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Sistemas de Numeração

Sumário

3.1 Representação dos Números Inteiros . . . . . . . . . 2

3.2 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

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Unidade 3 Representação dos Números Inteiros

O sistema universalmente utilizado pelas pessoas comuns para representar

os números inteiros é o sistema decimal posicional. Este sistema de numeração,

que é uma variante do sistema sexagesimal utilizado pelos babilônios 1700 anos

antes de Cristo, foi desenvolvido na China e na Índia. Existem documentos

do século VI comprovando a utilização desse sistema. Posteriormente, foi se

espalhando pelo Oriente Médio, por meio das caravanas, tendo encontrado

grande aceitação entre os povos árabes. A introdução do sistema decimal na

Europa foi tardia por causa dos preconceitos da Idade Média. Por exemplo,

num documento de 1299, os banqueiros de Florença condenavam o seu uso.

O sistema começou a ter maior difusão na Europa a partir de 1202, quando

da publicação do livro Liber Abacci, de Fibonacci. Vários séculos se passaram

para que, �nalmente, esse sistema fosse adotado sem restrições pelos europeus.

Há outros sistemas de numeração em uso, notadamente os sistemas binário

ou em bases potências de 2, que são correntemente usados em computação.

Uma característica comum a esses sistemas de numeração é o fato de serem

todos sistemas posicionais com base constante.

Neste capítulo nos restringiremos à representação dos números naturais,

pois 0 tem seu próprio símbolo e todo número inteiro negativo é representado

por um número natural precedido pelo sinal −.

3.1 Representação dos Números Inteiros

No sistema decimal, todo número inteiro é representado por uma sequência

formada pelos algarismos

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9,

acrescidos do símbolo 0 (zero), que representa a ausência de algarismo. Por

serem dez os algarismos, o sistema é chamado decimal.

O sistema é também chamado posicional, pois cada algarismo, além do seu

valor intrínseco, possui um peso que lhe é atribuído em função da posição que

ele ocupa no número. Esse peso, sempre uma potência de dez, varia do seguinte

modo:

O algarismo da extrema direita tem peso 1; o seguinte, sempre da direita

para a esquerda, tem peso dez; o seguinte tem peso cem; o seguinte tem peso

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Unidade 3Sistemas de Numeração

mil, etc.

Portanto, os números de um a nove são representados pelos algarismos de

1 a 9, correspondentes. O número dez é representado por 10, o número cem

por 100, o número mil por 1000.

Por exemplo, o número 12019, na base 10, é a representação de

1 · 104 + 2 · 103 + 0 · 102 + 1 · 10 + 9 = 1 · 104 + 2 · 103 + 1 · 10 + 9.

Cada algarismo de um número possui uma ordem contada da direita para

a esquerda. Assim, no exemplo acima, o primeiro 1 que aparece1 é de segunda

ordem, enquanto que o último é de quinta ordem. O 9 é de primeira ordem,

enquanto que o 2 é de quarta ordem.

Cada terna de ordens, também contadas da direita para a esquerda, forma

uma classe. As classes são, às vezes, separadas umas das outras por meio de

um ponto.

Damos a seguir os nomes das primeiras classes e ordens:

Classe das Unidades

unidades 1a ordem

dezenas 2a ordem

centenas 3a ordem

Classe do Milhar

unidades de milhar 4a ordem

dezenas de milhar 5a ordem

centenas de milhar 6a ordem

Classe do Milhão

unidades de milhão 7a ordem

dezenas de milhão 8a ordem

centenas de milhão 9a ordem

Os sistemas de numeração posicionais baseiam-se no seguinte resultado, que

é uma aplicação da divisão euclidiana.

Teorema 1Dados a, b ∈ N, com b > 1, existem números naturais c0, c1, . . . , cn

menores do que b, univocamente determinados, tais que a = c0 + c1b+ c2b2 +

· · ·+ cnbn.

1Não se esqueça, sempre da direita para a esquerda.

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Demonstração Vamos demonstrar o teorema usando a segunda forma do Princípio de

Indução Matemática sobre a. Se a = 0, ou se a = 1, basta tomar n = 0 e

c0 = a.

Supondo o resultado válido para todo natural menor do que a, vamos prová-

lo para a. Pela divisão euclidiana, existem q e r únicos tais que

a = bq + r, com r < b.

Como q < a (veri�que), pela hipótese de indução, segue-se que existem

números naturais n′ e d0, d1, . . . , dn′ , com dj < b, para todo j, tais que

q = d0 + d1b+ · · ·+ dn′bn′.

Levando em conta as igualdades acima destacadas, temos que

a = bq + r = b(d0 + d1b+ · · ·+ dn′bn′) + r,

donde o resultado segue-se pondo c0 = r, n = n′ + 1 e cj = dj−1 para

j = 1, . . . , n.

A unicidade segue-se facilmente das unicidades acima estabelecidas.

A representação dada no teorema acima é chamada de expansão relativa à

base b. Quando b = 10, essa expansão é chamada expansão decimal, e quando

b = 2, ela toma o nome de expansão binária.

A demonstração do Teorema também nos fornece um algoritmo para deter-

minar a expansão de um número qualquer relativamente à base b.

Trata-se de aplicar, sucessivamente, a divisão euclidiana, como segue:

a = bq0 + r0, r0 < b,

q0 = bq1 + r1, r1 < b,

q1 = bq2 + r2, r2 < b,

e assim por diante. Como a > q0 > q1 > · · · , deveremos, em um certo ponto,

ter qn−1 < b e, portanto, de

qn−1 = bqn + rn,

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decorre que qn = 0, o que implica 0 = qn = qn+1 = qn+2 = · · · , e, portanto,0 = rn+1 = rn+2 = · · · .

Temos, então, que

a = r0 + r1b+ · · ·+ rnbn.

A expansão numa dada base b nos fornece um método para representar os

números naturais. Para tanto, escolha um conjunto S de b símbolos

S = { s0, s1, . . . , sb−1 },

com s0 = 0, para representar os números de 0 a b − 1. Um número natural a

na base b se escreve da forma

xnxn−1 . . . x1x0,

com x0, . . . , xn ∈ S, e n variando, dependendo de a, representando o número

x0 + x1b+ · · ·+ xnbn.

No sistema decimal, isto é, de base b = 10, usa-se

S = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}.

Se b 6 10, utilizam-se os símbolos 0, 1, . . . , b− 1. Se b > 10, costuma-se

usar os símbolos de 0 a 9, acrescentando novos símbolos para 10, . . . , b− 1.

Exemplo 1No sistema de base b = 2, temos que

S = { 0, 1},

e todo número natural é representado por uma sequência de 0 e 1. Por exemplo,

o número 10 na base 2 representa o número 2 (na base 10). Temos também

que

100 = 22, 101 = 1 + 22, 111 = 1 + 2 + 22, 1011 = 1 + 2 + 23.

O sistema na base 2 é habitualmente utilizado nos computadores.

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Unidade 3 Representação dos Números Inteiros

Exemplo 2 Vamos representar o número 723 na base 5.

Por divisão euclidiana sucessiva,

723 = 144 · 5+3, 144 = 28 · 5+4, 28 = 5 · 5+3, 5 = 1 · 5+0, 1 = 0 · 5+1.

Portanto,

723 = 3 + 4 · 5 + 3 · 52 + 0 · 53 + 1 · 54,

e, consequentemente, 723 na base 5 se representa por 10343.

Daremos a seguir critérios de divisibilidade por 5, por 10, por 3 e por 9 para

números representados na base 10.

Proposição 2 Seja a = rn · · · r1r0 um número representado no sistema decimal. Uma

condição necessária e su�ciente para que a seja divisível por 5 (respectivamente

por 10) é que r0 seja 0 ou 5 (respectivamente 0).

Demonstração Sendo a = 10 · (rn · · · r1) + r0, temos que a é divisível por 5 se, e somente

se, r0 é divisível por 5, e, portanto, r0 = 0 ou r0 = 5. Por outro lado, a é

divisível por 10 se, e somente se, r0 é divisível por 10, o que somente ocorre

quando r0 = 0.

Proposição 3 Seja a = rn · · · r1r0 um número representado no sistema decimal. Uma

condição necessária e su�ciente para que a seja divisível por 3 ou por 9 é que

rn + · · ·+ r1 + r0 seja divisível por 3 ou por 9, respectivamente.

Demonstração Temos que

a− (rn + · · ·+ r1 + r0) = rn10n + · · ·+ r110 + r0 − (rn + · · ·+ r1 + r0) =

rn(10n − 1) + · · ·+ r1(10− 1).

Como o termo à direita nas igualdades acima é divisível por 9, temos, para

algum número q, que

a = (rn + · · ·+ r1 + r0) + 9q.

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Unidade 3Sistemas de Numeração

Assim, �ca claro que a é divisível por 3 ou por 9 se, e somente se, rn +

· · ·+ r1 + r0 é divisível por 3 ou por 9.

Exemplo 3[O Nove Misterioso] . Peça para alguém escolher, em segredo, um número

natural com, pelo menos, três algarismos (no sistema decimal, é claro). Peça,

ainda, para que efetue uma permutação qualquer dos seus algarismos, obtendo

um novo número, e que subtraia o menor do maior dos dois números. Final-

mente, peça ao seu parceiro de jogo para reter um dos algarismos diferente de

zero desse novo número e divulgar os restantes. É possível adivinhar o algarismo

retido!

Vamos desvendar o mistério. Seja a = rn · · · r1r0 o número secreto e seja

a′ o número obtido pela permutação dos algarismos de a. Pela demonstração

da Proposição 3 sabemos que existem q, q′ ∈ N tais que

a = (rn + · · ·+ r1 + r0) + 9q e a′ = (rn + · · ·+ r1 + r0) + 9q′.

Logo, a diferença entre o maior e o menor desses números é divisível por 9. Por-

tanto, para adivinhar o algarismo que falta, basta descobrir, dentre os números

de 1 a 9, quanto devemos somar à soma dos algarismos divulgados para que o

resultado seja divisível por 9.

A exclusão do zero no algarismo retido é para eliminar uma possível ambigu-

idade que ocorre quando a soma dos algarismos divulgados seja já múltiplo de

9; neste caso, o algarismo escondido tanto poderia ser o nove quanto o zero.

A representação binária tem peculiaridades interessantes, como veremos a

seguir. Inicialmente extraímos um corolário imediato do Teorema 1.

Corolário 4Todo número natural se escreve de modo único como soma de potências

distintas de 2.

Determinar a expansão binária de um número a é ainda mais fácil do que

determinar a sua expansão relativa a um número b 6= 2.

De fato, escreve-se a lista de números começando com a, seguido pelo

quociente q0 da divisão de a por 2, seguido pelo quociente q1 da divisão de q0

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por 2, seguido pelo quociente q2 da divisão de q1 por 2, etc. (Note que a divisão

por 2 é tão fácil que pode ser feita mentalmente.)

Na divisão euclidiana sucessiva, temos que, se a é ímpar, então r0 = 1; caso

contrário, r0 = 0; temos r1 = 1 se q0 é ímpar, e r1 = 0, caso contrário. Em

geral, ri+1 = 1 se qi é ímpar, e ri+1 = 0, caso contrário. Até encontrarmos

qn−1 = 1, quando colocamos rn = 1. Segue-se, portanto, que

a = r0 + r1 · 2 + · · ·+ rn · 2n.

Exemplo 4 O método acima, para determinar expansões binárias, permite desenvolver

um algoritmo utilizado pelos antigos egípcios para calcular o produto de dois

números usando apenas multiplicações e divisões por 2, além de adições. Este

método tem a vantagem de apenas necessitar do conhecimento da tabuada do

2.

De fato, para efetuar a multiplicação de a por b, escreve-se a como soma

de potências de 2:

a = r0 + r12 + · · ·+ rn2n,

com cada ri zero ou um. Logo,

a · b = r0 · b+ r1 · 2b+ · · · rn · 2nb.

Escrevem-se duas colunas de números, uma ao lado da outra, onde, na

coluna da esquerda, colocam-se, um em cada linha, os números a, q0, q1, . . .,

qn−1 (= 1) (como descritos acima) e, na coluna da direita, também um em cada

linha, os números b, 2b, 4b, . . ., 2nb. Como a paridade do elemento da coluna

da esquerda na linha i − 1 determina se ri = 0 ou ri = 1, quando somarmos

os elementos da coluna da direita que correspondem a elementos ímpares da

coluna da esquerda, obteremos a · b.

Vejamos um exemplo. Vamos multiplicar 523 por 37.

37 523 +

18 1046

9 2092 +

4 4184

2 8368

1 16736 +

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Portanto,

37 · 523 = 523 + 2092 + 16736 = 19351

Exemplo 5[O Problema da Moeda Falsa]

Têm-se 2n moedas, sendo uma delas falsa, com peso menor do que as

demais. Dispõe-se de uma balança de dois pratos, mas sem nenhum peso.

Vamos mostrar, por indução sobre n, que é possível achar a moeda falsa com

n pesagens.

Para n = 1, isto é fácil de ver, pois, dadas as duas moedas, basta pôr uma

moeda em cada prato da balança e descobre-se imediatamente qual é a moeda

falsa.

Suponha, agora, que o resultado seja válido para algum valor de n e que se

tenha que achar a moeda falsa dentre 2n+1 moedas dadas. Separemos as 2n+1

moedas em 2 grupos de 2n moedas cada. Coloca-se um grupo de 2n moedas em

cada prato da balança. Assim, poderemos decobrir em que grupo de 2n moedas

encontra-se a moeda falsa. Agora, pela hipótese de indução, descobre-se a

moeda falsa com n pesagens, que, junto com a pesagem já efetuada, perfazem

o total de n+ 1 pesagens.

Vamos agora generalizar a solução do problema para um número arbitrário

de moedas.

Seja m o número total de moedas, das quais uma é falsa. Escrevamos a

expansão binária de m:

m = 2n1 + 2n2 + · · ·+ 2nr .

Vamos mostrar que n1 pesagens são su�cientes para descobrir a moeda falsa.

A demonstraçao será feita usando a segunda forma do Princípio de Indução sobre

n1.

Suponha n1 = 1, ou seja, temos, no máximo, três moedas. Pondo uma

moeda em cada prato da balança, descobre-se imediatamente a moeda falsa e,

portanto, o resultado é trivialmente veri�cado. Suponha o resultado verdadeiro

para todo n′ < n1.

Sejam agora 2n1+2n2+ · · ·+2nr moedas, das quais uma é falsa. Separemos

as moedas em 2 lotes com, respectivamente, 2n1 e 2n2 + · · ·+2nr moedas cada

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um. Começamos analisando o primeiro lote com 2n1 moedas. Se a moeda

falsa está neste lote, com o método discutido no início, sabemos que podemos

descobrir a moeda falsa com, no máximo, n1 pesagens. Se este lote não contém

a moeda falsa, descobrimos isto com apenas uma pesagem (põe-se metade das

moedas do lote em cada prato; se a balança se equilibrar, a moeda falsa não se

encontra aí) e descartamos o lote todo. Sobram, então, 2n2+· · ·+2nr moedas a

serem analisadas. Pela hipótese de indução, bastam n2 pesagens para descobrir

a moeda falsa, que, juntamente com a pesagem já realizada, perfazem um total

de n2 + 1 pesagens que certamente é menor ou igual do que n1.

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3.2 Problemas

1. Mostre que, na base 10, o algarismo das unidades de um quadrado perfeito

só pode ser 0, 1, 4, 5, 6 ou 9.

2. Um certo número de três algarismos na base 10 aumenta de 36 se permu-

tarmos os dois algarismos da direita, e diminui de 270 se permutarmos os

dois algarismos da esquerda. O que acontece ao número se permutarmos

os dois algarismos extremos?

3. (Critério de divisibilidade por uma potência de 2) Seja dado um número

a, representado na base 10 por a = anan−1 . . . a0 . Usando o fato de que

2k|10k, mostre que 2k divide a se, e somente se, o número ak−1 . . . a1a0

é divisível por 2k. Em particular, a é divisível por 2 se, e somente se, a0é 0, 2, 4, 6 ou 8; também, a é divisível por 4 se, e somente se, a1a0 é

divisível por 4.

4. Escolha um número abc de três algarismos no sistema decimal, de modo

que os algarismos das centenas a e o das unidades c di�ram de, pelo

menos, duas unidades. Considere os números abc e cba e subtraia o

menor do maior, obtendo o número xyz. A soma de xyz com zyx vale

1089. Justi�que este fato.

5. Seja dado o número 4783 na base 10; escreva-o nas seguintes bases: 2,

3, 4, 7, 12 e 15.

6. O número 3416 está na base 7; escreva-o nas bases 5 e 12.

7. Um número na base 10 escreve-se 37; em que base escrever-se-á 52?

8. Considere 73 na base 10; em que base ele se escreverá 243?

9. Escreva a tabuada na base 5. Use-a para calcular 132 + 413 e 23 · 342.

10. Utilize o método dos antigos egípcios para calcular 527 · 72.

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