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Luís Vaz de Camões (século XVI) (Desenho a pena, de Almada Negreiros)

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Luís Vaz de Camões

(século XVI)

(Desenho a pena, de Almada Negreiros)

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87 78

Um ramo na mão tinha… Mas, ó cego!

Eu, que cometo insano e temerário,

Sem vós, ninfas do Tejo e do Mondego,

Por caminho tão árduo, longo e vário!

Vosso favor invoco, que navego

Por alto mar, com vento tão contrário,

Que se não me ajudais, hei grande medo,

Que o meu fraco batel se alague cedo.

79 Olhai que há tanto tempo, que cantando

O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,

A fortuna me traz peregrinando,

Novos trabalhos vendo e novos danos;

Agora o mar, agora exp’rimentando

Os perigos Mavórcios inhumanos,

Qual Cânace, que à morte se condena,

Numa mão sempre a espada e n’outra a pena.

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87

O poeta justifica esta invocação devido ao desalento

causado por tamanhas misérias de caráter autobiográfico

como…

• a errância no mar;

• os perigos Mavórcios inumanos;

• a pobreza avorrecida de que tem sido vítima;

• o andar por hospícios alheios degradado

• o ter sido da esperança já adquirida derribado

• o ter salvado a vida que dum fio pendia tão delgado

E como se não bastasse…

A troco dos descansos que esperava ,

Das capelas de louro que me honrassem,

Trabalhos nunca usados me inventaram,

Com que em tão duro estado me deitaram!

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87

Qual Cânace, que à morte se condena,

Numa mão sempre a espada e n’outra a pena.

Perfil do herói renascentista

Camões

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87 83

Pois logo em tantos males é forçado,

Que só vosso favor me não faleça,

Principalmente aqui que sou chegado

Onde feitos diversos engrandeça;

Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado,

Que não no empregue em quem não o mereça,

Nem por lisonja louve algum subido,

Sob pena de não ser agradecido.

só vosso favor me não faleça

eu tenho já jurado

Que não no empregue em quem o não mereça

Se antes o canto tinha de se adequar à

grandeza do herói, agora é o herói que tem de

se adequar à sublimidade do canto camoniano.

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87 Perante tanto infortúnio e tanta ingratidão, e consciente da

sua excelência, o poeta invoca o favor das ninfas,

colocando agora a tónica na seleção da matéria que

merece a sua forma, o seu canto.

Promete, assim, que não cantará quem não o mereça: o

anti-herói. E quem é esse anti-herói?

o que sobrepõe os seus interesses aos da Pátria;

o ambicioso que usa dos seus altos cargos em

benefício dos seus vícios;

o que não tem palavra e, como um demagogo,

facilmente muda de opinião para agradar o vulgo;

o que, mesmo sendo honesto e honrado, explora os

mais fracos para satisfazer o seu malvado rei;

o que não paga justamente o trabalho alheio.

Em suma, o anti-herói

é todo aquele que

sobrepõe o seu

proveito individual ao

do bem comum.

Plano das Reflexões do Poeta Canto VII, ests. 78 - 87

O poeta promete às ninfas que apenas cantará o

verdadeiro herói:

Aqueles sós direi que aventuraram

Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida,

Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,

Tão bem de suas obras merecida.

Apolo e as Musas, que me acompanharam,

Me dobrarão a fúria concedida,

Enquanto eu tomo alento, descansado,

Por tornar ao trabalho, mais folgado.

Ideais de cavalaria

• a proteção do Rei;

• a defesa da Pátria;

• a expansão da Fé

Plano das Reflexões do Poeta - Canto VIII, ests. 96 - 99 96

Nas naus estar se deixa, vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre;

Que não se fia já do cobiçoso

Regedor, corrompido e pouco nobre.

Veja agora o juízo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,

Pode o vil interesse e sede immiga

Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

97 Este rende munidas fortalezas;

Faz trédoros e falsos os amigos;

Este a mais nobres faz fazer vilezas;

E entrega Capitães aos inimigos;

Este corrompe virginais purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos;

Este deprava às vezes as ciências,

Os juízos cegando e as consciências.

98

A Polidoro mata o Rei Treício,

Só por ficar senhor do grão tesouro;

Entra, pelo fortíssimo edifício,

Com a filha de Acriso a chuva d’ouro;

Pode tanto em Tarpeia avaro vício,

Que, a troco do metal luzente e louro,

Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quase afogada em pago morre

Plano das Reflexões do Poeta Canto VIII, ests. 96 - 99 Tese Quanto no rico, assi como no pobre,

Pode o vil interesse e sede immiga

Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

Argumentos Este rende munidas fortalezas

Este corrompe virginais purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos

Exemplos Pode tanto em Tarpeia avaro vício,

Que, a troco do metal luzente e louro,

Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quase afogada em pago morre

Entra, pelo fortíssimo edifício,

Com a filha de Acriso a chuva d’ouro;

dinheiro nos

Plano das Reflexões do Poeta Canto VIII, ests. 96 - 99

Argumentos Faz trédoros e falsos os amigos;

Este a mais nobres faz fazer vilezas

Exemplo A Polidoro mata o Rei Treício,

Só por ficar senhor do grão tesouro;

Logo,

Os efeitos do ouro:

• corrupção;

• traição;

• manipulação;

• injustiça;

• tirania;

• mentira;

• perjúrio…

Quanto no rico, assi como no pobre,

Pode o vil interesse e sede immiga

Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

Vasco da Gama na Ilha dos

Amores, de Vieira Portuense

Reflexão: Imortalização do nome

(Canto IX, ests.88-95)

Vasco da Gama na Ilha dos

Amores, de Vieira Portuense

Acontecimento motivador:

Na viagem de regresso a Portugal, Vénus

prepara aos marinheiros uma recompensa pelos

perigos que, corajosamente, enfrentaram ao

longo da viagem – a Ilha angélica (Ilha dos

Amores).

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-

95)

Significado da Ilha dos Amores

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-

95)

É o prémio para os sentidos: as deleitosas/ Honras que a vida fazem sublimada.(est.89)

Porque…a verdadeira recompensa está por vir…

O prémio lá no fim, bem merecido,/Com fama e

nome alto e subido. (est.88)

Mitificação do Herói

(daqueles que seguem o verdadeiro caminho)

Prémio ficcional e simbólico -

Ilha angélica pintada (já que o

mundo está desconcertado)

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-

95)

Caminho da virtude, alto e fragoso/Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso: (est.90)

Os nossos marinheiros merecem subir ao Olimpo

sobre as asas ínclitas da Fama, (est.90), acedendo

ao mundo dos deuses através do AMOR (união com

as ninfas).

Centro da Harmonia do Universo:

aos deuses, dá-lhes a dignidade de serem humanos,

ao homem, dá-lhe a maneira de se divinizar.

(Jorge de Sena)

Assim…

Como atingir esta suprema honra e plenitude? Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-

95)

Exortação do Poeta a todos os que desejam a imortalização do seu nome:

Por isso, ó vós que as famas estimais /

Apóstrofe – nomeação do destinatário

(contemporâneos de Camões)

Condições:

• o Poeta propõe o perfil de Herói merecedor de

imortalização/mitificação/de libertação da lei da

Morte (Canto I, est.2)

Se quiserdes no mundo ser tamanhos, (est.92)

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-

95)

[…]

Despertai já do sono do ócio ignavo,

Que o ânimo, de livre faz escravo. (est.92)

E ponde na cobiça um freio duro,

E na ambição também, que indignamente

Tomais mil vezes, e no torpe e escuro

Vício da tirania infame e urgente;

Porque essas honras vãs, esse ouro puro,

Verdadeiro valor não dão à gente:

Milhor é merecê-los sem os ter,

Que possuí-los sem os merecer..(est. 93)

Ou dai na paz as leis iguais, constantes,

Que aos grandes não deem o dos pequenos;

Ou vos vesti nas armas rutilantes,

Contra a lei dos inimigos Sarracenos:

Fareis os Reinos grandes e possantes,

E todos tereis mais, e nenhum menos;

Possuireis riquezas merecidas,

Com as honras, que ilustram tanto as vidas. (est.94)

E fareis claro o Rei que tanto amais,

Agora com os conselhos bem cuidados,

Agora com as espadas, que imortais

Vos farão, como os vossos já passados;

Impossibilidades não façais,

Que quem quis sempre pôde; e numerados

Sereis entre os Heróis esclarecidos,

E nesta Ilha de Vénus recebidos. (est.95)

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-95)

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-95) Sistematizando….

Para atingir a fama e a imortalidade é necessário

Renunciar:

Ao ócio

À cobiça

À ambição

À tirania

Promover:

Justiça e a igualdade

A defesa da fé cristã

A defesa da Pátria

A obediência e

lealdade ao Rei

Reflexão: Imortalização do

nome (Canto IX, ests.88-95) Sistematizando….

Consequências:

O fortalecimento do Reino

A justiça e equidade para todos

A aliança com o seu Rei

A imortalização do nome

[…] e numerados/Sereis entre os Heróis

esclarecidos/,E nesta Ilha de Vénus recebidos. (est.95)

Reflexão: Lamentações sobre a decadência da Pátria (Canto X, ests.145,146) e

Exortação a D. Sebastião (Canto X, ests. 145-156)

Óleo de Carlos Alberto Santos Litografia de António Ramalho

Acontecimento motivador:

Terminado o encontro entre os nautas e as

ninfas, na Ilha dos Amores, e dada a

recompensa suprema: a posse do divino

conhecimento (Máquina do Mundo), a armada

de Vasco da Gama regressa à Pátria.

Reflexão: Lamentações sobre a decadência da Pátria (Canto X, ests.145,146) e Exortação a D. Sebastião (Canto X, ests. 145-156)

A mitificação atinge o seu ponto mais alto:

Gama torna-se senhor do Tempo, do Espaço

e da Ciência.

No mais, Musa, no mais, que a Lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

O favor com que mais se acende o engenho

Não no dá a pátria, não, que está metida

No gosto da cobiça e na rudeza

Düa austera, apagada e vil tristeza.(est.145)

E não sei por que influxo de Destino

Não tem um ledo orgulho e geral gosto,

Que os ânimos levanta de contino

A ter pera trabalhos ledo o rosto. (est.146)

[…]

Pátria decadente: não é digna de ser recebida

na Ilha de Vénus …

Mergulhada no desprezo pelas artes

nos interesses individuais

na cobiça

na corrupção

na falta de autoestima

no pessimismo castrador

Retoma da Dedicatória Todo o canto é um longo discurso ao Rei

Por isso vós, ó Rei, que por divino/Conselho estais no régio sólio posto,/Olhai que

sois (e vede as outras gentes)/Senhor só de vassalos excelentes. (vv.5-8,est.146)

Exortações/Conselhos: (ests.146-153)

Reinar bem, favorecendo/estimulando os seus súbditos (leis justas/humanas)

Rodear-se de conselheiros experientes

Ter apreço pelos guerreiros que dilatam a fé e

o Império

Garantir a independência de Portugal

O Poeta homem (Camões termina o seu poema - ests.154-156)

Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,/De vós não conhecido nem sonhado? (est.154)

Nem me falta na vida honesto estudo, /Com longa experiência misturado, /Nem

engenho, que aqui vereis presente,/Cousas que juntas se acham raramente. (est.154)

Pera servir-vos, braço às armas feito;/Pera cantar-vos, mente às Musas dada; (est.155)

Só me falece ser a vós aceito,/De quem a virtude

deve ser prezada. (est.155)

Camões – poeta guerreiro = ideal de Herói

Renascentista (objeto do seu próprio canto)

Se me isto o Céu concede, e o vosso peito/Dina empresa tomar de ser cantada, (est. 155)

A minha já estimada e leda Musa/Fico que em todo o mundo de vós cante,/ De

sorte que Alexandre em vós se veja,/Sem à dita de Aquiles ter enveja. (est.156)

Então…

Fim do Poema

Camões vira-se para o futuro:

Tempo de esperança e expetativa

Luís Vaz de Camões

(século XVI)

(Desenho a pena, de Almada Negreiros)