Luta avançada

download Luta avançada

of 12

Transcript of Luta avançada

  • 7/28/2019 Luta avanada

    1/12

    UMA INTRODUO AO EL COPEY

    Este texto ir analisar a experincia de luta da Federao Anarquista Uruguaia, atravs da leitura deum documento publicado por esta organizao no calor das lutas armadas contra a ditadura uruguaia. Oobjetivo tentar trazer elementos desta experincia que ajudem a luta popular no Brasil dos dias de hoje.

    Vivemos um momento histrico em nosso pas e em nosso continente, que resultado e acontinuidade de um projeto poltico, econmico, social e cultural imposto pelas elites latino-americanas em

    associao com seus cmplices ianques do norte. Este projeto foi o fruto de uma srie de rupturas polticas einstitucionais implementadas pelos setores empresariais e militares locais coordenados plos rgosrepressivos norte-americanos e pelas grandes corporaes multinacionais. As ditaduras militares latino-americanas varreram o continente de norte a sul plantando as sementes do atual neoliberalismo atravs doterrorismo de Estado, das mortes e das torturas. O imperialismo se radicalizava disfarado de nacionalismoanticomunista.

    Faz-se necessrio que todos os indivduos e organizaes que se propem a contribuir no processo deconstruo de uma sociedade livre, justa e igualitria, socialista enfim, passem a entender que a histria e asua anlise so um importante instrumento de construo e reconstruo de prticas e projetos polticosrevolucionrios. Somente atravs da releitura de nossa histria e da discusso aberta e franca sobre nossoserros e acertos do passado que poderemos coletivamente encontrar um meio para dar resposta snecessidades que nos so colocadas pela conjuntura.

    Estamos presenciando toda a violncia e arbitrariedade que vem sendo posta em prtica pelos setoresconservadores da sociedade no sentido de fechar as portas a todas as manifestaes de oposio de cunhomais popular e radical ao seu projeto scio-econmico e poltico. Temos no Brasil uma esquerda que vemrapidamente colocando-se de forma ainda mais clara no plano de um "reformismo" dos mais covardes,totalmente submisso lgica e aos compromissos do jogo eleitoral-parlamentar, trabalhando no interior dosmovimentos sociais no sentido de "fre-los" e mant-los no nvel de tolerncia das elites do pas, ou seja, to-lerncia zero.

    Os prprios movimentos sociais tradicionais - como o movimento sindical - vm tambmvivenciando um grande retrocesso na sua capacidade de mobilizao popular, principalmente devido dinmica burocrtica e conservadora que lhes impressa pela mesma esquerda que citamos anteriormente.Neste plano, "novos" atores sociais entram em cena conferindo um novo sopro de radicalidade s lutas

    populares, so os Sem-teto, os Sem-terra, os desempregados, e tambm, os povos indgenas e camponeses.

    "A afirmao da necessidade da violncia revolucionria, a necessidade da revoluo e a superaoterico-prtica do reformismo pequeno-burgus (nacionalista ou democrata-cristo, "populista" como chamado) ou operrio (social-democrata, trotskista, ou comunista, "marxista" como chamado) tem sido acontribuio fundamental que as organizaes armadas da Amrica Latina vem dando ao processoascendente das lutas de nossos povos"(COPEI).

    assim que a Federao Anarquista Uruguaia analisava o processo de luta armada que vinha sedesenvolvendo em seu pas, no Brasil e em boa parte do continente em 1972. bvio que existem diferenasprofundas entre a conjuntura internacional do incio dos anos 70 e a atual, porm a concluso a qual chega aFAU no Copei tambm de alguma forma vlida para nossos dias, no sentido em que movimentos armados

    como as FARC (Foras Armadas Revolucionrias da Colmbia) e o ELN (Exrcito de Libertao Nacional)colombianos, o MRTA (Movimento Revolucionrio Tupac Amaru) peruano e o EZLN (Exrcito Zapatistade Libertao Nacional) do Mxico tomam-se referncias importantes para os setores mais radicais dasesquerdas latino-americanas, provando pela sua simples existncia, a possibilidade de construo de umprojeto poltico-militar que aponte para a superao da ordem burguesa.

    O objetivo deste artigo contribuir para trazer tona a discusso terica sobre o aspecto militar (lutaarmada) da luta socialista revolucionria. Passado o perodo dos regimes militares abertamente ditatoriaisque vigoraram na maioria dos pases latino-americanos durante os anos 60 e 70, uma das grandes feridas quepermanecem abertas, debilitando amplos setores de nossa esquerda, o discurso imposto pelos torturadores eassassinos - e repetido pelos "reformistas" de planto -. que afirma que a luta armada, assim como o crime,no compensa.

    A derrota dos companheiros e companheiras que partiram para esta modalidade de luta contra a

    ordem capitalista em nosso continente h algumas dcadas, possibilitou que a represso e o "reformismo"transformassem seu discurso contra a luta armada em verdade absoluta. Por outro lado, segundo um trecho

  • 7/28/2019 Luta avanada

    2/12

    do documento Copei elaborado pela FAU, em que analisado o desmantelamento da organizao armadauruguaia conhecida popularmente como Tupamaros (Movimento de Libertao Nacional) em 1972:

    "A derrota de hoje no tampouco o fim da luta armada. Esta existe e existir como um nvel da luta declasses enquanto o processo econmico-social e poltico de nosso pas seguir dentro dos parmetros atuais"(COPEI).

    justamente neste esprito que esperamos erguer um debate que rompa com os limites impostos pelaordem burguesa e pelos compromissos covardes do "reformismo" pois "a respeito da revoluo j fazalgumas dcadas que muito se fala neste pas. Mas faz tempo que pouco se faz por ela de concreto. Nada secolocava a respeito das formas que o processo revolucionrio tomaria."

    Discutir sobre a luta armada no mbito de uma referncia socialista uma necessidade, pois sabemosque o capitalismo no cair de podre, ter que ser derrubado. Assim sendo, se quisermos levar realmente aproposta revolucionria a srio - sem mitos nem iluses - devemos encarar este tema como mais um a serdiscutido. No entanto, apesar da existncia de vrios partidos e movimentos que se proclamam revolucion-rios em nosso pas, colocar a luta armada como tema de discusso (mesmo que puramente no plano terico) na verdade demarcar concretamente um campo poltico, assumir de forma clara uma posio quetranscende os limites da legalidade das elites dominantes, uma posio incompatvel com a ordem burguesa,em oposio a uma prtica poltica centrada no jogo eleitoral e parlamentar. Inmeros mitos que foramconstrudos e so permanentemente reproduzidos no interior dos setores hegemnicos das esquerdas latino-americanas - a respeito da impossibilidade e do atraso da luta armada -, devem urgentemente ser desmascara-dos por aqueles que se propem a contribuir na construo de um projeto realmente revolucionrio. Um pro-jeto revolucionrio amplamente consolidado em bases populares que exista em funo de ser um instrumentoda luta popular em seu avano libertrio.

    "Uma organizao realmente revolucionria somente quando se coloca e resolve o problema do poder, e oproblema do poder somente se resolve com uma adequada linha para a prtica da violncia, ou seja, comuma adequada linha militar."(COPEI)

    Luta armada, socialismo e libertao nacional

    Luta armada um termo abrangente que engloba uma srie de prticas poltico-militares distintas.Por luta armada compreende-se tanto uma estratgia de guerra de guerrilhas, como uma insurreio popular;compreende-se tanto a autodefesa armada de uma manifestao de rua, como uma guerra populardesenvolvida por um exrcito revolucionrio regular atuando em batalhas de campo convencionais. Do nossoponto de vista, a luta armada de uma forma geral, um momento necessrio da luta popular que se orientapor uma perspectiva revolucionria.

    Em nosso continente latino-americano, a luta armada est impressa na histria da luta popular damaioria de nossos pases, inclusive no Brasil onde, nas dcadas de 60 e 70, vrias organizaesempreenderam atividades guerrilheiras urbanas e rurais de norte a sul do pas. No Uruguai, a FAU, herdeirada tradio do "anarquismo guerrilheiro" da Bacia do Rio da Prata2 que teve plena atividade nas quatroprimeiras dcadas do sculoXX, soube se posicionar a altura da responsabilidade anarquista de estar na linha

    de frente da luta popular de seu pas, e do final da dcada de 60 at o final da dcada de 70, funcionouclandestinamente atuando em armas contra as elites e contra o capitalismo uruguaio. Do ponto de vista deuma organizao poltica anarquista profundamente enraizada nas lutas populares de seu pas, e que lanava-se publicamente na luta armada num momento em que os Tupamaros (Movimento de Libertao Nacional),a principal organizao guerrilheira do pas, vinha sendo brutalmente desmantelada pela represso, fazia-seextremamente necessria a realizao de uma anlise crtica sobre o andamento e sobre os modelos de lutaarmada que vinham sendo empreendidos na Amrica Latina, no sentido de apontar para uma prtica distintae alternativa; o documento Copei o fruto deste esforo.

    "A luta armada no terminar, enfim, porque existem organizaes em condies de continu-la, e con-tinuar. O que no deve perdurar a concepo errnea que tem predominado at agora. O que est emcrise - confiamos que definitivamente - a concepo foquista. A derrota que sob esta orientao sofre hoje

    a revoluo uruguaia, para ns, revolucionrios, tambm nossa derrota. "(COPEI).

  • 7/28/2019 Luta avanada

    3/12

    Desta forma, a FAU posicionava-se sob o desmantelamento dos Tupamaros e declarava sua decisode assumir a luta guerrilheira em seu pas. A contundncia da crtica da FAU cair sobre o modeloorganizativo, poltico e militar que predominava entre a esquerda armada latino-americana nos anos 60 e 70:o foquismo. Aqui fica bem claro que para a FAU e o anarquismo no existia e no existe um nico modelode se tocar adiante a luta armada, pelo contrrio:

    "A prtica armada modificou radicalmente a maneira de se perceber e encarar os problemas da revoluo.

    Recolocou-os em termos concretos e precisos. Ps sobre a mesa, com realidade e urgncia inquietantes, ostemas relacionados com as formas concretas de se lidar com a violncia, com a destruio do poderburgus. Desde ento, est colocado irreversivelmente o problema do mtodo a empregar, para desenvolvera via armada da revoluo. O problema da estratgia militar revolucionria."(COPEI).

    Contrapondo-se adoo praticamente generalizada do foquismo enquanto estratgia militar pelasmais distintas organizaes nas mais distintas realidades nacionais e sociais. A FAU neste momento afirmaque a existncia de uma prtica armada concreta introduziu o tema da estratgia militar revolucionria napauta de discusso dos setores realmente revolucionrios da esquerda, que assim poderiam formular mtodosprprios e coerentes com cada realidade social. Tornando a estratgia militar do projeto revolucionrio umobjeto de discusso, o simplismo da teoria foquista poderia ser mais facilmente identificado e combatido portodos.

    " influncia foquista pode imputar-se a maioria dos fracassos experimentados nos anos posteriores ao tri-unfo da Revoluo Cubana. No foi a luta armada o que fracassou, o que fracassou claramente foram asexpectativas de curto prazo que o foquismo reproduz."(COPEI).

    O foquismo o mtodo estratgico para o desenvolvimento da luta armada que tem como centro aatuao do foco guerrilheiro, ou seja, da organizao guerrilheira clandestina atuando puramente no planomilitar da luta. O foquismo foi desenvolvido enquanto teoria pelo escritor francs Regis Debray a partir daexperincia da Revoluo Cubana. Debray props que os critrios e os mtodos empregados na guerra deguerrilhas em Cuba poderiam ser generalizados para praticamente todos os pases latino-americanos. Deacordo com as elaboraes da FAU em 1972, o foquismo estaria constitudo por quatro pontos fundamentais:

    1. "A necessidade de iniciar a luta armada o mais imediatamente possvel, sempre que existam certascondies econmico-sociais que a tornem vivel;2. As condies polticas e ideolgicas (chamadas "condies subjetivas") se desenvolveriam no povo comoconseqncia da atividade do foco armado;3. A guerra se conceberia em termos de uma guerra de guerrilhas, centrada no meio rural, sob o amparo decondies geogrficas adequadas (montanhas, selvas, etc.) que tornariam possvel a ocultao dosguerrilheiros, e vivel a ttica de "golpear e desaparecer" movendo-se sempre, caracterstica da guerrilharural;4. A atividade militar do foco inauguraria um processo onde cada ao,' cada operao do foco motivariauma resposta generalizada da represso. Nesta dialtica ascendente de ao-represso, se gerariamcondies poltico-sociais cada vez mais favorveis ao armada, at culminar em uma situao ideal em

    que importantes setores da populao, colocando a guerrilha como sua vanguarda armada, derrubariam ogoverno desptico, apenas apoiado pela minoria privilegiada e pelo aparato repressivo, vencido em seusesforos de suprimir militarmente a guerrilha."(COPEI)

    A grande questo que ir ser ressaltada pela FAU em sua argumentao contra o foquismo dirrespeito ao imediatismo de sua proposta poltica e ao vanguardismo e isolamento que confere ao focoguerrilheiro em relao s massas. Na verdade, a questo do vanguardismo em relao s massas no entrouno cenrio poltico do socialismo latino-americano pela porta do foquismo, foi antes o foquismo que se valeude uma arraigada concepo vanguardista do marxismo-leninismo no interior da maioria das organizaesque desenvolveram a luta armada no continente. Analisando o desenvolvimento da guerrilha urbana pautadapela orientaco foquista - mesmo que mais ou menos adaptada realidade nacional - que foi implementadapelos Tupamaros no Uruguai, a FAU em seu documento Copei ir afirmar que o desenvolvimento de uma

    guerrilha urbana foquista com o objetivo de destruir o poder burgus um empreendimento incompatvelcom o fim que se busca atingir.

  • 7/28/2019 Luta avanada

    4/12

    "Se remetemos as experincias histricas de guerrilhas urbanas vitoriosas ou a experincia triunfante daguerrilha foquista latino-americana. pergunta inicial: para que se fazem as guerrilhas, quais so seusobjetivos? Deveremos responder: se tem feito pela independncia poltica de colnias ou para restaurar ademocracia liberal-burguesa (...) nas revolues anti-coloniais geralmente a ideologia nacionalistaburguesa que predomina e aglutina atrs de si as classes dominantes locais e o conjunto da populao. Arealidade da luta de classe se obscurece ento, atrs da ideologia "patritica". Ento fcil mobilizar todoo povo sem distines atrs da guerrilha. Esta obtm rapidamente um apoio nacional para uma guerra

    nacional... burguesa. (...) Tem havido guerrilhas cujo objetivo tem sido alcanar simplesmentetransformaes a nvel poltico (derrubar uma ditadura militar, por exemplo) e realizar certas reformaseconmico-sociais (reformas agrrias, por exemplo). Tal foi o caso da guerrilha em Cuba, em sua etapa

    propriamente guerrilheira da Sierra Maestra (...). Com este programa, enfrentando uma ditadura corrupta,aplicando pela primeira vez na Amrica Latina a estratgia do foco guerrilheiro rural, a guerrilha agrupou,em pouco tempo, atrs de si, todo o povo, inclusive a colnia cubana nos Estados Unidos, para enviar

    fundos ao movimento do "Doutor Castro" que saa, sem problemas, fotografado nas capas da revista Life."(COPEI).

    A guerra a continuao da poltica por outros meios, portanto, cada estratgia polticarevolucionria cabe uma estratgia militar revolucionria prpria. A no observncia deste princpio bsicopermitiu que, tanto no Uruguai como em grande parte dos pases latino-americanos, o foquismo se tornasse aprincipal referncia para as organizaes que empreendiam a luta armada. O foquismo havia sidoimplementado pela primeira vez em Cuba, no interior de uma estratgia poltica que no objetivava aconstruo de uma sociedade socialista nem o desmantelamento do poder burgus, e apesar disto, foiimplementado de forma praticamente generalizada por organizaes de todo o continente que possuam esteobjetivo. O grande problema que colocado em decorrncia disto, vem do fato de que as organizaesesperavam um apoio popular amplo que no vinha e no se preparavam para a capacidade de resistncia dopoder burgus. A mescla realizada entre uma ideologia de libertao nacional - que norteou a maioria dasorganizaes revolucionrias que adotaram o modelo foquista de luta armada - e o socialismo possibilitou aimplantao de uma estratgia militar inadequada ao contexto e aos objetivos da luta a que se propunham.

    No interior da concepo revolucionria anarquista, o povo necessariamente o protagonista doprocesso revolucionrio, a organizao poltica existe em funo de ser um instrumento a servio da luta

    popular enraizando-se firmemente nela e impulsionando, do interior, a sua organizao e o seu avano.Assim sendo, a FAU afirmava:

    "A luta armada como a concebemos o aspecto fundamental da prtica poltica de um partido clandestinoque atua tambm, na base de uma estratgia harmnica e global, a nvel popular esta a concepo corretada luta, a que resulta reafirmada pela experincia."(COPEI).

    Dentro de tal concepo no haveria espao para a proposta imediatista decorrente do cartervanguardista do foquismo. A luta socialista tem de ser percebida como tal em todos os momentos de suatrajetria, para uma estratgia poltica revolucionria, socialista e libertria deve necessariamente haver umaestratgia militar pautada sobre os mesmos princpios. A luta com objetivos socialistas necessariamente devecontar com uma participao de massas e, para tanto, deve possuir uma linha de atuao revolucionria no

    interior das massas. O foquismo, ao centrar suas aes exclusivamente no aparato armado, vendo no povoapenas apoio ttico ou fonte de recrutamento para a luta armada, abre espao para que se consolide ahegemonia "reformista" no interior da luta popular pblica, no interior dos movimentos sociais; desta forma,seu isolamento das massas somente pode gerar mais isolamento.

    Quando a guerrilha, a guerra, possui objetivos socialistas claros, quando se prope destruir o poderburgus e eliminar todos os privilgios das elites dominantes, no se pode contar com uma adesogeneralizada dos mais diversos setores da vida nacional, como algumas organizaes pretenderam epretendem. Pelo contrrio, por mais que os revolucionrios proclamem a libertao nacional como meta desua luta, elas tero certamente a "burguesia nacional" e as elites dominantes locais posicionadas comoinimigos declarados da revoluo, atuando neste sentido em todas as suas frentes (meios de comunicao,aparato repressivo e etc.). Alm do mais, deve-se avaliar com todo realismo e sensatez o nvel da oposiomilitar que ser imposta luta revolucionria desenvolvida nos termos de uma perspectiva de classe, ou seja,

    socialista.

  • 7/28/2019 Luta avanada

    5/12

    "As possibilidades do sistema para 'digerir reformas no contexto econmico- poltico do continente soextremamente limitadas. A alternativa, portanto, para as classes dominantes latino-americanas e para oimperialismo, resistir at o fim contra todo tipo de movimento armado que questione sua dominao. Oexrcito que depende destas classes no pode retirar-se de seu pas. O exrcito das burguesias locais no

    pode tomar os barcos e os avies e retirar-se [como no caso de guerras populares anti-coloniais], tem quecombater, triunfar ou capitular. Tampouco pode aceitar que os 'subversivos' de ontem sejam os governantesde amanh [como no caso das guerras populares 'democrticas']. Estes exrcitos locais resistiro. Sua

    derrota ser o fim do sistema e portanto resistiro at o fim."(COPEI).O maior atrativo do foquismo enquanto estratgia militar para a luta revolucionria , ao mesmo

    tempo, o centro da principal contradio que se estabelece entre o mtodo foquista e os objetivos de umarevoluo socialista: a possibilidade de saltar a etapa fundamental do desenvolvimento do trabalho poltico eideolgico no interior dos movimentos populares, no interior das massas. A dinmica proposta pelofoquismo, de ao da guerrilha e represso generalizada do poder burgus como elemento dedesenvolvimento da conscincia da classe e atrao de simpatias populares para os revolucionrios, j se de-monstrou, na prtica, insuficiente. A represso cada vez mais seletiva e passa a atingir to somente asorganizaes revolucionrias. O mtodo foquista subestima profundamente a necessidade dodesenvolvimento de um trabalho poltico-ideolgico no interior dos movimentos populares, prope que aorganizao revolucionria abandone a tarefa de atuao de massas, buscando adeses populares para a luta,simplesmente atravs das aes armadas e para atividades armadas. O povo estaria politicamente "verde"para respaldar e integrar um movimento revolucionrio de massas, ao mesmo tempo que estariapoliticamente maduro para respaldar e -em menor escala - integrar um movimento revolucionrio armado.De acordo com os pressupostos anarquistas expressos pela FAU, a guerrilha deve se constituir como o"elemento de choque" do poder popular revolucionrio, ou seja, de amplos setores populares que avanamnuma poltica revolucionria de massas contra o poder burgus. Assim sendo, a guerrilha, diferente daproposta foquista, no a protagonista do processo revolucionrio, este papel - no Anarquismo - cabe aopovo organizado.

    A tentativa de superao terico-prtica, no foquismo, das enormes dificuldades que resultam para arevoluo socialista do abandono de um trabalho poltico e ideolgico a nvel popular, vai produzir umalinha de atuao estratgica no plano poltico, que vai afastar cada vez mais a luta revolucionria do seu

    objetivo socialista. Num contexto onde vigore a "democracia" liberal-burguesa, os revolucionriostrabalharo no sentido de gerar o maior nvel de represso possvel at o fechamento do regime sob umaditadura, para ento empunhar a bandeira do retorno "democracia" liberal-burguesa com vistas a atrair aadeso de setores mais amplos da sociedade, ficando o socialismo, concretamente, em segundo plano. Arevoluo de socialista passa a democrtico-burguesa e ainda nacionalista (burguesa) no caso de umainterveno estrangeira. No entanto, conforme a FAU deixa bem claro no Copei, a guerra socialista tambmadmitir um "momento nacional" no contexto latino-americano, pois deve se contar com a grandepossibilidade de uma interveno estrangeira - especialmente ianque - no caso de triunfo das forasrevolucionrias em qualquer um de nossos pases. Aqui fica explcita a impossibilidade da construo dosocialismo num s pas, dentro da concepo revolucionria anarquista.

    A luta armada, bem como a luta de massas revolucionria, deve estar, desde seu primeiro momento,posicionada contra a burguesia e todas as elites dominantes locais. Elas so o principal inimigo da revoluo

    socialista e contra elas deve se dirigir - centralmente - as aes e as estratgias dos revolucionrios, tendosido derrotado o poder burgus local, a revoluo deve preparar-se para a defesa da nao - agora no mais anao burguesa e sim a nao popular revolucionria - contra a reao imperialista.

    Na concepo revolucionria anarquista, expressa pela FAU no Copei, o papel da organizao que seprope a contribuir na construo da ruptura revolucionria com a ordem social burguesa, estar inserida naslutas populares desenvolvendo uma linha poltica revolucionria em seu interior que impulsione seu avano.Paralelamente, deve-se constituir - de acordo com o maior desenvolvimento e radicalizao das lutaspopulares - um brao armado para atuar de forma coordenada com este avano da luta popular mais geral,tendo por centro a organizao especificamente poltica. Desta forma, pode-se neutralizar a atuao contra-revolucionria do "reformismo" no interior dos movimentos populares e capitalizar concretamente as vitriasno plano militar da luta para a luta de massas revolucionria.

    A constituio de uma fora guerrilheira no pode ser um fim em si mesmo, a guerrilha

    necessariamente s pode ser um momento de preparao para uma ofensiva militar revolucionria maiscontundente. Dependendo do contexto e do meio geogrfico e social em que se desenvolve a luta armada, aguerrilha pode ser um elemento preparatrio para uma insurreio popular - no meio urbano - ou para a

  • 7/28/2019 Luta avanada

    6/12

    constituio de um exrcito popular regular no meio rural. So apenas iniciativas revolucionrias deste porteque podem derrotar militarmente o poder burgus. Somente amplos setores populares organizados em armaspodem promover a ruptura com a ordem burguesa. Desta forma, o anarquismo prope a construo do poderpopular revolucionrio.

    O Copei um documento riqussimo, e uma das grandiosas contribuies desta organizao quecompletar 50 anos alimentando a chama da revoluo socialista e anarquista em nosso continente.Infelizmente, o espao limitado demais para que possamos nos aprofundar na anlise deste documento, mas

    esperamos poder estar contribuindo para romper a barreira de silncio, das mentiras e do esquecimento quenos imposto pelas elites, e comear a arejar o ambiente poltico do socialismo revolucionrio brasileirocom discusses fundamentais para a construo de qualquer projeto revolucionrio srio.

    ABRAHAM GUILLN: TERICO DA GUERRILHA...

    (...) Considerado como o grande terico da guerrilha urbana na Amrica Latina, Guilln nasceu em1913 em Corcuera (Guadalajara): "Em minha formao libertria influiu, em primeiro lugar, meu povo. Alinunca houve polcia, nem guarda civil, os montes (e muitas das ocupaes do povo) eram comunais...Todavia hoje, os moos, fazem um caixa comum para pagar os gastos das festas...

    Foi resineiro no povo e estudante em Madrid; redator das revistas "Juventud Libre" e "FIJL",comissrio poltico da 14 Diviso e do 4 Corpo do Exrcito, comandado por Cipriano Mera. Diretor darevista "Nosotros" em Valncia, passou os trs fatdicos dias do final da guerra no porto de Alicante, junto aoutros milhares que esperavam uns barcos que nunca chegaram. Detido, encarcerado, condenado a morte,tem em seu haver duas evases: primeiro do campo de trabalho de Aranjuez, e finalmente da prisomadrilenha. Uma tribo de ciganos libertrios lhe escondeu em Madrid at que pde fazer a viagem fronteira.

    Seu perodo de exilado comea na Frana, e continua na Argentina e Uruguai, com uma estncia emCuba imediatamente depois do triunfo da revoluo. Abraham Guilln licenciado em Cincias Econmicas,professor de Economia Poltica em Buenos Aires, assessor econmico da Universidade do Trabalho noUruguai, e experto internacional da OIT em economia autogestionria e desenvolvimento cooperativo noPeru.

    Comentarista de economia e poltica internacional em dirios argentinos, uruguaios e peruanos,

    autor de cerca de quarenta livros que abarcam temas desde a guerra da Espanha, at a economia mundial, aeconomia autogestionria e o poder e a implantao das multinacionais.Em 1956 Abraham Guilln publica "A Agonia do Imperialismo", em cujo segundo tomo se inserta

    um pequeno manual de guerra de guerrilhas dentro do captulo "A luta armada contra o imperialismo". Omanual chega guerrilha cubana e incorporado a suas tticas. Em 1965 se publica em Buenos Aires a obrade Guilln "Teoria da violncia", e no mesmo ano aparece em Montevidu a primeira edio de sua"Estratgia da guerrilha urbana"; so obras que servem de base estratgica para os Tupamaros no Uruguay epara a guerrilha brasileira de Marighella e Lamarca, assim como para a luta urbana que nesse mesmo ano sedesenvolve em Santo Domingo (vrios exilados dominicanos so ensinados diretamente por AbrahamGuilln em Buenos Aires).

    -Conheceu diretamente Raul Sendic, o fundador do movimento Tupamaro?

    -Com Sendic me vi poucas vezes, pois andava sempre clandestino. Mas havia quatro comandantes quereceberam preparao sobre estratgia da guerrilha urbana. Estes eram homens de ao, enquanto que RalSendic era muito mais um poltico, ex-dirigente do Partido Socialista, muito vinculado aos operrioscanheiros do Departamento de Artigas. Tanto assim, que a consigna destes canheros era a seguinte: "Pelaterra e com Sendic". Esse movimento no era guerrilheiro, seno reformista, pois pedia a reforma agrria noslatifndios dos cultivos de cana de acar.

    At 1965, o grupo de Sendic, muito castrista, estava limitado a realizar marchas pelas vias atMontevidu pedindo terra para os operrios canheros. Como Fidel Castro, "Che" Cuevara e Regis Debray,no concebiam a guerra revolucionria fora das montanhas, e o Uruguai no as tinha, no havia possibilidadede criar assim um movimento guerrilheiro, segundo a doutrina cubana.

    Justamente em 1965, quando publiquei "Estratgia de guerrilha urbana", os "Tupamaros" viram umaluz, pois eu dizia que os "bosques de cimento so mais seguros que os bosques de rvores. E que as cidades

    tem mais recursos logsticos que o campo. E como nossa civilizao capitalista e concentra o capital e aspopulaes nas cidades em ritmo acelerado, em pases como o Uruguai com mais de 80 % da populaourbana, era absurdo ir fazer a guerra revolucionria no campo, onde h mais vacas e ovelhas que populao

  • 7/28/2019 Luta avanada

    7/12

    rural. Por conseqncia, as teorias fidelistas e maostas da guerra revolucionria no eram apropriadas parapases industrializados ou subdesenvolvidos com mais populao urbana que rural. Uma grande cidade (que quase como uma cidade-nao com vrios milhes de habitantes ou, simplesmente, ao redor de um milho)se presta guerra de guerrilhas mais que a selva amaznica. Pois nesta selva faz muitos anos que esto osndios, com um terreno favorvel que os protege dos brancos; mas assim no fazem poltica, no sodecisivos como as guerrilhas urbanas nas grandes capitais ou cidades dos pases da bacia do Amazonas. No na selva amaznica onde uma guerrilha pode decidir na poltica do Brasil, seno nas guerrilhas urbanas em

    So Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador, etc.

    -Pode nos fazer um balano da guerrilha dos Tupamaros?-Est todavia muito prxima sua experincia: creio que foi muito brilhante taticamente, pobreestrategicamente e dbil politicamente, pois tentaram copiar a revoluo cubana. Meu ponto de vista queno se fazem duas guerras com a mesma estratgia nem duas revolues com a mesma poltica. A revoluotem que ser inventada e reinventada, sem se limitar a desalojar do Poder uma minoria dominante, paraestabelecer una ditadura de tipo stalinista. Se um povo se v constrangido entre uma ditadura que pode cair eoutra que pode se levantar em lugar dela, cai assim na indiferena poltica, pois o povo prefere o socialismo ea liberdade e no a ditadura das burocracias ou das burguesias. Ao no descobrir as leis especficas da guerrarevolucionria no Uruguai e nem oferecer um programa de socialismo autogestionrio, creio que os"tupamaros", por serem fiis ao modelo castrista, foram derrotados, em termos polticos. O marxismo-leninismo, de tipo castrista, foi derrotado, em termos polticos. O marxismo-leninismo, de tipo castrista ousovitico, no arrasta mais as massas at uma Revoluo do tipo cubano, nem na Amrica Latina nem emnenhuma outra parte.

    Fui o inspirador ttico e estratgico dos "tupamaros", mas minha origem libertrio me separavapoliticamente deles, ferventes castristas, ainda que algum era tambm libertrio. Ao no compartir minhaproposta de socialismo autogestionrio, apropriada para um pas onde sobra espao e falta populao, foramse afastando politicamente de mim e se aproximando a Fidel Castro. Eles acharam que eu era um romnticopor no ser partidrio do socialismo estatal, mas da democracia direta, da propriedade social, do federalismoeconmico e administrativo. Seu castrismo e guevarismo conduziu os "tupamaros" a um dogmatismo polticode tipo marxista-leninista, que interessou estudantes; mas no populao adulta, urbana e rural, emquantidade e qualidade para por o pas a seu favor. E se uma guerrilha, qualquer que seja e em qualquer pas

    que atue, no gana populao com suas aes, ter, no melhor dos casos, vitrias tticas, mas finalmente umaderrota estratgica e poltica.

    -Parece importante tambm tua influncia sobre o movimento guerrilheiro no Brasil...- Os exilados brasileiros que chegaram ao Uruguai, logo do "golpe" de Estado contra o presidente Goulart,seus lderes principais, quase todos me conheceram. "A estratgia da guerrilha urbana" -antes que outrosidiomas- foi traduzida ao portugus; entrou no Brasil mimeografada; deu lugar ao movimento guerrilheirourbano, lhe dando doutrina estratgica; influiu notavelmente no movimento guerrilheiro do capito Lamarca,de Marighella e do major Piriz. Antes de ser publicado o "Manual de guerrilha urbana" de Marighella, comalguns anos de antecipao, foi publicado em Montevidu, "A estratgia da guerrilha urbana".

    No Brasil havia todas as condies, com muito espao rural e grandes cidades, para criar o maisvasto movimento guerrilheiro da Amrica Latina. Mas Marighella, que era maosta, no queria desmentir

    Mao e Fidel na tese de que a guerrilha de campo estratgica e a da cidade ttica, isto , menos importanteesta que aquela. Lamarca tambm, maosta e fidelista, logo de ganhar muitos combatentes em So Paulo,graas a seus audazes golpes de guerrilha urbana, talvez por seguir a doutrina maosta e fidelista da guerrilhade montanha foi com todo seu exrcito guerrilheiro (que havia ganhado nas cidades) combater nas serrassituadas no tringulo de Rio de Janeiro, So Paulo e Salvador. Isolado dos camponeses, cravado ao terrenopor foras muito superiores, com repetidos bombardeios da aviao, perdeu assim, em uma inoportunaguerra de montanha, o que havia ganhado em meses de guerrilha urbana irrepreensvel. Em suma, por querersalvar os princpios fidelistas e maostas (no apropriados em tudo para o Brasil), a guerrilha urbana foiderrota, no em seu meio nas megalpoles, seno por ter ido al campo; como se uma baleia tentasse fazerna terra o que lhe seria mais fcil no mar.

    -Distintas formas de guerrilhas latino-americanas aplicadas. Que opinio tem do "foquismo"?-Sobre o "foquismo" publiquei em Montevidu, em 1969, um livro chamado: "Desafio ao Pentgono". Setrata de uma obra que explica a inconsistncia das teses de Regis Debray, expostas em "Revoluo na

  • 7/28/2019 Luta avanada

    8/12

    Revoluo", livro "foquista", copiado por Debray do ditado que lhe fizeram em Cuba; pois ele era licenciadoem filosofia e letras, no sabe nada de estratgia militar.

    A tese ms resgatada do "foquismo" cubano que todas as guerras revolucionrias tem que ser feitasdesde o campo, desde as montanhas. Eu coloco -como disse- a cidade populosa mais apropriada guerrilhana poca do capitalismo. Indico que se na Idade Mdia, quando toda a populao estava no campo, no temtriunfado as guerras camponesas, como poderiam fazer agora em plena civilizao urbana? Esclareo que aRevoluo Cubana no se fez exclusivamente na Sierra Maestra, houve mais mortos e combates nas cidades;

    que a insurreio se propagou em superfcie aparecendo na - segunda frente de Escambray"; que se lutou portoda Cuba; e que isso fez que o exrcito de Batista, apanhado entre duas frentes, tivesse que se render, no sfrente a Sierra Maestra, seno porque est cercado por sua retaguarda, nas cidades.

    Outra consigna simplista a de que "o poder vem do cano do fuzil". Se isso fosse verdade, ossuboficiais e os sargentos dariam os "golpes" de Estado; mas so os generais e os coronis os que do; aindaque no estejam todos os dias com os fuzis e os soldados. que sem fim poltico no h viso do estratgico.Os generais pensam em fins polticos e por isso do os "golpes" de Estado; mas os sargentos e os suboficiaisno pensam nem em gerais, nem em polticos. Assim, tendo mais de perto as armas e os soldados, ossuboficiais e os sargentos quase nunca produzem um "golpe" de Estado e, quando do, perdem em seguidaporque no sabem o que fazer com o Poder.

    Por outra parte os "foquistas" pequeno-burgueses, sem vinculao ao trabalho de fbrica ou decampo, tem a patologia do Poder. E quando o alcanam, criam um partido monoltico que exclui todo opovo, se constituindo em "nova classe", mais difcil de desalojar do Poder que a burguesia. Pois a novaclasse se apresenta no como clasae, mas como encarnao do proletariado por meio do Estado totalitrio edo Partido nico. O "foquismo", pequeno-burgus, separado dos trabalhadores ou sem eles em suas filasguerrilheiras, pode ser um novo stalinismo. Ser preciso meditar esta perspectiva seriamente para evitar queuma minoria domine as maiorias mediante o capitalismo de Estado e o Partido monoltico. Para isso tm quese prepararem os sindicatos, os jovens revolucionrios, em um esprito autogestionrio, com pleno domnioda estratgia, a fim de cortar o acesso ao Poder de grupos "foquistas", totalitrios, inspirados no modelosovitico de socialismo burocrtico.

    -Tu conheceu bem Ernesto "Che" Guevara e tm trato direto com Fidel Castro. Como valoras aexperincia guevarista, triunfante na Sierra Maestra e que lhe levou ao fracasso e a morte na Bolvia?

    -"Che" Guevara e Fidel foram instrudos pelo coronel espanhol Bayo, que durante a guerra civil espanholatinha conhecimentos de ttica de grupos guerrilheiros, operando na retaguarda franquista.Quando o "Che" e Fidel chegaram a Cuba no "Gramma" -logo de serem descobertos ao desembarcar

    na ilha, procedentes do Mxico-, lhes sobraram 7 homens e 11 fuzis ou vice-versa. Sem dvida, foram Sierra Maestra. E como o projeto poltico era bom para a guerra de guerrilhas, esses poucos homens e essespoucos fuzis serviram para tirar Batista, que administrava Cuba como seu negcio privado.

    Se Fidel houvesse dito ao comear a guerra de guerrilhas na Sierra Maestra que era marxista-leninista, em vez de falar de liberdade, de democracia, de luta contra a corrupo batistiana, haveria sidoisolado e derrotado como tantos outros guerrilheiros, sem programa poltico compartilhado por quase todauma nao. Fidel teve o apoio da burguesia, a classe mdia, os operrios e os camponeses de Cuba, inclusivea simpatia dos Estados Unidos. Desta maneira, ao chegar a formaes de batalho com suas guerrilhas, Fidelvenceu as brigadas ou divises de Batista, desmoralizadas e encurraladas nas cidades, os montes e o campo.

    Quanto melhor seja um programa poltico de libertao mais fcil ganhar uma guerra contra o imperialismode fora ou o despotismo de dentro. A maior parte dos movimentos guerrilheiros da Amrica Latina tem sidoderrotados por imitar o Fidel marxista-leninista e no o Fidel guerrilheiro que teve como programa ademocracia, a luta contra a ditadura e a corrupo.

    Conheci o "Che" Guevara em 1962, em plena "crise do Caribe", uma noite longa conversando osdois e na presena de Alicia Egueren, esposa do lder peronista, exilado em Cuba, John William Cooke. Osbarcos de guerra e os avies norte-americanos estavam rondando pelas praias de Cuba. O "Che" Guevaraesperava o desembarque das divises do pentgono aos quatro ou cinco dias do cerco de Cuba pelos EstadosUnidos. Eu lhe disse que isso era muito improvvel e inclusive desnecessrio, pois o desembarque dosianques era permanente: datado de 1898 quando nos fomos - os espanhis de Cuba -, e eles se reservaram abase naval estratgica de Guantnamo. O "Che", sem dvida, estava convencido de que os norte-americanosdesembarcariam em Cuba. Eu lhe disse que tendo uma superioridade estratgica absoluta em avies e barcos

    de guerra, podiam isolar Cuba do resto do mundo, ganhando assim a batalha estratgica, logstica, sem terque entrar na batalha ttica, frontal do desembarque, mas "Che" pensava que os ianques desembarcariam nailha. Eu disse que, a menos que eles tomassem Guantnamo, os ianques ficariam quietos. Y como os

  • 7/28/2019 Luta avanada

    9/12

    soviticos se puseram de acordo com os ianques, sem consultar aos cubanos, trocaram os msseis atmicos,em bases cubanas dos russos, por bases ianques na Turquia.

    Expliquei que o gatilho atmico na Europa -na OTAN- tinham os ianques e que, em Cuba,igualmente estava em mos dos soviticos. Portanto, a menos que os cubanos no criassem uma situaoirreversvel em Guantnamo, ianques e soviticos se entenderiam sem os cubanos. Alm do mais, em guerraconvencional, os rusos tinham perdido a partida no Caribe: Negociariam com os norte-americanos.

    O "Che", molesto com os soviticos, me disse que ele havia ido a URSS com outro cubano, cujo

    nome no recordo, para estabelecer o acordo de bases de msseis soviticos em Cuba. Pois os russos ashaviam solicitado em defesa do mundo socialista.

    Eu achei que era assim -me disse o "Che"- mas logo nos deixaram descrentes... Desde esse momento,o "Che" se fez mais pr-china que sovitico; no assistia recepes da embaixada russa em Havana; era vistomais nas da China e Albnia.

    Finalmente, os soviticos, contra crditos a Fidel Castro, tiraram o "Che" do Ministrio da Indstria,j que confiava mais no "novo homem socialista" que no stajanovismo, poltica produtivista dos soviticos.

    No nos entendemos bem nunca o "Che" Guevara e eu. Era um homem muito dogmtico. O dissuadide fazer planos guerrilheiros de montanha com poucos homens (grupos de 25 guerrilheiros), por entenderque, no caso dos "Uturuncos" -algo que eu havia experimentado-, a contraguerrilha operava com sees demais de 30 homens dotadas de alguns morteiros. Portanto, o combate frente a frente tinha assim correlaode foras desfavorveis para a guerrilha. Mas o "Che" seguia o regulamento cubano como um dogma. Eu erapartidrio de 4 a 5 grupos de 25, vivendo separados no bosque e montanha, mas combatendo juntos contra assees de mais de 30 contraguerrilheiros. Assim haveria superioridade de nmero e de fogo; a vitria estariaassegurada para os guerrilheiros. No entanto, o ''Che'' se foi com um grupo pequeno de combate smontanhas do oriente boliviano: teve vitrias tticas iniciais, mas perdendo sua pouca tropa pelo desgaste domeio rude e dos combates, e porque no supria suas baixas com a chegada de camponeses, no tendopopulao favorvel, foi derrotado como disse ao amigo do Che Ricardo Rojo -, 3 meses antes de s-lo.

    O "Che" Guevara, que tinha excelentes condies poltico-militares de comandante, se empenhou,sem dvida, em morrer como sargento a frente de um pequeno grupo guerrilheiro no oriente boliviano ondeconvergem as fronteiras de Brasil, Argentina, Bolvia e Paraguai. Talvez o "Che" elegeu esta zona geo-estratgica porque pensava atuar em vrios pases sul-americanos de uma vez com suas foras guerrilheiras.Nessa regio h mais espao que populao, sendo assim muito lento, no melhor dos casos, o crescimento

    militar dos grupos guerrilheiros; pois os camponeses so bem indiferentes com a guerra revolucionria.Tirado do Ministrio da Indstria de Cuba pelos soviticos, que pressionavam economicamente paraque abandonasse seu cargo, o "Che" Guevara, depois de renunciar secretamente, devia dar uma explicaopoltica sobre este acontecimento; mas sua fidelidade absoluta a Fidel lhe levou, clandestinamente, aoCongo, onde lutou, e logo ao oriente boliviano onde morreu. Se diria que o ''Che'' ia buscando a morte parano ter que explicar porque havia renunciado ao Ministrio da Indstria, tendo assim que diminuir a figurapoltica de Fidel Castro.

    Haveria sido mais til o "Che" Guevara escrevendo um livro sobre o trabalho contra-revolucionriodos soviticos em Cuba, que indo morrer na Bolivia a frente de um pequeno grupo guerrilheiro; mas suamorte o sublimou como heri; deixou assim intacta a figura poltica de Fidel Castro que, sem dvida, osacrificou politicamente pela ajuda econmica e militar sovitica.

    -Os movimentos de ocupao de "fundos" no Peru no comeo dos anos 60, constituiu uma dasexperincias revolucionrias sobre o campesinato de maior xito mobilizador. Qual foi tua relaocom o movimento de Hugo Blanco?-A operao guerrilheira do vale da Convencin (Cuzco), estrategicamente, se programou em Buenos Aires.Eu servi de assessor estratgico. Entre os trotskistas peruanos e argentinos da IV Internacional -partidosPOR- existia uma grande afinidade poltica. Eu nunca fui trotskista, pero fui assessor estratgico paraprogramar a rebelio camponesa no Peru.

    Meu ponto de vista era que havia todas as condies polticas, econmicas e sociais paradesencadear uma rebelio camponesa ao estilo de Tupac Amaru (1780); pois o feudalismo peruano reduziaos camponeses a condio de pongos (servos). A Caixa de Selva peruana (borda montanhosa daAmaznia), um terreno muito favorvel a guerra de guerrilhas: A, um campesinato em armas, se bemdirigido poltica e estrategicamente, pode derrotar os mais poderosos exrcitos regulares; mas fazendo uma

    guerra mvel, sem se fixar ao espao, sem ocupar terras em frente fixa, tratando de vencer, primeiro, oexrcito repressivo, e depois fazer a reforma agrria.

  • 7/28/2019 Luta avanada

    10/12

    No entenderam assim os dirigentes do POR argentino, especialmente, o intil Nahuel Moreno, umtrotskista de cartilha que lia e relia, como livro nico, a "Histria da Revoluo Russa", de Trotsky. E comoeste dizia que no h Revoluo se no se criam "poderes paralelos" (Soviets), Nahuel Moreno e ostrotskistas peruanos optaram por fazer uma guerrilha ao servio dos camponeses e da reforma agrriacomeando, imediatamente, por ocupar os latifndios e permanecer neles como povo armado. Meu ponto devista, em franca dissidncia com Nahuel Moreno e o pessoal de Hugo Blanco, que a ocupao de terrasobrigava cravar-se no terreno. Desta maneira, os xitos tticos iniciais se converteriam depois em derrotas

    estratgicas frente as tropas de represso, muito superiores em nmero e em capacidade de fogo sobre osguerrilheiros de Hugo Blanco.

    Ao querer aplicar realidade peruana as experincias da Revoluo Russa de 1917 (em situaesespecficas completamente diferentes no poltico, econmico e estratgico), os camponeses do vale daConvencin foram derrotados em sua rebelio. O exrcito russo, por exemplo, havia sido derrotado na frentealem em 1917; voltava das frentes; e ao chegar a Petrogrado se reuniu com os operrios e os cidadosformando Soviets; essa situao no se dava, de nenhuma maneira, no Peru, j que seu exrcito estavaintacto.

    -Poderia traar um panorama atual da guerrilha latino-americana?-O fato de haver copiado o modelo cubano, especialmente no poltico e na ttica guerrilheira, nodescobrindo as especificidades de cada pas latino-americano, tem conduzido, muitos movimentosguerrilheiros, a encher os crceres de presos e a amontoar cadveres. Repito que a Revoluo, em cada pas,deve ser reinventada; descobrir suas leis estratgicas especficas; programar bem seus objetivos polticos;combinar perfeitamente sua frente unida de classes oprimidas contra as classes opressoras; dar unidade depensamento e ao aos grupos polticos sem tolerar sectarismos; e, sobre tudo, para que a guerrilha conduzaa Revoluo no basta ter uns quantos fuzis e uns poucos homens, seno, mais que nada, tem que aproveitaruma ocasio histrica favorvel a Revoluo: uma grande crise econmica, uma guerra perdida, umdesprestigio total do governo e das classes dominantes, uma ditadura odiada por todo o povo, que no deveser discutida, seno combatida e vencida.

    Por tomar os desejos por realidades, creio que na Guatemala perderam os guerrilheiros ao se lanarao ataque com escassa posio revolucionria. O momento da guerrilha na Guatemala era mais apropriado cada de Jacobo Arbez, em 1954, quando a United Fruit, com apoio do Departamento de Estado, colocou no

    Poder Carlos Castillo Armas. Ento os guerrilheiros tinham a seu favor a luta pela democracia, a libertaonacional contra o imperialismo e a luta por uma legalidade constitucional, que compartilhava a maior partedo povo guatemalteco.

    A guerrilha guatemalteca, logo da revoluo cubana, tinha menos condies de triunfo que em 1954;mas uns quantos jovens, achando que o de Cuba se reproduziria como fungos, se lanaram luta armada. Oexrcito guatemalteco exterminou, segundo parece, os militantes destes grupos guerrilheiros, seussimpatizantes e a uns quantos que tiveram alguma vinculao com eles. A este tipo de "limpeza" -semnenhum respeito pelos direitos humanos- se chamou "guatemalizao" que logo, em similares condies, setem convertido em "argentinizao", "uruguaizao", "bolivianizao", "brasilenizao", "chilenizao","colombianizao", "mexicanizao", etc.

    Na Colmbia a guerrilha tinha j sua implantao antes da revoluo cubana. O guerrilheirismocolombiano surgiu como uma exploso de protesto popular em 1948 quando o assassinato poltico do lder

    liberal Gaitn, que deu lugar a guerrilha urbana generalizada, mais conhecida com o nome de "bogotazo".Como consequncia deste acontecimento revolucionrio, muitos revolucionrios colombianos foram para asserras, surgindo assim um movimento guerrilheiro com certa similitude guerra de guerrilhas chinesa doYenan, logo da "Grande Marcha" do IV e o VIII exrcitos comunistas.

    Tanto se implantaram as guerrilhas na Colmbia, que chegaram a liberar zonas de montanha como asrepblicas independentes de "Marquetalia", "El Pato" e outras. Quando escrevi "A estratgia da guerrilhaurbana", em 1965, disse que essas repblicas guerrilheiras no poderiam se consolidar como frentes fixas,pois as divises de helicpteros, que so uma "cavalaria do ar", acabariam com elas. Por sua vez, no Yenan(China), os helicpteros no haviam sido empregados como se tratasse de uma infantaria volante. E comohavia prognosticado, "Marquetalia" e "El Pato" deixaram de existir. A guerra de guerrilhas tinha que sermvel, no fixa, indiquei, e mais nas cidades que nas montanhas, pois nas megalpoles se ganha suapopulao e com ela se combate em muitos pontos urbanos de uma vez, no servem as divises de

    helicpteros nem as unidades blindadas. Mesmo assim, a guerrilha colombiana tem seguido sendopreferentemente rural., mas j tem entrado na fase urbana, ou em ambas ao mesmo tempo: tem vriosexrcitos guerrilheiros, mas lhe falta um programa comum, no tem se libertado do dogmatismo marxista-

  • 7/28/2019 Luta avanada

    11/12

    leninista e, em conseqncia, no sabem os guerrilheiros posicionar corretamente seu problema nacional, suarevoluo especfica, sem import-la de Cuba ou outros pases.

    Outro movimento guerrilheiro, que cometeu os mesmos erros estratgicos que o colombiano, foi ointento insurrecional do grupo armado dirigido por Puente Uzeda, no Peru. Concentrou seus guerrilheiros emMesa Pelada, em vez de atuar nos grandes subrbios de Lima; se fixou ao terreno com poucas foras, sempoder confrontar a aviao e a artilharia do exrcito; assim, sem mobilidade, foi massacrado por querertentar, de certo modo, a experincia fracassada das "repblicas guerrilheiras" da Colmbia. Em Lima h,

    aproximadamente, um milho e meio de pobres nos bairros miserveis ("povos jovens) mas os guerrilheirosde Lima iam pelear nas montanhas e selva, em um terreno que lhes era hostil, mais desconhecido que o"cinturo de misria de Lima" e menos seguro que este logstica e politicamente.

    -A respeito da Nicargua, onde parece haver se consolidado uma frente guerrilheira que est pondoem xeque o ditador Somoza, que sadas tu v a curto prazo? Quais so os componentes ideolgicosreais do Movimento Sandinista?-A Frente Sandinista de Libertao Nacional (FSLN) uma aliana polifactica: 1) O grupo GPN,guevarista, partidrio da guerra prolongada. 2) Os "terceiristas" (mescla de cristos, liberais e marxistas). 3)O grupo proletrio integrado, quase em sua totalidade, por militantes do partido comunista. Pois assim, aFSLN teria certa inclinao marxista-leninista, se bem que na greve geral contra o ditador Somoza,comeada em 25 de agosto de 1978, tem intervido os comerciantes e industriais, assim como os operrios eempregados. Mas, salvo Venezuela, Costa Rica e Panam, os paises latino-americanos no estavamdecididos, especialmente Honduras e El Salvador, pases fronteirios com Nicargua, a bloquear o regime deSomoza, pois no esto seguros com a FSLN que ameaa como uma nova Cuba, coisa que preocupa, nomesmo sentido, os Estados Unidos.

    Desde o dia 9 de setembro de 1978, praticamente, o povo nicaragense se lanou a rua para tirar doPoder o tirano Somoza e sua famlia, que passou uns 40 anos dominando na Nicargua contra a vontade dopovo. Logo da tomada do Parlamento da Nicargua por um grupo guerrilheiro mandado pelo "ComandanteZero", tambm em setembro, Somoza teve que aceitar as condies dos guerrilheiros, pondo um avio adisposio destes para lev-los ao Panam.

    Ao desencadear a insurreio geral contra Somoza, tomando varias cidades os insurretos, tais comoChinadenga, Esteli, Len, Rivas e outras, sem contar com artilharia, blindados e aviao, ficando em frente

    fixa ou em barricadas, se prestavam assim a ser aniquilados pelo exrcito somozista, que pode fazer a guerraem duas dimenses: terra e ar; os guerrilheiros apenas podiam fazer uma: terra, cidades difceis de reterfrente a um exrcito organizado com maior potncia de fogo.

    FSLN parece que foi impossvel se manter em algumas cidades conquistadas, melhor dito,levantadas em massa com sua populao contra o ditador Somoza, pois sem armas pesadas no possvelconsolidar uma frente fixa. Houve a vantagem para os sandinistas de que os levantamentos eram em variascidades, chamando o exrcito repressivo desde vrios pontos de uma s vez, mas no o suficiente para fazera guerra revolucionria como em pele de leopardo.

    Na fronteira com Costa Rica, zona exterior favorvel, os sandinistas trataram de criar uma "base defronteiras", e uma "zona liberada", mas se a Guarda Nacional de Somoza empregasse toda sua fora deaviao, blindados e artilharia; se os guerrilheiros no tem, por sua vez, estas armas, no pode se consolidarassim nem uma "base de fronteira" nem uma "zona liberada", para criar a um "governo de libertao".

    Para derrotar o ditador Somoza ou a qualquer ditador no d para combater em frente fixa, emformaes fechadas e em barricadas, sim dar continuidade luta guerrilheira, no em meia dezena de cidadescomo na Nicargua, seno em dezenas de povos (no campo) e em todas as cidades populares do pas. Paravencer em uma guerra revolucionria no se deve tratar de entrar em batalhas frontais, fixas e de muitadurao, mas em centenas de combates rpidos, mveis, para dispersar o inimigo, para lhe impedir queestabelea sua ordem poltica e sua represso. Uma guerra revolucionria no conveniente decidi-la pelasarmas mas pela poltica do povo em armas, sem grandes batalhas, ganhando pela desmoralizao e odesgaste poltico e militar do inimigo.

    Os sandinistas, cujo plano poltico internacional no claro para os Estados Unidos, Honduras e ElSalvador e para outros pases latino-americanos tem, nesse sentido, una falha poltica e diplomtica, quepode conduzir contra Somoza, a uma interveno para tir-lo do Poder, mas sem deixar que avancem at eleos grupos marxistas-leninistas. O fenmeno de Cuba difcil de repetir na Amrica Latina. Por isso

    repetimos que toda Revoluo tem que ser inventada, afim de que no tenha limitaes em sua polticaInternacional e em sua poltica nacional, em sua estratgia e em sua ttica. Em suma, o mais importante parao triunfo dos revolucionrios nicaragenses fazer sua revoluo, como em todas partes, com uma semntica

  • 7/28/2019 Luta avanada

    12/12

    nova, sem que o inimigo interior e exterior tenha vantagens polticas e militares para se opor a uma ideologiaconhecida, resistida, desgastada sobre ditaduras burocrticas que tem sucedido a burguesias ou aaristocracias absolutistas.

    -Mudando de continente, qual teu juzo sobre a guerrilha urbana na forma em que a levam naprtica a R.A.F. na Alemanha, ou as Brigadas Vermelhas na Itlia?-As "Brigadas Vermelhas" tem demonstrado a eficcia da guerrilha urbana para criar situaes polticas,

    colocando o pas quase perto do colapso poltico. Assim, de certo modo, o "compromisso histrico" decomunistas e demo-cristos da Itlia tem sido sacudido como um terremoto poltico. Taticamente, as"Brigadas Vermelhas", com o emprego de muito poucos homens, tem criado situaes, pela forma daguerrilha urbana, que no poderiam criar as guerrilhas rurais. Isso demonstra que a guerrilha urbana nobusca uma grande batalha, nem barricadas ou liberar uma cidade como os sandinistas contra Somoza, senoproduzir uma situao poltica comprometida que possa liquidar, por exemplo, com o emprego de unspoucos guerrilheiros, o "compromisso histrico" democristo-comunista na Itlia.

    No entanto, a estratgia do desespero no a melhor para fazer triunfar a guerrilha urbana, como temsucedido na Itlia e Alemanha, pois a contra-ofensiva do Poder pode empregar umas regras de jogo onde jno se respeite os direitos humanos. Se as coisas so assim, se as guerrilhas urbanas alem e italiana nomobilizam a populao pelas suas aes, se essas minorias armadas no arrastam as maiorias popularesdesarmadas, no se produz o triunfo da Revoluo. Ento cabe se perguntar: pra que a dramatizao da luta?A menos que no se trate de desestabilizar um pas ou tirar do Poder um partido para que entre outro (masser melhor ou pior?), no se justifica extremar a violncia, se tirada a caa para que cacem outros.

    Enquanto as condies econmicas, polticas, sociais, morais, no esto maduras para umarevoluo, todo ato extremo pode agudizar ainda mais a contra-revoluo, trazendo uma ditadura de tiponazi-fascista ou, simplesmente, de "guatemalizao" de um pas, onde o terror imposto pelos ditadores atuaisno tem nada que invejar de Hitler, Mussolini e Stalin, quanto a ignorar os direitos humanos fuzilando adiestro y siniestro.

    No tenho muita informao sobre a guerrilha urbana europia, mas sinto v-la descolada dosmovimentos sindicais operrios, hoje reformistas (socialistas ou comunistas), que podem ser mobilizados porestes guerrilheiros, para dar passo a um socialismo autntico. Qual? Como? Para quando? Com queprograma? A est a debilidade da guerrilha urbana europia. Qual sua mensagem? Como resolve a crise da

    sociedade ps-industrial? Com ditadura democrtica ou com socialismo de autogesto? Se a poltica m,nunca a estratgia revolucionria pode ser boa; acaba derrotado no por covarde, mas por pouco inteligente.Em resumo: um revolucionrio para poder assumir a histria em um momento crtico deve conhecer

    as leis da dialtica e da economia poltica; dominar a poltica cientfica; unificar seu pensamento e sua ao;saber esperar uma ocasio histrica, que sempre se apresenta, para transformar o mundo e resolver ascontradies que se oponham ao interesse geral; se colocar a cada momento s o que possvel resolver, semser centrista nem oportunista; no destruir seno aquilo que se possa substituir para no se adiantar nematrasar nas mudanas de estruturas scio-econmicas, polticas, culturais e jurdicas.

    Por cima de todos os dogmas e sectarismos, um revolucionrio deve ser fiel a verdade e a liberdade;no falar nem proceder como infalvel, aceitar a prova e o erro, a pluralidade de critrios; rechaar o culto apersonalidade; deixar que a Sociedade faa quanto mais melhor, sem a tutela do Estado. E estar sempredisposto a aprender com o erro para chegar a verdade sem esquecer jamais que s se v o que se sabe e, por

    tanto, se v tanto melhor o futuro, o presente e o passado quanto melhor se sabe deles. O povo v poucoporque sabe pouco; necessria uma revoluo cultural permanente para que o povo pelo saber tenha oautopoder para ser ele, unicamente ele, o sujeito ativo da histria, superando assim as estruturas polticas dedominao pela autogesto, sem burguesias monopolistas nem burocracias totalitrias.

    ANTONIO ALBIANA MERCEDES ARANCIBIARevista Bicicleta. Ano 1 Nm. 9 Outubro 1978