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REFLEXÃO CRÍTICA: A Nova Libertação (Maio 68)

Universidade do Algarve - Escola

Superior de Educação e Comunicação

(ESEC)

Curso Superior de Educação Social

Ano letivo de 2014/2015

3.º Ano – 1º Semestre

Unidade Curricular: Desenvolvimento e Participação

Docente: António Fragoso

Discente: Cláudia Brito

Número: 47027

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“Mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que

pensam, que elas tomam por verdadeiro, por evidentes,

certos temas fabricados em um momento particular da

história, e que essa pretensa evidência pode ser criticada e

destruída.”

(Michel Foucault)

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Os movimentos sociais são daqueles fenómenos sociais cuja complexidade exige um

estudo/análise aprofundada para que, além das causas, se possa compreender o impacto

dos mesmos nas sociedades. Ainda assim, pretende-se, com esta reflexão critica,

entender as causas responsáveis pelo despoletamento do movimento revolucionário e

estudantil – Maio 68 - em França. Pretende-se, também, perceber, o impacto dos

protestos, greves e revoltas (movimentos), na França e, mais superficialmente, a nível

internacional. Por outras palavras: perceber como estes ressoaram nas sociedades e que

repercussões tiveram para as gerações, dos anos 70 em diante.

Após a Revolução Francesa (1789), a França, serviria, no século XX, de palco para um

dos maiores, senão o maior, movimento revolucionário e estudantil de todos os tempos:

Maio 68. Este movimento que se iniciou na Universidade de Nantere, nos arredores de

Paris em França, com protestos estudantis (sob influência do movimento hippie dos

E.U.A e de manifestações estudantis da Universidade de São Francisco que se rebelaram

contra a Guerra do Vietnam) e que rapidamente se difundiu por países como a Itália, o

Reino Unido, Japão e outros mais, adquiriu neste país uma forma mais radical e registou

um maior impacto. Às influências anteriormente mencionadas, é de salientar também

acontecimentos históricos como a Revolta Negro-Americana, a Revolução Cultural na

China, a Luta Armada na América Latina e em África, que contribuíram para o aumento

do clima revolucionário das classses estudantis em geral e da francesa em particular.

Convém lembrar que os movimentos estudantis que emergiram em várias partes do

mundo nos finais de 60, apresentavam formas, organização e objetivos diferentes. Por

exemplo, se o Brasil expressava a sua revolta contra a ditadura militar, na França, a

revolta era contra todo e qualquer tipo de autoridade.

O que é curioso no “Maio de 68” na França, que se iniciou, no auge do capitalismo (pós-

guerra), com simples protestos estudantis contra a divisão de dormitórios entre homens e

mulheres, imposta pelo autoritário regime universitário, e as más condições de educação

(reinvidicavam por melhores condições na educação, livre acesso à universidade, a

insuficiência das saídas profissionais, a participação nas tomadas de decisão, o

pensamento critico e reflexivo, etc.) é perceber como estes ganham rapidamente

contornos politicos e se alastram velozmente a outras camadas da sociedade.

Este fenómeno social – Maio de 68 - pode ser explicado, a meu ver, pela oportunidade

que vários grupos/camadas da sociedade tiveram para expressarem as necessidades,

desejos de mudança, que até aí se encontravam ocultos/reprimidos.

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Neste ponto será importante salientar que estes estudantes que ocupavam massivamente

as universidades (outrora elitista), que criticam o sistema educacional e universitário

(considerando-o conservador e obsoleto), são os filhos da geração “Baby Boom”. As suas

origens, as fracas perpectivas profissionais, que os poderiam fazer ascender socialmente,

e mesmo outras razões que poderão não estar a ser assinaladas, podem ser apontadas como

fatores que contribuiram para que um sentimento “proletário” nascesse e se fortalecesse

nestes estudantes.

Para entendermos a adesão da classe trabalhadora ao movimento estudantil, importante

será referir que a França, sob o governo (ideologia política com raizes do comunismo

soviético) autoritário e fechado do general Charles de Gaulle, ainda que se encontrasse

numa fase de modernização industrial do pós-guerra com a entrada do capitalismo na

estrutura, social e económica, já sentia os efeitos do aumento das taxas de desemprego.

Também o aumento de trabalhadores não qualificados, oriundos da África e do Sul da

Europa, nas linhas de montagem, terá contribuído para a crise na produção (tipo fordista)

que se instalou a partir dos anos 60 e se amplificou nos anos seguintes. Nestas

circunstâncias, a classe operária francesa, junta-se rapidamente a esta camada social

jovem rebelde e dificil de ser controlada, aproveitando a oportunidade para reinvidicar

melhores condições laborais: menos horas de trabalho, remuneração mais justa, mais

direitos para os trabalhadores, etc.

Não se pode dizer que as ambições da classe trabalhadora francesa fossem completamente

diivergentes das dos estudantes, pois apesar destes últimos terem assumido uma cultura

com valores diferentes dos estabelecidos (que se refletia na sua forma de pensar, de vestir,

na sua liberdade sexual, etc.), eles também, se preocupavam com as condições laborais,

com as saídas profissionais ( após a finalização dos seus estudos académicos ingressariam

no mercado do trabalho), com as estreitas relações entre os trabalhadores e sindicatos

(Confederação Geral do Trabalho). Além disso, preferiam, em oposição ao consumismo

das socidades ocidentais, uma vida comunitária.

No fundo, tanto a classe trabalhadora quanto a classe estundantil francesa, conscientes de

que os anos prósperos estavam a terminar assim como o desfruto de boas condições

(sobretudo materiais), mobilizam-se, para reinvindicar direitos e soluções para problemas

especificos, que lhes permitisse um futuro melhor.

Se o movimento estudantil se iniciou basicamente com alguns protestos/constestações

contra a educação, que, segundo alguns (Partido Comunista Francês), não era mais que

um episódio de rebeldia juvenil temporário e insignificante, e por isso, poderia ser

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facilmente controlado, com o decorrer do tempo, com a soma de novos protestos e

reivindiçações vindas de outras camadas da sociedade, ganha uma dimensão nacional (e

repercussões internacionais), incontrolável. A determinada altura, a junção da classe

trabalhadora aos estudantes, que estava a ganhar porporções incálculáveis, foi tão

preocupante que a maior central sindical - Confederação Geral do Trabalho -

hegemonizada pelo Partido Comunista, tentou impedir uma aproximação entre estas duas

forças.

No que se refere às classes trabalhadoras, tanto a francesa como as de outros países

industrializados, estas tinham em comum: o desejo de manter o nivel de vida alcançado

no pós-guerra. Mas, a recessão dos anos 60, veio mostrar que os“Trinta Gloriosos Anos”,

assim como a ideia de prosperidade ilimitada, estavam a terminar.

Apesar de terem existido outros Maios, a expressão “Maio de 68” remete-nos,

imediatamente para a França, para imagens reais ou veiculadas por meios de comuicação,

que nos mostram: os confrontos entre forças policiais e estudantes; a ocupação da

Sorbornne e de outras Universidades; os slogans; a contracultura e a greve geral, que

arrastou milhões de pessoas ( estudantes, operários, trabalhadores rurais, sindicatos e

outros profissionais) para a rua no dia 20 de Maio de 68 e paralisou (escolas,

universidades, fábricas, transportes, etc.) praticamente toda a França.

De seguida, através de alguns exemplos, mostrarei o impacto, o que se alcançou com os

protestos estudantis, as contestações e as revoltas que ocorreram em diferentes

sociedades. Apesar das similaridades entre os movimentos, é preciso ter presente que, no

que se refere à forma, à organização e aos objetivos dos movimentos, cada uma das

sociedades, adotou o que considerou apropriado e conveniente à sua conjuntura.

Na França, a 27 de Maio de 68, uma negociação entre o governo, sindicatos dos

trabalhadores e sindicatos de empresários, que ficou conhecida como “Accords de

Grenelle”, concedeu aos trabalhadores uma série de vantagens: elevação do salário

mínimo, liberdade de expressão na empresa, diminuição da jornada de trabalho,

reconhecimento das seções sindicais nas empresas com proteção dos delegados, entre

outras. No ensino universitário, logo pós-maio 68, “la Reforme Edgar Faure” modificou

o sistema de disciplinas e a organização das universidades. Grandes disciplinas como as

ciências, o direito, a medicina, etc., que eram leccionadas em universidades separadas,

juntam-se, tornando-se as universidades pluridisciplinares, para favorecer as evoluções

científicas. Dando seguimento às batalhas ideológicas dos anos 60, alunos e professores,

criam nos anos 70 a “Association pour la Critique des Sciences Économiques et Sociales”

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(ACSES). Deram-se alguns exemplos dos efeitos (concretos) do Maio 68 na França.

Apesar de certos analistas e estudiosos, que se basearam em relatórios do governo, em

pesquisas de opinião ou sociologia conservadora, terem concluído que o Maio de 68 não

provocou efeitos importantes, (e isso é discutível: “O que é que é importante?”), sabe-se

que a um estudo de tamanha complexidade como o Maio de 68 escaparão sempre certos

efeitos ténues e subtis. É inegável que todo o movimento pôs, não só na França como

noutros países, a política e as ideologias “na rua”. Quer isto dizer que a

questões/discussões políticas e ideológicas, deixaram de decorrer unicamente nos espaços

políticos tradicionais para passarem para o quotidiano dos cidadãos. Talvez possamos

dizer que a socialização crescente da política francesa (que também ocorreu noutros

países industrializados) pôs as instituições políticas (não caíram mas tremeram) em

perigo.

Também a nível internacional se registou uma grande alteração das mentalidades, cuja

responsabilidade pode ser atribuida a estes movimentos ocorridos nos finais da década de

sessenta, e a outros que, seguindo a “estratégia” do Maio 68, se iniciaram nos anos

seguintes - movimentos pacifistas, movimentos ecologistas e movimentos feministas -

(Novos Movimentos Sociais) e deixaram as suas marcas até aos dias de hoje.

Mas, também as classes trabalhadoras francesa e de outros países, perceberam com o

Maio 68, que, com as lutas, greves e ocupação das empresas, poderiam melhorar as suas

condições laborais. Em Portugal, apesar do “ Maio de 68” ter chegado mais tarde, à conta

da ditadura salazarista, nos anos de 74 e 75 ocupam-se empresas como forma de protesto,

seguindo o exemplo francês.

As sociedades em geral perceberam que foi através das “revoluções” do Maio de 68 e de

todos os outros movimentos que: se alcançaram novas liberdades, se deu voz às minorias,

se emanciparam as mulheres, se diminuiu a exploração capitalista, que a sociedade se

tornou mais permissiva, mais humana. Porém, parece que a crítica dos estudantes ao

capitalismo esmoreceu pós-maio, o que permitiu que este crescesse e se expandisse

livremente e trouxesse graves consequências mundiais: altas taxas de desemprego, mais

pobreza, mais desigualdades, etc.

Hoje, se repensarmos o Maio 68, num mundo globalizado, onde já se perderam direitos e

uma série de conquistas democráticas, que questões se nos colocam? É preciso (re)tomar

a responsabilização pelos mais fracos/marginalizados, tal como acontecia no Maio de 68,

onde se respeitava, simultaneamente, a diferença e a igualdade.

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É preciso (re)tomar a coragem e a ousadia para contestar os modelos

apresentados/fabricados. Tal como diz o grande filósofo francês Foucault é preciso

“Mostrar às pessoas que elas são muito mais livres do que pensam, que elas tomam por

verdadeiro, por evidentes, certos temas fabricados em um momento particular da história,

e que essa pretensa evidência pode ser criticada e destruída.”