Luís Canotilho 94

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Luís Manuel Leitão Canotilho SÉRIE Escola Superior de Educação EDIÇÃO DO INSTITUTO POLITÉCNICO DE BRAGANÇA 94 94 Do quadrado ao Ponto da Bauhütte D

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  • Lus Manuel Leito Canotilho

    SRIE Escola Superior de Educao

    EDIO DO INSTITUTO POLITCNICO DE BRAGANA

    9494Do quadrado aoPonto da BauhtteD

  • Do quadrado aoPonto da BauhtteDD

    Lus Manuel Leito Canotilho

  • Do quadrado aoPonto da BauhtteDD

    SRIE

    9494Lus Manuel Leito Canotilho

    EDIO DO INSTITUTO POLITCNICO DE BRAGANA

  • Ttulo: Do quadrado ao Ponto da Bauhtte Autor: Lus Manuel Leito CanotilhoCapa: Tapearia em Arraiolos (800x800 cm). Governo Civil de BraganaEdio: Instituto Politcnico de Bragana 2009 Apartado 1038 5301-854 Bragana Portugal Tel. 273 331 570 273 303 200 Fax 273 325 405 http://www.ipb.ptExecuo: Servios de Imagem do Instituto Politcnico de Bragana (grafismo, Atilano Suarez; paginao, Lus Ribeiro e Snia Cruz;

    acabamento, Isaura Magalhes)Tiragem: 200 exemplaresDepsito legal n 300581/09ISBN 978-972-745-106-7Aceite para publicao em 2009

  • ndice

    A descoberta da geometria e do nmero __________________7 O evangelho pitagrico ______________________________7Proporo e harmonia _______________________________15 Razo urea, mdia urea, divina proporo, nmero de ouro ou nmero de Fdeas _____________15 Proporo urea nas figuras geomtricas ______________23 Espiral de Drer __________________________________23 Quadrados proporcionais ___________________________24 Propores ureas entre crculos e quadrados __________25 Propores ureas no tringulo e na elipse _____________25 Figuras geomtricas _______________________________26 O pentagrama do rei Salomo _______________________27 O rectngulo raiz quadrada de 2, 3, 4 e 5 ______________29 Construo dos rectngulos ______________________29 Propriedades dos rectngulos 2, 3 e 4 ___________30 A armadura do rectngulo __________________________32Proporo e harmonia no campo das artes ______________34

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    A razo urea na arquitectura _____________________34 Razo urea na cidadela do castelo de Bragana ____39 A razo urea nas artes plsticas ___________________41 A razo urea no campo do design _________________44 A razo urea em outros campos da cultura erudita ___46Proporo e Harmonia na Figura Humana. O Cnon _____49 O pentagrama inserido no homem de Vitruvius. ______57A geometria como fundamento mstico e artstico _________59 O procedimento operativo da geometria e do nmero ____61 Os esquemas dos traados dos templos da antiguidade ___63 O teorema de Pitgoras e o nmero 12 _____________66O ponto da Bauhtte _________________________________69 As operaes geomtricas de base ____________________72 Encolhimento e diviso geomtrica ___________________75A Harmonia s se atinge atravs da perspectiva __________79Harmonia e Proporo _______________________________87 O rectngulo 5 no Templo de Salomo _______________87 Resoluo do ponto da Bauhtte _____________________91Bibliografia ________________________________________93Notas __________________________________________99

  • A descoberta da geometria e do nmero

    O evangelho pitagrico

    Dado que Deus s pode realizar coisas de forma or-denada; dado que a ordem pressupe o nmero e o nmero pressupe a medida; dado que s esto ordenadas as coisas limitadas, evidente que Deus realizou as coisas em nmero, peso e medida.

    Buenaventura de Bagnorea1 (sculo XIII)

    Na filosofia pitagrica, posteriormente divulgada na Idade Mdia por Bocio, Alma e Corpo esto dependentes das mesmas regras que regulam os sons musicais, sendo que as mesmas leis, tambm regulam a harmonia de todo o cosmos, na base de regras matemticas.

    Pitgoras (571 a.C. 496 a.C.), filsofo e matemtico grego, foi o fundador da Escola Pitagrica. Este filsofo de suma importn-cia no pensamento ocidental, baseou os seus princpios numa ordem csmica perfeita e harmoniosa que pressupunha a ideia de belo.

    A escola pitagrica defendia que seria a partir do nmero que todas as coisas seriam formadas, havendo quatro elementos fun-damentais: Terra; gua; Ar; Fogo.

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    Figura 2 - O ancio dos dias. Aguarela de William Blake (23,3 x 16,8 cm). 1794. Deus representado como o grande arquitecto do universo.

    A Escola Pitagrica viria, fundamentalmente, a mostrar um grande interesse pelo estudo das propriedades dos nmeros, princpio do conceito de Harmonia.

    Pitgoras defendia a existncia de uma doutrina com fun-damentos exotricos cujo princpio estabelecia que todas as coisas se baseiam na representao de nmeros.

    S o esforo de carcter intelectual exercido pelo homem que permitia a libertao da alma. Este exerccio intelectual do indivduo, consistia na descoberta da estrutura numrica das coisas dando alma a necessria unidade harmnica. Este princpio exotrico estabelecia os nmeros como as grandezas das coisas.

    O homem, seja na sua actividade normal ou artstica, des-de cedo identificou a natureza e tudo o que o rodeia com as formas circulares.

    Sendo as linhas curvas o princpio da representao da na-tureza, Pitgoras aceitou-as com a maior naturalidade, como sendo o processo da representao divina. Em contrapartida, as linhas rectas, seriam a representao humana das formas, fundamentalmente na arquitectura.

    Esta ruptura, entre a criao divina baseada em formas com linhas curvas, e a criao humana estabelecida nas linhas rectas, implicava desde logo algumas dificuldades.

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    Figura 3 - Deus criando o Universo. Iluminura de uma Bblia do sculo XIII.

    O homem enquanto ser orgnico e natural, limitado sob o ponto de vista psicomotor, teria de realizar instrumentos compatveis com a sua ideia de criao, capazes de executar o rigor na base das linhas rectas e curvas. Inventa deste modo, o esquadro para traar as rectas e o compasso para construir o crculo, utilizando estes instrumentos de rigor como que o prolongamento da sua mo. Posteriormente o desenvolvimento psicomotor, cimentado atravs dos conhecimentos transmitidos de poca para poca e de corporao para corporao, permitiu a evoluo das formas construdas pelo homem desde a antiguidade at aos nossos dias.

    Em todas as culturas conhecidas o crculo constituiu sempre a forma representativa da noo de universo. A partir deste conceito, toda a representao no interior do crculo seria considerada de ori-gem divina. Na figura 3, o ento universo conhecido no sculo XIII, criado por Deus, est inserido no crculo.

    Inicia-se, deste modo, o processo de abstraco do pensa-mento figurativo atravs da representao do crculo.

    O ponto central (centro) do crculo passa a ser o princpio criador. ponto de partida, o ponto a partir do qual se traam as rectas, o ponto inicial de todas as construes geomtricas (egpcias, gregas, romanas, judaicas, crists, etc.), o ponto que dar incio representao das figuras e slidos, o incio da simetria, o princpio do secretismo inerente ao ponta da Bauhtte.

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    Esta ser a razo pela qual, todas as formas construdas pelo homem esto na permanente dicotomia entre o crculo e a recta.

    E dentro deste princpio, Plato que muitas vezes questionou o conceito de beleza das formas, afirmava que quando realizadas a partir do crculo e das rectas nele inseridas, jamais se poderia colocar em causa a sua perfeio e beleza.

    Este conceito seria reactivado, mais tarde, no renascimento atravs de Luca Paccioli2 e dentro do princpio definido como divina proporo. Paccioli recomendava especial ateno, ao crculo e ao quadrado, como sendo as principais formas definidoras do conceito de curva e recta.

    Este antagonismo, entre linha curva (Deus) e linha recta (homem), entre crculo (Deus) e quadrado (homem), seria transposto pelos gregos para o conceito de forma volumtrica, atravs da defi-nio e determinao dos slidos geomtricos. Novamente entramos na dicotomia entre esfera (Deus) e cubo (homem).

    A partir deste momento nascia, a concepo mais importante da esttica, que fazia depender o conceito de beleza da Harmonia e da Proporo.

    Figura 4 - O quadrado ser o polgono que melhor define a dimenso humana.

    Pitgoras foi um grande conhecedor do pensamento mate-mtico egpcio, pelo que comungava com a viso, de que o princpio de todas as coisas est no nmero, nascendo assim a viso esttico matemtica do Universo. Esta viso reguladora assentava, na ordenao

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    de todas as coisas, na base das leis matemticas, determinando-se deste modo a nossa existncia e todo o conceito de beleza ordenada.

    Todo este pensamento teve incio quando Pitgoras desco-briu, que as relaes matemticas regulam os sons musicais, onde as propores existem na relao entre a longitude da corda e a altura do som. O exemplo partiu da relao entre a longitude das cordas de uma lira e os respectivos acordes musicais. A ttulo de exemplo, tocando a nota D, para se conseguir um outro d mais baixo, necessrio usar uma corda mais larga na relao 2:1 sendo que, para as notas intermdias na ordem ascendente (r, mi, f, etc.), sero usadas cordas cuja longitude mantenham em relao nota original, idnticas relaes (figura 5).

    D R Mi F Sol L Si D

    264 297 330 352 396 440 495 528

    1/1 9/8 5/4 4/3 3/2 5/3 15/8 2/1

    Figura 5 - Estudos de Pitgoras sobre as relaes entre os sons. Theorica Musicae de Franchino Gaffurio (1492). Biblioteca Nacional de Brera / Milo.

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    O ponto foi portanto definido pelos gregos como o princpio criador, por se situar no centro do crculo. Em geometria o ponto no possui dimenso. No entanto a unio de vrios pontos permite deter-minar e definir o conceito de linha que ser recta, se os seus pontos tomarem a mesma direco. Ser curva se os seus pontos mudarem de direco.

    O quadrado define muito bem as formas projectadas pelo homem, j que se trata de um polgono. Um polgono uma superfcie fechada e limitadas por trs ou mais segmentos de recta designados de lados. Ser tambm de considerar que os polgonos tm tantos lados como ngulos, sendo designados pelo seu nmero de lados ou ngulos.

    Apenas foram baptizados 12 polgonos3, sendo que os outros so designados pelo nmero de lados (Exemplo: Polgono de 13 lados).

    Convm tambm referir e com rigor, que nos polgonos deve ser considerado o permetro (soma do comprimento dos seus lados) e, a no ser nos tringulos, tambm as diagonais (segmentos de recta que unem dois vrtices no contguos do polgono).

    No presente caso, estamos perante um quadriltero, polgono com quatro lados e quatro ngulos. Contudo, por ter os lados opos-tos entre si paralelos e iguais, designado de paralelogramo. Como tambm tm os seus ngulos iguais, dever ser designado com rigor de quadrado.

    A outra figura geomtrica, a partir da qual sero realizadas todas as estruturas geomtricas, a circunferncia.

    A circunferncia uma linha curva, plana e fechada, com todos os seus pontos equidistantes de outro ponto interior denomi-nado centro4.

    No presente trabalho, ser ainda conveniente definir algumas linhas fundamentais, para o traado das estruturas e para a determi-nao do ponto da Bauhtte. Na circunferncia h que considerar as seguintes linhas, entre outras: Raio | segmento de recta que une o centro com qualquer ponto da circunferncia; Dimetro | segmento de recta, que passando pelo centro, termina em dois pontos opostos da circunferncia.

    A superfcie limitada pela circunferncia e no interior dela chama-se crculo, e define o universo projectado por Deus5.

    Convm ainda definir o conceito de tringulo, j que conforme se ir demonstrar neste trabalho, um polgono, cuja compreenso ir ser fundamental.

    O tringulo um polgono com trs ngulos e trs lados, sendo que qualquer dos lados pode ser considerado como a sua base. No entanto conveniente definir muito bem os tringulos possveis que podem ser identificados quer quanto aos lados, quer quanto aos ngulos.

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    No que respeita aos lados podemos identificar trs tringulos, sendo que o tringulo equiltero o mais importante para este estudo, por ter os trs lados iguais6.

    No que respeita aos ngulos, ser o tringulo rectngulo, o motivo deste estudo7. O tringulo rectngulo tem um dos ngulos rectos, ou seja com 90. Os lados do rectngulo que formam o n-gulo recto so designados de catetos. O lado oposto a esse ngulo designado de hipotenusa.

  • Proporo e harmonia

    Razo urea, mdia urea, divina proporo, nmero de ouro ou nmero de Fdeas

    A Idade Mdia referenciada no campo da arquitectura, pela eleio dos dois grandes instrumentos de rigor, o esquadro e o compasso, que possibilitavam inmeras construes e resolues de ordem prtica, entre as quais o nmero de ouro e o rectngulo raiz quadrada. Contudo, o nascimento destes instrumentos perde-se nos tempos. Na realidade tudo se traava ou determinava com a ajuda destes instrumentos.

    A maior parte dos documentos do perodo da Idade Mdia, existem nas instituies monsticas. Dos edifcios religiosos realiza-dos na poca, observam-se inmeros contratos de execuo de obras e edifcios. surpreendente a quase inexistncia dos projectos dos edifcios, bem como das suas memrias descritivas, limitando-se os dados ao seu tamanho e materiais empregues. O mesmo se passa com a inexistncia de um qualquer documento de considerao esttica ou de estilo.

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    Figura 6 - Estrela de cinco pontas ou Pentagrama.

    A prtica utilizada na arquitectura baseava-se nas tradies que remontavam antiguidade. Os nicos documentos que chegaram aos nossos dias limitam-se a duas publicaes: O Livro de desenhos de Villard de Honnecourt publicado em 1235; e Opsculo sobre a correcta forma de realizar pinculos Buchlein von der Fialen Ge-rechtigkeit de Roritzer, impresso em Regensburg em 1486.

    Figura 7 - Os instrumentos de rigor que desenharam e projectaram toda a arquitectura: Compasso; Esquadro.

    O trabalho prtico no campo da geometria era realizado por velhos artfices e transmitidos de mestre para aprendiz, sempre debaixo de um profundo secretismo associado a algum misticismo. Este secretismo era na realidade evidente pela ausncia de documentos escritos, procedimento que impedia a sua divulgao. A divulgao limitava-se ao interior dos cerrados grmios8 de pedreiros.

    O nmero de ouro, sendo uma grandeza puramente aritm-tica, constitui tambm uma misteriosa expresso qual se atribuem

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    propriedades estticas. A partir do nmero de ouro possvel construir um sem nmero de formas geomtricas e de composies pictricas, sendo as obras da antiguidade mais carismticas, realizadas a partir deste procedimento, a Pirmide de Kheops, o Parthnon de Atenas (figura 35) ou a Mona Lisa de Leonardo da Vinci (figura 47).

    A criao da Razo urea, Mdia urea, Divina Propor-o, Nmero de Ouro ou Nmero de Fdeas, teve como objectivo de fundo, estabelecer a proporo ou relao harmnica mais correcta para o campo da arquitectura e das artes. A sua obteno partiria da dimenso humana. Naturalmente que esta descoberta deveu-se fun-damentalmente a Matila Ghyka9.

    Figura 8 - Traados de construo de Villard de Honnecourt (nascido pro-vavelmente em 1220). Biblioteca Nacional de Paris. As figuras representam os traados de geometria para a construo das catedrais, intercalados com legendas explicativas.

    A partir da sequncia de Leonardo Pisano (Fibonacci) possvel determinar e justificar a existncia do Nmero de Ouro.

    A criao da Razo urea, Mdia urea, Divina Proporo, Nmero de Ouro ou Nmero de Fdeas, teve como objectivo de fundo, estabelecer a proporo para os campos da arquitectura e das artes a partir da dimenso humana.

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    Atravs de uma justificao simplicista, o rectngulo de ouro aquele que tem a seguinte propriedade: Quando lhe retiramos em rea o correspondente superfcie de um quadrado, obtemos um outro rectngulo semelhante ao primeiro mas em rea menor, e assim sucessivamente.

    O valor numrico atribudo para definir esta proporo (Razo urea, Mdia urea, Divina Proporo, Nmero de Ouro ou Nmero de Fdeas) identificado pela letra grega fi '.

    Figura 9.

    No rectngulo da figura 9, situado esquerda, pode-se retirar um quadrado cujo lado igual ao lado menor do rectngulo, obtendo-se sempre um outro rectngulo semelhante ao primeiro.

    O princpio muito simples. Se estabelecermos como uni-dade o lado menor [1], podemos calcular a medida do lado maior [x] segundo a seguinte formula:

    Contudo ser importante comprovar se um dado rectngulo ureo ou no. Observe-se o rectngulo [BCEF], cuja distncia [BC] corresponde sua altura e a distncia [BF] base do rectngulo que se quer provar que ureo.

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    Comeamos por dividir a sua base [BF] pela medida da sua altura [BC]. Depois de traarmos a mediana vertical do quadrado obtido, poderemos encontrar a diagonal [d].

    Agora, para demonstrar que estamos perante um rectngulo ureo, vamos calcular o valor de [d] utilizando o Teorema de Pitgoras.

    Ou seja.

    Calcula-se o valor da base.

    Ou seja.

    Calcula-se agora a razo entre a base e a altura do rectngulo.

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    Ou seja.

    Existem fundamentalmente, quatro processos para se de-terminar a razo urea, que se passam a descrever.

    Determinao do nmero de ouro a partir de umsegmento de recta dado

    Figura 10.

    Determinao do nmero de ouro a partir de um tringulo

    Observe-se a figura 10. Traa-se um segmento de recta [AC]. A partir do ponto [C] traa-se um segmento de recta vertical cuja medida metade de [AC]. Com centro no ponto encontrado [d] e um raio igual a metade da distncia [AC], traa-se uma circunfe-rncia que intersectar o segmento de recta que une os pontos [A] e [d] no ponto [e].

    Com centro em [A] traa-se uma circunferncia cujo raio [Ae] permite encontrar o ponto [B].

    [AB] corresponde dimenso menor do rectngulo ureo.

    Figura 11.

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    Observe-se agora a imagem da figura 11. A partir da cons-truo de um tringulo rectngulo, cujos catetos esto na proporo de 1:2, traa-se um arco de circunferncia cujo centro o vrtice [D] sendo o raio o lado [DA] que cruzar a hipotenusa, obtendo-se assim o ponto [e].

    Com centro no vrtice [C] traa-se um novo arco de cir-cunferncia tendo como raio [Ce] que intersectar o lado [AC] do tringulo, obtendo-se assim o ponto [b].

    Os segmentos [Ab] e [bC] esto em proporo urea na razo de 1:1,618.

    Determinao do nmero de ouro a partir do quadrado

    Figura 12.

    Observe-se a figura 12. Depois de construdo o quadrado de lado [a], traada a sua mediana vertical que permite obter dois rectngulos iguais [a/2]. Traa-se ento a mediana [d] do segundo rectngulo, cuja medida traada sobre a horizontal.

    Figura 13.

    Est assim traada a base do rectngulo ureo (figura 13) que tem como altura o lado do quadrado. Sendo que [MN = a] (altura do rectngulo) e [MQ = a / 2 + d] (base do rectngulo ureo).

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    Observe-se agora a figura 14. A determinao do nmero de ouro a partir do quadrado permite obter duas figuras que formaro o rectngulo ureo: O quadrado original designado de Gnomo e o rectngulo obtido designado de Medida urea. Este ltimo rectngulo tambm cumpre a proporo urea. A subdiviso pode ser feita o nmero de vezes que se pretender, obtendo novas propores ureas de menor dimenso.

    Figura 14.

    Determinao do nmero de ouro a partir da circunferncia

    Figura 15.

    Observe-se a primeira imagem da figura 15. Inicia-se o processo Traando-se os segmentos de recta [CD] e [AB], perpendicu-lares entre si e que correspondem a dois dimetros da circunferncia. Determina-se o ponto [F] que corresponde a metade da dimenso do raio da circunferncia.

    Com centro em [F] e raio [FC] determina-se o ponto [G].Com centro em [C] e com a abertura [CG], determina-se

    o ponto [H].A distncia [HC] corresponde dimenso do lado do pen-

    tgono.

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    Na segunda imagem da figura 15, verifica-se que a distncia [HC] corresponde dimenso menor da seco urea enquanto que a distncia [HI] corresponde maior dimenso.

    Espiral de DrerA Proporo urea est de acordo coma sucesso de Fibo-

    nacci. A sucesso de Fibonacci veio a demonstrar que toda a natureza est de acordo com as leis da geometria, j que justifica o princpio do crescimento das formas dos reinos animal e vegetal.

    Esta sucesso permite construir a espiral de Alberto Drer (figura 16), forma geomtrica omnipresente na natureza. De cons-

    Proporo urea nas figuras geomtricas

    A Proporo urea nas figuras geomtricas est de acordo com a Sequncia de Fibonacci10.

    Leonardo Pisano (1170 1250), mais conhecido por Fi-bonacci, foi um matemtico italiano do perodo medieval a quem atribumos a introduo na Europa dos nmeros rabes e a descoberta da sequncia com o seu nome Sequncia de Fibonacci.

    Fibonacci, filho de comerciante italiano com interesses no Norte de Africa, ao viajar por este continente, depressa se apercebeu que a numerao rabe ultrapassava em muito a romana no que diz respeito prtica dos clculos matemticos.

    Aos 32 anos publicaria o livro Liber Abaci (1202), que poder ser traduzido para Livro do baco, publicao que tinha contedos a aritmtica e a lgebra, tornando-se fundamental para o desenvolvimento da matemtica na Europa medieval. Pela primeira vez o nmero zero estava esclarecido.

    A Sequncia de Fibobacci, tal como o nome indica, uma sequncia de nmeros sendo os dois primeiros nmeros, 0 e o 1. Os nmeros que se seguem obtm-se a partir da soma dos dois que o antecedem:

    0 1 1 2 3 5 8 13 21 34 55 89 144 233 377 610 987 1597 2584 4181 6765 10946

    Podemos recorrer frmula que seguidamente transcrevo:

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    truo simples, basta usar o comprimento dos lados dos quadrados subdivididos com o raio de um crculo. Os arcos de cada quadrado so unidos entre si.

    Figura 16. Figura 17. O exemplo mais popular para demonstrar a sucesso de Fibonacci, a partir da Espiral de Drer, dado pela concha do Nautilus.Embora limitando-se o objecto deste trabalho, ao estudo da razo urea no campo das Artes Visuais, ser sempre importante voltar a referir que a sua aplicao, no se baseia num mero jogo geomtrico construdo e teorizado por alguns. A razo urea sem dvida a nica lei da natureza imutvel e comum a todos os seres vivos.A partir da sucesso de Fibonacci, possvel explicar o crescimento das fo-lhas no ramo de uma planta ou o nmero de ptalas de flores como o lrio. A flor do girassol s pode ter 13, 21, 34, 55 ou 89 ptalas. As sementes da flor do girassol formam sempre dois conjuntos de espirais logartmicas, embora com sentidos diferentes. Cada conjunto possui um nmero de diferente de se-mentes. Contudo constituem dois nmeros consecutivos da srie de Fibonacci. A sucesso de Fibonacci permite determinar, a partir da Espiral de Drer, o crescimento dos seres vivos.

    Quadrados proporcionaisOutro aspecto interessante observvel na figura 18. Os quadrados

    do diagrama da subdiviso urea da espiral de Drer, guardam entre si, uma proporo urea.

    Figura 18.

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    Propores ureas entre crculos e quadradosO Tringulo ureo tambm pode ser construdo atravs

    de uma sucesso de crculos ou quadrados que guardam, entre si, a proporo urea (figura 19).

    Figura 19.

    Propores ureas no tringulo e na elipseO tringulo, para estar em proporo urea, tem de ser

    issceles. Conhecido pelo nome de sublime, a sua construo simples a partir de um pentgono, tendo um vrtice com o ngulo de 36 e outro de 72 em cada ngulo das bases.

    A partir do decgono, tambm de encontram tringulos ureos. Unindo o centro do decgono a qualquer um dos ngulos adjacentes, obtm-se uma srie de 10 tringulos ureos (figura 20).

    Figura 20.

    O pentgono permite criar no seu interior o pentagrama, cuja parte central volta a ser outro pentgono. A esta sucesso de pentgo-nos e pentagramas foi dada a designao de Alade de Pitgoras, j que esto em proporo urea (figura 21).

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    Figura 21.

    A elipse tambm pode ter caractersticas ureas semelhantes s do rectngulo ureo ou do tringulo ureo (figura 22).

    Figura 22.

    Figuras geomtricasUm decgono regular, inscrito numa circunferncia, tem os

    lados em relao dourada com o raio da circunferncia.

    Figura 23.

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    Figura 24 - Estrela de cinco pontas ou Pentagrama (Smbolo do Rei Salomo).

    O Pentagrama um dos smbolos pagos mais poderosos e populares. O pentagrama (estrela de cinco pontas circunscrita num crculo), representa os quatro antigos e msticos elementos: fogo, gua, ar e terra, superados pelo esprito. Na Wicca, o smbolo do pentagrama geralmente desenhado com a ponta para cima a fim de simbolizar as aspiraes espirituais humanas.

    O pentagrama do rei Salomo

    A descoberta da razo urea no pentgono, figura geomtrica inserida no crculo, seria determinante. A associao entre a recta (humana) e o crculo (divino) permitia obter a proporo geomtrica harmnica.

    Este facto revela-se de grande importncia desde a antigui-dade. A partir do momento em que o Rei bblico Salomo, adoptou o pentgono como smbolo pessoal, passou-se a atribuir a esta figura geomtrica poderes mgicos.

    Relata a Bblia que o rei do Povo Hebreu, David, quando j era ancio, estava ansioso por cumprir a promessa de edificar um grande templo ao Deus de Abrao.

    A partir de documentos histricos sabemos que Salomo estava no Egipto, onde tinha desposado uma filha do fara (Reis 3.5) e encontrava-se numa funo de aprendizagem em Escolas Iniciticas. Em Memphis, Salomo foi iniciado nos Grandes Mistrios (Mist-rios Menores e Maiores) egpcios, numa escola directamente ligada Grande Fraternidade Branca. Os Mistrios menores envolviam todos os conhecimentos histricos e cientficos da humanidade. Nos Mistrios Maiores, era onde o postulante aprendia o domnio da mente.

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    Com o aproximar da morte do Rei David, quando Salomo chegou Palestina, o trono estava praticamente ocupado pelo seu irmo Adonias.

    A presena de Salomo no Egipto transforma este futuro rei numa figura sbia e com conhecimentos extraordinrios (Reis 14.29), transcorridos 482 anos desde a partida do povo Judeu do Egipto.

    Antes da sua Morte, David incumbiria Salomo de construir o Templo onde seria guardada a Arca da Aliana, no interior da qual estariam as Tbuas da Lei.

    Os conhecimentos profundos e ritualistas obtidos no Egipto, bem como os segredos da geometria e da construo da razo urea, permitiram realizar uma obra concebida a partir dos cnones egpcios da arquitectura. O local construdo no se destinaria apenas aos rituais religiosos. O Templo de Salomo constituiu uma autntica Escola de mistrios, semelhantes s demais escolas existentes no Egipto.

    O Templo passou a ter duas funes distintas: A casa de adorao de Jehov e a casa Inicitica. A parte do templo material era dedicada a Jehov e correspondia promessa feita pelo seu pai David ao povo hebreu. A parte imaterial do templo destinava-se aqueles que pretendiam evoluir no saber exotrico, ento designada Escola Arcana da Sabedoria, que pretendia homenagear o Grande Arquitecto do Universo, criador de todas as relaes geomtricas.

    S assim se compreende o profundo respeito dos magos e feiticeiros de todos os tempos por Salomo. O seu nome aparece nos livros sagrados dos cristos, dos islamitas, nos tratados de magia branca, de magia negra, nos livros da Maonaria, de inmeras outras ordens iniciticas e sociedades secretas.

    Salomo possua um anel com poderes mgicos, tambm utilizado como selo. O Anel tinha a representao da estrela de cinco pontas, ou seja, a razo urea.

    Na tradio mstica rabe so inmeros os relatos do po-der do anel com o desenho do pentagrama. Da a sua colocao nas mesquitas e bandeiras rabes.

    O Templo de Jerusalm no coincide com as formas de um templo religioso. bem mais parecido com uma instituio de aprendizagem e de aperfeioamento humano.

    Foi Pitgoras quem descobriu a proporo urea no penta-grama. A prpria Irmandade Pitagrica, fundada pelo prprio Pit-goras baseava-se no princpio que tudo nmero j que a natureza, conforme se tem vindo a demonstrar, segue os padres matemticos estabelecidos atravs de relaes ureas11.

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    O rectngulo raiz quadrada de 2, 3, 4 e 5

    Figura 25 - Rectngulo raiz quadrada de 2, 3, 4 e 5.

    Construo dos rectngulosComo tem vindo a ser referido, a arte antiga estava sujeita

    a uma prvia composio geomtrica. A estrutura geomtrica preten-dia estabelecer no observador a sensao de estabilidade. As linhas da estrutura oculta esto definidas pelos gestos das figuras, a sua inclinao e posio, forma dos edifcios, rvores e outros elementos da composio.

    Cada um destes elementos define uma linha geomtrica oculta. Desta ordenao geomtrica surge um ritmo de leitura fcil e intuitivo para o observador.

    Durante a organizao de uma composio geomtrica ser sempre necessrio ter cuidado, para que a vista do observador no se desloque para o exterior do espao da composio.

    A procura da proporo e da harmonia no terminou na medida urea. A existncia de outro cnone grego, relativamente ao rectngulo, foi tema de pesquisa de Jay Hambidge12 por longos anos. O rectngulo foi utilizado pelos gregos como medida de proporcionali-dade para a arquitectura, escultura e pintura. Hambidge descobriu que as curvas dinmicas, da arte grega e da arte egpcia, estavam sujeitas a princpios especficos que podiam ser representados geometricamente atravs de uma srie de rectngulos:

    1 rectngulo | Quadrado;2 rectngulo | Rectngulo raiz quadrada de dois (lado maior

    igual diagonal do quadrado do lado menor);3 rectngulo | Rectngulo raiz quadrada de trs;4 rectngulo | Rectngulo raiz quadrada de quatro;5 rectngulo | Rectngulo raiz quadrada de cinco.Ser sempre interessante verificar que o rectngulo 4

    corresponde a dois quadrados com o lado igual ao lado menor do rectngulo. No caso do rectngulo 5, verifica-se que corresponde dimenso do quadrado com duas seces ureas (figura 25).

  • Lus Manuel Leito Canotilho30

    Na figura 26 observa-se a construo do cnone do rectngulo dos gregos. O rectngulo 2 obtm-se traando o seu lado maior com a medida da diagonal do quadrado. O rectngulo 3 obtm-se traando o seu lado maior com a medida do rectngulo 2. O rectngulo 4 obtm-se traando o seu lado maior com a medida do rectngulo 3. O rectngulo 5 obtm-se traando o seu lado maior com a medida do rectngulo 4.

    Figura 26 - O rectngulo 4 corresponde a dois quadrados cujo lado a sua dimenso menor. O rectngulo 5 corresponde a um quadrado com duas seces ureas.

    Propriedades dos rectngulos 2, 3 e 4Um rectngulo uma figura geomtrica que tem a proprie-

    dade de se dividir infinitamente em rectngulos menores proporcio-nais. No caso do rectngulo 2, quando dividido ao meio atravs da sua mediana, obtm-se dois rectngulos menores iguais entre si e proporcionais ao primeiro. A subdiviso poder ser realizada indefinidamente. A proporo aproxima-se muita da Razo urea, j que as propores do rectngulo obtido so 1:1,141 e a Razo urea de 1:1,618, conforme j foi referido. O mesmo princpio de subdiviso e de determinao de rectngulos menores iguais entre si e proporcionais ao primeiro observvel nos rectngulos 3 (figura 28) e 4 (figura 30).

    Figura 27 - Propriedades ureas do rectngulo 2.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 31

    Figura 28 - Propriedades ureas do rectngulo 3.

    Contudo o rectngulo 3 goza ainda de um atributo muito especial, no que respeita Razo urea. Permite a construo do Hexgono (figura 29). Para tal, basta rodar o rectngulo 3, em torno do seu eixo, at que as arestas se encontrem. O resultado interno a obteno da figura estrelada de 6 pontas (Estrela de David).

    Figura 29 - Propriedade especial do rectngulo 3.

    Figura 30 - Propriedades ureas do rectngulo 4.

  • Lus Manuel Leito Canotilho32

    Figura 31 - os sete dias da semana. Lus Canotilho 2004. leo sobre tela (92 x 65 cm). Coleco Particular da Dr. Celeste Miranda.

    Este trabalho define a sua composio a partir do rectn-gulo 2. Verifica-se que o animal em primeiro plano a forma que assume o maior protagonismo na composio. Alm de ser colocado em primeiro plano, coincide com a ortogonal que define a medida do quadrado sobre o qual se determinou o rectngulo 2.

    Figuras 32 e 33 - Os dois rectngulos da figura, correspondem dimenso urea.

    Outro processo para se obter a harmonia numa composio pictrica, realiza-se de uma forma bem mais simples, j que no necessrio recorrer determinao da medida urea ou ao rectngulo

    A armadura do rectngulo

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 33

    raiz quadrada. A armadura do rectngulo pretende determinar linhas de fora na composio, possibilitando no espectador a sensao de equilbrio, sem se aperceber da sua existncia.

    O rectngulo com as dimenses eleitas sujeito subdiviso dos seus lados em partes iguais, determinando-se assim pontos, dos quais partem linhas dirigidas aos outros pontos de subdiviso dos outros lados. Obtm-se atravs deste processo, uma srie de linhas que se intersectam, definindo determinados pontos designados de pontos de fora, dada a sua localizao privilegiada na composio.

    Nas figuras 32 e 33, determinaram-se duas armaduras distintas do rectngulo. No primeiro caso, a armadura do rectngulo resultou da subdiviso dos lados em trs partes iguais, obtendo-se oito pontos a partir dos quais surgem segmentos de recta dirigidos aos outros pontos. No segundo caso, o rectngulo embora sujeito divi-so dos seus lados em trs partes iguais, considerou-se os vrtices do rectngulo, como pontos para determinar a respectiva armadura. Uma determinada composio sujeita armadura referenciada no primeiro caso, ter uma leitura diferente se for utilizada a segunda armadura.

    Figura 34 - Trata-se novamente da composio abordada na figura 31, onde se observava que o rectngulo correspondia intencionalmente seco urea. Contudo a composio estava incompleta. Na realidade a colocao das formas intencional e baseia-se na armadura do rectngulo ureo.Atravs de uma observao mais atenta, os focinhos dos asnos e o olho do animal em que est a criana de costas, esto no centro da composio. Por sua vez, os olhos dos animais esto alinhados atravs de linhas ortogonais e oblquas que fazem parte da armadura traada do rectngulo. Estas linhas, embora invisveis, estabelecem a sensao de equilbrio e harmonia.

  • Lus Manuel Leito Canotilho34

    Figura 35 - Grafismo do livro o nmero de ouro de Matila C. Ghyka, pu-blicado em Paris no ano de 1931. No desenho representado na parte superior, Matila C. Ghyka pretende demonstrar que o princpio que regula as fachadas dos templos gregos, no que respeita aos intervalos entre as colunas, est sujeito ao mesmo princpio que regula os intervalos musicais.Na parte inferior da imagem, verifica-se que a fachada do Parthnon est na Relao urea.

    Proporo e harmonia no campo das artes

    A razo urea na arquitecturaObservamos no Parthnon, um dos melhores exemplos da

    aplicao da razo urea, cuja dimenso, se sujeitou a este conceito de proporo e harmonia. Na figura 36, a fachada de frente, constituda por 8 colunas, possui na sua relao altura / largura a maior e a menor dimenso urea. Ainda, a altura das colunas obtida novamente atravs da dimenso urea a partir do rectngulo obtido do quadrado inicial.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 35

    Figura 36 - O Parthnon foi um templo dedicado a Atena Parthenos. Atena era uma divindade guerreira, eternamente virgem, smbolo da sabedoria, protectora das artes manuais e padroeira de Atenas. Construda em estilo drico (construdo entre 447 e 433 a.C. | 69,5 X 30,85 metros), o templo da autoria dos arquitectos Lctinos e Calcrates (sculo V a.C.) e do escultor Fdias (490-430 a.C.)

    Novamente, o princpio da filosofia pitagrica aplicado ao passarmos do conceito aritmtico do nmero ao conceito geomtrico espacial, ou seja, do aritmtico ao geomtrico.

    Estou a falar do Tetraktys de Pitgoras. Trata-se de uma figura geomtrica, de grande poder simblico, sob a qual eram e so realizados juramentos. Trata-se de um tringulo equiltero subdividido.

    Na figura 37, observa-se o Tetraktys de Pitgoras. Cada lado do tringulo equiltero formado por quatro pontos, havendo apenas um ponto no centro, simbolizando a unidade que gera todos os outros nmeros. O nmero quatro simboliza a Fora, a Justia e a Solidez. Ao mesmo tempo, o tringulo formado por trs sries de quatro nmeros, produz sob o ponto de vista simblico, a igual-dade perfeita. Se verificarmos, os pontos definidos no Tetraktys de Pitgoras do o nmero dez, princpio para podermos expressar todos os outros nmeros.

  • Lus Manuel Leito Canotilho36

    Figura 37 - Tetraktys de Pitgoras. O ponto central, designado de unidade est equidistante dos dez pontos que formam o tringulo equiltero. O smbolo do Museu Ibrico do Traje e da Mscara, localizado em Bragana, inspira-se na Tetraktys de Pitgoras.

    Outro exemplo do emprego da razo urea, realizado cerca de 2000 anos antes do Parthnon, foi a pirmide de Keops, construda a partir da base do quadrado, estando os seus vrtices orientados para os pontos cardeais (2550-2480 a.C.). Novamente, a base quadrada representa a dimenso humana, tese que tenho vindo a afirmar, sendo que novamente a razo urea tambm est presente.

    Cada bloco de pedra da Pirmide de Keops, tem a forma do paraleleppedo e possua em grandeza, 1,618 maior que o bloco que se sobrepunha (1,618, como j demonstramos no incio deste trabalho, o nmero mgico que define a Razo urea, Mdia urea, Divina Proporo, Nmero de Ouro ou Nmero de Fdeas). Igual princpio foi definido para as cmaras do interior da pirmide, j que possuem na sua proporo, um comprimento 1,618 vezes maior que a respectiva largura.

    Na arquitectura militar tambm podemos observar o em-prego da Razo urea na sua concepo. Um exemplo de beleza e harmonia dado pelo Castelo de Belver que tem como planta o pentgono (figura 38).

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 37

    Figura 38 - O Castelo de Belver, foi erigido pela Ordem dos Hospitalrios de So Joo de Jerusalm13, a fim de defender o territrio raiano junto ao vale do Tejo. Em 1194, na sequncia das investidas islmicas que determinaram o recuo da fronteira crist para a linha do Tejo, D. Sancho I doou a Afonso Paes, prior da Ordem de Hospital, as chamadas terras de Giudintesta, para a construir este castelo com a forma do pentagrama.

    Figura 39 - Catedral de Notre Dame em Paris (1163 1235).

    A Seco urea seria empregue, fundamentalmente, na ar-quitectura das catedrais gticas. Um exemplo de observao simples e indiciadora desta regra, a fachada principal da catedral gtica de Notre Dame de Paris. A Seco urea envolve a fachada do edif-cio, sendo que o Rectngulo ureo recproco, define as duas torres.

  • Lus Manuel Leito Canotilho38

    Observa-se que a parte inferior da catedral, corresponde ao quadrado sobre o qual se projecta o Rectngulo ureo. Por sua vez, a fachada inferior subdividida em seis Rectngulos ureos. As portas de en-trada tambm correspondem a Rectngulos ureos.

    Contudo o Rectngulo ureo, no se limita a definir a arqui-tectura clssica. Dentro dos exemplos mais bem sucedidos no sculo XX, no emprego desta regra, a Capela do Instituto de Tecnologia de Illenois, da autoria do Arquitecto Mies Van Der Rohe (1886 1969).

    Figura 41 - Alado de frente da Capela do Instituto de Tecnologia de Illinois do arquitecto Mies Van Der Rohe (1949 1952).

    Figura 40 - Planta da Capela do Instituto de Tecnologia de Illinois do arquitecto Mies Van Der Rohe (1949 1952).

    A seco urea seria empregue, de uma forma muito sim-ples, na concepo da prpria planta, conforme se observa na figura 40. O alado anterior, que corresponde parte por detrs do altar, subdividido em 3 rectngulos ureos verticais. O mesmo sucede com o alado principal, observvel na figura 41. A parte superior, composta de um conjunto de 5 rectngulos verticais na dimenso urea, que esto por de cima de cinco quadrados.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 39

    Outro exemplo do emprego da dimenso urea, a planta do edifcio do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da Amrica (figura 42), cuja forma pentagonal assume uma grande carga simb-lica. A Constituio dos Estados Unidos da Amrica, foi elaborada aps a sua independncia em 1787, resumia a tendncia republicana defendida por Jefferson, e foi estabelecida dentro dos propsitos da maonaria, princpios constitucionais que permanecem at hoje. A escolha do pentgono, para a planta do Departamento de Estado da maior potncia econmica e militar do mundo, talvez no tenha sido inocente.

    Figura 42 - O Pentgono o Quartel-general do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da Amrica. Situa-se perto de Washington D.C. e emprega cerca de 23.000 pessoas.

    Figura 43 - Cidadela de Bragana

    Razo urea na cidadela do castelo de Bragana

  • Lus Manuel Leito Canotilho40

    Figura 44 - A janela da torre gtica cumpre os requisitos da seco urea.

    Um dos exemplos de beleza, mais bem conservados do nosso patrimnio arquitectnico, a cidadela de Bragana, que possui no seu interior, um Museu Militar e o Museu Ibrico da Mscara e do Traje.

    A muralha circundante, foi ao longo dos tempos, sujeita a diversas transformaes, embora o aspecto geral observvel, induz-nos a supor que a sua forma original se aproximava do pentgono.

    A torre de menagem do Castelo de Bragana, teve o incio da sua construo em 1409 por D. Joo I. Demoraria 40 anos a ser acabada. Sendo a mais bela existente em Portugal (considerao un-nime), deve a sua beleza perfeio da sua dimenso, j que cumpre o requisito da seco urea. Conforme se pode observar na figura 43, a base que sustenta as quatro torres cilndricas cbica, o que naturalmente determina que os lados so quadrados. O rebatimento da mediana da diviso horizontal do quadrado, permite encontrar com rigor, a altura das ameias. De igual modo, a janela gtica ogival da torre de menagem do Castelo de Bragana, cumpre os requisitos da seco urea, conforme se observa na figura 44.

    De uma poca anterior e com forma pentagonal, a Domus Municipalis de Bragana, constituda por janelas alinhadas cuja dimenso, est tambm de acordo com a razo urea. Verifica-se que a largura do quadrado, corresponde altura da abertura da janela, a menor dimenso da razo urea.

    A Domus Municipalis de Bragana um edifcio do sculo XII. Outros autores afirmam que a sua origem poder datar da ocupao romana, ou mesmo sendo um vestgio da dominao grega. Assume-se como o cone do poder municipal em Portugal. Edifcio com uma forma pouco comum, foi tambm sujeito a vrias transformaes, caracterizando-se pela harmonia j que as suas janelas cumprem a dimenso urea.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 41

    Figura 45 - As janelas da Domus Municipalis de Bragana, edifcio do sculo XII, esto de acordo com a razo urea.

    A razo urea nas artes plsticas

    Contudo, foi nos campos da escultura e da pintura onde a preocupao pela proporo foi maior, tendo sendo sido mesmo, uma obsesso durante o renascimento. O renascentista Piero della Frances-ca14, representa um dos exemplos perfeitos do artista que demonstrou permanente preocupao na representao dos temas, cuja composio estava sujeita aos princpios da razo urea. Piero della Francesca, Fillipo Brunelleschi e Leon Battista Alberti, so considerados os pais da perspectiva. Na composio da figura 46, o segundo plano onde se desenrola a flagelao de Jesus Cristo, est inserida num quadrado delimitado pelas formas arquitectnicas representadas, que por sua vez, tem um cho decorado com quadrados brancos e pretos.

    Figura 46 - A flagelao (1469) de Piero Della Francesca. leo sobre tem-pera (58.4 x 81.5 cm). Galleria Nazionale delle Marche, Urbino.

  • Lus Manuel Leito Canotilho42

    Figura 47 - Mona Lisa de Leonardo da Vinci (1452 1519). leo sobre madeira de lamo (53 x 77 cm). Museu do Louvre. Paris.

    Figura 48 - Nascimento de Venus de Sandro Botticelli (1445 1510). Tempera sobre tela (278,5 x 172,5 cm). Galeria Uffizi. Florena.

    A Mona Lisa del Giocondo (figura 47), talvez o traba-lho mais popular no campo da pintura clssica. Leonardo da Vinci, iniciou o retrato em 1503 e terminou-o em 1507. O artista usou uma composio triangular. Esta formulao foi tambm usada pelo mesmo autor na Virgem dos Rochedos. Este autor, uma das prin-cipais personagens do Alto Renascimento15, tinha naturalmente uma grande obsesso pela geometria e pelas projeces da perspectiva linear. Conhecedor de todos os princpios da geometria pitagrica, Leonardo concebeu o trabalho a partir da razo urea, observando-se ao mesmo tempo que o segundo rectngulo ureo permite situar na composio o rosto do modelo. Alm de utilizar a relao urea para definir o corpo e a cabea, Leonardo utilizou o mesmo princpio para definir as partes do rosto.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 43

    Sandro Botticelli, artista da escola florentina, sendo do mesmo perodo de Leonardo da Vinci, considerava que a composio se equilibrava a partir de uma boa estrutura geomtrica. Botticelli trabalharia a maior parte da sua vida para os Mdici, aspecto que foi fundamental para o seu xito no campo da pintura.

    Uma das obras mais importantes deste artista o Nascimento de Vnus, onde se verifica que Afrodite est na proporo urea, o mesmo acontecendo com a composio em geral. Este trabalho re-presenta a deusa grega Vnus emergindo do mar como uma mulher adulta, segundo a mitologia grega (figura 48).

    A pintura contempornea continua a aplicar as mesmas regras herdadas dos artistas clssicos. Um exemplo importante, do trabalho de Salvador Dali intitulado O sacramento da ltima ceia. Na figura 49 observa-se que o trabalho est dentro da razo urea. A obra foi realizada sobre um suporte com a medida urea, medida determinante para encontrar a altura da mesa.

    A composio verdadeiramente espectacular. Baseia-se no nmero 12. Este nmero, era considerado pela filosofia de Plato (sculo IV a.C.), como um nmero divino. No entanto, o conceito de Belo e Perfeito, s teria a sua traduo visvel atravs das figuras geomtricas. E neste caso, o dodecaedro passou a ser considerado como o smbolo do Universo, confundindo-se com o prprio Deus Universal. No esquecer que o dodecaedro um slido geomtrico constitudo por doze faces, faces que so o pentgono, cuja signifi-cncia j foi abordada.

    A Composio foi baseada na perspectiva renascentista e na simetria. Para Dali existia uma cosmografia aritmtica baseada no nmero 12, que correspondia ao Zodaco. Os doze apstolos, esto inseridos num slido geomtrico, o dodecaedro, constitudo por 12 faces pentagonais contendo ao centro, o homem microcsmico, Jesus Cristo.

    Figura 49 - O sacramento da ltima ceia, 1955. leo sobre tela (167 x 268 cm). Galeria Nacional de Arte, Washington, D.C. Coleco Chester Dale. Salvador Dali (1904 1989). Composio baseada na perspectiva renascentista e na simetria. Para Dali existe uma cosmografia aritm-tica baseada no nmero 12, os signos do Zodaco. Os doze apstolos esto inseridos num slido geomtrico, o dodecaedro, constitudo por 12 faces pentagonais, contendo ao centro o homem microcsmico, Jesus Cristo.

  • Lus Manuel Leito Canotilho44

    A razo urea no campo do design

    Actualmente, na sociedade do senso comum, reina a ideia de que a geometria aplicada ao campo das artes, redutora da activi-dade criativa, tratando-se de algo ultrapassado pela modernidade. Ignorncia pura e falta de capacidade de observao. Comeamos por utilizar a razo urea nos cartes de crdito, na dimenso dos livros, dos jornais e at das fotografias.

    O rigor, baseado nas regras geomtricas estabelecidas pela natureza, regra de ouro, para a realizao da obra grfica ou do design tecnolgico mais actual.

    Jules Chret16, um dos grandes mestres do cartaz, utilizava a geometria como base para a elaborao da composio dos seus cartazes. Embora paream que foram realizados de forma expressiva e espontnea, a estruturao geomtrica est na base da composio. O movimento das figuras obtido geralmente, a partir da forma pen-tagonal e da medida urea.

    Outro exemplo da estruturao do cartaz, a partir de uma estrutura geomtrica, pode ser observado no trabalho sobre a Mostra da Bauhaus (litografia de 1923), de Fritz Schleifer. Inspirado no Construtivismo, a estrutura geomtrica extremamente rgida. A razo urea tambm esteve na base da elaborao de cartazes de artistas como Adolphe Mouron17, Tom Puvis, Max Bill18, Jan Tschichold19, Josef Mller Brockmann20, Wim Crouwel21, Bruno Monguzzi22, etc.

    no entanto, no campo do design de mobilirio, onde po-deremos encontrar inmeros exemplos construdos a partir da razo urea. No caso especfico das cadeiras, o arquitecto Mies Van Der Rohe (1949 1952), foi o designer das cadeiras to conhecidas como a Brno Chair (1929), e da Barcelona Chair (1929), peas ainda hoje existentes em inmeros servios pblicos. Charles Eames, autor da Plywood Chair e Eero Saarinen, o designer da Pedestal Chair, so tambm duas referncias, no design de mobilirio, que obedece ao conceito da razo urea.

    Os electrodomsticos mais simples do dia a dia, como a varinha mgica Braun, a Cafeteira elctrica Braun Aromaster, a chaleira cnica desenhada por Aldo Rossi, tambm cumprem a razo urea.

    Contudo, o melhor exemplo de design moderno aplicado tecnologia de ponta o Volkswagem Beetle, modelo de 1997, da autoria de Jay Mays, Freeman Thomas e Peter Schreyer. Considero pessoalmente, que estamos perante uma escultura em movimento, onde o conceito de equilbrio e unidade verdadeiramente extraordinrio.

    possvel observar, na figura 50, que o alado lateral est inserido na parte superior de uma elipse urea. O mesmo procedimento

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 45

    foi utilizado para a concepo das janelas laterais. As portas esto inseridas na dimenso urea do rectngulo.

    Figura 50 - O conceito do Carocha, nasceu em 1925 da mo do engenheiro Bela Barenyi. Tendo sido o primeiro modelo a ser fabricado pela Volkswagen, constitui o carro mais vendido no mundo. Actualmente possui um design mo-derno e tem a designao de Volkswagem Beetle.

    Figura 51 - O formato quadrado permite encontrar, na interseco das suas diagonais e medianas, o smbolo da Volkswagen.

  • Lus Manuel Leito Canotilho46

    A razo urea em outros campos da cultura erudita

    Conforme foi referido inicialmente, Pitgoras descobriu que as relaes matemticas regulam os sons musicais, onde as propores existem na relao entre a longitude da corda e a altura do som. Este aspecto determinante, seria mais tarde traduzido de vrias formas no campo da msica, quer atravs dos grandes compositores, quer atravs do emprego da medida urea na concepo dos instrumentos.

    Beethoven23 empregou a dimenso urea nas 5 e 9s sin-fonias.

    Igual preocupao, tida actualmente pelo baterista ame-ricano de Jazz, Max Roach (nascido em 1924). Este compositor toca solos curtos, tendo em conta as relaes geomtricas inerentes medida urea.

    Contudo, foi Antnio Stradivari24, a personagem quem le-vou a srio a medida urea. A forma que o violino ainda hoje possui, foi definida por este construtor segundo a medida urea. Este uma tese defendida por vrios autores que justificam, deste modo, um dos segredos deste instrumento fabricado por Stradivari. Iaki Prez Ortega, defende mesmo a tese de que este foi concebido, segundo o conceito do homem de Vitruvius. Na figura 52, observa-se o de-senho da Voluta do violino de Stradivari, concebido dentro da regra geomtrica designada como espiral de Alberto Drer, forma geom-trica omnipresente na natureza. De construo simples, basta usar o comprimento dos lados dos quadrados subdivididos, com o raio de um crculo. Os arcos de cada quadrado so unidos entre si.

    Figura 52 - Voluta do violino de Stradivari.

    A literatura tem, em dois autores marcantes como Homero e Cames, o emprego da medida urea, como base estruturante na composio das suas obras universais.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 47

    O poema pico Ilada escrito por Homero25, estabelece uma proporo entre as estrofes maiores e menores, cujo valor de 1,618, ou seja, a medida urea.

    Os Lusadas de Lus de Cames26, constituem tambm um poema pico de caractersticas renascentistas. A filosofia renascentista apoia-se, sem dvida nenhuma, no princpio da proporo do nmero de ouro. O incio do Canto VII, que aborda a chegada dos portugueses ndia, corresponde no contexto de toda a obra, ao ponto em que dividida na medida urea.

    No campo do cinema, o Couraado de Potemkin, realizado pelo realizador russo Sergei Eisenstein27 em 1925, relata a revolta da sua tripulao ocorrida em 1905, em plena Revoluo Russa. Neste filme, que pertence histria da stima arte, Sergei Eisenstein, para marcar os incios de cenas importantes da trama, media a razo urea pelo tamanho das fitas de pelcula28.

  • Proporo e Harmonia na Figura Humana. O Cnon

    A representao do homem, na nossa sociedade ocidental, esteve sempre sujeita ao cnon. O cnon, compreende a opo por um conjunto de regras ou modelos, na representao das formas humanas. No campo das artes, o cnon define regras ou leis com a inteno de materializar o belo. No entanto, ao longo dos sculos, essas regras tem sido vulnerveis s diferentes correntes e vises estticas.

    O cnon da dimenso humana, no antigo Egipto, foi alte-rado trs vezes ao longo dos 30 sculos da sua civilizao. Poste-riormente, o dogmtico cnon grego constituiu-se num valor mais filosfico vulnervel interpretao dos escultores gregos. O cnon grego aproximava-se das sete cabeas, cujos exemplos so dados por Policleto (figura 54) e na esttua de bronze de Posdon (figura 55).

    Contudo, foi a gerao dos escultores gregos Fdeas e Mron e posteriormente Praxtedes, a que tentava concretizar nas suas obras escultricas, uma espcie de beleza realista que tivesse consonncia com as composies musicais. Esta beleza grega, no abstracta e caracteriza-se pela sua atitude psicofsica de compromisso entre alma e corpo. Trata-se do ideal de Kalokagatha, expresso utlizada na literatura grega antiga com o significado literal de belo e bom. Pitgoras definiria, de forma definitiva, a beleza como um conceito sempre actualizado de Harmonia e Proporo.

  • Lus Manuel Leito Canotilho50

    Figura 53 - Gravura da publicao Les symboles de la table dOr. Frankfurt | 1617.Fac ex mar et foemina circulum, inde quadrangulum, hinc triangulum, fac circulum et habebis Lapidem Philosophorum. Traduo: Do homem e da mulher faz um crculo, em seguida um quadrado, disso faz um tringulo, depois um crculo e ters a Pedra dos Filsofos.O Cnon dos alquimistas, tambm define a geometria, como smbolo da Cria-o e do Saber.

    Apesar de tudo, o conceito pitagrico inicial tambm mudou, j que se impunha somente a partir do termo harmonia, definida atravs da oposio par / mpar, limitado / ilimitado, unidade / multiplicidade, direita / esquerda, feminino / masculino.

    A definio proposta por Heraclito, para o termo harmonia, seria distinta. Tendo em conta que no Universo existem os contrrios, realidades que no se conciliam como a unidade e a multiplicidade, o amor e o dio, a paz e a guerra, a harmonia jamais poderia ser a ausncia de contrastes mas sim o seu equilbrio.

    a partir da aceitao da noo de Equilbrio, entre duas entidades opostas, que se neutralizam mutuamente, criando-se a Harmonia j que se converteram em simetria. A filosofia pitagrica defende assim o conceito de Simetria, convertendo-se num dos c-nones da beleza da arte grega, mais tarde expressada dor Vitruvius.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 51

    Figura 54 - Dorforo de Policleto de Argos (480 ou 450 420 a.C.). Escultor grego do mesmo perodo de Mron e Fdias. O cnon de Policleto corresponde s sete cabeas. A construo est estabelecida a partir da proporo urea. A diviso do quadrado inicial, atravs da sua mediana horizontal permite encontrar o joelho, sendo que o lado superior da figura geomtrica est situado sobre o umbigo. A construo da medida urea, permite encontrar a parte superior da cabea. O espao encontrado corresponde dimenso de sete cabeas. Esta dimenso tambm pode ser obtida atravs da j referida espiral de Drer. A dimenso X o terceiro rectngulo ureo e corresponde altura da cabea.

    Figura 55 - Posdon. Esttua de bronze, Cabo Artemsio, Eubia. (-460/-450). Atenas, National Archaeological Museum.

  • Lus Manuel Leito Canotilho52

    Se Roma no alterou o cnon, esta obedincia seria colocada em causa, durante o longo e negro perodo da Idade Mdia.

    O Renascimento, perodo que teve como inspirao e re-ferncia a antiga Grcia, permitiu o regresso do cnon. Contudo, os tericos do Renascimento apoiaram-se fundamentalmente na teoria de Vitruvius29. O princpio era simples: Toda a arquitectura deveria tomar como referncia de base a dimenso do corpo humano, j que este estava em perfeito equilbrio, por cumprir a medida urea. A teorizao de Vitruvius inclui tambm as propores da face baseada tambm na dimenso urea. O Exemplo da construo do rosto da Mona Lisa, j apresentado na figura 47, corresponde ao princpio estabelecido por Vitruvius.

    Contudo, foi a partir de Alberti30 que artistas como Leonardo da Vinci e Albert Drer, entenderam que poderiam haver outras regras a seguir para alm do cnon grego.

    Apesar de tudo, todos os artistas do Renascimento apoiaram-se fundamentalmente em Virtruvius. O cnon de Vitruvius (figura 56) apoia-se no princpio filosfico que a arquitectura tinha de possuir utilitas, venustas e firmitas (utilidade, beleza e solidez). O cnon passava a ter oito cabeas. Embora adaptado pelos artistas renascen-tistas, o seu uso no foi tornado obrigatrio, havendo mesmo casos de interpretao.

    Figura 56 - O cnon de Vitruvius. O Homem tem de altura o correspondente a oito cabeas: na segunda cabea encontramos os mamilos; na terceira o umbigo; na quarta a zona pbica; na sexta os joelhos; na oitava a planta dos ps. A largura do homem tambm deveria corresponder a oito cabeas. Este aspecto permitia inserir o homem, de p e com os braos abertos, no quadrado.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 53

    Albert Drer31 daria grande importncia ao cnon. Embora seguisse os princpios estabelecidos por Vitruvius, Drer realizou v-rios estudos sobre o corpo humano, no se limitando sua condio masculina, demonstrando interesse pela sua evoluo anatmica desde a infncia idade adulta, no deixando de estudar diversos factores como a magreza ou a obesidade. Esta pesquisa estava associada a procura do ideal de beleza por Drer.

    Figura 57 - O cnon de Drer parece aproximar-se do homem das sete cabeas e baseava-se na procura do ideal de beleza.

    Com o aparecimento do maneirismo, o cnon permite a construo de figuras humanas correspondentes em altura, aos actuais jogadores de Basket de alta competio. O melhor exemplo ofere-cido na pintura do El Greco32. O corpo humano parece atingir a nove cabeas. O maneirismo um movimento, que surge como reaco ao humanismo renascentista criando um cnon baseado, no exagerado alongamento das figuras humanas (figura 58).

  • Lus Manuel Leito Canotilho54

    Figura 58 - O Esplio de El Greco (The spoliation, Christ Stripped of His Gar-ments). 1579. leo sobre tela (285 x 173 cm). Sacristia da Catedral de Toledo.

    Figura 59 - Esquemas do engenheiro Matila Ghyka. Este terico, sugere a in-sero da figura humana no pentgono, a partir do qual e perante a dimenso urea, era possvel dimensionar as outras partes do corpo.

    Foi o engenheiro Matila Ghyka, em 1927 (figura 59), quem baptizou uma grandeza aritmtica com o nome de nmero de ouro. Estava assim definitivamente criada a ideia, de que os antigos se guiavam, na construo dos seus monumentos e concepo das obras de arte, por um sistema de relaes de proporo.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 55

    Esta ideia, definida por Matila Ghyka, partiu dos estudos que realizou da mdia e extrema razo, conhecidos pelos renascentistas e cuja origem remonta a Pitgoras.

    Esta linha pitagrica chega a Itlia, atravs dos construtores e mestres bizantinos, aps a queda de Constantinopla. Caberia a Luca Paccioli a teorizao e a sua divulgao nos meios artsticos.

    A Divina Proporo de Luca Paccioli (1445-1517)33, seria posteriormente ilustrada por Leonardo da Vinci em 1509 (figura 60). Partindo do conhecido homem de Vitruvius que ilustrava a tese de Pitgoras (490 -420 a.C.)34, segundo a qual "o homem a medida de todas as coisas", Leonardo inscreve numa circunferncia e num qua-drado, um homem de braos e pernas estendidos, representando assim o cnone de propores do corpo humano. O texto que acompanha o desenho, transmite-nos a ideia muito concreta, de que cada seco do corpo humano uma medida (percentagem) do todo.

    O homem de braos abertos em cruz e as pernas juntas est inscrito num quadrado cujo centro corresponde plvis. Com os braos levantados e as pernas abertas, observa-se outra figura humana sobre-posta primeira, agora inscrita num crculo cujo centro o umbigo.

    Da interaco entre o quadrado e o crculo, nasce o pent-gono, que contm em si o nmero de ouro, cuja demonstrao ser realizada de seguida35.

    No presente caso, foi inteno no aprofundar mais a noo de proporo humana, cuja realidade foi sendo alterada ao longo dos sculos. Pretendeu-se apenas voltar a referir a permanente dicotomia entre crculo | Deus e quadrado | homem.

    Vitruvius nos seus estudos encontrava a razo urea no corpo humano, entre duas dimenses:

    - Altura do crneo humano e a altura da mandbula at parte de cima da cabea;

    - A distncia entre o ombro e a ponta do dedo e a distncia entre o cotovelo e a ponta do dedo;

    - A distncia que vai desde o quadril ao solo e a distncia desdo o joelho ao mesmo solo;

    - O comprimento do pnis e a medida da palma da mo;- A Altura do corpo humano e a distncia do umbigo at ao

    cho;- O tamanho dos dedos e a medida da dobra central at

    ponta;- A distncia que vai desde a cintura cabea e o tamanho

    do trax.

  • Lus Manuel Leito Canotilho56

    Figura 60 - Desenho de Leonardo da Vinci (1509) a partir dos estudos do homem de Vitruvius.

    Figura 61 - Ernst Neufert (1900 1986). Imagem do livro A Arte de Projectar em Arquitectura36. Neufert segue a teoria de Vitruvius j que considera o ho-mem com a altura de oito cabeas, com igual largura com os braos abertos, sendo possvel a sua insero no quadrado. O centro do corpo a zona pbica, correspondendo a da altura total as distncias entre o queixo e umbigo e entre o joelho e o p.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 57

    O pentagrama inserido no homem de Vitruvius.

    Figura 62 - Pentagrama no homem de Vitruvius.

    Na Divina Proporo de Luca Paccioli (1445-1517), ilustrada por Leonardo da Vinci em 1509, partindo do conhecido homem de Vitruvius (figura 62), o pentagrama poder inserir-se no crculo, mas o resultado reside no facto de que a sua insero deve-se sobreposio das duas figuras, criando uma perfeita simbiose entre o divino (figura inserida no crculo) e o humano (figura inserida no quadrado). Assim sendo, so os braos inseridos no quadrado que estabelecem interaco com as pernas inscritas no crculo.

  • A geometria como fundamento mstico e artstico

    J foi referida, a importncia do engenheiro Matila Ghyka, na descoberta das regras geomtricas essenciais para a construo das obras de arte na antiguidade, bem como das associaes de constru-tores que guardavam e defendiam tais saberes.

    Matila Ghyka defende, na sua publicao, que a geometria

    Figura 63 - Base para a segmentao do crculo director em 10 partes iguais, segundo o arquitecto Ernest Mssel.

  • Lus Manuel Leito Canotilho60

    exotrica de Pitgoras, foi aplicada na arquitectura e teve como base as corporaes ou associaes de construtores, desde a Antiguidade at Idade Mdia. So exemplos referidos por Matila Ghyka, a Deusche Bauhtte, a maonaria operativa inglesa e as confrarias francesas do compagnonage.

    Matila Ghyka vai mais longe, ao referir as influncias exotricas do Poema Regius (sculo XIV d.C.), o manuscrito de de Cooke (sculo XV d.C.), o manuscrito de Tew (sculo XVII a.C.) e o manuscrito de William Watson (sculo XV d.C.).

    J durante o 1. milnio antes de Cristo, havia na regio da Sria, escultores e pedreiros que formavam associaes religiosas, que se constituam como empresas de construo civil e que construam os tempos em toda a sia Menor, independentemente da crena religiosa. Tal foi o caso do Templo de Salomo.

    J em pleno imprio romano (715 a.C.), foi organizada a Confraria dos Pontfices Dionisacos, fundada por Numa Pomplio37. Esta confraria estava organizada em colgios de construtores que seguiam as legies romanas e, tinham como misso a construo de estradas, pontes, aquedutos, campos fortificados, templos, anfiteatros e urbanizaes. O legado destes construtores, como se sabe, abunda em Portugal.

    Estas confrarias, conforme est devidamente comprovado, trabalhavam tanto para cristos como para muulmanos, sendo cons-titudas na sua maior parte, por pedreiros e arquitectos bizantinos.

    Com a cristianizao de todo a Europa, a necessidade de construo de mosteiros e outros espaos religiosos, obrigou determi-nadas ordens religiosas a servirem-se destas confrarias, que vinham a possuir cada vez mais poderes e determinadas regalias.

    Com rigor, foram os entalhadores de pedra da Lombardia, aqueles que constituram as primeiras corporaes, submetidas a uma hierarquia que guardava religiosamente os seus conhecimentos.

    Constituram estes pedreiros, a designada maonaria operativa, bastante diferente da actual Maonaria designada de especulativa. Esta decadncia dos pedreiros operativos, coincide com o aparecimento do Renascimento, por se terem deixado de construir mosteiros e catedrais. Apenas se mantiveram operativas as associaes escocesas.

    A antiga arquitectura sagrada era essencialmente sim-blica. Desde o plano de conjunto aos mais pequenos porm-enores ornamentais, tudo deveria ser ordenado segundo certos nmeros msticos e de acordo com as regras de uma geometria especial, s conhecida pelos iniciados. As figuras geomtricas, na realidade, davam lugar a interpretaes sobre as quais se enxertava uma doutrina secreta que pretendia fornecer a chave

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 61

    de todos os mistrios. Ora os construtores de catedrais provar-am, pelas suas obras, que estavam instrudos nessas tradies filosficas, das quais os alquimistas, simultaneamente, eram detentores.

    Matila Ghyka

    O procedimento operativo da geometria e do nmero

    Todo o tipo de concepes estabelecidas pelos antigos, fos-sem de carcter mstico ou artstico, foram operacionalizadas atravs de uma geometria prtica, que se viria a materializar na arquitectura, onde o crculo consistiu a base de todos os traados geomtricos.

    Observe-se a figura 64. O processo comeava sempre pela orientao do edifcio a construir. No ponto onde se pretendia erguer a construo, enterrava-se uma vara, a partir da qual e com a ajuda de uma longa corda, era traado um crculo. Por volta do meio-dia, obtinha-se a sombra mnima da vara que correspondia com rigor direco norte sul. Obtida esta direco traavam-se os ngulos rectos a partir do centro do crculo obtendo-se a direco este oeste. Os ngulos rectos eram calculados a partir do designado rectngulo 3 4 5, cujas propriedades conhecidas por Pitgoras deram nome ao famoso Teorema de Pitgoras.

    O tringulo rectngulo era realizado com uma corda de 12 ns, que dividiam a sua longitude em 12 partes iguais. Para se realizar o tringulo rectngulo eram cravadas duas estacas no solo, distanciadas entre si 3 ns presos nas estacas. De seguida, era espetada uma ter-ceira estaca, distanciada a 4 ns, restando a distncia correspondente aos outros 5 ns sobrantes, permitindo assim realizar um tringulo rectngulo perfeito.

    O tringulo rectngulo 3 4 5 cuja soma 12, permitiu considerar este valor com fundamentos exotricos, por parte dos antigos, sendo considerado o smbolo do universo e correspondendo aos doze meses do ano ou aos doze smbolos do Zodaco, to consi-derados na antiguidade.

    Traado o crculo com o respectivo centro, sobre o qual eram desenhados dois dimetros perpendiculares entre si e determinados nas direces dos pontos cardeais, estava conseguida a grelha de base para a implementao do edifcio pretendido (figura 64).

  • Lus Manuel Leito Canotilho62

    Figura 64 - Base para o traado de um edifcio.

    A partir da representao do espao a ocupar, tendo como base o crculo, os procedimentos seriam realizados tendo como prin-cpio a magia do nmero e o seu significado exotrico.

    O nmero tornava-se agora, o fundamento de cada traa-do posterior, tendo como base o seu significado e os princpios da filosofia grega:

    Unidade (nmero um) | Consiste na unidade geomtrica e aritmtica, ponto central das formas planas e corporais (homem de Vitruvius) e que sob o ponto de vista exotrico, significava a primeira lei, o princpio de tudo, o centro omnipresente que no tem dimenso alguma, o nada que contm o todo;

    Binrio (nmero dois) | Ao resultar da soma de 1 + 1, re-presenta no fundo, a linha recta, sendo esta uma expresso de fora e direccionalidade, a distncia entre dois pontos infinitos, entre um e o outro, significando progresso e criao humana;

    Ternrio (nmero trs) | Representado atravs do tringulo, a unio de trs pontos por intermdio de trs linhas rectas, definindo-se assim, pela primeira vez, a noo de superfcie. Na linguagem exotrica significa, a prevalncia da lei sobre toda e qualquer aco, actividade regulada e organizada. possvel com o nmero trs, construir o tringulo equiltero com trs ngulos e trs lados iguais, forma geomtrica que representa a perfeio, a harmonia, a sabedoria constituindo-se no Delta Luminoso, representando a figura divina;

    Quaternrio (nmero quatro) | Obtm-se da soma de 3 + 1, pelo que define o quadrado, figura resultante da unio de quatro pontos. Sob o ponto de vista exotrico representa a obra concluda.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 63

    Figura 65 - O crculo base dividido em 10 partes iguais para o traado de um edifcio.

    Acompanhe-se este raciocnio observando a figura 65. No crculo esto identificados os nmeros 1, 2, 3, e 4, cuja soma igual 10. A dezena constitua-se como o nmero cujo significado era o princpio e o fim de tudo. O nmero 1 est presente no ponto central (centro do crculo). O nmero 2 est identificado no dimetro que une dois pontos do crculo. Contudo, como o dimetro passa pelo centro, forma o nmero 3. O nmero 4 aparece na diviso do crculo no ngulo de 90.

    Como os tringulos so uma subdiviso do crculo de 360, por serem rectngulos, correspondem a 4 ngulos de 90, presentes na figura geomtrica que o quadrado. ento fcil deduzir que atravs do tringulo, o crculo tem proporcionalidade em relao ao quadrado e vice-versa. Novamente, o que temos vindo a afirmar, relativamente dialctica entre o divino (Crculo) e o humano (Qua-drado), coloca-se sob o ponto de vista exotrico, na construo da grelha. O tringulo rectngulo simbolizava, o espiritual e o material, j que era proporcionalidade do crculo (condio espiritual) e do quadrado (condio material).

    Por este processo estava justificada a aplicao do Teorema de Pitgoras nas construes dos edifcios.

    Os esquemas dos traados dos templos da antiguidade

    Seria o arquitecto Mssel a demonstrar que os grandes edifcios da antiguidade, independentemente da poca, cultura ou religio, estavam concebidos a partir da segmentao polar do crculo.

  • Lus Manuel Leito Canotilho64

    Mssel, dedicou-se ao estudo rigoroso das medidas e pro-pores dos tempos egpcios, gregos e gticos, concluindo que todos os diagramas geomtricos para as plantas, alados e cortes verticais dos edifcios, estavam projectados a partir do crculo.

    Em alguns dos casos, existem vrios crculos concntricos de um ou vrios polgonos regulares.

    Mais interessante ainda, foi a concluso que chegou ao ve-rificar que a segmentao do crculo era em 5 e 10 partes, pelo que o pentgono e decgono regulares estavam inscritos no crculo director.

    A composio dos planos arquitectnicos desde o comeo das arquitectura egpcia at ao fim da Idade Mdia no aritmtica, na grande maioria dos casos, mas sim geomtrica. Deriva das segmentaes angulares regulares do crculo.

    Mssel

    Figura 66 - Sistema de propores obtido a partir da segmentao polar do crculo, segundo Mssel38.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 65

    Figuras 67 e 68 - Esquema em que se baseiam os templos gregos, a partir da segmentao polar do crculo, segundo Mssel.

    Figura 69 - Esquema em que se baseia a baslica crist primitiva, a partir da segmentao polar do crculo, segundo Mssel.

  • Lus Manuel Leito Canotilho66

    Figuras 70 e 71 - Esquemas em que se baseiam as catedrais gticas, a partir da segmentao polar do crculo, segundo Mssel.

    O teorema de Pitgoras e o nmero 12J foi referido que o tringulo rectngulo 3 4 5 cuja soma

    12, permitiu considerar este valor com fundamentos exotricos por parte dos antigos, sendo o smbolo do universo e correspondendo aos doze meses do ano, correspondendo aos smbolos do Zodaco.

    Segundo o teorema de Pitgoras, o quadrado construdo sobre a hipotenusa de um tringulo rectngulo, igual soma dos quadrados construdos sobre os outros dois lados (catetos).

    Observe-se na figura 72 a respectiva demonstrao.No tringulo [ABC], sobre a sua hipotenusa [BC], foi cons-

    trudo o quadrado [BCDE]. De seguida e sobre os outros dois lados do tringulo [ABC] foram construdos os quadrados [ABFG] e [ACIH].

    Torna-se portanto necessrio demonstrar que o quadrado [BCDE] = [ABFG] + [ACIH].

    A partir do ponto A, traa-se o segmento de recta vertical [AJ] que vai dividir o quadrado [BCDE] nos rectngulos [BEJK] e [KJDC]. A rea do rectngulo [BEJK] igual do quadrado [ABFG], e a rea do rectngulo [KJDC] igual do quadrado [ACIH], ou seja:

    [BEJK] + [CDJK] ou [BCDE] = [BAGF] + [ACIH].

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 67

    Figura 72 - Teorema de Pitgoras.

  • O ponto da Bauhtte

    De uma forma simples, possvel associar a Bauhtte aos signos usados como assinaturas, existentes nas construes gticas, signos identificadores de quem realizou tal obra. Estes signos eram elaborados no interior de um crculo e a partir do seu centro, onde se traavam quadrados e tringulos, a partir dos quais era possvel traar a identificao individual do pedreiro.

    A Bauhtte, constituiu uma associao de carcter secreto, que unia as lojas de pedreiros e construtores do Sacro Imprio Ger-mnico e dos pases limtrofes como o caso da Suia. Segundo os estudos de Ghyka, teria sobrevivido at ao sculo XVIII, tendo sido a continuidade como organizao, da dos antigos colgios de cons-trutores, anteriores dissoluo do Imprio Romano do Ocidente.

    O segredo da Bauhtte baseava-se, nos princpios j descritos anteriormente, no sistema de propores obtido da segmentao polar do crculo, segundo Mssel.

    O princpio embora parea simples, baseava-se na cincia do crculo e dos polgonos inscritos, comum arquitectura das civili-zaes antigas e que presidiu ao traado dos mandala indo tibetanos (figura 75).

  • Lus Manuel Leito Canotilho70

    Figuras 73 e 74 - Formas escultricas baseada no Ponto da Bauhtte. Lus Canotilho. 2004. Bronze.Foi determinado, no campo inferior esquerdo do crculo, o ponto que produz a coincidncia das figuras geomtricas nele inscritas: Tringulo equiltero; Quadrado; Pentgono; Hexgono.

    Figura 75 - Um mandala basicamente um crculo, muitas vezes numa mol-dura quadrada. um resumo de uma imagem do mundo e da representao de foras divinas, utilizado para a meditao nas culturas orientais indo-tibetanas.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 71

    Entre os sculos VIII e XI, as Abadias Beneditinas provoca-vam o aparecimento ao seu redor de escolas de arquitectos, dirigidas por monges da respectiva ordem. No entanto, estes grupos de mestres e pedreiros possuam na sua maioria, elementos laicos possuidores dos conhecimentos necessrios construo dos grandes edifcios. Baseavam e transmitam os seus conhecimentos, atravs de documentos transmitidos sobre a cincia da proporo da Antiguidade, baseando-se na filosofia pitagrica.

    As assinaturas inscritas nas paredes dos templos, no perodo bizantino, eram constitudas por letras do nome reunidas num mono-grama. Na poca romntica e posteriormente no gtico, os traados passaram a ser puramente geomtricos e desprovidos de letras.

    Foi o arquitecto austraco Franz Rziha39, quem melhor es-tudou e decifrou as respectivas chaves geomtricas de cerca de 9.000 signos lapidares de toda a Europa (figura 76).

    Franz Rziha, encontraria quatro matrizes de base, cada qual com uma matriz base que correspondia a uma das quatro Lojas de construtores: Loja de Estrasburgo; Loja de Colnia; Loja de Viena; Lojas de Berna e Praga.

    Figura 76 - Franz Rziha (matrizes dos construtores das catedrais).

  • Lus Manuel Leito Canotilho72

    Antes de Franz Rziha, Matthias Roriczer40, j havia rea-lizado aquela que a primeira publicao sobre o tema em causa. Matthias Roriczer foi um Mestre Maon e arquitecto da Catedral de Ratisbonne, que atravs de diversas ilustraes na sua publicao, explicava a forma de representar determinados pormenores.

    Tambm no convm esquecer as inmeras estampas e de-senhos realizados, nos sculos XV e XVI, por intermdio de grandes artistas como Albrecht Drer.

    O arquitecto Friedriech Hoffstard41 assume tambm nes-te tema, uma grande importncia como estudioso das relaes da designada geometria secreta dos construtores das catedrais. A sua publicao aborda todo o estilo Neogtico.

    As operaes geomtricas de baseTodos os esquemas, empregues pelos construtores de tem-

    plos, procedem de um nico grfico.O traado baseia-se num princpio nico: Qualquer operao

    deve ser realizada a partir de pontos e segmentos de recta (distncias e ngulos), obtidos apenas com o recurso ao compasso e rgua. Independentemente da complexidade do traado, todas as partes procedem do ponto central do crculo.

    Fundamentalmente existem dois tipos de grelhas. No entanto, ambas so traadas a partir do crculo e nunca saem do seu espao, iniciando-se todo o processo de construo a partir do seu raio.

    Para o efeito, necessrio conhecer as construes geom-tricas fundamentais, que de seguida se descrevem nas figuras.

    Figuras 77 e 78 - Diviso de um segmento de recta em duas e trs partes iguais.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 73

    No primeiro caso da figura 77, a partir dos pontos [A] e [B], que definem o segmento de recta [AB], foram traadas duas circun-ferncias com o mesmo raio e com uma abertura superior a mais de metade do segmento de recta. A interseco das duas circunferncias permite obter dois pontos pelos quais se traa uma recta vertical que dividir o segmento de recta em duas partes iguais no ponto [C].

    No segundo caso (figura 78) repete-se igual procedimento, e de seguida, volta-se a determinar a diviso de cada um dos segmentos de recta obtidos [AC] e [CB].

    Figuras 79 e 80 - Construo de um tringulo equiltero, dada a dimenso de um lado e, construo de um tringulo rectngulo, dadas as dimenses dos catetos.

    A primeira imagem da figura 79, demonstra a construo de um tringulo equiltero. Sabendo a dimenso do lado e tendo em conta que o tringulo equiltero se define por ter trs lados e trs ngulos iguais, traa-se o lado [AB]. A partir dos dois pontos encon-trados [A] e [B] e com uma abertura da circunferncia igual ao lado do tringulo, traam-se duas circunferncias, cuja interseco permite obter o ponto [C] que corresponde ao vrtice em falta.

    Na figura 80, na segunda imagem, observa-se a construo de um tringulo rectngulo, dados os dois catetos que como sabido, um dos ngulos recto (90).

    Inicia-se a construo do cateto [AB], que a base do tringulo rectngulo. Segue-se o seu prolongamento para o lado es-querdo, na figura est a tracejado. Com centro em [A], traa-se uma circunferncia que permite obter os pontos [C] e [D]. A partir dos pontos [C] e [D], traam-se duas circunferncias com abertura maior que metade do raio da circunferncia, obtendo-se assim o ponto [E] que unido ao vrtice [A] permite obter o outro cateto, perpendicular em relao ao primeiro. A sua dimenso obtida com a ajuda da circunferncia que, com o centro em [A], e com a abertura do cateto, permite obter o ponto [F]. Unindo [F] a [B] obtemos a hipotenusa do tringulo rectngulo.

  • Lus Manuel Leito Canotilho74

    Figura 81 - Construo de um pentgono.

    A figura 81 demonstra a construo do pentgono. Depois de traado o dimetro [AB] da circunferncia, determina-se o outro dimetro vertical [DE] conseguido pelo processo de subdiviso de um segmento de recta com o auxlio de um compasso. Igual processo, realizado para determinar a diviso em duas partes iguais, do seg-mento de recta [CB]. Com o auxlio do compasso, com centro em [H] e com a abertura [HD], traa-se uma circunferncia que intersectar o dimetro [AB] no ponto [I]. Com centro no ponto [D] e com uma abertura [DI], traa-se uma circunferncia que permite obter o ponto [J]. A abertura da circunferncia [JD], corresponde quinta parte do pentgono. Com esta abertura, simples de determinar os outros lados com o compasso.

    Figura 82 - Construo de um hexgono.

    Na figura 82, observa-se que o traado do hexgono extremamente simples, j que o lado corresponde ao raio da circun-ferncia. Este aspecto permite a determinao deste polgono de seis lados iguais, com o simples recurso ao compasso.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 75

    Convm observar que este processo permite realizar o pro-cesso de insero do tringulo equiltero no crculo.

    Figura 83 - Construo de um octgono.

    A figura 83 explica a construo do octgono. Depois de traado o dimetro [AB] da circunferncia, determina-se o outro di-metro vertical [FG], que se obtm atravs do processo j explicado da diviso de um segmento de recta em partes iguais. Conseguidos os pontos [A], [F], [B] e [G] possvel inscrever o primeiro quadra-do [AFBG] no crculo. Determinam-se agora os Pontos [L] e [M], obtidos a partir da diviso dos segmentos de recta[AF] e [FB] em duas partes iguais. Prolongando as rectas obtidas das divises dos segmentos de recta, possvel encontrar os pontos em falta [K] e [J]. A unio dos pontos [L], [M], [K] e [J], permite encontrar o segundo quadrado [LMKJ].

    Da unio dos vrtices dos dois quadrados inscritos no crculo, obtm-se o octgono [FMBKGJAL].

    Certamente que o leitor, j observou que os traados ex-plicados, seriam muito mais simples com o recurso a um esquadro. Contudo e como j foi referido, os traados s podem ser executados com o auxlio do compasso e da rgua.

    As figuras de base que se iro traar, esto estabelecidas segundo dois mtodos simples de realizao, que so o Encolhi-mento e a Subdiviso.

    O encolhimento geomtrico obtm-se traando todas as diagonais das figuras, entretanto circunscritas no crculo, atravs da unio dos seus vrtices. Este processo, permite encontrar novos pon-tos, na realidade vrtices, que permitem obter sucessivamente figuras geomtricas semelhantes s primeiras (figuras 84 e 85).

    Encolhimento e diviso geomtrica

  • Lus Manuel Leito Canotilho76

    Figuras 84 e 85 - Mtodo do encolhimento para a determinao do ponto da Bauhtte.

    O processo designado de diviso geomtrica, tem como base a subdiviso em partes iguais, dos lados das figuras geomtri-cas inscritas no crculo. Se a figura inscrita no crculo o tringulo equiltero, a diviso dos lados dever ser em trs partes. No caso do quadrado inscrito no crculo, os seus lados devero ser subdivididos em duas partes (figuras 86, 87 e 88).

    Figuras 86, 87 e 88 - Mtodo da diviso para a determinao do ponto da Bauhtte.

    Finalmente, convm ainda referir que estes procedimentos estabelecidos para o encolhimento e subdiviso geomtrica, podem atingir processos de extrema complexidade, observveis nos dois exemplos que se seguem nas figuras 89 e 90.

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 77

    No posso terminar esta abordagem, ao ponto da Bauhtte, sem referir uma das referncias da pintura portuguesa. Refiro-me a Almada Negreiros, um dos maiores estudiosos da geometria aplicada s artes plsticas.

    Os ltimos anos de vida de Almada Negreiros, passaram a ser dedicados a uma das suas maiores obras plsticas: O painel Comear, existente no trio da Fundao Calouste de Gulbenkian.

    Dentro da sua filosofia neopitagrica, associada obsesso pelo nmero, Almada tenta determinar o ponto da Bauhtte atravs de complicados clculos geomtricos. O pentagrama e outras figuras simblicas geomtricas so bem visveis (figura 91). Almada, apesar dos inmeros estudos, no conseguiria encontrar o Ponto da Bauhtte.

    Figura 91 - Almada Negreiros (1893 - 1970). Painel comear (1968 / 69),Fundao Calouste Gulbenkian. Na figura observvel o painel como fundo e um pormenor da parte central com os elementos que temos vindo a desenvolver neste trabalho.

    Figuras 89 e 90 - Esquemas de traados complexos.

  • A Harmonia s se atinge atravs da perspectiva

    O campo das artes plsticas, s atingiria a sua mxima pre-ciso com a teorizao e aplicao prtica da perspectiva, verdadei-ramente iniciada a partir do Renascimento. Partindo inicialmente de uma prtica pouco racional, a perspectiva passaria a tcnica pictrica, caracterizada ao longo dos sculos, pela grande variedade de sistemas diferentes de construo espacial.

    Figura 92 - Albrecht Drer (1471 - 1528). Xilogravura de 1525, pertencente ao seu tratado sobre perspectiva "Unterweisung der Messung".

  • Lus Manuel Leito Canotilho80

    O princpio, como natural, comearia por um mtodo emprico, baseado na observao directa. Com a sua racionalizao, acompanhada da aplicao do mtodo cientfico, permitiria os pri-meiros desenhos precisos.

    Embora o tema preferido pelos egpcios e mesopotmios, fosse a figura humana, observa-se apesar de tudo, no seu realismo paralisante, que as figuras assumem sempre uma pose lateral e bidi-mensional. Da que, somos geralmente levados a concluir a perspectiva como uma tcnica desconhecida pelos artistas desse perodo.

    Figura 93 - Paleta do Rei egpcio Narmer. Realizada em ardsia com 64 cm de altura. Museu do Cairo. 3.000 A.C.

    A arte egpcia era profundamente figurativa e caracterizava-se pela sua lateralidade e estaticidade. A representao da perspectiva realizada da forma mais elementar e primria, apesar de intencional. As personagens adquirem diferentes dimenses, dependentes sem-pre do seu grau de importncia e distncia em relao ao horizonte (figura 93).

    A primeira referncia ocidental aparece atravs do arquitecto Vitruvius (sculo I a.C.). Vitruvius, atravs do seu "Tratado de Ar-quitectura", que teria sido escrito por volta de 46 a.C., menciona pela primeira vez, a perspectiva no pargrafo que vou passar a mencionar:

    "Uma vez determinado um ponto central, as linhas devem coincidir, como acontece na natureza, no ponto de encontro dos raios visuais, de modo que algumas partes parecem retroceder para o fundo e outras avanam para a frente."

    Vitruvius (46 a.C.)

    A pintura na civilizao romana tinha apenas uma inteno decorativa. As paredes das salas das casas senhoriais eram comple-

  • Do quadrado ao Ponto da Bauhtte 81

    tamente pintadas com temas figurativos rodeados de simulaes pictricas de volumes e colunas clssicas. Este tipo de decorao a simular volumes foi muito utilizado nas igrejas do perodo barroco.

    A pintura, utilizada como decorao de paredes interiores pelos gregos, no teria qualquer evoluo durante o perodo romano. Gregos e romanos, chegavam mesmo a pintar as esculturas.

    Este autor d-nos tambm a indicao que um tal Agathar-chus, pintor de Atenas, teria sido o primeiro artista a simular a pers-pectiva. Em princpio, Agatharchus teria sido um artista, executante de cenrios em perspectiva arquitectnica para o teatro, a pedido de Esquilo. Agatharchus, possivelmente autor de um tratado escrito, teria influenciado Anaxagoras, para definir o processo primitivo de construo da perspectiva.

    Posteriormente, tem-se como referncia, a escola de Pam-philus, fundada por Eupomus, onde os primeiros passos do ensino da geometria descritiva eram dados. Pamphilus, conhecedor da geometria, promoveu mesmo a divulgao, desta ento considerada "cincia/arte". A prova desta divulgao est nas personagens que seguiram os seus passos: Apelles, Melanthus, Protogenes e Euphranor.

    Pode-se considerar por intermdio de Vitruv