Manual Do Contador de História

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Manual do Manual do Contador de Contador de Histórias Histórias Associação Espírita Paz e Luz Dij – Departamento da Infância e Juventude http://dijpazeluz.blogspot.com/ 2010 Eloci Gloria de Mello Às crianças que nos permitem viajar com elas nas histórias que contamos. Edição e revisão: DIJ Paz e Luz — [email protected]

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Manual do Manual do Contador de Contador de HistriasHistriasAssociao EspritaPaz e LuzDij Departamento da Infncia e Juventudehttp://dijpazeluz.blogspot.com/2010Eloci Gloria de Mellos crianas que nos permitem viajar com elas nas histrias que contamos. Edio e reviso: DIJ Paz e Luz dijpazeluz!gmail.comA arte de contar histrias uma tradio muito antiga, de anos antes de Cristo, e reporta-se s origens da sociedade humana como uma das primeiras manifestaes culturais do homem, sendo mantida por vrios povos. A narrativa oral das vivncias de heris fctcios capaz de criar laos sociais, nutrindo o inconsciente coletivo, atravs de uma linguagem fantasiosa e relativamente dramatizada. arte vinculada dinamicamente educao, pois a aprendizagem tambm umaartequedeveserentendidacommuita responsabilidade. Contar histrias estabelece um elo importantssimo com a realidade emotiva, com uma realidade que emociona, instiga e promove a refexo e a projeo do homem no mundo.As histrias permeiam o universo infantil e tambm o adulto. Atravs delas, as tradies, os valores e toda a identidade dos povos puderam ser preservados, mesmo no tempo em que ainda no havia a escrita. De gerao em gerao, o conhecimento era passado, tendo como resultado um rico mosaico de culturas. Por meio de uma linguagem da fantasia e do irreal, os contos de tradio oral despertam o imaginrio e nos permitem experimentar novas situaes.A experincia mostra que a arte de contar histrias requer certa sensibilidade, mas com empenho, conhecimento, amor e gosto pela leitura de histrias esse ofcio pode ser aprendido. arte acessvel a todos que se interessam em instaurar e transmitir momentos de magia para outras pessoas.Contar histrias se torna uma arte, enfm, quando se coloca nessa prtica o corao, quando se coloca disposio da narrativa o nosso sentimento, e fazemos dela a ponte que transportar o contador e seu ouvinte para o mundo do imaginrio, onde todos os sentimentos, todas as emoes, podem ser expostos por meio da simbolizao, sem receios, sem medos.A ARTE DE CONTAR HISTRIASA ARTE DE CONTAR HISTRIASUma histria pode ser contada em qualquer tempo, em qualquer circunstncia. Basta que haja algum para contar, algum para ouvir e um conto para intermediar.Se poderia pensar que crianas muito pequenas no so capazes de entender uma histria, no entanto, dependendo de como se conta ou se apresenta um conto nessa faixa etria, ele pode ser compreendido pelos bebs desde os 6/7 meses.O aspecto ldico e concreto da narrativa muito importante para os pequenos; a entonao da voz, o olhar do contador e sua postura so sentidos pelas crianas como diferentes e isso prende a sua ateno. A criana tende a repetir os gestos do contador com os fantoches, por exemplo, mostrando prazer e compreenso, atravs da linguagem possvel nesse estgio: o gesto, a imitao, o riso, o olhar atento.Dos 2 at os 4 anos desenvolve-se a funo semitica na criana, que permite o uso da linguagem, do desenho, da imitao, da dramatizao, etc., podendo criar imagens mentais na ausncia do objeto ou da ao; o perodo da fantasia, do faz-de-conta, do jogo simblico. Com a capacidade de formar imagens mentais, pode transformar o objeto (uma caixinha pode virar carrinho) para sua prpria satisfao; tambm o perodo em que o indivduo d alma aos objetos (a vassoura foi dormir no armrio). A histria mgica para a criana nessa fase e j pode ser contada sem recursos visuais.J aos 5/6 anos existe um desejo de explicao dos fenmenos; a fase dos porqus. Distingue a fantasia do real, podendo dramatizar a fantasia sem que acredite nela propriamente. So muito criativos nessa faixa etria, entendem histrias mais complexas e adoram suspense; ao recontarem a histria ouvida, geralmente criam algo novo, dando um carter bem particular sua narrativa.QUANDO CONTAR HISTRIAS?QUANDO CONTAR HISTRIAS?Na fase escolar as histrias nos livros so bastante apreciadas e so timos auxiliares na alfabetizao, nas aprendizagens das atitudes sociais, da cidadania, dando muito prazer criana por seu aspecto ldico.Contar histrias um meio muito efciente de transmitir uma idia, de levar novos conhecimentos e ensinamentos aos educandos, alm de possibilitar a simbolizao de seus confitos, mesmo o objetivo no sendo este na evangelizao.Na infncia, os contos so fundamentais. O livro torna-se um importante motivador, mas o que arrebata o pequeno expectador, alm da sua leitura particular, a representao que ele percebe atravs da narrativa prosdica do contador, do olho no olho; ele tambm se encanta com a possibilidade de se deslocar do papel de expectador para o de contador ou de personagem, conforme a sua necessidade.Assim que uma histria pode servir para a criana naquilo que ela mais precisa; cada criana far uso muito particular da histria que ouvir. Laforgue, citado por Gutfreind (2003) "preconizou a introduo de um ritual de comeo e de trmino da histria, a fm de bem marcar a passagem da realidade ao imaginrio e vice-versa",poisumahistriadevesercontada emocionalmente e no simplesmente apresen tada em seu enredo. Contar uma histria possibilitar criana sentir-se identifcada com os personagens. trazer todo o enredo presena do ouvinte e fazer com que ele se incorpore trama da histria, como parte dela. As crianas agem, pensam, sentem, sorriem, alegram-se como se fossem elas prprias os personagens. A histria assim vivida pode provocar-lhes sentimentos novos e aperfeioar outros.Assim, dizer no ensinar; fazer a criana conhecedora de fatos no educ-la, por isso o narrador que sempre aponta a moral de suas histrias incorre em erro grave. A criana muito mais capaz do que geralmente se pensa. No necessrio apontar a moral de uma histria, a criana pode tirar inferncias por si mesma.Da mesma forma, no cabe ao adulto que conta a histria modifc-la, retirando os detalhes que lhe parecem violentos ou aterrorizantes, tambm no lhe cabe interpretar diretamente a histria para a criana:"As interpretaes adultas, por mais corretas que sejam, roubam da criana a oportunidade de sentir que ela, por sua prpria conta, atravs de repetidas audies e de ruminar acerca da histria, enfrentou com xito uma situao difcil" (Bettelheim, 1980, p. 27).COMO CONTAR HISTRIAS?COMO CONTAR HISTRIAS?Segundo Amarilha (1997, p. 19) "Pelo processo de viver temporariamente os confitos, angstias e alegrias dos personagens da histria, o receptor multiplica as suas prprias alternativas de experincias do mundo, sem que com isso corra risco algum". Por isso, as adaptaes moralizantes dos contos ou o temor do adulto em contar certos trechos quando os est lendo em voz alta para crianas, tornam os textos sem signifcado para elas:"Se o adulto no tiver condies emocionais para contar a histria inteira, com todos os seus elementos, suas facetas de crueldade, de angstia, ento melhor dar outro livro para a criana ler ou esperar o momento em que ela queira ou necessite dele e que o adulto esteja preparado para cont-lo" (Abramovich, 2000, p.121).Isso no quer dizer que o objetivo de educar deva estar ausente do livro: a questo toda se resume em como apresentar a "lio". A moral que surge dos prprios acontecimentosdahistria,acrianaassimila espontaneamente; a moral apenas sugerida, tem muito mais utilidade, porque consegue penetrar a criana de maneira signifcativa para ela.O grande contador de histrias que foi Jesus, por exemplo, nunca interpretou suas parbolas, deixando a cargo do ouvinte, conforme sua necessidade e alcance intelectual, o entendimento possvel, e quando seus ouvintes lhe vinham perguntar algo sobre elas, ele s lhes explicava o que queriam saber, depois de eles haverem pensado e discutido. Por fm, melhor contar a histria e no ler a histria, mesmo quando se est acompanhado do livro, pois assim a histria pode ser "adaptada" aos ouvintes (gestos, mmica, olhar, espao, etc.), conforme o narrador as percebe. Bettelheim (1980) alerta que ao ler uma histria para a criana estaremos prejudicando sua capacidade imaginativa. O bom contador de histrias deve ser uma pessoa hbil, sensvel beleza da histria, capaz de assimilar todos os seus elementos e transmiti-los bem; para que isso acontea a histria tem que ser signifcativa para o contador, isto , ele precisa gostar da histria que conta ou, recomenda Laforgue (apud Gutfreind, 2003, p. 157): "conte apenas os contos que te habitam", pois nenhuma tcnica pode substituir essa identifcao, que a diferena entre ser e no ser contador.Gutfreind (2003, p. 172) salienta que mais do que talento, "importa cativar, com simplicidade e sua maneira, a ateno e o interesse da criana pelo conto, fazendo com que possa desfrutar de sua riqueza [...]", mas essa no uma atividade de artistas, adverte o autor, mas de apaixonados por histrias e sua utilizao.Bettelheim (1980) diz que um adulto que pensa que esses contos so um monte de mentiras no deve cont-los, pois no ser capaz de relat-los de forma a enriquecer a vida da criana.O CONTADOR DE HISTRIASO CONTADOR DE HISTRIASPreparo do ContadorPara Ribeiro: "[...] estudar a histria previamente proporcionar, no momento de cont-la, segurana, tranqilidade e naturalidade. Alm do que, se errarmos, nos perdermos em algum trecho, saberemos sair do enrosco com facilidade (Ribeiro, 2002).Assim, o contador de histrias deve preparar-se com cuidado, tendo em vista que ele pode proporcionar s crianas a melhor das experincias ou uma situao sem signifcado algum. Deve escolher a histria de acordo com o objetivo visado ou convidar a criana a escolher a que lhe agrada mais, e depois analisar a histria em todas as suas nuances e saber o enredo em todos os pormenores.Deve ainda:verifcar a necessidade ou no de material ilustrativo;trabalhar aps a contao, quando necessrio, o signifcado de palavras incomuns;verifcar se os ouvintes esto acomodados;verifcar se esto interessados em ouvir a histria.ter confana em si mesmo;narrar com naturalidade, sem afetao;ser comedido nos gestos;evitar tics, cacoetes, estribilhos;dispensar ateno a todos, olhar nos olhos;falar com voz agradvel, modulando-a de acordo com os eventos que est narrando;ter boa dico;"sentir" a histria.Difculdades que devem ser contornadas preciso que se contornem algumas difculdades para que os fracassos sejam evitados. H diversos aspectos em relao prpria histria que devem ser considerados como, por exemplo, o perigo de perder-se em detalhes e explanaes desnecess rias.A histria que interessa a incisiva, clara e concisa. No pode ser bem sucedi do, segundo Lopes (2003), o contador que se assemelha ao viajante que sasse com destino certo, mas que se dirigisse por todos os trilhos que partem da estrada real para verifcar onde vo dar. Tal pessoa nunca chegaria ao seu destino. So os que, entabulando uma narrativa, a cada momento dizem: "e por falar nisso" "que era mesmo que eu ia dizer?..." e, retomando o fo da histria, logo se desviam outra vez.Outra situao que, s vezes, redunda em fracasso tentar conquistar a ateno, fazendo perguntas s crianas no meio da histria. Comear a descrever certo ambiente e perguntar: qual de vocs gostaria de ser como aquele menino?.., ou que acham que o menino fez? Isso como fazer a interpretao pela criana, o que j vimos, acaba com o signifcado que cada criana pode dar ao que est ouvindo.Sendo a histria tambm um instrumento educativo, h o perigo de o narrador usar linguagem deselegante por falta de facilidade de expresso como: "ento... e foi... e depois... e disse... E a". Essas expresses, repetidas com frequncia, impressionam muito mal. preciso ter graa e saber variar a maneira de dizer para que o interesse no se disperse.Resumindo, o preparo do contador deve ser levado a srio para que se proporcione a quem ouve uma histria apreende-la na ntegra para que possa decidir o uso que far dela. E preciso tambm gostar da histria que se conta, j vimos, pois sem amor nessa tarefa no h como possibilitar um signifcado. Era uma vez um contador de histrias que no sabia que era um contador ou o quanto era contador - que pensava que ser contador fosse uma tarefa como outra qualquer.No era.E aprendeu.Aprendeu e se descobriu repleto de pirlimpimpim, um Contador de Histrias, assim mesmo, com letras maisculas, pois essa uma tarefa das mais srias e importantes.Foi preciso transportar-se ao mundo infantil, indo ao encontro das fadas, das princesas e das bruxas, das crianas perdidas, dos animais to sbios, da criana que fcou l trs no seu passado, permitindo-se tambm sonhar e viajar com as histrias que contava, ora levando o ouvinte pela mo, ora deixando-se levar por ele, nessa doce viagem de aprendizado e encantamento.E foi assim que fui feliz para sempre, pois a mgica j havia sido feita e no dava mais para voltar atrs...O Contador de HistriasCOMO NASCE UM CONTADOR DE COMO NASCE UM CONTADOR DE HISTRIAS?HISTRIAS?REFERNCIASREFERNCIASABRAMOVICH, F. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 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