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À Ana Maria Rocha, minha mulher, amiga e companheira, incentivadora de todas as horas. Ao Zoca e à Tuca, meus filhos, com o carinho e amor de sempre. Ao Francisco e à Eunice, meus pais. Ao mestre Zacarias Santana, com o respeito e admiração de seu aprendiz. Aos jornalistas George Cabral e Raul Azevedo pelo ensinamento profissional.

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À Ana Maria Rocha, minha mulher, amiga e companheira,

incentivadora de todas as horas.

Ao Zoca e à Tuca, meus filhos, com o carinho e amor de sempre.

Ao Francisco e à Eunice, meus pais.

Ao mestre Zacarias Santana, com o respeito e admiração

de seu aprendiz.

Aos jornalistas George Cabral e Raul Azevedo pelo

ensinamento profissional.

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Sumário

Apresentação 00

Introdução 00

Cicerone da morte 00

1. Teatro de guerra 00

2. Uma viagem no tempo 00

3. Quando a morte manda recado 00

4. Confronto com os usineiros 00

5. Corações dos inimigos no mesmo frasco 00

6. “Aí vêm eles! Vamos ser metralhados!” 00

7. O último sobrevivente 00

8. Um tiro na história 000

9. “— Não pode, sou macho! Ir embora por quê?” 000

10. Pistoleiros matam e vão avisar a mulher de Robson 000

11. Zé Crispim confessa a trama para matar Robson 000

12. Um homem que nasceu para matar 000

13. “Um de nós dois seria morto; então, melhor o outro.” 000

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14. Quando vê a máquina, Zé Crispim faz gestos de ator 000

15. Valter Mendes sofre o primeiro atentado 000

16. O sindicato pede a cabeça do coronel 000

17. Sindicato elimina um dos seus diretores 000

18. Adeildo valorizou a morte 000

Epílogo

O Sindicato sobrevive da miséria e dos currais 000

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Em 1957, em uma sexta-feira 13, um tiroteio no plenário da Assem-bleia Legislativa de Alagoas matou um deputado e feriu oito du-rante a votação do impeachment do governador Muniz Falcão.Um mata-mata que, na verdade, durou mais de vinte anos, patro-cinado pela maior organização criminosa do Nordeste: o Sindi-cato do Crime.

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Apresentação

O tormentoso episódio do impeachment de Muniz Falcãoe a trajetória da violência em Alagoas nos anos subsequen-

tes são os motivos do novo livro do jornalista e cineasta JorgeOliveira, que vem com o sugestivo título Curral da morte.

Se por um lado o tema é triste e aterrador, por outro, não sepode deixar de registrar que Jorge nos dá sua contribuição a umassunto ainda bastante forte no imaginário alagoano, e que ahistória, nas suas duzentas páginas, se desdobra de modo tão inte-ressante que não temos vontade de largar o livro até o final.

Talvez os mais apegados à formalidade acadêmica possamoferecer algumas críticas ante sua liberalidade na demarcaçãodas fronteiras da trama, por não ter amarrado as pontas dos doiseixos principais do trabalho ou por não se preocupar com umaanálise mais profunda — do ponto de vista filosófico ou psi-cossocial — da violência política, ou ainda por partir dos fatospara a ideia e não da ideia para os fatos.

Afastemo-nos correndo dos ortodoxos, pois são árvores quenão dão sombra. O autor, passando ao largo do padrão tradicio-nal, sabe transmitir com maestria a visão da realidade bárbara

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de sua região, pesquisa as versões, vai aos jornais da época, reco-lhe as impressões populares, capta os fatos na sua origem eencharca-se nas vivências locais, recebendo delas a melhor ins-piração para uma percepção criadora.

Cinco décadas separam-nos do momento do impeachmentde Muniz Falcão, ocorrido em 13 de setembro de 1957. Seme-lhante ao tiroteio de Angico, em 1939, quando foi destruída aliderança do famoso cangaço de Lampião, o conflito dentro daAssembleia Legislativa de Alagoas, durante a votação do impe-dimento do governador, encerra a mesma carga simbólica noimaginário popular — imortalizada pela imprensa, pelos violei-ros e pela literatura de cordel — no qual atuam coronéis, pisto-leiros, militares e políticos de todos os matizes.

A dramática experiência na história política e administrativada pequena unidade da federação brasileira teria repercussõesanos afora. Qualquer trabalho de scholar avistaria nesse dia fatí-dico, da dimensão de uma tragédia grega, os traços de uma expe-riência populista correndo em busca de uma política de massas,a resistência desesperada do golpismo, o embate entre o mundourbano moderno e o rural arcaico, e o comportamento da clas-se política local dando realce à questão da violência como for-ma de resolução ou de instalação de conflito.

A contribuição do autor, por uma via não acadêmica, estátanto no levantar dos dados disponíveis na imprensa, nos livros,nas conversas e nas entrevistas, quanto no modo peculiar detrazer ao leitor os desdobramentos do episódio central do casoMuniz Falcão, com a multiplicação da cadeia de violência, emoutros lugares e períodos, envolvendo novos atores, como ZéGago, Zé Crispim, o clã dos Mendes, José Fernandes, Tenório

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Cavalcanti, Doroteu do Cintinho, Adeildo Nepomuceno e tan-tos outros. Mandantes e contratados. Políticos, governantes,empresários, fazendeiros, militares.

Um estilo chocante de relações de poder, a partir das vilas ecidades do interior, de prática política e de uma herança cultu-ral. O problema da violência em nosso meio nos leva a refletirsobre um dos modos de fazer política nas vastas áreas do interiordo Brasil, sem comprometimento com os direitos individuais ede cidadania. O que ocorre não é a simples disputa partidária,mas o impacto sangrento entre indivíduos e clãs familiares, entregrupos políticos que se entredevoram para manter a hegemonianas áreas que dominam.

Jorge Oliveira, em Curral da morte, traz à tona traços mar-cantes da terra alagoana que Décio Freitas já denominou “Sicíliabrasileira”. Seu vigor narrativo é de inconformismo, porque senteem profundidade os elementos de sua própria convivência.Alagoas, seu chão, surge com valores culturais, políticos e nota-ções de seu agudo problema social, e o autor, por isso, deixa in-cidir em sua escrita o espontâneo e o instintivo, representandouma realidade que conhece bem.

Contudo, aviso aos navegantes: não vamos entrar na falangedo bovarismo político. Nada de engrossar o coro dos lamurientossobre Alagoas ser o bastião do atraso nacional. Não há nada demau aqui que não se encontre no resto do país. Do clientelismopolítico ao nepotismo, à visão privada e particular do Estado embenefício pessoal, e ao uso da violência como estilo definidordas relações de poder. Basta ver o que acontece em outros es-tados, e conferir, inclusive nas soberbas e farisaicas unidades fe-derativas mais adiantadas, com seus políticos nefastos, os resíduos

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de um país arcaico, que tem início com algo chamado Capita-nias Hereditárias e que teima em não se modernizar verdadeira-mente e em não se abrir à democracia e à cidadania, algo queos controversos dirigentes do Brasil atual rebatizaram de valoresrepublicanos.

Douglas Apratto TenórioHistoriador da Universidade Federal de Alagoas

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Introdução

Em 1957 Alagoas viveu um dos dias mais sangrentos de suahistória política: 35 deputados entrincheiraram-se na Assem-

bleia Legislativa. Em pouco mais de dez minutos, dispararammais de mil tiros de metralhadora e revólver, protegendo-se atrásde sacos de areia que formavam uma barreira sobre a mesa dire-tora. O saldo foi um morto e dezenas de feridos. Desde entãoAlagoas nunca mais foi a mesma. Durante mais de trinta anos,famílias inteiras se enfrentaram, e muitas delas, como a dosMendes, foram praticamente dizimadas por pistoleiros a servi-ço de políticos gananciosos.

Curral da morte é um apanhado de informações valiosasrecolhidas, ao longo dos últimos trinta anos, para reportagensem vários jornais brasileiros. Durante muitos anos ouvi perso-nagens envolvidos em crimes políticos em Alagoas e outros es-tados. O que conto neste livro é uma história fascinante de poder,dinheiro, política e, sobretudo, intriga, muita intriga. Persona-gens como Carlos Lacerda, Arnon de Mello, Tenório Cavalcanti,Juracy Magalhães, Silvestre Péricles, Muniz Falcão, TeotônioVilela, marechal Teixeira Lott, Juscelino e outros desfilam nessas

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páginas em um emaranhado de episódios e complôs que termi-naram no primeiro impeachment de um governador no Brasil,o de Muniz Falcão, em Alagoas, obra de uma armação da anti-ga UDN, partido que durante décadas deu as cartas no país.

O tiroteio na Assembleia Legislativa de Alagoas na fatídicasexta-feira 13 de 1957 ainda é uma tragédia envolta em mistério.Dos 35 deputados apenas um está vivo: Geraldo Sampaio. Elefez revelações mais detalhadas sobre os acontecimentos dentrodo plenário, quando também foram feridos a bala o jornalistaMárcio Moreira Alves e alguns funcionários da Assembleia.

A julgar pela cautela dos sobreviventes em revelar porme-nores dos fatos, a história testemunhal dos episódios não resistirápor muito tempo. Mais cedo ou mais tarde cairá no esquecimen-to, como a morte dos seus personagens. É o que tento evitar aopublicar este livro recheado de depoimentos dos envolvidos nosacontecimentos, amparado na longa pesquisa que há décadasdesenvolvo sobre esse episódio encharcado de sangue, sordideze covardia.

A tragédia alagoana não se restringiu ao plenário da Assem-bleia Legislativa. Arrastou-se por mais vinte anos, depois queos Mendes, inconformados com a morte de Humberto, o pa-triarca da família, decidiram apostar no “olho por olho, dentepor dente”, perseguindo seus inimigos em um clima de terrore morte que chegou perto de exterminar famílias inteiras. Ala-goas, durante meio século, frequentou com assiduidade aspáginas policiais dos grandes jornais e revistas do Brasil. As fo-tografias que ilustram esse livro, de deputados chegando àAssembleia Legislativa com metralhadoras e revólveres embai-xo das capas, sob um sol de 40 graus, correram o mundo, assim

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como os flagrantes dos deputados feridos ainda empunhandosuas armas, numa guerra sem fim.

Alagoas, que se notabilizou pela sagacidade de seus políti-cos — Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto e Fernando Collorde Mello, presidentes da República —, também ocupou as pá-ginas dos jornais com personagens que fizeram história à bala,como Tenório Cavalcanti, o Homem da Capa Preta. Em 1977,quando eu e o repórter Uirapuru Mendes o entrevistamos emDuque de Caxias, na Baixada Fluminense, terra que adotou parareinar como violador contumaz dos direitos humanos, assimdefiniu seu estado de origem:

— Alagoas sempre foi terra de antropofagia. Ou não se lem-bram mais que foi lá que os índios comeram o bispo Sardinha?Em Alagoas, toda família tem um assassino ou um assassinado.Naquela terra, quem não morreu, já matou.

Entre as décadas de 1950 e 1970 Alagoas foi destaque nonoticiário do país. A revista Realidade, da Editora Abril, uma daspublicações mais conceituadas da época, dedicou várias páginasaos acontecimentos do estado. O repórter Roberto Freire, mistode jornalista e médico psiquiatra, já falecido, entrevistou pistolei-ros, delegados e autoridades alagoanas para contar a saga da fa-mília Mendes e dos bandoleiros que mataram Robson Mendes,seu patrão, atraídos por uma proposta mais generosa daquelesadversários desse ex-deputado e prefeito de Palmeira dos Índios.

Alagoas é uma terra de contrastes. É um dos piores estadosdo país no quesito social, mas abriga um povo ordeiro, hospita-leiro e criativo, tanto na música, hoje representada por Djavane Hermeto Pascoal, quanto nas artes e na literatura. Foi de suasentranhas que saíram, por exemplo, Graciliano Ramos, Jorgede Lima, Aurélio Buarque de Holanda, Ledo Ivo, Pontes de

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Miranda, Nise da Silveira, Artur Ramos, Paulo Gracindo, CacáDiegues, Jofre Soares, Rosalvo Ribeiro e tantos outros.

Banhado por 260 quilômetros de um mar verde e azul e cor-tado pelo rio São Francisco, o litoral de Alagoas é um dos maisbelos do país, com extraordinário potencial turístico que, entre-tanto, o estado não consegue desenvolver. O governo, nas últi-mas cinco décadas, foi sempre o patrão, o maior gerador deemprego, o que o levou à falência. Lembro de um governadorque defendia, equivocadamente, o estado como empregador —por isso, o estado chegou a pagar, a seus funcionários, 90% daarrecadação pública.

O grande gargalo de Alagoas, no entanto, está ainda na po-lítica, na disputa por terras e no grande latifúndio. Os políticosnão se reciclaram; preferem a manutenção dos velhos feudoseleitorais a um estado aberto, saudável e economicamente com-petitivo. E os latifúndios, nas mãos dos usineiros, não permitemque Alagoas se modernize. O principal produto de sua economia,a cana-de-açúcar, pouco ou quase nada contribui para a moder-nização do estado.

Parte da história aqui relatada foi montada em 1977, a partirde uma extensa entrevista — feita por mim e Uirapuru Mendese fotografada por Amâncio Chiodi, para a revista Repórter Três,da Editora Três — com Roberto, um dos sobreviventes do clãdos Mendes que, para escapar da sanha dos pistoleiros, se refu-giou no Rio de Janeiro.

Naquela época, encontramos Roberto morando em Copaca-bana e de lá partimos para Alagoas, onde começamos a desen-rolar o novelo dessa tragédia, que nos permitiu conhecer melhora saga dos Mendes. Pela ousadia de tentar desvendar os mistériosdessa história, quase perdi a vida. Fui preso e torturado pela po-

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lícia de Alagoas quando investigava os chamados “crimes demando”, além de responder a processo pela Lei de SegurançaNacional por criticar o comando da segurança do estado pelasmãos de um coronel do Exército em plena ditadura militar.

A revista fechou antes da publicação da entrevista comRoberto, só divulgada um ano depois (novembro de 1978) noCoojornal, publicação semanal da Cooperativa dos Jornalistasdo Rio Grande do Sul, sob o título: “Alagoas — Vinte anos deCangaço — Quanto vale a vida deste homem.”

As minhas anotações, em papéis encardidos pelo tempo, fica-ram todos esses anos confinadas no fundo de um velho baú. Em2007, com o aniversário de 50 anos do impeachment, resolviresgatar fragmentos desse episódio que permaneciam congeladosna minha memória. Imagens descozidas, em fiapos, foram res-tauradas. Recuperei histórias decantadas pelo tempo, organizeimeu arquivo pessoal, e decidi escrever este livro para evitar quedeterminados fatos se perdessem nos campos escuros do passado.

Gostaria particularmente de agradecer ao professor DouglasApratto, autor de A tragédia do populismo, de onde extraí im-portantes informações sobre a análise do governo de Muniz Fal-cão, assim como das entrevistas que concedeu a jornais deAlagoas e de outros estados sobre o impeachment. A meu que-rido amigo, o fotógrafo Vasquinho, companheiro do jornal OGlobo, que registrou o tiroteio no plenário da Assembleia Legis-lativa. Meus sinceros agradecimentos ao jornal Gazeta de Ala-goas, nas pessoas dos jornalistas Enio Lins e Célio Gomes, pelaabertura do arquivo fotográfico e doação de algumas fotos queilustram esse livro. Ao jornalista José Antônio Severo, meu anti-go chefe na Gazeta Mercantil, que me permitiu ser companheiro

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de redação de um dos mais brilhantes jornalistas do país, UirapuruMendes. Com ele mantive uma amizade sincera, leal e profis-sional durante os vários anos em que dividimos não só as boasreportagens como as mesas do Café Lamas, no Rio de Janeiro,até sua morte prematura em um banco de uma estação de me-trô em São Paulo.

Ao jornalista Zito Cabral, dono de uma memória privi-legiada, que me permitiu avançar na engrenagem do Sindicatodo Crime que ele tão bem conhecia de memoráveis reporta-gens. Os conselhos do jornalista Tobias Granja, um dos maio-res defensores dos direitos humanos em Alagoas, vitimado pelasbalas do Sindicato do Crime, foram importantes para que meacautelasse na apuração de alguns fatos registrados neste livro.Cautela que ele, infelizmente, não teve, sendo assassinado nocentro de Maceió por um pistoleiro. À publicitária Ana ClaraMalheiros e à estagiária de jornalismo Liana Farias, responsá-veis pela transcrição de originais que dormiram na gaveta du-rante todo esse tempo.

Com o jornalista Domingos Meireles, meu parceiro e ami-go, discuti detalhes do texto e dos episódios que íamos lendoatentamente, como fazíamos no jornal O Globo, quando divi-díamos a mesma bancada na redação da rua Irineu Marinho,no Rio de Janeiro, na década de 1970. As correções e o aprimo-ramento do exigente Meireles deram-me mais segurança parasoltar essas histórias nas prateleiras das livrarias.

Não poderia deixar de fazer um agradecimento especial àjornalista Ana Maria da Rocha, minha mulher, pelo olhar aten-to na primeira leitura dos originais e pelas noites de sono perdidaspara evitar percalços ao longo do texto, orientando o rumo dahistória para que ficasse interessante e atraente.

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A Roberto Mendes, pela paciência e tolerância em reprisarfatos que marcaram tão profundamente a vida de seus familia-res, que hoje moram em harmonia em Alagoas e no sul do país.

A todas as pessoas que, de forma direta ou indireta, contribuí-ram para a elaboração deste livro, meus sinceros agradecimentos.

Jorge OliveiraBrasília, outono de 2008

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Cicerone da morte

Viver em Alagoas é mesmo perigoso? É. Lá o verbo viver seconjuga com morrer. Era o que confirmava o jornalista Zito

Cabral, profundo conhecedor dos emaranhados do Sindicato doCrime, isento e respeitado no seu trabalho profissional. Em umrápido passeio pelo centro de Maceió, sempre apinhado de gen-te, à medida que avançamos pelas ruas, Zito enumera, comocicerone da morte:

— Aqui foi assassinado o advogado Antenor Cláudio daCosta. Ali, na calçada do Cine Art, foi a vez de Edgar Costa.Teve outro, o Joel Marques, morto nas escadarias da PrimeiraDelegacia Policial. E ali adiante, o motorista Perreti foi assassi-nado pelo jornalista Mário Brandão. Houve também os casosdo Policarpo Pinho Filho, de João Cardoso, do promotor MárioVieira, dos Mendes, do ex-prefeito de Mata Grande e muitos,muitos outros...

Caminhando lentamente pela principal rua de Maceió, ZitoCabral vai lembrando-se de outros crimes:

— Só aí nesse bar que você está vendo, o Bar do Chope, játeve umas dez mortes. A última faz poucos dias, quando um

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policial, o Aguiar, morreu em um tiroteio. Caiu ali, tentando seagarrar à mesa do bar.

Zito anda mais alguns metros. E desabafa:— Quer saber de uma coisa? Se você colocar uma cruz

em cada local de crime ocorrido no centro da cidade, ninguémcaminha.

E faz uma pausa prolongada:— Vira cemitério!

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1.

Teatro de guerra

— Não vai haver sessão nenhuma. É bomencerrar esta palhaçada —, decide o deputado

Humberto Mendes.

Naquela sexta-feira, 13 de setembro de 1957, quatro mesesdepois de aprovado o relatório do deputado Teotônio

Vilela pedindo o impeachment de Muniz, o dia amanheceu en-solarado. A movimentação intensa em Maceió era incomumpara uma véspera de fim de semana. A cidade acordara nervosa.Os cinemas locais mantinham em cartaz filmes que talvez pre-nunciassem a tragédia: no Royal, O último ato; no Lux, O maiorespetáculo da terra; no Ideal, Invasores diabólicos; no Rex, Osso,amor e papagaios; e no Cine Plaza, Quem sabe... sabe!

Na praça D. Pedro II, onde ainda se localiza a Assembleia Le-gislativa, aos poucos iam chegando os partidários do governadorMuniz Falcão, os “turistas” — como eram chamados os jagunçosna época —, os comunistas e os policiais militares que apoiavamos capangas oficiais, protegidos pelos deputados governistas.

O local estava repleto de policiais militares e do Exército.Ainda assim, eles não evitaram que os deputados aliados Abrahão

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Moura, Antônio Moreira, Claudenor Lima, Luiz Malta Gaia eo vice-líder Humberto Mendes, acompanhado do filho Valter,cruzassem a praça em direção à Assembleia. A temperatura os-cilava entre os 35º e os 37ºC, mas os deputados, alheios ao calorinfernal, carregavam, sob as longas capas de chuva amarelas,metralhadoras e pistolas de grosso calibre, armas restritas aoExército e à Polícia Militar.

Os simpatizantes de Muniz chegaram cedo e posicionaram-se estrategicamente na praça. Os mais precavidos procuraram re-fúgio no imponente prédio da Catedral Metropolitana de Maceió,ao lado da Assembleia, de onde poderiam apreciar, sem seremnotados e na companhia de d. Adelmo Machado, o então arce-bispo da capital, a chegada dos deputados e seus capangas. D.Adelmo envolveu a Igreja nas negociações. Durante os quaseduzentos dias que durou o entrevero entre os políticos de oposi-ção, os empresários e o governo, ele conversou com todos, procu-rando uma saída para o impasse. O arcebispo desistiu quandoouviu um forte argumento para tirar o clero das negociações.

— Dom Adelmo — confidenciou um deles, tenso e nervo-so —, aqui nenhum deputado tem dotes para um lugar no céu.Todos, mas todos mesmo, certamente já garantiram uma vagacativa no inferno.

Para provar que falavam sério, dois deputados, HumbertoMendes e Oséas Cardoso, adversários ferrenhos, deram demons-trações do que aconteceria dali em diante.

Humberto Mendes não pediu a proteção de ninguém. Que-ria ver o circo pegar fogo. Tinha as costas quentes — era sogrodo governador. Passou em uma funerária e pediu ao dono quereservasse 22 caixões, encomenda macabra que demonstrava adisposição do deputado para a luta.

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Oséas, mais diplomático e ponderado, mandou um telegra-ma para o presidente Juscelino Kubitschek:

Não fugirei da luta. No caso de me roubarem a vida, quero ape-nas pedir a Vossa Excelência, o presidente Juscelino Kubitschek,em quem votei para presidente, que se digne a oferecer todas asgarantias possíveis ao Poder Legislativo, no sentido de ser vota-do o impeachment para se libertar Alagoas.

O pai de Oséas era um pacato homem do interior, da cidadede Viçosa, a poucos quilômetros de Maceió, terra de TeotônioVilela, conhecida na época pelo intenso movimento culturale artístico.Vivia da agropecuária até ir para Maceió, com o fi-lho ainda jovem, onde passou a trabalhar no ramo de hospe-daria, no centro da cidade, próximo à Igreja do Rosário. Deixoupara trás algumas intrigas, coisas que julgava já sepultadas. Noentanto, no final de 1949 alguém lembrou que João Cardosoainda não saldara suas dívidas políticas em Viçosa. Foi assassi-nado dentro da própria hospedaria. O crime, atribuído ao go-vernador Silvestre Péricles, teria sido articulado por seu auxiliar,Luiz Campos Teixeira.

Oséas Cardoso sempre foi um homem admirado no estado.Não pelos serviços prestados — muito pouco como parlamen-tar —, mas pela bravura e coragem pessoal em enfrentar adver-sidades. Foi numa dessas situações tipicamente alagoanas queOséas passou a ser respeitado pela população e pelos aliadospolíticos. No cargo de deputado estadual vingou a morte do pai,João Cardoso Paes, matando a tiros, na porta da Assembleia

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Legislativa, Luiz Campos Teixeira, ex-chefe da Casa Civil nogoverno de Silvestre Péricles e antigo candidato a governadorsob proteção do mesmo — eleição da qual Arnon de Mello saiuvitorioso.

Durante as investigações ocorridas em inúmeras sessões naAssembleia Legislativa, Oséas foi ovacionado diversas vezes pe-los admiradores de sua bravura, que se amontoavam nas galeriaspara aplaudir o deputado-vingador que fez justiça com as pró-prias mãos. A manifestação dos fãs de Oséas foi de grande in-fluência para livrá-lo das acusações. O processo foi arquivado, eOséas ficou com fama de valentão.

Atarracado, de gestos delicados e fala espaçosa, Oséas — queviria a ser o representante oficial dos usineiros em Brasília tem-pos depois de se afastar da política — é muito econômico naspalavras quando fala do episódio do impeachment de 1957. Em2007, aos 93 anos, ele conversou com os jornalistas Davi Soares,Patrícia Bastos e Gilvan Ferreira, da Gazeta de Alagoas, para umaedição especial dos 50 anos do impeachment, e resumiu assimsua participação no episódio:

O governador (Muniz Falcão) e os deputados governistasafirmavam que o impeachment só passaria se fosse por cima dosseus cadáveres. Muniz acrescentava ainda que se os oposicio-nistas determinassem seu afastamento, o sangue derramado“daria no meio da perna”. Antes de seguir para o massacre,Humberto Mendes, ao deixar o palácio, passou em uma casafunerária e encomendou 22 caixões para o enterro dos oposicio-nistas. Mas, na batalha, foi Mendes quem perdeu a vida.

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