Ludicidade na prática escolar - Castelo Branco Científica · Historicamente, o homem serviu-se...

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Castelo Branco Científica - Ano I - Nº 01 - janeiro/junho de 2012 - www.castelobrancocientifica.com.br Faculdade Castelo Branco ISSN 2316-4255 1 científica Revista LUDICIDADE NA PRÁTICA ESCOLAR Darilha Feron¹ Falar sobre Ludicidade é poder sentir-se mais humano e talvez se lamentar sobre a incapacidade do HOMO RATIO perceber sua importância. Nesse trabalho tentamos discutir a necessidade do lúdico estar presente nas salas de aula e nas aulas de Educação Física. Para tal discorremos sobre um problema enfrentado pelos professores para que isso aconteça. Tecemos uma análise sobre as perspectivas da Educação lúdica e sobre sua prática pedagógica, bem como discorremos de modo sucinto sobre a história da educação física desde sua origem até nossos dias. O fato de ser o lúdico algo imaterial o torna mais difícil de ser trabalhado numa sociedade onde o que importa é o poder. O HOMO FABER não cede espaço para o HOMO LUDENS. Acreditamos ser responsabilidade dos profissionais de Educa- ção buscar de todas as formas a Humanização do Homem e aí a ludicidade tem seu ENCONTRO MARCADO. Palavras-chave: ludicidade – prática pedagógica – humanização. 1 INTRODUÇÃO A Educação lúdica na escola busca desenvolver pedagogicamente temas rela- cionados à cultura corporal do movimento, ou seja, esportes, lutas, ginásticas, danças e jogos, porém muitas vezes tem encontrado no seu dia-a-dia, proble- mas que levam a pensar sobre esta importante disciplina do currículo escolar. ¹Aluna Graduanda do 8º Período de Pedagogia, da Faculdade Castelo Branco.

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Revista

LUDICIDADE NA PRÁTICA ESCOLAR

Darilha Feron¹

Falar sobre Ludicidade é poder sentir-se mais humano e talvez se lamentar sobre a incapacidade do HOMO RATIO perceber sua importância. Nesse trabalho tentamos discutir a necessidade do lúdico estar presente nas salas de aula e nas aulas de Educação Física. Para tal discorremos sobre um problema enfrentado pelos professores para que isso aconteça. Tecemos uma análise sobre as perspectivas da Educação lúdica e sobre sua prática pedagógica, bem como discorremos de modo sucinto sobre a história da educação física desde sua origem até nossos dias. O fato de ser o lúdico algo imaterial o torna mais difícil de ser trabalhado numa sociedade onde o que importa é o poder. O HOMO FABER não cede espaço para o HOMO LUDENS. Acreditamos ser responsabilidade dos profi ssionais de Educa-ção buscar de todas as formas a Humanização do Homem e aí a ludicidade tem seu ENCONTRO MARCADO.

Palavras-chave: ludicidade – prática pedagógica – humanização.

1 INTRODUÇÃO

A Educação lúdica na escola busca desenvolver pedagogicamente temas rela-cionados à cultura corporal do movimento, ou seja, esportes, lutas, ginásticas, danças e jogos, porém muitas vezes tem encontrado no seu dia-a-dia, proble-mas que levam a pensar sobre esta importante disciplina do currículo escolar.

¹Aluna Graduanda do 8º Período de Pedagogia, da Faculdade Castelo Branco.

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A Educação que buscamos deve possibilitar autoconhecimento, compre-ensão de si mesmo e de seu mundo, prazerosidade, contato com o lúdico e desenvolvimento de uma consciência crítica, favorecendo e incentivando o aluno a manifestar suas ideias através de um agir pedagógico coerente. Porém muitos fatores concorrem para a desvalorização da Educação Físi-ca ou Educação lúdica como componente curricular, dentre eles podemos destacar: a má formação e competência individual do professor (Falar de formação é mesmo complicado, já que por falta de profi ssionais qualifi ca-dos, as escolas admitem para trabalhar com a Educação Física, professores que fi zeram algum “cursinho” de verão ou quem sabe até de fi nal de sema-na. Esses “professores” perduram nas escolas, não por competência, mas por tempo de serviço, impedindo assim que outros agora já com formação acadêmica possam entrar no mercado de trabalho, além da falta de con-cursos públicos na área da educação); Falta de recursos nas escolas (Outro grande problema é o sucateamento de nossas escolas. O que se observa é a ausência de estrutura física adequada, na maioria dos estabelecimentos de ensino. Faltam quadras, áreas livres, pista de atletismo, além de bola, arcos, cordas, bastões, colchonetes etc. Faltam principalmente verbas, para que as escolas sejam estruturadas adequadamente, e, os poucos recursos que são destinados à educação na maioria das vezes são desviados para outros fi ns); Baixo salário (a realidade do salário do professor hoje é ver-gonhosa. Os professores não tem reajuste salarial adequado. Não há inte-resse por parte das instituições governamentais responsáveis em melhorar a remuneração do seu professor. Para um bom trabalho, com certeza, um bom salário é mais que necessário); Carga horária reduzida (Muitas vezes, um professor para preencher seu horário precisa trabalhar em diferentes escolas e nos três horários. Isto traz muita difi culdade para o professor e também para a escola, já que a dedicação fi ca dividida e o resultado será bem menor, isto é, inferior ao desejado.

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Atualmente, a Educação Física e Lúdica nas escolas de 1° grau não atende a todos os objetivos a ela propostos. Sabe-se que a disciplina é de extrema importância no desenvolvimento da criança, porém muitas vezes as ativi-dades na escola são as mesmas que a criança faz fora dela, mesmo sabendo que existe um rico e vasto mundo de atividades desde a fantasia, brinca-deiras até jogos que podem e devem ser trabalhados, porém esses aspectos/conteúdos não são trabalhados pelos professores.

A Educação Física deveria dar ênfase a atividades lúdicas e à cultura in-fantil, pois o trabalho a partir da ludicidade lhes proporciona um maior envolvimento, tornando as suas experiências mais signifi cativas, o que por sua vez, leva-as a superarem os problemas e difi culdades que normalmente não superaria em outras atividades.

A atividade lúdica, nesse sentido é um componente fundamental no trabalho com as crianças em fase de escolarização. Sendo assim, este artigo busca com-preender como a ludicidade tem sido trabalhada nas aulas de Educação Física.

1 CONTEXTUALlZAÇÃO DO PROBLEMA

Historicamente, o homem serviu-se das atividades lúdicas como forma de sobrevivência, de humanização, de aprendizagem e integração com o meio social. Aos poucos, ele procurou utilizá-las como forma de difusão de suas ideias e costumes, desde as festas religiosas aos mais simples momentos de puro prazer e até as competições por prêmios. Assim, o homem buscava satisfazer suas necessidades, atingindo plena-mente e ou em parte suas intenções.

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1.1 LUDICIDADE: INTERFACES DE UM CONCEITO

A ludicidade sempre fez parte dos diversos contextos sócio-culturais, sen-do que seu estudo despertou interesse em diversos pesquisadores, cons-tituindo atualmente um amplo conhecimento no campo da educação, da psicologia, fi siologia, como nas demais áreas de conhecimento. A educa-ção lúdica, além de explicar as relações múltiplas do ser humano no seu contexto histórico, social, cultural, psicológico, enfatiza a libertação das relações refl exivas, criadoras e socializadoras. Educa sem perder o caráter do prazer, da satisfação pessoal e modifi cador da sociedade.

Considerando a importância das atividades lúdicas no processo de desen-volvimento humano, faz-se necessário compreender a relação que a ludi-cidade estabelece com os diversos contextos sociais onde esteja presente a atividade humana. O homem em busca de sua humanização precisa buscar no seu passado histórico, suas origens, seus valores culturais, suas utopias.

O retorno ao passado, nos diz Santin (1996, p.12) “[...] não é para ver o que o homem fez, mas para encontrar as fontes de inspiração e de energia que levaram o homem a projetar e a criar um mundo para si mesmo”.

Busca-se então a força que levou o homem a sonhar com uma ordem social e com a plenitude do seu ser. A inauguração da humanidade do homem está ligada à história dos gregos. E novamente, é Santin (1996, p. 12) que afi rma:

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Foi em nome deste Iogos ou razão que chegamos à situação atual que nos obrigou a pensar outras explicações alternativas do início primordial do processo de humanização. Entre essas alternativas encontra-se a ideia da ludicidade ou homo ludens.

Nessa perspectiva estudar o fenômeno lúdico, não é uma tarefa assim tão fácil, isto porque, para muitos, ele é encarado simplesmente como diver-são e entretenimento ou apenas uma atividade banal ou até infantil. Para Bruhns (1993, p. 20),

[...] procurar a essência da atividade lúdica é tentar redimensionar o fenômeno muito além do simples entretenimento. É tentar descobrir sua dimensão humana sem nunca perder de vista a integração do homem dentro do seu meio.

Essa busca das raízes históricas e culturais torna-se cada vez mais impor-tante, porque ultrapassa as aparências, por que vêm carregadas de signi-fi cados e enriquecidas pelas experiências do homem em busca de sua re-alização como ser racional, e sensível acima de tudo. Lembra-nos ainda Santin (1996, p. 13):

Se as atividades lúdicas, ainda que praticadas, não encontraram lugar na vida racional do homem, fi ca mais evidente que a ludicidade ja-mais mereceu ser formulada como um tema digno da sisudez dos fi ló-sofos e muito menos dos atarefados e compenetrados cientistas. Brin-car continuou sendo permitido em certos momentos e lugares, mas jamais conseguiu merecer a atenção do pensamento lógico racional.

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Infelizmente, os Educadores ainda não perceberam a grande importância da ludicidade em qualquer tipo de aprendizagem. O que nos dá prazer é muito mais fácil de ser compreendido, aceito e incorporado.

Hoje, depois de grandes e inconsequentes gestos e ações cometidos em nome da racionalidade, aos poucos a questão do lúdico está encontrando seu espaço. Esta ludicidade que permeia as brincadeiras de correr, de sal-tar, de dançar, de esconder, de fazer e não-fazer é uma caixa de surpresas. E se este fazer e não-fazer é realizado de forma prazerosa, começa-se aí a “construir” a pessoa integral. A Educação Física no ensino Fundamental deve, portanto, constituir-se em uma atividade prazerosa que venha contri-buir para o desenvolvimento cognitivo, social e corporal, proporcionando a aprendizagem das capacidades mentais e ou físicas.

A compreensão da ludicidade nas aulas de Educação Física do Ensino Fun-damental é a princípio utilizar uma ferramenta importante a ser trabalhada como prática educativa. Assim atividades lúdicas passam a desempenhar um papel essencial na vida da criança, pois favorece a progressão e a construção do conhecimento. O ato lúdico gera prazer e leva à liberdade, torna a criança mais ativa e responsável, permitindo descobrir novas maneiras de explorar seu corpo e o espaço que a cerca. Compete ao professor perceber até onde a criança realiza com prazer determinada atividade. E assim ele pode permitir que a criança intervenha na atividade com sua capacidade criadora.

Compreendemos que o lúdico é algo imaterial que perpassa as relações interpessoais num determinado momento histórico social. É, podermos di-zer, a “alma” das relações, dos movimentos, dos jogos, das brincadeiras, das dramatizações, etc. somente o educador com uma postura especial po-

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derá fazer com que suas aulas de Educação Física sejam lúdicas. Qualquer movimento ou não-movimento, o estudar, o estar a postos, o cor-rer, o relaxar, o dançar, o jogar, pode transformar-se em movimentos de liberdade e criação onde a criança sente-se feliz e valorizada. Aí ela se vê livre. Isto é o lúdico.

O jogo realmente perdeu espaço na cultura de nossa sociedade, apesar dos valores, implícitos. Cabe a nós, educadores, se é que acreditamos nesses valores, recuperá-los. O espaço fundamental para que isso ocorra é a edu-cação em todos os níveis, paralela e conjuntamente ao desenvolvimento de movimentos e propostas emergidas no âmbito cultural da população.

Deve-se, porém, estar atento, pois muitas vezes essa mesma educação vem tentando domesticar o lúdico, e através dessa atitude domesticar os pró-prios educandos. A educação deveria estar mais atenta nessa capacidade lúdica de exercitar o simbólico.

O jogo no contexto escolar é um fator importante para romper a dualidade entre “ensino-trabalho-controle-qualidade” e “recreio-jo-go-liberdade-espontaneidade”. A vivência lúdica pode auxiliar na quebra dessa barreira, conduzindo ao alcance da unidade por meio da “recreação” (BRUHNS, 1993, p. 105).

A ludicidade se constitui por uma atmosfera de total liberdade e autono-mia, tanto que Schiler (apud SANTIN, 1996, p. 15) diz, “o impulso lúdico mais livre desprende--se por completo das amarras de privação, e o belo torna-se, por si mesmo, objeto de seu empenho”.

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1.2 COMO E QUANDO O LÚDICO ACONTECE?

A resposta a essa questão é tão importante quanto contraditória, porém diversos autores apresentam suas ideias buscando uma resposta possível, ou que se aproxime da necessidade implícita que o homem tem de jogar/brincar. Algumas das respostas são: “Multiplicidade de jogos praticados constitui-se em diferentes formas de manifestação da ludicidade” (SANTIN, 1996, p. 16).

Eugem Fink (apud SANTIN, 1996, p. 17), “estende a ação lúdica à própria evolução do universo”.

“O impulso lúdico humano distancia-se das brincadeiras dos animais por-que é capaz de atuar com a aparência” (SANTIN, 1996, p. 18).

Para Huizinga (2000, p. 53), “a cultura surge sob a forma de jogo”.

Para Lorenz (apud SANTIN, 1996, p. 18) “os processos criativos que se passam no homem, e somente no homem, constitui um jogo, uma brinca-deira”.

A partir desses autores, fi ca bem claro dizer, que o espírito criativo do ho-mem segue a dinâmica da ludicidade, o que faz com que a pesquisa, a arte e as ciências sejam, tributárias das invenções da imaginação lúdica.

Defi nir ou conceituar a ludicidade é praticamente inviável, porque não existem atividades específi cas de brincar, não há o mundo de brinquedo como algo defi nitivamente dado.

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“Brincar signifi ca gerar a ludicidade para criar o universo do brinquedo. Por-tanto, o mundo lúdico não está em algum lugar, não é uma instituição, não é uma atividade e não é real” (SANTIN, 1996, p. 28). É ainda o mesmo autor que nos afi rma ser “a ludicidade uma tecitura simbólica fecundada, gestada e gerada pela criatividade simbolizadora da imaginação de cada um”.

Para nós, nesse momento, é importante descobrir a relação que existe entre a capacidade simbolizadora e as manifestações lúdicas.

A partir do momento em que os professores perceberem que a ativida-de lúdica está vinculada à criatividade simbólica, poderão incentivar esse potencial criativo que pode se manifestar nos gestos, no movimento, no manuseio de objetos, na criação das coreografi as, etc.

É importante perceber que o caráter fundamental da ludicidade consiste em que o brinquedo não tem outro sentido que ele mesmo, ao contrário do trabalho e do esporte de rendimento que se sustentam pelos resultados e, exclusivamente, pelos resultados. Para brincar não é necessário treinar. Brincar é simplesmente brincar e nada mais. Assim, incorporar a ludicidade à educação Física seria um esforço para resgatar a infância na criança, a alegria na juventude e o humano no ho-mem, numa sociedade industrializada e cada vez mais desumanizada.

A partir de estudos e observações constata-se que a relação entre o lúdico e a Educação Física é uma relação confl ituosa e em muitos aspectos antagônica.

Este confl ito se revela cada vez maior quando submetido, aos objetivos

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eleitos pela Educação Física e/ou associados ao esporte. Não se coadunam com objetivos da ludicidade como, por exemplo: O aspecto da conservação da juventude a qualquer preço. O aspecto da beleza física X obesidade. O aspecto da garantia do melhor rendimento - “formação do atleta”. O aspecto da exacerbação nas competições - “o adversário é inimigo”. A busca sem escrúpulos para atingir o apogeu. A busca desenfreada do “poder”.

1.3 O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA DIANTE DO LÚDICO

Educar ludicamente tem um signifi cado muito profundo que escapa às ma-lhas do controle dos métodos científi cos quantifi cados. Apesar disso a ludi-cidade encontra--se presente em todos os segmentos da vida.

A educação lúdica está distante da concepção ingênua de passatempo, brincadeira vulgar, diversão superfi cial. Ela é uma ação inerente na criança, no adolescente, no jovem e no adulto e aparece sempre como uma forma transacional em direção a algum conhecimento, que se redefi ne na elaboração constante do pensamento individual em per-mutações com o pensamento coletivo (ALMEIDA, 2000, p. 14).

Daí a necessidade, do professor estar ciente das características da ludicidade na preparação, e organização de suas aulas. A ludicidade somente será contempla-da se o educador estiver preparado para isso. Nada será feito se ele não tiver um profundo conhecimento sobre os fundamentos essenciais da ação lúdica. Além de contribuir e infl uenciar na formação da criança e do adolescente,

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a educação lúdica possibilita um crescimento sadio, um enriquecimento permanente. Sua prática exige a participação franca, criativa, livre, crítica, promovendo a interação social e tendo em vista o compromisso de trans-formação e modifi cação do meio.

Os jogos, enquanto manifestações lúdicas aproximam-se da estética e da abundância. Uma atividade lúdica é originada da abundância, não da ne-cessidade, porque está vinculada a um ideal de beleza. Segundo pensa-mento de Schiller (apud SANTIN, p. 15), a ludicidade se constrói por uma atmosfera de total liberdade e autonomia, tanto que, diz ele, “o impulso lúdico mais livre desprende-se por completo das amarras da privação; e o belo torna-se, por si mesmo objeto de seu empenho”.

A multiplicidade de jogos praticados constitui-se em diferentes formas de manifestações da ludicidade; entretanto, para sabermos se tais atividades mantêm a fi delidade ao dinamismo lúdico, é preciso apreender o ato que deu origem ao fenômeno lúdico. É indispensável que se aprenda o impulso lúdico que levou o homem a brincar. Percebe-se, porém que entre os professores de Educação Física, há uma restrição ao lúdico, isto é, uma falta de conhecimento e compreensão de seu verdadeiro sentido.

As atividades lúdicas, além de proporcionar ações individuais de criativi-dade e de prazer, possibilitam também princípios éticos de solidariedade e companheirismo. Atividades como jogos de mesa, dama, xadrez, gincana, pingue-pongue etc., podem ser grandes atrativos para os alunos e meios para canalização de suas energias. O importante dessas práticas é que se-

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jam coordenadas e dirigidas por professores conscientes e preparados a fi m de preservar o verdadeiro signifi cado do lúdico.

Na educação lúdica, não pode faltar interesse, prazer, motivação e partici-pação total do aluno. O professor de Educação Física deve estar conscien-te de que jogos e brincadeiras podem ocorrer em qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer classe social e em qualquer idade. Trevisan e Gomes (apud PINTO, 2003, p. 126) ressaltam que:

Os jogos e brincadeiras são elementos que se inserem no chamado universo lúdico, composto por atividades caracterizadas por serem espontâneas, não obrigatórias, com fi m em si mesmas e que trazem sempre uma promessa de prazer.

Cabe ao professor, em sua prática, priorizar atividades lúdicas, valorizan-do a criatividade e o sentido pessoal que cada aluno apresenta em relação a elas. Por, outro lado, a Educação Física escolar tem como conteúdos o jogo, o esporte, a ginástica, dança e a luta. Quando jogamos somos intei-ros, por isso, o teor dos jogos que trazemos para nossas aulas é que faz a diferença. Crianças que só praticam jogos onde a competição é o fator mo-tivador crescerão com valores baseados na competição. Entre eles, vencer a qualquer preço é encarar o parceiro de jogo como inimigo.

Nesse aspecto, mata-se a ludicidade, o prazer do jogo, pelo jogo, o gosto de correr, chutar, driblar, etc. Acreditamos que o principal objetivo da Edu-cação Física necessita ser repensado. Acima de tudo devemos pensar que a Educação Física é a educação de corpo inteiro. Antes de formarmos atletas, que é o objetivo do esporte de rendimento, temos que nos preocupar em formar cidadãos.

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A Educação Física Escolar é um espaço para praticarmos a vida com pra-zer e alegria, para respeitarmos todos os tipos de alunos que por ventura venham ao nosso encontro, quer sejam eles hábeis ou não.

Por que não utilizar todas as formas da criança brincar, como amarelinha, pegador, futebol, bolinha de gude, esconde-esconde, corridas, saltos, risa-das, cantos, danças, etc. e fazer disto tudo matéria-prima para a educação física? Garantir um crescimento espontâneo e um enriquecimento de co-nhecimentos que garanta aos alunos uma vida de participação social satis-fatória, de dignidade, de justiça, de felicidade, deve ser nos compromisso. É de vital importância que nossas crianças brinquem, pois como afi rma Santin (1996, p. 22), “brincar é amar e viver a plenitude do corpo em todas as nuances que compõem a melodia da vida” e ainda “a corporeidade da atividade lúdica é como a sonoridade de um instrumento musical”.

Se entendermos o brinquedo como uma construção simbólica, pode-se en-tender plenamente o alcance do pensamento de Winnicott (apud SANTIN, 1996, p. 29) quando ele diz “é no brincar e somente no brincar que o indi-víduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade inte-gral”. Impedir o lúdico nas aulas de Educação Física é antecipar a servidão do homem a um sistema opressor.

2 A CONCEPÇÃO LÚDICA NOS JOGOS E DEMAIS ATIVIDADES FÍSICAS

Na concepção de Terry Orlick (apud GRILO, 2004, p. 9):

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Os jogos e os esportes são refl exos da sociedade em que vivemos, mas também servem para criar o que é refl etido. Muitos valores im-portantes e modos de comportamento são aprendidos por meio das brincadeiras e dos jogos esportivos.

Etimologicamente, segundo a Enciclopédia Mirador Universal, (1975, p. 6500), o adjetivo porto LÚDICO, do século XX, deriva do vocábulo por-tuguês LUDO, eruditismo arcaizado do século XVI, cuja origem é o latim, LUDUS, “jogo, divertimento, passatempo”, sinônimo do latim, JOCUS.

De acordo com a mesma enciclopédia, o conceito da palavra jogo “é mais antigo que o trabalho e tudo ou quase tudo provém dele”. Importante pro-cesso na socialização do indivíduo e, até na formação do eu, segundo Ge-orge Herbert Mead (1863-1931) donde a natural associação criança-jogo, a atividade lúdica seria, também, a fonte principal da cultura.

Segundo Huizinga e Caillois (apud ENCICLOPÉDIA MIRADOR, 1975, p. 6501), o jogo é uma atividade livre e gratuita, embora disciplinada por regas, sentida como fi ctícia, social se bem que alheia às atividades comuns, impro-dutivas mesmo quando admite deslocamento de riqueza dentro do círculo fechado dos jogadores, e de resultado incerto. Para Santin (1996, p. 87),

O lúdico é um destes valores que escapam às malhas do controle de métodos científi cos quantifi cados. O lúdico se aproxima mais do comportamento do gosto, do valor estético, da dinâmica da sensibi-lidade, da inconstância das emoções. Assim, parece claro que o lúdi-co e a ludicidade não se submetem ao controle das lógicas racionais.

A ludicidade pode estar presente em todos os segmentos da vida com um

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signifi cado muito profundo. Uma criança pulando corda, jogando bolinha de gude, brincando de boneca, etc., não está simplesmente brincando, está desenvolvendo e operando inúmeras funções cognitivas e sociais. Aí estão combinados, o prazer e a interiorização de conhecimentos.

Os jogos sempre constituíram uma forma de atividade própria do ser hu-mano. Entre os primitivos, dançar, caçar, pescar, lutar eram necessários para sobreviver, ultrapassando até o caráter de divertimento.

Para Platão (apud MOREIRA, 2000, p. 19) “os primeiros anos da criança deveriam ser ocupados com jogos educativos”. Entre os Egípcios, Roma-nos, Maias, os jogos serviam de meio para a geração mais jovem aprender com os mais velhos valores e conhecimentos, bem como normas dos pa-drões de vida social.

Segundo Froebel (apud MOREIRA, 2000, p. 23) “a educação mais efi cien-te é aquela que proporciona atividade, auto-expressão e participação social às crianças”. Para Claparède (apud MOREIRA, 2000, p. 24) “a criança à qual se propõe um trabalho em continuidade com o jogo é naturalmente levada a mobilizar todas as suas energias”.

Desde Claparède e Dewey, Wallon, Leif e Piaget (apud MOREIRA, 2000, p. 26) “a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais e sociais superiores, por isso, indispensáveis à prática educativa”.

Para Dewey (apud ALMEIDA, 2000, p. 24), “O jogo faz o ambiente natu-ral da criança, ao passo que as referências abstratas e remotas não corres-

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pondem ao interesse da criança”. Percebemos então que, o que faz a grande diferença é a fi losofi a de quem tra-balha com a Educação Física, de quem trabalha com a Educação. Ou educa-mos para a libertação ou seremos responsáveis pela domesticação de nossos alunos tornando-os massa de manobra de uma sociedade sem escrúpulos.

O professor de Educação Física é um dos profi ssionais que tem a possibili-dade de compartilhar com as crianças, dentro de seu próprio meio. Obser-vá-las em movimento e através das características motoras que refl etirem, descobrir seus estados internos.

O corpo é um emissor de mensagem e, através do movimento, pode-se per-ceber o que sucede dentro do mundo da criança. A sensibilidade vai perceber o quanto, determinados jogos, são lúdicos para as crianças e de que forma se pode fazer um trabalho comprometido com o seu desenvolvimento integral. Diante do exposto, reafi rmamos o pensamento de Gallardo (apud STEI-NER, 1986, p. 27), “a ausência de um professor de Educação Física nos primeiros anos de escolaridade é uma forma de agressão, que na lei é con-siderada delito por omissão”, É preciso entender que as habilidades mo-toras, desenvolvidas num contexto de jogo, de brinquedo, no universo da cultura infantil, poderão se desenvolver sem a monotonia dos exercícios prescritos por alguns autores.

Os jogos, como pega-pega, amarelinha, cantigas de roda, morto-vivo etc., têm exercido, ao longo da história importante papel no desenvolvimento das crianças, porque todos eles são frutos da experiência humana e chegam até nós carregados de sabedoria.

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É lamentável, pelo que vivenciamos que esses jogos não tenham sido incor-porados ao conteúdo pedagógico das aulas de Educação Física. Parece que há certo medo de perceber o lúdico, transparecendo de forma clara e descon-traída, garantindo o bom desenvolvimento das habilidades físicas (motoras, afetivas e cognitivas), permitindo que nossas crianças sejam elas mesmas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisar a importância da educação física e a educação lúdica e com-parando opiniões de autores sobre Ludicidade e a Educação Física Escolar, chegamos a algumas conclusões.

Brincar é nossa primeira forma de cultura. A cultura é algo que pertence a todos nós. É a forma como as pessoas vivem e se expressam. E por meio do brincar que a criança tem oportunidades de raciocinar, de descobrir, de persistir e de perseverar. Ela é capaz de aprender a perder, perceben-do que haverá novas oportunidades para vencer. Aprender a esforçar-se e• a esperar não desistindo facilmente das várias situações encontradas. O brincar proporciona à criança a possibilidade de criar sua identidade. É uma oportunidade de desenvolvimento, porque faz com que ela libere sua imaginação e desenvolva a criatividade, possibilitando exercícios de con-centração, de atenção e de engajamento, através dele que a criança expe-rimenta, desenvolve, inventa, exercita e confere habilidades. Esse brincar que ensina a lidar com as emoções e as descobertas do mundo é a melhor forma de expressar a ludicidade.

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Outro fator importante para a criança ter chance de vivenciar o lúdico é a sua relação com as pessoas, das quais depende para a satisfação das suas necessidades vitais afetivas. A Educação Física como área interessada primordialmente com a ativida-de lúdica vem se colocando muitas vezes em função de um pragmatismo valorizando o produto, ao invés de se dar conta da importância do proces-so, não considerando que, através desse último, efetivamente as mudanças mais profundas se estruturam nos indivíduos.

A questão da ludicidade, apesar de fazer parte da vida humana, ainda encontra barreiras por parte de profi ssionais da Educação física. Boa parte dos Educadores incluindo os Professores de Educação Física, ainda não optou por uma educação onde se contemple o Lúdico, o Prazer, a Vida.

Mesmo conhecendo os limites do artigo, para nós foi uma aprendizagem muito importante. Crescemos durante a pesquisa para o artigo e esperamos que sirva também para outros futuros profi ssionais que buscam dar o me-lhor de si, no desempenho de sua profi ssão. A Ludicidade quer que o es-porte tenha a inspiração do brinquedo e conduza o atleta ao pódio da vida. Para isso precisamos acrescentar que a sensibilidade é a fonte inspiradora que nos ensina a sermos viventes e não usuários da vida.

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