MANEJO DE PASTAGEM COM O USO DO FOGO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO DE … · Tumolo Neto, Roque João...
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1.1.1.1.1.1
Braslia D.F., Abril/2014
Roque Joo Tumolo Neto
Dissertao de Mestrado
MANEJO DE PASTAGEM COM O USO DO FOGO EM UNIDADE
DE CONSERVAO DE USO SUSTENTVEL NO CERRADO:
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE A RDS VEREDAS DO ACARI
(MG) E A APA NASCENTES DO RIO VERMELHO (GO)
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Manejo de pastagem com o uso do fogo em unidade de conservao de uso sustentvel no Cerrado:
estudo comparativo entre a RDS Veredas do Acari (MG) e a APA Nascentes do Rio Vermelho (GO)
Roque Joo Tumolo Neto
Orientador: Thomas Ludewigs
Dissertao de Mestrado
Braslia-DF, Abril/2014
Tumolo Neto, Roque Joo
Manejo de pastagem com o uso do fogo em unidade de conservao
de uso sustentvel no Cerrado: estudo comparativo entre a RDS Veredas do
Acari (MG) e a APA Nascentes do Rio Vermelho (GO)./ Roque Joo Tumolo
Neto; orientao de Thomas Ludewigs. Braslia, 2014
232 p.: il.
Dissertao de Mestrado Universidade de Braslia / Centro de
Desenvolvimento Sustentvel, 2014.
1. fogo; 2. pastagem; 3. cerrado; 4. unidade de conservao de uso
sustentvel
concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta tese e emprestar ou vender tais cpias, somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta dissertao de mestrado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito do autor.
__________________________ Assinatura
UNIVERSIDADE DE BRASLIA
CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Manejo de pastagem com o uso do fogo em unidade de conservao de uso sustentvel no Cerrado:
estudo comparativo entre a RDS Veredas do Acari (MG) e a APA Nascentes do Rio Vermelho (GO)
Roque Joo Tumolo Neto
Dissertao de Mestrado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Mestre em Desenvolvimento Sustentvel, rea de concentrao em Poltica e Gesto da Sustentabilidade.
Aprovado por:
____________________________________
Thomas Ludewigs, Doutor (CDS-UnB)
(Orientador)
_______________________________
Jos Augusto Drummond, Doutor (CDS-UnB)
(Examinador Interno)
___________________
Isabel Belloni Schmidt, Doutor (Departamento de Ecologia)
(Examinador Externo)
Braslia DF, 29 de Abril de 2014.
Aos meus filhos Paula e Francesco
AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos que, de uma forma ou outra, ajudaram-me a consolidar esse estudo. Especialmente
agradeo Universidade de Braslia e ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel a oportunidade de
l cursar este Mestrado. Agradecimentos especiais ao meu orientador, Thomas Ludewigs, pelo
direcionamento, ensinamentos, leveza no trato e amizade; ao Professor Jos Augusto Drummond pelo
contnuo estmulo e valorosa acidez nos comentrios durante a disciplina Oficina de Escrita Cientfica
e a qualificao desta dissertao; Isabel Belloni Schmidt, Examinadora Externa, pela acuidade na
elaborao de exaustivas ponderaes durante o perodo de reviso do texto final. Raquel Trevizam,
esposa e companheira, agradeo as inmeras sugestes, pacincia durante a tabulao dos dados de
campo, formatao da dissertao e compreenso da necessidade impositiva de me ver subtrado de
muitas horas de convvio familiar para a concluso deste trabalho. Aos meus pais Ivette e Hayrton,
ainda que no tenham contribudo academicamente com este processo, agradeo o sempre presente
exemplo de superao, sem o qual, decerto, sequer teria iniciado a empreitada. Muito agradecido fico
minha sogra, Valentina, por se disponibilizar a cuidar de meu filho pequeno durante a fase final da
escrita deste estudo. Por fim, agradecimentos a Erika Nascimento pela ajuda na confeco dos mapas;
ao Professor Edson Eyji Sano pela orientao metodolgica para a extrao dos dados de ndice de
vegetao; ao Pesquisador Dalton de Morisson Valeriano pelas ponderaes durante a validao dos
dados de ndice de vegetao; ao Pesquisador Alberto Waingort Setzer pelas inmeras explicaes
envolvendo focos de calor e queimadas, aos gestores Eduardo Barroso e Ccero de S Barros pela
disponibilidade e ateno com que me receberam em suas unidades de conservao e a Welington
Oliveira e Ione Pabline pela assistncia nos trabalhos de campo.
Se voc no tem dvidas porque est mal informado Millr Fernandes
RESUMO
Este estudo objetivou analisar os fundamentos lgicos da racionalidade tradicional do usurio do
fogo no Cerrado como ferramenta acessria de manejo, particularmente de pastagens, em oposio
racionalidade institucional do rgo ambiental gestor federal e do estadual de Minas Gerais,
responsveis pela conservao e preservao de unidades de conservao, contrapondo cada uma
dessas racionalidades aos conhecimentos cientficos disponveis sobre o funcionamento geral do
bioma. Assim procedendo, intencionou-se averiguar a pertinncia cientfica dessas duas posies
divergentes a partir do estudo comparativo de duas unidades de conservao de uso sustentvel. A
problemtica levantada por este trabalho assentou-se na interseo de trs conceitos
tradicionalidade, institucionalidade e evidncia cientfica -, analisando e avaliando similaridades e
divergncias nessas unidades de conservao, uma no nordeste do Estado de Gois, outra no norte
do Estado de Minas Gerais. A primeira contida nas fronteiras da rea de Proteo Ambiental (APA)
Nascentes do Rio Vermelho. A segunda contida no interior e no entorno da Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel (RDS) Veredas do Acari. Teoricamente, esse estudo se baseou no
entendimento weberiano para o conceito de racionalidade e nos pressupostos da ecologia poltica para
os conflitos socioambientais em torno do uso dos recursos naturais para fins produtivos e para a
conservao. Metodologicamente apoiou-se em reviso bibliogrfica e documental, questionrios e
entrevistas semi-estruturadas, alm de dados extrados de imagens de satlites. Os resultados indicam
que o manejo de pastagens com o uso do fogo no Cerrado pode impactar o meio ambiente. No entanto,
esta prtica tradicional est sendo criminalizada aprioristicamente, sem confront-la s consideraes
trazidas pelos dados e estudos cientficos mais atuais que tratam da ecologia do fogo, de seus aspectos
scio-histricos e da possibilidade de integr-la a outras tecnologias. Tal extemporaneidade poder
acarretar o aumento de custos desnecessrios pequena criao bovina, com impactos scio-
econmicos negativos no curto prazo.
Palavras-chave: fogo, pastagem, Cerrado, unidade de conservao de uso sustentvel.
ABSTRACT
The aim of this work was to analyse the rational bedrock of small farmers as fire users to handle
grazing lands in the Brazilian savannah, named as Cerrado, as opposed to the expression of rational
behavior that lies at the core of environmental institutions, opposing each one of them to the scientific
knowledge available about the general functioning of the biome. The intention was to check the scientific
conformity between these two opposite positions on the basis of a comparative study involving two
protected areas typified as of sustainable use. Thus, the matter here presented stood on the intersection
of three main concepts: traditionality, institutionality and scientific evidence, analysing and evaluating
their similarities and divergences in two protected areas for sustainable use, the first located in the
northeast of the State of Goias (APA Nascentes do Rio Vermelho) and the second in the northern of
Minas Gerais State (RDS Veredas do Acari). The theoretical approach used was based on Weber's
notion of rationality and on the assumptions of political ecology as an instrument to approach social-
environmental conflicts between conservation and production sectors, involving the use of natural
resources. The methodology was based on literature and documental research, on questionnaires and
on semi-structured interviews, as well as on data extracted from satellite images. The results indicate
that the use of fire as a pasture management tool may impact the Cerrado environment. However, this
traditional practice has been criminalized beforehand, without confronting it to recent data and scientific
studies on fire ecology, social-historical aspects and the possibility of merging it to alternative
technologies. The outcomes due to such beforehand criminalization may cause unnecessary cost
increase to the small cattle raising activity with negative social-economic impact in the short run.
Keywords: fire, grazing lands, Cerrado, protected areas for sustainable use
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 1. Vegetao Tropoftica de Savanas e Cerrados. ...................................................... 40
Figura 2. Esquema de tipos de vegetao do bioma Cerrado ................................................ 41
Figura 3. Abrangncia geogrfica das reas contnuas e isoladas do Cerrado no Brasil (cor
laranja) ...................................................................................................................................... 45
Figura 4. Retrao da vegetao nativa .................................................................................. 46
Figura 5. Quantidade de rea protegida por unidades de conservao de proteo integral e
de uso sustentvel, criadas pelos governos estaduais e federal, no bioma Cerrado, por
dcadas. O eixo y representa a rea em milhes de hectares x 100 ..................................... 59
Figura 6. Localizao geogrfica dos municpios .................................................................... 87
Figura 7. Touro curraleiro (A) e Nelore (B) .......................................................................... 110
Figura 8. Localizao das estaes pluviomtricas, na APA Nascentes do Rio Vermelho (A) e
na RDS Veredas do Acari (B). ............................................................................................... 137
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Distribuio de unidades de conservao no Cerrado ........................................... 57
Tabela 2. Valores mdios de EVI em quadrculas da APA Nascentes do Rio Vermelho e na
RDS Veredas do Acari no perodo de 2007 a 2012 .............................................................. 132
Tabela 3. Distribuio da precipitao anual de chuvas na APA Nascentes do Rio Vermelho e
na RDS Veredas do Acari de 2007 a 2012. ........................................................................... 136
Tabela 4. Focos de calor detectados pelo satlite referncia na APA Nascentes do Rio
Vermelho e na RDS Veredas do Acari de 2007 a 2012. ....................................................... 138
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Grupos das Unidades de Conservao previstas no SNUC com suas caractersticas
especficas. ............................................................................................................................... 57
Quadro 2. ndice de Desenvolvimento Social (IDS) e ndice de desenvolvimento Econmico
(IDE), por regies de planejamento do estado de Gois 2000. ........................................... 78
Quadro 3. Sntese estatstica do Nordeste Goiano ................................................................. 80
Quadro 4. Produo pecuria dos municpios envolvidos no estudo em Minas Gerais e Gois
.................................................................................................................................................. 88
LISTA DE MAPAS
Mapa 1. Localizao da Mesorregio do Norte de Minas Gerais e Microrregio de Januria,
onde se encontram os municpios de Chapada Gacha e Urucuia. ....................................... 67
Mapa 2 Classificao dos solos da regio norte de Minas Gerais. ........................................ 68
Mapa 3. Distribuio climtica no Brasil. Detalhe para a regio norte de Minas Gerais. ....... 69
Mapa 4. Representao de toda a regio do Nordeste Goiano, destacando os municpios
integrantes da APA NRV .......................................................................................................... 75
Mapa 5. Microrregio do Vo do Paran ................................................................................. 81
Mapa 6. Bacia hidrogrfica do rio Paran................................................................................ 82
Mapa 7. Mapa topogrfico do Vo do Paran (A), mostrando perfil topogrfico;, seo
transversal leste-oeste (B) ....................................................................................................... 83
Mapa 8. Mapa de declividade do Vo do Paran .................................................................... 83
Mapa 9. Mapa litolgico do Vo do Paran ............................................................................. 84
Mapa 10. Mapas de solo do Vo do Paran ........................................................................... 85
Mapa 11. Mapa de reas prioritrias para conservao no Vo do Paran........................... 86
Mapa 12. Mapa de vegetao do Vo do Paran na escala de 1:5.000.000. ........................ 86
Mapa 13. Localizao da APA das Nascentes do Rio Vermelho ........................................... 97
Mapa 14. rea da RDS Veredas do Acari e regio do entorno, indicando os logradouros
preferenciais para o pastoreio do gado. As delimitaes so aproximativas, pois, no h
demarcao oficial para estas reas. .................................................................................... 115
Mapa 15. Densidade de focos de calor avaliados pelo mtodo Kernel na rea da RDS Veredas
do Acari de janeiro de 2007 a dezembro de 2012. ................................................................ 116
Mapa 16. Cobertura, uso do solo e hidrografia (1:250.000) .................................................. 117
Mapa 17. Densidade de focos de calor avaliados pelo mtodo Kernel na APA Nascentes do
Rio Vermelho entre janeiro de 2007 e dezembro de 2012, com hidrografia ao fundo, utilizando
grades de 5 km com ndices. ................................................................................................ 117
Mapa 18. Grade de 5 km2 e imagem EVI de janeiro de 2007 da RDS Veredas do Acari .... 134
Mapa 19. Grade de 5 km2 e imagem EVI de dezembro de 2012 da RDS Veredas do Acari
................................................................................................................................................ 135
Mapa 20. Grade de 5 km2 e imagem EVI de janeiro de 2007 da APA Nascentes do Rio
Vermelho................................................................................................................................. 135
Mapa 21. Grade de 5 km2 e imagem EVI de dezembro de 2012 da APA Nascentes do Rio
Vermelho. ............................................................................................................................... 136
Mapa 22. Densidade de focos de calor de acordo com o mtodo Kernel utilizando grade de 5
km2 com ndices no perodo 2007 a 2012. ............................................................................ 138
Mapa 23. Quantidade de focos de calor contabilizados por quadriculas com ndices utilizando
a grade de 5 km2 .................................................................................................................... 138
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1. Participao dos Grandes Setores no PIB da Regio Nordeste Goiano (dados
preliminares) 2002 ................................................................................................................. 79
Grfico 2. Chuva acumulada mensal no ano de 2008 Vs. Chuva acumulada mdia no perodo
1961-1990. ................................................................................................................................ 85
Grfico 3. Perfis socioeconmicos do Brasil (A), Minas Gerais (B), Gois (C), Chapada
Gacha/MG (D), Urucuia/MG (E), Mamba/GO (F); Damianpolis/GO (G); Posse (H) e
Buritinpolis (I) .......................................................................................................................... 88
Grfico 4. Atividade profissional x tempo na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari ................................................................................................................................... 111
Grfico 5. Atividade profissional x remunerao na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS
Veredas do Acari .................................................................................................................... 111
Grfico 6. Atividade profissional e sua importncia sobrevivncia na APA Nascentes do Rio
Vermelho e RDS Veredas do Acari........................................................................................ 114
Grfico 7. Confirmao pelos entrevistados da utilizao da prtica de queima de pastagem
desde de seu estabelecimento como pequeno produtor na APA Nascentes do Rio Vermelho
e na RDS Veredas do Acari. .................................................................................................. 118
Grfico 8. Percepo dos entrevistados quanto ao melhor horrio para a ocorrncia de
queimadas na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS Veredas do Acari. ................... 119
Grfico 9. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari. quanto melhor poca para a queima no Cerrado. ................................ 119
Grfico 10. Distribuio mensal da precipao nas prximidades da APA Nascentes do Rio
Vermelho (A) e RDS Veredas do Acari (B) entre 2007 e 2012. ............................................ 120
Grfico 11. Percepo dos entrevistados quanto ocorrncia regional de incndios na RDS
Veredas do Acari e APA Nascentes do Rio Vermelho. ......................................................... 121
Grfico 12. Percepo dos entrevistados desde seu estabelecimento como pequeno produtor
quanto ocorrncia regional de queimadas na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS
Veredas do Acari. ................................................................................................................... 122
Grfico 13. Realizao de queima de pastagem pelos entrevistados desde seu
estabelecimento como pequeno produtor na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari. .................................................................................................................................. 123
Grfico 14. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do rio vermelho e RDS Veredas
do Acari quanto proibio do uso do fogo para manejo. .................................................... 124
Grfico 15. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari quanto necessidade de autorizao para queima de pastagens. ....................... 124
Grfico 16. Impacto da celeridade na expedio de licenas de queima para aumento de sua
requisio na percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari. ................................................................................................................... 125
Grfico 17. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari quanto ao rgo emissor de licenas para queima. ............................................... 125
Grfico 18 Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari quanto permisso/liberao do uso do fogo para efeitos de manejo. ................. 126
Grfico 19. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas
do Acari quanto existncia do ICMBio. ............................................................................... 127
Grfico 20. Entendimento dos entrevistados quanto ao significado dos conceitos APA
Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas do Acari.......................................................... 128
Grfico 21. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari quanto ao resultado da queima de pastagens. ........................................ 129
Grfico 22. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari quanto ao perigo do uso do fogo. ............................................................. 130
Grfico 23. Percepo dos entrevistados na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari quanto culpa pelo descontrole das queimadas. .................................... 130
Grfico 24. Valores mdios de EVI em quadrculas da APA Nascentes do Rio Vermelho (A) e
na RDS Veredas do Acari (B) no perodo de 2007 a 2012. .................................................. 133
Grfico 25. Instrumentos e implementos agrcolas mais usados nos imveis rurais da APA
Nascentes do Rio Vermelho e na RDS Veredas do Acari .................................................... 141
Grfico 26. Locais de pastoreio do gado na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari. ................................................................................................................... 142
Grfico 27. Perodo de uso da terra pblica na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS
Veredas do Acari desde o estabelecimento nestas reas dos produtores entrevistados. ... 142
Grfico 28. Preocupao quanto a reforma de pastagem na APA Nascentes do Rio Vermelho
(A) e na RDS Veredas do Acari (B) entre 2008 e 2012......................................................... 143
Grfico 29. Titulao dos imveis rurais no entorno da RDS Veredas do Acari e na APA
Nascentes do Rio Vermelho................................................................................................... 145
Grfico 30. Distribuio do tamanho do imvel rural na APA Nascentes do Rio Vermelho e na
RDS Veredas do Acari. .......................................................................................................... 146
Grfico 31. Meio de aquisio do imvel na RDS Veredas do Acari e na APA Nascentes do
Rio Vermelho. ......................................................................................................................... 147
Grfico 32. Aspectos da renda dos pequenos produtores rurais na rea de influncia da APA
Nascentes do Rio Vermelho e RDS Veredas do Acari.......................................................... 148
Grfico 33. Aquisio de crdito no perodo 2008-2013 pelos produtores entrevistados na APA
Nascentes do Rio Vermelho e na RDS Veredas do Acari. ................................................... 149
Grfico 34. Dificuldade de aquisio de crdito pelos produtores entrevistados na APA
Nascentes do Rio Vermelho e na RDS Veredas do Acari. ................................................... 150
Grfico 35. Frequncia de visitas dos produtores entrevistados rea do pastoreio na APA
Nascentes do Rio Vermelho (A) e na RDS Veredas do Acari (B). ........................................ 152
Grfico 36. Participao dos produtores entrevistados em associaes de classe na APA
Nascentes do Rio Vermelho (A) e na RDS Veredas do Acari (B). ........................................ 152
Grfico 37. Participao dos produtores entrevistados em associaes de ajuda mtua na
APA Nascentes do Rio Vermelho (A) e na RDS Veredas do Acari (B) ................................ 153
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
APA rea de Proteo Ambiental
CNUC Cadastro Nacional de Unidades de Conservao
CSR Centro de Sensoriamento Remoto
EMATER Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EVI Enhanced Vegetacion Index - ndice de Realce da Vegetao
FAO Organizao das Naes Unidas para Alimentao e Agricultura
GEE Gases do Efeito Estufa
GHG Greenhouse gas
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renovveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade
IDE ndice de Desenvolvimento Econmico
IDS ndice de Desenvolvimento Social
IEF Instituto Estadual de Florestas
IMRS ndice Mineiro de Responsabilidade Social
INMET Instituto Nacional de Meteorologia
IUCNF Unio Internacional para a Conservao da Natureza e dos
Recursos Naturais
MMA Ministrio do Meio Ambiente
MODIS Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer
NDVI ndice de Diferena Normalizada
NRV Nascentes do Rio Vermelho
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PPCerrado Plano de Ao para Preveno e Controle do Desmatamento e das
Queimadas: Cerrado
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentvel
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao
UC Unidades de Conservao
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
WWF World Wildlife Fund
UNIDADES
km2 Quilmetro quadrado
% Porcentagem
MF Mdulo Fiscal
mm Milmetro
m Metro
ha Hectare
19
SUMRIO
LISTA DE ILUSTRAES
LISTA DE TABELAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE MAPAS
LISTA DE GRFICOS
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
UNIDADES
INTRODUO
1 REVISO BIBLIOGRFICA ............................................................................................ 29
1.1 CONSIDERAES INICIAIS .................................................................................... 29
1.2 O CERRADO.............................................................................................................. 38
1.2.1 Aspectos gerais: definio, formao, evoluo, classificao, antropizao e
relao com o fogo. .................................................................................................................. 38
1.2.2 Histrico do uso do fogo como ferramenta de manejo e o estabelecimento da
pecuria no Cerrado ................................................................................................................. 53
1.2.3 Unidades de conservao no Cerrado e fogo ....................................................... 56
1.2.4 Pequeno produtor e rgos ambientais: racionalidades em conflito envolvendo
cerrado, unidade de conservao e uso do fogo..................................................................... 60
2 CARACTERIZAO GERAL DAS REGIES ENVOLVIDAS NO ESTUDO ................ 66
2.1 REGIES, MESORREGIES E MICRORREGIES ............................................... 66
2.1.1.1 O norte mineiro ............................................................................................... 67
2.1.1.1.1 Caractersticas fsicas do norte mineiro ..................................................... 68
2.1.1.1.2 Formao social .......................................................................................... 69
2.1.1.1.3 Formao econmica .................................................................................. 70
2.1.1.1.4 Caractersticas scio-econmicas e ambientais contemporneas do norte
de Minas Gerais ...................................................................................................................74
2.1.1.1.4.1 Populao, PIB e RPC .......................................................................... 74
2.1.1.2 O nordeste goiano .......................................................................................... 74
2.1.1.2.1 Caractersticas fsicas do nordeste goiano................................................. 76
20
2.1.1.2.2 Formao social e caracterstas scio-econmicas e ambientais
contemporneas do Nordeste Goiano ..................................................................................... 77
2.1.1.2.3 Populao, PIB e RPC ................................................................................ 79
2.1.1.3 O Vo do Paran no nordeste goiano ............................................................ 81
2.1.1.3.1 Caractersticas fsicas do Vo do Paran no nordeste goiano .................. 81
2.1.1.3.2 Meio Ambiente e Conservao ................................................................... 86
2.1.1.4 Breve caracterizao scio-econmica e dados da pecuria nos municpios
envolvidos no estudo ................................................................................................................ 87
2.1.1.4.1 Minas Gerais ............................................................................................... 89
2.1.1.4.1.1 Chapada Gacha................................................................................... 89
2.1.1.4.1.2 Urucuia ................................................................................................... 89
2.1.1.4.2 Gois ........................................................................................................... 90
2.1.1.4.2.1 Mamba .................................................................................................. 90
2.1.1.4.2.2 Damianpolis ......................................................................................... 90
2.1.1.4.2.3 Posse ..................................................................................................... 91
2.1.1.4.2.4 Buritinpolis ........................................................................................... 91
2.2 AS REAS DE ESTUDO ........................................................................................... 92
2.2.1 As duas unidades de conservao de uso sustentvel ........................................ 92
2.2.1.1 A Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Veredas do Acari .................... 92
2.2.1.2 A rea de Proteo Ambiental Nascentes do Rio Vermelho......................... 96
3 MTODOS E TCNICAS DE PESQUISA ..................................................................... 100
3.1 PRIMEIRA ETAPA: PESQUISA EXPLORATRIA ................................................. 104
3.2 SEGUNDA ETAPA: ENTREVISTAS DE CAMPO ................................................... 104
3.3 TERCEIRA ETAPA: TRANSCRIES E DEGRAVAES; ORGANIZAO,
TABULAO E ANLISE DOS DADOS; CONSTRUO DE MAPAS, GRFICOS,
QUADROS E TABELAS ......................................................................................................... 107
4 RESULTADOS ................................................................................................................ 109
4.1 ANLISE COMPARATIVA DOS RESULTADOS .................................................... 109
4.1.1 Aspectos da pecuria e do uso do fogo na RDS Veredas do Acari e seu entorno e
na APA Nascentes do Rio Vermelho ..................................................................................... 109
4.1.1.1 Tipos de gado presentes nas UCs ............................................................... 109
4.1.1.2 Percepo do tempo dispendido e da renda auferida pelos pequenos
produtores da RDS e da APA com a atividade pecuria ...................................................... 110
4.1.1.3 Grau de importncia da atividade pecuria atribuda pelos pequenos
produtores da APA e RDS para a sua sobrevivncia ............................................................ 112
21
4.1.1.4 O Manejo de Solta na RDS, a Pequena Pecuria na APA e o Uso do Fogo
.....................................................................................................................115
4.1.1.5 Percepo dos pequenos produtores sobre o impacto do uso do fogo em
pastagens .....................................................................................................................128
4.1.1.6 Alteraes ambientais de reas queimadas, identificadas a partir da anlise
de EVI e de focos de calor na APA Nascentes do Rio Vermelho e na RDS Veredas do Acari
.....................................................................................................................131
4.1.2 Aspectos Socioeconmicos dos Pequenos Produtores Rurais no Interior e Entorno
da RDS e da APA ................................................................................................................... 140
4.1.2.1 A unidade produtiva na RDS e na APA........................................................ 140
4.1.2.2 Perfil de titularidade de imveis dos pequenos produtores na rea da RDS e
no seu entorno e na APA ....................................................................................................... 144
4.1.2.3 Perfil da renda dos pequenos produtores rurais na rea de influncia da RDS
e na APA .....................................................................................................................147
4.1.2.4 Percepo dos pequenos produtores quanto a questes relativas ao crdito
rural: grau de acesso e dificuldades de concesso ............................................................... 149
4.1.2.5 Regras de Convivncia, Arranjos de Produo e Associativismo envolvendo
os pequenos produtores da RDS e da APA .......................................................................... 150
5 DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................................................................ 154
5.1 RACIONALIDADES EM CONFLITO ENVOLVENDO O MANEJO DE PASTAGENS
COM O USO DO FOGO NA RDS E NA APA ......................................................................... 154
CONSIDERAES FINAIS
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
ANEXOS
INTRODUO
O fogo natural tem importante papel como agente ecolgico na estruturao e
manuteno de muitos ecossistemas. Ao se discutir o uso do fogo como um tema de
conservao, importante reconhecer e compreender os diversos papis que ele tem nos
diferentes ecossistemas (MYERS, 2006) a partir de trs grandes categorias de respostas da
vegetao ao fogo: independentes do fogo, sensveis ao fogo e dependentes do fogo
(HARDESTRY et al., 2005), e uma quarta categoria, chamada por Myers (2006) de
influenciada pelo fogo.
Os ecossistemas independentes do fogo so aqueles em que o fogo normalmente
exerce um pequeno papel ou desnecessrio. Esses ecossistemas so demasiadamente
frios, molhados ou secos para queimar. Como exemplos, h os desertos, as tundras e as
florestas tropicais em ambientes que no apresentam uma estao definida (MYERS, 2006).
Os ecossistemas sensveis ao fogo so aqueles que no evoluram tendo o fogo como
um processo recorrente importante. As espcies nessas reas no desenvolveram
adaptaes como respostas ao fogo, por isso a mortalidade alta, mesmo quando a
intensidade do fogo muito baixa. A estrutura e a composio da vegetao tendem a inibir
a ignio e a propagao do fogo. Como a vegetao no tem essa propenso
inflamabilidade, o fogo natural pode ser considerado um evento raro, exceto quando esses
ecossistemas sofrem fragmentao devido s atividades humanas (MYERS, 2006).
Os ecossistemas dependentes do fogo so aqueles em que o fogo essencial a sua
manuteno e nos quais as espcies se adaptaram para responder positivamente a ele,
facilitando a sua propagao. Esses ecossistemas, contendo vegetao propensa ao fogo,
precisam ser queimados sob um regime de fogo1 apropriado para que persistam na paisagem.
Nessas reas, se o fogo for suprimido ou se o regime de queima for alterado alm da variao
natural, o ecossistema se transforma em algo diferente, ocorrendo perda de habitats e
espcies. Cada espcie, nos ecossistemas dependentes do fogo, evoluiu em resposta s
caractersticas especficas dos regimes de fogo, tais como frequncia, intensidade e estao
de queima, e variabilidade dessas caractersticas (MYERS, 2006).
Os ecossistemas influenciados pelo fogo incluem os tipos de vegetao que
frequentemente ficam na zona de transio entre ecossistemas dependentes do fogo e os
sensveis ao fogo ou independentes do fogo, mas podem incluir tipos mais amplos de
vegetao, onde as respostas das espcies ao fogo ainda no foram identificadas e o papel
do fogo na manuteno da biodiversidade no reconhecido. So ecossistemas que
geralmente so sensveis ao fogo, mas apresentam algumas espcies que so capazes de
1 O regime de fogo conceituado como o padro de intensidade, frequncia e sazonalidade deste elemento em uma rea (Agee, 1993).
23
responder positivamente aos danos do fogo, ou so ecossistemas que sobrevivem na
ausncia do fogo (MYERS, 2006).
Os ecossistemas dependentes do fogo merecem aqui certo detalhamento. Nesses
ecossistemas os tipos de regime de fogo apresentam grande variabilidade, desde incndios
frequentes, de baixa intensidade, de superfcie e no letal; regimes caracterizados por fogo
de severidade mista, ou seja, os efeitos letais e os efeitos no letais variando em toda a
paisagem; at incndios ocasionais, pouco frequentes, apresentando alta severidade e efeitos
letais ou pelos incndios que interrompem ou que redirecionam a sucesso ecolgica, criando
uma diversidade de habitats em tempo e em espao, enquanto a vegetao se restabelece
(BROWN, 2000).
Os exemplos de ecossistemas dependentes do fogo so abundantes em todo o mundo.
Na Mesoamrica, existe uma grande variedade de florestas de pinheiros e savana de
pinheiros dependentes do fogo e muitos desses tipos de florestas se estendem at a Amrica
Central (ZAVALA CHVEZ, 2003). Em outros lugares na Mesoamrica e no Caribe, as
savanas e matas com Pinus caribaea, dependentes do fogo, estendem-se das Bahamas at
Cuba chegando at Belize, Honduras e Nicargua (MYERS et al., 2004a; MYERS et al., 2006).
Na Repblica Dominicana as florestas e savanas apresentam uma espcie endmica,
Pinusoccidentalis, que dependente do fogo (HORN et al., 2000; MYERS et al., 2004b). Alm
do Pinus caribaea, Cuba tem trs espcies de pinheiros endmicos que sobrevivem em
ambientes propensos ao fogo (MYERS, 2006).
As espcies de Pinus adaptadas ao fogo tambm formam extensas florestas abertas e
bosques em ambientes tropical e subtropical no Sudeste e Sul da sia. Nelas, o fogo exerce
um papel fundamental, apesar de incompreendido, de manuteno das caractersticas das
florestas de Pinus kesiya e/ou Pinus merkusii que abrangem a regio que vai dos Assam Hills
na ndia, at Mianmar na Tailndia, sul da China, Camboja, Laos, Vietn, Filipinas at Sumatra
(KOWAL, 1966; RICHARDSON & RUNDEL,1998).
Grande parte da frica Subsaariana, hoje coberta por matas e savanas influenciadas
pelo fogo, foi outrora uma vasta paisagem de savanas tropicais e subtropicais propensas ao
fogo. Assim como na frica, na Amrica do Sul o fogo est bastante presente, pois uma
proporo significativa da Amrica do Sul situa-se na mesma zona bioclimtica da savana
africana (MYERS, 2006).
Campos graminosos tropicais pirofticos existem na Amrica do Sul, sendo encontrados
na Venezuela, Bolvia, Peru e Paraguai. Na Argentina, o clima temperado determina a
presena de uma vasta vegetao campestre, denominada de pampas argentinos. Alm
destes, o papel do fogo tambm importante em ecossistemas temperados da Amrica do
Sul, como nas florestas de Araucria (MYERS, 2006) e no Cerrado brasileiro, que um
24
mosaico de savana e arbustos moldado pela diversidade de regimes de fogo (MIRANDA et
al., 2002) que outrora cobria 22% do pas ou dois milhes de km.
As matas de palmeiras e as savanas de palmeiras so comuns em toda regio tropical.
Uma variedade de campos inundados continentais e litorneos que ocorrem ao longo destes
tipos vegetacionais so dependentes do fogo, bem como influenciados por ele (MYERS,
1990). O fogo tambm parte essencial das zonas tropicais alpinas, tais como os paramos
nas Amricas (HORN, 1998; 2005) e a vegetao afro-alpina (BOND et al., 2004).
Outros ambientes dependentes do fogo so as florestas, arbustos e savanas, do tipo
mediterrneo, dispersas amplamente em vrias partes do mundo; as florestas boreais e de
conferas das zonas temperadas e as florestas dominadas por carvalhos e os campos
graminosos da Amrica do Norte, sia Central, China, Rssia e Monglia; e as florestas de
eucaliptos, as savanas e os pntanos na Austrlia (MYERS, 2006).
Assim, as perturbaes com fogo em ecossistemas dessa natureza exercem um papel
na criao de certos habitats que favorecem a abundncia relativa de certas espcies na
manuteno da biodiversidade. Nesse ponto, tambm os ecossistemas influenciados pelo
fogo merecem aqui certo detalhamento. Nesses ecossistemas, os incndios geralmente se
originam em uma vegetao adjacente dependente do fogo e a propagao varia de extenso
e de intervalos na vegetao influenciada pelo fogo, embora seja possvel que, em menor
proporo, o desmatamento e as queimadas utilizados na agricultura tradicional possam ser
uma fonte importante endgena de ignio (MYERS, 2006).
Desta forma, o fogo pode ser importante na criao de certos habitats pela abertura de
florestas ou da cobertura vegetal, iniciando os processos de sucesso e a manuteno da
vegetao de transio. Os ecossistemas influenciados pelo fogo expem os desafios nas
questes de manejo devido ao papel sutil que o fogo pode exercer. Os exemplos incluem as
zonas de transio das florestas esclerfilas entre as savanas e as florestas tropical mida
que ocorrem no nordeste de Queenslands (RUSSEL-SMITH & STANTON, 2002), a vegetao
ripria ou as matas de galeria que ocorrem ao longo de cursos de gua nas savanas ou em
campos graminosos (KELLMAN & MEAVE, 1997) e as ilhas de vegetao sensvel ao fogo
geralmente dentro em uma matriz de vegetao propensa ao fogo, como os hammocks dos
Everglades (pntanos) da Flrida (MYERS, 2000). Um padro similar de vegetao
encontrado no Pantanal do Brasil, e alguns tipos de florestas tropicais e subtropicais como as
identificadas na Mesoamrica, onde o fogo tem mantido a dominncia do mogno (Swietenia
macrophylla) e de espcies associadas (SNOOK, 1993).
As mudanas climticas podem causar mudanas significativas na estrutura e
deslocamento da localizao dos ecossistemas influenciados pelo fogo. Em outras palavras,
pode ser que nesses ecossistemas onde as mudanas na vegetao so induzidas, as
mudanas climticas tornem-se mais aparente no curto prazo.
25
Este estudo contempla algumas causas e efeitos do fogo para manejo no mbito do
bioma fogo-dependente que o Cerrado, considerando que tanto sua preveno como seu
uso em regimes alterados pode causar modificaes ecossistmicas (MYERS, 2006). Alm
disso, como ferramenta de manejo a servio da pecuria e sob a lgica econmica do custo
de oportunidade2, o uso do fogo coloca, muitas vezes, em lados opostos pequenos produtores
e rgos ambientais (PPCERRADO, 2011).
Segundo Sorrensen (2009), no Brasil, existe volume considervel de pesquisa sobre a
ecologia do fogo em vrios ecossistemas, particularmente no Cerrado. Tambm crescente
o nmero de estudos relacionados preservao e conservao ecossistmica em unidades
de conservao sob a tica fitofisionmica e faunstica. No entanto, poucos estudos conjugam
esses resultados com os aspectos histricos, sociais, econmicos, institucionais e polticos
do uso do fogo em escalas locais, particularmente no interior de unidades de conservao e,
paradoxalmente, muito menos nas de uso sustentvel. H, portanto, um vcuo a ser
preenchido.
As potenciais consequncias das queimadas e incndios florestais colocam em foco o
ainda limitado entendimento da questo do fogo no Cerrado: bioma fogo-dependente que
contm em suas fronteiras grande nmero de atividades econmicas, mltiplos agentes
sociais e institucionais envolvidos em sua explorao e manuteno, discrepncia econmico-
social acentuada e a tradicionalidade do uso do fogo como ferramenta de manejo (MYERS,
2006; PPCERRADO, 2011; DIAS, 2005).
O objetivo geral desta dissertao analisar os fundamentos lgicos da racionalidade
tradicional do pequeno produtor usurio do fogo como ferramenta acessria de manejo no
Cerrado, particularmente de pastagens, em oposio racionalidade institucional do rgo
gestor federal e estadual de Minas Gerais, responsveis pela conservao e preservao
ambiental das unidades de conservao, contrapondo cada uma delas aos conhecimentos
cientficos disponveis sobre o funcionamento geral do bioma. Assim procedendo, intenciona-
se averiguar a pertinncia cientfica dessas duas divergentes posies, a partir do estudo
comparativo de duas unidades de conservao de uso sustentvel.
Desta forma, a problemtica levantada por este trabalho assenta-se na interseo de
trs conceitos tradicionalidade, institucionalidade e razo-, analisando e avaliando suas
correlaes em duas regies institucionalmente constitudas como tipos de unidades de
conservao de uso sustentvel, no bioma Cerrado, uma no nordeste do Estado de Gois,
outra no norte do Estado de Minas Gerais. A primeira contida pelas fronteiras da rea de
Proteo Ambiental
2 O custo de oportunidade representa o valor associado a melhor alternativa no escolhida. Ao se tomar determinada escolha, deixa-se de lado as demais possibilidades, pois so excludentes, j que escolher uma recusar outras.
26
(APA) Nascentes do Rio Vermelho; a segunda contida nos limites e na rea do entorno da
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) Veredas do Acari.
A tradicionalidade expressa o modo de olhar a questo do uso do fogo para manejo
de pastagens pelo prisma da racionalidade prtica3 dos pequenos produtores. A
institucionalidade expressa a racionalidade formal4 presente nos rgos ambientais, gestores
de cada uma dessas reas; e, por fim, o terceiro conceito, a razo, expressa a racionalidade
terica5 do conhecimento cientfico acumulado e disponvel sobre o bioma.
Para tanto, o estudo distribuiu-se por trs eixos de investigao e anlise que acabaram
por se constituir em seus objetivos especficos: 1) avaliar as percepes dos diferentes
agentes sociais envolvidos na questo da validade e viabilidade do uso do fogo para manejo
rural; 2) avaliar as possibilidades de implementao de uma nova institucionalidade quanto
questo do uso do fogo para manejo rural pela absoro dos fundamentos do manejo
integrado6 e adaptativo7 pelas partes interessadas; e 3) verificar em que medida possvel,
consistentemente, avaliar os impactos de regimes alterados de fogo sobre a degradao
ambiental8 das unidades de conservao em estudo com o uso de ndices de Vegetao
Melhorados - EVIs.
Desta forma, as perguntas principais formuladas para entender as contraposies entre
essas duas racionalidades prtica e formal-, muitas vezes manifestadas sob a forma de
conflito, outras sob a forma de dissimulada falsa concordncia ou tolerncia foram: 1) Por que
o uso do fogo como ferramenta de manejo rural ainda hoje prtica corrente entre os
pequenos produtores rurais do Cerrado?; 2) Por que tamanha refrao ao uso de novas
tecnologias de manejo de solo por parte dos pequenos produtores rurais?; 3) Haveria
possibilidade de manter ou adaptar o uso do fogo pelos pequenos produtores rurais para
manejo de pastagens em reas estabelecidas como de conservao?; 4) Por que parece to
3 A racionalidade pode ser classificada em: prtica, quando h uma relao entre a viso e o juzo do ator social com uma prtica assumida; terica, quando existe uma relao entre conceitos abstratos precisos e a ao humana; substantiva, quando se observa uma relao entre os padres do ator social e seu contexto, no necessariamente havendo um clculo em relao aos fins; e a formal, quando h uma relao entre a ao social e o resultado consciente de um fim ou propsito (WEBER, 1999). 4 idem 5 idem 6 O significado de Manejo Integrado do Fogo neste documento a integrao da cincia e da sociedade com as tecnologias de manejo do fogo em mltiplos nveis. Pressupe a compreenso da abordagem holstica ou bem entrelaada das questes do fogo, que leva em considerao as interaes biolgicas, ambientais, culturais, sociais, econmicas e polticas (KAUFMANN et al., 2003). 7 O manejo adaptativo um processo cclico onde as informaes sobre o passado retroalimentam e aperfeioam a forma em que o manejo ser conduzido no futuro. Para tanto, avaliar a efetividade das atividades de manejo adotadas um passo fundamental. 8 A degradao ambiental enfoca uma termologia negativa no que se refere ao meio ambiente e sua conservao. Seguindo os conceitos modernos dos estudos ambientais, a definio se refere a uma mudana artificial ou perturbao de causa humana geralmente uma reduo percebida das condies naturais ou do estado de um ambiente. O agente causador de degradao ambiental sempre o ser humano. Processos naturais no degradam ambientes, apenas causam mudanas (JHONSON et al., 1997).
27
difcil aos rgos gestores ambientais conceber o manejo integrado e adaptativo do fogo como
ferramenta de gesto?; e 5) Em que medida as reas nativas atingidas pelo fogo se recuperam
aps serem atingidas sucessivamente por incndios fora de seu regime natural de ocorrncia,
geralmente oriundos de queimadas no prescritas que escaparam ao controle?
Estas perguntas associam-se, respectivamente, s seguintes hipteses: 1) Na
percepo dos agricultores existe uma boa relao custo-benefcio da prtica do manejo de
pastagens antropizadas e nativas com o uso do fogo, pois a racionalidade prtica que a
lastreia baseia-se no baixo custeio da atividade, oferecendo a quem a pratica um adequado
retorno e, com isso, desestimula o uso de alternativas de manejo; 2) Compem o quadro para
que o uso do fogo seja ainda prtica corrente pelos pequenos produtores rurais a existncia
e permanncia de um tradicionalismo e racionalidade ancestrais superpostos e acrescidos de
fiscalizao deficiente, falta de recursos privados dos pequenos produtores; burocrtico e
limitante acesso ao crdito; insuficiente disponibilidade de assistncia tcnica; incipiente
educao ambiental e polticas pblicas pouco integradas; 3) O uso do fogo em reas de
conservao no Cerrado poderia se estabelecer dentro de parmetros civis e ecolgicos de
segurana, com indicadores cientificamente estabelecidos, envolvendo o cumprimento de
condicionantes ou, quando for o caso, a celeridade na expedio de licenas para queima em
reas permitidas, sob orientao e fiscalizao dos rgos pblicos responsveis, podendo
se transformar em ferramenta segura, ambientalmente ajustada, barata, e eficiente tanto para
a pequena lavoura como para a pequena pecuria; 4) Os rgos gestores ambientais no
Cerrado tm dificuldade em aceitar o uso do fogo como ferramenta de manejo, mesmo se
este ocorresse em um contexto de manejo integrado e adaptativo, por convico quanto aos
resultados danosos decorrentes do fogo para o solo e para a biodiversidade; 5) Os rgos
gestores ambientais no Cerrado tm dificuldade em aceitar o uso do fogo como ferramenta
de manejo, mesmo em um contexto de manejo integrado e adaptativo, por receio de no
conseguirem administr-lo no dia a dia junto aos requerentes em concordncia com as regras
burocrticas e as condicionantes materializadas na legislao; 6) Os rgos gestores
ambientais no Cerrado tm dificuldade em aceitar o uso do fogo como ferramenta de manejo,
mesmo em um contexto de manejo integrado e adaptativo, por desconhecerem as tcnicas
que possibilitariam seu uso de forma segura; 7) Os rgos gestores ambientais no Cerrado
tm dificuldade em aceitar o uso do fogo como ferramenta de manejo, mesmo em um contexto
de manejo integrado e adaptativo, por reconhecerem sua incapacidade operacional frente ao
perigo potencial dessa prtica em mos de produtores no capacitados e instrumentalizados
para sua correta realizao; e 8) H recuperao do Cerrado sob parmetros fisionmico e
florstico mesmo quando sob a ao do fogo fora de seu regime natural.
Metodologicamente, para empreender as anlises necessrias consecuo do
objetivo geral deste estudo, foram aqui tratadas: a) a reviso dos fundamentos do
28
funcionamento do Cerrado enquanto bioma; b) a extrao de dados de campo recolhidos da
aplicao dos questionrios e entrevistas; e c) a extrao de dados a partir da seleo de
imagens de satlites recolhidas e selecionadas. Nesse intuito, o captulo 1 desta dissertao
apresenta os conceitos e questes sobre a ecologia do Cerrado em seus aspectos gerais,
relacionando-a ao uso fogo como instrumento para manejo de pastagens; o captulo 2
caracteriza as regies e as reas de estudo; o captulo 3 apresenta a base terica,
metodolgica e as tcnicas aqui utilizadas; o captulo 4 apresenta comparativamente os
resultados dos dados coletados das duas unidades de conservao, contemplando aspectos
sociais, territoriais, ambientais e econmicos; e, por fim, o captulo 5 discute os resultados
produzidos.
29
2 REVISO BIBLIOGRFICA
2.1 CONSIDERAES INICIAIS
O fogo natural ocorre com regularidade9 no Cerrado e tem papel importante em seu
funcionamento e equilbrio ecolgico. Contudo, as mudanas no uso do solo tem alterado o
regime de queima natural nesse bioma (FALLEIRO, 2011). Chamas geradas por produtores
rurais, que ateiam fogo s pastagens para induzir a rebrota do capim na estao seca, no
raro saem de controle e espalham-se por grandes reas, inclusive reas protegidas como
terras indgenas, unidades de conservao, reas de preservao permanente e reservas
legais (MISTRY e BIZERRIL, 2011).
Comum o uso do fogo para restaurar a produtividade de pastagens e limpeza da terra
para atividades agrcolas, sendo essas atividades as principais fontes de ignio antrpicas
de fogo (NEPSTAD et al., 1999; ALENCAR et al., 2004) em todos os biomas brasileiros
(DEAN, 2004; MMA, 2009; SFB, 2010; EMBRAPA PANTANAL, 2002; MMA, 1999) e, de
particular interesse nesse estudo, no Cerrado brasileiro. Para Mistry e Bizerril (2011), muitos
incndios iniciados por queimadas em imveis rurais esto ligados s atividades agrcolas,
independente do ecossistema em que esto inseridos.
Em florestas tropicais e ambientes savnicos, paisagens onde se conjugam floresta e
agricultura, os fragmentos de floresta tornam-se altamente suscetveis a incndios que
escapam de queimadas das reas abertas prximas, especialmente quando em condies de
baixa umidade e alta inflamabilidade das franjas florestais (RAY et al., 2005).
A cultura da queima est e esteve sempre presente na histria brasileira (COUTINHO,
1990b, 1994; PIVELLO, 2006, 2009; PIVELLO e COUTINHO, 1996; HENRIQUES, 2005) e,
nos ltimos 300 anos, voltada principalmente para fins de manejo de pastagens (DIAS, 2005).
Essa prtica, utilizada em substituio a outras tecnologias por causa de seu baixo custo
operacional, proporciona excelente custo de oportunidade na eliminao de restos de massa
seca com grande contedo de talos, que no foram consumidos pelos animais durante a
estao seca, e na induo da rebrota, com forragem de melhor qualidade (DIAS, 2005).
9 As diferentes fitofisionomias do Cerrado brasileiro apresentam graus variados de adaptao a ocorrncia do fogo, dependendo da frequncia e da poca em que ocorrem (Walter e Ribeiro, 2010). Frana et al. (2007) e Ramos-Neto e Pivello (2000) supem um regime natural concentrado nos meses chuvosos e em estudo para o Parque Nacional das Emas identificou-se recorrncia de 1 a 9 anos. Com a chegada dos primeiros humanos, o regime natural de queima foi alterado em toda a regio do Cerrado. Esta modificao foi iniciada pelas comunidades indgenas e, posteriormente, intensificada pelos ciclos de agricultura e pecuria das fazendas (Miranda et al., 2010).
30
Contudo, o aumento na frequncia de incndios florestais10 contribui para a degradao e a
reduo da resilincia dos ecossistemas (COSTA, 2009). Incndios florestais tambm podem
causar impacto negativo significante sade humana (MENDONA et al., 2004) e ao clima
(PPCERRADO, 2011), gerando perdas econmicas de grande monta (BROWN et al. 2006).
Por conta disso, a sociedade e o poder pblico brasileiro tm cada vez mais atentado
questo das queimadas e dos incndios florestais no Cerrado, tanto pelos seus impactos
socioambientais como pelos prejuzos econmicos a eles relacionados (MISTY e BIZERRIL,
2011; PPCERRADO, 2011).
Bustamante et al. (2012), em estudo avaliando a extenso de pastagens queimadas e
a emisso de gases de efeito estufa (GEE) resultantes do desmatamento e queima de
pastagem no Brasil de 2003 a 2008, obteve resultados que indicam que o Cerrado possui a
maior extenso de rea queimada em relao a sua rea total e a maior extenso de reas
nativas convertidas em pastagem. Em nmeros, as reas de pastagens aumentaram cerca
de 48.000 km entre 2003 e 2008 e 56,5% de todas as reas abertas no Cerrado estiveram
associadas expanso da pecuria nesse perodo. Quantitativamente, em 2008, o Cerrado
tinha aproximadamente 594.251 km de pastagem cultivada.
A manifestao do fogo em vegetao, independentemente do bioma em que ocorra,
tem sempre causa natural (descargas eltricas) ou antrpica. Dentre as causas antrpicas, o
fogo utilizado como ferramenta de manejo rural. O Cdigo Florestal brasileiro de 1965, LEI
n 4771/65, em seu artigo 27, restringia sobremaneira o uso do fogo no meio rural, que, de
certa forma, foi flexibilizado pelo Cdigo Florestal de 2012, LEI 12651/12, em seu artigo 38.
Este artigo, no que diz respeito s unidades de conservao de particular interesse
neste estudo, explcito ao dizer no inciso II que est autorizado o emprego da queima
controlada em Unidades de Conservao, em conformidade com o respectivo plano de
manejo e mediante prvia aprovao do rgo gestor da Unidade de Conservao, visando
ao manejo conservacionista da vegetao nativa, cujas caractersticas ecolgicas estejam
associadas evolutivamente ocorrncia do fogo (BRASIL, 2012). Contudo, As grandes e
frequentes queimadas nessas reas na estao seca so o retrato do descompasso entre
essas normas, o uso do fogo no cotidiano do pequeno produtor rural e as polticas pblicas a
ele direcionadas (SORRENSEN, 2009).
As ltimas dcadas na rea ambiental no Brasil foram marcadas por uma profusa
criao de reas protegidas11. Dentre estas, unidades de conservao - UCs foram criadas
por todo o territrio nacional, categorizadas em Unidades de Conservao de Proteo
10 De acordo com definio do Prevfogo (2002), incndio florestal todo o fogo sem controle que incide sobre qualquer forma de vegetao , podendo ser tanto provocado pelo homem (provocado ou por negligncia), ou por causa natural (como descargas eltricas raios). 11 Disponvel em: http://www.brasil.gov.br/cop10/panorama/o-que-o-brasil-esta-fazendo/brasil-e-lider-global-na-criacao-de-areas-protegidas Acesso em 12/06/2012
31
Integral e Unidades de Conservao de Uso Sustentvel, subdividindo-se em muitos tipos e
compondo mosaicos que, muitas vezes, se sobrepem a reas j tradicionalmente ocupadas
(SORRENSEN, 2009). O nmero de UCs criadas e a rea que englobam so substanciais,
mesmo que nos ltimos anos, principalmente a partir de 2002, tenha havido um arrefecimento
desse ritmo e poucas UCs tenham sido criadas, particularmente no Cerrado.
O ritmo de criao de terras indgenas e unidades de conservao foi intenso nos
governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e, embora diminudo quanto s UCs,
tambm no governo de Lus Incio Lula da Silva. O resultado foi que em 16 anos dos dois
governos foram disponibilizados 47,5 milhes de hectares para unidades de conservao
(20,6 milhes por FHC e 26,9 milhes por Lula) e 60 milhes de hectares para terras indgenas
(41,2 milhes por FHC e 18,8 milhes por Lula)12.
Pelos dados da Confederao Nacional da Agricultura e Pecuria do Brasil - CNA, nos
governos FHC e Lula a criao de reservas compreendeu, em mdia, 6,72 milhes de
hectares ao ano, dos quais 2,97 milhes de hectares em unidades de conservao e 3,75
milhes de hectares por ano em terras indgenas. No governo de Dilma Rousseff, o ritmo
diminuiu e, em dois anos, foram criados 2,02 milhes de hectares de terras indgenas e 44 mil
hectares de unidades de conservao. A mdia anual foi de 1,03 milho de hectares13.
A questo da criao de reas protegidas no Brasil acomoda-se em terreno controverso.
Se por um lado no faltam apologistas a defender-lhe os inmeros pontos positivos; por outro,
tambm no lhe faltam crticos. A CNA um dos crticos mais contundentes. Citando dados
do Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade - ICMBio, das 312 unidades de
conservao federais existentes no Pas em 2012, observa que apenas 44 foram demarcadas
at maro de 2013, o que, a depender do tipo de UC, dificulta a vida do produtor rural, pois a
partir da publicao do decreto de criao o produtor que nela tem seu imvel rural no
consegue mais acesso ao crdito, pois o imvel passa a no ser considerado produtivo e, ao
mesmo tempo, no de conservao, pois o rito no foi encerrado14.
Segundo Berardi e Mistry (2006), a complexidade que envolve o uso do fogo para
manejo e as reas protegida e seu entorno, caracterizada por interesses contrapostos de
explorao e manuteno, frequentemente conflituosos. A prtica da queimada para manejo
de pastagens, hoje comum em UCs no Cerrado como um todo, gerada e retroalimentada
por fatores histricos, ecolgicos, econmicos e culturais.
A depender da parte interessada, esses fatores no necessariamente alinham-se s
justificativas e aes institucionais dos rgos pblicos competentes, referendadas no
12Disponvel em:http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Apresentacao_segurancaJuridica.pdf 13Disponvel em:http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Apresentacao_segurancaJuridica.pdf 14Disponvel em:http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/Apresentacao_segurancaJuridica.pdf
32
recentemente institudo Sistema Nacional de Unidades de Conservao-SNUC15. Isto porque
um bom nmero das UCs estabelecidas ocorreu em reas previamente habitadas (IBGE,
2010) por populaes detentoras de lgicas produtivas prprias e ancestrais, que tm no fogo
uma importante ferramenta de manejo (COUTINHO, 1990b, 1994; PIVELLO, 2006, 2009;
PIVELLO et al., 1996; HENRIQUES, 2005; DIAS, 1992a, 2005, 2006; PPCERRADO, 2011).
Institucionalmente, ao agirem desse modo, esses rgos pblicos subvertem, em parte,
a lgica tanto do Sistema Nacional de Unidades de Conservao SNUC16 (BRASIL, 2000)
quanto do Plano Nacional de reas Protegidas17 (BRASIL, 2006), baseados ambos na
premissa de que qualquer rea protegida que por concepo no exclua a presena humana
em seus limites ou em suas reas de influncia deve ter gesto participativa, integrando todas
as partes interessadas em uma estrutura de governana plural18.
Na prtica, contudo, isso no vem ocorrendo e mesmo a interao entre os rgos de
governo acaba acontecendo majoritariamente em situaes de indefinio e conflito,
dificultando a ao conjunta das macropolticas e a integrao no territrio, cabendo ao gestor,
em nvel local, a tarefa de superar as idiossincrasias institucionais e facilitar a promoo de
aes institucionais integradas (WWF/IP, 2012).
A legislao afeita ao tema do fogo no Brasil19, embora permita desde 198920 o seu uso
para manejo dentro de alguns parmetros (ICMBio, 2010), na prtica este encontra-se
obstaculizado pelos rgos autorizadores que, em geral, no contemplam a celeridade e os
interesses dos usurios que fazem dele, isoladamente ou ao lado de outras tecnologias,
instrumento de produo rural21, mesmo quando amparado pelo novo cdigo florestal de 2012
(BRASIL, 2012) que o flexibilizou..
O novo cdigo florestal de 2012, mais sensvel a esta questo, inovou em relao cdigo
anterior de 1965, flexibilizando o uso do fogo em determinados casos ainda que, na maioria
deles, esta flexibilizao fique contida nos limites de condicionantes e sob a governana
estadual (BRASIL, 1965; BRASIL, 2012).
15 Lei 9985/2000 16 Lei n. 9985/2000 institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza SNUC e estabelece critrios e normas para a criao, implantao e gesto das unidades de conservao. 17 Decreto 5758/2006. Instrumento que define princpios, diretrizes e objetivos que levaro o Brasil a reduzir a taxa de perda de biodiversidade, por meio da consolidao de um sistema abrangente de reas protegidas, ecologicamente representativo e efetivamente manejado, integrado a paisagens terrestres e marinhas. 18 O SNUC foi concebido de forma a potencializar o papel de cada UC, de modo que sejam planejadas e administradas de forma integrada interna e externamente com as demais UCs, assegurando que amostras significativas e ecologicamente viveis das diferentes populaes, habitats e ecossistemas estejam adequadamente representadas no territrio nacional e nas guas jurisdicionais. Para isso, o SNUC gerido pelas trs esferas de governo (federal, estadual e municipal). 19 Constituio Federal de 1988 (Art. 225); Cdigo Florestal Lei 4771/65; Novo Cdigo Florestal Lei 12.651/2012; Cdigo Penal Brasileiro (Art. 250); Poltica Nacional do Meio Ambiente Lei 6938/81; Lei 9605/98 20 Decreto 97.635/89 21 Disponvel em http://agencia.fapesp.br/17303 Acesso em 08/06/2013
http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%209.985-2000?OpenDocument
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Manifesta-se a a possibilidade de superao de uma racionalidade institucional que
esteve fundamentada, particularmente para o caso do Cerrado, em preceitos ecolgicos
desde h algum tempo questionados (COUTINHO, 1990b, 1994; HENRIQUES, 2005;
PIVELLO, 2006, 2009; PIVELLO e COUTINHO, 1996; DIAS, 2005; ODUM, 1963,1969) e na
lenincia ou subverso da aplicao da legislao do uso do fogo para manejo por parte
daqueles que, paradoxalmente, deveriam contribuir para a sua correta aplicao ou
viabilizao22.
Para conjugar a racionalidade presente desta nova posio institucional s
necessidades e carncias de boa parte daqueles que usam do fogo como ferramenta
tradicional de manejo, alternativas tecnolgicas j existentes deveriam estar acessveis
tcnica e financeiramente tambm para os pequenos produtores, maioria no meio rural, o que
no ocorre (KINZO,1999).
Sobre esse aspecto, Kinzo (1999) chama a ateno para o fato das polticas pblicas
relacionadas com o assunto no se encontrarem devidamente integradas nas diversas
esferas de governo, nem os rgos de fomento e extenso rural terem estrutura adequada
para proporcionar a assistncia tcnica devida aos produtores de forma continuada. Este
aspecto se constitui em um dos principais gargalos para o xito dessa nova abordagem legal
do tema presente no cdigo florestal de 2012, como tambm de qualquer poltica alternativa
ao uso do fogo que se venha a implementar23.
No se pode deixar de considerar, contudo, que houve avanos nos ltimos anos
envolvendo polticas pblicas e sustentabilidade socioambiental. No ambiente da Rio 92
houve a emanao de um grande nmero de polticas socioambientais e econmicas
transversais. Dentre elas, o Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil
PPG7, lanado oficialmente em 1992 e encerrado em 2010, com foco na Amaznia e Mata
Atlntica, que teve como objetivo geral maximizar os benefcios ambientais das florestas
tropicais de forma consistente com as metas de desenvolvimento do Brasil, por meio da
implantao de uma metodologia de desenvolvimento sustentvel para contribuir com a
reduo contnua do ndice de desmatamento. Este Programa abriu caminho para que outros
programas e planos similares fossem concebidos e lanados e que polticas pblicas
transversais ao tema fossem elaboradas.
Especialmente dois desses planos, distribudos que foram em eixos de ordenamento
territorial, monitoramento e controle e fomento s atividades sustentveis produtivas tiveram
efeito catalisador sobre muitas polticas pblicas a eles relacionadas. Tal o caso do Plano
de Preveno e Combate ao Desmatamento da Amaznia PPCDAm de 2004 e dos Planos
22 Disponvel em http://agencia.fapesp.br/17303 Acesso em 08/06/2013 23 Entrevista com o tcnico da Emater de Mamba.
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Estaduais dos nove estados que compem a Amaznia Legal que o seguiram; como tambm
o Plano de Preveno e Combate ao Desmatamento e s Queimadas: Cerrado PPCerrado,
lanado em 2010 e agora em sua primeira reviso, que tenciona trilhar o mesmo caminho de
induo.
Nesse rastro inserem-se tambm a Poltica Nacional de Mudanas Climticas PNMC
de 2009 e a Poltica Nacional de Incndios Florestais, ainda em gestao. Mais recentemente,
em 2011, o Programa de Investimento Florestal FIP, contemplou o Brasil com recursos para
aprimorar e integrar quatro projetos: o Cadastro Ambiental Rural e o Inventrio Florestal do
MMA, o Programa de Agricultura de Baixo Carbono do Ministrio do Desenvolvimento
Agrrio-MDA e os Sistemas Integrados de Monitoramento da Cobertura Vegetal, da
Ocorrncia de Incndios Florestais e da Emisso Associada de GEE no Bioma Cerrado do
Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao MCTI. A questo de uma melhoria nos
sistemas de Assistncia Tcnica ATER, ainda no se definiu no horizonte prximo.
Na elaborao de polticas pblicas voltada para o Cerrado, a gesto participativa
relativamente pouco discutida, o que configura muitas vezes a implementao de polticas de
cima para baixo (top-down) que no reconhecem as prticas das populaes tradicionais
locais nos processos de gesto e por isto no as levam em considerao antes de
implementar as normas ambientais, excluindo essas populaes do processo de gesto
participativa e tornando-as deslocadas em seu prprio espao (POZO, 2002).
Contrapondo-se ao uso do fogo to frequente na prtica rural brasileira (DIAS, 2005),
principalmente naquelas realidades mais carentes (KINZO, 1999), hoje esto disponveis
diversas tecnologias de manejo e rotao de pastagens plantadas, alm de sistemas
agroflorestais e silvipastoris de integrao lavoura, pecuria e floresta, plantios sombreados,
diversificao da produo e produo orgnica. Todas apresentam resultados positivos para
a produo agrcola, conservao da biodiversidade e para a reduo do uso do fogo24.
Essas tecnologias encontram-se relativamente disseminadas entre mdios e grandes
produtores; entretanto, no entre os pequenos25. A rotao de pastagem, por exemplo, uma
tcnica pouco utilizada entre os pequenos produtores, dado a falta de assistncia tcnica
rural, ficando o uso de novas tecnologias restrito aos sistemas agroflorestais, agricultura
orgnica e ao plantio sombreado. Este ponto deve ser ressaltado pois, no Brasil, os pequenos
produtores, ou agricultores familiares, nesse estudo indistintamente ;tratados26, so a maioria
24 Disponvel em: http://www.preveqmd.cnpm.embrapa.br/cartilha.htm#_Toc484598266 Acesso em 24/05/2013. 25 Resultado recolhido a partir da entrevista com o representante da Emater em Mamba GO, 01/06/2013. 26 O prprio texto do Censo Agropecurio de 2006 do IBGE ressalva que um tratamento mais preciso dessa questo ser objeto de agenda futura: Entre os estabelecimentos que no se enquadram na Lei n 11.326, de 24 de julho de 2006, esto tambm pequenos e mdios agricultores, que no se enquadraram na agricultura familiar quer pelo limite de rea quer pelo limite de renda, e tambm as terras pblicas. Uma melhor identificao destes grupos ser um dos temas da agenda futura de trabalho.
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dos que lidam com a terra e os mais carentes de recursos e assistncia tcnica (IBGE, 2006;
KINZO, 1999).
O Brasil rene um pouco mais de 16,4 milhes de pessoas no campo e cerca de 12,3
milhes so de pequenos produtores de acordo com o Censo Agropecurio de 2006 do IBGE.
A atividade econmica realizada por esses pequenos produtores classificada pelo IBGE no
que normalmente se chama por agricultura familiar, assim considerados os que dela
participam quando atendem, simultaneamente, aos critrios definidos pela LEI n 11.326 de
2006, quais sejam: a rea do estabelecimento ou empreendimento rural no exceda quatro
mdulos fiscais; a mo de obra utilizada nas atividades econmicas desenvolvidas seja
predominantemente da prpria famlia; a renda familiar seja predominantemente originada
dessas atividades; e o estabelecimento ou empreendimento seja dirigido pela famlia. Esse
contingente de agricultores familiares do Pas est compreendido numa rea de 80,25 milhes
de ha, ou seja, 24,3% do total do territrio ocupado pelas propriedades agropecurias
brasileiras.
O resumo do quadro desenhado pelo Censo Agropecurio 2006 que mais de 83% dos
estabelecimentos rurais do Pas pertencem classificao de agricultura familiar. Este total
representa 4.367.902 unidades de produo.
Em termos gerais, o Brasil rural constitudo por 5.204.130 estabelecimentos que
ocupam uma rea total maior que 354,8 milhes de ha. Os estabelecimentos caracterizados
como no familiares, apesar de representarem apenas 16,7% do total, pelos dados de 2006,
ocupam os 75,7% restantes da rea rural brasileira. A rea mdia dos estabelecimentos
familiares era de 18,37 hectares, e a dos no familiares, de 309,18 hectares. As pastagens
naturais ou plantadas predominam nessa rea, somando mais de 172,3 milhes de ha. Matas
e florestas esto em segundo lugar com mais de 99,8 milhes de ha. Em terceiro lugar esto
as lavouras brasileiras, que registram a maior rea de todos os tempos, com cerca de 76,7
milhes de ha. Quanto ao efetivo do rebanho brasileiro, este majoritariamente bovino, com
169,9 milhes de cabeas.
Esse contingente de agricultores familiares do Pas est compreendido numa rea de
80,25 milhes de ha, ou seja, 24,3% do total do territrio ocupado pelas propriedades
agropecurias brasileiras. O resultado apontou oque no nenhuma novidade: a
concentrao de terras no Pas. Os estabelecimentos caracterizados como no familiares,
apesar de representarem apenas 16,7% do total, pelos dados de 2006, eles ocupam os 75,7%
restantes da rea rural brasileira. A rea mdia dos estabelecimentos familiares era de 18,37
hectares, e a dos no familiares, de 309,18 hectares.
Na poro de terra destacada pela agricultura familiar, 45% eram destinadas a
pastagens, ao passo que a rea caracterizada por matas, florestas ou sistemas agroflorestais
ocupou 28% das reas. As lavouras ficaram com os 22% restantes do territrio. Apesar da
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rea de lavoura ser bem menor que a de pastagens, 17,7 e 36,4 milhes de ha,
respectivamente, foram esses mais de 17 ha os responsveis por garantir boa parte da
segurana alimentar do Pas como grande fornecedor de alimentos ao mercado interno. A
agricultura familiar foi a responsvel por 87% da produo nacional de mandioca, 70% da
produo de feijo, 46% de milho, 38% de caf, 34% de arroz e 21% do trigo. A cultura com
menor participao foi a da soja, com 16%. J em relao pecuria, os estabelecimentos
familiares foram responsveis por 58% do leite produzido no Pas (vaca, 58%, e cabra, 67%),
possuam 59% do plantel de sunos, 50% do plantel de aves e 30% dos bovinos.
Setecentos e oitenta e um mil estabelecimentos familiares optaram pela captao de
recursos, sendo o custeio o principal fim (405 mil das propriedades), seguido da finalidade de
investimento, quando 344 mil unidades familiares buscaram crdito para esse fim e outras 74
mil unidades o fizeram para a manuteno do negcio. Por fim, oito mil propriedades
adquiriram financiamento para fazer a comercializao dos produtos. No entanto, a maioria
dos agricultores familiares em 2006 nem pensavam em se endividar. O censo registrou mais
de 3,5 milhes de estabelecimentos nessa classificao que no obtiveram financiamento,
especialmente porque no precisaram ou por medo de contrair dvidas.
Especificamente para o Cerrado, apesar das grandes fazendas monocultoras, essa
realidade rural no diferente. Assim, promover a utilizao de tecnologias de substituio
do uso do fogo no Cerrado, principalmente pelos pequenos produtores tratar a questo em
seu ponto nevrlgico e depender no s da existncia de tecnologias alternativas, mas da
capacidade econmico-financeira e instrucional desses produtores em absorv-la e dos
rgos responsveis em oferec-la.
Tal substituio, entendida como socioambientalmente mais adequada pelos rgos de
fiscalizao e licenciamento ambiental (MENEZES e SIENA, 2010) difcil de ser
implementada por diversas razes e, para tanto, caberia ser reavaliada pelos rgos
ambientais, levando-se em conta uma possvel boa relao custo-benefcio para casos
especficos. Alm disso, devera-se considerar a integrao do tema a outras polticas
pblicas correlatas, reavaliando a racionalidade do uso do fogo como ferramenta tradicional
de manejo rural em um contexto mais desburocratizado e seguro, como j manifestado no
artigo 38 do cdigo florestal de 2012 e nas primeiras discusses da nova Poltica Nacional de
Incndios Florestais em elaborao.
Os estudos realizados nas duas UCs buscaram compreender a percepo que tem o
pequeno produtor rural em relao ao uso do fogo como ferramenta, comparativamente a
novas possibilidades tecnolgicas. Os resultados sugerem existir uma racionalidade
instrumental, lastreada em boa medida no tradicionalismo, que induz a ocorrncia dessa
prtica fora da legalidade e da segurana, confirmando Pivello (2006, 2009), Dias (2005,
2006) e Menezes e Siena (2010).
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A prtica do uso do fogo para limpeza de terrenos e manejo de pastagens fora da
legalidade e segurana, contudo, conforme sugerem as pesquisas de campo, no ,
necessariamente, resultado direto de qualquer entrave burocrtico ainda hoje existente para
a concesso de licenas para queima ou mesmo para o cumprimento de alguma
condicionante. Os resultados sugerem que mesmo se tal concesso se fizesse necessria e
esta se desse de forma mais clere pelos rgos de fiscalizao e licenciamento, tal
celeridade no estimularia este pequeno produtor a requer-la. Por conta disso, justificar a
prtica do uso do fogo para manejo com base somente nos argumentos calcados em entraves
burocrticos, condicionalidades e tradicionalismo- no esgotam a questo nem explicam o
porqu de seus usurios persistirem nesse formato business as usual, colocando em risco
de incndio enormes reas, inclusive nativas, com potencial risco de perda de biodiversidade
e vidas humanas. Outras justificativas haveriam ser ento pesquisadas.
Dentre essas, duas servem para bem ilustrar a questo. A primeira diz respeito
indisponibilidade ou da dificuldade de acesso ao crdito rural, cujos resultados trouxeram
surpresas durante a execuo dos trabalhos de campo. Se, por um lado, o baixo nvel da
renda da populao rural nos municpios que compem essas UCs advm majoritariamente
das atividades agropecurias incipientes e desestruturadas (IBGE, 2006); por outro, a
justificativa usual de que a dificuldade de acesso ao crdito um fator paralisante ao
desenvolvimento dessas atividades no seio da agricultura familiar, mostrou-se, nesse estudo,
carecer de maiores anlises fundamentadas.
A segunda diz respeito justificativa calcada no insuficiente aporte tcnico, material e
financeiro municipal gesto ambiental no mbito dessas duas reas protegidas inibidor de
prticas mais sustentveis de produo. Para bem avaliar essa justificativa, houve que se
levantar e ponderar primeiramente a estrutura das gestes municipais nos municpios
envolvidos. Os resultados mostraram que cinco dos seis municpios que compem as UCs
em estudo no possuem estrutura consolidada de gesto ambiental - Secretarias de Meio
Ambiente parte de outras Secretarias, Conselho Municipal de Meio Ambiente e Fundo
Municipal de Meio Ambiente (IBGE, 2012) - e a estrutura da administrao municipal est
pouco integrada a outros rgos externos de gesto rural e ambiental27. Alm disso, os dados
scio-econmicos desses municpios (IBGE, 2010) deixaram explcitas as carncias bsicas
municipais ainda por serem resolvidas, fazendo crer que questes ambientais dessa natureza
provavelmente no esto, por enquanto, no foco de atenes da Administrao municipal28.
Assim, a superposio de duas racionalidades, uma institucional-formal e outra
tradicional-prtica, no interior e entorno dessas UCs de uso sustentvel, aliadas s
27 Entrevista com o tcnico da Emater Mamba. 28 Entrevista com o tcnico da Emater Mamba.
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dificuldades conjunturais e estruturais na introduo e incorporao de novas formas de
manejo sem o uso do fogo, traduz-se em conflitos entre as comunidades e as instituies
ambientais envolvidas, nesse estudo chamado de conflitos scio-institucionais, que, sem
resolver a questo, apenas fazem perdurar a prtica fora de seus regramentos e
condicionantes de segurana, tornando-a, consequentemente, perigosa quando usada para
limpeza de reas e manejo de pastagens.
2.2 O CERRADO
2.2.1 Aspectos gerais: definio, formao, evoluo, classificao, antropizao e
relao com o fogo.
Segundo Batalha (2011), a definio correta de Cerrado depende de um claro
entendimento do que venha a ser um bioma. De acordo com o autor, da maneira como vem
sendo usado no Brasil, o conceito de bioma adquiriu erroneamente uma conotao florstica
e, embora o conceito de bioma seja similar ao de formao vegetal, deve levar em conta a
associao da vegetao com a fauna e os microrganismos. Assim, por um lado, o conceito
de bioma fisionmico e funcional, isto , leva em conta a aparncia geral da vegetao e os
aspectos como os ritmos de crescimento e reproduo; por outro, o conceito no florstico,
de forma que a afinidade taxonmica das espcies que aparecem em vrias unidades de um
mesmo bioma irrelevante.
Nesse raciocnio, Batalha (2011) afirma que para ser coerente com toda a literatura
internacional e usar o conceito de bioma acuradamente, se deveria considerar o Cerrado
sensu lato como formado por trs biomas: o campo tropical (campo limpo), a savana (campo
sujo, campo cerrado e cerrado sensu stricto) e a floresta estacional (cerrado). Coutinho
(2006) chamou a ateno para esse problema, dizendo que o Cerrado no um bioma nico,
mas um complexo de biomas.
O conceito de Cerrado, segundo Ribeiro e Walter (2008), tem sido utilizado para
designar tanto tipos de vegetao, quanto para definir formas de vegetao. Estes autores,
com base em Eiten (1972), explicaram que o tipo de vegetao algo mais complexo,
compreendendo a fisionomia, a flora e o ambiente; distinguindo-se de forma de vegetao,
que compreende apenas sua fisionomia. Ao Cerrado, tambm esto associadas
caractersticas estruturais ou florsticas particulares, encontradas em regies especficas.
Assim, no tocante fisionomia, de acordo com Ribeiro e Walter (1998), a vegetao do bioma
Cerrado apresenta fisionomias que englobam formaes florestais, savnicas e campestres.
A correta diferenciao aqui explicitada entre tipo e forma de vegetao de fundamental
importncia para o entendimento do que ser exposto nas consideraes finais deste estudo.
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Por tipo de vegetao entende-se a fisionomia, a flora e o ambiente, e por forma de
vegetao apenas a fisionomia. A fisionomia inclui a estrutura, as formas de crescimento
(rvores, arbustos, etc.) e as mudanas estacionais (sempre-verde, semidecdua, etc.)
predominantes na vegetao. A estrutura, por sua vez, refere-se disposio, organizao e
arranjo dos indivduos na comunidade, tanto em altura (estrutura vertical) quanto em
densidade (estrutura horizontal). Alguns sistemas de classificao tambm podem definir
fisionomia pelos critrios consistncia e tamanho das folhas (EMBRAPA, 2008)
Para definir um tipo de vegetao, em qualquer escala, pode-se usar um, dois ou os
trs critrios que compem este termo. O mesmo vale para definir fisionomias, embora a
estrutura ou as formas de crescimento dominantes, ou ambas, sejam os critrios mais
utilizados. Portanto, o uso do termo cerrado como tipo de vegetao pode incorporar
componentes que no so observados quando apenas a forma de vegetao considerada
(EMBRAPA, 2008).
Verifica-se, contudo, que esta preciso do conceito de cerrado foi superposta por um
conceito mais vago. Assim, considerando esta impreciso, de forma geral, outro conceito de
Cerrado se estabeleceu e enraizou-se na literatura.
No geral, Cerrado o nome dado s savanas brasileiras. As savanas constituem um
tipo intermedirio entre a vegetao arbrea (floresta) e a vegetao herbcea das estepes e
da tundra, sendo formaes vegetais encontradas nas regies temperadas e intertropicais,
recebendo nomes diversos como Savana (Estados Unidos e frica), Cerrados ou Sertes
(Brasil), Lhanos (Venezuela), Parque (frica Oriental), Chaparral (Mxico), Bosques (Sudo
Africano) e Jungle (ndia) (MARTINS, 1992).
Troppmair (2002) chama essa formao vegetacional de Tropofitica de Savanas,
caracterizando-se por u