MAIO 2012

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MAIO/2012 - ANO XV - N o 184 O ESTAFETA Foto Arquivo Pró-Memória Um dos assuntos que vem ga- nhando cada vez mais espaço nos meios de comunicação, nos últimos meses, é a crescente corrupção na esfera pública. Com a aproximação das eleições municipais de outubro, este assunto ganhou maior evidência. Os brasileiros estão atentos a esse mal que corrói as administrações públicas e querem dar um basta a esses desvios. Cansaram de ser extorquidos e desejam que os futuros administradores dos municípios sejam pessoas integras, com conhe- cimento em gestão pública e compro- metidos com a transparência. Pelos meios de comunicação as- sistimos, estarrecidos, a sucessivos escândalos, com desvio de dinheiro público nas capitais e grandes cidades. No entanto, nos pequenos municípios não é diferente. Também neles a cor- rupção avança sobre os cofres públicos, como apontam investigações da Contro- ladoria da União. A mídia mostra que a fraude e os desvios de recursos em prefeituras de cidades do interior são tão nocivos à população quanto aos gran- des malfeitos de repercussão nacional. A corrupção miúda, que não desvia milhões, mas leva propinas em pequenos contratos, é tão nociva quanto os grandes esquemas, de intensa repercus- são, e alvos de investigação nacional. De acordo com o Programa de Fiscali- zação da Controladoria Geral da União, os problemas constatados são, entre outros: obras inacabadas ou paralisadas, apesar de pagas, uso de notas fiscais frias e documentos falsos, simulação de licitação ou irregularidade no processo de licitação, incluindo a participação de empresas fantasmas, superfaturamentos de preços, falta de merenda escolar e de medicamentos, gastos sem licitação, não comprovação da aplicação de recursos, favorecimento de empresas... Para contribuir com a transparência nos municípios, já nessas eleições será aplicada a Lei da Ficha Limpa, um instrumento que, certamente, inibirá a corrupção e a gastança desenfreada dos recursos públicos. A transparência nos gastos é uma arma eficaz no combate à corrupção e encurta o fosso que separa promessas de ações. Para a próxima eleição o eleitor deverá estar atento ao escolher o candidato ao cargo majoritário no município. Em mensagem dirigida à população, os bispos brasileiros, reunidos em Aparecida no último mês de abril, em sintonia com os importantes acontecimentos que marcam o país neste ano, especialmente as eleições municipais em outubro, convocam todos os eleitores a exercerem um de seus mais expressivos deveres de cidadão: o voto livre e consciente. Inspirados nas palavras do papa Bento XVI, o qual afirmou que a sociedade justa, sonhada por todos “deve ser realizada pela política”, e que a Igreja “não pode e nem deve ficar à margem na luta pela justiça”, os bispos brasileiros conclamaram todos a participarem do processo político eleitoral. As eleições municipais têm característica própria em relação às demais, por colocar em disputa os projetos que discutem os problemas mais próximos do povo: edu- cação, saúde, segurança, trabalho, trans- porte, moradia, ecologia, lazer. Trata-se de um processo eleitoral com maior participação da população porque os candidatos são mais visíveis no cotidiano dos eleitores. A sua importância é proporcional ao poder que a Constituição de 1988 assegura aos municípios na execução de políticas pú- blicas. Nos municípios, manifestam-se também as crises que o mundo atravessa, incluindo a democracia. Isso torna ainda mais impor- tante a missão de votar bem, ficando claro para o eleitor que seu voto, embora pessoal e intransferível, tem consequências para a vida do povo e para o futuro do país. As eleições são, portanto, momento propício para que se invista, coletivamente, na construção da cidadania, solidificando a cultura da participação e os valores que definem o perfil ideal dos candidatos: histórico de vida coerente com o discurso político e referendado por honestidade, competência, transparência e vontade de servir ao bem comum. A análise desses valores deve ser farol a orientar os eleitores, que, em retorno, devem se manter em contínuo diálogo com o poder local e suas comunidades. Ajudam-nos nesta tarefa instrumentos como as leis de iniciativa popular contra a corrupção eleitoral e a compra de votos conhecida como Lei da Ficha Limpa. Aos eleitores, cabe-lhes ficar de olhos abertos para a “ficha” dos candidatos. Da sociedade espera-se a mobilização, como já ocorre em vários lugares, explicitando a necessidade de a “Ficha Limpa” ser aplicada também aos cargos comissionados, para ainda maior consolidação da democracia. Desta forma, dá-se um importante passo para se colocar fim à corrupção que envergonha nosso país. Mensagem da CNBB sobre as eleições 2012 As eleições municipais têm característica própria em relação às demais, por colocar em disputa os projetos que discutem os problemas mais próximos do povo: educação, saúde, segurança, trabalho, transporte, moradia, ecologia, lazer.

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EDIÇÃO 184 - ANO XV

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E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, MAIO/2012 - ANO XV - No 184

O ESTAFETAFoto Arquivo Pró-Memória

Um dos assuntos que vem ga-nhando cada vez mais espaço nos meiosde comunicação, nos últimos meses, é acrescente corrupção na esfera pública.

Com a aproximação das eleiçõesmunicipais de outubro, este assuntoganhou maior evidência. Os brasileirosestão atentos a esse mal que corrói asadministrações públicas e querem darum basta a esses desvios. Cansaram deser extorquidos e desejam que osfuturos administradores dos municípiossejam pessoas integras, com conhe-cimento em gestão pública e compro-metidos com a transparência.

Pelos meios de comunicação as-sistimos, estarrecidos, a sucessivosescândalos, com desvio de dinheiropúblico nas capitais e grandes cidades.No entanto, nos pequenos municípiosnão é diferente. Também neles a cor-rupção avança sobre os cofres públicos,como apontam investigações da Contro-ladoria da União. A mídia mostra que afraude e os desvios de recursos emprefeituras de cidades do interior são tãonocivos à população quanto aos gran-des malfeitos de repercussão nacional.

A corrupção miúda, que não desviamilhões, mas leva propinas em pequenoscontratos, é tão nociva quanto osgrandes esquemas, de intensa repercus-são, e alvos de investigação nacional.De acordo com o Programa de Fiscali-zação da Controladoria Geral da União,os problemas constatados são, entreoutros: obras inacabadas ou paralisadas,apesar de pagas, uso de notas fiscaisfrias e documentos falsos, simulação delicitação ou irregularidade no processode licitação, incluindo a participação deempresas fantasmas, superfaturamentosde preços, falta de merenda escolar e demedicamentos, gastos sem licitação, nãocomprovação da aplicação de recursos,favorecimento de empresas...

Para contribuir com a transparêncianos municípios, já nessas eleições seráaplicada a Lei da Ficha Limpa, uminstrumento que, certamente, inibirá acorrupção e a gastança desenfreada dosrecursos públicos. A transparência nosgastos é uma arma eficaz no combate àcorrupção e encurta o fosso que separapromessas de ações.

Para a próxima eleição o eleitor deveráestar atento ao escolher o candidato aocargo majoritário no município.

Em mensagem dirigida à população, osbispos brasileiros, reunidos em Aparecidano último mês de abril, em sintonia com osimportantes acontecimentos que marcam opaís neste ano, especialmente as eleiçõesmunicipais em outubro, convocam todos oseleitores a exercerem um de seus maisexpressivos deveres de cidadão: o voto livree consciente.

Inspirados nas palavras do papa BentoXVI, o qual afirmou que a sociedade justa,sonhada por todos “deve ser realizada pelapolítica”, e que a Igreja “não pode e nemdeve ficar à margem na luta pela justiça”, osbispos brasileiros conclamaram todos aparticiparem do processo político eleitoral.

As eleições municipais têm característicaprópria em relação às demais, por colocarem disputa os projetos que discutem osproblemas mais próximos do povo: edu-cação, saúde, segurança, trabalho, trans-porte, moradia, ecologia, lazer. Trata-se deum processo eleitoral com maior participaçãoda população porque os candidatos sãomais visíveis no cotidiano dos eleitores. Asua importância é proporcional ao poder quea Constituição de 1988 assegura aosmunicípios na execução de políticas pú-blicas.

Nos municípios, manifestam-se tambémas crises que o mundo atravessa, incluindo

a democracia. Isso torna ainda mais impor-tante a missão de votar bem, ficando claropara o eleitor que seu voto, embora pessoale intransferível, tem consequências para avida do povo e para o futuro do país.

As eleições são, portanto, momentopropício para que se invista, coletivamente,na construção da cidadania, solidificando acultura da participação e os valores quedefinem o perfil ideal dos candidatos:histórico de vida coerente com o discursopolítico e referendado por honestidade,competência, transparência e vontade deservir ao bem comum. A análise dessesvalores deve ser farol a orientar os eleitores,que, em retorno, devem se manter emcontínuo diálogo com o poder local e suascomunidades.

Ajudam-nos nesta tarefa instrumentoscomo as leis de iniciativa popular contra acorrupção eleitoral e a compra de votosconhecida como Lei da Ficha Limpa. Aoseleitores, cabe-lhes ficar de olhos abertospara a “ficha” dos candidatos. Da sociedadeespera-se a mobilização, como já ocorre emvários lugares, explicitando a necessidadede a “Ficha Limpa” ser aplicada também aoscargos comissionados, para ainda maiorconsolidação da democracia. Desta forma,dá-se um importante passo para se colocarfim à corrupção que envergonha nosso país.

Mensagem da CNBB sobre as eleições 2012

As eleições municipais têm característica própria em relação às demais, por colocar em disputa osprojetos que discutem os problemas mais próximos do povo: educação, saúde, segurança, trabalho,transporte, moradia, ecologia, lazer.

Fotos arquivo Pro-Memória

Página 2 Piquete, maio de 2012

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204

Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues Ramos

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Até o início do século 20, o ribeirão do

Piquete era conhecido como ribeirão do

Embaú. A razão deste nome é de fácil

dedução: após percorrer o perímetro urbano

da pequena Vila do Piquete, a ele se

juntavam os ribeirões Itabaquara e Passa-

Quatro, em direção ao povoado do Embaú.

O ribeirão do Piquete tem suas nascentes

na Mantiqueira. Eram inúmeras, que se

juntavam concorrendo para engrossar seu

volume, de maneira que o Piquete descia

caudaloso, barulhento, rolando seixos... Era

até perigoso em certos trechos. No seu

trajeto formava profundos remansos, cujos

poços – da Figueira, da Laje, da Raia, da

Estação, do Vidinho, do Poço Fundo e da

Volta – serviam de piscina natural para os

moradores se banharem nos fins de semana

ou se refrescarem nas tardes de verão. Era

comum famílias inteiras se arrancharem em

suas margens para piqueniques e pescarias.

Muitas crianças aprenderam a nadar em suas

águas. Parece mentira, mas era piscoso –

bagres, traíras, mandis, lambaris e carás

povoavam suas águas. Em suas margens,

era comum avistar frangas d’água, garçotas,

paturis, martins-pescadores...

O ribeirão do Piquete teve seus dias de

glória até o final da década de 1930. A partir

de então, fatores adversos atingiram seus

dois principais afluentes formadores: os

ribeirões Benfica e Sertão. Com a abertura

da rodovia Lorena – Piquete – Itajubá, várias

trilhas adjacentes à estrada cortaram o

Benfica, que passou a receber toda espécie

de dejetos, além do desmatamento em suas

cabeceiras, erosão de encostas com grande

carga de sedimentos; tudo isso concorreu

para a diminuição de suas águas. O mesmo

aconteceu com o Sertão, com resíduos

químicos lançados em suas águas pela

Fábrica, em expansão por essa época.

Paralelamente a tudo isso, ocorreu o

crescimento e a expansão urbana da cidade,

com o surgimento de novas vilas, que foram

se espalhando nas baixadas e nos flancos

dos morros. Por essa e outras razões, o

ribeirão do Piquete transformou-se num

minguado filete de água, assoreado e

sufocado por esgoto e toda espécie de

detritos domésticos. Seu volume diminui a

olhos vistos, perde força a cada ano.

Sem cuidados especiais, o ribeirão do

Piquete agoniza e findará bem depressa se

não nos voltarmos para a preservação e

recuperação de suas nascentes e margens.

A preservação das nascentes ajuda a

garantir a qualidade e a quantidade de água

de nossos córregos e rios, em especial os

que contribuem para o abastecimento. Os

governos têm voltado os olhos para ações

que resultem na preservação ambiental. O

problema da escassez de água potável no

mundo é grave e preocupa os países. Nas

últimas décadas, tem-se discutido, em

diferentes fóruns, mecanismos de

preservação, garantindo para as gerações

futuras água de qualidade. É preciso que

mudemos urgentemente nossa relação com

o ribeirão do Piquete. Precisamos nos

conscientizar da necessidade de se proteger

a bacia hidrográfica daquele que é o

principal curso d’água do município.

Precisamos adotar o ribeirão do Piquete para

que ele, como no passado, proporcione

beleza estética, mate a sede e concorra para

a melhoria da qualidade de vida dos

piquetenses.

O Ribeirão do Piquete

Imagem - Memória

Era comum famílias inteiras se arrancharem às margens do Ribeirão do Piquete para piqueniques e pescarias. Parece mentira, mas ele era piscoso – bagres,traíras, mandis, lambaris e carás povoavam suas águas. Na foto de 1924, o mestre José Corrêa com esposa e filhos, prontos para a pesca.

O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Página 3Piquete, maio de 2012

Airton

Paisagem aindamaravilhosa

Já não és para mim a Cidade Paisagemda minha infância,

Aquela que cartazes na estrada,anúncios pintados na frieza das tintas,propagandas feitas somente para tevender, feito um cartão postal comum,como mil outros iguais e sem vida, eraanunciada aos visitantes e alardeada aosquatro cantos.

Hoje, ainda as frases feitas se repetem,mas sem que te renovem.

Agora, és sim, cidade lembrança dapaisagem, do verde, da beleza natural e dossonhos de uma vida aqui nascida.

E foi na saudade, na vontade de reveros montes do teu caminho,

As montanhas que te fazem fundo, queaos olhos parece pintura emoldurada,

Que te reconheci assim, calcada emmim. De maneira surpreendente,

O verde-azulado dos teus montescobertos de florestas, o amarelo frágil dosipês solitários que adornam o caminho quete traz de volta. Isso está gravado naslembranças.

As tuas ruas sossegadas, teu tranquiloviver, as pessoas que em ti ficaram, e outrasque voltaram.

Tudo isso provoca um misto de alegriae de tristeza.

Porque a maravilhosa paisagem quasesucumbiu ao tempo, aos desmandos, aosmaus tratos da indiferença e do desleixo,

Da pouca vontade de te preservar e temelhorar para as futuras gerações.

Mas fica em mim a esperança de queressurjas como fênix e novamente sejas acidade paisagem que muitos conheceram,e volte a ser não só um cartão postal, umslogan,

Mas a paisagem real da vida de muitosque ainda se lembram de ti e sentemsaudades da tua presença em suas vidas.

Lorena, maio/2012

Eunice Ferreira

Airton Ribeiro da Costa é filho deAntônio Ribeiro da Costa e Gersey Mariada Silva Costa, tradicional família de Piquete,do bairro da Caixa D’Água – “Bairro decarretel... Só tem gente de linha...”, ressalta,orgulhoso do local onde nasceu e passoutoda a infância e adolescência. Airton é osétimo entre nove irmãos.

O futuro Chefe do Estado Maior doComando de Policiamento de Área doInterior começou seus estudos no GrupoEscolar Antônio João. Daquela tradicionalescola piquetense, citou as professoras RitaCâmara, Conceição Vieira e Wanda Guedes.Continuou sua formação na Escola Indus-trial da FPV e no Colégio Estadual, com osprofessores Silvão, Odaísa Frota, BetinhoLuz, Luiz Pantoja, Candinho, Eurico Fer-nandes... Alguns de seus colegas de escolaforam: Arnaldo Bevilacqua, Regina LúciaRamos, Doralice e Renato, esses doisúltimos filhos do senhor Armando alfaiate.Airton cursou, ainda, um ano de Magistério,ao longo do período em que serviu noContingente 2/12 da Fábrica PresidenteVargas... A carreira que atraiu, entre outros,os amigos Bosco Araújo, Rosalba e Rosân-gela Masieiro não era o que Airton realmentequeria. Ingressou, então, em 1973, na EscolaSuperior de Educação Física de Cruzeiro(ESEFIC). “Era uma escola com professoresrenomados e de excelente qualidade”, diz.Airton conta que a ESEFIC era subsidiadapela Prefeitura de Cruzeiro, o que garantiamensalidades menores, “bancadas pelo meuirmão Toninho... As passagens me erampagas pela minha irmã Marlene...”. Em 1974,no entanto, a prefeitura cortou o subsídio eos melhores professores não foram man-tidos. Movido, então, pela busca daexcelência, transferiu-se para a faculdade deEducação Física de Sorocaba. “Além disso,eu queria um emprego...”, afirma. E assimfoi: em Sorocaba começou a trabalhar naCompanhia Nacional de Estamparia, comoporteiro. Durante o curso de EducaçãoFísica, chegou à tesouraria.

Formado em 1975, prestou concurso paraa Academia do Barro Blanco, formadora dosoficiais da Polícia Militar. “Estava com 23anos e era o último ano em que poderiaingressar...”.

Bacharelou-se em 1978, em CiênciasPoliciais. Observa-se em Airton a seriedadede um militar que privilegiou sua formaçãona busca do sucesso profissional: cursou,ainda, Direito, na UNISAL, da qual foi alunoda 1ª turma, pós-graduação na UNITAU emestrado... E não parou: fez também o CursoSuperior de Polícia, que equivale a umDoutorado em Ciências Policiais de Segu-rança e Ordem Pública.

Com poucos anos de serviço militar, foitransferido para o recém-criado Batalhão deCruzeiro, que ajudou a estruturar. Com atransferência para Lorena, acompanhou oBatalhão, em 1981.

“Passei minha vida profissional todana região... A atividade militar é umsacerdócio... É muito gratificante ter aoportunidade de ajudar a população.Nessa função, presta-se muita as-sistência social... Esta é a parte maisimportante de minha carreira e orgulho-me dela, não deixando o lado derepressão e controle criminal, é claro...Foram 35 anos de trabalho e bonsserviços na Polícia Militar...”

Com atuação em toda a região,Airton citou os quinze dias que pas-sou no Pico dos Marins, na buscapelo escoteiro Marco Aurélio, curiosocaso que é mistério até hoje.

Em 6 de novembro de 1976, numbaile de Mini Miss Piquete, conheceuInolá Soares, com quem se casou em20 de junho de 1980. Tiveram doisfilhos: Bruno e Letícia.

Com uma ilibada carreira profis-sional, Airton demonstra postura eseriedade militares, sem conseguiresconder o “menino carretel” daCaixa D´Água. Sua mensagem éclara: educação é a base para semanter na linha e crescer pessoal eprofissionalmente.

O ESTAFETA Piquete, maio de 2012Página 4

O Cisne Branco, dobrado majestoso daMarinha Brasileira, era tocado com esmeropela Banda da Fábrica Presidente Vargas.Nenhuma nota dissonante.

Os músicos, funcionários da Fábrica,eram rigorosamente selecionados pelomaestro exigente, cuja educação, particu-larmente a musical, fora ministrada pelo painum aprendizado realizado à exaustão, comlágrimas incontidas de criança em tenraidade, boca inchada e lábios sensíveis parasoprar a elegante clarineta. Tempos árduos,de pequenas compensações. Muito traba-lho e vida espartana, isto é, essencialmentedisciplinada.

Mas prevaleceu de Mnemosine amemória da Banda da Fábrica, perfiladanos uniformes azuis bem engomados,limpos e orgulhosamente portados porseus possuidores, os músicos dedicados.Mnemosine é a musa da memória e prote-tora da História.

A Banda passava. O público, atento,disputando os lugares nas filas, ao longodas calçadas. Ato celebrativo das come-morações em nome da pátria e do idealnacional modulado pelo som vibrante dosacordes marciais. A vibração ficou no tempo,reverberando, acionando, colorindo. Ocolorato do andante com brio que levantavaespíritos e incendiava as almas. Poucasbandas da época foram tão afinadas epreparadas. Os elogios se acumulavam naspresenças hierárquicas que compareciamaos atos cívicos do estabelecimento fabrilestratégico. Ato épico recíproco do bélico,a invocar a paz, beneplácito das guerras quese anunciariam nos limites da nação ou foradela. Ou nelas justificado pelo aprazimento

e pacificação. Desde os velhos filósofosgregos, o aforismo de que para ter a paz épreciso fazer a guerra.

Um dia, destes que se intercalam aosmuitos, mas sempre insuficientes, ao sair daBiblioteca Nacional, na Cinelândia, no Riode Janeiro, deparei-me com a fachadamonumental do Teatro Municipal, joia rarade nossa arquitetura. E eis que se anunciavaa comemoração dos 150 anos da Marinha,com convites anteriormente distribuídosentre os postos hierárquicos e familiares.Sempre sobram alguns pela falta de procuraou confirmação. Aproximei-me da jovemtenente lindamente uniformizada de branco.Solicitei-lhe um convite e apresentei-mecomo pesquisadora da História Nacional emnível de mestrado da Universidade de SãoPaulo. Mostrei-lhe meu cartão de prova como número correspondente. Ela consultou umdos organizadores do evento. Pouco depois,deu-me o convite, que agradeci com entu-siasmo. Ocupei meu lugar. Vi sucederem-seoradores, cantores e toda uma cerimôniacom o pronunciamento dos portadores dealtas patentes: o ministro, almirantes,capitães-de-mar-e-guerra e outros tantos.Até que chegou a vez da entrada em cenada Banda dos Fuzileiros Navais. Perfeita nosuniformes, execução musical, acordes eafinação. Foi apresentado o Cisne Branco.Transportei-me para Piquete ao som denossa Banda tão perfeita quanto. A emoçãofoi máxima ao situar na memória afetiva omaestro, meu pai, José de Castro Ferreira.

Era março. Mês do aniversário dele.

Dóli de Castro Ferreira

Quando passava o Cisne BrancoA passagem do Cisne Branco singrando os mares era pura emoção.

Em Piquete, 8 de abril de 2012, domingode Páscoa, no largo da Estação RodriguesAlves, dia de festa na casa do “seu” Dito,dona Maria, Regina e o irmão e os sobrinhos,além de muitos amigos. Entre eles, FátimaAmaral, sobrinha da Celina de Barros. Naverdade, a já tradicional festa da queima dojudas, transformada pela família em símbolode afeto, com a distribuição de balas,pirulitos, pipocas, até moedas, com direito aprêmio especial. Além do algodão doce emuitos presentes para os adultos.

Fátima lembrava Celina enquanto home-nageava Regina, a professora Regina,incansável na organização da festa e nadistribuição das guloseimas. Realmenteadmirável esse encontro de amigos, cujoslaços afetivos se transmitem por gerações.Encontro de pessoas de todas as idades emrespeito mútuo, carinho e expressões felizesde sorrisos largos. Seu Dito, com o sorrisocada vez mais amplo, 91 anos e mais de 60de festa. Detalhe importante para quem viveem ambientes de sorrisos difíceis e forçadosou de apenas comiseração.

Dona Maria, a pele clara, os intensosolhos azuis, se renova cada vez mais, e daalegria contagiante, nos comove a todos.Doação total. A festa, ruidosa, vencia otempo e fazia mais prazeroso o domingo.Realmente no símbolo pelo qual é proposto,o da Páscoa, da irmanação.

Símbolo da partilha entre os irmãos, aPáscoa dá a Cristo a dimensão humana queo qualifica como Salvador da espéciehumana, no perdão e no resgate do pecadooriginal pela culpa de Adão em perder oParaíso. Instalado em nosso imaginário, essesímbolo cristão dimensiona o homem comobeneficiário de Deus que se humaniza semperder a divindade.

Reforçados os elos da sociedade poressas reuniões ruidosas da queima dojudas, mas animada pela distribuição deapetitosos produtos, a Páscoa é realizada.Entendendo essas propostas, a família deRegina recebe os amigos e faz de sua casaum ponto de encontro aprazível – éagradável lá estar em companhia de todaaquela gente boa que não finge, mas seabre de todo o coração.

Parabéns, “seu” Dito, dona Maria,Regina e todos os que, localizando Piqueteno mapa dos afetos, dão-nos a confiança ea crença nesse nosso povo simples eesperançoso.

No movimento causado pela epifania, arevelação demonstrada foi como a explosãode beleza num vaso de flores. O registro defelicidade no brilho dos olhos de dona Mariae o largo sorriso de “seu” Dito contra-pontearam os suores da Regina sob ointenso calor do meio dia sonorizado peloespocar dos foguetes sublimando a Páscoa.

Laços de afetoDóli de Castro Ferreira

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Banda de Música da Fábrica de Piquete, em 1939. À esquerda, o maestro José de Castro Ferreira.

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O ESTAFETA Página 5Piquete, maio de 2012

Durante todo o tempo pascal, iniciadocom a Vigília de Páscoa, na noite do sábadosanto, e celebrado por cinquenta dias, atéfindar na festa de Pentecostes, encontra-senas igrejas o Círio Pascal, um símbolo muitosimples e ao mesmo tempo repleto designificado.

O Círio Pascal é aquela grande vela queé acesa na noite de Páscoa e permaneceacesa a nos recordar o Cristo Ressuscitado,até que os cristãos celebrem o dia em que,segundo as Escrituras, o Espírito Santo foirecebido pelos primeiros discípulos deJesus, dando início à caminhada da Igreja.Nessa vela podemos observar algumasinscrições: há uma cruz que nos recorda amorte do Senhor, que foi vencida; entre ostraços da cruz estão os algarismos do anoatual (neste ano encontramos 2012), queindicam que Jesus é o senhor do tempo e dahistória. Acima da Cruz está inscrita aprimeira letra do alfabeto grego, o alfa (á),representando que Jesus é o princípio detodas as coisas, não simplesmente oprincípio cronológico, mas ontológico, apartir do qual a existência deve dar-se eordenar-se. Abaixo da cruz há a letra ômega(Ù), indicando que Jesus é o fim de todo oser e agir, a meta para a qual converge todoo existir.

A grande vela que nos ilumina duranteos cinquenta dias de celebrações pascaisé um forte símbolo da humildade vivida porCristo e proposta aos seus discípulos detodos os tempos. A luz do Círio vive emvirtude do sacrifício: a vela iluminaconsumindo-se a si mesma; dá luz, dando-se a si mesma. É uma bela maneira de aIgreja refletir sobre o mistério pascal deCristo, que, por sua entrega até a mortedeu vida ao mundo, e refletir também sobresua missão de gerar vida através do serviçoe da doação no seguimento de Jesus.

O fogo que consome o Círio Pascaltambém nos lembra Cristo. O fogo é a forçaque plasma o mundo, transforma as coisas,

Cera virgem de abelha generosapurifica e queima o mal. Remete-nos aindaao calor amoroso e à bondade de Deusrevelados nas obras e palavras de Jesus deNazaré.

Na vigília pascal, a Páscoa é proclamadasolenemente por meio de um grande hino, oPrecônio, entoado pelo diácono, ou, em suaausência, pelo presidente da celebração.Nesse hino há um trecho em que se canta:“A cera virgem da abelha generosa ao Cristoressurgido trouxe a luz / eis de novo a colunaluminosa que o vosso povo para o céuconduz.” Essa pequena citação chamanossa atenção para outra significativasimbologia do Círio Pascal. O materialutilizado na confecção da vela a serconsumida pela chama que ilumina e dissipaas trevas se fica a dever, em primeiro lugar,ao trabalho das abelhas. Há aí uma alusão àIgreja, na qual a cooperação da comunidadeviva dos fiéis é semelhante ao trabalho dasabelhas: constrói a comunidade da luz. Dessamaneira, o Círio aceso em nossas igrejas étambém um constante apelo dirigido aoscristãos para que trabalhem unidos emantenham a comunhão fraterna, a fim deque a luz, que é Cristo, possa resplandecerna Igreja.

Em poucos dias, com a celebração daFesta de Pentecostes e o fim do tempopascal, o Círio Pascal será retirado denossas igrejas. Muitos cristãos ficam a seperguntar: Esse símbolo não poderiapermanecer constantemente em nossostemplos a nos recordar da ressurreição doSenhor? A Igreja retira o Círio Pascal doespaço de celebrações para que compreen-damos que a luz do Cristo, que nos iluminoudurante os cinquenta dias de celebraçõespascais, deve agora brilhar no mundo pormeio dos cristãos, que, dia após dia, vãosendo consumidos na prática das boasobras que brilham como a chama do Círiodiante da humanidade e iluminam as trevasdo mundo.

Pe. Fabrício Beckmann

A internet nos proporciona momentosdeliciosos: dias desses estava eu as-sistindo a vídeos antigos de “Os Trapa-lhões”, com os saudosos Zacarias eMussum... Nada mais politicamente incor-retos do que o Zacarias travestido demulher e o “negão” e “bebum” Mussumcom seus trejeitos... Imaginem aquelascenas hoje em dia... Bastaria o Mussumaparecer como pobre e bêbado para osgrupos “anti-isso” ou “anti-aquilo”dizerem que os direitos dos negros e dosalcóolatras estavam sendo desrespei-tados... Desculpem-me os politicamentecorretos, mas é bobabem pura. Depois derir muito, fiquei pensando: seriam “OsTrapalhões” aceitos pelos politicamentecorretos de hoje?

Recentemente, li uma entrevista doescritor Luiz Felipe Pondé, em que ele falasobre o tema “politicamente incorreto”.Desconsiderando o marketing necessáriopara a venda de seus livros (os diveros“Guias Politicamente Incorretos...”),identifiquei-me com seus comentários. Eleconseguiu traduzir o que já acreditava hámuito tempo: o policiamento do politica-mente correto torna-se uma censura àcriatividade, à liberdade de expressão.Disse ele: “A intenção (...) é levantar umdebate apontando como o politicamentecorreto, nascido de uma preocupação quenão deixa de ser consistente, se transfor-mou numa verdadeira censura fascista dopensamento público”. É exatamente isso...

Tudo hoje em dia tem um “grupo”, uma“união” que defenda seus direitos... Econcordo plenamente, afinal isso é demo-cracia... Mas acho que estamos chegandoa um ponto perigoso: o do excesso dedemocracia... Temos tanta liberdade de agirou de ter nossos direitos respeitados, queacabamos por tolher os direitos dosoutros... Um exemplo tolo, mas muito reale politicamente incorreto: um chefe nãopode se dar o direito de oferecer flores àsua subordinada; corre o risco de serprocessado por assédio sexual... Outro:uma criança chamando outra de “bolinha”,de “quatro-zóio” no Jardim da Infância...Até há alguns anos era resolvido com umabriguinha entre crianças... Hoje, seriatratado como bullying e motivo deprocesso também...

Esse assunto renderia muitas laudas(termo muito usado pelo Yeyé... eheh), masa conclusão é – em minha opinião, é claro– uma só: o bom-senso está sendo vencidoe dando lugar aos interesses deste oudaquele gueto... E o termo gueto já diztudo... Portanto, vamos nos respeitar,vamos nos amar... Busquemos nossosdireitos, é claro, mas, acreditem, umpouquinho de politicamente incorreto não‘mata’ ninguém.

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Politicamenteincorreto...

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O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, maio de 2012

Crônicas Pitorescas

Palmyro MasieroSanduíche confortável...

Arvoreta

Era um grandissíssimo gozador! Adjetivomelhor que este para qualificar este cara-de-pau é meio difícil encontrar. Primeiro,chegou em hora imprópria, e, segundo, decara cheia. Chegou, explica-se, na casa deum seu amigo, colega de serviço, quemorava na cidade vizinha, por volta dasonze horas de uma belíssima manhã dedomingo. Bateu à porta:

– Olá, companheiro!– Olá, respondeu seu amigo com um

“o” inicial veemente, que, bem rápido,escorregou do entusiasmo, chegando a ummagérrimo “lá”, quando notou o estadodo visitante.

– Olha, companheiro, eu vou pra casano próximo ônibus e, como falta ainda muitopro seu horário e eu estou com uma fomedanada, lembrei-me de vir a sua casa pra serconvidado para o almoço.

– Mas hoje é domingo... veio a pon-deração do outro.

– Uai, e não se come nesta casa aos

domingos?– Não, não é isso... É que hoje é

ajantarado... O almoço só fica pronto alipelas duas da tarde...

– Ô diacho!... Até lá eu não posso ficar,pois não tenho outra condução pra voltar...

– Realmente é uma pena que issoaconteça, mas fica para uma próxima vez...

– É, realmente...Por uns segundos o visitante per-

maneceu olhando o vazio. Encontrou umasolução à qual seu amigo se rendeuincondicionalmente. Reconheceu queperdera a parada e mandou o mamadoentrar, o que ele fez meio cambaleante:

– É, realmente... Você fica me devendoum almoço para uma outra oportunidade.Mas como estou faminto e tenho que tomaro último carro, você manda me preparar umsanduíche com bastante conforto e tudofica bem...

E embarcou no ônibus previsto, con-fortavelmente.

O encontro desta sigla nas colunas dojornal da terra veio avivar-nos na memóriaum punhado de recordações já um tantoadormentadas, como um sopro oxigenadoque passasse sobre um braseiro já mortiço.

E, assim, voltemos até os anos 30, atéum domingo qualquer...

A.A.P. – lá estavam as iniciais pintadasnas traves de ambos os arcos. E, enquantoos craques se empenhavam na peleja e atorcida se empenhava no incentivo, quasesempre havia um forasteiro a indagarsobre o significado delas. E a gente, então,agigantava o tórax e avolumava a voz,plastificando-a com timbres de rabecão ede baixo-tuba, para decifrar o logogrifoao estranho. Mas, a vontade era mesmode soltar um destampatório sobre oignorante, aborígene, primitivo, quedesconhecia o sentido das iniciais. Pois,então, não sabe que A.A.P. quer dizerAssociação Atlética Piquetense? Nãosabe? De onde é que você vem, homem?Do Congo Belga? Do Corgo Fundo?

Mas, a essa altura, a indignação játinha sido abafada por mais uma bola queo Mané Pinto mandara ao fundo das redesdo adversário. Redes? Que redes, rapaz?Deixe de lembrar demais! Ou você se refereà tela de arame que protegia o telhado dacasa do Zé Miguel contra os bolaços daturma!

Mas era assim mesmo: o campo daA.A.P. era o melhor do mundo. Nem ocampo do Estrela, com aquele bambuzal emtorno, onde a bola se aninhava a três-por-quatro!

O campo da A.A.P. era o maior! Nãotinha porteiros porque não tinha portões.Era chegar e entrar. Os que preferiamarquibancada encarapitavam-se nos bar-

A.A.P.rancos. Os da geral esparramavam-se pordetrás dos arcos e pelo lado da rua. Mas amaioria era de cadeira cativa, cadeira própriae intransferível: era só dobrar o corpo esentar-se nos calcanhares...

E, lá ou cá, o entusiasmo era o mesmo.Torcia-se pra valer. E a rapaziada cor-respondia: era o Simeão, o Zé Divino, oJ.Augusto, o J.Cardoso, o Zezinho Pinto,o ... quem mais, hein? Que a memória já nãofunciona! Bem, havia, ainda, os irmãosVieira Soares.

E durante a semana, então! Aí, sim, ocampo era da gente. Bastava qualquer umapanhar uma pelota, de couro ou deborracha, e passar pela rua de baixo ou pelarua de cima, era o mesmo que um imãpassando entre duas fileiras de limalha deferro. Quando o dono da bola chegava aocampo, já chegava com um bolo. Um boloque dava pra formar quatro ou cincoquadros, mas que, realmente, formava doismesmo, afora os retardatários que aindatinham vez.

E a pelada esquentava, com o bolosempre onde estava a bola, com “centeralfe”batendo escanteios, com os esbofadosdescendo a barranca do lado da rua parabeber água da bica, até que o lusco-fuscopunha termo ao entrevero. Uns maisarrojados ainda iam dar um mergulho noPoço-Fundo, mas a maioria voltava para casacomentando o jogo de hoje e prometendodesforra no jogo de amanhã.

Depois... Bem, depois vieram as má-quinas do progresso e as esteiras dostratores, mais as cavadeiras mecânicas,mais os rolos compressores, e sulcaram,retalharam, desenterraram, terraplanaram ealcatroaram parte daquele quadrilátero,enterrando naquele chão as alegrias de uma

garotada e as expansões de uma juven-tude. Só falta, agora, ali, uma santa-cruzentrelaçada com tiras de papel roxo, parasimbolizar o finamento de um tempo feliz,do qual só restam lembranças.

Tudo isso se nos ocorreu quandonossos olhos depararam, nas páginas dojornal da terra, com aquela saudosa ealvissareira A.A.P., que foi um pedaço denossa vida de meninote piquetense (...).

Oscar Vieira Soares, em 1959

Oscar Vicente Vieira Soares, filho deMaria José das Dores Soares e de JoséVieira Soares, nasceu em Piquete, em 12 dejaneiro de 1926.

Fez o curso primário no antigo GrupoEscolar de Piquete. Cursou Humanidadese Filosofia, respectivamente, no SeminárioMenor de Taubaté e no Seminário Maiorde São Paulo. Graduou-se em CiênciasJurídicas e Sociais pela Faculdade deDireito de São José dos Campos.

Lecionou línguas latina e portuguesa,bem como Literatura Brasileira no InstitutoDiocesano de Ensino Santo Antonio –IDESA, de Taubaté.

Escreveu, periodicamente, crônicasliterárias para o diário taubateano “ATribuna”.

Poeta particularmente dedicado ao gê-nero trova, obteve considerável númerode premiações em concursos realizadosno Brasil e em Portugal.

Foi membro da Academia Taubateanade Letras.

Casado com a professora-maestrinaNeide Silva Áureo Soares, o casal teve duasfilhas.

Oscar faleceu recentemente, em 23 deabril de 2012.

Quando vou à casa de minha sobrinha,na cidade de Piquete, no bairro dos Marins,região bucólica, gosto de ficar no cômodocontíguo à cozinha, onde fica o fogão alenha. Porque lá se reúne a família e umajanela permanece constantemente abertadando vistas à rica paisagem, na qual sedestaca o majestoso Pico dos Marins, comseus 2422m de altitude.

Cá embaixo, no topo duma colina, umaarvoreta solitária sensibilizou-me. Passeia amá-la mais do que todas as árvores dolugar, talvez pela sua pequenez e solidão.Creio que os pássaros que transitam porlá procuram repousar nela. De vez emquando, uma brisa amena faz com que elase mova suavemente. Se chove, o seuverde resplandece.

Nas noites enluaradas, quando banhadapela luz frouxa do luar, ela deixa de ser real evira sonho.

O ESTAFETAPiquete, maio de 2012 Página 7

“Houve sol, e grande sol, naqueledomingo de 1888, em que o Senado votavaa lei que a regente sancionou, e todossaímos à rua. Sim, também eu saí à rua, eu,o mais encolhido dos caramujos, tambémentrei no préstito, em carruagem aberta,todos respiravam felicidade, tudo eradelírio. Verdadeiramente, foi o único diade delírio público que me lembro ter visto.”Assim Machado de Assis descreveu umdos dias mais importantes da históriabrasileira: o dia da Abolição dos Escravos.

Era 13 de maio. O Imperador Dom PedroII estava na Europa em tratamento desaúde, quando a princesa Isabel assinoua lei que acabava definitivamente com aescravidão no país. Ele estava longe desua terra, mas sabia que a filha fazia histórianaquele dia.

Por muitos e muitos anos a princesaIsabel foi reverenciada como “Redentora” econsiderada santa por ex-escravos e descen-dentes, e o 13 de Maio comemorado comfestas cívicas.

Recentemente, pela qualidade humana esua atuação política, sempre inspirada pelosprincípios do catolicismo, por iniciativa daarquidiocese do Rio de Janeiro, estudos vêmsendo feitos objetivando a possível beatifi-cação da Princesa Isabel. Para tanto, estãosendo analisados milhares e milhares dedocumentos que subsidiem a abertura desseprocesso. Os documentos pesquisados atéo momento confirmam os sinais de san-

tidade da princesa, três vezes regente doBrasil, associando-se de modo ativo nomovimento abolicionista e protagonizandoa libertação dos escravos. Estão sendoestudados aspectos da vida da princesa, atéentão desconhecidos, como a “presençarégia dessa mulher – esposa, mãe, filha, irmã,cidadã,” sobretudo, “na sua função de umagovernante incansável na consecução deuma causa que se arrastava lentamente noImpério desde 1810: a libertação dos escra-vos pela via institucional, sem derrama-mento de sangue”.

A vida da princesa surpreende os atuaisestudiosos que, a cada dia, vão descobrindo

A Princesa Isabel e o 13 de Maiofatos e feitos poucos conhecidos pelosbrasileiros. Também são motivos deestudo cartas, diários e apontamentos quedão a dimensão exata da sua fé católica ede como viveu de modo exemplar e comcoerência os princípios e valores doEvangelho, tanto na vida pessoal quantona pública. Suas opções e decisões,sempre pautadas no humanismo integral,deixaram a certeza de uma vida virtuosaem todos que com ela conviveram.Escritos de intelectuais e autoridades daépoca e mesmo do século XX, apesar dopatrulhamento ideológico e da cons-piração do silêncio que sofreu, atestamsuas inúmeras qualidades e virtudes.Havia na princesa Isabel uma grandesintonia com a doutrina moral e social da

Igreja, tão bem expressa pelo Papa Leão XIII,com quem ela se correspondia. E com SãoJoão Bosco, com quem ela se encontroupessoalmente em Milão, em 1880.

Em dezembro de 2011, assessores doVaticano estiveram na arquidiocese do Riode Janeiro e receberam dados sobre a vidada Princesa Isabel que justificariam aabertura do processo de beatificação. Foisolicitado então um primeiro retratobiográfico para viabilizar os procedimentosvisando oficializar o processo, o que vemsendo feito. AC

Ilustração de Ângelo Agostini publi-cada na “Revista Ilustrada”, em 29 dejulho de 1888.

No próximo mês de junho, os olhares domundo se voltarão para a cidade do Rio deJaneiro, onde ocorrerá a Conferência dasNações Unidas sobre DesenvolvimentoSustentável. Também chamado de Rio +20,o encontro marca o 20º aniversário daConferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, que ocorreuna capital carioca em 1992, e os 10 anos daCúpula Mundial sobre DesenvolvimentoSustentável, realizada em Johanesburgo, naÁfrica do Sul.

Baseada em três pilares – econômico,social e ambiental –, a Rio +20 tratarábasicamente de dois temas: a economiaverde no contexto da erradicação dapobreza e a estimativa de governança parao desenvolvimento sustentável no âmbitodas Nações Unidas. Estarão presentesChefes de Estado, de Governo erepresentante de mais de 150 países.

Este encontro visa a renovar ocompromisso mundial em torno dasustentabilidade. O evento será umaoportunidade de avaliar o progressoalcançado nos últimos 20 anos, aslacunas ainda existentes na implantaçãodos acordos institucionais e os desafiosnovos e emergentes.

O governo de São Paulo se fará pre-sente a esse encontro apresentandodiferentes programas desenvolvidos peloestado. O desenvolvimento sustentável,hoje, está na pauta dos diversos agenteseconômicos e sociais. São inúmeras ações,muitas delas em diferentes graus e estágiosde implantação.

O Brasil, como país sede dessa Con-ferência, tem se esforçado para liderar umamudança em nível mundial para economiasmais verdes. Aos poucos, o mundo seconscientiza de que é preciso o enga-jamento de todos para quebrar paradigmas

e trabalhar para salvar o planeta. Avalian-do as conferências anteriores, reconhece-se que, apesar de muitos céticos nãoacreditarem em seus resul-tados, houveavanço em algumas questões ambientais.No entanto, foram poucos.

Novas evidências científicas apontampara a gravidade das ameaças que enfren-tamos. A mudança climática e a perda dabiodiversidade afetam negativamente osganhos de desenvolvimento. A questão aser por todos equacionada é: como conjugarcrescimento e desenvolvimento com equilí-brio ambiental? Os desafios são grandes e

requerem respostas urgentes. O desenvol-vimento sem planejamento, ou seja, nãosustentável, aumenta a pressão sobre osjá limitados recursos naturais do planeta ea capacidade de carga dos ecossistemas.

Precisamos integrar o desenvolvi-mento sustentável em todos os aspectosda maneira como vivemos. É preciso trazeressa discussão mundial para nossascidades e transformá-las num lugarmelhor. Administrações inteligentes ecomprometidas com o futuro incorporamquestões ambientais e sociais em suaspolíticas e fortalecem seus compromissoscom o desenvolvimento sustentável.

Rio +20

Reprodução

O ESTAFETA Piquete, maio de 2012Página 8

A valorização da cultura e dos artistaspiquetenses foi um dos motivos que levouà instituição da Fundação Christiano Rosa,em 1997. É na cultura local que acabamospor descobrir que existem artistas quenunca se revelaram por inexistência de umincentivo e de um espaço para tal. Pessoasque conhecem as artes familiares dostricôs, crochês e barbantes. Dos desenhos,pinturas e trançados das taquaras. Queconhecem a sabedoria dos antigos, quetratavam as doenças com ervas, chás eremédios caseiros. Pessoas que apren-deram com seus antepassados a “rezar”cobreiros, quebrantos, maus-olhados etc.Que sabem fazer doces caseiros e sãoportadores das tradições culinárias dediversas etnias. E, também, homens emulheres que teceram no passado, e tecem,ainda no presente, histórias de lutas e desolidariedade importantes de serem con-tadas e recontadas para as geraçõesfuturas.

Foi nesse contexto que a Fundação seaproximou, em 1997, da comunidade jon-

gueira piquetense, passando a incentivá-lae a apoiá-la em seus trabalhos. Buscou,também, em seus arquivos, subsídios parao registro da memória jongueira, pesquisaque resultou na elaboração de documentoque, juntamente com as de outras comuni-dades jongueiras, justificou o tombamento,pelo IPHAM, do jongo da região sudestedo Brasil como patrimônio imaterial do país.

Em 2007, com o apoio da Secretaria deEstado da Cultura de São Paulo, por meiodo Programa de Apoio à Cultura, o grupo deJongo de Piquete publicou o livro “Jongode Piquete: um novo olhar”, que visava aresgatar os valores ligados à história doJongo, despertando a autoestima da comu-nidade afrodescendente na cidade dePiquete e aumentando o conhecimentosobre as raízes e as tradições da culturanegra.

A presença do Jongo em Piquete faz domunicípio um dos poucos do Sudestebrasileiro a preservar esta rica manifestaçãoda cultura negra. Aqui ele resiste ao tempo.Nos últimos anos, tornou-se referência no

Vale do Paraíba e, desde então, apresenta-se em várias regiões do país. O grupocresceu, fortaleceu-se e identificou anecessidade de efetivar maneiras de pre-servar sua cultura em Piquete, especialmenteentre as crianças e jovens da comunidadenegra. Em 2009, com o apoio da FundaçãoChristiano Rosa, foi instalado o Ponto deCultura “Jongo de Piquete: um novo olhar”,com o objetivo de aumentar a visibilidadedo jongo, ampliando-se, assim, seu poderde mobilização, de ações e de realizações.Busca-se, assim, promover sua autoestimae garantir, com informações corretas, atransmissão da tradição e dos costumes dojongo. Além disso, o Ponto de Culturaproporciona aos seus integrantes a pos-sibilidade de geração de renda por meio dodesenvolvimento de habilidades propor-cionadas pelas atividades do projeto.

Recentemente, o Ponto de Cultura editouuma nova edição do livro “Jongo de Piquete:um novo olhar”, que pode ser adquiridojunto à comunidade jongueira.

“Nem tão alta cortesia Vi eu jamais praticada Entre os Tupis”

Gonçalves DiasO velho Tupi continua dizendo aos

Timbiras que os de sua tribo eram“Senhores em gentilezas”.

Gentileza se emparelha a cortesia? Sóos da corte podem ser corteses? Podemser gentis?

Que é refinamento? Que é polidez?É um óleo de peroba que passamos nos

móveis de madeira para que pareçamsempre novos e bonitos?

O ser humano tem duas faces: de umlado, é uma criatura de Deus; do outro, eleé um cidadão.

Isto implica: ele tem de comportar-secomo tal; tem de ser tratado como tal.

A criatura divina está no mundo paraconstruir o Reino de Deus. O cidadãonasce para construir sua Pátria com seutrabalho e colaborar para que todas asPátrias possam progredir.

O ser humano, criatura de Deus, oucidadão, nunca está fora de contexto. Ele

está onde deve estar. Só ele pode decidir irdaqui para lá, vir de lá para cá.

Em todos os seus relacionamentos deveassumir sua condição de integridade ecompletude e exigir que seja tratado comoser íntegro e completo.

Mas o ser humano está sujeito a falhas.Mesmo em situação de erro ninguém podeignorar que ele é uma criatura de Deus ouum cidadão.

Em Piquete, temos dois casos quedesafiam o tempo e a memória: LuttgardesOliveira, diretor do Ginásio Diurno da FPV;e Eurico Fernandes Filho, mestre deMecânica, que assumiu, às vezes, a direçãodo Ginásio Industrial da FPV na ausênciado diretor.

Ainda hoje dizem os alunos queinfringiam os códigos escolares: sentimosmal-estar lembrando a delicadeza e a sutilezano exame de nossas falhas; a voz semprebaixa e pausada, a argumentação inteligentedo professor Luttgardes e do mestre Euriconos deixavam mudos e desarmados,desejosos de nunca mais comparecer aentrevista semelhante.

Estes estudantes tiveram a felicidade de

conviver com dois educadores – queentendiam que o jovem, enquanto aprende,comete erros, assim como o pesquisadorfalha muitas vezes em suas experiências.

Só que o pesquisador é adulto epercebe o erro.

E o adolescente precisa de alguém queo convença de que está errado.

O significado do vocábulo respeitoficou prejudicado por causa das instruçõesque recebemos desde crianças: respeitaros mais velhos, respeitar as autoridades.

Isto parece limitar: uns são dignos derespeito; outros não.

A gentileza não enxerga diferenças declasse, de poder econômico, de etnia, dereligião.

A gentileza predispõe à generosidade,mas também à indignação. Não tolerainjustiça. Busca sempre o bem de todos sópela força do direito.

Gentileza não tem preço, não recebesalário.

Quando morrer, levarei comigo para otúmulo uma imensa dívida – das muitas emuitas e muitas gentilezas que recebi.

Abigayl Lea da Silva

Jongo de Piquete: um novo olhar

Fotos arquivo Pro-Memória

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