Manifesto Aceleracionista

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Manifesto Aceleracionista 09/06/2013 Por Alex Williams e Nick S. A UniNômade Brasil publica a tradução do manifesto aceleracionista, lançado em 13 de maio de 2013, por Alex Williams e Nick Srnicek, da London School of Economics. A peça gerou muitas críticas e controvérsias nas últimas semanas, graças a seu teor deliberadamente polemista. Contrapondo-se à redução da política radical a propostas de horizontalidade, consenso, ação local e democracia direta, os autores propõem radicalizar as tendências de libertação que o capitalismo precisa a todo momento conter e controlar. Uma alternativa por dentro das franjas de desenvolvimento e expansão do capitalismo, que acelere as velocidades da produção, circulação e consumo até o ponto de ruptura. Assim, uma esquerda aceleracionista não pode prescindir das últimas tecnologias, dos mais sofisticados métodos econométricos e da intervenção sobre o meio, — tudo isso que o capitalismo coloniza a serviço dos fins da acumulação e exploração do trabalho (i.e., o neoliberalismo). É uma proposta diametralmente oposta às vertentes, algumas que hoje se apresentam à esquerda, que atribuem um sentido imediatamente negativo ao desenvolvimento, crescimento e/ou produtividade mundial, pautando-se pelo discurso dos limites, do decrescimento ou, em simetria ao discurso neoliberal, austeridade. (N.E.) —————————————- #ACELERAR MANIFESTO: por uma política aceleracionista Por Alex Williams e Nick Srnicek | Trad. Bruno Stehling O aceleracionismo impulsiona rumo um futuro que é mais moderno, uma modernidade alternativa que o neoliberalismo é incapaz de gerar intrinsecamente. I. INTRODUÇÃO: sobre a conjuntura Caravana Nômade Oásis de Eventos Rizoma Lugar Comum Newsletter Copyleft: Este site está sobre os termos da Licença da Arte Livre 1.3, com exceção dos conteúdos indicados com licença própria. S S S S Manifesto Aceleracionista | http://uninomade.net/tenda/manifesto-aceleracionista/ 1 de 12 17/11/2013 19:16

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Manifesto Aceleracionista

09/06/2013Por Alex Williams e Nick S.

A UniNômade Brasil publica a tradução do manifesto aceleracionista, lançadoem 13 de maio de 2013, por Alex Williams e Nick Srnicek, da London School ofEconomics. A peça gerou muitas críticas e controvérsias nas últimas semanas,graças a seu teor deliberadamente polemista. Contrapondo-se à redução dapolítica radical a propostas de horizontalidade, consenso, ação local edemocracia direta, os autores propõem radicalizar as tendências de libertaçãoque o capitalismo precisa a todo momento conter e controlar. Uma alternativapor dentro das franjas de desenvolvimento e expansão do capitalismo, queacelere as velocidades da produção, circulação e consumo até o ponto deruptura. Assim, uma esquerda aceleracionista não pode prescindir das últimastecnologias, dos mais sofisticados métodos econométricos e da intervençãosobre o meio, — tudo isso que o capitalismo coloniza a serviço dos fins daacumulação e exploração do trabalho (i.e., o neoliberalismo). É uma propostadiametralmente oposta às vertentes, algumas que hoje se apresentam àesquerda, que atribuem um sentido imediatamente negativo aodesenvolvimento, crescimento e/ou produtividade mundial, pautando-se pelodiscurso dos limites, do decrescimento ou, em simetria ao discurso neoliberal,austeridade. (N.E.)

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#ACELERAR MANIFESTO: por uma políticaaceleracionista

Por Alex Williams e Nick Srnicek | Trad. BrunoStehling

O aceleracionismo impulsiona rumo um futuro que émais moderno, uma modernidade alternativa que oneoliberalismo é incapaz de gerar intrinsecamente.

I. INTRODUÇÃO: sobre a conjuntura

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climático do planeta. Com o tempo, se ameaça acontinuação da existência da população humana emtodo o globo. Ainda que essa seja a mais crítica dasameaças que a humanidade enfrenta, coexiste e seentrecruza uma série de problemas menores, maspotencialmente tão desestabilizadores. Oesgotamento terminal de recursos, especialmentedas reservas de água e energia, oferece umaperspectiva de fome em massa, colapso dosparadigmas econômicos e novas guerras frias equentes. A incessante crise financeira levougovernos a abraçar espirais mortíferas de políticasde austeridade, privatização de serviços do estadode bem-estar social, desemprego em massa eestagnação salarial. A automação crescente nosprocessos produtivos, inclusive no trabalhointelectual, evidencia a crise secular do capitalismo,em vias de se tornar incapaz de manter os atuaispadrões de vida mesmo para as antigas classesmédias do norte global.

3. Em contraste com essas catástrofes em contínuaaceleração, a política atual está assolada pelainabilidade de gerar novas ideias e modos deorganização, necessários para transformar as nossassociedades, de modo a enfrentar e solucionar asaniquilações futuras. Enquanto a crise ganha força evelocidade, a política abranda e recua. Nessaparalisia do imaginário político, o futuro foicancelado.

4. Desde 1979, a ideologia política globalmentehegemônica é o neoliberalismo, encontrado comalgumas variantes entre os principais podereseconômicos. Apesar dos desafios profundamenteestruturais que os novos problemas globais lheapresentam, mais imediatamente as crisesfinanceiras, fiscais e de crédito, em curso desde2007-8, os programas neoliberais só evoluíram nosentido de aprofundá-los. A continuação do projetoneoliberal, ou neoliberalismo 2.0, começou a aplicaroutra rodada de ajustes estruturais, em especial,encorajando novas e agressivas incursões do setorprivado sobre o que resta das instituições e serviçossocialdemocratas. Isso tudo apesar dos efeitoseconômicos e sociais imediatamente negativos, e das

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tornaram a maioria dos partidos políticos deesquerda desprovida de pensamento radical,esvaziada e sem um mandato popular. Na melhordas hipóteses, eles responderam a nossa presentecrise com chamados a um retorno à economiakeynesiana, apesar da evidência de que as condiçõesque possibilitaram a socialdemocracia do pós-guerranão existem mais. Não podemos absolutamenteretornar por decreto ao trabalho industrial-fordistade massa. Mesmo os regimes neossocialistas daRevolução Bolivariana da América do Sul, ainda queanimadores em sua habilidade de resistir aosdogmas do capitalismo contemporâneo, se mantêmlamentavelmente incapazes de apresentar umaalternativa para além do socialismo de meados doséculo 20. O trabalho organizado, sistematicamenteenfraquecido pelas mudanças introduzidas no projetoneoliberal, está esclerosado em um nível institucionale – quando muito – é capaz apenas de mitigarligeiramente os novos ajustes estruturais. Mas semuma abordagem sistemática para construir umanova economia, ou uma solidariedade estrutural parapromover mudanças, por hora o trabalho permanecerelativamente impotente. Os novos movimentossociais que emergiram a partir do fim da guerra fria,experimentando um ressurgimento nos anos após2008, foram igualmente incapazes de conceber umanova visão ideológico-política. Ao invés disso, elesconsomem uma considerável energia em processosdireto-democráticos internos e numa autovalorizaçãoafetiva dissociada da eficácia estratégica, efrequentemente propõem alguma variante de umlocalismo neoprimitivista, como se, para fazeroposição à violência abstrata do capital globalizado,fosse suficiente a frágil e efêmera “autenticidade” doimediatismo comunal.

6. Na ausência de uma visão social, política,organizacional e econômica radicalmente nova, ospoderes hegemônicos da direita continuarão capazesde impor o seu imaginário obtuso, a despeito detoda e qualquer evidência. Quando muito, aesquerda será capaz momentaneamente de resistirparcialmente a algumas das piores incursões. Masisso será irrisório contra uma maré inexorável emúltima instância. Gerar uma nova hegemonia global

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individuais, mobilizando desenvolvimentostecnológicos crescentes, na tentativa de alcançarvantagem competitiva, tudo acompanhado por umacrescente mobilidade social. Em sua formaneoliberal, essa autoapresentação ideológica é umadas forças de liberação das forças de destruiçãocriativa, liberando inovações tecnológicas e sociaisem contínua aceleração.

2. O filósofo Nick Land captou isso de forma maiscerteira, com uma crença míope, porém hipnótica,de que a velocidade capitalista por si só poderiagerar uma transição global em direção a umasingularidade tecnológica sem paralelos. Nessa visãodo capital, o humano pode eventualmente serdescartado como mero obstáculo a uma abstratainteligência planetária, que se constrói rapidamentea partir da bricolagem de fragmentos das civilizaçõespassadas. Contudo, o neoliberalismo de Landconfunde velocidade com aceleração. Podemos estarnos movendo rapidamente somente dentro de umenquadramento estritamente definido de parâmetroscapitalistas que jamais oscilam. Experimentamosapenas a crescente velocidade de um horizonte local,uma simples arremetida descerebrada; ao invés deuma aceleração que também seja navegável, umprocesso experimental de descoberta dentro de umespaço universal de possibilidades. É este últimomodo de aceleração que tomamos por essencial.

3. Ainda pior, como Deleuze e Guattari reconheciam,desde o começo, o que a velocidade capitalistadesterritorializa com uma mão, ela reterritorializacom a outra. O progresso se torna restrito a umenquadramento de mais-valor, exército proletário dereserva, e capital de livre flutuação. A modernidadeé reduzida a medidas estatísticas de crescimentoeconômico, e a inovação social fica incrustrada comas sobras kitsch de nosso passado comunal. Adesregulação de Tatcher-Reagan senta-seconfortavelmente ao lado da família vitoriana “back-to-basics” e valores religiosos.

4. Uma tensão mais profunda dentro doneoliberalismo ocorre em termos da sua autoimagemcomo o veículo de modernidade, como sinônimo paramodernização, enquanto promove um futuro cuja

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encolhe com o passar dos anos – e de maneiracrescente na medida em que a automaçãoalgorítmica adentra as esferas de trabalho afetivo eintelectual. O neoliberalismo, ainda que sepostulando como um desenvolvimento históriconecessário, foi de fato um meio meramentecontingente para afastar a crise do valor queemergiu nos anos 1970. Era inevitavelmente umasublimação da crise, ao invés de sua superação final.

5. É Marx, junto com Land, que continua a ser opensador aceleracionista paradigmático. Ao contrárioda crítica bastante familiar, e mesmo aocomportamento de alguns marxianoscontemporâneos, devemos lembrar que o próprioMarx usou as mais avançadas ferramentas teóricas edados empíricos disponíveis, na tentativa deentender e transformar completamente seu mundo.Ele não foi um pensador que resistiu à modernidade,mas antes um que procurou analisar e intervirdentro dela, compreendendo que apesar de toda suaexploração e corrupção, o capitalismo permaneciacomo o mais avançado sistema econômico em suaépoca. Suas conquistas não deveriam ser revertidas,mas aceleradas para além das restrições da formavalor capitalista.

6. De fato, como Lênin escreveu no texto de 1918,intitulado “Esquerdismo: doença infantil docomunismo”:

O socialismo é inconcebível sem a engenhariacapitalista de larga escala baseada nas últimasdescobertas da ciência moderna. É inconcebível sema organização estatal planificada que mantémdezenas de milhões de pessoas na observância maisestrita de um padrão unificado de produção edistribuição. Nós, marxistas, sempre falamos disso, enão vale a pena perder dois segundos que sejafalando com pessoas que não entendem nem mesmoisso (anarquistas e uma boa parte dosrevolucionários da esquerda socialista).

7. Como Marx sabia, o capitalismo não pode seridentificado como o agente da verdadeira aceleração.Da mesma forma, a avaliação de políticas deesquerda como antitéticas à aceleração tecnossocialtambém é, pelo menos em parte, uma deturpação

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que deve passar a ser chamado livremente de umapolítica aceleracionista com uma modernidade deabstração, complexidade, globalidade e tecnologia.Os primeiros se mantêm satisfeitos em estabelecerespaços pequenos e temporários de relações sociaisnão-capitalistas, esquivando-se dos problemas reaisenvolvidos no enfrentamento de adversáriosintrinsecamente não-locais, abstratos eprofundamente enraizados em nossa infraestruturadiária. O fracasso de tais políticas está embutidodesde o começo. Em contraste, uma políticaaceleracionista procura preservar as conquistas docapitalismo tardio enquanto vai além do que seusistema de valor, estruturas de governança, epatologias de massa permitem.

2. Todos queremos trabalhar menos. É uma questãointrigante por que o principal economista do mundoda era pós-guerra acreditava que um capitalismoiluminado inevitavelmente progrediria em direção auma redução radical da jornada de trabalho. Em“Perspectivas Econômicas para Nossos Netos”(escrito em 1930), Keynes previu um futurocapitalista onde indivíduos teriam seu trabalhoreduzido a três horas por dia. O que ocorreu,entretanto, foi a progressiva eliminação da distinçãoentre trabalho e vida, com o trabalho acabando porpermear cada aspecto da fábrica social emergente.

3. O capitalismo começou a restringir as forçasprodutivas da tecnologia, ou ao menos, direcioná-lasa fins desnecessariamente estreitos. Guerras depatentes e monopolização de ideias são fenômenoscontemporâneos que apontam tanto para anecessidade do capital de mover-se além dacompetição, quando para sua abordagemcrescentemente retrógrada da tecnologia. Asconquistas apropriadamente aceleracionistas doneoliberalismo não levaram a menos trabalho oumenos estresse. E ao invés de um mundo de viagensespaciais, choque futurista e potencial tecnológicorevolucionário, existimos em um tempo onde a únicacoisa que se desenvolve é uma parafernáliamarginalmente melhor para consumidores.Incontáveis iterações dos mesmos produtos básicossustentam a demanda marginal de consumidores às

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sistema se sustentava sobre uma hierarquiainternacional de colônias, impérios e uma periferiasubdesenvolvida, sobre uma hierarquia nacional deracismo e sexismo, e sobre uma rígida hierarquiafamiliar de subjugação feminina. Apesar de toda anostalgia que muitos podem sentir, esse regime étão indesejável quanto impossível de retornar naprática.

5. Aceleracionistas querem libertar as forçasprodutivas latentes. Nesse projeto, a plataformamaterial do neoliberalismo não precisa ser destruída.Precisa ser reaproveitada para fins comuns. Ainfraestrutura existente não é um estágio capitalistaa ser esmagado, mas um trampolim para lançar opós-capitalismo.

6. Dada a escravidão da tecnociência aos objetivoscapitalistas (especialmente desde o fim dos anos1970) certamente ainda não sabemos o que umcorpo tecnossocial moderno pode fazer. Quem entrenós reconhece completamente quais potenciaisinexplorados aguardam na tecnologia que já foidesenvolvida? A nossa aposta é que os potenciaisverdadeiramente transformadores de grande partede nossa pesquisa tecnológica e científicapermanecem inexplorados, repletos decaracterísticas (ou pré-adaptações) atualmenteredundantes que, após uma mudança além do míope“socius” capitalista, pode se tornar decisiva.

7. Queremos acelerar o processo de evoluçãotecnológica. Mas o que estamos defendendo não étecnutopismo. Nunca acredite que a tecnologia serásuficiente para nos salvar. Necessária, sim, masnunca suficiente sem ação sociopolítica. A tecnologiae o social estão intimamente ligados um ao outro, emudanças em qualquer um deles potencializam ereforçam mudanças no outro. Enquanto ostecnutópicos defendem que a aceleração, por si só,seja capaz de automaticamente superar o conflitosocial (numa nova era utópica, quando ele não maistivesse sentido); a nossa posição consiste em que atecnologia deva ser acelerada exatamente porquenecessária para tensionar e vencer esses conflitos.

8. Acreditamos que qualquer pós-capitalismo exigiráplanejamento pós-capitalista. A fé depositada na

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9. Para fazê-lo, a esquerda deve aproveitar cadaavanço tecnológico e científico possibilitado pelasociedade capitalista. Declaramos que aquantificação não é um mal a ser eliminado, masuma ferramenta a ser usada da maneira mais eficazpossível. A modelagem econômica é – colocando deforma simples – uma necessidade para tornarinteligível um mundo complexo. A crise financeira de2008 revelou os riscos de se aceitar cegamentemodelos matemáticos, ainda que isso seja umproblema de autoridade ilegítima e não dematemática propriamente. As ferramentas a serencontradas na análise de redes sociais, emmodelagem baseada em agentes [agente-basedmodelling], em análise de big data e de modeloseconômicos de não-equilíbrio são mediadorescognitivos necessários para entender sistemascomplexos como a economia moderna. A esquerdaaceleracionista deve se alfabetizar em cada umadessas áreas técnicas.

11. Qualquer transformação da sociedade deveenvolver experimentação econômica e social. Oprojeto de gestão participativa da economiaCybersyn, do governo chileno de Salvador Allende(1971-73), é emblemático dessa atitudeexperimental – fazendo a fusão de tecnologiascibernéticas com modelagem econômica sofisticada euma plataforma democrática instanciada na própriainfraestrutura tecnológica. Experimentos similaresforam conduzidos na economia soviética dos anos1950 e 1960, empregando cibernética eprogramação linear, numa tentativa de superar osnovos problemas enfrentados pela primeiraeconomia comunista. Que ambos tenham fracassadopode-se atribuir, em última análise, às restriçõespolíticas e tecnológicas sob as quais operavam essespioneiros cibernéticos.

11. A esquerda deve desenvolver a hegemoniasociotécnica: tanto na esfera das ideias, quanto naesfera das plataformas materiais. Plataformas são ainfraestrutura da sociedade global. Elas estabelecemos parâmetros básicos do que é possível, tanto emtermos de comportamento quanto em termosideológicos. Neste sentido, elas incorporam o

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12. Não acreditamos que ação direta seja suficientepara alcançar nada disso. As táticas habituais demarchar, erguer cartazes, e estabelecer zonasautônomas temporárias correm o risco de setornarem substitutos confortáveis ao êxito efetivo.“Ao menos fizemos alguma coisa” é o grito de guerradaqueles que privilegiam a autoestima ao invés daação efetiva. O único critério de uma boa tática é seela permite êxito significativo ou não. Devemosacabar com a fetichização de modos particulares deação. A política deve ser tratada como um conjuntode sistemas dinâmicos, dilacerados por conflito,adaptações e contra-adaptações e corridasarmamentistas estratégicas. Isso significa que cadatipo individual de ação política se torna embotado eineficaz com o tempo, à medida em que o outro ladose adapta. Nenhum modo de ação política éhistoricamente inviolável. De fato, com o tempo, háuma crescente necessidade de se descartar táticasfamiliares, em função das forças e entidades contrao que se pretenda aprender a lutar de forma eficaz.Em parte, é a inabilidade da esquerdacontemporânea em fazer isso que está próximo aocerne do mal-estar contemporâneo.

13. O avassalador privilegiamento da democracia-enquanto-processo precisa ser deixado para trás. Afetichização da abertura, horizontalidade, e inclusãode boa parte da atual esquerda “radical” faz a camada ineficácia. Sigilo, verticalidade e exclusão têmtodos o seu lugar também na ação política efetiva(embora, obviamente, não um lugar exclusivo).

14. A democracia não pode ser definidasimplesmente por seus meios – seja via votação,discussão ou assembleias gerais. A democracia realdeve ser definida por seu objetivo –autodeterminação coletiva. Este é um projeto quedeve alinhar a política com o legado do iluminismo,na medida em que é apenas através da mobilizaçãode nossa habilidade de entender melhor a nósmesmos e a nosso mundo (social, técnico,econômico, psicológico) que podemos governar a nósmesmos. Precisamos postular uma legítimaautoridade vertical, controlada coletivamente, alémdas formas de socialidade distribuídas

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pluralismo de forças, ressoando e retroalimentandosuas forças comparativas. Sectarismo é a sentençade morte da esquerda tanto quanto é acentralização, e nesse sentido, continuamos aacolher experimentações com diferentes táticas,(mesmo aquelas das quais discordamos).

16. Temos três objetivos concretos de médio prazo.Primeiro, precisamos construir uma infraestruturaintelectual. Imitando a Sociedade Mont Pelerin,defensora das benesses da “revolução” doneoliberalismo, a essa infraestrutura deve serdemandada a tarefa de criar uma nova ideologia, umnovo modelo econômico e social, e uma visão dobem a substituir e superar os magros ideais queregem nosso mundo hoje. Essa é uma infraestruturano sentido de requerer a construção não apenas deideias, mas de instituições e caminhos materiais paraincuti-las, encarná-las e espalhá-las.

17. Precisamos construir uma reforma da mídia emlarga escala. Apesar da aparente democratizaçãooferecida pela internet e pelas mídias sociais, osmeios de comunicação tradicionais continuamcruciais na seleção e enquadramento de narrativas,além de possuir os recursos para processar ojornalismo investigativo. Trazer esses corpos tãopróximo quanto possível do controle popular écrucial para desfazer a atual apresentação do estadode coisas.

18. Finalmente, precisamos reconstituir váriasformas de poder de classe. Tal reconstituição deve iralém da noção de que um proletariado global geradoorganicamente já exista. Ao invés disso, deve-seprocurar tecer junto um conjunto heterogêneo deidentidades proletárias parciais, muitas vezesincorporadas em formas pós-fordistas de trabalhoprecário.

19. Grupos e indivíduos já estão trabalhando emcada um desses objetivos, mas, por si só, cada umdeles é insuficiente. É necessário que todos os trêsretroalimentem uns aos outros, cada ummodificando a articulação contemporânea de talforma que os demais se tornem mais e maiseficazes. Uma retroalimentação circular de

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aceleracionista deva pensar mais seriamente sobreos fluxos de recursos e dinheiro necessários paraconstruir uma nova infraestrutura política eficaz.Para além do ‘poder popular’ de corpos na rua,precisamos de financiamento, seja de governos,instituições, think tanks, sindicatos ou patronosindividuais. Consideramos a demarcação e conduçãode tais fluxos de financiamentos essenciais paracomeçar a reconstruir uma ecologia de efetivasorganizações de esquerda aceleracionista.

21. Declaramos que somente uma políticaprometeica de domínio máximo sobre a sociedade eseu ambiente é capaz de lidar com problemasglobais ou obter vitória sobre o capital. Esse domíniodeve ser distinto daquele amado por pensadores doIluminismo original. O universo mecânico de Laplace,tão facilmente controlado ao receber informaçãosuficiente, há muito desapareceu da agenda dacompreensão científica séria. Mas não é para nosalinhar com o cansado resíduo da pós-modernidade,condenando domínio como protofascista ouautoridade como intrinsecamente ilegítima. Ao invésdisso, propomos que os problemas que afligemnosso planeta e nossa espécie nos obrigam arenovar o domínio em uma nova e complexaroupagem; ainda que não possamos prever oresultado de nossas ações, podemos determinarprobabilisticamente escalas médias de resultados. Oque deve ser acoplado a tal análise complexa desistemas é uma nova forma de ação: improvisadorae capaz de executar um desenho através de umaprática que trabalhe com a contingência que eladescobre apenas no curso de sua ação, em umapolítica de arte geo-social e astuta racionalidade.Uma forma de experimentação abdutiva que procuraos melhores meios para agir em um mundocomplexo.

22. Precisamos reviver o argumento que foitradicionalmente feito para o pós-capitalismo: nãoapenas é o capitalismo um sistema injusto epervertido, mas também um sistema que impede oprogresso. Nosso desenvolvimento tecnológico estásendo suprimido pelo capitalismo, na mesma medidaem que foi desencadeado por ele. O aceleracionismo

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neoliberal, sonhando na missão do Homo sapiens emdireção a uma expansão além dos limites da Terra enossas formas corpóreas imediatas. Essas visões sãoencaradas hoje como relíquias de um momento maisinocente. Ainda assim, elas tanto diagnosticam aimpressionante falta de imaginação em nosso própriotempo, quanto oferecem a promessa de um futuroque é afetivamente revigorante, bem comointelectualmente energizante. Afinal de contas,apenas uma sociedade pós-capitalista, possibilitadapor uma política aceleracionista, é que será capaz deexecutar a nota promissória dos programas espaciaisde meados do século 20, para ir além de um mundode atualizações técnicas mínimas, em direção a umamudança abrangente. Rumo a um tempo deautodomínio coletivo, e ao futuro propriamentealienígena que isso envolve e possibilita. Rumo auma conclusão do projeto iluminista da autocrítica eautodomínio, ao invés de sua eliminação.

23. A escolha que enfrentamos é séria: umpós-capitalismo globalizado ou uma lentafragmentação rumo ao primitivismo, à crise perpétuae ao colapso ecológico planetário.

24. O futuro precisa ser construído. Ele foi demolidopelo capitalismo neoliberal e reduzido a umapromessa barata de grande iniquidade, conflito ecaos. Esse colapso na ideia de futuro é sintomáticodo status histórico retrógrado de nossa época, maisdo que, como os cínicos do espectro político nosquerem fazer crer, um sinal de maturidade cética. Oque o aceleracionismo estimula é um futuro que émais moderno – uma modernidade alternativa que oneoliberalismo é inerentemente incapaz de gerar. Ofuturo deve ser aberto mais uma vez, ampliandonossos horizontes para as possibilidades universaisdo Lado de Fora.—————–

Tradutor: Bruno Stehling (UFRJ) participa da rede Universidade Nômade

Imagem: Ivan Kudriashev, Construção do movimento linear (URSS, 1925)

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