Lulu - Mariazinha Boccaletti: 60 anos de moda

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Lulu Mariazinha Boccaletti: 60 anos de moda

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ATENCAO: a capa econtra-se no seguinte link - http://farm8.staticflickr.com/7020/6449149183_24b97da039.jpg - Biografia sobre a modista campineira Mariazinha Boccaletti (1913-1992). Trabalho de conclusao de curso de Jornalismo. PUC Campinas 2011.

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LuluMariazinha Boccaletti: 60 anos de moda

Mariana Nogueira Motta

2011

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Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação – SBI –Biblioteca do Campus I – Unidade 1

Pontifícia Universidade Católica de Campinas

m920 Motta, Mariana Nogueira.

M921m Mariazinha Bocaletti: 60 anos de moda./Mariana Nogueira. - Campinas: PUC Campinas, 2011.

117p.

Modalidade: livro-reportagem

Orientador: Wanderley Garcia

Monografia (Graduação) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação, Faculdade de Jornalismo.

1. Biografia 2. Boccaletti, Mariazinha 3. Moda – Campinas (SP) 4.

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À minha família, especialmente à minha mãe por ser minha base,

meu forte. E à pequena Helena e seu amor incondicional que me

faz seguir em frente.

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Sumário

Prefácio 9Prólogo: O último vestido 13Prêt-à-couture 21

Destino: Porto de Santos Aprendiz Boccaletti Sala de costura Cena

Haute couture 45Agulha de ouro“Na beleza das mulhres do Brasil”ClientelaBailes de gala e os “colunáveis”Sala de provaDesfiles

Demi-couture 87Etiquetas penduradasPif-pafAdeus JulinhoAlô, São PauloO último ateliê

Epílogo: Castelo de areia 107Agradecimentos 113

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Prefácio

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Falar de moda no Brasil de forma séria e honesta exige muito mais que coragem. Exige um

caráter empreendedor, compromissado e, acima de tudo, verdadeiro por parte daqueles que o fazem.

Felizmente, de forma rara e não menos preciosa, há quem se dispõe a tratar do assunto com

dignidade. Assunto esse que se refere à capacidade de criação do brasileiro na área do vestuário.

São como peregrinos, pois vão atrás da pedreira que é encontrar os reais dados que constroem uma

história. Isso tudo podemos encontrar no trabalho apaixonante de Mariana Nogueira Motta que

percorre o terreno virgem da construção de uma história de moda no Brasil, quiçá, da própria cidade

de Campinas.

Assim, ela coloca em relevância a grande criadora de moda de nossa região que foi Mariazinha

Bocaletti e o faz através de uma leitura deliciosa que nos leva à descoberta inédita de fatos e dos

ideais daquela que ousou estar à frente de um tempo. Sim, pois Mariazinha, pode-se dizer, iguala-se

aos grandes criadores europeu de sua época, ao analisarmos cuidadosamente o seu trabalho de Alta-

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Costura e Prêt-à-porter. Conceitos esses também discutidos na proposta desta jovem autora que, assim

como sua inspiração, a própria Mariazinha, também ousou estar à frente de seu tempo e daqueles que

se dizem connoisseurs.

Parabéns Mariana por ajudar a construir uma história de moda no Brasil, mas acima de tudo, pela

árdua tarefa em empreender uma didática de alguns complexos conceitos dessa área, através da vida

e da obra de uma figura que jamais poderia passar desapercebida.

Vocês duas são muito parecidas, acredite: estão juntas na alegria de conceber algo inexistente em

nosso país.

Joelma Leão

Pesquisodora e doutoranda em História da Moda

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O último vestido Prólogo

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“Pode deixar! Deixa, deixa, deixa que eu faço!” – disse a senhora baixinha sobre o desenho de

vestido de noiva que tinha nas mãos. Parecia um trabalho complicado, mas ainda assim aceitou o desafio.

Com uma voz rouca e aguda ao mesmo tempo, andava a passos ligeiros de um lado para outro do ateliê com

um metro pendurado no pescoço enquanto ditava os materiais a serem providenciados: o tecido teria que ser

encorpado para dar sustentação ao corte e detalhes, cetim para o forro, os cristais, as miçangas e as pedrarias

teriam que ser comprados em São Paulo. E que fossem providenciados rapidamente. A noiva, que havia

desenhado o modelo, pediu para que sua mãe se encarregasse da tarefa. Assim Dona Nyura Puccetti partiu

em busca do pedido, enquanto Roberta se ocupava com os preparativos do casamento.

O vestido era o presente de casamento da sua madrinha, Alexandra Erbolato. As duas eram amigas

desde os 13 anos de idade e Alexandra morava na mesma casa que sua avó, que nos carnavais fazia fantasias

iguais para as duas amigas desfilarem nos salões da cidade. Quando Roberta fez o convite para Alexandra

ser sua madrinha de casamento, disse:

- Mas Lê, queria te pedir algo. Se você for me dar alguma coisa de casamento, eu gostaria que fosse

uma das criações da sua avó.

- Sem problemas, Beta! Pois então eu vou te dar o feitio do seu vestido de noiva!

Chamavam de Mariazinha a avó da Alexandra, que era conhecida como a melhor modista da cidade

de Campinas. No dia 10 de junho de 1992, Roberta chega em casa após um dia de aulas – era professora de

artes – e recebe um telefonema de sua madrinha:

- Oi Lê! Como você está?

- Oi Beta, tenho uma notícia muito triste pra te dar... Minha vó faleceu.

No momento da notícia, Roberta sequer se lembrou do vestido. Seguiu para o Cemitério da Saudade

com sua mãe para o velório. Chegando lá, a entrada do cemitério estava lotada, mal se achava uma vaga para

estacionar o carro. As duas acharam a movimentação estranha, mas mesmo assim se encaminharam até a

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capela central. Conforme chegavam mais perto, o número de pessoas aumentava. Mal conseguiam subir as

escadas, era um empurra-empurra enquanto alguém gritava:

- Me deixem passar! Eu quero entrar! Quero ver a Mariazinha!

Do lado oposto, outro alguém respondia:

- Pelo amor de Deus! Tenham respeito pela morta! Parem de gritar!

No dia anterior, Alexandra havia chegado ao ateliê de sua avó por volta das 18 horas quando ela a

chamou:

- Alexandra, vem cá um pouquinho que eu quero que você experimente seu vestido rápido que estou

cansada e quero tomar um banho.

Era justamente sua roupa de madrinha para o casamento da Roberta: um vestido de veludo bordeaux,

com um casaco de veludo devoré em tons de prata, verde e vinho. Enquanto a avó alfinetava seu vestido,

conversavam amenidades, algumas fofocas inocentes sobre as freguesas que haviam tumultuado o ateliê

naquele dia. Mas logo começou a se queixar do cansaço, que havia sido um dia pesado e tinha quatro

vestidos de noiva para terminar. Achava que estava ficando resfriada. Alexandra tirou com cuidado o vestido

para não se espetar e o pendurou em uma arara junto a outros cinquenta cortes que estavam ali para serem

terminados. Por ser enfermeira – e por achar muito estranho sua avó se queixar de estar doente ministrou

um medicamento em injeção para ela e a dispensou para seu banho.

Naquela noite, Alexandra jantou com a avó e seus pais, Julmar e Sérgio Erbolato (que moravam na

mesma casa) e se despediu, de modo que ficaram somente os três na casa. Mais tarde, em frente à televisão,

uma tosse incessante chamou mais a atenção de Julmar do que as falas estridentes da apresentadora Hebe:

- A senhora vai ficar resfriada.

- Acho que vou – respondeu Mariazinha.

Logo todos se retiraram, cada um para seu aposento. Sérgio foi checar se a casa toda estava trancada

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e passou pelo quarto da sogra viu-a sentada na cama fazendo sua oração para Santa Luzia, como fazia todas

as noites antes de dormir passou reto e foi para seu quarto se arrumar para dormir. Enquanto trocava de

roupa, a porta se abriu repentinamente e Mariazinha disse, ofegante:

- Julmar, eu não tô bem.

- Sérgio! Liga pro doutor Alberto! Pelo amor de Deus! – disse Julmar, enquanto garroteava os braços

da mãe para a pressão não subir.

Sérgio ligou imediatamente para o doutor que disse desesperado do outro lado da linha:

- Saiam daí do jeito que vocês estão que eu já estou indo!

Os três entraram no carro, Julmar no banco de trás com a mãe, e seguiram depressa para o hospital. Assim

que entraram no estacionamento, Doutor Alberto parou atrás deles, saltou com o carro ainda ligado, deixando

a porta aberta, e correu até eles para tirar Mariazinha. Segurou nos braços aquela pequena senhora que para ele

era como uma mãe e a levou correndo para dentro do hospital em direção ao pronto-socorro. Mas se desviou do

caminho, entrou em uma pequena porta e a trancou. Julmar o assistiu pelo vidro colocando sua mãe no chão e

realizando uma massagem cardíaca. Ela havia sofrido três paradas cardíacas.

- Alberto! Abre essa porta! Pelo amor de Deus! – disse, batendo na porta.

Enquanto isso, Sérgio ligava para os irmãos de Julmar para que fossem até o hospital. Uma maca chegou

para leva-la à UTI. Poucos minutos depois, Dr. Alberto Liberman desceu novamente e declarou:

- Ela está morta. Cerebralmente. Só o coração está funcionando. É questão de minutos, é questão de horas, é

questão de dias. Vamos rezar pra não ser de dias.

E não foi mesmo. Mariazinha foi internada às duas horas da manhã, e às 18:55 faleceu. Monsenhor Fernando

entrava no hospital para dar a extrema unção no momento em que o médico dava a notícia sobre a morte para a

família e os amigos. Abriram o hospital inteiro. Abriram as salas da UTI. Abriram de tanta gente que tinha ali por

causa dela: todos os médicos de plantão, todas as enfermeiras, toda a família, todos os amigos queridos.

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Dez dias após o enterro, Roberta retomou consciência da data do seu casamento que se aproximava: dia

2 de julho de 1992. Ainda sensibilizada, e sem querer ofender a família, foi até o trabalho de Alexandra pedir

para retirar seu vestido – que já estava cortado e costurado – para finalizá-lo e mandá-lo para a bordadeira.

Alexandra concordou de imediato: o vestido precisava ser terminado.

Ao chegar ao ateliê, Julmar havia assumido o trabalho inacabado da mãe. Ela e as outras cinco costureiras

terminavam os cortes das clientes que foram deixados para trás em meio ao silêncio e às lágrimas. Muitas

clientes e amigas da família retiraram suas peças para serem finalizadas por outro costureiro, mas ainda

assim o volume de trabalho era grande. Uma prima de Dona Nyura, Dona Rosa Guernelli, se prontificou

a terminar o vestido de Roberta. Mas apesar da boa vontade de Dona Rosa, o calendário já marcava 21 de

junho. Assim que terminou, levou o vestido direto para a casa da bordadeira Jane que sempre trabalhava

com a Mariazinha e já estava responsável pelo vestido. Por mais que tivesse outras duas ajudantes, no dia

anterior ao casamento ele ainda não estava pronto.

Roberta Puccetti começou o dia 2 de julho com suco de maracujá para manter os nervos controlados. Às

sete horas da manhã, Jane chegou à casa da mãe da Roberta com as ajudantes. Dona Nyura as instalou numa

edícula, nos fundos da casa, onde havia uma grande mesa em que elas esticaram o vestido e o atacaram. O

relógio deu três horas da tarde. Roberta e Dona Nyura precisaram sair para se arrumar no salão sem o vestido

estar pronto. O casamento estava marcado para as sete e meia da noite e Dona Nyura não se cansava de ligar

para casa, de meia em meia hora, para saber do vestido. Cinco e meia ele ainda não estava pronto. Às seis

também não. Até que às seis e meia ela ligou novamente e Jane disse:

- Está pronto! Estou pegando um táxi e indo me encontrar com vocês no salão agora mesmo!

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Vestido de noiva de Roberta Puccetti em tafetá de seda bordado. Foto por Mariana Nogueira.

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Prêt-à-couture

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Destino: Porto de Santos

Sucena Gebara tinha 18 anos de idade quando embarcou no navio rumo ao Brasil. Era começo

do século XX e seu país, o Líbano, estava em conflito com o início do desmembramento e queda do

império Otomano. Seus pais decidiram mandá-la para fora com seus outros quatro irmãos: Salomão,

Elias, Miguel e Pedro. A despedida no porto do Líbano foi o último momento em que toda a família

esteve reunida. Apenas Salomão se comunicaria com os pais através de cartas após o fim da guerra,

pois era o único dos irmãos que sabia escrever em árabe.

Quando o navio aportou em Santos, em 1908, não sabiam falar uma palavra em português. O

fiscal da imigração acabou por registrar Sucena como Esther Esbarra porque não entendia o que ela

dizia – e assim o novo nome permaneceu nos documentos. Todos os irmãos embarcaram em direção

a Campinas, no interior de São Paulo, que na época era o estado mais rico devido à produção cafeeira.

Por isso, muitos imigrantes árabes, italianos, judeus e japoneses desembarcavam em Santos e seguiam

até Campinas que se recuperava de uma crise: na virada do século, a febre amarela dizimou boa parte

da sua população. A febre atingiu a cidade entre 1889 e 1897 e de 20 mil habitantes, apenas 5 mil

permaneceram na cidade. Havia uma média de 30 óbitos por dia e a epidemia matou 2 mil pessoas

somente em Campinas. Os que não se contagiaram, fugiram. Portanto, os imigrantes fizeram, assim,

ressurgir a força do município, a prefeitura oferecia aos imigrantes boas moradias, incentivo fiscal

para os comerciantes, hospitais e escolas de boa qualidade. A cidade ainda contava com ferrovias e a

proximidade com a capital São Paulo.

Foi nessa cidade vazia do início do século XX que Sucena conheceu Jacob Jorge, outro

imigrante árabe vindo da Síria, da família Lulu – que em árabe, significa “pérola”. Os dois se casaram

quando ela tinha por volta de 20 anos de idade e abriram uma loja de tecidos e aviamentos no centro

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da cidade. Em 1913, no dia 15 de dezembro, tiveram sua primeira filha batizada de Maria Lulu, que

mais tarde seria conhecida como Mariazinha Boccaletti. O menino do casal, Azizo, nasceria dois anos

depois. Porém, nenhum dos dois filhos teve a oportunidade de conviver com o pai. Viciado em jogos e

apostas, Jacob teve um ataque cardíaco fulminante durante uma partida de baralho e morreu em cima

da mesa de jogo pouco tempo depois de Azizo nascer. Sucena viu-se sozinha para criar dois filhos e

tocar um negócio na metade da década de 1910. Nessa época, Campinas era uma cidade com menos

de 70 mil habitantes, comandada por famílias tradicionais que se instalaram na região ainda na época

da colonização pela doação de sesmarias.

Aprendiz

Mariazinha nunca se interessou por aprender nada além de costura. Não aprendeu a passar um

café ou cozinhar um ovo. Aos 12 anos de idade, decidiu que largaria a escola para fazer um curso de

corte e costura assim que terminasse a 4ª série.

O ano era 1925, metade da década que ficaria conhecida como “Anos Loucos”, época em

que Campinas viveu sua primeira grande expansão do século. Revitalizada, a cultura era vivida

intensamente no cotidiano de seus moradores por influência da Semana de Arte de 1922 e pelos

imigrantes que continuavam se instalando na cidade, como os alemães que deram contribuição

musical à cidade. O Centro de Ciências Letras e Artes (CCLA), fundado em 1901, vivia seu auge

com apresentações musicais e exposições de arte. Os coretos das praças públicas, ao entardecer,

frequentemente abrigavam bandas ao entardecer fisgando como plateia o trabalhador que voltava

para casa.

Sucena inscreveu Mariazinha no curso de corte e costura da alemã Dona Olympia Hoffman,

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Sucena Gebara Lulu e os filhos Azizo, à esquerda, e Mariazinha , à direita. Campinas, SP, [ca. 1923]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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Retrato Mariazinha Boccaletti. Campinas, SP, [ca. 1939]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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com quem teve suas primeiras lições. Logo a menina revelou suas habilidades natas de cima de um

banquinho - por ser muito baixinha - dona Olympia colocava um banquinho em frente à mesa para

que Mariazinha pudesse cortar os tecidos. Formou-se com as honras de primeira aluna da turma e não

parou mais de criar. Certo dia, chamou sua mãe na sala, subiu no banquinho, tirou-lhe as medidas e

disse que ia providenciar um vestido bem alegre pra ela. Sucena, suas cunhadas e as outras mulheres

da comunidade árabe tinham o costume de se vestir todas de preto. Algumas até usavam burca.

Talvez por causa desse tédio monocromático, Mariazinha sempre teve paixão por cores, brilhos e

estampas. Uma vez o vestido de sua mãe pronto – e usado – começou a receber pedidos das tias, das

primas e de outras mulheres da comunidade árabe dispostas a largarem o preto. Costurava por prazer,

sem cobrar nada. Ela não tinha mais que 14 anos de idade.

Dois anos mais tarde é que ganharia dinheiro com o ofício. Já tinha uma pequena clientela formada

pelas parentas e amigas e atendia em casa enquanto sua mãe cuidava da loja. Assim começou a

ajudar fazendo as compras, pagando contas e o salário da empregada. Foi nessa época que Mariazinha

recebeu o primeiro pedido para um vestido de baile. A freguesa era Marina Marcondes e o baile era de

formatura da turma de medicina do seu marido Lito Marcondes. Mariazinha aceitou o trabalho feliz e

só teve notícias de que o vestido fez sucesso na festa. Mas foi a encomenda de Elisa Strachman, filha

de industriais da cidade, que lançou o nome da costureira para a sociedade campineira:

“Foi uma bomba. A cidade toda comentou porque era um vestido maravilhoso, todo de renda. Ele

decidiu minha vida, foi meu primeiro sucesso” – declarou em entrevista à revista Manequim Noiva,

em maio de 1992, pouco tempo antes de falecer.

À jornalista Neuza Maria, do jornal Correio Popular, contou um caso particular em que, durante

o início de carreira, recebeu um pedido de uma cliente por um vestido de baile. Esse vestido seria

considerado por Mariazinha o mais lindo já feito em 67 anos de carreira. Era de organdi amarelo

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importado e ela havia passado a madrugada inteira repicando a saia. “Depois de pronto – um sonho”,

como escreveu a jornalista na matéria original. Mas uma vez no salão, a cliente dizia a todos os

olhares invejosos que era uma criação de Dona Filhinha, uma modista de São Paulo conhecida na

época. “Mas Mariazinha, se não tinha fama, tinha amigos. Dona Aracy Pereira de Queiroz, uma delas.

Que sabia da mentira. E tratou logo de pôr a verdade em pratos limpos”*.

Boccaletti

O coreto da Praça Carlos Gomes era local de paquera na década de 1930. Quando a banda

se apresentava no fim da tarde, rapazes e moças avisavam os pais que iam ouvi-la tocar. Então duas

rodas se formavam: uma maior, dos meninos, que girava em um sentido. Outra menor, das garotas, que

girava em sentindo oposto. Conforme andavam em volta do coreto, cruzavam com seus pretendentes

e trocavam olhares. Mas Mariazinha, acompanhada de sua cúmplice de paqueras, Yolanda, amiga do

tempo da escola, não olhava para nenhum dos meninos da roda. Trocava seus olhares com o rapaz alto

da bateria, que tocava de cima do coreto.

Ela tinha entre dezessete e dezoito. Ele, um ano mais novo. Batucava nas panelas desde os

dez, aos 16 só largava a bateria quando a polícia batia na porta das casas noturnas. Tocava onde

aparecia, legal era bater no bumbo e no prato. Mas se ela quisesse achá-lo era fácil: toda matinê do

Cine São Carlos. Junto da cúmplice, à meia-luz do cinema mudo, era fácil se esconder no escuro

enquanto olhava o rapaz batendo a baqueta. Até que um dia, enfim, foram apresentados. Azizo acabou

se tornando amigo do menino que se chamava Julio Boccaletti, mais conhecido como Julinho, filho

de italianos da pequena cidade São Benedetto Po, no norte da Itália, trabalhava como ourives. Os

* Coluna “Quem é Quem”, do jornal Correio Popular, sem data.

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dois começaram a namorar em junho, casaram-se em junho e morreram em junho. Talvez por algum

fascínio mútuo e sigiloso pela troca do outono pelo inverno. Ou apenas por coincidências da vida.

O casal namorou durante sete anos, atitude incomum para a época. Frequentavam os cinemas

da cidade e os bailes onde Julinho e Sua Orquestra - que montou em 1935 e tinha 25 integrantes -

tocava. Os músicos assinavam contratos de dois anos com as casas noturnas e os clubes e viajava para

o interior pra se apresentar. E todo ano eram convidados a se apresentarem no carnaval de Catanduva,

o mais agitado e famoso do interior. A orquestra de Julinho era uma das mais famosas do estado de

São Paulo. Sua grande inspiração era Glenn Miller, mas tocavam de tudo: de jazz, fox trot e swing

a chorinho e marchinhas de carnaval. Mas a música tema do casal, além de “Fascinação”, era “Eu

Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda”:

“A orquestra tocou umas valsas dolentes,

Tomei-te aos braços, fomos dançando,

Ambos silentes...

E os pares que rodeavam entre nós,

Diziam coisas, trocavam juras, à meia voz,

Violinos enchiam o ar de emoções,

E de desejo, uma centena de corações...” *

No dia 28 de junho de 1937, Maria Lulu e Julio Boccaletti se casaram na Igreja do Rosário.

Compraram uma casa grande na Rua Campos Sales e dona Sucena foi morar com eles, já que Azizo

trabalhava como viajante e raramente estava na cidade. Lá montaram o ateliê de Mariazinha e a

*Autoria desconhecida

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oficina de ourivesaria de Julinho dentro da casa. A sala de ensaio da orquestra ficou no quintal, do

lado do galinheiro, enquanto no corredor lateral a sogra plantou os pés de uva – tradição árabe. A

família cresceu logo: em 1938 tiveram Julmar, e em 1940, Antônio Carlos. A filha temporã do casal,

Maria Auxiliadora, veio somente 10 anos depois, em 1950.

As crianças foram criadas em meio aos alfinetes que ficavam no chão do ateliê da mãe e educadas

na rédea do metro que carregava em volta do pescoço, na época feito de borracha. Se ela via alguém

aprontando, avisava: “Olha que você vai apanhar de metro, hein”. No fim da tarde iam todos para a rua,

as mulheres conversavam encostadas no portão esperando o marido, enquanto as crianças brincavam

pela rua. Chico Amaral, que viria a se tornar prefeito da cidade - mas que na época trabalhava como

advogado dos ferroviários num pequeno escritório em cima de uma farmácia na mesma rua Campos

Sales – atravessava a rua para namorar uma das costureiras de Mariazinha. Julinho pulava do bonde

e conforme ia subindo a rua de casa assobiava para os filhos, que já sabiam que o pai vinha vindo. As

noites de ensaio da orquestra eram a alegria da vizinhança: todos ficavam no quintal da casa ouvindo-

os tocar. Os mais velhos sentados, conversando e apreciando o som. Os mais jovens se acabavam de

dançar enquanto as galinhas quase enlouqueciam com aquela confusão.

Mas se Mariazinha era muito à frente do seu tempo em diversos aspectos, como mãe era

muito tradicional. Julmar adorava dançar nas matinês da escola Ateneu Paulista, que acontecia aos

domingos, mas sua mãe não deixava. Então, ela e os amigos armavam tudo do portão da casa dela.

Iam todos ao cinema São Carlos à tarde, escolhiam um filme, pagavam o ingresso e entravam na

sala. Quando as luzes se apagavam, Mariazinha entrava para se certificar que estavam todos lá e,

assim que saía, o porteiro ia até eles e dizia: “Sua mãe já saiu! Podem sair!” – todos corriam para fora

do cinema, subiam a rua e esperavam o sinal do guarda do café: “Vem! Vem! Ela já passou!” - e

continuavam correndo até o Ateneu. Se a mãe era a brava, o pai era o legal. Chegando ao baile, toda

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Retrato de casamento de Mariazinha e Julinho Boc-caletti. Campinas, SP, 28. jun. 1937. Coleção Maria-zinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Mariazinha Boccaletti e os filhos Julmar e Antônio Carlos. Campinas, SP, [ca. 1947]. Coleção Mariazinha

Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp

Julinho e Mariazinha em Santos, SP. 194_.

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Mariazinha em Santos, SP. 194_.

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feliz, Julmar olha para a bateria da Orquestra do Birico e vê seu pai, rindo e dando um tchauzinho.

Não se importava, dançava a tarde toda e depois corria de volta pra casa com os amigos para estarem

em frente ao portão às cinco e meia. Quando a mãe saía no portão, perguntava:

- Como foi o cinema?

- Ah mãe, o filme tava ótimo! – com os pés doendo de tanto dançar.

A família Boccaletti sempre foi muito amiga da família Motta – e da filha do casal, Odette, que

em 1945 se casaria com Mário Andrade Raia e em 1966 daria luz à atriz Cláudia Raia. Viajavam juntas

com mais dois casais de São Paulo: Seu Leandro e Dona Leonor e Seu Joãozinho (então presidente

da Companhia Light de São Paulo) e Dona Mariazinha. Ao todo eram 15 pessoas. As viagens eram

programadas todos os anos da mesma forma: nas férias de verão passavam dois meses em Santos,

nas de inverno, 15 dias em Poços de Caldas. O importante era que tivesse o cassino. Em Santos,

costumavam se hospedar no hotel Bandeirantes, que ficava na avenida beira-mar Presidente Wilson,

vizinho dos dois cassinos mais famosos da cidade: o Atlântico e, atravessando a rua, o Balneário, o

mais chique da época e que chegou a ser comprado por Pelé. Para frequentar o local era preciso ir bem

vestido, e as mulheres aproveitavam a oportunidade para desfilar seus finos tailleurs europeus, os

vestidos popularmente chamados de godê “guarda-chuva”, com cinturas marcadas e saias volumosas.

As suficientemente corajosas em enfrentar o calor exibiam suas peles, provavelmente compradas na

Casa Canadá ou da Madame Rosita. Para o dia, roupas inspiradas nos marinheiros com saias listradas

de azul-marinho e branco, e a blusa branca com gola azul, listras vermelhas e bordados de âncoras.

Mariazinha, apesar de não ter convivido com o pai, compartilhava o interesse comum pelo

jogo. Dona Sucena sempre controlou o gosto da filha por jogos de apostas pelo trauma que sofreu com

o marido. Em Santos, costumava liberar o carteado por ser a programação das férias, mas se percebia

que ela estava abusando, logo lhe dava umas broncas. Mariazinha acabou aprendendo a se controlar

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e dizia: “dinheiro de jogo é dinheiro gasto” – e dava o que ganhava para os filhos, pagava um bom

jantar, ou gastava em bobagens.

Em 1954, o governo do presidente Dutra fechou os cassinos do país e com isso cessaram as

viagens da trupe. Depois disso, foram pouquíssimas as vezes que a família toda saiu para viajar. No

mesmo período, Campinas passou por sua segunda grande expansão do século. Em decorrência da

Segunda Guerra Mundial, outra leva de imigrantes aportou no Brasil e se instalou na região. Com a

Europa destruída, grandes fábricas também procuraram o Brasil para se instalarem, mas com as capitais

cheias, procuraram como alternativa as cidades do interior. Assim, Campinas recebeu grandes indústrias

como a Bosh e a Singer, e teve que se adaptar para receber as fábricas e acomodar os novos moradores,

criando um plano urbanístico que, entre as medidas, visava ao alargamento de ruas do centro da cidade,

inclusive as ruas Campos Sales e Senador Saraiva, durante o governo do prefeito Antônio Mendonça

de Barros. A família Boccaletti e seus vizinhos tiveram sua casa desapropriada e em negociação com a

prefeitura conseguiu manter os fundos do seu terreno e dividir o terreno baldio ao lado com o vizinho.

Fizeram um financiamento na Caixa e reconstruíram um sobrado no mesmo lugar.

Com o crescimento e a modernização da cidade, muitas relojoarias foram abertas e o setor de

joias se industrializou. Por mais que Julinho tivesse um grande cliente fixo, Guilherme Duque, das Lojas

Duque de São Paulo – uma das mais refinadas joalherias até os dias de hoje – perdeu o interesse pela

profissão e decidiu procurar outra ocupação. Foi quando Mariazinha ligou para sua amiga Yolanda,

que havia se casado com o recém-eleito deputado federal Ruy de Almeida Barbosa. Perguntou se o

marido da amiga não teria como indicar Julinho a algum cargo. Assim ele se tornou fiscal do IAPC

(Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários, equivalente hoje ao INSS – Instituto Nacional

de Seguridade Social) e vendeu a “Julinho e Sua Orquestra” - que continuou durante mais algum tempo

sem seu band leader original.

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Julinho, ao centro e ao fundo, com sua orquestra no clube Concórdia de Campinas, SP. 194_.

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36

Sala de costura

Mariazinha, antes mesmo de se casar, aos 20 anos de idade já tinha duas costureiras, Neiva

e Odete, que trabalhavam com ela e a acompanharam para a casa nova onde contratou outras três

costureiras. Considerando que Campinas na época era uma cidade pequena, todos se encontravam no

centro e as famílias eram conhecidas pelo sobrenome. É provável que tenha ocorrido o que chamamos

hoje de “propaganda boca a boca”, ainda mais numa época onde não havia tantas opções. O que era

bom vendia mais.

Na década de 1930 a cidade perdia sua fisionomia agrária pela crise na produção cafeeira e

passava a se desenvolver de forma mais industrial e recebeu o status de “polo tecnológico” do interior

do Estado de São Paulo como parte do “Plano Prestes Maia”. Basicamente a cidade era formada pela

elite, enquanto as classes mais baixas se instalavam na zona rural. Os bairros periféricos surgiriam

apenas a partir da década de 1950.

O último filme mudo é lançado em 1929, O Beijo, estrelado pela atriz sueca Greta Garbo,

e em seguida viria a era do som junto com a febre dos musicais que foram influência direta para os

trabalhos de Mariazinha. Principalmente os do estúdio MGM (Metro Goldwyn Mayer) estrelados

por Fred Astaire, Esther Williams e Gene Kelly já na década de 1940. Semanalmente, o motorista

do ônibus Cometa ou do Expresso Brasil parava à porta da casa da família Boccaletti antes de pegar

a estrada para São Paulo. Mariazinha tinha que ir com frequência à capital para comprar material e

levava junto as tias, as primas e os filhos para passear e pegar a matinê do Cine Metro, que ficava na

Av. São João, no centro da cidade, inaugurado em 1938. O cinema fazia parte da rede internacional

de salas de cinema do estúdio MGM e atendia padrões predeterminados de construção e serviço. Os

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funcionários, como os porteiros e lanterninhas, eram uniformizados de branco e recebiam aulas de

etiqueta, e havia o groom, um funcionário vestido como soldado da guarda palacial que precisava ter

postura correta para receber os espectadores que vinham de automóvel. Era o portal que ligava São

Paulo a Hollywood. Mariazinha saía inspirada do cinema, decorou até o nome da figurinista da MGM,

Irene Sharaff – de quem virou fã – e, aos suspiros, retornava à loja de tecidos para comprar mais uma

fazenda. O cinema fechou em 1997 e se tornou uma sede da Igreja Universal.

A moda da década de 1930, além de ter essa forte ligação com o cinema, era o contraponto

da década anterior em que as mulheres tinham um visual mais andrógino, a silhueta tubular não

deixava as curvas do corpo feminino aparecerem, mas as pernas eram evidenciadas de acordo com o

comprimento que subia e exibidas nos bailes ao som do charleston, do fox trot e do jazz aos passos

rápidos das danças. Mesmo com a queda da Bolsa de Valores de Nova York em 1929, a moda ainda

prezava o luxo, a feminilidade e a sofisticação. Era a realidade paralela usada de fuga para esquecer

as crises do mundo. O tecido mais usado na época era o cetim em corte godê ou evasê, que dava

um ar romântico à produção. A bainha das saias e dos vestidos voltou a descer, permanecendo a

25 centímetros do chão, o chamado mi-molet (que significa “no meio da panturrilha”), enquanto os

vestidos de noite voltaram a ser longos. As costas eram a parte do corpo feminino em evidência,

exibidas com decotes na parte de trás dos vestidos, fosse para a manhã ou para a noite. Esses eram os

parâmetros ocidentais estéticos da época.

Em Paris, as maisons tinham um aumento crescente de acordo com os novos talentos da costura

que eram descobertos. Os principais nomes da época eram Chanel (que continuava em evidência após

seu sucesso na década de 1920), Jeanne Lanvin, Nina Ricci, e especialmente Madeleine Vionnet

e Madame Grès, a quem podemos comparar de forma técnica ao trabalho de Mariazinha. As três

tinham uma forma de trabalhar em comum, que era a criação livre pelo tecido, e pelo toque, pela

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experiência, já começavam a criar. Madeleine Vionnet ficou conhecida pelos seus vestidos de corte

em viés que, apesar de não ter sido a inventora desse tipo de corte, foi a primeira estilista que o

utilizou integralmente com a intenção de dar um melhor caimento às roupas e deixar as mulheres

com movimentos mais livres. Criava sobre a técnica de moulage, onde já “construía” o modelo com

o tecido num manequim de madeira de 80 centímetros. Madame Grès usava o recurso do croqui,

mas no momento de executar a roupa, trabalhava sobre o manequim. Enquanto esticava o tecido

com a mão esquerda, prendia os alfinetes com a mão direita, e dava forma à roupa sem costurar. Já

Mariazinha não utilizava moldes ou desenhos. Discutia com a freguesa suas preferências e avançava

com a tesoura sobre o tecido. Apenas marcava as medidas da cliente na unha – tirava as medidas

do busto, da cintura, do quadril, do comprimento e o comprimento da manga – e criava conforme o

tecido. Dizia que quem trabalhava com moda precisava ter uma sensibilidade totalmente espiritual:

“Sinto isso quando pego um tecido para confeccionar um modelo. Alio a sensualidade do tecido

à personalidade da cliente.” *

Essa característica pessoal do trabalho dela não resume seu status profissional apenas como mais

uma costureira como outras tantas que existiam numa fase anterior à popularização do prêt-à-porter

(a roupa pronta para uso), mas a eleva como uma criadora de fato.

Nos anos de 1920, foi aberta em São Paulo a primeira loja de departamentos Mappin Stores,

que era frequentada apenas pela alta-roda paulistana e passou a ser um hábito moderno comprar em um

lugar que apresentava novidades diárias em roupas. Mas esse costume só se popularizaria na década

de 1980. Até então grande parte das roupas era confeccionada de forma artesanal pelos inúmeros

ateliês de costura no país – formais e informais. Ainda na década de 1930, a máquina de costura se

popularizava e toda dona de casa que se prezava tinha uma em casa – de preferência Singer. Apenas

* Diário do Povo, 15 de novembro de 1987

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Mariazinha e modelos. Campinas, SP, [ca. 1960]. Coleção Mariazinha Boccaletti /

Centro de Memória-Unicamp

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alguns artigos eram fabricados em grande escala, como as roupas íntimas e alguns acessórios. Mas

a moda ainda seguia ditada por Paris, divulgada por revistas nacionais ou por viajantes que traziam

revistas e figurinos de fora para algumas modistas. Mariazinha tinha seu fornecedor, um viajante da

cidade que ia com frequência à Europa e trazia o material; que ela deixava à disposição das clientes

na sala de espera do ateliê. É possível observar no trabalho da modista os padrões estéticos impostos

pela época e a inspiração em grandes estilistas franceses, mas não se encontra uma cópia fiel de um

modelo, há sempre certa interferência sua.

A década de 1940 já se inicia com a Segunda Guerra Mundial paralisando a economia

europeia, o que reduziu sua influência no Brasil devido à escassez de produtos vindos da zona de

guerra. Isso somado à medida do Estado Novo, que aumentou os impostos para a importação de

bens e exigiu que o mercado nacional se movimentasse, particularmente o setor têxtil. A crescente

industrialização no país deu origem a uma classe média composta por empregados assalariados que

demandavam produtos de moda. Era hábito das mais abastadas viajar para a Europa para montar seu

guarda-roupa, principalmente as que faziam parte das famílias tradicionais de cafeicultores, que nesse

período já haviam perdido sua fortuna e que, sem dinheiro para viajar ou importar suas roupas, deram

origem a um novo tipo de comércio. Nas capitais brasileiras abriram-se grandes magazines no estilo

das maisons francesas que atuavam como importadores, reprodutores e adaptadores da haute couture

europeia. As mais emblemáticas da época eram A casa Canadá, no Rio de Janeiro, e as casas Madame

Rosita, em São Paulo.*

O estilo da década era mais sóbrio. Houve uma masculinização das roupas femininas que

eram compostas de duas peças tanto para o dia quanto para a noite. As saias eram justas devido ao

racionamento de tecido durante a guerra e, os casacos, de tecido simples. O mais usado na época era

*História da Moda no Brasil, de João Braga e Luís André do Prado; Pyxis Editorial, São Paulo, SP, 2011.

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o raiom, normalmente usado nas roupas íntimas. Os ombros marcados ofereciam à mulher um ar

imponente já que tinha que sair de casa para trabalhar.

A guerra terminou em 1945 e dois anos mais tarde surge Christian Dior com uma proposta

de resgate à feminilidade do luxo. Suas criações chamadas de Ligne Corolle e Ligne 8 resgata as

cinturas marcadas e as saias volumosas da segunda metade do século XIX. A jornalista Carmel Snow

da revista Harper’s Bazaar batiza as criações de Dior como “New Look” e rende desejos e cópias

pelo mundo todo. Aqui, o estilo se popularizou como o “corte godê guarda-chuva” e foi aderido

ferozmente por Mariazinha, justamente por relembrar o luxo dos musicais, a vasta opção de cores e

muito brilho através do bordado.

Cena

Mariazinha herdou três coisas da mãe: a saúde, a disposição e a altura. Dona Sucena era uma

libanesa baixinha, magrinha, mas de uma beleza que a idade não apagou. Era morena dos cabelos

escorridos e o brilho dos olhos verdes chamava a atenção. Para ajudar a filha que passava o dia no

ateliê, vendeu sua loja quando os netos chegaram. Era muito caprichosa com a casa, principalmente

para agradar o genro, por quem morria de amores. Julinho se relacionava melhor com a sogra do que

com a própria mãe. A família costumava chamá-la de “Cena” e aos domingos todos apareciam para

o almoço com os pratos típicos feitos pela tia Cena, que aprendeu com a mãe ainda no Líbano, como

esfihas e o quibe cru.

Em 1953, ao guardar um copo no armário, escorregou da escadinha e bateu com o seio na quina

da pia. Não houve grandes ferimentos, apenas alguns hematomas. Todos podiam se acalmar, estava

bem. Uma semana após o acidente, um grande caroço apareceu no lugar da pancada. Feita a biópsia,

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resultado positivo – câncer. Na época, ainda havia muito preconceito em relação à doença: achavam

que era transmissível, apelidavam de “aquela doença maldita”, e ninguém queria ficar por perto.

Assim como aconteceu quando surgiu a AIDS, os boatos eram muitos e as famílias preferiam manter

em segredo a doença do ente querido. Mas Mariazinha sempre foi muito franca com todas as clientes

e amigas – principalmente por serem ricas e terem mais acesso às informações. A única que não sabia

de toda a verdade era a própria Dona Sucena, que tinha pavor da doença. Costumava contar em casa

que na época que vivia no Líbano, quando alguém tinha câncer, removiam o tumor e mandavam

queimar em volta – com fogo ou cautério – para a doença não espalhar. Então diziam para ela que

tinha espondilite.

Assim que o tumor foi detectado, o doutor Mário Matallo agendou a cirurgia. Tiveram que fazer uma

mastectomia total, retirando todo o seio esquerdo. Só que na época, a cirurgia era mais invasiva e o corte ia

da altura do pescoço, entre os dois seios, descia até o quadril e subia pelas costas até a altura do ombro. Dona

Sucena foi retalhada e levou 130 pontos. Mas, forte de sangue árabe, recuperou-se rapidamente. Poucos dias

após a cirurgia já se sentava na sala para conversar com as freguesas da filha. A costureira tinha contatos,

pediu um favor a um amigo aviador que viajava com frequência à Alemanha para que comprasse umas

injeções de “última geração” e que os resultados vinham sendo positivos no tratamento de câncer. Pagava-se

muito caro por essas injeções importadas, mas Mariazinha e sua mãe sempre foram muito unidas e faziam de

tudo uma pela outra. Toda semana Dona Sucena fazia radioterapia e tomava punção no meio das vértebras

– Julmar, que na época tinha por volta de 15 anos de idade, se prontificou a acompanhá-la nas consultas e

tratamentos para poupar a mãe de ver o sofrimento da avó, pois eram tratamentos muito doloridos.

Dona Sucena conseguiu levar bem o tratamento. Continuou cuidando da casa e dos netos, num ritmo

mais lento, pois se sentia fraca ou cansada facilmente. Quando o assunto entrava em pauta na família, ela

mostrava que não era tonta. Dizia:

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– Eu sei o que eu tenho. Vocês dizem que eu tenho uma coisa, mas eu sei que não é.

– Tem o quê? A senhora não tem nada! O que a senhora tem é espondilite! Uma grave espondilite!

– Mariazinha respondia à mãe.

Ela fingia que acreditava. E fingia que era espondilite. Cinco anos se passaram enquanto se

tentava viver uma vida normal associada à rotina de tratamento de dona Sucena. Os dois filhos

mais velhos de Mariazinha já haviam se formado na escola normal (equivalente ao ensino médio).

Antônio Carlos se mudara para São Carlos para cursar a universidade, enquanto Julmar cursava o

conservatório Carlos Gomes para piano e cuidava da irmã mais nova, que ainda tinha 8 anos de idade.

Ao mesmo tempo em que dona Sucena ia bem, não sabiam até quando essa fase duraria, pois na época

não se falava em cura, mas apenas em tratamentos para prolongar a vida do paciente. Julinho caiu em

depressão – apesar de ainda não haver esse diagnóstico, diziam que era tristeza. Mariazinha passou

esses anos em agonia e ansiedade, só conseguiu passar por essa fase graças à distração proporcionada

pelo trabalho e pelas freguesas. Fazia de tudo pela mãe, tratava-a como a uma rainha.

Julmar continuava acompanhando a avó nas consultas. José Bittar, primo de segundo grau de dona

Sucena, auxiliava o caso dando uma assistência pessoal – visitava-a todos os dias, receitava remédios

para amenizar as dores e dava apoio emocional à família. Certo dia, mandou uma ambulância buscá-

la, como de costume, para realizar alguns exames. Chegando à clínica, Doutor Bittar a levou para tirar uma chapa de raio-x. Quando pegou o resultado, comemorou:

– Cena, que beleza! Tá tudo branquinho, olha só!E a acompanhou de volta para casa na ambulância. Chegando, o motorista a ajudou a descer da

ambulância e subir as escadas que levavam até a entrada. Nisso o doutor virou para Julmar e disse:

– Não tem mais nada. Não sobrou uma vértebra, nada. Agora, é só aguardar.

O câncer passou para o pulmão e se espalhou para o resto do corpo. Julmar decidiu esconder da

mãe essa informação, pois ela sabia que não havia cura, e que era apenas uma questão de tempo. Teve

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receio de que, se contasse, a mãe ficasse ainda mais deprimida. Certo domingo, estava na cozinha

com a avó aprendendo a preparar as esfihas para a família que já estava toda na sua casa. Dona Sucena

começou a se sentir fraca e estava quase caindo quando Julmar a segurou e gritou por socorro. Todos

correram para acudir e chamaram os três médicos amigos da família: José Bittar, Mário Matallo e

Moisés Liberman. Após examiná-la, os três chegaram a um consenso e chamaram Mariazinha para

uma conversa:

– Olha, não há mais o que fazer. Ela agora tem que ficar em repouso. Nós não aconselhamos

interná-la no hospital, pois não sabemos se ela vai aguentar dias ou meses. O melhor é ela ficar em

casa com a família.Na segunda-feira, Mariazinha alugou uma cama de hospital para colocar no quarto da mãe e

contratou a enfermeira Maria Pinarelli para cuidar dela dia e noite. À noite, dividia a cama de casal de dona Sucena com Julmar, que novamente se prontificou a ajudar a enfermeira durante à noite, se fosse preciso. Três meses se passaram e certa manhã Julmar acordou e não viu a enfermeira ao seu lado. Os aparelhos da cama da avó estavam desligados:

– Maria! Maria! Cadê você? Porque os aparelhos...– Shiu! Vem cá! – disse Maria, e a levou até a cozinha – Sua avó entrou na sororoca no meio da

noite, então eu desliguei os aparelhos.Dona Cena entrou em processo de morte, já não estava mais lúcida. Durante o dia evitaram que

Mariazinha entrasse no quarto, diziam que a mãe estava muito cansada. No fim do dia saiu para comprar tecido para forro na Rua 13 de Maio. Quando chegou ao portão de casa, seu tio disse:

– Corre! Corre! A Cena tá morrendo!

Mariazinha largou as sacolas no chão e subiu as escadas correndo para ver a mãe. Sucena faleceu

às cinco horas da tarde do dia 8 de setembro de 1958.

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Haute couture

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Agulha de ouro

Após a morte da mãe, o mundo de Mariazinha ficou suspenso. Ela perdeu a vontade de

costurar, não queria atender as clientes, mal se alimentava e chorava o tempo todo. A visão que os

amigos tinham dela até então era de uma pessoa alegre, divertida, ativa e que não se deixava abater

por pouco. Se alguém chegava perto dela, triste ou choramingando, logo dizia:

– Se tá com baixo-astral, some! Não me venha com chororó!

Mas a morte da mãe foi o grande choque da sua vida. Passou uma semana assim até o dia

em que alguém a chamou de volta à vida. Uma amiga sua – que ninguém mais se lembra quem foi

– havia inscrito seu nome no concurso Agulha de Ouro e Manequim de Ouro, que seria realizado

em Campinas dali a uma semana. O prazo de inscrição e desistência já havia passado. Se ela não

comparecesse, não poderia participar de outro concurso futuro. Sem opção, convocou suas costureiras

de volta ao ateliê. Ninguém sabe qual foi sua inspiração num momento de dor para criar. Talvez

uma homenagem à mãe, que sempre a apoiou em sua carreira de modista. Pois Maria, suas cinco

costureiras, mais a bordadeira Lourdes deram conta de criar em uma semana dois vestidos para os

concursos.

Sábado de manhã, dia do concurso, a pequena costureira montou novamente nos seus sapatos

de salto altíssimo. Chamou um táxi e colocou dentro do carro as duas manequins que desfilariam

para ela, sua filha mais velha, os dois vestidos do concurso e rumaram para o Teatro Municipal que

ainda existia no centro da cidade. Ao desembarcarem, tomava todo cuidado para os vestidos não

formarem um vinco sequer. Dizia que roupa pronta só é bonita se passada. E tinha que ter passamento

de tintureiro. Pediu para que a filha ensaiasse com as duas manequins no palco do teatro. Julmar

normalmente ensaiava as meninas que desfilavam para a mãe. Ensinava-as a andar, olhar, e virar com

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elegância, sem muita afetação. Enquanto dava sua aula às duas modelos, um homem vestindo um

macacão, sentado no meio da plateia, mexeu com ela:

– Mocinha! Se você fosse um palmo mais alta eu levava você comigo.

Julmar imaginou que fosse uma cantada de mau gosto de algum dos homens que trabalhavam

na manutenção do teatro – também, com aquele macacão – e fez uma careta para ele do tipo “não

mexe comigo”. E continuou como se nada tivesse acontecido. Mariazinha apareceu e as chamou para

irem embora. Tinham que se arrumar para a noite, Margô ainda precisava arrumar o cabelo de todas,

e o penteado das manequins provavelmente daria trabalho, fora a maquiagem.

As indústrias têxteis nacionais que foram abertas devido à escassez do produto durante a

Segunda Guerra Mundial agora competiam com as renomadas empresas europeias que retomavam

suas atividades. Assim, como meio de estimular o consumo interno de seus produtos, promoviam

e patrocinavam desfiles, eventos e concursos e cediam seu material para as costureiras e modistas

confeccionarem seus modelos. Esses trabalhadores supriam a necessidade da classe média brasileira

que consumia cada vez mais no mercado de moda conforme a velocidade da mudança nos padrões

estéticos. O incentivo da indústria têxtil aos costureiros contribuiu para que os primeiros grandes

nomes da moda brasileira surgissem. Esses deixaram de ir até a casa das clientes para atendê-las

e passaram a receber em seus próprios ateliês a alta sociedade – não foi o caso de Mariazinha, que

sempre atendeu em seu ateliê montado em sua própria casa – onde produzia modelos exclusivos

sob medida de alta qualidade e caríssimos. E é nesse momento, entre as décadas de 1950 e 1960,

quando as freguesas passam a procurar qualidade e exclusividade, que começa a surgir a alta-costura

brasileira. Nesse contexto, a indústria Matarazzo-Boussac cria o Festival de Moda no Estado de São

Paulo, concurso no qual os costureiros ganhadores são contemplados com a Agulha de Ouro e Platina

e as manequins, com o Sapatinho de Ouro.

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Nessa especial edição do evento que aconteceu em Campinas, além de Mariazinha, participou

Flora Postalle e Amélia Parra, colegas de ofício que compartilhavam a grande demanda por roupas da

média e alta sociedade campineira. Porém, cada uma dentro de seu estilo particular.

Naquela noite de concurso só foi permitida a entrada das costureiras e suas manequins no

backstage. O restante da família e dos amigos deveriam permanecer nos lugares reservados na plateia.

Assim, Julmar levou a mãe até a porta dos fundos do teatro, desejou-lhe sorte, e seguiu para a entrada

principal do teatro com sua irmã mais nova. A organização havia reservado para a família de Maria

assentos numa frisa de frente para os jurados. Após todos os cumprimentos e breves conversas sociais,

o terceiro sinal tocou e, cada um devidamente em seu lugar, os jurados entraram. Quando Julmar

olhou atentamente cada jurado, quase não acreditou. O moço que havia mexido com ela mais cedo

estava entre eles. Era Dener Pamplona de Abreu que, ainda muito novo, com seus 21 anos, andava

repercutindo na imprensa pelo seu talento e jeito excêntrico. Durante a apresentação dos modelos não

fazia a menor questão de mostrar um educado interesse – batucava com a caneta, rabiscava o papel

ou limpava as unhas. Mas quando o interlocutor anunciou: “Mariazinha Boccaletti!” – até esticou o

pescoço para ver melhor. Julmar tentava enxergar a mãe em alguma lateral do palco para fazer algum

sinal, mas nada, não conseguia achá-la.

Assim o concurso seguiu até a pausa para os jurados deliberarem. Os cochichos baixos e ansiosos

preencheram o silêncio do teatro até que o terceiro sinal tocou novamente e o evento teve continuidade. No

palco, chamaram as concorrentes para anunciarem as vencedoras. Anunciaram a terceira, a segunda. Após

um breve silêncio, o interlocutor grita o nome de Mariazinha Boccaletti. Dener se levanta para entregar o

buquê de flores pessoalmente. Mariazinha era o oposto de suas criações exuberantes: estava magra e abatida,

sorria um sorriso singelo, mas sinceramente feliz. Em seguida anunciaram as manequins vencedoras:

Mariazinha compartilhou a vitória com a sua modelo Eliete Falcão.

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Dener, Mariazinha Boccaletti e Eliete Nani Falcão no concurso Agulha de Ouro. Campinas, SP, 1958. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Anos depois, Mariazinha Boccaletti e Denner – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, 1977. Coleção

Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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Nos bastidores, Dener procurou a costureira vencedora e combinou de lhe fazer uma visita

no dia seguinte para conhecer melhor seu trabalho. Domingo de manhã, apareceu nos portões da casa

na Campos Sales com suas manequins que viajavam sempre com ele. Encantado com as costuras,

mandava suas meninas vestirem os modelos que haviam sobrado de um desfile que Mariazinha havia

feito dez dias antes de sua mãe falecer, e que ainda estavam na arara. Depois as fazia desfilar pelo

corredor da casa. Elogiava cada peça. Apaixonou-se pelo vestido de uma das freguesas e queria levá-

lo de qualquer jeito para colocar na vitrine do seu ateliê:

– Você tá louco! Esse vestido é para uma freguesa minha ir à festa de formatura do noivo!

Ele vai se formar médico! – disse Mariazinha e não o deixou levar.

Lá pela hora do almoço, Dener se despediu. Mariazinha insistiu para que ficasse, mas ele não

gostava de dar trabalho. Levou sua trupe de modelos para almoçar na Churrascaria Gaúcha que ficava

a duas casas de distância de onde Maria morava. Chegando lá, foi barrado na porta – estava de

bermuda. Homens não usavam bermudas naquela época. Alguém viu a confusão na porta e correu até

a casa de Mariazinha para avisá-la. Logo em seguida ela desce e manda chamar o dono do restaurante

com sua imponência em um metro e meio de altura:

– Que isso Marquinho? Como não vai deixar o moço entrar? Pelo amor de Deus!

– Ah, Dona Mariazinha, se a senhora está indicando... Não, podem entrar, podem entrar.

Dener, ficou encantado com a postura da costureira. A partir desse dia, viraram bons amigos.

Dener passou a frequentar a cidade, organizava desfiles e contava com o apoio de Mariazinha – que

dizia que o amigo era um verdadeiro gentleman, apesar do jeito afeminado, e que era muitíssimo

inteligente. Chegaram a fazer um desfile beneficente conjunto em Campinas. No mesmo período,

Clodovil Hernandes fez alguns desfiles na cidade, pedia um favor ou outro à Mariazinha quando

esquecia alguma coisa, mas nunca se misturou muito por ela ser amiga de Dener – apesar de dizer

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que respeitava muito seu trabalho. Também passou pela cidade o estilista Guilherme Guimarães, que

trabalhou para a maison Dior, cujo trabalho era adorado por Mariazinha.

Foi nessa virada da década de 1950 para a de 1960 que Mariazinha passou a ganhar destaque

nas colunas sociais da cidade. Era convidada para fazer editoriais de moda nos jornais locais e suas

criações passaram a ser desejo de consumo da população feminina de Campinas. Apesar de sempre

ter tido sucesso na profissão, foi a partir dos 40 anos de idade que passou a construir um nome forte

no mercado: reflexo do amadurecimento dentro da profissão.

“Na beleza das mulheres do Brasil” *

O ano ainda era 1958 – o mesmo de quando Mariazinha ganhou o Agulha de Ouro –quando uma

jovem chamada Madalena Fagoti bateu à porta de Mariazinha. De traços delicados, pele branca e

cabelos escuros, disse que havia recebido instruções da Secretaria de Turismo da cidade para procurá-

la. Precisava fazer seu vestido para o concurso de Miss Campinas. Mariazinha já havia vestido outras

misses antes, mas o mais longe que elas chegaram foi ao Miss São Paulo – e nem costumavam pegar

alguma colocação. De fato tinha um acordo com a prefeitura para fazer os vestidos das participantes,

então a recebeu em seu ateliê.

A década de 1950 foi tomada pela febre dos concursos de beleza, a busca pela mulher ideal –

pelo menos ideal para a mente dos homens. Não há um registro oficial sobre o primeiro concurso

realizado, mas a ideia veio da metade do século XIX, quando jornais de Paris que, empolgados com a

fotografia, publicaram em suas páginas retratos de mulheres para eleger a mais bela francesa – o que

escandalizou a sociedade da época, mas aumentou a venda dos exemplares e chamou anunciantes.

*”Canção das misses” interpretada por Ellen de Lima

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Também há dúvidas sobre quem foram as primeiras brasileiras a ganharem o título de mais bela,

mas é fato que a primeira Miss que repercutiu pelo país saiu de Campinas e se chama Zezé Leone,

em 1922, e foi homenageada de diversas formas: o compositor Freitinhas fez um fox trot chamado

“Vênus” em sua homenagem; seu nome apelidou a locomotiva 370 da Central do Brasil e até uma

sobremesa mineira levou seu nome.

Mas até 1952 os concursos não seguiam um calendário fixo e eram esporádicos. Até que

uma fabricante de roupas de banho norte-americana chamada Catalina realizou na Califórnia uma

competição de mulheres desfilando de maiô. A Universal Studios investiu na ideia e criou o “Miss

Universe” – evento anual onde competia uma representante de cada país participante. Para eleger

sua candidata dentro do país, os concursos foram se regionalizando, até serem realizados em cada

cidade. Foi então que Campinas passou a sediar seu próprio concurso licenciado pelo Miss Universe.

O “glamour hollywoodiano” fazia com que nove entre dez meninas sonhassem em ser Miss.

Mariazinha soube explorar esse novo momento do desejo feminino e a sobrecarga anual em vestir

todas as concorrentes do concurso regional era a aposta de que uma delas se destacasse vestindo

suas criações. A intenção de Mariazinha não era vender mais, ganhar mais dinheiro, ou construir um

nome forte para posteriormente vender. Sua ambição era o simples elogio do seu trabalho. Seu ego se

contorcia de tanta felicidade quando suas clientes a procuravam no dia seguinte a uma festa para lhe

contar o quanto seu vestido fora elogiado, e esse era o verdadeiro pagamento. Mas ver uma de suas

criações desfilada por uma candidata a Miss na televisão para ela poderia ser o sinônimo do auge.

Madalena Fagoti foi a primeira Miss Campinas dessa nova leva que chegou até o Miss Brasil.

Mesmo não levando o título, a cidade entrou em festa com seu retorno. O salão de beleza da Margô,

que ficava na rua General Osório, no centro da cidade, organizou uma festa para a sua recepção. Tanta

gente compareceu que o trânsito parou. A paixão do povo pelas misses era a mesma compartilhada

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pela torcida de um time de futebol ganhador do campeonato.

Tantas foram as misses de Mariazinha que algumas renderam histórias curiosas que retratam as

expectativas do público em relação aos bastidores do concurso como a intriga, a inveja, a censura

dos pais, ou uma empreitada despretensiosa que vai além das expectativas, como o sonho de muitas

adolescentes. Mary Prado, uma jovem da sociedade campineira que aos 13 anos de idade ganhou seu

primeiro título de Rainha dos Estudantes do Colégio Progresso – e viria a ganhar outros do gênero

posteriormente – começou a desfilar para Mariazinha a convite de Cacilda Lopes, patronesse de

um dos desfiles da modista. Em 1960, foi convocada a participar do concurso de Miss Campinas

por Orlindo Marçal, jornalista, colunista social e sócio do Jornal de Campinas, que sempre esteve

envolvido nos concursos ajudando a selecionar as candidatas, conduzindo as vencedoras às próximas

etapas e sendo o interlocutor do evento. Mary ganhou o concurso e ia para a próxima etapa em São

Paulo, até que um dia, na semana do concurso, seu pai chegou em casa e anunciou: “Você não vai

mais participar”. Ele havia se encontrado com Tito Passe, dono de um estacionamento em frente à

faculdade que Mary cursava, e irmão de uma Miss Campinas, Jana Bourda, que perdeu a competição

de São Paulo, e disse:

– Sei que você gosta muito da sua filha, mas você não devia deixar ela ir nesse.

– E porque não?

– Ah, aqui todo mundo se conhece, então não tem dessas coisas, sabe? Mas lá, não. Lá, se

você for uma moça assim... Mais ‘dada’, você ganha. Senão, não ganha.

O enxoval para a competição que Mary havia encomendado com Mariazinha já estava

pronto, mas a única coisa que pôde fazer foi chorar, amaldiçoar Tito e nunca mais parar o carro

no estacionamento dele. Curiosamente, algum tempo depois foi convidada a participar do concurso

Embaixadora do Turismo de Poços de Caldas, onde conheceu um Conde italiano que a convidou

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Mariazinha Boccaletti, Madalena Fagoti, Miss São Paulo 1958, e Margô. Campinas, SP, 1958, Balan. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Mariazinha Boccaletti com amigos recebe a Miss São Paulo 1958 Madalena Fagoti. Campinas, SP,

[1958], Balan. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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para fazer um filme na Itália. Após o concurso, uma comissão formada pelo Conde, Orlindo Marçal

e Heitor Augusto, das organizações Sérgio Mendes (responsável pelo concurso) foram até a casa de

Mary para pedir formalmente a seu pai para deixá-la ir. Mais uma vez, porém, seu pai a proibiu.

A inveja entre as competidoras era comum devido aos egos e à vaidade. Para o Miss Campinas

de 1973, Mariazinha fez os vestidos como de costume, mas as candidatas só tinham a oportunidade de

ver o que a outra usaria no concurso. Foi nessa ocasião que Yara Voigt implicou que seu vestido era

o mais feio:

– Para de ser boba, Yara! Seu vestido é maravilhoso! – disse Mariazinha.

Mas não, ela gostou do vestido da outra e queria ele. E conforme ia discutindo, avançava mais

alterada para perto de Mariazinha. Sua filha, Maria Auxiliadora, temendo pela mãe e pelos modos de

Yara, interveio entre as duas:

– Você não levanta a voz pra minha mãe! Seu problema é que você tá com inveja da outra porque

gostou mais do vestido dela! Minha mãe não tem preferência por ninguém aqui, não. Agora pega seu

vestido e sai daqui!

Pois mesmo com o vestido “feio”, Yara venceu, mas não passou do Miss São Paulo. Cássia

Janys, em 1977, foi inscrita no concurso de Indaiatuba (apesar de ser de São Paulo) pela tia, sem o seu

consentimento. Venceu a primeira etapa e foi competir o Miss Campinas (que também selecionava

as ganhadoras da região) com um frio na barriga – aquela não era sua “praia”. Ganhou novamente e,

após receber a coroa, o cetro e a faixa, desceu as escadas do fundo do palco quando alguém puxou seu

braço:

– Eu sou Mariazinha Boccaletti, sou estilista daqui de Campinas, o que você precisar de mim,

estou às suas ordens.

E assim Mariazinha adotou a Miss. Cássia não tinha condições de fazer um enxoval para

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Cássia Janys, ao lado da primeira dama do então governador do Distrito Federal, Elmo Serejo Farias, representando o estado de São Paulo no Miss Brasil 1977 com vestes xadrez de Mariazinha Boccaletti. Bra-sília, DF. Foto do acervo de Cássia Janys.

Cássia Janys (ao centro) representando o Brasil no Miss Universo 1977 com traje esporte fino de

Mariazinha Boccaletti. República Dominicana. Foto do acervo de Cássia Janys.

Cássia Janys com traje de gala de Mariazinha Boccaletti no Miss Universo 1977. República Dominicana. Foto do acervo de Cássia Janys.

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as competições como as outras candidatas, mas às vezes a recepção do hotel ligava no seu quarto

informando que tinha chegado uma caixa em seu nome. Quando abria, havia roupas para usar nos

compromissos que o concurso estabelecia e um bilhetinho em letras miúdas:

“Cássia: mando-lhe mais uma blusa de presente para você usar com calças compridas, saias etc.

Dona Mariazinha”

Ou ainda outro bilhete:

“Janys – envio-lhe o retrós e a agulha para qualquer eventualidade. Que tudo corra bem.

Muito sucesso e um abraço da amiga Mariazinha”

Cássia foi até a República Dominicana disputar o Miss Universo. Levou consigo um vestido

La Boccaletti para a apresentação televisionada. Foi o único que chegou tão longe. Mas em outra

ocasião, em 1967, Carmen Silvia Ramasco já era amiga da família de Mariazinha antes de decidir

se inscrever no concurso – ela e Julmar haviam estudado na mesma escola. Era loira, alta, e segundo

Mariazinha tinha o corpo mais bonito que já tinha visto. Chegou a Miami como favorita ao posto

de Miss Universo. Porém, certa noite, fugiu do hotel para se encontrar com o namorado. Os pais de

Carmen não aprovavam o namoro – apesar de ser um bom partido, de boa família. A organização

descobriu a fuga da Miss, e ela foi desclassificada.

A popularidade dos concursos de beleza começou a cair em 1980, quando a Rede Tupi – que

até então transmitia as competições de Miss Brasil e Miss Universo – declarou falência e transferiu

as franquias para o SBT, que passou a ser responsável por dirigir e coordenar as atividades para a

seleção e encaminhamento da Miss Brasil. O concurso que batia recordes de audiência durante as

transmissões se tornou um programa popularesco e vulgar nas mão do apresentador Silvio Santos.

Após sucessivas quedas drásticas na pontuação do Ibope, a emissora simplesmente se desfez das

transmissões em 1990. De evento glamouroso passou a ser visto como cafona e ultrapassado.

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Mariazinha Boccaletti e Carmem Silvia Ramasco, Miss Brasil 1967. Campinas, SP, 1967. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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Clientela

Mariazinha mantinha uma relação de amizade com suas clientes. Muitas a consideravam

como parte da família. Ela tinha por volta de 30 principais freguesas da alta sociedade – não só de

Campinas, atendia também famílias inteiras de Americana, Araras, Santo Antônio da Posse e São

João da Boa Vista, que vinham até a cidade apenas para costurarem com ela – para quem montava

looks inteiros, com direito a boinas. Tinha em seu ateliê um livro de contas para cada uma delas.

Apesar de a grande marca do trabalho de Mariazinha serem os vestidos de festas, ela também fazia

roupas para o dia a dia, e essas freguesas tinham seus guarda-roupas montados exclusivamente por

ela. Uma delas, Marisa Xavier, por uma questão sentimental, demorou 5 anos para entrar numa loja e

comprar prêt-à-porter após a morte da sua costureira – não só ela tinha muito carinho por Mariazinha,

mas também seu marido e filhas – e também porque simplesmente não sabia como fazer.

Era o caso também de Maria Alice Quércia e Alaíde Quércia, respectivamente a irmã e a esposa

de Orestes Quércia. Quando Quércia foi eleito governador do Estado de São Paulo, tiveram que se

mudar para a capital, mas ainda assim Alaíde se vestia com as roupas da costureira. Normalmente ela

nem vinha até a cidade para ser atendida, apenas telefonava, dizia o que precisava, qual era a ocasião

e Mariazinha já tinha suas medidas, escolhia as cores, o tecido, o corte, e ligava para o motorista

da primeira-dama vir buscá-lo quando estivesse pronto. Com Maria Alice a relação era a mesma,

exceto pela grande amizade que surgiu, não só entre ela e a modista, mas também com toda a família.

Conheceram-se quando o irmão foi eleito prefeito da cidade de Campinas em 1969 e, como ainda

era solteiro, Maria Alice o acompanhava nos eventos e precisava de alguém que fizesse seus trajes.

Acabou criando tanta afinidade com Mariazinha que a considerava como mãe e costumava frequentar

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Blusão de Mariazinha Boccaletti. Beige de cre-pe de seda bordado com

canutilhos, miçangas e lantejoulas. Foto por

Mariana Nogueira.

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Tailleur de poá de Mariazinha Boccaletti. Foto por Mariana

Nogueira.

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sua casa, além de prestigiá-la em seus eventos, e ocasionalmente participar de suas idas semanais para

comprar material em São Paulo.

Porém, no início da década de 1960, o que movimentou a vida pessoal de Mariazinha foi a

aprovação de um segundo projeto de alargamento das ruas do centro de Campinas. O projeto incluía

a Rua Senador Saraiva, que passava ao lado da casa dos Boccaletti. Assim, certo dia Miguel Vicente

Cury (então prefeito da cidade) telefonou para a família informando que a casa teria que ser demolida

para as obras e que poderiam ser ressarcidos em dinheiro ou terreno. Mariazinha optou por meio a

meio, e o terreno que ganhou, na Rua Benedito Cavalno Pinto, 292 (também no Centro) vendeu para

uma construtora que fez um edifício e o batizou com seu nome. A família então se mudou para um

apartamento em frente à Praça Carlos Gomes, ao lado do Clube Cultura Artística. Era um dúplex que

ficava na cobertura do edifício Roque de Marco na Rua Doutor César Bierrembach. O apartamento

alugado pertencia a um médico que tinha mania de organização. O closet era do tamanho de uma sala

e, além das portas do armário, tinha gavetinhas do teto ao chão: umas para colocar apenas uma camisa

em cada e outras menores para colocar séries de três cuecas enroladinhas. Mariazinha se apaixonou

pelo closet e a proximidade com o Clube era conveniente para os desfiles que realizava lá. Informou

ao proprietário que estava disposta a comprá-lo caso resolvesse vender. Após 6 anos, sem informá-la,

vendeu o apartamento para um advogado. Só ficou sabendo quando o novo dono bateu em sua porta:

– Boa tarde, eu sou o Dr. Walter, advogado, eu fechei negócio com o Seu Léo, então eu gostaria

de dar uma olhada no apartamento se a senhora me permitir – Mariazinha quase caiu para trás.

Assim, tiveram que se mudar novamente e alugaram a cobertura de um prédio comercial –

exceção feita apenas à modista. O prédio, em Campinas, é conhecido como o “prédio da Mesbla”,

pelo grande escrito publicitário que há na parede externa do edifício até hoje. Fica na Rua General

Osório, 883, e tinha 800 metros quadrados. Na entrada havia até mesmo um tanque de água com

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grandes vasos dentro que abrigavam algumas pequenas árvores e peixinhos coloridos. Na época,

as duas filhas ainda moravam com ela. Julmar já estava casada com Sérgio e tinham filhos, mas

continuaram morando com Mariazinha a seu pedido, pois sempre teve sua mãe que cuidou da casa

enquanto trabalhava. Sendo assim, nunca aprendeu a cozinhar ou fazer uma faxina – e também nem

teria tempo de fazer isso com tanto trabalho – então pediu para que a filha continuasse morando com

ela para ajudá-la. Mas o que Julmar precisava fazer era só comandar: a mãe contratou faxineira, babá

e a cozinheira dona Jandira. A casa de Mariazinha tornou-se ponto de encontro de suas freguesas

durante a tarde. Maria Alice e Marisa Xavier estavam sempre por lá, assim como Dulcita Vicente,

Marina Largura, Iara Duchovni, Betty Nunes, Vitória Ferrari e Ilda Thereza Barros. Se fosse época

de desfile, então, juntava-se a elas as manequins – fora outras clientes. A sala do apartamento ficava

cheia, e dona Jandira preparava todo dia o café da tarde com pães, bolos e biscoitos para todos – era

figura conhecida da casa, principalmente por ela e dona Mariazinha usarem os troféus (e foram mais

de 30 entre Agulha de Platina, Ana Nery, Robalo de Ouro e Andorinha de Ouro) que ganhava para

pendurar os panos de cozinha longe do ateliê. Se alguma freguesa que ela gostasse chegava, ela logo

preparava um cafezinho para servir e aproveitava para conversar. Mas caso não gostasse:

– Foi ela quem chegou aí?! Ah, pra ela não vou levar café não!

Como a porta da cozinha dava para o ateliê, Mariazinha ouvia e ria alto. De volta à sala, as

freguesas escolhiam figurinos dos álbuns que ficavam à disposição enquanto conversavam sobre

moda, fofocavam, ou contavam como fizeram sucesso na última festa vestidas de “La Boccaletti”.

Vitória dizia que foi a um casamento em São Paulo com o vestido e um casaco branco por cima

feito por Mariazinha – todos perguntavam sobre o casaco, de quem era, se era importado. Marisa foi

madrinha de casamento com uma barriga de 8 meses de gravidez – todos repararam mais no vestido.

Odaléia Brando Barbosa era uma socialite carioca que tinha amigos em Campinas e costumava

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Da esquerda para a direita Mariza Xavier, Marly Eugênio e Marly Hilkner. Campinas, SP, [ca. 1976]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Vestido vermelho de Mariazinha Bocca-letti para festa cigana. Saia de crepe de

seda e busto de renda com bordada com miçangas. Foto por Mariana Nogueira.

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Vestido de paetê Mariazinha Boccaletti. Foto por Mariana Nogueira.

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frequentar algumas festas na cidade. O closet da sua casa no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, era

recheado de peças de estilistas renomados: Dior, Givenchy, Saint Laurent e toda a turma – tinha só

do mais bonito. Certa vez convidou Aidir Pelais e Jamil Abrahão – colunista social do jornal Diário

do Povo – para um jantar na sua casa. Mariazinha fez para Aidir um vestido preto todo enviesado que

a socialite não tirava os olhos. Aidir tomava um drink na varanda quando a anfitriã se aproximou e

sussurrou:

– Muito bonito seu vestido. De quem é?

– É da minha costureira de Campinas, Mariazinha Boccaletti – respondeu.

Odiléia resolveu que queria comprar o vestido, e tanto fez que Aidir se viu forçada a vendê-

lo. Outra história interessante da cliente foi que em 1970 viajou a Paris e certa noite foi jantar no

tradicional restaurante Maxim’s usando um vestido vermelho de Mariazinha. No meio do jantar, um

francês se aproximou da mesa e perguntou:

– Desculpa interromper, mas o seu vestido é Valentino? – estilista de origem italiana que

ficou conhecido por seus icônicos vestidos vermelhos.

– Não, é da minha costureira, Mariazinha, do Brasil! – respondeu, rindo, Aidir.

A sala de prova era um confessionário. Enquanto Mariazinha ajustava a peça com a boca

cheia de alfinetes (todos os seus cortes eram alfinetados, nada alinhavado) a freguesa em cima do

banquinho sempre se assustava:

– Mariazinha! Você vai acabar engolindo esses alfinetes!

– Vou nada! Vai, pode falar.

E lá deixavam seus problemas, suas preocupações e, algumas vezes, confessavam até mesmo

os amantes que tinham. Mariazinha sabia de muita coisa que acontecia escondido na cidade, mas

levou todos esses segredos para o túmulo, literalmente. Sabia até mesmo de padres que mantinham

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caso com algumas de suas clientes. Contou poucas histórias para Julmar muitos anos depois, de coisas

que aconteceram há tempos, e os envolvidos já haviam falecido ou não moravam mais na cidade.

Por ser uma pessoa de confiança e sem preconceitos, costurava até mesmo para as cafetinas

da cidade, chamadas de “madames”: Madame Eva, Madame China, Madame Lola – todas mandavam

um táxi buscá-la pela manhã para levá-la até a casa delas e a recebiam com todo respeito. Vestia

também alguns travestis da cidade, inclusive alguns homens conhecidos que gostavam de se vestir de

mulher sem ninguém saber. Tudo isso ela fazia e não contava pra ninguém.

Mariazinha podia se desfazer de tudo: do dinheiro, da casa, dos pertences. Quantas vezes não foi

abordada pelas garçonetes de cafés – a que costumava ir antes mesmo de os lugares serem frequentados

por mulheres – dizendo:

– Ah, Dona Mariazinha, meu sonho era casar com um vestido da senhora.

– Pois não seja por isso, passa lá no meu ateliê que a gente resolve isso – respondia.

E dava vestidos de noiva para as garçonetes – isso quando também não dava o véu, o bordado,

os sapatos e até o sutiã. As únicas coisas que não poderia se desfazer em vida era de sua costura e de

suas clientes.

Bailes de gala e os “colunáveis”

Magalhães Teixeira* era um desses políticos que gostam de festa com gente importante. Foi

presidente do Tênis Clube de Campinas entre 1967 e 1971. Nessa época, organizou os melhores bailes

de gala que a cidade já viu. Aconteciam toda sexta-feira de Carnaval e ele contratava os carnavalescos

mais famosos para tocarem na festa. Também convidava grandes personalidade para participar do júri

* prefeito de Campinas de 1983 a 1988 e de 1993 a 1996.

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que elegia a melhor fantasia da noite. Passaram por essas festas nomes como Juscelino Kubitschek,

Sandra Bréa, Íris Bruzzi, General Rego Monteiro, Adolpho e Lucy da Editora Bloch, e também Dener.

O estilista tinha o costume de usar capa à noite. Quando chegava ao clube, descia as escadarias,

enrolava-se na capa e gritava:

–Maricota! Cadê você? – e abria novamente a capa em um movimento rápido de modo que fizesse

um barulho de deslocamento de ar e ia caminhando até a mesa de Mariazinha, que tinha vontade de se

esconder debaixo dela. – Grande pequena Mariazinha. Que Deus a guarde por muitos e muitos anos!

A Miss Universo de 1968, Martha Vasconcellos, foi convidada a participar do júri do baile de

1969. Chegou à cidade no meio da tarde – a festa seria à noite – e se hospedou no hotel Terminus.

Porém, esqueceu seu vestido e pediu socorro à organização que imediatamente ligou para Mariazinha:

–Olha, eu tenho um corte de lurex aqui que dá pra fazer um vestido. Me fala onde ela tá hospedada

que eu vou lá.

O hotel ficava próximo ao prédio de Mariazinha, bastava atravessar a praça do Palácio da

Justiça. Rapidamente tirou as medidas da Miss, voltou para o ateliê e fez todo o vestido em apenas

quatro horas, sem Martha precisar fazer a prova. Quando lhe entregou o vestido no fim do dia, caiu

como uma luva.

A cidade viveu um período badalado nessa época. Com o sucesso dos bailes do Tênis, outros

clubes começaram a organizar suas próprias festas, a alta sociedade se reunia numa das mansões do

bairro Nova Campinas sob os mais diversos temas: Festa Cigana, Jantar Marroquino e até a Festa do

Paetê. Os saudosos dessas épocas dizem que foi nesse período que a alta “brilhou”.

Entre tantos eventos, uma figura chamada Airton Martins apareceu em Campinas. Mariazinha

o conhecia desde que nasceu, era amiga de sua mãe e costumava ir ao Novo Hotel com ela para

jogarem cartas enquanto Airton brincava com Antônio Carlos e Julmar. Aos 12 anos de idade, Airton

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saiu de casa e foi morar em São Paulo. Não mandava notícias para ninguém, nem mesmo para a mãe.

Após 15 anos, durante uma festa, começou um falatório: “Airton Martins vem aí! O secretário da

primeira-dama” (Maria Zilda Natel, mulher do governador de São Paulo, Laudo Natel). Ele se tornou

amigo de muitas pessoas famosas enquanto viveu em São Paulo. Quando se instalou novamente na

cidade, reatou a amizade com a família Boccaletti e se tornou colunista social do Jornal da Cidade.

Passou a convidar seus célebres amigos para os bailes de Campinas, tais como Agnaldo Rayol, Cauby

Peixoto e Ângela Maria e também os levou ao ateliê de Mariazinha. Agnaldo acabou se tornando

grande amigo da modista, vinha de São Paulo correndo só para fazer suas camisas com ela. Ele

chegava, ela logo o atendia, os dois ficavam aos cochichos na sala de prova, e logo em seguida ia

embora. Quando tinha mais tempo, tomava café com as clientes, cantava para elas alguma música com

Julmar o acompanhando ao piano. Nas festas, sentava-se na mesa junto com a família da costureira e

fazia questão da presença de todos em seus shows pela região. No dia do aniversário de Mariazinha,

ele lhe fez uma surpresa: chegou com um enorme buquê de flores que mal passava pela porta. Deu-lhe

um beijo, um abraço, cantou uma música e foi embora correndo, pois tinha um show à noite em São

Paulo.

Cauby também caiu nas graças da costureira. Gostava de fazer com ela suas camisas bordadas

e dois dos seus famosos blazers de paetê possuem a etiqueta de Mariazinha. Julmar dava aulas de

piano popular em uma sala separada e Cauby a ouviu tocando em uma de suas passagens pelo ateliê.

Gravaram duas músicas juntos, uma delas “Laura”. Ângela Maria também se sentiu tentada a usar

uma das costuras de Maria. Foi até seu ateliê, tirou as medidas e ficou de retornar para a prova.

Mas com a agenda lotada em meio a uma turnê, nunca mais foi pegar o vestido. Mariazinha acabou

passando-o para frente.

Após a saída de Magalhães Teixeira da direção do Tênis Clube, as festas começaram a decair

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Airton Martins, Mariazinha Boccaletti e Cauby Peixoto – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [197_]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Da esquerda para a direita Oliveira Andrade, Mariazinha Boccaletti e Dinho Abud. Campinas, SP, [entre 198_]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Agnaldo Rayol, Mariazinha Boccaletti e Antônio Carlos Boccaletti. Campinas, SP, [entre 1985 e 1992]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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Mariazinha Boccaletti e Maria Alice Quércia na residência de George Antoine. Campinas, SP, [entre 1975 e 1980]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Aidir Pelais – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [ca.

1976]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-

-Unicamp

Da esquerda para a direita Vera Rannou, Vera Raposo Amaral e Marina Largura – Baile de

Gala no Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [entre 1975 e 1985?]. Coleção Mariazinha

Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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– foi quando Orlindo Marçal começou a organizar o Bal de Tête (“Baile de Cabeça” em francês, ou

“Baile de Máscaras”) no Clube Armorial, já na década de 1970. Enquanto Mariazinha cuidava das

roupas, o cabeleireiro Ênio – que juntos acabaram formando uma dupla não oficial – cuidava dos

penteados, da maquiagem e fazia ele mesmo as máscaras combinando com os vestidos em seu salão,

no bairro Cambuí. Essa foi também a época das colunas sociais. Eram cinco os colunistas: Orlindo

Marçal, Airton Martins, Jamil Abrahão, Hugo Gallo e José Almir Reis. Foi então que Airton Martins

criou o jargão de os “colunáveis” – pessoas que mereciam destaque nas colunas sociais. Mariazinha

com certeza era uma “colunável”, adorava aparecer nos jornais, não tinha vergonha de pedir isso aos

jornalistas – acabava sendo uma forma de marketing. Durante as festas, sua mesa se transformava

numa espécie de QG dos fotógrafos:

–Boa noite, dona Mariazinha. Posso deixar minha máquina aqui? – e todos ficavam em volta

esperando alguém interessante aparecer para cumprimentar a modista e eles fazerem um clique.

Todos se tornaram seus grandes amigos, e tal carinho era refletido em suas colunas. Criaram

apelidos para a costureira como a “pequena notável”, a “pequena grande”, “Mariazinha Dior” ou

“Mariazinha Chanel”. E assim se tornou referência em elegância e estilo na região. Mariazinha

Boccaletti pregava que a mulher tinha por obrigação se apresentar bem penteada, maquiada, com

sapatos de salto alto a qualquer horário do dia ou da noite.

Sala de prova

Em meados de 1950, começou a surgir o que muitos chamaram de alta-costura brasileira. Mas

antes de afirmar ou negar sua existência, é preciso compreender seus conceitos. A haute couture

atende a clientela sob medida, é feita de tecidos caros e de alta qualidade, costurada com uma extrema

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atenção aos detalhes e finalizada por costureiras mais experientes. Essa costura, mais aprimorada,

normalmente toma tempo e exige técnicas manuais. O autor Didier Grumbach, do livro Histórias

da Moda, “procura enfatizar o luxo e o savoir-faire que se exige dela exaltando a criatividade”. É

disseminada no Brasil a ideia de que só se pode classificar de alta-costura aquelas casas cujo trabalho

é reconhecido pela Câmara Sindical de Alta-Costura de Paris, o que de fato é assim e atualmente

até possui um membro brasileiro, Gustavo Lins. A casa reconhecida pela Câmara ganha o direito

de desfilar sua coleção na Semana de Alta-Costura de Paris, a mais prestigiada do mundo da moda.

Porém, há conceitos que a própria Câmara de Paris reconhece na identificação como “alta-costura”,

igualmente importantes como a originalidade e a unidade da peça. Aqueles que defendem ainda a

ideia do reconhecimento pela Câmara são guiados por um preconceito contra a popularização do

termo no País, onde qualquer casa que venda ou alugue trajes para festas se intitula alta-costura,

enquanto o termo não exige necessariamente que as peças devam ser de festa.

Esses costureiros brasileiros que surgiram por volta dessa época, criavam uma moda autoral,

exclusiva, confeccionada com produtos caros e de alta qualidade sob medida para a cliente. Os fatores

que fizeram com que esses trabalhadores surgissem e se destacassem no mercado foi a “mudança

nos padrões de comportamento e consumo da sociedade brasileira, com o surgimento da indústria de

fios sintéticos e o lançamento da primeira Fenit (Feira Nacional da Indústria Têxtil), o mercado de

moda do país começou a tomar uma forma mais genuína e, assim, os jovens passaram a se lançar na

criação de moda”.* Mariazinha, no entanto, não era mais tão jovem como seu amigo Dener, que tinha

apenas 21 anos na ocasião em que se conheceram, mas já fazia um trabalho semelhante desde o início

de sua carreira. “Esses jovens pioneiros na criação de moda no Brasil eram, em geral, oriundos de

famílias modestas e, por isso, pouco haviam recebido, em termos de cultura e relações sociais, pela

*Moda, Luxo e Economia, de José Carlos Durand; Babel Cultural, São Paulo, SP, 1988.

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Mariazinha Boccaletti e Daicy. Campinas, SP, [ca. 1960], Gilberto de Biasi. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp

Lu Lavedere. Campinas, SP, [ca. 1969]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de

Memória-Unicamp

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Vestido em organza bor-dada de Mariazinha Boc-caletti. Foto por Mariana Nogueira.

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via familiar (...) os jovens brasileiros precisaram, muitas vezes, inventar a vida de costureiro de luxo

no País, visto que o Brasil tinha pouca tradição em moda”.*Ou seja, mesmo não pertencendo à mesma

geração dos costureiros citados, Mariazinha enfrentou as mesmas dificuldades. Não possuiu nenhum

estudo “acadêmico” na área de moda e sequer terminou o colégio. Criada por uma imigrante viúva

que teve que aprender o português na raça, trabalhando duro desde cedo, jamais teve tempo de se dar

o luxo de aprender francês para ler livros sobre o assunto, por exemplo. Não fazia nenhum tipo de

pesquisa sobre determinada cultura ou arte para produzir uma série de trajes que normalmente eram

classificados apenas como primavera/verão ou outono/inverno, mas que, da mesma forma, faziam

grande sucesso. Foram poucos os abastados que ficaram em evidência nessa época pelo seu know-

how. Eram eles José Ronaldo, filho de diplomatas, o italiano Ugo Castellana e o português Fernando

José. Os outros profissionais, muitas vezes, tiveram que inventar a vida de costureiro de luxo.

Apesar de ter sido nessa época que Mariazinha encontrou seus semelhantes de profissão vencendo

os mesmos obstáculos, um novo comportamento começa a surgir na Inglaterra no início da década

de 1960 que mudaria o jeito de pensar, agir e vestir dos jovens: o chamado Iê-iê-iê, liderado pelos

Beatles e traduzido aqui pela Jovem Guarda de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléia (o Rei,

o Tremendão e a Ternurinha). Até então, os filhos eram miniaturas de seus pais, a moda era igual

para um adulto e para um jovem. Porém, o contexto político mundial e nacional fez com que essa

nova geração contestasse seus conservadores pais. Submetidos a um governo militar opressor que

resultaria em movimentos de guerrilha urbana em seus anos mais duros. À essa geração foi dada o

nome de baby boomers, nascidos no pós-guerra. Eram contestadores, liberais. Foi o momento em que

se instalou uma moda industrial, que produzia roupas em série – até então ainda havia a distinção

social pelo modelo, pelo tecido. A produção em série acabou parcialmente com isso e igualou

*Moda, Luxo e Economia, de José Carlos Durand; Babel Cultural, São Paulo, SP, 1988.

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classes e gêneros, o que levou à criação do conceito de peças unissex. Como meio de continuar se

diferenciando dos outros, criou-se o conceito de griffes, de marcas, etiquetas anexadas às roupas para

continuar estabelecendo uma divisão social pelo traje. Mas ainda assim, foi o grande momento de

consolidação do prêt-à-porter.

Foram também os anos de conquista espacial. O mundo se espantou e se encantou, e parecia que

o futuro havia chegado naquele momento. Tal euforia foi traduzida na moda por tecidos sintéticos e

zíperes em modelos de minissaias, minivestidos, macacões, calças justas e o corte trapézio de Yves

Saint-Laurent. Também foi a época de experimentação de materiais, como Paco Rabanne, gentilmente

apelidado de “o metalúrgico” por Coco Chanel por trocar tecidos e linhas por alicates e placas de

metal. A androginia ressurgiu dos anos 20 em silhuetas tubulares.

Já na segunda metade da década, a liberação do movimento hippie alterou os padrões estéticos

rapidamente, aqui traduzidos pela Tropicália de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa. Os

cabelos milimetricamente cortados e fixados por laquê eram substituídos por longas madeixas soltas

e volumosas, tudo era despojado e unissex: “jeans desbotados na raça”, camisetas coloridas com

símbolo de paz e amor, roupas étnicas, batas e túnicas bordadas, bijuterias baratas. Nos pés, tênis,

sandálias do tipo rasteirinha de couro, mocassins e outros sapatos baixos, a ordem da vez era conforto.

Toda essa nova cultura ia de encontro a esses costureiros – que passaram a ser denominados

estilistas – que lutavam para estabelecer uma cultura de alta-costura no País e que chegou a ganhar a

atenção das grandes casas de moda parisienses. A exemplo de Mariazinha, que denominava seu estilo

como romântico, pregava a elegância e a graça da mulher, acostumada a vestir cada uma de suas

clientes de modo único, levando em conta seu estilo pessoal, o tipo físico, o tom de pele, para que tudo

ficasse em harmonia. Era dura até mesmo com suas filhas e netas que apareciam na sua frente usando

modelos comprados em grandes magazines:

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Raquel Gori – Sociedade Hípica de Campinas. Campinas, SP, [ca. 1976]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Eliana Zimbres. Campinas, SP, [ca. 1975]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp

Sônia Yara Guerra – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [197_]. Coleção Mariazinha

Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp

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Tailleur com trabalho em xadrez de Mariazi-nha Boccaletti. Foto por Mariana Nogueira.

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– Vocês não dão valor às roupas que eu faço! Vocês vão comprar essas porcarias todas feitas à

máquina!

Era ainda conhecida pela atenção e perfeição com que encaixava os desenhos dos tecidos ou

mesmo brincava com eles em seus tailleurs, como o xadrez costurado em diferentes sentidos nas

lapelas, nos detalhes dos bolsos e nos punhos. Tinha pavor de vestidos listrados comprados em lojas

onde as listras não batiam. Dizia:

– Mas não me usa nunca mais esse vestido! – isso quando ela mesma não descosturava e o

montava novamente.

Se esses costureiros sobreviveram ao boom da roupa pronta, foi graças aos pais dos

“revolucionários”, os conservadores que não conseguiram se adaptar aos novos padrões. Foi também

pela ajuda da indústria têxtil em eventos e desfiles que se abriu espaço para os estilistas mostrarem

seu talento. A morte de Mariazinha, em 1992, coincidiu com o declínio dos grandes costureiros.

Dener faleceu em 1978 aos 41 anos de idade; Clodovil se rendeu à carreira na televisão e deixou de

lado a costura; Guilherme Guimarães se isolou e atende até hoje pouquíssimas clientes, nunca mais

organizou um desfile ou procurou badalação em volta de seu nome. Esses são nomes que sobreviveram

no mercado por muitos anos. Mas houve estilistas igualmente brilhantes como Markito e Conrado

Segretto, que tiveram uma carreira breve e faleceram prematuramente, vítimas da AIDS.

Desfiles

Desde meados da década de 1940 Mariazinha organizava desfiles, mas de forma despretensiosa,

sem seguir um calendário ou programação. Em 1960, realizou um dentro do Cine Ouro Verde que

encantou toda a cidade e ganhou destaque nos jornais. As manequins saíam de trás da tela da sala de

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cinema e caminhavam entre as poltronas enquanto se cruzavam ao som da orquestra. Mariazinha o

batizou de “O Rei das Czardas”.

Quando se envolveu com o Clube da Lady – entidade filantrópica criada em 1959 pelas

senhoras da sociedade – passou a organizar com as ladies eventos com os desfiles na década de 1970

como forma de arrecadar dinheiro para os projetos do Clube e para um centro comunitário no Jardim

São Pedro, idealizado por Léa Duchovni, membro da entidade, onde fundaram a sede do Grupo das

Servidoras do Lar Pobre em um terreno doado no bairro.

Os desfiles realizados normalmente no Tênis Clube ou no Clube Cultura Artística tinham seus

ingressos esgotados rapidamente. Organizados segundo as estações – primavera/verão ou outono/

inverno – não obedeciam um processo de pesquisa ou um tema definido – apenas a inspiração e bom

gosto da costureira que confeccionava de 60 a 70 modelos diferentes entre roupas para o dia, social e

festa. Quem ficava a cargo da produção do evento eram suas filhas Julmar e Maria Auxiliadora que,

com bom gosto, cuidavam do cenário, da decoração, e da trilha sonora – feita ao vivo e disputada

entre as bandas das cidades. As lojas também brigavam para dar os tecidos: Said Murad, de São

Paulo, e que vendia tecidos importados, normalmente dava para Mariazinha entre 50 e 60 cortes –

assim como Dinho Abud, da Center Fabril de Campinas. As sapatarias Lord e Baby sempre tentavam

oferecer seus produtos, mas a costureira gostava da loja Venetta Calçados. Ainda havia os chapéus

oferecidos pela Casas Palombo, o “maquilador” Warney e o cabeleireiro Ênio, que arrumavam as

belas senhoritas da sociedade que Mariazinha convidava para desfilar. Eram as preferidas Bia Barros,

Juliana Omati, Aidir Pelais, Eliane Zimberman, e as misses Sônia Yara Guerra e Cássia Janys. Ainda

havia um único homem que desfilava pra ela, um senhor negro, alto, bigodes fartos ao estilo de

Village People e as mulheres babavam.

Como Mariazinha não gastava um tostão para montar os figurinos, suas filhas a incentivavam

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Mariazinha Boccaletti e manecas - Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [entre 1970 e 1975]. Coleção Maria-zinha Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp

Eliane Zimbres – Clube Semanal de Cultura Artística. Campinas, SP, [ca.

1978]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

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Cássia Janys vestida de noiva durante desfile de Mariazinha Boccaletti. 198_. Campinas, SP. Foto do acervo de Cássia Janys.

Cássia Janys com modelo outono/inverno de Mariazinha Boccaletti. 198_. Campinas, SP.

Foto do acervo de Cássia Janys.

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a sempre fazer os desfiles. Ocasionalmente surgia um terceiro ou quarto desfile para se realizar a

pedido de alguma entidade ou mesmo um projeto do Clube da Lady. O dinheiro arrecado para as

entidades eram referentes à venda de ingresso, enquanto a venda das peças do desfile ficava para

Mariazinha – e as peças eram disputadas no empurra-empurra. A ansiedade por parte do público

começava logo que anunciavam o evento. Mariazinha chamava em seu ateliê antes uma ou outra

grande cliente para dar uma olhada no trabalho que estava realizando, assim elas já podiam escolher

suas peças preferidas. Também corriam alguns segredinhos sobre o que seria apresentado, algumas

especulações.

Ao fim do desfile, assim que a última manequim deixava a passarela, começava uma barulheira

de arrastar de cadeiras e um corre-corre para os vestiários. As modelos nem haviam tirado a roupa e

esta já era vendida. Mariazinha voltava quase sem nada para casa. Julmar ia mexer com Dr. Antônio

Xavier, marido de Marisa, que adorava a modista e proibia sua mulher de se vestir com outra costureira:

– Tudo bom, Doutor Antônio? O que senhor achou do desfile? – perguntava Julmar.

– Só Dior! Só Saint-Laurent! – respondia Dr. Antônio aos risos.

Após alguns momentos, juntava-se a eles Cássia Janys, que a muito custo conseguiu se

desvencilhar do tumulto do vestiário após apresentar a coleção outono/inverno em pleno verão com

peles e casacos:

– Reclamei pra sua mãe que tava morrendo de calor e sabe o que ela me respondeu? Que mulher

elegante não sente temperatura! – contou em meio a risadas para Julmar.

Cássia, por algum motivo, nunca pensava em se casar. Mariazinha tinha muito carinho por ela,

mas jamais a colocava para usar o vestido de noiva do desfile:

– Mas Mariazinha, por que você nunca me dá o vestido de noiva?

– Não dá sorte uma moça solteira desfilar com um vestido de noiva! – respondia.

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– Ah vá! Mas é que eu queria, né... – insistiu Cássia.

– Então tá bom. Eu vou deixar você desfilar com o vestido de noiva no próximo desfile – enfim

concordou Mariazinha.

No desfile seguinte, Mariazinha avisou que ela usaria o vestido de noiva completo, com direito a

buquê e cauda. Cássia então falou para sua mãe chamar o fotógrafo:

– Pode fotografar porque você nunca mais vai me ver de noiva!

Muito caprichosa, com seus passinhos ágeis e miúdos, a pequena modista parecia um corisco

andando de lá para cá no salão do clube no dia do desfile para se certificar de que estava tudo perfeito.

Ia toda hora ao vestiário para conferir o passamento das peças – “Tem que ter passamento de tintureiro!

Tem que passar cada costura!” – alfinetava um vestido aqui, chuleava outro ali, numa dessas idas e

vindas escorregou num caroço de azeitona no meio do salão do Clube Cultura e machucou o braço.

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Demi-couture

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Etiquetas penduradas

O acidente aconteceu em 1972. Na correria, por causa do desfile que aconteceria naquela noite,

suas filhas a levaram imediatamente ao hospital, onde engessaram seu braço para que participasse do

evento. Mariazinha quebrou a parte de trás do ombro direito e teve que ser operada em São Paulo.

Mesmo grávida, Julmar fez questão de entrar na sala de cirurgia com a mãe, e no fim da operação,

o médico a chamou para que olhasse para ele, deu uma volta completa com o braço de Mariazinha e

depois gesticulou um “beijo e tchau”. Ao saírem da sala, perguntou:

– Você viu o que eu fiz com o braço da sua mãe? Ela não vai poder fazer isso nunca mais.

A partir de então só poderia movimentar o cotovelo e levantar o braço até certa altura. Para

trás, nunca mais. Isso a prejudicou em seu trabalho, pois não conseguia cortar os tecidos e, se fossem

pesados como a lã, não tinha força para apertar a tesoura. Mas achou uma maneira de contornar a

situação. Pegou sua contramestra Ruth, que trabalhava com ela há 30 anos, e a ensinou a cortar a seu

modo, enquanto ficava ao seu lado dando as coordenadas. Também procurou seu primo por parte

da família Gebara, que tinha uma confecção em São Paulo, e havia a procurado diversas vezes para

fazerem uma linha de prêt-à-porter com o nome dela. Mariazinha pediu para que ele lhe fizesse

alguns cortes de tailleurs. Desenhou um molde padrão e mandou para o primo que o ajustou aos

manequins de acordo com o número das peças. A técnica usada para cortar diversos tecidos de uma

só vez se chama infestador, onde se empilham os tecidos, coloca-se o molde por cima e cortam-se, por

exemplo, 10 peças iguais de uma só vez.

Apesar de a princípio se parecer com uma produção em série, como uma pequena linha de

prêt-à-porter – tanto que Mariazinha chamava assim essas peças – alguns aspectos fazem com que

surjam dúvidas. Por exemplo, toda vez que seu primo ia fazer os cortes, ligava para Mariazinha para

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perguntar que tipo de gola gostaria, redonda ou estilo smoking? E o bolso, tipo faca? Dois cortes atrás

para um melhor caimento? Gostaria que fizesse o cinto do próprio tecido para pôr tipo martingale

atrás? Tudo decidiam juntos pelo telefone. Quando os cortes estavam prontos, Mariazinha ia buscá-

los e em seu ateliê acabava de montá-los com suas costureiras: passavam as costuras na máquina,

revestiam a gola, os bolsos e os punhos com algum outro tecido, ou faziam algum detalhe em bordado,

colocavam um broche, e escolhiam os botões.

Porém, um prêt-à-porter não possui todo esse cuidado com as peças individualmente. São

peças clones, onde a numeração é a única coisa que varia. A melhor definição talvez seja a demi-

couture, ou “meia costura” se traduzido, que são roupas compradas diretamente nas lojas, mas que

possuem o cuidado individual que a alta-costura prega. Além de a cliente poder interferir e escolher os

detalhes de acordo com seu gosto – que, se caso alguma das clientes de Mariazinha assim preferissem

certo botão ou bordado, ela poderia fazer tranquilamente, pois a peça ainda não estava pronta.

Toda essa questão de roupas prontas para o uso acabou tumultuando sua vida. Não por ter

perdido clientes para as grandes lojas, pois isso não aconteceu. Mas porque queriam a marca dela.

Havia um judeu chamado Hans que queria transformar o nome “La Boccaletti” em marca de calças

jeans. Berta, das confecções Dona Berta, também queria seu nome em suas calças compridas. Mas

Maria rejeitou todas as propostas. Os filhos ficavam loucos:

– Mãe! Mas a senhora vai ficar rica, mãe!

Mas ela não queria saber. Afinal, o que tinha a ver o nome que construiu com uma roupa tão

popular, básica e deselegante como o jeans? E com certeza não queria ver seu nome em etiquetas

penduradas em bumbuns pelas ruas. E não ligava para enriquecer, Deus já havia lhe dado tudo o que

tinha pedido, inclusive uma saúde de ferro, amém.

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Etiqueta personalizada de Mariazinha costurada à mão.

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Casacos de lã de Mariazinha Boccaletti.

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Pif-paf

Mariazinha, com 64 anos de idade, se cansou de morar em apartamento. Queria uma casa

grande para acomodar toda a família: os três filhos, os netos que já somavam 10, os primos de

primeiro e segundo grau e todos os amigos queridos. Principalmente para reunir todos nas festas de

aniversário que sempre organizava em sua casa, ou então no Natal e Ano Novo, quando até contratava

garçons, encomendava os perus recheados, e chamava os taxistas para levarem o pessoal de volta para

casa tarde da noite. Encontrou um sobrado na Rua Maestro João de Túlio, no Cambuí, e pediu para

seu filho Antônio Carlos, que se formou engenheiro, reformá-lo. Ele construiu dois apartamentos

grandes na parte de baixo. Em um deles funcionava só o ateliê de Mariazinha: uma sala de máquinas

para acomodar suas costureiras, uma sala de provas com um espelho que ia do teto ao chão, fechado

com pesadas cortinas que ultrapassavam os limites da parede para seus netos não ficarem espiando

suas misses e manequins – o que eles faziam do mesmo jeito ajoelhando-se no chão e erguendo uma

frestinha – e também uma grande sala para recepcionar suas clientes. Mesmo sendp grande, essa sala

não comportava todas as clientes e muitas vezes Mariazinha tinha ainda que abrir a sala de jantar e

a sala de TV. O café da tarde quem servia na casa era seu novo cozinheiro Tony. Dona Jandira teve

que se aposentar devido a um problema que desenvolveu nas pernas. Tony parecia mais o segurança:

alto, negro, forte e homossexual. Preparava tudo naquele lugar com muito carinho e ajudava a criar os

filhos de Julmar no estilo escola militar.

Mariazinha acordava todo dia cedo, se arrumava e chamava o táxi do Seu China para levá-la

até o centro. Descia do carro e deixava uma gorjetinha para o motorista tomar um cafezinho. Deixava

também um dinheirinho para o fiscal da Setec tomar sua cervejinha mais tarde, depois de ficar debaixo

daquele sol quente. Pegava um molequinho de rua que estava sentado na sarjeta, e falava: “vem

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tomar um café com leite e um pão com manteiga” e levava. E assim continuava caminhando com um

bolinho de dinheiro dentro do bolso do vestido – pois não gostava de usar bolsa, todos os vestidos

que fazia para ela, costurava dois bolsões laterais onde colocava tudo o que precisava. Tirava aquele

bolinho no meio da rua e quem estivesse com ela se desesperava:

– Guarda esse dinheiro que a senhora vai ser assaltada e morta aqui!

– Vou nada! Aqui todo mundo me conhece. – retrucava.

E conhecia mesmo. Conforme ia passando, acenava para os garçons do café e para as

vendedoras das lojas. Ia resolver seus assuntos de banco e outras burocracias, mas antes de voltar

para casa, parava para fazer sua apostinha no jogo do bicho. Só então ia abrir seu ateliê e começar a

receber suas clientes.

De sábado de manhã era infalível: sete e meia da manhã saía para ir se cuidar no salão. Lavava

a cabeça, fazia escova, pé e mão. Mas vaidosa, adorava que mexessem com ela na rua:

– Ô Dona Mariazinha! A senhora está tão bem. Fez plástica?

– Que nada! Sangue árabe! Pele libanesa! – respondia rindo.

Mas nunca ia ao médico, costumava dizer que “quem procura acha”. Depois do salão, ia até

a Basílica de Nossa Senhora do Carmo conversar com Monsenhor Fernando de Godoy e aproveitava

para comprar um monte de tercinhos e santinhos para ajudar na creche Menino Jesus de Praga. À

tarde, quando ia para o Tênis Clube jogar pif-paf com as amigas, distribuía os tercinhos e santinhos

entre elas:

– Mas Mariazinha, a senhora já me deu um na semana passada.

– Ah, então dá lá pra sua filha, pra sua neta...

E passava a tarde jogando carteado com as amigas. Se perdesse, paciência, mas isso raramente

acontecia, era muito sortuda. Mas como sempre dizia, “dinheiro de jogo é dinheiro pra gastar”,

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Mariazinha com as filhas Julmar (à esquerda) e Maria Auxiliadora (à direita). 198_.

À esquerda: Dinho Abud, Cássia Janys e Mariazinha Boccaletti. À

direita: Julmar e Sérgio Erbolato. 198_.

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Mariazinha Boccaletti. Sem data.

Mariazinha com seus dez netos. 198_.

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distribuía um pouco entre as concorrentes e à noite levava a família toda para jantar fora. No meio do

jantar, chamava suas netas e dizia baixinho para os outros não ficarem com ciúme:

– Quarta-feira nós vamos pra São Paulo. Você guarda isso aqui e leva pra comprar o que

vocês quiserem lá – e lhe davam um bolinho de dinheiro para cada.

Certa vez, uma de suas bordadeiras, Jane Mascaranhas, passava por problemas financeiros

e estava devendo o aluguel da casa em que morava, já correndo o risco de ser despejada. Numa

conversa com a amiga, compartilhou sua situação. Mariazinha perguntou qual era a imobiliária que

cuidava do imóvel:

– Ah, eu conheço o dono. Amanhã cedinho a gente se encontra e vai lá conversar com ele.

No dia seguinte foram juntas à imobiliária se encontrar com o dono. Chegando lá, Maria

perguntou:

– Me diz uma coisa, quanto a Jane está devendo?

Tirou do bolso outro bolinho de dinheiro, separou a quantia e deu na mão do senhor:

– Pronto, tá pago!

Jane olhava para ela estupefata, sem saber o que dizer:

– Mas Maria, você não pode pagar pra mim...

– Que não posso o quê? Claro que posso! – retrucou.

– Mas eu não tenho como te pagar! – respondeu Jane.

– Claro que tem, você me paga com seus bordados – e entraram em um acordo.

Era assim com todo mundo e por isso não morreu rica. Estendia sempre a mão para quem precisava

e por sua personalidade era tão conhecida e querida na cidade.

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Adeus Julinho

Seu Julinho adorava o sucesso da mulher, incentivava-a e apoiava. Diferente dos homens

do seu tempo, não se incomodava que Mariazinha atendesse cafetinas, prostitutas ou travestis,

pois conhecia os tipos das figuras por ter convivido com elas durante suas apresentações noturnas.

Nunca deixou de tocar, sempre que podia se apresentava junto com a Orquestra do Birico em bailes

ou matinês. Mas não era do tipo festeiro, ao contrário do que era de se imaginar. Acompanhava

Mariazinha nos eventos e festas mais importantes, mas logo ia embora. Se pudesse ser dispensado do

compromisso, preferia. E era igual em relação à orquestra: fazia sua parte na apresentação e assim que

encerrasse, pegava seu rumo de volta para casa.

Assim como sua esposa, era uma pessoa que sabia cultivar amizades, tinha um bom coração

e doava-se a qualquer causa. Brincavam que ele e seu amigo e companheiro de trabalho, Virgílio,

eram os únicos fiscais honestos do INPS – cargo que ocupou até ser aposentado por invalidez. Em

1970, num dia de trabalho, aproveitou o horário do almoço para se encontrar com seu amigo Doutor

Ubiritan. Os dois estavam almoçando quando Julinho começou a se sentir mal. O amigo médico

o colocou dentro do carro e o levou para o hospital, onde descobriram que havia tido um AVC.

Felizmente o destino o colocou perto de um amigo médico naquele dia, pois se não tivesse recebido

socorro prontamente, poderia ter morrido. Infelizmente, ficaram sequelas. Julio também perdeu o

movimento do braço direito e ficou mudo.

Com a ajuda de uma fonoaudióloga, conseguiu passar a pronunciar algumas palavras.

Reaprendeu a escrever e assinar seu nome com a mão esquerda com uma fisioterapeuta. Tanto que

teve que ir até o Banco do Brasil junto com seu advogado para mostrar ao despachante e ao gerente

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Julinho Boccaletti. Data desconhecida.

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do banco que de fato era deficiente e que havia mudado sua assinatura por ter passado a escrever com

a mãe esquerda.

Teve uma sobrevida de 15 anos até um dia em que estava assistindo televisão com a família à

noite e começou a se sentir mal. Levaram-no correndo ao hospital, mas não resistiu. Faleceu no dia 2

de junho de 1985. A perda do companheiro foi a segunda grande dor de Mariazinha. Mas diferente do

caso da morte da mãe, soube lidar melhor com a perda do marido. Havia fortalecido sua fé religiosa,

adotou a doutrina espírita como segunda alternativa à sua religião católica e voltou a trabalhar e seguir

a vida em paz mesmo sem seu grande companheiro.

Alô, São Paulo

O que nada podia atrapalhar eram suas idas a São Paulo de quarta-feira. Era tradição, mas

inevitável, pois sempre precisava se reabastecer de material. Nunca ia sozinha. Se suas filhas não a

acompanhassem, Maria Alice Quércia ia com ela, ou Roberta Mascaranhas, filha de sua bordadeira

Jane, que aproveitava para comprar as predarias para o trabalho da mãe. Ou então iam todas juntas –

ou quanto o carro do motorista Netinho suportasse.

Há cerca de 50 anos que sempre passava nos mesmos lugares na Ladeira Porto Geral, que dava na

Rua 25 de Março. Lá já tinha seus fornecedores de tecido e predaria fina, onde colocava em prática

seu dom árabe para pechincha e ensinava Roberta:

– Esse preço tá muito caro, eu compro sempre aqui! Olha, o que eu pagar é isso aqui – e colocava

um bolinho de dinheiro em cima do balcão – O senhor é quem sabe. Ou vende pra mim e fica com

isso, ou fica sem nada.

Os vendedores resistiam bravamente, mas quando ela fazia menção de ir embora:

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– Tá bom, tá bom, dona Mariazinha! A senhora pode levar por quanto a senhora quiser!

E voltava para a calçada cheia de sacolas, descia a ladeira com seus tamancos em passos rápidos

até a rua movimentada para tentar atravessar. No meio daquela multidão no vaivém, o carro que não

parasse para os pedestres, logo se enchia e gritava:

– Para o carro que eu sou baixinha e quero passar! – mesmo quando estava com o braço

recuperando-se da cirurgia, com as sacolas corria para o outro lado e quem estivesse com ela que

viesse correndo logo atrás.

Depois faziam uma pausa para o almoço e chamava o motorista para comer com elas antes de

fazerem a segunda rodada na Rua Augusta, onde aproveitavam para comprar, principalmente, sapatos.

Mariazinha, Julmar e Maria Alice eram apaixonadas por sapatos. Houve uma época, na década de

1980, que a moda era usar sapatos com cores fortes. E elas entraram em uma loja que tinha todas as

cores imagináveis de sapatos. Mariazinha falava para Maria Alice:

– Mas esse você tem que levar pra usar com aquele conjunto que eu te fiz. E esse aqui com o

vestido que eu estou fazendo pra você – e assim ia a convencendo a comprar os sapatos.

Julmar não precisava nem da ajuda da mãe, já queria levar um de cada cor mesmo. As três

compraram tanto sapato que as caixas não cabiam no porta-malas do carro. Maria Alice teve que

voltar à loja e perguntar se tinham saquinhos plásticos para colocar os sapatos dentro. As vendedoras

a ajudaram a passar cada par para um saquinho e arrumar de tal maneira que fosse possível fechar o

porta-malas.

O último ateliê

Na virada da década de 1970, o brilho das roupas recuperou o fôlego com a era disco, a

sensação causada pelo filme “Os Embalos de Sábado à Noite”, estrelado por John Travolta, enquanto

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no Brasil a estreia de uma nova novela nacional em 1978 fez com que o estilo virasse febre no País:

Dancin’ Days, de Gilberto Braga, protagonizada por Sônia Braga e que aparece na inauguração

da boate da novela com uma calça de cetim vermelho Fiorucci e vira desejo de consumo de muitas

mulheres. O excesso de brilho era encontrado até nas meias de lurex usadas com sandálias. Christian

Lacroix conquistou nome na época devido aos seus exageros com cores neons, estampas de flores,

listras, xadrez, poá e muito volume.

A década de 1980 seria dominada pelo conceito de “tribos de moda”: havia os góticos, os

minimalistas, os punks, os que faziam culto ao corpo nas academias, e os yuppies (Young Urban

Professionals Person, ou jovens profissionais urbanos) que ambicionavam atingir a casa do milhão

na sua conta bancária antes dos 30 anos de idade. Esse grupo era também composto por mulheres que

pela primeira vez saíam para o mercado de trabalho em pé de igualdade com os homens, disputando

os mesmos altos postos de trabalho, mas muitas vezes sendo barradas pelo preconceito das empresas

dominadas pelo sexo masculino. Essas mulheres se impuseram por meio de suas roupas, tornando-as

“armaduras”. Os tailleurs ganharam cortes masculinos, ombreiras para criar uma postura imponente,

e as saias foram substituídas muitas vezes pelas calças. Era uma nova androginia e a referência do

estilo era Jean-Paul Gaultier.

Nesse momento, foi a época em que Mariazinha mais trabalhou com paetês – que levava para

suas bordadeiras fazerem, não comprava nada pronto – com roupas de formas amplas e cortes retos,

sem muita fluidez, com a descida da cintura para os quadris, e muito brilho em bordados.

Nesse momento, os grandes nomes de costureiros de alta-costura brasileira que haviam

surgido, começam a perder sua popularidade, mas ainda tentam sobreviver na mídia causando um

barulho ou outro. Como o episódio chamado de “A Guerra das Tesouras”, em que fizeram um

manifesto exigindo do governo certas preferências, mas que foi ignorada pelos governantes. As

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Sonia Yara Guerra – Clube Semanal de Cultura Artística. Campinas, SP, [198_]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Da esquerda para a direita Angela, Huguette Gallo, [...], Regina e Eva – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [198_], Photo Alexandre Nucci. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Huguette Gallo – Tênis Clube de Campinas. Campinas, SP, [198_]. Coleção Mariazinha Boccaletti / Centro de Memória-Unicamp

Vestido de paetê prateado Mariazinha Boccaletti.

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Último vestido que Mariazinha fez para Marisa Xavier. Em março de 1992.

Blusa em filó bordada.

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marcas jovens, que tinham o jeans como principal produto, estavam se popularizando através de

estratégias de marketing bem planejadas. Não havia a badalação em volta do nome do estilista da

marca, como acontecia com as griffes francesas, mas em volta de marcas como Zoomp e Fórum. O

trabalho de muitas costureiras colegas de Mariazinha foram comprometidos por essa nova concepção

de consumo. Muitas se limitaram a produzir roupas apenas para eventos especiais como casamento,

formatura e festa de debutante. Mesmo Mariazinha vestia apenas moças mais novas para esses eventos

especiais.

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Castelo de areia Epílogo

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Após a morte de Mariazinha, toda ideologia que pregava em torno da elegância feminina pela

cidade pareceu desfarelar. Campinas perdeu sua referência, sua grande aposta no mundo da moda.

Mas não somente isso, muitos perderam uma amiga, alguém que os ajudava e servia de inspiração.

Sua filha Julmar continuou seu trabalho ainda por três meses, amparada por suas costureiras para

entregar todos os mais de 50 cortes que haviam sobrado no ateliê. Porém foram três meses de prejuízo,

evitando qualquer possibilidade de se continuar com o trabalho e nome da modista. Encerrado o

trabalho em setembro, uma das costureiras, que também se chamava Maria, fechou sua máquina de

costura e disse:

– Chega, pra mim a costura acabou – foi embora e nunca mais pegou outro trabalho para

fazer, nem mesmo o vestido de debutante da neta.

As cinco costureiras que trabalhavam com Mariazinha faleceram entre dois e dez anos depois

dela. Tony, o cozinheiro, não aguentou continuar trabalhando na casa sem Mariazinha e foi trabalhar

com Airton Martins, que estava com AIDS e muito debilitado, e precisava de alguém que o carregasse

e tomasse conta da casa. Quando faleceu, Tony ligou para Julmar dizendo que sentia muita falta de

sua mãe e insinuou que gostaria de voltar a trabalhar lá. Mas Julmar não tinha condições de contratá-

lo novamente. Após alguns dias, recebeu a notícia de que Tony havia se suicidado com um tiro na

cabeça.

A AIDS levou outros amigos e colegas de trabalho de Mariazinha, como o maquiador Warney,

o cabeleireiro Ênio e o drag queen Roberto. Outro colunista social que partiu foi Jamil Abrahão que

faleceu durante o sono. Todos os difusores de seu trabalho partiram com ela, inclusive sua própria

casa e ateliê. Após um ano de sua morte, a construtora Encol entrou em acordo com seus vizinhos

para comprar as casas e demoli-las. No local construiriam um prédio. Julmar, sem alternativa, vendeu

a casa, que foi varrida pela construtora que faliu poucos meses depois, sem ressarcir nenhum dos

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antigos donos da área.

De modo triste, a memória da grande modista, assim como daqueles que contribuíram para

seu trabalho, aos poucos desaparece. Hoje restam lembranças de algumas pessoas que participaram

daquela época e que ainda estão vivas. As novas gerações desconhecem o passado de grandes bailes,

festas, e vestidos de Mariazinha Boccaletti que “aconteciam” em Campinas. A lembrança dos nomes

dos grandes estilistas brasileiros, ou mesmo das pequenas costureiras locais que possuíam prestígio

em suas respectivas cidades, foram substituídas por grandes e badaladas semanas de moda onde a

atração é o prêt-à-porter, por oras mais luxuosos, mas ainda assim fabricadas e vendidas em grande

escala. A elegância e a unidade saíram de moda e são raros os “artistas da roupa” que se preocupam

mais em criar que vender.

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Retrato de Mariazinha por Chico Queiroz. Campinas, SP. 1990.

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Agradecimentos

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Agradeço à Deus por ser meu único ouvinte durante as longas madrugadas de trabalho. Agradeço

ao Jorge Marcelo Oliveira por simplesmente ter mencionado o nome de Mariazinha Boccaletti para

mim, o que desencadeou esse trabalho pelo qual criei tanto amor. Agradeço à Joelma Leão por ter

me ajudado tanto desde o início dessa jornada, ter se disposto e abraçado essa causa comigo. Ao

Wanderley Garcia, meu orientador, pela paciência e pelos conselhos em momentos de total desespero.

E também à Cássia Denise Gonçalves, do Centro de Memória da Unicamp.

Agradeço as fontes Roberta Puccetti, Cássia Janys, Maria Alice Quércia, Mary Prado, Hugo

Gallo e Marisa Xavier por me permitirem realizar mais do que entrevista, mas invadir suas casas, seus

armários, suas fotos. Vocês compartilharam comigo não apenas lembranças sobre a Mariazinha, mas

a história de suas famílias, algumas vezes até mesmo lágrimas, sou muito grata pela confiança e pela

oportunidade de conhecer um pouquinho de todos vocês.

Agradeço também toda a minha família: o pai que a vida me deu, David, se não fosse por você eu

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não terminaria essa faculdade; minha mãe, Regina, minha gratidão por você não tem palavras, te amo

muito; minha avó, Maria, por jamais medir cansaço e sempre se mostrar disposta a me ajudar; minha

tia, Célia, pelas palavras de incentivo; e minha filha Helena - seu sorriso iluminado faz qualquer

problema ou obstáculo parecer mínimo.

Todos os meus amigos que me apoiaram e incentivaram. Especialmente ao Ariel Cahen, que

sacrificou um dia de trabalho para me ajudar. Aos meus companheiros de faculdade: Eduardo Bonine,

Paula Guerreiro, Patrícia Cholakov e Laura Monsef. Essa jornada foi mais prazerosa e divertida com

vocês ao meu lado. Nossas diferenças nos uniram, e principalmente, me preencheram.

Também agradeço a família de Mariazinha Boccaletti que me deu livre acesso para percorrer

suas memórias e que me receberam em suas casas tantas vezes. Espero que esse trabalho conserve

a lembrança de alguém tão importante em suas vidas. Sei que muitas histórias ficaram de fora desse

apanhado, e que outras tantas nem cheguei a ter contato. Torço para que gostem desse livro ao qual

dediquei tanto carinho a alguém que vocês me ensinaram a gostar e admirar sem ao menos ter tido a

oportunidade de conhecer.

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Retrato de Maria-zinha Boccaletti. Campinas, SP, [ca. 1939]. Coleção Ma-riazinha Boccaletti / Centro de Memória--Unicamp