M INTIMOS 63 Lindsay Armstrong Ardente_paixão

ARDENTE PAIXÃO Lindsay Armstrong

Digitalização: TinnaRevisão: Cynthia

Título original: Outback Mistress (1998)Coleção: Momentos Íntimos 63 (1999)Protagonistas: Ben Bradshawe Olívia Lockhart

ARDENTE PAIXÃOUma paixão ardente os uniu. Uma proposta humilhante os

separou!O sedutor Ben Bradshaw tinha tudo para ser seu marido. E

a bela fazendeira Olívia Lockhart estava disposta a conhecer melhor seu fascinante hóspede. Ben tinha ficado

ferido em um acidente de avião e perdera a memória. Apaixonada por ele, Olívia cuidou dele com carinho, e a

atração entre os dois se tornou irresistível Mas quando as lembranças de Ben voltaram, sofreu duros golpes. Viu sua

vida se transformar e ela agora talvez precisasse se submeter e perder sua tão almeja independência. A proposta de casamento foi humilhante e inesperada. Mesmo para se manter como dona da fazenda, Olívia

jamais concordaria, em ser sua amante!

Ardente paixão - Lindsay ArmstrongMomentos Íntimos 63

Copyright © 1998 by Lindsay Armstrong Originalmente publicado em 1998

pela Harlequin Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

Todos os direitos reservados, inclusive o, direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Mills & Boon Ltd.

Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Mills & Boon Ltd.

Todos os personagens desta obra são fictícios.Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas

terá sido mera coincidência.

Título original: Outback Mistress

Tradução: J. AlexandreEditor: Janice Florido

Chefe de Arte: Ana Suely DobónPaginador: Fernando da Silva Laino

EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.Rua Paes Leme, 524 – 10º andar

CEP: 05424-010 - São Paulo – Brasil

Copyright para a língua portuguesa: 1999 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.

Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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CAPÍTULO IUm estranho acontecimento abalou a rotina de Olívia Lockhart, jovem

fazendeira do interior da Austrália.

Naquela tarde de verão, ela estava sentada na cerca do pasto, em frente ao estábulo, apenas uma simples estrutura aberta nas laterais e coberta com teto de zinco ondulado, conversando com as quatro crianças da família que se reuniam em torno dela. Explicava a necessidade de poupar água naquele verão, excepcionalmente seco, quando divisou ao longe os gêmeos, um menino e uma menina vestidos de forma idêntica, ruivos e sardentos. Eles corriam esbaforidos pelo pasto verde e plano, e, além disso, vinham gritando.

— Tem um homem morto lá na beira do córrego! — exclamou Ryan ao se aproximar, praticamente sem fôlego.

— Se estiver inventando isso, seu pai ficará muito aborrecido — preveniu Olívia, sem perder a calma.

— Ele está morto! É verdade! — insistiu Sônia, a outra gêmea. Demorou um longo momento até que Olívia saltasse da cerca para acompanhar Ryan e Sônia, que a puxavam pela mão.

— Vocês todos esperem aqui — ela pediu às outras crianças. Entraram no jipe Land Rover parado na trilha próxima, e Olívia saiu fazendo poeira com os pneus. Esperto, Ryan não esperou ordem para pegar o estojo de primeiros socorros no porta-luvas do veículo e mantê-lo no colo.

— Ele está caído no chão e sangra muito. Não se mexe. Eu e Jack o espetamos com um galho e nada aconteceu — explicou Ryan durante o curto caminho.

Logo ao chegarem, os gêmeos se adiantaram a Olívia a fim de indicar-lhe o local exato em que tinham visto o homem.

— Quem pode ser? Como veio parar aqui? — indagou Olívia como se falasse sozinha.

Jack Bentley, o capataz da fazenda, que ficara ali tomando conta do desconhecido, tirou seu chapéu de aba larga em respeito à patroa. Ela examinou o corpo e agradeceu silenciosamente aos céus por Ryan estar enganado. O homem não estava morto, mas inconsciente. Tinha um profundo corte na têmpora, e o sangue já coagulado em volta fazia o ferimento parecer pior do que era.

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Olívia molhou seu próprio lenço na água rasa e limpou a cabaça do homem. Depois, abriu o estojo, aplicou uma pomada cicatrizante no corte e enrolou com força uma atadura de gaze.

— Nunca o vi por estas bandas — disse o capataz. Colocou a mão espalmada acima dos olhos e inspecionou o horizonte. — Também não deve ter vindo a cavalo. Não vejo nenhum animal solto por aí.

— É melhor levá-lo para casa — determinou Olívia. — Vá-' mos, eu o pegarei pelos pés. — Jack segurou o homem pelos ombros para erguê-lo até a caçamba do jipe.

Para Olívia, foi um esforço considerável. O estranho tinha quase dois metros de altura, compleição forte, e não era fácil levantá-lo. Continuava desacordado, Jack dirigiu até à casa de fazenda, enquanto Olívia viajou atrás, segurando a cabeça do ferido.

Imaginou que o estranho devia ter olhos azuis, que combinariam perfeitamente com cabelos pretos e com a estrutura vigorosa como poucas vezes ela vira. O rosto sujo, manchado de sangue, nem por isso era menos bonito, e parecia calmo e plácido, como se o homem soubesse que estava sendo socorrido.

O resto do corpo, vestido em um conjunto caqui, era igualmente bonito: esguio, musculoso, sem uma gota de gordura sobrando.

Olívia franziu a testa e então começou a apalpar seus bolsos com cautela. Notou algum dinheiro dobrado, um lenço, e nada mais. Balançou a cabeça, prevendo problemas.

— Quem quer que você seja, espero que não tenha perdido a memória com essa pancada na cabeça. As crianças vão pensar que veio de outro planeta!

Duas horas mais tarde, o médico do vilarejo examinou o estranho sem ocultar sua preocupação. Haviam-no colocado no pequeno quarto de hóspedes, onde Jack e o doutor o despiram e o deixaram sem roupa sob o lençol da larga cama. Com a ajuda de Olívia, lavaram o doente com uma toalha molhada. Só então o médico olhou a têmpora ferida com os olhos franzidos. Nada que fizesse provocava alguma reação.

— Ele está em coma? — Olívia afligiu-se, colocando a toalha usada em uma bacia com água.

— É o que parece. Ele também tem um enorme galo no alto da cabeça, mas todos os sinais vitais estão em ordem. Acho que está desidratado. Levantem-lhe a cabeça.

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Olívia e Jack obedeceram prontamente, e o doutor tentou fazer com que o homem bebesse um copo de água. Foi quando ele se debateu um pouco, balbuciou alguma coisa e abriu os olhos.

Eram azuis, notou Olívia, mas o olhar vazio chegava a incomodar.

— Onde estou? — ele disse com dificuldade.

O doutor tomou a palavra antes dos outros, como se lhe coubesse explicar.

— Não sabemos como veio parar aqui.

— Aqui onde? — perguntou o estranho, revelando certa lucidez.

— Queensland, região central da Austrália. Isso lhe diz algo? Os olhos azuis piscaram e demonstraram tristeza.

— Por favor, acreditem. Não me lembro de meu nome. — De repente ele esforçou-se para sentar-se na cama, enrolado no lençol, e Olívia sentiu uma pontada de culpa, como se tivesse desejado que o estranho sofresse realmente de amnésia.

Uma reunião urgente desenrolou-se na varanda.

— Amnésia temporária, posso apostar — assegurou o médico. — Ele sofreu uma pancada na cabeça e um corte fundo na têmpora. Foi um trauma forte, que chamamos de concussão. Acho que logo voltará a si sem problemas. Basta mantê-lo em repouso e hidratado. Pode cuidar dele, Olívia?

— Claro, mas... — Olívia fez um gesto de desalento com os braços abertos. — E se não for temporário? Vamos precisar de um avião ou helicóptero para levá-lo ao hospital.

— No estado atual, acho que não haverá complicações. Passei pelo vilarejo para cuidar de uma perna quebrada e soube que o governo mandou um avião para lá, para verificar a suspeita de um surto de meningite. Se o homem piorar, não hesite em me telefonar. Por falar nisso, seu tio está em casa?

— Não, está no Japão. Foi participar de um congresso sobre o comércio de carne, como delegado de Queensland. Jack poderá me ajudar, se eu precisar. Mas vou avisar a polícia. Quem pode saber se não é um fugitivo ou um assaltante? Peça a seus conhecidos que tranquem bem a porta de casa.

— Bem pensado — comentou Jack. — Vou avisá-los.

— Você é enfermeira?

Olívia abaixou o olhar para seu paciente anônimo.

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— Não, mas sei fazer curativos. Como se sente? — Ela afofou o travesseiro dele e sentou-se ao lado da cama.

— Muito mal — ele disse com um sorriso desolado. — Uma enorme dor de cabeça, e a boca completamente seca.

— É porque está desidratado e tomou muito sol. E quase uma insolação. Ninguém anda por estas terras sem um chapéu. Mas você parece bem.

— E esse nevoeiro em minha cabeça? — ele perguntou com uma careta.

— Perda de memória. — Ela percebeu que ele se agitava. — Temporária, segundo o médico. Vai se lembrar de tudo aos poucos.

— Espero que o médico saiba o que diz. — O homem procurou a melhor posição na cama, e Olívia juntou dois travesseiros para ele pudesse reclinar-se com mais conforto. Era fim de tarde, e os raios do crepúsculo batiam intensos na varanda, lançando faixas de sol para dentro do quarto. O cômodo tinha pé-direito alto e encantadores móveis estilo colonial. Ao longe, nas árvores além do terraço, dois passarinhos faziam seu dueto vespertino. Apesar de habituada àquele lugar, Olívia sentiu-se gelada e procurou uma nesga de sol para aquecer-se.

Praticamente sentado na cama, o estranho pôde estudar as feições da mulher que cuidava dele com tanto cuidado. Notou-lhe as botas de couro, a calça jeans surrada, a blusa xadrez com um nó na cintura. Quase um uniforme para as moças da região. Mas também reparou em seu rosto de traços delicados, nos cabelos ruivos puxados para trás, formando um coque atrás da cabeça, que deixavam à mostra um pescoço esguio que se projetava da blusa. A roupa caqui do homem fora lavada, e ele estava vestido com um pijama emprestado do tio de Olívia. Uma espécie de mensagem atravessou-lhe os olhos azuis, mas ele não conseguiu decifrá-la.

— Pode me contar um pouco mais sobre este lugar e sobre você? — ele pediu.

— Sim, se prometer tomar toda esta água. — Encostou-lhe o copo na boca e segurou-lhe a cabeça.

— É horrível! — Ele fez uma expressão de asco. Era apenas soro caseiro.

— Calma, é apenas água com um pouco de sal e de açúcar. Para repor os líquidos e minerais que perdeu. Beba tudo.

— Você é enfermeira, sem dúvida. Ou então teve algum treinamento especializado.

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— Beba tudo! — ela exigiu.

Ele fez uma careta, mas obedeceu.

— Bem, meu nome é Olívia Lockhart, e você está na fazenda Wattle Creek. O dono é meu tio, mas ele está viajando no momento. Sempre vivi aqui e o ajudo a cuidar da propriedade.

— Quantos anos tem?

— Vinte e cinco, e nós criamos...

O homem interrompeu-a de novo, desta vez franzindo a testa.

— E nunca fez outra coisa na vida? Devo dizer que não se parece com uma fazendeira típica.

— Mas eu sou. — Ela o inspecionou com atenção.

— Não acredito — ele retrucou com os olhos postos firmemente nela.

— Se vai continuar me interrompendo, senhor... Bem, não importa o nome.

— Podemos inventar um nome provisório, para facilitar as conversas — ele disse em um tom desgostoso. — Não gosto de me sentir uma pessoa sem nome.

— Que nome escolheria, se tivesse essa chance? Tom, Dick ou Harry?

— Com certeza, há sugestões melhores do que essas.

— Você não tem idéia de como gostaria de se chamar? É incrível!

— Realmente não — ele afirmou pensativamente. — E é um sentimento pavoroso, se quer saber.

— Não fique nervoso — Olívia afirmou. — É melhor deixar que o nome venha naturalmente. Podemos começar com o início do alfabeto. Vejamos. Adam, Adrian, Alexander... diga quando encontrar um... Arnold, Alfred...

— Pare! — ele pediu bruscamente. — Acho que meu nome é Benedict. Ben. Mas não tenho certeza, e o sobrenome é para mim uma cortina branca como estes lençóis.

— Que situação! — Olívia lamentou. — Mas isso mostra que sua memória está voltando. Ben, abreviação de Benedict. Já é algum progresso. Agora descanse.

— Pois não, madame — ele murmurou com ironia. — Contanto que me diga mais coisas sobre você.

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— Não há muito mais a dizer.

— Deve haver — ele contrapôs. — Por exemplo, o que faz para ser tão bonita, com pele e cabelos com aparência tão saudável? A vida em um lugar quente assim costuma ser cruel com as mulheres.

— Bem, eu me cuido um pouco. — Olívia reconheceu que se tratava de um elogio. — Sempre usei cremes, protetores solares, chapéus e mangas compridas. Minha mãe me ensinou. Mas — os lábios se curvaram em um sorriso —, continuo sendo uma fazendeira como qualquer outra.

— E você nunca fez nada diferente?

— Sim, e ainda faço. — Ela esfregou as mãos, um pouco nervosa.

— Então não me conte — ele murmurou. — Posso acabar ficando inquieto e aborrecido.

Contrariada, Olívia olhou para ele com as pupilas apertadas.

— Tenho a impressão de que você é um gênio para conseguir o que quer, Benedict Arnold. Isso é algo que parece não ter esquecido. .

O estranho a fitou com uma expressão inocente.

— Não é todo dia que posso ter uma enfermeira tão atraente quanto você, Olívia.

Ela mordiscou o lábio e então viu um brilho de maldosa diversão nos olhos dele.

— Bem, cursei três anos de faculdade de artes. Desenho e pinto cartões de festas. Também restaurei esta velha sede de Wattie Creek — Olhou em volta e fez um gesto amplo com os braços —, de acordo com o projeto original. Sou apaixonada por casas antigas. E só. Satisfeito agora, Ben? — perguntou ironicamente.

— Não ainda. Mas com certeza interessado. Que tipo de cartões?

— Cartões com cenas da fazenda e do interior, além dos tradicionais de Natal.

— Estou impressionado — ele disse. — Você parece levar uma vida muito produtiva aqui. E seu marido? — O olhar de Ben prolongou-se até sua mão esquerda. — Talvez você não goste dê usar aliança.

— Não tenho marido — ela afirmou friamente, antes de prestar atenção aos passos e sussurros na varanda. Ouviu por um momento e então levantou-se da cadeira para fitar seu paciente com certa malícia. — Gostaria de mostrar àqueles que o acharam que você está vivo e bem. Eles o espetaram

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com um galho e, como você não reagiu, pensaram que estava morto e ficaram assustados.

Um largo sorriso iluminou-lhe o rosto diante de tal revelação.

— Entrem, Ryan e Sônia. Não fiquem aí espiando. Venham conhecer Ben.

Os gêmeos entraram na ponta dos pés.

— Meu Deus! Estou vendo dobrado! — brincou o homem.

— Você não está bêbado. São gêmeos idênticos.

— Não são seus, por acaso?

— Não. Os pais deles trabalham na propriedade.

— Ele consegue falar! — Ryan cochichou para Sônia. — Não falava nada quando o encontramos! — completou dirigindo-se agora a Ben.

— Você parecia morto! — Sônia acrescentou. — Ficamos com medo.

— Peço desculpas. Levei uma pancada, não sei como nem onde. Mas estou muito grato por terem me encontrado, extremamente grato.

Os gêmeos entreolharam-se satisfeitos.

— Quer dizer que não vamos apanhar por estarmos longe e sozinhos no pasto, não é, Livie? — Ryan fitou Olívia para ter certeza.

— Ryan, você sabe muito bem que aqui não costumamos bater em crianças. Mas imaginem a preocupação que causaram a seu pai. Poderia haver cobras na beira do córrego.

— Mesmo que nosso pai não batesse, levaríamos um puxão de orelha daqueles de ferver os miolos. — A menina demonstrou a suposta punição com o polegar e o indicador apertados um contra o outro.

— Ele faz isso só para que não se esqueçam dele... — Olívia sentiu vontade de rir. — Mas, nestas condições, estão perdoados. Agora, fora. Os dois.

— Até logo, Sr. Ben — despediram-se em coro e sumiram na imensidão da fazenda.

— Como pensa que fui parar próximo a um córrego com cobras na margem? — perguntou Ben com perplexidade.

— Como posso pensar que estava cavalgando pela região, e que seu cavalo se assustou com alguma coisa e o derrubou no chão. O animal deve ter voltado para casa, pois não achamos nenhum cavalo solto pela região.

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— Eu nunca fui derrubado por um cavalo em minha vida!

— reclamou Ben.

— Como sabe? E quando criança? — indagou Olívia.

— Eu... apenas sei — ele confirmou, já com uma ponta de incerteza.

— Mas pode acontecer com qualquer um — Olívia objetou.

— Pode ter surgido uma cobra que assustou o cavalo. Jack, nosso capataz, está fazendo perguntas pela região. Também entrou em contato com a polícia. — Ben pareceu transtornado.

— Sua aparência não está boa. Por que não descansa um pouco?

— Não me sinto bem! — Ele mexeu-se desconfortavelmente, e o rosto se contorceu de dor.

— Espere, vou lhe dar um comprimido. — Segurou-o imóvel na' cama, recomendando que não se mexesse. — Assim. Os homens costumam dar trabalho quando doentes, embora isso não se aplique a você.

Os olhos azuis ficaram turvos ao contemplá-la.

— Faz-me sentir um velho. Que idade me dá, Olívia?

— Trinta e poucos? Idade suficiente para comportar-se bem.

— Ela passou-lhe o comprimido, com meio copo de água fresca, que pegara na moringa, e ficou fiscalizando se Ben o tomava realmente.

Ele hesitou, mas acabou ingerindo o remédio.

— Bom. — Ela recolheu o copo das mãos de Ben e indicou-lhe o sininho de prata sobre a mesa-de-cabeceira. — Vou fazer o jantar, mas se precisar de alguma coisa basta tocar o sino. Não se atreva a sair da cama.

— Eu errei quanto a você — ele disse amargamente. — Você deveria ser um sargento.

Olívia sorriu indistintamente e pôs a mão fria na testa de Ben para sentir-lhe a temperatura.

— Você precisa dormir, Tenho certeza de que tudo vai estar melhor quando acordar.

Ele dormiu muito além da hora do jantar. Quem apareceu na cozinha foi Jack Bentley, o capataz, logo convidado para tomar um café com Olívia.

— Novidades? — ela perguntou, enquanto pegava as xícaras no armário.

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— Nada. Na delegacia, não consta queixa alguma. A polícia está investigando. Dei uma descrição do estranho. Houve um temporal no distrito vizinho, e várias estradas foram fechadas. Há a possibilidade de o homem ter se perdido e ter andado desorientado até aqui.

— Oh, Jack! — Olívia preocupou-se. — O temporal vem para cá?

— Provavelmente. — Jack parecia satisfeito com a previsão. — Uma boa chuva a setenta quilômetros daqui já serviu para molhar as terras da vizinhança. Vantagem para nós.

— Então, vamos cruzar os dedos. — Olívia serviu-lhe café em uma bela xícara de ágata. — Eu já estava prevenindo as crianças da necessidade de economizar água. Mais um mês de seca e ficaremos sem água até para beber.

— O gado emagrece, e o preço da carne cai — observou Jack com sabedoria.

— Bem, Wattle Creek sobreviverá — ela disse, ajeitando sua franja com a mão.

— Tomara — murmurou Jack. — Também não é a primeira seca que enfrentamos. Como está ele?

— Um pouco zonzo e confuso, mas está bem. Lembrou-se do primeiro nome. É Benedict.

— Pois eu penso que ele pode estar mentindo.

— Sério? — Olívia fitou Jack com surpresa. Não tinha considerado essa hipótese.

— De qualquer modo, parece um homem estudado, de boa família.

— Concordo. Ele também tem certeza de que não foi atirado ao chão por nenhum cavalo.

— Convencido, ainda por cima — comentou Jack.

— Confiante, melhor dizendo — corrigiu Olívia —, apesar da falta de memória.

— Precisa de ajuda? Posso ficar com ele durante a noite.

— Não, mas obrigada da mesma forma. — Fechou a janela da cozinha. — O vento está forte. — Ela juntou as mãos em oração. — Se for o temporal, vamos rezar para que não faça muitos estragos.

Jack levantou-se, mostrando como sempre boa disposição.



— E melhor eu verificar tudo e ir cobrindo e amarrando as coisa. Vejo-a de manhã, patroa. Mas pode me chamar se precisar de ajuda com o Sr. Benedict.

Olívia limpou a cozinha em pouco tempo. Além da prática que tinha, gostava de deixar o amplo e bonito cômodo sempre arrumado. Uma prateleira a meia distância do teto abrigava potes, chaleiras e pratos decorados com motivos de flores e ervas, pintados por ela mesma.

As paredes eram amarelo-claras, as cortinas igualmente amarelas, com pequenas margaridas brancas, e, do lado oposto do armário, estendia-se uma longa bancada de madeira, para o preparo de alimentos. Ali Olívia mantinha os aparelhos elétricos que lhe facilitavam a tarefa de cozinhar. O piso era de cerâmica verde e as cadeiras, estofadas em couro.

Embora a sede de Wattle Creek contasse com outros aposentos agradáveis, a cozinha era o centro nervoso da casa.

Ela foi até a varanda e inspirou o ar da noite, sentindo o cheiro trazido pelo vento. Para sua satisfação, nuvens escuras escondiam a lua. Fechou as portas da casa que davam para o terraço e foi ver seu paciente.

Pela luz do abajur que deixara ligado, pôde ver que o homem ainda dormia, mas era um sono inquieto. O pijama era curto e apertado demais para ele, o que atrapalhava o descanso. Concentrou-se na face e nos traços regulares, na pele bronzeada e no maxilar quadrado, escurecido pela barba por fazer.

Parecia extremamente vulnerável, mas a intuição de Olívia dizia que a vulnerabilidade não era um estado que, via de regra, se aplicasse a Ben. Sentiu-se de algum modo comovida e gentilmente afagou-lhe a face. Ele resmungou algo ininteligível e então, com um movimento mais ágil do que ela poderia esperar, agarrou-lhe a mão, levou-a à boca e beijou sua palma. Ao mesmo tempo, os olhos azuis de Ben se abriram.

— Querida, eu... — Calou-se bruscamente.

Olívia tentou liberar a mão presa, mas os dedos de Ben se dobraram em volta do pulso.

— Então não há nenhum major Lockhart — ele disse ofegante.

— Nem major nem general — ela respondeu com mordacidade. — Sinto decepcioná-lo.

— Não quis dizer isso. Não posso pensar em mais ninguém pondo a mão em minha testa.

— Já pode me soltar?



— Eu a ofendi? — ele perguntou ansioso.

— Não. Não se preocupe. — Olívia recolheu a mão.

— Mas parece aborrecida — comentou Ben.

— Não sei em que pensava quando disse "querida", mas me prezo de ser compreensiva. — Puxou a cadeira para perto da cama. — Como se sente?

Ben a estudou enigmaticamente por um momento e ignorou a questão.

— Mesmo se você for a "querida" de alguém?

— Isso não é de sua conta — ela disse acidamente. — Vamos nos concentrar em sua recuperação, está bem?

Ele ergueu as sobrancelhas, intrigado.

— Você é muito reservada quanto a sua vida amorosa. Deve ter passado por uma má experiência.

Olívia respirou com exasperação.

— Ouça, nem que seja um extraterrestre, deve esperar que eu lhe conte a história de minha vida.

— Não é bom guardar as coisas, Olívia. Só estava pensando em me distrair um pouco.

— Então vai ficar desapontado. Não tenho a intenção de passar muito tempo com você. Já pode me dizer quem é? Ou vou precisar chamar Jack Bentley para tomar conta de você?

— O homem que não era médico?

— Ele é nosso capataz e tem um coração de ouro. — Fez o gesto correspondente. — Mas ele também é muito bom em descobrir segredos dos outros. Só não sei se Jack costuma ser gentil com pessoas doentes.

— Não faça isso comigo, Olívia. — Ele a olhou com a expressão ressentida.

— Farei, sim. Portanto pare de pensar em minha vida amorosa, Sr. Benedict, e conte-me como está, afinal.

— Sim, senhora, aceite minhas desculpas. — Ele riu suavemente. — Não sei nada sobre Benedict Arnold. Ele pode ser um traidor.

— Não é minha culpa. Você mesmo escolheu o nome — ela retrucou antes de levantar-se.



— Posso dizer que melhorei, desde sua última visita — ele apressou-se em dizer. — A dor de cabeça diminuiu e sinto muita fome.

— Isso é bom. — Olívia sentou-se de novo. — Vou providenciar comida para você. Tem sede?

— Ah, sim. Bastante sede. Mas isso me lembra um outro problema. Com toda a água que já tomei, sinto-me desconfortável aqui embaixo, lamento dizer. Posso me levantar para ir ao banheiro?

— Ah, isso — Olívia disse neutramente. — Não, não pode. Vou...

— Se me obrigar a pedir de novo, sou capaz de corar.

— Não tenho a intenção de embaraçá-lo. — Ela fixou os olhos azuis de Ben. — O médico alertou que, se você se levantar, pode sofrer um desmaio. Como vou colocá-lo de novo na cama? Sem falar que pode se machucar ao cair.

— Entendo. — Ele a olhou desolado. — O que sugere nesse caso?

— Tenho uma comadre, dessas de hospital. Vou trazê-la para você e me retirar discretamente.

— Muito prático — ele murmurou.

— Tenho curso de auxiliar de enfermagem e primeiros socorros. E uma necessidade neste fim de mundo. Cheguei a treinar algum tempo no hospital regional.

— Compreendo — ele mostrou-se grato, sentindo crescer a admiração por Olívia. — Quero reforçar minha gratidão aos céus por ter caído em mãos tão hábeis e eficientes. Espero não estar ofendendo sua modéstia.

— Não está.

— Havia uma razão para eu me sentir embaraçado...

— Deixe-me dizer-lhe algo — interrompeu-o Olívia. — Você fala demais. Haja paciência para ouvi-lo quando está animado! — E retirou-se.

Meia hora depois, ela lhe trouxe uma refeição leve. Ben esforçou-se para sentar-se na cama, com a ajuda de dois travesseiros colocados às costas.

— Sinto-me fraco como um passarinho — ele queixou-se irritado.

— Depois de comer, vai sentir-se melhor. — Olívia trouxe sopa e um pouco de macarrão com pedacinhos de frango desfiado. Ambos os pratos estavam cobertos.



— Humm! — Ele inalou o aroma com evidente prazer. — Tenho certeza de que cozinhar é mais uma de suas habilidades.

— Muita gente cozinha — ela respondeu, passando a Ben um guardanapo.

— Pode me contar algo mais sobre a fazenda? — ele pediu. Olívia hesitou um pouco, mas acabou sentando-se ao lado da cama.

— Bem, acho que a propriedade está com nossa família há uns cem anos. Meu tio dirige tudo. Meu pai era irmão dele, mas ele e a mulher morreram em um desastre de automóvel quando eu tinha doze anos.

— Você é dona de uma parte da fazenda? Quero dizer, legalmente?

Olívia estranhou a pergunta, tão incomum quanto discutir sua vida amorosa com um desconhecido.

— Sim, mas meu pai era o irmão mais moço. Meu tio tem a cota principal.

— Queensland! — exclamou Ben entre duas colheradas de sopa. — Sempre tive a impressão de que conhecia a região, mas não sei por quê. — Passou à macarronada. — Se alguém me falasse de Wattle Creek, pensaria antes em um deserto pestilento ou em um pântano povoado de cobras. Talvez fosse verdade, há coisa de um século. Sua família deve ter colonizado a área.

— Eles sobreviveram — disse Olívia com orgulho. — E nós também.

Ele levantou o olhar para ela e franziu a testa.

— Mas nunca é bom confiar cegamente na natureza. As coisas podem mudar.

— Com certeza — ela concedeu. — Mas os Lockhart são uma raça forte.

— E seu tio. Como ele é? Tem um herdeiro?

— Sou eu — ela disse, sorrindo. — Ele nunca se casou. Às vezes ele se comporta como um velho rabugento, mas é uma pessoa adorável. Gosto dele.

— Então não ficará nenhum Lockhart para manter o nome da família?

— Só se eu não conseguir convencer meu futuro marido a mudar o sobrenome. Mas nosso sangue também corre nas crianças.

— Por que um homem faria isso? Mudar o sobrenome?

— E por que não?



—Parece complicado. O orgulho familiar pode se tornar perigoso-.

— Você diz isso exatamente porque é homem.

— É você pode ficar com a reputação de vestir as calças na casa.

Ela riu, divertida com a observação de Ben.

— Já tenho essa reputação.

— E não se incomoda? Ela sorriu, agora com frieza. Nunca havia pensado em pedir a alguém para mudar de sobrenome para casar-se com ela, até que Ben aludisse ao problema, mas ponderou que sua solidão podia ter algo a ver com sua pouca feminilidade e, sem dúvida, com sua falta de confiança nos homens.

— Gosto de ser independente — ela disse como justificativa.

— Pelo que já pude observar, sei que está falando a verdade. Sentiu um tremor nos lábios, à procura de resposta.

— Não ficaria surpresa, de saber que você também é extremamente independente.

— O que a faz pensar assim? — Ben a olhou surpreso.

— Não sei. Intuição. Talvez porque você tem tanta certeza de que não foi derrubado por um cavalo.

Ele colocou o prato de lado e reclinou-se de novo contra os travesseiros.

— Eu tenho o pressentimento de que você está com a razão. Mas juro que não quis dar essa impressão.

— Você não me enganou nem por um momento, Ben — Olívia riu.

— Também não tive intenção, mas me lembrarei disso em nossos futuros contatos — ele respondeu.

— Trouxe café na garrafa térmica — ela ofereceu. — O café vai mantê-lo desperto.

— Obrigado. Não tomo café. Nem qualquer outra bebida fraca. Olívia estranhou e ergueu as sobrancelhas.

— Não me pergunte como sei disso. E apenas uma lembrança que ficou registrada.

— Não ia perguntar. Apenas parece estranho. Lembra-se do que bebe?



— Bem, talvez eu não seja abstêmio. Uma cerveja gelada mexe comigo.

— Sem chance — ela retrucou.

— Você é abstêmia? Não tem uma gota de álcool na casa? — ele provocou.

— Não propriamente. Mas cerveja é diurética e, em seu caso, está fora de questão. Que tal um copo de leite?

— Oh, não! Quem gosta de leite é bezerro — ele observou com graça —, mas não há como recusar.

Olívia o fitou com um misto de diversão e contrariedade.

— Você é uma caixa de surpresas, Ben! — Ergueu-se para recolher a bandeja e saiu para pegar um copo de leite na geladeira, voltando em seguida.

— E agora? — ele perguntou quando terminou de beber.

— Durma — ela disse prontamente. — Não sei quanto a você, mas estou de pé desde a madrugada. — Ela dirigiu o olhar para a janela. — Isso foi um trovão?

— Parece que sim.

— Graças a Deus! Precisamos de chuva. — Foi até a janela sondar o céu. Pouco depois, gotas enormes batiam contra o telhado de zinco.

— Por que precisa de chuva? — ele indagou.

— Estamos em uma fazenda, Ben. O riachos e córregos estão secando. O pasto some, e o gado emagrece. Precisamos de chuva desesperadamente.

— Talvez eu lhe tenha trazido boa sorte, Olívia.

— Talvez. — Ela fez uma careta diante da pretensão de Ben. — Então, o que mais posso fazer por você? Se não vai dormir, pode ler um livro.

— Não, obrigado. — Ele bocejou e ajeitou os travesseiros.

— Ainda estou com sono.

— Isso é bom para sua recuperação. Vou deixar a porta encostada e, se quiser alguma coisa, já sabe: toque o sininho. Boa noite.

— Boa noite, enfermeira — ele murmurou sem nenhum traço de zombaria, mas viu que Olívia tinha ficado agastada. — Não se aborreça. Estou sendo sincero. Você é fabulosa e estou extremamente grato.



Ela hesitou um pouco e então saiu, ainda duvidando da sinceridade de Ben.

Olívia tomou um banho de chuveiro e sentou-se à penteadeira para escovar os cabelos. O som da chuva parecia não ter mais o poder de acalmá-la. Sentia-se nervosa com a presença de Ben no quarto de hóspedes, embora admitisse que seu aparecimento na fazenda havia quebrado a rotina da lida no campo e, sobretudo, da conversa quase exclusiva com crianças.

Gostava de ficar ali, no quarto que tinha sido de seus pais. Havia mantido a cama de casal, mas reformado o resto, colocando novo papel de parede e restaurando a moldura do espelho. Uma simples lixa e verniz tinham deixado como novos os maravilhosos armários.

O carpete era azul e pelas paredes se espalhavam quadrinhos em miniatura que ela mesma havia pintado. Fizera questão de um jogo de cama com laços e rendas.

Naquela noite, porém, aquele ambiente não lhe trazia a mesma paz e satisfação. O brilho nos olhos de Ben, quando a elogiara, era a causa de sua aflição.

Estudou o rosto no espelho, experimentando uma sensação diferente da habitual. Tinha quase certeza de que Ben, ao elogiá-la, não estava referindo-se a suas habilidades de enfermeira. De modo sutil, ele fizera um tributo a seu rosto e a sua figura.

Pelo menos foi o que Olívia pensou diante do espelho.

Sua pele era macia, a cor de seus cabelos lembrava o trigo maduro, seus olhos cinzentos eram claros e vivos, realçados pelas longos cílios escuros. O pescoço longo acentuava a estrutura esguia, mas firme e cheia, de seu corpo. Era verdade que, quando se arrumava, poderia passar por uma jovem elegante da cidade, até refinada. Mas nunca havia se considerado especialmente atraente. E raras vezes ela se vestia com apuro. Estava sempre ocupada com os assuntos da fazenda, refletiu com amargura. Sempre ocupada para pensar em homens. Então, por que um estranho havia produzido subitamente essa reação?

Ele realmente fora atrevido ao dirigir-lhe aqueles olhares maliciosos, quando mal se lembrava do próprio nome... Colocou o pijama azul-claro recém-lavado, deliciosamente fresco, e deitou-se.

"Pense na chuva", ordenou-se com convicção.

Se o poder do pensamento valesse alguma coisa, a chuva não cessaria tão cedo.



CAPÍTULO II

Cerca de duas horas mais tarde, Olívia foi acordada por um forte barulho. Desceu da cama rapidamente e viu luz na passagem para o quarto de hóspedes. Correu até lá.

Ben estava sentado na cama e esticava a mão inutilmente para a porta que batia descontroladamente por causa do vento e da chuva.

— Droga! Devia ter trancado a porta direito!

A chuva invadia o aposento e com certo esforço ela empurrou a porta contra o vento forte, até fechá-la de novo.

— Sinto muito. — Virou-se para a cama, limpando pingos de água do pijama. — A última coisa de que precisa é um banho de chuva.

— Eu.v — Ele deitou-se de novo. — Não consegui fechar sozinho. É uma tempestade.

— Felizmente. Mas você parece pálido. — Ela permaneceu à cabeceira da cama, examinando o estado do paciente.

— Sinto-me bem.

— Que tal um gole de conhaque? Para esquentar.

— Ótima sugestão, Olívia.

Apanhou rapidamente duas doses e sentou-se ao lado da cama.

— Tempestades não a assustam? — indagou Ben.

— Não. Gosto delas. — Tomou um gole da bebida.

— Pergunta idiota — ele censurou-se.

— E você?

— Assustam-me um pouco. Uma vez vi um raio atingir um cavalo e, desde então, passei a ter medo de temporais. Mas nada que faça me esconder debaixo da cama.

Olívia riu.

— Não acredito em você.

— Pois deveria.



— Quando aconteceu? Essa história do cavalo.

— Não consigo me lembrar claramente.

— Não precisa tentar. Desculpe-me por perguntar. Beba seu conhaque.

Ben olhou para ela tristemente, e sua expressão mudou.

— Há uma coisa melhor do que ficar debaixo da cama durante uma tempestade.

— Qual é?

— É ficar em cima dela, na companhia de alguém. Olívia piscou e só então compreendeu que o pijama azul-claro e os cabelos soltos deviam compor uma imagem nova para Ben. Uma imagem sensual. Ela tossiu para mostrar seu embaraço.

— Sua mente trabalha rápido, Benedict Arnold! — ela o recriminou pela piada.

— Aproveite o momento, alguém já disse. Se eu conseguir voltar a dormir, não acontecerá de novo — ele acrescentou bem a propósito.

— Vou lhe dar mais um comprimido, e você dormirá bem.

— Cara Olívia, não faça isso comigo — ele falou em tom choroso. — Detesto ser drogado. Você não faz idéia de como é ruim acordar depois.

— Bem, com certeza não vou lhe fazer companhia na cama. Deve estar louco.

Ele sorriu e, embora o corte na testa fosse visível e os lábios estivessem secos e rachados, Olívia não pôde deixar de admirar um rostos mais atraentes e viris que ela já havia visto.

— Considerando que estou ferido, que perdi a memória e que detesto tempestades, poderia ao menos ficar um pouco aqui e conversar comigo? Não parece estar com sono.

— Está certo. Só um pouco. Antes, vou pegar meu robe.

— Pata evitar sugestões impróprias de minha parte?

— Também, mas principalmente porque estou com frio. Ela voltou vestindo um roupão atoalhado que parecia ter pertencido à avó. Empurrou uma poltrona confortável para perto da cama, puxou um tapetinho para os pés e embrulhou-se em um cobertor. Por fim pegou o copo de conhaque e, após toda aquela encenação, sentou-se para conversar.

— Tem certeza de que não está com frio? — perguntou Ben.



— Tenho, obrigada. Do que vamos falar?

— Bem, nada posso dizer sobre mim, portanto ficarei ouvindo-a.

— Já lhe contei tudo que queria saber. — Olívia dirigiu-lhe um olhar significativo.

— Fale-me sobre suas ambições, seus planos para a fazenda.

— Seria uma conversa muito... limitada. — Ela inclinou a cabeça.

— Então aceite minhas desculpas. Quantos anos disse que tinha; Olívia?

— Vinte e cinco. Por que pergunta?

— Não é tempo de providenciar alguns herdeiros para Wattle Creek?

— Não devia se preocupar com isso, Ben. — Ela o fitou com severidade. — Na verdade, é uma intromissão indevida de sua parte.

Ele franziu a testa, acusando a recriminação.

— Já lhe ocorreu que os homens podem vê-la de uma maneira diferente da que você própria se vê?

— Não sei o que quer dizer com isso.

— Bem, muitas mulheres não percebem sua feminilidade.

— Teria de pensar um pouco para ver se a carapuça me serve — ela disse com bom humor. — Mas se está esperando que eu concorde, saiba que o assunto não me preocupa de forma alguma.

— Já sei que é independente, mas devo dizer que vejo em você uma mulher que qualquer homem poderia levar a sério, desde que lhe fosse dada uma chance. — Ele fez uma pausa, os lábios trêmulos. — Uma chance para aproximar-se de você. É o primeiro passo para se ter filhos, não é?

— E por que imagina que ninguém fez isso até então?

— Sério? — Ele a olhou com redobrada atenção.

— E algo muito pessoal, Ben. — Ela terminou seu conhaque.

— Você é que levantou o assunto.

— Porque você o provocou. Ouça — Ela se sentiu acuada. — Vou lhe dizer como me sinto, assim talvez possamos encerrar esta conversa. O amor é lindo. Eu me apaixonei diversas vezes e foi muito gratificante. Apenas ainda não me casei nem tive filhos.

Ele sorriu, mas um súbito pensamento lhe devolveu a sobriedade.



— Se chegasse a perder a fazenda, e estas coisas podem acontecer, o que faria de sua vida?

— Eu lutaria com minha vida para não perder Wattle Creek — ela respondeu com rispidez. — Teriam de me pôr para fora daqui a pontapés. Mas, se isso acontecesse, sempre restaria minha pintura e, até quem sabe, um emprego de enfermeira. Especializada em curiosas vítimas de amnésia.

— Obrigado — ele murmurou, enquanto o olhar dela se desanuviava. — Conte-me, Olívia, por favor.

— Não ainda. Fico imaginando se, entre as coisas de que se lembra, existe algo parecido com amor e casamento.

Ele terminou sua bebida, pôs o copo na mesa e reclinou-se nos travesseiros.

— É um belo sentimento. Admiro quem vive uma paixão livre de todas as pressões do mundo. Mas talvez a admiração venha do fato de que nenhum de nós realmente se apaixonou.

— Então, não leva em conta que pode ser casado?

— Não tenho lembrança de nenhuma esposa. — Ele abaixou os olhos.

— Bem, ainda há muito a se lembrar. — Olívia estava tensa. T- Devo avisá-lo de que a polícia virá aqui interrogá-lo, amanhã.

— Para mim, tanto faz. Que espécie de esposa você seria?

— Não tenho idéia. E que espécie de marido você seria?

— Creio que daria um bom marido — ele respondeu pensativamente. — Sou do tipo caseiro, gosto de crianças e... de mulheres.

— Uma de cada vez, espero. Mas só isso não.faria de você um bom esposo.

— Bem, tudo depende de encontrar a pessoa certa, naturalmente. Mas quando falo que gosto de mulheres, quero dizer que suas pequenas manias não me aborrecem nem me irritam.

— Por exemplo? — Olívia perguntou a sério, mas o brilho bem-humorado em seus olhos tirou-lhe a sobriedade.

— A preocupação das mulheres com roupas, digamos. Elas se preocupam em estar bem-arrumadas para elas e para as outras mulheres, sem considerar como os homens as vêem.

— Essa é uma atitude machista.



— Mas também é uma atitude sábia, Olívia. Eu realmente penso que darei um bom marido.

— Eu diria que sua insistência é suspeita.. . Sabia que nem todas se preocupam apenas com roupas e penteados?

— Há alguma coisa que a aborrece nos homens? — ele quis saber.

— Não. Costumo aceitá-los como são.

— Talvez porque você não seja uma feminista radical.

Em qualquer outra circunstância, a observação de Ben poderia ofender Olívia. Mas ficou evidente que não era sua intenção e Olívia era tão segura de si que começou a rir.

— Conheço muitas exceções a essa regra, Ben.

— Deixe-me explicar------Ele percebeu que sua declaração poderia causar mal-entendido.

— Não é preciso explicar nada.

— Bem, há mulheres que fazem um homem pensar só em sexo. Acho que existem poucas com quem se possa ter uma conversa inteligente.

— O que um homem não deve fazer em hipótese alguma é ir para a cama com uma mulher com a qual não possa conversar. Há alguns rótulos pouco lisonjeiros para esse tipo de homem...

— Infelizmente, esse é um dos problemas da condição masculina, Olívia — ele tentou convencê-la. — Temos uma tendência para pensar assim. Mas o que eu estava querendo dizer é que, obviamente, você é inteligente, pensa por si própria, e não precisa usar os artifícios da sedução para ter um namorado. Na cama ou fora dela.

Ela o observou por alguns segundos, procurando a melhor resposta.

— Você mal me conhece, Ben. Questão de horas...

— Uma vantagem de perder a memória é que você fica receptivo a novas impressões sobre as pessoas.

— E não teve receio de fazer essa afirmação a uma estranha? Não responda. E apenas uma questão filosófica.

— Bem, Olívia, acho que não sou um sujeito de meias verdades.

— Também acho — ela disse secamente. — Mas escute bem. Mais uma declaração desse tipo, e eu volto para minha cama.



— Certo. Diga-me que espécie de gado você cria, quantas cabeças possui...

Ela abriu a boca, espantada, mas manteve a polidez.

— Não pense que me engana com essas perguntas.

— Estou realmente interessado, juro — ele protestou. Olívia colocou seu copo vazio de lado e começou a contar a Ben alguns fatos sobre a fazenda.

Ele fez perguntas surpreendentemente apropriadas ao longo do relato.

— Parece que você entende dos negócios do campo — ela observou.

— É possível — ele admitiu. — Como e por que são outra questão. Não me lembro.

— Boa hora para dormir — comentou Olívia ao vê-lo bocejar.

— Vai me abandonar?

— Há uma coisa que não sabe a meu respeito — ela disse após estudá-lo um pouco. — Eu canto. Quer que eu cante para você adormecer?

Ele fez uma expressão de incredulidade.

— Posso cantar baixinho, mas fique deitado bem quieto. A voz de Olívia era clara e suave ao entoar uma velha canção de cowboys. Ben a olhou primeiro surpreso, depois maravilhado, e em poucos minutos tinha adormecido.

Ela o contemplou com um sorriso satisfeito, apagou a luz e preparou-se para dormir na poltrona, sentindo-se igualmente calma e sonolenta. Esperar cinco minutos, para saber se Ben dormia bem, foi a última coisa em que pensou naquela noite.

Foi Jack Bentley quem os acordou na manhã seguinte.

— Olívia, você está aí?

Ela agitou-se na poltrona, e Ben também abriu os olhos.

— Houve algum problema, Olívia? — perguntou Jack ansiosamente. — Ele passou mal? — Voltou o olhar para a cama.

Olívia levantou-se e espreguiçou.

— Está tudo bem, Jack. Só não conseguia dormir, e vim fazer-lhe companhia por algum tempo. Novidades? — Apurou os ouvidos. — Graças a Deus ainda está chovendo.



— Agora a chuva está fraca, mas ontem à noite uma parte do estábulo inundou. Vamos ter de remover algumas cabeças de gado para o pasto.

— Mais novidades? — perguntou Ben, sentando-se com o rosto contorcido pelas dores.

— Se quer mesmo saber, há um alarme geral sobre um sujeito perdido com seu pequeno avião. Acha que pode ser você?

Olivia engoliu em seco, nervosa com a expectativa.

— Então foi isso que aconteceu. Agora me lembro. Tive de fazer um pouso de emergência não sei onde. A bomba de combustível se soltou. Mas...

— O nome Bradshaw significa algo para você? — Jack indagou com presteza.

— Bradshaw. Bradshaw. — Ben repetia o nome lentamente, olhando para Olívia.

— Não tem importância. A lembrança do nome virá naturalmente — ela o confortou. — Vou me vestir depressa e logo volto. Jack, importa-se de ajudar Ben no que ele precisar? Preciso ligar para a polícia e avisar que o homem que procuram está são e salvo. Depois, faremos uma reunião. — Ela pôs o cobertor de lado e saiu do quarto.

Jack Bentley e Ben Bradshaw acompanharam atentos as ações de Olívia.

— É uma mulher muito ativa — disse Ben.

— Você não está errado, colega. E muito estimada por aqui — Jack acrescentou com uma piscadela.

— Entendo o que quer dizer — retrucou Ben vagarosamente.

— Não tente se aproveitar da situação.

— Olívia não corre risco algum. — Ele ergueu as sobrancelhas. — Tem os pés bem plantados no chão.

— Sem a menor dúvida — falou Jack com civilidade. — Então, sua memória está voltando. Tem alguma idéia de onde pousou? Se bem que, no momento, pouco podemos fazer.

— Além da bomba de combustível, também tive problemas com o sistema elétrico, por isso meu avião perdeu potência e também o rádio. Lembro-me de ter caminhado muito. É isso. Sobrevoei a casa da fazenda algumas horas antes e tomei a direção nordeste. O avião deve estar por lá.

— Pode se lembrar por que estava voando por esta região?



— Eu... — Interrompeu-se com a entrada de Olívia. Ela estava vestida com calça de montaria e jaqueta caqui, e trazia um chapéu largo nas mãos.

— Ben, você decolou de Longbeach ontem de manhã e voltaria ao mesmo lugar à tarde, em um vôo quase circular. As autoridades estão em contato com seus parentes, mas você terá de passar mais um ou dois dias conosco. Algumas estradas estão intransitáveis, e há muitas linhas de telefone cortadas. Nosso campo de pouso está inundado no momento.

— Entendo, mas...

— Como se sente? — Ela se apressou a tomar-lhe o pulso, olhando para seu relógio.

— Bem melhor, a não por alguns músculos doloridos.

— Dor de cabeça? Visão dupla? Náusea? — Parecia um exame médico, e era. Ela puxou um termômetro do bolso. — Abra a camisa.

Ele obedeceu contrariado.

— Nenhuma dor interna?

Ben balançou a cabeça negativamente, e Olívia deu-se por satisfeita, não sem antes remover as ataduras da cabeça dele.

— Está muito bom. Cicatrizando depressa. — Trocou as bandagens e retirou o termômetro, sempre murmurando: — Bom, muito bom. Mas fique na cama.

— Olívia... — ele ensaiou um protesto.

— Faça como digo, Benedict Arnold. Vou estar fora por várias horas e preciso confiar em você. Daqui a pouco, Kay, a mulher de Jack, virá lhe dar o café da manhã e, depois, o almoço. Nosso médico vai lhe telefonar, e quero que conte exatamente como que sente.

— Sim, senhora! — Ben concordou com um olhar desanimado. Olívia ignorou a brincadeira e saiu com Jack. Ben os viu afastarem-se e teve pouco tempo para lamentar-se. Um rosto simpático de mulher interrompeu suas reflexões. Kay Bentley já estava no quarto, pronta para servir-lhe o desjejum.

Eram quatro e meia da tarde quando Olívia retornou à casa da fazenda. Ainda chovia um pouco.

— Como ele está? — perguntou a Kay, que lidava com panelas e caçarolas no fogão.

— Bom como ouro — disse a mulher. — Cochilou um pouco, mas o médico falou que ele poderia se levantar mais tarde. Por falar nisso, patroa, o



telefone está mudo. Já avisei nosso mecânico. E um homem simpático. Ben, quero dizer. Conversou bastante comigo e fez-me rir.

Deve ter contado piadas maliciosas, pensou Olívia, se é que não sugeriu a Kay que se deitasse com ele.

— Ofereci algumas roupas de Graham para ele — continuou Kay. Graham era o filho dela, de vinte e dois anos. — As coisas de seu tio são realmente muito apertadas e curtas para Ben.

— Foi muita bondade sua, Kay. — Olívia sentou-se em uma cadeira da cozinha e fez um ar de desconsolo. — Ontem eu temia uma seca, agora receio uma enchente.

— Com o tempo, tudo voltará ao normal — comentou Kay.

— Sim, mas hoje temos bois com água pelos joelhos. Kay apresentou-lhe de surpresa uma xícara de chá e um prato com sanduíches de queijo e tomate.

— Garanto que não comeu nada hoje, patroa.

— Obrigada, Kay. Você é um anjo.

— Fiz um cozido de carne e legumes para o jantar. Daqueles de esquentar os ossos. Quando seu tio voltará?

— Em uma semana. Daremos um jeito até lá. O telefone é que me preocupa.

— Por que não relaxa um pouco? — Kay mostrou-se compreensiva. — Pode contar comigo.

— É justamente o que estou fazendo.

Olívia não descansou propriamente, mas tomou um longo banho quente e trocou de roupa. Vestiu calça preta justa e uma bonita camisa cor de vinho de mangas compridas. Prendeu os cabelos em um coque e pensou em cortar sua franja, mas teve preguiça. Então lembrou-se de Ben Bradshaw, da pomada suavizante que tinha aplicado em seus lábios ressequidos, e pensou em usar batom.

"Devo estar louca", pensou com um sorriso condescendente. Por que preciso provar que posso ser uma mulher atraente? Deixou a idéia de lado e foi à procura de Ben. Encontrou-o sentado na cozinha, de roupa trocada e pronto para jantar.

— Tem certeza de que já pode comer normalmente?— ela perguntou.



— Com as bênçãos do médico — respondeu ele. — Você parece cansada.

— O dia inteiro na sela de um cavalo, depois de uma noite maldormida...

— Sinto-me culpado. Não só lhe dei trabalho como não a deixei dormir. E ainda andou na chuva...

Ela deu a volta para sentar-se à frente dele.

— A vida no campo é assim mesmo. Festa ou desgraça, como diz Kay. O problema é que choveu muito ao norte, os rios e canais estão cheios. Há perigo de enchente. Bem, conte-me como passou o dia.

— Nada de especial — ele disse sem ênfase. — Falei com o doutor e depois com a polícia, mas durante a conversa o telefone emudeceu. É verdade que é uma linha rural, via antena parabólica?

— Sim, e Davo, nosso mecânico, é um gênio com essas coisas modernas. Ele já deve estar consertando a antena. Descobriu alguma coisa com a polícia?

— Descobri que sou mesmo Ben Bradshaw. Trabalho para uma empresa rural. Tenho trinta e três anos. Estou sediado em Charleville.

Olívia olhou espantada para ele e levantou-se para pegar uma garrafa de vinho da geladeira, juntamente com duas taças.

— Parabéns. Então o nevoeiro em sua mente foi-se embora.

— Não totalmente. Ainda há espaços em branco, mas a memória está começando a voltar.

— Ainda bem. — Ela abriu o vinho e ofereceu. — E muito fraco para você?

— Não. Gosto de vinho.

— Então sirva-se, por favor. — Ela tirou a tampa da panela para espiar como estava o cozido preparado por Kay. Quase pronto.

Quando Olívia retornou à mesa, eles brindaram.

— Viva! — ela exclamou. — Aliás, você tem sorte em não ter morrido.

— Obrigado por tudo — ele retribuiu.

— Familiares e amigos? Descobriu alguma coisa?

— Meu parente mais próximo, disse a polícia, é minha mãe, que mora no exterior. Lembro-me dela, mas o delegado ficou de confirmar.



— Então, não tem mulher nem filhos?

— Aparentemente não. — Os olhos se estreitaram, curiosos. — Por que pergunta?

— Eles poderiam ter sofrido muito com seu desaparecimento. Sofreriam mais ainda com sua perda de memória.

— Não estou tão mal assim. Poderia, por exemplo, apaixonar-me por você.

— Duvido. Tenho vinte e cinco anos, e habitualmente não exerço esse efeito nos homens.

Ele sentou-se e então a fitou diretamente nos olhos.

— Modéstia sua. Você é encantadora.

Ela corou e manteve-se calada por um momento. Olhou para um canto indefinido e só então respondeu.

— Obrigada, mas prefiro que não fale mais nisso.

— Está bem — ele disse decepcionado. — Quantas cabeças de gado você possui?

Discutiram a situação da fazenda em detalhes, falaram de política agrícola e saborearam a deliciosa comida de Kay. Terminada a refeição, Ben indagou se ela lhe mostraria a casa.

— Com prazer — confirmou Olívia satisfeita.

Era um velho casarão com uma grande sala de estar e uma sala de jantar separados por um gracioso arco de madeira. As paredes eram verde-claras e a mobília, estofada em brocado, completava o aspecto antigo do lugar. Quadros com moldura dourada estavam dependurados nas paredes, e havia um magnífico relógio do tipo carrilhão. Acima da lareira de pedra polida, destacava-se o retrato de uma bela mulher.

— Minha mãe — explicou Olívia.

— Parece uma mulher autoritária.

— E foi.

— Você tem os mesmos traços bonitos.

— Obrigada. Ela era realmente atraente. Este é meu pai.

— Ela dirigiu-se para um retrato menor, na sala de jantar.

— E este é meu tio Garth.



— O tio Garth aparenta ser um sujeito teimoso.

— E ele é. Sabe que eu mesma os pintei?

— Não! Você devia ser muito jovem.

— Isso não impede nada. Vou-lhe mostrar os esboços quando chegarmos ao meu estúdio.

Ben olhou para trás ao caminharem para a porta do outro cômodo.

— Você tem muito jeito para decoração, Olívia.

— Bem, havia material disponível e hoje não se encontram casas deste tamanho. Não foi difícil decorar tudo à moda colonial. — Abriu uma porta e deu espaço a Ben para ver. — Este é o meu estúdio. O estilo é mais moderno, mas o importante é o janelão dando para a varanda. Tenho toda a luz de que preciso.

A chuva ainda fustigava o vidro da janela,.mas a lâmpada do teto era forte e revelava um cômodo amplo, quase sem móveis, com o piso de madeira, uma grande mesa de trabalho e dois cavaletes.

— Gosto mais de pintar miniaturas. Por isso me especializei em cartões.

— É curioso. — Ben voltou-se para ela, demonstrando interesse.

— Eu sei. É inexplicável, na verdade. Parece que meu olho tem a capacidade de miniaturizar o que vejo.

— É muito bom — disse ele, observando o quadro apoiado no cavalete menor, uma aquarela que reproduzia um riacho e alguns arbustos de maneira hão realista, quase fantasmagórica. — Curioso como consegue ser bastante fiel nos retratos. E uma pintora bastante versátil.

— Às vezes penso que, há cem anos, eu não teria outra alternativa senão ficar pintando ou tocando piano, com aqueles sufocantes vestidos brancos e pesados de gola alta. Era o que a sociedade esperava de uma dama, não é?

— Não tenho dúvida de que sempre seria uma dama, Olívia, mesmo usando calça comprida como hoje.

— Como pode saber?

— É seu jeito de ser.

Olívia não pôde concluir se Ben a estava elogiando ou zombando dela.



— O mais incrível é como você combina tudo isso com a direção da fazenda, com um espírito de comando que me impressiona — concluiu Ben.

— Há poucos dias, eu nunca sonharia discutir estes assuntos com um estranho — observou Olívia.

— Isso é porque existe certa eletricidade entre nós — ele disse pausadamente, mudando de assunto antes que ela pudesse revidar.

— Eu desconfiava de que fosse autoritária e mandona, pouco feminina. Mas você pinta, decora e cozinha maravilhosamente.

— Quem fez o jantar foi Kay.

— Mas você cozinhou ontem à noite. É uma dama, uma mulher completa.

— Não seja por isso. Os melhores cozinheiros são homens. Apenas me esforço. — Ela suspirou e examinou o rosto de Ben. — Nada sei sobre cavalheiros, mas você parece ter nível superior à média, Ben. ';, ' , — Fala sério? — Ele abriu um largo sorriso.

— Sim. Jack foi o primeiro a notar. — Ela continuou estudando-o pensativamente. —Quero dizer que é muito educado, exprime-se bem, aparenta ter um gosto refinado, apesar da amnésia temporária. Enfim, seus pais devem ter-lhe proporcionado uma boa formação, mesmo que não se lembre.

— Minha mãe ficaria encantada em ouvi-la, Olívia, mas meu pai, na verdade, era ferreiro. — Ela a olhou com ar maldoso. — Sinto desapontá-la.

— Claro que não desapontou — ela disse em voz abafada.

— Isso não significa nada. Só que agora me sinto terrivelmente esnobe. Como foi fazer isso comigo?

Ele riu e aproximou-se, vindo ficar bem na frente de Olívia.

— Não fiz nada. Só estava querendo cumprimentá-la por sua classe como mulher.

— Para compensar seu comentário anterior, de como eu era pouco feminina — ela comentou desconsolada.

— Não foi o que eu disse. Desculpe-me se a irritei, mas apenas observei que escondia suas melhores qualidades.

— Não se incomode — ela respondeu rapidamente. — Continuo sem conhecê-lo. Não deveria ter ficado aborrecida.



Próximo como estava, bastou a Ben estender a mão para tocar delicadamente o rosto de Olívia. Ela ficou paralisada.

O leve ruído da chuva no telhado, o ambiente aconchegante do estúdio, as preocupações com o pasto inundado, tudo desvaneceu-se e só restaram Ben e Olívia na penumbra. O contato da mão era magnético e transmitia um clima sensual, exasperador, pleno de promessas voluptuosas.

A intensidade daquela sensação a deixou assombrada. Parecia que era a primeira vez que se tornava fisicamente consciente da presença de um homem, não de um homem qualquer, mas de uma figura máscula e viril, bem-educado e com senso de humor, de rosto atraente e ombros largos que a convidavam a aninhar-se entre eles.

Olívia só conhecia detalhes esparsos da vida de Ben. Ele só se lembrava do primeiro nome... Mas, por alguma razão, todas as pequenas coisas que ele havia dito despertaram em Olívia um sentimento de ternura que intensificava a centelha de atração surgida entre eles.

Era como se os longos dedos de Ben vagassem por sua blusa cor de vinho e então cingissem a base de seu pescoço. Olívia parecia sentir-lhe o toque inquieto nas partes sensíveis de seu corpo, e o único alívio para aquela doce tortura seria entregar-se.

Não poderia aceitar aquilo, mas seu coração batia apressado, e seus seios indóceis no peito ofegante concentraram as atenções de Ben. Como podia desejá-lo tanto? Como seu corpo era capaz de reagir a um mero toque na face e ao olhar sedento que ele lhe dirigia?

— Não... — ela balbuciou de modo quase inaudível, fazendo Ben recolher a mão, e afastou-se um passo.

— De acordo — ele disse serenamente.

Olívia engoliu em seco e recuperou a voz normal. — Com o que está de acordo?

— Não devemos nos precipitar. A respeito de... A respeito disso.

— Precipitar-se? Você não esperava que.... — Ela piscou os olhos incrédula.

— Não esperava nada — ele afirmou, erguendo as sobrancelhas. — Mesmo que fosse de nossa vontade mútua, iria para a cama comigo? Não. Nem eu forçaria a situação. O máximo que iria ganhar seria um tapa no rosto.

— Não brinque com isso — ela o alertou gravemente.

— Então me diga o que gostaria de fazer, Olívia.



Ela fixou nele o seu olhar e arrumou a franja dos cabelos com a mão.

— Nada, Ben. Até que eu o conheça melhor, pelo menos, mas nem sei se isso chegará a acontecer.

— Por que não?

— Bem — a expressão de Olívia ganhou um traço de desesperança. — Não sabemos se nossas vidas vão se separar, mas as chances são muitas.

— E se eu me fixasse em Wattle Creek? — ele perguntou apenas como hipótese. — Nossas vidas iam correr paralelas.

Olívia respondeu defensivamente.

— Eu vivo aqui, e você em Charleville.

— Não é o que estou dizendo, Olívia, e sei que me entendeu. — Ben... — Ela meneou a cabeça negativamente. — Eu não posso. Por favor. Nem sei de onde veio essa conversa.

Ele a olhou com firmeza e tocou-lhe novamente a face, dessa vez com a ponta dos dedos.

—Veio disso, Olívia. Mas estamos de acordo em não apressar as coisas.

— Eu simplesmente não posso deitar-me assim com um homem.

— O que propõe para este impasse? — Ben decidira enredar Olívia em sua própria hesitação.

— Lavar os pratos, fechar a casa e ir dormir. Cada qual na sua cama, óbvio.

— Está falando sério?

— Bem — ela vacilou e depois deu de ombros. — Se não quer ajudar... Pelo menos é o costume aqui.

— Perfeito. Já lhe disse que sou um homem caseiro. Passei o dia na cama, enquanto você já trabalhou muito. Pode deixar a arrumação comigo.

Ela sorriu subitamente, e com franqueza.

— Se pudesse ver seu rosto quando disse isso...

— É que você me pegou de surpresa — ele defendeu-se.

— Estou tão exausta que não vou precisar de ninguém cantando para eu adormecer. Tem certeza?



— De poder limpar a cozinha e trancar a casa? Ora, por quem me toma? — Ele a olhou com certa ironia, fazendo-a corar um pouco.

— Então, boa noite, Sr. Arnold. Vou me recolher.

— Boa noite, Sra. Lockhart. — Fez questão de trocar um bem-humorado aperto de mãos com Olívia.

— Não se canse demais — ela o alertou. — Você ainda está sob cuidados médicos.

— Pode deixar. Serei cuidadoso.

Ele soltou-lhe a mão e ficou olhando para ela, deleitado, por um longo momento. Olívia então virou-se e subiu a escada, sem olhar para trás.



CAPÍTULO III

Olívia adormeceu quase imediatamente, mas acordou às duas da madrugada. Ainda chovia.

A chuva constante e fraca não ocupou sua mente enquanto se revirava na cama de casal de seu quarto, debaixo do cobertor azul e branco. Ben Bradshaw, sim.

Que tipo de homem ele era realmente? Havia atribuído seu sangue-frio à formação familiar que tivera, mas hão precisava ser necessariamente assim. Além disso, a educação que recebera não era garantia de nada. Ben era um homem atraente, e que sabia usar bem seu charme. Agiria indiscriminadamente, à maneira de um conquistador barato? Quantas mulheres ele teria tido até então? Muitas, ela suspeitava.

Olívia agitou-se na escuridão. Já fazia algum tempo, dois ou três anos, desde que se sentira atraída por um homem. Reconhecia, porém, que fora movida pelo risco de se tornar uma solteirona. Uma solteirona caipira, o que era pior.

Ocorreu-lhe então que ela só sabia que Ben Bradshaw trabalhava para uma empresa agrícola, e que ele estava a caminho de Campbell Downs, uma importante agroindústria que havia sido vendida recentemente.

Devia ter perguntado mais, para descobrir alguma coisa sobre suas relações com mulheres. Mas talvez um vago medo interior a tivesse impedido. E se ele tivesse namorada? E se se lembrasse de repente de que estava noivo?

Uma batida na porta pôs seu coração em sobressalto.

Ela sentou-se na cama, ligou o abajur e puxou o lençol até o pescoço.

— Quem é?

A porta se abriu e revelou Ben, parado na soleira.

— Olívia...

— Ben! — ela esbravejou. —Você está se excedendo. Poderia ter a consideração de me deixar descansar.

— Olívia... — Ele entrou no quarto. — Se pensa que vim seduzi-la, está enganada.

— O que devo pensar, então? — ela perguntou.



— Estou completamente vestido. E também molhado.

Ela reparou que os cabelos dele estavam emplastrados na cabeça e que as roupas que Graham havia cedido se mostravam não só ensopadas, como sujas de lama.

— Então? Qual o problema? — ela insistiu ainda mais irritada.

Olívia subiu o lençol alguns centímetros, de maneira a quase lhe cobrir o queixo. Ben a olhou com um cinismo evidente, , divertindo-se com o medo dela.

— O teto está fazendo água. Começou a pingar bem em i cima de minha cama e, embora eu preferisse mudar de quarto, ' achei que seria bom consertá-lo logo.

Ela levantou-se de um salto, segurando a camisa do pijama junto ao corpo.

— Mas por que tão cedo? É claro que precisamos consertar o telhado. Existe fiação elétrica sobre as telhas...

— Quanto antes, melhor — ele disse em um tom sarcástico, vendo que ela começava a desabotoar o pijama. — Vou deixá-la sozinha para vestir-se.

— Aqui está — ela disse a Ben, cinco minutos depois, passando-lhe uma capa amarela impermeável. Já vestira a dela e, com o chapéu mole que colocou, ficou parecendo a paródia de um bombeiro. — Suponho que já investigou o problema.

— Sim, mas não consegui ver muita coisa. Vamos precisar de uma escada e de uma folha grande de plástico ou oleado.

— Mas você não pretende subir ao telhado...

— Sou perfeitamente capaz de fazer isso, Olívia.

— E sua cabeça? Suas ataduras?

— Vai tudo bem com minha cabeça. Tomei a liberdade de pegar ataduras no estojo de primeiros socorros e fiz uma nova feandagem.— Ele apontou para sua têmpora ferida.

— Ah, bom. Mas eu ainda acho que devemos chamar Jack. Depois de amanhecer, é lógico.

— Deixe-o sossegado, Olívia — disse Ben com firmeza. Uma hora depois o plástico grosso estava colocado e pregado no buraco da telha de zinco, e os dois se arrastavam pelo teto verificando os fios.



— Parece tudo certo — disse Ben, fazendo a luz da lanterna correr pelo telhado.

— Sim, tudo resolvido — replicou Olívia, retirando aterrorizada uma teia de aranha de sua face. Seu rosto não tinha cor.

— Não gosta de aranhas?

— Tanto quanto você não gosta de goteiras. Podemos descer agora?

— Você primeiro — ele disse cortesmente.

Ela desceu a escada pelo alçapão da cozinha e soltou um profundo suspiro de alívio. O grande forno ainda estava aceso, pois também servia como aquecedor central da casa. Tirou a capa e o chapéu, e esquentou-se na frente do forno, esfregando as mãos geladas. Foi quando olhou para Ben e riu. Ele estava encharcado e enlameado, do mesmo modo que ela.

— Parecemos ratos afogados — ela comentou. — Kay lhe deixou uma muda de roupa?

— Sim. Pijama, calça jeans e camisa.

— Então é melhor trocar-se logo, antes que pegue uma pneumonia.

— Não sou tão fraco assim — reclamou ele. — Que tal fazermos um chocolate quente, depois de nos trocarmos?

— Tudo bem — concordou Olívia, tomada de surpresa pela sugestão.

Ela tomou uma ducha rápida e voltou à cozinha, vestindo pijama debaixo daquele terrível robe e secando os cabelos com uma toalha.

Ben já a aguardava, metido no desproporcional pijama do tio de Olívia. A leiteira já estava no fogo.

— Deixe-me checar os curativos — pediu ela. — Vai ser um milagre o corte não se ter aberto. — Segurou a cabeça de Ben e sentenciou: — Vazou um pouco de sangue. Vou colocar mais pomada cicatrizante e trocar as ataduras.

Ele ficou admirando o rosto de Olívia enquanto ela manejava o estojo de primeiros socorros. Pensou que dificilmente encontraria outra mulher tão eficiente e ao mesmo tempo tão ágil e atlética para ser capaz de subir uma escada de pedreiro e consertar telhados.

— Tem certeza de que não se machucou? — indagou Ben preocupado.

— Só o nó dos dedos estão um pouco esfolados. Mas nunca fui muito boa com as mãos.



Certamente as mãos de Olívia, com as longas unhas pintadas, não eram macias como outras que havia conhecido, refletiu Ben, mas a habilidade estava acima de qualquer dúvida.

— Estava pensando... Se usasse as unhas curtas, seria melhor para o tipo de vida que leva. A pintura inclusive. Suas mãos são fortes e bonitas.

— Mentiroso — ela brincou. — Vai fazer o chocolate ou terei de fazê-lo?

Ele ficou calado por um momento, e seus olhos ganharam uma expressão misteriosa.

— Consegue ler minha mente, Olívia?

— Nestas condições, sim. Tenho a impressão de que está pensando em algo muito diferente do que fazer chocolate quente.

Ele não disse nada antes que duas xícaras fumegantes fossem postas sobre a mesa.

— Estava pensando que minhas observações sobre os caprichos femininos não se justificam em seu caso. — Ele puxou uma cadeira e sentou-se. — Às vezes me espanto por você não se ofender.

Ela esquentou as mãos envolvendo a xícara quente.

— Não acredita em mim? — Ben quis saber.

— Não inteiramente.

— Você tem razão. — Ele sorriu sem graça. — Bem, não totalmente. Estava pensando, na verdade, que você é diferente de todas as mulheres que conheci.

— A não ser que esteja pensando em alguma mulher em particular — ela observou após uma breve pausa.

— Minha memória ainda é uma sombra espessa.

— Disse isso ao médico? — Olívia o fitou preocupada.

— Sim, mas ele falou que a memória voltaria aos poucos e de maneira desordenada.

— Entendo. Eu devia estar louca.

— Por quê? — Ele a olhou sem compreender.

— Por deixá-lo consertar o telhado.

— Nem pense nisso, Olívia. Eu estou muito bem fisicamente.



— Seu chefe deve estar preocupado com o avião.

— Não há nada a fazer no momento.

— Suponho que não.

Ele cobriu-lhe as mãos em torno da xícara e a fitou insistentemente.

— Não sei o que fazer, Ben. Só nos conhecemos há poucos dias...

— Sim — ele confirmou com um sorriso. — Você não sabe se me trata como um estranho ou como um namorado.

Uma matiz rubro coloriu-lhe as faces, enquanto ela desviava o olhar.

— Em meu lugar, você também não teria dúvidas?

— Provavelmente. — Ben ergueu as sobrancelhas. — Mas eu não a estou pressionando.

Olívia percebeu que tinha se denunciado. Era como se quisesse receber a pressão de Ben por uma maior proximidade, além daquela representada pelas mãos unidas. Mas ela decidiu imediatamente que era melhor ter cuidado e discrição.

Como se pudesse ler essa decisão no rosto de Olívia, Ben resolveu mudar de assunto.

— O telhado precisa de muitos reparos — ele comentou. Olívia reclinou-se na cadeira, um pouco aflita com a constatação de Ben.

— É verdade. Amanhã vou alertar Jack. — Ela deu de ombros. — Queria fazer vários melhoramentos na fazenda, pouco a pouco, mas agora o telhado terá prioridade. O problema é que tio Garth estava mais preocupado com a cerca do pasto.

— O resto da estrutura parece em ordem.

— E está — disse Olívia. — Estas velhas mansões foram feitas para durar. Você entende alguma coisa de construção?

— Nada que possa durar cem anos — ele sorriu. — E não sou um apaixonado por casarões coloniais como você.

— Notei que você tem o hábito de querer conhecer meus mais secretos pensamentos e gostos.

Ele a olhou divertido, com um brilho incomum nos olhos.

— Bem, é que estamos juntos no meio da tempestade — justificou Ben.



— Não sei se é uma resposta — comentou Olívia. — Joga cartas?

— Jogo. — Ele continuou sorrindo. — Mas acho um passatempo aborrecido, se é o que tinha em mente.

— Ia propor um joguinho só para fugir de seu interrogatório. Ele terminou de tomar seu chocolate e pôs a xícara de lado.

— Existe uma reação química entre nós dois — Ben ensaiou um sorriso meigo para Olívia. — Gostaria de conversar, embora não queira apressar nada, como já disse. Nem mesmo sabemos se existe algo para ser apressado, e nunca saberemos se ficarmos guardando segredo de tudo, não é mesmo?

— No momento, tenho minhas reservas e não vou abrir minha alma para você, Benedict Arnold. — Ela o olhou com um traço de frustração.

Ele estreitou os olhos, sem se mostrar irritado.

— Então deixe-me adivinhar. Você anda aflita com o fato de a vida estar passando, enquanto você se preocupa com a fazenda e com a mansão colonial da família.

Olívia mordiscou o lábio e ajeitou a franja para trás com ambas as mãos.

— Isso o diverte?— ela perguntou.

— Não — Ben sorriu levemente. — É apenas uma questão prática. Quando você ajeita sua franja, esse gesto significa que está pensando em alguma coisa que a aborrece.

— Preciso aparar os cabelos. E tudo o que significa — ela afirmou em tom prosaico.

— Mentirosa — ele falou com suavidade, parecendo tão incrédulo quanto ela.

Olívia corou, parecendo exasperada e depois inquieta.

— Tudo bem. Minha mente agora está clara.

Ben não soube dizer até que ponte ela estava sendo irônica.

— Isso é bom, e não falo por interesse pessoal — ele retrucou. — Você tem tanto a oferecer, Olívia, que merece uma vida maravilhosa. É pena deixar o tempo passar.

Um agudo senso de frustração invadiu Olívia, e ela rilhou os dente.s.



— Você é capaz de criar muita felicidade a sua volta, e deveria dividir esse espírito criativo como um marido e filhos.

Ela entreabriu os lábios e os manteve assim.

— Por acaso conhece meu tio Garth?

— Por que pergunta?

— É que fala exatamente como ele, Benedict Arnold.

— Lamento. Não sei o que ele sente ou pensa a esse respeito. Mas se um estranho lhe repete as mesmas palavras, é porque existe alguma verdade nelas.

— Você age como se fosse o dono da verdade.

— Só de maneira geral, Olívia. Para mim, há coisas que são óbvias demais.

— A independência feminina parece não existir para o tio Garth. Sua visão das mulheres é muito antiquada.

— Atitude estranha para um solteirão — comentou Ben. — Não tão estranha. Ele praticamente foi abandonado no altar e tapeado por outro homem, sob a alegação de que a noiva não suportava seu cinismo a respeito das mulheres em geral.

— Mas ele deve estar satisfeito com a maneira como você dirige a fazenda.

— É verdade, porém minha independência o perturba muito.

— Independência? A simples pergunta abriu um poço de silêncio entre eles.

— Alguma dúvida? — ela o interpelou após longa pausa. —'Sabe muito bem o que eu quis dizer, Olívia. — Os lábios dele se torceram em um sorriso forçado. — Talvez deteste sua independência.

Ela levantou-se precipitadamente da mesa, enquanto Ben permanecia sentado, imperturbável, olhando-a com atenção.

— Você está errado, Sr. Bradshaw. E não pretendo ficar aqui ouvindo sua argumentação machista.

— Por que não vai dormir, Olívia? — ele sugeriu.

— Mas que coisa! Quem pensa que é? — Ela mostrou-se furiosa.



— Um extraterrestre — ele propôs com um sorriso malicioso. — Isso não me impede de observar os fatos. Mas quero que saiba que sou extremamente grato pelo que tem feito por mim.

Olívia permaneceu parada, procurando recuperar sua postura altiva. Só lhe restou soltar um suspiro de frustração, que em qualquer outra mulher poderia parecer um sinal de fraqueza. Por fim, ela girou o corpo e saiu. Voltou-se para ele no momento seguinte.

— Você pode dormir no outro quarto vago.

Ela subiu a escada, enquanto Ben Bradshaw, com um sorriso triste no rosto, ficou ali, sentado à mesa da cozinha, com um olhar vago. Teve a súbita consciência de que sua vida havia se tornado mais complicada do que gostaria. Pensou em andar um pouco ou mesmo em ir embora. Como uma pancada na cabeça podia mudar tanto as coisas? Ele já se lembrava de muitos acontecimentos de sua vida, mas não do mais importante de todos.

O que tanto o atraía em Olívia? Ela não era a mulher mais bonita do mundo. Sua independência era falsa, resumia-se a questões práticas. Ela era um enigma, e não poderia negar que estava intrigado. O que isso tinha a ver com a amnésia era outra história.

Finalmente Ben ergueu-se, lavou as xícaras e dirigiu-se devagar para uma cama seca, em um quarto sem goteiras.

Ele foi acordado na manhã seguinte por Ryan e Sônia. Experiência enervante, abrir as pálpebras e deparar com dois pares idênticos de olhos castanhos, em dois rostos iguais, cheios de sardas.

— Ah, são os gêmeos! — ele exclamou com a voz rouca, levantando-se.

— Vimos ver como você está — disseram praticamente em coro.

— É muita bondade da parte de vocês. Vieram nadando? — ele brincou.

— Que bobagem! — Sônia riu. — Já parou de chover, mas lá fora está cheio de poças. Deixamos nossos tênis na porta.

Ben então reparou que eles estavam só de meias, daí não terem feito barulho ao entrar.

— Por que mudou de quarto? — quis saber Ryan, interessado.

— Porque no outro apareceram algumas goteiras — respondeu Ben. — Olívia já está de pé?



— Olhamos no quarto, bem quietinhos, mas ela estava dormindo profundamente — disse Ryan.

— Ela só não levanta muito cedo quando tem problemas. Acha que ela está bem? — perguntou Sônia.

Ben explicou-lhes o que havia acontecido na noite anterior, com a subida ao teto e tudo o mais. Os gêmeos entenderam.

— Bem, queríamos mostrar-lhe a fazenda — ofereceu Ryan.

— É muita gentileza. — Ben reagiu com um riso aberto.

— Eu disse alguma coisa engraçada?

— Perdão. É sua maneira de falar. Como um adulto, não é, Sônia?

Sônia balançou a cabeça vigorosamente, concordando.

— Convite aceito — afirmou Ben para acalmar os gêmeos. — Afinal, vocês salvaram minha vida. Agora preciso lhes obedecer. Dêem-me só um minuto para me vestir.

Olívia despertou lentamente das profundezas do sono, abrindo e fechando os olhos diversas vezes, até constatar que o sol já brilhava lá fora. Só se levantou ao ver, no relógio de cabeceira; que já eram nove e meia. Em seu coração angustiado, floresceu uma dúvida: como iria confrontar-se com Ben Brad-shaw naquela manhã?

Demorou mais que o normal para vestir-se e maquilar-se. ' Arrumou a cama e sentou-se à penteadeira para aparar, com uma tesoura, a franja que já estava lhe incomodando. Quando começou a pentear os cabelos, ela estacou, preocupada. Não se ouvia um único som em toda a casa.

Todos deveriam estar dormindo, pensou, ao sair de seu quarto.

Não havia sinal de gente na cama, prolongando a manhã radiosa após a chuva. A despeito de si mesma, de novo ela se alarmou. Teria Ben, em uma crise de amnésia, saído para andar ou ido embora? E se, debaixo das ataduras, a ferida houvesse se infeccionado? Lamentou-se por tê-lo tratado mal na noite anterior.

Estava com o telefone da cozinha na mão, para chamar Jack, quando Ben entrou pela porta dos fundos. Ela recolocou o fone no gancho.

— Onde estava?

— Bom dia, Olívia — ele disse pausadamente. — É uma bela manhã. Um pouco nublada ainda, mas já temos sol.

— Pode me responder? — ela insistiu com irritação.



— Não fiz nada demais. Só andei um pouco por aí.

— E eu pensei que tinha perdido a memória de novo, ou que a ferida estivesse infeccionada... Não se atreva a rir!

— Lamento muito — ele desculpou-se. — Juro que não me ocorreu que ficasse preocupada. Os gêmeos me disseram que você ainda estava dormindo.

— Os gêmeos?

— Sim. Sônia e Ryan me acordaram e levaram para passear. Eles resolveram deixá-la dormir mais um pouco.

A expressão de Olívia estava transtornada, quando ela sentou-se à mesa da cozinha.

— Aqueles dois vão me deixar de cabelos brancos antes do tempo — queixou-se.

— Não só você. Notei que o pai deles já está com os dele grisalhos.

— Onde estiveram? — perguntou Olívia mais calma. — Gostou do passeio?

Ela colocou na mesa um prato de ovos com bacon. Com fome, Ben serviu-se de algumas enormes garfadas.

— Bem, fui ver a sala de máquinas e conversei com Jack e com o pai dos gêmeos. Todos acham que, se não chover hoje, amanhã já será possível colocar um carro ou um jipe na estrada.

Olívia pegou uma banana no cesto de frutas.

— O que Jack pensa do tempo? — ela perguntou.

— Temos algumas nuvens carregadas, mas também há vento suficiente para afastá-las daqui por alguns dias.

— Aleluia! Mais um pouco de chuva e estaríamos ilhados!

— Ainda há muita água por cair, Olívia. — Ben colocou seu prato vazio de lado. — É preciso preparar um local mais alto para o gado.

— Vou ver o que poderemos fazer.

— E as fazendas vizinhas? Os donos não poderiam ajudá-la, temporariamente?

— Preciso pensar nessa hipótese. Naroo, a leste, deve estar nas mesmas condições que nós. Campbell Downs fica mais alto, mas o lugar infelizmente acaba de ser vendido.



— Por que infelizmente? — Ben indagou.

A cafeteira acendeu a luz vermelha, e Olívia serviu café bem quente.

— Era uma propriedade familiar, mais ou menos como a nossa, mas foi comprada por uma agroindústria, uma grande empresa multinacional, que pressionou muito os proprietários. Parece que os novos donos têm até estâncias na Argentina.

— Obviamente, você não aprova. — Ben franziu a testa.

— Não tenho elementos para julgar — respondeu Olívia. — Sei que é o caminho do progresso, mas sei também que vão mecanizar tudo e despedir metade dos peões.

— Os jornais dizem que fazendeiros e pecuaristas estão sempre reclamando de tudo, qualquer que seja a situação, para poder ganhar maiores verbas do governo.

— Espero que não concorde com essa bobagem. O povo não entende, nem eu, que para progredir seja preciso criar tanto desemprego.

— Tenho apenas uma opinião geral, Olívia. Alimentar este planeta está se tornando uma tarefa cada vez mais difícil. Não é mais coisa para pequenos sitiantes.

— E realmente uma opinião muito geral, Ben — ela retrucou com uma ponta de zombaria.

— Mas, talvez mais importante do que possa parecer.

— Precisa admitir que a qualidade dos alimentos produzidos em larga escala pode ser inferior. Por exemplo, estes deliciosos ovos que acabamos de comer não vêm de galinhas robotizadas.

— Mas o leite que milhões de pessoas tomam é pasteurizado e livre de micróbios.

— Tem razão, mas acho que ainda há lugar para todos. Há muita terra para ser cultivada, e a população rural deve viver bem, na medida em que produza regularmente.

— Bem falado — ele murmurou.

— Concorda comigo ou não? — Olívia insistiu.

— Nos dias atuais, tudo é muito complexo — retrucou Ben.

— Mais café?



— Não, obrigado. Aliás, fico aliviado por você estar falando comigo esta manhã.

— Não devia, se quer saber. Mas realmente tive medo de que lhe pudesse ter acontecido alguma coisa, quando me levantei e não o vi.

— Isso quer dizer que se sente responsável por mim? — ele perguntou pausadamente.

— Apenas por sua saúde — esclareceu ela sem demora.

— Vi que cortou sua franja — Ben afirmou de repente, mudando de assunto.

— Não muito. Só aparei as pontas — disse Olívia encabulada.

— Meio palmo, talvez. — Ele continuou olhando-a até deixá-la sem ação.

De certo modo, Olívia ficou contente por Ben ter reparado na mudança produzida em seu rosto, mas continuou paralisada pelo olhar dele. Por um momento, não soube como continuar a conversa.

— Lembrou-se de mais alguma coisa hoje? — decidiu perguntar.

— Não — ele disse secamente.

— Bem, o que gostaria de fazer agora? — Olívia fez uma expressão de ansiedade.

— O que tem em mente?

— Preciso limpar a casa, principalmente seu antigo quarto, e providenciar o conserto do teto. Depois, quero ver com meus próprios olhos o estado da fazenda. — Levantou-se e começou a tirar a mesa.

— A pé? — estranhou Ben.

— Não, a cavalo.

— Posso ir junto?

— Pode ser arriscado para você. Como está sua testa?

— Nem olhei, mas acho que não haverá problema em montar um cavalo manso.

— Se não se incomoda, decidirei depois.

Ben notou o vigor com que Olívia começou a lavar a louça. Levantou-se em silêncio e pegou um pano de prato para enxugar os pratos. Dez minutos se passaram, sem que trocassem uma única palavra. Mas os dois corpos



estavam tão próximos, à beira da pia, que se tocaram acidentalmente por algumas vezes, e Olívia não pôde negar a excitação que sentiu.

Ou não era acidental?, ela ponderou na segunda vez em que aconteceu, dirigindo a Ben um olhar indefinível, entre meigo e furioso. Ele ergueu as sobrancelhas e preferiu dar um passo atrás.

— É melhor trocar o curativo — anunciou Olívia ao terminar o trabalho na cozinha. — Poderia buscar o estojo de primeiros socorros?

— É para já! — Ben saiu animadamente, deixando Olívia de dentes rimados.

Ben demorou-se mais do que o necessário, e ela já estava resolvida a ir em seu encalço quando ele reapareceu, assobiando, com o estojo na mão.

— Para que tanta pressa? — Olívia comentou ironicamente.

— Coloquei o cobertor para tomar ar na janela e pendurei no varal toda a roupa de cama molhada — ele replicou com suavidade.

— Você é o sonho de toda mulher! — ela respondeu com certa amargura. — Não admira que se ache o protótipo do bom marido!

— Eu disse isso?

— Não se lembra? — Ela o olhou com insistência.

— Sim. — Ben fez uma careta. — Mas não falei desse ponto de vista.

— Tem razão — ela concordou. — Você realmente gosta da vida caseira e as manias das mulheres não o aborrecem. Acho que foi isso que falou.

— Que memória! Preciso vigiar minha língua — ele murmurou.

— Sente-se para eu olhar o ferimento — ordenou ela. Olívia removeu o esparadrapo e ficou satisfeita ao ver que o corte estava praticamente cicatrizado, de pele nova. A vermelhidão tinha cedido lugar a um rosa - pálido.

— Parece bom — ela balbuciou enquanto renovava o curativo. — E a pancada na cabeça?

Ela tocou com os dedos a parte posterior do crânio dele, até encontrar o galo.

— Comportando-se civilizadamente — ele brincou.

— Bem, os arranhões no rosto também estão sumindo. Diria que está pronto para outra, Benedict Arnold.



— Pronto para cavalgar, também? — Ele se mostrou ansioso.

— Exercitar o corpo vai-me fazer bem.

— Vamos. Eu lhe empresto um chapéu.

Meia hora depois, eles ocupavam duas selas. Olívia em um alazão de trote suave, e Ben em uma égua preta de olhos espertos. O sol brilhava fraco entre nuvens espessas que se formavam no horizonte. Onde não estava coberto de água, o solo parecia exalar um vapor quente, que fazia as pessoas suarem.

Olívia arrumou seu chapéu de aba larga e sentiu o calor na face afogueada. A camisa começou a grudar-se no corpo..

Embora atenta ao estado das cercas e das instalações em geral, ela lançou a Ben alguns olhares significativos, mas ele pareceu não notar, montando a égua como um cavaleiro nato, experimentando as respostas do animal às suas ordens através das rédeas.

— Você é mesmo um mistério — ela disse com um sorriso.

— Fora de casa neste calor e sem um pingo de suor.

— É que estou satisfeito — ele tentou explicar.

— Tenho a impressão de que é capaz de dominar uma mulher como domina sua montaria. Posso ver em seu olhar, mas esta simples idéia é capaz de me tirar o bom humor por horas.

Ele apenas sorriu, sabendo que a censura de Olívia escondia um elogio.

— Que tal andar um pouco mais rápido?

— Um pouco de água fresca iria bem — ela concordou, e apertou o passo de seu cavalo, conduzindo o animal até onde havia água.

Passaram por vários estábulos. Parando uma vez para ajudar um bezerro que havia se enroscado em uma corda. Depois, cavalgaram mais depressa, lado a lado, sentindo o vento refrescante. Então, Olívia guiou Ben até a estrebaria para mostrar-lhe os cavalos da fazenda. Retomaram o caminho, e Olívia não demonstrou medo no galope ao qual Ben a induziu. Parecia, antes, uma amazona experiente.

Desmontaram perto da rocha onde, segundo constava, Ben havia batido a cabeça.

— Eu ainda devia estar tonto com o pouso do avião... — afirmou Ben —...porque não lembro nada a respeito desta pedra.



— Deve ser isso — retrucou Olívia. — Mas você se lembra do pouso?

— Só me recordo de estar descendo e descendo, sem controlar o avião. Puxa, está calor demais — ele reclamou.

— É verdade, e estamos cobertos de poeira. — Ela olhou para as próprias roupas com desalento e desgrudou a camisa do corpo, pinçando-a graciosamente com os dedos. — Acho que tenho a solução perfeita. Siga-me!

Montaram novamente e, em poucos minutos, chegaram às margens do córrego que dava nome ao lugar: Wattle Creek. Era um local balizado por árvores altas, bancos de areia e pássaros ruidosos. Perfeito para um descanso. Poucos dias antes, o rio estava quase seco. Agora, corria solto, quase no limite de suas margens forradas de grama.

Olívia saltou e deixou seu cavalo à vontade para beber água e pastar um pouco. Ben fez o mesmo com sua égua, amarrando as rédeas em um nó acima da sela.

— Eles não vão fugir? — perguntou preocupado.

— Não. Nenhum cavalo que eu tenha treinado faria isso. Agora vem a melhor parte.

Olívia tirou o chapéu e as botas, dobrou a barra da calça caqui que usava e entrou no riacho.

— Maravilhoso! — ela exclamou, sentando-se no leito do córrego e molhando o rosto e os cabelos. — Tome cuidado com seus ferimentos.

— Você é um gênio, Olívia Lockhart, e esqueça meus ferimentos!

Ele entrou na água ao lado dela, e riram juntos da correnteza que batia em seus corpos, lançando pingos refrescantes nos dois rostos, levando embora o suor e a poeira. Era deliciosa a sensação de não se preocupar com as roupas.

Olívia abaixou a cabeça e lavou a face com a água colhida pelas mãos em concha. Depois ergueu a vista para o topo das frondosas árvores, procurando avistar algum pássaro mais estridente.

— E um dos meus lugares favoritos — ela disse.

— Posso ver por quê. É mágico — enfatizou Ben.

— Nem sempre o córrego é assim, mas existem algumas poças de água que nunca secam completamente. Por isso as margens estão cheias de flores silvestres.

— É o paraíso para uma artista, não?



— Com certeza! — Ela arregalou os olhos, sentou-se e ajeitou a franja que ainda teimava em cobrir-lhe a testa inteira.

— Esse seu gesto é tão feminino, tão sensual — comentou ele. — Ainda bem que não cortou a franja muito curta.

Olívia hesitou um pouco, mas repetiu o gesto e deixou mais água escorrer-lhe pelos cabelos. Ben nada disse e manteve-se imóvel, obviamente fascinado pela visão da camisa molhada marcando a bela curva do busto.

Estranhamente, ela pareceu desconfortável ao ser admirada como mulher. Ben percebeu a reação dela e desviou o olhar.

O mal, se fosse o caso, já estava feito. A súbita tensão arrepiou Olívia muito mais do que a água fria. Arrebatada pelo desejo, ela foi incapaz de fazer Ben tirar os olhos cobiçosos de seu corpo.

— Olívia — ele disse com extrema suavidade —, você tem razão. Pode não ser uma boa idéia.

— Ah, acha que pode ler meus pensamentos, Ben? — Ela piscou e deixou as mãos cortarem o fluxo da água.

— Agarrá-la agora, molhados e sujos deste jeito, pode parecer uma briga... Para ser honesto...

Ela olhou diretamente para ele e detectou um traço de ironia em seu rosto.

— Honesto? — Olívia deu um sorriso zombeteiro. — Se é assim, posso tranqüilamente tirar minhas roupas e cair na água para valer. Junto com você.

— E extremamente honesto de sua parte. Mas sou daqueles que sofrem tomando banho de rio sem uma barra de sabonete.

— Seu canalha! — ela murmurou antes de lançar-lhe um jorro de água com as mãos. Depois, girou o corpo e começou a subir o barranco.

Ben alcançou-a sem dificuldade e a enlaçou pela cintura.

— Não! — ela o alertou falando por entre os dentes.

— Relaxe, Olívia — ele falou com voz rouca. — Tudo o que vou fazer é beijá-la.

— Não, não vai!

No limite da margem, ele a apertou nos braços e, por um instante, pareceu violento, dono de um olhar satânico. Mas era pura impressão de Olívia, exasperada pela situação, abrasada de desejo.



O momento passou. Eles o deixaram passar.

— Depois do que fez por mim, vou respeitar suas ordens, Olívia Lockhart.



CAPÍTULO IV

Ben teve de conter a frustração de ver negado o seu beijo. Olívia parecera tão desejosa, tão empolgada, que ele não entendeu o motivo da negativa. Talvez o erro estivesse em pedir. Por que não agia logo?

— Tenho uma proposta — ele ainda argumentou. — Se não gostar do beijo, continuaremos amigos.

— Oh, Ben! Realmente não sei o que fazer com você — disse Olívia exasperada.

Ele resolveu estancar o fluxo de palavras vazias e simplesmente começou a beijá-la. Primeiro a testa, depois as pálpebras fechadas, depois o resto da face corada e úmida, até alcançar os lábios receptivos de Olívia. Ela girou o corpo entre os braços de Ben, mas ele abaixou a cabeça e correu a boca por seu macio e elegante pescoço.

Ela ainda tentou libertar-se do abraço, mas ele reagiu apertando-a com mais força. Murmurou em seus ouvidos que ela tinha um corpo adorável, enquanto movia as mãos pelas costas largas, descendo-as até alcançar os sólidos quadris.

Olívia arfou e gemeu suavemente, antes de empurrá-lo com decisão, como se acordasse de repente de um sonho.

— Você... você está brincando comigo! — ela o acusou.

— Garanto que não — ele negou com uma expressão contrita que não a enganou.

— Está sim. Não me diga que é assim que beija as mulheres que leva a sério. — Ela mordiscou o lábio e corou intensamente.

— Ah, isso já é outro assunto. — Ele a soltou, mas manteve seu pulso preso e beijou-lhe ternamente a ponta dos dedos.

— Com certeza! — Ela balançou a cabeça em confirmação. — Eu...

— Olívia — ele a interrompeu —, antes que me condene por todos os pecados do mundo, saiba que não saio por aí beijando garotas que não querem ser beijadas.

— Faz um minuto, você me fez pensar que eu queria... — ela protestou, reconhecendo tarde demais a armadilha em que caíra.



Os lábios de Ben estavam trêmulos.

— Nesse caso, é você quem deve resolver. Confesso que hesitei um pouco, quando me lembrei de seu espírito de independência.

— Então, a menos que eu lhe assegure que estou com vontade...

— É isso, em poucas palavras — Ben concordou.

— Você deve pensar que nasci ontem — retrucou Olívia com certa amargura.

— Tudo bem — ele replicou, estreitando os olhos. — Eis o que podemos fazer. — Ele liberou-lhe o pulso sem se afastar.

— Se não quer ser levada a sério, basta empinar o nariz e retirar-se, ultrajada. Mas, se ficar, vou concluir que aceita meus carinhos. Você decide.

Olívia abriu a boca, mais incrédula do que nunca.

— E espera que eu acredite que isto não é uma brincadeira?

— Infelizmente, terá de me provocar, Olívia. O ponto central de toda a confusão entre nós é este: você me quer ou não?

Ela sofreu com a momentânea dificuldade de pensar. Ben tinha um desprendimento que o fazia desfrutar os instantes prazerosos da vida. Já para Olívia, parecia não existir prazer sem compromisso. A manifestação de seus instintos dependia da aprovação da razão.

— Saiba que nunca beijei um homem que não fosse a sério — ela afirmou. — É assim que sou. Desculpe-me por parecer um poço de contradições, Ben, mas nada feito. — Olhou-o com ingênua afetação. — Prefiro manter minha paz de espírito.

— Está exagerando, Olívia. Está se privando de coisas boas. Os olhos azuis de Ben revelaram um traço de bom humor, mas uma fria expressão de desafio brilhava neles.

— Acho que temos valores bem diferentes. — O próprio olhar de Olívia tornou-se subitamente frio e desafiador.

— Depende do momento — ele argumentou.

— E não somos nós quem fazemos nossos momentos? — perguntou ela, feliz por ter encontrado uma verdade incontestável.

O ar entre eles estava tenso. Terminara o jogo amoroso envolvendo os dois, embora para Olívia não se tratasse de jogo algum. Terminara também qualquer perspectiva de amizade entre eles. Era como se um cordão de hostilidade os amarrasse às tentações do desejo.



No olhar intenso de Ben, ela enxergou apenas volúpia. Parecia que seu corpo, modelado pelas roupas molhadas, formava uma imagem nua na mente dele, sem qualquer impedimento. Olívia estremeceu, e não foi de frio. Uma corrente elétrica a percorreu dos pés à cabeça.

Ela admirou-se de que pudesse sentir-se assim, mesmo sem nenhum contato físico com Ben. Como se sentiria com uma proximidade maior? Secretamente voltou a seu julgamento sobre ele, buscando forças para resistir. Enquanto o olhar de Ben parecia penetrar no mais íntimo de seu ser, ela se lembrou da agilidade e da força dele ao consertar a goteira do teto. '

Claro que Ben não a atraía apenas fisicamente. Era também dono de uma personalidade envolvente, à qual ninguém podia, ficar imune. Era a maneira como ele a fazia rir, como elogiava suas qualidades. Indecisa, Olívia. procurou desviar o rumo dos pensamentos e fechou os olhos por um instante.

Então, tudo recomeçou, e ela não opôs nenhuma resistência a seus impulsos. Tocou os ombros largos de Ben e depois o peito viril. Houve uma troca de olhares e, em segundos, Olívia estava de novo nos braços dele, sendo beijada com paixão.

Foi uma experiência única. Ela sentiu o desejo crescendo, tomando seu corpo em ondas abrasadoras, enquanto os dedos de Ben exploravam com sabedoria seus seios, as costas e os quadris, apertando-a depois contra si, até que ela constatasse a virilidade dele contra seu ventre. Olívia tomou-lhe o rosto entre as mãos e entreabriu os lábios, em convite a um novo contato entre as duas bocas frementes.

Então, coube a ela a iniciativa de sugar-lhe os lábios com avidez, até encontrar a língua quente e ágil. Também não resistiu quando ele quis beijar-lhe a nuca e, depois, a base do pescoço. Segurou os cabelos molhados é pendeu a cabeça para trás, dando a Ben livre acesso ao prazer que buscava. Com um olhar, deu a entender que ainda ansiava por seus lábios. Beijaram-se com ternura.

Os cavalos relincharam, afastando-os daquele momento tão especial. Depois de mais uma vez tomarem água rio córrego, a égua preta relinchou e o alazão agitou-se, provocando um alvoroço de sons dos pássaros nas árvores.

Ben manteve-a junto de si, segurando-a pela cintura.

— Uma pequena pausa... — ele murmurou, erguendo as sobrancelhas.

Quase sem fôlego, Olívia afastou-se dele e foi sentar-se no meio da correnteza, espargindo água nos cabelos e na face. Ele aproximou-se dela, indo sentar-se sobre uma pedra, dentro da água.

— Você tinha razão — disse em um fio de voz.



— Como assim? — Ben não atinou imediatamente com o que ela estava falando.

— Sempre posso ter mais do que pretendia. Basta aproveitar os momentos.

— Prefiro não fazer comentários — ele retrucou.

Ben permaneceu sentado na rocha, apoiado na palma das mãos, observando como Olívia torcia e espremia os longos cabelos a fim de tirar a água.

— Acho que não podemos chegar em casa assim — ela disse, recolocando as botas.

— Não há problema. Meia hora de cavalgada ao sol, e estaremos secos.

— Não quero ter de dar explicações. — Assobiou, e o alazão trotou obedientemente até perto dela. Olívia montou.

Ben teve de caminhar pelo córrego até a outra pedra, onde estavam suas botas e seu chapéu. A égua também tinha ficado por ali e, logo que ele se aprontou, montou no animal.

Cavalgaram lado a lado, saindo das agradáveis margens sombreadas do riacho para o sol pleno da trilha de terra batida. As roupas logo começaram a secar sobre seus corpos.

— Preciso pensar bastante no que aconteceu — afirmou Olívia após longo silêncio. — Quero dizer, não sou nenhuma virgem tímida que perde a cabeça pelo primeiro homem que aparece.

— Também não sou virgem nem tímido — disse Ben com bom humor —, mas confesso que quase perdi a cabeça.

— Acho difícil acreditar.

— Eu sei. Há muita coisa sobre mim em que você dificilmente acreditaria. Meu sentimento por você, por exemplo.

— Essa não, Ben Bradshaw. Pensei que minha vida fosse um livro aberto para você. — Ela o contemplou com um olhar amargo.

— Isso foi antes de você me beijar. Se o cavalo não nos interrompesse, não sei se teríamos parado.

Olívia suspirou e endireitou a coluna sobre a sela.

— Está me dizendo que eu passei em uma espécie de teste...



— Não disse nada disso — ele objetou. — Mas já que tocou no assunto, eu fui aprovado no teste?

Ela rilhou os dentes, mas decidiu ser honesta.

— Aprovado com louvor. Mas você deve saber disso muito bem. Tenho de pensar no próximo passo.

— Dê-me uma pista — ele pediu gravemente.

Ela o olhou com ironia, mas sem perder a serenidade.

— Ben, não temos como saber se há algo mais profundo entre nós, temos?

— pensa que deixei um monte de mulheres chorando por mim pelo caminho? Garanto que não sou esse tipo de homem.

— Eu sei. Só acho que precisamos nos conhecer melhor.

— Um bom beijo abre as portas do conhecimento — filosofou ele.

— Certo — disse Olívia compenetrada. — Quero uma pausa, um tempo para pensar. Isso que aconteceu não poderia ter vindo em pior hora. — Olhou para o céu que se desanuviava. — Tenho muito o que fazer, e namorar um desmemoriado só me traria problemas.

Ele explodiu em uma gargalhada.

— Sinto muito, Srta. Lockhart. Vou tentar deixá-la em paz por algumas... horas.

Ela lançou-lhe um olhar cético enquanto trotavam para os estábulos.

De fato, Olívia não viu Ben até aquela noite.

Jack decidira procurar o avião perdido e levou Ben com ele no Land Rover.

Ela estava fazendo o jantar quando Ben entrou na cozinha, portando uma pasta de couro. Embora não chovesse, o céu continuava carregado de nuvens escuras.

— Encontraram o avião! — ela exclamou, estendendo as mãos para pegar a pasta.

Ele nada disse e dependurou o chapéu emprestado no cabide da porta.

— Por que não toma um banho? — ela sugeriu. — Depois lhe sirvo uma cerveja bem gelada.

— O problema é que não tenho mais nada para vestir.



— Ponha um pijama de Graham — ela recomendou. — Não se preocupe, ficará bem em você. Terá de esperar as outras roupas secarem, não há muita opção.

— Combinado — ele murmurou antes de sair da cozinha, recolhendo a pasta.

Um minuto depois, Jack mostrou-se na porta.

— Entre! — Olívia pediu. — Aceita uma cerveja?

— Adoraria. — Jack colocou sobre a mesa uma caixa que continha o telefone por satélite. — Nosso técnico o consertou. O avião foi encontrado.

O capataz olhava em volta, para ver se Ben não estava por perto.

— Está tomando banho — avisou Olívia ao notar-lhe a preocupação. Passou a lata de cerveja e serviu-se de um gole de vinho gelado, voltando depois ao espaguete que fervia na caçarola.

— Ele tem sorte de estar vivo, mas também deve ser um ótimo piloto. Ben se lembra de ter feito o avião planar acima dos obstáculos, como rochas e árvores. Exceto pela última pedra, onde bateu de nariz, mas em baixa velocidade. — Jack fez uma careta de admiração. — Apesar dos ferimentos, andou quase dez quilômetros até onde o encontramos!

Olívia puxou uma cadeira e sentou-se à frente de Jack.

— Ele se lembrou de mais alguma coisa? Quero dizer, por que estava indo para Campbell Downs? Em que ele trabalha? — Ela gesticulava angustiada enquanto falava. — A memória dele parece ter estacionado no ponto em que está, embora o médico tenha dito que ela voltaria lentamente.

— Eu diria que ele está fazendo progressos — comentou Jack com a voz pausada. — Parece conhecer bem a vida do campo, mas me deu a impressão de um homem frio, reservado. Muito do que ele não conta talvez não possa ser inteiramente atribuído à perda de memória.

Olívia assimilou a importante observação de Jack.

— Agora que a tempestade passou, com certeza o chefe dele ou os familiares virão buscá-lo. Concorda?

— Preciso ir. Obrigado pela cerveja. — O capataz ergueu-se para sair. — Podem vir buscá-lo no momento em que quiserem. Só precisam de um telefone. Até amanhã, Olívia.

Por que não tinha pensado nisso?, ela recriminou-se. Ben podia ser localizado facilmente, a polícia estava avisada, e ele acabaria saindo de seu mundo a qualquer instante, talvez para sempre. Inspecionou a macarronada no



fogão e sentou-se de novo para mais um gole de vinho. Pensava ainda na possível partida de Ben quando ele entrou na cozinha, limpo e penteado, vestindo não o pijama de Graham, mas a roupa caqui com que passara o dia e que Olívia tinha lavado e pendurado para secar.

— Posso? — ele apontou para a geladeira.

— Claro.

Pegou uma cerveja, abriu-a e, ao contrário de Jack, que bebera na própria lata, apanhou um copo onde verteu a bebida. Sentou-se e levantou o copo à frente de Olívia, simulando um brinde.

— Jack disse que foi um milagre você não ter-se arrebentado junto com o avião.

— Sempre achei que a sorte estava a meu lado — ele comentou.

— Q que pretende fazer com o avião? — ela quis saber.

— É difícil saber. Mesmo que estivesse em ordem, seria difícil decolar do pasto. E resta a questão de como puxar um monomotor de dois lugares até uma pista improvisada. Vou ter que deixar a tarefa a uma equipe de resgate especializada.

Ela manteve-se calada por um tempo e foi ver se o espaguete estava pronto.

— Não entendo — disse por fim. — Por que a empresa em que trabalha não mandou um helicóptero para resgatá-lo?

— Imagino que, com as enchentes, o helicóptero da firma estava ocupado em outros serviços de emergência. Devem ter pensado que eu me encontrava seguro aqui. Pelo menos, eles conhecem bem a região.

Olívia serviu a macarronada e sentou-se de novo à mesa.

— Quem são "eles"? — perguntou.

— São empresários novos nesta área. Poucos ouviram falar.

— Mas eu gostaria de saber. — O telefone tocou. Era uma ligação internacional de Tóquio. — Tio Garth?

Pelos cinco minutos seguintes, Olívia fez um relatório detalhado da situação em Wattle Creek após as chuvas, tomou algumas notas e finalmente assegurou ao tio que ele não precisava apressar-se em voltar, uma vez que tudo estava em ordem, e Jack cuidava bem dos problemas.

Logo que desligou, mostrou-se aborrecida consigo mesma. Voltou a sentar-se e pegou o garfo.



— Esqueci-me de falar de você.

— Eu percebi. O que acha que tio Garth ia recomendar no meu caso?

— Provavelmente algemá-lo e amarrá-lo pelos pés. Ela riu, e Ben a olhou comicamente.

— Não está falando sério, Olívia.

— Garanto que sim, até que ele tivesse uma chance de interrogá-lo e, depois, investigar seu passado.

— Quer dizer que ele proíbe qualquer homem de se aproximar?

— Nem tanto assim. Mas habitualmente ele verifica a honestidade do sujeito. Aliás, sem sutilezas. Tio Garth costuma ser bastante objetivo.

— É desconfortável — comentou Ben entre duas garfadas.

— Para você.

— Ah, já estou acostumada! — replicou Olívia, saboreando o espaguete.

— Então aprova a atitude dele?

— Quanto a pôr algemas em você, Ben? Não. Você parece confiável.

— Está falando isso depois de pensar bastante no que aconteceu, ou...

— Não tive muito tempo para pensar. Estou falando com base apenas em minha intuição.

— Não gosto dessa palavra — ele murmurou, colocando de lado o prato. — Aliás, obrigado pela refeição. Estava deliciosa.

— O que quer dizer com não gostar da palavra? — Olívia ficou levemente irritada enquanto limpava a mesa e tirava da geladeira um bolo de queijo. — Continua achando que sou muito racional?

— Somos tão diferentes que acho que não daríamos certo na cama. Mas tinha me prometido não tocar mais nesse assunto.

Olívia ficou pensativa e evitou comentários. Viu que havia esquecido o creme e colocou-o à frente de Ben com um gesto cortês.

— Muito obrigado — ele agradeceu com um brilho irônico nos olhos, servindo-se com a colher de uma grande bola de creme. — Olívia, ficamos tão próximos hoje que não podemos simplesmente ignorar ou esquecer o que aconteceu.



Para enfatizar suas palavras, Ben olhou-a criticamente de cima a baixo. Olívia vestia uma saia jeans que lhe cobria até os joelhos e uma blusa de seda de mangas curtas. Os cabelos como sempre estavam presos, com algumas mechas escapando para o pescoço, e a luz baça da cozinha os tornava ainda mais brilhantes. A pele adquiria uma tonalidade suave a macia. O aspecto geral era etéreo, como se ela pairasse acima das coisas comuns.

— Você é maravilhosa, e sabe disso — comentou Ben. — Fico deslumbrado com sua pele alva. O sol pode maltratar muito a pele, mas parece não afetá-la.

Ela tomou fôlego, sentou-se outra vez e reagiu de modo prosaico.

— Não tenho a menor intenção de ficar com a pele manchada e seca. Sob o sol, sempre uso mangas compridas e chapéu. Também passo protetor solar no rosto diariamente. Estou sendo vaidosa demais? — acrescentou com os lábios apertados.

— Não. Você está contente com sua aparência, e eu também a aprecio.

A gentileza com que Ben falou despertou-lhe a curiosidade.

— Tenho a impressão de que você é um presente de Deus para as mulheres. Sabe dizer as coisas certas e nas horas certas...

— Poderia falar o mesmo de você.

Ela fez uma pausa e corou um pouco diante do olhar insistente de Ben. Parecia que o rubor havia vindo para ficar, pois Olívia não conseguia superar o embaraço. As imagens dos beijos abrasadores que trocara com Ben desfilaram por sua memória.

— Foi um encontro muito... sensual. — Ben completou o raciocínio.

O senso de humor de Olívia veio em sua ajuda. A cena do cavalo interrompendo o contato amoroso entre os dois e a ruidosa manifestação dos pássaros eram inegavelmente engraçadas. A boca então se alargou em uma risada aberta.

— Pode me contar a piada? — Ben a olhava desorientado.

— Nada pessoal, juro. Só que você é muito rápido nessas coisas de amor. E digo mais: ande ou não partindo corações femininos por aí, você tem muito jeito para a conquista. — Virou-se para a pia. — Seria uma pena eu ficar sem conhecê-lo, Ben.

— Só um minuto, Olívia — ele afirmou em uma voz ríspida que ela ainda ignorava. — Você não acha que toda sua inibição tem algo a ver com o fato de não poder me dominar, me manipular como gostaria?



Ela voltou-se para ele com o olhar surpreso.

— Não... — respondeu vacilante, mas logo firmou o tom: — Não mesmo! E se for o contrário? Se eu estiver me sentindo manipulada por você?

— Por que eu faria isso? — Havia um toque de sarcasmo na resposta dele. — Minha idéia de envolvimento amoroso tem pouco a ver com um duelo de dominação.

— Não poderia ter-me dito nada mais ofensivo, Ben Brad-shaw — ela respondeu entre os dentes rilhados de raiva.

— Porque é verdade? — ele inquiriu com incômoda segurança.

— Porque está longe de ser verdade — ela defendeu-se, e saiu da cozinha.

Olívia foi ao estúdio que lhe servia de refúgio e andou em círculos por uns cinco minutos, analisando o redemoinho de emoções que a envolvia. Acima de tudo, ela descobriu, havia um senso de incredulidade com o que lhe acontecera. E logo junto a um homem que mal conhecia, que parecia esperar reações de sensualidade impossíveis em tais condições.

O mais sombrio pensamento de todos, porém, foi a constatação de que era fácil sucumbir aos encantos de Ben Bradshaw. Ela havia sucumbido!

Parou em frente a um dos cavaletes e, com um gesto intempestivo, virou a folha do bloco que continha o esboço de uma paisagem rural. Deparou com o desafio da página em branco e pegou o lápis-carvão para desenhar. Não tinha idéia clara da imagem que queria traçar, mas deixou-se guiar pelo impulso, não só para dar vazão aos sentimentos como para calar aquele insidioso murmúrio em sua mente, que afirmava quão independente e dominadora ela podia ser.

A margem do córrego emergiu da ponta do lápis. Primeiro, as árvores de troncos grossos, com um ou outro pássaro sentado nos galhos inclinados sobre as águas rasas. Depois, o próprio riacho sinuoso com suas pequenas pedras. Finalmente, um cavalo saciando a sede, a mesma égua preta que Ben havia montado.

"Por que esta cena?", perguntou-se Olívia angustiada quando concluiu o último traço e sentou-se a distância para contemplar a obra. Daria um belo cartão, sem dúvida, mas o essencial ali seria a presença humana, a relação entre Ben e o animal. Ela não havia captado nada disso em sua explosão de criatividade.

Mordiscou a ponta do lápis e ouviu alguém bater à porta.



— Entre — disse sem pensar, certa de que era Jack com algum problema da fazenda para ela resolver.

Mas era Ben, com uma bandeja nas mãos, trazendo a cafeteira e duas xícaras de café. Ela deixou seu olhar cruzar o estúdio e fitou Ben com uma ponta de surpresa e decepção.

— Vim me desculpar — ele disse serenamente, colocando a bandeja na mesa. — Trouxe café. Espero que esteja bom, dada a minha inexperiência com cafeteiras elétricas.

— Você é mesmo impossível — ela disse com uma voz trêmula que a fez parecer desanimada e frágil.

— Só porque quis me desculpar? Esperava ser bem recebido. — Não é isso. Você às vezes me assusta. Parece que tira o chão de sob meus pés.

— Sinto muito. — Havia um brilho maldoso em seu olhar. — Estou tentando ser agradável. E nunca a assustaria de propósito.

— Ainda não esqueci o que disse. — Olívia balançou a cabeça para enfatizar as palavras, que haviam soado sem severidade.

Ben serviu o café e passou-lhe a xícara.

— Você também me disse palavras duras — ele retrucou.

— Mas, para ser honesto, nunca fui contestado com tanta graça.

— A memória continua lhe faltando — afirmou Olívia secamente. — Parece que não ficou muito sensibilizado.

— Esperava que eu me suicidasse? — ele ironizou.

— Não, mas também não espere que eu o aceite.

— Está certo. Dou muito valor a sua opinião sobre mim.

— Reparou por fim no esboço sobre o cavalete e ficou admirado.

— Você fez isso agora?

— Acabei há pouco. — Relutante, ela não parecia disposta a discutir o trabalho.

— Há algum significado particular? — ele perguntou com inocência.

— E apenas uma pequena cena sentimental. Os artistas às vezes têm esses impulsos.

— Entendo — ele disse com a voz neutra.

— Gostou? — Olívia nunca saberia dizer o que a fez perguntar.



— Como uma lembrança do riacho, é bonito. Mas por que me eliminou irrevogavelmente da cena? Eu estava junto com a égua...

Olívia sentou-se para disfarçar sua agitação. Colocou o lápis-carvão sobre a mesa e tomou um gole de café.

— Bem, a idéia não é ser tão realista assim — ela justificou-se. — Pelo jeito, você vai usar esse detalhe para me censurar de novo.

— Entendo que você é quem se censurou ao me suprimir da cena. Mas não quero mais hostilidade entre nós. Admito que fiquei bastante aborrecido na hora do jantar, a ponto de me tornar desagradável.

— É difícil imaginá-lo sendo desagradável, Ben.

— Talvez eu tenha tocado em um ponto sensível demais para você. — Ele a fitou longamente, temendo uma tempestade.

— Não se preocupe. — Olívia mostrava-se calma. — Eu posso ser independente, mas nunca pensei em ser dominadora. Não no sentido que quis me atribuir.

Os olhares se encontraram e foram sustentados por alguns segundos.

— Podemos combinar uma trégua? — ele propôs. Os lábios dela se entreabriram.

— Merecemos pelo menos uma noite de sono em paz, não acha?

— Só isso?

— Só isso — ele ecoou. — Penso que uma trégua lhe faria bem.

— Tem razão. Preciso de paz. Mas ainda restam os pratos na cozinha e uma porção de coisas...

—Nada sei quanto à porção de coisas, mas os pratos já estão lavados e arrumados.

— Sério? Terá minha eterna gratidão — ela disse, sorrindo do próprio tom cerimonioso.

Ben passou o braço pelo ombro de Olívia, e ela, após uma leve reação de tensão, relaxou e não recusou o gesto.

— Amigos? — ele indagou suavemente.

— Sim, mas...

— Não diga mais nada — ele a interrompeu. — Já captei a mensagem. Vá dormir, Olívia Lockhart. Amanhã pode ser um grande dia.



— Não espero nada de especial, Ben Bradshaw. Apenas um dia normal de trabalho e tensão, aborrecimentos e alegrias...

— Pelo que sei, é exatamente do que gosta. A rotina vai lhe fazer bem.

Estavam tão próximos que ela pôde sentir-lhe o hálito quente. E quando Ben retirou o braço de seus ombros, Olívia ficou tentada a pedir-lhe que não, que ele a apertasse com força contra si e a deixasse percorrer com os dedos os ângulos do rosto, até chegar àqueles lábios hipnóticos para, então, beijá-los suavemente. Um beijo de amizade, se ela conseguisse...

— Até amanhã — disse Olívia, mudando de idéia, com esforço para conter-se. — Durma bem.

Não se lembrava de ter tido, desde há muito tempo, um sono tão reparador, nem de ter acordado em tão radiosa manhã. As últimas nuvens de chuva tinham se afastado, e o sol brilhava. O vento fresco da manhã a envolveu quando abriu o janelão e ganhou a varanda, descalça, para contemplar a paisagem. Como se o seu gesto houvesse despertado os pássaros, foi saudada por uma sucessão de cantos harmoniosos. Desceu ao jardim, ainda de pijama, e colheu um ramo de flores de um dos canteiros.

Permaneceu parada no pátio e observou a casa com seus tijolos aparentes, o teto ondulado da varanda e as plantas trepadeiras que pendiam das colunas. As confortáveis cadeiras de jardim e os numerosos vasos espalhados por toda parte completavam uma imagem que lhe era cara.

Olívia voltou o olhar para o horizonte, ponderando que amava aquele lugar, a fazenda inteira até o limite do riacho. Subiu na cerca que rodeava o pátio e teve uma visão melhor de seu mundo após o dilúvio. Em vinte e quatro horas, estaria tudo seco novamente. Mais alguns dias, e tudo estaria verde.

Respirou fundo e sentiu o sangue correr nas veias. Veio-lhe a vontade inadiável de consertar e reformar tudo o que requeria reparos, a fim de deixar a fazenda bonita e agradável. Com esse pensamento, enterrou a face nas flores que havia colhido e de novo aspirou profundamente.

Imaginou quanto de seu bem-estar naquela manhã tinha a ver com a presença de Ben Bradshaw, que ainda devia estar dormindo. E, assim que pensou nele, não pôde mais tirá-lo da mente. Havia nessa atitude um senso de expectativa e renovação interior que só tinha um significado.

— Estou apaixonada por ele — balbuciou para as flores junto ao rosto. — Sei que não devia, sei que conheço pouco sobre ele. Divergimos em coisas fundamentais, mas...



Olívia ficou feliz em pensar que Ben estava por perto, que poderia aparecer a qualquer instante, trazendo uma xícara de café, fazendo-a rir com uma anedota, mas também abrasando-a de desejo, confundindo-a com suas opiniões e ocasionalmente aborrecendo-a até o auge da raiva. Isso era viver, concluiu.

E pensar que poucas horas atrás, ela acreditava que estava imune ao amor, que manteria sua independência em qualquer campo de batalha, sobretudo no campo sentimental.

No entanto, Ben a havia enfeitiçado.



CAPÍTULO V

Ben Bradshaw observava tudo da soleira de seu quarto. Ele também tinha se levantado e aberto o janelão silenciosamente. Ao notar Olívia no jardim, colhendo flores, decidiu manter-se quieto. Viu que ela parecia falar com as plantas, mas não estranhou, devido às excentricidades de Olívia e seu amor pela terra.

Naquele momento, ela entrava na casa, perdida em pensamentos, o ramo de flores nas mãos.

Ben admirou-lhe a beleza e de imediato sentiu um pequeno sobressalto. Apenas duas noites atrás, ele repetia para si mesmo que ela não era a mulher mais bela do mundo nem merecia suas atenções. Agora, tudo havia mudado. Ele jamais tinha esperado ver uma Olívia apaixonada, ardente de desejo. Jamais imaginara gostar de seu beijo a ponto de sentir-se enfeitiçado.

No entanto, Ben não pretendia se envolver com Olívia, e por boas razões. Então, para que se preocupar? Como homem experiente que era, teria de suportar a frustração de abandoná-la, cedo ou tarde. Quanto mais cedo, melhor.

— Bom dia! — Ben havia se vestido e encontrou Olívia na lavanderia, que era uma extensão da cozinha, avançando pelo pátio.

Ela retribuiu o cumprimento, surpresa com o tom alegre da voz dele.

— Bom dia. Pensei que ainda estava dormindo. Hoje será um lindo dia.

— É verdade. — Ele estreitou os olhos. Pelo jardim, corria livremente uma galinha-d'angola de penas cinzentas, procurando bicar todo e qualquer inseto que descobria. — Já comeu esse bicho aí?

— Galinha-d'angola? Claro que não!

— Mas são comestíveis, sabia? A carne, além de saborosa, tem pouco colesterol e quase nenhuma gordura. Conheço uma fazenda que faz criação para corte e exportação. Os franceses gostam muito e a consideram uma iguaria.

Olívia parou de mexer com as roupas no tanque e lançou-lhe um olhar inquisitivo.



— Talvez, mas ninguém vai mexer com minha galinha! É como um animal de estimação para mim. — Olhou-o desconfiada. — Você parece saber muita coisa sobre grandes negócios com plantas e animais. Como aprendeu?

Ele fez uma pausa e deu de ombros. Sentiu Olívia desanimada com a pilha de roupas para lavar.

— Na verdade — Ben disse lentamente —, sou obrigado a saber.

— O que quer dizer?

— Venha andar um pouco comigo, Olívia — ele sugeriu.

— Eu... Veja só. — Apontou para o tanque cheio.

— Você disse que era um lindo dia. A roupa pode esperar.

— Tem razão. — Ela enxugou as mãos e seguiu-o pátio afora.

Passearam um pouco pelo jardim e, por proposta dele, sentaram-se na grama entre dois canteiros, debaixo de uma árvore frondosa que lhes proporcionou uma bem-vinda sombra.

Olívia vestia a mesma saia jeans da noite anterior, uma malha de linha com estampas primaveris e sandálias marrons de couro. Havia lavado a cabeça e deixado os cabelos soltos.

— E delicioso o ar depois da chuva, não? — ela comentou, olhando em volta. — Pena que em algumas semanas estará tudo seco e poeirento de novo. Então estaremos torcendo por um bom aguaceiro. O que era mesmo que queria me falar?

Ben reclinou-se para trás, apoiado nas mãos abertas, e esticou as pernas na grama.

— Acho que não vai aprovar, mas é hora de saber que sou o diretor executivo da empresa que comprou Campbell Downs.

— O quê? — Ela não cabia em si de espanto.

— Infelizmente, é verdade. Foi isso o que quis dizer quando mencionei que precisava saber bastante sobre negócios agrícolas. A firma não se dedica apenas à criação de gado.

Olívia parecia ter perdido a voz, mas sua dúvida era se Ben tinha escondido aquele fato ou se acabava de resgatá-lo para a memória.

— Sabia que não gostaria da novidade — ele murmurou.

— Estou espantada — afirmou ela. — Então você trabalha para uma multinacional milionária?



— Sou o dono da empresa. Ou melhor, o acionista principal. — Não admira — ela ofegava — que não tenhamos concordado sobre tantas coisas. O que mais me escondeu sobre sua vida?

— Por favor, Olívia... Minha memória ainda está voltando aos poucos, em pequenos blocos, mas me lembrei da maior parte das coisas quando Jack e eu encontramos o avião.

— Mas continuou escondendo de mim! Como pôde? — Ela o encarou com um olhar magoado.

— Havia... — ele relutou antes de completar —...havia uma razão para isso.

— Com certeza. Era muito conveniente fazer-me pensar que era um pobretão, filho de um sitiante. Só para o caso de eu ficar atraída por seus milhões. Acertei?

— De modo algum, Olívia. Sou mesmo filho de um pequeno sitiante que se casou com uma professora. Deram-me bons estudos, felizmente. Depois, minha mãe herdou um sítio arruinado, e as propriedades da família foram crescendo e prosperando aos poucos. Meus pais conseguiram fazer uma pequena fortuna.

— Por quê, sendo da região, nunca ouvi falar de você?

— Porque em nossa administração tudo é feito em nome da companhia. Somos novos na área. Certamente já ouviu falar de Empreendimentos Lyall.

— Ah, já ouvi falar da Lyall. — Olívia deu de ombros.

— Na verdade, se houvesse uma enchente, eu lhe ofereceria abrigo em Campbell Downs.

— Quanta bondade! — ironizou ela. — O que me preocupa é por que não me contou logo que se lembrou disso.

— Bem, você tinha todas as razões para duvidar de mim, em minha situação. Quando admitiu que detestava as grandes companhias agrícolas, achei melhor calar-me por algum tempo. Um ou dois dias, apenas.

— Foi covardia de sua parte — ela disse com sinceridade. — E por que me contou agora?

Ele desviou os olhos de Olívia e sentiu que passava por um momento de indecisão.

— Acho que não posso impor minha presença aqui por mais tempo. Além disso, preciso voltar a trabalhar. — Ben apanhou um talo de grama para mastigar. — Mas não significa que eu esteja dizendo adeus.



Olívia fitou-o com desconfiança e, enquanto elaborava a resposta, Jack apareceu, demonstrando satisfação.

— Ah, aí estão vocês. Tenho boas novidades. Andei verificando a fazenda e tudo está ordem, apesar do temporal. — Olhou para Ben. — E Davo encontrou uma maneira de tirar seu avião das pedras. Em vez de puxá-lo com um trator, o que seria impossível, inventou um sistema de roldanas para erguer o nariz da aeronave. Aí sim, poderemos puxá-la até a estrada. O que acha?

— Pode funcionar — ele respondeu evasivamente, levantando-se.

— Então devemos agir rápido — retrucou Jack. — Há previsão de mais chuva para daqui a dois ou três dias. Se Davo conseguir também consertar a hélice danificada, você poderá decolar do pasto, se quiser.

— Bem pensado — disse Ben. — Gostaria de voar um pouco, Olívia?

Ela também se levantou da grama e hesitou na resposta.

— Não, obrigada — falou finalmente. — Tenho muito trabalho aqui.

O olhar de Ben buscava nela alguma coisa que Olívia não soube definir.

— Usei o telefone portátil. Um helicóptero vem me buscar aqui esta tarde.

— Nesse caso, farei ao piloto um relatório sobre seu estado de saúde — disse ela secamente. — Com licença.

Olívia voltou à lavanderia atordoada pelas revelações de Ben.

Não conseguia mais pensar com clareza. Naquela manhã, ao acordar, tinha certeza de amar um homem estranho, e não se preocupava com sua situação financeira. Podia até ser um aventureiro, que o amaria da mesma maneira. Mas ele era rico, e já avisara que iria embora. Estaria levando toda a alegria que ele mesmo trouxera. Ben deveria ter muitas responsabilidades, e certamente não teria tempo de pensar em uma pequena fazendeira sem atrativos.

Deprimida, Olívia exagerava na auto recriminação. Forçou-se a lidar com a pilha de lençóis e toalhas até que não sobrasse uma só peça fora da máquina de lavar e, depois, da secadora. Aproveitou também o sol e o ar fresco para arrumar a casa, passando o aspirador por todos os cômodos. Mas o tempo todo ela se sentiu nervosa e indecisa.

Chegou a hora do almoço, e não houve sinal da equipe de resgate anunciada por Ben. Assim, ela preparou alguns sanduíches e os levou para a



varanda, junto com um bule de chá. Saboreava a segunda xícara quando percebeu a aproximação de um helicóptero. Ergueu a vista e distinguiu, nos céus da fazenda, um moderno aparelho com a inscrição "Lyall" na fuselagem, em grandes letras" vermelhas.

O helicóptero procurou lugar para aterrissar e acabou pousando na estradinha logo além do jardim.

Olívia pôde ver duas pessoas na cabina, e uma delas não esperou o motor parar. Saltou para o chão e correu, fugindo do vento forte e da nuvem de poeira. Era uma moça de cabelos compridos, usando uma calça jeans muito justa, blusa branca de seda e botas de salto alto.

Olívia interrompeu o lanche e começou a andar rumo à trilha para receber a jovem. Observou-lhe a pele dourada, os lábios carnudos acentuados pelo batom vermelho, cabelos brilhantes caindo sobre os ombros, olhos protegidos por caros óculos escuros.

O conjunto formava uma figura muito atraente, sendo inegável que a moça sabia se embelezar: as unhas pintadas de vermelho combinavam com a cor dos lábios, os brincos prateados realçavam a forma graciosa das orelhas. Um volumoso anel, que aparentava ser de brilhante, lhe enfeitava a mão direita. Acima de tudo, a jovem parecia vagamente familiar a Olívia.

— Olá! Aqui é Wattle Creek?

Olívia sentiu apreensiva antes de confirmar. A moça estendeu-lhe a mão.

— Então você deve ser Olívia Lockhart. Muito prazer. Eu sou Caitlin Foster, a noiva de Ben. Vim buscá-lo.

Olívia conteve seu espanto, e a voz saiu com dificuldade.

— Podem entrar. Os dois.

Àquela altura, o piloto do helicóptero já havia se aproximado, fazendo uma saudação com a cabeça. Não usava uniforme da companhia, se é que existia algum, mas um colete de náilon sobre a camisa, com a mesma inscrição "Lyall".

Ele se apresentou em seguida como Steve Williams e examinou tudo a sua volta, como um fiscal determinado a encontrar problemas. Sem conseguir pensar racionalmente, Olívia sentiu um misto de raiva e frustração. Aquilo tudo lhe parecia uma invasão militar.

— Não sei onde Ben está no momento, mas não deve demorar. Entrem e esperem. — Conseguiu ainda ser gentil diante dos invasores. — Posso oferecer-lhes chá ou qualquer outra bebida.



— Que maravilhosa casa antiga! — empolgou-se Caitlin logo ao entrar.

— Obrigada. Chá ou alguma coisa gelada? — Olívia conduziu-os à sala de estar, em vez da cozinha para onde os levaria normalmente. Por quê?, perguntou-se. Questão de orgulho, admitiu sem vacilações.

— Prefiro uma bebida gelada, se não for incômodo — disse Caitlin. Meneando a cabeça, o piloto Steve confirmou á mesma preferência. — Como está Ben? Somos gratos pelo que fez por ele. É verdade que ele perdeu a memória por alguns dias?

— Apenas seletivamente — informou Olívia, certa de que a visitante a entenderia. — Ele se lembra de fragmentos. Pessoas, lugares. É normal, segundo o médico. Mas creio que a amnésia já passou.

Vendo-os sentados e pensativos, ela pediu licença e retirou-se para a cozinha, de onde voltou cinco minutos depois, com uma jarra de limonada gelada e dois copos. Foram cinco minutos horríveis, em que Olívia preparou a bebida mecanicamente, meditando sem parar nos acontecimentos que tanto haviam afetado sua vida.

— Então — ela colocou a bandeja na mesinha da sala —, há quanto tempo está noiva de Ben?

—Seis meses — respondeu Caitlin, t irando os óculos escuros e exibindo belos olhos castanhos. — Vivo dizendo a ele que já é hora de nos casarmos, mas está difícil arranjarmos tempo. Ben está cheio de compromissos profissionais, como eu. Sou modelo e atriz.

— Ah! — A mente de Olívia iluminou-sé. — Então é por isso que tenho a impressão de que a conheço.

— Creio que Ben ficou com alguns ferimentos... — interveio Steve.

— É Verdade. Há um corte profundo na cabeça, mas já está praticamente cicatrizado. De resto, só sofreu alguns arranhões. Dizem que teve muita sorte.

A atenção de Olívia foi interrompida pelo ruído de um jipe. Levantou-se e olhou pela janela. Todos ficaram em suspenso, atentos aos passos de Ben. Só que ele dirigiu-se à entrada da cozinha.

— Estamos na sala, Ben — chamou Caitlin, completando baixinho: — Imbecil!

Finalmente ele entrou, deu um olhar panorâmico pelo ambiente e arregalou os olhos quando viu a noiva.



— Querida! — Apressou-se em abraçá-la. — Por que não me ligou? Estava com saudade.

Olívia desmoronou por dentro. Havia retido a respiração e rezado para que Ben olhasse para Caitlin com absoluta surpresa, como se fosse uma completa estranha. Mas ele não só tinha demonstrado alegria em vê-la como expressara sua satisfação com palavras meigas. E logo para alguém que o xingara às escondidas. Era mais uma parte recuperada de sua memória, que ele havia omitido de Olívia. Ou nunca se esquecera de que estava noivo?

— Como convenceu Steve a trazê-la? — Ben focalizou os olhos azuis no embaraçado piloto.

Steve manteve a expressão cautelosa de sempre, e Olívia quase adivinhou o que ele iria dizer.

— A Srta. Caitlin nunca aceita um "não" como resposta, patrão.

— Claro — respondeu ela com a segurança que lhe permitia sua beleza. — Não fique aborrecido, querido. E não diga que também se esqueceu de mim!

— Fique tranqüila — Ben murmurou, e beijou-a levemente na testa. Em seguida, olhou para Olívia. — Posso participar da festa. Estou morto de sede.

— Vou pegar mais um copo — afirmou ela, mais prestativa do que gostaria de parecer.

Quando voltou à sala, descobriu que Steve tinha ido examinar qualquer coisa no helicóptero, e decidiu retirar-se também.

— Vou deixar os noivos sozinhos. Vocês devem ter muito a conversar. Avisem-me quando forem partir.

Olívia foi direto ao estúdio e, com as mãos trêmulas, procurou por seu último esboço. Ficou olhando pensativa para a cena de Ben no córrego, ao lado do cavalo. Imaginava que, na sala, ele cobria Caitlin de beijos e abraços, mas Ben devia tê-la seguido quase que imediatamente, pois a porta do estúdio se abriu, revelando-o de mãos estendidas, pronto para afagá-la.

— Vá embora — ela disse asperamente. — Mas só para constar, Ben... Quando foi que se lembrou dela? Desde o primeiro dia? Será que chegou a perder a memória por mais de uma hora ou duas?

— Perdi sim, Olívia. Por favor não duvide.

— Mas você não pareceu nem um pouco surpreso! — O tom continuava ferino.



— Não fiquei surpreso porque, de fato, lembrei-me de Caitlin, na noite do telhado, quando falamos de suas mãos.

— Continuo achando sua atitude indesculpável.

— Veja que estranho. A imagem dela me veio pelo contraste entre suas mãos eficientes e as longas unhas vermelhas de Caitlin, bonitas mas inúteis.

— Isso não é desculpa — Olívia disse com desconfiança. — Lembrar-se de que tem uma noiva e não... não... — Ela teve dificuldade em exprimir-se, mas ficou horrorizada de fato ao perceber que se formavam lágrimas em seus olhos.

— É verdade, acredite! Essa questão da amnésia temporária afetou a nós dois. Naquela noite, depois que você foi dormir, fiquei pensando em como minha vida tinha se tornado complicada. Não posso me casar com uma pessoa, quando gosto de outra, com ou sem amnésia.

Ela conseguiu rir da situação, mas era um riso triste.

— Eu conseguiria até lhe perdoar na questão do casamento, mas não o fato de ter mentido para mim sobre estar noivo e sobre quem você era. Se não falou dela para mim, é porque jamais supunha que ela apareceria por aqui, caída dos céus!

— Ia avisá-la hoje de manhã, quando Jack nos interrompeu.

— Também teria sido tarde demais, Ben Bradshaw. E, de qualquer modo, o que se propõe a fazer? Romper o noivado até decidir quanto nosso envolvimento é sério?

— Não tive condições de pensar nisso, Olívia. Mas saiba que nunca planejo nada. Não planejei a queda do avião nem a perda de memória.

Ela suspirou fundo e afastou-se de Ben, encostando-se na janela.

— Também não sabia — ele emendou serenamente — que eu significava tanto para você. Quem é que falava tanto em independência? Em não ser uma virgem tola?

— Sei muito bem o que eu disse. — Olívia tomou fôlego e voltou-se para Ben. — O que fez com ela?

— Caitlin? Está me esperando com Steve. — Ele fez uma pausa. — Olívia...

Sem notar o olhar compungido de Ben, ela tirou um lenço do bolso para enxugar as lágrimas e limpar o nariz. Então, apanhou o esboço que havia deixado sobre a mesa e estendeu-o para ele.



— Leve-o como lembrança daqui. Vou acompanhá-lo até o helicóptero. Não esqueceu nada? Sua maleta?

— Olívia...

Nos olhos, agora secos, podia-se ver a raiva em todo seu vigor.

— Não há nada mais a dizer, Ben. Vamos.

Ele a estudou por um longo momento, e, de novo, ela pensou que Ben poderia estar decidindo alguma coisa importante. Mas ele apenas disse:

— Diga adeus a Sônia e Ryan por mim. Lamento tê-los visto tão pouco.

O vago sorriso que tomou conta do rosto de Ben devia ter alertado Olívia, mas ela não o percebeu. Ele venceu os poucos metros que os separavam, segurou o queixo dela com os dedos e contemplou-a com o mais profundo dos olhares.

— Não sei se isto é um adeus. Cuide-se, Olívia Lockhart. Você foi uma excelente enfermeira.

E a beijou gentilmente.

— Foi isso — disse Olívia, terminando de contar a história ao tio Garth, quatro dias depois.

Quatro dias durante os quais ela repassou pela lembrança cada detalhe, cada nuança de seu breve convívio com Ben. O que mais a incomodava era a afirmação dele, de que não poderia ter planejado tudo o que havia acontecido. Mas esse pensamento era seguido sempre por outro: que diferença isso fazia? Ben tinha admitido que se recordara da noiva Caitlin enquanto estavam no córrego, trocando beijos e carícias!

— O que houve com o avião? — quis saber tio Garth. Olívia voltou ao tempo presente com um olhar surpreso para o tio.

— Mandaram um mecânico e uma nova hélice. Puxaram o avião com um trator e usaram o pasto para decolar. — Sem perceber ela mudou o assunto. — O mais importante é que não perdemos nenhuma cabeça de gado. Mais um pouco de chuva, e teríamos problemas.

Estavam jantando na cozinha. Garth tinha chegado naquela tarde, excepcionalmente cansado, e a própria Olívia o trouxera de jipe do aeroporto mais próximo, em Mackay. Era um homem de estatura média, um pouco atarracado, de compleição robusta. Tinha em comum com a sobrinha os mesmos olhos vividos e cinzentos, mas as semelhanças terminavam aí.



Ela também não se sentia bem-disposta. Tivera dificuldade para dormir e mesmo para comer naqueles dias de meditação. O esforço para sepultar sua mágoa a esgotara.

Consolou-se com a idéia de que pelo menos Wattle Creek estava em ordem. Nenhum buraco nas cercas havia escapado a sua inspeção atenta. Todo o gado havia sido contado e tratado por ela e Jack, e os preparativos para a próxima estação estavam em curso.

Garth Lockhart empurrou para o centro da mesa o prato de carne de carneiro, ainda pela metade, e olhou para Olívia constrangido.

— Desculpe-me — ela disse. — Eu devia ter servido uma refeição mais leve. Mas é seu prato favorito. Parece muito cansado, tio.

— Não é isso — respondeu ele, fitando meigamente a sobrinha. — Estou bastante preocupado com você. O que pensa dele, afinal?

— De quem?

— Ben Bradshaw.

Olívia acabou de comer lentamente, ganhando tempo para pensar na resposta.

— Não fiquei empolgada por ele, se é isso que quer saber. Quando ele contou quem era, meu entusiasmo diminuiu ainda mais.

— Ele 'tem uma bela aparência, apesar de tudo. E estudou nas melhores escolas de agronomia. Sabia que Ben é um respeitado jogador de pólo e passa as férias na Argentina? Creio que é dono de uma ou duas fazendas por lá.

— Bom para ele — murmurou Olívia. — Não admira que não haja cavalo que o derrube, conforme me disse. Também está noivo de uma morena bonita, sempre bem-arrumada. Lembra-se de Caitlin Foster, daquele seriado policial da televisão? Pois é ela.

Garth cruzou as mãos atrás da cabeça e inclinou-se para trás.

— Por acaso pensou — prosseguiu Olívia — que Ben Bradshaw poderia ter a intenção de se casar comigo? Você nem o conhece pessoalmente.

— Engano seu. Eu o conheço, sim. Mas nunca os imaginei casados. Embora não consiga entender por que você ainda está solteira.

— Não comece com isso de novo — Olívia alertou o tio, por entre os dentes, começando a tirar a mesa.



Garth pareceu injuriado, ou pelo menos surpreso, e pediu a Olívia para sentar-se.

— Precisamos conversar, minha querida.

— Desde que não me fale de homens em geral ou de Ben Bradshaw em particular.

— Deixe-me começar do começo. — Garth fez uma longa pausa e passou uma das mãos com força por todo o rosto.

— Alguma coisa errada, tio? — Olívia mostrou-se preocupada. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe a mão. — Pode me dizer.

— Bem, aproveitei a viagem a Tóquio para fazer alguns exames médicos. Um check-up completo. Minha saúde não vai bem. Problemas circulatórios. Mesmo que opere o coração e que a cirurgia seja um sucesso, terei de limitar minhas atividades pelo resto da vida.

Olívia fechou os olhos e apertou quase dolorosamente a mão do tio. Passou o braço livre pelos ombros de Garth e encostou seu rosto no dele.

— Por que não me contou nada antes? — Beijou-lhe a testa. — Mas vai superar tudo. Sempre superou qualquer problema.

Cortou o coração de Olívia ver o tio, sempre dinâmico, tão abatido.

— Fui ao médico há apenas um mês. Ele marcou consulta com um cardiologista, mas insisti em adiar os exames e ganhar um tempo para organizar as coisas.

— Sempre teimoso! Podia ter-se matado! De qualquer modo, não há nada para organizar. Marque a cirurgia quanto antes, tio. Tudo vai dar certo, e não admito discutir esse assunto.

As palavras ecoaram em sua mente, e ela se lembrou de ter dito algo parecido a Ben, embora em um contexto diferente, havia quatro dias.

— Infelizmente, precisamos discutir, sim. Porque tudo isso envolve Ben Bradshaw.

— Como assim? — ela ficou espantada.

— Olívia, minha vida tem sido uma dura batalha nos últimos cinco anos. Você sabe disso. Não vejo como você sozinha possa lidar com...

— O que está dizendo? — ela murmurou, intensamente pálida.

— Fui falar com ele. Sabia que Wattle Creek lhe interessaria, por causa da proximidade com as grandes instalações de Campbell Downs. Vender é a melhor solução, minha cara.



Olívia ergueu-se e apoiou-se na mesa.

— Você obviamente não tem idéia do tipo de homem que ele é, tio Garth. Ele não mencionou uma palavra sequer sobre isso para mim, e passou três dias aqui olhando tudo nos menores detalhes. Percebeu o jogo? Ben veio examinar a propriedade sob falso pretexto. Que raiva!

— Não o condene tão depressa — replicou Garth. — Mesmo que não tenha perdido a memória, fiz com que jurasse silêncio sobre nossa negociação, até que eu pudesse discuti-la com você.

— Não acredito em nada disso — disse ela com aflição. — Acredite-me, ele só perdeu a memória seletivamente.

— O que quer dizer isso?

— Só se esqueceu do que lhe interessava esquecer, em poucas palavras. Ferido ou não no acidente, ele percebeu desde o primeiro instante o significado de Wattle Creek. Por isso é que me disse que as coisas poderiam mudar por aqui.

— Prefiro acreditar que ele manteve sua palavra — Garth deu de ombros.

— Não vou sair daqui, tio — ela quase gritou. — Sei quanto este lugar significa para você e para mim. Deve haver outra solução.

— Acha que já não perdi noites pensando nisso e fazendo contas, Olívia? — A voz saiu rouca. — Você está se enterrando aqui. Uma mudança pode-lhe fazer muito bem!

— Nem pensar! E hoje em dia, tio, uma cirurgia cardíaca, mesmo com ponte de safena ou sei mais o quê, não deixa ninguém inválido, preso na cama. Você só vai moderar seu ritmo e talvez precisemos contratar um bom funcionário.

— A verdade é as coisas podem complicar, e temos de agir antes. Ainda temos algo valioso para vender, Olívia. Depois, quem sabe? Mas confesso que nunca imaginei que você fosse conhecer Ben e antipatizar com ele, antes de termos esta conversa.

— Se me enterrei aqui, como diz, por que não posso dirigir a fazenda, com sua ajuda e seus conselhos? Experiência só se adquire com a prática diária.

Garth sentiu o cansaço aumentar e suspirou tristemente.

— Não podemos saber o que será de mim, Olívia. Só pretendi alertá-la. Dentro de mais alguns dias, teremos uma idéia mais clara do que fazer.



Ela mordeu o lábio, preocupada, e tentou esquecer a possibilidade de perder Wattle Creek.

— Está tomando algum remédio, tio? A operação já foi marcada? Isso é o mais importante agora.

— Vou me internar em cinco dias, Olívia. Insisti para adiar a cirurgia, mas os médicos foram irredutíveis. Estou tomando a medicação prescrita e não posso me excitar nem tomar álcool.

Ela balançou a cabeça, desanimada. Reteve as lágrimas que insistiam em se formar no canto dos olhos.

— Perdão, minha cara. Não tive coragem de lhe dizer antes.

— Bem, não se preocupe comigo e vá se deitar. — Ela tentou conduzir Garth pelo braço, mas ele recusou ajuda. — Sabe? Fiquei com fama de ser uma ótima enfermeira. Venha.

— Só mais uma coisinha — ele disse debilmente, assustando Olívia com a brutal diferença em relação ao velho Garth que conhecia. — Ele virá aqui amanhã.

— Ben?

Garth confirmou com um gesto de cabeça. Ela engoliu em seco, profundamente agitada.

— Espero que não o trate mal.

— Não, claro que não, tio. Agora, cama!

Depois que Garth adormeceu, Olívia refugiou-se no estúdio. Como de hábito, ficou andando sem rumo pelo cômodo, mas dessa vez era penoso coordenar o raciocínio. O sentimento mais forte que lhe veio foi o de incredulidade e raiva pela maneira como estava sendo tratada. Ben e tio Garth pareciam querer mimá-la e protegê-la além do necessário. Era a completa negação de seu senso de independência.

— Os homens têm poder, pensou amargamente, mas ainda tratam as mulheres como crianças. Como era possível? Já completara vinte e cinco anos. Havia colocado sangue, suor e lágrimas naquelas terras. E agora estava à beira de perdê-las. O que tio Garth iria fazer, caso isso se confirmasse? Mandá-la para um convento?

Sentou-se diante do cavalete e tentou pensar coerentemente sobre Ben Bradshaw. Mas a imagem de Caitlin Foster se intrometia toda vez que ela estava chegando a uma conclusão. E por que não? Eles eram da mesma idade, bonitos e elegantes, e não se podia imaginar um casamento mais glamouroso



do que aquele, entre um milionário jogador de pólo e uma estrela de televisão. Não sabia nada sobre pólo, e viver em festas e salões iluminados nunca a atraíra nem um pouco.

Com um sorriso triste, lamentou por um breve momento sua falta de traquejo social. Mas quem diria que o homem sujo e ferido que ela socorrera e por quem se apaixonara era um nome

de destaque na alta sociedade? Devia ter ficado quieta em seu canto, e, aliás, era isso o que tio Garth estivera querendo dizer.

Para o bem de todos, deveria mostrar-se simpática e atenciosa para com o visitante. O que não a impedia de concentrar sua ira em Caitlin.

Ficou olhando para o vazio, torcendo para amanhecesse logo.



CAPÍTULO VI

Na manhã seguinte, mais para agradar ao tio Garth do que a Ben, ela vestiu-se com capricho.

Escolheu um vestido de linho bege, sem mangas, modelo tubinho, cuja elegante simplicidade combinava bem com sua figura esbelta. Colocou colar e bracelete, sem descuidar dos sapatos clássicos de couro marrom nem dos discretos brincos dourados.

Garth pareceu aliviado quando a viu não só vestida mais formalmente como bem penteada, com os cabelos escovados e um pouco armados. Ninguém poderia dizer que Olívia havia se preparado para uma festa, mas era inegável que ela estava diferente, para melhor, da mulher caseira e atarefada de sempre.

Onze horas tinha sido o horário combinado. Ben Bradshaw ficara de trazer um contador junto com ele. Olívia deixou pronta uma bandeja com café, limonada e bolo.

Às onze em ponto, o barulhento helicóptero da Lyall pousou na trilha em frente à casa. Dessa vez, não era Steve Williams quem estava no comando, mas o próprio Ben. Pensativa, Olívia dirigiu ao tio um olhar preocupado.

— Não faça nenhum esforço, por favor — ela pediu.

— Fique tranqüila — respondeu Garth, pressionando-lhe a mão.

Pouco depois, Ben já estava na varanda junto a eles. Olívia fitou-o com atenção e perguntou-se como podia ter esquecido o azul profundo daqueles olhos vividos e brilhantes.

— Então, aqui estamos de novo, Ben Bradshaw — ela murmurou, estendendo-lhe a mão com delicadeza. — Vejo que não precisa mais nem de um pedaço de esparadrapo.

— Graças a você, Olívia. — Ele apertou-lhe a mão e repetiu o gesto com seu tio. — Não sei se ela lhe contou, Sr. Garth, mas sua sobrinha tem muito talento para enfermagem.

— Fiz o que faria para qualquer um — disse Olívia com um sorriso irônico. Depois voltou-se para o outro homem e cumprimentou-o, tentando deixá-lo à vontade. —Vamos entrar. Preparei café e refresco para nós.

Garth Lockhart olhou para ela intrigado.



— Acho que eles preferem cerveja — comentou sem maior ênfase.: '

— Sim, cerveja! — exclamou Ben, demonstrando excelente humor— Por que não tomamos todos?

— Porque o tio Garth está proibido pelo médico de beber álcool — explicou Olívia serenamente.

— Nesse caso, não se incomode. Foi apenas uma idéia... — Ben pareceu encabulado. — Ah, permitam-me apresentar o Sr. Mark Bennett, nosso contador.

Trocaram saudações formais e entraram.

Na sala, os visitantes se serviram da limonada e conversaram sobre assuntos gerais, até colocarem em pauta o assunto da saúde de tio Garth. Por fim, Ben sugeriu a Garth que mostrasse ao contador e a ele os livros e outros documentos da fazenda. Assim, caminharam até o escritório, deixando Olívia sozinha, com tempo para retirar a bandeja e a louça usada.

Dez minutos depois, Ben apareceu sozinho na cozinha.

Ela admirou por um instante o porte atraente que ele exibia, parado em silêncio na soleira da porta.

— Então, agora já conhece o pior de mim, Olívia. — Andou até à mesa.

— Espero que sim — ela murmurou. — Se é para levar mais um choque, prefiro saber logo.

— Quando soube da possível venda das terras?

— Ontem à noite, quando tio Garth me falou também de seu estado de saúde. Não sei se devia esperar ser consultada. Afinal, sou uma figura decorativa nisso tudo.

— Engano seu. Garth me pediu segredo absoluto, até que tivesse a chance de explicar a você o que pretendia.

— Assim ele me disse. Com isso, você fica livre de qualquer responsabilidade, não é mesmo?

— O que faria em minha posição, Olívia? Perderia um bom negócio?

— Faria muitas coisas — ela afirmou após um momento de reflexão. — Logo que minha memória voltasse, e eu soubesse quem era, pediria para me resgatarem imediatamente. Também não ficaria analisando a fazenda para uma futura compra, por meio de falsos pretextos.

— Continue — ele provocou-a. — Com certeza há mais queixas.



— Há, sim. As críticas a minha independência, a meu estilo dominador, como você diz. Acho que já estava abrindo caminho para eu concordar com as pretensões de tio Garth ou aceitar frustrações ainda maiores.

— Em outras palavras, julga que eu a estava preparando para o fato?

— Com certeza. O que mais posso pensar? Será que Caitlin Foster é um produto de minha imaginação?

— Nunca pensei que ela viria, nem a chamei aqui.

— Bem, agora não faz mais diferença — ela observou. — Não vou ceder sem uma boa briga.

— Não vejo como poderia impedir o negócio, Olívia.

— Tenho parte das terras. Mesmo comprando a área de meu tio, você não possuirá Wattle Creek inteiramente.

— Você parece muito lúcida e esperta esta manhã.

— Dispenso elogios. Sua credibilidade, Ben, está morta e enterrada.

— Só posso repetir que não planejei nada disso.

— A única coisa que sei é que não deixarei passar a fazenda para o nome de sua empresa de mão beijada.

— Não concorda que seu tio está tendo uma atitude inteligente?

— Sabia que diria isso. Vocês dois pensam que me tornei refém da situação por causa da saúde de Garth. Mas falei com o cardiologista dele esta manhã, e ele acha que a operação não trará seqüelas. Meu tio poderá levar uma vida normal, inclusive dirigindo a fazenda. Se ele não estivesse tão deprimido, a história seria diferente.

Ben calou-se, cruzou os dedos e sentou-se. Olívia o ignorou e abriu a torneira da pia.

— Mandei emoldurar o esboço — ele disse pausadamente, tentando comovê-la.

Ela o olhou por cima do ombro e não respondeu.

— Olívia, sei que tudo isso é um choque para você. Sei também que se sente enganada por mim, o que jamais foi minha intenção. Mas nada impede que possamos discutir o assunto civilizadamente.

— E eu não estou sendo civilizada? — ela retrucou com firmeza.



— Apenas na superfície — ele disse secamente. — Quer se sentar e me deixar explicar por que Wattle Creek se tornou inviável, nas condições atuais?

— Não quero! Há mais do que o aspecto comercial. Estou falando dó amor à terra, das tradições do lugar. Não vejo como sua empresa possa manter isso. Além de tudo, tornei-me alérgica a jogadores de pólo e a pessoas mentirosas.

— Você fez duas acusações graves — ele reagiu. — Nunca fui um jogador profissional de pólo. Quem lhe disse isso?

— Não tem importância.

— Sim, tem — ele discordou. — O jogo era um passatempo de férias e já o abandonei faz muito tempo. Não era o lado social que me atraía, se quer saber, mas a competição em si e o domínio absoluto sobre um cavalo. Quanto a mentir, volto a dizer que está enganada.

— Honestamente, gostaria de estar.

— Por que se deixou beijar daquela maneira no córrego, até quase me fazer perder a cabeça?

— Não sabia que você estava noivo, lembra-se?

— Mas gostou um pouco de mim? Ficou apaixonada? — ele provocou-a.

— Não tão apaixonada quanto você por si mesmo — ela rebateu.

— Está bem, Olívia. Assunto encerrado. Faça sua proposta.

— O que quer dizer?

— Seu tio está me.oferecendo Wattle Creek para compra. Mas a propriedade não é inteiramente dele. Sua parte, trinta por cento, não está representada pela terra, e sim aplicada na empresa que Garth constituiu para tocar os negócios. Como vê, não é o suficiente para bloquear a venda.

Olívia lamentou intimamente não ter pensado nesse detalhe.

— Então, minha proposta é esperar até depois da operação de Garth para fechar negócio. É o mínimo de cortesia que me deve, Ben Bradshaw.

— Nenhum problema — ele disse todo obsequioso. — Já tinha pensado nisso, ou seja, deixar os contratos prontos mas só assiná-los após a cirurgia. Lógico, se nenhuma das partes houver mudado de idéia.

Olívia deu um suspiro de alívio. Era a primeira boa notícia que ouvia desde a noite anterior.



— Nada aqui na fazenda precisa necessariamente mudar. Não de modo radical, pelo menos.

— Veremos. — Ela percorreu a cozinha com os olhos, incapaz de imaginar alguma coisa fora de lugar.

— Existe uma maneira menos dolorosa de efetuarmos o negócio, Olívia.

Ela o fitou com intensidade, naturalmente incrédula.

— Eu ficaria feliz se você e seu tio continuassem ocupando a casa. Só teríamos de instalar nosso gerente, mas ele poderia ter seu próprio chalé. A construção é por nossa conta. Depois de algum tempo, quando tudo estivesse devidamente arranjado, então você se mudaria da fazenda.

— Acho que eu odiaria essa solução acima de qualquer outra — ela afirmou com a voz áspera.

— Você está se colocando em uma posição em que fica difícil ajudá-la — retrucou ele secamente.

— E quem quer sua ajuda? Negociar com você já é suficientemente penoso.

— Bem, eu gostaria que aceitasse, só isso.

O esforço de Olívia para ser fria e racional esgotou-se. Ela deu as costas a Ben e deixou que as lágrimas escorressem de seus olhos. Notando o que acontecia, ele veio para o lado dela e, sem uma palavra, ofereceu-lhe seu lenço.

— Não costumo chorar — justificou-se amargamente. — Mas foi um choque muito grande.

— Acredito em você. Eu também ficaria arrasado.

— Gostaria que fosse embora logo, para encontrar-se com sua noiva. — A amargura de Olívia já se transformara em raiva. — Ela deve estar esperando-o de braços abertos.

— Não sei por que se preocupa tanto com ela, Olívia. Basta pensar em Caitlin, e você fica irritada.

Ela tomou as palavras de Ben como mais uma armadilha e o deixou sem resposta.

— Já sabe onde vai ser a operação? — ele perguntou, mudando de assunto.



Olívia tomou fôlego. A presença de Ben lhe parecia intimidante e ameaçadora.

— Será no hospital John Flynn, no litoral, onde o médico de Garth atende. Estão aparelhados com um bom centro cardiológico. Eu preferiria um lugar mais perto, mas o importante é o que será melhor para ele.

— Não há problema. O helicóptero está à disposição. A não ser que você dirija até Rockhampton e pegue um vôo comercial para a Costa Dourada. Tenho uma casa na praia da Sereia, não muito longe do hospital. Pode ficar lá em vez de ir para um hotel.

— Obrigada, mas... — Olívia mostrou-se agitada. — Não posso aceitar.

— Pode, sim. Seu tio acha que é uma grande idéia, e isso é o mínimo que posso oferecer. Enfim, basta me avisar, e poderá ficar na casa.

Nesse momento, Garth Lockhart entrou na cozinha e ficou óbvio pára sua sobrinha que ele estava bem mais calmo e confiante. Ben exercia esse poder sobre as pessoas, ponderou Olívia. Deixar qualquer um satisfeito enquanto lhe tirava a pele.

— Escondeu-se de novo na cozinha, querida? — ele comentou. — Ben foi muito gentil em oferecer...

— Ele acaba de me dizer, tio — ela falou, aflita para injetar algum entusiasmo na voz. — Estou... muito grata.

Cinco dias depois, Steve Williams veio buscá-los de helicóptero e os desembarcou na ponta sul da Costa Dourada, onde um carro da companhia já os esperava. Garth Lockhart foi rapidamente internado no hospital John Flynn, assim chamado em homenagem ao pioneiro que estabelecera um serviço médico aéreo na Austrália.

Olívia permaneceu com o tio por algumas horas e depois anunciou que ia para a casa de Ben, descansar. A cirurgia estava marcada para a manhã seguinte.

— Estarei de volta antes de você entrar na sala de operações — ela prometeu ao tio e o beijou.

Olívia conhecia a Costa Dourada, onde havia passado diversas férias nos tempos de estudante. Assim, não teve dificuldade em dirigir o carro de Ben até a praia da Sereia. Ele havia lhe fornecido uma chave da casa, embora ela tivesse pensado, até o último minuto, em ir para um hotel. Por fim, decidiu fazer a vontade do tio. Ocupar a casa tinha a vantagem de concentrar as notícias da fazenda e o contato com os médicos em um só lugar.



Era um sobrado moderno e ensolarado, com a arquitetura típica das casas de praia, mas Olívia não se sentiu inteiramente à vontade naquele reduto de milionários que era a praia da Sereia.

Logo ao entrar, ela percebeu que a suntuosa mas impessoal decoração devia ter sido executada por um escritório especializado. Tudo combinava com tudo. Espelhos de cristal ampliavam a dimensão dos cômodos, quase todos mobiliados com elegantes móveis laqueados e forrados de exóticos tapetes orientais. Mas os enormes sofás pareciam aconchegantes e a vista do terraço superior, com o mar calmo batendo na praia branca, era nada menos do que soberba.

Apesar da situação do tio, ela lamentou não ter trazido um maio. Não podia pensar em nada mais relaxante do que um banho de mar. Do terraço, contemplou longamente a paisagem e tentou imaginar Ben Bradshaw naquele cenário. Mas quem lhe veio à mente, com assustadora facilidade, foi Caitlin Foster, vestida com um biquíni sumário, exibindo seu glamour e vibrante beleza.

Olívia mordiscou o lábio, tentando afastar a incômoda imagem. Faltou-lhe inspiração para decidir o que fazer nos próximos dias, além de visitar o tio no hospital. Passar algumas noites sozinha no palacete de Ben era uma perspectiva deprimente.

Steve havia lhe indicado o quarto de hóspedes no térreo e também lhe dissera que uma arrumadeira viria diariamente limpar a casa e cuidar do abastecimento de comida. Mas caberia a Olívia cozinhar ou, se preferisse, aquecer pratos congelados. Existia ainda um sistema de segurança, baseado em alarmes sonoros e câmeras de vídeo, e Steve lhe explicou detalhadamente o funcionamento.

O quarto estava limpo e arejado. Ela deixou a mala em um canto e ficou feliz em descobrir que podia contar não só com um banheiro privativo como com uma saleta de lazer, provida de aparelho de som e televisão. Decidiu que não usaria mais nada da casa, além da cozinha e dessa pequena, mas agradável, suíte.

O dia seguinte foi marcado pela longa e estafante espera de notícias no corredor do hospital. Cerca das quatro da tarde, o chefe da equipe médica veio dizer-lhe que a cirurgia havia terminado e que o tio Garth já estava no Centro de Recuperação com a perspectiva de passar uma noite tranqüila. O médico, embora otimista, pediu a Olívia quarenta e oito horas para confirmar que a operação fora bem-sucedida, e recomendou-lhe que fosse para casa descansar. Também autorizou-a a ver o tio e Olívia chegou a falar algumas palavras, mas Garth estava sedado, e ela não tinha certeza de que ele a tivesse reconhecido.



Quando voltou para casa, pela avenida da praia, Olívia não resistiu à tentação de comprar um maio e aproveitar o resto do dia.

Na casa silenciosa e vazia, ela vestiu o maio azul e foi para o mar. Além de refrescante, o mergulho a revigorou, e assim ela demorou-se mais de uma hora na água, nadando ou simplesmente boiando de costas.

Estava quase escuro quando ela saiu para a areia, à procura de sua toalha. O vento arrepiou-lhe a pele e a fez tremer um pouco, enquanto torcia os cabelos com as mãos para secá-los tanto quanto possível.

Um homem a observava pacientemente e, no momento que julgou oportuno, aproximou-se de Olívia e entregou-lhe sua toalha. Era Ben Bradshaw.

— Você... Há quanto tempo está aí? — Ela enrolou a toalha na cabeça.

— Há uns vinte minutos. Que tal o mergulho?

— Ótimo, maravilhoso — ela disse apressadamente. — O que veio fazer na casa?

— Vim convidá-la para jantar. — Ele sorriu com discrição. —: Só isso.

— Agradeço, mas não estou disposta a sair — ela objetou— Na verdade, preciso aguardar um eventual contato do hospital.

Ben não respondeu imediatamente. Queria sair logo da areia, pois estava com muita roupa, mas a figura esbelta de Olívia o reteve. O maio modelava suas formas atraentes, mas o principal era a pele acetinada que os últimos raios de sol faziam brilhar.

— Molhada de novo... — ele comentou com malícia, enquanto traçava com o dedo ò caminho de um pingo de água que desceu de seus cabelos para o colo. — Você pode sair, se quiser. Já tomei providências.

— Como assim? Que providências?

— Deixei no hospital meu número do telefone celular, para o caso de necessidade. Mas estão bastante otimistas, não?

— Esteve lá?

— Telefonei e falei com o médico-chefe.

— Só vão ter certeza dos resultados daqui a alguns dias.

— Mais uma razão para você descansar e se divertir um pouco. Onde gostaria de ir?

— Ben, nada disso é necessário. Há comida suficiente na casa e...



— Não sai comigo porque estou noivo ou porque estou comprando sua fazenda? — Ele tentou ser irônico, mas não teve sucesso.

— Já que mencionou — ela rebateu —, pelas duas coisas. Ele riu levemente, encarando-a bem nos olhos.

— Ainda assim podemos jantar juntos, como amigos. Os bons momentos de amizade na fazenda não me saem da cabeça. Lembra-se de ter cantado para eu adormecer, na primeira ou segunda noite?

— A diferença é que naquele tempo eu não sabia o que sei agora.

— Apenas deixe-me retribuir os favores que me fez, como enfermeira e como anfitriã. Sei que este não é um momento alegre para você, com seu tio internado e tudo o mais, mas sair para- um jantar agradável vai ajudá-la a relaxar.

— Você é capaz de convencer um poste, Benedict Arnold.

— Parou de falar um segundo antes de dizer a Ben que ele era a última pessoa no mundo que poderia aliviar sua tensão.

— Dê-me meia hora para tomar uma ducha e trocar de roupa.

— Agora sim, está agindo com sabedoria. Caminharam lado a lado até a casa. Ben teve o impulso de pegar na mão de Olívia. Chegou a roçar nela, mas um olhar desaprovador o demoveu da idéia.

No banheiro, o secador de cabelos embutido na parede fez Olívia ganhar tempo, mas ela demorou mais do que pretendia, escolhendo uma roupa. Todas ainda estavam dobradas na mala. Resolveu-se por um conjunto de pantalona branca e blusa de seda, que passou rapidamente, antes que Ben perdesse a paciência.

Colocou sandálias brancas e olhou-se no espelho. Os cabelos estavam bem escovados, e ela não se esqueceu de pentear a franja. Passou um pouco mais de batom do que o habitual e finalmente saiu do quarto.

As luzes acesas davam à sala um ar de festa. As cortinas abertas deixavam ver a praia e as ondas espumantes do mar. Era uma visão privilegiada.

Ben levantou-se do sofá assim que ela surgiu. Indicou com a mão a garrafa de champanhe que repousava no balde de prata sobre a mesa lateral. Olívia aceitou o oferecimento e ele encheu duas taças.

— Beba. Vai ajudá-la a relaxar.

— Estou mesmo precisando de alguma ajuda —: disse ela.



— E, você sofreu golpes violentos nestes últimos dias. Até acho que os suportou bem, mesmo fora de seu território.

Olívia abriu a boca para dizer que, ao sair de seu território e vir para a casa de Ben, caíra no território de Caitlin Foster, mas conteve-se a tempo, lembrando que prometera não mencionar mais o nome daquela mulher na presença dele.

Ben sentou-se de novo e correu os dedos por entre os cabelos. Uma leve marca do ferimento na têmpora ainda era visível.

— O que achou da casa? — ele perguntou.

— Não é o tipo de residência que eu imaginaria para você, Ben — ela mentiu, julgando que era uma forma indireta de criticar Caitlin.

— Tem razão — ele a surpreendeu, olhando o ambiente em torno de si. — Sofás cor de pêssego e quilômetros de mármore não fazem meu estilo. E que a casa é de minha mãe.

— Ela mora aqui? — Olívia continuava surpresa.

— Sim, mas não se preocupe. Está viajando. Eu ocupo a casa apenas quando preciso. Chegou a ver a parte de cima?

— Não, felizmente. Decidi me acomodar na ala dos hóspedes e, de resto, usar apenas a cozinha. Ainda bem que não subi. Estaria me sentindo uma invasora.

— Garanto que minha mãe não se incomodaria. Está acostumada com hóspedes por toda parte. Gosta do papel de boa anfitriã. É uma espécie de diversão para ela.

— Que idade ela tem?

— Sessenta e cinco anos e uma saúde de ferro. É muito ativa e vigorosa. Quando comprei esta casa para ela, resolveu ficar aqui em definitivo. Adora o estilo local de opulência e exibicionismo.

— Você tem sorte — comentou Olívia, bebendo mais champanhe.

— Você já me disse isso. Sente-se melhor?

— Melhor, mas com sono. Se não sairmos logo para comer, acho que vou dormir em pé.

Ele riu e levantou-se para conduzi-la à rua.

— Vamos andar um pouco. Este é o segredo para não dormir. Caminharam pela calçada da praia e, na primeira esquina, entraram no restaurante escolhido por Ben, uma casa italiana famosa pela qualidade de



seus pratos. Como ainda era cedo, o lugar estava quase vazio, e eles foram rapidamente atendidos.

— O espaguete não se compara ao seu — brincou Ben, abrindo o cardápio —, mas você pode experimentar outras massas.

Olívia escolheu, e o garçom anotou o pedido, que incluía uma garrafa de vinho tinto.

— Sabia que um ou dois copos de vinho podem fazer bem a você, Olívia?

— Está cuidando de mim mais do que eu preciso, Ben. Aliás, como responsável pelo meu maior problema, você seria a última pessoa no mundo que poderia me ajudar.

— Primeiro, permita-me discordar. Segundo, deixe-me explicar por quê.

— Só estou sendo racional, em vez de agir emocionalmente.

— Escute-me um pouco. Os criadores de gado da Austrália podem enfrentar muitas dificuldades com a crise dos mercados europeu e asiático. No momento, as exportações caíram, e o mercado interno também está consumindo menos produtos primários, como leite e carne de vaca.

A fala de Ben foi interrompida pelo garçom, que veio servir o vinho. Olívia tomou de uma vez um quarto de copo.

— Agora, imagine uma enchente, uma seca, qualquer catástrofe natural. Wattle Creek iria direto para o vermelho. Seria inviável manter a fazenda. Isso é algo que seu tio já tinha percebido. Haveria necessidade de muito capital para modernizar as instalações, melhorar a raça do gado e assim por diante. Garth tentou esconder de você os possíveis prejuízos.

— Assim imagino — ela comentou desanimada.

— Mas há outros fatores em jogo — continuou Ben após um gole de vinho. — A saúde de Garth é um deles, mas, ao contrário do que pode parecer, não é o principal. Ele sente muita falta de uma família.

— De herdeiros, você quer dizer.

— Sim, de herdeiros a quem deixar a propriedade e que poderiam salvá-la da ruína.

Pensativa, Olívia ajeitou sua franja e bebeu mais um pouco de vinho.

— E qual seria meu papel nessa história? O de uma fábrica de herdeiros?



— Não, nunca. Garth não lamenta que seja solteira e não tenha filhos. Ele lamenta não ter sua própria família. Filhos, dele mesmo. Fortes e inteligentes. A tristeza fez sua doença piorar, se é que não a causou.

Ben fez uma pausa para avaliar a reação de Olívia. Ela continuava atenta e interessada, mas naquele momento sentiu um peso no coração ao lembrar-se de tio Garth no hospital.

— Outro fator — prosseguiu Ben — é você. Sim, Olívia. Ele tem consciência de que lhe deve muito. Então, como deixar para você um negócio condenado ao fracasso? Não é uma questão de inteligência ou capacidade. Isso você tem. O que falta é dinheiro.

— Aí entra sua empresa — disse Olívia —, com capital suficiente para investir na recuperação da fazenda.

— Sinto muito ter escolhido um momento ruim para fazer negócio..Não sabia que Garth estava sofrendo gravemente do coração. Também estou falando tudo isso agora para evitar que...

— Que eu tenha os sonhos errados — ela concluiu por Ben. — Por acaso não está se aproveitando da situação para comprar a fazenda por uma ninharia?

— Garanto que não. — A expressão de Ben tornou-se pouco amistosa. — Mas o preço seria melhor se você entrasse com sua parte.

— Sei que o deixei aborrecido com isso — ela disse secamente. — Mas estou interessada. Você deve ter enormes recursos financeiros para transformar Wattle Creek em uma maravilhosa e produtiva fazenda.

A chegada dos pratos impôs uma trégua no mal-estar. Fetuccine para ele e ravióli para ela, acompanhados de uma salada grega à base de queijo e azeitonas. Começaram a comer em silêncio, mas Olívia mostrou resistência em levar o garfo à boca.

— Perdi o apetite — ela comentou.

— Precisa alimentar-se, Olívia. Apenas comece. Sei que vai gostar.

Ela seguiu o conselho calada, novamente perdida em seus pensamentos.

— De onde vem a marca Lyall? — perguntou sem ter interesse real na resposta.

— Ei a o nome de meu pai — ele informou, um pouco intrigado.

— Ele também se colocava como conselheiro em todas as situações?



— Engraçado dizer isso, pois tenho um conselho que pode lhe fazer muito bem.

— Realmente? E qual seria?

Ben ergueu os olhos do prato e encarou-a, para surpresa dela, com incisiva seriedade.

— Depois do jantar, podemos dar uma volta pela praia. Então, ficamos um pouco no terraço da casa, vendo a lua. Sabia que hoje é noite de lua cheia?

— Não.

— Mas é. — Ele sorriu enigmaticamente. — Depois, poderíamos nos retirar para o quarto, e eu correria as mãos por todo seu corpo. Tiraria suas roupas lentamente, beijando sua pele. Então faríamos o que já devíamos ter feito no córrego, ou seja, nos entregaríamos com paixão e loucura. Não é o que realmente queremos?

Olívia não pôde evitar que um tremor lhe percorresse o corpo inteiro.

Ben nada disse, mas seus olhos revelavam que ele havia percebido.

Ela enxugou os lábios no guardanapo antes de encará-lo.

— Acho que está extrapolando sua missão de conselheiro, Ben.

— Posso lhe garantir que isso nada tem a ver com uma missão, Olívia.

— Deve ter — ela protestou. — Senão, como defini-lo? Um aproveitador de mulheres estressadas? Um homem capaz de ser infiel à noiva, pouco antes do casamento?

— Não sou nenhum dos dois. — Ele fez uma pausa e colocou seu copo na mesa. — Além do mais, não vai haver casamento algum. Caitlin e eu rompemos o noivado.



CAPÍTULO VII

Madame, não está gostando do prato? Podemos trocá-lo por qualquer outro de sua escolha. — O maitre do restaurante viera à mesa fazer seu discurso de relações públicas. — Atender bem os convidados do Sr. Bradshaw é nossa prioridade.

Olívia fechou os olhos, contrariada, torcendo para que o homem à deixasse em paz.

— Não. Está ótimo. — E começou a comer, fazendo o maítre afastar-se com um sorriso satisfeito.

— Nós chegamos a um acordo — Ben explicou, retomando a história do noivado rompido.

— Não sei o que dizer — ela retrucou com sinceridade.

— Pensei que eu teria sua aprovação — Ben comentou friamente.

— Como pode falar assim? Ela deve estar.. . Ben terminou de comer e ficou na expectativa.

— Arrasada. — Olívia parecia tomar as dores de todas as mulheres abandonadas.

— Não completamente — ele respondeu.

— Ah, entendo. Apenas parcialmente arrasada?

Ele bebeu o resto do vinho e a fitou com estranheza.

— Bem, acho que o objetivo de um noivado é justamente este. Ver se duas pessoas têm reais afinidades, antes de se ligarem pelo resto da vida.

— Meu conceito sobre isso é um pouco diferente, Ben. Envolve amor, cumplicidade e confiança mútua. Como pôde me fazer a proposta que fez, se estava comprometido com Caitlin. Não sente nada? Não está triste?

— Não disse isso. —Ele ergueu as sobrancelhas.

— Você deve tê-la amado, senão por que ficaria noivo? E agora termina tudo por causa de uma pancada na cabeça! É loucura.

— Não, não é — Ben defendeu-se. — Mas existem lugares melhores do que este para discutirmos isso, especialmente agora que já conhece a novidade.



— Já podemos ir — ela disse, depositando o guardanapo na mesa sem tirar os olhos de Ben. — Mas fica claro desde já que não vou para a cama com você, Benedict Bradshaw. E o motivo é que você se revelou um conquistador barato, da pior espécie.

— Conquistador... — ele repetiu com ar misterioso. — Era esta a palavra que procurava antes?

Ela levantou-se e esperou por ele na porta.

Minutos depois, eles caminhavam pela calçada da praia, sensíveis ao encanto da lua cheia e da trilha dourada que ela traçava no mar. No entanto, a tensão entre os dois ainda estava presente. Parecia que ambos esperavam um pretexto para conversar. E, evidentemente, tinham muito o que dizer um ao outro.

— Fale-me de Caitlin — começou Olívia. — Como ela está?

— Essencialmente, seria um assunto apenas entre mim e ela. Mas não acredito que tenha partido seu coração.

— Como pode saber?

— Caitlin não é do tipo sentimental. Está em uma boa fase profissional, cheia de novos interesses. Casar-se agora seria um erro.

Olívia recusava-se a olhar para ele. Percebeu que Ben parou subitamente quando chegaram à casa.

— Chegamos.

Ela examinou com indiferença a fachada do palacete onde estava hospedada.

— Desista, Ben. Não vou entrar com você.

— Deixe de ser infantil , Olívia. — Ele mostrou a garrafa de vinho embrulhada que tinham lhe dado no restaurante. — O meu amigo maitre insistiu para que eu a trouxesse, já que não bebemos nem a metade. Vamos nos sentar na varanda e tomar o resto. Se eu atacá-la, poderá correr para a praia e pedir socorro.

A ironia de Ben não surtiu o efeito desejado.

— Não duvide de que eu farei exatamente isso — ela o alertou.

Entraram e logo ele trouxe dois copos da cozinha.

Era uma noite calma e silenciosa, e as ondas quebravam suavemente na praia, em um ritmo constante e sonolento. Um avião voando baixo, rumo ao aeroporto próximo, foi o único ruído mais intenso que se ouviu.



Aquilo fez Olívia pensar no tio, na chegada à cidade para a internação. Ben pareceu ter lido sua mente, pois colocou seu telefone celular em cima da mesa.

— Gostaria de ligar para o hospital? — ele indagou. — O número está na memória.

Ela aceitou a sugestão e apertou a tecla correspondente. Entregou-lhe o aparelho minutos depois.

— Tudo bem. Tio Garth está dormindo profundamente.

— Bom — ele comentou, recolhendo a antena e fechando o celular. — Agora, sobre Caitlin...

— Não disse que era um assunto particular entre vocês?

— Vou evitar cansá-la com detalhes íntimos, Olívia, mas nunca fui sincero quanto a minha intenção de casar-me com ela. Já o amor, não estou certo de que ele sobreviva ao casamento. Acho que já lhe disse isso.

— Sim, eu até me lembro que concordamos nesse ponto.

— Em resumo, por uma série de motivos, a minha perda de memória me fez ver que nosso amor não resistiria ao distanciamento. Talvez Caitlin e eu estejamos ocupados demais para nos dedicarmos um ao outro.

— Acho que muitos casais são assim, e vivem melhor do que a maioria. Tê-la esquecido por algumas horas ou dias não quer dizer nada.

Ele a fitou com atenção e ajeitou-se na poltrona do terraço, pondo as mãos atrás da cabeça e esticando as pernas.

— Vivíamos adiando o casamento. Algum motivo sério havia.

— Ela comentou com você esse detalhe? — Olívia voltou-se para encará-lo.

— Sim, mas... A verdade é que nós estávamos com medo de dar o passo definitivo. Caitlin precisaria desistir de muita coisa, assim como eu. Quero que saiba que estou consciente da perda. Ela é uma pessoa adorável, charmosa e divertida.

— Pobre Caitlin. Perdê-lo, com todas essas qualidades...

— Acho que ela não sentiu o rompimento tanto quanto eu — ele disse em um tom sombrio. — Tentei manter minha habitual descrença no que se refere a amor e casamento, apesar de estar pronto para trocar alianças. Confesso que não consegui inteiramente.



— Isso é puro cinismo — comentou Olívia involuntariamente. Ele a fitou com expressão neutra, enquanto tomava um gole de vinho.

— Havia outras pressões também — ele procurou convencê-la.

— Por exemplo?

— Você um dia reclamou da possibilidade de ser considerada uma Fábrica de herdeiros, mas sou filho único e minha mãe está ansiosa por ter netos. Pode imaginar Caitlin grávida, mesmo em um prazo de anos?

— Mas sua mãe não fazia restrições ao casamento. Tenho razão?

— Sim, é verdade. Obviamente ela não sabia das intenções de Caitlin quanto a ter filhos. As pressões dela se concentravam em mim.

— Não compreendo.

— Já tenho trinta e três anos, enquanto ela e meu pai se casaram com vinte. Ela julga que estou deixando a vida passar em branco, que o dinheiro não traz felicidade e que eu devia encontrar logo uma boa companheira. O bom humor de Caitlin a cativou talvez mais do que a mim.

— Acho que eu ia gostar de sua mãe, Ben.

— Não tenho a menor dúvida — ele retrucou.

— E você, acredita nela?

— Sim, em termos.

— Então, com o rompimento, você levou outra pancada na cabeça. Caitlin até que se saiu bem.

— Na verdade, Caitlin estava aflita para me explicar que não poderia casar-se nos próximos quatro meses, por causa de uma filmagem que está fazendo fora do país.

Ben verteu no copo a última dose de vinho. Olívia pestanejou.

— O que foi? — ele pressionou. — Perdeu a fala de novo?

— Tudo isso tem pouco a ver comigo — ela recomeçou. — Ou conosco.

— Cara Olívia, você tem a memória curta! — exclamou ele admirado.

— É que não consigo imaginar um noivado sem amor. Se vocês romperam, é porque não se amavam de verdade.

Houve um longo silêncio. Então, ele a fitou friamente.



— Caitlin é um capítulo encerrado. Quero iniciar um novo capítulo em minha vida.

— Novo como? — ela franziu a testa.

— Poderia oferecer-lhe sociedade em Wattle Creek, com uma condição. Que você consinta em ser minha amante.

Ela engoliu em seco e levantou-se abruptamente, vermelha de vergonha e raiva.

— De onde tirou essa idéia maluca? Eu nunca, nunca concordaria com isso.

— Resolveria todos seus problemas de uma só vez — ele falou lentamente. — Seu tio poderia passar o resto da vida em uma estação de águas, e você escolheria entre acompanhá-lo ou ficar na fazenda, desenhando e pintando. — Ben fez uma pausa para fitá-la fixamente. — Também estariam satisfeitos os impulsos que a fizeram me beijar com tanta paixão e desejo lá no córrego. Venha sentar-se.

— Não pode me dar ordens, seu conquistador barato.

— No interesse de minha própria segurança, posso, sim. Você é bem capaz de me atirar uma cadeira. Mas sei reagir e sou mais forte do que você. Outra mancha negra em minha imagem, Olívia.

Ela arfou, transfigurada de ira, mas não havia sinal de que Ben pudesse praticar alguma violência contra ela. Mesmo assim, resolveu que seria melhor não lhe dar as costas.

— Você é desprezível, Ben Bradshaw — ela disse, voltando à cadeira.

— Talvez sim. Também sou o homem que você quer, embora não tenha coragem de admitir. Por que não diz que me deseja, como eu faço com você?

— Desejo... Da última vez, foi você quem me fez parar. Já tivemos problemas demais com isso. Não acha que é o bastante?

Ben meneava a cabeça, discordando de tudo o que ela falava, quando o telefone celular tocou.

Era do hospital, informando que Garth tivera uma recaída.

— Eu a levarei — ele propôs com firmeza.

— Não é preciso. Eu...

— Não discuta.

Olívia não discutiu.



Só voltaram à praia da Sereia no meio da manhã seguinte. Garth Lockhart sobrevivera a uma cirurgia de emergência, mas o fato de que precisassem operar de novo não era nem um pouco alentador.

Ben insistira em fazer companhia a Olívia na longa noite de vigília. Uma atitude amiga, embora talvez insuficiente para apagar as, manchas negras a que ele se referira.

— Agora, vá para cama! — ordenou Ben assim que entraram em casa. — Mas tome isto antes.

— Ò que é?

— Um sonífero leve. Pedi ao médico, e ele me deu.

— Obrigada, mas acho que devia ficar acordada para o caso de...

— Eu farei isso. Ficarei de plantão na sala e, se for preciso, eu a chamarei. Vá se deitar.

O sol já se punha no horizonte quando Olívia despertou de um sono profundo.

Continuou deitada por algum tempo, repassando na mente os acontecimentos das últimas horas. A questão principal que lhe ocorria era: o que fazer com um homem como Ben Bradshaw?

Como separar o lado negativo dele da gentileza e dedicação que ele demonstrava, ajudando-a a cuidar de tio Garth, trazendo-lhe café, cedendo-lhe a casa e muitas coisas mais?

Como entender que aquele mesmo homem havia sugerido que ela se tornasse sua amante, por puro interesse material?

Qual dos dois Ben era o verdadeiro?

Levantou-se e vestiu o maio, esperando que um breve mergulho no mar ajudasse a clarear suas idéias.

Ele estava lendo no terraço, quando ela saiu. A roupa informal, short e camiseta, e as pernas esticadas sobre uma mesinha formavam uma imagem adoravelmente descontraída. Devia tê-la ouvido passar pela sala, pois colocou o livro sobre a mesa e tirou os óculos de leitura para olhar em volta.

— Ah, como se sente?

— Muito bem. Dormi bastante. Novidades?

— Seu tio está de novo no Centro de Recuperação e parece estável, segundo me disse o médico.



Olívia suspirou de alívio e olhou com meiguice para Ben.

— Você vem?

— Para um mergulho?

— Claro.

Pouco depois, eles estavam na calçada e cruzaram juntos a faixa de areia até o mar.

— É quase tão bom quanto o córrego da fazenda — ele brincou ao furar uma onda.

Deram algumas braçadas naquela água morna e cristalina.

— Você nada bem — ele elogiou.

— Felizmente, ensinavam natação na escola primária. — Olívia mergulhou e depois emergiu às costas dele. — Também aprendi tênis.

— Sério? Eu jogo tênis, sem pretensões.

— Já imaginava. Pólo, tênis... o que mais sabe fazer?

— Por estranho que pareça, detesto golfe. É contra meu temperamento.

Ele nadou para perto dela, e Olívia notou que o tom azul de seus olhos podia ser comparado ao do mar.

— Não conheço o jogo, más golfe deve exigir muita paciência — ela disse.

— É isso. Paciência é uma virtude que não tenho.

Ela riu e boiou um pouco. Sua pele dourada e salpicada de pingos brilhou ao sol. Ben reparou na figura insinuante que se formava.

— Por que ri? Acha engraçado? — ele quis saber.

— Sim, mas não sei por quê — ela confessou. — A imagem de você andando atrás de uma bolinha me diverte. Vamos ver se é bom de corrida.

Olívia bateu as pernas furiosamente contra a água e continuou correndo pela praia, até a esquina onde ficava a casa. Por gentileza ou qualquer outro motivo, Ben perdeu a disputa.

Sentaram-se ofegantes na areia, parecendo felizes como um casal de namorados.

— Não está cansado? Passou a noite sem dormir — ela observou.

— Consegui cochilar um pouco no sofá, com o telefone ao meu lado.



— Suponho que seja uma dessas pessoas que não sentem sono. Soube de um pintor que dormia no máximo quatro horas por noite.

— Durmo pouco, mas se isso for se tornar mais uma mancha negra...

— Não. Só estou tentando entendê-lo, Ben Bradshaw.

— Então, deixe-me ajudar. Jamais vou tocar de novo naquele assunto de você ser minha amante ou coisa parecida.

Ele voltou-se para ela e tomou-lhe o rosto entre as mãos. Olharam-se no fundo dos olhos. Não mais que alguns centímetros os separavam.

Ficar assim tão perto de um homem tão atraente, ao som das ondas que quebravam voluptuosamente na areia, mais uma vez despertou em Olívia a vontade de beijá-lo.

A pele de seus ombros e braços era lisa e macia, mais bronzeada do que ela conseguia lembrar-se. Os músculos, mesmo relaxados, mostravam-se firmes e vigorosos. As pernas e o peito, igualmente fortes, eram cobertas por pêlos encaracolados.

O instinto levou Olívia a pensar se a atração física por Ben não era razão suficiente para recebê-lo em seu corpo. Por que seu corpo doía e latejava antecipando a posse, antegozando o êxtase de uma noite de amor?

— Olívia?

Ao chamado de Ben, ela despertou do devaneio e levantou-se.

— Sim, vamos, se não se importa. — Torceu para que ele não tivesse adivinhado seus pensamentos.

— Com uma condição — ele murmurou, erguendo-se para segui-la.

— E qual seria? — Ficou preparada para defender-se. Ben a fitou da cabeça aos pés, admirando sua figura bem-proporcionada, agradável de tocar, tão humanamente imperfeita se comparada à escultural e inalcançável Caitlin.

— A condição é que eu faça o jantar.

— Não sabia que você cozinhava — surpreendeu-se ela.

— Ainda não sabe muita coisa sobre mim. Mas não sou nenhum mestre-cuca. Se puder contar com uma pequena ajuda, conseguirei me arranjar.

— Entendi. Para você, cozinhar se resume em abrir latinhas.

— Mais ou menos. Pelo menos tenho imaginação para criar boas saladas. E a despensa da casa está bem abastecida.



— Há camarões?

— Congelados ou frescos?

— Frescos.

— Com certeza.

— Então vou ajudá-lo.

— Sabia que podia contar com você, Olívia. Prometo limpar todos os camarões.

— Também tenho uma condição, mas é simples — afirmou Olívia. — Você fica no comando.

Era uma condição fictícia, como ela logo descobriu.

Foram diretamente à cozinha, pois Olívia sugeriu, com razão, que eles poderiam tomar banho e trocar-se enquanto os camarões ficavam de molho.

— Deixe as caudas — ela instruiu, mostrando como tirar a casca do crustáceo corretamente. — Assim.

— Vai levar mais tempo...

— É preciso paciência. Mas não fui eu que ofereci o jantar, certo?

— Você tem muito jeito para rainha tirana — reclamou Ben. Ela o ignorou, vestiu o avental e reuniu os ingredientes para marinar os camarões. A seu pedido, Ben trouxe um copo de vinho branco para compor o molho.

— Vou virar um grande cozinheiro se isto continuar — disse ele, retomando o trabalho ao lado dela.

"Vou é me apaixonar perdidamente se isto continuar", pensou Ben. "Será que Olívia tem consciência de quanto seus olhos são reveladores? Ela teria todos os motivos para me desprezar, no entanto seu olhar demonstra franqueza e amizade. E como é fácil conviver com ela! Na praia, nós nos comportamos como duas crianças felizes. Sem esquecer que o tio dela está no hospital, com duas operações no coração. Preciso tomar cuidado. Quanto mais durar esta proximidade, mais difícil será resistir a Olívia Lockhart."

Meia hora depois, os camarões estavam marinando, a salada estava feita e o arroz, pronto. Olívia suspirou, cansada, e retirou-se para seu acolhedor quarto de hóspedes.

Debaixo do chuveiro, ela ponderou que algo importante tinha acontecido entre os dois, além da brincadeira na praia e do trabalho na cozinha. Eles haviam se olhado sem desconfiança, sem segundas intenções, como velhos amigos. Mesmo assim,



a eletricidade que por vezes os envolvia era devastadoramente sensual. Até quando poderia resistir?

Faltara tempo para ela pensar no rompimento do noivado de Bem e em sua ultrajante proposta de torná-la sua amante. Olívia também parecia não acreditar que perderia a fazenda. Ainda esperava que uma espécie de milagre mantivesse tudo como estava. Como podia haver tantas mudanças em sua vida, no curto prazo de uma semana?

Antes de sair do chuveiro, fechou a torneira de água quente e tomou um último jato de água fria, que a fez tremer um pouco,mas lhe restaurou o ânimo e a lucidez.

A primeira coisa que fez após vestir-se foi telefonar para o hospital.

— O médico acabou de ver o Sr. Garth e está muito satisfeito com o estado dele — informou a enfermeira-chefe. — Mas estamos mantendo-o sedado, para dormir bem a noite toda. Não adianta vir para cá. Descanse o máximo que puder.

— Já descansei bastante hoje — ela argumentou.

— Mesmo assim, aproveite enquanto pode. Vai ser uma longa convalescença.

— Está segura de que não preciso ir? — ela insistiu.

— Não deve. Estou perfeitamente segura.

Olívia agradeceu e desligou. Agora, podia voltar aos camarões.

— Bonita roupa — elogiou Ben quando ela entrou na sala. Olívia olhou para baixo, avaliando seu conjunto simples mas elegante de saia longa e escura, com estampas florais, e casaquinho liso, na cor vermelha. Achou-se realmente bem vestida, porém ainda discreta.

— Feito por mim — ela avisou.

— Ah, mais uma habilidade da incrível Olívia — comentou Ben sem nenhum toque de zombaria.

Ele passou-lhe um copo longo, igual ao seu, com um coquetel fraco à base de suco de maçã e licor Cointreau.

— Feito por mim — ele riu.

— Não vai me deixar tonta? — Olívia preocupou-se.

— De modo algum. Basta não tomar de um só gole, como um refresco. Este drinque tem mais suco de fruta do que álcool.



— Também é bonito — ela acrescentou.

— Sente-se — ele convidou-a. — Você parece pronta para sair voando...

Ela ocupou uma das poltronas da sala, à frente do sofá em que Ben estava. Sentou-se com elegância, cruzando as pernas e ajeitando a saia para cobri-las. Parecia mais suave, mais feminina do que nunca, e Ben não deixou de perceber a transformação.

— Tive boas notícias do hospital — disse ela. — Tio Garth passa bem e está sedado, dormindo. Não é necessário ir até lá, mas talvez eu já tenha de tomar algumas providências para o período de convalescença.

— Seria bom arranjar um lugar melhor do que a fazenda, com médicos e hospitais próximos, e contratar uma enfermeira para cuidar dele. Senão será um período estafante para você, apesar de suas habilidades — comentou Bem, olhando-a com admiração.

Olívia provou o coquetel e achou-o delicioso. Colocou o copo na mesa e ajeitou os cabelos, em um gesto sensual.

— Sabe? Sinto-me bastante culpada por não perceber com antecedência a gravidade do estado de meu tio. Mas talvez fosse demais para meu olho de enfermeira.

— Ele me contou que fez tudo para esconder a doença de você. Portanto, relaxe.

— Eu costumava massagear-lhe as costas e incentivá-lo a fazer exercícios para os músculos. — Ela deu de ombros. — Quando me lembro disso, sinto-me uma tola. O problema dele era bem mais sério.

— Você chama muita responsabilidade para carregar em seus belos ombros, Olívia.

Ela o observou com atenção. Ben usava uma calça jeans desbotada e camiseta preta. O traje lhe caía tão bem quanto uma roupa formal de executivo.

— Tenho uma explicação para a falha que todos parecem me atribuir, com relação a tio Garth. — Ela deu outro gole e suspirou em seguida.

— E qual seria? — Ele estreitou os olhos, redobrando ã atenção.

— Estava tão envolvida com Wattle Creek, com o problema das chuvas e com a conservação da casa, que não percebi os sintomas de insuficiência cardíaca de tio Garth. Como pude estar cega a esse ponto é o que me preocupa e aborrece.



Ben não respondeu, mas Olívia notou uma repentina compaixão nos olhos dele. Ela soube que ele concordava com ela, e recolheu-se a sua dor íntima. A última coisa que desejava era a compaixão de Ben.

— Então, acabei vivendo um dilema — ela murmurou. — Mas a verdade é que ainda preciso me beliscar para acreditar que tudo isso é real.

— Conseguiu pensar nas coisas que eu disse? — ele quis saber.

— A proposta de eu ficar com parte da fazenda se me tornasse sua amante? De uma vez por todas, Ben, seria necessário muito mais do que um beliscão para isso me parecer real. Prefiro pensar que estava delirando quando fez esse tipo de oferta.

Ben riu discretamente e a encarou com insistência.

— Na verdade, eu estava bastante aborrecido quando fiz a proposta. A intenção não era ofendê-la. Concorda que a oferta, uma vez aceita, resolveria muitos problemas?

Desta vez o choque foi mais brando, mas ainda assim foi um choque. Ben estava atentando contra sua saúde mental, para não falar de seu senso de decência. Olívia jamais faria amor com ele apenas para ser confrontada com a evidência de que Ben era um homem duro, inatingível.

Simplesmente porque, mesmo que ela quisesse tirar vantagem do fim do noivado com Caitlin, o que não era verdade, a maneira como Ben encarava seu relacionamento com ela era mesmo ultrajante.

— Obrigada — ela disse calmamente —, mas a resposta é não. Estou segura de que não daria certo.

— Mesmo quando temos de nos segurar para não nos tocarmos? Suas noções de amor são um tanto estranhas, Olívia.

A chama da ira se acendeu em seu íntimo. —Você está transformando o amor em um duelo de dominação, em uma chantagem. Está reduzindo tudo à mera atração física.

— Então, o que tem em mente? — ele perguntou após uma pausa para pensar.

— O que posso fazer — ela inspirou o ar antes de terminar a frase — é desistir de minhas pretensões. Não me oporei à venda de Wattle Creek.

— Isso nos coloca em território neutro — ele disse secamente. — Mas você me surpreende. Está desmentindo todos seus argumentos anteriores.



— Que seja — ela retrucou com a voz tímida. — Também não vou mais sair da fazenda à força, gritando e esperneando. A não ser intimamente. Mas fique tranqüilo, ninguém vai perceber.

— Ser a amante de um homem que você deseja é um preço muito alto para ficar em suas terras?

— Claro que é. — Ela o encarou desconsolada.

— Bem, quero dizer que eu a admiro por isso. Tome seu drinque.

— Posso ficar tonta. Mas por que diz que me admira? A proposta foi sua!

Ben não reteve um leve sorriso, confiante mas quase imperceptível.

— Você fez uma tempestade em copo de água, Olívia. Podíamos ser amantes, sim, e acho que seria bom. Mas eu não sou esse tipo de homem.

Olívia pôs-se de pé, assombrada.

— Então, estava apenas me testando? Poderia matá-lo, Ben Bradshaw. Você não tinha esse direito!

— Pode interpretar assim, se quiser. Mas admito que pensei muito mais em como seria agradável.. . Por falar nisso, vamos comer?

Olívia permaneceu parada, consumida pela raiva, o olhar sombrio. Ben levantou-se do sofá e aproximou-se dela abruptamente, os lábios entreabertos, parecendo disposto a beijá-la a qualquer custo.

— Não... — ela murmurou.

— Não seja tola — ele falou em tom áspero. — O que pensa que eu ia fazer?

— Não sei direito, mas...

— É melhor sentar-se antes que desmaie — ele propôs. — Nunca imaginei que um drinque fraco fosse deixá-la assim.

Ato contínuo, Ben simplesmente a tomou no colo e a colocou no sofá, sentando-se no lugar ao lado.

Ela ajeitou os cabelos soltos, deixando ver as faces rubras. O gesto perturbou Ben.

— Deixe-me dizer só uma coisa, Olívia, mas por favor não pense que estou sendo ofensivo. Pelo contrário.

— O que é? — Ela o fitou com ar de suspeita.



— Fico extremamente perturbado por estar sentado tão próximo de você, sentir o perfume de sua pele e de seus cabelos, perceber o calor de seu corpo, relembrar o gosto de seus lábios... Custa-me crer que o mesmo não aconteça com você.

Ela engoliu em seco e o deixou sem resposta.

— Enfim, o que nos impede de ficarmos juntos e fazer amor? Foi como se as palavras dele abrissem para Olívia as portas da percepção. Os ombros se tocaram, e ela sentiu o magnetismo de Ben, a maciez da pele bronzeada, a umidade dos lábios quentes. Anteviu aquele corpo firme de encontro a suas curvas mais secretas, os músculos vigorosos sob suas mãos.

— Eu... — Os olhares se encontraram em um só desejo. — Sei onde isto vai dar, se eu ceder. Tenho minhas razões para resistir.

— Não entendo. O que pode haver de errado? — ele indagou com um toque de impaciência, colocando a mão no rosto dela. Ela reagiu ao toque, fechando os olhos.

— Como não entende, Ben? Há poucos dias você estava noivo de outra mulher. Em pouco tempo, será dono de minha fazenda, e eu terei ido embora de lá, pois essa é a coisa mais sensata a fazer. Percebe que não posso dissociar você de tudo isso?

— Em outras palavras, você nunca irá me perdoar. — Ele afastou a mão do rosto dela.

— Não. — Ela tomou um último gole do coquetel. — Conheço-me o suficiente para saber... para saber isso.

— Está dizendo que não há futuro para nós?

Ela confirmou com um gesto de cabeça. Ele levantou-se exasperado, com uma sombra de tristeza e frustração nos olhos.

— Bem, na vida se ganha e se perde. Vamos comer?

Os camarões estavam deliciosos.

Jantaram no terraço, e foi um momento extremamente amistoso e descontraído. Ben contou a Olívia de seus interesses na Argentina e falou de sua vida em geral.

— Seu escritório central fica em Charleville? — ela perguntou.

— Apenas a filial de Queensland, mas também passo muito tempo em Sídnei e Melbourne.

— Onde fica sua, casa, afinal?



— Em lugar nenhum — ele respondeu pensativamente. — Tenho flats e apartamentos em várias cidades, além desta casa.

— Nem mesmo o lugar onde foi criado?

— Cresci em diferentes casas — ele disse quase rindo. — Talvez por isso eu tenha um temperamento tão eclético.

— Viveu em fazendas do interior quando criança?

— Principalmente — ele concordou. — Aliás, seu tio me disse que você esteve em ótimas escolas, e que nem sempre viveu no interior da Austrália.

— Sim, passei por bons internatos.

— Para mim foi mais difícil. Talvez por isso — ele ironizou — eu seja tão educado, tão falante. Na verdade, tinha os dentes bem estragados.

Ela não pôde deixar de rir, embora alguma coisa dentro dela estivesse doendo como espinho na carne.

Ben manteve-se alheio ao tumulto interior dela. Mas Olívia estava consciente de que, mais uma vez, ele seria capaz de adiar negócios importantes só para facilitar-lhe as coisas no dia seguinte. E faria isso com seu estilo insinuante e divertido de sempre.

Limparam juntos a cozinha e, quando terminaram, ela permaneceu indecisa, parada no meio do cômodo, imaginando a melhor maneira de dizer boa-noite e recolher-se. Mas Ben resolveu o problema antecipando-se a ela.

— Boa noite, Olívia. Vamos dormir. Só quero dizer uma coisa antes que se vá.

— O quê é? — Ela molhou os lábios com a língua.

— Por mim, no momento, você pode se preocupar apenas com seu tio e zelar para que ele se recupere bem.

— É o que já devia ter feito, mas aprendi a lição, Ben. Ele fez uma pausa e deixou seu olhar azul percorrer todo

o corpo dela. A tensão tomou conta de Olívia e, no fundo de seu ser, ela ainda esperava um toque, um beijo, uma carícia. Mas Ben apenas disse:

— Se precisar de ajuda, é só me falar.

— Obrigada — ela respondeu, contendo a frustração. — Está tudo bem.



Na penumbra, estatelada na cama, Olívia pôde chorar à vontade. Sabia que nunca esqueceria Ben, ainda que o julgasse um conquistador barato e tudo o mais que lhe havia dito. Sabia que sua vida, dali por diante, estaria marcada por lembranças impagáveis: Ben e o córrego, aquela casa e a praia, e ainda as fatais palavras que ele pronunciara: na vida se ganha e se perde.

Olívia acordou cedo e constatou que Ben já tinha ido embora. Na porta da geladeira, encontrou um bilhete fixado por um ímã, no qual ele não dava desculpas nem fazia elogios. Simplesmente dizia que a casa continuava à disposição, pelo tempo necessário, e dava um número de telefone para chamar quando precisasse de Steve e do helicóptero para voltar à fazenda.

A assinatura, Benedict Arnold, expulsou as lágrimas que já tinham se formado em seus olhos. Era um toque pessoal, uma espécie de código exclusivo dos dois.

Ela esteve a ponto de amassar o papel e jogá-lo no cesto de lixo, mas alguma força maior a dissuadiu e inspirou um gesto estranho: ela levou o bilhete até seus lábios e o beijou ternamente. Mas o impulso anterior voltou. Ela deu de ombros e rasgou o papel em pedacinhos, não sem antes decorar o número de Steve.

"Assim tem de ser, assim será."



CAPÍTULO VIII

Dez dias depois, Garth Lockhart teve alta, e Steve o levou de volta para Wattle Creek, não de helicóptero, mas em um avião monomotor.

Olívia observava com atenção o cenário que se descortinava abaixo deles. Voaram sobre a região de Emerald, com seus pomares, vinhedos e plantações de algodão, depois sobre o sertão mais seco e quase despovoado, onde se destacavam quilômetros sem fim de cercas e postes de telefone. Finalmente ela viu as campinas verdejantes que se estendiam nas proximidades de Wattle Creek.

Olívia notou que o tio também se deliciava com a paisagem vista do alto. Seu coração se contraiu de dor e pena. Mas isso só durou um minuto. Ela estava resolvida a enfrentar a realidade sem mágoa ou amargura. Os médicos tinham se mostrado felizes com o resultado da segunda cirurgia, e prediziam que, se Garth tomasse os devidos cuidados com a saúde, poderia viver ainda muitos e muitos anos.

No campo de pouso mais próximo da fazenda, um comitê de recepção os esperava. Os agricultores da região, amigos de Garth, tinham vindo saudá-lo. Quando Olívia os viu, teve de respirar profundamente para manter a compostura e não chorar. Sabia que, em caso de necessidade, poderia contar com a ajuda daqueles amigos, tão familiares.

Três semanas depois, o médico do serviço aéreo fez uma de suas visitas regulares a Garth e chamou Olívia de lado. Ela olhou para ele ansiosamente.

— Algum problema, doutor?

— Não, Olívia. Só queria dizer-lhe que fez um ótimo trabalho. Pelo que vi agora e pelos exames que fizemos, seu tio está muito bem. E só não se esforçar nem se preocupar muito, e poderá levar uma vida normal a partir de agora. Em outras palavras, você já pode relaxar e descansar um pouco mais. Ele não precisa mais de enfermagem em tempo integral. Ela suspirou em sinal de alívio.

— Só vamos manter a dieta, para conservar a pressão arterial dentro do normal. E se ele perder um pouco de peso, será melhor ainda.

— Certo, doutor.

Assim que disse isso, Olívia teve um torturante sentimento de terror. Por que, por consenso mútuo, ela e o tio não haviam conversado quase nada



sobre os destinos de Wattle Creek durante o período de convalescença. Tinham aventado a possibilidade de viver no litoral, não na Costa Dourada, mas em algum lugar perto de Mackay. Discretamente, ela começara a empacotar a louça, os quadros e enfeites. Com a liberação do médico, teriam de voltar a discutir a venda da propriedade, o que para ela era extremamente penoso. Talvez a mudança de residência não demorasse muito.

Felizmente, algum desconhecido motivo interior a impediu de precipitar-se. Evitou tratar do assunto. Mais alguns dias de paz e tranqüilidade só poderiam fazer bem ao tio Garth. No entanto, quando a entrega semanal do correio chegou, Olívia o flagrou com uma carta na mão e uma expressão espantada no rosto.

Ela tinha ido à cozinha, onde adiantava o preparo de bolos para o Natal, distante apenas algumas semanas. Sentado à mesa, Garth parecia ler e reler a carta.

— Sente-se, querida, por favor — ele pediu.

— Para quê? — ela retrucou preocupada.

— E espantoso — ele disse. — Não, deixe-me ler de novo. Devo estar sonhando. Pode fazer um chá?

Ela se dirigiu ao fogão e pôs água para ferver.

— Antes que eu morra de curiosidade, fale, titio.

Garth Lockhart alternava o olhar entre a carta e a sobrinha.

— Ben Bradshaw está fazendo uma proposta. Diferente da inicial.

Olívia colocou as xícaras, ainda vazias, sobre a mesa e sentou-se à frente do tio, suando de aflição.

— Em vez de comprar a fazenda, ele propõe que nos associemos à empresa dele. Isso significa que continuaremos sendo os proprietários, na condição de acionistas. A injeção de capital estará garantida, e também não teremos de nos mudar daqui.

Olívia ergueu-se para pegar a chaleira e precisou tomar cuidado para não se queimar. Suas mãos tremiam. Serviu o chá e sentou-se de novo.

— Se não está impondo outras condições, ele não se chama Ben Bradshaw.

— Nenhuma condição — Garth disse simplesmente. — Ele só terá um gerente aqui, para chefiar as reformas nas instalações. Sugere promover Jack para assistente da gerência, o que vai aliviar muito minha carga de trabalho e a sua também. Parece uma proposta sob medida para um cardíaco como eu.



Por um momento, Olívia sentiu falta de ar. Não conseguia ouvir tudo aquilo sem se emocionar e sem se lembrar da imagem forte de Ben.

— Você não ficará aborrecido por não poder dar a última palavra?

— Mas poderei, sim, dar minha opinião e ter voto nas reuniões. Acho que vou gostar de trabalhar com Ben. Sempre admirei o jeito dele. Sabe, quando o conheci, antes de você encontrá-lo, pensei que ele era um executivo interessado apenas em lucro e dinheiro fácil.

Ele fez uma pausa para saborear o chá.

— Só que ele trabalha muito — prosseguiu depois —, e parece conhecer como ninguém as condições do campo e da produção de carne. Além disso, é sempre cortês e respeitoso. No começo, pensei que Ben ia me fazer aparecer de chapéu na mão. Mas tudo foi diferente.

— Como assim?

Garth ficou pensativo, rememorando.

— Em nossos poucos encontros, Ben Bradshaw me ouviu bastante e até tomou notas. Senti que ele respeitava a experiência dos velhos fazendeiros e que não quer quebrá-los, mas sim modernizar as propriedades com máquinas e novos métodos de gestão. Melhor, impossível.

O homem estava tão radiante que parecia ter remoçado.

Já Olívia formou uma ruga na testa. Como lidar de novo com Ben? Como ficar quase sempre em contato com ele, sofrendo de novo com sua proximidade?

— Ah, a casa e outras benfeitorias serão consideradas no cálculo de sua parte na sociedade. Em outras palavras, tudo o que quiser fazer dependerá de uma decisão apenas sua.

— Mal posso acreditar, titio. Conhecendo Ben como conheço, é melhor irmos devagar. Acho estranho ele ceder tanto e não querer nada em troca.

— Como nada? Ele terá a participação dele nos lucros da sociedade. Ah, Olívia, que sorte! E que alívio! Pensa que eu não sofria vendo-a preocupada com nosso futuro? Sei quanto a fazenda significa para você, e agora praticamente a recuperou!

Se ele soubesse... Ela acalmou-se tomando um pouco de chá. Se ele soubesse que perder a fazenda lhe causava menos dor do que perder Ben!

— Até quando tem prazo para decidir? — ela indagou.



— O que há para decidir? — respondeu o tio alegremente. — Ben está voando para cá amanhã. Deve chegar na hora do almoço.

Era um dia quente, carregado de nuvens, repleto de mormaço.

Olívia achou que Garth estava tão bem que o deixou dirigir o jipe Land Rover até o campo de pouso. Ela preferiu ficar, alegando que ainda precisava acabar de embalar seus bolos de Natal e preparar o almoço.

O tio aceitou a desculpa facilmente, sem saber que tudo já estava pronto para uma boa refeição e que à sua sobrinha só restava esperar Ben, com os nervos à flor da pele.

Ela foi para a varanda desde o momento em que ouviu o pequeno avião sobrevoar a casa. Não se preocupou em arrumar-se para receber o visitante, achando que o vestidinho de algodão, decotado e sem mangas, estava perfeitamente de acordo com a informalidade da ocasião.

Mas quando Ben desembarcou do jipe e postou-se à frente dela, com sua calça caqui, botas e camiseta, foi como se sua figura vital e insinuante despertasse nela, novamente, os mais paradisíacos sonhos.

Ele tomou as mãos de Olívia entre as suas, em um cumprimento mais do que amistoso.

— Precisamos conversar bastante — adiantou Ben, sorrindo. O tio Garth, logo atrás, lançou-lhes um olhar prazeroso e aprovador.

— Não tenho muito o que dizer, Ben — falou Olívia.

— Não precisa falar nada antes que eu explique a nova proposta.

— Mas...

Ele selou-lhe os lábios com dois dedos esticados, e ela ansiou para que aquela mão firme e suave lhe percorresse todo o rosto.

— Podemos nos sentar? — pediu Ben.

Garth entrou, adivinhando que eles preferiam ficar sozinhos na varanda. Olívia vacilou um pouco antes de ocupar uma cadeira ao lado de Ben.

— Primeiro me ouça, depois pode falar o que quiser. — Ele a fitou diretamente nos olhos e assumiu a expressão mais sincera de que era capaz. — Vou ser simples e direto. Estou apaixonado por você, Olívia.

Ela esperava uma conversa sobre negócios e levou uma espécie de choque. Sentiu a respiração falhar e arfou um pouco até o ar voltar.



— Começou como admiração, depois tornou-se um fascínio do qual não pude me libertar. Nunca tive tanta vontade de ser totalmente íntimo de uma mulher, e também perdi meu ceticismo quanto ao casamento. Não posso mais tolerar a idéia de viver sem você, Olívia.

Um véu de profunda comoção toldou-lhe os olhos arregalados.

— Não, não responda. Deixe-me terminar — continuou Ben. — Sei muito bem quanto eu a agredi ao contar que era noivo, mas o rompimento com Caitlin tem tudo a ver com sua presença em minha vida.

Ele franziu a testa de preocupação e continuou olhando-a com firmeza. Ela manteve-se calada.

— Também foi difícil para mim, Olívia. Quando você se apegou aos seus princípios, meu ego sofreu um golpe. Decidi provar que a amava, apesar de todas as terríveis suspeitas que tinha a meu respeito. E eu realmente a amo.

Olívia fixou em Ben um olhar admirado. Passado o choque, ela ainda não sabia como reagir.

— Nada disso foi planejado — ele confessou suavemente. — Achei que minha vida já estava resolvida e que, casando-me com Caitlin, continuaria trabalhando de um lado, e ela de outro. Nós nos veríamos de vez em quando, passaríamos alguns dias juntos. Essa era minha noção do casamento com ela. Já com você, Olívia, não consigo nem mesmo pensar em ficar longe. Estas últimas semanas foram um inferno para mim.

Ela engoliu em seco. Parecia-lhe difícil assimilar de imediato as revelações de Ben.

— Pode admitir que não sou um conquistador barato, e sim um pobre tolo que não sabia o que era o amor antes de encontrá-la? Também não sou aquele monstro maldoso por quem me tomou quando propus a compra da fazenda. Mudei a oferta porque não posso imaginá-la vivendo longe daqui. E porque acho que não há lugar melhor do que Wattle Creek para criar nossos filhos...

Olívia pestanejou, e seus lábios se curvaram em um sorriso indefinido.

— Está me pedindo em casamento, Ben?

— Estou.

— Queria que soubesse que eu não ficaria aqui, apesar de sua oferta. Seria um sofrimento atroz estar em contato com você apenas por obrigações profissionais. A perda da fazenda não significaria nada para mim, em



comparação com o fato de perdê-lo. Também não concebo a idéia de estar a seu lado, sem poder tocá-lo e beijá-lo. Eu o amo, Ben.

— Tem certeza, querida? Eu posso ser diabólico às vezes... Sabe muito bem o que meu ego ferido é capaz de fazer!

— Pensa que eu não sei disso, Ben? Mas a raiva já passou. Não posso ter raiva de alguém para quem cantei uma canção de ninar...

Ele riu à lembrança daquele doce e inesquecível momento.

— Posso levá-la para certo lugar? — ele indagou.

— Agora?

— Sim, agora. Não vamos perder mais tempo. — Ele levantou-se e puxou-a da cadeira pelas mãos. Passaram pelo jardim e entraram no jipe.

— Acho que posso adivinhar o que vai acontecer — ela disse, sorrindo, o vento quente aquecendo-lhe o corpo. — Tio Garth vai querer saber o que estamos fazendo longe da casa.

Pouco depois, Ben parou o veículo perto das árvores, à margem do córrego.

— Foi aqui que tudo começou — disse ele contemplativo. Desceu e deu a volta depressa, para tomá-la nos braços quando ela fez menção de sair do jipe. Beijaram-se ternamente, com uma emoção ainda contida. Ele apanhou duas esteiras que estavam no carro e estendeu-as sobre a grama. Sentaram-se de frente para o riacho, desfrutando a paisagem calma e evocativa.

— Uma vez me perguntou onde eu morava. E aqui, dentro de seu coração. — Ben levou a mão até o peito dela. — Você e Wattle Creek são inseparáveis para mim.

— É um pensamento bonito — ela comentou. — Mas não quero prendê-lo, nem aqui nem em qualquer outro lugar.

— O que pretende dizer com isso? — Ele aproximou-se dela, fazendo com as pernas se tocassem.

— Não quero mais dar tanta importância a coisas materiais. A casa, à qual tanto me apeguei, afinal não é nada mais que tijolos e telhas. Meu lar será onde seu coração estiver.

— Também é um lindo pensamento, Olívia. Mas nunca vou interferir em sua vida pessoal. Sei como gosta da casa e até cuidei para que, na nova sociedade, você a conserve pelo tempo.que quiser.

Ela sorriu para ele, compreensiva mas sem entusiasmo.



— Posso lhe contar uma pequena história? — pediu Olívia.

— Claro.

— Certa manhã, algumas semanas atrás e apenas um dia depois de nosso primeiro encontro, exatamente aqui.. . — Ela interrompeu-se e passeou o olhar pela leve correnteza onde haviam se banhado e pelas árvores povoadas de pássaros que saudavam com seu canto o sol da manhã.

— Lembro-me bem — ele interveio com a voz embargada pela emoção.

— Pois naquela manhã eu acordei apaixonada. Disse a mim mesma que não podia ser, que era um engano. Eu mal o conhecia, Ben, mas já tinha tido provas de quanto você podia ser atraente e insinuante. Pensei assim: nenhuma mulher poderá resistir a ele, e havia chegado minha vez.

— Olívia...

Ela colocou sua mão sobre a dele e fez os dedos se cruzarem.

— Nada do que eu pudesse fazer alterava o fato de que o mundo tinha se tornado melhor. Meu coração estava leve, eu me sentia uma adolescente diante do primeiro amor. A expectativa me consumia, meu corpo latejava de desejo. E eu nada podia fazer, a não ser esperar por um gesto seu.

— E-então você levou um golpe atrás do outro — ele comentou.

Ela' apoiou a cabeça no ombro de Ben, em um gesto claro de entrega.

— Senti-me arrasada, sim — confessou. — E também com raiva, com muita raiva, mas isso não mudava os fatos. Mesmo quando eu lhe disse que não via nenhum futuro para nós, ainda estava apaixonada. Mas era impossível aceitar que não estivesse apaixonado por mim com a mesma intensidade.

— Querida Olívia — ele rebateu —, eu estava...

Ela não o deixou prosseguir. Não fazia qualquer diferença.

— Estou lhe contando isso, Ben, não para cobrar-lhe nada, mas apenas para dizer que você é meu grande amor e que não espero nenhum gesto grandioso em função disso.

— Nem mesmo um beijo? Eu ficaria desapontado.

— Bem, em minha mente havia algo mais do que um simples beijo — ela retrucou.

Estavam exultantes e riram juntos, abraçados.

— E se desta vez tirássemos a roupa para entrar no córrego? — ele sugeriu.



— Já é alguma coisa... E agora não temos nenhum cavalo por perto — disse ela, voltando a rir. — Mas há uma dupla de crianças por aqui que tem o mau hábito de espiar tudo.

— Está se referindo aos gêmeos? Sônia e Ryan?

— Sim, estou. Sempre olham onde não devem. Lembre-se de que foram eles que o acharam quando seu avião caiu.

— Incrível, mas você parece ser capaz de ler pensamentos. Steve levou todas as crianças para uma volta de avião.

Olívia virou-se para Ben, os olhos brilhantes de paixão.

— Há outro problema, querido. Tio Garth nos espera para almoçar. Estou encarregada de servi-lo. De modo que é melhor voltarmos.

— Vai fazer essa maldade com um sujeito impaciente como eu?

Ela não respondeu, apenas o fitou com bom humor. Levantou-se e lançou-lhe um desafio com a voz aguda.

— Aposto que não me alcança! — E saiu correndo para o leito do riacho.

Como da primeira vez, Ben a seguiu até o meio das pedras que ajudavam a formar pequenas ondas espumantes. Jogaram água um no outro, com as mãos em concha, e riram bastante, felizes como crianças brincando.

Então, assumindo uma expressão séria, Ben a abraçou com força, e Olívia se aninhou em seus braços, desarmada. Ele deslizou a mão por seu corpo, desde os seios firmes até as curvas dos quadris que a roupa molhada demarcava com sensualidade. Olívia suspirou e gemeu ao toque de seus dedos.

— Sempre desconfiei, querida, que debaixo de sua máscara de eficiência havia muita feminilidade.

Beijou-a demoradamente, e então foi a vez de Olívia tocar-lhe o corpo, músculo por músculo, até sentir toda sua virilidade.

— Sinto-me feminina quando me olha desse jeito, Ben.

— Não posso fazer nada a esse respeito — disse ele. — Você me deixa completamente perturbado.

As mãos de Ben exploraram de maneira sensual as curvas de Olívia, até apertar-lhe novamente os quadris contra suas pernas. Ofegante, ela começou a desabotoar a camisa dele e esperou que ele a tirasse. Em seguida, levantou os braços acima da cabeça, e Ben entendeu o que ela queria.



Abaixou-se um pouco e, segurando-lhe o vestido pela barra, tirou-o completamente. A dificuldade de retirar as roupas molhadas só aumentou a tensão entre eles. Arfavam com a vontade insatisfeita, com a premência da entrega, agora total.

— Oh, Ben! — Ela suspirou quando ele a tomou no colo e carregou-a para fora da água, até estendê-la na esteira e deitar-se sobre ela.

Nos momentos seguintes, houve a vertigem pela qual Olívia tanto ansiara e que, nos braços de Ben, tornara-se incontrolável. Ela manifestou seu regozijo em palavras doces e em uma escalada de sensações profundas. Desejo, arrebatamento, súplicas de prazer e, finalmente, puro êxtase.

Depois, permaneceram quietos e calmos por algum tempo. Olívia ainda tremia com a intensidade de sua reação ao poder estonteante das carícias de Ben.

— Tudo bem? — ele perguntou por fim.

— Não — ela balbuciou. Ben a olhou com surpresa.

Olívia tocou de leve no que restara da cicatriz na têmpora de Ben é que para ela fora o começo de tudo.

— Estou assustada com esta sensação de bem-estar que nunca, havia experimentado em minha vida — ela explicou. — Conseguirei suportá-la?

Ele encostou a cabeça entre os seios dela e depois beijou-lhe os lábios.

— O sentimento é mútuo, pode ter certeza — ele declarou feliz.

— E agora, como vamos enfrentar as pessoas? Como posso encarar tio Garth?

— Ele já sabe que quero me casar com você.

— Mas como ficou sabendo?

— Eu contei a ele... — disse Ben, sorrindo, para depois segurar o rosto de Olívia entre as mãos e dar-lhe mais um beijo terno e cúmplice.

— Você é realmente diabólico, Ben Bradshaw. Talvez por isso eu o ame tanto!

FIMFIM




LINDSAY ARMSTRONG nasceu na África do Sul mas agora vive na Austrália, com o marido e cinco filhos. A família conhece praticamente o continente inteiro, pois morou em quase todos os Estados australianos. Sem fixar-se em cidades, o casal Armstrong praticou profissões pouco usuais, como cuidar de fazendas e treinar cavalos. Tudo isso, como é natural, tornou-se uma preciosa matéria-prima para quem sempre quis ser escritora. Mas Lindsay só começou a escrever depois que seu filho caçula entrou para a escola. Hoje, aos elogios que colecionou na qualidade de boa mãe, ela soma sucessivas vitórias como autora de grandes romances femininos.

M INTIMOS 63 Lindsay Armstrong Ardente_paixão

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