Manual de Molestias Vasculares

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Vasculares 2009 Manual de Moléstias Fábio Hüsemann Menezes George Carchedi Luccas John Cook Lane

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Vasculares2009

Manual de

M o l é s t i a s

Fábio Hüsemann MenezesGeorge Carchedi Luccas

John Cook Lane

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1ª Edição • Rio de Janeiro • 2009

Vasculares

Manual de

M o l é s t i a s

Fábio Hüsemann MenezesGeorge Carchedi Luccas

John Cook Lane

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Prefácio George Carchedi Luccas

O progresso científico das últimas décadas foi impressionante e o volume de conhecimentos cresceu exponencialmente, porém, o tempo de preparo do es-tudante de Medicina permaneceu nos mesmos seis anos. A equação não pode mudar no lado do tempo de formação profissional, pois o médico já começa tarde no mercado de trabalho, sem contar a necessária pós-graduação, incluindo-se de dois a cinco anos de residência médica. Na verdade a formação nunca será com-pleta, pois se há 50 anos o médico poderia praticar uma boa medicina com os conhecimentos obtidos nas grandes faculdades da época, hoje isto não é mais pos-sível, tanto pelo volume de conhecimentos disponível e necessidade constante de atualização, como pelas dúvidas e preocupação quanto à eficiência e a qualidade do ensino praticado nas inúmeras novas faculdades agora existentes.

O ensino de Moléstias Vasculares na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, aos 40 anos de existência, tem seguido de forma semelhante, com seus docentes dedicando-se ao ensino de graduação no período de internato, no sexto ano do curso médico. Os tópicos do currículo são discutidos em seminários que agrupam patologias afins, sendo fundamental para valorizar as discussões o pre-paro prévio dos alunos. Não acreditamos na eficiência da transmissão passiva de conhecimentos e por isto não se utilizam aulas teóricas clássicas para grandes gru-pos de alunos. Para haver qualidade no seminário exige-se conhecimento prévio do tema a ser abordado, sendo que o mesmo se inicia com uma prova, que serve como preparo e incentivo para a discussão dos assuntos programados.

O obstáculo a ser resolvido era o preparo para o seminário. Como es-tudar? O Prof. John Cook Lane estimulou e protagonizou a edição de dois livros de Propedêutica Vascular. O conhecimento da história e exame físico das patologias vasculares é essencial para a realização do diagnóstico, fundamental para o efetivo e correto tratamento. A ideia do professor John Cook Lane era produzir livros que resistissem ao tempo, o que seguramente foi obtido. Tendo em mãos o conhecimento propedêutico, o questionamento dos internos passou

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a ser onde buscar informações sobre as principais condutas. Já dispomos de inúmeros livros da especialidade, incluindo-se dois compêndios nacionais, em dois volumes, de alto nível. Entretanto, sendo reduzido o período de estágio dos alunos de graduação, e ainda compartilhado simultaneamente com outras especialidades cirúrgicas (Cabeça e Pescoço / Tórax), torna-se impossível exigir o conhecimento do volume de informações contido nestes livros, previamente às discussões em grupo.

Há cerca de uma década preparamos vídeo-tapes sobre as principais patologias para cobrir esta difi-culdade, porém ao longo dos anos descobrimos não ser a solução ideal. Os vídeos são de difícil produção e atualização, não permitem interação ágil e não se consegue competir com a qualidade dos programas que estamos todos acostumados a assistir na TV comercial. Além disto, os vídeos são grandes indutores do sono, pois se condenamos a aula clássica com professor presente pela dificuldade de prender atenção após 20 a 30 minutos, pior ainda assistindo passivamente as aulas pela televisão.

Nos últimos anos o nosso entusiasmo se voltou aos recursos da informática e com o auxílio do Dr. Fábio Hüsemann Menezes passamos a editar um livro denominado “Angiologia Digital”, composto de vários CD-ROM (compact disc – read only memory) sobre os diferentes temas da especialidade, atingindo no momento o número de dezesseis temas. A capacidade de informações que comporta o disco digital fez com que aumentássemos e superássemos a quantidade de conhecimentos necessários ao nível da graduação, sem, contudo atrapalhar seu objetivo no aprendizado.

Verificam-se os seguintes pontos favoráveis com o recurso didático do uso do CD-ROM:

a) A geração atual de estudantes nasceu com o uso do PC, convivem com a Internet e navegam com destreza pelas diversas telas do programa da aula, interagindo e aprendendo com facilidade e em pouco tempo o conteúdo do programa. Ao contrário do vídeo a interação é fácil e efetiva.

b) Como no velho provérbio que uma imagem vale mais que mil palavras, nestes CD-ROMs se privi-legiam as imagens para passar o maior volume de conhecimentos em curto espaço de tempo.

c) No CD-ROM também é possível a utilização de vídeos, porém, neste caso utilizamos pequenas animações gráficas ou filmes de curta duração, para ilustrar acessos ou técnicas cirúrgicas relativas ao tema principal.

A finalidade do recurso eletrônico não é substituir o professor, e sim gerar conhecimentos para incre-mentar o nível da discussão dos diferentes temas na presença do docente. O professor é poupado do ensino monótono e repetitivo, otimizando e valorizando o seu tempo com os alunos. É importante ressaltar que não pretendemos defender o ensino virtual, pois não há como aprender Medicina sem a prática diária, a experiência, e o contato com o paciente, na verdade nosso maior professor.

O presente “Manual de Moléstias Vasculares” engloba: livro de texto composto de vinte capítulos com informações objetivas sobre os principais temas de moléstias vasculares direcionadas ao nível de graduação, DVD de propedêutica para orientar o exame físico vascular, CD-ROM com pequenos textos, animações gráficas e filmes, abordando os diferentes capítulos e, ao final, série de cem testes comentados com a função de auferir os conhecimentos e preparar para os exames de Residência Médica.

Este Manual não substitui a leitura dos principais compêndios da Especialidade, apenas procura agilizar o ensino na fase de graduação, lembrando o quanto é importante esta formação básica, pois muitos dos jovens mé-dicos após a formação geral na faculdade estarão diante de situações clínicas de urgência, que no caso das moléstias vasculares a conduta decidirá o futuro do doente sem chances de erro ou de uma segunda opinião.

Esperamos que a comunidade acadêmica possa receber e indicar este Manual e os alunos tenham todo o proveito que os editores planejaram alcançar.

Prefácio George Carchedi Luccas

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Índice

Prefácio

Colaboradores

Visão Global

Capítulo 1 - O Exame dos Pulsos

Capítulo 2 - Laboratório Vascular

Capítulo 3 - Angiografias e Técnicas Endovasculares

Capítulo 4 - Aterosclerose e Dislipidemia

Capítulo 5 - Arterites

Capítulo 6 - Oclusão Arterial Crônica

Capítulo 7 - Pé Diabético

Capítulo 8 - Aneurismas

Capítulo 9 - Obstrução Arterial Aguda

Capítulo 10 - Traumas Vasculares

Capítulo 11 - Doença Vascular Extracraniana

Capítulo 12 - Síndrome do Desfiladeiro Torácico

Capítulo 13 - Varizes dos Membros Inferiores

Capítulo 14 - Doença Tromboembólica Venosa

Capítulo 15 - Hipertensão Venosa Crônica

Capítulo 16 - Linfedema

Capítulo 17 - Isquemia Visceral

Capítulo 18 - Malformações Vasculares

Capítulo 19 - Vias de Acesso para Hemodiálise

Capítulo 20 - Amputações e Reabilitação

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Colaboradores

John Cook LaneProf. Titular de Cirurgia Vascular pela FCM-Unicamp

João Potério FilhoProf. Adjunto em Cirurgia Vascular pela FCM-Unicamp

George Carchedi LuccasProf. Livre-Docente em Cirurgia Vascular pela FCM-Unicamp

Ana Terezinha GuillaumonProfa. Livre-Docente em Cirurgia Vascular pela FCM-UnicampDocente junto à Disciplina de Moléstias Vasculares FCM-Unicamp

Fábio Hüsemann MenezesDoutorado em Cirurgia Vascular pela FCM-UnicampDocente junto à Disciplina de Moléstias Vasculares FCM-Unicamp

Eduardo Faccini RochaMestrado em Cirurgia Vascular pela FCM-UnicampMédico contratado junto ao Hospital de Clínicas da Unicamp

Carla Aparecida Faccio BosnardoMestrado em Cirurgia Vascular pela FCM-UnicampMédica contratada junto ao Hospital de Clínicas da Unicamp

José Luiz CataldoDoutorado em Cirurgia pela FCM-UnicampMédico Colaborador junto ao Hospital de Clínicas da Unicamp

Sandra Aparecida Ferreira SilveiraDoutora em Clínica Radiológica pela FCM-Unicamp

Eduardo Valença BarelDoutorado em Cirurgia Vascular pela FCM-Unicamp

Charles Angotti Furtado de MedeirosMestrado em Cirurgia Vascular pela FCM-Unicamp

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As moléstias vasculares periféricas englobam a artérias, veias e linfáticos.

Existem poucas áreas da Medicina em que, pela anamnese e exame físico geral, pode-se obter um diagnóstico na maioria das vezes. De posse de um diagnóstico pre-suntivo, pode-se orientar as medidas terapêuticas. Os exames adicionais de medida de pressão e imagem são úteis para um detalhamento anatômico e funcional do sistema.

No campo das moléstias arteriais, é mister levar em conta que a etiologia principal é a aterosclerose e, mais raramente, as arterites, que acometem com maior frequência as artérias menores e desafiam o médico quanto à sua causa e ao seu manejo terapêutico. Como a aterosclerose é uma doença generalizada, quando o paciente apresenta-se com uma queixa de insuficiência circulatória periférica, é importante não esquecer de averiguar se não há comprometimento simultâneo das artérias coronárias e dos vasos que nutrem o cérebro. Estes últimos poderão ser mais importantes do que a queixa que trouxe o paciente ao médico.

O aparelho de ultrassom Doppler é útil para medir, de forma indireta, as pressões nas artérias distais, quantificando a perda de energia potencial pelas lesões obstrutivas proximais. No seguimento pós-operatório também é útil para avaliar a melhora da pressão, e por correspondência, da perfusão do membro.

Os exames de ultrassom, tomografia computadorizada e ressonância mag-nética nuclear continuam a aperfeiçoar-se, trazendo imagens em terceira dimen-são e competindo com a tradicional arteriografia contrastada.

No campo venoso o ultrassom Doppler contínuo serve bem para detectar trombose em vasos maiores, e a flebografia contrastada vem sendo substituída pelos exames de ultrassonografia dúplex e ressonância magnética nuclear, os quais revelam um mapa detalhado deste sistema, modificando as indicações cirúrgi-cas para as varizes primárias e nas recanalizações das tromboses venosas antigas. Também nesta área a cirurgia endovascular tem ganhado espaço, através do uso do LASER e da escleroterapia monitorada por ultrassom no caso das varizes e das

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trombólises e angioplastias com stents nas veias profundas. A cirurgia minimamente invasiva também tem atu-ado na ligadura endoscópica subfascial de veias perfurantes. Os curativos para as úlceras venosas têm progresso constante, somando à consagrada Bota de Unna os curativos oclusivos e os enfaixamentos multicamada.

Quanto aos linfáticos, há progresso no estudo genético da doença primária e melhor entendimento do acometimento linfático nas doenças secundárias, promovendo diagnóstico mais precoce das alterações e melhor prevenção das complicações tardias.

As tradicionais cirurgias arteriais abertas de enxertos, para fazer pontes vasculares com o objetivo de ultra-passar locais obstruídos, passam hoje por uma rápida transformação, tratando lesões por via endovascular, di-latando vasos e colocando endopróteses metálicas (stents) para mantê-los abertos. Também os aneurismas vêm sendo tratados colocando-se endopróteses por acessos distantes, diminuindo o trauma cirúrgico. Além disso a cirurgia laparoscópica abre novas perspectivas ao arsenal terapêutico do tratamento de moléstias vasculares.

É importante ressaltar que na área de atuação da cirurgia vascular periférica os medicamentos são muito pouco utilizados. Com exceção dos anticoagulantes e trombolíticos, as demais drogas (vasodilatadores e flebo-tônicos) têm efeito limitado e uso bem específico. O controle da aterosclerose depende mais da educação do paciente quanto ao controle dos fatores de risco, os quais são normalmente tratados pelo clínico nas unidades básicas de saúde. Não é, portanto, do escopo deste manual apresentar o detalhamento do tratamento clínico das doenças vasculares, mas sim oferecer uma ideia das possibilidades do tratamento cirúrgico.

Os horizontes da especialidade continuam a oferecer, cada vez mais, novas opções aos pacientes necessi-tados. Cumpre a todos continuarem atentos ao progresso nesta área.

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O Exame dos Pulsos John Cook Lane1Capítulo

Quando o ventrículo esquerdo ejeta sangue na aorta, cria-se uma onda de pressão que é transmitida por todas as artérias. O exame dos pulsos arteriais resulta em informações cruciais sobre o sistema cardiovascular. Os pulsos devem ser palpa-dos não só por sua intensidade, mas também avaliados quanto à sua elasticidade; ou seja, se normal ou endurecida pela aterosclerose, bem como auscultados com o uso do estetoscópio. O fluxo normal nas artérias procede em forma laminar e silenciosa. Quando existe turbulência no fluxo, resulta em frêmito palpável e sopro à ausculta; sinais estes de que talvez haja uma placa de ateroma nas imediações.

O pulso carotídeo pode ser facilmente localizado palpando-se inicialmente a cartilagem tireoide e deslizando os dedos até a sua borda posterior. Este pulso corresponde ao da artéria carótida comum. Ela deve ser auscultada desde o ângulo da mandíbula até o nível da clavícula à procura de sopros audíveis. Lembrar que o local mais comum de estenose por placa de ateroma é a origem da carótida interna, sendo, portanto, o local mais comum de sopro o ponto logo abaixo do ângulo da mandíbula.

O volume do pulso carotídeo é tipicamente reduzido na insuficiência car-díaca e em estenose das válvulas aórtica e mitral. A amplitude deste pulso é aumentada em condições que redundam no aumento do débito cardíaco, tais como: febre, anemia, hipertireoidismo e fístulas arteriovenosas. O pulso da ca-rótida comum é o mais indicado também para o diagnóstico da parada cardíaca. A artéria carótida comum usualmente não tem ramos e se divide em carótidas externa e interna. A carótida externa supre as estruturas da face e couro cabeludo e sua continuação pode ser palpada um centímetro à frente do trago da orelha. Já a carótida interna só é palpável na fossa amigdaliana, o que exige a aplicação, na mucosa da orofaringe, de um spray anestésico.

É importante lembrar que os pulsos, bem como a pressão arterial, devem ser pesquisados de ambos os lados do corpo para uma comparação. Em relação aos pulsos do membro superior, deve-se palpar o subclávio na fossa supraclavicular (e auscultá-lo), axilar no sulco delto-peitoral e no cavo axilar, braquial, radial e ulnar.

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O Exame dos Pulsos John Cook Lane

Para sentir o pulso axilar, comprimem-se os dedos da mão direita profundamente no cavo axilar. O pulso braquial é sentido na borda medial do músculo bíceps, comprimindo o vaso contra o úmero. O pulso braquial também pode ser sentido na face anterior da dobra do cotovelo, medial ao tendão do bíceps (mesmo local onde colocamos o estetoscópio para medir as pressões arteriais sistólica e diastóli-ca). O pulso radial, bem superficial, é palpado lateralmente ao tendão do grande palmar. O pulso ulnar, mais profundo que o radial, é palpado medialmente ao tendão do flexor superficial dos dedos. Se houver dúvida quanto a este pulso, faça a manobra de Allen1. Para tal, o pulso radial é palpado pelo polegar do(a) examinador(a) que faz um sistema de pinça, comprimindo a artéria fortemente, o qual resulta em sua completa oclusão. Antes da compressão da artéria, pede-se que o(a) paciente feche a mão com força e, após a compressão, abra-a. Se a artéria ulnar estiver ocluída, a palidez da palma da mão permanecerá. Ao liberar a pressão sobre a radial, a cor rósea da palma da mão volta imediatamente.

A aorta abdominal inicia-se quando atravessa o diafragma. Ela diminui rapidamente de diâmetro ao distribuir sangue aos grandes vasos do abdômen (tronco celíaco, mesentérica superior e vasos renais). Ela deve ser auscultada en-tre o apêndice xifoide e o umbigo. A presença de sopro é mais fácil de se detectar quando o(a) paciente expira forçadamente e o estetoscópio é comprimido sobre o vaso. Na maioria das vezes, a presença de sopro apenas significa que existe turbulência do fluxo sanguíneo causada por placas de arteroma. Não podemos nos esquecer de que em um(a) paciente hipertenso(a), principalmente jovem, poderá haver um estreitamento da artéria renal e a presença de sopro audível sobre a região renal ou abdômen anterior poderá sinalizar a doença.

A importância de palpar a aorta está na procura de um aneurisma. Usando as duas mãos, os dedos se aprofundam na linha média do abdômen e, com o(a) paciente em expiração forçada, mantendo a aorta entre os dedos, estima-se o calibre da artéria. Como regra grosseira, o diâmetro da aorta é igual ao diâmetro do polegar do(a) paciente. A presença de um aneurisma é detectada quando o seu diâmetro alcança duas vezes o normal. A palpação da aorta deve ser rotina no exame físico, principalmente após a idade dos 40 anos.

À altura do umbigo, a aorta se divide em artérias ilíacas comuns e, devido à sua localização mais profunda na pélvis, as artérias ilíacas não são sempre palpáveis, prin-cipalmente no obeso. No entanto, deve-se tentar palpá-las já que, não raramente, podem estar aneurismáticas. As artérias ilíacas têm um comprimento de aproximada-mente cinco centímetros quando se dividem em externas e internas. Os pulsos das ar-térias ilíacas internas não são palpáveis. Todavia, no sexo masculino, pode-se ter uma ideia se pelo menos uma das artérias está pérvia quando o paciente consegue manter a função erétil. As duas artérias ilíacas internas são vasos curtos, de cerca de quatro centímetros de comprimento, que irrigam a musculatura e as vísceras da pelve.

A artéria ilíaca externa é de calibre maior que a interna e dirige-se inferiormen-te pela borda interna do músculo psoas. Ao passar por baixo do ligamento inguinal (Poupart2), é então denominada artéria femoral comum. O pulso deste vaso pode ser palpado equidistante entre a espinha ilíaca ântero-superior e a sínfise púbica.

A artéria poplítea se inicia onde termina a artéria femoral superficial quan-do esta passa pelo forâmen do músculo grande adutor (conhecido como canal de Hunter3). O pulso da poplítea pode ser palpado com o(a) paciente em

1Edgar Van Nuys Allen, 1900-1961. Clínico americano.2François Poupart, 1661-1708. Anatomista francês.3John Hunter, 1728-1793. Anatomista e cirurgião escocês.

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decúbito dorsal, com o joelho um pouco fletido e os dedos das duas mãos, uma de cada lado, pressionando o centro do cavo poplíteo. Outra forma de palpar este mesmo pulso é colocando o(a) paciente em decú-bito ventral com o joelho fletido e a perna apoiada e relaxada sobre o ombro do(a) examinador(a). Não é exatamente fácil conseguir que o(a) paciente relaxe enquanto o(a) examinador(a) usa os segundo, terceiro e quarto dedos para comprimir o vaso contra o fêmur.

O pulso poplíteo é um dos pulsos mais difíceis de palpar. Não é raro que o(a) examinador(a) sinta o seu próprio pulso nas pontas dos dedos. Quando na dúvida, um(a) segundo(a) examinador(a) deve palpar o pulso radial do(a) paciente enquanto o(a) primeiro(a) conta em voz alta: “um, dois, três...”. Se as dúvidas permanecerem, o(a) primeiro(a) examinador(a) deve exercitar-se, para fazer com que o seu próprio pulso acelere e se torne não coincidente com o pulso do(a) paciente.

A artéria poplítea divide-se em tibial anterior e tronco tíbio-fibular, que após alguns centímetros se divide em artéria tibial posterior e fibular. A artéria tibial anterior pode ser palpada no terço distal da perna na loja tibial anterior. Quando chega ao dorso do pé, a tibial anterior passa a ser chamada de artéria pediosa e pode ser palpada lateralmente ao tendão do extensor longo do hálux. O pulso tibial posterior pode ser encontrado equidistante entre o maléolo interno e o tendão de Aquiles.

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No laboratório vascular são realizados testes não invasivos essenciais para complementação propedêutica do exame clínico, possibilitando ao médico assis-tente a definição da doença, bem como a sua localização, extensão e gravidade. Os testes mais utilizados são os fisiológicos, que incluem a pletismografia, o Doppler contínuo e a ultrassonografia dúplex.

Denomina-se pletismografia o procedimento destinado a registrar as varia-ções de volume de segmentos orgânicos, parâmetros que estão diretamente rela-cionados ao enchimento vascular produzido pelo ciclo cardíaco. Em linhas gerais, o pletismógrafo é constituído por uma unidade sensorial, a qual percebe a varia-ção do volume do órgão estudado, um transdutor capaz de transformar a variação de volume em energia elétrica e um registrador que, recebendo as ondas elétricas, mostra de forma gráfica as variações do volume. Há vários tipos de pletismógrafo que diferem entre si quanto ao mecanismo que caracteriza a unidade sensorial, a saber: pletismógrafo que utiliza bolsas de água ou de ar (pneumopletismógrafo), através do uso da reflexão da luz (fotopletismógrafo), através da resistência da corrente elétrica em um tubo elástico preenchido com mercúrio (pletismógrafo de impedância) e outros. Na prática clínica, os pletismógrafos são mais utilizados em pesquisa, para estudos hemodinâmicos da circulação arterial e venosa.

Para a determinação do fluxo sanguíneo, utiliza-se o efeito Doppler4, cujo alvo é representado pelas hemácias. Um transdutor é aplicado sobre a pele e emite ondas sonoras com frequência conhecida. Quando esta onda bate em um obje-to em movimento, é refletida com uma variação no comprimento de onda (ou inverso da frequência). Se o fluxo segue em direção ao transdutor, a frequência refletida pelos eritrócitos é maior que a emitida, e quando segue em direção con-trária ao transdutor, a frequência é menor. A variação da frequência é diretamente proporcional à velocidade de fuga ou aproximação do eritrócito em relação ao transdutor.

O Doppler contínuo utiliza dois tipos de cristais no transdutor, um dos quais emite continuamente feixes de ondas sonoras e o outro recebe as ondas refletidas

Laboratório Vascular Sandra Aparecida Ferreira Silveira2Capítulo

4Johann Christian Andreas Doppler, 1803-1853. Físico austríaco.

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também de forma contínua, o que impossibilita a determinação da profundidade do vaso (Figura 1). O Doppler pulsado utiliza sinal elétrico intermitente e um tipo de cristal que ora emite, ora recebe ondas sonoras, o que permite identificar a profundidade do vaso através do tempo entre a emissão da onda sonora e o retorno da onda refletida.

A ultrassonografia dúplex (também conhecida como Ecodoppler, mapeamento dúplex, ou ultrassono-grafia com Doppler colorido) associa a imagem bidimensional (modo B) às formas de ondas obtidas com o Doppler pulsado em tempo real. Nas últimas décadas este exame tem se mostrado um excelente recurso pro-pedêutico vascular (vide figuras e vídeos no CD-ROM).

Os principais estudos realizados no laboratório vascular podem ser divididos segundo o território de aco-metimento das doenças: A) cérebro-vascular com ênfase nos segmentos extracraniano das carótidas, B) arterial periférico, C) aorta abdominal e seus ramos e D) venoso periférico.

A - Estudo cérebro-vascular – carótidas extracranianas.Estudos multicêntricos têm demonstrado benefícios da endarterectomia de carótidas em pacientes sin-

tomáticos e assintomáticos com estenoses críticas. Com o advento da ultrassonografia dúplex, foi possível quantificar o grau de estenose de forma não invasiva, sem contraste, tornando-a essencial para o estudo destes segmentos das artérias carótidas. Além disto, pode-se fazer o seguimento das estenoses, detectar obstruções, tortuosidades e acotovelamento (kinking), aneurismas, dissecção, displasia fibro-muscular e arterites.

O grau de estenose é baseado, principalmente, no critério de velocidades obtidas com o Doppler pulsado no local da mesma.

Nas estenoses sem significado hemodinâmico, menores que 50% em diâmetro, as velocidades sistólicas são menores que 125 cm/seg.

B CAFHM

Figura 1 - Representação esquemática do funcionamento do aparelho de Doppler de ondas contínuas. Em A, quando a onda incide sobre um objeto sem movimento (artéria ocluída), a resposta da onda é de igual frequência, resultando na ausência de som. Quando o objeto se movimenta contra o transdutor (B), a onda retorna com uma frequência maior e quando se movimenta afastando-se do transdutor (C), a frequência de retorno é menor.

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As estenoses hemodinamicamente significativas, de 50% a 70 % em diâme-tro, produzem aumento das velocidades sistólicas maior que 125 cm/seg, mas as velocidades diastólicas são menores que 100 cm/seg.

Três parâmetros, baseados nos critérios de velocidades, definem as estenoses críticas, maiores que 80% em diâmetro:

- pico de velocidade sistólica maior que 250 cm/seg

- velocidade diastólica final maior que 100 cm/seg

- razão entre as velocidades de pico sistólicas no local da estenose e na artéria carótida comum maior que quatro.

Este estudo pode ser inconclusivo quando a placa é calcificada e produz sombra acústica, nas bifurcações altas, pescoço curto e quando o paciente não co-opera com o estudo. Nestes casos, a angioressonância é o exame mais indicado.

Com a ultrassonografia dúplex também é possível realizar acompanhamen-to pós-endarterectomia ou colocação de stent, assim como estudar os segmentos iniciais das artérias subclávias e vertebrais.

B - Estudo arterial periféricoOs sinais e sintomas de insuficiência arterial periférica são decorrentes da

diminuição de fluxo e pressão, que pode ocorrer em repouso ou com exercício. Existem várias modalidades de testes que se aplicam na avaliação da doença arte-rial, entretanto abordaremos aqueles que são mais utilizados na prática clínica.

1) Medida do índice tornozelo-braçoEsta medida é bastante utilizada na avaliação fisiológica dos pacientes com

insuficiência arterial periférica. A medida da pressão nos membros inferiores é realizada colocando-se um manguito pneumático em torno do terço distal das pernas e este deverá ser insuflado até a pressão supra sistólica. A pressão sistólica é determinada quando o fluxo aparecer nas artérias dorsal do pé e tibial posterior enquanto o manguito é desinsuflado, utilizando-se o Doppler contínuo como o detector do fluxo. O índice tornozelo-braço é a razão entre as medidas de pressão no tornozelo e a maior pressão entre os dois braços (Figura 2A). Este índice é nor-mal quando está entre 0,9 e 1,2. Índice menor do que 0,9 é anormal e abaixo de 0,4 está associado à isquemia grave. A principal limitação deste método é a calcifi-cação das artérias tibiais que ocorre nos pacientes diabéticos ou com insuficiência renal submetidos a diálise, elevando falsamente o índice para valores acima de 1,4; pois as artérias tornam-se mais rígidas, ou mesmo incompressíveis.

O Dr. João Potério Filho5 desenvolveu, na Unicamp, método pletismográ-fico para a determinação da pressão arterial nestes pacientes, sem a necessidade de comprimir a artéria que supre o membro, o qual chamou de método pós-capilar.

A medida de pressão pode ser realizada ainda em diferentes segmentos dos membros (tornozelo, perna proximal, coxa distal e proximal), auxiliando na identi-ficação do nível de obstrução arterial (local onde a pressão apresenta queda súbita).

5João Potério Filho, 1937-. Cirurgião vascular, Professor Adjunto da Disciplina de Molés-tias Vasculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universi-dade Estadual de Campinas.

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Braço

Coxa Alta

Coxa Baixa

Perna Alta

Tornozelo

ITB

A

B1

B3

B2 B4

FHM

Figura 2 - Exemplo de exame de Doppler de ondas contínuas com registro gráfico. Em (A) observa-se a medida da pressão sistólica obtida nos diversos segmentos dos membros, de onde se obtém o ITB. Em (B1) e (B2) observa-se curvas trifásicas obtidas nos níveis femoral e tibial posterior do membro inferior direito. Em (B3) e (B4) observa-se curvas monofásicas obtidas nos níveis femoral e tibial posterior do membro inferior esquerdo, em um doente com obstrução da artéria ilíaca comum esquerda.

2) Estudo com o Doppler contínuo e obtenção do padrão de ondaO padrão de onda normal nas artérias dos membros inferiores é trifásico, com a primeira onda, maior,

em direção à periferia (pé), a segunda em direção ao coração e a terceira, novamente em direção ao pé. Na pre-sença de oclusões ou estenoses hemodinamicamente significativas, o padrão de onda nos segmentos distais das artérias acometidas passa a ser monofásico. O padrão de fluxo monofásico apresenta uma única onda de baixa amplitude e de duração prolongada em direção à periferia (Figura 2B). Assim como as medidas de pressão podem ser realizadas nos diferentes segmentos do membro, as curvas também podem ser obtidas das artérias femoral, poplítea, tibial posterior e pediosa.

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3) Medida da pressão digitalEsta medida é realizada utilizando-se um manguito especial alocado no hálux e um pneumopletismó-

grafo. Esta técnica é recomendada nos casos onde as artérias tibiais são incompressíveis. O índice dedo/braço normal é igual a 0,7-0,8.

4) Teste da distância de marcha em esteira motorizadaPara melhor avaliar os pacientes com claudicação intermitente, realiza-se o teste de marcha em esteira

motorizada. Usualmente, a esteira é programada para a velocidade de 3,5 Km/h e com 12% de inclinação. Pode-se ainda realizar o teste com velocidades e inclinações progressivas.

Após a determinação inicial do índice tornozelo-braço, o paciente é solicitado a andar sobre a esteira anotando-se a distância em que se iniciam os sintomas de dor e a distância máxima que o paciente suporta caminhar. Normalmente o teste é limitado a cinco minutos de caminhada.

Neste momento, o paciente é colocado deitado e repete-se a medida de pressão nos braços e tornozelos a cada cinco minutos, de maneira a determinar a pressão mínima atingida e a curva de recuperação até a pressão inicial, anterior ao teste.

Este estudo é muito útil para a avaliação sistemática do resultado de diferentes modalidades de tratamen-to. As maiores limitações deste estudo são os pacientes que apresentam problemas ortopédicos ou limitações neuro, cárdio e respiratórias para a realização da marcha. A tabela 1 apresenta a classificação da doença arterial obstrutiva periférica de acordo com os achados nos exames do Doppler e teste de esteira.

Tabela 1: Classificação da doença arterial obstrutiva periférica de acordo com os valores usualmente encontrados no índice tornozelo-braço e teste de marcha em esteira.

Apresentação Clínica

AssintomáticosClaudicação para longas distâncias

Claudicação moderada

Claudicação para curtas distâncias

Lesão trófica menorLesão trófica maior ou dor em repouso

Obstrução arterial aguda

ITB

0,7 - 0,9~0,7

0,5 – 0,7

0,3 – 0,5

0,3 – 0,5< 0,4

0

Teste de marcha

Completa o testeCompleta ou não o teste, queda do ITB < 50% do valor ini-cial. Recuperação da pressão em menos de cinco minutos

Não completa, queda do ITB > 50% do valor inicial. Recuperação da pressão em menos de cinco minutos

Não completa, pressão absoluta de tornozelo < 50 mmHg ao final do teste e não consegue recuperar a pressão em menos de cinco minutos

Não se realiza o testeNão se realiza o teste

Não se realiza o teste

5) Ultrassonografia dúplexÉ utilizada para mapear o sistema arterial de membros inferiores e pode fornecer informações a respeito

do diâmetro das artérias, presença de estenoses e/ou obstruções, bem como as suas localizações e comprome-timento hemodinâmico.

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Moléstias Vasculares20

Laboratório Vascular Sandra Aparecida Ferreira Silveira

O estudo se divide em dois segmentos, o aorto-ilíaco e o infrainguinal, que compreende as artérias fe-morais comum, superficial e profunda, poplítea, tronco tíbio-fibular, tibiais anteriores e posteriores, fibulares e dorsais do pé.

Os critérios para definir estenoses hemodinamicamente significativas (> 60%) são baseados no aumento da velocidade sistólica no local da placa, que excede em 2,5 vezes a velocidade no segmento da artéria sem estenose e no padrão de fluxo nas artérias distais. Um ultrassonografista experiente também pode estimar o grau de estenose baseado no estudo bidimensional com Doppler colorido.

A obstrução arterial é definida quando não há sinal Doppler no segmento em estudo e o padrão de fluxo nas artérias distais torna-se monofásico.

O mapeamento arterial deve sempre ser complementado com o índice tornozelo-braço.

O estudo ultrassonográfico arterial pode definir outras doenças além da aterosclerose, como: aneurismas, pseudoaneurismas, displasia fibromuscular, tumores ou malformações, aprisionamento e compressão, e doença cística da adventícia.

Outra aplicação importante deste estudo é no seguimento dos enxertos e tratamentos endovasculares, uma vez que ele pode ser repetido muitas vezes, pois não necessita de contraste.

C – Estudo da aorta abdominal e seus ramosA ultrassonografia é o estudo que inicia a investigação das doenças aorto-ilíacas. Os objetivos deste estu-

do são: identificar estenose, obstrução, aneurisma e dissecção, e quantificar o grau de estenose.

A quantificação do grau de estenose é baseada nas velocidades sistólicas e diastólicas obtidas no local da estenose e na razão entre a velocidade de pico sistólica na estenose e no segmento arterial normal.

As maiores limitações deste estudo são: obesidade, excesso de gases intestinais, abdômen volumoso, cirurgia abdominal recente ou ferimento aberto.

Artérias mesentéricas e tronco celíacoOclusão e/ou estenose de artérias mesentéricas e tronco celíaco podem ser detectadas com a ultrasso-

nografia dúplex. Velocidades de pico sistólica > 275 cm/seg e > 200 cm/seg sugerem estenoses maiores que 70% nas artérias mesentéricas e tronco celíaco, respectivamente. Entretanto, estes critérios isoladamente não definem isquemia mesentérica.

O estudo da artéria mesentérica inferior é difícil e muitas vezes não é possível visualizá-la.

Artérias renaisA ultrassonografia dúplex está sendo utilizada com sucesso na avaliação dos pacientes com suspeita de

estenose das artérias renais e na seleção de casos com indicação de arteriografia e revascularização renal.

Os critérios ultrassonográficos para definição de estenose hemodinamicamente significativa (> 60%) são: velocidade de pico sistólica maior que 180 cm/seg e índice velocidade sistólica na artéria renal e na aorta maior que 3,5.

Na oclusão da artéria renal, não se detecta sinal Doppler (velocidade ausente) na artéria e o tamanho renal é menor que 9 cm.

Outras doenças como displasia fibromuscular e aneurismas também podem ser detectados pela ultrassonografia.

As limitações deste exame são: obesidade, presença excessiva de gases intestinais, variações anatômicas da vascularização renal, insuficiências cardíacas e respiratórias graves.

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Laboratório Vascular Sandra Aparecida Ferreira Silveira

D - Estudo venoso periféricoO estudo venoso periférico divide-se em duas principais avaliações, cujos

objetivos são estudar trombose venosa profunda e insuficiência venosa crônica.

Trombose venosa profundaA ultrassonografia dúplex é o melhor exame inicial para avaliação da trom-

bose venosa profunda. Vários segmentos venosos podem ser estudados, como: veia cava inferior, veias ilíacas comuns e externas, femorais comuns, superficiais e pro-fundas, poplíteas, tibiais posteriores, fibulares e veias musculares da panturrilha. As veias dos membros superiores também podem ser estudadas.

Com a ultrassonografia em modo B, as veias normais dos membros inferio-res são compressíveis com a pressão do transdutor. Veias que apresentam trombose recente apresentam diâmetro aumentado em relação ao segmento sem trombose e são incompressíveis (Vide CD-ROM).

Com o estudo Doppler as veias normais acima da região poplítea apresen-tam três características (Figura 3A):

- fluxo fásico com respiração (aumenta com a expiração e diminui na ins-piração, em virtude do aumento da pressão abdominal com a inspiração, que dificulta o retorno venoso para a veia cava inferior).

- não apresenta fluxo retrógrado (refluxo) com manobra de Valsalva6.

- fluxo aumenta com a compressão distal e descompressão proximal.

Quando um segmento venoso está trombosado, não apresenta fluxo ao es-tudo com o Doppler. O segmento venoso distal à oclusão apresenta fluxo contí-nuo ou pouco responsivo com a respiração, e o proximal não apresenta aumento do fluxo ou é mínimo com a compressão distal (Figura 3B).

O estudo com a ultrassonografia dúplex nas tromboses não oclusivas, mos-tra que a veia é parcialmente compressível com o transdutor. O estudo do fluxo em cores com o Doppler mostra fluxo parcial na veia.

Em pacientes com dor e edema de membro inferior, outras alterações que mimetizam clinicamente trombose venosa profunda podem ser encontradas à ultrassonografia dúplex: hematoma intramuscular, seroma, cisto de Baker, aneuri-mas, linfedema e tumores comprimindo as veias entre outras.

As tromboses venosas nas veias superficiais dos membros também podem ser estudadas e os objetivos são: avaliar se já existe comprometimento das veias do sistema profundo, a sua relação com as junções safeno-femoral e safeno-poplítea, e perfurantes.

Insuficiência venosa crônicaA ultrassonografia dúplex é o estudo atualmente mais utilizado na avaliação

de pacientes com insuficiência venosa crônica. Existem dois tipos de estudos que tem objetivos diferentes: Síndrome pós-trombose e varizes.

Na Síndrome pós-trombose, a ultrassonografia em modo B e com Doppler colorido pode detectar os segmentos venosos que estão obstruídos e os parcial-mente ocluídos. Com Doppler pulsado detecta-se refluxo devido à insuficiência

6Antonio Maria Valsalva, 1666-1723. Anatomista italiano. Descreveu a manobra de Valsalva para a insuflação do ouvido médio.

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valvular. O teste de refluxo deve ser sempre realizado com paciente em posição ortostática e com as manobras de Valsalva e compressão distal. Refluxo é considerado presente quando o fluxo reverso em direção ao pé tem duração > 1 seg para as veias do sistema profundo.

O mapeamento pré-operatório de varizes com a ultrassonografia dúplex tem sido uma ferramenta prope-dêutica indispensável. O estudo deve ser realizado em posição ortostática. Os objetivos são: estudar o sistema pro-fundo para definir se as varizes são secundárias, medir os diâmetros transversos das veias safenas magnas e parvas em vários níveis, mapear os segmentos com refluxo, localizar as fontes de refluxo e as perfurantes insuficientes.

O refluxo das veias safenas é obtido com o Doppler pulsado e é considerado presente quando o tempo do fluxo retógrado excede 0,5 seg.

A fotopletismografia é outra técnica não invasiva que pode ser utilizada para caracterizar insuficiência ve-nosa. A luz é emitida por um diodo, quase sempre de luz infravermelha, e é captada por uma célula fotoelétrica. O transdutor é alocado na perna e mede a variação de volume de sangue nos capilares, pela reflexão da luz, numa pequena área de pele. O nível do refluxo é determinado com o uso de torniquetes em áreas específicas da perna.

Figura 3 - Resposta normal (A) e alterada na trombose venosa profunda (B) ao estudo com o Doppler de ondas contínuas. Do lado esquerdo dos desenhos, a manobra realizada e, do lado direito, a curva de veloci-dade do sangue obtida com o estudo pelo Doppler (c = compressão e r = relaxamento). Em A1, durante o estudo da veia femoral comum, observa-se fluxo que oscila com os movimentos de inspiração e expiração pulmonar. Em A2 observa-se o aumento do fluxo na veia femoral comum ao se comprimir a panturrilha. Em A3 observa-se a interrupção do fluxo ao se comprimir a veia ilíaca externa e o aumento do fluxo ao se liberar a mesma. Em B1 observa-se ausência de fluxo ao se avaliar a veia femoral superficial (ou poplítea se esta também estiver obstruída). Em B2 observa-se som contínuo e de baixa intensidade ao se estudar a veia femoral comum e fluxo venoso contínuo e aumentado na veia safena interna, que é sinal desta estar sendo requisitada como via colateral para o retorno sanguíneo. Em B3 observa-se ausência do fluxo, ou aumento muito pequeno do mesmo, quando se estuda a veia femoral e realiza-se a compressão da panturrilha.

0

A1

0

cr

A2

0

c

rA3FHM

0

B1

0

B2

0

c

c

r

r

B3 1

2

1

2

FHM

A pneumopletismografia é uma técnica capaz de medir o refluxo venoso, a capacidade da bomba venosa da panturrilha e determinar se existe ou não obstrução venosa. Uma câmara tubular de ar envolve a perna do joelho até o tornozelo e está conectada a um transdutor de pressão. As medidas de volume na perna são feitas com o paciente deitado, em posição ortostática e após realizar movimentos de flexão com os pés.

Além das técnicas abordadas anteriormente, com ênfase na ultrassonografia dúplex, é importante salientar que outras técnicas não invasivas estão se destacando na propedêutica vascular, como a ressonância magnética e a tomo-grafia computadorizada. Estas modalidades, no entanto, dão ênfase ao estudo da anatomia e não à função, sendo melhores descritas no capítulo referente à angiografias.

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Moléstias Vasculares 23

IntroduçãoApesar da história clínica e do exame físico bem feitos permanecerem

como a chave para o diagnóstico na maioria das doenças vasculares, deve-se es-tar atento às suas limitações. Só para se ter uma ideia, aproximadamente metade dos pacientes com doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) são assintomá-ticos, principalmente nos estágios iniciais da doença. Por isso, são necessários métodos objetivos, de preferência não invasivos, para o manejo correto das mo-léstias vasculares.

Assim, os exames complementares são essenciais na avaliação do nível de obstrução, da gravidade do caso e também do prognóstico. Eles fornecem uma noção mais precisa das chances de sucesso com as diversas possibilidades de tra-tamento hoje existentes. Exames considerados minimamente invasivos, como a angiorressonância e a angiotomografia, têm diminuído significativamente a necessidade da angiografia, que ainda é considerada o padrão-ouro para grande parte dos diagnósticos em cirurgia vascular.

Por outro lado, os conceitos endovasculares estão renovando o tratamento das doenças vasculares. Devido ao seu potencial de soluções mais simples e de baixa morbidade, os procedimentos endovasculares vêm sendo cada vez mais utilizados nos desafios clínicos, habitualmente complexos, que são próprios da especialidade.

UltrassonografiaA ultrassonografia dúplex é um exame totalmente não invasivo, de gran-

de valor no estudo hemodinâmico e das alterações anatômicas da circulação arterial e venosa. Com um examinador experiente, possui alta sensibilidade e alta especificidade na detecção de estenoses significativas e oclusões completas na maioria das artérias. Atualmente é empregado não só no diagnóstico, mas também pode ser usado durante os procedimentos endovasculares e, principal-mente, durante o seguimento (vide capítulo 2).

Angiografias e Técnicas Endovasculares

3Capítulo

Charles Angotti Furtado de Medeiros

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Moléstias Vasculares24

Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

A ultrassonografia intravascular (IVUS em inglês) é um método invasivo de avaliação da parede dos vasos sanguíneos. Exige a introdução de um trans-dutor com altíssima frequência posicionado na ponta de um cateter, através da punção normalmente realizada para as arteriografias e procedimentos endovas-culares. O exame de IVUS fornece informações muito precisas sobre a espessura e o tipo de placa de ateroma localizada na parede arterial, assim como do calibre do vaso, auxiliando no posicionamento e grau de expansão de balões e endopró-teses durante a angioplastia. Também é útil para a localização do local correto para a liberação de endopróteses na correção de aneurismas, assim como a loca-lização de vazamentos ao redor das mesmas. A limitação do exame atualmente é o alto custo do equipamento e dos catéteres que carregam os transdutores, estando disponível em poucos serviços no Brasil.

AngiorressonânciaAtualmente, o estudo da circulação arterial e venosa pode ser realizado

por meio da angiorressonância tridimensional. Durante o exame, é necessário o uso de contraste paramagnético para melhor definição do sistema vascular. O contraste mais utilizado é o gadolínio, que apresenta a grande vantagem de ser menos nefrotóxico7, ao contrário dos contrastes iodados utilizados normalmen-te nas tomografias e nas angiografias.

No geral, a angiorressonância possui alta sensibilidade (90-95%) e boa especificidade (85-97%) que variam, principalmente, conforme a região ana-tômica a ser estudada. Nos pacientes com doença cérebro-vascular, este exame tem a vantagem de estudar com precisão a circulação intracraniana e ainda fazer cortes axiais do cérebro em uma mesma sessão.

Deve-se ter cuidado na interpretação dos exames, pois a angiorressonân-cia pode superestimar as estenoses e muitas vezes é difícil distinguir entre uma estenose significativa e uma oclusão completa. Este fenômeno acontece devido ao efeito da defasagem do contraste nas imagens adquiridas. Outras limitações importantes são: a incapacidade de demonstrar a calcificação da parede arterial, a presença de marcapasso e de clipes metálicos, pacientes que sofrem de claus-trofobia e o custo elevado.

AngiotomografiaCom o advento da tomografia computadorizada helicoidal e a elaboração de

protocolos específicos para infusão de contraste, é possível realizar a aquisição de imagens axiais da aorta e das artérias das extremidades em menos de um minuto. Com o uso de processadores sofisticados, a reconstrução tridimensional das ima-gens gravadas é feita com altíssima fidelidade. Comparada com a ressonância, a angiotomografia tem a desvantagem da exposição à radiação e do uso de contraste nefrotóxico. Contudo, ela é muito mais rápida, não apresenta as mesmas limita-ções descritas anteriormente e possui acurácia diagnóstica muito semelhante.

AngioscopiaA angioscopia oferece a oportunidade de examinar diretamente a luz vas-

cular. Por meio de um microendoscópio, é possível inspecionar a superfície in-terna da camada íntima e observar os detalhes intraluminais dos vasos. Exige, no entanto, que a circulação seja interrompida no segmento a ser estudado e a

7Nota do editor: volumes maiores do que 0,3 mmol/kg peso parecem ser nefrotóxicos para pacientes com prejuízo da função renal pré-existente, podendo levar a insuficiência renal aguda, principalmente em diabéticos.

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Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

luz vascular seja preenchida com líquido transparente, aumentando o aporte de fluido para o paciente. A angioscopia é particularmente sensível para detectar a formação de trombos e retalhos da camada íntima vascular, como no caso de controle das endarterectomias de carótida, e na preparação da veia safena inter-na in situ para as revascularizações distais. Pode também ser usada para avaliar os resultados das revascularizações de membros e das angioplastias. É um exame pouco utilizado, porque além das fibras ópticas serem caras e de curta durabili-dade, traz informações limitadas. A real significância das imagens é difícil de ser interpretada durante os procedimentos cirúrgicos e endovasculares.

AngiografiasOs fundamentos da angiografia foram desenvolvidos com a descoberta

dos raios X por Röntgen8 em 1895. Entretanto, as técnicas rudimentares da arteriografia e da flebografia eram usadas raramente, até a introdução dos meios de contraste iodados e o desenvolvimento de técnicas mais modernas de catete-rização. Ainda assim, a verdadeira revolução no campo da angiografia apareceria somente após a aplicação do conceito da subtração digital computadorizada e da descrição por Seldinger9, em 1953, do método percutâneo para a colocação do cateter sobre fio guia metálico (Figura 1).

Para um estudo apenas diagnóstico, as injeções de contraste nos tron-cos vasculares principais devem preceder o cateterismo seletivo. Quase todos os contrastes modernos são derivados de compostos iodados. Eles são utilizados pela capacidade que os átomos de iodo possuem na absorção de grandes quan-tidades de raios X. O dióxido de carbono (CO2) é outro contraste que pode ser utilizado e tem gerado interesse graças à sua baixa morbidade. O gadolíneo também pode ser utilizado como contraste para a realização de arteriografias di-gitais, mas para se obter imagens satisfatórias, grandes volumes são necessários, perdendo-se a vantagem da baixa nefrotoxicidade.

As reações adversas associadas à administração dos contrastes podem ser fisiológicas, quimiotóxicas ou anafilactoides. As reações fisiológicas geralmente são brandas e incluem calor e dor no local da injeção, náuseas e vômitos. Os efeitos químicos dos contrastes são a cardiotoxicidade, a neurotoxicidade e a nefrotoxicidade, sendo esta última a mais relevante. Os contrastes iodados são excretados quase que exclusivamente por via renal e o mecanismo da nefropatia é a redução do fluxo sanguíneo renal associada a lesões glomerulares e tubulares diretas. As reações anafilactoides são imprevisíveis e potencialmente fatais, mas felizmente não ocorrem com grande frequência. Sua patogenia é de caráter imu-nológico e envolve liberação de histamina, ativação do complemento e reações do tipo antígeno-anticorpo.

Os fios guias e os catéteres são a base da arteriografia seletiva e da cirurgia en-dovascular. O conhecimento deste material é extremamente importante, pois exis-tem variações no diâmetro, no comprimento, na flexibilidade e, principalmente, no formato que determina a sua função. Apesar destas inúmeras características, a maioria dos procedimentos pode ser realizada usando apenas alguns tipos.

Assim, para se realizar uma angiografia, o primeiro ponto é a escolha do local de acesso e a punção. Após a passagem do fio guia, o próximo passo é a passagem do cateter sobre este fio guia até o local anatômico exato onde será efetuada a injeção do meio de contraste.

8Wilhelm Conrad Röntgen, 1845-1923. Físico alemão.9Sven-Ivar Seldinger, 1921-1998. Radiologista sueco.

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Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

Técnicas EndovascularesA Angioplastia Transluminal Percutânea (ATP) consiste no uso de balão para a dilatação de lesões este-

nóticas (Figura 2). Um fio guia adequado é utilizado para atravessar a área de estenose. Em seguida, o balão é avançado delicadamente sobre o fio guia até o local exato antes de ser insuflado. O mecanismo envolve a insuflação de um balão com seringa manômetro, causando compactação e fraturas da placa naquele segmento, o que possibilita a distensão do vaso e aumento subsequente no diâmetro da luz. Ao final, o balão é esvaziado e retirado com cuidado. Uma angiografia de controle é realizada para ser ter ideia do resultado obtido.

Geralmente é seguido o caminho mais curto entre o sítio de punção e a lesão alvo, eventualmente, a abordagem contralateral é preferida. E em alguns casos faz-se necessária dupla punção.

Figura 1 - Técnica descrita por Seldinger para a colocação percutânea de um cateter plástico dentro da luz vas-cular. Esta técnica permite a utilização de uma agulha metálica fina (A) para realizar a punção, que desta forma se torna mais segura e com menor risco caso outras estruturas sejam inadvertidamente puncionadas. A seguir por esta agulha se introduz um fio guia metálico (B), a agulha é retirada (C e D) e, utlizando-se o fio metálico como guia, um cateter plástico de grosso calibre pode ser seguramente introduzido dentro da luz vascular (E e F). Por último retira-se o dilatador de dentro do cateter plástico de grosso calibre (G). O fio guia permanece dentro da luz para auxiliar na introdução de catéteres angiográficos diagnósticos ou terapêuticos (H).

A

B

C

D

E

F

G

H FHM

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Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

Figura 2 - Técnica de angioplastia com balão (coluna da esquerda). A angioplastia pode ser realizada com a liberação simultânea de um stent, sendo demonstrado neste caso um stent que é dilatado pelo próprio balão de angioplastia, já estando montado sobre o mesmo (coluna da direita). Em (A) é passado um fio guia através da lesão. A seguir um balão de angioplastia é avançado cuidadosamente até a região a ser tratada (B). O balão é insuflado com auxílio de uma seringa acoplada a um manômetro (geralmente a uma pressão acima de 10 atmosferas) (C) compactando a placa de ateroma. Por último retira-se o cateter balão de angioplastia (D).

A

B

C

D FHM

O stent é um dispositivo cilíndrico que pode ser implantado na luz vascular por via percutânea, também conhecido como endoprótese não revestida. Ele é destinado a resistir às forças intrínsecas e extrínsecas que levam ao colapso dos vasos e, assim, preservar o fluxo sanguíneo. Basicamente existem dois tipos de stents intravasculares disponíveis: balão-expansível e autoexpansível. O stent balão-ex-pansível é feito de metal (aço inoxidável) e vem montado num balão de ATP. O stent autoexpansível é feito de liga metálica (nitinol) e vem montado dentro de um cateter retrátil (Figura 3). Ambos apre-sentam vantagens e desvantagens e a escolha entre um ou outro depende também da região anatômica a ser tratada (Tabela 1).

Eles podem ser usados primariamente ou seletivamente conforme o resultado da angioplastia. As indicações clássicas da colocação de stents incluem: dissecção, estenose residual > 30%, gradiente de pressão intra-arterial entre a porção proximal e distal à área dilatada > 10 mmHg, no tratamento da oclusão comple-ta e quando ocorre o retorno elástico da placa para o calibre inicial do vaso (recoil). As indicações relativas seriam: a prevenção de embolização por placa ulcerada e estenoses muito longas.

Os stents revestidos, também conhecidos como endopróteses, são usados principalmente na exclusão dos aneurismas verdadeiros da aorta torácica, abdominal e periféricos. Outra aplicação é no tratamento dos traumas vasculares, iatrogênicos ou não, como correção das perfurações, dos pseudoaneurismas e das fístulas arteriovenosas.

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Moléstias Vasculares28

Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

Tabela 1 - Vantagens e desvantagens dos Stents.

Tipo

Mecanismo de liberação

Encurtamento

Precisão

Flexibilidade

Força Radial

Melhores Indicações

Balão-expansível

Insuflação do balão

Mínimo

Alta

Baixa

Alta

Lesões curtas

Muita calcificação

Lesões ostiais

Autoexpansível

Retirada da bainha

Variável

Baixa

Alta

Baixa

Lesões longas

Vasos tortuosos

Acesso contralateral

Figura 3 - Téncica de angioplastia com utilização de filtro de proteção e um stent autoexpansível, o qual é dilatado após a sua liberação no local doente da artéria. Aspecto inicial da lesão na bifurcação carotídea (A). Passagem do filtro de proteção embólica distal (B). Passagem do cateter de liberação do stent pela lesão (C). Liberação do stent pela retirada da bainha protetora do cateter de liberação (D). Uma vez o stent bem posicionado (E), é avançado o balão de angioplastia (F) e realizada a insuflação do mesmo para dilatar a estenose arterial (G). Para finalizar retira-se o cateter de angioplastia (H) e recolhe-se o filtro de proteção embólica (I). Aspecto final (J).

A B C D E

F G H I JFHM

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Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

ComplicaçõesOs procedimentos endovasculares, como qualquer outra modalidade terapêutica, não estão isentos

de complicações. Assim, a abordagem percutânea para o tratamento da doença coronariana, da doença arterial periférica e da doença cérebro-vascular, resulta num aumento da incidência de complicações arteriais e venosas pós-cateterismo, o que torna crescente a proporção das lesões iatrogênicas na epide-miologia do trauma vascular.

O risco e a gravidade das complicações variam enormemente de acordo com o local escolhido para pun-ção, o tamanho dos catéteres utilizados, a existência de doença concomitante e a experiência do serviço. Mas, no geral, são mais raras nos exames puramente diagnósticos em relação aos procedimentos terapêuticos, devido ao calibre do material utilizado e ao tempo em que o vaso permanece cateterizado. As complicações mais sérias correspondem a quase metade do total e ocorrem em aproximadamente 5% dos procedimentos terapêuticos.

As complicações mais simples, como um pequeno hematoma ou uma leve infecção, são facilmente tra-tadas. Entretanto, algumas das complicações são difíceis de resolver, pois necessitam de correção em caráter de urgência e frequentemente acontecem em pacientes críticos, que não dispõem de avaliação pré-operatória adequada. Outra preocupação aqui presente é a distorção das estruturas anatômicas, que dificulta uma rápi-da exposição e aumenta o risco de lesões adicionais indesejadas, bem como a incidência de infecção.

Complicações do local de acesso e embolização distal são as mais comuns enquanto que perfuração, dissecção com oclusão, fragmentação de catéteres e migração de stents são mais raras (Tabela 2). As compli-cações do local de acesso incluem: sangramento, pseudoaneurisma, fístula arteriovenosa (FAV), dissecção e infecção. O hematoma retroperitoneal é um tipo à parte de sangramento que ocorre em menos de 0,5% dos procedimentos. É uma complicação grave, em geral devido à punção inadvertida da artéria ilíaca externa.

O pseudoaneurisma decorre do extravasamento de sangue através do orifício da punção na parede arterial para os tecidos adjacentes. É constituído de uma cápsula fibrosa que, devido à comunicação direta com a luz arterial, forma uma massa pulsátil junto ao local de acesso. Pseudoaneurismas pequenos resolvem espontaneamente e não requerem tratamento a não ser que sejam sintomáticos. A conduta inicial consiste em repouso e repetir o mapeamento dúplex em três semanas, enquanto que a compressão guiada por US é a primeira escolha no tratamento dos pseudoaneurismas maiores e/ou sintomáticos. A técnica envolve posicionar o transdutor imediatamente acima do orifício e comprimir até a interrupção do fluxo, man-tendo-o assim por dez a 30 minutos. A cirurgia está reservada para os casos de rotura, pacientes obesos, pseudoaneurismas grandes, na vigência de anticoagulação ou no insucesso da compressão guiada por US. Outras modalidades mais recentes de tratamento incluem: a injeção de trombina, a embolização com mola e a colocação de stent revestido.

A FAV é o resultado da punção inadvertida da artéria e da veia adjacente durante o acesso. Há presença de frêmito no local de acesso e sopro contínuo com reforço sistólico durante a ausculta. O diagnóstico é facilmente comprovado pela ultrassonografia. Via de regra, a comunicação entre a artéria e a veia é de pe-quenas dimensões e, portanto, a maioria irá fechar espontaneamente dentro de seis semanas.

A lesão da íntima, geralmente secundária a uma dissecção, favorece a formação da trombose arterial. O quadro clínico e o tratamento são semelhantes àqueles da oclusão arterial aguda. O prognóstico é extre-mamente variável, e depende dos mecanismos de compensação, tempo de isquemia, presença de circulação colateral e extensão da trombose.

A embolização distal é desencadeada pela fragmentação de placas ateroscleróticas durante a passagem dos fios guias e dos catéteres utilizados. A microembolização ocorre frequentemente, mas só é detectada raramente. Entretanto, dependendo do órgão-alvo (cérebro, rim), pode ter consequências catastróficas. O mais importante é prevenir o seu acontecimento com treinamento adequado e manipulação delicada dos instrumentos. Nas angioplastias de carótida está indicado o uso de dispositivos de proteção cerebral (filtros e balões de oclusão) e o uso de antiagregantes plaquetários para diminuir tais complicações. A macroem-bolização também é comum. Várias manobras podem ser realizadas, dependendo de cada caso, e incluem: aspiração, trombectomia mecânica, angioplastia, trombólise e cirurgia.

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Angiografias e Técnicas Endovasculares Charles Angotti Furtado de Medeiros

A trombose venosa profunda é caracterizada pela presença de trombo intravenoso junto ao sítio de pun-ção associada à lesão da parede venosa, mas que raramente obstrui totalmente a luz da veia. É pouco frequente e tem seu risco aumentado quando houver múltiplas punções ou com a utilização de catéteres mais calibrosos.

A neuralgia femoral é determinada por trauma direto na punção ou distensão das fibras nervosas pelo hematoma. Causa dor e/ou parestesia da região inguinal que irradia para a face medial da coxa e joelho. O diagnóstico é clínico e a evolução, extremamente variável. Nos casos muito sintomáticos, é recomendada a administração oral de estabilizadores de membrana neuronal, como por exemplo, a carbamazepina.

As fístulas linfáticas são raras e resultam do trauma direto dos vasos linfáticos. Podem ocorrer a drena-gem contínua de secreção linfática ou a presença de abaulamento sem sinais flogísticos próximo ao local de acesso. O tratamento consiste em curativo compressivo e repouso.

A infecção no local da punção é pouco frequente, mas potencialmente grave. Os organismos típicos são Staphyloccoccus aureus e Staphyloccoccus epidermidis. O tratamento consiste em antibioticoterapia e, se necessário, exploração cirúrgica e debridamento. Pode se sobrepor a um pseudoaneurisma e/ou a uma fístula linfática preexistentes.

Tabela 2 - Frequência das Complicações Importantes.

Mais comuns

Pseudoaneurisma

Trombose arterial

Embolização distal

Sangramento

Fístula arteriovenosa

Menos comuns

Trombose venosa profunda

Lesão neurológica

Lesão linfática

Corpo estranho

Perfuração

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Pontos Essenciais no Diagnóstico• Doença sistêmica (mecanismo de “envelhecimento” do sistema arterial)• Acomete territórios cerebral, coronariano, vascular periférico e renal• Forte associação com fatores de risco: tabagismo, diabetes melito, au-

mento dos lípides e hipertensão arterial.

Considerações GeraisDiversos trabalhos mais modernos têm demonstrado que a aterosclerose é uma

doença inflamatória por natureza. As lesões da aterosclerose ocorrem nas artérias de grande e médio calibre e podem causar isquemia do coração, cérebro e extremidades.

A aterosclerose está associada a diversos fatores de risco. O principal deles é o tabagismo. A nicotina é uma forte causadora de dependência física, produzindo sin-tomas de abstinência na sua retirada. Usuários de tabaco têm duas vezes mais risco de morte por doença cardíaca, duas a três vezes maior risco de acidente vascular ce-rebral e dez vezes mais risco de câncer de pulmão, sem levar em consideração o risco de câncer bucal, laringe, esôfago e bexiga. Aumenta a incidência de enfisema pul-monar, osteoporose e úlcera péptica. Em média os fumantes morrem entre cinco e oito anos mais cedo do que não fumantes. São descritos cinco atitudes para auxiliar os fumantes a parar de fumar: 1) sistematicamente perguntar pelo uso do cigarro em toda consulta. 2) recomendar veementemente em toda consulta que o paciente pare de fumar. 3) perguntar a cada paciente se ele quer parar de fumar naquele momento. 4) orientar estratégias para a cessação do tabagismo: o paciente deve escolher uma data e preparar os familiares e o ambiente para tal, removendo todo cigarro e revendo as tentativas antigas, para evitar o que causou o retorno ao hábito de fumar. Deve-se estimular o uso de nicotina em outras formas, como na forma de adesivos, cuja duração de uso não deve exceder oito semanas e as doses devem ser progressivamente reduzidas; de goma de mascar com nicotina, cuja dose deve ser 2 mg (máximo de 30 tabletes ao dia) para pacientes que fumam menos de um maço ao dia e 4 mg (máximo de 20 tabletes ao dia) para pacientes que fumam mais de um

Aterosclerose e Dislipidemia

4Capítulo

John Cook Lane eFábio Hüsemann Menezes

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Aterosclerose e Dislipidemia John Cook Lane e Fábio Hüsemann Menezes

maço ao dia. A goma deve ser mantida na cavidade oral por 30 minutos para permitir a absorção da nicotina e a duração do uso da goma em geral é de alguns meses. Outro recurso é o uso de Bupropion (Zyban plus®) de libe-ração lenta, um antidepressivo atípico que parece atuar no sistema da Dopamina e cujo efeito é diminuir o desejo de fumar. É utilizado na dose de 150 mg ao dia por três dias e, após, 150 mg duas vezes ao dia. Deve-se parar de fumar após sete dias de uso da medicação, a qual deve ser mantida por 12 semanas. A abstinência deve ser total, outros membros da família não devem fumar e não se deve consumir bebidas alcoólicas. 5) Um retorno à consulta deve ser marcado brevemente e o paciente elogiado pelo sucesso e reiterando o esforço em manter o tratamento. Caso o paciente não consiga atingir o objetivo, pode-se procurar auxílio de clínicas especializadas.

Das várias causas que podem produzir aterosclerose, o aumento do colesterol é um dos mais importantes. Esta gordura é encontrada no plasma sanguíneo e em todas as células do nosso organismo, fazendo parte das membranas celulares, dos hormônios esteroides, da bile e um dos principais componentes das placas de ateroma encontradas nas artérias coronárias, carótidas e periféricas. Os dois principais lípides do organismo são o colesterol e o triglicéride. Eles são carregados por lipoproteínas, que são partículas globulares que contém apoproteínas. As lipoproteínas são classificadas de acordo com a sua densidade, dependendo da quantidade de triglicérides (que as torna menos densas) e de apoproteínas (que as deixa mais pesadas). As menos densas de todas são chamadas de quilomícron e são percebidas no sangue após uma dieta rica em gorduras. Quando o soro é centrifugado, sepa-ram-se três outros tipos de lipoproteínas: uma de alta densidade (HDL – high density lipoprotein), que basicamente consiste em apoproteínas e colesterol. Uma de densidade baixa (LDL – low density lipoprotein), que carrega a maior parte do colesterol circulante. E uma de densidade muito baixa (VLDL – very low density lipoprotein), que carrega grande quantidade de triglicérides. Os quilomícrons são completamente metabolizados, transferindo a energia para músculos e células gordurosas. O VLDL é sintetizado pelo fígado a partir dos seus próprios estoques de gordura e carbohidratos, transferindo a seguir o triglicéride para os tecidos. Quando perdem suficiente quan-tidade de triglicérides, transformam-se em LDL que irá fornecer o colesterol para os tecidos. O excesso de LDL é captado pelo fígado e excretado como bile. O HDL é sintetizado pelo fígado e intestinos e funciona como um facilitador do transporte de apoproteínas entre as lipoproteínas. Elas também participam do transporte reverso do colesterol, retirando-o das outras lipoproteínas e entregando ao fígado. O colesterol vem de duas fontes. É produzido principalmente pelo fígado (endógeno) e em alimentos animais (exógeno), tais como carnes, aves e peixes, os quais têm geralmente menos colesterol do que outras carnes. Alimentos vindos das plantas tais como frutas, vegetais, grãos, nozes e sementes, não contém colesterol.

Tabela 1. Interpretação dos níveis do colesterol e suas variantes, como também dos triglicérides, segundo a Clínica Mayo ( valores em mg/dl = miligrama por decilitro)

Colesterol Total

< 200200-239

≥ 240LDL colesterol

< 100100-129130-159160-189

≥ 190HDL colesterol

< 40≥ 60

Triglicérides

< 150150-199200-499

≥ 500

Níveis

DesejávelLimite desejável

AltoNíveis

ÓtimoQuase ótimo

Limite desejávelAlto

Muito altoNíveis

BaixoAlto (recomendável)

Níveis

DesejávelAceitável

AltoMuito alto

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Aterosclerose e Dislipidemia John Cook Lane e Fábio Hüsemann Menezes

Algumas pessoas parecem ter uma pré-disposição genética para níveis altos de colesterol ou tri-glicérides. Assim poderá ocorrer um infarto cardíaco em idade mais precoce e maior risco de acidentes vasculares cerebrais. O achado de níveis elevados de lipídes no plasma é um alerta e algumas medidas deverão ser tomadas para prevenir doenças cardiovasculares, embora em alguma fase da vida todas as pessoas terão a doença.

Um nível elevado do LDL-c (colesterol associado a lipoproteína de baixo peso moelcular) não é dese-jável e torna-se um risco para nossa saúde. O uso da dosagem do colesterol total para o controle da doença pode ser enganoso, uma vez que o valor do LDL-c é calculado a partir da fórmula: LDL-c (mg/dl) = coles-terol total menos HDL-c, menos (triglicérides/5).

Assim sendo, algumas pessoas podem apresentar um nível alto de colesterol total e também um nível alto de HDL-c, resultando em um LDL-c normal. Outra pessoa com o mesmo nível de colesterol total pode apresentar um baixo valor de HDL-c e triglicérides, resultando em alto valor de LDL-c.

Os níveis expressos na Tabela 1.1 servem de guia, mas podem variar de acordo com a idade, sexo, história familiar e estado geral da saúde da pessoa.

As medidas mais importantes para o controle dos níveis de colesterol são: controle através da dieta (alimentos ricos em colesterol são ovos, carnes gordurosas, lagosta, caranguejo, camarão e pele do frango; já o álcool em moderação tem sido apontado como fator que eleva o HDL) e o controle com uso de remédios, dentre os quais se destacam o ácido nicotínico (niacina), que atua reduzindo a produção do VLDL-c; as resinas de quelação da bile, que atuam forçando o fígado a aumentar a produção de bile e a excreção do colesterol; os inibidores da enzima HMG-CoA redutase (estatinas), que atuam diminuindo a produção de LDL-c pelo fígado; os fibratos, que atuam reduzindo a síntese e aumentando o consumo de VLDL-c e uma droga nova, ezetimibe, que inibe a absorção intestinal de colesterol por agir diretamente na parede do intestino.

Existe um efeito protetor do hormônio estrógeno sobre os níveis de LDL, de maneira que as mulheres estão mais protegidas durante a idade fértil. Após a menopausa, o nível do hormônio estrógeno cai drasti-camente e as diferenças da doença entre os sexos se estreitam. O aumento do hábito do tabagismo entre as mulheres trouxe um aumento do risco de doenças cardiovasculares.

A hipertensão arterial é reconhecida como uma das causas de aterosclerose em que o médico pode atuar positivamente. A redução dos níveis pressóricos têm alto impacto na incidência de acidente vascular cerebral e na mortalidade por infarto do miocárdio. As principais estratégias para o controle da hipertensão são a diminuição da ingestão de sódio (aumentando a ingestão de potássio, cálcio e magnésio), a redução do peso corporal, aumentar a atividade física e reduzir a ingestão de álcool e o tabagismo. Os medicamentos mais utilizados são da classe dos diuréticos, β-bloqueadores, inibidores da enzima conversora do angioten-sinogênio, bloqueadores de cálcio, antagonistas dos receptores α, drogas com ação simpatolítica central, dilatadores arteriolares e inibidores da atividade simpática periférica.

A hiperhomocisteinemia também é reconhecida como fator de risco para a aterosclerose e pode ser evitada pela ingestão adequada de folatos e vitamina B6 e B12.

O diabetes melito é outro fator de risco importantíssimo, principalmente para os pacientes com do-ença vascular periférica, visto que as alterações associadas da sensibilidade e a menor resistência a infecções resultam em um risco muito alto de gangrena e perda dos membros (veja capítulo 7).

Por último o sedentarismo é um fator importante, sendo considerado apenas inferior ao tabagismo como fator de risco para a morte por causa cardiovascular. O exercício físico regular de intensidade mo-derada auxilia na manutenção do peso e redução da hipertensão arterial, hiperlipidemia, diabetes tipo 2, osteoporose e doenças cardiovasculares. Recomenda-se atividade física por pelo menos 30 minutos e com intensidade moderada, cinco vezes por semana; ou com maior intensidade, duas a três vezes por semana.

Mecanismo da gênese da AteroscleroseAcreditava-se que a aterosclerose iniciava-se pela denudação do endotélio do vaso. Atualmente acredita-

se que o processo da doença inicia-se por uma disfunção do endotélio da artéria. O endotélio é um órgão com

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Aterosclerose e Dislipidemia John Cook Lane e Fábio Hüsemann Menezes

um sistema complexo que controla a homeostasia, isto é, o equilíbrio em relação às suas várias funções e à com-posição química dos fluidos e tecidos do organismo, integrando as forças entre a parede e a luz das artérias.

Em condições normais, o endotélio controla o tônus vascular e a fluidez do sangue. Inúmeros fatores podem alterar sua função, sendo de natureza complexa e ainda carecem de elucidação. A Figura 1 mostra em esquema como se desenvolvem as lesões ateroscleróticas.

Figura 1 - Esquema da disfunção endotelial responsável pelo desenvolvimento da aterosclerose. A artéria normal, quando submetida aos fatores de risco, desencadeia a adesão e migração de células inflamatórias para a parede vascular (A) resultando no depósito de lípides na camada íntima, conhecido como estrias gordurosas (B) e, levando à formação da placa de ateroma no seu estágio de placa fibrosa (C).

A B C

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A lesão endotelial (aumentada em decorrência do tabagismo, hipertensão, diabetes melito, etc.) de-sencadeia a adesão e a migração de leucócitos através do mesmo. Entram também células musculares lisas, monócitos e macrófagos. O endotélio lesado permite a passagem e acúmulo de LDL-c, o qual, passando por uma oxidação progressiva irá aumentar a lesão. Assim, inicia-se um processo inflamatório que, em si, estimula maior entrada de lipoproteínas e células inflamatórias, estabelecendo-se um ciclo vicioso. A Figura 2 ilustra o progresso da doença com depósito de lípides, migração de células musculares, linfócitos e a formação da placa complexa. A produção de radicais livres pelas células inflamatórias agride ainda mais o endotélio. O HDL-c funciona como um agente protetor, uma vez que penetra na parede arterial e remove o LDL-c ali depositado.

Figura 2 - Nas fases mais avançadas da doença encontra-se a placa complexa, onde há grande celulari-dade, formação de vascularização pela camada adventicial e ocorre a calcificação da placa de ateroma. A obstrução aguda do vaso pode ocorrer quando a placa de ateroma se torna muito volumosa, ou quando ocorre a ruptura da superfície endotelial.

FHM

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Aterosclerose e Dislipidemia John Cook Lane e Fábio Hüsemann Menezes

Uma placa de ateroma pode degradar-se e romper. Quando isto ocorre, há a formação de trombos e con-sequentemente de fonte embolígena ou obstrução arterial aguda. As placas mais ricas em gordura apresentam maior propensão a desencadear acidentes tromboembólicos agudos. As placas mais fibrosas são mais estáveis. Este mecanismo é considerado responsável por 50% das síndromes isquêmicas coronarianas agudas.

O fluxo turbulento parece ser importante na gênese da placa, por isso as alterações das paredes das artérias são mais pronunciadas nas curvaturas e bifurcações das mesmas.

As placas de ateroma, ao se desenvolverem, tendem a ocupar mais a parede posterior das artérias. À medida que a luz arterial vai se estreitando, a parede dilata-se, tentando compensar a queda de fluxo. Isto acontece em decorrência do aumento local de velocidade e, consequentemente, do atrito do fluxo (shear stress). Quando a obstrução alcança 70% ou mais da área (50% do diâmetro) do vaso, ocorre a diminuição do fluxo distal. A figura 3 ilustra as consequências clínicas da aterosclerose.

Em resumo, aterosclerose é uma complexa doença inflamatória das artérias, que conhecemos em parte, necessitando maiores investigações para que um dia possa ser controlada.

As medidas indicadas para diminuir o progresso da aterosclerose incluem em primeiro lugar a abstenção do fumo, o exercício físico regular (30 a 40 minutos no mínimo cinco vezes por semana), o controle da hipertensão arterial (manter níveis abaixo de 140/90 mm/Hg), a perda de peso e dieta apropriada. A aspirina (80 a 100 mg) diária tem demonstrado ser útil na diminuição de enfartes do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais.

Os lipídios plasmáticos devem ser dosados no adulto pelo menos a cada seis meses e, se elevados, as condutas indicadas acima devem ser rigidamente seguidas. Todas as medidas apontadas em conjunto deve-rão preservar a qualidade de vida e a longevidade das pessoas.

Figura 3 - Consequências da aterosclerose do ponto de vista clínico.

Infarto Agudo do Miocárdio

Acidente Vascular Cerebral IsquÍmico

Gangrena dos Membros

HipertensoRenovascular e

InsuficiênciaRenal

Aneurismasarteriais

FHM

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Arterites João Potério Filho5Capítulo

As arterites, ou vasculites, são conhecidas na história médica desde 1866 quando Kussmaul18 descreveu uma doença com trombose arterial e nódulos, que não era a aterosclerose – a poliarterite nodosa (PAN). A maioria das vasculi-tes, embora mediada por processo imunológico, não apresenta causa específica. Também a manifestação clínica sistêmica, como febre, perda de peso e fraque-za, e a alteração das provas de atividade inflamatória, são comuns a todas elas.

Tabela 1: Classificação das Vasculites

Primárias

IsoladasSistema Nervoso CentralPele (Eritema Elevatum Diu-tinum, Vasculite Livedoide)RenalOcular

SistêmicasTromboangeíte obliterante Doença de Takayasu11

Arterite de Células Gigantes e Polimialgia ReumáticaPoliarterite Nodosa e Polian-geíte MicroscópicaDoença de Kawasaki12

Doença de Behçet13

Síndrome de Churg-Strauss15

Granulomatose de Wegener17

Secundárias

Doenças ReumáticasEsclerose SistêmicaLúpus Eritematoso SistêmicoArtrite ReumatoideSíndrome de Reiter10

Policondrite RecorrenteEspondilite AnquilosanteInfecciosaBactérias (endocardite com embolização sépti-ca - estafilococos, imunodeprimidos – germes Gram negativos, meningococcemia, infecções por Streptococcus etc.)Vírus (secundário a hepatite B e C)NeoplasiasLeucemias, Linfomas, Doença de Hodgkin14, Mieloma MúltiploRelacionadas a drogasPúrpura de Henoch-Schönlein16

CrioglobulinemiaInfecções virais, doenças do tecido conectivo, pode ser primária

10Hans Reiter, 1881- . Sanitarista alemão.11Mikito Takayasu, 1860-1938. Oftalmologista japonês.12Tomisaku Kawasaki. Pediatra japonês. Descreveu a doença em 1967. 13Hulusi Behçet, 1889-1948. Dermatologista turco.14Thomas Hodgkin, 1798-1866. Clínico inglês.15Jacob Churg, 1910-. Patologista russo naturalizado americano. Lotte Strauss, 1913-1985. Patologista alemã naturalizada americana.16Edouard Heinrich Henoch, 1820-1910. Pediatra alemão. Johann Lukas Schönlein, 1793-1864. Clínico alemão.17Friedrich Wegener, 1907-1990. Patologista alemão.18Adolf Kussmaul, 1822-1902. Clínico alemão.

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Arterites João Potério Filho

Para uma melhor diferenciação é necessário atenção aos detalhes da história clínica, achados de exames de imagem e do exame anátomo-patológico. Por se-rem relativamente raras, a experiência acumulada por serviços médicos isolados não é grande, dificultando o estudo. A presença de uma vasculite, no entanto, representa sempre quadro grave, pois os vasos comprometidos podem evoluir para estenoses, trombose ou aneurismas, com consequente comprometimento da irrigação dos órgãos envolvidos, e da própria vida.

As vasculites são separadas em primárias e secundárias (Tabela 1). Quando outra doença de base é conhecida e responsável pelo quadro de vasculite, é denomi-nada de secundária. O tratamento da doença de base resulta na regressão do pro-cesso de vasculite, permanecendo, em geral, as sequelas isquêmicas que porventura ocorreram, como necrose de artelhos ou membros. Muitas vezes o cirurgião vascular é chamado apenas para intervir sobre a área de necrose, já bem delimitada, realizan-do procedimentos de desbridamentos e amputações (Capítulo 20).

Como exemplos de vasculites secundárias, podemos citar as decorrentes de processos infecciosos do sistema circulatório, como nas endocardites bacte-rianas (geralmente por Staphylococcus sp), produzindo êmbolos sépticos para o cérebro, artérias viscerais do abdômen e membros, os quais podem provocar quadros isquêmicos ou falso-aneurismas (Capítulos 8 e 9). Também em pacien-tes imunodeprimidos não é raro o achado de lesões arteriais causadas por germes Gram negativos. A meningococcemia (e a gonococcemia) pode apresentar qua-dro de vasculite cutânea expressiva, inclusive com a perda de extensas áreas de pele e mesmo amputação dos membros.

Algumas doenças hematológicas, como leucemias e linfomas, também po-dem se manifestar como vasculites.

As doenças reumáticas, como a artrite reumatoide, o lúpus eritematoso sistêmico e a esclerose sistêmica (esclerodermia) são causa frequente de fenôme-nos vasomotores (Síndrome de Raynaud19) e vasculites. Estas doenças devem sempre ser investigadas como diagnóstico diferencial nos pacientes com aco-metimento vascular dos pequenos vasos das extremidades, principalmente no diagnóstico diferencial da tromboangeíte obliterante.

O fenômeno de Raynaud corresponde a uma alteração da coloração dos de-dos das mãos com a exposição do membro ao frio. Geralmente acomete com maior intensidade um dedo de cada vez. O ciclo corresponde à palidez, seguida de ciano-se, seguida de rubor e finalmente retorno à coloração rósea. Várias causas podem desencadear o fenômeno de Raynaud. Quando associado a uma doença de base é denominado Síndrome de Raynaud, e nestes casos o acometimento dos pequenos vasos pode levar à perda da polpa digital. Pela frequência do achado clínico, quando encontrado em homens jovens pensa-se em tromboangeíte obliterante, quando associado a mulheres de meia idade pensa-se em esclerose sistêmica. O tratamento do fenômeno de Raynaud baseia-se na proteção ao frio (tanto uso de luvas como manter o corpo agasalhado), suspender o uso de drogas vasoconstrictoras, abstenção do taba-gismo, evitar trauma, uso de medicamentos vasodilatadores (bloqueadores de cálcio, bloqueadores de receptores α-adrenérgicos, simpaticolíticos, vasodilatadores diretos como as prostaglandinas e mais recentemente tem-se tentado o uso de cilostazol). Em casos extremos pode-se realizar bloqueio anestésico do membro ou mesmo a simpatectomia cirúrgica, que não tem resultado consistente em longo prazo.

19Maurice Raynaud, 1834-1881. Clínico francês.

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Alguns sintomas comumente encontrados na prática diária são confundidos com o fenômeno de Raynaud. São eles: 1) o livedo reticular (cutis marmorata), que corresponde a áreas de pele com aspecto marmoráceo, onde o centro pálido é contornado por um halo cianótico, formando o aspecto de uma tela de arame, mais comu-mente encontrado na face anterior da coxa e antebraços. O livedo normalmente não tem significado clínico, mas pode raramente estar associado a neoplasias ocultas, poliarterite nodosa, síndrome do anticorpo antifosfolípide e microembolização por aterosclerose. 2) a acrocianose corresponde à coloração azulada em pés e mãos, algumas vezes atingindo os segmentos mais distais da perna e braços. Corresponde a uma dilatação do plexo venoso com concomitante vasoconstricção arteriolar, desencadeados pelo frio. É mais comum em mulheres na faixa etária da adolescência e adulto jovem. Costuma melhorar com o passar dos anos e nas gestações. Acompanhando a colo-ração, pode-se notar sudorese, esfriamento e leve edema, sendo sempre simétrico e acometendo mãos e pés. Não evolui para lesões tróficas e não tem relação com nenhuma doença conhecida. 3) a eritromelalgia é um distúrbio vasomotor que acomete homens e mulheres, deixando as extremidades com aspecto de eritema, sudorese aumen-tada e calor. Acompanha o quadro dor tipo queimação que persiste por horas. Os ataques são desencadeados por calor e exercício físico e aliviados com frio e elevação dos membros. Normalmente não se consegue identificar uma causa, mas o quadro pode ser visto em pacientes com policitemia vera, hipertensão, gota e doenças neuroló-gicas. O tratamento com ácido acetil salicílico é muito eficiente para aliviar os sintomas.

Lembrar ainda que a vasculite secundária a doença reumática pode se apresentar como obstrução arte-rial aguda, exigindo tratamento cirúrgico ou trombolítico (Capítulos 3 e 9). Nestes casos pode ser indicada a anticoagulação oral após a fase aguda, para proteger o paciente de futuros episódios trombóticos.

As vasculites primárias correspondem a doenças mais raras, onde o processo inflamatório acomete es-pecificamente a parede vascular, sem outra doença associada. Podem acometer apenas um órgão específico, como nas vasculites cutâneas e nas vasculites do sistema nervoso central. Em outros casos acometem os vasos de múltiplos órgãos e sistemas, e nestes casos são classificadas de acordo com o calibre do vaso afetado. A seguir são apresentadas as vasculites primárias mais significantes na prática clínica do cirurgião vascular.

Arterite de TakayasuTambém conhecida como “Doença sem Pulsos”, ou Arterite Primária da Aorta, é uma doença inflama-

tória que atinge grandes vasos, principalmente a aorta na sua porção da crossa e seus ramos iniciais. Também foram descritas três variantes da doença: a primeira, em que o acometimento se dá na aorta descendente e abdominal isoladamente, comprometendo seus ramos iniciais (em especial as artérias renais e mesentéricas); a segunda, em que estão associados o acometimento do arco aórtico e o da aorta abdominal, e a terceira variante, onde há também o acometimento da artéria pulmonar e coronárias. A causa não é conhecida, mas acredita-se que pode ser desencadeado por uma infecção crônica (como tuberculose). O acometimento é muito mais frequente em mulheres do que em homens e o início da doença ocorre entre 15 e 40 anos de idade. O processo inflamatório se inicia na camada média da artéria, caracterizado por infiltração de linfócitos e monócitos, mas a progressão da doença leva ao espessamento da camada íntima e fibrose da adventícia. A inflamação pode levar ao estreitamento e oclusão vascular, como à formação menos comum de aneurismas, por necrose da média.

Os sintomas podem ser divididos entre a fase aguda, onde predominam os sintomas gerais não espe-cíficos, como febre, fraqueza, anorexia, perda de peso, dores articulares e musculares. E crônicos onde, após um longo período de tempo, surgem os sintomas decorrentes do comprometimento arterial, sendo comum a claudicação dos membros superiores ou inferiores, sintomas cérebro-vasculares e hipertensão de origem renovascular, pelo acometimento da artéria renal ou pela coartação da aorta torácica. Em virtude da perda dos pulsos em membros, pode ser difícil o diagnóstico de hipertensão arterial e sinais indiretos devem ser procurados, como insuficiência cardíaca e angina pectoris.

Do ponto de vista laboratorial pode-se encontrar anemia em 50% dos pacientes, e a velocidade de hemosedimentação encontra-se elevada, sendo um bom marcador para a evolução da doença. Quando há hipertensão associada pode-se perceber aumento das câmaras cardíacas esquerdas.

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Arterites João Potério Filho

A aortografia faz o diagnóstico, pois vários defeitos característicos dessa afecção serão notados, como as estenoses, oclusões ou aneurismas das porções iniciais dos ramos da crossa da aorta (tronco bráquio-cefálico, carótida comum e subclávias). Quando há acometimento da aorta descendente pode ser focal na porção torácica, na transição tóraco-abdominal ou na porção infrarrenal e os ramos viscerais podem estar comprometidos. Atualmente a angiorressonância e a angiotomografia podem substituir a arteriografia convencional.

O tratamento de escolha é clínico, baseado em corticosteroides e imunos-supressores. Em casos onde há comprometimento da irrigação cerebral, renal ou mesentérica, pode-se propor cirurgia, através da realização de revascularizações com próteses ou através de angioplastia com balões e stents. A cirurgia, no en-tanto, deve ser realizada após o controle da fase aguda da inflamação, em virtude da alta probabilidade de trombose da reconstrução.

Tromboangeíte ObliteranteDescrita em 1879 por von Winiwarter20 como uma forma de arteriopatia

obstrutiva diferente da aterosclerose e por ele denominada de endarterite obli-terante; o desfecho com gangrena espontânea era uma característica marcante. Em 1908, Leo Buerger21 relatou uma série de casos descrevendo o acometimen-to venoso e arterial e sugeriu, baseado no achado de trombo com componente inflamatório, o termo trombangeíte obliterante (TAO). Trata-se, portanto, de uma doença obstrutiva de natureza inflamatória dos vasos, que ocorre particular-mente em indivíduos jovens, brancos, fumantes, do sexo masculino e com idade inferior a 40 anos. Acomete tanto veias como artérias. Atualmente tem sido observado o aumento de casos entre as mulheres.

Chama atenção nesta doença a estreita relação com o tabagismo, que deve ser interrompido imediatamente, usando-se de todos os meios necessá-rios, bloqueadores de nicotina, sedativos e até internação, pois o prognóstico da afecção está na dependência da persistência ou não do tabagismo. Recomenda-se também que seja evitado o fumo passivo, ou seja, conviver em ambientes fechados com os tabagistas (trabalho, residências e outros locais mal ventilados na presença dos fumantes). As reações inflamatórias são mediadas pelo sistema imunológico; vários antígenos já foram descritos, mas a interação com as con-dições proporcionadas diretamente pelo fumo (vasoconstricção, maior adesivi-dade plaquetária, alteração na liberação de oxigênio periférico, entre outras), tem participação na gênese das lesões. A fumaça do cigarro, além da nicotina, que representa a droga capaz de viciar o sistema nervoso com extrema facilidade (e que não causa malefícios a circulação nas doses habituais), é acompanhada de elementos químicos e particulados em número superior a 3500, que são os responsáveis diretamente pela agressão aos sistemas circulatório e respiratório.

Tipicamente, acomete artérias de pequeno e médio calibre das extremida-des e eventualmente algumas veias superficiais – a chamada tromboflebite su-perficial migratória – que pode preceder as lesões arteriais. O diagnóstico clínico deve ser precoce, devido ao alto índice de perda de membros. Os sintomas in-cluem parestesias, claudicação do pé e /ou da panturrilha, alteração na coloração dos dedos, fragilidade da pele, lesões cutâneas com ulcerações e gangrena. A dor é uma queixa comum e pode surgir mesmo antes das lesões tróficas, tendo como

20Alexander von Winiwarter, 1848-1916. Cirurgião alemão.21Leo Buerger, 1879-1943. Clínico americano.

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Arterites João Potério Filho

característica uma “dor em queimação insuportável” – descrita como uma brasa sobre a região – e não raras vezes os pacientes pedem para serem amputados. A dor descontrolada não é vista em outras formas de gangrena, acreditando-se que na TAO se deva ao bom funcionamento do nervo envolvido, que permanece funcionante. Os membros inferiores são os mais afetados, mas o acometimento dos membros superiores não é incomum (cerca de 20% dos casos). Naqueles que não abandonam o vício de fumar completamente, a evolução é crônica e ocorre em surtos de inflamação, que vêm atingindo os vasos cada vez mais proximais. Tardiamente pode ocorrer infarto agudo do miocárdio, acidente vas-cular cerebral isquêmico e trombose venosa profunda nos membros inferiores.

Não há exames para confirmar o diagnóstico de TAO. Às vezes torna-se necessário proceder a investigação de trombofilias (dosagens de proteínas C e S, antitrombina III, anti-cardiolipinas e fator V de Leiden) e afastar outras vascu-lites ou doenças do colágeno.

Na área dos exames auxiliares, as medidas das pressões segmentares dos mem-bros com ultrassom e o mapeamento com ultrassonografia dúplex ajudam muito no diagnóstico; este último exame demonstra ausência de placas ateromatosas, as principais artérias em perfeitas condições de funcionamento e as obstruções distais, quase sem recanalizações; o espessamento da parede das artérias ajuda no diagnóstico. A arteriografia, solicitada quando existem lesões tróficas, dor de repouso, claudicação limitante ou gangrena progressiva, demonstra: artérias proximais normais, obstruções distais com segmentos de artéria abertos intercalados com segmentos obstruídos e um número muito grande de colaterais em forma de sacarrolha, comuns ao nível do joelho - conhecido como sinal de Martorell22. A arteriografia não está indicada para diagnóstico da doença, mas sim quando o médico assistente pretende realizar uma restauração, embora os seus achados possam auxiliar na confirmação do diagnóstico. Manifestações viscerais também podem ser detectadas pela arteriografia.

Deve-se sempre lembrar que devido ao acometimento simultâneo de ar-térias e de veias, as cirurgias não têm um bom prognóstico, pois as veias não costumam ser de boa qualidade e as cirurgias apresentam sucesso em cerca de 30% dos casos, podendo provocar o agravamento das lesões.

Como a dor predomina no quadro clínico, o uso da associação de medica-mentos (anti-inflamatórios não hormonais, analgésicos comuns, neurolépticos maiores e opiáceos) é muitas vezes utilizada. Os bloqueios anestésicos podem ser indicados de forma paliativa, ou para a realização de pequenos desbridamentos (e amputações menores). Algumas vezes é indicada a simpatectomia, cujo resultado é mais duradouro no membro superior, ou a neurotripsia ao nível distal das pernas, quando não há indicação para uma amputação mais proximal.

A TAO é uma das doenças onde ainda se utiliza a simpatectomia para auxiliar no controle das lesões tróficas e dor. A simpatectomia resulta em um maior aporte sanguíneo para a pele, através da perda do controle dos esfínceteres pré-capilares. No entanto, não promove a desobstrução das artérias tronculares, de maneira que somente deve ser indicada quando há suficiente aporte de sangue pelos troncos arte-riais, geralmente estimado pelo índice tornozelo-braço maior do que 0,4.

Observar que o controle da afecção baseia-se exclusivamente no abandono do tabagismo. No tratamento da TAO não está indicado o uso de corticoterapia ou imunossupressores. Nos pacientes que conseguem se abster completamente

22Fernando Martorell Otzet, 1906-1984. Cardiologista espanhol, um dos fundadores da especialidade da Angiologia e Cirurgia Vascular.

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Arterites João Potério Filho

do fumo, a progressão da doença é pequena com o passar dos anos, confirman-do dessa forma a estreita relação com o tabagismo.

As arterites apresentadas abaixo constituem um grupo de arterites pri-márias onde o cirurgião vascular tem pouca ou nenhuma atuação, cabendo ao clínico, pediatra e reumatologista o controle da doença. Como nos casos das arterites secundárias, a intervenção é realizada apenas para concluir pequenos desbridamentos, biópsias ou amputações sequelares.

Arterite TemporalTambém conhecida como arterite de células gigantes ou arterite de Hor-

ton23. É muito mais comum do que a arterite de Takayasu e envolve principal-mente os ramos das artérias carótidas e o segmento arterial axilo-braquial. É co-mum as artérias estarem envolvidas bilateralmente e às vezes de forma simétrica. Outras artérias podem ser atingidas, embora mais raramente, como as femorais superficial e profunda, renais, vertebrais, coronárias e a própria aorta. O acome-timento preferencial é em mulheres, mas com início na faixa etária acima dos 50 anos. O processo inflamatório é caracterizado pelo infiltrado tanto de células mononucleares como de células gigantes multinucleadas, que em geral estão em contato direto com a lâmina elástica, podendo conter fragmentos de elastina. O resultado é o estreitamento arterial.

O quadro clínico inicia-se por cefaleia temporal acompanhada de sintomas de febre, dores musculares e perda de peso. Outros sintomas se seguem, como dificuldade para mastigar, engolir e sintomas visuais (borramento da visão, di-plopia). Quando os sintomas oculares ocorrem, resultados catastróficos podem advir, uma vez que o acometimento da artéria central da retina pode levar a cegueira súbita em até 50% dos pacientes não tratados. Ao exame clínico pode-se observar em vários pacientes área dolorida de endurado e eritema, da região da pele sobre a artéria temporal superficial. Quando ocorre o acometimento de artérias periféricas, pode-se observar a diminuição ou abolição dos pulsos.

O que chama a atenção nas provas laboratoriais é o elevado valor da velo-cidade de hemossedimentação, que pode chegar a 100 mm na primeira hora.

A forma mais segura para fazer o diagnóstico ainda é a biópsia da artéria temporal, onde os achados de células gigantes estão presentes. O tratamento baseia-se no uso de altas doses de corticoides e por período de tempo prolon-gado, o que pode resultar em vários efeitos colaterais como o aparecimento de diabetes, sintomas digestivos, hipertensão arterial, osteoporose e catarata.

Existe uma associação muito grande entre arterite temporal e polimialgia reumática, sendo esta uma manifestação dolorosa da musculatura e das arti-culações do pescoço, ombros e quadris, trazendo grande inconveniente para o paciente. A polimialgia reumática, quando não associada à arterite temporal, apresenta os mesmos sintomas gerais e a grande elevação do VHS, mas não traz maiores consequências, pois não destrói o tecido muscular e responde bem a baixas doses de corticoides.

Do ponto de vista cirúrgico, o cirurgião vascular somente pode auxiliar na realização da biópsia da artéria temporal, quando inflamada. Os sintomas dos mem-bros raramente necessitam de intervenção, regredindo com o tratamento clínico.

22Bayard Taylor Horton, 1895-1980. Clínico americano.

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Arterites João Potério Filho

Poliarterite Nodosa (PAN) e Poliangeíte Microscópica (PAM) Tanto a PAN como a PAM correspondem a uma vasculite sistêmica de pequenos vasos com aco-

metimento preferencial dos rins. A PAN acomete mais o sexo masculino e a incidência da doença se dá principalmente dos 40 aos 60 anos. Na fase aguda ocorrem os sintomas de febre alta e emagrecimento. O processo de vasculite pode atingir a pele, levando ao aspecto de livedo reticular, acompanhado de púrpura e nódulos subcutâneos dolorosos, que correspondem a microaneurismas. Lesões isquêmicas digitais podem ocorrer. O acometimento renal está presente em cerca de 70% dos casos e produz uma glomerulonefrite acompanhada de hipertensão arterial e microhematúria. Classicamente são encontrados microaneurismas dentro do parênquima renal. O sistema nervoso central também pode ser afetado, assim como o coração. O envolvimento do trato digestivo pode levar a infartos, hemorragias e trombose.

A poliangeite microscópica (PAM) se difere da PAN porque o acometimento se dá em vasos ainda meno-res, não ocorrendo os microaneurismas. Na PAM ainda ocorre o envolvimento dos vasos pulmonares, que não é visto na PAN. Laboratorialmente encontra-se na PAM anticorpos contra citoplasma de neutrófilos com pa-drão perinuclear, que não estão presentes na PAN. A biópsia renal confirma o diagnóstico das duas doenças.

O tratamento está baseado na imunossupressão agressiva, uma vez que a doença não tratada apresenta alta mortalidade.

Doença de KawasakiÉ uma vasculite que acomete crianças em geral abaixo dos 5 anos, iniciando-se como um quadro de exan-

tema cutâneo, com edema de extremidades e descamação da ponta dos dedos, congestão da mucosa ocular e da cavidade oral e língua. Acompanhando o quadro encontra-se linfonodomegalia cervical com gânglios grandes e geralmente unilaterais. A doença também é chamada de síndrome linfonodo-muco-cutânea. A complicação vas-cular corresponde à arterite das coronárias, levando à formação de trombos e aneurismas, que podem resultar em infarto do miocárdio. Laboratorialmente ocorre o aumento de plaquetas e leucocitose. O tratamento é realizado com altas doses de ácido acetil salicílico e gamablobulina endovenosa. A evolução costuma ser benigna.

Doença de BehçetA doença de Behçet é caracterizada histopatologicamente pelo espessamento da camada íntima, com

destruição da lâmina elástica interna e atrofia da média. Na camada adventícia chama a atenção o infiltrado rico em plasmócitos e neutrófilos. A característica básica da doença é a ulceração da mucosa oral, genitália e uveíte. As ulcerações da mucosa oral recorrem pelo menos três vezes ao ano. Pode ocorrer acometimento das articulações, sistema gastrointestinal e sistema nervoso. Quando afeta o sistema circulatório, pode produzir tromboses ou aneurismas. Acomete com mais frequência o sistema venoso na forma de tromboflebites su-perficiais ou trombose venosa profunda. Podem se apresentar doentes tanto as veias das extremidades, como a veia cava, veias de órgãos internos e veias intracranianas. O acometimento arterial é mais raro e correspon-de à formação de aneurismas, muitas vezes ao mesmo tempo em vários locais, e trombose.

O acometimento gastrointestinal produz sintomas diversos e pode levar à ulceração do segmento íleo-cecal, com sangramento e perfuração. Mais raramente pode acometer o sistema nervoso central, produzindo uma meningo-encefalite, e os vasos pulmonares.

O teste patérgico auxilia no diagnóstico. Corresponde à punção da pele do indivíduo com uma agulha, aparecendo após 24 horas, nos casos positivos, uma pústula no local da punção.

O tratamento envolve o uso de corticosteroides e imunossupressores, principalmente quando há envolvimento ocular ou meníngeo. O envolvimento ocular pode levar a cegueira. Quando ocorrem aneurismas arteriais, a sua reconstrução está indicada, embora pela natureza ruim da parede arterial seja comum a ruptura das anastomoses, e enxertos extra-anatômicos talvez sejam preferíveis. Nos casos de trombose venosa é indicada a anticoagulação, assim como após casos de tromboflebite superficial

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Arterites João Potério Filho

possa ser utilizada a anticoagulação profilaticamente. Deve ser tomado cuidado na indicação de anti-coagulantes quando há acometimento pulmonar.

Granulomatose de WegenerÉ uma vasculite com acometimento preferencial das vias respiratórias e pulmões, associada a glome-

rulonefrite. Como na PAN, outros órgãos podem ser afetados, como a pele, articulações, o sistema nervoso, coração e sistema digestivo. O quadro se inicia como sinusite ou otite e vai progredindo com acometimento da conjuntiva ocular e da mucosa das vias respiratórias com tosse e hemoptise. O acometimento pulmonar pode levar a hemorragia alveolar e o acometimento renal pode levar subitamente a insuficiência renal terminal. O diagnóstico é confirmado por biópsia de pulmão. O tratamento, como nas outras vasculites sitêmicas, é basea-do no uso de imunossupressão agressiva. O prognóstico do paciente não tratado é praticamente fechado.

Doença de Churg-StraussÉ conhecida também como angiite granulomatosa alérgica, por ser precedida de sintomas de alergia

respiratória por vários meses, como asma e rinite, aparecendo a seguir a vasculite. O quadro clínico é se-melhante ao da PAM, diferenciando-se pela ocorrência da alergia e a presença de grande quantidade de eosinofilos, inclusive nas biópsias. O tratamento, como nas outras vasculites sitêmicas, é baseado no uso de imunossupressão agressiva.

Púrpura de Henoch-SchönleinÉ também denominada de púrpura anafilactoide, pode ocorrer em adultos, mas o predomínio é em

meninos antes de 10 anos; pode ser precedida por um quadro infeccioso de vias aéreas superiores, ou após medicação, aparecendo de forma lenta e progressiva, com tendência a coalescer nos pontos onde há maior pressão, como nas nádegas e membros inferiores; a púrpura é palpável, de cor vermelho vivo, com centro ene-grecido, podendo chegar a formar úlceras. Além do quadro cutâneo, podem aparecer artralgias, dor abdominal, hemorragia digestiva, envolvimento renal com hematúria, síndrome nefrótica ou nefrítica e até insuficiência renal. A biópsia de pele demonstra, por imunofluorescência, a presença de imunoglobulina A (IgA) na parede dos capilares, vênulas e arteríolas. Na maioria dos casos, a evolução é benigna, mas poderá exigir tratamento com corticosteroides e imunossupressores em casos que envolvam as vísceras e órgãos internos.

Vasculite por CrioglobulinemiaCrioglobulinas são imunoglobulinas que precipitam em baixa temperatura, sendo detectados ao colo-

car-se o soro dos pacientes a 4 graus centígrados. Pessoas normais podem apresentar pequenas quantidades de crioglobulinas circulantes (até 80 mg/litro). Em diversas doenças (mieloma múltiplo, leucemias, linfo-ma, hepatite B, lúpus eritematoso sistêmico, coccidiose, lepra, glomerulonefrite pós estreptocócica, etc.), ou mesmo de maneira primária pode ocorrer aumento expressivo das crioglobulinas, que podem produzir glomerulonefrite e vasculite cutânea pelo depósito da imunoglobulina na parede do vaso, ou pelo depósito na luz dos pequenos vasos das extremidades, quando expostas ao frio.

O quadro clínico corresponde na maioria das vezes a púrpuras dos membros inferiores, que podem evoluir com ulceração. Sintomas gerais de febre, mialgias e artralgias, queda do estado geral e neuropatia periférica podem acompanhar o quadro. O acometimento mais sério corresponde ao renal com glomeru-lonefrite, síndrome nefrótica e insuficiência renal. Pode ainda haver acometimento pulmonar.

A biópsia de púrpuras recentes faz o diagnóstico. O tratamento é feito pelo controle da doença de base e a eventual utilização de corticosteroides e drogas imunossupressoras.

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Arterites João Potério Filho

Eritema NodosoCorrespondem a nódulos dolorosos avermelhados, com 1 a 10 cm de diâmetro, geralmente na face

anterior da perna, uni ou bilateral, que deixam leve hipercromia no local após a resolução. Podem aparecer em outras áreas do corpo com menor frequência. Geralmente é precedido por quadro de febre, mal-estar e artralgias. O eritema nodoso pode estar associado a doenças infecciosas (especialmente fungos, estrepto-coccias e sífilis), uso de medicamentos (penicilina, progesterona, analgésicos), leucoses, sarcoidose, doença inflamatória do trato digestivo e mesmo à gravidez. Outras vezes não se encontra causa. O diagnóstico diferencial se faz com as vasculites nodulares pelas arterites sistêmicas descritas acima e com o eritema in-duratum, o qual acomete mais a parte posterior das panturrilhas e tem evolução longa, quase sempre com ulceração. O tratamento consiste em eliminar o fator causal, podendo ainda ser utilizado iodeto de potássio, tetraciclinas e eventualmente corticosteroides. Não necessita de tratamento local.

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Pontos Essenciais no Diagnóstico• Perda dos pulsos periféricos

• Atrofia de fâneros e massa muscular

• Dor muscular para a realização de atividade física, nos quadros avança-dos pode ocorrer dor isquêmica de repouso ou a presença de gangrena.

Considerações GeraisA oclusão arterial crônica é a doença arterial mais comum em cirurgia

vascular, afetando 2% das pessoas com menos de 60 anos e 5% das pessoas com mais de 70 anos. Acomete todos os segmentos arteriais e tem na aterosclerose sua etiologia mais frequente. Esse capítulo abordará a doença em segmento aorto-ilíaco e membros inferiores.

Cerca de 90% das oclusões arteriais crônicas tem etiologia aterosclerótica, sendo que os 10% restantes são representados pelas arterites (especialmente tromboangeíte obliterante), degeneração cística da adventícia (artéria poplítea), síndrome do aprisionamento da poplítea, displasia fibromuscular, distúrbios hematológicos (trombofilias, policitemia), sequela de trombose de aneurismas periféricos, sequela de embolias recorrentes e mais raramente ergotismo.

A aterosclerose é uma doença sistêmica e multisegmentar, atinge prefe-rencialmente as bifurcações arteriais e pontos de fixação arterial (como o canal dos adutores). No segmento aorto-ilíaco e femoral, atinge mais as paredes pos-teriores das artérias.

A tromboangeíte obliterante é doença de tabagistas, com incidência maior em homens jovens (inferior a 40 anos), atinge preferencialmente ar-térias de pequeno e médio calibre, especialmente em pernas e pés, mas pode afetar membros superiores e até artérias viscerais e o sistema venoso profundo e superficial.

Oclusão Arterial Crônica

6Capítulo

Eduardo Faccini Rocha

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

Os fatores de risco para oclusão arterial crônica são basicamente os mes-mos para aterosclerose: diabetes melito, hipertensão arterial, tabagismo, dislipi-demias, sedentarismo. Para a tromboangeíte, o fator de risco determinante é o tabagismo (mesmo que passivo).

Quadro clínicoO quadro clínico dependerá do local e número de artérias acometidas,

da extensão da doença, do grau de estenose ou presença de oclusão arterial, do desenvolvimento de colaterais, nível de atividade do paciente, associação com traumatismo em membros e do controle dos fatores de risco.

Muitos pacientes estarão completamente assintomáticos, seja pela com-pensação através de colaterais, seja pelo relativo sedentarismo. Na evolução da doença, instala-se uma claudicação para longas distâncias que piora em aclives e com o aumento da velocidade da marcha. Tipicamente melhora após breve repouso (minutos) mesmo com o paciente permanecendo em pé, voltando a assumir a marcha e novamente parar, após a mesma distância de caminhada.

A claudicação pode ser moderada e até limitante (para poucos metros) na evolução do quadro. Nos pacientes com obstrução aorto-ilíaca bilateral, a claudicação pode chegar até musculatura glútea e, além da ausência de pulsos femorais, nos homens vem acompanhada de impotência: é a clássica síndrome de Leriche24. A Tabela 1 relaciona o nível da obstrução arterial ao grupo muscu-lar mais frequentemente sintomático. A Figura 1 relaciona os níveis de acometi-mento arterial mais comumente encontrados na prática clínica.

24René Leriche, 1879-1955. Cirurgião francês.

Tabela 1: Nível de obstrução arterial e grupos musculares sintomáticos na claudicação intermitente e sintomatologia mais frequente.

Nível da Obstrução Arterial

Artérias do pé

Artérias de perna

Obstrução fêmoro-poplítea

Obstrução ilíaco-femoral

Obstrução aorto-ilíaca (Leriche)

Sintomatologia

Dor em artelhos, fenômeno de Raynaud, lesões ulceradas digitais espontâneas

Claudicação da musculatura intrínseca do pé

Claudicação de panturrilha

Claudicação até o nível da coxa

Claudicação até o nível de nádega, pode estar associada a disfunção erétil

A Figura 1 apresenta os níveis de obstrução arterial mais comuns para os membros inferiores segundo a faixa etária.

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

Progressivamente, com a piora da perfusão, instala-se a dor de repouso, caracterizada por dor que acomete um segmento mal definido da extremidade distal, de caráter incoercível, contínua, mas pior à noite, que impede o paciente de dormir e de se alimentar adequadamente e obriga o paciente a manter o pé pen-dente na tentativa de melhora de fluxo. Infelizmente o edema que ocorre nessa posição piora a perfusão e a dor. Também o ato de coçar a região dolorosa traz alívio, provavelmente por interferir com as vias aferentes da dor. A dor pode ser aliviada por algumas horas com o uso de analgésicos derivados da morfina. Como esse paciente se alimenta pouco e não dorme, seu estado geral rapidamente se deteriora.

Nesse estágio da doença, após um mínimo traumatismo, ou mesmo espontaneamente, podem surgir úlce-ras e gangrenas. Sem um aporte sanguíneo adequado, ocorrerá com grande chance a perda do membro.

Figura 1 - Distribuição anatômica mais comum das lesões ateroscleróticas dos vasos nutridores dos mem-bros inferiores. (A) Obstrução aorto-ilíaca, atinge principalmente os vasos ilíacos comuns e a porção ter-minal da aorta abdominal, produzindo no homem a Síndrome de Leriche que corresponde à claudicação bilateral até o nível de nádegas, impotência sexual e ausência de pulsos femorais. Nas mulheres é frequente-mente reconhecido como síndrome da aorta hipoplásica. Este tipo de aterosclerose ocorre frequentemente em indivíduos mais jovens na faixa etária dos 50 aos 60 anos. (B) Obstrução ilíaco-femoral, atinge preferen-cialmente as artérias ilíaca comum e externa, sendo frequentemente unilateral. (C) Obstrução fêmoro-po-plítea, é o tipo de lesão mais encontrado, atinge preferencialmente a artéria femoral superficial na altura do canal dos adutores ou de Hunter (segundo John Hunter, 1728-1793. Cirurgião escocês) e doentes na faixa etária dos 60 aos 70 anos. (D) Obstrução poplíteo-distal, atinge as artérias de perna após as suas origens na artéria poplítea. Tem padrão irregular de acometimento, mas tende a preservar a artéria fibular. É mais encontrada em doentes da faixa etária acima dos 80 anos e particularmente em pacientes com aterosclerose acelerada pelo diabetes melito, quando está associada à calcificação da parede arterial.

ObstruçãoAorto-ilÌaca

Síndrome de Leriche

ObstruçãoIlíaco-femoral

ObstruçãoFímoro-poplítea

ObstruçãoPoplíteo-distal

A B C D

FHM

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

Existe uma classificação (Rutherford25, adotada pelo TASC = TransAtlan-tic interSociety Consensus) que resume todo o quadro clínico, representada na Tabela 2. Os europeus utilizam a classificação de Fontaine26 onde o estágio I corresponde ao grau 0; estágio IIa ao grau I1; estágio IIb aos graus I2 e I3; está-gio III ao grau II e estágio IV aos graus III5 e III6.

É importante lembrar que diabéticos tem uma doença aterosclerótica mais agressiva, com calcificações arteriais, acometimento mais importante em artérias de perna, poupando segmentos mais proximais, além de neuropatia, microan-giopatia e maior susceptibilidade à infecções (Capítulo 7).

Em membros superiores a doença é mais benigna que em membros infe-riores devido à maior abundância de colaterais, menor massa muscular e me-nor atividade muscular. A oclusão da origem da artéria subclávia pode levar à síndrome do roubo da subclávia, onde se inverte o fluxo da artéria vertebral ipsilateral para suprir o membro em questão.

Exame físicoAlém da história de claudicação, é importante a inspeção, palpação e aus-

culta. Todos os pulsos devem ser sistematicamente palpados e anotados, qual-quer assimetria sugere a doença. Por vezes, frêmitos e sopros em trajeto arterial denunciam uma estenose subjacente.

Devido à má perfusão tecidual observamos queda de fâneros, atrofia cutânea, atrofia muscular e presença de lesões tróficas, que podem ser, por exemplo, úlceras com crostas negras ou necrose seca bem delimitada de artelhos. Alterações em outros territórios como carotídeo e coronário aumentam as suspeitas de doença periférica.

Em pacientes com obstrução arterial crônica em um membro inferior, o teste de suficiência arterial (teste de Leo Buerger27) com as pernas elevadas a 60 graus deixa evidente a palidez no lado afetado e resulta em dor na musculatura ao se realizar movimentos de dorsiflexão do pé. Inversamente, o teste de pés penden-tes (após o teste de Leo Buerger) mostra tempo de enchimento venoso retardado (maior que 15 a 20 segundos) e hiperemia reativa no lado isquêmico.

Em membros superiores pode-se realizar o teste de forma semelhante com exercícios com os braços elevados. Para avaliarmos a integridade do arco palmar, utiliza-se o teste de Allen28, que consiste em fazer o paciente fechar a mão com força,

25Robert B. Rutherford. Professor emérito de Cirurgia da Universidade do Colorado.26René Fontaine, 1899-1979. Cirurgião francês, publicou a classificação em 1954.27Leo Buerger, 1879-1943. Clínico americano.28Edgar Van Nuys Allen, 1900-1961. Clínico americano.

Tabela 2: Classificação TASC (Transatlantic Society Consensu) segundo Rutherford

Grau

0

I

I

I

II

III

III

Categoria

0

1

2

3

4

5

6

Sintomatologia

Assintomático

Claudicação leve

Claudicação moderada

Claudicação severa

Dor em repouso

Lesão trófica menor

Lesão trófica maior

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

a seguir comprime-se as artérias radial e ulnar e após o paciente abrir a mão (que estará pálida), libera-se uma das artérias e observa-se o enchimento completo dos capilares de todos os dedos (quando o arco for íntegro).

EvoluçãoA doença arterial oclusiva crônica em membros inferiores tem caráter pro-

gressivo e após 5 anos 75% dos pacientes apresentarão doença bilateral. Evolui para amputação numa taxa de 1% ao ano e tem uma mortalidade geral de 30% a 50% em 5 anos, devido às complicações cardíacas, cerebrovasculares, renais e outras.

Testes laboratoriaisÉ importante uma avaliação geral das condições cardíacas, cerebrovas-

culares, renais, hematológicas (hemoglobina e coagulação), além da glicemia e pesquisa de dislipidemias. O controle rigoroso dos fatores de risco abranda a evolução natural da doença.

Exames de imagem e funcionaisFeito o diagnóstico clínico de obstrução arterial crônica em membros in-

feriores, será necessário prosseguir a avaliação, sempre que possível, com teste de esteira para quantificar a claudicação, índices de Doppler29 tíbio-braquial (importante no acompanhamento evolutivo da doença e após revascularização) e a ultrassonografia dúplex arterial, especialmente nos segmentos aorto-ilíaco e fêmoro-poplíteo.

O teste de esteira feito a uma inclinação de 12%, velocidade de 3,5 a 5 km/hora por cinco minutos, permite classificar a importância da claudicação.

Quanto ao índice tíbio-braquial, os valores de 1 a 1,2 são normais, porém, em pacientes com calcificação arterial importante, podemos encontrar índices aberrantes (acima de 1,4) e que, portanto, não podem ser valorizados. Nesses casos damos maior importância às curvas do Doppler, que são normalmente trifásicas, mas no caso de obstrução arterial passam para bifásicas e monofásicas. Índices inferiores a 0,3 são mais compatíveis com quadros de isquemia crítica.

A arteriografia ainda é o padrão ouro para confirmação da obstrução, seu local e extensão, entretanto, só está indicada nos casos com comprovada indi-cação de revascularização, sendo muito raramente indicada apenas para diag-nóstico. A arteriografia pode avaliar o aporte e o deságue de sangue, além da circulação colateral e a qualidade das artérias que deverão doar e receber a deri-vação arterial. Na aterosclerose encontramos múltiplas placas e irregularidades das paredes arteriais, diferentemente de arterites e displasias.

Diagnóstico diferencialO diagnóstico diferencial deverá ser feito entre as diferentes etiologias para

a oclusão arterial crônica e também com claudicação venosa (melhora com pernas elevadas), doenças osteo-articulares, hérnia de disco lombar, cisto sinovial poplíteo (cisto de Baker30), trombose venosa profunda e doenças reumatológicas.

29Johann Christian Andreas Doppler, 1803-1853. Físico austríaco.30William Morrant Baker, 1839-1896. Cirurgião inglês.

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

Tratamento clínicoNos estágios 0 e I indicamos tratamento clínico com o que chamamos de

“Quatro Mandamentos” para o paciente com doença arterial:

Deambulação – é recomendado caminhar em torno de 30 a 60 minutos por dia, em local plano, com uma velocidade de marcha razoável e parando para descansar quantas vezes for necessário. As caminhadas devem ser realizadas todos os dias e a distância anotada para comparação com a evolução.

Cuidados locais com os pés – evitar traumas é fundamental para pacientes com diminuição da circulação, pois não se pode prever se uma lesão evoluirá para a cicatrização ou o início de uma gangrena digital. O uso de sapatos fe-chados e macios e meias para proteger os pés do atrito é muito importante, evitando-se o uso de chinelos. Lembrar ainda de não realizar autocirurgias e desbridamentos, como cortar calos e cutícula.

Controle de fatores de risco – principalmente o tabagismo. O controle da hipertensão arterial, do diabetes e da dislipidemia também deve ser encorajado. A redução de peso e iniciar o hábito de exercitar-se faz parte da mudança de estilo de vida que pode auxiliar no tratamento.

Uso de antiagregantes (ácido acetil salicílico, clopidogrel), vasodilatadores (cilostazol) e estatinas é recomendado atualmente como fator protetor de aci-dentes trombóticos e melhoria na qualidade de vida. O problema com o uso da medicação é o alto custo das mesmas e os efeitos colaterais, que são frequentes.

O Prof. Dr. João Potério Filho31 desenvolveu técnica para auxiliar no desenvolvi-mento de circulação colateral através da compressão pneumática dos membros inferio-res, que pode auxiliar estes pacientes, melhorando os sintomas e evitando a cirurgia.

Pacientes com claudicação limitante e nos estágios II e III está indicada a correção cirúrgica e/ou endovascular.

Está proibida a aplicação de calor local para aquecimento dos pés e eventuais desbridamentos sem orientação especializada.

Tratamento cirúrgicoIndicado nos estágios mais avançados de dor de repouso e presença de

lesão trófica (úlceras e gangrenas). Entretanto, claudicantes com impedimento importante das suas atividades podem ter indicação de cirurgia (especialmente no setor aorto-ilíaco e fêmoro-poplíteo).

A tabela 3 resume as principais opções de cirurgia.

As principais cirurgias realizadas em membros inferiores para revasculari-zação são pontes com material sintético (Dacron®, PTFE) no território aorto-ilíaco (devido à compatibilidade de calibres) e pontes, preferencialmente com safena, no território infrainguinal. A segunda opção no segmento fêmoro-po-plíteo são as próteses sintéticas, porém, abaixo do joelho praticamente só se utilizam veias safenas para derivações em ponte.

O funcionamento em cinco anos de uma derivação fêmoro-poplítea aci-ma do joelho com safena é de 70%. Quando se utilizam próteses nessa mesma região, esse funcionamento cai para 50%.

Quanto mais curtas e proximais as pontes, maior o funcionamento das mesmas.

31João Potério Filho, 1937- . Cirurgião vascular brasileiro, Professor Adjunto de Moléstias Vasculares da Faculdade de Ci-ências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

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Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

Tratamento endovascularAs cirurgias endovasculares estão em franco progresso. As indicações clínicas são as mesmas da cirurgia

tradicional.

No território aorto-ilíaco têm bom resultado (semelhante à cirurgia) em lesões curtas (menores que 3 cm), estenosantes (não oclusivas), concêntricas e não calcificadas. Vale a pena salientar que neste território a cirurgia endovascular apresenta uma morbi-mortalidade muito inferior, pois evita a abertura da cavidade abdominal e o trauma anestésico-cirúrgico. É portanto a primeira escolha quando tecnicamente factível.

Também têm sido bastante indicadas em lesões com as mesmas características na artéria femoral superfi-cial. Abaixo do joelho, entretanto, só são indicadas para salvamento do membro e em pacientes sem condições clínicas para cirurgia aberta. Devido a uma patência muito inferior à cirurgia tradicional no segmento distal, não são recomendadas para claudicantes como rotina.

Complicações do tratamentoSão inúmeras as complicações das cirurgias de revascularização de membros inferiores, entre elas

podemos citar:

• Infecção

• Deiscência da incisão

• Obstrução da ponte

• Embolia

• Fístulas linfáticas

• Perfuração arterial e fistulas arteriovenosas (procedimentos endovasculares)

• Perda do membro

• Infarto do miocárdio

Tabela 3: Opções cirúrgicas mais utilizadas na atualidade

Tipo de Cirurgia

Endarterectomias

Remendos (patch)

Derivação com prótese

Derivações com safena

Derivaçõesextra-anatômicasSimpatectomia

Neurotripsia

Amputações

Material

Sem

Veia/ artéria endarte-rectomizada/pericárdio bovino/Dacron®/PTFESafena (magna, parva), veias de membro superior, Dacron®, PTFESafena (magna, parva), veias de membro superiorSafenas, Dacron®, PTFE

sem

sem

sem

Descrição

Retirada cirúrgica da placa (aberta, em eversão)Remendo para evitar estenoses de arteriorrafia

Anastomoses término-terminais ou término-laterais

Devalvular quando não invertida

Axilo-femoral, fêmoro-femoral, aorto-femoral pelo forâmen obturadorDenervação da cadeia simpática lombar ( L2,3,4)Secção dos nervos sensitivos do tornozeloPé, perna, joelho e coxa

Local Mais Utilizado

Carótidas e Bifurcação FemoralConserto de arteriotomias em vasos finos

Território aorto-ilíaco

Território fêmoro-poplíteo

Pacientes com alto risco cirúrgico e infecçãoArterites

Arterites

Necrose extensa tecidual

Dacron® - marca comercial de fibra de poliéster utilizada na confecção da malha de próteses de tecido. PTFE – politetra-fluoroetileno expandido, material utilizado na confecção de próteses de plástico expandido.

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Moléstias Vasculares54

Oclusão Arterial Crônica Eduardo Faccini Rocha

• Acidente vascular cerebral

• Insuficiência renal aguda (uso de contrastes nefrotóxicos)

• Lesão de nervos sensitivos periféricos

Somente a vigilância constante e técnica cirúrgica aprimorada podem minimizar essas complicações e efetivamente salvar o membro isquêmico.

Prognóstico se tratado e não tratado Os membros em isquemia crítica, se não submetidos a intervenção cirúrgica ou endovascular, na

maioria das vezes, evoluem para uma amputação. Os pacientes claudicantes podem se beneficiar do trata-mento clinico apenas e, ainda é controverso, o tratamento invasivo em todos os claudicantes. A compressão pneumática, já citada, é alternativa eficiente no tratamento da claudicação intermitente.

Seguimento pós-operatório Todos os pacientes submetidos a intervenção cirúrgica ou endovascular devem ser seguidos com índices de

Doppler e ultrassonografia dúplex, visto que, nos primeiros 2 anos há risco de desenvolvimento de hiperplasia miointimal nas anastomoses, regiões angioplastadas ou com stent, e que levam à oclusão da artéria em questão.

Quedas no índice tíbio-braquial maiores do que 15% sugerem estenoses significativas, que devem ser confirmadas com ultrassonografia dúplex e posteriormente arteriografia.

A vigilância dessas cirurgias permite a reintervenção antes da oclusão do vaso.

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Pé Diabético Carla Aparecida Faccio Bosnardo7Capítulo

Pontos essenciais no diagnóstico• Deformidade do pé

• Presença de neuropatia sensitivo-motora

• Calosidades e/ou mal perfurante plantar

• Infecções

• Pode haver a presença de obstrução arterial

Considerações GeraisO pé é uma das partes mais delicadas e complexas que existem no corpo

humano, um conjunto de estruturas que suportam o nosso peso, dão equilíbrio e permitem a locomoção.

O diabetes melito é uma doença crônica sistêmica que compromete mais de 100 milhões de pessoas em todo o mundo, provoca alterações metabólicas generalizadas que são mais sérias quanto mais cedo se iniciam. Sabe-se que um dos principais motivos para que as manifestações sistêmicas apareçam é o des-controle dos níveis de glicemia com longo tempo de evolução. Em relação às extremidades, o que se observa é a instalação inicialmente da neuropatia, segui-da da angiopatia e infecções. Como as complicações das extremidades se fazem mais presentes no pé, cunhou-se o termo pé diabético.

O pé diabético é responsável por cerca de 50% das amputações não trau-máticas, geralmente em decorrência de deformidades ósteo-articulares, infecção e/ou quadros isquêmicos.

O aparecimento do pé diabético se dá por volta da quinta década, varian-do entre a segunda e a sexta, de acordo com o tempo de evolução da doença. É possível ser extremamente precoce, cerca de seis a oito meses após o início da doença e chegar até a cinquenta anos.

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Pé Diabético Carla Aparecida Faccio Bosnardo

Na maioria dos casos os pacientes vivem em regime de hiperglicemia cons-tante mesmo sob o uso de insulina e hipoglicemiantes.

SintomasQuando falamos em pé diabético devemos lembrar seus três componentes

principais:

1) Neuropatia, sendo esta causada pela microangiopatia. A microangio-patia é uma manifestação exclusiva dos diabéticos que atinge a retina, os rins, a pele e nervos. Ocorre o espessamento da membrana basal com a consequente perda de função do órgão afetado. A neuropatia é progressiva e acomete sequen-cialmente a sensibilidade profunda, função autonômica, sensibilidade táctil e dolorosa e a inervação motora.

A perda da propriocepção resulta na exposição dos ligamentos, cápsulas articulares e tendões a esforços maiores do que os habituais, acarretando sublu-xações e deslocamentos ósseos, com lesão das superfícies articulares e dos ossos.

A perda da inervação autonômica resulta na diminuição da atividade simpática, abrindo comunicações arteriovenosas pré-capilares, com aumento de temperatura e rubor cutâneo. O aumento do fluxo ainda resulta em maior absorção óssea, acelerando o processo de osteopenia e favorecendo fraturas pa-tológicas dos ossos do pé. Produz o ressecamento da pele pela perda da sudorese normal, resultando em rachaduras e descamação acentuada.

A perda da sensação táctil e dolorosa, a mais importante, leva à incapacidade do paciente de se proteger de objetos pérfuro-cortantes e traumatismos (como pre-gos que atravessam o solado, pedrinhas, calçados duros e apertados, etc.). Leva ainda à formação de calosidades plantares em decorrência da falta de proteção das áreas de atrito e, em última instância, ao mal perfurante plantar. Em uma fase inicial da neu-ropatia sensitiva o paciente refere disestesias, como desconforto ao cobrir os pés com lençol ou usar meias, frequentemente referindo uma dor tipo pontada nas plantas dos pés durante a noite. Progressivamente percebe a diminuição da sensibilidade, chegando a perder os chinelos ao caminhar, sem se aperceber disto.

A neuropatia motora afeta a musculatura da planta do pé e interóssea. A perda de função destes músculos resulta em deformidades do tipo artelhos em cabeça de martelo e na perda da curvatura normal do arco do pé, resultando em pontos anormais de apoio sobre a cabeça dos metatarseanos, que geram, em asso-ciação com a perda da sensibilidade, o mal perfurante plantar. Em quadros muito avançados ocorrem as deformidades que caracterizam a artropatia de Charcot32.

2) A macroangiopatia, causada pela aterosclerose, é acelerada no paciente com diabetes melito. Acomete todos os territórios arteriais, mas principalmente as artérias da perna e é acompanhada de calcificação da camada média da parede arterial (doença de Mönckeberg33). Nesses pacientes é comum observar a preser-vação da circulação até o joelho e, abaixo do joelho, a oclusão das atérias tibial anterior e posterior no terço superior da perna com a preservação da artéria fibu-lar. Quando as artérias encontram-se muito calcificadas, o índice tornozelo-braço perde o seu valor diagnóstico, resultando em valores falsamente elevados, sendo às vezes completamente incompressíveis (valor da pressão no manguito atinge 300 mmHg sem a oclusão da artéria), à semelhança de tubos de porcelana. Este fenô-meno pode tornar as técnicas de revascularização muito mais complicadas.

32Jean-Martin Charcot, 1825-1893. Neurologista francês.33Johann Georg Mönckeberg, 1877-1925. Patologista alemão.

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Pé Diabético Carla Aparecida Faccio Bosnardo

3) Maior facilidade de contrair infecções profundas devido a uma falência do sistema imunológico (menor migração leucocitária e menor função dos anti-corpos). As infecções costumam iniciar em pequenas lesões cutâneas interdigitais, ou pequenos traumatismos, e progridem para o espaço profundo do pé, alastran-do-se pelas bainhas dos tendões, tecido conectivo e fáscias. Ocorre a formação de abcessos e extensa necrose tecidual nos espaços profundos, com a pele na superfí-cie relativamente preservada. O pé se apresenta com aspecto estufado, aumentado de volume comparado ao membro contralateral. A relativa preservação da pele, as-sociada à falta de dor, retarda muito a procura de assistência médica, sendo que o paciente geralmente se percebe frente a um quadro grave, ao apresentar a necrose de um artelho ou a drenagem de secreção com odor pútrido por um machucado. A flora bacteriana responsável pela infecção é mista, envolvendo germes Gram34 negativos, Gram positivos, aeróbios e anaeróbios. Quando existe a associação com bactérias anaeróbias, ocorre a formação de gás, que pode ser percebido pela crepi-tação dos tecidos à palpação e sinaliza quadro de urgência médica, uma vez que as fasciítes necrotizantes levam rapidamente o paciente a quadro de sepse.

É importante ressaltar que o paciente diabético, com problemas nos pés, apresenta a combinação dos três fatores: neuropatia, infecção e isquemia. Mas pode-se observar na prática clínica dois grupos de apresentações mais comuns: 1) paciente com avançada neuropatia, com mal perfurante plantar ou artropatia de Charcot, e com a circulação arterial preservada (presença de pulso palpável no pé). Esse paciente desencadeia processo infeccioso que exige extensa drenagem e desbridamento e, às vezes, amputação primária para controle da infecção. 2) paciente com isquemia e que, após pequeno trauma, desenvolve necrose seca com infecção secundária e dor isquêmica de repouso, exigindo revascularização e, a seguir, desbridamento ou amputação.

Exame FísicoOs pacientes diabéticos, principalmente os de longa data e mal controlados,

são considerados de risco para o desenvolvimento de complicações nos pés. Para estes, o exame dos pés deve ser realizado a cada ano. As áreas a serem examinadas são dorso e planta, espaços interdigitais, calcâneo e região maleolar, observando-se:

• Temperatura

• Zonas de hiperceratose

• Fissuras

• Lesões ulceradas e necróticas

• Micoses

• Pelos e unhas

• Mobilidade das articulações e deformidades

• Palpação de pulsos

• Teste de sensibilidade

Dentre todas as avaliações realizadas no exame físico o teste da sensibilida-de é o mais importante, porque determina situação de risco para o pé. De acor-do com o Consenso Internacional sobre pé diabético, as técnicas recomendadas são as demonstradas na Tabela 1:

34Hans Christian Joachim Gram, 1853-1938. Far-macologista e patologista dinamarquês.

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Pé Diabético Carla Aparecida Faccio Bosnardo

Exames complementaresO diagnóstico do pé diabético é clínico, através principalmente do exame físico do doente, mas em

situações de infecção ou isquemia alguns exames de imagem podem ajudar principalmente no tipo de tra-tamento a ser empregado. Dentre eles, temos:

1. Raio X – pode-se encontrar derrame articular, subluxações, alterações ósseas, osteófitos marginais, com o desenrolar do processo modificações atróficas que consistem na reabsorção das cabeças dos metatarsos e diáfises falangeanas (aspecto em ampulheta).

2. Cintilografia – na avaliação da osteomielite é muito mais sensível do que o exame de raio X.

3. Tomografia computadorizada – auxilia na avaliação dos espaços profundos do pé, podendo orientar as áreas a serem drenadas. As imagens devem analisar comparativamente os dois pés.

4. Doppler – avaliação da pressão sistólica e do formato das ondas de velocidade, dá indicação da gravidade e sugere o local da estenose e/ou oclusão.

5. Ultrassonografia dúplex – estuda a imagem do vaso, podendo diferenciar estenoses de oclusão. Em pacientes com insuficiência renal, pode substituir o estudo angiográfico com contraste iodado. Uma limita-ção da técnica é a presença de calcificação, que impede a visualização da luz arterial pelo ultrassom.

6. Angiografia e Angiorressonância – tratam-se de exames que visam o planejamento cirúrgico, não devem ser solicitados apenas para acompanhamento, avaliam a árvore arterial visando encontrar sítios que permitam a revascularização.

7. Cultura das secreções – a coleta de material para cultura é fundamental em qualquer procedimento de drenagem ou desbridamento. Deve-se pesquisar bactérias e fungos. A identificação de germes anaeróbios é mais difícil devido às dificuldades na coleta e meios de cultura.

TratamentoO primeiro ponto quando se fala em pé diabético é a prevenção através da educação do paciente e da

família. Após o aparecimento das lesões, os tratamentos, por mais simples que sejam, levam o paciente a mutilações. Dessa forma devemos ter em mente alguns pontos para a prevenção:

Controles dos fatores de risco – glicemia, obesidade, tabagismo, dislipidemia, sedentarismo.

Inspeção e exame frequente dos pés por um membro da família, uma vez que o paciente com diabetes avançado apresenta diminuição da acuidade visual devido à retinopatia.

Nunca andar descalço. Usar calçados muito macios e palmilhas confeccionadas para as alterações biomecânicas dos pés. Sacudir e limpar os calçados antes de usá-los para retirar qualquer objeto que possa perfurar o pé.

Lavar os pés diariamente, tendo o cuidado de secá-los. Cuidados com as unhas e lesões ao cortá-las. Passagem de cremes hidratantes após o banho. Tratar eventuais micoses precocemente, ou melhor, usar o antimicótico profilaticamente de forma contínua.

Tabela 1: Testes de sensibilidade recomendados para a avaliação do pé diabético.

Percepção da pressão

Percepção da vibraçãoDiscriminação

Sensação táctilReflexos

Monofilamento de Semmes-Weinstein

Diapasão 128 HzPicada superficial de alfinete

Algodão no dorso do péReflexos aquilianos

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Pé Diabético Carla Aparecida Faccio Bosnardo

Nunca mergulhar os pés em líquidos quentes a fim de esquentá-los ou ficar próximo de aquecedores ou outras fontes de calor.

Nunca realizar autocirurgia de calosidades, o tratamento destas deve ser feito por profissional especializado.

Identificação precoce de qualquer microlesão e instituição precoce de antibioticoterapia de largo espectro.

Quando a lesão já está instalada o tratamento rápido se faz necessário. A maioria dos pacientes necessita de internação para antibioticoterapia parenteral (os mais utilizados são ampicilina/sulbactam, clindamicina, ciprofloxacina e vancomicina) e uma inspeção melhor da ferida com limpeza adequada, retirando secreções e tecidos desvitalizados a fim de se ter real noção da magnitude das lesões. É importante lembrar que nem sempre o paciente diabético mostra sinais evidentes de infecção, as manifestações locais podem ser sutis e mesmo assim o paciente pode estar evoluindo para quadro séptico.

Quando o desbridamento é indicado, deve-se ter conhecimento da situação circulatória do doente, visto que se for satisfatória (presença de pulsos normais no pé), o mesmo deve ser amplo com retirada de todo o tecido desvitalizado e drenados os abscessos, sabendo-se que quando a infecção estiver debelada, as incisões cicatrizarão. No caso de existir comprometimento da macrocirculação, esse processo não pode ser tão amplo, visto que estamos diante de tecido isquêmico e o debridamento pode ser danoso ao paciente. Nesse caso, a drenagem dos abscessos é realizada, mas o desbridamento efetivo não, até que o paciente seja revascularizado. A revascularização em pacientes diabéticos deve sempre ser pensada como em qualquer ou-tro paciente com ateroesclerose periférica. O aprimoramento da equipe médica melhora o prognóstico desses enxertos, que são realizados para segmentos arteriais muito distais na perna ou dentro do pé, possibilitando maior taxa de salvamento dos membros afetados. A veia safena magna ainda é o principal conduto para a revascularização, mas hoje as técnicas endovasculares permitem muitas vezes a cicatrização de lesões em pacientes que não poderiam ser expostos a grandes cirurgias, mesmo que com uma durabilidade menor.

O pé diabético é um quadro grave, complicação de um diabetes melito mal controlado de longa evo-lução. É a principal causa de amputações não traumáticas, mas tem como ser prevenido e evitado através de simples cuidados com os pés.

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Aneurismas Fábio Hüsemann Menezes8Capítulo

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Tumor pulsátil em trajeto arterial.

• Geralmente assintomáticos – descobertos por exame físico e exames de imagem.

• Podem complicar com ruptura, trombose, embolização da árvore arterial distal e compressão de estruturas vizinhas.

Considerações GeraisAs artérias possuem três camadas: íntima, média (fibras elásticas e musculares) e

adventícia. Quando ocorre a dilatação das três camadas da artéria o aneurisma é cha-mado de verdadeiro. O exemplo típico é o aneurisma de aorta abdominal infrarrenal decorrente do envelhecimento da parede arterial (Figura 1).

Figura 1 - Classificação dos aneurismas de acordo com o tipo de lesão da parede vascular. (A) verdadeiro, acomete as três camadas do vaso, exemplo típico o aneuris-ma da aorta abdominal infrarrenal. (B) falso aneurisma, ocorre pelo extravazamento de sangue através de uma lesão da parede vascular o qual é contido pelas estruturas vizinhas, o exemplo típico é o falso aneurisma pós-trauma. (C) dissecção arterial com formação de aneurisma da camada adventicial do vaso, o exemplo típico é a degeneração aneurismática pós dissecção crônica da aorta descendente.

A B CFHM

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Aneurismas Fábio Hüsemann Menezes

Quando ocorre a ruptura da parede arterial resultando em um hematoma contido pelas estruturas vizinhas, mas que leva clinicamente à presença de um tumor pulsátil em trajeto arterial, o aneurisma é chamado de falso, ou pseudoaneurisma. O exemplo típico é o falso aneurisma pós cateterismo ou trauma arterial. Um subtipo especial de aneurisma falso é o aneurisma anastomótico, que pode ser formado entre uma prótese e a artéria onde foi suturada. Com o passar dos anos, a tração da linha de sutura pela expansão arterial a cada ciclo cardíaco, leva à esgarçadura da parede arterial e os pontos da sutura se desgarram, per-mitindo que o fluxo sanguíneo dilate a fibrose que se forma ao redor da anastomose.

Outra variação é o aneurisma resultante da dissecção arterial, onde a camada dilatada é apenas a adventícia.

Os aneurismas verdadeiros ainda podem se apresentar como aneurismas fusiformes, onde a parede arterial se dilata gradualmente, como um todo, e depois diminui, até atingir o calibre normal distalmente. Podem também ser saculares, onde a dilatação é súbita, geralmente atingindo de forma mais significativa um lado da parede arterial.

A área de artéria normal proximalmente ao aneurisma é chamada de colo proximal (Figura 2). Os aneurismas fusiformes com frequência apresentam também um colo distal. Em relação ao tamanho, consi-dera-se aneurismática uma artéria que atinge o dobro do calibre esperado para aquela região ou da artéria imediatamente acima do local dilatado.

Quanto à etiologia (Tabela 1) os aneurismas verdadeiros são na sua maioria denominados de ate-roscleróticos, em virtude do anátomo-patológico da parede dos aneurismas revelar alterações compatí-veis com o processo aterosclerótico. No entanto, é observado que os pacientes com aneurisma de aorta apresentam na maioria dos casos ausência de obstrução arterial e a idade em que o processo ateroscleró-tico se manifesta é justamente a mesma do envelhecimento da parede arterial. Hoje, acredita-se que os aneurismas verdadeiros chamados de ateroscleróticos são, na verdade, resultado do envelhecimento da parede arterial, com consequente perda das fibras de colágeno e elásticas. Este fato é corroborado pela alta associação de aneurisma de aorta com quadros de hérnias de parede abdominal, presença de doença

Figura 2 - Classificação dos aneurismas de acordo com o formato do aneurisma. (A) aneurisma fusi-forme, apresenta uma dilatação gradual, com a presença de artéria de calibre normal acima e abaixo do mesmo. Um bom exemplo é o aneurisma de artéria poplítea. (B) sacular, onde apenas um pequeno segmento da parede arterial se dilata, formando uma “bolsa” lateralmente ao vaso, sendo um exemplo típico os aneurismas de carótida interna no segmento cervical.

A BFHM

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Aneurismas Fábio Hüsemann Menezes

Existem outras causas para a formação de aneurismas verdadeiros: podem ocorrer por dilatação pós-estenótica, verificada, por exemplo, no aneurisma de artéria subclávia secundário à presença de uma costela cervical; pela presença de doenças do colágeno, como nas síndromes de Marfan37 e Ehler-Danlos38; nos casos de displasia fibro-muscular; podem ser secundários a doenças inflama-tórias, como nas Doenças de Takayasu39 e Kawasaki40; secundário a processos infecciosos, como no caso da sífilis terciária.

Entre as causas de pseudoaneurismas, a mais comum atualmente é a iatro-gênica, após procedimentos invasivos arteriais, mas podem ocorrer por processos infecciosos, como nos aneurismas cerebrais, viscerais ou em partes distais das ex-tremidades, causados pelo Staphylococcus aureus; aneurismas periféricos ou da aor-ta causados por germes Gram negativos, principalmente em imunodeprimidos e transplantados; secundários a traumas penetrantes, como em ferimentos por arma de fogo ou branca e fraturas; e nos casos de aneurismas anastomóticos.

Quanto à localização dos aneurismas verdadeiros, a mais comum é o aneurisma de aorta abdominal infrarrenal. Oitenta por cento dos aneuris-mas de aorta acometem a aorta abdominal na sua porção infrarrenal. Esta localização parece ocorrer preferencialmente devido à parede da aorta neste local apresentar menor espessura e menor teor de fibras de colágeno e elás-ticas. Também neste local existe menor quantidade de vasa vasorum, o que sugeriria uma menor capacidade de nutrição da parede. Quando a onda do pulso cardíaco atinge a bifurcação da aorta, ocorre uma onda de ressonância que se propaga retrogradamente, gerando também maior estresse da parede neste local. As artérias ilíacas comuns estão frequentemente acometidas em

35Hans Christian Joachim Gram, 1853-1938. Farmacolo-gista e patologista dinamarquês.36Hulusi Behçet, 1889-1948. Dermatologista turco.37Antoine Bernard-Jean Marfan, 1858-1942. Pediatra francês.38Edvard Lauritz Ehlers, 1863-1937. Dermatologista dinamarquês. Henri-Alexandre Danlos, 1844-1912. Clínico e dermatologista francês.39Mikito Takayasu, 1860-1938. Oftalmologista japonês.40Tomisaku Kawasaki. Pediatra japonês. Descreveu a doença em 1967.

Tabela 1: Etiologia dos aneurismas

Degenerativa

Defeitos do Colágeno

Doenças Inflamatórias

Infecciosa

Mecânica

AteroscleróticosDisplasia Fibro-muscular

Síndrome de MarfanSíndrome de Ehlers-DanlosDoença de TakayasuDoença de KawasakiPoliarterite NodosaDoença de Behçet36

Sífilis terciáriaPós-estenóticos (costelas cervicais, aprisionamento de artéria poplítea)

Traumática

Infecciosa

Anastomótica

Pós Dissecção aguda de aorta/carótidas

IatrogênicosPós ferimentos pérfuro-contusosStaphilococus aureusGram35 Negativos

pulmonar obstrutiva crônica e cistos renais; doenças também relacionadas à perda do colágeno. Outro fator importante na etiologia é a maior incidência de aneurismas entre parentes de primeiro grau (irmãos, pais, filhos), sugerin-do que esses pacientes apresentem a estrutura do colágeno mais fraca, ou em menor quantidade.

Verdadeiros Falsos

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Aneurismas Fábio Hüsemann Menezes

continuidade com a aorta abdominal e são consideradas como uma unidade anatômica do ponto de vista cirúrgico (aneurismas aorto-ilíacos).

Em seguida, por ordem de frequência, estão os aneurismas da artéria poplítea, os da aorta torácica e tóraco-abdominal, os de femoral, carótida, subclávias, axilares e viscerais.

Os aneurismas anastomóticos podem ocorrer em qualquer local onde é colocada uma prótese. A loca-lização mais frequente de próteses arteriais é o setor aorto-ilíaco e, portanto, ocorrem com maior frequência nas anastomoses na aorta, ilíacas e principalmente nas regiões femorais. Todo paciente onde é utilizada uma prótese deve ser mantido em seguimento no mínimo anual, por tempo indeterminado, de maneira a vigiar as anastomoses.

SintomasA grande maioria dos aneurismas é assintomática e corresponde a achado de tumoração pulsátil em

trajeto vascular. Os aneurismas de aorta são encontrados na maioria das vezes por exames de imagem ab-dominal (ultrassonografia) na pesquisa de outras patologias, como doenças digestivas, urológicas e gineco-lógicas. Podem ser suspeitados ao exame físico abdominal quando o diâmetro da aorta ultrapassa 5 cm e o paciente apresenta um volume abdominal pequeno. Em pacientes obesos (perímetro abdominal maior do que 100 cm) é muito difícil de se perceber um aneurisma de pequenas dimensões.

Costumam ser assintomáticos até a iminência da ruptura, quando então apresentam-se com intensa dor abdominal, irradiada para as costas, confundindo com quadros de litíase renal. Se evoluir para a ruptura, o paciente frequentemente apresenta sintomas de hipotensão temporária, como desmaios ou sensação de mal estar acompanhada de sudorese gelada e palidez, que pode compensar espontaneamente caso o sangra-mento seja contido pelas estruturas abdominais vizinhas ao aneurisma. No entanto, na maioria das vezes o paciente apresenta-se taquicárdico, descorado e com hipotensão postural. A tríade clássica para o diagnós-tico de um aneurisma abdominal roto é: presença de massa abdominal pulsátil, dor abdominal e sinais de choque hemorrágico. Caso a ruptura do aneurisma se faça para a cavidade abdominal (ruptura livre dentro do peritônio) o paciente evolui rapidamente para o óbito.

Os aneurismas de aorta podem, mais raramente, complicar com trombose da luz, produzindo quadros de isquemia dos membros inferiores; apresentar embolização da árvore arterial distal, levando ao que se cha-ma de trash foot ou “pé de lixo”, onde a microcirculação é obstruída levando a intenso livedo e necrose das polpas digitais; comprimir estruturas vizinhas como a coluna vertebral, levando mesmo à erosão do corpo vertebral; pode fistulizar para a veia cava inferior ou veia renal esquerda produzindo dor e quadro de insufi-ciência cardíaca com hipertensão venosa dos membros inferiores, fistulizar para o duodeno ou via urinária, produzindo hematêmese e melena ou uretrorragia.

Um subtipo especial de aneurisma corresponde ao aneurisma inflamatório. Nestes casos ocorre espessamento do retroperitônio que engloba não somente a aorta, mas também os ureteres. Este qua-dro está associado à presença de dor abdominal e pode levar a alteração da função renal pela obstrução das vias urinárias. Quando um paciente se apresenta com aneurisma de aorta e dor abdominal, deve-se pesquisar a iminência de ruptura, aneurismas inflamatórios ou a presença de um tumor abdominal con-comitante com o aneurisma.

Os aneurismas de poplítea costumam passar despercebidos até que resultem em uma obstrução arte-rial aguda (Tabela 2). Os aneurismas tendem a apresentar na sua luz camadas de coágulos bem organizados, que vão preenchendo a área dilatada de maneira a manter o calibre da luz original do vaso. Estes trombos podem se desalojar em pequenos fragmentos, levando a microembolizações da árvore arterial distal, ou frag-mentos maiores que produzem obstrução súbita e completa da irrigação do membro. A trombose do aneu-risma de poplítea leva em 50% dos casos à perda do membro. Os aneurismas de poplítea também podem produzir compressão de estruturas do cavo poplíteo, especialmente da veia poplítea, levando a trombose

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Aneurismas Fábio Hüsemann Menezes

venosa e edema, ou dor e incômodo pela presença da massa no cavo poplíteo. O principal diagnóstico diferencial se faz com cistos posteriores da articulação do joelho (cistos de Baker41).

Tabela 2: Tipo de aneurisma e complicação mais comum

Aorta abdominal

Poplítea

Subclávia/axilar/femoral

Ruptura

Trombose aguda

Embolia distal

41William Morrant Baker, 1839-1896. Cirurgião inglês.42Michael Ellis DeBakey, 1908-2008 . Cirurgião americano de Houston, Texas.

Os aneurismas de artéria subclávia/axilar produzem quadros de emboliza-ção distal com muita frequência, por se tratar de área muito móvel e passível de compressão entre a clavícula e a primeira costela, levando a uma alta chance de desalojar fragmentos do trombo mural.

Exame físicoComo citado anteriormente, se o paciente for magro é fácil de se palpar

todo o trajeto da aorta abdominal e das ilíacas. Desta maneira pode-se diag-nosticar a presença de um aneurisma de aorta abdominal e ilíacas e de artérias dos membros inferiores apenas pela palpação. Lembrar-se de sempre pesquisar a aorta abdominal nos pacientes com aneurismas de qualquer localização e, nos pacientes com aneurisma de aorta, pesquisar os aneurismas de poplítea. Para se estimar o calibre da aorta esta deve ser palpada entre as duas mãos, descontan-do-se a seguir a espessura da parede abdominal. Quando o limite proximal do aneurisma de aorta pode ser facilmente separado do gradeado costal, significa que deve existir um espaço entre o aneurisma e as artérias renais, sinal descrito pelo cirurgião americano Michael DeBakey42.

Os tumores localizados sobre grandes vasos também podem se apresen-tar como massas pulsáteis, mas os aneurismas pulsam em todas as direções, en-quanto os tumores localizados sobre os vasos “pulsam” apenas anteriormente. Outra característica dos aneurismas de aorta é que são fixos com a respiração, enquanto que as massas tumorais intra-abdominais são geralmente móveis com a respiração.

Os aneurismas de poplítea são palpáveis como massas no cavo poplíteo, e geralmente ocupam posição acima da interlinha articular do joelho. O pulso poplíteo é difícil de ser palpado e toda vez que se torna muito facilmente identificado, deve-se suspeitar de dilatação da artéria. As causas mais comuns de aumento de volume do cavo poplíteo são a presença de cistos de Baker e aumento da gordura do cavo.

Os aneurismas de carótida são geralmente palpáveis no pescoço e quando volumosos produzem sintomas de compressão de nervos cranianos, em especial do glossofaríngeo. Nos pacientes com hipertensão arterial, as artérias carótidas comuns tendem a se alongar e produzir sensação de massa pulsátil anormal na região cervical. Ao exame físico, as artérias alongadas podem ser mobilizadas e não se consegue perceber o efeito de pulsatilidade em todas as direções, que é

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típica dos aneurismas. Os aneurismas são mais fixos e pulsáteis. Também os aneurismas de carótidas se loca-lizam próximos ao ângulo da mandíbula e são mais frequentemente confundidos com adenopatias cervicais por metástases tumorais, ou tumor de glomus carotídeo.

Os aneurismas de subclávia/axilar, quando ocorrem em jovens, estão associados frequentemente à pre-sença de uma costela cervical ou outra anomalia anatômica do desfiladeiro torácico, que deve ser pesquisado (ver capítulo sobre Síndrome do Desfiladeiro Torácico).

Exames complementaresDo ponto de vista laboratorial os pacientes com aneurismas de aorta devem ser completamente es-

tudados. Solicita-se de rotina exames de eletrólitos, função renal, coagulação, hemograma completo com plaquetas, exame de urina tipo I. Caso indicado exames de função hepática. O conhecimento das taxas de colesterol e triglicérides é útil na prevenção secundária de doença cardíaca e carotídea. Avaliação pulmonar e cardíaca completas devem ser solicitadas, se possível com a realização de gasometria, radiografia de tórax (AP, perfil e oblíqua anterior esquerda) e teste de função pulmonar. Do ponto de vista cardiológico, além do eletrocardiograma, um ecocardiograma e provas de avaliação de isquemia do miocárdio. Não há exame específico para o diagnóstico etiológico dos aneurismas. Quando se suspeita de causa infecciosa, deve-se solicitar hemoculturas, culturas do trombo e da parede arterial na ocasião da cirurgia.

Exames de imagemEmbora a ultrassonografia abdominal seja suficiente para o diagnóstico do aneurisma de aorta e

seguimento dos casos de pequeno diâmetro, onde a correção cirúrgica não está indicada, o melhor exame para o planejamento cirúrgico é a angiotomografia ou a angiorressonância magnética. É importante frisar que deve-se sempre estudar os cortes axiais e não somente as reconstruções, que se constituem apenas em luminografias. Tanto a tomografia como a ressonância magnética demonstram claramente o colo proxi-mal do aneurisma, as características anatômicas em relação aos ramos viscerais, calibres e tortuosidades da aorta e ilíacas, presença de outros aneurismas e variações anatômicas das veias abdominais, permitin-do o planejamento cirúrgico tanto da correção por via aberta como endovascular. A tomografia traz a vantagem de visualizar bem as áreas de calcificação, mas apresenta o inconveniente de utilizar contraste iodado, que pode ser nefrotóxico e produzir alergias ou reações adversas. A ressonância, por outro lado, utiliza contraste com menor índice de complicações, mas não demonstra adequadamente a calcificação arterial. Os dois métodos substituem com vantagens a arteriografia convencional dos ramos viscerais e membros inferiores. A arteriografia convencional é exame indicado para a avaliação dos ramos viscerais na suspeita de estenoses destes, nos casos de doença obstrutiva da árvore arterial distal e na programação de correções endovasculares. Deve ser limitada aos casos onde não se consiga uma angiotomografia ou angiorressonância com qualidade técnica satisfatória.

TratamentoO objetivo principal do tratamento dos aneurismas é evitar as complicações, antes que elas ocorram.

É, portanto, uma visão de profilaxia. No tratamento do aneurisma de aorta, o que se deseja é evitar a morte do paciente pela ruptura do aneurisma. Nos casos de aneurismas periféricos, deseja-se prevenir a emboliza-ção distal com consequente obstrução arterial aguda e risco de perda do membro. No entanto, todo procedi-mento médico apresenta um risco de complicações e óbito. O desafio para o médico cirurgião é determinar em quem o benefício da cirurgia profilática ultrapassa com vantagens o risco de complicações e óbito, a

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curto e longo prazo. Dentro da avaliação do risco deve ser levada em consideração a capacidade técnica do serviço médico de oferecer cuidados com grande qualidade e bons resultados.

Para se entender melhor a situação pode-se observar dois extremos na indicação da correção do aneu-risma de aorta. O primeiro caso seria um paciente de 60 anos, que nunca fumou e pratica exercícios físicos diariamente e, na avaliação de um quadro de hiperplasia benigna prostática, descobriu um aneurisma de 5,6 cm de diâmetro transverso, infrarrenal. O segundo caso seria um paciente de 82 anos, fumante desde a juventude, apresentando quadro de enfisema pulmonar, com antecedente de infarto agudo do miocárdio há 6 anos, e com uma função renal deprimida, com um nível de creatinina de 3,2 mg/dl e onde é descoberto um aneurisma de aorta de 4,8 cm infrarrenal, durante a investigação de quadro de constipação intestinal.

Três perguntas devem ser formuladas1. Qual é o risco cirúrgico de complicações e óbito destes pacientes? Para um paciente jovem e hígido,

o risco encontra-se abaixo de 1%. Para um paciente idoso, com doença pulmonar, cardíaca e renal associa-das, o risco supera 20%.

2. Qual é o risco de ruptura desses aneurismas? Por estudos realizados nas décadas de 60 e 70, sabe-se que a chance de ruptura em 5 anos de um aneurisma de 5 cm é em torno de 25%, ou seja 5% ao ano. A chance de ruptura aumenta exponencialmente com o aumento do diâmetro transverso (e ântero-posterior, mas não com o comprimento linear) dos aneurismas, de maneira que um aneurisma menor do que 4,5 cm tem uma chance remota de ruptura em 5 anos, enquanto que um aneurisma com 8 cm de diâmetro tem uma chance de ruptura em 5 anos de praticamente 100% (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Estimativa da chance de ruptura em 1 ano dos aneurismas de aorta abdominal de acordo com o tamanho.

3 4 5 6 7 8 9 10

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Diâmetro do aneurisma

Ris

co a

nual

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rupt

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3. Quanto tempo o paciente deverá sobreviver levando em consideração as patologias de base que ele apresenta além do aneurisma? Um paciente jovem, sem comorbidades deverá viver até os 80 anos, ou seja mais 20 anos no mínimo. Um paciente com 82 anos e com várias comorbidades já superou a expectativa de vida esperada para ele e provavelmente não viverá mais dez anos.

Para estes casos extremos é fácil entender que, para o primeiro paciente, a cirurgia está fortemente indicada e a técnica a ser utilizada deverá oferecer a maior durabilidade possível, de maneira a evitar uma nova cirurgia no futuro. Para o segundo paciente, a cirurgia deve ser evitada e, caso o aneurisma cresça acima de 6,5 - 7 cm (que é a média dos aneurismas no momento de ruptura), deve-se oferecer a cirurgia. A técnica utilizada deverá oferecer o menor risco possível, independente da sua durabilidade, pois o paciente provavel-mente irá a óbito por outra causa antes da necessidade de uma reintervenção sobre a primeira cirurgia.

Quando é feita a opção pelo acompanhamento clínico, o paciente deve ser submetido a controles semestrais com ultrassonografia abdominal para avaliação do diâmetro do aneurisma e da velocidade de crescimento do mesmo. Aceita-se como normal o crescimento de 0,8 cm por ano. Paralelamente, deve ser orientado a manter rígido controle da pressão arterial, pois a hipertensão é o principal fator na aceleração do crescimento dos aneurismas de aorta. O paciente e seus familiares devem ser orientados sobre a presença do aneurisma e os sintomas e sinais de uma ruptura, de maneira a procurarem imediatamente um serviço cirúrgico grande, com capacidade de operar na urgência, caso ocorra a suspeita da ruptura.

Quando é feita a opção cirúrgica, deve-se escolher entre duas técnicas: aberta e endovascular:

O Gráfico 2 mostra um esquema que pode auxiliar na decisão de qual técnica escolher para cada paciente individualmente.

Gráfico 2 - Diagrama para auxiliar na decisão sobre indicar correção cirúrgica pela técnica aberta ou endovascular para um aneurisma de aorta abdominal infrarrenal.

Anatomia Favorável paraCirurgia Endovascular

Ris

co d

e M

orte

pel

oP

roce

dim

ento

C

Alto

Baixo

Desfavorável Favorável

TratamentoClínico

Não Operar Endovascular

Cirurgia Aberta

Discutir Opções com Paciente

Ele Deve Opinar

irúrig

ico

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A cirurgia aberta (Figura 3), realizada desde a década de 50, consiste na abertura da cavidade abdominal, pinçamento da aorta e artérias ilíacas acima e abaixo do aneurisma, abertura do mesmo e sutura de uma prótese (usualmente de Dacron®43 ou PTFE – politetrafluoroetileno expandido) junto aos segmentos normais das artérias, substituindo o aneurisma. A seguir, é realizado o fecha-mento da capa do aneurisma sobre a prótese, de maneira a isolar o material protético das alças intestinais e procede-se o fechamento da cavidade abdomi-nal. Esta técnica tem excelente resultado a longo prazo, sendo a necessidade de reoperação muito baixa e em geral após 15 a 20 anos da cirurgia inicial. As principais complicações tardias são a trombose de ramos, a formação de pseudo-aneurismas anastomóticos, principalmente quando a prótese é suturada às arté-rias femorais, e a infecção da prótese, complicação esta muito grave e geralmente fatal. Do ponto de vista cirúrgico, a correção aberta do aneurisma abdominal é cirurgia de grande porte, com sangramento médio em torno de 1,5 litros e que exige, na maioria dos casos, transfusão sanguínea. No pós-operatório podem ocorrer complicações relacionadas à cirurgia, como embolização de artérias dis-tais, oclusão de ramos e sangramento, e complicações gerais, como atelectasias e pneumonias, insuficiência renal, infarto agudo do miocárdio e arritmias, sín-drome inflamatória reacional sistêmica, isquemia intestinal, acidente vascular cerebral, etc. Devido à abertura da cavidade abdominal, o paciente apresenta alguns dias de íleo paralítico, reassumindo a ingestão de alimentos em geral no segundo ou terceiro pós-operatório. Uma vez aceitando a dieta oral, a alta normalmente é rápida e a convalescença em casa dura em média 30 dias, após o que o paciente pode assumir praticamente a sua vida normal. A cirurgia aberta pode alterar a capacidade de ereção e levar à ejaculação retrógrada, de maneira que o paciente deve ser orientado sobre este risco antes da cirurgia.

43Dacron® - nome comercial de uma fibra de poliéster utilizada na confecção de cortinas, roupas, mangueiras contra fogo e da prótese vascular mais utilizada na atualidade.

Figura 3 - Correção aberta do aneurisma de aorta abdominal infrarrenal. (1) aspecto inicial, (2) pinçamento da aorta proximalmente e das artérias ilíacas distalmente, aber-tura do saco aneurismático e sutura das artérias lombares sangrantes. (3) anastomose proximal da prótese de Dacron®. (4) anastomoses distais dos ramos da prótese nas artérias ilíacas, tomando-se o cuidado de não lesar as fibras simpáticas que correm sobre a ilíaca esquerda, liberando-se a seguir o fluxo arterial. (5) fechamento do saco aneurismático sobre a prótese para protegê-la do contato com as alças intestinais.

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Algumas técnicas tendem a diminuir o impacto da cirurgia aberta sobre o paciente, como a cirurgia realizada pela via extra-peritonial, e a cirurgia auxiliada pela vídeo-laparoscopia, onde a incisão abdominal é pequena (10-15 cm) e, mais recentemente, realizada totalmente por vídeo-laparoscopia. Embora estas técni-cas ajudem muito no conforto do paciente, são tecnicamente mais difíceis e realizadas por poucos serviços.

A cirurgia endovascular (Figura 4) iniciou-se na década de 90 e consiste na inserção de uma prótese, com esqueleto metálico e revestimento de tecido, dentro do aneurisma por acesso à distância na árvore arterial (usual-mente a artéria femoral). A grande vantagem desta técnica é evitar totalmente a abertura da cavidade abdominal. As vantagens secundárias são diminuir o sangramento e diminuir muito o tempo de pinçamento da aorta durante o ato cirúrgico. Por reduzir o porte do procedimento, a técnica endovascular apresenta morbidade e mortalidade muito inferiores às da cirurgia aberta. No entanto, as complicações relacionadas diretamente ao procedimento arterial, como oclusão de ramos, embolização da árvore arterial distal, incapacidade de “selar” completamente o aneurisma, etc., são mais comuns, de maneira que a necessidade de uma reintervenção cirúrgica ao longo do tempo é muito maior (atualmente na ordem de 10 % imediata, 30% nos primeiros três anos e 50% em sete anos). Devido a estes problemas, o paciente necessita de seguimento semestral com métodos de imagem e acompanha-mento do tamanho do aneurisma. Por ser procedimento sem abertura do abdômen, a incidência de problemas respiratórios e íleo paralítico é muito menor. No entanto, os pacientes continuam com risco de eventos cardíacos, renais e neurológicos. A alta hospitalar é precoce (em geral dois a cinco dias) e o paciente pode retornar a suas atividades habituais em dez a 15 dias. Com frequência é necessário nesta técnica ocluir as artérias ilíacas interna, produzindo claudicação de glúteos e podendo levar à diminuição da função erétil.

Figura 4 - Correção endovascular do aneurisma de aorta abdominal infrarrenal. (1) aspecto inicial. (2) passagem de fio guia pela aorta abdominal e sobre este a passagem do sistema de entrega da endoprótese até a posição infrarrenal. (3) liberação da endoprótese da renal até a ilíaca direita. (4) passagem do fio guia pela ilíaca contralateral até a posição correta dentro do coto contralateral da endoprótese e sobre este a passagem do sistema de entrega do ramo contralateral. (5) aspecto final com os ramos posicionados e as artérias femorais já rafiadas.

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Atualmente a indicação precisa para a correção endovascular é para pacientes acima de 75 anos; com alto risco cirúrgico em decorrência de comorbidades significativas e pacientes com “abdômen hostil”, ou seja, com múltiplas cirurgias abdominais prévias, em uso de diálise peritonial ou ostomizados. Pacientes com insuficiência renal não dialítica parecem evoluir melhor pela técnica endovascular. Estudos recentes têm demonstrado que a mortalidade cirúrgica com a técnica endovascular é em média 1,5 % e com a técnica aberta, 4,5%. No entanto, a necessidade de reoperação pela técnica endovascular é em torno de 30% em três anos e pela técnica aberta, 4% a 8% em 15 anos. Cabe ao cirurgião discutir, em conjunto com o paciente e seus familiares, a melhor técnica que irá atender às necessidades e desejos de cada indivíduo.

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Os aneurismas de poplítea apresentam indicação cirúrgica quando ultrapassam o tamanho de 2 cm. Algumas vezes, mesmo aneurismas menores, mas com trombos murais e que demonstrem sinais de emboli-zação da árvore arterial distal, devem ser corrigidos. A correção pode ser realizada por cirurgia aberta, através de uma ponte de safena da femoral para a poplítea distal, com ligadura da artéria poplítea logo acima e abaixo do aneurisma, ou pela interposição de uma prótese. Algumas vezes é possível ressecar o aneurisma e realizar a anastomose término-terminal dos cotos arteriais. Mais recentemente tem sido utilizada a técnica endovascular com a colocação de endopróteses revestidas especiais, que apresentam alta flexibilidade sem dobrar, evitando a obstrução da luz com a flexão do joelho. A cirurgia do aneurisma de poplítea tem bom resultado e baixo risco e deve ser oferecida a todo paciente com risco cirúrgico aceitável. Nos casos de obstrução aguda, muitas vezes é necessária a trombólise do leito arterial distal ocluído previamente à realização do enxerto arterial.

Os aneurismas de carótida devem ser operados sempre que apresentarem trombos murais ou sintomas de compressão de estruturas do pescoço. A correção pode ser realizada pela interposição de segmento de safena ou prótese, ou pela plastia da artéria nos casos de aneurismas saculares. Endopróteses revestidas tam-bém podem ser utilizadas para a correção dos aneurismas de carótida.

Os aneurismas de subclávia/axilar podem ser tratados por via endovascular preferencialmente quando acometem o segmento intratorácico. Quando localizados sob a clavícula, dá-se preferência à cirurgia aberta, pois as endopróteses nesta localização são comprimidas entre a clavícula e a primeira costela, levando com frequência à oclusão das mesmas. Nos casos de pseudoaneurismas traumáticos, a cirurgia endovascular ofe-rece excelente resultado, evitando a dissecção e o sangramento profuso resultantes da exploração cirúrgica desta área anatômica de difícil abordagem.

PrognósticoA correção cirúrgica do aneurisma de aorta consegue eliminar de forma efetiva o risco de ruptura do

aneurisma e óbito. Embora existam relatos de ruptura após a correção cirúrgica, em especial após a coloca-ção de endoprótese, esses relatos correspondem a casos raros. O prognóstico está relacionado às comorbida-des que o paciente apresenta e ao aparecimento de neoplasias. Diversos estudos têm mostrado que a curva de sobrevida dos pacientes operados com sucesso se torna igual à da população geral na mesma faixa etária.

FuturoO futuro da correção do aneurisma abdominal corre na direção do aperfeiçoamento das endopróteses,

de maneira a aumentar a durabilidade do procedimento, somando-se assim o efeito benéfico da mortalidade operatória menor. Os procedimentos abertos, no entanto, deverão permanecer por vários anos ainda, uma vez que permitem grande flexibilidade na resolução de pacientes com anatomia desfavorável à colocação de endopróteses. A cirurgia por laparoscopia vem se somar ao arsenal da cirurgia aberta, visando diminuir o trauma operatório e oferecer o mesmo resultado da cirurgia onde a prótese é costurada à artéria. O estudo genético dos defeitos do colágeno também pode favorecer a seleção de subtipos de pessoas que apresentam maior tendência a aneurismas, auxiliando na prevenção e, talvez, impedindo a formação dos aneurismas pela modificação do colágeno por engenharia genética.

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Pontos essenciais no diagnóstico• Dor aguda em membro

• Esfriamento e palidez ou cianose

• Perda dos pulsos periféricos

• Perda progressiva da função neurológica dependendo da gravidade da isquemia e do tempo de instalação

Considerações GeraisA interrupção abrupta do aporte sanguíneo arterial a qualquer órgão ou

extremidade, causa quadros de extrema gravidade, com manifestações clínicas relacionadas às áreas privadas subitamente do fluxo arterial. Neste capítulo abordaremos as oclusões arteriais agudas das extremidades. Quanto à etiologia, a oclusão arterial aguda pode ocorrer por embolia, trombose, trauma, dissecção da parede arterial e outras causas incomuns (vide Tabela 1).

Obstrução Arterial Aguda

9Capítulo

George Carchedi Luccas

Tabela 1: Etiologia

Embolia

a. cardíaca

b. arterial

c. venosa

d. outras

Trombose

a. aterosclerose

b. arterite

c. aneurisma

d. outras

Trauma Dissecção Outras

A embolia corresponde ao deslocamento de fragmentos de trombos, pla-cas de ateroma, estruturas anômalas (catéteres, projéteis) pelo leito vascular, alo-jando-se em vasos mais distais.

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

Entre as fontes embolígenas, destacam-se: cardíaca (cerca de 80%), arterial (cerca de 10%), venosa (menos de 0,5%), corpos estranhos (menos de 0,5%) e desconhecida (cerca de 10%). A Tabela 2 cita as principais fontes de embolia.

Tabela 2: Fontes Embolígenas

Cardíacas

Arteriais

Venosas

Corpos estranhos

Arritmias (fibrilação atrial)Infarto agudo do miocárdioAneurisma de ventrículoValvulopatiasCardiomiopatiasPróteses valvularesEndocarditesMixomas

Aneurismas de aorta e periféricosPlacas de ateroma

Embolia paradoxal (comunicação entre câmaras cardíacas)

Catéteres, próteses, ar

A trombose arterial aguda se caracteriza pela formação de um trombo em segmento arterial, podendo estar relacionada à doença pré-existente como: aterosclerose, arterite, aneurisma ou nos distúrbios da coagu-lação das trombofilias e síndromes mieloproliferativas.

As lesões arteriais traumáticas, originadas por contusão, fratura, ferimento por arma de fogo ou arma branca ou mesmo lesões iatrogênicas, provocam quadros de oclusão arterial aguda de extrema gravidade que serão abordadas em capítulo específico.

Na dissecção arterial aguda ocorre separação súbita da camada média pelo fluxo arterial, originando dois lumens, um falso e outro verdadeiro. A dissecção pode progredir proximal ou distalmente, levando a oclusão de ramos arteriais importantes. É mais comum na aorta torácica, manifestando-se por dor torácica intensa, acompanhada ou não de isquemia visceral e de membros inferiores.

Entre causas diversas das referidas anteriormente, lembrar o ergotismo, a reação à injeção intramus-cular, garroteamento, baixo fluxo (Insuficiência Cardíca Congestiva, choque), aprisionamento da artéria poplítea e doença cística adventicial.

Do ponto de vista fisiopatológico a repercussão da oclusão arterial aguda depende basicamente dos seguintes fatores: 1) velocidade de oclusão, 2) local da oclusão, 3) espasmo arterial, 4) trombose secundária e 5) resistência dos tecidos à isquemia.

Na embolia ocorre oclusão abrupta sem haver tempo de formação de colaterais, provocando grave isquemia. Já na trombose, que atinge a região com placa de ateroma, ocorre estenose de forma lenta e pro-gressiva que permite o desenvolvimento de colaterais e, caso ocorra oclusão aguda desse segmento arterial, é de se esperar que as repercussões sejam mais brandas, com isquemia menos intensa, mantendo-se o fluxo sanguíneo pelas vias colaterais previamente desenvolvidas.

A oclusão arterial aguda, independentemente da causa, pode ter uma evolução completamente dife-rente apenas devido ao local da oclusão.

Artérias com rede de distribuição pobre como, por exemplo, a poplítea, quando ocluídas agudamente causam isquemia severa distalmente. O mesmo ocorre quando se oclui uma artéria proximalmente à sua

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

colateral principal, como a artéria femoral comum antes da emergência da femoral profunda (importante rede anastomótica), ou a artéria braquial proximal à emergência da braquial profunda. Já a trombose da artéria femoral superficial no canal dos adutores em área com placas de ateroma tem compensação pela rede de colaterais que se desenvolvem pelo ramos da artéria femoral profunda.

O espasmo arterial agrava o quadro isquêmico. Ocorre com mais intensidade e frequência nos pacientes mais jovens, com artérias normais, nos episódios de embolia e principalmente nos traumas. As artérias endure-cidas dos pacientes com aterosclerose, mesmo no quadro agudo de trombose não são propensas ao espasmo.

Quando ocorre a oclusão de um segmento vascular, a parada da circulação da coluna de sangue deter-mina a formação de um coágulo intravascular (trombose) que se estenderá até um local onde haja fluxo san-guíneo suficiente para mover a coluna de sangue com “velocidade acima do ponto de coagulação”. Quanto maior a extensão do trombo secundário, maior a repercussão da isquemia.

Por exemplo, a oclusão da femoral comum por êmbolo causará a formação de um trombo secundário até um ponto distal onde o tronco arterial receba fluxo de uma colateral, e, no sentido proximal, o trombo se propaga até a origem de um ramo calibroso, por exemplo, a artéria ilíaca interna.

A interrupção abrupta do fornecimento de sangue aos tecidos determina, nos membros, uma sequência de eventos que se iniciam com a perda da função da estrutura afetada e culminam com a destruição irrever-sível dos tecidos envolvidos.

Os nervos são os primeiros a serem afetados e, num prazo de até seis horas, as lesões passam a ser irreversíveis. A sequência de lesões obedece a seguinte ordem: nervos, músculos e vasos são lesados primei-ramente e, por último, a pele e os ossos.

A Tabela 3 reflete o tempo que cada tecido resiste à falta completa de circulação como no garrotea-mento ou nas amputações traumáticas.

Tabela 3: Resistência dos tecidos à isquemia

Tempo que resiste à falta completa de circulação

Até 1 hora e 30 minutos

Até 4 horas

Até 6 horas

12 a 24 horas

24 a 48 horas

Tecido

Nervoso

Muscular

Vasos

Pele e Subcutâneo

Ósseo

Importante lembrar que a pele íntegra pode esconder lesões críticas dos nervos e músculos evoluindo para a irreversibilidade, portanto nunca aguardar a ocorrência de lesões cutâneas para despertar para a gra-vidade do quadro de oclusão arterial aguda.

O tecido nervoso é o primeiro a sofrer com a isquemia e o exame neurológico com pesquisa da motricidade e sensibilidade dos dedos sinaliza a gravidade do quadro e a necessidade de intervenção cirúrgica imediata.

Sintomas e exame físicoO diagnóstico da oclusão arterial aguda é, em geral, fácil, sendo importante para a conduta: a diferen-

ciação entre embolia e trombose e, principalmente, a avaliação da gravidade da isquemia.

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

O diagnóstico é feito com base nos seguintes dados fundamentais que compõem o quadro clínico:

• ausência de pulsos

• dor

• palidez e/ou cianose

• parestesia

• paralisia

• colabamento de veias superficiais

• rigidez muscular

• bolhas e flictenas

O quadro é relatado na literatura inglesa classicamente pelos “five Ps”: pulselessness, pain, pallor, pares-thesia, paralysis.

O quadro da oclusão arterial é muito característico, devendo apenas ser lembrado o diagnóstico di-ferencial com quadros graves de trombose venosa profunda, que na fase inicial podem provocar espasmo arterial, o qual associado ao edema distal dificulta a palpação dos pulsos. Nos quadros mais raros de “flegma-sia cerulea dolens”, quando ocorre oclusão venosa maciça existe a possibilidade de acarretar oclusão arterial secundária por ausência de vazão do fluxo sanguíneo.

Embolia X TromboseÉ de fundamental importância o diagnóstico diferencial entre oclusão arterial aguda na extremidade

decorrente do deslocamento de um trombo na corrente sanguínea, caracterizando o quadro de embolia, ou por de trombose em segmento com placa de ateroma. A tabela 4 auxilia na orientação desta diferen-ciação diagnóstica.

Tabela 4. Características gerais da embolia e da trombose.

Característica

Idade

História de claudicação

Outros pulsos

Sopro em outras artérias

Cardiopatia

Arteriografia

Embolia

+ Jovem

Ausente

Normais

Ausente

Presente

Artérias lisas e imagem de taça invertida

Trombose

+ Velho

Presente

Presentes ou ausentes

Presentes ou ausentes

Ausente

Placas de ateroma e circulação colateral

Lembrar que estas são características gerais, pois ao contrário do habitual, eventualmente nos defronta-mos, por exemplo, com paciente idoso que apresenta infarto do miocárdio e formação de trombo intracavitário que de desloca levando a embolia, ou um jovem com trombose relacionada a trombofilia ou tromboangeíte.

Exames complementaresNos casos clássicos de embolia, com isquemia severa, onde está claramente indicada a cirurgia, os

exames de imagem podem ser dispensados visando a restauração imediata do fluxo sanguíneo, minimizando sequelas. Caso contrário, podemos utilizar várias opções, entre elas:

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

• Doppler contínuo

• Ultrassonografia dúplex

• Arteriografia

• Angiorressonância magnética e Angio-CT

O Doppler contínuo auxilia na avaliação da gravidade da isquemia pela constatação ou não, de fluxo distal. Já os exames de imagem colaboram no diag-nóstico diferencial entre embolia e trombose, e no planejamento do tratamento.

Tratamento ClínicoOs destaques abaixo correspondem aos pontos fundamentais do trata-

mento clínico de um paciente com quadro de oclusão arterial aguda das extre-midades, incluindo a medida clínica e sua ação:

• Análgesicos

- combate a dor

• Vasodilatadores

- combate ao vasoespasmo

• Anticoagulantes

- evita a trombose secundária

• Proteção da extremidade com algodão

- aumento da circulação colateral

- combate ao vasoespasmo

Tratamento Endovascular: TrombóliseA trombólise arterial em oclusão aguda visa alcançar a desobstrução total

ou parcial dos vasos em questão, restaurando o leito vascular à situação similar àquela imediatamente prévia à oclusão. Portanto, não visa remover os obstáculos que levaram à oclusão, como placas de aterosclerose estenosantes, hiperplasia de íntima, acotovelamentos, etc. Nesses casos, após a trombólise dos coágulos in-travasculares, a arteriografia complementar poderá identificar as possíveis causas hemodinâmicas da oclusão, possibilitando correção aberta ou endovascular das mesmas para evitar reoclusões.

Geralmente é indicada em casos com isquemia moderada que permita rea-lizar essa modalidade de tratamento que é lenta, podendo prolongar-se por mais de 24 horas. A trombólise geralmente é realizada posicionando-se um cateter multiperfurado dentro da área trombosada e infundindo-se o trombolítico ao longo de horas. Para os vasos periféricos é evitada a trombólise sistêmica devido ao risco de acidentes hemorrágicos.

Tratamento CirúrgicoA primeira embolectomia de que se tem notícia foi realizada em 1895 por

Sabanieyeff, sem sucesso. Previamente à introdução do cateter de embolectomia de Fogarty44, apenas 23% dos casos eram tratados com embolectomia. Utiliza-va-se técnica rudimentar e trabalhosa com resultados precários.

44Thomas James Fogarty, 1934_. Cirurgião vascular americano da atualidade.

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

Fogarty, em 1963, publicou artigo sobre o uso do cateter de embolectomia, que recebeu o seu nome, e constituiu enorme avanço no tratamento da oclusão arterial embólica, possibilitando a retirada de coágulos da árvore arterial normal, com grande sucesso, quando o paciente é atendido precocemente. Hoje é o trata-mento de escolha para a maioria dos casos de embolia.

Lembrar, porém, que o cateter de embolectomia não cura a aterosclerose e, nos quadros de trombose arterial, faz-se necessário planejamento específico e mais complexo para a efetividade do tratamento.

• Anestesia:

Em membros inferiores, geralmente bloqueio raquideano ou peridural, mas podem ser utilizadas ain-da a anestesia geral ou local.

• Incisão:

Depende da artéria afetada. Pode ser inguinal vertical (bifurcação femoral), medial proximal em perna (bifurcação poplítea), na prega do cotovelo em “Z” (bifurcação braquial).

• Técnica (Figura 1):

Após isolamento das artérias e pinçamento das mesmas, faz-se a arteriotomia (em artérias normais pode ser transversal) e passagem dos catéteres de Fogarty com tamanho apropriado até que se remova o êmbolo e trombos secundários. A seguir, infunde-se heparina loco-regional. Finaliza-se com arteriorrafia utilizando-se fio inabsorvível de prolene.

Figura 1 - Técnica de embolectomia. (A) obstrução da bifurcação femoral por êmbolo de origem cardíaca com a formação de trombose secundária até os principais ramos colaterais. (B) arteriotomia na femoral comum. (C) passagem do cateter de Fogarty desinsuflado até ultrapassar a região ocluída pelos trombos. (D) insuflação do balão e retirada do mesmo que traz consigo os trombos e o êmbolo, demonstrando bom refluxo distal. Esta manobra é repetida proximalmente em direção à ilíaca e para a femoral profun-da. (E) arteriorrafia com restabelecimento do fluxo arterial.

A B C D E

êmbolo

trombosecundário

leitodistal

arteriotomiaintrodução do

cateter de Fogartydesinsuflado

insuflação dobalão e retirada

dos trombos/êmboloarteriorrafia

FHM

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Moléstias Vasculares 79

Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

• Controle do Sucesso da Cirurgia:

Se a obstrução arterial foi embólica, com leito arterial normal, espera-se após alguns minutos da passagem do cateter de Fogarty que os pulsos distais sejam restabelecidos, assim como a perfusão cutânea normalizada. Se o membro mantiver aspecto de palidez e os pulsos distais não forem palpáveis recomenda-se arteriografia para confirmar a remoção completa dos trombos. Nos casos de obstrução por trombose, onde a artéria está doente pela presença de placa de ateroma ou aneurisma, é necessária realizar uma restauração arterial pelas técnicas já descritas no capítulo sobre obstrução arterial crônica (Capítulo 6).

Complicações Pós-operatórias• Síndrome de Reperfusão

• Síndrome de Compartimento

• Reoclusão dos Vasos Envolvidos

• Neurite Isquêmica

As lesões celulares causadas pelo período de isquemia e especialmente de reperfusão, levam ao edema do membro afetado. Esse aumento de volume eleva a pressão tecidual acima da sua pressão de perfusão (uma vez que a aponeurose é ineslástica), acarretando compressão de nervos e vasos, causando dor, parestesias, paralisia e novamente diminuição da perfusão. É a síndrome do compartimento, que necessita de tratamento emergencial para descompressão dos compartimentos envolvidos (fasciotomia), sob pena de perda do membro.

• Suspeita clínica.

Atenção: Em pacientes inconscientes, o quadro clínico pode passar despercebido.

• Medida de pressão de compartimento: a pressão tecidual normal é de 5 a 10 mm Hg. Quando a pressão excede 30 mmHg, está indicada a descompressão cirúrgica.

• Pacientes hipotensos têm menor pressão de perfusão e nesses uma pressão de compartimento 30 mmHg menor que a pressão diastólica já é sugestiva de síndrome do compartimento.

A síndrome do compartimento não detectada precocemente pode resultar em perda do membro e até da vida, e o tratamento efetivo com fasciotomia baseia-se no diagnóstico clínico através de avaliações constantes, minuciosas e medidas de pressões dos compartimentos.

Investigação Pós-operatória• Pesquisar fontes emboligênicas cardíacas: ecocardiograma transesofágico.

• Outras fontes emboligênicas, como aneurismas, aterosclerose, próteses arteriais, pontos de compressão arterial: ultrassonografia dúplex, ultrassom, tomografia, arteriografia, angiotomografia ou angiorressonância.

• Pesquisar trombofilia

• Palpar demais pulsos e auscultar carótidas : doppler e ultrassonografia dúplex

• Avaliar função cardíaca e renal

• Investigar fatores de risco: cardiopatias, diabetes, hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemias.

Tratamento clínico pós-operatório• Uma vez restaurada a perfusão e confirmada a etiologia da oclusão arterial aguda, procede-se o

tratamento da causa visando evitar recidivas.

• Nas fontes cardíacas e trombofilias, indica-se a anticoagulação com heparina e a seguir antico-agulantes orais.

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Obstrução Arterial Aguda George Carchedi Luccas

Evolução O quadro de oclusão arterial aguda sem tratamento pode evoluir de três modos:

• Piora aguda progressiva, gangrena e amputação.

• Estabilização do quadro e sequelas importantes: neurológicas, ósteo-musculares e cutâneas.

• Quadro de obstrução arterial crônica, com claudicação para distâncias variáveis.

Dilema O fator tempo é de fundamental importância para o sucesso do tratamento da oclusão arterial aguda.

O médico que faz o primeiro atendimento tem a responsabilidade de fazer o diagnóstico, avaliar a gravidade da isquemia e na maior presteza encaminhar para a conduta adequada: clínica ou cirúrgica.

Ao atender paciente com quadro de oclusão arterial aguda embólica (exemplo: embolia a cavaleiro de aorta) encaminhado tardiamente, o cirurgião se vê diante de um terrível dilema:

• Não revascularizar - leva a amputação bilateral.

• Revascularizar - tardiamente pode levar a síndrome compartimental, neurite isquêmica, pé equino, insuficiência renal, acidose, hiperpotassemia, parada cardíaca e óbito.

ConclusãoAo longo deste texto procuramos chamar a atenção para a importância do TEMPO, fator decisivo

para o sucesso do tratamento da oclusão arterial aguda.

O reverso desta condição, ou seja, o retardo no diagnóstico e no tratamento acarretam morbidade e morta-lidade inaceitáveis diante dos recursos e conhecimentos que estão disponíveis para o tratamento destes pacientes.

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Pontos Essenciais no Diagnóstico• Lesão corto-contusa ou penetrante em trajeto vascular

• Síndrome hemorrágica, isquêmica ou tumoral

• Presença de sangramento ativo, sopro/frêmito, tumor pulsátil ou ausên-cia de pulso distal

Considerações GeraisOs grandes avanços na cirurgia do trauma vascular ocorreram durante os

períodos de guerra. Nas 1ª e 2ª guerras mundiais realizava-se apenas a ligadura dos vasos, com índices de amputação ao redor de 50%.

A guerra da Coreia foi marcada por forte evolução na técnica cirúrgica para tra-tamento do traumatismo vascular, reduzindo as amputações para em torno de 11%.

A partir da Guerra do Vietnã, apesar do maior progresso cirúrgico e do atendimento mais rápido proporcionado pela presença do helicóptero agilizan-do o socorro, houve aumento do índice de insucessos devido ao progresso pa-ralelo das armas de destruição.

Cerca de 50% das lesões vasculares ocorrem em vasos de membros supe-riores, 35% em membros inferiores, 8% em vasos cervicais e 7% na aorta ou seus ramos. Os traumas civis aumentaram consideravelmente, atingindo muitas vezes, complexidade semelhante aos ferimentos de guerra.

As artérias mais acometidas são: braquial, femoral superficial e poplítea.

Predominam na vida civil (nos grandes centros) os traumatismos pene-trantes, ao redor de 80%, entre eles os ferimentos por arma de fogo, seguidos por lesões de trabalho, iatrogênicos, acidentes domésticos e arma branca.

Entre os traumas não penetrantes predominam os causados por acidentes automobilísticos, acidentes de trabalho e traumas domésticos.

Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha10Capítulo

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Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha

Em aproximadamente 40% dos casos de lesão arterial há lesão venosa associada.

Os traumas vasculares podem ser causados por diversos agentes e mecanismos diferentes, os mais citados são:

• Arma de fogo

• Arma branca

• Trauma

• Iatrogênia

• Lesões por vibração crônica

• Lesões pelo frio ou calor

• Corrente elétrica de alta tensão

• Causadas por animais

Esses traumas determinam diferentes tipos de lesão na parede do vaso, o que levará a quadros clínicos distintos. A tabela 1 mostra os possíveis tipos de lesão vascular.

Tabela 1: Possíveis tipos de lesão vascular

Secção parcial

Secção completa

Espasmo

Pseudoaneurisma

Laceração

Lesão de íntima

Contusão

Fístula arteriovenosa

De acordo com o tipo de lesão ocorrida, extensão, ocorrência de lesões associadas, local lesado, tempo decorrido do trauma e ainda outros fatores, teremos uma apresentação clinica diferente, com maior ou menor gravidade.

O espasmo arterial, por exemplo, determina baixo fluxo e pode evoluir com trombose arterial, ou ainda resolver-se espontaneamente. Nos casos de lesão da camada íntima do vaso pode ocorrer trombose, pseudoaneurismas, ser fonte de embolia ou novamente, evoluir com cicatrização.

Lesões com seção parcial de uma artéria usualmente apresentam sangramento ativo geralmente maior que nos casos de seção completa (onde ocorre retração dos cotos e espasmo, prevenindo sangramento adi-cional).

As fístulas arteriovenosas traumáticas resultam de lesão concomitante de artéria e veia e os pseudoa-neurimas de lesão arterial com sangramento contido pelos tecidos adjacentes.

A trombose secundária, que é a extensão da trombose em direção distal e proximal no vaso lesado, agrava consideravelmente o processo de isquemia. Todos esses fatores determinam a necessidade de atendi-mento rápido às vítimas de trauma.

Os diversos tecidos apresentam resistência diferente à isquemia prolongada, os nervos têm menor tole-rância à isquemia e em poucas horas evoluem com quadro irreversível. A tabela 2 mostra o comportamento tecidual frente a um quadro isquêmico.

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Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha

Quadro clínico e exame físicoO relato detalhado do trauma, tempo da ocorrência, sangramento no local do acidente, contamina-

ção, perda de tecidos, agente causador, trajetória, fenômeno de desaceleração, lesão neurológica ajudam a definir as estruturas lesadas e a gravidade da lesão.

No exame físico devemos pesquisar sistematicamente a presença ou ausência dos pulsos, frêmitos, sopros, avaliação da perfusão periférica, coloração e temperatura cutâneas, massas pulsáteis ou não, hemato-mas, fraturas associadas, sangramento ativo.

Em um caso de trauma vascular comprovado, o paciente pode se apresentar assintomático do ponto de vista vascular ou com as clássicas síndromes isquêmica, tumoral ou hemorrágica.

A síndrome isquêmica caracteriza-se pela ausência de pulsos, palidez, diminuição da temperatura cutânea, retardo do enchimento venoso, cianose, dor, paresias, parestesias, rigidez, gangrena. Está mais associada à oclusão arterial após o trauma e à trombose secundária. Espasmos importantes e prolongados podem levar a essa síndrome.

Na síndrome hemorrágica encontramos extravasamento sanguíneo ativo, com hematomas, equimo-ses, sangramento arterial e ou venoso ativo. Frequente em lesões importantes, com lacerações e em casos de seção arterial parcial.

A síndrome tumoral está presente em caso de sangramento extravascular contido ou em expansão, há tumor pulsátil ou não, hematoma em expansão, compressão de estruturas adjacentes.

Em todos os casos de trauma vascular devemos pesquisar a presença de fístulas arteriovenosas (frêmito intenso, sopro: sistólico e diastólico, aumento da circulação venosa colateral, edema na extremidade afetada) e pseudoaneurismas (massa pulsátil, frêmito e sopros) que são encontrados com certa frequência, indepen-dentemente da gravidade da lesão inicial.

É importante lembrar que em muitos casos de traumatismo vascular menor, as lesões podem passar des-percebidas, ocorrendo manutenção de pulsos e inicialmente sem frêmitos ou sopros, entretanto, mais tardia-mente essas lesões podem evoluir com fístulas arteriovenosas, sangramentos, tromboses e pseudoaneurismas.

É muito comum ocorrerem lesões associadas de músculos (laceração, contusão, contratura, hemato-mas), articulações (luxações, subluxações, entorses), ossos (fraturas, contusões), nervos (seções, estiramen-tos, compressões) e vísceras (perfurações, lacerações, deslocamentos).

Exames ComplementaresEm muitos casos o diagnóstico de lesão vascular é clinicamente bastante óbvio e, em pacientes graves

e instáveis hemodinamicamente, esse diagnóstico já é o suficiente para se indicar uma eventual cirurgia de

Tabela 2: Resistência dos tecidos à isquemia

Tecido

Nervoso

Muscular

Vasos

Pele e Subcutâneo

Ósseo

Tempo que resiste à falta completa de circulação

Até 1 hora e 30 minutos

Até 4 horas

Até 6 horas

12 a 24 horas

24 a 48 horas

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Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha

urgência. Porém, em diversas situações será necessária investigação complementar, tanto para diagnóstico quanto para planejamento cirúrgico.

Exames laboratoriais gerais e tipagem sanguínea são mandatórios para qualquer eventual cirurgia.

Segue uma orientação dos exames mais realizados e suas indicações:

Raio-X Simples: fraturas, luxações, identificar projéteis, hemo e pneumotórax, alargamento de mediastino.

Ultrassom doppler: medida de pressões arteriais e índice tíbio-braquial (se menor que 0,9 há suspeita de lesão arterial).

Ultrassonografia dúplex: indicada sempre que possível como primeira escolha em casos de suspeita de trauma vascular (exceto sangramento ativo, choque, vasos de difícil acesso, feridas cruentas, fraturas não re-duzidas). Nas lesões em trajeto vascular, mas sem evidencia de lesão arterial ou venosa, o dúplex é um exame não invasivo e obrigatório antes da alta hospitalar, pois lesões menores podem ser identificadas.

Arteriografia: são muito úteis na confirmação diagnóstica e no planejamento da cirurgia identificando os pontos de lesão e possíveis locais para uma revascularização bem sucedida. Entretanto, em lesões muito óbvias, puntiformes localizadas em coxa, em pacientes graves e chocados, não indicamos esse exame.

Tomografia: em casos de lesões de aorta torácica e até abdominal é um exame complementar muito indicado, faz diagnóstico de dissecção arterial, rotura de aorta e sangramento retroperitoneal. A modalidade de angiotomografia pode substituir a arteriografia.

Indicada somente em pacientes estáveis clinicamente.

Ressonância: tem pouca indicação na urgência atualmente devido à sua disponibilidade e demora do exame. Tem as mesmas indicações da tomografia.

Endoscopia, Broncoscopia, Laparoscopia: em casos de lesões concomitantes de órgãos viscerais.

DiagnósticoO diagnóstico pode ser feito através dos seguintes dados:

• Basicamente com quadro clinico na maioria dos casos

• Alguns casos com a ultrassonografia dúplex

• Boa parte dos casos tem confirmação com arteriografia que também será útil para planejar a cirurgia.

Diagnóstico DiferencialÉ importante diferenciar espasmo arterial (que não é de tratamento cirúrgico), oclusão arterial crônica

em paciente com trauma associado, síndrome de compartimento sem lesão vascular (contusões importantes e esmagamentos), pois todos esses quadros podem mimetizar um trauma arterial com isquemia aguda.

Tratamento Clínico e CirúrgicoO paciente deve ser abordado como um todo, seguindo os critérios do ATLS (Advanced Trauma Life

Support), com prioridade para vias aéreas, ventilação e circulação. Na presença de lesão aguda causada por trauma, praticamente todos os tipos de ferimentos vasculares têm indicação de intervenção em caráter de urgência ou emergência, entretanto, lesões mínimas como flap intimal, irregularidades discretas da luz do

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Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha

vaso e psudoaneurimas periféricos contidos e pequenos podem aguardar observação e controle seriado com ultrassonografia dúplex.

As fístulas arteriovenosas devem, sempre que possível, ser tratadas na fase aguda, com completa ex-clusão (sutura de todos os orifícios fistulosos), pois podem tornar-se crônicas, com difícil resolução tardia (geralmente endovascular nessa fase).

São comuns as cirurgias multidisciplinares para correção vascular, visceral, fraturas, lesões neurológi-cas, urológicas, etc.

CirurgiaIndicada a cirurgia, faz-se como rotina o controle arterial ou venoso proximal e distal à zona de lesão, para

posterior abordagem e reparo da mesma. Esse controle pode ser feito com compressão digital, pinçamento direto, uso de balões pelo orifício de lesão, uso de balões endovasculares (balão de angioplastia, balão intra-aórtico).

Após o controle do sangramento, é feito o reparo que pode ser alcançado através de diferentes técnicas:

• Ligadura

• Sutura simples

• Remendo: safena, pericárdio bovino, prótese

• Anastomose término-terminal

• Ressecção e anastomose término-terminal

• Derivação com veia safena

• Derivação com prótese

• Derivação extra-anatômica

• Endovascular com embolizações, stents revestidos ou endopróteses

Lembrar que em casos de trauma dar sempre preferência ao uso de material autógeno sobre as próteses, pelo risco de infecção.

Complicações do tratamento cirúrgicoInfecções da incisão, deiscências, tromboses, embolias, espasmos, lesões iatrogênicas de nervos, urete-

res, sangramentos. Vários desses fatores levam a reoperações, que não são incomuns em traumas vasculares.

Outro fator importante após uma revascularização de emergência bem sucedida é a evolução para sín-drome de compartimento, necessitando fasciotomia de urgência para descompressão dos compartimentos envolvidos, sob risco de perda de membro. O quadro clínico é de dor reiniciada após a revascularização e o aumento de tensão no compartimento muscular (maior que 30-40 mmHg) faz o diagnóstico de síndrome compartimental.

Tópicos de interesseOs traumatismos vasculares nos diversos territórios têm sua peculiaridade e merecem uma breve abor-

dagem. A Tabela 3 resume os pontos mais importantes.

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Traumas Vasculares Eduardo Faccini Rocha

Prognóstico se tratado e não tratadoAs lesões vasculares menores, com oclusão de pequenas artérias, dissec-

ção localizada e lesões venosas têm prognóstico bom, mesmo sem tratamento específico.

Lesões mais extensas têm prognóstico variável, dependendo da extensão, tempo para restauração, lesões associadas. Quadros mais complexos geralmente têm alta mortalidade e altos índices de amputação.

Áreas de PesquisaAtualmente os maiores avanços em trauma vascular estão no campo da

cirurgia endovascular, com o desenvolvimento de stents revestidos flexíveis de baixo perfil. Com essa técnica há menos sangramento, menor risco de lesão iatrogênica durante a abordagem em uma região com anatomia distorcida pelos hematomas e lesões concomitantes, além de um tempo cirúrgico menor. Porém ainda não fazem parte da rotina em trauma vascular.

Tabela 3: Características específicas de algumas lesões vasculares:

Mecanismo de lesão

Estiramento/ Trauma direto

Diversos

Desaceleração

Diversos

Fratura de platô tibial/ luxação de joelho/ outros

Diversos

Diversos

Diversos

Iatrogênica (procedimento ortopédico/ endovascular)

Lacerações

Local lesado

Dissecção de carótida

Lesão de artéria subclávia /axilar

Aorta torácica

Aorta toracoabdominal

Artéria poplítea e sua trifurcação

Veias

Lesão de nervos

Fratura e lesão arterial

Artéria femoral/braquial/ veias

Ossos, músculos, vasos de mem-bros com lesões extensas

Características

Cefaleia, dor facial isquemia cerebral: tratamento clínico.

Isquemia menos importante que membros inferiores (colaterais). Maior risco de lesão de nervos (plexo braquial).

Lesão do istmo aórtico (1cm distal à origem da artéria subclávia)

Abordagem retroperitoneal (manobra de Mattox45).

Isquemia muito grave. Lesão de veia poplítea também tem que ser reparada (além da artéria).

A maioria sustenta ligadura, exceto veias poplítea, porta e cava superior.

Reparo imediato ou em poucas semanas.

Se tiver isquemia crítica (alteração de motricidade e sensibilidade), reparar pri-meiro a artéria. Caso contrário, corrigir primeiro a fratura.

Trombose/pseudoaneurismas/fístulas ar-teriovenosas.

Cogitar amputação primária

45Kenneth L. Mattox. Cirurgião americano da atualidade em Houston Texas.

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Moléstias Vasculares 87

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Sintomas neurológicos do território carotídeo: hemiparesia/paralisia,

hemi-hipoestesia/anestesia, amaurose fugaz, afasia.

• Sintomas neurológicos do território vertebral: tonturas, dificuldade em manter o equilíbrio, perda acuidade visual, ataxia da marcha e membros supe-riores e incoordenação da orofaringe, geralmente acometendo os dois lados do corpo simultaneamente.

• Presença de sopro na bifurcação carotídea, base do pescoço ou região supraclavicular.

• Forte associação com aterosclerose em outros territórios, como coroná-rias e membros inferiores.

Considerações geraisO acidente vascular cerebral (AVC) pode ser hemorrágico ou isquêmico. Os

AVC são ocasionados em torno de 70% dos casos por isquemia, 27% são hemorrá-gicos e 3% de causa indeterminada. Entre os AVC isquêmicos, de 10% a 30% são causados por lesão das artérias carótidas extracranianas (Gráfico 1).

Doença Vascular Extracraniana

11Capítulo

Fábio Hüsemann Menezes

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A doença aterosclerótica das carótidas está relacionada a diversos fatores de risco que devem ser pesquisados e tratados agressivamente. São eles: o taba-gismo, a hipertensão arterial, o diabetes melito e o aumento dos lípides sanguí-neos. Outros fatores podem estar associados, como a idade avançada, história familiar de AVC, obesidade, presença de distúrbios pró-cogulantes no sangue (eritrocitose, aumento do fibrinogênio, anticorpos anticardiolipinas, presença de fator V de Leiden46, etc.) e uso de anticoncepcionais orais.

Outro aspecto a ser levado em consideração na isquemia cerebral é o me-canismo que produziu a isquemia. Basicamente, aceita-se dois mecanismos: 1. baixo débito sanguíneo por oclusão de uma artéria em uma situação onde há falta de circulação colateral, mecanismo comum na trombose das artérias intracranianas, e 2. embolização de partículas de coágulos ou placa de atero-ma, originados na árvore arterial proximal. As placas de ateroma localizadas no arco aórtico, nas carótidas comuns, na bifurcação carotídea e na origem das artérias subclávias e vertebrais produzem, com frequência, fenômenos de ateroembolia distal. Esta embolização pode ocorrer nos casos de ruptura da placa por hemorragia interna súbita ou pelo atrito entre a corrente sanguínea e a superfície da placa, rompendo-a, principalmente quando há estenose maior do que 70% do diâmetro local e a velocidade do sangue nesta região torna-se muito alta. Também pode ocorrer por coágulos formados em reentrância da superfície da placa (chamada de úlcera). As embolizações de pequenos frag-mentos de cristais de colesterol e trombos plaquetários produzem sintomas passageiros, mas alertam para a possibilidade de um evento definitivo que produz graves sequelas.

HemorragiaSubaracnóide

14%

14%HemorragiaParenquimatosa

IsquemiaLesão Extra-craniana

10-30%

Isquemia OutrasLacunar (Hipertensão)Embolia CardíacaLesão Intra-craniana

42%-62%

Gráfico 1 - Etiologia dos acidentes vasculares cerebrais.

46Leiden – cidade na Holanda, local onde foi descoberta a mutação do fator V.

Doença Vascular Extracraniana Fábio Hüsemann Menezes

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Moléstias Vasculares 89

SintomasA sintomatologia da isquemia cerebral está diretamente associada ao

território que ficou isquêmico. Como as artérias carótidas internas irrigam pre-dominantemente a região fronto-parietal, os sintomas estão mais associados à parte motora e sensitiva dos membros. Lembrar que, com a decussação das pirâmides (dos feixes nervosos) na altura da medula oblongata, e do nervo óp-tico no quiasma óptico, o hemisfério direito é responsável pelos sintomas do hemicorpo esquerdo e do campo visual do lado esquerdo do corpo, assim como o hemisfério esquerdo proporcionalmente pelos sintomas do hemicorpo direito. A exceção é a inervação sensitiva e motora da face, cujos nervos são formados antes da decussação das pirâmides. Lembrar que alguns dos sintomas oculares produzidos pela doença das carótidas são por ateroembolismo direto da artéria retiniana, e isquemia do globo ocular (retina) e, portanto, atingem o olho do mesmo lado da lesão arterial. Os sintomas visuais na doença do território irriga-do pela vertebral atingem o campo visual dos dois olhos.

Assim sendo, os sintomas típicos de isquemia no território carotídeo pro-duz perda da força motora e da sensibilidade no hemicorpo contrário ao lado isquêmico, e paralisia e perda de sensibilidade da face do mesmo lado da lesão cerebral (desvio da rima bucal para o lado do corpo que ficou paralisado). A fala é coordenada pelo hemisfério dominante, sendo assim, a afasia de expressão é normalmente encontrada na doença da carótida interna esquerda (produz is-quemia do giro de Broca47).

Quanto à duração dos sintomas neurológicos, estão divididos em três grupos (Tabela 1): 1. Ataque isquêmico transitório (AIT) = sintomas hemis-féricos típicos, acompanhados ou não de perda de consciência, que duram ge-ralmente menos do que 30 minutos e desaparecem completamente em menos de 24 horas, sem deixar sequela clínica ou achado tomográfico. 2. Amaurose fugaz = perda da visão em apenas um olho, geralmente com duração inferior a 15 minutos, seguida de completa recuperação da visão. 3. Acidente vascular cerebral (AVC) = sintomas permanentes de perda de função cerebral, cuja evolução temporal pode ser para melhora ou piora, resultante de isquemia, hemorragia cerebral ou subaracnoide e resultando em diferentes graus de se-quela, tanto clínica como nos achados tomográficos. O acidente vascular cere-bral pode ser em crescendo, ou em evolução; ou seja, sintomas típicos de um AVC que se apresentam como repetidos AVC, cujos sintomas vão piorando de intensidade a cada novo surto, ao longo de horas, ou que se iniciam de forma branda e vão se intensificando com o passar das horas. Pode ser ainda um AVC estabelecido ou completo, quando atinge o ponto onde o quadro clínico está estabilizado. Todo AVC tem duração superior a 24 horas, mas alguns, ao longo de uma a três semanas, atingem completa recuperação e são chamados de Déficit Neurológico Reversível, ou AVC com muito boa recuperação.

Exame FísicoO exame vascular na doença carotídea geralmente é pobre. As artérias ca-

rótidas comuns são facilmente palpáveis ao longo do bordo anterior do músculo esternocleidomastoideo, sendo a bifurcação da carótida localizada na maioria

47Pierre Paul Broca, 1824-1880. Anatomista e cirurgião francês.

Doença Vascular Extracraniana Fábio Hüsemann Menezes

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das vezes à altura da cartilagem tireoide ou logo acima desta, perto do ângulo da mandíbula. O pulso da ar-téria subclávia pode ser percebido na fossa supraclavicular comprimindo-a contra a primeira costela. Podem ser palpados também os ramos da artéria carótida externa, como a artéria temporal superficial em frente ao trago da orelha, a facial junto ao bordo da mandíbula, a occipital atrás do processo mastoide e o ramo fron-tal da temporal superificial. Quando ocorrem estenoses na região da bifurcação carotídea pode-se auscultar sopro sistólico na região do ângulo da mandíbula. Solicitando-se ao paciente pausar a respiração facilita a identificação do sopro. Quando o sopro está localizado na base do pescoço, suspeita-se de irradiação a partir de sopro cardíaco ou estenose na origem da artéria carótida e, quando na fossa supraclavicular, de estenose na origem da artéria subclávia ou vertebral. A medida da pressão arterial nos dois membros superiores pode auxiliar no diagnóstico de estenoses ou oclusões de artérias subclávias.

Quando ocorre acometimento neurológico central, deve-se realizar exame neurológico detalhado tes-tando-se equilíbrio, força muscular, coordenação motora e funções cognitivas e da fala. Para os pacientes que serão operados, é recomendado testar a função dos nervos cranianos (principalmente hipoglosso e glossofaríngeo) para se avaliar possíveis lesões pela abordagem cirúrgica.

Tabela 1: Definição da sintomatologia nos quadros de isquemia cerebral.

Ataque Isquêmico Transitório

Amaurose Fugaz

Acidente Vascular Cerebral

Em crescimento ou em evolução

Déficit neurológico reversível

Estabelecido ou completo

Sintomas hemisféricos típicos acompanhados ou não da perda da consciência e com duração de poucos minutos a horas, mas não deixa sequelas.

Perda visual monocular momentânea com recuperação total e duração em geral menor do que 15 minutos.

Sintomas hemisféricos típicos que se apresentam em surtos de intensidade e frequência crescentes.

Sintomas hemisféricos típicos que se instalam e demoram mais de 24 horas para reverter, não dei-xando sequelas ou sequelas mínimas.

Sintomas hemisféricos típicos que deixam sequelas permanentes.

Testes LaboratoriaisNão há exame laboratorial específico para o diagnóstico de estenoses carotídeas. A avaliação da pre-

sença de diabetes melito e distúrbios do metabolismo lipídico podem auxiliar no tratamento preventivo da progressão da doença. Os exames para triagem de vasculites e de trombofilias pode ser útil na diferenciação etiológica de alguns tipos de AVC. Para os pacientes que serão submetidos a cirurgia solicita-se exames de avaliação de eletrólitos, função renal e coagulação. A associação entre doença carotídea e coronariana é muito alta e todo paciente deve ser submetido a rigorosa avaliação cardiológica, visando a identificação de doença coronariana passível de tratamento e estimativa do risco cirúrgico.

Exames de Imagem e FuncionaisAntes do uso da ultrassonografia dúplex eram realizados alguns exames funcionais que auxiliavam

no diagnóstico da doença carotídea. Os mais usados eram a óculo-pletismografia – exame que mede a pulsatilidade do globo ocular e, de forma comparativa, avalia os dois olhos. Quando ocorre atraso na pulsatilidade de um olho significa que a artéria carótida interna deste lado apresenta obstrução. A fonoangiografia – registro gráfico do sopro carotídeo para avaliar o comprometimento da bifurcação

Doença Vascular Extracraniana Fábio Hüsemann Menezes

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carotídea. O estudo direcional com o Doppler48 - estudo da direção do sangue nas artérias temporal superficial e facial, onde se encontram com os ramos da artéria oftálmica. Se a direção do fluxo for para dentro da órbita significa que a carótida interna apresenta uma estenose significativa.

O desenvolvimento da ultrassonografia dúplex, praticamente substituiu todos os outros exames não invasivos para a avaliação inicial da doença carotí-dea. Este exame permite a avaliação em modo bidimensional (B) da anatomia da artéria carótida, identificando as placas de ateroma, sua característica quanto ao teor de lipídeos, fibrose e cálcio, permitindo ao mesmo tempo o estudo da velocidade do sangue nas áreas de estenose através da análise pelo Doppler. Desta forma, a avaliação das lesões carotídeas extracranianas passou a ser confiável e reprodutível, facilitando a identificação e quantificação das lesões. O laudo deve informar a localização da placa (se na carótida comum, externa ou interna) e o seu grau de comprometimento da luz (medida pela avaliação do diâmetro local da luz residual comparado ao diâmetro da artéria naquele ponto – critério europeu; ou comparado com o diâmetro da artéria carótida interna na sua porção normal mais cranial – critério americano). Deve-se tomar o cuidado de saber como foi medido o grau de estenose, uma vez que o critério europeu tende a hiperestimar as placas com menor grau de estenose. A avaliação da estenose por área é mais complexa, uma vez que a maioria dos trabalhos sobre a indicação cirúrgica utiliza medidas de diâmetro, e também tendem a hiperestimar o grau de estenose. Com a maior uti-lização da tomografia e da ressonância para a avaliação carotídea, a área deverá ser mais utilizada. Outra informação obtida pelo laudo é a velocidade do sangue na região da estenose, medida em velocidade no pico da sístole e ao final da diástole. A Tabela 2 mostra os principais achados relativos a diferentes graus de estenose.

48Johann Christian Andreas Doppler, 1803-1853. Físico austríaco.

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Tabela 2: Avaliação por análise do Doppler de estenoses carotídeas. Quadros de isquemia cerebral.

Grau Estenose

0%-20%

20%-50%

51%-69%

70%-99%

Ocluída

Velocidade pico sistólico

< 100

< 100

>100

> 100

0

Velocidade final na diástole

<100

< 100

< 100

> 100

0

Borramento da janela espectral

Sem

Borrada

Borrada

Borrada

Ausência sinal

Relação VPSInterna/comum

1

<4

<4

> 4

-

A arteriografia é o exame definitivo para a indicação cirúrgica, embora vá-rios autores pelo mundo indiquem a cirurgia apenas pelo estudo ultrassonográfico. Pela arteriografia pode-se avaliar o arco aórtico, os vasos extracranianos e os vasos intracranianos, identificando lesões associadas, como aneurismas, tumores, este-noses e oclusões tanto distais como proximais à bifurcação carotídea. A arterio-grafia convencional é realizada pela cateterização do arco aórtico e cateterização seletiva dos troncos supra-aórticos, injeção de contraste iodado com captura e processamento digital das imagens. No entanto, esta técnica exige punção arterial,

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manipulação de catéteres dentro da luz arterial e injeção de contraste iodado, que pode ser nefrotóxico, causar alergia ou reações adversas com outras drogas como a metformina. A punção arterial pode produzir hemato-mas, pseudoaneurismas, disseções arteriais, embolização distal ou trombose da artéria. Por esta razão formas alternativas de arteriografia foram desenvolvidas e estão sendo aperfeiçoadas, como a angiotomografia com reconstrução em duas e três dimensões e a angiorressonância magnética que utiliza contraste não iodado, com menor risco de alergia e nefrotoxicidade. Estes novos métodos permitem a injeção de contraste por via endove-nosa e uma qualidade de imagem muito próxima à da arteriografia convencional, além de permitir a avaliação do parênquima cerebral, afastando quadros de tumores, atrofias corticais, etc.

Diagnóstico diferencialO AVC tem diversas causas possíveis, e todo paciente com ataque isquêmico transitório ou acidente

vascular instalado deve ser investigado quanto a elas. As principais causas para um acidente vascular estão relacionados na Tabela 3.

Doença Vascular Extracraniana Fábio Hüsemann Menezes

Tabela 3: Diagnóstico diferencial dos acidentes vasculares cerebrais

Isquêmicos

Trombose artérias intracranianas (incluindo infartos lacunares)Trombose artérias extracranianas (carótida interna, vertebral)Ateroembolização a partir de artérias proximais (bifurcação da carótida, arco aórtico e seus ramos)Embolia a partir do coração (doenças de válvulas ou trombo mural pós infarto do miocárdio, dilatação de câmaras, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas, embolia paradoxal do sistema venoso por forame oval patente)Disseções arteriaisArteritesVasoespasmo

Hemorrágicos

ParenquimatosaSubaracnoideSubduralMal-formações vasculares (aneurismas, fístulas artério-venosas, hemangiomas)

Tumores

Tratamento ClínicoA partir dos anos 90 instituiu-se o que se chama de “Best Medical Therapy”. Basicamente consiste em:

• Abandono do tabagismo.

• Associação do uso de antiagregantes plaquetários (AAS e clopidogrel, cilostazol?).

• Controle da pressão arterial em níveis muito rigorosos, com utilização de múltiplas drogas, incluindo os inibidores de enzima conversora do angiotensinogênio.

• Controle rígido do diabetes melito.

• Uso de estatinas.

• Anticoagulação sistêmica para os pacientes com trombofilias e doença cardíaca emboligênica.

• Outras medidas, como a perda de peso, abandono do uso de hormônios femininos, aumento de atividade física.

• O grande problema em relação ao tratamento clínico é a aderência do paciente a esquemas me-dicamentosos compostos por múltiplas drogas e com custo considerável. No entanto, todo paciente com

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doença aterosclerótica carotídea deve receber orientações em relação ao tratamento clínico ideal, pois reduz significativamente o risco de morte por AVC e infarto agudo do miocárdio ao longo do tempo.

Tratamento CirúrgicoDurante os anos 80 diversos trabalhos multicêntricos e randomizados foram realizados para avaliar a validade

da endarterectomia de carótida na prevenção do AVC. Os principais trabalhos foram o Nascet (North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial) concluído em 1991, o ECST (European Carotid Surgery Trial Collabora-tive Group) 1991, o Veterans Affairs Cooperative Studies Program 1991, o ACAS (Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study) 1995 e o ACST (Asymptomatic Carotid Surgery Trial) 2004. O resultado destes estudos foi:

Primeiro, o grupo cirúrgico que realiza os procedimentos deve ter bons resultados para que a cirurgia tenha vantagem sobre o tratamento clínico. Aceita-se que para doentes sintomáticos o bom resultado equi-vale a uma morbi-mortalidade menor do que 6%. Para pacientes assintomáticos a morbi-mortalidade deve ser menor do que três por cento.

A indicação com benefício máximo é, em paciente que já apresentou sintoma neurológico, a estenose da carótida interna maior do que 70%, ou entre 50% e 70% com evidente presença de uma úlcera. Dentro deste grupo, dois subgrupos obtiveram benefício muito grande: os pacientes que apresentaram um AIT há menos de 30 dias e os pacientes acima de 75 anos de idade.

A indicação aceitável, mas que não traz benefício tão evidente é o paciente assintomático com estenose maior do que 60%-70%.

Em pacientes assintomáticos com placas menores do que 60% de estenose, ou sintomáticos com pla-cas menores do que 50% de estenose não se conseguiu comprovar o benefício da indicação cirúrgica. Para estes o tratamento clínico é melhor do que o cirúrgico.

O tratamento cirúrgico consiste em cirurgia aberta, também conhecida como endarterectomia de ca-rótida (Figura 1), e no tratamento endovascular, também conhecido como angioplastia carotídea (Figura 2). A endarterectomia basicamente consiste em uma cervicotomia com pinçamento da artéria carótida, abertu-ra do bulbo carotídeo e retirada da placa de ateroma descolando-se a camada íntima da parede, seguido do fechamento da parede arterial e restabelecimento do fluxo. A cirurgia pode ser realizada com anestesia geral ou com bloqueio cervical profundo e sedação, onde o paciente permanece acordado, permitindo a avalia-ção da circulação cerebral durante o pinçamento da carótida. Quando o paciente não tolera o pinçamento arterial (por falta de circulação colateral cerebral e que corresponde a cerca de 5% dos casos) utiliza-se uma derivação temporária de silicone para levar o sangue da carótida comum para a carótida interna durante a oclusão arterial. O fechamento da arteriotomia pode ser realizado primariamente ou com o auxílio de um remendo, que pode ser de material não autógeno (Dacron® , PTFE – politetrafluoroetileno expandido - ou pericárdio bovino) ou com uma veia, geralmente um segmento de veia safena interna. A cirurgia de endar-terectomia carotídea é umas das cirurgias arteriais mais realizadas no mundo todo e ainda hoje é considerada o padrão ouro no tratamento das estenoses carotídeas.

A angioplastia consiste na dilatação da placa de ateroma através de um balão inserido na árvore arterial por cateterismo, geralmente femoral. Iniciada na década de 90, os resultados iniciais foram muito ruins tan-to em relação à incidência de AVC pré-operatório, como em reestenose da lesão carotídea. Progressivamente o material foi melhorado e com a introdução do uso de stents (prótese metálica não revestida) autoexpansí-veis de nitinol e mais recentemente do uso de dispositivos de proteção embólica cerebral (atuam como fil-tros, ou “guarda-chuvas” que seguram o material que se despreende da placa de ateroma durante a dilatação da mesma) os resultados da angioplastia estão se igualando aos da endarterectomia de carótida.

A escolha da técnica ainda é controversa. Como a angioplastia é realizada por uma maior quantidade de profissionais médicos (hemodinamicistas, radiologistas intervencionistas, neurorradiologistas, cirurgiões en-dovasculares), se comparada à endarterectomia de carótida, que era realizada apenas por cirurgiões vasculares,

Doença Vascular Extracraniana Fábio Hüsemann Menezes

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cardíacos e neurocirurgiões, e com o apelo de ser técnica menos invasiva, tem ganhado popularidade no mundo todo. Ambas apresentam vantagens e desvantagens. O risco maior em qualquer uma delas é a ocorrência de AVC per ou pós-operatório imediato. A cirurgia aberta está relacionada a uma maior incidência de eventos cardíacos pós-operatórios em virtude do maior estresse cirúrgico. Também na cirurgia aberta ocorre a chance de lesão de nervos cranianos e hematomas de incisão. Por outro lado, a cirurgia elimina a placa de ateroma definitivamente na grande maioria dos pacientes, com reestenose em torno de 4% nos primeiros dois anos, evitando a colocação de material metálico estranho dentro da luz arterial. A angioplastia, por sua vez, pode ser realizada com anestesia local e por punção femoral, evitando incisões. Pode, no entanto, produzir acentuada hipotensão e bradicardia durante e após o procedimento devido à manipulação do bulbo carotídeo, e as complicações inerentes ao cateterismo arterial estão presentes (hematomas, pseudoaneurismas, disseções, trombose, embolia) além das complicações da utilização de contraste iodado. Também o material utilizado na angioplastia ainda é bem mais caro do que a ci-rurgia aberta. A incidência de reestenose com o uso de stents parece ser semelhante à da cirurgia aberta, em torno de 5% em dois anos, mas o paciente passa a apresentar uma malha metálica na parede arterial, que é incorporada à mesma com o tempo, impedindo cirurgias abertas nesse segmento arterial.

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Figura 1 - Técnica da endarterectomia de carótida. (A) aspecto inicial. (B) arteriotomia sobre o bulbo carotídeo. (C) realização da retirada da placa de ateroma com auxílio de espátula de endarterectomia, ini-ciando-se pela carótida comum. (D) retirada da placa da artéria carótida externa. (E) por último retira-se a placa da carótida interna. (F) aspecto final da artéria limpa e a placa de ateroma retirada da artéria. (G) arteriorrafia com liberação do fluxo arterial.

A B

C D E

F G

FHM

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PrognósticoO prognóstico do paciente com uma estenose maior do que 70% na carótida interna e que já tenha apre-

sentado sintomas neurológicos é evoluir para um AVC definitivo em torno de 7% ao ano. Quando operado com sucesso, a chance de evoluir para AVC do mesmo lado é menor do que 2% ao ano (igual à população geral). Portanto, se o paciente tem um bom prognóstico de vida por outras comorbidades, a cirurgia se torna vantajosa.

Áreas de PesquisaAtualmente estão em pesquisa novos materiais para a produção dos stents, como stents revestidos com

drogas ou absorvíveis ao longo do tempo, para diminuir a reestenose e eliminar a presença de elemento estranho na luz arterial. Também o material de cateterismo para navegar pelas artérias está cada vez mais fino, permitindo punções mais seguras. O desafio para a angioplastia ainda é a conformação anatômica do arco aórtico e da bifurcação carotídea que dificultam o cateterismo, assim como formas de identificação das placas de ateroma que são mais friáveis e vulneráveis a liberar material emboligênico durante a angioplastia, pacientes estes que provavelmente terão preferência pela cirurgia aberta.

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Figura 2 - Técnica de angioplastia com utilização de filtro de proteção e um stent autoexpansível, o qual é dilatado após a sua liberação no local doente da artéria. Aspecto inicial da lesão na bifurcação carotídea (A). Passagem do filtro de proteção embólica distal (B). Passagem do cateter de liberação do stent pela lesão (C). Liberação do stent pela retirada da bainha protetora do cateter de liberação (D). Uma vez o stent bem posicionado (E), é avançado o balão de angioplastia (F) e realizada a insuflação do mesmo para dilatar a estenose arterial (G). Para finalizar retira-se o cateter de angioplastia (H) e recolhe-se o filtro de proteção embólica (I). Aspecto final (J).

A B C D E

F G H I JFHM

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Moléstias Vasculares 97

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Neurológico: cérvico-braquialgia de início insidioso e piora progressiva,

acometendo trajeto dos cabos inferiores do plexo braquial, geralmente adulto jovem do sexo feminino.

• Venoso: trombose venosa profunda em membro superior de paciente jovem, usualmente atleta, desencadeado por esforço (Síndrome de Paget-Schrötter50).

• Arterial: obstrução arterial aguda, ou claudicação intermitente de mem-bro superior, em paciente jovem sem comorbidades e presença de abaulamento supraclavicular.

Considerações GeraisA Síndrome do Desfiladeiro Torácico (SDT) corresponde a um conjunto

de sintomas decorrentes da lesão do feixe vásculo-nervoso que sai do tórax para alcançar o membro superior. Do ponto de vista de frequência o acometimento mais encontrado é do plexo braquial, levando a dor. O acometimento venoso vem em segundo lugar e o acometimento arterial, embora mais raro, pode levar à perda do membro e por isto tem grande importância clínica. O Gráfico 1 mostra a distribuição relativa dos sintomas segundo a estrutura doente. Diversas doenças podem produzir sintomas dolorosos em membros superiores, o que torna muito difícil o diagnóstico diferencial nos casos de suspeita de SDT.

Síndrome do Desfiladeiro Torácico

12Capítulo

Fábio Hüsemann Menezes

50James Paget, 1814-1899. Cirurgião inglês. Leopold Schrötter Ritter von Kristelli, 1837-1908. Clínico e laringo-logista austríaco.

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Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

Gráfico 1 - Distribuição dos sintomas na SDT.

Neurológicos80%

Arteriais5%

Venosos15%

Tabela 1: Diagnóstico diferencial na SDT

Hérnia de disco cervical

Síndrome do túnel do carpo

Espondilose cervical

Aprisionamento do nervo ulnar no cotovelo

Dor postural

Miosite

Artrite

Bursite

Tendinite

Trauma muscular

Neurites de causa sistêmica

Esclerose múltipla

Neoplasias de medula espinhal

Causalgia

Psiconeurose

Tumores de ápice de pulmão (Pancoast51)

Tumores de mediastino – Síndrome de Cava Superior

Angina pectoris

Síndrome de Raynaud52

Vasculites por doenças do colágeno

Vasculite por injeção de drogas

Embolia arterial

Aterosclerose arterial

Para o bom entendimento dos sintomas é importante conhecer a anatomia do desfiladeiro torácico (Figura 1). O conceito básico é imaginar que o coração situa-se dentro do tórax e que os cabos do plexo braquial são formados desde o nível

51Henry Khunrath Pancoast, 1875-1939. Radiologista americano.

52Maurice Raynaud, 1834-1881. Clínico francês.

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Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

C3 até T1. Desta forma, os vasos sanguíneos e os cabos inferiores do plexo braquial devem percorrer um trajeto ascendente dentro do tórax, passar por cima da primeira costela e assumir um trajeto descendente no ombro, para atingirem o membro superior. O ponto mais alto deste trajeto é a primeira costela. Sobre ela inserem-se os músculos escaleno anterior e médio. A clavícula insere-se no esterno e é o único ponto de sustentação óssea do ombro. Ao se movimentar o ombro, o espaço entre a clavícula e a primeira costela altera-se significativamente (verifique em você mesmo realizando movimentos de rotação do ombro). Sob a clavícula encontra-se o músculo subclávio, que pode se tornar bem hipertrofiado em atletas, diminuindo ainda mais o espaço entre a clavícula e a primeira costela. Com a elevação do membro superior, as estruturas que saem do tórax são estiradas contra os anteparos ósseos e tendões musculares, podendo levar a um maior grau de compressão. Outro local de compressão é o trajeto sob o tendão do músculo peitoral menor e contra a cabeça do úmero. Anomalias anatômicas congênitas ou adquiridas podem reduzir os espaços anatômicos percorridos pelo feixe vásculo-nervoso, desencadeando ou acentuando os sintomas. A Tabela 2 relaciona os pontos de compressão e as anomalias anatômicas mais comuns relacionadas a estes locais.

Figura 1 - Anatomia normal do desfiladeiro torácico: a – escaleno anterior, b – escaleno médio, c – primeira costela, d – clavícula, e – processo coracoide da escápula, f – artéria axilar, g – nervos periféricos, h – veia axilar, i – músculo peitoral menor, j – músculo subclávio, k – esterno.

A

B

C

DE

F

G

H I

J

K

T1

C7

C6

FHM

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Moléstias Vasculares100

Tabela 2: Locais de compressão na SDT

Local Anatômico

Triângulo interescalênico

Espaço costo-clavicular

Túnel sob músculo peitoral menor

Estruturas ósteo-musculares

Assoalho: primeira costelaParedes: músculos escaleno anterior e médio

Assoalho: primeira costelaTeto: clavícula e músculo subclávio

Assoalho: parede anterior do tórax e cabeça umeral Teto: músculo peitoral menor

O trauma resultante da compressão exagerada dos cabos do plexo braquial leva a uma inflamação dos cabos nervosos, com a consequente sintomatologia dolorosa. A compressão repetida da veia subclávia entre a clavícula e a primeira costela também produz um quadro de lesão endotelial, resultando em trombose veno-sa. O quadro mais preocupante, no entanto, é a formação de aneurisma na transição das artérias subclávia e axilar, decorrente da compressão da mesma pela hipertrofia dos escalenos ou da presença de costela cervical. Após uma área de compressão o fluxo sanguíneo se torna turbulento e o aumento de velocidade, que leva ao maior trauma do sangue contra a parede do vaso, resulta em dilatação pós-estenótica. Dentro desta área dilatada pode-se formar um trombo mural, o qual, ao se destacar, produz embolização do leito arterial dis-tal do membro superior. Esta obstrução pode ocorrer em múltiplos pequenos episódios ou subitamente, e podendo culminar em perda do membro.

SintomatologiaNeurológica: O quadro neurológico típico é de dor no trajeto dos cabos inferiores do plexo braquial

(C8-T1), ou seja, no território do nervo ulnar (face medial do braço e antebraço e região hipotenar da mão). Com frequência o paciente relata também dor na região entre as escápulas. A dor, que de início é insidiosa e agravada por esforços físicos, como fazer faxina ou lavar roupas, vai progressivamente aumentando de intensidade até impedir que o paciente realize suas atividades diárias e/ou profissionais. A dor é aliviada com repouso do membro superior e uso de analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares. A Figura 2 ilustra os metâmeros sensitivos do membro superior.

Estrutura comprimida

Artéria subcláviaPlexo braquial

Veia subclávia principalmente

Artéria e veia axilares

Anomalias que diminuem o espaço anatômico

Costela cervicalHipertrofia dos músculos escalenos (presença de músculo escaleno mínimo)Bandas fibrosas

Calo ósseo de clavículaHipertrofia do músculo subclávio (atletas)

Hipertrofia muscularExcesso de amplitude de movimentação do ombro

Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

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Moléstias Vasculares 101

Venosos: Edema de início súbito, geralmente desencadeado por algum esforço físico, como um jogo de voleibol ou tênis. O edema é acompanhado de dor no membro e no ombro. O edema se acentua com exercícios e é aliviado com repouso, mas geralmente o membro não recupera o tamanho normal. A colora-ção da mão torna-se mais violácea, quando comparada com o membro contralateral. Com o passar dos dias o edema regride e surgem veias colaterais dilatadas em região de ombro e parte superior do tórax. Se o grau de obstrução venosa é grande pode ocorrer incapacidade funcional aos esforços.

Figura 2 - Metâmeros sensitivos do membro superior direito, vista anterior e posterior.

C6C7

C8

C5

T1

C4

C3

Anterior

FHM

C3

C4C5C6C7C8T1

PosteriorFHM

C6C7

C8

C5

T1

C4

C3

Anterior

FHM

C3

C4C5C6C7C8T1

PosteriorFHM

Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

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Arteriais: Pode ocorrer quadro de obstrução arterial aguda com dor e pa-lidez intensa, progredindo para quadro de parestesias e perda de motricidade, exigindo intervenção imediata. Ou, o que é mais frequente, um quadro de clau-dicação do membro superior ao realizar pequenos esforços, como pentear ou lavar os cabelos, pendurar objetos no alto, etc. Acompanhando a claudicação o paciente relata alteração de coloração da mão, com palidez à elevação e rubor paradoxal ao abaixar, e temperatura mais fria.

Exame físicoNeurológico: nos quadros iniciais do acometimento neurológico não há

alteração ao exame físico. Nos quadros muito avançados, com grande comprome-timento do plexo braquial, pode ocorrer atrofia dos músculos interósseos da mão, e mesmo de todo o membro superior, devido ao desuso (posição antálgica). Algu-mas manobras podem ajudar a determinar se há comprometimento neurológico e diferenciar o quadro de hérnias de disco ou túnel do carpo: a compressão dos pro-cessos espinhosos das vértebras cervicais e a compressão dolorosa da cabeça contra a coluna cervical sugerem a presença de uma hérnia de disco. A percussão dolorosa do trajeto do nervo mediano no punho (manobra de Tinel53) e o aparecimento de paresetesia ou dor ao se fletir ventralmente e exageradamente o punho (manobra de Phalen54) sugerem compressão do nervo mediano na região do túnel do carpo. Quando há irritação do plexo braquial, a sua compressão ao nível da fossa supra-clavicular torna-se dolorosa (sinal de Bauer) e a compressão, por 30 segundos, do tubérculo escalênico da primeira costela desencadeia os sintomas do paciente (teste de Greenstone). Um dos testes mais utilizados é a realização de movimentos de abrir e fechar as mãos com os braços posicionados a 90 graus em relação ao corpo e com as mãos viradas para frente (teste de esforço com os braços elevados – em inglês chamado EAST – elevated arm stress test – descrito por Roos55). Se houver acometimento dos cabos inferiores do plexo braquial, com frequência o paciente relata o aparecimento dos sintomas de parestesia e dor. O teste de sensibi-lidade cutânea está mais alterado nos quadros de comprometimento radicular por hérnias de disco do que nos quadros de irritação dos cabos do plexo braquial na Síndrome do Desfiladeiro Torácico e, geralmente, acometem mais a região lateral do membro. Para se testar a força muscular da musculatura interóssea pede-se ao paciente que prenda entre os dedos uma folha de papel, e o examinador avalia, comparativamente, os dois membros quanto à facilidade para puxar a folha de entre os dedos. É importante salientar que nenhum teste neurológico é específico para a SDT e deve ser avaliado em conjunto com os demais achados. Também é importante salientar que a SDT é um diagnóstico de exclusão, quando as causas mais comuns de dor em membro superior foram afastadas.

Venoso: deve-se avaliar a cor e o volume dos dois membros superiores comparativamente, verificando a presença de edema, coloração azulada ou vio-lácea e aumento de veias superficiais. Para se ter uma ideia da pressão venosa (que se torna elevada nos quadros de obstrução proximal), pede-se para o pa-ciente elevar lentamente os braços até a altura do coração, o que deve levar ao colabamento das veias superificiais. Caso um membro apresente retardo em relação ao outro quanto à altura em que as veias se colabam, indica aumento da pressão venosa deste lado. A medida do perímetro do membro em vários locais ajuda na avaliação evolutiva da recanalização venosa.

53Jules Tinel, 1879-1952. Neurologista francês.54George S. Phalen, 1911-1998. Ortopedista americano.55David B. Roos, cirurgião americano da atualidade.

Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

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Arterial: as obstruções arteriais produzem perda do pulso. Deve-se verificar em que altura do membro o pulso desapareceu. Comparativamente deve-se anotar o tem-po de enchimento capilar, a temperatura e a coloração das mãos. A medida de pressão arterial ao nível do braço e punho também ajuda no diagnóstico. Se houver dúvida so-bre a presença ou não de pulso, realiza-se a manobra de esforço com os braços elevados, como descrita na avaliação neurológica. Se houver palidez e claudicação precoce da musculatura do antebraço do lado suspeito de obstrução arterial, confrma-se o diag-nóstico. A presença de hipoestesia ou paresia em um membro isquêmico representa uma ameaça à viabilidade do mesmo e o paciente deve ser imediatamente encaminha-do para tratamento cirúrgico. Em todo paciente com obstrução arterial do membro superior deve-se procurar a presença de dilatação aneurismática das artérias subclávia e axilar, representada por massa pulsátil na fossa supraclavicular, acompanhada ou não de frêmito e sopro. Quando não há obstrução da artéria do membro superior, algumas manobras ajudam a esclarecer se pode ocorrer a compressão arterial com diferentes posturas. Basicamente as manobras realizadas são três: 1. teste de Adson56, onde se procura verificar se há compressão da artéria pelo estiramento dos músculos escalenos. Com o paciente sentado, verifica-se a presença do pulso radial com o braço esticado ao longo do corpo e solicita-se que o paciente olhe para cima e para o mesmo lado que está sendo examinado, ao mesmo tempo em que inspira profundamente. Se o teste for positivo o pulso radial desaparecerá. 2. Manobra da mochila ou da posição militar forçada. Nesta manobra solicita-se que o paciente posicione, de maneira exagerada, os ombros posteriormente, ao mesmo tempo em que inspira profundamente. Conco-mitantemente verifica-se o desaparecimento do pulso radial, que caracteriza uma ma-nobra positiva. 3. Por último, a manobra de hiperabdução (também conhecida como manobra de Allen57 ou manobra de Wright58). Nesta manobra o examinador sente o pulso radial e vai abduzindo o braço do paciente até posição de 90 graus, verificando a diminuição ou desaparecimento do pulso radial, ao mesmo tempo em que ausculta a região infraclavicular à procura de sopros. Para sensibilizar a manobra solicita-se que o paciente inspire profundamente e olhe para o ombro contralateral.

Exames complementaresAvaliação anatômica das estruturas ósseas. Deve-se solicitar uma radio-

grafia de tórax e cervical em três posições (ântero-posterior, perfil e oblíquas) visando a identificação de costelas cervicais, mega-apófises transversas e calos ósseos. Atualmente com a possibilidade da tomografia espiral com reconstrução tridimensional, este exame pode substituir a radiografia simples.

Neurológico: os exames de eletroneuromiografia, estudos da condução nervo-sa e respostas tardias da onda F podem auxiliar na identificação de outras patologias, como a presença de hérnias de disco ou compressão de nervos periféricos, especifi-camente o ulnar no cotovelo e o mediano no túnel do carpo. Pelos achados destes exames o eletrofisiologista pode sugerir o acometimento do plexo braquial na altura do desfiladeiro torácico. A tomografia e a ressonância magnética nuclear de coluna podem detectar quadros de degeneração por osteoartrose, hérnias de disco e tumo-res ou malformações vasculares, comprometendo as raízes nervosas cervicais.

Vascular: a medida de pressão arterial nos membros com o auxílio do Doppler portátil pode auxiliar no diagnóstico de obstrução arterial. A ultrasso-nografia dúplex é útil na avaliação de todo o eixo arterial e venoso, identificando

56Alfred Washington Adson, 1887-1951. Neurocirurgião americano.57Edgar Van Nuys Allen, 1900-1961. Clínico americano.58Irving Sherwood Wright, 1901-1997. Clínico americano. Descreveu o comprometimento do feixe com a hiperabdução do braço em 1945.

Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

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áreas de dilatação e obstrução, presença de trombos murais, assim como a compressão dos vasos com di-ferentes posicionamentos do membro superior, e é hoje o exame mais útil para o diagnóstico vascular da SDT. A angiografia está indicada no planejamento cirúrgico das correções arteriais e venosas, podendo ser realizada por cateterismo seletivo em equipamento de angiografia digital ou convencional, ou o que é mais comum atualmente, através da angiorressonância magnética ou angiotomografia computadorizada.

TratamentoNeurológico: praticamente mais de dois terços dos pacientes com quadro neurológico não apresenta altera-

ções anatômicas detectáveis aos exames de imagem, e desta forma é muito difícil indicar uma correção cirúrgica. A incidência de costela cervical na população é menor do que 1% e destes, menos de 10% apresentam sintomas, o que sugere a natureza benigna desta alteração anatômica. A fisioterapia com enfoque no fortalecimento da mus-culatura do ombro e na manutenção de uma postura correta é a base do tratamento dos quadros neurológicos. A grande maioria dos pacientes apresenta melhora e mantêm-se estáveis com a realização de exercícios diários. Quando o quadro neurológico é muito acentuado, principalmente quando é encontrada uma alteração anatômi-ca (a mais frequente é uma costela cervical completa ou incompleta), pode-se propor o tratamento cirúrgico. Nos casos onde há uma costela anômala a cirurgia é voltada para a seção do músculo escaleno anterior e a ressecção da costela cervical, geralmente por acesso supraclavicular. Quando não há uma anomalia anatômica a cirurgia pro-posta é a retirada da primeira costela, a qual é realizada na maioria das vezes por acesso axilar, com a concomitante seção dos músculos escalenos anterior e médio e de qualquer possível banda fibrosa que exista.

Venoso: a trombose venosa é uma ocorrência que não coloca em risco o membro superior, embora traga considerável incômodo estético e funcional. O tratamento, na maioria das vezes, limita-se à anticoagu-lação sistêmica com heparina e, posteriormente, inibidores de vitamina K por seis meses a dois anos. Com o passar dos meses, a circulação colateral venosa se desenvolve e a veia subclávia pode se recanalizar, trazen-do alívio sintomático, mas geralmente o paciente permanece com sequela estética (aumento de volume e presença de veias colaterais). Algumas vezes persiste a limitação funcional. Visando minimizar as sequelas, passou-se a dar maior atenção ao tratamento fibrinolítico e posterior investigação de estenoses que sejam passíveis de angioplastia. Para a correção da causa, no entanto, é necessária a ressecção da primeira costela por via axilar, o que está indicado sempre que for realizado o tratamento endovascular.

Arterial: diferentemente do acometimento neurológico e venoso, o desenvolvimento de aneurisma pós-estenótico e consequente embolização do leito arterial é ocorrência grave, que coloca em risco a viabilidade do membro. Por esta razão, a descoberta de dilatação vascular na presença de anomalia anatômica (geralmente uma costela cervical), deve ser tratada. A cirurgia consiste na ressecção de segmento do músculo escaleno anterior e da costela anômala, seguida da correção da lesão arterial, seja por anastomose término-terminal, interposição de enxerto venoso ou protético. A angioplastia com ou sem remendo é menos utilizada. Por ser esta região passível de compressão entre a clavícula e a primeira costela, evita-se o tratamento endovascular com a colocação de prótese metálica (stent), que pode ser fraturada ou ocluir pela compressão óssea.

PrognósticoO prognóstico do paciente com SDT depende da sintomatologia. Os casos neurológicos mais graves,

mesmo operados, geralmente apresentam evolução arrastada, com melhora parcial dos sintomas, e exigem acompanhamento médico permanente com apoio da equipe de fisioterapia e muitas vezes psicológico tam-bém. Os casos venosos têm usualmente boa evolução clínica, mas permanecem com as sequelas cosméticas e ocasionalmente com sensação de peso e dolorimento aos esforços. O aumento da agressividade do tratamento trombolítico associado à ressecção da primeira costela ainda não tem seu benefício comprovado, sendo reco-mendado por alguns autores e desaconselhado por outros. Os casos arteriais, com formação de aneurismas pós-estenóticos e embolização, geralmente têm excelente evolução quando a obstrução do leito arterial distal não foi grande, uma vez que a correção proximal da artéria apresenta excelente resultado a curto e longo prazo.

Síndrome do Desfiladeiro Torácico Fábio Hüsemann Menezes

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Moléstias Vasculares 105

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Presença de veias superficiais dilatadas, salientes e tortuosas.

• Pode ocorrer edema, eczema, dermatite ocre, dermatolipoesclerose, pre-sença de úlceras maleolares, varicorragia ou flebite superficial.

Considerações GeraisAs varizes dos membros inferiores correspondem a dilatações das veias su-

perficiais, com alteração de suas paredes, válvulas e função. Aproximadamente 20% da população mundial é portadora de varizes dos membros inferiores. A prevalência aumenta com a idade e é cerca de três a quatro vezes mais predomi-nante no sexo feminino.

Existem três sistemas das veias nas extremidades inferiores: sistema pro-fundo, superficial e perfurante.

Sistema profundo: acompanham as artérias com o mesmo nome no com-partimento músculo-aponeurótico, sendo pares abaixo do joelho.

Sistema superficial: veias subcutâneas constituídas principalmente pelas veias safenas internas e externas e seus ramos.

Sistema perfurante: Comunica os dois sistemas através de veias que atra-vessam a aponeurose muscular.

Todo este sistema venoso é dotado de válvulas bicúspides, desde as vê-nulas até os vasos ilíacos, que orientam o fluxo no sentido ascendente e do superficial para o profundo.

13 Varizes dos Membros Inferiores

George Carchedi Luccas

Capítulo

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Moléstias Vasculares106

Varizes dos Membros Inferiores George Carchedi Luccas

Figura 1 - Anatomia das principais veias do corpo humano. (A) jugular interna, (B) jugular externa, (C) subclávia, (D) axilar, (E) inominada esquerda a qual se une à inominada direita formando a veia cava supe-rior que recebe a ázigos, (F) cefálica, (G) braquial, (H) basílica, (I) sistema ázigos, (J) sistema porta, (K) cava inferior, (L) ilíaca comum, (M) ilíaca interna, (N) ilíaca externa continuando-se com a femoral comum, (O) femoral profunda, (P) femoral superficial, (Q) poplítea, (R) tibiais posteriores, (S) fibulares, (T) tibiais anteriores, (U) arco plantar superficial, (V) safena interna, (W) crossa da safena interna desembocando na veia femoral comum, (X) safena externa, (Y) perfurantes de coxa, (Z) perfurantes de perna.

A

BCE

F

G

H

I

J

K

L

M

N

O

P

Q

R

S

T

U

V

W

X

Y

Z

D

FHM

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Moléstias Vasculares 107

Varizes dos Membros Inferiores George Carchedi Luccas

Na lista abaixo estão os mecanismos de retorno venoso das extremidades inferiores com destaque para a bomba muscular da panturrilha, que quando falha constitui o principal entre todos os citados na gênese da hipertensão venosa crônica:

“vis a tergo” - transmissão da pressão arterial para o leito capilar e venoso. É o mecanismo básico atra-vés do qual ocorre a circulação sanguínea do ventrículo esquerdo para o átrio direito, independentemente da postura do indivíduo.

“vis a fronte” - aspiração torácica

“vis a latere” - transmissão da pulsatilidade arterial

Esponja plantar - mecanismo promovido pelo arco plantar na marcha conduzindo o sangue para a perna.

Bomba muscular da panturrilha - mecanismo de bomba aspirante-premente que no relaxamento re-cebe o fluxo venoso mais distal e do sistema superficial através das perfurantes, e na contração, orientado pelas válvulas, impele o sangue em direção proximal. É o mecanismo que otimiza o retorno venoso durante o exercício muscular e responsável por abaixar a pressão venosa no paciente que está em pé.

Na relação abaixo distribuem-se as varizes dos membros inferiores classificando-as em primárias, tam-bém chamadas de essenciais ou idiopáticas, ou seja, sem causa evidente determinante e, ao contrário, em secundárias quando está bem definido o fator causal.

• Varizes Primárias

• Fator predisponente

- Hereditariedade

• Fatores Desencadeantes

- Idade

- Gravidez

- Hormônios

- Profissão

- Obesidade

- Alterações de postura e da marcha

Figura 2 - Ilustração de uma válvula venosa bicúspide.

FHM

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Moléstias Vasculares108

• Varizes Secundárias

- Trombose Venosa Profunda

- Fístula Arteriovenosa

- Congênita

- Adquirida

A etiopatogenia das varizes primárias está relacionada a três principais fatores:

• Alteração das válvulas

• Doença da parede venosa

• Fístulas arteriovenosas

A gravidez desempenha importante papel no aumento da predominância das varizes primárias no sexo feminino, sendo que diversos fatores influenciam o seu desencadeamento nas gestações:

• Influência hormonal no enfraquecimento da parede venosa.

• Aumento do volume sanguíneo.

• Alteração da marcha e da bomba muscular da panturrilha.

Possível aumento da pressão venosa em membros inferiores (não comprovado experimentalmente) pela compressão da veia cava pelo útero, aumento de fluxo pelas veias ilíacas internas e competição com o retorno venoso dos membros inferiores.

SintomasO quadro clínico das varizes é bastante variado, desde apenas preocupação estética diante de um

quadro assintomático, até queixas de dores tipo peso ou queimação no período vespertino, e a presença de edema. Nesta fase de descompensação clínica podem surgir algumas complicações específicas das varizes. Abaixo, as possibilidades de apresentação clínica das varizes:

• Assintomáticas (preocupação estética)

• Dor em peso ou queimação

• Edema

• Complicações

- Eczema de estase

- Tromboflebite Superficial

- Varicorragia

- Úlcera varicosa

As consequências da estase venosa crônica são em geral mais benignas nas varizes primárias do que nas secundárias, uma vez que o sistema venoso profundo, responsável pelo retorno de 90% do sangue, está preservado. Quando do envolvimento do sistema profundo, seja por trombose ou fístula arteriovenosa, a dimensão do quadro de insuficiência venosa crônica é, em geral, bastante significativa.

Exame FísicoO paciente deve ser examinado em posição ortostática, com boa iluminação. Inicialmente, faz-se a

descrição da extensão, distribuição e calibre das varizes. Na palpação observa-se a consistência das varizes, presença de flebites e perfurantes insuficientes pelo alargamento do seu orifício de entrada na aponeurose. Pela percussão é possível sentir todo o trajeto das veias dilatadas e pela tosse pode-se identificar refluxo significativo pelo sistema das veias safenas.

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Moléstias Vasculares 109

Muitas provas propedêuticas foram descritas há mais de um século para avaliar os pontos de refluxo e estado funcional dos sistemas profundos e perfu-rante e, entre estas, destacam-se as manobras de Trendelenburg59 e de Perthes60.

Com o emprego da ultrassonografia dúplex estas provas perdem a impor-tância original, embora sejam úteis para compreender a fisiopatologia das vari-zes e auxiliar no diagnóstico diferencial entre varizes primárias e secundárias.

Exames SubsidiáriosOs seguintes exames são importantes na propedêutica das varizes dos

membros inferiores:

• Doppler61 de onda contínua

• Ultrassonografia dúplex

• Pletismografia

• Flebografia

A ausculta com o Doppler de onda contínua auxiliam o estudo do paciente com varizes fornecendo as seguintes informações:

• Detecção de refluxo venoso (paciente em pé).

• Avaliação do estado funcional das veias safenas.

• Associada à manobra de Trendelenburg facilita a análise do refluxo das veias safenas internas.

• Pela intensidade do som e tempo de refluxo pode-se inferir o diâmetro da safena, com implicações no planejamento cirúrgico.

• Auxilia na marcação pré-operatória das varizes e do trajeto das veias safenas, confirmando e/ou confrontando o relatório do exame dúplex.

A ultrassonografia dúplex é exame não invasivo de grande importância na propedêutica das varizes pela riqueza de informações que pode fornecer:

• Estudo dos sistemas venosos profundo, superficial e perfurante

• Estado funcional das veias safenas

• Quantificação do refluxo nas veias safenas

• Localização e dimensão das veias perfurantes insuficientes

• Investigação de anomalias anatômicas

- duplicação de veias safenas

- desembocadura da veia safena externa

- presença da veia de Giacomini (face posterior da coxa)

Detecção de refluxo em áreas independentes das veias safenas

• Avaliação das varizes recidivadas: pontos de refluxo

• Diagnóstico diferencial entre varizes primárias e secundárias

• Diagnóstico diferencial dos edemas

A quantidade e a qualidade das informações oferecidas por este mape-amento, na avaliação dos pacientes portadores de varizes, vieram favorecer de forma significativa a avaliação pré-operatória, com marcada influência na conduta e também no julgamento dos resultados. Tornou-se portanto, exame

59Friedrich Trendelenburg, 1844-1924. Cirurgião alemão.60Georg Clemens Perthes, 1869-1927. Cirurgião alemão.61Johann Christian Andreas Doppler, 1803-1853. Físico austríaco.

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Moléstias Vasculares110

imprescindível e podemos considerar o tratamento das varizes dividido em duas eras: antes e depois do mapeamento pela ultrassonografia dúplex!

Figura 3 - Esquema ilustrativo do teste de Trendelenburg. (A) paciente em pé, presença de varizes em perna. (B) paciente é deitado com elevação do membro inferior. (C) aplica-se um garrote na parte superior da coxa, de maneira a fechar o refluxo pela veia safena interna. (D) o paciente assume a posição ortostática observando-se que as varizes demoram a se encher de sangue. (E) ao retirar-se o garrote da coxa ocorre rápido refluxo de sangue pela veia safena enchendo completamente as varizes e comprovando a insuficiência do sistema superficial.

A B C D E

FHM

Figura 4 - Esquema ilustrativo da prova de Perthes. (A) com o doente em pé e as varizes dilatadas na perna aplica-se um garrote logo acima da prega do joelho. (B) em seguida o doente realiza manobras com o membro inferior simulando a marcha normal (pode ainda caminhar). (C) observa-se o desaparecimento das varizes, que se tornam menos túrgidas, demonstrando a perviedade e bom funcionamento do sistema venoso profundo.

A B C

FHM

A pletismografia é exame baseado na avaliação da alteração de volume na extremidade, contribuindo na quantificação não invasiva dos distúrbios fisiopatológicos que ocorrem nos pacientes portadores de varizes.

Indicado para avaliação da hemodinâmica venosa com o cálculo do índice de enchimento venoso, da fração de ejeção e do volume residual, os quais se correlacionam com o grau de refluxo venoso, com a bomba muscular e a pressão venosa. Não define os pontos de refluxo venoso, sendo útil, porém, na avaliação do resultado do tratamento cirúrgico.

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Moléstias Vasculares 111

A flebografia foi durante muitos anos considerada como padrão-ouro no estudo das patologias veno-sas. Devido ao desconforto provocado pelo exame, associado aos riscos (alergia, flebites) e ao grande avanço na propedêutica não invasiva, especialmente com o exame da ultrassonografia dúplex, a flebografia passou a ser pouco utilizada na avaliação dos portadores de varizes primárias dos membros inferiores.

Atualmente, fica reservada ao estudo de anomalias venosas, de fístulas arteriovenosas, diagnóstico diferencial entre varizes primárias e secundárias não esclarecido pela ultrassonografia dúplex, ou no estudo pré-operatório de reconstruções venosas.

A flebografia por ressonância magnética tem substituído com vantagens a flebografia convencional pela redução dos riscos e do desconforto da flebografia tradicional.

Diagnóstico DiferencialOs dados mais importantes da história e do exame físico que auxiliam no diagnóstico diferencial entre

varizes primárias e secundárias são apresentados na Tabela 1

CondutasPodemos, dependendo de cada caso, determinar as seguintes condutas:

• Observação

• Medicamentos

• Meias Elásticas

• Esclerose

• Cirurgia

Todas estas condutas são pertinentes e corretas, dependendo de cada paciente e da fase de sua vida. Devemos considerar a preocupação estética ou a existência de problemas funcionais, a intensidade das quei-xas, a idade e, na mulher, o planejamento familiar.

Procuraremos exemplificar situações típicas de cada uma das indicações:

Exemplo típico de simples observação seria paciente idoso assintomático, que vai à consulta simples-mente porque ficou preocupado ao ouvir comentários sobre riscos das varizes.

Cabe ao médico tranquilizar o paciente, fornecendo informações sobre esta patologia, que na grande maioria dos casos comporta-se como um processo benigno.

Os medicamentos podem ser úteis para alívio dos sintomas ou então para tratamento das complica-ções. Não se recomenda o uso contínuo na expectativa de cura desta patologia.

Tabela 1. Diagnóstico diferencial entre varizes primárias e secundárias

Característica

História

Exame físico

Varizes secundárias

Geralmente idade mais avançada

Episódio prévio de TVP

Fístula arteriovenosa

Distribuição anárquica das varizes

Alterações tróficas frequentes e significativas

Varizes primárias

Geralmente idade mais jovem

Fator hereditário

Fatores desencadeantes

Distribuição padronizada das varizes

Alterações tróficas ausentes ou em menor intensidade

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Aos medicamentos, por via oral ou tópicos, são creditados os seguintes efeitos:

• Aumentar o tônus venoso

• Reduzir a permeabilidade capilar

• Reduzir a fragilidade capilar

• Aumentar a drenagem linfática

• Alívio dos sintomas

As meias elásticas estão indicadas para todos os pacientes, tanto para alívio dos sintomas como para prevenção da progressão do quadro. O grande problema é que, por vivermos em um país tropical, muitos pacientes não se adaptam ao seu uso contínuo.

Ficam reservadas de forma obrigatória aos pacientes com varizes descompensadas que não desejam ou não possam ser operados e, em especial, na gravidez, para evitar o desencadeamento ou acentuação do quadro de varizes.

As meias elásticas de compressão facilitam o retorno venoso, evitam o edema e protegem o sistema venoso superficial. Apresentam maior compressão junto ao terço inferior da extremidade com redução gradual da pressão em direção à panturrilha e também da coxa, quando do uso de meias longas.

São disponíveis nos seguintes graus de compressão:

Suave: prevenção

Média: varizes primárias compensadas

Alta: varizes primárias descompensadas ou varizes secundárias

Para a grande maioria dos angiologistas-cirurgiões vasculares brasileiros, a escleroterapia com a injeção de diversas substâncias, está indicada apenas para tratamento das microvarizes e telangiectasias. Recentemente, na Europa, publicações têm destacado sucesso no tratamento das varizes tronculares, associando-se o esclerosante ao ar ou CO2, formando uma microespuma, existindo, porém, a preocupação com o risco de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar.

A cirurgia está indicada sempre que se desejar eliminar as varizes existentes seja por problema estético ou funcional. Não existe idade limite desde que o paciente apresente mínimo risco anestésico e cirúrgico.

Tratamento CirúrgicoNo início do século passado foram desenvolvidos os fleboextratores e nas décadas seguintes firmou-se o con-

ceito do tratamento cirúrgico das varizes primárias, incluindo a safenectomia interna, a safenectomia externa, liga-dura de perfurantes e ressecção escalonada das colaterais varicosadas, denominada de cirurgia radical de varizes.

Avanço técnico significativo foi obtido com o uso das agulhas de crochê e mini-incisões para retirada das colaterais, evitando pontos ao final da cirurgia, com excelente resultado estético.

Outro aspecto de destaque é que a partir da metade do século anterior a veia safena interna passou a ser empregada como substituto arterial e segue até os dias de hoje como a melhor alternativa de derivação vascular.

Nas últimas décadas do século XX, ganha corpo o sentimento de preservação da veia safena interna, relacionado à sua qualidade e à crescente necessidade de sua utilização como substituto vascular. O desafio em relação ao tratamento cirúrgico das varizes primárias passou a ser: conciliar a conduta clássica radical, para a qual se creditava os melhores resultados tardios, em relação à recidiva, com a necessidade de preservar uma estrutura nobre como a veia safena.

No mesmo período os cirurgiões passam a contar com as preciosas informações oferecidas pelo ul-trassom. Nos pacientes com varizes clinicamente compensadas, estando as veias safenas normais, como consenso a cirurgia está voltada apenas para a ressecção escalonada das colaterais varicosadas, e a eventual ligadura de perfurantes insuficientes.

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Moléstias Vasculares 113

Nos pacientes com varizes descompensadas apresentando a safena interna calibrosa e refluxo volumétrico elevado, deve ser praticada a safenectomia, com preferência pela retirada apenas da porção proximal, pois demonstramos em pes-quisa específica que a retirada proximal, além de bons resultados imediatos e tar-dios, evita lesão de nervos e linfáticos superficiais situados na perna, evita incisão maleolar da safena distal e preserva o segmento da perna da veia safena interna.

A escolha de conduta mais difícil é para o paciente com quadro de impli-cação apenas estética, ou com pequenas manifestações clínicas, apresentando ao exame de ultrassonografia dúplex insuficiência da veia safena, porém com diâmetros próximos ao normal e valor de refluxo pouco elevado. (Tabela 2)

O mesmo raciocínio, considerando-se o quadro clínico e os resultados do exame de imagem, aplica-se ao planejamento relativo à cirurgia envolvendo a veia safena externa.

Recentemente têm sido descritos métodos alternativos à cirurgia convencional, como as cauterizações venosas com radiofrequência ou com LASER ou a esclerose com substâncias preparadas na forma de microespuma. A indicação principal, no mo-mento, seria para os quadros mais graves de insuficiência venosa em que a presença de úlceras ou dermatofibroses não favoreçam o procedimento cirúrgico clássico.

Tratamento das ComplicaçõesApresentamos, a seguir, resumidamente o tratamento das complicações

das varizes:

a) eczema de estase

Repouso com membros inferiores elevados

Creme a base de corticoides

Medicamentos antialérgicos

b) flebite superficial

Medicamentos anti-inflamatórios

Compressas quentes

Cremes heparinoides

Observação: em flebites extensas ou ascendentes na veia safena interna: cirurgia com ligadura da crossa e fleboextração ou anticoagulação (heparina de baixo peso molecular)

c) varicorragia

Repouso com membros inferiores elevados

Enfaixamento compressivo

d) úlcera varicosa

Repouso deitado com elevação dos membros inferiores.

Enxerto de pele pode ser realizado após a resolução da causa do refluxo (cirurgia de varizes)

Bota de Unna62

Curativos compressivos elásticos de múltiplas camadas, associados a placas de curativos hidrocoloides ou hidrogéis.

62Paul Gerson Unna, 1850-1929. Dermatologista alemão.

Varizes dos Membros Inferiores George Carchedi Luccas

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Moléstias Vasculares114

ConclusãoAs varizes primárias dos membros inferiores constituem doença de elevada prevalência na população,

embora em grande parte dos pacientes a maior preocupação seja de ordem estética. A cirurgia é a forma indicada de eliminar as varizes, embora a recidiva seja comum pela manutenção dos fatores desencadeantes principais (tendência hereditária e postura).

O tratamento cirúrgico das varizes primárias dos membros inferiores deve ser equacionado e planejado de forma particular para cada extremidade, considerando-se a: idade do paciente, a indicação cirúrgica (es-tética ou funcional), o planejamento familiar, a perspectiva de utilização futura da veia safena como enxerto pela presença de fatores de risco da aterosclerose, o exame físico e o resultado da ultrassonografia dúplex, incluindo a presença ou não de refluxo, o padrão do acometimento, diâmetros e valor do refluxo. Não existe tática cirúrgica padrão semelhante para todas as extremidades.

Tabela 2: Conduta em relação à veia safena interna em relação aos dados do mapeamento dúplex

Estado funcional da veia safena ao mapeamento dúplex

Normal

diâmetro < 8 mmrefluxo < 400 ml/min

diâmetro > 8 mmrefluxo > 400 ml/min

Conduta Cirúrgica

Preservação

Preservação???

Safenectomia Proximal

Quadro clínico

Compensado

Compensado

Descompensado

Varizes dos Membros Inferiores George Carchedi Luccas

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Moléstias Vasculares 115

14 Doença Tromboembólica Venosa

Ana Terezinha Guillaumon

Capítulo

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Presença de um ou mais fatores de risco• Edema do membro inferior/superior• Dor em compartimento muscular (principalmente ao movimentar)• Descoloração da pele (palidez ou cianose)• Aumento de veias superficiais• Sinais de embolia pulmonar (dispneia, dor pleural, escarro hemoptoico,

asma atípica)

Considerações GeraisA trombose venosa profunda (TVP) é uma doença de grande importância clínica

pela ocorrência de complicações agudas, sendo a mais importante a embolia pulmonar (EP), que pode ser fatal. Tardiamente pode resultar em quadros de Hipertensão Veno-sa Crônica (vide capítulo 15), pela destruição das válvulas venosas e/ou persistência da obstrução venosa. Esta sequela constitui uma das doenças crônicas mais prevalentes na população, e com grande impacto sócioeconômico. O aspecto mais importante a ser considerado na TVP, no entanto, é que medidas simples de profilaxia podem reduzir em até 70% a incidência da mesma nos pacientes clínicos e cirúrgicos.

A TVP pode comprometer desde as veias gastrocnêmias e soleares até a veia cava. O comprometimento distal na perna é mais difícil de ser diagnosticado e os trombos ali gerados não são suficientes para causar embolia pulmonar fatal. A sinto-matologia é mais acentuada e o risco de EP é maior quanto mais proximal e quanto mais extenso o segmento venoso obstruído. As TVPs de poplítea podem passar des-percebidas, podendo mesmo se apresentar como um episódio de EP. As TVPs íleo-femorais são mais sintomáticas e clinicamente mais fáceis de serem percebidas.

O risco de TVP para pacientes hospitalizados pode ser avaliado pelos dados na Tabela 1. Estudos de necropsia revelam que, dos pacientes que vão a óbito inter-nados, cerca de 70% apresentavam achados compatíveis com embolia pulmonar. Sendo assim, a TVP é uma das principais causas de morte do paciente internado.

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Moléstias Vasculares116

63Rudolph Ludwig Karl Virchow, 1821-1902. Patologista alemão.

Tabela 1: Risco de TVP em pacientes hospitalizados, sem profilaxia:

Tipo de Internação

Pacientes clínicos

Cirurgia geral

Cirurgia ginecológica maior

Cirurgia urológica maior

Neurocirurgia

Acidente Vascular Cerebral

Cirurgia de quadril ou joelho

Politraumatizado

Lesão medula espinhal

Paciente em Unidade Terapia Intensiva

Risco de TVP (%)

10-20

15-40

15-40

15-40

15-40

20-50

40-60

40-80

60-80

10-80

Desde 1860, a tríade descrita por Virchow63 considera três fatores fundamen-tais para o desencadeamento da trombose vascular: lesão endotelial, estase sanguínea e alterações na coagulação do sangue. Assim, a presença de qualquer um destes fato-res pode desencadear a formação de trombo no sistema venoso. Uma vez que o pro-cesso se inicie, se não tratado adequadamente, pode ocorrer a extensão do trombo ou um episódio de embolia pulmonar. A tabela 2 apresenta os fatores de risco para TVP, reconhecidos para os pacientes clínicos e cirúrgicos. A Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular possui recomendações de profilaxia para os pacientes clínicos e cirúrgicos, conforme suas diretrizes para o tratamento da doença trom-boembólica venosa, as quais podem ser encontradas na página do Jornal Vascular Brasileiro em http://www.jvascbr.com.br/ na opção LINKS.

Tabela 2: Fatores de risco para TVP

Adquiridos

Cirurgia / trauma

Imobilização (doenças graves)

Idade avançada

Anticoagulante lúpico

Anticorpo antifosfolípide

Câncer

Estrógenos

Gravidez / Puerpério

Doenças mieloproliferativas

Policitemia

Varizes

TVP prévia

Genéticos

Def. proteína C

Def. proteína S

Def. antitrombina III

Fator V Leiden

Protrombina 20210A

desfibrinogenemia

Mistos

Aumento fator VIII

Hiperhomo-cisteinemia

Aumento fibrinogênio

Doença Tromboembólica Venosa Ana Terezinha Guillaumon

Page 117: Manual de Molestias Vasculares

Moléstias Vasculares 117

É importante comentar sobre o fator idade. A tendência a apresentar uma TVP aumenta com a mesma, de maneira que poder-se-ia falar que algum dia todo indivíduo seria acometido de uma trombose, se vivesse o suficiente para tal. O que ocorre é que algumas situações desencadeiam o episódio de trombose em uma fase mais precoce da vida. Entre os fatores mais comuns encontram-se o trauma cirúrgico (como em cirurgias ortopédicas, urológicas e gi-necológicas), o repouso imobilizado (como em sequelados de acidente vascular cerebral, politraumatizados, doentes clínicos graves) e as alterações de coagulação (como em desidratação severa, quadros para-neoplásicos, uso de anti-concepcionais e puerpério, distúrbios da crase sanguínea, e as trombofilias congênitas ou adquiridas) - Gráfico 1.

Indivíduo saudável

Indivíduo comfator V de Leiden

Uso deanticoncepcional

Fratura docolo do fêmur

Idade

Riscode TVP

Limiarpara trombose

Gráfico 1 - Risco de apresentar uma TVP com a idade.

Existe um limiar para trombose, o qual, quando alcançado, desencadeia o processo de coagulação. Eventualmente, com a idade, todos alcançarão este limiar. Uma paciente jovem com predisposição gené-tica (por ex.: fator V de Leiden) ao fazer uso de anticoncepcional oral poderá alcançar o limiar e apresen-tar uma TVP. Um paciente saudável mais idoso, frente a uma situação de risco, como uma fratura de colo de fêmur, também poderá alcançar o limiar apresentando o quadro de trombose.

SintomasDor: é um dos primeiros sintomas da apresentação, ocorrendo em aproximadamente 80% dos do-

entes. Tem intensidade variável, sendo acentuada pela deambulação e posição ortostática. Tem sede nos agrupamentos musculares comprometidos, mas pode progredir para todo o membro.

Edema: também um dos sintomas iniciais, acompanha o aparecimento da dor. Ocorre aumento do perímetro do membro, que pode ser medido para comparações futuras. Sua intensidade depende do tempo de doença, desaparecendo com o repouso e se agravando com a permanência em pé ou sentado.

Cor: ocorrem dois quadros característicos: palidez, quando o edema predomina, sendo difícil de se palpar os pulsos periféricos em virtude de frequente vasoespasmo associado e edema do subcutâneo – co-nhecida como phlegmasia alba dolens. Cianose quando o retorno venoso se torna mais comprometido. A coloração do membro torna-se vermelho-violácea aumentando de intensidade com o membro pendente e melhorando com a elevação – conhecida como phlegmasia cerulea dolens.

Um quadro extremo, onde o retorno venoso encontra-se tão comprometido,que a entrada de sangue no membro é interrompida, é conhecido como gangrena venosa. Ocorre mais em pacientes em estágio terminal de doença sistêmica, como neoplasias ou insuficiência cardíaca congestiva.

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Dispneia, sensação de morte iminente, dor pleural e tosse com escarro he-moptoico sugerem que houve embolia pulmonar. Como a embolização dos trom-bos somente ocorre quando estes ainda estão recentes, é comum que a EP se dê nos primeiros dias, onde os sintomas de TVP estão se instalando. Por isso é importante o reconhecimento precoce dos sintomas de EP e tratamento imediato. Se houver embolia maciça que comprometa o tronco das artérias pulmonares, o paciente pode apresentar sintomas de baixo débito cardíaco, ou mesmo morte súbita.

Exame FísicoO exame físico do paciente com suspeita de TVP deve ser o mais comple-

to possível, pois além do diagnóstico da trombose em si é necessário pesquisar qualquer alteração de outros órgãos ou sistemas que possa ter desencadeado o quadro de trombose.

À inspeção do membro detecta-se edema em grau e extensão variáveis, dependendo do território acometido. Com frequência é unilateral, ou mais im-portante de um lado. O membro pode apresentar-se mais pálido, ou com aspec-to mais azulado. A circulação colateral superficial pode aparecer na face anterior da perna (sinal de Pratt64 ou veias sentinelas de Pratt), embora a frequência deste achado seja menor do que 50%.

À palpação pode ser percebido aumento de temperatura do membro. O compartimento muscular acometido apresenta-se endurecido e doloroso. Ao fletir-se o joelho, apoiando-se o pé na cama, a massa muscular não balança livre-mente (sinal da bandeira). Há a presença de edema do subcutâneo que pode ser comprimido com o polegar (sinal de godê65). A dorsi-flexão do pé é dolorosa em virtude da inflamação das veias da panturrilha (sinal de Homans66). Também a palpação dos trajetos venosos inflamados é dolorosa.

É importante relatar que os sintomas e sinais são falhos no diagnóstico de TVP. Diversas doenças que acometem os membros podem simular os sintomas. Trabalhos antigos atribuem uma chance de 50% de acerto para o diagnóstico de TVP baseando-se apenas nos sintomas e exame físico. Por isso é fundamental, na suspeita de qualquer quadro de TVP, que exames de imagem sejam realizados para afastar ou confirmar o diagnóstico.

Testes LaboratoriaisO hemograma pode auxiliar na diferenciação com quadros infecciosos

de celulites ou erisipelas e na investigação de policitemia e leucoses. Os exames de coagulação (tempo e atividade de protrombina, tempo de tromboplastina parcial ativado, tempo de trombina e contagem de plaquetas) são fundamentais como parâmetro basal para o tratamento.

O teste do dímero D, que é um produto de degradação da fibrina e en-contra-se muito elevado nos processos de trombose e inflamação, pode auxiliar a afastar o quadro de trombose quando é negativo. Quando é positivo deve-se tomar o cuidado de afastar outros processos que levam ao aumento do mesmo, como cirurgias ou traumas recentes ou processos inflamatórios em atividade.

67William Morrant Baker, 1839-1896. Cirurgião inglês.68Friedrich Trendelenburg, 1802-1872. Cirurgião alemão.

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Os exames gerais de eletrólitos, glicemia, hormônio estimulador da tireoide, análise urinária, etc. podem auxiliar no diagnóstico de outras doenças associadas, mas não são indispensáveis.

A investigação das trombofilias congênitas (deficiência de proteínas S e C, deficiência de anti-trombina III, mutação do fator V de Leiden, mutação do fator II) ou adquiridas (presença de anticorpos anticardiolipinas, anticoagulante lúpico) pode ser realizada em um segundo tempo, após o tratamento inicial do quadro agudo, uma vez que tem implicação na orientação futura do paciente, mas não no tratamento do quadro agudo.

Exames de Imagem e FuncionaisO Doppler contínuo pode diagnosticar as tromboses venosas proximais pelos achados de som

contínuo nos trajetos venosos e ausência de som aumentado pela compressão distal ou descompressão proximal (veja capítulo 2 - Laboratório Vascular). É mais fiel na avaliação das TVPs íleo-femorais, não sendo confiável na avaliação de TVP abaixo do joelho. Um achado que sugere fortemente a oclusão da veia poplítea é a presença de som espontâneo e contínuo na avaliação da veia safena interna na altura do joelho, sugerindo estar sendo recrutada como via colateral. Normalmente só se consegue sinal audível nesta veia com a compressão distal da mesma.

A pletismografia pode ajudar na avaliação, demonstrando a falta de vazão venosa pelas veias compro-metidas, mas por ser um exame difícil de ser realizado, por ser o aparelho pouco disponível, além de oferecer apenas informações funcionais e não anatômicas, é raramente utilizada nos dias de hoje.

A ultrassonografia dúplex é exame não invasivo, de fácil acesso, confiável do ponto de vista do diag-nóstico anatômico e pode ser repetido quantas vezes necessário. É considerado o exame de escolha nos dias de hoje. Dois achados caracterizam uma veia com trombose venosa (veja capítulo 2 - Laboratório Vascu-lar): 1) a incompressibilidade da veia pelo transdutor no modo B, com imagem de aumento de volume da veia. Normalmente as veias profundas apresentam a forma elíptica e são facilmente compressíveis. Quando ocluídas agudamente apresentam-se distendidas e com forma circular. 2) ausência de sinal ao estudo com o Doppler. Um ultrassonografista experiente consegue avaliar com os aparelhos modernos desde as veias da panturrilha até a veia cava inferior.

A flebografia, considerada nos livros textos como o exame padrão ouro, é pouco utilizada atualmente. Possui a desvantagem de usar contraste iodado, sendo exame doloroso, com risco de aumentar o processo de inflamação das veias e depende de médico experiente na sua realização, para poder demonstrar as veias envolvidas. O achado característico é a presença de imagens de falha de enchimento ou total ausência de segmentos de veia profunda. A flebografia é ainda muito utilizada para a avaliação da veia cava inferior durante o procedimento de colocação de filtros.

Tomografia computadorizada e Ressonância magnética nuclear. Estas duas modalidades de exame podem oferecer imagens que confirmam a presença e a extensão dos processos de trombose venosa, princi-palmente em territórios de difícil avaliação pela ultrassonografia dúplex, como as veias profundas da coxa e pelve. Também ajudam na avaliação de possíveis causas para a trombose, como síndrome para-neoplásica, compressão extrínseca por cistos, tumores, linfonodos, etc. Atualmente há uma tendência para substituir a flebografia convencional pela flebografia realizada pela ressonância magnética.

Diagnóstico DiferencialDiversas doenças podem simular quadros de TVP, pela compressão extrínseca das veias, por elas mes-

mas produzirem aumento de volume, por inflamação da musculatura e tendões, etc. A tabela 3 apresenta as principais doenças a serem consideradas em um paciente com suspeita de TVP.

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Tratamento ClínicoApós diagnosticada a TVP, o tratamento é voltado a dois objetivos: aliviar

os sintomas (edema) e interromper o processo de formação de coágulos.Para alívio dos sintomas o paciente é imediatamente colocado em posição

de Trendelenburg68 (com os pés elevados), sendo recomendada uma altura em torno de 20 a 30 cm. Paralelamente podem-se administrar analgésicos comuns, que não contenham anti-inflamatórios não hormonais, para se evitar o risco de uma gastrite hemorrágica medicamentosa. O próprio repouso é suficiente para deixar o paciente confortável. Observa-se com frequência que 24 horas em posição de Trendelenburg são suficientes para reduzir consideravelmente o edema, voltar a coloração a um tom mais normal e se obter o alívio da dor. Após a melhora clínica e efetiva anticoagulação a deambulação é segura para o pacien-te, permitido-se assim que o mesmo levante e caminhe, fazendo uso de meias elásticas. No entanto, durante as primeiras semanas de tratamento, quando o paciente deambular, ou permanecer muitos minutos em pé, a sintomatologia com frequência retorna, em virtude das veias ainda se apresentarem obstruídas e a circulação colateral pouco desenvolvida.

Para interromper o processo de formação de coágulos é utilizada a he-parina. Lembrar que apenas os trombos recentes se desprendem produzindo a embolia pulmonar, de maneira que após a efetiva anticoagulação o paciente pode deambular. A heparina pode ser utilizada na sua forma não fracionada ou na forma de heparina de baixo peso molecular.

A dose de heparina não fracionada é 500 UI/kg/dia, dividida em seis do-ses que são diluídas em 250 ml de soro fisiológico e administradas endovenoso a cada quatro horas. O controle da heparinização é feito através do tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa) a cada quatro a seis horas, o qual deve estar entre 90 e 100 segundos, ou com um R entre 1,5 e 2. Valores acima de 120 segundos implicam em risco de sangramento espontâneo e devem ser corrigidos.

67William Morrant Baker, 1839-1896. Cirurgião inglês.68Friedrich Trendelenburg, 1802-1872. Cirurgião alemão.

Tabela 3: Diagnóstico Diferencial de TVP

Compressão extrínseca (tumores partes moles, linfonodomegalias, tumores pélvicos, bexigoma, hipertrofia muscular ou calo ósseo)

Edema por outra causa (lipedema, mixedema, hipoproteinemia, insuficiência cardíaca congestiva)

Osteoartrose e artrites

Ruptura de cisto de Baker67

Celulites e erisipelas

Estiramento e lacerações musculares (síndrome da pedrada)

Hematomas e abscessos subfasciais

Obstrução arterial aguda

Quadro crônico de obstrução venosa

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Valores de R abaixo de 1,5 não oferecem proteção e também devem ser prontamente corrigidos. É importante notar que à medida que é introduzido o anticoagulante oral a dose de heparina pode variar, sendo necessário pelo menos um controle diário para avaliar a efetiva anticoagulação.

A dose de heparina de baixo peso molecular depende da droga em uso. A medicação mais utilizada no Brasil é a enoxaparina sódica. A dose é 2 mg/Kg/dia fracionada em duas administrações subcutâneas. A vantagem da heparina de baixo peso molecular é a administração subcutânea e não se ter necessidade de controle da coagulação com o TTPa.

Tanto a heparina não fracionada como a heparina de baixo peso molecular podem produzir pla-quetopenia, de maneira que a contagem de plaquetas deve ser realizada a cada dois dias. Em casos de sangramento, pode-se reverter o efeito da heparina pela administração de sulfato de protamina (ampolas de 5 ml com 50 mg = 10 mg/ml), sendo a dose utilizada de 1 ml de protamina para cada 1.000 UI de heparina que se queira reverter. A protamina pode provocar hipotensão e deve ser administrada diluída em 100 ml de volume e lentamente.

Após a introdução da heparina é iniciada a anticoagulação oral. Pode-se fazê-lo no mesmo dia ou no dia seguinte, após a estabilização da dose de heparina. O anticoagulante mais utilizado no Brasil é a warfarina. Costuma-se introduzir o medicamento no esquema de três comprimidos no primeiro dia, dois comprimidos no segundo dia e um comprimido no terceiro dia, de maneira que o nível terapêutico seja alcançado mais precocemente. O controle da dose de warfarina é realizado pelo exame de tempo e atividade de protrombina (TP/AP), sendo o alvo um valor de RNI entre 2 e 3. O TP/AP deve ser realizado diariamen-te e, quando alcançado o valor ideal, a heparina pode ser suspensa e o paciente receber alta hospitalar.

Quando é utilizada a heparina de baixo peso molecular, a tendência na Europa é o tratamento domiciliar, com a introdução do anticoagulante oral em casa. Ao receber alta o paciente deve ser orien-tado a utilizar meia de compressão elástica durante o dia. O tamanho e grau de compressão deve ser individualizado para cada situação clínica e o uso deve ser mantido até que o sistema venoso profundo se recanalize com manutenção da função das válvulas, caso contrário é recomendado o uso contínuo da meia pelo resto da vida.

O tratamento fibrinolítico visa dissolver os coágulos já formados, restabelecer o fluxo venoso e pre-servar as válvulas. Tem ganhado popularidade na literatura, mas avaliar o risco de sangramento versus o benefício do tratamento ainda é uma questão médica não resolvida. Exige que o paciente seja muito bem monitorizado com provas de coagulação, dosagem de fibrinogênio e plaquetas; e recursos de imagem dispo-níveis continuamente. Pode-se utilizar estreptoquinase, ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rt-PA), uroquinase ou alteplase. A administração do fibrinolítico pode ser feita por via sistêmica endoveno-sa ou através de cateterização seletiva com cateter multiperfurado e infusão sob controle angiográfico.

Tratamento CirúrgicoO tratamento cirúrgico das tromboses venosas pode ser realizado pela trombectomia venosa, nos qua-

dros de extensa phlegmasia cerulea dolens, onde ocorre o comprometimento da circulação capilar periférica pelo bloqueio do retorno venoso. É quadro difícil de ser encontrado na clínica e, se a trombose é tratada precocemente, dificilmente evolui para tal situação. Pode-se ainda realizar fasciotomia do membro acometi-do, visando a preservação da musculatura e da função.

A colocação de filtros de veia cava inferior é recurso cirúrgico indicado nas situações apresentadas na tabela 4. A possibilidade do uso de filtros de cava temporários, que podem ser removidos após alguns dias, tem representado nova alternativa para a profilaxia de embolia pulmonar, mas ainda em estudo. A interrup-ção cirúrgica da veia cava inferior com ligaduras e clipes plásticos é técnica praticamente abandonada, mas deve ser lembrada como possibilidade na falta de acesso aos filtros intraluminais.

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PrognósticoA profilaxia da TVP deve ser iniciada com cuidados gerais de mobilização precode do paciente, tanto

passiva como ativa. A elevação dos membros auxilia o retorno venoso. A deambulação e alta precoces para que o paciente retorne a suas atividades habituais também é importante. As medidas mecâncias, como uso de meias de compressão e aparelhos de compressão pneumática intermitente podem ser utilizados para os pacientes impossibilitados de andar e que não podem receber profilaxia medicamentosa, ou associadas a esta. O método mais utilizado, e acredita-se o mais eficaz, de profilaxia é o medicamentoso, através do uso de heparina não fracionada (5.000 UI 8/8 horas), heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 40 mg/dia), ou em casos selecionados, pelo uso de anticoagulante oral.

Uma vez ocorrida a trombose o paciente pode evoluir para morte por embolia pulmonar, cura comple-ta nos casos de tromboses de pequenos segmentos venosos, ou para quadros de hipertensão venosa crônica. Por isto é tão importante frisar a necessidade de profilaxia tanto dos pacientes clínicos como cirúrgicos.

Novas pesquisas são realizadas continuamente para o melhor entendimento do processo de controle da coagulação e novos medicamentos, capazes de oferecer proteção com menores efeitos colaterais do que a heparina e a warfarina. Atualmente encontram-se disponíveis fora do Brasil, para uso clínico, os heparinó-des, os pentassacárides e os inibidores diretos de trombina.

Tabela 4: Indicações da colocação de filtro de cava

Claramente indicado

TVP na vigência de contraindicação para anticoagulação (ex.: Hemorragia intracraniana, acidente vascular cerebral hemorrágico, neurocirurgia há menos de sete dias, sangramento digestivo ativo, hemoptise ativa)TVP com complicação hemorrágica na vigência da anticoagulaçãoEmbolia pulmonar de repetição com paciente corretamente anticoagulado

Possivelmente uma boa indicação

Falha da anticoagulação sistêmica

Potencialmente indicado, requer novos estudos para confirmação

Profilaxia em pacientes politraumatizadosProfilaxia em pacientes ortopédicosPré e pós-embolectomia pulmonarTrombo flutuante em ilíaca ou cavaTratamento trombolítico do segmento íleo-femoral

Não indicado atualmente

Tratamento de TVP em:• Pacientes com câncer• Pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica• Pacientes com reserva cardíaca limitada• Durante a gravidez• Pacientes transplantados• Pacientes com história de sangramento digestivo

Profilaxia de TVP em pacientes queimados

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Embolia PulmonarA complicação mais complexa da trombose venosa profunda é a embolia pulmonar, sendo mais fre-

quente nas tromboses proximais dos membros inferiores.O quadro clínico é amplo, e pode ser confundido com outras doenças pulmonares. Os sintomas po-

dem variar desde pequenos surtos de dispneia, com dor pleural, tosse com escarro hemoptoico, estertores de base e febre baixa, até evoluir para taquipneia e taquicardia, com derrame pleural, ritmo de galope, cianose e hipotensão arterial. Algumas vezes é achado em paciente com morte súbita.

Após a suspeita clínica, deve-se realizar radiografia de tórax para avaliar o parênquima pulmonar, o qual pode revelar uma área de enfarto em cunha. A cintilografia de perfusão (tecnécio ou iodo 131) ventilação (xenônio) pode revelar uma discrepância entre as áreas ventiladas e perfundidas, confirmando o diagnóstico. Atualmente a tomografia computadorizada multi-slice pode substituir a angiografia pulmonar, considerado exame padrão ouro para a confirmação diagnóstica.

O tratamento dos pacientes pouco sintomáticos é realizado com a anticoagulação sistêmica como nos casos de TVP. Os quadros com comprometimento hemodinâmico devem ser tratados com fibrinolíticos e mais recentemente pela trombectomia pulmonar através da fragmentação e aspiração dos coágulos com técnicas de cateterismo.

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15 Hipertensão Venosa Crônica

Carla Aparecida Faccio Bosnardo

Capítulo

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Presença de edema, dermatite ocre, dermatolipoesclerose, eczema, an-

quilose articular• Podem ocorrer úlceras recidivantes de difícil cicatrização• Deficiência no retorno venoso com manutenção da pressão venosa em

níveis elevados durante a marcha

Considerações GeraisA hipertensão venosa crônica (HVC) é doença prevalente na população

em geral e é uma das principais causas de afastamento do trabalho, o que leva a sérios problemas socioeconômicos e culturais, influindo negativamente na qua-lidade de vida dos seus portadores.

Embora esteja presente em todas as idades, é mais prevalente em adultos após a quarta década e na população brasileira estima-se que cerca de 40% dos indivíduos sejam portadores dessa enfermidade, sendo que aproximadamente 1,5% apresentam a resultante final dessa doença: a úlcera.

Pode-se defini-la como alteração do funcionamento do sistema venoso causada por incompetência valvular venosa congênita ou adquirida, que atin-ge os sistemas venosos superficial (caso das varizes dos membros inferiores), profundo (Síndrome Pós-flebítica) e/ou ambos. Neste capítulo dar-se-á ênfase como fator desencadeante da HVC, a que é considerada uma das suas principais responsáveis, a Síndrome Pós-flebítica (sequela de trombose venosa profunda).

O sistema venoso é composto por uma parte superficial responsável pela drenagem de 10 a 20% do fluxo sanguíneo e uma outra profunda, responsável pela maior quantidade da drenagem do fluxo (entre 80 e 90 %).

O sangue venoso é trazido continuamente de volta ao coração pelo bom-beamento cardíaco. No indivíduo deitado o fluxo venoso se dá do sistema veno-so superficial para o profundo, através das veias perfurantes, sendo influenciado pela respiração, que altera as pressões torácica e abdominal. No indivíduo em

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pé, há a formação de uma coluna de sangue do átrio direito até a extremidade dos membros, cuja pressão interna corresponde à pressão hidrostática da coluna somada à pressão venosa normal pós-capilar. Para oti-mizar o retorno venoso (e consequentemente o aporte arterial e as trocas a nível dos capilares) as veias dos membros são dotadas de válvulas que direcionam o sangue para o coração. A principal função das válvulas é, através do mecanismo de bomba muscular da panturrilha, esvaziar o sistema venoso durante o exercício, mesmo com o indivíduo em pé. As válvulas isoladamente não são capazes de exercer a função de retorno venoso, sendo assim, as estruturas ósteo-musculares também são necessárias para essa tarefa.

O mecanismo da bomba muscular da panturrilha funciona pela contração muscular que comprime as veias profundas; ao mesmo tempo, as válvulas distais se fecham impedindo o refluxo, e o sangue é ejetado em direção ao coração. Quando ocorre o relaxamento da musculatura, o sistema venoso profundo apresenta uma queda significativa da pressão, as válvulas distais se abrem e o sangue é praticamente aspirado das veias mais distais e das veias superficiais para dentro da musculatura. Simultaneamente as válvulas proximais se fecham impedindo o refluxo de sangue do sistema venoso proximal para o distal. Esse mecanismo de bomba resulta no abaixamento da pressão venosa nos membros inferiores durante a marcha. Para que o mecanismo de bomba funcione perfeitamente é necessário que o paciente apresente a musculatura em perfeito funcio-namento, a articulação tíbio-társica móvel e o sistema venoso com as suas válvulas intactas (Figura 1).

Figura 1 - Sistema venoso normal. A1: setas 1, 2 e 3 indicam, respectivamente, veias profundas, super-ficiais e perfurantes. Membro em repouso. Fluxo sanguíneo ascendene. A2: contração da musculatura da panturrilha. a ação da bomba muscular e o fechamento das válvulas impulsionam o sangue exclusiva-mente em direção ascendente. A3: relaxamento muscular. O fechamento das válvulas impede o refluxo e existe aspiração do sangue do sistema venoso superficial para o profundo através das veias perfurantes.

X

X

X

X

X X

1

2

3

A1 A3A2

FHM

FHM

FHM

As válvulas venosas, responsáveis por evitar o refluxo, são destruídas quando acontece a trombose venosa profunda. A reabsorção do coágulo formado dentro das veias leva à lesão das cúspides valvares. Alguns indiví-duos apresentam defeitos congênitos nas válvulas, funcionando como sequelas de trombose venosa profunda. Varizes de calibre muito aumentado também são fonte de refluxo venoso e falha do mecanismo de bomba

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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Moléstias Vasculares 127

muscular. Tais situações fazem com que a pressão hidrostática se eleve, alterando a rede capilar que se alonga e dilata permitindo, assim, maior quantidade de sangue no seu interior e transudação de líquidos e proteínas para o espaço intersticial, ocasionando inicialmente o edema das extremidades. Esse edema a princípio é vespertino, perimaleolar e cede ao repouso com os membros elevados. À medida que a doença se agrava, pode comprometer todo o membro e só o repouso não consegue mais extingui-lo. Seguem-se outras alterações, como a cianose decor-rente da congestão venosa e a dermatite ocre decorrente da deposição de hemossiderina, alterações inflamatórias de pele e subcutâneo, que irão produzir eczema de estase e prurido, levando à dermatolipoesclerose e finalmente resultar na pior complicação da Insuficiência Venosa Crônica, a úlcera de estase (Figura 2).

São duas as principais teorias que tentam explicar o que ocorre com a pele dos portadores de hiperten-são venosa crônica, propiciando a formação da úlcera de estase.

A primeira tem a ver com a hipertensão venosa a nível dos capilares. Sua dilatação e alongamento alteram a porosidade, permitindo o extravasamento de substâncias como o fibrinogênio. A fibrina daí de-corrente formaria manguitos ao redor dos capilares, o que dificultaria as trocas de nutrientes, deixando a área predisposta à formação de úlceras. A segunda já está relacionada a processos inflamatórios. Acredita-se que os leucócitos na rede capilar seriam expostos a estase, formando aglomerados leucocitários submetidos à pressão venosa elevada, levando à liberação de citoquininas e radicais livres.

Figura 2 - Hipertensão venosa crônica. B1: membro em repouso. Após o episódio de TVP, as veias profundas apresentam fibrose da parede subsequente à recanalização, como indica a seta 1. O sistema venoso superficial se dilata (seta 2), as veias perfurantes tornam-se incompetentes (seta 3) e as válvulas, insuficientes (seta 4). B2: contração. Na incompetência valvular, o sangue é impulsionado tanto no sentido ascendente quanto no descendente, ocorrendo ainda escape para o sistema superficial através das perfurantes. B3: relaxamento. Válvulas incompetentes mantém refluxo no sentido crânio-caudal.

B1 B2 B3

2

3

1

4

FHM

FHM

FHM

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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História e Exame FísicoO diagnóstico da Hipertensão Venosa Crônica é eminentemente clínico. A presença de comemorati-

vos como edema, dermatite ocre e úlceras pode facilitar o diagnóstico, mas a ausência desses sinais indica a necessidade de uma anamnese detalhada, onde o doente deve ser questionado quanto à história de traumas anteriores, doenças graves que o levaram a longo tempo de permanência no leito, gestações e antecedentes de trombose venosa profunda e úlceras. A Tabela 1 mostra as principais características da HVC.

A úlcera de estase é tida como uma das piores complicações da HVC, sendo assim a Tabela 2 cita suas principais características.

Tabela 1: Principais achados na hipertensão venosa crônica

Edema

Dermatite Ocre

Dermatofibrose ou Dermatoesclerose

Eczema de estase

Varizes

Úlcera de Estase

Atrofia branca – áreas cicatriciais sem melanina

Tabela 2: Características da úlcera venosa por HVC

Exsudativas

Pouco ou nada dolorosas

Pruriginosas

Maleolares internas

Bordos irregulares

Normalmente espontâneas

Fundo vermelho

Pouco profundas

Pigmentação ao redor

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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Além do exame físico e da anamnese, pode-se lançar mão de exames complementares para confirmar o diagnóstico da HVC e identificar a sua causa:

Não invasivos1. Doppler de ondas contínuas: é capaz de avaliar o refluxo superficial e profundo das veias é um

exame simples e barato, por isso deve ser feito de rotina.2. Ultrassonografia Dúplex: utilizando a ultrassonografia modo B (imagem), além do Doppler, avalia a

anatomia vascular. Com esse exame podemos analisar de forma não invasiva e com mais precisão as doenças vasculares, tem boa sensibilidade, mas deve-se lembrar que é examinador dependente.

3. Pletismografia a ar: Avalia o volume da perna de acordo com o fluxo das veias, mede o tempo de enchimento, fração de ejeção e volume residual, devido a isso tem grande importância na HVC.

4. Fotopletismografia: Determina o tempo necessário para o enchimento capilar, avaliando hipertensão venosa nos tempos superiores a 20 segundos.

Invasivos1. Flebografia: Indicada quando os exames não invasivos são insuficientes, pode ser realizada de duas

maneiras para evidenciar problemas diferentes. Ascendente, define obstruções e, descendente, avalia a insufici-ência valvular. É ainda considerada como padrão ouro dentre os exames diagnósticos em estudos científicos.

2. Medida de pressão no dorso do pé: Através de punção venosa superficial mede-se o comportamen-to da pressão com o paciente deitado, em pé e durante a marcha. É considerado o melhor exame fisiológico para avaliar a gravidade da doença e o prognóstico. Recentemente o Prof. Dr. João Potério Filho desenvolveu técnica não invasiva baseada na pletismografia a ar para medida indireta da pressão venosa nos membros inferiores sem a necessidade da punção venosa.

Diagnóstico DiferencialA Tabela 3 relaciona as principais causas de edema dos membros inferiores. A Tabela 4 relaciona as

principais causas de úlceras dos membros inferiores.

Tabela 3: Causas de edema dos membros inferiores

Gerais

Insuficiência cardíaca

Nefropatia

Hipoproteinemia

Drogas, hormônios

Alérgico

Mixedema

Locais

Hipertensão venosa

Linfopatias

Traumático

Inflamatório

Postural

Lipedema

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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Tabela 4: Causas de úlceras dos membros inferiores

Arterial

Venosa

Infecciosa

Hemopática

Neoplásica

Traumática

Neuropática

Aterosclerose obliterante

Tromboangiíte obliterante

Úlcera hipertensiva (de Martorell69)

Doença autoimune

Sequela de TVP (Síndrome Pós-flebítica)

Varizes primárias

Bacterianas (piodermite, osteomielite, tuberculose)

Micoses profundas (blastomicose, esporotricose)

Protozooses (leishmaniose)

Policitemia vera

Anemia falciforme

Carcinoma espino-celular

Melanoma

Radiação

Queimadura

Decúbito

Picada de insetos e animais

Traumatismo físico

Necrose por injeção

Lesão medular

Neuropatia periférica

ClassificaçãoForam propostas classificações para caracterizar a HVC, sendo a mais

aceita atualmente a da Sociedade Americana de Cirurgia Vascular, denominada CEAP (C - clinical signs, E - etiology, A - anatomic distribuition, P - pathophy-siology).

Tratamento ClínicoO tratamento da HVC envolve uma série de fatores que não só os medi-

camentos mas mudanças de hábitos de vida.1. Repouso com os membros elevados2. Exercícios físicos regulares3. Uso de medicações vasoativas – tem a função de reduzir o edema4. Corticoides tópicos nos eczemas5. Compressão: Elástica e InelásticaElástica: As meias e ataduras elásticas têm como função principal diminuir

o diâmetro da veia, o refluxo e consequentemente a hipertensão capilar; quando bem utilizado, esse método pode resultar em melhoria da parede venosa.

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

69Fernando Martorell Otzet, 1906-1984. Cardiologista espanhol, um dos fundadores da especialidade da Angiologia e Cirurgia Vascular.

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As meias apresentam como vantagem às ataduras, compressão graduada, sem-pre maior distal em relação ao proximal, o que favorece o retorno venoso; além disso, como apresentam compressões, cores, modelos e texturas diferenciadas facili-tam a aceitação do doente. É importante ainda ressaltar que a grande maioria dos pacientes necessita de compressão apenas até o nível das panturrilhas, sendo assim, as meias são suficientes até os joelhos.

Inelástica: Os suportes inelásticos são úteis ao paciente após a cicatrização de úlceras e no combate ao edema, não são estéticos e sim eficientes, além disso, em pacientes com restrições de movimento que necessitem de auxílio, podem ser colocados mais facilmente do que as meias de compressão. Exemplos são: a polaina de brim elaborada pelo Prof. Dr. George Carchedi Luccas70, e produtos comerciais como o Circaid®.

Tratamento CirúrgicoO tratamento cirúrgico da HVC ainda não está completamente estabelecido,

sabe-se que quando o paciente apresenta varizes do sistema superficial com incompe-tência das veias perfurantes, levando a insuficiência do profundo sem lesão aparente, a cirurgia de varizes com a ligadura das perfurantes insuficientes pode ser benéfica; quando o doente apresenta qualquer sinal de lesão profunda, a cirurgia precisa ser muito mais pensada e nem sempre é realizada. O tratamento cirúrgico em indivíduos com insuficiência do sistema venoso profundo é reservado a pacientes graves que não tenham apresentado qualquer melhora com o tratamento clínico conservador, são pa-cientes que têm a pressão venosa muito aumentada quando deambulam, o que acaba gerando intensa dor, chamada claudicação venosa. Para que esta restauração seja in-dicada, além dos sintomas, são necessários estudos fisiológicos para provar que a lesão é hemodinamicamente significativa; isto se faz necessário porque a chance de sucesso dos procedimentos é pequena, principalmente a longo prazo. Dentre as principais técnicas para a correção cirúrgica, temos:

1. Pontes venosas – enxertos veno-venosos que ultrapassem a lesão.2. Criação de novas válvulas competentes através de valvuloplastias e ou

transplantes valvulares.3. Recanalização endovascular e colocação de stents, especialmente no tra-

tamento da trombose da veia ilíaca. A utilização desta técnica tem mostrado, pelo menos a médio prazo, redução importante dos sintomas.

Úlcera VenosaDevido ao fato de ser ela a pior complicação da HVC, vale a pena salientar

algo a respeito do seu tratamento. Todas as úlceras necessitam de higiene local e, para que isso se torne possível, é necessário que algumas orientações sejam seguidas.

Existe uma infinidade de curativos que têm como objetivo a cicatrização das úlceras, sendo o mais antigo e, talvez, mais conhecido a Bota de Unna71, curativo feito a base de óxido de zinco, glicerina e gelatina, associado a banda-gens inelásticas (atadura de gaze); desenvolvido no século XIX e útil até os dias atuais. É flexível, apesar de inelástico, o que permite ao paciente certa liberdade para deambular. Além dela, temos os curativos sintéticos, entre os quais po-demos citar os hidrocoloides, os bioativos, alginato de cálcio e sódio, carvão ativado, sacarose, dentre outros. Nenhum deles é perfeito, mas para que possam existir bons resultados, devem ser capazes de isolar a área da úlcera conferindo

70George Carchedi Luccas, 1946- . Cirurgião vascular, Pro-fessor Livre-docente da Disci-plina de Moléstias Vasculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.71Paul Gerson Unna, 1850-1929. Dermatologista alemão.

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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um ambiente livre de bactérias e com temperatura controlada, não apresentar partículas tóxicas e que, ao ser removido, não retire o tecido de granulação. Outra maneira são os enxertos de pele total e os enxertos de células. Têm como vantagem serem feitos do próprio paciente, o que elimina o risco de alergias e rejei-ções. O ponto fundamental, no entanto, é o reconhecimento de que se não houver o controle do edema, não ocorrerá a cicatrização da úlcera. Para tanto, pode-se utilizar enfaixamentos inelásticos como a Bota de Unna, polainas de brim como a desenvolvida pelo Prof. Dr. Luccas e outros modelos comerciais, ou através de enfaixamentos elásticos. O mais utilizado atualmente é o curativo multicamadas, onde associa-se um curativo oclusivo do tipo hidrocoloide, um enfaixamento inelástico e por cima deste um enfaixamento elástico com a pressão graduada (ex.: Proguide®).

A úlcera de estase, além de ser a pior complicação da HVC, é uma doença de difícil tratamento porque apresenta muitas recidivas, principalmente no caso da insuficiência do sistema venoso profundo. É impor-tante salientar que o simples fechamento da úlcera não significa a cura da doença, portanto cabe ao médico orientar seu paciente a respeito das causas que o levaram a ter a úlcera e dos riscos das recidivas, incentivan-do-o, principalmente, na prevenção através da fisioterapia, repouso e compressão elástica ou inelástica ou cirurgia quando for o caso (o LASER endovenoso é uma boa indicação para o tratamento do refluxo superficial nestes pacientes), para que assim possa ter uma qualidade de vida melhor.

Hipertensão Venosa Crônica Carla Aparecida Faccio Bosnardo

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16Capítulo

Considerações GeraisO sistema linfático desempenha diversas ações na homeostase tecidual e

uma disfunção em um determinado segmento corpóreo não só acarreta edema localizado, mas também alterações histológicas teciduais com proliferação fibró-tica, aumento da lipogênese e diminuição da imunidade do local afetado.

O diagnóstico precoce possibilita a implantação de ações terapêuticas que retardam a evolução para as formas avançadas, com graves repercussões funcio-nais e estéticas e que alteram a qualidade de vida dos portadores de linfedema.

Linfedema é uma doença crônica que se manifesta pelo acúmulo de líqui-do intersticial e alterações teciduais ocasionados por insuficiência da circulação linfática. O edema resultante apresenta características próprias que o diferencia daqueles decorrentes de outras manifestações clínicas. As estruturas que com-põem o sistema linfático estão apresentadas na Tabela 1.

Linfedema José Luiz Cataldo

Tabela 1: Estruturas anatômicas que compõem o sistema linfático:

Estrutura de absorção

Linfáticos iniciais

Estruturas de condução

Coletores linfáticos aferentes

Coletores linfáticos eferentes

Troncos linfáticos

Ductos linfáticos

Estruturas de filtração

Linfonodos

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A linfa produzida no tecido intersticial é absorvida pelos linfáticos iniciais e conduzida aos linfonodos regionais pelos vasos coletores aferentes. Após a filtra-ção e adição de células imunológicas nos linfonodos, os vasos coletores eferentes dirigem a linfa para estruturas de condução mais complexas, como os troncos linfáticos e cisterna do quilo. Os ductos linfáticos, compostos pelo ducto torácico e ducto linfático direito, conduzem a linfa em direção ao sistema venoso e respec-tivamente terminam na junção venosa subclávia-axilar esquerda e direita.

O edema do membro pode ocorrer por um defeito no sistema linfático, resultando em um edema com as características do linfedema, ou por um ex-cesso na produção de líquido isoladamente, estando o sistema linfático íntegro. Neste último caso as diferentes causas do edema (Tabela 2) constituem o diag-nóstico diferencial do linfedema e o edema é classificado como uma insufici-ência dinâmica da drenagem de líquido (o sistema linfático está íntegro) e não é diagnóstico de linfedema. O linfedema propriamente dito pode decorrer de defeitos congênitos na quantidade de vasos linfáticos (hipogenesia ou agenesia) quando é chamado de primário, ou de defeitos adquiridos que resultam na destruição dos vasos linfáticos, quando recebe o nome de secundário. A Tabela 3 apresenta a classificação etiológica dos linfedemas. A tabela 4 apresenta os diferentes estádios clínicos do linfedema (classificação de Mowlem72 (1948)).

Linfedema José Luiz Cataldo

72Arthur Rainsford Mowlem, 1902-1986. Cirurgião plástico neozelandês naturalizado inglês.73William Forsyth Milroy, 1855-1942. Clínico Americano.

Tabela 2: Causas de edema dos membros

Insuficiência Mecânica = Linfedema

Ocorre pela redução da capacidade de drenagem do sistema linfático.

O volume produzido de líquido intersticial é normal. O edema é composto por uma alta concentração de proteínas.

Observa-se nos linfedemas congênitos, primários e secundários a infecção, traumas, radioterapia, entre outros.

Insuficiência Dinâmica = Edema NÃO Linfático

O sistema linfático está íntegro.

O volume produzido de líquido intersticial é tanto que excede a capacidade de drena-gem do sistema linfático normal.

Ocorre na hipoproteinemia, trombose ve-nosa profunda, insuficiência venosa crônica, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, processos inflamatórios (pós-cirúrgico, trauma, infecção, etc.) e postural.

Tabela 3: Classificação etiológica dos linfedemas

Primário:

1. Congênito: Estão presentes desde o nas-cimento, como no linfedema congênito familiar (Doença de Milroy73), nas bridas amnióticas e em algumas angiodisplasias.

2. Precoce: Aparece entre o nascimento e os 35 anos de idade.

3. Tardio: Aparece após os 35 anos de idade.

Secundário:

Ocorre devido a alguma doença ou con-dição clínica lesiva às estruturas linfáticas, como infecção, neoplasia, filariose, trauma-tismo, cirurgia, radioterapia, refluxo quilo-so, hipoproteinemia e insuficiência venosa.

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Linfedema José Luiz Cataldo

Quadro ClínicoCaracterizado basicamente por:a) Aumento progressivo do volume da região afetadab) Edema intersticialc) Transformação gradativa para fibrose teciduald) Crises frequentes de linfangitese) Possibilidade de evolução para formas elefantiásicas

DiagnósticoO diagnóstico do linfedema é essencialmente clínico e estabelecido por

uma anamnese detalhada. A idade do paciente, quando do aparecimento dos sintomas, permite classificar os linfedemas primários.

Antecedentes de doenças neoplásicas, cirurgias, radioterapia, tuberculose ganglionar, toxoplasmose, blastomicose e pacientes provenientes de áreas endê-micas para filariose, indicam a causa dos linfedemas secundários.

O Sinal de Stemmer74 é a manifestação clínica mais precoce dos linfedemas primários, caracterizado pelo espessamento cutâneo da base do segundo artelho.

Métodos de AvaliaçãoOs exames complementares são úteis para a avaliação do grau de compro-

metimento da circulação linfática, quantificação do edema intersticial e para di-mensionar as diferenças volumétricas entre os membros com linfedema. São eles:

PerimetriaConsiste na medida do perímetro nos diversos segmentos dos membros

com o auxílio de uma fita métrica. Deve ser sempre comparativo entre o mem-bro com linfedema e o contralateral.

PneumopletismografiaMétodo de avaliação quantitativa do volume de líquido acumulado em uma

determinada região do membro com linfedema. Utiliza um manguito de pres-são acoplado a um pletismógrafo computadorizado. O pletismógrafo irá registrar graficamente a variação de volume da região avaliada submetida a uma pressão conhecida que corresponde ao deslocamento do líquido intersticial acumulado.

LinfocintilografiaUtiliza isótopo radioativo agregado a molécula de alto peso molecular que é

injetado no interstício e transportado pelo sistema linfático. O radioisótopo mais utilizado é o tecnécio 99m ligado a uma macromolécula de Dextran 500. A injeção

74Stemmer R. Dermatologisa francês de Strasbourg.

Tabela 4: Classificação do linfedema segundo o estádio clínico

Grau I: melhora com 24 a 48 hs. de repouso

Grau II: não melhora com 24 a 48 hs. de repouso

Grau III: não melhora com 24 a 48 hs. de repouso e há alterações cutâneas

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é subdérmica e realizada no espaço interdigital de ambas as extremidades a serem avaliadas. É considerado o método de escolha para avaliação da circulação linfática.

Padrões de normalidade:Simetria das imagensGrupo único de coletores linfáticosAusência de circulação colateralPresença de linfonodos regionaisAusência de linfonodos profundosAusência de refluxo dérmico (estase de linfa)

TratamentoApesar dos avanços nos conhecimentos sobre a circulação linfática e as doenças que acometem este

segmento do sistema circulatório, o tratamento é ainda considerado paliativo. Tanto o tratamento clínico, como o cirúrgico, são incapazes de promover resultados uniformes e definitivos. O tratamento clínico con-servador do linfedema é a base para a maioria dos casos. Consiste na denominada Terapia Física Complexa (TFC), cujos objetivos principais são:

a) Reduzir o edema intersticial.b) Diminuir as complicações.c) Retardar a evolução para formas elefantiásicas.d) Recuperar a funcionalidade do membro.e) Minimizar o impacto psicossocial.

A Terapia Física Complexa é constituída por um conjunto de ações terapêuticas assim relacionadas:a) Drenagem linfática manual.b) Compressão pneumática sequencial.c) Contenção inelástica (faixas inelásticas).d) Contenção elástica (meias e braçadeiras).e) Tratamento das lesões de pele.f ) Exercícios miolinfocinéticos.

A TFC é composta por duas fases de tratamento:1) Fase DescongestivaReabsorção do edemaRegressão das alterações teciduaisSessões de tratamento mais frequentesContenção inelástica do membroExercícios miolinfocinéticosCuidados com a pele

2) Fase de ManutençãoManter os resultados da fase descongestivaSessões de tratamento com menor frequênciaContenção elástica do membroExercícios miolinfocinéticosCuidados com a pele

O tratamento medicamentoso utiliza algumas drogas que têm ação na proteólise tecidual, estimulam a con-tratilidade dos vasos coletores e diminuem a permeabilidade capilar, como a Diosmina, a Cumarina e a Hesperidina

Linfedema José Luiz Cataldo

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e podem ser utilizadas com a TFC. O tratamento cirúrgico atualmente apresenta indicações restritas, como o tratamento do linfedema penoescrotal e a correção de grandes deformidades (dermolipectomias e lipoaspiração).

Complicações dos LinfedemasComo toda doença crônica, o linfedema tem uma evolução lenta e as alterações teciduais podem ser

minimizadas com o diagnóstico precoce e o tratamento adequado. As principais complicações são:a) Erisipelas recidivantes.b) Transformação fibrótica tecidual.c) Evolução para formas elefantiásicas.d) Malignização (linfangiossarcoma).

Atenção especial deve ser tomada na prevenção de erisipelas recidivantes. A erisipela consiste em infecção da pele usualmente pelo Streptococcus epidermidis, podendo ocorrer concomitantemente o acometimento dos va-sos linfáticos caracterizando uma linfangite ascendente. As erisipelas costumam começar como quadro infeccioso prodrômico, com febre alta (chegando a 39-40 ºC) acompanhada de calafrios e seguida de sudorese profusa. Após várias horas aparece o quadro de eritema, dor e calor característicos do acometimento cutâneo que, se não tratado, rapidamente evolui para edema com maior consistência da pele e formação de bolhas serosas ou hemáticas. Em casos mais graves pode ocorrer a necrose da pele. Concomitantemente ocorre aumento de volume dos linfonodos inguinais, que se tornam dolorosos e em alguns casos percebe-se o trajeto da veia safena interna avermelhado e quente (corresponde aos vasos linfáticos que acompanham a veia). Ao exame dos pés pode-se perceber uma porta de entrada, que tipicamente corresponde a rachaduras em virtude de micose interdigital.

As erisipelas devem ser tratadas com antibioticoterapia voltada para germes Gram positivos encon-trados na comunidade. Responde rapidamente ao tratamento se o paciente permanecer em repouso com o membro elevado e iniciar a antibioticoterapia precocemente. Para evitar novos surtos de erisipela recomen-da-se a profilaxia com penicilina benzatina a cada 21 dias por pelo menos seis meses após o último episódio, e o controle rígido da micose interdigital com antifúngico apropriado. O uso de meia elástica e a higiene rigorosa dos pés também auxilia na prevenção.

Lembrar que a cada surto de erisipela ocorre a destruição progressiva de mais vasos linfáticos, agravando o quadro de linfedema e favorecendo o aparecimento da fibrose tecidual e posteriormente da elefantíase.

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17 Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

Capítulo

a) Hipertensão Renovascular

Considerações GeraisA hipertensão renovascular ocorre em 2% a 7% dos casos de hipertensão

arterial sistêmica, sendo mais comum no sexo feminino e na raça branca. As causas mais comuns desta doença são: doença aterosclerótica oclusiva, displasia fibromuscular e arterites.

A aterosclerose é a principal causa da hipertensão renovascular e em um terço dos casos ocorre pelo crescimento e extensão de placa de ateroma que se inicia na aorta e se estende até as artérias renais. Há a possibilidade de que, por ser a doença aterosclerótica sistêmica, existam outros focos de doença oclusiva crônica concomitante a doença de artérias renais. O aparecimento de hiperten-são arterial no paciente idoso sugere o comprometimento da artéria renal pela aterosclerose. A ocorrência da displasia fibro-muscular em artérias renais acome-te mais o seu terço médio e distal, em indivíduos jovens do sexo feminino, com idade variando de vinte cinco a cinquenta anos. A camada mais comprometida é a média, principalmente a lâmina elástica interna. A arterite que mais comu-mente compromete as artérias renais é a arterite descrita por Takayasu75.

A diminuição da pressão de perfusão renal leva à ativação do sistema reni-na-angiotensina e aldosterona. A angiotensina I vai ativar a angiotensina II, que atua como substância vasoconstritora; a aldosterona vai promover a reabsorção de sódio e água, que ocasionará um aumento da pressão arterial.

História e Exame FísicoA história clínica é peculiar, pois quando a causa da hipertensão é a dis-

plasia fibromuscular, esta ocorre em jovens, na raça branca, sem antecedente familiar de hipertensão; quando a etiologia é a doença aterosclerótica, sabemos que esta acomete a terceira idade, com sintomas de oclusão ou semioclusão em

75Mikito Takayasu, 1860-1938. Oftalmologista japonês.

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outros locais do corpo. A hipertensão renovascular apresenta como caracterís-tica a elevação dos valores da pressão sistólica e diastólica, sendo a diastólica geralmente acima de 120 mmHg e de difícil controle, não respondendo aos anti-hipertensivos.

Ao exame clínico podemos encontrar sopro sistólico abdominal la-teral à cicatriz umbelical, mas pode estar ausente. O edema só está presente quando o doente já apresenta insuficiência renal e ao ocorrer em doentes acima de 50 anos, evolui para tratamento hemodialítico em 25% dos casos.

Exames ComplementaresO diagnóstico é essencialmente clínico, consubstanciado pelos exames

complementares de dosagens laboratoriais bioquímicas e de imagem. Ao se sus-peitar da hipertensão de origem renal, realizamos os exames de dosagem de ureia, creatinina, sódio, potássio e o clearance de creatinina. Apresentam como resultado um aumento de ureia e creatinina, indicando déficit de filtração renal, porém é importante ressaltar que quando a doença renal é unilateral, pode ocorrer compensação da função renal pelo rim não acometido, ou hiperfiltração, que vai mascarar o quadro, com perda progressiva da função renal. Nestes casos o clearance terá um significado maior por comparar os valores da creatinina sérica e urinária.

O estudo radioisotópico com o renograma com Tecnécio e com ácido dietil-triamino paracético (DTPA) com estímulo com captopril oferece dados da média de filtração renal de cada rim independentemente. Lembramos que o renograma só pode ser valorizado quando a doença renal for unilateral, pois sua interpretação depende da comparação entre os dois rins. Já o DTPA fornece dados mais precisos da função de cada rim.

Exames de ImagemA ultrassonografia dúplex é um exame não invasivo, que fornece estima-

tiva da estenose e do fluxo da artéria renal, sendo utilizado como triagem para diagnóstico; porém por ser examinador dependente e com dificuldades na ob-tenção de imagem fidedigna em doentes com abdômen globoso ou obesos, pode conduzir a um equívoco.

A arteriografia é exame em que se faz o cateterismo da aorta e das artérias renais seletivamente pela técnica de Seldinger76 e após injeção de contraste io-dado. A imagem é captada pelos raios-X. Localiza anatomicamente a estenose renal e o aspecto da aorta. Este exame é muito importante na programação da correção operatória, porém pelo fato de injetar contraste iodado, que é poten-cialmente tóxico e excretado pelo rim, pode levar a sobrecarga renal, piora da função e insuficiência renal.

Na angiorressonância o meio de contraste é o gadolíneo, cuja excreção se dá no trato gastrointestinal e, portanto, não tem tanta possibilidade de piora da função renal, porém pode apresentar magnificação da estenose, o que compro-mete a decisão de correção.

A angiotomografia é o exame mais atual, que apresenta necessidade de menor volume de contraste iodado, portanto menor risco de piora da função renal, com maior capacidade de reconstrução tridimensional e com melhor pre-cisão diagnóstica.

76Sven-Ivar Seldinger, 1921-1998. Radiologista sueco.

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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O diagnóstico diferencial deve ser feito com a doença miocárdica hipertrófica ou doença isquêmica, pois essas podem levar a nefrosclerose arteriolar renal com consequente comprometimento da função renal; e das doenças nefropáticas que estão evoluindo para insuficiência renal.

Tratamento CirúrgicoO tratamento da estenose da artéria renal tem como finalidade primeira o controle da hipertensão

arterial sistêmica e evitar a consequente perda da função renal. A pressão arterial nesses doentes é de difícil controle, com pressão diastólica alta, frequentemente sendo necessária a utilização de mais de três drogas em altas doses. A cirurgia está indicada nessa situação de “hipertensão refratária”, ou quando houver estenose bilateral das artérias renais maior do que 60%, estenose unilateral com evidências de comprometimento da função renal, estenose em rim único, falência renal aguda em doentes submetidos a tratamento com drogas inibidoras da enzima conversora da angiotensina ou quando houver recorrência de edema pulmonar con-sequente a hipertensão não controlada. A filtração glomerular é considerada depletada quando estiver igual ou menor que 50 ml/min, com creatinina sérica superior a 1,5 mg/dl.

A operação convencional para correção da estenose renal, com abordagem aberta foi bastante discuti-da em face aos resultados obtidos; talvez consequência da seleção dos doentes, pois apenas os mais compro-metidos eram encaminhados ao tratamento.

A técnica endovascular deve ser utilizada em doentes com preparo de hidratação adequada já no perí-odo em que se faz a arteriografia. Nos casos em que o doente apresenta comprometimento da função renal, a administração de n-acetil cisteína vai proteger o rim da sobrecarga pelo contraste iodado, bem como a utilização de heparina intravenosa. Atualmente os serviços de endovascular têm realizado o exame arterio-gráfico apenas no início do procedimento, considerando que os exames de imagem não invasivos fornecem subsídios diagnósticos suficientes para a programação cirúrgica.

No procedimento endovascular se faz necessária a atuação de um anestesiologista qualificado para realizar os controles sistêmicos do doente e, se necessário, aprofundar a anestesia, visto que a maioria dos procedimentos é feita com anestesia local. No período pós-operatório, após a angioplastia e colocação do stent, os doentes são submetidos a anti-agregação plaquetária com clopidogrel por um período de trinta dias e, em casos selecionados, ácido acetil salicílico na dose de 200 miligramas por dia.

O resultado é considerado bem sucedido quando houver: correção total da estenose ou uma estenose residual igual ou inferior a 30%; estabilização da função renal e controle da hipertensão (Figura 1).

O acompanhamento do doente deve ser feito por um período de dois anos, pois as reestenoses ocor-rem mais comumente neste intervalo. Deve ser realizado com ultrassonografia dúplex e qualquer alteração, como aumento da velocidade sistólica ou/e diastólica, aumento da pressão arterial sistêmica e/ou alteração clínica e funcional sugestiva de reestenose, deve levar à realização de estudo radioisotópico, seguido ou não de exames de imagem mais precisos.

As complicações que podem ocorrer em cirurgias endovasculares são classificadas em menores e maio-res. Dentre as complicções menores temos: sangramento no local de acesso ou formação de pseudoaneu-risma em cerca de 5% dos casos; lesões de íntima causadas pelo cateterismo ou pela própria angioplastia com quebra da placa de ateroma; lesão de íntima com descolamento desta e obstrução da luz arterial; hematoma perirrenal causado pela lesão parenquimatosa ou perfuração com o fio guia, cujas estatísticas na literatura variam entre 6% e 36%. Entre as lesões maiores podemos encontrar: embolização renal ou dos membros por trombo ou fragmento de placa de ateroma que na literatura varia entre 1% e 8%; trombose da artéria renal; perfuração da artéria renal durante a insuflação do balão de angioplastia, sendo ocorrência mais comum em mãos inexperientes; embolização do stent; colocação equivocada anatomi-camente e infecção.

As complicações tardias mais comuns são: reestenoses, principalmente nos doentes com displasia fi-bromuscular (aproximadamente 10% dos casos) e nos ateroscleróticos quando não se utilizou stent (apro-ximadamente 2,7% dos casos).

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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77Jean Riolan, 1580-1657. Clínico e fisiologista francês.78Sir David Drummond, 1852-1932. Clínico inglês.

Figura 1 - Estenose de artéria renal pré-tratamento(A) e pós-colocação de stent(B).

b) Isquemia Mesentérica

Pontos Essenciais no Diagnóstico• Isquemia crônica: dor abdominal pós-prandial, emagrecimento, pode

haver diarreia. Doença aterosclerótica em outros territórios.• Isquemia aguda: dor abdominal muito forte e desproporcional ao exame

físico do abdômen. Presença de causas embólicas ou distúrbio hemodinâmico produzindo baixo débito (desidratação, caquexia, insuficiência cardíaca).

Considerações GeraisA isquemia visceral é quadro mais raro do que a isquemia das extremidades.

Este fato se deve à rica rede de anastomoses naturais existente entre os ramos das principais artérias nutridoras dos órgãos abdominais (Figura 2). Com exceção das artérias renais, que são artérias de vascularização terminal, os demais ramos da aorta abdominal formam arcadas vasculares dentro do mesentério, permitindo a interligação entre os diversos ramos. As principais anastomoses são:

• Artérias pancreático duodenais superiores (ramos da gastroduodenal → hepática → tronco celíaco) e inferiores (ramos da mesentérica superior).

• Artérias ileocecoapendico-cólica, cólica direita e cólica média (ramos da mesentérica superior) e cólica esquerda (ramo da mesentérica inferior), através da arcada marginal do colo, também conhecida como arcada de Riolan77 ou artéria marginal de Drummond78.

• Artérias retais superiores (ramos da mesentérica inferior) e retais médias e inferiores (ramos da artéria ilíaca interna). A transição entre o reto e o sigmoide é

A

B

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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uma área especialmente vulnerável à isquemia em virtude dos vasos que nutrem esta região serem os extremos da arcada marginal do cólon e os ramos retais da mesentérica inferior, de forma que é local mais frequente de necrose de cólon nos casos de ligaduras da mesentérica inferior (como ocorre na cirurgia do aneurisma de aorta abdominal, especialmente nos casos de aneurisma roto onde ocorre si-multaneamente hipotensão arterial). O ponto onde a artéria mesentérica inferior se divide em retal superior e o último ramo para o sigmoide é chamado de ponto crítico de Sudeck79, pois acredita-se que as ligaduras da mesentérica inferior de-vem ser realizadas proximalmente a este local para permitir que as artérias retais possam nutrir o sigmoide distal e vice-versa.

• OBS: as artérias gástrica esquerda (ramo do tronco celíaco) e gástrica direita (ramo da hepática) e as artérias gastroepiploica direita (ramo da gastro-duodenal – hepática) e a gastroepiploica esquerda (ramo da artéria esplênica) formam importante ligação entre os ramos do tronco celíaco, mas não formam anastomose diretamente com os ramos da mesentérica superior.

Figura 2 - Anatomia dos troncos vasculares do intestino.

79Paul Hermann Martin Sudeck, 1866-1938. Cirurgião alemão.

cólica E

retaissuperiores

arcadade Riolan

esplênica

hepática

pancreáticaduodenaissup e inf

cólicamédia

mesentéricainferior

mesentéricasuperior

troncocelíaco

pontocrítico deSudeck

FHM

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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A deficiência circulatória pode ser decorrente de causas locais, como trom-bose do tronco arterial ou do sistema venoso e embolia para os ramos arteriais, ou de causas sistêmicas, como estados de baixo débito cardíaco, hipotensão ar-terial, vasoconstricção generalizada, desidratação.

As apresentações clínicas mais comuns são:1. Isquemia crônica2. Isquemia aguda3. Isquemia não oclusiva4. Trombose venosa5. Colite isquêmica

1. A isquemia crônica é na maioria das vezes causada pela obstrução de dois ou mais troncos arteriais por placas de ateroma. Devido à lenta instalação da obstrução e à rica rede colateral, o achado clínico é raro, sendo mais co-mum em mulheres após a sexta década de vida. O paciente apresenta quadro de “claudicação intestinal”, caracterizado por dor abdominal que se inicia cerca de trinta minutos após a alimentação, sendo do tipo cólica e com duração até de três horas. Quanto maior a quantidade ingerida de alimentos maior a dor, o que leva o paciente a se alimentar cada vez menos, evoluindo com perda de peso e desnutrição. Pode ocorrer diarreia pela má absorção dos alimentos, mas é sintoma menos comum.

Existem outras causas mais raras de isquemia crônica, sendo a arterite de Takayasu80 a mais comum. A Tabela 1 apresenta as principais causas a serem pesquisadas na isquemia mesentérica crônica.

80Mikito Takayasu, 1860-1938. Oftalmologista japonês.

Tabela 1 – Principais causas nos quadros de isquemia mesentérica crônica

Aterosclerose – 90%

Arterites – arterite de Takayasu, tromboangeíte obliterante, pós-radioterapia, etc.

Colagenoses – esclerose sistêmica, lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide

Drogas – derivados do ergot, cocaína, digitálicos, α-adrenérgicos (utilizados em terapia intensiva)

Displasia fibro-muscular

Dissecção arterial

Compressão pelo ligamento arqueado mediano do diafragma

Ao exame físico os achados são pobres, encontrando-se o paciente emagre-cido e com sinais de desnutrição (perda do turgor cutâneo, cabelos quebradiços e finos, anemia e perda da massa muscular). O exame do abdômen não revela massas e pode-se auscultar sopros na região do epigástrio. O achado de obstru-ção arterial em outros territórios sugere a etiologia de aterosclerose.

O diagnóstico diferencial deve incluir pesquisa de úlcera péptica, pancrea-tite, colecistopatia crônica calculosa, doença diverticular e inflamatória do cólon e presença de neoplasia maligna.

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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Moléstias Vasculares 145

Na complementação diagnóstica, o teste de absorção intestinal foi praticamente abandonado devido a baixa correlação clínica. Os exames de imagem podem confirmar o diagnóstico. A ultrassonografia dúplex pode demonstrar a obstrução ou estenose do tronco celíaco e da mesentérica superior, mas dificilmente visu-aliza a mesentérica inferior. Também a capacidade de se visualizar os ramos viscerais depende da presença de gases nas alças intestinais. Por ser exame não invasivo e de fácil execução, presta-se bem à triagem, uma vez que um exame tecnicamente satisfatório e que demonstre a normalidade das artérias viscerais praticamente afasta a etiologia aterosclerótica e a arterite da aorta.

A arteriografia é o exame de imagem que confirma a presença de lesão arterial, seja ela uma placa de ateroma na origem da artéria, embolia, processo de arterite ou espasmo arterial. A arteriografia digital por subtração deve ser realizada em dois planos para poder visualizar a origem dos troncos arteriais na parede anterior da aorta. Tanto a arteriografia pela tomografia computadorizada (multi-slice) ou pela angiorresso-nância podem substituir a arteriografia convencional, sendo menos invasivas e permitindo as reconstruções em três dimensões, as quais auxiliam no estudo da anatomia vascular.

O tratamento da isquemia crônica consiste em corrigir a estenose de pelo menos um tronco arterial (geralmente da mesentérica superior). Pode ser realizada por cateterismo e angioplastia com colocação de stent, quando é possível a passagem de fio guia pela lesão obstrutiva, sendo a técnica de escolha atualmente. Se não for possível tecnicamente pode-se realizar a revascularização cirúrgica das artérias através de prótese ou enxerto de safena a partir da aorta. A endarterectomia da aorta na região da origem dos ramos viscerais é outra alternativa, mas apresenta elevada morbi-mortalidade.

2. A isquemia aguda de causa arterial pode ser embólica ou trombótica. A Tabela 2 apresenta ainda outras causas para a isquemia mesentérica aguda a serem consideradas no diagnóstico diferencial.

Tabela 2 – Diagnóstico diferencial na etiologia de isquemia intestinal aguda

Embolia de fonte cardíaca (mais comum) – fibrilação atrial, pós infarto agudo, insuficiência cardíaca, doença de válvulas

Placa de ateroma com episódio agudo de trombose

Isquemia intestinal não oclusiva

Embolia de fonte no sistema arterial – aneurismas de aorta, placa ulcerada em aorta, invasão tumoral

Dissecção de aorta e dos ramos viscerais

Estados de trombofilia levando a trombose arterial

Trombose venosa dos vasos mesentéricos/porta

40%-50%

20%-35%

20%-30%

Raros

Raros

Raros

5%

O quadro clínico corresponde a dor abdominal de fortíssima intensidade, onde os achados ao exame físico do abdômen não são tão pronunciados. A dor é contínua e aumenta de intensidade com o tempo. Podem ocorrer vômitos e menos frequentemente diarreia. O paciente rapidamente apresenta queda do estado geral, com sinais de hipotensão por seqüestro de líquido, taquicardia, sudorese e sinais de baixa per-fusão periférica, podendo evoluir para óbito em horas. O abdômen, inicialmente inocente ao exame físico, apresenta distensão progressiva, com diminuição dos ruídos hidroaéreos e, nas fases mais avançadas, pode evoluir para sinais de irritação peritonial com descompressão brusca dolorosa.

Os exames laboratoriais são inespecíficos mas chama a atenção a leucocitose elevada. A radiografia simples de abdômen é inespecífica no início do quadro, podendo revelar distensão de delgado com nível hidroaéreo. Nas fases mais avançadas encontra-se gás na parede intestinal e no sistema portal, sinalizando

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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necrose das alças, podendo ocorrer pneumoperitônio. Em virtude da distensão abdominal, a ultrassono-grafia dúplex é pouco utilizada, preferindo-se a angiotomografia/ressonância ou arteriografia convencional para rapidamente confirmar o diagnóstico e programar a terapêutica. A laparoscopia também pode revelar o sofrimento isquêmico das alças intestinais em uma fase mais avançada.

Do ponto de vista anatômico as tromboses arteriais produzem isquemias em áreas maiores do intesti-no por haver obstrução desde o tronco arterial. As embolias tendem a preservar áreas do intestino proximal, uma vez que os êmbolos, ao entrarem na artéria mesentérica, irão se alojar nos ramos mais distais, permitin-do assim a irrigação das partes mais proximais. Pelo fato do tronco celíaco sair em ângulo de 90º da aorta, é mais dificilmente acometido por quadros de embolia.

O tratamento é feito separando-se duas situações: 1) quando há extensa necrose intestinal à laparo-tomia, opta-se apenas pela sedação e alívio da dor do paciente. 2) quando há intestino viável, é realizada a ressecção dos segmentos intestinais necrosados, usualmente deixando-se a reconstrução do trânsito intes-tinal para uma segunda etapa, procedendo-se também à desobstrução arterial, que pode ser realizada por embolectomia nos casos de embolia, ou por angioplastia ou restaurações arteriais com safena nos casos de tromboses. Em virtude da necessidade de laparotomia, a trombólise química não está indicada.

3. A isquemia mesentérica aguda por causa não obstrutiva corresponde a quadros de baixo débito cardíaco ou vasoconstricção induzida por uso de drogas. Os exames de imagem revelam a perviedade dos troncos arteriais e o tratamento consiste na correção do fator causal. Durante a realização da arteriografia, pode-se injetar vasodilatadores diretamente na árvore arterial mesentérica (usualmente papaverina).

4. A trombose mesentérica venosa é causa incomum de isquemia. Ocorre quando há colaterais in-suficientes para garantir a adequada drenagem do sangue venoso, levando a edema e congestão venosa das alças e, posteriormente, a infarto e necrose intestinal. Geralmente a veia acometida é a mesentérica superior juntamente com o sistema portal. As causas mais comuns estão citadas na Tabela 3.

Tabela 3 – Causas de trombose venosa mesentérica

Trombofilias (anticoagulante lúpico, anticorpos antifosfolípides)

Alteração da coagulabilidade (gravidez, uso de anticoncepcionais orais, policitemia vera, trombocitose, neoplasias)

Processos inflamatórios abdominais (pancreatite, peritonites, doença inflamatória do cólon)

Cirrose, esplenomegalia, pós-esclereoterapia de varizes esofágicas

Pós-trauma abdominal ou cirurgia abdominal

O quadro clínico, os achados de exame físico e exames complementares são os mesmos da trombose arterial. Em geral a clínica é menos acentuada e a ocorrência de sinais de sangramento digestivo é mais fre-quente. Nos casos de trombose venosa, o melhor exame é a tomografia, pois pode demonstrar a obstrução dos vasos venosos. O tratamento, quando não há necrose de alças, consiste na anticoagulação sistêmica, podendo-se realizar trombólise em casos selecionados. Quando ocorre a necrose de alças, a mortalidade é muito alta e o tratamento consiste na ressecção das alças afetadas e anticoagulação em seguida.

5. A colite isquêmica é na maioria das vezes de causa iatrogênica, pela ligadura dos vasos nutridores do cólon em cirurgias de ressecção tumoral, ou na correção de aneurismas de aorta onde é ligada a artéria mesentérica inferior em conjunto com os vasos hipogástricos. Pode ocorrer por embolia ou trombose arterial em pacientes com a circula-ção colateral já comprometida pela aterosclerose. O quadro clínico, nos casos menos graves, consiste de alteração do hábito intestinal, com diarreia e perda de muco e sangue. Podem evoluir com a cura espontânea ou apresentar este-nose do segmento acometido. Nos casos mais graves, ocorre a perfuração do intestino levando a peritonite e sepse.

O diagnóstico é realizado pela cólonoscopia quando a suspeita é inicial, e confirmado pela laparotomia se já houver quadro de irritação peritonial. O paciente operado precocemente pode apresentar boa evolução.

Isquemia Visceral Ana Terezinha Guillaumon, Eduardo Faccini Rocha e Fábio Hüsemann Menezes

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18 Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

Considerações GeraisAs angiodisplasias são consideradas anomalias do tecido que forma os sis-

temas vascular sanguíneo e linfático, particularmente a célula endotelial.Com grande frequência são manchas presentes desde o nascimento e al-

gumas, que formam o grupo das angiodisplasias com proliferação das células endoteliais, podem ter involução espontânea, que ocorre durante a infância. Aquelas que não apresentam proliferação celular são chamadas malformações vasculares. Estas podem ser capilares, arteriais, venosas, linfáticas e também uma associação desses elementos.

Baseado na cinética das células endoteliais pode-se subdividir as angiodis-plasias em dois subgrupos:

Presença de proliferação celular – hemangiomas fragiformes e tuberosos.Ausência de proliferação celular – hemangiomas planos, cavernosos e lin-

fangiomas.Utilizamos a classificação de Curado81 baseada em aspectos clínicos, as-

pectos histopatológicos, lesões com comportamento semelhante e orientação da abordagem terapêutica:

1. Hemangiomas• Hemangiomas planos

- Superficiais- Profundos

• Hemangiomas tumorais- Fragiformes- Tuberosos- Cavernosos

2. Linfangiomas3. Síndromes hemangiomatosas

81José Hermílio Curado, cirurgião plástico, diretor do Departamento de Cirurgia Re-paradora do Hospital do Câncer AC Camargo, São Paulo. Propôs uma simplificação da classificação das angiodisplasias em 1992.

Capítulo

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Moléstias Vasculares148

1 – Hemangiomas

Hemangioma plano

Aspecto clínicoMancha tipo “Vinho do Porto”, delimitadas e contornos irregulares.Importante comprometimento estético.Hemangiomas planos superficiais – coloração mais clara.Hemangiomas planos profundos – coloração mais escura.

LocalizaçãoPele e mucosasSegmento cefálico (mais frequente), tronco, períneo e membros.

DiagnósticoClínico.

EvoluçãoPresentes desde o nascimento.Nunca regridem.Hipertrofia dos tecidos e desenvolvimento de nodulações.Característica histológica:Comprometimento dos capilares da derme.Não há proliferação das células endoteliais.Ciclo celular normal.

TratamentoFotocoagulação com laser de luz amarela/verde.

Hemangiomas tumoraisSão tumores vasculares que apresentam volume, com proliferação de células endoteliais, mediada por

fatores que estimulam a angiogênese.São os hemangiomas fragiformes e tuberosos

Aspecto clínicoSão os tumores mais comuns da infância.Mais frequentes no sexo feminino (3:1).Mancha vermelha e única na maioria dos casos.Fragiformes – Até 5 cm de diâmetro.Tuberosos – Atingem grande extensão e sangram com frequência.

LocalizaçãoPele, tecido subcutâneo, mucosas, músculos, glândula parótida, cavidadeorbitária e vísceras como o fígado.Fragiformes – 80% no segmento cefálico.Tuberosos – Face, tronco e membros.

Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

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Moléstias Vasculares 149

EvoluçãoA maioria apresenta involução espontânea a partir do segundo ano de vida.Podem apresentar ulcerações com hemorragias.Complicações como obstrução de vias respiratórias e cavidade oral.Plaquetopenia de consumo e outras coagulopatias (Síndrome de Kasabach-

Merritt82).

Característica histológicaHiperplasia de células endoteliais.Massas tumorais de células endoteliais.Substituição por tecido fibrogorduroso na involução.

DiagnósticoClínico.Exames complementares.Ultrassonografia dúplex, tomografia e ressonância magnética para avaliação

das estruturas profundas e órgãos.

TratamentoConduta expectante em 85% dos casos.15% necessitam tratamento precoce com cirurgia, corticoterapia ou

α-interferon.

Hemangiomas cavernosos

Aspecto clínicoDetectados na infância.Trajetos venosos ectasiados formando lagos.Na fase inicial têm aspecto de manchas arroxeadas.Dimensões variadas.Expansão da lesão à manobra de Valsalva83, choro e exercícios físicos.Lesões extensas nos membros podem causar hipertrofia ou hipotrofia.

LocalizaçãoPele, tecido subcutâneo, mucosas e estruturas profundas, como músculos,ossos e vísceras.

DiagnósticoClínico nas lesões superficiais.Depressíveis à pressão digital.

Exames complementaresRx simples - presença de flebolitos.Ultrassonografia dúplex, tomografia, ressonância magnética e cintilografia

com hemácias marcadas.

82Haig Haigouni Kasabach, 1898-1943. Pediatra americano. Katharine Krom Merritt, 1886-1986. Pediatra americana.83Antonio Maria Valsalva, 1666-1723. Anatomista italiano. Descreveu a manobra de Valsalva para a insuflação do ouvido médio.

Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

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Característica histológicaDefeito na morfogênese do tecido vascular sanguíneo.

TratamentoCompressão com malhas elásticas como medida paliativa.Escleroterapia com álcool absoluto ou mais recentemente com espuma à

base de polidocanol e gás carbônico, embolização e cirurgia.

2 - LinfangiomasSão tumores formados por alterações do tecido linfático.

Aspecto clínicoFormados por cistos pequenos ou grandes, únicos ou múltiplos.Lesões superficiais ou profundas.Nas lesões superficiais as vesículas são translúcidas.Ferimentos causam perda de linfa.

LocalizaçãoSegmento cefálico, tronco, abdômen, retroperitônio e extremidades.Os de localização cefálica são denominados higroma cístico.

EvoluçãoPresentes desde o nascimento ou surgem nos primeiros meses de vida.A linfangite é a complicação mais frequente.Metade das lesões podem ter involução espontânea após os cinco anos de

idade.

DiagnósticoClínico nas lesões superficiais.

Exames complementaresEcografia, tomografia e ressonância magnética.

TratamentoInicialmente expectante.Cirúrgico e escleroterapia em casos selecionados.Antibioticoterapia nas linfangites.

3 - Síndromes hemangiomatosasEnglobam principalmente a síndrome de Klippel-Trénaunay84 e Klippel-

Trénaunay-Weber85

84Maurice Klippel, 1858-1942. Neurologista e psiquiatra francês. Paul Trénaunay, 1875-?. Neurologista francês.85Frederick Parkes Weber, 1863-1962. Clínico inglês.

Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

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São malformações vasculares caracterizadas por:Klippel-Trénaunay - hemangioma plano, ectasias venosas com ou sem mal-formações venosas profun-

das e hipertrofia da área comprometida.Parkes Weber descreveu quadro semelhante mas com a presença de microfístulas arteriovenosas.

Aspecto clínicoO hemangioma plano é o elemento presente em todas os casos.Ectasias venosas com desenvolvimento lento e progressivo.Geralmente ocupam a porção lateral externa do membro.A hipertrofia do membro pode causar deformidade.Eventualmente pode haver hipotrofia do membro.

LocalizaçãoMembros inferiores e com maior frequência na face lateral externa.Pode se estender para as regiões glúteas e dorso-lombar.

DiagnósticoClínico.

Exames complementaresUltrassonografia dúplex e flebografia para avaliação do sistema venoso que pode revelar agenesia ou

hipoplasia do sistema venoso profundo.Arteriografia ou angiorressonância podem demonstrar a existência de comunicações arteriovenosas.

TratamentoContenção do membro com meias elásticas.Ressecção cirúrgica das ectasias venosas em casos selecionados.Ligaduras cirúrgicas ou embolizações das fístulas arteriovenosas.

4 - Fístulas Arteriovenosas CongênitasPodem apresentar-se de duas formas:Não angiomatosa - comunicação direta ou por ramificações.Angiomatosas – comunicação através de estruturas vasculares cavernosas e anárquicas.

Aspecto clínicoFormação angiomatosa única ou em número variável.Podem ser coalescentes e elevadas na superfície cutânea.Apresentam pulsação, frêmito e sopro.Temperatura local mais elevada.Dilatações venosas regionais e sinais de insuficiência venosa secundária.Hipertrofia do membro, dependendo da quantidade e calibre das fístulas.Raramente causam repercussão cardíaca.

Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

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Malformações Vasculares José Luiz Cataldo

DiagnósticoClínico.

Diagnóstico complementarUltrassonografia dúplex e flebografia para avaliação do sistema venoso e do fluxo sanguíneo.Arteriografia, angiotomografia e angiorressonância para localização das fístulas.Gasometria – aumento da saturação de oxigênio no sangue da área das fístulas.

TratamentoContenção elástica, aplicação de técnicas endovasculares ou ressecção cirúrgica.

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Moléstias Vasculares 153

19 Vias de Acesso para Hemodiálise

Eduardo Valença Barel

Capítulo

Considerações GeraisA doença renal crônica consiste em perda progressiva e irreversível da fun-

ção dos rins, até que, na sua fase mais avançada, denominada fase terminal, não é mais possível manter a homeostase interna. Nos Estados Unidos, atinge 375 mil pacientes; no Brasil, cerca de 54 mil, com aumento na incidência de 8% ao ano, consumindo recursos na ordem de 1,4 bilhões de reais por ano. Como se trata de condição incompatível com a vida é necessária a instalação de alguma modalidade de terapia de substituição renal: transplante renal, diálise peritoneal ou hemodiálise, sendo este o tratamento mais comumente utilizado.

O equipamento para realização da hemodiálise foi criado em 1943 durante a Segunda Guerra Mundial para tratamento da insuficiência renal aguda traumá-tica; sua principal limitação era a exaustão dos acessos vasculares. Uma ampliação na aplicabilidade clínica da hemodiálise só foi possível com o surgimento do shunt (derivação) externo arteriovenoso, concebido em 1960, e da fístula arteriovenosa (rádiocefálica), criada em 1966, que permitiam um acesso repetitivo ao comparti-mento intravascular com fluxo suficiente para sua filtração.

A escolha do acesso vascular para hemodiálise vai depender da urgência da instituição do tratamento dialítico e das características individuais de cada paciente (anatomia e estado funcional da rede arterial e venosa, função cardíaca, prognóstico da doença renal e perspectiva de sobrevida, entre outras variáveis), existindo a seguinte classificação:

a) Acessos Temporários: - para pacientes que requerem hemodiálise ime-diata, ou seja, tratamento previsto de duração inferior a três semanas, devido à previsão da recuperação da função renal (intoxicações, rabdomiólise, uso de aminoglicosídeos, meios de contraste iodados, anti-inflamatórios não hormo-nais, etc.) ou realização de transplante e durante período no qual se providencia um acesso definitivo ou sua maturação.

Historicamente, foram utilizados os shunts arteriovenosos de tubos de si-licone externos, estando em desuso devido às altas taxas de infecção e trombose

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Moléstias Vasculares154

precoce, além da perda dos vasos envolvidos na sua confecção (artérias radial e tibial posterior; veia cefálica ou safena interna).

Atualmente, os acessos temporários mais empregados são os catéteres de duplo-lúmen não tunelizados de poliuretano ou polivinil, com diâmetro externo de 11F86 a 14F e comprimento de 15 cm a 24 cm (Shiley®; Quin-ton-Mahurkar®). Podem ser inseridos à beira do leito de forma percutânea, guiada ou não pelo ultrassom, utilizando a técnica de Seldinger87, permitin-do fluxos de 250 ml/min.

A veia jugular interna direita é a via de preferência, com a extremidade do cateter alocada idealmente na junção cavo-atrial, o que é confirmado por radio-grafia de tórax ao final do procedimento. As jugulares externas também podem ser canuladas. As veias subclávias devem ser evitadas devido à alta incidência de estenose ou obstrução (42% a 50%), prejudicando a construção de acessos definitivos nessa extremidade. Com relação às veias femorais, sua utilização deve ser reservada a pacientes acamados, não devendo exceder o período de sete dias, pela elevada incidência de infecção e deslocamento.

Nos casos de pacientes sem possibilidades de confecção de acessos definiti-vos, cardiopatia severa, arteriopatia das extremidades ou exaustão das veias pro-fundas, podem ser utilizados catéteres duplo-lúmen tunelizados com manguito de Dacron® (cuff) (Quinton-Permcath®; Hickman®) para uso temporário pro-longado, até cerca de 12 meses. São construídos em silicone flexível, devendo ser implantados de forma percutânea ou por dissecção através de um introdutor calibroso, no centro cirúrgico, sob fluoroscopia.

As complicações dos catéteres podem ser divididas em agudas e crônicas. A Tabela 1 apresenta as principais complicações.

Vias de Acesso para Hemodiálise Eduardo Valença Barel

86F = French Scale, onde 3 mm correspondem a 1F.

⁸⁷Sven-Ivar Seldinger, 1921-1998. Radiologista sueco.

Tabela 1: Complicações dos catéteres duplo-lúmen

Complicações Agudas

Punção arterial

Sangramento venoso

Fístula arteriovenosa

Hematoma cervical

Lesão linfática- quilotórax

Pneumotórax

Hemotórax

Hidrotórax

Lesão do n. laríngeo recorrente

Lesão do plexo braquial

Arritmia cardíaca

Perfuração cardíaca

Hemomediastino

Complicações Crônicas

Infecção

Deslocamento

Trombose do cateter

Trombose venosa profunda

Embolia pulmonar

Estenose/oclusão venosa

Sangramento venoso

Baixo fluxo

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Moléstias Vasculares 155

Devido ao grande número de complicações, vida útil limitada (30% a 65% em um ano) e associação a uma maior mortalidade (41,5% ao ano, versus 24,9% com fístulas nativas), o ideal seria que os pacientes tivessem seu acesso definitivo confeccionado com antecedência, permitindo sua maturação e possí-veis correções, evitando os acessos temporários com catéteres.

b) Acessos Definitivos: o acesso vascular ideal é aquele que providencia, de forma repetida e estável, fluxo de sangue propício para a hemodiálise prescrita, com vida útil prolongada, poucas complicações e relativa comodidade. A fístula arteriovenosa direta é a que mais se aproximaria dessas características. Ela consiste numa comunicação criada entre uma artéria e uma veia superficial, desencadeando alterações hemodinâmicas e bioquímicas nos dois vasos envolvidos, culminando na sua dilatação, aumento do fluxo e espessamento das paredes; em relação à veia, refere-se que ocorre sua arterialização, o que torna possível sua canulação iterativa, com obtenção de fluxo suficiente para a diálise no circuito extracorpóreo.

Naqueles pacientes com veias superficiais exauridas ou inadequadas, podem ser utilizados enxertos de material autógeno ou sintético.

Nas próximas seções, serão discutidos apenas os acessos vasculares definiti-vos, que pertencem ao campo de atuação exclusivo do cirurgião vascular.

Avaliação pré-operatóriaAntes da cirurgia, deve-se realizar história e exame físico completos. Alguns

antecedentes devem ser questionados ativamente, como qual o membro dominante, as medicações utilizadas, presença de cardiopatias (isquemia, valvulopatias e insufici-ência cardíaca), discrasias sanguíneas, diabetes melito, traumatismos torácicos, cer-vicais ou dos membros. A realização de flebotomias, utilização de catéteres venosos centrais ou de marcapassos, cateterismos arteriais também deve ser indagada.

O exame físico específico deve incluir (Tabela 2):

Vias de Acesso para Hemodiálise Eduardo Valença Barel

88Edgar Van Nuys Allen, 1900-1961. Clínico americano. Descrição da manobra vide Capí-tulo 06 - página 50.

Tabela 2: Exame físico específico

Inspeção

EdemaCirculação colateralHematomas

Cicatrizes

Palpação

PulsosManobra de Allen⁸⁸Empastamento

Enduração

Trajetos venosos

Percussão

Venosa (propagação proximal da onda)

Ausculta

Pressão arterial nos dois membros superiores

Sopros arteriais

Deve-se ressaltar o exame das veias superficiais. Deve ser realizado com o membro garroteado, sob iluminação adequada, evitando-se ambientes com baixa temperatura devido à possível vasoconstricção. As veias cefálicas e basílicas devem

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ser avaliadas em todo seu trajeto, inclusive as comunicações existentes na prega antebraquial, verificando-se a presença de segmentos com flebite ou fibrose.

Exames de imagem (flebografia ou ultrassonografia dúplex) estão indicados em algumas situações (Tabela 3):

Tabela 3: Indicação de exames de imagem

Edema da extremidadeCirculação colateral venosa no membroObesidadeAssimetria das extremidadesAntecedente de cateterização venosaAntecedente de traumatismo cervical, torácico ou do membroAntecedentes de múltiplos acessos vasculares na extremidade

Escolha do tipo e local do acesso vascularO acesso vascular de eleição é a fístula arteriovenosa (FAV) direta, por fornecer os melhores fluxos,

apresentando menores índices de trombose ou infecção que os catéteres e próteses. Trata-se de um proce-dimento eletivo, devendo sua execução ser programada em pacientes com depuração de creatinina inferior a 25 ml/min, creatinina maior que 4 mg/dl ou no período de um ano em que se antecipa a necessidade de hemodiálise, evitando-se o implante dos catéteres temporários.

Após sua confecção, deve-se aguardar um período mínimo de maturação de quatro semanas (três meses, idealmente) para o início das punções.

Com relação ao local, as posições distais nos membros superiores são as preferíveis, por causarem menores repercussões hemodinâmicas, além de preservarem e até desenvolverem os vasos proximais para possíveis futuros acessos.

A primeira opção de consenso é a FAV rádiocefálica direta no punho ou, menos comumente, na taba-queira anatômica. Caso não sejam possíveis, esses vasos podem ser abordados em posições intermediárias no antebraço. Outra possibilidade seria a FAV ulnar-basílica ou rádiobasílica, de preferência com transposição venosa.

A seguir, temos a FAV bráquio-cefálica na prega do cotovelo, FAV bráquio-mediana ou bráquio-perfu-rante, estas com drenagem para as veias cefálica e basílica. Como última opção de FAV autóloga no membro superior, temos a bráquio-basílica com superficialização venosa.

Esgotadas as veias superficiais nos membros superiores, pode-se considerar o uso de enxertos. Den-tre estas opções, temos a veia safena interna, com a desvantagem de maiores taxas de trombose e falha na maturação, além das morbidades acrescentadas na sua retirada; assim, há uma tendência nos protocolos de reservá-la para revascularizações cardíacas ou de membros inferiores, muito frequentes nos pacientes renais crônicos. Nos membros inferiores, ainda está descrito o emprego da veia femoral superficial transposta como conduto, com as mesmas restrições. Por esses motivos, a literatura atual dá preferência à realização de FAV com enxertos utilizando próteses de PTFE (politetrafluoroetileno expandido).

Virtualmente, todas as artérias e veias dos membros superiores, inferiores e região cervical podem ser abordadas na realização de FAV com enxerto, com as mais diversas configurações, dependendo do assenti-mento do paciente, das restrições anatômicas (diâmetro inferior a 3,5-4 mm), da experiência e perspicácia do cirurgião. Após sua confecção, devem-se aguardar ao menos 14 dias para sua utilização, idealmente três a seis semanas.

Vias de Acesso para Hemodiálise Eduardo Valença Barel

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Moléstias Vasculares 157

Monitorização do AcessoA vigilância do acesso vascular deve ser constante, levando em conta mudanças no exame físico (ede-

ma do membro; presença de coágulos na fístula; sangramento persistente após a retirada das punções; diminuição no frêmito; presença de pulso em fundo cego), alterações durante a hemodiálise (diminuição no fluxo; aumento da pressão venosa) e inadequação laboratorial (ureia pós-diálise elevada).

Nessas situações, exames de imagem (ultrassonografia dúplex ou angiografia) devem ser realizados para o diagnóstico de estenoses, que vão levar à diminuição da eficácia da diálise e, ulteriormente, à obstru-ção da FAV.

Complicações dos Acessos Vasculares

A complicação mais frequente das FAV é a trombose, devendo ser tratada pela trombólise ou trom-bectomia cirúrgica, e correção da provável estenose subjacente por meio de cirurgia ou angioplastia, com ou sem stent.

Além das estenoses, outras causas de trombose do acesso a serem lembradas são: hipotensão, hiperco-agulabilidade, compressão excessiva pós-diálise, uso de eritropoetina e compressão arterial por feixes mus-culares anômalos.

O hiperfluxo da FAV, que pode variar de 800 a 2000 ml/min, predispõe a outros problemas, como a hipertensão venosa, o roubo arterial e à descompensação de insuficiência cardíaca. Nessas situações, para a diminuição do fluxo, poderia ser realizado o estreitamento cirúrgico da anastomose arteriovenosa; nas FAVs proximais, outra opção seria a transferência da anastomose da artéria braquial para a radial ou ulnar, através de um enxerto; no caso das FAVs radiocefálicas, pode ser realizada a ligadura proximal dessa artéria. Por fim, nos casos mais graves, pode ser necessária a desativação do acesso.

Especificamente nos casos de hipertensão venosa, outra conduta a ser tomada seria a detecção de uma estenose das veias proximais e o seu tratamento por meio de cirurgia ou angioplastia, com ou sem stent.

Nas situações de isquemia distal do membro, um procedimento alternativo seria a ligadura da artéria distal à FAV com revascularização dos vasos distais por enxerto.

Em casos de infecção, deve-se tentar tratamento com antibióticos de acordo com o antibiograma; caso haja bacteremia ou embolia séptica, a conduta mais adequada é a ressecção da FAV, segmentar ou total dependendo do quadro.

Caso surjam aneurismas no trajeto da FAV, deve ser realizada sua ressecção e reconstrução sempre que envolver anastomoses, ocorrer expansão, sofrimento da pele ou dor local.

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Moléstias Vasculares 159

20 Amputações e Reabilitação

Charles Angotti Furtado de Medeiros

Capítulo

Considerações GeraisConsidera-se amputação quando há necessidade da ressecção transversal

da parte terminal de um membro. A amputação não deve ser vista simplesmen-te como sinônimo de cortar um membro. Deve ser considerada uma cirurgia reconstrutiva que requer grande cuidado para com os tecidos, sempre tendo em vista a reabilitação precoce do paciente. Infelizmente, as amputações são encaradas como procedimentos simples, isentos de desafio e, frequentemente, designadas ao profissional mais jovem da equipe cirúrgica.

Entretanto, trata-se de um grupo de pacientes considerados graves, em sua maioria idosos com diversas doenças associadas ou, quando jovens, vítimas de politraumatismo. Somente a escolha do nível para amputação já costuma ser uma decisão crítica e requer muito conhecimento e experiência. Também é essencial a manipulação delicada dos tecidos no momento da operação para se evitar as complicações, que são comuns por causa do alto grau de contaminação e da dificuldade na cicatrização.

Cerca de 90% das amputações dos membros inferiores estão relacionadas à isquemia e/ou infecção. Geralmente são pacientes diabéticos ou indivíduos acima de 60 anos de idade. Do total, a grande maioria é do sexo masculino. A sobrevida em cinco anos é muito baixa, metade daquela encontrada em uma po-pulação normal, sendo que dois terços de todos os óbitos ocorrem por doenças cardiovasculares. Apenas 5% das amputações têm os traumatismos como causa básica. Os outros 5% restantes são agrupados como causas diversas, incluindo as neoplasias malignas.

O pé diabético caracteriza-se como um quadro de ulceração ou mesmo destruição dos tecidos profundos do pé, acompanhado ou não de infecção, e associado a anormalidades neurológicas e vários graus de doença vascular peri-férica nos membros inferiores. Os diabéticos têm um risco quinze vezes maior de serem submetidos a amputações de membros inferiores do que aqueles que não têm a doença.

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Tipos de AmputaçãoA amputação primária, ou seja, sem revascularização prévia, está reservada

para aqueles pacientes que não podem ser revascularizados, ou por dificuldades técni-cas ou pelo alto risco cirúrgico. Também seriam candidatos à amputação primária os indivíduos restritos ao leito ou que apresentem distúrbio mental orgânico grave.

Um dos maiores objetivos da cirurgia arterial reconstrutiva é a preservação dos membros que sofrem de isquemia crítica, pois vários trabalhos sugerem que a cirurgia vascular é responsável pela redução significativa nos índices de ampu-tação. A amputação secundária é realizada quando há insucesso na tentativa de uma revascularização prévia, qualquer que seja.

A amputação aberta ou “em guilhotina” está indicada nos casos de in-fecção grave. A reconstrução do coto é reservada para um segundo tempo, após o controle da infecção local e a melhora nas condições clínicas. A amputação é fechada quando a reconstrução do coto é realizada no mesmo ato cirúrgico e corresponde à maioria dos casos de amputações maiores.

A amputação é considerada maior quando realizada acima da articulação do tornozelo e menor quando realizada abaixo desta.

Nível de AmputaçãoO princípio fundamental das amputações é que elas devem ser realizadas no

nível ideal, cuja cicatrização completa seja mais provável, mas que ao mesmo tempo permita maior chance de reabilitação, ou seja, o mais distal possível. Assim, os bene-fícios dos elevados índices de cicatrização numa amputação mais proximal devem ser pesados contra o grande potencial de sucesso na reabilitação dos cotos mais distais.

O exame clínico e a experiência do cirurgião têm um alto valor preditivo (85%) no sucesso para a escolha do nível de amputação. Nos pacientes com isquemia avançada nos quais existe uma linha nítida de demarcação entre os tecidos sadios e a gangrena ou naqueles doentes portadores de neoplasias malig-nas, o nível de amputação (Figura 1) pode ser decidido com relativa facilidade. Para o restante, é necessário ter grande experiência clínica, fazer um exame físico minucioso e, eventualmente, lançar mão dos exames complementares disponí-veis para definir a conduta mais adequada em cada caso.

A angiografia é usada para averiguar a possibilidade de revascularização nos pa-cientes com isquemia importante, mas é de pouco valor para selecionar o nível de amputação, pois os achados do exame não se correlacionam com a perfusão da pele.

A amputação de pododáctilos é uma das mais realizadas, mas só é possível na presença de lesões bem localizadas e com linha de demarcação bem nítida. É preciso seccionar o osso 1 cm mais proximal do que a linha da pele e retirar parte da superfície articular quando esta é atingida (Figura 2). Em casos selecio-nados pode-se aguardar até que ocorra a autoamputação espontânea.

A amputação transmetatársica está indicada quando há comprometimento de grande parte do antepé e consiste na diérese de todos os pododáctilos ao nível do metatarso. Geralmente é aberta e os tecidos irão cicatrizar por segunda intenção. Produz um excelente resultado funcional, pois não aumenta a energia gasta na de-ambulação e, portanto, não necessita de prótese, apenas um calçado modificado.

As amputações do retropé são difíceis tecnicamente e raramente são adequa-das aos pacientes vasculares. Delas, a mais utilizada é a desarticulação ao nível do tornozelo, também conhecida com amputação de Syme⁸⁹.

89James Syme, 1799-1870. Cirurgião escocês.

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desarticulaçãocoxo-femoral

transfemoralproximal

transfemoralterço médio

transfemoraldistal

supracondiliana

desarticulaçãode joelho

transtibialclássica

guilhotina

transmetatarsiana

digital (transfalangiana)FHM

Figura 1 - Níveis de amputação mais realizados em cirurgia vascular.

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Figura 2 - Técnica de amputação digital (veja o texto para detalhes).

encurtartendões seção cabeça

do metatarso

incisãocutânea emelipse dorsal

desarticular

2

1

FHM

FHM

FHM

A amputação transtibial é o nível mais comum entre as amputações maiores. A cirurgia é realizada com a construção de um retalho posterior longo que é bem irrigado e serve de coxim de apoio que funcio-nará como um bom suporte para a futura prótese (Figura 3). O curativo inclui uma tala gessada posterior que não permite a flexão involuntária do joelho, evitando os traumas e a rigidez muscular.

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A desarticulação do joelho é uma alternativa pouco usada no lugar da amputação acima do joelho. Consiste basicamente na desinserção do tendão patelar e na abertura da cápsula articular com a seção dos ligamentos cruzados. É um procedimento rápido e com pouco sangramento, pois não se faz necessária a seção do osso e de grande massa muscular.

A amputação transfemoral está indicada quando o fluxo sanguíneo inadequado não permite cicatri-zação em níveis mais baixos. Ela também pode ser realizada em pacientes nos quais a reabilitação não será possível. A marcação da pele envolve dois retalhos curtos, um anterior e outro posterior. A seção óssea deve ser realizada preferencialmente no terço distal do fêmur, porém o mais alto possível para não pressionar a pele que irá recobrí-lo (Figura 4).

Figura 3 - Demarcação do retalho na amputação transtibial.

1/3 2/3

bordoposteriorda fíbula

1/3

2/3

veiasafena

FHM

FHM

FHM

FHM

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Figura 4 - Demarcação do retalho nas amputações transfemoral e transtibial.

8-10 cm o u

4 d edos

10 -12 cm2 cm

FHM

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A desarticulação do quadril é uma cirurgia de exceção e está reservada para os poucos casos nos quais a amputação transfemoral não foi bem sucedida ou na vigência de neoplasias malignas. A morbi-mortalidade é altíssima e as chances de reabilitação, mínimas.

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Complicações das AmputaçõesA isquemia do coto varia de acordo com a experiência do serviço (5%-30%). Geralmente resulta da

falta de suprimento sanguíneo adequado ou de técnica cirúrgica inapropriada, sendo necessário subir o nível da amputação. Normalmente, as chances de sucesso em uma amputação transtibial são de 70%-80% mas a ausência de fluxo detectável na região poplítea ao Doppler indica, claramente, que um coto abaixo do joelho não irá cicatrizar. A infecção e a deiscência do coto também são frequentes e estão obviamente relacionadas à presença de infecção prévia do membro a ser amputado.

A dor fantasma é caracterizada pela continuação do quadro doloroso, muito semelhante ao que o pacien-te sentia antes da amputação do membro. A incidência e a gravidade da dor fantasma estão diretamente rela-cionadas aos longos períodos de isquemia e à demora na reabilitação. O tratamento é difícil e inclui o uso de antidepressivos tricíclicos, eventualmente bloqueios simpáticos podem ser indicados para os casos refratários.

O paciente pode também cair do leito à noite ao tentar se levantar e andar, porque tem a impressão que o membro amputado ainda está presente, fenômeno conhecido como sensação fantasma.

Principalmente devido à imobilização prolongada, muitas vezes presente já no pré-operatório, os pa-cientes submetidos à amputação apresentam um risco considerável de desenvolverem trombose venosa pro-funda e embolia pulmonar.

ReabilitaçãoQuanto mais longo for o intervalo entre a amputação e o começo da reabilitação, menores serão as

chances do paciente voltar a andar. Por isso, a fisioterapia deve ser iniciada precocemente, mesmo antes da cirurgia. A mobilização contínua do paciente no leito visa evitar as úlceras de decúbito e a rigidez articular causada pela posição antálgica. São necessários exercícios para fortalecimento dos membros superiores, do tronco e do membro inferior contralateral. As transferências para as posições sentadas e de pé devem ser estimuladas bem como a independência nas atividades diárias mais simples.

Outro aspecto importante é a avaliação e o apoio psicológico. Pacientes deprimidos e sem motivação tornam o trabalho de reabilitação muito mais difícil. É preciso informá-los que as amputações, muitas vezes, propiciam uma qualidade de vida relativamente melhor que a atual, sem a dor e sem o sofrimento presente. Que o desenvolvimento industrial de próteses mais modernas e que requerem menos energia é crescente. E que novos componentes permitem a fabricação e a comercialização de próteses ultraleves e que apresentam maior durabilidade.

O paciente amputado passa ainda por uma avaliação funcional com a finalidade de medir a sua capacidade durante as atividades mais complexas. As doenças cardiorespiratórias e a debilidade física inca-pacitantes tornam a reabilitação muito mais difícil. Infelizmente, o paciente que já não deambulava antes da cirurgia, raramente conseguirá reabilitar-se.

O comprimento do coto também correlaciona com a habilidade para deambulação. Um indivíduo submetido a amputação transtibial apresenta chance de reabilitação em torno de 80%, enquanto que na amputação transfemoral o índice de sucesso cai pela metade. Um dos fatores responsáveis é o gasto energé-tico necessário, que é duas a três vezes maior nas amputações ao nível da coxa em relação àquelas realizadas abaixo do joelho. Fica claro que a reabilitação é muito mais difícil nos casos de amputação bilateral.

Existem dois tipos de próteses: as convencionais e as modulares. As convencionais (exoesqueléticas) são confeccionadas com componentes maciços, em madeira ou plástico, que servem de conexão e têm como vantagens a resistência e a durabilidade. As próteses modulares (endoesqueléticas) são compostas de tubos e encaixes de espuma rígida e são superiores às convencionais sob o ponto de vista funcional e estético.

Finalmente, os pacientes que são submetidos a amputação de membros inferiores devem ser acom-panhados com relativa frequência, não só para os cuidados com o coto, fisioterapia e apoio psicológico, mas principalmente, tendo em vista a sua doença de base, a possibilidade de comprometimento do outro membro e o aparecimento de novas complicações.

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