Lukács e Os Prolegômenos Para Uma Ontologia Do Ser Social

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30/03/2016 Lukács e os Prolegômenos para uma ontologia do ser social http://www.herramienta.com.ar/print/coloquios-y-seminarios/lukacs-e-os-prolegomenos-para-uma-ontologia-do-ser-social 1/5 Publicado en Herramienta (http://www.herramienta.com.ar ) Inicio > Lukács e os Prolegômenos para uma ontologia do ser social Lukács e os Prolegômenos para uma ontologia do ser social Claudinei Cássio de Rezende Universidade Estadual Paulista De acordo com o filósofo brasileiro José Chasin (19371998), embora György Lukács tenha sido um dos pensadores mais importantes na restituição da substancialidade do marxismo ao voltarse para o estudo da obra marxiana, o filósofo húngaro não pôde atinar à teoria das abstrações e à resolução ontoprática do conhecimento, categorias pertencentes ao universo marxiano. Quando Chasin estabelece a análise da fisionomia filosófica de Lukács, baseandose especialmente na Ontologia eno décimo terceiro capítulo da Estética lukacsiana, a sua crítica se concentra na idéia de que a explicação lukacsiana da ontologia ainda mantém o emsi epistêmico e um pretenso vínculo lógico entre Marx e Hegel, com o intuito de firmar uma epistemologia que sustentasse a Ética. Não obstante, Chasin estabelece esta crítica sem ter acesso à mais fundamental das obras lukacsianas sobre este tema, entendida por Nicolas Tertulian como o “testamento filosófico lukacsiano”, os Prolegômenos para uma ontologia do ser social; obra de valor particular, que guarda contribuições inéditas e modificações substanciais em relação à Ontologia, na qual Lukács realiza uma crítica ao primado da gnosiologia na problemática filosófica e um derradeiro acerto de contas com Hegel, destacando, inclusive, a viçosa reminiscência hegeliana de Engels. José Chasin (19371998) foi um dos filósofos que mais contribuiu para a recepção do pensamento de György Lukács no Brasil; Chasin também empreendeu um esforço singular no que ele denominou “a redescoberta de Marx”, consistindo em analisar o pensamento marxiano pela obra do próprio Marx. A obra teórica mais fundamental de Chasin nesse sentido é Marx – Estatuto ontológico e resolução metodológica. Nesta obra, Chasin faz uma rejeição de fundo ao marxismo vulgar; apresenta a crítica do amálgama tríplice originário – segundo o qual o marxismo seria uma mistura entre a economia política inglesa e o socialismo francês, com um nervo metodológico hegeliano, idéia que se tornou a explicação mais comum entre os marxistas acerca do fundamento racional marxiano, na qual Marx é convertido a um mero aplicador da dialética hegeliana ao sistema de produção do capital; Chasin também estabelece o momento da guinada ontológica de Marx rumo à determinação ontonegativa da politicidade; e, por fim, tece críticas ao marxismo de Lukács – sem, contudo, negar os méritos do filósofo húngaro como o marxista que mais se aproximou da elucidação da ontologia marxiana. Quando Lukács expõe, no conjunto de sua obra madura, que o indivíduo é o exemplar do gênero, impossibilitando a confusão entre a vida da natureza e a vida da sociedade, ele impugna a idéia de que o homem contém em si um microcosmo social que pode existir apartado da sociedade; essa assertiva é o embate teórico de Lukács contra toda a apologética do capital, contra a idéia de que cada homem possui em si mesmo uma natureza, e que a própria sociedade é regida por leis naturais e intransponíveis. Não obstante seus méritos, segundo Chasin, quando Lukács pretende estabelecer o processo

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Lukács e os Prolegômenos para umaontologia do ser social

Claudinei Cássio de RezendeUniversidade Estadual Paulista

De acordo com o filósofo brasileiro José Chasin (1937­1998), embora György Lukácstenha sido um dos pensadores mais importantes na restituição da substancialidade domarxismo ao voltar­se para o estudo da obra marxiana, o filósofo húngaro não pôde atinarà teoria das abstrações e à resolução ontoprática do conhecimento, categoriaspertencentes ao universo marxiano. Quando Chasin estabelece a análise da fisionomiafilosófica de Lukács, baseando­se especialmente na Ontologia eno décimo terceirocapítulo da Estética lukacsiana, a sua crítica se concentra na idéia de que a explicaçãolukacsiana da ontologia ainda mantém o em­si epistêmico e um pretenso vínculo lógicoentre Marx e Hegel, com o intuito de firmar uma epistemologia que sustentasse a Ética.Não obstante, Chasin estabelece esta crítica sem ter acesso à mais fundamental dasobras lukacsianas sobre este tema, entendida por Nicolas Tertulian como o “testamentofilosófico lukacsiano”, os Prolegômenos para uma ontologia do ser social; obra de valorparticular, que guarda contribuições inéditas e modificações substanciais em relação àOntologia, na qual Lukács realiza uma crítica ao primado da gnosiologia na problemáticafilosófica e um derradeiro acerto de contas com Hegel, destacando, inclusive, a viçosareminiscência hegeliana de Engels.José Chasin (1937­1998) foi um dos filósofos que mais contribuiu para a recepção dopensamento de György Lukács no Brasil; Chasin também empreendeu um esforçosingular no que ele denominou “a redescoberta de Marx”, consistindo em analisar opensamento marxiano pela obra do próprio Marx. A obra teórica mais fundamental deChasin nesse sentido é Marx – Estatuto ontológico e resolução metodológica. Nesta obra,Chasin faz uma rejeição de fundo ao marxismo vulgar; apresenta a crítica do amálgamatríplice originário – segundo o qual o marxismo seria uma mistura entre a economiapolítica inglesa e o socialismo francês, com um nervo metodológico hegeliano, idéia quese tornou a explicação mais comum entre os marxistas acerca do fundamento racionalmarxiano, na qual Marx é convertido a um mero aplicador da dialética hegeliana aosistema de produção do capital; Chasin também estabelece o momento da guinadaontológica de Marx rumo à determinação ontonegativa da politicidade; e, por fim, tececríticas ao marxismo de Lukács – sem, contudo, negar os méritos do filósofo húngarocomo o marxista que mais se aproximou da elucidação da ontologia marxiana.Quando Lukács expõe, no conjunto de sua obra madura, que o indivíduo é o exemplar dogênero, impossibilitando a confusão entre a vida da natureza e a vida da sociedade, eleimpugna a idéia de que o homem contém em si um microcosmo social que pode existirapartado da sociedade; essa assertiva é o embate teórico de Lukács contra toda aapologética do capital, contra a idéia de que cada homem possui em si mesmo umanatureza, e que a própria sociedade é regida por leis naturais e intransponíveis. Nãoobstante seus méritos, segundo Chasin, quando Lukács pretende estabelecer o processo

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da ontologia no pensamento de Marx, ele o faz na busca de arrimo teórico numaepistemologia que lhe garantisse sustentáculos para a elaboração de sua Estética.Lukács se voltava contra O Ser e o Tempo de Martin Heidegger, o que justificava autilização da terminologia “ontologia” tomada a partir da noção proposta por NicolaiHartmann. Apesar disso, segundo Chasin, Lukács buscava a noção de particularidade euniversalidade inscrita na Fenomenologia do Espírito de Hegel, vendo que o tratamentodesta questão – a tentativa do reconhecimento de um método científico universal – já seinscrevia na pena de Spinoza e de Schelling, sendo fundamentada de facto naincognoscibilidade da coisa­em­si de Kant. Daí que Lukács reconhece que a dialéticaentre universalidade e particularidade aparece num sistema filosófico pela primeira vezem Hegel. Ainda de acordo com Chasin, não é em vão que Lukács lamenta a não­ocupação marxiana de um tratado específico sobre a lógica de Hegel: o autor húngarobuscava o germe do epistemologismo, vendo que (i) desde a morte de Hegel nenhumatentativa havia sido feita para desenvolver um método científico universal; (ii) eranecessário tratar da ciência do espírito; (iii) era necessário criticar o idealismo de Hegelsem, todavia, abandonar seu estrato metodológico, pois, por mais idealista que fosseHegel, seu método ainda lhe restava um sentido profundamente histórico – Lukács, em1923, havia transfigurado o demiurgo hegeliano de Geist para a consciência de classe doproletariado, em História e Consciência de Classe. Enquanto Hegel via a força motriz dahistória num demiurgo fora do homem, isto é, no sujeito­objeto como o espírito do mundoauto­realizador, Lukács, adaptando as categorias hegelianas, postula o sujeito­objetoidêntico como sendo o proletariado organizado no partido. Esse substitucionismolukacsiano faz do sujeito­objeto idêntico uma entidade supra­individual totalmenteabstrata encarnada no partido. A crítica de Chasin vai ao encontro do reconhecimentodisto pelo próprio Lukács em seu prefácio de 1967 desta obra.A despeito da própria crítica de Lukács à sua obra juvenil, a crítica de Chasin a Lukács sedirige, inclusive, à sua obra madura, especialmente à Ontologia e à Estética. SegundoChasin, a transição lukacsiana ao marxismo ontológico não foi completa, sobretudo peloestratagema do em­si epistêmico, que acabou por estabelecer um vínculo lógico entreHegel e Marx, no qual o segundo sempre entrará como dependente direto do primeiro. Oproblema é que o discurso sobre o objeto é subsumido ao discurso sobre o própriodiscurso. Chasin afirma que:Houvesse esbarrado, de algum modo, na resolução ontoprática da problemática doconhecimento e no delineamento da teoria das abstrações, Lukács não se teriaextraviado pela tortuosa justificativa do em­si epistêmico e no modo pelo qual, através dadialética entre universalidade, particularidade e singularidade, pretendeu estabelecer afisionomia do método marxiano. Por um lado, seriam absolutamente supérfluas edeslocadas as garantias abstratas oferecidas à objetividade das coisas e à normasegundo a qual a ciência deve partir do objeto, diante da resolutiva multilateralidadeconcreta do reconhecimento ontológico da atividade sensível como sujeito e objeto, queainda mais se eleva por deixar estabelecida a possibilidade efetiva do conhecimento,dirimindo com isso a clássica questão gnosiológica, pela qual o percurso lukacsianosimplesmente não passa. De outra parte, se tivesse vislumbrado, ainda que parcialmentea teoria das abstrações, não chegaria a transformar a dialética da universalidade,particularidade e singularidade no pretenso vínculo lógico entre Marx e Hegel /.../ [mas,isto sim,] teria sido alertado que as empreitadas teóricas de Marx não partem de umalógica, e assim experimentado dificuldades intransponíveis para embutir na estrutura dosprocedimentos marxianos um aparato dessa natureza. (Chasin, 2009: 212­3).Segundo Chasin, a posição lukacsiana ainda consiste em determinar os processos deverdadeira e falsa ontologia – ou discernir a lógica do ser privado de qualificações; e,justamente por isso, essa exortação teórica traduz uma prévia admissão intelectual sobos moldes tradicionais da divisão e classificação das ciências, de um lugar próprio àlógica, no qual Lukács atribuiu a Marx uma lógica enquanto sustentação operatória deseu método científico.

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Ao não se dar conta ou muito ter relutado em admitir, e não estritamente por motivosteóricos, a natureza ontológica do pensamento marxiano, até à época da redação daEstética, Lukács não pôde atinar com os rastros e os princípios da resolução ontopráticada problemática do conhecimento e com o modo pelo qual o “cérebro pensante seapropria do mundo”, ou seja, com a teoria das abstrações, demarcadas consistentementepor Marx. É, precisamente, esse conjunto de vigorosos elementos teóricos que constitui onão sabido que Lukács, no interior de uma longa e descarrilada tradição interpretativa daobra marxiana, tomou ou deixou passar como um vácuo à raiz do pensamento de Marx.(Chasin, 2009: 211) De modo que a ausência de um conjunto normativo de procedimentos em Marx, aliás, deuma lógica formal na metodologia, não é uma lacuna metodológica de Marx, mas é antesuma afirmação estrutural. Chasin descreve assim esta descoberta da ontologia marxiana: Se por método se entende uma arrumação operativa, a priori, da subjetividade,consubstanciada por um conjunto normativo de procedimentos, ditos científicos, com osquais o investigador deve levar a cabo seu trabalho, então, não há método em Marx. Emadjacência, se todo método pressupõe um fundamento gnosiológico, ou seja, uma teoriaautônoma das faculdades humanas cognitivas, preliminarmente estabelecida, quesustente ao menos parcialmente a possibilidade do conhecimento, ou, então, se envolvee tem por compreendido um modus operandi universal da racionalidade, não háigualmente, um problema do conhecimento na reflexão marxiana. E essa inexistência demétodo e gnosiologia não representa uma lacuna, nem decorre, como sugere Lukács, àsprimeiras linhas de seu capítulo sobre Marx na Ontologia do ser social, do fato destejamais ter se preocupado em estudar as relações entre ontologia, gnosiologia, lógica etc.,uma vez que partira “ainda que desde os inícios em termos críticos, da filosofiahegeliana”, e que esta “se move dentro de uma certa unidade, determinada pela idéia desistema, entre ontologia, lógica e teoria do conhecimento; o conceito hegeliano dedialética implica, no próprio momento em que põe a si mesmo, uma semelhanteunificação e, inclusive, tende a fundir uma coisa com a outra”. Como se depreende dospassos ontocríticos que instauraram o pensamento marxiano, não terá sido por resquíciosde hegelianismo que Marx rompeu com o método­lógico especulativo, nem se situou, pelamediação do pressuposto ineliminável da atividade sensível do homem, para além dafundamentação gnosiológica. Isso equivale a admitir que a suposta falta seja antes umaafirmação de ordem teórico­estrutural, do que uma debilidade por origem históricainsuficientemente digerida. (Chasin, 2009:. 89­90) Chasin não é o único a perceber a herança hegeliana na obra de Lukács, mas Chasin aenxerga como uma debilidade; diferentemente de Jesus Ranieri, para quempositivamente Marx é herdeiro epistemológico de Hegel, e “Lukács é uma espécie deleitor hegeliano de Marx” (Ranieri, 2011: 125). A crítica de Chasin contra a posturahegeliana de Lukács é plenamente sustentável, exceto pelo fato de que Lukács, nosProlegômenos para uma ontologia do ser social, abre uma perspectiva inteiramente nova:neste derradeiro texto lukacsiano, entendido por Nicolas Tertulian como o autênticotestamento filosófico de Lukács, há um acerto de contas com o idealismo alemão do qualpadecia em parte sua obra precedente.Nos Prolegômenos para uma ontologia do ser social, Lukács percebe que Marx, desdeseus escritos de juventude, já reiterava uma rejeição de fundo ao método hegeliano,especificamente contra suas abstrações lógicas; e esta rejeição se completa na posiçãoque Marx assume em duas obras que marcam sua guinada à completa impugnação deHegel: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e A Ideologia Alemã. Diferentemente daposição inicial de sua parte histórica da Ontologia, em que o filósofo húngaro buscava aidentificação da verdadeira e falsa ontologia de Hegel, nos Prolegômenos, Lukácschancela a impossibilidade de se reconhecer um tal momento hegeliano em Marx. Esta

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modificação em relação à postura que Lukács mantinha na parte histórica da Ontologia eem sua Estética ganha ainda maior relevo quando o autor busca examinar inclusive odestino trágico que esta herança hegeliana teve no marxismo – inclusive no marxismo deEngels.Ao inverso da idéia de uma simples inversão lógica que Marx teria realizado contra ométodo hegeliano, o que se vê em Marx, pensa o último Lukács, é uma crítica áspera aointento lógico­ontológico hegeliano, privado de pressupostos em que o ser deveria ser aomesmo tempo algo além do mero ser pensado, mas, simultaneamente, algo ainda privadode determinações. Neste sentido, a análise da ontologia como uma análise da estruturaprimária do ser ainda privado de qualidades, como aparece em Hegel, é um absurdo dalógica porque pressupõe a possibilidade do desmembramento da realidade num sistemalógico­hierárquico, ou, como a tradição filosófica alemã tratou, a teoria das categorias.Esta análise gnosiológica hegeliana se preocupa em traçar a determinação do ser a partirde categorias lógicas enquanto pressuposto da própria realidade, seccionando o ser emseu suposto momento de pré­interação com a realidade objetiva. Lukács percebe que ofundamento básico da ontologia marxiana é que todo ser é histórico e oriundo deinterações inelimináveis que acabam por formar o ser; de tal sorte que as categorias nãosão formas a priori do pensamento, mas são nexos e interações presentes no próprio ser.E isto rechaça a idéia da possibilidade da apreensão ontológica do ser indeterminado.Para Lukács, a lógica de Hegel lança mão da negação como instrumento. Em Marx, aocontrário, há uma impossibilidade de se desenvolver as determinações em um ser privadodessas mesmas determinações. Lukács percebe que a negação da negação é o meiológico misterioso, com cujo auxílio se extrairia magicamente de um ser privado dedeterminações a suas próprias determinações desenvolvidas.Lukács não encerra sua crítica ao hegelianismo que tomou lugar no marxismo de seutempo, mas também vê no próprio Engels a reminiscência hegeliana: Lukács afirma que apostura de Engels em relação a esta mesma questão que Marx percebe como umaimpossibilidade ontológica – a negação da negação como uma determinação do ser queainda não se concretizou –, é a de aceitação do esquema lógico­formal de Hegel,porquanto Engels afirma que a negação da negação é um procedimento muito simples,realizado por toda a parte e aplicado, inclusive, à sociedade e à natureza.Lukács identifica definitivamente que a presença de elementos hegelianos no marxismonão se deve, de modo algum, a Marx, mas exclusivamente a Engels. A negação danegação possui validade fundamental na filosofia de Hegel, mas não na filosofia de Marx.Não obstante, é Engels quem se apropria dela e dá seu imprimatur no interior domarxismo. De modo que, contra a formulação hegeliana e apoiando­se em Marx, Lukácsfaz uma indagação que impugna a lógica hegeliana: pode o ser ainda existir como ser emgeral, se ele deve permanecer como ser real, e, todavia, concebido privado dedeterminações objetivas? Para Marx, portanto, o ponto de partida do ser não é o ser emsua formação abstrata idealmente, mas o próprio ser em sua objetividade imanente. Marxresume esta crítica na sua formulação de que um ser não objetivo é um não­ser, ou seja,um ser que é privado de objetivações não existe senão na formulação abstrata irreal. Éneste sentido que Chasin percebe em Marx uma teoria das abstrações. Lukács vê queMarx, em seus textos de ruptura com o neohegelianismo de esquerda, já assinalava airrazoabilidade de Hegel, pois, este, ao invés de tentar compreender o objeto em suaefetividade concreta, envereda­se por um caminho em que o único interesse está emvoltar a encontrar a idéia pura e simples, a idéia lógica em qualquer elemento, seja oestado, seja a natureza. De tal sorte que o Lukács dos Prolegômenos clarifica que o queestá em jogo nesta crítica de Marx ao processo hegeliano das abstrações formais é aprópria ontologia: para Hegel, os entes reais são substituídos por idealidades, cujanatureza é substancializada, tornando­se dessa forma agentes ou identificações queatuam por lógicas próprias e que, por necessidade interna, engendram as determinaçõesfinitas, antes de tudo como confirmação de si mesmas. Esta crítica marxiana identificadapor Lukács entende que o conjunto de determinações que deve ordenar o conjunto

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investigativo não pode ser outro senão as determinações reais, concretamente existentes.Já na lógica hegeliana, não é a particularidade de determinados existentes que deve serdeterminada, mas do ser privado de determinações (portanto, apenas abstratamentepensado) em seu auto­movimento. Lukács percebe que Hegel não busca a determinaçãoontológica do ser realmente existente, mas do ser privado de determinações, isto é, deuma determinação meramente ideal, existente somente no plano das idéias, semcorrelação direta com a objetividade. De acordo com Lukács, para Marx as categorias sãodeterminações que partem do ser efetivo, mas para Hegel, as categorias partem de umaabstração fora da objetividade, da existência de um objeto ideal, não­objetivo. É dessaformulação que Hegel se depara no método de determinação de um conceito: ele édeterminado por seu contrário, ou seja, pela negação da negação. É o elemento contráriode dada determinação que classificará exatamente o seu significado, segundo Hegel.Portanto, Lukács adverte que: se a determinação não parte de um ser realmenteexistente, se a análise da ontologia tem lugar numa análise da estrutura primária do serainda privado de qualidades, como aparece em Hegel, a abstração só poderá incorrernuma abstração irrazoável. BibliografiaCHASIN, J. Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo,2009.HEGEL, G.W.F. Ciencia de la Logica. Traducción Augusta y Rodolfo Mondolfo. 2 volumes.3ª ed. Buenos Aires: Ediciones Solar, 1974.______. Enciclopedia delle Scienze filosofiche in compendio. A cura di V. Verra, Torino:Utet, 1981.LUKÁCS, György. Prolegomeni a Un'Estetica Marxista. Traduzione di Fausto Codino eMazzino Montinari. Roma: Editori Riuniti, 1957.______. Estetica. 2 volumes.Traduzione di Anna Marietti Solmi. Torino: Giulio EinaudiEditore, 1963.______. Per l’ontologia dell’essere sociale. Roma: Riuniti, 1976.______. Pensamento vivido. Autobiografia em diálogo. Tradução Cristina Alberta Franco.São Paulo/Viçosa, Estudos e Edições Ad Hominem/Editora UFV, 1999.______. Prolegômenos para uma ontologia do ser social. São Paulo: Boitempo, 2010.______. História e Consciência de Classe: estudos sobre a dialética marxista. Traduçãode Rodnei Nascimento.São Paulo: Martins Fontes, 2003.RANIERI, Jesus. Trabalho e Dialética. São Paulo: Boitempo, 2011.

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