerais do aldeamento de Palmas; além disso controlava as

barreiras, a arrematação de impostos nesta região (LEITE, 2010, p.87). Contudo, das sete

expedições que se desdobraram do empreendimento designado pela Coroa, o Barão solicitou

ressarcimento apenas da última expedição29. Assim a afirmação de Fernanda Spósito de que

“João da Silva Machado, buscando expandir suas terras e explorar novas rotas para seu gado

em direção ao Mato Grosso, concebeu a ardilosa estratégia de utilizar verba pública para

conseguir os seus intentos” deve ser ponderada, tendo em vista que havia uma relação mais

complexa entre interesses do Estado e os particulares, na qual as duas partes se beneficiavam.

A imposição da autoridade real dizia respeito a capacidade de promover expectativas de

ordem, obtendo a obediência dos súditos e respeito por parte dos outros países ao controlar

seu território. Assim para se consolidar o Estado Nacional, o governo dependia de empresas

como esta, para organizar a coleta de impostos, recrutar soldados e fazer valer monopólios,

além de sujeitar a população a registros e vigilância, como também controlar os mercados de

abastecimento e trabalho (MENDES, p.13).

Ademais, nos sertões onde foram fundados estes núcleos – como o termo já indica –

eram lugares ermos e inóspitos, cujas privações tornavam a colonização espontânea

impraticável. Sendo assim, na ausência de soldados como previa seu Regulamento, a colônia

foi composta por indivíduos contratados para conservarem-se por tempo determinado, de dois

a três anos, sob o título de soldados permanentes, e cuja maior parte, demonstrava intenção de

retirar-se logo que expirasse o prazo do seu engajamento30. Segundo verificava seu diretor

José Thomaz Muniz, “Além dos indivíduos que foram contratados e existem no

estabelecimento, ninguém mais absolutamente tem vindo para o lugar com desígnio

28 ANRJ. IJJ(9)37 , 25/09/1854. Carta do Ministério do Império ao Presidente do Paraná Zacarias de Gois e Vasconcelos 29 DAESP. Ofícios diversos. Faxina, 23/10/1849,In: BORGES,2014,p.286 30 DEAP-PR, PB001 Exe cmj, 1.28 a 104.28. 15/01/1857. Carta ao presidente da província do major diretor da CMJ Thomaz José Muniz.

19

d’estabelecer-se desde que se acha instalada a colônia31. E apontou que o mau êxito nas

tentativas de atrair pessoas para morar na colônia, se devia entre outros fatores a Lei de Terras

de 1850, pois

[...], ninguém mais quer ou se anima a fazer estabelecimentos onde, se quiserem terrenos em maiores proporções, isto é, á medida da sua ambição, ver-se-ham na necessidade de comprá-lo.32

O contexto da década de 1840 foi caracterizado por uma preocupação com o

preenchimento populacional, e de expansão para o interior do território do Brasil (BORGES,

2014, p.293). Contudo, a preocupação em povoar estes territórios, se esbarra com os dados de

que esta região era densamente povoada por populações indígenas. Apesar de não existirem

números exatos, sabemos que as regiões do Paranapanema e do Ivaí encontraram os temidos

Kaingang, os Xavante, no Mato Grosso os Kaiowá, Guaykuru, Kadiweu, Guaná, Terena e

Quiniquinao. Neste sentido, a criação do “Regulamento das Missões de catequese e

civilização indígena” em 1845 e da Lei de Terras em 1850, o incentivo a imigração europeia –

a partir da segunda metade do século XIX – demonstra como asseverou Fernanda Spósito, que

o problema indígena continuava a ser uma questão de mão de obra, tanto quanto uma questão

de terras (SPOSITO, 2012, p.116). A iminência do fim do tráfico, e o afluxo de escravos

africanos para a zona cafeeira, fazia com que os povos indígenas fossem comumente

cogitados como meio de resolver a questão da mão de obra.

Portanto, nestes aldeamentos, os indígenas poderiam se tornar povoadores no sentido

civilizado, ou seja, cidadãos produtivos e úteis inseridos na economia nacional. Deixariam de

ser empecilho para ser auxiliadores da ocupação do território, nos quais estavam dispersos e

ficariam liberados para povoamento e atividades lucrativas. Nas expedições de Antonina, seus

homens se depararam com inúmeros grupos indígenas, e mapearam sua localização e os

caracterizaram. Estes visavam o contato com os Kaiowá, os quais acreditavam ser mais

pacíficos e propensos a civilizarem-se.

Sendo assim, em 1857 foi emitido o “Regulamento das colônias indígenas na província

do Paraná e Mato Grosso”, estabelecendo a criação de oito aldeamentos indígenas na rota

entre estas províncias. Seriam quatro em cada província, nas margens dos rios Tibagi, 31 DEAP-PR, PB001 Exe cmj, 1.28 a 104.28. 30/11/1856. Carta ao presidente da província do major diretor da CMJ Thomaz José Muniz. 32 DEAP-PR, PB001 Exe cmj, 1.28 a 104.28. 30/11/1856. Carta ao presidente da província do major diretor da CMJ Thomaz José Muniz.

20

Paranapanema, Paraná, Samambaia e Ivinheima. Assim como a colônia militar do Jataí

estariam sob a responsabilidade do Barão de Antonina, pois atenderiam a mesma finalidade,

apresentado em seu primeiro artigo:

As Colônias Indígenas fundadas, ou que se houver de fundar nos sertões

entre as províncias do Paraná e Mato Grosso, com o fim de desenvolver a

catequese promovida pelo Barão de Antonina nos ditos sertões e facilitar a

navegação fluvial entre as províncias do Paraná e Mato Grosso.33

Apesar de alguns dos aldeamentos não terem sido efetivamente criados, este plano

previa formar um cordão protetor de aldeamentos que isolasse os grupos arredios, e facilitasse

a via de comunicação fluvial auxiliando os viajantes; demonstrava o quanto, à época, a tarefa

de controlar este território e integrar por meio mais rápido e econômico a província do Mato

Grosso, possuía relevância para o governo. No Paraná foram criados da década de 1850 a

1860, o aldeamento de São Pedro de Alcântara, Nossa Senhora do Loreto e Santo Inácio do

Pirapó no Tibagi e o de São Jerônimo da Serra, no caminho de Jataí para Castro. Além disso,

a partir destes aldeamentos fincados no sertão seriam promovidos núcleos de povoamento

regulares, desenvolvendo a economia do sertão, pois como já previa o Regulamento para as

Missões de Catequese de 1854 – diferente das missões jesuíticas que isolavam o indígena –

nestes aldeamentos seria permitido o estabelecimento de população branca e civilizada, que

ajudariam no aprendizado dos indígenas (SAMPAIO, 2009).

O Aldeamento de São Pedro de Alcântara foi inaugurado dia 5 de agosto de 1855, pelo

Frei Timóteo de Castelnuovo, com sede à margem esquerda do rio Tibagi. E junto com o

estabelecimento da colônia militar, o trânsito entre os Campos Gerais do Paraná, pelos rios

Tibagi, Paranapanema, Paraná e Ivinheima e a província do Mato Grosso, deveriam estar

protegidos. Esta deveria colaborar com o aldeamento de São Pedro de Alcântara e os demais

previstos para região. Ainda teria papel estratégico de defesa das fronteiras meridionais.

Desse modo, a criação destes núcleos, tornava-se o primeiro passo para liberação dos imensos

territórios Kaingang e Kaiowá destes vales, e por conseguinte a proteção da via de

comunicação que pretendia criar o Barão. Como protestou Frei Timotheo de Castelnuevo,

escrevendo ao presidente da província do Paraná, em 15 de janeiro de 1886:

33 Regulamento das colônias Indígenas nas províncias do Paraná e Mato Grosso,ano1857 In: CUNHA,Manuela Carneiro da.(Org) Legislação indigenista no século XIX.São Paulo, 1992

21

estas colônias não foram criadas para catequese. A catequese foi um acessório às mesmas; mas sim (foram criadas) para servirem de apoio à estrada de Mato Grosso; e para os grandes transportes para aquela província de militares, e trens bélicos, antes da Guerra do Paraguai.34

O que podemos inferir, desta forma é que, a criação destes núcleos devia atender

prioritariamente a dois aspectos: o estratégico e o econômico. Acreditava-se que estes

estabelecimentos levariam o policiamento e segurança para as fronteiras com os países

vizinhos, e a partir da disciplina militar, também viabilizariam a civilização das populações

indígenas, tornando-os mão de obra na exploração daqueles sertões e liberando terras para

ocupações produtivas.

Portanto, conhecer, mapear e por fim, ocupar todo o território com pessoas civilizadas e

trabalhadoras eram prioridades para constituição de um Estado soberano, pois não se pode

administrar justiça, fazer guerra, levantar finanças, entre outras coisas, sem que haja

abundância de homens vivos sadios e pacíficos (FOUCAULT, 2008, p.434). A ideia de uma

unidade do território previa, não apenas a proteção de suas fronteiras externas, mas também a

inclusão de todos os seus elementos internos como parte de uma mesma totalidade, inclusive

os índios. Desse modo, as colônias e aldeamentos teriam esse papel de vigilância e controle

sobre essa população. Por outro lado, economicamente, as colônias seriam um método para

povoar o interior atraindo imigrantes. E como produto final, possibilitaria a exploração dos

recursos naturais, e do comércio interno. Assim sendo, o Estado brasileiro, sob um poder

soberano único, deveria ocupar um território unificado e homogêneo, sobrepondo interesses

privados a coletivos (MENDES, 2010, p.16). Para o governo central, estas atenderiam ainda a

necessidade de fazer a administração chegar a todos os locais do país: é por isso que a

proposta recebeu adesão imediata, passando a ser uma realidade em diversos pontos do

território brasileiro.

A ocupação dos sertões, e a integração entre as províncias, tinham por finalidade o

fortalecimento econômico e político do Estado brasileiro. Neste sentido, as colônias militares

surgem como estratégia de infiltração nas matas, de modo que seu caráter militar e agrícola

atraíssem para tais regiões a imigração nacional e estrangeira. Para que esta ocupação se

realizasse, homens eminentes econômica e politicamente, como João da Silva Machado, se

34 Frei Timotheo de Castelnovo ao Presidente da província do Paraná, 15/01/1886. DEAP, Ap. 797, p. 196.

22

dedicaram a viagens de exploração pelos sertões, projetando interesses econômicos pessoais

ao plano do governo de reconhecimento geográfico e físico desse território, acompanhado da

missão civilizadora junto aos povos indígenas. Portanto estas viagens podem ser analisadas

como parte de um plano de integração do território nacional e sua defesa, e também de

expansão das atividades econômicas pastoris, agrícolas e do comércio para o oeste brasileiro.

Logo, ao serem contextualizadas, estas explorações no sertão nos permitem apreender

diversos aspectos deste momento histórico de consolidação do Estado Nacional Brasileiro.

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