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A burguesia e o dandismo em Lus Soares de Machado de Assis.(The bourgeoisie and the dandyism in Lus Soares from Machado de Assis)

Maylah Esteves UNESP/FCLArmaylinhalgme@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho visa a relao entre Lus Soares - protagonista do conto de mesmo nome - e a sociedade carioca, vista pelo ngulo de uma aristocracia, j falida, mas que remanesce em seu cerne o dndi: o sujeito que tenta se alienar sua realidade; d a relao com a modernidade.

Palavras-chave: Lus Soares, dandismo, hipocrisia, modernidade.

Abstract: The present work wants to show the relation about Lus Soares main character from the tale, that bears his own name and the carioca society seen by a broken aristocracy but remains in its core the dandy: the subject who tries to alienate himself, besides the relation with the modernism.

Keywords: Lus Sores, dandyism, hypocrisy, modernism.

Introduo

Machado de Assis (1839-1908), um dos grandes autores brasileiros, conhecido por ter escrito romances como: Memrias Pstumas de Brs Cubas (1880) e Dom Casmurro (1899), mas tambm se entregou ao conto como forma de expresso, alm de poesia e teatro. Seus contos carregam o cerne de seus grandes romances, embora alguns ainda sejam muito pouco estudados, como objetivo do presente artigo justamente explorar por um vis mais sociolgico o conto Lus Soares incluso na obra Contos Fluminenses (1884).A anlise pretende mostrar justamente o que Machado mais criticava em seu tempo, inclusive, em outros contos famosos como Miss Dlar tambm em Contos Fluminenses - que tambm aborda uma burguesia crescente, em detrimento da aristocracia carioca, que j no pode mais viver se favores ou se valer dos remanescentes da escravatura. Machado de Assis tem uma gama enorme de timas crticas literrias que se debruaram sobre sua obra, produzindo em teses, livros e artigos sobre toda sorte de sua obra; e com base em um dos maiores crticos literrios de Machado de Assis que esse artigo ir se valer: Roberto Schwarz e Antnio Cndido.Com o fim da escravido e da monarquia, o Rio de Janeiro de Machado de Assis comeava a se modernizar; e nessa importante transio, que a obra do escritor explora as mazelas veladas pela hipocrisia - que se vale essa modernidade e os frutos que estavam causando sociedade - a crescente burguesia e a remanescente aristocracia, que perdia seus poderes e j no mais contava com a riqueza e a proteo de outrora. A proposta desse artigo justamente dar destaque a um conto pouco comentado, que pode ajudar o leitor de Machado a entender melhor suas personagens mais complexas. Trata-se de Lus Soares, protagonista de conto homnimo que j antecipa muito a discusso sobre a aristocracia brasileira j falida, que vislumbrou sua queda no crescente avano da burguesia e sua fora econmica.Em Lus Soares ainda podemos mencionar o aspecto blas que aflige a personagem principal homnima ao conto, o que nos permite caracteriz-la como um dndi aos moldes que Baudelaire via o sujeito bem vestido, refinado, contudo, sem gozar dos prestgios de outrora. Roberto Schwarz faz uma anlise muito mais sociolgica do que estritamente literria de Machado, o que nos permite observar todo o complexo cultural brasileiro que desemboca em Machado de Assis; no s como escritor, mas como ensasta, crtico, contista, romancista, autor de peas teatrais, poeta e cronista. Antnio Cndido tambm ser de muita valia pelas suas anlises voltadas aos aspectos histricos em que Machado vivera. Concomitantemente ser de extrema importncia o texto literrio em si para anlises mais tcnicas como o narrador machadiado, que ainda hoje confunde o leitor e o leva a uma leitura sarcstica, tendenciosa e irnica. Lus Soares um conto datado de 1884 de Contos Fluminenses portanto anterior ao grande romance Memrias pstumas de Brs Cubas. Ainda assim, Lus Soares j carrega em seu desenvolvimento um pr Brs Cubas, visto que ambos os protagonistas so aristocratas em um Rio de Janeiro marcado por mudanas socioeconmicas oriundas de um pas que transitava da monarquia a uma repblica jovem, mas que ainda continha remanescentes de uma fidalguia falida, contudo enraizada no povo. No conto de Machado, essa transio se torna presente, por exemplo, pelos nomes das personagens, pela relao que elas tm umas com as outras e pela hipocrisia velada que se apresenta na forma de amizade, herana e casamento. de grande importncia ressaltar que a filosofia assim como a crtica literria e a psicologia inserida na literatura de modo muito produtivo, pois por meio das lentes do narrador, o leitor pode tanto compreender como a sociedade funciona quanto fazer parte da histria e se envolver com as personagens. Alm disso, a partir da experincia com as obras, o leitor tambm se torna capaz de refletir sobre si mesmo como ser humano e como membro agente da modernidade. Esta reflexo pode ter origem na simpatia causada pelas personagens, mas tambm na antipatia.A obra de Machado de Assis , ainda hoje, inesgotvel em termos de possibilidades de leitura, podendo, inclusive, ser lida a partir de outras perspectivas. Nesse sentido, nossa proposta analisar Lus Soares do ponto de vista histrico e em alguns pontos at mesmo filosfico.

Apresentao do tema

Roberto Schwarz em Ao Vencedor as Batatas ir analisar a modernidade na poca de Machado e de Alencar, ambos autores que pensaram, ao seu modo, a sociedade carioca. Acredita-se, todavia, que Machado foi alm em questes relacionadas ironia e s anlises crticas dessa sociedade mascarada pela hipocrisia e foi por meio de seus personagens que essa crtica ocorreu , at desembocar em um personagem que carrega todos os vcios da sociedade e um dandismo bastante peculiar; trata-se de Brs Cubas que, com certeza, uma das personagens mais marcadas pela modernidade, sendo ele um tpico sujeito que quer a vida fcil e a tem por ser burgus, alm de no se importar com o outro, apenas consigo prprio.Ao retratar na morte sua vida, sendo um defunto-autor, desiludido consigo prprio e com o mundo, Brs Cubas deixa a vida com o pessimismo que sempre o acompanhou, "[...] porque ao chegar a este outro lado do mistrio, achei-me com um pequeno saldo, que a derradeira negativa deste captulo de negativas: No tive filhos, no transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa misria". (ASSIS, ANO da edio do livro, p. 98). Assim como h desistncia de deixar um legado em Brs Cubas, Lus Soares tambm ter um trgico fim, o suicdio.O suicdio de Lus Soares simboliza mais que deixar de ter vida, simboliza o seu no-ser, quase um no-existir existencialista: sua vida foi sempre marcada pelas mscaras sociais que o consumiram e que afetaram todas as suas relaes, no tendo vnculos sinceros com ningum, nem consigo mesmo, apenas com seu orgulho e com o dinheiro, fatores estes que o mataram, de fato.Ainda em Lus Soares, alguns fatores nos permitem caracteriz-lo como um dndi, como, por exemplo, a simbologia de no dormir noite; o fato do protagonista no se importar com o amor das mulheres que se declararam a ele; a conduta de manter-se passivo e alheio ao que acontece ao seu redor, assim como a de apenas manter relaes superficiais por interesse ou por uma perspectiva de herana e de um bom casamento; e, por fim, a realidade de encontrar-se falido. O dndi uma figura cara a Baudelaire que, assim como Machado, analisava as modernizaes que aconteciam na Frana no sculo XIX para o XX. O Dandi tem vrias definies e uma delas a de:

Marcar a diferena o reverso da massificao, e o dandismo representa uma forma radical de rejeio a todo tipo de uniformizao. Essencialmente aristocrtico, o dndi preserva sua individualidade usando a mscara da indiferena. Ele cultiva o gosto do disfarce e da iluso [...] (DANGELO, ano, p.241).

Para Baudelaire, em seu livro Sobre a Modernidade, o dndi "implica uma quintessncia de carter e uma compreenso sutil de todo mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o dndi aspira insensibilidade [...]" (BAUDELAIRE, ANO, p. 19). No entanto, quando Lus se descobre pobre e sem amigos, decide procurar ajuda do tio a quem tenta de todas as maneiras agradar com o nico intuito de obter benefcios dessa aproximao. Mesmo sem amigos, dinheiro ou trabalho, o tio o acolhe, com a condio que Lus Soares trabalhe para obter seu sustento, assunto antes impensado.Posteriormente, cansado e tolhido pela explorao massiva do trabalho e tendo sua vida regrada para esse fim, Lus Soares chega a uma nova etapa de sua vida: a maquinizao de sua fora de trabalho para de obter dinheiro. nesta situao que ele tem um certo vislumbre de como a sociedade funciona e de como ela suga a fora de trabalho, deixando-o exausto. Em outras palavras, o protagonista percebe que o individualismo do sculo XIX coloca as pessoas agora indivduos que devem ter sua fora de trabalho valorizada no mercado num estado de maquinizao do homem, que deve praticamente se fundir maquinaria e s fbricas em prol do consumo desenfreado.

Hipteses

O conto j se inicia com o descaso do protagonista em relao sociedade, resolvendo trocar o dia pela noite; assim ignorando jornais ou qualquer meio que lhe ponha parte do que acontece na sociedade carioca:

Trocar o dia pela noite, dizia Lus Soares, restaurar o imprio da natureza corrigindo a obra da sociedade. [...] Livre em todas as minhas aes, no quero sujeitar-me lei que a sociedade me impe: valerei de noite, dormirei de dia. [...] No lia jornais. Achava que um jornal era a cousa mais intil deste mundo, depois da Cmera dos Deputados, das obras dos poetas e das missas [...] Soares era apenas indiferente. [pg 27].

Sobre o excerto acima vlido o comentrio da professora da USP Cilaine Alves Cunha, que em seu artigo, Peregrinaes da ironia romntica de Machado de Assis, comenta: [A] Herana longnqua da matriz filosfica fundada pelos dilogos socrticos, o discurso ironicamente estruturado alastrou-se [...] o recm-inaugurado romance moderno [pg 35].Estruturalmente o conto analisado possui um narrador heterodiegtico, com carter demirgico, o que pode parecer dispensvel no primeiro momento, contudo, ser o narrador machadiano quem traga ir levar o leitor para os profundos pensamentos da personagem, com ironia, sim, e com um certo tendencionismo que j de antemo far o leitor ter antipatia pela personagem:

Graas a uma boa fortuna que que lhe deixara o pai, Soares podia gozar a vida que levava, esquivando-se a todo o gnero de trabalho e entregue somente aos instintos da sua natureza e aos caprichos do seu corao. Corao talvez demais. Era duvidoso que Soares o tivesse. Ele mesmo o dizia. Quando alguma dama lhe pedia que ele a amasse [...] (pg. 27).

Esse narrador sarcstico e de carter demirgico, pode passar despercebido para um leitor pouco atento, contudo, ele quem ir nos apresentar a personagem e, tambm, ir nos sugestionar sobre ela.Muito embora, diferentemente de Brs Cubas; Lus Soares no tenha tido uma linhagem nobre, pois toda a fortuna esbanjada fora, de fato, conseguida pelo pai com muito esforo e, ao filho, nunca coube o interesse sincero do trabalho.E em Adorno e Horkheimer em Dialtica do esclarecimento que ir posicionar como a burguesia crescia no sculo XX e como eram sugadas as foras de trabalho, o decrescimento da linhagem nobre na contrapartida da ascenso burguesa:

[...] couberam aos burgueses, os herdeiros esclarecidos do rei. Multiplicando o poder pela mediao do mercado, a economia burguesa tambm multiplicou seus objetos e suas foras a tal ponto que para sua administrao no s no precisa mais dos reis como tambm dos burgueses: agora ela s precisa de todos. [...] O esclarecimento se consuma e se supera quando os fins prticos mais prximos se revelam como o objetivo mais distante finalmente atingido [...]. [Adorno & Hokheimer; pg. 85].

importante ressaltar a relevncia do artigo pela anlise onde a filosofia se aplica empiricamente literatura, de modo que se pode pensar a sociedade pela forma literria. Lus Soares, contudo, no so vitimizadas pelo modernismo crescente, mas com parte dele ou mais: como seus resultados malformados e ambiciosos como a personagem Jos Pires, amigo de Lus, que ao perceber ter parasitado de toda forma o outro, some e ao revs do que havia sido dito em confidncia pelo ento amigo, conta a todos os conhecidos o seu infortnio:

Mas no dia seguinte j os rapazes e raparigas sabiam que Soares ia fazer-se anacoreta... por no ter dinheiro nenhum. O prprio Soares reconheceu isto no rosto dos amigos. Todos pareciam dizer-lhe: pena! que pndego vamos ns perder!Pires nunca mais o visitou. [pg.32].

Humilhado pelos que o rodeiam e aceitando, talvez, a nica alternativa que lhe restara Lus Soares fora procurar o tio, o Major Lus da Cunha Soares observando a posio de Major, que pode ser lido como indcio da austera repblica e sua velhice como branda e, de uma forma ou de outra at de um zelo soberbo com relao ao sobrinho desesperado.Seria de valia lembrar que os dois personagens carregam o nome Lus, que em razes latinas significa luz, esclarecimento. Contudo, de nada as personagens carregam de conhecimento concreto do ascendente Iluminismo francs, que chegara deturpado ao Brasil.Muitos pensadores da poca carregados das ideias iluministas desarranjadas no mbito intelectual do pas, difundiram falsos liberalistas enroscando em conceitos que apenas lhe diziam respeito os interesses; exatamente como ir fazer o Major em sua aparente caridade na desfortuna de Lus Soares. Machado usando mais uma vez de ironia e jogando com os narradores, ora em primeira pessoa, ora em terceira vai desmembrar a micro sociedade mesquinha de Lus Soares, para, no fundo, analisar a macro sociedade do comeo do sculo XIX.E por mais que o protagonista pense que esteja no comando, de fato, ele est merc do tio, que inclusive sugere casamento; em uma grande reviravolta o protagonista antes dndi se v entrando em uma vida estruturada aos moldes sociais: trabalho, casamento e famlia; desesperado ele tenta recusar, mas a moa que outrora tambm fora apaixonada por ele recebe uma herana convidativa e faz o heroi mudar de ideia.Mais uma vez o trabalho deixado de lado e a protagonista do conto tem como objetivo desposar a prima para ter a herana que o pai deixara, todavia, Machado de Assis brinca com o destino das personagens Lus Soares s poder novamente ser rico, se:Se nessa poca a minha filha Adelaide for viva e casada entrega-lhe a fortuna. Se no estiver casada, entrega-lha tambm, mas com uma condio: que se case com o sobrinho Lus Soares, filho de minha irm Lusa; quero-lhe muito, e apesar de ser rico, desejo que entre na posse da fortuna com minha filha. No caso em que esta se recuse a esta condio, fica tu com a fortuna toda. (pg. 43).

Lus Soares s ficaria rico novamente se se casasse com a prima que ele havia lhe recusado amor e se ela o aceitasse, porm ela o recusa: as mulheres de Machado de Assis sempre so fortes e decididas, como Capitu, at mesmo em sua fase romntica e Adelaide no diferente ela recusa a proposta de casamento mesmo ainda o amando e perder a fortuna do que ter o casamento pelo interesse da herana.Profundamente desgostoso com a vida Lus Soares tira a prpria vida, tendo ningum a velar por ele. Sua atitude apenas vem a provar que ele no conseguiria viver de outra forma que no a de um burgus, que sempre acostumado com todo o luxo no consegue viver como empregado e trabalhar pelo prprio sustento.Ao perceber a manipulao da prima e do tio sente-se enganado, pois era ele quem planejava e achava que manipulava a ambos, porm a fortuna de Adelaide s veio a provar que era ela quem o tinha nas mos.

Concluso

Concluindo esse artigo podemos ressaltar aspectos da modernidade no conto escolhido do autor Machado de Assis.A burguesia crescente na modernidade, segundo Adorno e Horkheimer, no pode ser vista como vitimizada e sim, como um agente no que tangencia a maquinazao do ser em nmeros para o consumismo desenfreado.As relaes hipcritas entre familiares e amigos, onde a nica viso a do benefcio prprio movia as mscaras sociais, gerando sempre a dvida entre o ser e o parecer: quando Adelaide fora negada pelo primo, o qual ela amara, e a repentina deciso de se casar com ela, revelando um amor, at, ento, nunca antes dito e que s fora revelado quando ela receberia uma grande herana.O dandismo de Lus Soares podendo ser comparado a de Brs Cubas tambm um aspecto relevante a ser concludo, afinal, ambos tm em comum o gosto pelo fino, o individualismo e o desprezo pelo trabalho pesado, alm de tambm terem em seu crculo as amizades e relaes de interesse.Concluindo, espera-se que se tenha tornado claro o objetivo e as hipteses levantadas nesse artigo; acerca da modernidade e da ascenso da burguesia, as relaes de interesse e o individualismo dos personagens machadianos desse conto, entretanto deve-se sempre levar em considerao que os grandes escritores imprimiam em sua literatura as mazelas que observavam na sociedade, sendo de grande valia lembrar que mesmo no sculo XXI todas essas observaes se fazem ainda presentes.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ADORNO e HOKEIMER. Dialtica do Esclarecimento fragmentos filosficos, trad. Guido Antnio de Almeida, Rio de Janeiro: Zahar, 1985.ASSIS, M. Obra completa em 4 volumes. Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 2008.Costa, L. Casamento, herana e negcios no conto Lus Soares, de Machado de Assis. Todas as Musas, n 2, jun jul. 2014.DAngelo, M. A modernidade pelo olhar de Walter Benjamin, Cultura e Sociedade, n 56, 2006. CUNHA, C. Peregrinaes da ironia romntica de Machado de Assis, Especial: Machado de Assis 100 anos, n 113, 2008.SCHWARZ, R. Ao vencedor as batatas, So Paulo: Editora 34, 2000.