Lúcio Costa

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Lúcio Costa “A legitimidade da intenção plástica” Clara Luiza Miranda Historiadores e críticos do movimento moderno difundem a ideologia do espírito do tempo, manifesto numa linguagem internacional da arquitetura. No entanto, em toda parte, as práticas discursivas tentam radicar o movimento moderno à expressões pre- gressas regionais. Constata-se que os primeiros divulgadores da arquitetura moderna buscam facilitar a assimilação das tendências globais do seu projeto no contexto onde atuam. Nicolaus Pevsner, ortodoxo defensor do internacionalismo e funcionalismo, emigrado para Inglaterra, desenvolve uma linha explicativa da arquitetura moderna, baseada em interações entre a Werkbund, Bauhaus, escolas alemãs que articulam a conciliação entre arte e indústria e o movimento inglês Arts and Crafts, que defende o artesanato 1 . Sigfried Giedion, secretário das primeiras edições do CIAM Congresso Internacional da Arquitetura Moderna em sua estada nos Estados Unidos, mostra as atitudes precur- soras de tecnologia da construção, de programas, de métodos e de linguagem da arquite- tura e urbanismo da Escola de Chicago, de Louis Sullivan e de Frank Lloyd Wright 2 . Ernesto Rogers, diretor da revista Casabella nos anos 50, reconhece a dívida do moder- nismo italiano para com as influências externas. Porém, junto a outros arquitetos e críti- cos quer consolidar um lugar para a Itália no movimento moderno e influenciar no deba- te da arquitetura, com um programa crítico difundido em revistas como a Casabella, Zodiac e Metron. Rogers propõe a utilização da história e teoria como método estrutural de projeto, estratégia de construção da desejada identidade e manutenção das diretivas racionalista e coletivista do moderno. Em cada meio onde se insere o movimento moderno, o encontro dos valores universais com valores existenciais locais cria versões particulares da arquitetura moderna 3 . Nos anos 50, não há posições consolidadas no campo da arquitetura. Na Itália, Inglaterra, França, Estados Unidos e Brasil verifica-se a defasagem entre expectativa do discurso e realidade do espaço de atuação, entre teoria e qualidade de produção. Mas, é justamente a arquitetura moderna brasileira que é questionada quanto ao pertencimento ao movi- mento internacional. Um exemplo vem do historiador Pevsner, que cria meios de uma discutível convivência entre pinturesco e racionalismo, mas, acusa de historicista e ir- responsável o projeto Pampulha (Belo Horizonte) de Oscar Niemeyer 4 . Ernesto Rogers diferencia o trabalho de Lúcio Costa identificando-o à tradição culta (o humanismo português adaptado ao Brasil) e a espontaneidade de Niemeyer, que embora seja valorizado pela inequívoca identificação material com o meio fisiográfico, é criti- cado pela excentricidade dos temas, e sobretudo pela impossibilidade de enquadrá-los em qualquer sistema orgânico de projetação 5 . Rogers percebe a postura projetual auto- centrada, como impedimento a um processo de desenvolvimento da arquitetura brasilei- ra. Desde sua filiação ao movimento moderno, Lúcio Costa compreende a necessidade de emprestar-lhe uma fisionomia local e de prendê-lo a uma tradição reconhecida; toma 1 PEVSNER, Nicolaus. Pioneiros do Desenho Moderno, de William Morris a Walter Gropius. São Paulo: Martins Fontes (1ª ed. 1937) 2 GIEDION, Sigfried. Espacio, Tiempo e Arquitectura. Madrid: Dossat, 1978 (1ª ed. 1942) 3 WAISMAN, Marina. Aventuras del Modernismo en las Américas. Cuadernos Escala. Bogotá, n. 21. p. 13-21. Abr. 1992 4 PEVSNER, Nicolaus. Modern Architecture and the Historian or the return of Historicism. RIBA Jour- nal, n. 6: p. 230-240, abril, 1961 5 ROGERS, Ernesto. Towards a non-formalist criticism. Milão: Casabella-Continuitá. n. 200, 1954

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Page 1: Lúcio Costa

Lúcio Costa “A legitimidade da intenção plástica”

Clara Luiza Miranda

Historiadores e críticos do movimento moderno difundem a ideologia do espírito do

tempo, manifesto numa linguagem internacional da arquitetura. No entanto, em toda

parte, as práticas discursivas tentam radicar o movimento moderno à expressões pre-

gressas regionais. Constata-se que os primeiros divulgadores da arquitetura moderna

buscam facilitar a assimilação das tendências globais do seu projeto no contexto onde

atuam.

Nicolaus Pevsner, ortodoxo defensor do internacionalismo e funcionalismo, emigrado

para Inglaterra, desenvolve uma linha explicativa da arquitetura moderna, baseada em

interações entre a Werkbund, Bauhaus, escolas alemãs que articulam a conciliação

entre arte e indústria e o movimento inglês Arts and Crafts, que defende o artesanato1.

Sigfried Giedion, secretário das primeiras edições do CIAM – Congresso Internacional

da Arquitetura Moderna – em sua estada nos Estados Unidos, mostra as atitudes precur-

soras de tecnologia da construção, de programas, de métodos e de linguagem da arquite-

tura e urbanismo da Escola de Chicago, de Louis Sullivan e de Frank Lloyd Wright2.

Ernesto Rogers, diretor da revista Casabella nos anos 50, reconhece a dívida do moder-

nismo italiano para com as influências externas. Porém, junto a outros arquitetos e críti-

cos quer consolidar um lugar para a Itália no movimento moderno e influenciar no deba-

te da arquitetura, com um programa crítico difundido em revistas como a Casabella,

Zodiac e Metron. Rogers propõe a utilização da história e teoria como método estrutural

de projeto, estratégia de construção da desejada identidade e manutenção das diretivas

racionalista e coletivista do moderno.

Em cada meio onde se insere o movimento moderno, o encontro dos valores universais

com valores existenciais locais cria versões particulares da arquitetura moderna3. Nos

anos 50, não há posições consolidadas no campo da arquitetura. Na Itália, Inglaterra,

França, Estados Unidos e Brasil verifica-se a defasagem entre expectativa do discurso e

realidade do espaço de atuação, entre teoria e qualidade de produção. Mas, é justamente

a arquitetura moderna brasileira que é questionada quanto ao pertencimento ao movi-

mento internacional. Um exemplo vem do historiador Pevsner, que cria meios de uma

discutível convivência entre pinturesco e racionalismo, mas, acusa de historicista e ir-

responsável o projeto Pampulha (Belo Horizonte) de Oscar Niemeyer4.

Ernesto Rogers diferencia o trabalho de Lúcio Costa identificando-o à tradição culta (o

humanismo português adaptado ao Brasil) e a espontaneidade de Niemeyer, que embora

seja valorizado pela inequívoca identificação material com o meio fisiográfico, é criti-

cado pela excentricidade dos temas, e sobretudo pela impossibilidade de enquadrá-los

em qualquer sistema orgânico de projetação5. Rogers percebe a postura projetual auto-

centrada, como impedimento a um processo de desenvolvimento da arquitetura brasilei-

ra.

Desde sua filiação ao movimento moderno, Lúcio Costa compreende a necessidade de

emprestar-lhe uma fisionomia local e de prendê-lo a uma tradição reconhecida; toma

1 PEVSNER, Nicolaus. Pioneiros do Desenho Moderno, de William Morris a Walter Gropius. São Paulo:

Martins Fontes (1ª ed. 1937) 2 GIEDION, Sigfried. Espacio, Tiempo e Arquitectura. Madrid: Dossat, 1978 (1ª ed. 1942)

3 WAISMAN, Marina. Aventuras del Modernismo en las Américas. Cuadernos Escala. Bogotá, n. 21. p.

13-21. Abr. 1992 4 PEVSNER, Nicolaus. Modern Architecture and the Historian or the return of Historicism. RIBA Jour-

nal, n. 6: p. 230-240, abril, 1961 5 ROGERS, Ernesto. Towards a non-formalist criticism. Milão: Casabella-Continuitá. n. 200, 1954

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justamente o trabalho de Niemeyer como motivo do valor da arquitetura brasileira dos

anos 40 e 50. Segundo ele, Niemeyer enriquece a experiência adquirida de Le Corbusi-

er, explorando potencialidades plásticas da estrutura do concreto armado mediante uma

expressão refinada6.

Pavilhão do Brasil na Exposição de Nova Iorque,

1939. Projeto Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Fonte: UNDERWOOD, David. Oscar Niemeyer and the

Architecture of Brazil. Nova Iorque: Rizzoli, 1994,

Casa do Baile em Pampulha, Belo Horizonte, 1942.

Projeto Oscar Niemeyer. Fonte: Idem, p.

Lúcio Costa tenta inicialmente, radicar as teorias da arquitetura moderna numa morfo-

logia marcada pela clareza, ortogonalidade e massa da arquitetura tradicional brasileira.

Modifica esse enfoque, a partir do momento em que considera que a arquitetura brasilei-

ra alcança sua “feição diferenciada”, não somente porque renova os recursos peculiares

a tradição local,

mas fundamentalmente porque é a própria personalidade nacional que se ex-

pressa, utilizando materiais e técnicas do tempo, através de determinadas indi-

vidualidades do gênio artístico nativo7.

Nos anos 50, os escritos de Lúcio Costa justificam a singularidade da criação artística,

reivindicando a legitimidade da intenção plástica. Para ele, a arquitetura brasileira passa

a colocar “ na ordem do dia, com a devida ênfase, o problema da qualidade plástica e do

conteúdo lírico e passional da arquitetura”8. Aspecto conceitual, que se baseia no adven-

to da obra de Niemeyer.

No quadro das teorias artísticas modernas predominantes, desconsidera-se a expressão

individual no fenômeno artístico, deste modo, aparentemente, a posição de Lúcio Costa

está à margem. Porém, o problema da expressão se renova no campo artístico do segun-

do pós guerra, Giedion questiona os malefícios dos desdobramentos do funcionalismo,

assimila ao seu formalismo recursos das teorias da empatia, da semiologia e da Filosofia

das Formas Simbólicas. Esse movimento reflexivo de Giedion é um índice de que o

funcionalismo não oferece meios simbólicos desejados pela sociedade e uma confirma-

ção de que está imerso em confusões, incertezas e fadigas9.

A empatia (einfühlung) base da estética expressionista, valoriza as ações subjetivas que

emprestam sua emoção ao processo de constituição dos objetos10

. A intenção é a palavra

chave da empatia, que se origina nas interações entre homem, natureza e cultura. A Fe-

6 COSTA, Lúcio. A obra de Oscar Niemeyer. In. Idem. Sobre Arquitetura. Porto Alegre: CEU, 1962. p.

161 (publicado inicialmente em 1950). 7 Idem. Depoimento de um Arquiteto Carioca. In.Idem. Ibidem. p. 198. (1951).

8 Idem. Considerações sobre a Arte Contemporânea. In. Ibidem. p. 202. (1952)

9 GIEDION, Siegrified. Architecture in the 1960’s: Hopes and Fears. Zodiac. Milão, n. 11, 1962-63, p.

25-35 10

DE FUSCO, Renato. A Idéia da Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 49

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nomenologia de Maurice Merleau-Ponty e a Filosofia da Formas Simbólicas de Ernest

Cassirrer e Susane Langer, no segundo pós guerra, estão no debate da racionalização e

da abstração, no qual acolhem a empatia. Essas teorias filosóficas retomam a discussão

da intencionalidade como um processo de significação e simbolização, rompendo com a

clivagem dualista da arte entre expressionismo e racionalismo, apontando meios alterna-

tivos de interação entre aparência e essência, empatia e abstração e organicismo e fun-

cionalismo.

Pois bem, Lúcio Costa defende a criação artística moderna como poder de invenção

desinteressada e livre expansão criadora11

. Mas, esse papel do individualismo, estabele-

ce-se como algo genérico e produtivo e situa-se na capacidade de alguns arquitetos en-

riquecerem o vocabulário plástico dado. Lúcio Costa redireciona entendimento dos anos

30, de que a personalidade deve se manter sob limites numa matéria como a arquitetura,

de caráter utilitário e social12

.

Essa defesa da liberdade nos termos tradicionais de individualidade da personalidade

criadora, indica afinidades com o ideário romântico, que tem no primeiro pós guerra um

ambiente propício à propagação do nacionalismo e da sensibilidade romântica. Nesse

contexto surge o neocolonial, movimento do qual Lúcio Costa participa, que apesar de

seus equívocos, ajuda a criar um olhar voltado à cultura brasileira.

O processo de filiação de Lúcio Costa e outros arquitetos brasileiros ao moderno não é

um processo natural, é preciso forjar um espírito predisposto à recepção da arquitetura

moderna e possuir uma base pré industrial, premissa da viabilidade daquela.

Entre os anos 31 e 35, forma-se um grupo de estudo dirigido por Lúcio Costa, para pes-

quisar sobre a arquitetura moderna. O objetivo do grupo, menos que acatar o rígido pro-

tocolo do modernismo oficial, é criar meios de proporcionar condições de vida moderna

à sociedade brasileira, reintegrando arte e técnica. As teorias de Le Corbusier são as

preferidas devido sua opção latina; sua sintaxe formal é assimilada, mas o aspecto da

sua relação com a paisagem é o objeto do desejo dos brasileiros.

A mudança de Le Corbusier em relação à paisagem ocorre após uma viagem à América

do Sul e é expressa no livro Précisions, no qual a sua pesquisa assume a forma de uma

doutrina, que significa para Corbusier um conjunto de conceitos interativos, de acordo

com as leis da razão13

.

Por sua vez, Lúcio Costa crê na necessidade de um fundamento doutrinário, de um esti-

lo, entendido como um todo orgânico, subordinado a uma disciplina. Porém, configura-

do por alguns arquitetos de gênio, que cristalizam em sua obra as possibilidades latentes

de uma nova arquitetura. Para Lúcio Costa, a despeito da padronização e internaciona-

lismo dos estilos, podem ser concedidos espaços à manifestações nativas14

. Deste modo,

no fundamento positivo e dogmático do programa corbusiano é entrevisto a possibilida-

de de liberdade de pensar a arquitetura, que poderia realizar o projeto modernista brasi-

leiro de atualização artística concomitante à construção da identidade nacional

Lúcio Costa modifica definitivamente o viés formalista de fundamentar a arquitetura em

aspectos plásticos vernaculares, assumindo que o meio de aquisição de significação da

arquitetura se dá pela transferência de subjetividade para coletivo: “há algo de transmis-

sível na experiência de cada um”15

.

11

COSTA. Considerações sobre a Arte Contemporânea. p. 220 12

Idem. Razões da Nova Arquitetura. In. Idem. Arte em Revista. São Paulo. n. 4. 1983. 2ª ed. p. 15-23, p.

17(texto publicado inicialmente em 1932). 13

LE CORBUSIER. Précisions sur un état présent de l’architectue et de l’urbanisme. Paris, Crés (Col.

de L’Esprit Nouveau), 1930 14

COSTA, Lúcio. O Arquiteto e a Sociedade Contemporânea. In Idem, Ibidem. p. 242. (1953). 15

Idem. Considerações sobre Arte Contemporânea. p. 222

Page 4: Lúcio Costa

Tendo Le Corbusier como ponto de partida, Lúcio Costa reflete em seu discurso sobre

as síntese dos problemas técnico, da construção, social da organização urbana e rural na

sua complexidade utilitária e lírica e ainda, do aspecto plástico da expressão arquitetô-

nica e integração das artes.

A abordagem da arquitetura como fato plástico em Lúcio Costa é derivada de Le Corbu-

sier, mas há o desvio da arquitetura como pura criação do espírito - realidade pensante –

para a valorização do sentimento na escolha do partido arquitetônico, essa que é a es-

sência mesma da arquitetura, de acordo com o arquiteto brasileiro. Contudo, o desvio

citado é enunciado pelo próprio Corbusier que escreve em Precisións – as técnicas são

o suporte mesmo do lirismo - buscando definir as relações entre a civilização maquinis-

ta e o campo de criação e do lirismo individual.

A síntese entre arte e técnica é o fundamento de Le Corbusier, de acordo com essa pre-

missa, a técnica para Lúcio Costa relaciona-se à construção. Mas, na escolha das solu-

ções arquitetônicas, o técnico é submetido e ao mesmo tempo pressuposto pelo artista.

A arte, segundo Costa, é o fator de permanência, enquanto a técnica constitui um fator

provisório, que no entanto, condiciona o processo. Disso, resulta a militância de Lúcio

Costa em favor do “reconhecimento da legitimidade da intenção plástica no conceito

funcional da arquitetura contemporânea”16

.

A técnica no movimento moderno é sinônimo de fazer artístico, segundo Giulio Carlo

Argan, mas não somente práxis, mas também um processo cognoscitivo e formativo, na

medida em que necessita da reflexão permanente sobre os sentidos das ações17

. Lúcio

Costa diz que o conhecimento é matéria-prima da criação, porém, refundida com as

sensações pessoais da própria experiência e recriada, segundo novos processos e novas

técnicas, ao calor de uma nova emoção18

.

A idéia da criação artística em Lúcio Costa, para quem a cognição torna-se experiência

e o sentimento guia o processo, não se diferencia do processo de criação de Le Corbusi-

er, demarcada segundo seus momentos: intuitivo-individual e universal-retificação, ten-

do o lirismo permeado todo o processo19

. Para Corbusier, se os processo da técnica in-

dustrial implicam numa nova arte, também acarretam a desregulação da sensibilidade,

torna-se obstáculo à empatia entre homens e em relação ao meio ambiente. Isso abala o

aspecto subjetivo da cultura. É a criação artística que cria beleza e proporciona felicida-

de. Em dado momento da interlocução entre obra e natureza de Corbusier, este passa a

buscar a potência expressiva da diversidade aparente das coisas20

.

O sentimento como guia da arquitetura defendido por Lúcio Costa, realizado sobretudo

por Niemeyer, significa o domínio do programa expressivo de liberar a experiência sen-

sível com a natureza, a afirmativa de um ponto de vista essencial da paisagem.

Le Corbusier ressalta o engrandecimento das coisas pelo espaço21

. Oscar Niemeyer vê a

paisagem como o suporte de seu arranjo de objetos em diálogo com o horizonte. Para

Lúcio Costa construir significa obstruir a paisagem, cujo significado vem de natureza

transformada, portanto da cultura. Na qual pode-se verificar uma identidade entre esfera

pública e espaço aberto, um espaço para se construir a cidadania22

, que une o bucólico

16

COSTA. O Arquiteto e a Sociedade Contemporânea. In. Idem, Ibidem. p. 247 17

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992 18

COSTA. Considerações sobre Arte Contemporânea p. 214 19

MARTINS, Carlos Alberto F. Razon, Ciudad y Naturaleza. La génesis de los conceptos en el urbanis-

mo de Le Corbusier. Madrid. 284p. Tese (Doutorado) - Escuela Técnica Superior de Arquitectura de

Madrid. 1992. p. 145 20

Idem. Ibidem. p. 150 21

LE CORBUSIER. Planejamento Urbano. São Paulo: Perspectiva, 1984. p. 48 22

TELLES, Sophia da Silva. (1991). Pequena Crônica. AU. Especial Lúcio Costa. Rio de Janeiro. n. 38,

p. 117, set.- out.

Page 5: Lúcio Costa

ao monumental. Onde não haveria nem melancolia nem agitação febril, mas um estilo

de vida sereno e equilibrado.

Segundo Costa, a renovação da arte se legitima pela expressão desinteressada, mas tem

uma função social, diante da rudeza da civilização industrial, dar “vazão aos naturais

anseios de fantasia individual e livre-escolha”. Nos anos 50 no Brasil, a liberdade é uma

experiência recente e limitada, marcada pela reminiscências da formação escravista-

liberal. A mediação da liberdade pela reflexão como um dos aspectos da modernidade,

preconizados por Georg Friedrich Hegel, não está no horizonte da atividade artística

brasileira. Pelo contrário, Lúcio Costa descola a o artista de responsabilidades imedia-

tas, não indaga para quem trabalha o artista, pois para ele, no fundo esse trabalha sem-

pre para si mesmo23

.

A autonomia que Lúcio Costa reivindica é a abertura de um caminho próprio, confor-

mado num processo civilizatório e de construção de identidade nacional. Esse aspecto

proporciona a possibilidade de um estilo coletivo, que justifica o desígnio do encami-

nhamento autocentrado do processo criativo.

Os artistas possuídos de paixão criadora e capazes não só de eletrizar multidões

(...) mas de comovê-lo com suas obras (...) é esse tantas vezes o caminho mais

curto para o coração das massas.

No Brasil diferente da Europa ou Estados Unidos, o moderno constrói primeiro a coisa

pública para depois partir para habitação, que pode ser explicada pela posição dos con-

tratantes, ou melhor, do Estado na efetivação da arquitetura moderna no Brasil, em rela-

ção ao qual, a intenção plástica faz o papel de tática de não cooptação.

O racionalismo moderno é apropriado pela expressão na arquitetura brasileira, nessa o

sentimento comanda de dentro, enquanto a racionalidade acompanha de fora, menos

como reflexão e mais como regulação da experiência e referência da doutrina. O papel

relevante do sentimento e da intenção adquirem no processo de criação teorizado por

Lúcio Costa, pertence ao quadro moderno de busca da essência. Não se trata de buscar

uma arquitetura representativa, mas aquilo que mantém viva a possibilidade de escolha.

A qualidade que mais atraí Lúcio Costa na arte moderna é a liberdade de criação dentro

de limites, que garantam a inteligência dos fatos artísticos.

Há de deixar os artistas seguirem cada qual o seu caminho, confiando na genia-

lidade dos eventuais precursores, no talento dos mestres e na acuidade compre-

ensiva dos discípulos, porque havendo tais qualidades, todos os rumos serão

válidos24

.

A arquitetura brasileira referida por Lúcio Costa não tem a pretensão representativa,

mas de procurar condensar meio físico e sentimento, com a qualidade de se desvencilhar

do aspecto temático. Assegura a criação individual, mas o resultado gera dificuldade de

desenvolver um processo evolutivo da arquitetura brasileira a longo prazo.

A noção que Lúcio Costa difunde sobre a concepção do projeto, pondera que os fatores

da demanda da arquitetura não são centrais, pois a substância do fato artístico, a essên-

cia que distingue a arquitetura das demais atividades humanas, está no processo desinte-

ressado das sucessivas escolhas que resultam na obra. Para Lúcio Costa, a arquitetura

como construção, modo de ordenar e expressar-se, revela-se igualmente arte plástica. Os

problemas com os quais o arquiteto se defronta nesse processo, permite sempre margens

de opção:

determinadas pelo cálculo, preconizadas pela técnica, condicionadas pelo meio,

reclamadas pela função ou impostos pelo programa. A intenção plástica que

23

COSTA. Considerações sobre Arte Contemporânea. p. 217 24

Idem, Ibidem, p. 223

Page 6: Lúcio Costa

semelhante escolha subentende é precisamente o que distingue a arquitetura da

simples construção25

Lúcio Costa está próximo da questão kantiana de que ninguém pode escapar das respon-

sabilidades de suas escolhas, avizinha-se também dos desdobramentos ontológicos de

que a intuição do projeto inclui o habitar: vivenciar, compartilhar e pertencer a um de-

terminado lugar e a uma determinada cultura.

O enunciado da intenção plástica insere-se no contexto da arquitetura moderna, não

atendendo o aspecto da coletividade e rejeitando o funcionalismo. O investimento in-

conseqüente na beleza decorre do discernimento, de que a arte não dá conta de exprimir

situações globais e que depende da encomenda, com a qual acaba por encontrar afinida-

des de gosto. Mesmo assim, essa arquitetura brasileira contempla uma redistribuição

dos bens espirituais, da poesia e da beleza, até quando suas obras representam um acinte

para a maioria da população do país.

Niemeyer o objeto de grande parte dos escritos de Lúcio Costa nos anos 50, com sua

liberdade plástica quase ilimitada, apresenta uma possibilidade de fazer a experiência de

liberdade num ambiente restrito. Ele explora nesse momento, significativamente, o ele-

mento ilusório da aparência, que tem um caráter semelhante ao da máscara.

A máscara liberta dos protocolos e instituições que condicionam a vida social, substitu-

indo-os por uma imagem transitória que goza da proteção da mentira26

. A sociedade

brasileira ama o espetáculo e consente alegremente o disfarce.

Lúcio Costa atua no campo cultural, confiante no fator educativo da arte e na formação

de um gosto civilizado. Os seus escritos contribuem com temas importantes no debate

internacional do segundo pós-guerra: o problema da expressão, a síntese das artes e a

monumentalidade. Brasília, plano elaborado por ele, sintetiza anos de atenção aos cami-

nhos do urbanismo moderno.

A leitura sobre Lúcio Costa sob esse ponto de vista, reflete que é destino do arquiteto

fazer escolhas, é preciso estar preparado para o problema da expressão. Lúcio reduz o

dilema daquele que instaura as idéias, independentemente de seu curso no mundo, pois

sendo belas devem vigorar. A ênfase na intenção e o aspecto predominantemente indi-

vidual da criação da arquitetura defendido por ele, não tem lugar privilegiado na crítica

de arquitetura contemporânea. Quadro no qual a individualidade está franqueada ao

extremo ao artista, mas não interessa a crítica de sua intencionalidade, que se apresenta

multifacetada e inacessível. A figura do autor não dá mais as regras da arte. No entanto,

para a crítica continua o problema de refletir sobre a relação entre individualidade e

coletividade, entre liberdade e limites e ainda sobre o inferno ou alegria de fazer esco-

lhas. Clara Luiza Miranda

25

Idem. p. 203 26

STAROBINSKI, Jean. A Invenção da Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras. 1994. p. 106

Page 7: Lúcio Costa

Proposta do Plano Piloto de Brasília, 1956. “A monumentalidade não exclui a graça”. Fonte: COSTA, Lúcio. Registro de uma Vivência. p.