Luiza erundina a crise internacional e as mulheres

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LUIZA ERUNDINA Deputada Federal PSB/SP Página 1

A CRISE INTERNACIONAL E AS MULHERES

Debate sobre a “Crise econômica internacional e seus impactos sobre a vida

das mulheres”, no Fórum Social Temático 2012.

Gostaria de propor às companheiras e companheiros presentes uma reflexão

sobre estes pontos.

1º. Entender a crise;

2º. Impactos da crise sobre a vida das mulheres;

1º) Entender a crise

A atual crise econômica e financeira é considerada uma das mais graves da

era do capitalismo e contém elementos que apontam na direção de profundas

transformações que poderão significar o esgotamento de um ciclo histórico-

social e o surgimento de um outro, no inexorável movimento da espiral dialética

da história. É o velho que dá sinais de falência, enquanto o novo ainda carece

de tempo e de força para nascer. Essa é uma transição dolorosa marcada por

dúvidas e incertezas, mas ao mesmo tempo prenhe de promessa de vida, o

que nos faz lembrar Ortega e Gasset quando diz que “O presente está grávido

do futuro”. Porém, acrescentamos nós, para que o futuro nasça terá que passar

pela dor do parto, afim de dar à luz a uma humanidade nova, a uma nova

civilização.

É preciso que se identifique a essência da crise que se está vivendo hoje,

como condição para se encontrarem as respostas adequadas e suficientes

para debelá-la, ao mesmo tempo em que se busque atenuar seus efeitos

danosos na vida das pessoas, em especial os segmentos mais vulneráveis e

onerados pelo sistema econômico capitalista, os trabalhadores em geral e,

particularmente, as mulheres.

É necessário, antes de tudo, entender a verdadeira origem da crise e ter claro

que suas raízes estão fincadas no próprio coração do sistema econômico

neoliberal. Assim, é possível desmascarar o discurso dos que procuram

minimizar a gravidade da crise, reduzindo-a a um simples descontrole dos

chamados “subprime”, ou seja, créditos a tomadores de empréstimos, sem

capacidade de endividamento, por não terem renda suficiente para honrar os

compromissos assumidos com o sistema bancário, por isso tiveram que dar

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como garantia os próprios bens adquiridos, gerando inadimplência em massa e

rolagens sucessivas das dívidas, o que se transformou numa onda gigantesca

de descontrole financeiro, verdadeiro tsunami que se esparramou por todo o

sistema financeiro mundial.

Contudo, essa não é a principal causa da crise, mas sim, a economia real,

significando, portanto, uma crise estrutural do sistema econômico globalizado.

Sendo assim, exige soluções globais de natureza estratégica que extrapolem o

âmbito de cada Estado-Nação. Alguns até já tomaram medidas, embora

limitadas em sua capacidade de responder a problemas de tais dimensões. No

entanto, contribuem para atenuar os impactos da crise sobre a atividade

econômica, tais como: investimentos em projetos de infraestrutura; incentivos

fiscais à indústria da construção civil e da produção de bens de consumo

durável; redução dos juros e implementação de políticas de transferência e de

distribuição de renda, através de programas sociais, como o Bolsa Família, e

de reajustes do salário mínimo acima da inflação. Essas e outras medidas

visam a manter o dinamismo da economia, a geração de empregos e, assim,

reduzir os efeitos perversos da crise sobre os e as trabalhadoras. É exemplar,

neste particular, o caso brasileiro nos governos Lula e Dilma. Exigem-se,

porém, novas e criativas respostas à crise, focadas, sobretudo, nas questões

sociais.

Com efeito, a crise mundial que está instalada, além de financeira, é também

econômica, social e política. Senão, vejamos. A globalização provocou, entre

outros malefícios, a divisão do mundo do trabalho: de um lado, trabalhadores

altamente qualificados e com elevadas remunerações; de outro, uma massa de

assalariados com baixa qualificação e mal remunerados, provocando, com

isso, o achatamento no nível de renda das classes médias que eram as que

consumiam mais e que impulsionavam o crescimento. Daí, para manter o

padrão de consumo, as famílias mais numerosas e de mais baixo nível de

renda, passaram a se endividar, contraindo empréstimos bancários

incompatíveis com sua capacidade de pagá-los.

Em conseqüência disso, o crescimento econômico, a partir de então, passou a

depender muito mais dos créditos do que do rendimento das pessoas. Foi esse

o motivo pelo qual, nos últimos 20 anos, os Estados Unidos passaram a adotar

sistemas de empréstimos a risco elevado, concedidos às pessoas sem levar

em conta seus rendimentos, mas o valor dos bens que adquiriam, como, por

exemplo, imóveis, daí o estouro da famosa crise dos “subprimes mortgage”, ou

seja, dos empréstimos hipotecários, para o setor imobiliário que se

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transformaram numa imensa crise financeira que se alastrou pelo mundo das

finanças feito um tsunami, em decorrência da titularização dos créditos de

risco, disseminados pelo conjunto dos bancos mundo afora.

Entretanto, é necessário atentar para o fato de que, apesar de sua importância,

o descontrole do sistema financeiro mundial não é a principal causa da crise,

cuja origem está na economia real, fortemente afetada pela crise de confiança

que veio em seguida e que reduziu drasticamente o acesso ao crédito e,

consequentemente, gerou desemprego, diminuiu o consumo e rebaixou o

poder de compra das pessoas.

Portanto, no primeiro momento, foi a economia real que provocou a crise

financeira e bancária e, em seguida, gerou a crise de confiança, cujos efeitos

retroagiram sobre a economia real. Assim, trata-se de uma crise sistêmica,

estrutural e de longa duração e, como tal, requer soluções globais e respostas

políticas inovadoras e ousadas, capazes de transformar radicalmente os

fundamentos e os conceitos que, até agora, sustentaram a organização e a

vida das sociedades modernas.

2º) Impactos da crise sobre a vida das mulheres

Como vimos na primeira parte desta intervenção, a crise econômica e

financeira assume proporções só comparáveis a uma outra crise, a de 1929.

Há quem considere a crise atual ainda mais grave, com conseqüências e

impactos negativos devastadores sobre a vida dos trabalhadores, em especial

as mulheres e os segmentos mais pobres das sociedades.

Com a desaceleração da atividade econômica o primeiro setor a ser atingido é

o mercado de trabalho. Cai a oferta de emprego formal e aumentam as taxas

de desemprego e a informalidade que é onde se concentra o maior percentual

de mão de obra feminina. O impacto também se dá sobre a renda, aumentando

a pobreza e a desigualdade de gênero no mundo todo.

No seu discurso no colóquio de Alto Nível sobre a Participação Política de

Mulheres, promovido pela ONU mulher, a presidente Dilma Rousseff afirmou

que “apesar de alguns avanços notáveis, a desigualdade permanece em pleno

século XXI. São as mulheres que mais sofrem com a pobreza extrema, com o

analfabetismo, com as falhas do sistema de saúde, com os conflitos e com a

violência sexual. Em geral, as mulheres recebem salários menores pela mesma

atividade profissional e têm presença reduzida nas principais instâncias

decisórias”. Acrescentou ainda que “A crise econômica e as respostas

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equivocadas a ela podem agravar esse cenário, intensificando a feminização

da pobreza. Por isso, combater as conseqüências e também as causas da

crise é essencial para o empoderamento das mulheres”, ressaltou a presidente.

É importante observar que a fala da nossa presidente se deu num fórum

internacional e num contexto de profunda crise econômica mundial, com

repercussões imprevisíveis, e é relevante que ela tenha enfatizado a questão

do empoderamento das mulheres. É que as possíveis saídas para a crise e o

enfrentamento de seus efeitos perversos passam, necessariamente, pela

política, particularmente quando se trata da desigualdade de gênero agravada

em momentos de crise, como a que vivemos atualmente. É significativo,

portanto, que a presidente Dilma tenha defendido, explicitamente, naquele

importante evento, a participação das mulheres nos espaços de decisão e ela o

faz com muita autoridade, tendo em vista o significativo número de mulheres

que compõem seu ministério e integram, inclusive, o núcleo central do governo,

exercendo funções estratégicas.

De todas as barreiras à participação das mulheres, a política é, sem dúvida, a

mais difícil de transpor, exatamente por ser a política o espaço das decisões e

do exercício do poder e, como tal, privilégio dos homens. No Brasil, as

mulheres são mais da metade da população e do eleitorado; têm maior nível de

escolaridade e representam quase 50% da população economicamente ativa

do país. No entanto, estão subrepresentadas nas esferas de poder. São

apenas 11% no Congresso Nacional; não chegam a 20% nos níveis mais

elevados do Poder Executivo. No judiciário, nas universidades, nos sindicatos e

empresas privadas ocupam apenas 20% das chefias.

Esse quadro é confirmado pelo Índice Global de Desigualdade de Gênero

(Global Gender Gap Index – G.G.G.I), de 2011, do Fórum Econômico Mundial,

no qual o Brasil ficou em 82º lugar, no ranking de 135 países, atrás da África do

Sul em 14º, Burundi em 24º; Moçambique em 26º e Uganda em 29º lugar,

sendo que o indicador participação política é o que coloca nosso país em pior

situação. É preciso registrar, no entanto, que nesse aspecto houve avanços,

ainda que num ritmo muito lento.

Esse quadro de exclusão política das mulheres é um agravante num contexto

de crise e o Brasil não foi poupado de seus efeitos danosos, embora isso tenha

se dado com atraso e menor intensidade. A economia do país vem sofrendo

com os seguintes impactos da crise: diminuição dos negócios no comércio

internacional; queda nos preços das “comodities”; redução dos investimentos e

financiamentos externos; e valorização do crédito. Além disso, a crise de

confiança, gerada pela instabilidade da economia internacional, afetou as

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expectativas dos agentes econômicos, impactando fortemente a produção, os

investimentos, o emprego e o nível de renda dos trabalhadores, incidindo de

forma mais aguda sobre as mulheres trabalhadoras e as condições de vida de

suas famílias.

Com efeito, a crise financeira, o desemprego e o rebaixamento dos níveis de

vida, tanto nos países do Norte como nos do Sul, põem em xeque o modelo

neoliberal de economia e geram mobilizações sociais em várias partes do

mundo.

No entanto, as “soluções” que vêem sendo adotadas para a crise não fogem ao

modelo neoliberal, tais como, cortes nos gastos públicos; flexibilização dos

direitos e conquistas dos e das trabalhadoras; aumento dos lucros das

empresas, inclusive as financeiras, e das despesas militares. Portanto são

sempre os trabalhadores, as mulheres, os negros, os segmentos mais

vulneráveis das populações que pagam a conta pelas crises cíclicas do

sistema capitalista. No entanto, desta vez, não se trata de apenas mais uma

crise parcial e transitória, mas, sim, de uma crise estrutural e sistêmica que

provavelmente marcará o fim de um novo ciclo histórico:social.

Assim, as forças políticas da esquerda democrática estão desafiadas a apontar

saídas e soluções criativas e eficazes, não apenas como respostas à crise e

seus efeitos, mas para a construção dos alicerces de um outro mundo. Nós,

mulheres, que somos as principais vítimas desse “horror econômico”, devemos

nos preparar e nos capacitar para sermos protagonistas desse processo

histórico, desde a primeira hora. E se o presente, como diz o filósofo, está

grávido do futuro, cabe a nós, que geramos a vida, parir uma nova

humanidade,uma outra civilização.

A hora é esta! O tempo está maduro! Vamos construir um mundo de paz,

justiça e liberdade para homens e mulheres viverem em plenitude e em

harmonia com a natureza!!!