Manoel Moacir C. Macêdo A Reforma do Engenheiro Agrônomo...

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Manoel Moacir C. Macêdo Engenheiro Agrônomo, Bacharel em Direito, Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa e PhD em Sociologia pela Universidade de Sussex, Brighton, Inglaterra. Professor do Curso de Administração da UPlS. José Luiz N. Pantoja Administrador, Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutorando em Administração pela USP. Professor da UPlS. Introdução A Reforma do Estado e a pesquisa , . agropecuarza brasileira: do Jardim Botânico do Rio de Janeiro à Embrapa Reformas e crises no Brasil, não são assuntos novos. Ao contrário, eles têm sido freqüentes na história do País. Eles não acontecem em um vácuo social, mas estão ligados aos aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos de cada época. Para Furtado (1995), o Brasil foi o único país do continente americano criado pelo capitalismo comercial como uma empresa agrícola. O Brasil foi colônia portuguesa até 1822. Embora transformado em Estado politicamente independente, continuou como satélite dos centros europeus. A sua inserção na economia global foi como produtor e exportador de matérias-primas agrícolas e minerais estratégicos. Santos (1996) argüi que isto significou uma desigual troca entre os produtos dos países pobres, e as manufaturas industriais dos países ricos. Como conseqüência, os países exportadores de produtos primários foram condenados à pobreza, a dependência e ao subdesenvolvimento. Historicamente, o Estado brasileiro tem sido o agente de promoção do desenvolvimento, cabendo-lhe a regulamentação das relações entre o capital e o trabalho e, em sentido mais amplo, a intermediação entre as classes sociais. Em verdade, o presente artigo, limita o seu escopo de análise: objetiva apenas mostrar as mais significativas reformas no contexto do Estado e as suas relações com a pesquisa agropecuária brasileira. O importante é compreender o referencial que alicerça tais reformas e as transformações no conjunto da pesquisa agropecuária. É assim que se entende a reforma do Estado, como proposta de transformações das relações entre o Estado e a sociedade; e a reforma administrativa como conseqüência as transformações no nível operacional das organizações estatais. No Brasil, para Bresser Pereira (1996), existiram três grandes reformas: a reforma buro c rática de 1936, caracterizada pela criação do Departamento Revista Múltipla, Brasília, 3(5): 159 - 175, dezembro - 1998 159

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Manoel Moacir C. Macêdo

Engenheiro Agrônomo, Bacharel em Direito, Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa e PhD em Sociologia pela Universidade de Sussex, Brighton, Inglaterra. Professor do Curso de Administração da UPlS.

José Luiz N. Pantoja

Administrador, Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutorando em Administração pela USP. Professor da UPlS.

Introdução

A Reforma do Estado e a pesquisa

, . agropecuarza brasileira: do

Jardim Botânico do Rio de Janeiro à

Embrapa

Reformas e crises no Brasil, não são assuntos novos. Ao contrário, eles têm sido freqüentes na história do País. Eles não acontecem em um vácuo social, mas estão ligados aos aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos de cada época. Para Furtado (1995), o Brasil foi o único país do continente americano criado pelo capitalismo comercial como uma empresa agrícola.

O Brasil foi colônia portuguesa até 1822. Embora transformado em Estado politicamente independente, continuou como satélite dos centros europeus. A sua inserção na economia global foi como produtor e exportador de matérias-primas agrícolas e minerais estratégicos. Santos (1996) argüi que isto significou uma desigual troca entre os produtos dos países pobres, e as manufaturas industriais dos países ricos. Como conseqüência, os países exportadores de produtos primários foram condenados à pobreza, a dependência e ao subdesenvolvimento.

Historicamente, o Estado brasileiro tem sido o agente de promoção do desenvolvimento, cabendo-lhe a regulamentação das relações entre o capital e o trabalho e, em sentido mais amplo, a intermediação entre as classes sociais. Em verdade, o presente artigo, limita o seu escopo de análise: objetiva apenas mostrar as mais significativas reformas no contexto do Estado e as suas relações com a pesquisa agropecuária brasileira. O importante é compreender o referencial que alicerça tais reformas e as transformações no conjunto da pesquisa agropecuária. É assim que se entende a reforma do Estado, como proposta de transformações das relações entre o Estado e a sociedade; e a reforma administrativa como conseqüência as transformações no nível operacional das organizações estatais.

No Brasil, para Bresser Pereira (1996), existiram três grandes reformas: a reforma burocrática de 1936, caracterizada pela criação do Departamento

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Administrativo do Serviço Público (DASP); a reforma de 1967, consubstanciada pelos princípios da desburocratização e a reforma de 1995, entendida como a mudança da administração burocrática para a gerencial. O importante não é a quantificação das reformas, mas as condições que as definiram no contexto social. Nesta perspectiva, assume-se que as reformas são a materialização de pressões e influências externas aos interesses e valores da própria sociedade.

É importante verificar que, do ponto de vista administrativo, de acordo com Viola (1998: p.49), "o Estado brasileiro atual pode ser caracterizado como burocrático, com ilhas de clientelismo (remanescentes do passado) e ilhas de gerências (anunciadoras do futuro)". Para ele, isto implica "burocratização processual, fragmentação institucional, pacto federal oligárquico, falta de continuidade nas políticas e baixa motivação-produtividade dos funcionários."

1. As reformas e a pesquisa agropecuária brasileira

Os historiadores são unânimes em registrar que a primeira organização de pesquisa agropecuária, no Brasil, foi o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, criado pelo Príncipe Dom João VI, em 1808. Embora tenha servido para a introdução de espécies agrícolas e florestais, o seu principal objetivo foi promover lazer e entretenimento à corte portuguesa. Em outro sentido, Brockway (1979) afirma que o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, como outros ao redor do mundo, estava vinculado ao processo científico desenvolvido pelo Estado e ligado ao espírito m~rcantilista difundido pelos impérios europeus.

A escassez de mão-de-obra escrava, particularmente para a cultura do café, e as iniciais descobertas da química e o seu uso na agricultura provocaram a criação das primeiras organizações de pesquisa agropecuária no Brasil. Foi o Imperador Dom Pedro lI, em 1859, que ordenou a criação dos imperiais Institutos Agropecuários nas Províncias do Rio de Janeiro, Pernambuco, Sergipe, Bahia e Rio Grande do Sul. Tais institutos seguiram o modelo europeu, ou seja, eles eram difusos, organizados regionalmente em departamentos e estações experimentais.

No final do século XIX, o cultivo do café foi transferido do Estado do Rio de Janeiro para o Estado de São Paulo e, nesta perspectiva, em 1887, foi criado o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Albuquerque et ai (1986: p. 85) mostram que, neste período, a agricultura constituía-se no mais importante setor da economia brasileira. Os grandes proprietários de terra controlavam o Estado, as políticas governamentais e, principalmente, os incentivos aos produtos agrícolas de exportação. Afora isto, pouco de relevante aconteceu com a organização da pesquisa agropecuária brasileira, seja no período colonial ou durante a era imperial.

Na chamada República Velha (1889 - 1930), em que o Estado era controlado pela oligarquia rural, notadamente pelos interesses econômicos dos produtores de café e leite dos estados de São Paulo e Minas Gerais, foram criadas a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz em Piracicaba, no estado de São Paulo e a estação

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experimental de cana-de-açúcar de Campos, no estado do Rio de Janeiro. Outros institutos de pesquisa surgiram no Nordeste e Centro-Sul, respondendo aos interesses dos proprietários de terra e aos primeiros sinais de industrialização no Brasil.

É importante referir que - afora as escolas de agronomia, veterinária e o Instituto Agronômico de Campinas - outros centros com enfoque em ciências agrárias foram criados, como o Instituto Biológico em São Paulo, em 1927, inicialmente voltado, quase exclusivamente, para estudar uma praga de grande importância na cultura do café. Em seguida, o Instituto Biológico dedicou-se a outras pesquisas, resolvendo importantes problemas nas áreas de patologia animal e vegetal, incluindo o controle de pragas de outras culturas além das do cafeeiro. O Instituto de Zootecnia, criado também no Estado de São Paulo em 1905, desenvolveu e continua a desenvolver pesquisas em nutrição, reprodução e melhoramento animal, e manejo de pastagens.

No chamado Estado Novo (1937 - 1945), quando o Estado foi governado sob o comando supremo do Presidente da República e sob a influência do nacionalismo estalai inspirado nos regimes fascista e nazista europeu, uma nova estrutura social emergiu; ou seja, uma sociedade com características urbana e industrial foi formada. O nacionalismo estatal influenciou diversos segmentos sociais, identificados como nacionalistas, a exemplo dos chamados integralistas.

O efeito da centralização do poder governamental é visto na organização da .pesquisa agropecuária, na criação do Centro Nacional de Ensino e Pesquisa Agropecuário (CNEPA), no Rio de Janeiro, o qual centralizou a Escola Nacional de Agronomia, o Instituto de Química Agrícola, o Instituto de Ecologia Agrícola e o Instituto de Experimentação Agrícola. É neste contexto, que foi criado em 1936 o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), marco histórico da reforma burocrática brasileira e da centralização administrativa.

Em verdade, durante muito tempo, a pesquisa agropecuária no Brasil foi realizada principalmente nas escolas de agronomia, que tiveram papel fundamental na geração de tecnologia agropecuária, assim como, tiveram forte interação com a área de ciências biológicas, incluindo as pesquisas em botânica, zoologia, genética e ecologia. Entre 1940 e 1960, foram criados também Institutos Estaduais de Pesquisa, vinculados às Secretarias Estaduais de Agricultura.

No período identificado como a modernização e industrialização do Brasil, particularmente a partir do Plano de Metas Governamentais (1956 - 1960), o País operou grande mudança na organização da pesquisa agropecuária. A introdução, o desenvolvimento e a modernização da pesquisa agropecuária no Brasil estiveram sempre associados às mudanças ocorridas no resto do mundo. Ademais, no período de 1964 a 1985, governou o Brasil, uma ditadura militar cujo objetivo, dentre outros, era tornar o País uma grande e moderna potência, no cenário internacional. Corrêa (1986) observa que, no período entre os governos militares de Castelo Branco e

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Geisel, "foram criadas cerca de 70% do total das empresas estatais existentes no País". Verifica-se deste modo, que o Estado, principalmente através de suas empresas, incentivou, criou e garantiu espaços para acumulação e valorização do capital, ou seja, desenvolvendo em tamanho e profundidade o capitalismo.

A pesquisa agropecuária veio sofrendo reformas periódicas até a década de 60, no marco das prioridades centralizadoras da ditadura militar, quando o Departamento de Pesquisa e Experimentação (DPEA), foi transformado, em 1967, no 'Escritório de Pesquisa e Experimentação (EPA) que, por sua vez, foi transformado, em 1971, no Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária (DNPEA). A finalidade da reforma fixou-se em planejar, programar, coordenar, controlar e avaliar as atividades de pesquisas pedológicas, fitotécnicas, zootécnicas, de engenharia rural e tecnologia aplicada, cuidando também da transferência de tecnologias geradas pelos seus órgãos executores descentralizados, incluídos dez institutos distribuídos em todas as regiões do País.

Em 1967, aconteceu a segunda grande reforma administrativa no Brasil, caracterizada pelos conceitos de desburocratização. Nesse ano, foi editado do Decreto Lei de Número 200, que trouxe influências e transformações administrativas nas organizações públicas. No contexto de modernização do Estado, particulannente da entrada do capitalismo no campo brasileiro e sob uma ditadura militar, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975 - 1979) apresenta os referenciais para a modernização da agricultura, a exemplo de políticas de incentivo, utilização de insumos modernos e apoio de uma eficiente e moderna organização de pesquisa agropecuária. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) foi criada em 1972, como a promotora do aumento de produti vidade da terra e do trabalho.

2. EMBRAPA: origem, história e desenvolvimento

As freqüentes mudanças organizacionais realizadas na estrutura da pesquisa agropecuária justificavam-se pela vinculação direta às modificações que ocorriam na estrutura produtiva do setor agropecuário brasileiro. Com a evolução do processo de industrialização brasileira, começaram a ocorrer transformações tecnológicas no setor agropecuário, além de mudanças na estrutura do consumo brasileiro, o que provocou uma intensa interdependência entre a indústria e a agricultura e entre a agricultura e a agroindústria.

Em 1972, o Ministério da Agricultura, criou um Grupo de Trabalho ao qual se atribuiu a missão de "definir os principais objetivos e funções da pesquisa agrícola, em consonância com as necessidades do desenvolvimento nacional". A esse grupo, seguindo os princípios centralizadores do governo autoritário, foram dados "plenos poderes para consultar autoridades, visitar instituições, convocar assessores, requisitar auxiliares", 1 cabendo-lhe, especificamente, a tarefa de, no prazo de trinta dias, atender aos seguintes pontos:

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1. indicar uma estratégia para a pesquisa agropecuária (de acordo com o previsto no documento Metas e Bases para a Ação de Governo);

2. indicar as principais limitações para atingir plenamente esses objetivos; 3. sugerir providências apropriadas à expansão dessas ati vidades,

especialmente no que se refere à coordenação, programação e aos recursos humanos;

4. indicar as fontes e formas de financiamento necessárias à ampliação dessas pesquisas;

5. propor a legislação adequada para a dinamização desses trabalhos.

A criação de um Grupo de Trabalho, no âmbito do Ministério da Agricultura, expressava a descrença do Governo na capacidade executiva da estrutura de pesquisa existente no DNPEA. Na avaliação do Governo havia uma urgente necessidade de modernização do processo produtivo no campo, a fim de ajustá-lo às exigências da economia e da sociedade. Surgia aí a oportunidade para a criação da EMBRAPA, intimamente relacionada à necessidade de se criar uma nova organização de pesquisa, compatível com a modernização da agropecuária, entendida como maior racionalização e eficiência dos pr.Qcessos produtivos no campo.

Pretendia-se contar com uma organização de pesquisa que possuísse alto grau de autonomia e flexibilidade necessários para que pudesse atuar na montagem de um quadro de pessoal altamente qualificado e motivado para o trabalho de desenvolvimento da área de ciência e tecnologia agropecuária. Nesta perspectiva, a EMBRAPA foi criada em 1973 e substituiu uma rede regional de institutos do Ministério da Agricultura, para seguir a lógica dos Centros Nacionais de Pesquisa inspirados no modelo dos Centros Internacionais de Pesquisa. A estratégia foi localizar específicos Centros de Pesquisa, em representativos Estados do Brasil, cujas atividades estão baseadas principalmente em seletos produtos (soja, feijão e arroz, fruteiras de clima temperado ou tropical etc.) ou regiões (Cerrado, Amazônia, Semi-Árido etc).

Entretanto, esta estrutura não foi suficiente para que o País pudesse estar entre os detentores de altos índices de produtividade e de uma agricultura e pecuária avançadas, salvo em alguns produtos. Em ambiente de mudanças rápidas, as demandas sobre o setor de pesquisa agropecuária tornaram-se cada vez mais exigentes, como também tornou-se necessário desenvolver tecnologias adequadas às distintas demandas dos diversos níveis de sistemas de produção.

Para isso, defendia-se a existência de uma organização de pesquisa dotada de alto grau de autonomia e flexibilidade administrativa, que lhe permitisse atuar na montagem de um quadro de recursos humanos capaz de superar as precárias condições produtivas no campo; tal processo de montagem se daria mediante a contratação de profissionais de alta competência e motivação e através de forte programa de formação e treinamento desses recursos humanos. Isto significou a mesma estratégia dos Centros Internacionais de Pesquisa, os quais foram os

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geradores e difusores das cultivares agrícolas de elevada produtividade, que caracterizaram os localizados impactos da Revolução Verde.

Além disso, a empresa teria autonomia e flexibilidade em termos de captação de recursos financeiros e de alocação desses recursos nas áreas entendidas como prioritárias para o desenvolvimento da agricultura. Isto significava a lógica organizacional de uma empresa pública de direito privado. A EMBRAPA chegou a ser considerada como um modelo de modernidade, em termos de pesquisa agropecuária, até que a recessão econômica e o afastamento das demandas da sociedade, dentre outros fatores, passou a influenciar de maneira significativa os seus resultados, levando-a a profunda reflexão sobre seu papel e sua estrutura. O processo democrático exige que as organizações do Estado atendam às demandas dos vários grupos sociais, principalmente dos mais frágeis e desorganizados.

Embora criada como empresa para ocupar posição central no sistema nacional de pesquisa agropecuária, a EMBRAPA surgiu articulada a um conjunto de instrumentos de política econômica voltados para o desenvolvimento do setor agropecuário mais organizado, com capacidade de pressão e de defesa dos seus interesses particulares. Na opinião de Aguiar (1986), que examinou o sistema nacional de pesquisa agropecuária, esse processo de modernização do setor agrícola visava atender precisamente aos imperativos da internacionalização da economia brasileira. Nesse processo, foram criadas pelo Estado as condições para geração, difusão e financiamento de projetos agropecuários.

Não se pode atribuir apenas à crise econômica e ao processo recessivo vivido pela economia brasileira a responsabilidade pelas dificuldades que ora enfrenta a EMBRAPA, uma vez que o conjunto de instrumentos de política econômica que lhe garantia sustentação, foi aos poucos sendo extinto, ficando a empresa como responsável única pela coordenação de um sistema nacional de pesquisa agropecuária em grandes dificuldades, devidas à crescente falta de recursos e a carente articulação com os mais diversos segmentos sociais interessados nos resultados da pesquisa agropecuária, a exemplo da extensão rural e dos pequenos agricultores.

Em um ambiente de acirrada competitividade, percebe-se a necessidade de mudanças nas diretrizes até aqui definidas para o setor, de forma a incentivar a criação de novas fontes de financiamento e de melhoria da qualidade dos serviços prestados. Após a implantação do Plano de Estabilização Econômica (Plano Real), uma nova reforma passou a ser considerada como instrumento indispensável para a consolidação desse plano e para assegurar um crescimento sustentado da economia. O governo federal considera ser esta a única maneira de promover a necessária correção das desigualdades sociais e regionais no Brasil. Mais uma vez a Reforma do Estado de 1995, a qual objetiva a transformação da administração burocrática para a chamada moderna e eficiente administração gerencial, surge de forma exógena no contexto da globalização que permeia as relações entre os países, na nova divisão internacional do trabalho.

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Nesse contexto, foi desenvolvido o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, que define objetivos e estabelece diretrizes para a reforma da administração pública brasileira, propondo um novo modelo de desenvolvimento e de fortalecimento do Estado, que garanta a eficácia de sua ação reguladora, em um ambiente de acirrada competitividade, bem como os serviços básicos que presta e as políticas sociais que deve implementar. O objetivo é criar condições para uma reorganização da administração pública em bases modernas e racionais, implementando uma administração pública de caráter gerencial, baseada na administração das empresas privadas.

Assim, em 1995, o Governo federal encaminhou ao Congresso Nacional, então dominado por forças políticas ligadas aos proprietários de terra, a exemplo da Bancada Ruralista, a Proposta de Emenda Constitucional N. 173-A, que se constitui nos fundamentos da pretendida reforma da administração pública brasileira. Embora o conteúdo da PEC N .173-A seja de grande importância para a compreensão dos planos do Governo, é o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado, que sintetiza o pensamento oficial a respeito deste tema, e dá uma orientação gerencial para a administração pública, baseada em conceitos modernos de administração e eficiência, voltando-a para o controle dos resultados e tornando-a descentralizada. Deseja-se reorganizar as estruturas da administração, enfatizando a qualidade e a produtividade do serviço público, consolidando maior grau de profissionalização no setor, a exemplo de experiências adotadas em muitos países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

O citado plano pretende renovar os modos da administração pública nacional, voItando-a de acordo com Cardoso (1995), para "o controle de resultados e descentralizada para chegar ao cidadão", dando-lhe um caráter gerencial. Ademais, ele mostra uma análise evolutiva dos diferentes modelos de administração, que se inicia nos moldes patrimonialista e burocrático, identificados como os principais responsáveis pelo fracasso das administrações anteriores; e chega ao modelo de administração pública gerencial, apresentado como a forma ideal de administração, já que permite - ao contrário dos anteriores - definição precisa de objetivos, autonomia do administrador e controle de resultados. Na visão proposta, a crise econômica vivida pelo Brasil nos últimos dez anos é também uma crise na estrutura do Estado, que provocou não apenas a deterioração da qualidade dos serviços públicos, como também agravou a crise fiscal e o processo inflacionário.

O sistema administrativo existente, hierarquicamente rígido e voltado para o controle dos processos e não dos resultados, mostra-se lento e ineficiente frente à magnitude e à complexidade da missão do Estado diante de mudanças como as provocadas pela globalização da economia. A situação agravou-se, com reformas administrativas que desorganizaram centros decisórios importantes, afetaram a memória administrativa, ao mesmo tempo em que desmantelaram sistemas de informações, vitais para o processo decisório governamental.

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Entre as diferentes propostas de mudança da estrutura do Estado brasileiro, destaca-se o projeto de criação de Organizações Sociais, que tem por objetivo "garantir autonomia financeira e administrativa aos serviços sociais do Estado". Para que possam realizar com mais eficiência sua missão, algumas "entidades estatais deverão ser transformadas em organizações públicas não-estatais por um processo de qualificação como "organizações sociais" e do "programa de publicização".

Uma primeira etapa do processo é a seleção da entidade a ser extinta e recriada como entidade pública não estatal, realizando levantamento patrimonial, de recursos humanos e de serviços a serem assumidas pela nova entidade; em seguida, parte-se para uma análise da viabilidade do processo por parte do Conselho Nacional de Publicização, órgão de Governo criado para coordenar o trabalho de reorganização do Estado.

A fase seguinte é de constituição de uma Sociedade Civil ou Fundação Privada, que deverá prever em seus atos constitutivos os requisitos para operar como Organização Social apta a celebrar Contrato de Gestão. Trata-se de um processo complicado e demorado, uma vez que depende da edição da lei das Organizações Sociais, de autorização do Conselho Nacional de Publicização, ainda a ser criado, do Presidente da República, do Congresso Nacional. A autonomia gerencial, administrativa e financeira são vantagens que poderão vir a desaparecer em virtude da vulnerabilidade política e orçamentária de nova entidade. Nos momentos de crise política e orçamentária, bastará cancelar o contrato de gestão para que uma Organização Social seja automaticamente extinta. .

3. J O contrato de gestão

O termo contrato de gestão foi adotado no Brasil para definir o compromisso legal firmado entre o Governo e as empresas estatais, para fins de definição de responsabilidades gerenciais publicamente assumidas, em termos de ampliação da qualidade dos serviços prestados e de implementação de uma ótica administrativa baseada no usuário. A idéia de contratualizar essa relação entre o Estado e suas empresas parece ter surgido originalmente na França, a partir de 1969, onde sob as denominações de "Project d'Enterprise", "Contrato de Programa" ou "Contrato de Plano", foram aplicados em oito grandes empresas públicas.2

De maneira geral os chamados "Contratos de Plano" visavam tanto a negociação de objetivos de planejamento quanto o processo mais realista de avaliação do desempenho das empresas públicas, associados à concessão de autonomias gerenciais pelo Estado, principalmente em aspectos relacionados à área de recursos humanos e de preços e tarifas. Configura-se, em teoria, na implantação de uma forma de administração mais moderna e baseada na definição mais clara de objetivos e metas. É a imposição, na administração pública, do conceito de organização estratégica.

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Para que o Contrato de Gestão pennita à empresa e ao Governo alcançar seus objetivos comuns, é preciso que se desenvolva um estilo de gestão baseado na perspectiva do usuário ou consumidor, além de considerar a necessidade de um diagnóstico claro da situação atual, do contexto no qual opera a empresa e as suas perspectivas de ação no futuro, detenninando metas e indicadores de desempenho que pennitam uma avaliação do seu desempenho por parte do Governo.

Contrato de Gestão é instrumento que induz a uma postura mais racional da gerência da empresa, no que tange à aplicação de seus recursos, levando-a a valorizar aspectos como produtividade e qualidade, dando-lhe condições de minimizar as conseqüências da descontinuidade administrativa, inerente aos serviços prestados pelo Estado.

A prática francesa passou a ser divulgada e aplicada em países africanos subdesenvolvidos e de língua francesa como o Senegal e Marrocos, dentre outros, podendo-se também mencionar casos de aplicação do instrumento em países como a Argentina, México, Estados Unidos, Inglaterra e uma experiência na Coréia do Sul (Park, 1984). No Brasil,já se pode contar com algumas experiências importantes no âmbito do Governo federal, dos governos dos Estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo.

No caso da pesquisa agropecuária brasileira, coordenada pela EMBRAPA, houve um processo intensivo de mudança institucional e de realinhamento com visão de mundo, que a colocou frente ao objetivo de se estabelecer como organização de pesqu)sa democrática, eficiente e acessível a toda a sociedade brasileira.

O objetivo foi colocar a EMBRAPA no marco das mudanças sócio-políticas no País e da iminente reestruturação do Estado brasileiro - com reflexos evidentes sobre a área de ciência e tecnologia. A EMBRAPA procurou adotar uma política de decisões de mais longo alcance e procurou desenvolver amplo conjunto de ações com vistas à institucionalização do processo de mudança. Nesse sentido, um de seus propósitos é garantir que este processo seja administrado eficientemente e pennita que se crie uma estrutura para a comunicação e negociação com todas as áreas ligadas à empresa no âmbito do Governo federal.

Na busca da realização de sua missão como democrática organização de pesquisa, a EMBRAPA luta para fornecer resultados de pesquisa e serviços que sejam relevantes para os objetivos nacionais, sensíveis em nível local e excelentes em tennos gerais. Isto mostra que a visão do futuro, não são apenas os antigos valores de excelência científica, liberdade e integridade institucional, mas também a moral pertinente e os ideais políticos de justiça, sustentabilidade como empresa pública e responsabilidade social.

Embora não tenha internalizado fortemente os princípios de democracia, eqüidade, mudança e desenvolvimento, a EMBRAPA pretende estar preparada para atender às expectativas e necessidades na vida da sociedade, no sentido de contribuir de maneira significativa para o desenvolvimento local sustentável da agricultura e da sociedade brasileira.

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3.2 O caminho da transformação

A idéia de transformação da EMBRAPA não surgiu do acaso. Ao contrário, ele reflete o andamento do processo de transformaçõs sociais e econômicas. É importante verificar que o contexto no qual a EMBRAPA reconheceu a necessidade de uma mudança organizacional foi oriundo do seu processo de planejamento estratégico, iniciado em 1991. Esse planejamento adquiriu gradualmente uma dimensão política mais explícita e urgente, à medida em que a organização percebeu a necessidade de se constituir em um sistema aberto, interagindo com o ambiente externo e profundamente influenciada por mudanças sócio-políticas (Flores, 1991 e Flores & Souza, 1992).

O processo de mudanças iniciado pelo Governo, compeliu a empresa a encarar a legitimidade de seus problemas como empresa pública voltada para uma área definida como estratégica, mas identificada como produto de estratégia de Governo considerada obsoleta. Tornou-se claro, para a EMBRAPA, que sua credibilidade no futuro não poderia depender exclusivamente dos padrões acadêmicos de desempenho aceitos até o momento. Essa credibilidade estará sendo determinada, no futuro, pelas percepções de sua estrutura social, de sua cultura organizacional e compromissos gerais com a reconstrução social e desenvolvimento nacional e regional.

Quanto mais a empresa avança, na compreensão das complexidades do processo de mudança organizacional, mais ela compreende que não poderia fazê-lo solitariamente. Afastada, de certo modo, de apoios mais amplos dos segmentos sociais e, sem uma efetiva participação no processo decisório de Governo, ela percebeu a necessidade de envolvimento mais ativo dos grupos interessados em seu ramo de atividade, da comunidade e especialmente da cooperação e da sanção dos diversos segmento sociais que, ao longo do tempo, foram sendo excluídas da participação e influência no processo de geração Cla tecnologia agropecuária.

Isto fez com que a EMBRAPA procurasse estabelecer um relacionamento mais estreito com os órgãos de Governo que discutiam o papel do Estado e das empresas estatais, no futuro próximo. Os primeiros contatos foram feitos com o Ministério da Administração e Reforma do Estado, que apresentou um Projeto de Reforma do Aparelho do Estado Brasileiro o qual propõe a criação da figura jurídica das organizações sociais. Algumas dificuldades identificadas quanto à posição da empresa, no contexto de tal projeto, a levaram-na a procurar contato com o Ministério da Educação, que apresenta um projeto alternativo àquele da Reforma do Estado, ou seja, um projeto que se constitui numa alternativa capaz de preservar - para as Universidades Federais e Instituições de Pesquisa, um conjunto de autonomias e flexibilidades que garantam sua manutenção enquanto instituições públicas sem grandes desequilíbrios.

Apesar das dificuldades e de algumas ações equivocadas por parte do Governo, responsável pelo processo de desenvolvimento do Projeto de Reforma do

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Estado, por sinal considerado pela empresa como desafiador, o compromisso da empresa com a busca de uma forma mais eficiente de operação, contribuiu de forma decisiva e consistente para o processo de mudança. A postura da EMBRAPA, de procurar apoio interno e externo, e avançar com cautela em relação às alternativas de que dispunha, fez com que a empresa avançasse para além da própria imagem de empresa estatal voltada para a manutenção de um status quo obsoleto, buscando soluções que fossem ao encontro dos interesses governamentais, em termos de política para o setor de ciência e tecnologia.

Em certo sentido, conforme referido anteriormente, o verdadeiro ponto de partida para a transformação da EMBRAPA pode ser traçado a partir da implantação de seu sistema de planejamento, ocorrido em 1991. Embora nenhuma ação de transformação organizacional tenha sido imediatamente realizada à época, os efeitos em termos de ajustamentos internos e definições de novas ações, em relação ao sistema nacional de pesquisa e à busca de recursos extra-orçamentários, foram instrumentais no sentido de criar um crescente interesse; não apenas pela mudança, mas também pela estruturação do processo de mudança. Já naquela época, era evidente que a legitimidade dCl processo de transformação só poderia ser assegurada pelo envolvimento de selores da sociedade, antes excluídos das deliberações sobre os destinos da empresa.

Ao mesmo tempo em que tais discussões ocorriam, a mudança de comando representou também a busca de saída legal para um problema gerencial antigo: a flexibilização de um grande conjunto de nonnas limitadoras da ati vidade operacional da empresa. Ao longo dos anos, a organização foi sendo submetida a um conjunto de limitações, de natureza legal, ao exercíeio de suas atividades, e de certo modo provocou certo grau de acomodamento e de lentidão em suas ações.

Ademais, ao tempo em que a EMBRAPA buscava instrumentalizar ligações mais consistentes com a sociedade e com seu ambiente de tarefa, buscava-se um canal de comunicação mais f1uido com seu principal controlador: o Governo federal. Em um primeiro momento, os contatos foram feitos junto ao órgão de encarregado do controle das empresas estatais, o Comitê de Controle das Empresas Estatais, vinculado à Secretaria do Planejamento. Em seguida, foram mantidos contatos entre a EMBRAPA e o Ministério da Administração e Reforma do Estado e resultou na formação de um Grupo de Trabalho, no final de 1995. Visto no retrospecto, esse fórum estaria condenado desde o princípio, se fosse apenas consultivo, sem nenhum poder real de negociação. Os defeitos do Projeto de Reforma do Estado foram expostos no primeiro encontro formal entre EMBRAPA e Governo, quando fieou provado que tal projeto era incapaz de abrigar uma empresa do tipo da EMBRAPA e/ou resolver o conf1ito que emergiria de uma transformação pura e simples de sua natureza jurídica. 3

O período seguinte aos primeiros encontros com a equipe do Governo foi um tempo de grande tensão, no qual nenhuma troca fonnal entre a EMI3RAPA e o

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Governo ocorreu. O Ministério da Administração se preparava para uma disputa no Congresso Nacional, visando a aprovação de seu projeto de reformas e reforçava a necessidade de a EMBRAPA aderir, como "unidade piloto", ao projeto, sob pena de não conseguir acompanhar as mudanças que certamente estariam por vir.

A administração foi forçada a revisar suas opções e o Grupo Interno de Trabalho, voltado para a elaboração de um Contrato de Gestão com o Governo, passou a analisar as diferentes opções disponíveis para a empresa e os princípios de uma mudança negociada. Em discussões informais subseqüentes, o Ministério da Administração reiterou seu compromisso com um processo de transformação negociada, rejeitando explicitamente uma agenda brusca. A administração da empresa, ao mesmo tempo, deu início a uma série de contatos com outras áreas do governo, buscando informar-se sobre a real situação das mudanças e evitando tomar decisões unilaterais e, além disso, buscando apoios no sentido de criar estrutura apropriada para a participação da sociedade.

Nestas circunstâncias, a proposta do Governo para a EMBRAPA, estabelecia a necessidade de acordo sobre alguns princípios:

l. transformação negociada da EMBRAPA; 2. reestruturação da empresa e 3. definição de uma nova forma jurídica, consentânea com os projetos de

reforma do Governo. Em seguida a um encontro entre representantes da empresa e do Governo

federal, surgiu a necessidade de que esses Grupos de Trabalho definissem um caráter prático às suas decisões. O tema de interesse imediato era a naturezajurídica da empresa e sua transformação em organização social, para ajustar-se às demandas do governo.

3.3 Os primeiros efeitos da transformação

O processo de transformação da EMBRAPA tende a ser formalizado com a provável criação de uma fundação de natureza privada qualificada pelo Governo como Organização Social. O processo não está ocorrendo sem traumas ocasionais e tensão entre todos os envolvidos, embora pareça haver acordo a respeito do fato de que a transformação da EMBRAPA está sendo encaminhada de modo a garantir que a mudança tenha qualidade e preserve os resultados a serem atingidos. De fato, um dos aspectos mais satisfatórios do processo tem sido a habilidade das estruturas de negociação para administrar conOitos e contornar situações potencialmente explosivas.

Sem considerar a estratégia das negociações que pavimentaram o caminho para as mudanças na EMBRAPA, considera-se pertinente mencionar a mudança nos estatutos da empresa, que permitiu a criação de um Conselho Deliberativo, o que teoricamente poderia possibilitar maior grau de participação da sociedade nos destinos da empresa, diminuindo o grau de ingerência política. Em verdade, o referido

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Conselho não abrigou os amplos interesses dos clientes e usuários da pesquisa agropecuária brasileira.

A transformação na EMBRAPA, como questão política, não está confinada às mudanças que são formalmente negociadas. O importante é considerar os seguintes pontos: Como deve ocorrer a transformação da EMBRAPA? Que iniciativas políticas precisam ser tomadas para dar forma e credibilidade à idéia de uma nova EMBRAPA? E no que implica exatamente a idéia de transformação negociada? Por que a EMBRAPA optou por negociar os meios de uma mudança organizacional efetiva?

Em termos amplos, a transformação exigiria iniciativas políticas com respeito a aspectos como:

I. missão da empresa e seu papel na sociedade; 2. relações de poder e autoridade existentes dentro da empresa e entre a

empresa e outros segmentos sociais e 3. cultura organizacional da empresa, estrutura social e sistema de valores. A EMBRAPA necessita, consciente e continuamente, revisar seu papel na

sociedade, assegurando que .sua missão e seus objetivos estratégicos acomodem e reflitam sua natureza específica, sua complexa estrutura e suas diversas necessidades, tanto quanto seus objetivos e prioridades, em termos da comunidade local, da região e do País ao qual serve.

Para a EMI3RAPA, no entanto, aceitar sua responsabilidade social significa substancialmente mais do que se comprometer com os chamados "serviços sociais". Mais do que isso, espera-se que a empresa se posicione no contexto histórico, demográfico, político, sócio-econômico e cultural no qual ela efetivamente opera. A idéia de contextualizar a empresa implica em mudança deliberada de parte da organização, no sentido de realinhar suas funções de pesquisa e seus programas de mais longa duração, de modo a que os recursos organizacionais e as necessidades da sociedade estejam a ela ajustados.

A EMBRAPA, do mesmo modo que as empresas estatais brasileiras que operam em setores de tecnologia de ponta - contextos nos quais as mudanças tecnológicas ocorrcm com extrema rapidez - constatou que, ao longo dos últimos anos, seu desempenho vem sendo prejudicado pela abundância de controles burocráticos que privilegiam o processo e a formalidade ao invés de resultados mensuráveis. Com isso, a empresa vem perdendo autonomia e flexibilidade, encaminhando-se para uma situação de estagnação.

Tal situação a obriga a procurar novos caminhos para que sua gestão garanta o alcance de resultados expressivos, pactuados com o Governo e a sociedade, através de adequada gestão da missão e dos objetivos institucionais, baseada na auto-responsabilidade e na autonomia para a gestão de seus recursos.

A empresa não possui característica típica de produção de bens, tal como as empresas industriais, visto ser organização voltada para a produção de

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conhecimentos, tecnologia e serviços no campo agropecuário e agro-industrial. Sua natureza específica exige, para fins de controle, o desenvolvimento de modelo de administração que, mesmo que não privilegie os aspectos econômico-financeiros, possa garantir o alcance de resultados em pesquisa e desenvolvimento que tcnham repercussão significativa sobre os diversos interessados na pesquisa agropecuária, mormente os pequenos agricultores.

A empresa pretende recuperar a autonomia administrativa, reforçando os controles a posteriori pela avaliação, por parte do Governo, dos objetivos, ações e resultados por ela alcançados. Em resumo, seu objetivo é assegurar maior eficiência operacional e autonomia na gerência técnica, administrativa e financeira. O importante é observar que, embora seja a EMBRAPA uma empresa pública, ela não possui as típicas características de uma organização lucrativa. Ao contrário, ela depende, em aproximadamente 85%, de recursos públicos federais, o que não a caracteriza como típica organização estatal no conjunto da reforma do Estado.

Considerações finais

Neste trabalho, reconhece-se a existência de outros elementos que podem caracterizar adequadamente a empresa pública e oferecer uma explicação de sua existência; porém o interesse se localiza especificamente nos elementos de natureza administrativa nos quais se fundamentou a criação e manutenção de diversas organizações de pesquisa agropecuária no Brasil. O importante é verificar que a organização da pesquisa agropecuária modificou-se na direção 'das reformas promovidas pelo Estado. Outrossim, estas reformas foram motivadas por inf1uências exógenas às demandas dos segmentos sociais locais.

A intervenção estatal pela via da apropriação pública ocorreu como forma de estimular o desenvolvimento de setores da economia considerados estratégicos -trabalho impossível de ser realizado pelo setor privndo, por dificuldades de natureza financeira ou tecnológica ou, simplesmente, porque as empresas privadas não se sentiam atraídas a neles operar. O fato de tais empresas não serem reguladas pela lei do lucro demonstra que elas não podem ser consideradas como elementos de racionalização do sistema, pois são fundadas sobre a possibilidade de o Estado agir sem levar em consideração a acumulação privada de capital.

É necessário atentar para o fato de a EMBRAPA, enquanto organização estatal responsável pela coordenação do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), transformar-se em Organização Social, o que pode atrair os interesses do setor privado em algumas áreas estratégicas para a acumulação de capital. Pode ser assumido que, a médio e longo prazo, conseqüências até então imperceptíveis pela sociedade serão claramente visualizadas. A geração de tecnologia agropecuária em assuntos de caráter social, estratégico e ético, a exemplo das questões ambientais, das àreas preferenciais para a promoção do desenvolvimento local sustentável (a exemplo da agricultura familiar e da reforma agrária), as demandas dos sistemas de

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produção baseados nos princípios da subsistência estão, em sentido amplo, fora dos interesses imediatos do lucro privado, o que exige a presença e o suporte do Estado.

Por tudo isso, verifica-se que a inserção das empresas públicas no funcionamento da economia brasileira é baseada sobre luta política, o que eqüivale a dizer que o conceito de empresa pública não se enquadra na análise econômica, no sentido estrito. No entanto, como foi constituído no arbítrio das circunstâncias históricas, o setor das empresas públicas brasileiras conserva um caráter contingente.

Notas

I Portaria Ministerial n. 143, de 18-4·1972.

2 Brasil, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Subsídios para a Reforma do Estado, vol.4, 1993, 82 p.

3 O Projeto de Reforma do Aparelho do Estado, publicado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado, considera fundamental a mudança da natureza jurírica das empresas, órgãos e demais instituições de governo para ajustar-se à figura de organização social.

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Resumo

Este artigo trata das principais reformas administrativas no Brasil e as suas implicações na organização da pesquisa agropecuária brasileira. Ele mostra que, ao longo da história, as reformas foram geradas de forma exógena aos interesses endógenos da sociedade. Ademais, as reformas foram oriundas de crises e fatos socialmente relevantes, as quais definiram um novo desenho organizacional da pesquisa agropecuária brasileira. São abordadas as transformações organizacionais da Empresa de Pesquisa Agropecuária Brasileira (EMBRAPA) no contexto da Reforma do Estado.

Palavras-chave: Reforma Administrativa, Reforma do Estado e P.esquisa Agropecuária

Abstract

This article refers to the main Brazilian administrative reforms and their implications on the Brazilian agricultural research organisation. It shows that along Brazilian history reforms have been generated according to exogenous social interests. Moreover, such reforms carne from crises and relevant social facts which have defined a new setting to the Brazilian agricultural research organisation. It also deals with the changes affecting the Brazilian Agricultural Research Organisation (EMBRAPA) in the context of State reformo

Key words: Administrative reform, Ssate reform and Agricultural research

Resumen

EI artículo referese a las principales reformas administrativas en Brasil y sus implicancias para la organización de la investigación agrícola en el país. En él se

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rnuestra que en la historia brasilefía las reformas han sido generadas bajo padrones e intereses sociales exógenos. Adernas, dichas reformas advinieron de crises y hechos sociales relevantes que llevaron a un nuevo disefío de la organización de la investigación agrícola en el país. Tarnbién trata de las transformaciones de la Organización Brasilefía de Investigación Agrícola (EMBRAPA).

Palabras-clave: reforma administrativa, reforma deI Estado, investigación agrícola.

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