LUCIENE TERESINHA DE SOUZA BEZERRA - repositorio.ufu.br · Ao meu pai, Nilson, ... Primeiro corpo...

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LUCIENE TERESINHA DE SOUZA BEZERRA Da sombra da magnólia ao porvir do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado de 1956 a 1971 Uberlândia, MG Fevereiro de 2016

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L U C I E N E T E R E S I N H A D E S O U Z A B E Z E R R A

Da sombra da magnólia ao porvir do Grupo Escolar Governador Clóvis

Salgado de 1956 a 1971

Uberlândia, MG Fevereiro de 2016

1

U N I V E R S I D A D E F E D E R A L D E U B E R L Â N D I A

P R O G R A M A D E P Ó S - G R A D U A Ç Ã O E M E D U C A Ç Ã O

L U C I E N E T E R E S I N H A D E SO U Z A B E Z E R R A

DA SOMBRA DA MAGNÓLIA AO PORVIR DO GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO DE 1956 a 1971

Dissertação apresentada ao Programa de Pós–

Graduação em Educação da Universidade

Federal de Uberlândia como exigência parcial

para obter o título de Mestra em Educação.

Orientadora: profa. dra. Betânia de O. Laterza

Ribeiro.

Uberlândia, MG Fevereiro de 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

B574s

2016

Bezerra, Luciene Teresinha de Souza, 1967-

Da sombra da magnólia ao porvir do Grupo Escolar Governador

Clóvis Salgado de 1956 a 1971 / Luciene Teresinha de Souza Bezerra. -

2016.

127 f. : il.

Orientador: Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia,

Programa de Pós-Graduação em Educação.

Inclui bibliografia.

1. Educação - Teses. 2. Educação e Estado - Teses. 3. Escolas

públicas - Teses. 4. Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado (Ituiutaba

MG) - história - 1956 - 1971 - Teses. I. Ribeiro, Betânia de Oliveira

Laterza. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-

Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 37

3

B A N C A D E D E F E S A

____________________________________________________ Professora doutora Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro

Universidade Federal de Uberlândia

____________________________________________________ Professora doutora Ana Maria Gonçalves

Universidade Federal de Catalão

____________________________________________________ Professor doutor José Carlos Souza Araujo

Universidade Federal de Uberlândia

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Ao meu esposo, João Batista, e aos meus filhos, Hugo e Higor, que compreenderam minha

ausência e me ajudaram a estabelecer limites para que a vida não ficasse para depois.

À memória de minha mãe, Cacilda Divina de

Souza. Saudade infinita!

Ao meu pai, Nilson, que me deu o dom da vida e por me mostrar o quanto era importante estudar,

mesmo não tendo ele a mesma oportunidade no passado.

Aos meus irmãos, Lucimar e Junio: pelo que sempre me motivaram, entenderam as minhas

faltas e momentos de afastamento e reclusão, pelo cuidado e preocupação em que eu não

enlouquecesse estudando, escrevendo e lendo.

5

Agradecimentos

Deus, que sempre me ampara nos momentos difíceis, me dá força interior para superar as dificuldades, mostrar os caminhos nas horas incertas e me suprir em todas as minhas necessidades.

Agradeço muito à professora doutora Betânia Laterza. Resumi-la à minha orientadora é muito pouco. Tenho certeza de que ela sente a importância que teve — e tem — para mim, não só na condução do trabalho, mas também como conselheira e até nas horas em que parece que nada está dando certo e que preciso não só de um consolo, mas de um colo.

Aos professores que compuseram a banca do exame de qualificação e da defesa desta dissertação: professores doutores José Carlos de Souza Araujo e Armindo Quillici, cujos comentários abriram perspectivas de enriquecer a pesquisa e a discussão aqui apresentadas.

Ao professor Isaías Tadeu Alves de Macedo, o qual me conduziu nos primeiros passos da vida acadêmica, providenciando que eu tivesse banco de dados para este trabalho, ouvindo e compartilhando fontes e números.

À diretora atual da Escola Estadual, professora Marly de Fatima Costa Nunes, que gentilmente abriu espaços para que eu pudesse enveredar pela história da escola.

À equipe do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia: Gianny Carlos Freitas Barbosa e, em especial, James Madson Mendonça, da secretaria do programa de pós-graduação em Educação: profissionais solícitos, receptivos e pacientes na tarefa de nos orientar nos meandros da burocracia acadêmica.

À Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais, por me possibilitar afastar de minhas atividades laborais para me dedicar a pesquisa subjacente a esta dissertação.

À Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, em especial à diretora, Ises Maria Gomes Cintra, que me incentivou a prosseguir em busca de meus sonhos acadêmicos, e à diretora Maria José da Silva Paula, que viu meu afastamento como crescimento para todos.

Aos entrevistados, que aceitaram de pronto o convite para contar sua versão do passado. Em especial, à professora Maria Mirza Cury Diniz, peça-chave para abrir as possibilidades de localizar fontes e atribuir nomes. Sua participação como informante foi fundamental para a realização deste trabalho.

À doutora Ana Emília Cordeiro Souto Ferreira, grande amiga que tanto me incentivou, persistiu e contribuiu para o meu ingresso na academia.

Às minhas colegas de trabalho: Lívia, Liliane, Shirlei, Renato e Wilson, que sorriram, choraram, caminharam e me ampararam nessa busca por conhecimento.

Ao pastor Frederico Abreu, aos irmãos da igreja e a Rosa, que oraram por mim. Aos colegas e professores da pós-graduação em Educação, pessoas com quem

aprendi na convivência acadêmica; em especial, à colega Jaqueline Calixto. Aos meus sobrinhos, Lucas e, em especial, Bárbara, que me ajudaram diante das

dificuldades de usar o computador e na conferência de dados.

A

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Resumo BEZERRA, Luciene Teresinha de Souza. Da sombra da magnólia ao porvir do Grupo

Escolar Governador Clóvis Salgado de 1956 a 1971. 2016. 126 f. Dissertação

(Mestrado em Educação) — Faculdade de Educação, Universidade Federal de

Uberlândia.

o período 1950–70, mudanças políticas tiveram impactos severos na educação pública do Brasil, como de governo democrático para governo ditatorial. Nesse

processo de mudança, a educação pública ficou destituída de recursos estatais e se tornou objeto de um debate sobre a forma de governá-la: o poder público ou a iniciativa privada? Resultado do debate, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional traduziu muito mais as aspirações privatistas; a partir de 1964, serviu aos planos do governo militar de legitimar seu governo. Este estudo situa nesse contexto histórico a intenção de escrever parte da história do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, situado em Ituiutaba, MG. O estudo partiu da premissa de contradição entre índices econômicos elevados e índices de analfabetismo, também, elevados para construir uma compreensão das concepções, das práticas, dos métodos e dos conteúdos educacionais presentes no grupo escolar; do perfil de professores e alunos; e das relações entre economia, analfabetismo e grupo escolar. A pesquisa objetivou compreender a migração campo–cidade e a de nordestinos para o Triângulo Mineiro como causas de aumento populacional urbano, apreender a disputa pelo controle da educação e entender práticas educativas em tempos de democracia e de ditadura. Como fontes, a pesquisa se valeu de leis, atas da Câmara, jornais e revistas, relatos orais, diários de classe, boletins, fotografias e dados estatísticos. Os resultados reiteram o consenso de ausência de financiamento escolar em estratégias para angariar fundos (campanhas de arrecadação comunitária mediante festas escolares, rifas e quermesses). Apontam a ação política local — da prefeitura — em prol de escolas estaduais, assim como o trabalho voluntário de profissionais como médicos. O trabalho de professores e diretor ia além do pedagógico-administrativo, pois tinham de buscar sustentar todo o funcionamento da escola. É como se essas condições traduzissem na prática tanto as prescrições de uma legislação alheia à realidade socioeducacional da maioria quanto as atitudes políticas atentas à realidade social mas alheias à educação pública.

PALAVRAS-CHAVE Política pública educacional, precarização da educação, grupo

escolar, analfabetismo.

N

7

Abstract BEZERRA, Luciene Teresinha de Souza. From magnolia tree’s shadow to the birth of

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado in 1956–71 years. 2016. 126 pp.

Dissertation (Máster’s degree in Education) —Educação College, Universidade Federal

de Uberlândia.

rom 1950s through 1970s, political changes have had severe impacts on public

education in Brazil, especially the change from democratic government to military

rule. In this process of change, public education not only became devoid of state

resources but also turned into a subject of an intense debate on how it should be: if

public, if private. As an outcome of the debate, the first Brazilian education guidelines

law has translated into it much of the privatist aspirations; since 1964, it served military

rule’s plans to legitimize his government. This study puts in that historical context its

intention of writing part of the history of Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado,

located in Ituiutaba, MG. The study started from the premise of contradiction between

high economic rates and illiteracy rates also raised to build an understanding of

concepts, practices, methods and educational content present in this school; of the

profile of teachers and students; of the relationship between economy, illiteracy and

graduated school. The research aimed to understand migration from country to town and

from Northeast to Triângulo Mineiro region as causes of urban population growth, to

grasp the struggle for control of education and to understand educational practices in

times of democracy and of dictatorship. As sources, this drew from laws, chamber of

councilors’ minutes, newspapers and magazines, oral accounts, class record books,

school reports, photographs and statistic data. Results reaffirm the consensus of lack of

school funding in local strategies to raise funds (community fundraising campaigns by

school parties, raffles and bazaars). They pint out local political action — from the City

Hall — in favor of state schools, as well as the volunteer work of professionals like

doctors. The work of teachers and principal went beyond pedagogical and

administrative duties, since they had to take responsibility for the full support of the

school. It is as if these conditions translated in practice both requirements of an

educational law unaware of the social and educational reality of the majority and the

political attitude attentive to social reality but not to the public education.

KEYWORDS Educational public policy, precarious education, graduated school, illiteracy.

F

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Lista de tabelas

TABELA 1. Escolas do Sudeste e de Minas Gerais segundo localização do ensino, 1957–71 26

TABELA 2. Crescimento populacional e escolarização no Brasil da população em idade escolar — faixa etária 5–19 anos, 1920–70 26

TABELA 3. População nos censos demográficos por situação de domicílio no Brasil, no Sudeste e em Minas Gerais, 1950–70 27

TABELA 4. Evolução do número de escolas em Minas Gerais, 1957–71 28

TABELA 5. Quantidade de professores por escola em Minas Gerais, 1957–71 29

TABELA 6. Quantitativo de pessoas alfabetizadas em Ituiutaba em 1950 32

TABELA 7. Quantitativo de rebanhos do município de Ituiutaba, 1955 33

TABELA 8. Atividades principais desenvolvidas em Ituiutaba, 1950 34

TABELA 9. Quantitativo de pessoas alfabetizadas em Ituiutaba, 1950 36

TABELA 10. População rural e urbana do município de Ituiutaba, 1940–70 39

TABELA 11. Alunos segundo dependência administrativa na região Sudeste, 1957–71 66

TABELA 12. Alunos segundo a dependência administrativa em Minas Gerais, 1957–71 67

TABELA 13. Unidades escolares por dependência Sudeste, 1957–71 67

TABELA 14. Unidades Escolares por dependência em Minas Gerais, 1957–71 68

9

Lista de figuras

FIGURA 1. Localização da área de Ituiutaba no território nacional 31

FIGURA 2. Movimento de discentes na entrada do prédio do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, em 1971 44

FIGURA 3. Primeiro corpo docente do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1957 45

FIGURA 4. Etapa de construção do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado 49

FIGURA 5. Lista de professores que contribuíram com dinheiro para a reforma do prédio do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado em agosto de 1969 73

FIGURA 6. Reprodução do cartaz do pré-livro As mais belas histórias 89

FIGURA 7. História em quadrinho da revista Campanha de Segurança do Trânsito 95

FIGURA 8. Reprodução de páginas de boletim indicando a desenvoltura discente em Educação Moral e Cívica no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, s. d. 96

FIGURA 9. Momento de desfile comemorativo da Semana da Pátria 98

FIGURA 10. Arranjo de desfile escolar 99

FIGURA 11. Modelo de ficha enviada às escolas públicas e privadas pelo MEC para obtenção de dados para composição anual de dados do serviço de estatísticas da educação e cultura 102

FIGURA 12. Componentes da mesa de criação do clube da saúde do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, Ituiutaba, 1971 103

FIGURA 13. Alunos assistindo à posse do primeiro pelotão de saúde, 1971 104

FIGURA 14. Circunstância de fundação do Clube da Saúde Vital Brasil, no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1971 104

FIGURA 15. Consultório médico no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, Ituiutaba, 1971 106

FIGURA 16. Orientações para atividades pedagógicas do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1967 107

10

Lista de quadros

QUADRO 1. Habitantes de Ituiutaba, MG, década de 1950 32

QUADRO 2. Escolas municipais rurais de Ituiutaba e sua criação, 1941–68 37

QUADRO 3. Escolas urbanas de Ituiutaba, 1900–40 40

QUADRO 4. Criação e instalação de escolas estaduais de Ituiutaba, 1908–87 41

QUADRO 5. Leis orgânicas do ensino, 1942–6 53

QUADRO 6. Profissões de pais de alunos do Grupo Escol ar Governador Clóvis Salgado, 1970 72

QUADRO 7. Matrículas, aprovação e reprovação 75

QUADRO 8. Atividades desenvolvidas no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado conforme registros em observações de diários de classe, 1964–71 79

QUADRO 9. Conteúdo disciplinar registrado em diários de classe de professores da segunda série do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1957–63 82

QUADRO 10. Excursões pedagógicas de alunos do Grupo Escolar Governador Clóvis 109

11

Sumário

Introdução 12

1 Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado e as relações

da educação com a sociedade, a economia e a política 20

1.1 Expansão educacional no Sudeste e Minas Gerais 24

1.2 Ituiutaba no contexto da expansão educacional 30

1.3 Gênese do Grupo Escolar Clóvis Salgado 43

2 Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado e as relações entre

o público e o privado na educação 51

2.1 Leis orgânicas da educação 53

2.2 Educação entre forças conservadoras e forças modernizadoras 57

2.3 O debate em torno do público e do privado na educação 59

2.4 Educação pública: vozes favoráveis, vozes contrárias 62

2.5 Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado no contexto da LDBEN 69

2.6 Escolarização na faixa etária 7–14 anos no governo militar 74

2.7 Lei 5.692, a nova LDB 77

3 Práticas educativas no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado 82 3.1 Festividades e comemorações cívicas 98

3.2 Clube de saúde 100

3.3 Atividades comemorativas da semana da pátria 107

Considerações finais 113

Referências 118

12

Introdução Não há instituição sem história e não história sem

sentido. O desafio é trazer à luz esse sentido.

— SANFELICE, 2007, p. 79.

s índices positivos de uma escola pública nas avaliações1 educacionais do

presente dizem o quê do passado de tal escola? O sucesso atual é resultado

natural de desdobramentos pretéritos positivos? Os porcentuais de

aprovação e permanência escolar hoje replicam — guardadas as proporções de aumento

populacional — aqueles obtidos nos primórdios da escola? Se considerarmos que tal

escola foi um grupo escolar — ou seja, que atravessou reformas e mais reformas — e

foi criada num processo de expansão educacional num município de economia

ascendente e educação decadente, seria possível dizer que os resultados positivos do

presente indicam uma mudança de atitude da sociedade? Por exemplo, uma

preocupação maior dos governos estaduais e municipais — que passaram a investir

mais no ensino público a fim de fazer os índices econômicos se refletirem nos índices

educacionais?

Indagações como essas se avolumaram em nossa reflexão ao longo de 14 anos

de experiência profissional na Superintendência Regional de Ensino de Ituiutaba, MG.

Nesse período, foi possível acompanhar o desenvolvimento de escolas públicas criadas

mais recentemente e aquelas com história de vida superior a 60 anos. Destas últimas, foi

notável o destaque da Escola Estadual Governador Clóvis Salgado ante muitas outras da

1 Índice de Desenvolvimento da Educação Básica e Programa de Avaliação da Alfabetização

O

13

região. Onde estariam as razões para os resultados positivos consecutivos? Seria

possível saber se essa escola nasceu bem-sucedida ou se houve mudanças ao longo de

sua história que a situaram numa condição ascendente de escolarização de qualidade

mensurável por tais avaliações? Essa questão levou a uma reflexão sobre a possibilidade

de estudá-la de um ponto de vista histórico; isto é, a fim de explorar seus contextos e as

relações que estabeleceu com esferas variadas — economia, política, cultura etc. Essa

possibilidade ganhou mais plausibilidade ao ser considerada como objeto de pesquisa de

mestrado em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, MG, que se abriu com

mais coerência a tal objeto.

Contudo, a ideia inicial era ampla demais. Foi preciso delimitar as aspirações.

Assim, em lugar de uma compreensão que partisse do começo da escola até os dias

atuais (isto é, sem vinculação com o contexto; a escola pela escola), uma compreensão

de seus primórdios e de seu funcionamento em dois momentos-chave da história

(educacional) brasileira: 1) o contexto de tramitação e aprovação da primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1961; 2) o golpe militar de 1964, quando

se impõe a ditadura como regime de governo e cujos governantes não só reformaram

essa lei — criada num momento de retoma da democracia —, mas também extinguiram

a categoria grupo escolar — símbolo-chave da República brasileira e da democratização

educacional no país.

Nesse sentido, como objeto de estudo, ganhou corpo a gênese da escola Clóvis

Salgado e seu contexto, marcado por debates intensos em torno do ensino e das forças

dominantes; assim como pelas contradições sociais e políticas que envolveram sua

origem e seu funcionamento num município que teve força política e econômica para

demandar e conquistar sua primeira escola pública já em 1910, mas cuja força pode ter

arrefecido, afinal sua segunda escola pública foi criada mais de 30 anos depois (1947).

O município de Ituiutaba se consolidou economicamente a ponto de ser chamado de

“capital do arroz” nos anos 1950 e 60, tal era a força econômica da rizicultura; porém,

foi incapaz — assim como o país em geral — de evitar um índice de analfabetismo de

57%, mais expressivo do que as taxas do estado.

Dito isso, a pesquisa aqui descrita procurou analisar o processo de criação e

organização do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. O estudo se delimita, de um

lado, pelo marco da criação dessa escola — o decreto estadual 4.966, de 27/1/1956 — e,

de outro, pela extinção do ensino primário, por meio da lei 5.692, de 11 de agosto de

1971, que instaurou o primeiro e segundo graus e, com isso, pôs fim à era dos grupos

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escolares. A pesquisa objetivou analisar as contradições em um município pujante

economicamente, mas com índices de analfabetismo superiores ao do estado;

compreender a migração campo–cidade e a migração de nordestinos como fatores que

determinaram o aumento da população da sede municipal a partir dos anos 1960;

apreender a disputa em torno das forças públicas e das forças privadas para ter controle

sobre os rumos da educação brasileira; entender as práticas educativas do Grupo Escolar

Governador Clóvis Salgado como instituição escolar numa análise sobre como

contribuíram para diminuir o analfabetismo; enfim, reconhecer os vínculos dessas

práticas com os preceitos da lei 4.024/61 e a Carta Magna de 1967.

Algumas indagações nortearam a investigação subjacente a esta dissertação:

quais eram as concepções educacionais presentes no grupo Clóvis Salgado no período

1956–71? Que práticas educativas foram ali desenvolvidas? Qual era o método

pedagógico? Quais eram os conteúdos curriculares trabalhados? Quem eram os

professores? E os alunos? Quais eram relações entre a economia local, o alto índice de

analfabetismo e o grupo escolar? Buscar respostas para essas indagações poderia ajudar

a entender o processo histórico do ensino primário em sua projeção local e regional

segundo as políticas voltadas para a forma de organizar a educação pública entre 1956 e

1971. Para isso, foi preciso seguir um caminho teórico que abrangesse as relações de

poder de uma classe dominante que se impõe mediante uma legislação educacional — a

de 1961 — favorável a seus interesses de lucrar com a escola particular — a

privatização educacional — e que subtrai, da escola pública, recursos financeiros

necessários à sua manutenção.

Os problemas associáveis com a criação e o funcionamento do Grupo Escolar

Governador Clóvis Salgado expressam relações sociais e de poder em dado tempo e

espaço de contradições: à escassez de vagas equivalia o excesso de demanda

educacional gerada pela migração campo–cidade, em geral de pessoas de recursos

materiais ínfimos, à beira da miséria, mas em busca de uma vida, ao menos

materialmente, mais confortável na cidade. Contradição notável ainda em problemas

com o prédio e espaço escolar, ou seja, com a organização, tenacidade e

responsabilidade da escola pública cujas condições mínimas de funcionamento tiveram

de ser criadas por professoras primárias, pois aquela legislação omitiu a

responsabilidade do Estado pela educação pública e impôs a necessidade de uma luta

que se vale de meios como arrecadação comunitária em forma de festas escolares para

construir o prédio de uma escola. Daí se falar em contradição nas relações entre um

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desenvolvimento econômico (municipal) ascendente e sua desarticulação com o ensino

público; e nela se delineou o eixo de investigação da pesquisa histórica aqui descrita.

Entender tais contradições historicamente supõe entrar no campo das instituições

escolares. Segundo Gatti Júnior e Araujo (2002), fazer isso é ir além dos aspectos

normativos, das formas de gerenciamentos e decisões políticas; significa conhecer o

relacionamento entre o indivíduo com a família e este com a escola e com a Igreja, com

os grupos de convivência e referências peculiares; significa compreender as relações

entre os indivíduos e a sociedade, a forma como foram elaboradas as estratégias e

articulações que ocorreram entre profissionais da escola e os alunos, as formas de

funcionamento e as relações com a comunidade. Para Saviani (2007, p. 5), analisar as

instituições escolares possibilita compreender como se constituíram no contexto

histórico, pois

[...] são criadas para satisfazer determinadas necessidades humanas, isto significa que elas não se constituem como algo pronto e acabado que, uma vez produzido, se manifesta como um objeto que subsiste à ação da qual resultou, mesmo após já concluída e extinta a atividade que gerou. Não. Para satisfazer necessidades humanas as instituições são criadas como unidades de ação. Constituem-se, pois, como um sistema de práticas com seus agentes e com os meios e instrumentos por eles operados tendo em vista as finalidades por elas perseguidas. As instituições são, portanto, necessariamente sociais, tanto na origem, já que determinadas pelas necessidades postas pelas relações entre os homens, como no seu próprio funcionamento, uma vez que se constituem como um conjunto de agentes que travam relações entre si e com a sociedade à qual servem.

Uma pesquisa a fim de construir uma compreensão histórica de uma instituição

escolar precisa estar atenta para não dicotomizar “[...] o particular e o universal, o

específico e o geral” (BUFFA, 2002, p. 26), assim como o público e o privado. Fazê-lo

seria ignorar que tais categorias dicotômicas imbricam-se, inter-relacionam-se,

correlacionam-se, convivem. A consciência dessa possibilidade ajuda na compreensão

histórica crítica do problema do analfabetismo associado com a precariedade estrutural

do ensino público no Brasil em sintonia com os problemas locais. Por exemplo, o meio

rural de Ituiutaba recebeu migrantes de regiões mineiras e outros estados quando o fluxo

de migração era do campo para a cidade; nesse caso, seria justificável a criação de mais

escolas rurais do que urbanas, embora no plano nacional o movimento fosse de criar

mais escolas urbanas. A particularidade de Ituiutaba poderia ser explicação para seu

contingente de analfabetos; mas sua população urbana se ampliou de 1910 a 1946 sem

16

que o número de escolas aumentasse. Nesse caso, a migração para o meio rural e,

depois, para a cidade ampliou o analfabetismo de uma população que já era

maciçamente analfabeta. A pesquisa também prevê as instituições escolares como lócus

de sistemas escolares aos quais subjazem princípios, valores, costumes, referenciais

pertencentes ao contexto histórico de cada época.

Investigar o processo de criação e da instalação da escola, a caracterização e a utilização do espaço físico (elementos arquitetônicos do prédio, sua implantação no terreno, seu entorno e acabamento), o espaço do poder (diretoria, secretaria, sala dos professores), a organização e o uso do tempo, a seleção dos conteúdos escolares, a origem social da clientela escolar e seu destino provável, os professores, a legislação, as normas e a administração da escola. Essas categorias permitem traçar um retrato da escola com seus atores, aspectos de sua organização, seu cotidiano, seus rituais, sua cultura e seu significado para aquela sociedade. (BUFFA, 2002, p. 27).

Com efeito, foi preciso recorrer à legislação e a registros documentais da ação

educacional pedagógica e da existência escolar para sustentar a pretensão de entender a

gênese e o funcionamento do grupo Clóvis Salgado. Assim, a pesquisa se valeu de

fontes como atas da Câmara Municipal de Ituiutaba, jornais e revistas de época,

documentos da escrituração escolar, tais como diários e boletins, escritos deixados

dentro de diários, fotografias e dados estatísticos. O levantamento e a sistematização

dessas fontes produziram dados que foram organizados para ser lidos à luz das

categorias de análises sugeridas por Nosella e Buffa (2005): contexto histórico e

circunstâncias específicas de criação e instalação da escola, o processo evolutivo da

escola: origem e a vida escolar, a origem social dos alunos, a atuação dos professores,

os saberes, as disciplinas, os livros didáticos, os métodos e instrumentos de ensino; as

normas disciplinares, a organização do poder, as festas, as excursões, os desfiles e

outras. A pesquisa se valeu ainda da entrevista com ex-professores, ex-diretora, ex-

político da época e com o engenheiro civil que acompanhou a construção do prédio da

escola a fim de levantar particularidades referidas nas fontes documentais, detalhar

elementos do funcionamento cotidiano da escola e caracterizar a visão dos que dela

participaram. As entrevistas foram organizadas de forma semiestruturada, com roteiro

preestabelecido pelo que sinalizavam outras fontes tendo como “[...] objetivo básico a

coleta de dados [...] abordar realidades pouco conhecidas [...] [para] então oferecer visão

aproximativa do problema pesquisado” (GIL, 1991, 115–6). É claro: esse procedimento

se filia à história oral como chancela metodológica para ir a campo (ALBERTI, 1989).

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Na visão de Portelli (1996, p. 59–72), “[...] não temos, pois a certeza do fato,

mas apenas a certeza do texto [...]; isso quer dizer que o dito nos registros escritos pode

não ser o retrato fiel do sucedido”. Além disso, se as fontes escritas são relevantes, os

relatos orais são primordiais porque permitem ir além das palavras e frases registradas

no gravador; permitem compreender a plenitude do relato no não dito: gestos, ênfases,

hesitações, suspensões do discurso relatado, entonação e ritmo da fala, dentre outros

elementos não verbais que permeiam o ato de fala. Nessas perspectivas, a história oral

se projeta como método de acesso a uma significação — verbal e não verbal. Se o dito

pode não se equivaler ao sucedido no acontecimento relatado, essas nuanças não verbais

— mas não menos expressivas do que a fala — ajudam a dar sustentação à

interpretação; assim como a combinação de fontes variadas.

Eis por que as fotografias — do acervo da escola enfocada e de arquivos

particulares — foram úteis à pesquisa; trouxeram um dado visual ausente nas

referências a eventos, circunstâncias, objetos e pessoas reconstruídos pelo entrevistado e

pela escrita dos documentos. Permitiram identificar gestos e condutas de sujeitos

envolvidos com o grupo escolar em estudo e relacioná-los com os de professores,

alunos e diretora; compreender o lugar, o espaço e o tempo vivido por esses sujeitos que

refletem o cotidiano escolar no contexto histórico proposto pela pesquisa. A fotografia

foi considerada tendo em vista a necessidade de método para ser usada na condição de

fonte histórica. Como afirma Kossoy (2000, p. 21),

Quaisquer que sejam os conteúdos das imagens devemos considerá-las sempre como fontes históricas de abrangência multidisciplinar. Fontes de informação decisivas para o seu receptivo emprego nas diferentes vertentes de investigação histórica, além obviamente, da própria história da fotografia. As imagens fotográficas, entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram (estética/ideologicamente) congelados num dado momento de sua existência/ocorrência).

Do ponto de vista metodológico,2 a pesquisa se desdobrou como documental e

empírica, tendo a pesquisa bibliográfica como procedimento elementar para construir

uma compreensão do tema; isto é, do que foi dito e constatado até então: “[...] primeiro

2 Frigotto (1991, p. 81) explicita que o método funciona como mediador nos processos de entender a

estruturação, o desenvolvimento e a transformação dos fenômenos sociais, dos objetos investigados. Essa investigação revelará caminhos para o papel transformador do pesquisador. Nesse sentido, o método orienta o caminho a ser seguido.

18

passo de qualquer pesquisa científica” (CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007, p. 61). A

fase documental buscou subsidiar o alcance dos objetivos propostos, isto é, criar

condições para dar tratamento histórico-analítico à questão. Não para responder

“definitivamente a um problema”; mas para clarear e melhorar o foco da “[...] visão

desse problema ou, então, [fazer] hipóteses que conduzem à sua verificação por outros

meios” (p. 43). Como tal, a pesquisa se desdobra em três capítulos.

O capítulo 1 apresenta o entrelaçar da política com a economia, a educação e a

sociedade em Ituiutaba entre 1956 e 1971, ou seja, contexto de criação e funcionamento

do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. Entram em cena o âmbito em que se deu

a criação dessa instituição escolar: expansão da escola pública (no Sudeste e em Minas

Gerais); êxodo rural, marcante a partir da segunda metade dos anos 1960, quando

muitos trabalhadores rurais buscaram, no meio urbano, as condições de trabalho que a

mecanização do campo subtraiu e as escolas que o esvaziamento do meio rural fez

fechar no campo; e a insuficiência das escolas urbanas para suprir a demanda mesmo

em meio a um processo de expansão educacional. Esses elementos, dentre outros, são

relacionados com a migração nordestina para o município de Ituiutaba — dada sua

projeção econômica com a produção de arroz entre as décadas de 1950 e 60 — e o

processo de urbanização.

O capítulo 2 busca compreender o debate em torno da escola pública e da escola

privada em conexão com o grupo Clóvis Salgado. As relações entre o público e o

privado se avultaram no processo de projeção e posterior aprovação da LDBEN de

1961; isto é, a lei 4.024, que reconheceu a obrigatoriedade do ensino público para

crianças com idade de 7 anos em diante, mas eximiu o Estado de certas

responsabilidades educacionais, o que reverberou nessa escola. Não por acaso, a

construção de seu próprio prédio foi fruto, também, de ações de professoras, tais como a

arrecadação comunitária e a doação de empresas e comerciantes.

O capítulo 3 apresenta as práticas educacionais no grupo escolar Clóvis Salgado

a fim de compreender como essa escola conseguiu contribuir para a aprendizagem de

crianças consideradas carentes e diminuir o índice de analfabetismo. Aí se incluem

práticas educativas de 1956 a 1963 — marcadas pela influência da professora Lúcia

Casasanta e do método Global em Minas Gerais, patente no livro Os três porquinhos —

e de 1964 a 1971 — quando se notam mudanças em decorrência da ideologia do regime

militar. A omissão do Estado se traduzia no plano local na intervenção de políticos para

conseguir livros didáticos. Alinha-se nessa perspectiva a implantação do clube da saúde

19

e do consultório médico dentro da escola, em que médicos, enfermeiros e dentistas

trabalhavam voluntariamente.

No processo da escrita desta dissertação — após o mergulho na pesquisa —, foi

possível entender aquelas inquietações iniciais como tentativa rudimentar de

compreender o que Alves (2005, p. 139) chama de a “[...] própria tradução do princípio

de historicidade”: entender o presente como algo que compõe um processo mais amplo

de produção, daí que tem de ser apreendido na íntegra. A pesquisa aqui descrita não

pretendeu ser abrangente ao tratar da gênese e do funcionamento do Grupo Escolar

Governador Clóvis Salgado; ainda assim permitiu penetrar em instâncias das relações

sociais intramuros e extramuros, compreender circunstâncias das origens dos alunos,

apreender a lógica das práticas pedagógicas e didáticas, conhecer os materiais didáticos,

caracterizar a postura dos professores e profissionais em suas práticas pedagógicas e

disciplinares no trabalho de moldar o aluno segundo os interesses do regime militar. De

tal modo, em seu desenrolar, aquele ideal de apreender extensivamente a história dessa

escola para entender em que momento e por que ela se projeta nas avaliações se perdeu

ante a necessidade de compreender o sentido social da escola: aquela “[...] síntese de

múltiplas determinações, de variadíssimas instâncias (política, econômica, cultural,

religiosa, da educação geral, moral, ideológica, etc.) que agem e interagem entre si,

‘acomodando-se’ dialeticamente de maneira tal que daí resultem uma identidade” —

como dizem Nosella e Buffa (2005, p. 68). A identidade da Escola Estadual Governador

Clóvis Salgado resultante não é aquela de uma instituição escolar bem-sucedida desde

sempre; a história da educação no Brasil mostra que isso seria incoerente com o

processo educacional maior, em que a educação pública se viu em meio a debates e

contendas para se firmar como pública de fato e de direito. A identidade que se delineia

em sua história escrita aqui é a da escola pública que se constitui à custa de luta intensa

e contínua para existir e ser acessível. Não parece ser outra a luta que marca a educação

pública no plano geral.

20

I

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado e as relações entre educação, política e economia em

Ituiutaba, MG

Há milhões e milhões de cidades neste mundo! Há

milhões e milhões de escolas... de professores... de diretores! Mas, há uma cidade especial, uma

professora marcante, uma diretora excepcional de uma escola que jamais cai no esquecimento.

— LYGIA LIMA, 1995, p. 15.

cidade se projetou como lócus por excelência da sociedade. Nela, as

dimensões e os fenômenos subjetivos e objetivos com as quais as pessoas

têm de lidar durante sua vida se manifestam com vigor. A cultura, as

relações sociais, a economia, a política: tudo tem lugar marcado e marcante na urbe,

assim como tudo permeia — e determina — outra dimensão urbana central: a educação.

De tal modo, a cidade pode ser vista como lócus de relações financeiras: de troca, de

compra, de venda, de locação, de empréstimo etc. que não almejam outra coisa que não

à vantagem, ao lucro — numa palavra, ao capital; ela é o centro financeiro e a ela se

destina parcela relevante do que o campo produz. Como produto da ação social, a

economia não existe sem aqueles que a compõem, que a dominam e que a sustentam,

por exemplo. Daí ser cabível pensar nos indivíduos e grupos que possibilitam

desenvolver o processo econômico; por exemplo, servindo de mão de obra à indústria

que gasta o que ganha na compra de bens e que necessita de condições melhores de

vida, atividades culturais e de lazer, bem como de educação. Mais que isso, nesse

processo de trabalhar e viver, constituem relações sociais ao buscarem lazer e diversão,

ou direitos como saúde e educação, dentre outros pontos que lhes permitem

A

21

conhecerem-se, interagirem-se e descobrirem-se como sujeitos históricos capazes de

agir.

A cidade é, também, lócus de contrastes, contradições e desigualdades (estas em

graus quase sempre antagônicos). Nela, convivem privilegiados pelos meios materiais

— muitos deles detentores dos meios de produção — e quem busca condições materiais

minimamente dignas para viver por meio de sua ação operária no processo de produção;

convivem escolarizados e analfabetos; convivem citadinos e campesinos que rumaram

para a cidade em busca das benesses do propalado desenvolvimento (industrial); enfim,

nela convivem as singularidades do local com as generalizações do nacional, a exemplo

dos conchavos políticos necessários para pôr em prática um programa nacional de

educação da população rural em que coube aos fazendeiros — e não ao município nem

ao estado — a função de criar condições mínimas para a existência de escolas e

escolarização, quais sejam: salas de aula e professores,3 ao menos no interior de Minas

Gerais.

A cidade no Brasil foi também o lócus preferencial para abrigar um modelo de

escola4 elaborado e posto em prática na cidade de São Paulo,5 logo após a proclamação da

3 Na história da educação brasileira, uma forma de entender mais as marcas dos movimentos das políticas

governamentais no sistema educacional é considerar as rupturas, que são bem definidas e de fácil observação, como diz Carvalho (2007, p. 51–70). Nesse caso, a lógica do local com o nacional ajuda a entender historicamente as mudanças educacionais — como no currículo e na legislação que o medeia — tendo em vista as iniciativas governamentais conforme seu ponto de partida — por exemplo, a legislação que prescreve a destinação de verbas para a educação e o uso de tal verba no plano local, no cotidiano da escola. Essa orientação dual deriva da orientação da pesquisa histórica francesa dos anos 1920 em diante, que se reuniu em torno da revista Annales, à qual se associam nomes como Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel, assim como Jacques Le Goff e Roger Chartier, para ficarmos em alguns dos mais recorrentes.

4 Faria Filho e Souza (2006, p. 24), “[...] os grupos escolares constituíram uma nova modalidade de escola primária, uma organização escolar mais complexa, racional e moderna”, que fazia corresponder a distribuição do espaço aos elementos de racionalização pedagógica. Pressupunha a adoção do ensino simultâneo, a racionalização curricular, o controle e a distribuição ordenada dos conteúdos e do tempo (graduação dos programas e estabelecimento de horários), a introdução de um sistema de avaliação, a divisão do trabalho docente e um edifício escolar compreendendo várias salas de aula e vários professores. Conforme Souza (2009, p. 1.140), os grupos escolares se firmaram, em essência, “[...] na classificação dos alunos pelo nível de conhecimento em agrupamentos supostamente homogêneos, implicando a constituição das classes”. Noutros termos, o agrupamento de escolares de mesmo nível de aprendizagem se traduziu na seriação. A cada série haveria uma sala de aula, um professor e um de curso definidos. À medida que os alunos avançassem na aprendizagem dos conteúdos de dada série, avançavam à série seguinte, num processo gradual — daí se poder falar em grupo escolar como escola graduada.

5 O primeiro grupo escolar foi criado na cidade de São Paulo, em 1893. De acordo com Souza (2004, p. 3), “No final do século XIX os republicanos implantaram no estado de São Paulo um sistema público de ensino considerado moderno, cujos princípios, instituições e organização administrativa e pedagógica serviram de modelo e motivaram a reorganização do ensino público em vários estados inaugurando o novo modelo de ensino primário no Brasil: as escolas graduadas ou grupos escolares simbolizando também o início da modernização e progresso no país”. Sua organização, ainda segundo Souza, começou com a reunião de quatro a dez escolas isoladas. Dada a projeção social, econômica e política

22

República,6 em 1889, e que se espalhou país afora ao longo da primeira metade do século

XX, para ser extinto no começo dos anos 1970. A tradução mais sintomática de tal

modelo de educação foi a ideia de grupo escolar, que Saviani (2004) afirma como

fenômeno tipicamente urbano porque, no meio rural, as escolas isoladas — que o grupo

veio reunir — ainda predominariam por muito tempo. De acordo com Araújo e Moreira

(2006), em geral os grupos escolares eram instalados no Centro, em prédios cuja feição

arquitetônica se assemelhava à de palácios.7 Embora a localização facilitasse à elite

econômica frequentá-lo, a filosofia educacional foi destinada à camada considerada como

de poucos recursos materiais. Como afirma Souza (2004, p. 35), a criação dos grupos

traduzia o pensamento republicano de educar toda a população; como “[...] modelo de

organização do ensino elementar mais racionalizado e padronizado [...]”, visava

escolarizar “[...] um grande número de crianças, portanto, uma escola adequada à

escolarização em massa e às necessidades da universalização da educação popular”; mais

que isso, “Ao implantá-lo, políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam

modernizar a educação e elevar o país ao patamar dos países mais desenvolvidos.”

A difusão do grupo escolar como modelo de escola foi mais intensa entre os

anos 1930–60, mas a rigor se pode dizer que começou quando se espalhou pelo estado

de São Paulo, ainda antes de 1900. Igualmente, estados como Minas Gerais tomaram

medidas em prol da criação de grupos escolares em 1906, com a reforma educacional

promovida pelo então presidente de estado João Pinheiro. Ele fez publicar a lei 439 (de

de São Paulo, esse estado teve as condições para não só instituir esse modelo escolar, como também “exportá-lo” para os demais estados interessados em rever suas formas de escolarizar sua população (FERREIRA, 2000).

6 A concepção de grupo escolar — de escola primária — nasceu ligada ao projeto educacional dos republicanos, que entendiam a educação como instrumento de desenvolvimento intelectual e moral importante para alcançar o progresso nacional. A sociedade se viu instada a promover mudanças no cenário educacional de modo a aplacar as mazelas que entravavam o desenvolvimento da escola pública. Os republicanos viam os grupos escolares como instituição pública que tinham o objetivo de elevar o país ao nível de nações europeias. Com efeito, de acordo com Araujo (2006, p. 206), “De todas as reformas, a educação primária era destinada às camadas mais pobres da população, esta talvez tenha sido a mais importante. A mudança de lugar, físico e simbólico permitiu a construção de uma primeira cultura escolar entre nós e, no interior desta, uma discussão específica sobre o conhecimento escolarizado”. Subjacente a essa forma organizar o ensino, estavam princípios do positivismo, que aqui se estabeleceu com vigor no fim do século XIX (FERREIRA, 2000). Na perspectiva de Souza (1998), os positivistas acreditavam que a educação só poderia se difundir através da ordem social, daí ser necessária a criação de escolas que presumissem a seriação, ou seja, que ordenassem os alunos e os professores, os conhecimentos escolares e os métodos de ensino, os espaços de aula e de controle intraescolar.

7 Segundo Faria Filho (1996), a feição arquitetônica de palácio — de templos de civilização, na expressão de Souza (1998) — foi traço marcante dos grupos escolares do início da República; sua feição mudou radicalmente no contexto da segunda República. A ideia de templos do saber se alinha na compreensão de que o grupo escolar, conforme Faria Filho (1996), encarnava, a um só tempo, um conjunto de saberes e projetos político-educativos.

23

28/9), que deu as diretrizes para criar tais instituições.8 Conforme Araujo (2006, p. 249),

a reforma impôs limites, a exemplo de priorizar, como lócus do grupo escolar,

localidades que oferecessem “[...] o edifício escolar, terrenos ou somas e dinheiro, como

contrapartida ao Estado [...]”. Para Ribeiro e Silva (2003, p. 49), essa constituição de

grupos escolares no estado mineiro não só exemplificou a força da “[...] passagem do

Brasil monárquico para o Brasil republicano”; mas também indicou “[...] uma

descentralização de forças culturais, sociais e políticas para São Paulo e Minas Gerais”.

Nos anos 1920, conforme Romanelli (1978), a taxa de escolarização na faixa

etária 5–19 anos era de 9%. Até a década de 1940 — portanto, já no processo de difusão

do grupo escolar —, esse porcentual se elevaria a 21,43%. Isso sugere uma ampliação

expressiva do número de matrículas, visto que, “[...] em 1920, mais de 90% da

população escolarizável não frequentava a escola” (p. 64). Após a Segunda Guerra

Mundial, ou seja, no período 1957–66, a expansão da escolarização — sobretudo no

Sudeste — elevaria o porcentual de alfabetizados a mais de 53%.

Ainda assim, não se pode dizer que a elevação tenha sido uniforme ante

variáveis como a migração, pois regiões de projeção econômica e política como Minas

Gerais ostentavam índices de analfabetismos alarmantes; e nos quais se enquadravam

uma massa de migrantes do Nordeste que rumaram para esse estado em busca de

condições de vida melhores. Uma vez instalados no meio rural, foi preciso criar escolas

para suprir a demanda educacional das famílias que se estabeleceram nas fazendas. De

tal modo, havia mais escolas no campo do que no meio urbano. Talvez porque os custos

de construção e funcionamento de duas salas de aula — quando muito — e um

professor para várias séries fossem inferiores aos custos necessários à construção de

grupo escolar conforme sua feição e seu funcionamento.

Num estado privilegiado pela criação de grupos escolares já nos primeiros anos

do século XX como Minas Gerais, essa expansão educacional — aumento na

quantidade de salas de aulas e vagas — não supriu a demanda de toda a população

escolarizável. Noutros termos, em municípios mineiros como Ituiutaba foram criadas

mais escolas municipais (rurais) do que estaduais; indicativo de um sentido inverso ao

8 Faria Filho ressalta que o inspetor de ensino de Minas Gerais, em viagem a São Paulo no ano de 1902,

fica encantado com a organização das escolas primárias. De tal, modo trouxe para Minas Gerais o conceito no governo de João Pinheiro, com a reforma educacional homônima formalizada pela lei 434, de 28 de setembro de 1906. Conforme Araujo (2006, p. 63–4): “[...] a história educacional mineira tem em João Pinheiro uma figura que soube manter a pulsação republicana, tecida a partir da instância governamental estadual, porém com ressonâncias locais e regionais expressivas”.

24

da expansão, de acabar com escolas isoladas reunindo-as no grupo escolar. Embora

tenham sido criadas escolas estaduais, o governo local investiu mais do que o estadual.

É para esse contexto que converge este capítulo, que busca situar o município de

Ituiutaba — a cidade e o campo — no processo de expansão educacional alinhada aos

projetos políticos nacionais de impacto na economia e sociedade local, sobretudo na

educação. Para tanto, o capítulo toma como mote a criação do Grupo Escolar

Governador Clóvis Salgado, em 1956, via decreto 5.023. A discussão se apoia em dados

estatísticos, na imprensa local e em relatos orais de pessoas, de alguma forma

associadas, com os primórdios dessa escola a fim de discernir permanências,

resistências e recriações no processo de expansão da escolarização urbana entre 1957 e

1971, ou seja, entre o ano em que o grupo escolar começou a funcionar e o ano em que

essa modalidade de escola se extingue, via Lei de Diretrizes e Bases (lei 5.692/1971).

Buscamos entender a relevância dessa instituição para aquele município tendo em vistas

as demandas, as condições e as contradições sociais em associação com as ações e os

interesses políticos em torno da origem material de uma escola.

1.1 Expansão educacional no Sudeste e Minas Gerais

O período de criação e instalação do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado

coincide com um momento político em que Juscelino Kubitschek, após tomar posse

como presidente da República, lançou seu Plano de Metas, que pretendeu alcançar o

desenvolvimento de cinco décadas em cinco anos. O plano consistia em 30 metas

abrangendo educação, energia e transportes, dentre outros; a síntese — e talvez o

símbolo maior — dessas metas foi a transferência da capital, então no Rio do Janeiro,

para o planalto central, onde seria erguida Brasília, o novo Distrito Federal. Como diz

Skidmore (2007, p. 205), “[...] o Governo Kubitschek seguiu uma política de

nacionalismo desenvolvimentista”.

Com efeito, Segundo Machado e Melo (2012, p. 62–79),

O Governo de Juscelino Kubitschek (1956–1961) insistia na necessidade de desenvolvimento econômico, contando para isso com o capital público e privado. Seu governo pode ser considerado como de estabilidade política. Este criou um programa de metas, distribuídos em seis grupos: energia, transporte, alimentação, indústrias de base, educação e a construção de Brasília. Sua política ficou conhecida como nacional-desenvolvimentista, buscava substituir as importações e incentivar a política estatal para fomento da infra-estrutura e indústria básica. Contudo, buscou também atrair capital estrangeiro, criando facilidades para investimentos estrangeiros em

25

áreas prioritárias, tais como indústria automobilística, transportes aéreos e estradas de ferro, eletricidade e aço. Esta política levou a resultados positivos no setor industrial, com destaque para o crescimento das indústrias automobilísticas. A industrialização levou a concentração de operários, bem como ao crescimento urbano. Nesse período com o crescimento urbano e uma rápida industrialização pode-se destacar também avanços dos movimentos sociais como o movimento operário, as ligas camponesas, o movimento estudantil, a Igreja Católica, os movimentos favoráveis a expandir o direito de voto, incluindo analfabetos e as forças armadas, entre outros.

A ideologia do nacional-desenvolvimentismo de Kubitschek se alinhou na

abertura à entrada no país de organizações estrangeiras de bens de consumo duráveis

para finalizar o processo de substituição de importações. Com essa política econômica,

o governo conseguiu atingir a meta de industrialização do país. Mas, conforme Saviani

(2007, p. 350), “Manifestou-se aí a contradição entre o modelo econômico, de caráter

desnacionalizante, e a ideologia política nacionalista, que estaria na base da crise dos

anos iniciais da década de 1960, que desembocou no internacionalismo autoritário em

sua vertente militarista”.

Os setores da educação e cultura ocuparam o quarto lugar nas prioridades do

Plano de Metas. Ainda assim, seria cabível supor que ela tenha se projetado, na

concepção desenvolvimentista, à mercê do desenvolvimento econômico, que

supostamente possibilitaria englobar toda a população com os produtos do bem-estar a

ser gerado. Na posição ocupada pelo setor educacional, as verbas inicialmente previstas

para a educação somavam 3,4% do produto interno bruto; porcentual que contrasta com

os 93% previstos para energia, transportes e indústrias de base (SILVA, 2015). Mais:

nessa política desenvolvimentista, “[...] também se realiza a disseminação do ensino

privado, confessional ou não, que concorre com a dimensão pública, seja auxiliando-a

ou com ela estabelecendo parceria, seja socorrendo a nascente pressão pela

escolarização” (ARAUJO, 2006, p. 214).

Nesse contexto de desenvolvimento acelerado, a educação foi submetida a um

processo de expansão, também, acelerado, sobretudo da segunda metade dos anos 1950 até

o começo do decênio de 1970. Símbolo da modernização da educação pública, traduzida

na arquitetura palaciana e opulenta, os grupos escolares eram então criados no nível do

discursivo; ou seja, não dispunham de prédios para começar a funcionar após o ato de

criação; e quando começavam, em geral ocupavam prédios alugados ou adaptados, tais

como casas; a maioria em condições precárias. Com essas condições, a escolarização se

26

expandiu com vigor na região Sudeste, cujo volume de unidades escolares criadas pode ser

depreendido dos dados da tabela a seguir.

TABELA 1. Escolas do Sudeste e de Minas Gerais segundo localização do ensino, 1957–71

SUDESTE TOTAL

ESCOLAS

URBANA %

ESCOLAS

RURAL %

MINAS

GERAIS ESCOLAS URBANAS

% ESCOLAS

RURAIS %

1957 31.076 9.220 29,67 21.856 70,33 11.080 2.812 25,38 8.268 74,62 1958 32.278 9.352 28,97 22.926 71,03 11.303 2.852 25,23 8.451 74,77 1959 33.443 9.768 29,21 23.675 70,79 11.870 2.985 25,15 8.885 74,85 1960 34.869 9.878 28,33 24.991 71,67 12.667 2.945 23,25 9.722 76,75 1961 35.435 9.962 28,11 25.473 71,89 12.672 2.853 22,51 9.819 77,49 1962 37.177 10.216 27,48 26.961 72,52 13.581 2.923 21,52 10.658 78,48 1963 38.447 10.564 27,48 27.883 72,52 13.924 2.724 19,56 11.200 80,44 1964 42.001 12.210 29,07 29.791 70,93 15.710 3.082 19,62 12.628 80,38 1965 42.719 12.968 30,36 29.751 69,64 16.181 3.445 21,29 12.736 78,71 1966 44.051 11.831 26,86 32.220 73,14 16.505 3.044 18,44 13.461 81,56 1967 39.021 9.619 24,65 29.402 75,35 16.829 2.934 17,43 13.895 82,57 1968 39.327 10.203 25,94 29.124 74,06 16.042 3.044 18,98 12.998 81,02 1969 45.860 12.123 26,43 33.737 73,57 16.878 3.125 18,52 13.753 81,48 1970 45.756 11.932 26,08 33.824 73,92 16.136 3.223 19,97 12,913 80,03 1971 48.057 12.312 25,62 35.745 74,38 17.092 3.262 19,08 13.830 80,92

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA/IBGE, 2010. Talvez por isso o volume de pessoas na faixa etária 5–19 na escola tenha se

elevado a 53,72% em 1970. Ante a situação das primeiras décadas do século XX, era

evidente o progresso alcançado, pois nessa época mais de 90% de tal população não

frequentava a escola. A tabela a seguir expõe dados relativos a esse avanço em número

de matrículas.

TABELA 2. Crescimento populacional e escolarização no Brasil da população em idade escolar — faixa etária 5–19 anos (1920–70)

AN

OS

PO

PU

LA

ÇÃ

O: 5

–1

9 A

NO

S

MA

TR

ÍCU

LA

NO

PR

IMÁ

RIO

MA

TR

ÍCU

LA

NO

DIO

TO

TA

L D

E

MA

TR

ÍCU

LA

TA

XA

DE

ES

CO

LA

RIZ

ÃO

CR

ES

CIM

EN

TO

DA

PO

PU

LA

ÇÃ

O

CR

ES

CIM

EN

TO

DA

MA

TR

ÍCU

LA

1920 12.703.077 1.033.421 109.281 1.142.702 8,99 100 100 1940 15.530.819 3.068.269 260.202 3.328.471 21,43 122,26 291,28 1950 18.826.409 4.366.792 477.434 4.924.226 26,15 148,20 430,92 1960 25.877.643 7.458.002 1.177.427 8.635.429 33.37 203,71 755,70 1970 35.170.643 13.906.484 4.989.776 18.896.260 53,72 276,86 1.653,64

Fonte: ROMANELLI, 1978, p. 64.

27

Romanelli, porém, relativiza esse avanço na expansão que, em 20 anos,

dobra a taxa de escolarização na faixa etária 5–19 anos; ela salienta a

“insuficiência” desse alcance, afinal em 1970 “[...] 46,28% da população

escolarizável estava fora da escola [...]” (p. 64). Mais que isso, parte expressiva

deste último contingente estava no meio rural, como se pode deduzir dos

porcentuais da tabela a seguir.

TABELA 3. População nos censos demográficos por situação de domicílio no Brasil, no Sudeste e em Minas Gerais, 1950–70

ANO 1950 1960 1970

País/UF Brasil Sudeste MG Brasil MG Brasil MG

Rural 33.161.506 5.459.273 38.987.526 5.995.460 41.603.839 5.447.982 % 63,84 70,15 54,92 60,20 44,02 47,04

Urbana 18.782.891 2.322.915 32.004.817 3.964.580 52.904.744 6.167.113 % 36,16 29,85 45,08 39,80 55,98 52,96

Total 51.944.397 7.782.188 70.992.343 9.960.040 94.508.583 11.645.095

Fonte: IBGE, 1950; 1960; 1970. Numa lógica de igualdade para todos, era natural que o número de escolas rurais

fosse superior ao de escolas da cidade. Só não nos parece natural a ênfase no grupo

escolar como modelo de escola para a cidade quando a população do país residia

majoritariamente no campo. Noutros termos, era de se supor que, também para o meio

rural, houvesse um plano de educação que se alinhasse nos parâmetros daquele

concebido para os citadinos. Diferentemente, ao volume de escolas rurais equivaleu

certa precariedade nas condições de escolarização e funcionamento; geridas por

fazendeiros, é provável que fossem submetidas a interesses político-partidários. Ao

menos em Minas Gerais, essa feição se projetou na pesquisa subjacente a esta

dissertação.

Com efeito, a distribuição demográfica em Minas Gerais replicava o cenário

nacional; noutros termos, sua população era maciçamente residente no campo. Esse

alinhamento no cenário nacional do ponto de vista da distribuição demográfica, por

sua vez, replicou-se no campo da educação de tal modo, que a criação de escolas

rurais — municipais —, se teve retração em dado momento, nos momentos de

ascensão cresceu mais que o de grupos escolares. A tabela a seguir expõe dados

pertinentes nesse sentido.

28

TABELA 4. Evolução do número de escolas em Minas Gerais, 1957–71

ESCOLAS URB ANAS

% ESCOLAS

RUR AIS TOTAL %

1957 2.812 25,38 8.268 11.080 74,62 1958 2.852 25,23 8.451 11.303 74,77 1959 2.985 25,15 8.885 11.870 74,85 1960 2.945 23,25 9.722 12.667 76,75 1961 2.853 22,51 9.819 12.672 77,49 1962 2.923 21,52 10.658 13.581 78,48 1963 2.724 19,56 11.200 13.924 80,44 1964 3.082 19,62 12.628 15.710 80,38 1965 3.445 21,29 12.736 16.181 78,71 1966 3.044 18,44 13.461 16.505 81,56 1967 2.934 17,43 13.895 16.829 82,57 1968 3.044 18,98 12.998 16.042 81,02 1969 3.125 18,52 13.753 16.878 81,48 1970 3.223 19,97 12.913 16.136 80,03 1971 3.262 19,08 13.830 17.092 80,92

Fonte: IBGE, 2010. Desse volume de escolas rurais ante o número de escolas urbanas, pode-se

deduzir que a expansão da escolarização em Minas Gerais resultou mais da ação

municipal do que do estado. Isso se considerarmos — convém frisar — que, ao estado,

cabia criar grupos escolares e que estes eram destinados às cidades. Em parte, pode-se

supor que erguer escolas no campo fosse menos oneroso do que erguer um prédio de

arquitetura palaciana — parafraseando Faria Filho.

Noutros termos, o dispêndio financeiro na construção de escolas com, no

máximo, duas salas de aulas, dois banheiros e uma varanda tendia a ser inferior aos

custos de construção de um grupo escolar; igualmente, manter uma professora — quase

sempre leiga — residindo na região onde se instalava a escola (em alguns casos, o

proprietário cedia moradia para a permanência dela durante a semana), também,

significava investimentos menores nos recursos humanos para a escola. O porte das

escolas rurais de Minas se evidencia nos dados da Tabela 5, onde se lê a média de

professores atuantes em cada uma, seja urbana e rural

29

TABELA 5. Quantidade de professores por escola em Minas Gerais, 1957–71

TO

TA

L D

E

PR

OF

ES

SO

RE

S

TO

TA

L D

E

ES

CO

LA

S

PR

OF

ES

SO

R

PO

R E

SC

OL

A

TO

TA

L D

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PR

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UR

BA

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TO

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RA

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TO

TA

L D

E

ES

CO

LA

S

RU

RA

IS

PR

OF

ES

SO

R

PO

R E

SC

OL

A

RU

RA

L

1957 25.843 11.080 2,33 16.774 2.812 5,97 9.069 8.268 1,10 1958 26.693 11.303 2,36 17.437 2.852 6,11 9.256 8.451 1,10 1959 28.503 11.870 2,40 18.664 2.985 6,25 9.839 8.885 1,11 1960 31.233 12.667 2,47 20.372 2.945 6,92 10.861 9.722 1,12 1961 33.289 12.672 2,63 22.069 2.853 7,74 11.220 9.819 1,14 1962 39.455 13.581 2,91 26.714 2.923 9,14 12.741 10.658 1,20 1963 43.498 13.924 3,12 29.337 2.724 10,77 14.161 11.200 1,26 1964 49.385 15.710 3,14 33.478 3.082 10,86 15.907 12.628 1,26 1965 54.691 16.181 3,38 37.745 3.445 10,96 16.946 12.736 1,33 1966 60.712 16.505 3,68 40.543 3.044 13,32 20.169 13.461 1,50 1967 60.014 16.829 3,57 38.366 2.934 13,08 21.648 13.895 1,56 1968 64.705 16.042 4,03 43.679 3.044 15,35 21.026 12.998 1,62 1969 64.051 16.878 3,79 42.552 3.125 13,62 21.499 13.753 1,56 1970 66.479 16.136 4,12 45.322 3.223 14,06 21.157 12.913 1,64 1971 72.472 17.092 4,24 49.110 3.262 15,06 23.362 13.830 1,69

Fonte: IBGE, 1972.

Como se lê na tabela, em 1957 havia, em Minas Gerais, uma média de 2,33

professores por escola; em 1971, a média chegou 4,24. No mesmo período, essa relação

no meio rural era 1,1 e 1,69. Logo, pode-se concluir que as escolas urbanas, embora

fossem em número menor, tiveram mais investimento em sua estrutura física e em seus

recursos humanos; ou seja, estavam aptas a absorver mais alunos. Quanto às escolas

rurais, mantiveram quase a mesma estrutura física. Talvez se possa inferir aí uma

preparação para demandas futuras, como aquela derivada da migração campo–cidade.

Como querem Portes e Santos (2012, p. 409),

Em se tratando do êxodo, o Estado de Minas Gerais sofreu ao longo de três décadas (1950–1970) uma significativa redução da sua população rural. Através dos dados utilizados, percebemos efetivamente um decréscimo no número de pessoas presentes no meio rural com uma população urbana em crescimento. Os dados do Censo Demográfico da década de 1950 apontam que 70% da população mineira viviam no meio rural. Entretanto, ao analisar os dados de 1960, essa porcentagem cai para 60%, chegando à década de 1970 com 47% da população vivendo no meio rural mineiro.

Todavia, a ascensão do número de escolas rurais — sobretudo em 1971 —

contrasta com o que dizem Portes e Santos. Em outros termos, num processo de êxodo

30

do campo nos anos 1970, como afirmam esses autores, a quem se destinariam as escolas

criadas no meio rural? Talvez isso se explique se considerarmos que o processo de

migração campo–cidade em Minas Gerais não foi uniforme em todo o estado; que em

certas regiões o êxodo pode ter sido menos severo — a exemplo de áreas menos

desenvolvidas economicamente como o Vale do Jequitinhonha, onde as cidades talvez

oferecessem pouco ao migrante e, de resto, à população nativa; e que houve municípios

cuja população rural aumentou por conta da migração que recebeu de regiões mineiras e

outros estados. Isso é patente em Ituiutaba e em seus distritos.

1.2 Ituiutaba no contexto da expansão educacional

Como se viu, o instrumento central da expansão educacional no país — o grupo

escolar, sobretudo na primeira metade do século — privilegiou a cidade, onde se

materializam as relações sociais, econômicas e políticas, as relações pessoais cujos registros

materiais podem ajudar a compreender a ampliação da escola pública e, em especial, se sua

ausência — seus problemas — reverberou na sociedade e em instâncias políticas como os

poderes Legislativo e Executivo. A possibilidade de desenvolvimento prometida pela

cidade — pela educação de qualidade do grupo escolar, pelo emprego na indústria, pelas

condições menos insalubres de vida etc. — atraiu a população campesina, cuja presença na

urbe modificaria sua feição, ao menos educacional, pois ampliava o número de analfabetos.

Daí ser necessidade incontestável a massificação educacional, sobretudo a partir de 1940,

quando o desenvolvimento no interior passou a ser visto como possibilidade de concretizar

um projeto de unidade e homogeneidade nacional, sobretudo de políticas públicas (para

educação). Ituiutaba, no Triângulo Mineiro, ilustra esse processo.

A Figura 1 mostra que a cidade de Ituiutaba está localizada na porção oeste de

Minas Gerais, na mesorregião chamada Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba. A extensão

territorial atual do município — 2.587 quilômetros quadrados — definiu-se após a

emancipação dos antigos distritos de Capinópolis,9 Cachoeira Dourada e Ipiaçu,10 a

partir de 1953, e Gurinhatã, em 1962. Como na maioria expressiva dos municípios, a

história de Ituiutaba mostra problemas como desequilíbrios no padrão de vida dos

habitantes — nos âmbitos econômico, escolar, e profissional —, ausência de

9 Em 12 de dezembro de 1953, a lei 1039 elevou à condição de município Capinópolis com o distrito sede

e o distrito de Cachoeira Dourada. Cf. <http://www.capinopolis.mg.gov.br/2013/index.php/component/content/category/80-patrimonio-cultural>.

10 Ipiaçu foi emancipada em 30 de dezembro de 1962, via lei 2.764. Cf. <http://www.camaraipiacu.mg.gov.br/portal.php?abre=historia>.

31

planejamento urbano, má distribuição de terras e hegemonia de ações públicas mais

para famílias abastadas.

FIGURA 1. Localização da área de Ituiutaba no território nacional. A região do Triângulo Mineiro ofereceu condições propícias à agricultura. Fertilidade dos solos, clima, relevo e água abundante constituíram o cenário adequado à cultura do arroz em terras de cerrado, exploradas antes como áreas de garimpo, pastagens e de pouco cultivo — em geral, para consumo familiar. Do ponto de vista das áreas agricultáveis, o mapa aponta a demarcação do norte do estado, que apresenta clima mais compatível com o semiárido, ou seja, pouco compatível com a agricultura. Regiões como Zona da Mata, a leste, o sul e o centro se especializaram, desde a época colonial e imperial, em exploração mineral e, no fim do século XIX, sobretudo no sul, a agropecuária se projetou, porém voltada à produção leiteira. Ao Triângulo Mineiro e ao Alto Paranaíba coube o pioneirismo do uso do cerrado para a agricultura, sobressaindo-se em instâncias nacionais, em especial nas décadas de 1950 e 1960. Fonte: DUARTE, 2001, p. 29.

Com o desmembramento de Capinópolis, a população de Ituiutaba, que era

52.472 habitantes — conforme o recenseamento geral de 1950 —, passou a 37.245

— segundo dados do departamento estadual de estatísticas de Minas Gerais de

1955. O quadro e tabela a seguir delineiam parte do perfil demográfico da

população.

32

QUADRO 1. Habitantes de Ituiutaba, MG, década de 1950 RECENSEAMENTO HAB ITANTES DATA

Recenseamento geral (Ituiutaba e seus distritos) 52.472 1950 Departramento estadual de estatistica (Ituiutaba sem o distrito de Capinópolis)

34.245 1955

Fonte: ENCICLOPÉDIA dos municípios brasileiros, 1959, p. 305.

TABELA 6. Quantitativo de pessoas alfabetizadas em Ituiutaba em 1950

DISCR IM INAÇ ÃO TOTAL

Homens 4.0332 Mulheres 4.445.

Quadro urbano

Total 8.477 Homens 18.300 Mulheres 16.312

Quadro rural

Total 34.612 Homens 22.332 Mulheres 20.757

Em geral

Total 43.089

Fonte: ENCICLOPÉDIA..., 1959, p. 308. Evidencia-se, então, uma população rural superior à urbana. Em parte, essa

superioridade derivava da migração de nordestinos, iniciada nos anos 1950. Nessa

década, cabe lembrar, o Nordeste havia enfrentado os efeitos de duas secas severas: uma

que teve seu ápice em 1952, outra sentida com mais vigor em 1958, quando 13% da

população foi afetada. Sua força foi tal, que o então presidente da República, Juscelino

Kubitschek, a afirmou como a mais terrível que o Brasil havia conhecido (COHN,

1976). Daí que lugares férteis, com água em abundância e de economia próspera como o

Triângulo Mineiro tendiam a atrair migrantes.

Se, até 1930, a economia se apoiava na atividade agropastoril, em 1935 entrou

em cena a atividade mineradora (extração de diamante) e, a partir de 1950, a atividade

agrícola (cultivo de grãos), cujo apogeu ocorreu nas décadas de 1950 e 1960 (RIBEIRO;

LIMA; QUILLICI NETO, 2013). Esse ciclo econômico estimulou o comércio: a cidade

era o centro de abastecimento do estado. Naquele momento, Ituiutaba “[...] já era a

maior produtora de arroz e de milho em todo o Estado de Minas Gerais, com cerca de

10.000 alqueires (mineiros) de arroz, sendo cultivados”. Seria chamada de “capital do

arroz” até o fim do decênio de 1960 (SILVA, 1997, p. 26). O jornal Correio do Pontal

se referiu a Ituiutaba como grande celeiro de Minas em 1956, dada a produção de grãos,

que guarnecia uma porção de silos nacionais:

33

Ituiutaba se progeta como um dos grandes celeiros de Minas, pois é considerável sua produção de arroz, milho, feijão, algodão, gergelim, etc. Também o setor industrial sofre estraordinário impulso com a apreciável produção de manteiga, banha, óleo, de caroço de algodão, charque. Das cidades de Minas, Ituiutaba é considerada a “Capital do Arroz”. Quanto á futura sede do governo federal, Brasília, está se desenvolvendo vertiginosamente. (CORREIO DO PONTAL, 1956b, s. p.).

Publicações oficiais mais abrangentes e de mais alcance, também, salientaram o

potencial agrícola de Ituiutaba. Na Enciclopédia dos municípios brasileiros (1959, p.

306) se lê que

A principal atividade do município é a agricultura. As terras de Ituiutaba e do ex-distrito de Capinópolis são reputadas, entre as mais ferazes do mundo, comparadas segundo Humboldt, Saint-Hilaire e Edward Miliward, às da Ucrânia, na Rússia, e as do Vale do São Lourenço, no Canadá. O Cultivo em toda a zona obedece a um alto nível de mecanização, possuindo Ituiutaba mais de meio milhar de tratores, bem como numerosas colhedeiras de arroz, o que lhe vale o título de “capital do arroz”.

As tabelas a seguir enumeram e quantificam as atividades econômicas

desenvolvidas nos anos 1950. De sua leitura vem a dedução de que, num município de

população original maciçamente rural e ainda inflada por migrantes, era natural a

concentração da atividade agrícola e pecuária como base da economia local, ou seja, da

“capital do arroz”. Os números do rebanho bovino e suíno dão uma medida da demanda

por mão de obra.

TABELA 7. Quantitativo de rebanhos do município de Ituiutaba — 1955

VALOR REBANHOS NÚMERO DE

CABEÇ AS Cr$ 1.000 % sobre o total Aves 20 80 0,01

Bovinos 200.000 360.000 75,39 Caprinos 3.200 384 0,08 Eqüinos 15.000 18.000 3,76 Muares 2.500 3.000 0,62 Ovinos 1.600 272 0,05 Suínos 120.000 960.000 20,09

Total — 477.736 100

Fonte: ENCICLOPÉDIA..., 1959, p. 307.

34

Atividades econômicas de destaque no decênio de 1950, a agricultura e pecuária

tinham, nos homens, sua mão de obra preferencial; enquanto às mulheres couberam

atividades domésticas e atividades escolares discentes; elas somavam 45,46% da

população. Souza e Silveira (2012, p. 4) reiteram esses dados ao dizer que os migrantes

[...] buscaram escolarizar seus filhos, entretanto, eram as meninas, que de certa forma, tiveram maior incentivo a se escolarizarem, pois os meninos deveriam trabalhar na lavoura junto ao pai contribuindo com o sustento familiar.

Como se lê nos dados da tabela a seguir, a maior parte da população masculina

acima de 10 anos de idade estava na atividade agrícola, pecuária e silvicultura. Ou seja,

a concentração da força do trabalho masculina era maior no meio rural.

TABELA 8. Atividades principais desenvolvidas em Ituiutaba, 1950 POPULAÇ ÃO 10 ANOS OU MAIS ATIV IDADES

PR INC IPAIS

DESENVO LV IDAS Mulheres Homens Números

absolutos

% sobre o total geral

Atividades domésticas, não remuneradas e atividades escolares discentes

15.021 1.365 16.386 45,46

Atividades sociais 93 77 170 0,48 Prestação de serviços 802 516 1.318 3,73 Indústria de transformação

21 922 943 2,67

Comércio de mercadorias [...]

28 503 531 1,50

Transportes, comunicações e armazenagens

4 333 337 0,95

Comércio de imóveis 2 69 71 0,20 Profissões liberais 5 72 77 0,21 Administração pública, legislativo e justiça

8 43 51 0,14

Agricultura, pecuária e silvicultura

141 13.016 13.157 37,26

Indústrias extrativas — 26 26 0,07 Defesa nacional e segurança pública

— 16 16 0,04

Condições inativas 825 1.398 2.223 6,29

TOTAL 16.950 18.356 35.306 100,0

Fonte: ENCICLOPÉDIA..., 1959, p. 306.

35

Com efeito, Silveira (2012, p. 1) esclarece que, nos anos 1950 e 1960, um [...]

significativo processo de desenvolvimento agrário-industrial [...]” aconteceu em

Ituiutaba e região, onde a fertilidade da terra se abria ao desenvolvimento da “[...]

cultura de cereais, primordialmente o arroz, estimulando, assim, a indústria de

beneficiamento de grãos, gerando no âmbito econômico, importante crescimento para o

pontal mineiro”. Para essas terras de economia promissora houve uma migração

expressiva de famílias inteiras que buscavam uma vida nova, das quais muitas eram

nordestinas que, por conta da seca, deixaram sua terra natal. Daí a explosão demográfica

no campo, cuja população feminina e masculina era quatro vezes maior do que a do

meio urbano (vide TAB. 6). Para trabalhar nas lavouras de arroz e milho, os fazendeiros

tiveram de buscar mão de obra fora do município, sobretudo em regiões mais pobres de

Minas11 e do Nordeste.12

Ao chegarem, com as condições materiais de que dispunham, ou seja, parcas, os

migrantes se fixavam nas fazendas, para viver em condições precárias. Maciçamente

analfabetos, alimentavam o sonho do enriquecimento, vislumbrado na possibilidade de

a gleba produzir o suficiente para comprar um pedaço de chão. Até o fim da década de

1960, Ituiutaba e região receberam migrantes de lugares distintos, mas

predominantemente do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Vindos precariamente em

paus de arara, eram desprovidos de condições mínimas de subsistência; logo, restava-

lhes o trabalho braçal árduo na terra, para fazê-la produzir em grande escala.

Emblemáticos daquele novo momento de migração, os caminhões paus-de-arara

expunham o alcance limitado do progresso propalado por Kubitschek; sobretudo,

denunciava a precariedade que marcou a integração do país ao mercado internacional.

Mais que transportar as pessoas, os donos de caminhões — segundo Silva (1997) —

tinham papel fundamental no agenciamento de trabalhadores no interior nordestino.

Muitos chegaram a trabalhar diretamente para fazendeiros e comerciantes do município

de Ituiutaba; era comum a contratação de caminhões para transporte de migrantes pelos

agenciadores profissionais ou capatazes enviados para recolher os trabalhadores. Toda a

despesa gasta na viagem deveria ser paga pelos trabalhadores.

11 Vieram famílias de Luz, da região do Alto Paranaíba, do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas. 12 O fluxo migratório de estados nordestinos para o Triângulo Mineiro foi abordado por Silva (1997).

36

Segundo Silva (1997, p. 79), em muitas fazendas onde moravam famílias nordestinas,

o sistema de trabalho não presumia remuneração em dinheiro, ou seja, o trabalhador não

recebia por dia trabalhado. O mais comum era o sistema de meia: as famílias recebiam uma

gleba de terra para plantar e entravam com o trabalho —familiar — enquanto o patrão

cuidava do preparo da terra, fornecia mantimentos necessários à subsistência das famílias,

sementes, adubos e outras coisas necessárias à prosperidade do plantio. Conforme esclarece

Silva (1997), essa forma de pagamento era cômoda para os fazendeiros, pois corriam menos

riscos financeiros — a exemplo de empréstimos para investir em algo cujo resultado positivo

era incerto; ao contrário, como não tinham de arcar com certos prejuízos típicos desse ramo

de trabalho — perda do plantio ou da safra, por exemplo — nem pagar mão de obra em

moeda, os fazendeiros viram nesse sistema um grande negócio.

Nesse contexto de aumento populacional, o analfabetismo chegou a 57,35% da

população nos anos 1950; taxa superior à do estado, então de 56,19%. No meio rural, o

porcentual de analfabetos ascendia a 64, 37%, maior que o de analfabetos na cidade,

28,68%, como exemplifica a tabela a seguir.

TABELA 9. Quantitativo de pessoas alfabetizadas em Ituiutaba, 1950

PESSOAS PRESENTES, DE 5 ANOS DE IDADE OU M AIS

Números absolutos % sobre o total

DISCR IM INAÇ ÃO

Total Sabem ler e escrever

Não sabem ler e

escrever

Sabem ler e escrever

Não sabem ler e

escrever

Homens 4.032 3.115 917 77,25 22,75 Mulheres 4.445 2.931 1.514 65,93 34,07

Quadro

urbano

Total 8.477 6.046 2.431 71,32 28,68 Homens 18.300 7.116 11.184 38,88 61,12 Mulheres 16.312 5.218 11.094 31,98 68,02

Quadro

rural

Total 34.612 12.334 22.278 35,63 64,37 Homens 22.332 10.231 12.101 45,81 54,19 Mulheres 20.757 8.149 12.608 39,25 60,75

Em geral,

Total 43.089 18.380 24.609 42,65 57,35

Fonte: ENCICLOPÉDIA..., 1959, p. 308. Como se lê na tabela, a maior porcentagem de pessoas com idade acima de 5

anos que não sabia ler nem escrever encontrava-se no meio rural. Talvez isso justifique

a iniciativa do município de criar, de 1951 a 1972, várias escolas rurais, assim como a

primeira escola municipal urbana, autorizada a funcionar pela portaria 78/69. O quadro

a seguir dá uma medida do número de escolas municipais que permite afirmar menos

uma política de governadores, e mais uma política de prefeitos.

37

QUADRO 2. Escolas municipais rurais de Ituiutaba e sua criação, 1941–68

Fonte: ITUIUTABA, 2015.

E SC O L A S M U N I C I P A I S D A T A D E C R I A Ç Ã O LO C A LI Z A Ç Ã O E. M. Alberto Torres Decreto-lei 73, de 25/11/41 Água Suja E. M. Duque de Caxias Decreto-lei 73, de 25/11/41 Córrego da Canoa E. M. José Bonifácio Decreto-lei 73, de 25/11/41 Córrego do Açude E. M. Quirino de Morais Decreto-lei 73, de 25/11/41 Mateirinha E. M. São Francisco de Assis Decreto-lei 73, de 25/11/41 Córrego do

Retirinho E. M. Augusto Alves Vilela Decreto-lei 178, de 6/3/47 Córrego da Divisa E. M. Francisco Alves Vilela Decreto-lei 178, de 6/3/47 Campo Alegre E. M. Prefeito Jaime Meinberg Decreto-lei 182, de 19/6/47 Ribeirão dos Baús E. M. Antonio Pedro Guimarães Lei 119, de 24/11/51 Córrego do Macaco E. M. Constâncio Ferraz de Almeida Lei 119, de 24/11/51 Cotia E. M. Francisco Antonio de Lorena Lei 119, de 24/11/51 Vila Fisa E. M. José Inácio de Souza Lei 119, de 24/11/51 Campo Alegre E. M. Joaquim José Domingues Lei 347, de 28/11/55 Fazenda Santa Rita E. M. Tiradentes Lei 347, de 28/11/55 Córrego Açude E. M. Hilarião Chaves Lei 559, de 21/3/60 Salto de Morais E. M. Antonio Joaquim da Costa Lei 637, de 25/3/61 Ribeirão dos Baús E. M. Santa Rita Lei 673, de 1º/12/61 Santa Rita E. M. Antonio Baduy Decreto 240, de 22/2/62 Campo Alegre E. M. Castro Alves Decreto 241, de 23/2/62 Ponte Rio Prata E. M. São José Decreto 249, de 23/4/62 Córrego da

Mamoma E. M. João da Fonseca Filho Decreto 261, de 16/8/62 Boa Esperança E. M. Aureliano de Freitas Franco Decreto 264, de 20/8/62 São Lourenço E. M. Capela N.S. Aparecida Decreto 312, de 4/5/64 Monte Azul E. M. Getúlio Vargas Decreto 312, de 4/5/64 Baixadão E. M. Vereador Diógenes de Souza Decreto 312, de 4/5/64 Pontinhas E. M. Pref. José Arcênio de Paula Decreto 312, de 4/5/64 Guabiroba E. M. Fernando Martins de Andrade

Lei 954, de 29/3/65 São Bento

E. M. Dep. Daniel de Freitas Barros

Decreto 385, de 15/4/66 Açude

E. M. Dr. Camilo Chaves Júnior Decreto 385, de 15/4/66 Sapé E. M. Joaquim José de Assis Decreto 385, de 15/4/66 Campo Alegre E. M. Domingos José Franco Decreto 404, de 27/12/66 Ribeirão São

Vicente E. M. Manoel Alves Vilela Decreto municipal 404, de 27/12/66; autorização de

funcionamento pela portaria 013/80 de 25/10/80 R. Francisco Martins de Andrade, Conjunto Sol Nascente I I

E. M. Francisco José de Carvalho Decreto 432, de 23/8/67 Capão Rico E. M. Antonio Severino da Silva Decreto 454, de 12/2/68 Rib. São Vicente E. M. Augusto Martins de Andrade Decreto 454, de 12/2/68 Pontal — Campo

Alegre E. M. João José dos Santos Decreto 1.235, de 21/6/68 Córrego da Chácara E. M. Manoel Afonso Cancella Decreto 492, de 8/7/68 Ribeirão de Santa

Rita E. M. Antonio de Souza Martins Decreto 503, de 14/8/68 Alto do Carmo E. M. Cândido José de Carvalho Decreto 507, de 19/8/68 Mangalarga E. M. Joaquim Antonio de Morais Decreto 520, de 19/9/68 Córrego do Retiro E. E. M. José da Silva Ramos Decreto 534, de 2/12/68 Córrego da Chácara E. M. de 1º e 2º Graus Machado de Assis

Decreto 73, de 25 de novembro de 1941, recebe a denominação de Machado de Assis. Lei municipal 1.254, de 1968; autorização de funcionamento pela portaria 78/69, publicada no “MG”, de 8/3/69; em 1973, implantação do regime instituído pela lei federal 5.692, de 11/8/71, modificando o regimento conforme resolução 146/72, aprovada em 22/6/72, pelo Conselho Estadual de Educação (MG)

Rua 26, Centro

38

À quantidade não equivalia a qualidade, como se pode deduzir da fala do

arquiteto que projetou e idealizou espaços para construir as primeiras escolas rurais de

alvenaria do município. Vereador de Ituiutaba e colaborador do então prefeito, Samir

Tannus (1967–1970), Fued José Dib defendeu seus projetos na Câmara e foi

participante ativo das discussões e decisões de sua empreendedora gestão. Suas palavras

dão uma medida de como era a estrutura física das escolas rurais nas décadas de 1950 e

60, assim como o transporte do professor e moradia:

Na década de 50, tinha escola rural que funcionava no paiol. Quando o Samir Tannus se elegeu, em 1966, para prefeito, com seu plano de governo “Uma escola em cada 58 dias de governo”, eu o apresentei o programa de construção de prédios de alvenaria. E fizemos isso, criamos um bocado de escola. [...] As escolas eram muito simples, era um cômodo aqui outro ali, um banheirinho no meio, uma varandinha, no máximo duas salas de aulas; mas isso foi um progresso porque antes havia escola até no paiol. Tinha escola que funcionava era na casa do peão mesmo, sem espaço, sem um mínimo de conforto. A maioria dos professores morava na roça, geralmente o proprietário da fazenda cedia um lugar para o professor morar, na maioria das vezes era uma família que tinha filho que estudava. Agora, algumas escolas a prefeitura transportava. Não era uma norma que todos os professores morassem na zona rural, mas não quer dizer que a prefeitura garantia transporte para todos os professores. Tinha escola que às vezes tinha aluno de três séries, era uma professora só; primeiro porque muitas vezes eram poucos alunos. Não havia esforço para pôr aluno na escola. Era complicado. (DIB, 2014, entrevista).

A solidez da fixação de parte expressiva dos migrantes nordestinos no campo

começa a aluir no início dos anos 70, quando a cidade estava mais estruturada e a

produção de arroz já havia dado sinal de esgotamento; mais que isso, no meio rural

se impôs a mecanização, enquanto a pecuária de corte se superpôs à agricultura

como base da economia, que buscava responder aos ditames do capitalismo de

mercado e da lógica da lucratividade maior. Esse fenômeno provocou a

concentração de renda entre os pecuaristas, a falência do comércio agrícola e o

desemprego no campo, com o consequente êxodo rural. Daí caber dizer que a

migração maciça campo–cidade na região de Ituiutaba não aconteceu nos anos

1950–60, mas sim a partir da década de 1970. Evidenciou-se a supremacia

econômico-política de uma camada enriquecida, direta ou indiretamente, pela

pecuária e, reconhecidamente, aguçada pelas propostas econômicas e práticas

políticas dos governos militares instalados após o golpe de 1964. Eclodiram novos

39

meios de empreendimento urbano em razão da adaptação de segmentos sociais ao

modelo econômico, sua política de subsídios e outros incentivos à iniciativa privada.

A supressão da atividade produtiva manual no campo fez que uma quantidade

expressiva de trabalhadores rurais — o pequeno produtor, o parceiro, o agregado, dentre

outros atores que permeiam movem a vida no campo — a se posicionar ante um dilema:

ou migrar para outras regiões agrícolas e/ou industriais desenvolvidas, ou continuar no

município como mão de obra disponível a modalidades de trabalho na área do comércio

e de serviços na cidade, que, aliados a uma atividade industrial ainda incipiente,

segundo Frattari Neto (2009), representou crescimento significativo na economia da

cidade.

Muitos trabalhadores rurais rumaram para o meio urbano, em busca de trabalho

e escola para os filhos. Segundo Silva (1997, p. 39), “[...] a partir de 1969 o ‘tráfico de

nordestinos’ foi proibido pela Polícia Federal que intensificou a fiscalização, pondo fim

ao pau de arara”; com o fim do ciclo da lavoura, os migrantes “[...] nordestinos

passaram a habitar a periferia da cidade, transformando-se em bóias-frias, vigias,

pedreiros, chapas, [tornaram-se] só trabalhadores, mas também pequenos empresários”.

A ida para a cidade inflou a população urbana, além de ter havido uma taxa de

natalidade maior. Como mostra a tabela a seguir, em três décadas a população

predominantemente rural passou a ser predominantemente urbana.

TABELA 10. População rural e urbana do município de Ituiutaba, 1940–70 ANO POPULAÇ ÃO RUR AL % POPULAÇ ÃO URB ANA % TOTAIS 1940 30.696 88% 4.356 12% 35.052 1950 43.127 81% 10.113 19% 53.240 1960 39.488 55% 31.516 45% 71.004 1970 17.542 27% 47.114 73% 64.656 8

Fonte: IBGE, 1940; 1950; 1960; 1970.

À parte os migrantes analfabetos que passaram a viver na cidade de Ituiutaba, a

população urbana não migrante apresentava porcentual elevado de analfabetismo, dado

o número restrito de grupos escolares. Em geral, a cidade se assemelhava com uma

parcela expressiva de cidades mineiras e — quiçá — do país. Cabe salientar que a

projeção econômica do município ocorria antes mesmo do boom do arroz, pelo menos

em Minas Gerais. No início do século passado, Ituiutaba — então Villa Platina — já

tinha ascendência no governo estadual, a ponto de demandar e concretizar seu primeiro

40

grupo escolar. Criado pelo decreto 2.327, assinado em 22 de dezembro de 1908,

começou a funcionar com o nome de Grupo Escolar de Villa Platina em 1910. Como

explicitam Ribeiro e Silva (2003, p. 31–2), seu funcionamento “[...] tornou obrigatório

no município o ensino primário no meio urbano e rural, pois com tal medida seria

conseguida a frequência necessária demandada pela Reforma João Pinheiro afeita aos

grupos escolares”.

Contudo, o destaque econômico na primeira metade do século XX não teve

contrapartida na educação pública, pois os índices de analfabetismo eram expressivos,

incoerentes com a expansão escolar nacional. Em 37 anos — entre a instalação do

primeiro grupo escolar (1910) e a do segundo grupo escolar (1947), denominado

Ildefonso Mascarenhas da Silva —, houve falta de escolas públicas na educação urbana

do município. A essa carência correspondeu a presença da escola privada, decisiva na

implementação de escolas primárias como se lê no quadro a seguir.

QUADRO 3. Escolas urbanas de Ituiutaba, 1900–40 PER ÍODO ESCOLA PÚB LIC A ESCOLA PAR TIC ULAR

1901–10 Grupo Escolar João Pinheiro

Escola do professor José de Alencar Escola do professor Afonso José Colégio Santa Cruz Externato/Colégio São Luiz e Colégio Santo Antônio

1910–20 — Não encontramos dados sobre escolas desse período 1920–30 — Colégio das Irmãs Belgas

Instituto Propedêutico Ituiutaba Escola São José

1930–40 — Instituto Marden Colégio Menino Jesus de Praga Colégio Santa Tereza Colégio São José

Fonte: MORAES, 2004, p. 55. Visto que a partir da década de 70 a migração para a cidade ganhou fôlego, a

ida gradativa do campo para a sede municipal tendeu a esvaziar o campo da

população em idade escolar; ou seja, levou à desativação de grande parte dessas

escolas ao longo dos anos 1970 por falta de aluno. Se não havia razão para mantê-las

em funcionamento no meio rural, na cidade o aumento da população era razão óbvia

para a abertura de mais escolas públicas; ou seja, para a ação educacional do estado

41

quanto a criar grupos escolares. O quadro a seguir retrata o investimento realizado

pelo governo mineiro na educação pública de Ituiutaba.

QUADRO 4. Criação e instalação de escolas estaduais de Ituiutaba — 1908–87

NOME CR IAÇ ÃO INSTALAÇ ÃO /AUTOR IZAÇ ÃO

E. E. João Pinheiro Decreto 2.327, de 22/12/1908 G. E. Ildefonso Mascarenhas da Silva

Decreto 2.395, de 31/1/1947

G. E. Senador Camilo Chaves Decreto 4.477, de 21/03/55 Data de instalação: 8/1/1956 E. E. Governador Clóvis Salgado

Decreto 4.966, de 27/1/1956

E. E. Arthur Junqueira de Almeida

Decreto 5.438, de 18/4/1958

E. E. Governador Bias Fortes Decreto 005704, de 27/11/1959 Ato de autorização publicado no MG 29/11/1959 e estadualizada em 1º/4/1960

E. E. Cel. João Martins Decreto-lei 6.044, de 14/12/1960

E. E. Cônego Ângelo Decreto-lei 7.215, de 10/10/1963

Ato de autorização 28/11/64

E. E. Cel. Tonico Franco Decreto-lei 8.406, de 24/6/1965

Ato de autorização 6/3/1966

E. E. Dr. Fernando Alexandre Decreto-lei 8.407, de 24/6/1965

Autorização de funcionamento 25/3/1966

C. E. M. Dr. José Zoccoli de Andrade

Lei 3.595, de 25/11/1965 Sem informações

E. E. Profª. Maria de Barros Lei 3.878, de 20/12/1965 Sem informações E. E. Governador Israel Pinheiro

Lei 3.956, de 23/12/1965 Sem informações

E. E. Rotary Decreto, 9.703 de 6/04/1966 Sem informações E. E. Prof. Álvaro Brandão de Andrade

Decreto, 11.097 de 9/05/1968 Sem informações

Fonte: ITU IUTABA, 2015. Talvez os índices elevados de analfabetismo em Ituiutaba nos anos 1950 —

superiores à média do estado, convém reiterar — justifiquem-se em razão da

escassez de escola pública, pois até 1954 a cidade contava com dois grupos

escolares para 2,4 mil pessoas na faixa etária 5 anos ou mais. Acrescente-se a esse

contingente a população em idade escolar acompanhante dos adultos que ampliaram

a população urbana de Ituiutaba em mais de 16 mil habitantes entre os anos 1960 e

1970. O montante de matrículas inicial do Grupo Escolar Professor Ildefonso

Mascarenhas, segundo relato de sua ex-diretora Nagib Moukachar (2009), foi de

“[...] 400 e tantos alunos [...]”. Assim, se tomarmos 400 vagas como média inicial de

42

matrícula das escolas públicas criadas após esse grupo, então poderíamos pensar que

a demanda de escolarização de 2,4 mil vagas só seria suprida em 1963.

De fato, em 1955 a construção de mais escolas foi objeto de discussão na Câmara

Municipal. Como deixa entrever registro em ata, os debates frisaram a possibilidade de

expansão dos grupos escolares mesmo sem apoio do governo mineiro:

CM/ 1/55, alegando que a situação financeira do município, não permite atender a este encargo, pois o mesmo é de competência do Estado. Com a palavra o vereador Sr. Pedro Lurdes de Moraes que diz: “tenhamos ou não auxílio do Estado, necessitamos de mais um grupo escolar”. E pede assim que se vote unanimemente favorável à mensagem. Logo a seguir fala o vereador Sr. Dr. Daniel de Freitas Barros, que, depois de várias considerações sobre a necessidade de mais um grupo escolar para o município, pede que se vote favoravelmente. (ITUIUTABA, 1955).

Diferentemente, ainda em 1955, o Poder Executivo se manifestou

contrariamente à construção de mais escolas, como se lê nesta passagem de ata da

Câmara:

Projeto CM/18/55, que dispõe sobre a criação de escolas e professores de autoria do vereador Antenor Tomaz Domingues com a palavra o Dr. Daniel de Freitas Barros que baseado em informações prestadas pela prefeitura municipal de que existem vinte escolas paralisadas por falta de professores, acha desnecessária, no momento a criação de mais escolas, que viriam onerar o município. (ITUIUTABA, 1955).

O texto da ata não explicita quais escolas estavam paralisadas, mas se presume

que fossem rurais. Como se pode deduzir, havia descompasso: muitos alunos para

poucas escolas; muitas escolas para poucos professores. Havia um terceiro elemento:

falta de prédio para instalar a escola, o que era uma ameaça ao funcionamento escolar,

como se lê em notícia publicada pelo jornal Correio do Pontal (1957, p. 2):

Comenta-se aos bastidores da política local que o Grupo Escolar “Ildefonso Mascarenhas da Silva”, que não tem prédio próprio, esteve ameaçado de ter suas atividades suspensas em 1957, porque o Estado estaria propenso a impedir o seu funcionamento no edifício do Grupo “João Pinheiro”. A propósito, o dep. Omar Diniz chegou a enviar um telegrama ao Secretario da Educação, apelando para o Sr. Abguar Renault, no sentido de que permita a dupla ocupação do prédio, pelo menos por mais um exercício. E isto é o que vae suceder, tanto no corrente ano como nos próximos, porque o Estado nada constróe em Ituiutaba, que tem três grupos funcionando, mais um criado e sòmente um prédio escolar para abrigar a criançada de uma cidade de 21500 habitantes, séde de um município que rende mais 30 milhões para os

43

seus cofres. A Constituição do país, no entanto, em seu Art.º 168, ítem I, prescreve a obrigatoriedade do ensino primário, e nossa lei eleitoral exige que o cidadão seja alfabetizado para poder votar — uma ironia revoltante, quando sabemos que o Estado, não apenas dificulta, mas impede totalmente a difusão do ensino. Ituiutaba em peso póde atestar essa contradição. E ainda seríamos felizes se fôsse apenas Ituiutaba...

Com efeito, a falta de prédio próprio quando da criação formal da escola é um

traço do grupo Mascarenhas que ecoa na gênese do grupo escolar cuja criação foi

cogitada em reunião da câmara; ou seja, a pré-existência de prédio onde pudesse

começar a funcionar.

1.3 Gênese do Grupo Escolar Clóvis Salgado

A nova escola a ser criada conforme expõe a passagem de ata acima viria a ser o

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, cujo projeto de criação já tinha sido

apresentado pelo então deputado estadual Omar Diniz e por outros políticos que viam a

necessidade de o município ter mais uma escola pública. Mas sua fundação ficou a

cargo mesmo de uma pessoa nomeada pela Secretaria de Educação: Maria Moraes, que

já conhecia os procedimentos, segundo relata a entrevistada ex-professora dona

Jerônima Macedo (2009, entrevista): “[...] quando queriam fundar uma escola,

chamavam a dona Maria Moraes, que tinha bastante experiência”. Conforme reporta o

jornal Correio do Pontal, ante os anseios da população sobre as discussões para a

criação de mais grupos escolares em Ituiutaba, o deputado Omar Diniz — representante

da cidade na Assembleia Legislativa em Belo Horizonte — telegrama ao jornal a ordem

de funcionar o grupo Clóvis Salgado.

Reportando os angustiosos anseios da nossa população, “Correio do Pontal” tem se debatido incansavelmente para a criação de mais Grupos Escolares em Ituiutaba. Trazemos hoje, com satisfação, a notícia de que logo entrará em funcionamento o Grupo Escolar Clóvis Salgado. Transcrevemos abaixo o telegrama do Deputado Omar Diniz, nosso representante na Assembléia Legislativa, em Belo Horizonte: “Pedro Lourdes de Morais Correio do Pontal Comunico-lhe seguiu ordem funcionar Grupo Escolar Clóvis Salgado. Dep. Omar Diniz”. (CORREIO DO PONTAL, 1956a, p. 2).

Quanto à ideia de criação do grupo escolar, dona Mirza ressalta que:

Na verdade, naquela época não se fazia uma pesquisa para saber se havia necessidade de escola, em que nível estava o aluno, número de

44

alunos. Nada disso. Existia o político. Então ele via a necessidade da comunidade e criava-se a escola. Na verdade, a ideia inicial partiu de um político, e, nessa época, quem era o deputado estadual era o doutor Omar de Oliveira Diniz. Quem criou e apresentou na Assembleia Legislativa o pedido para a criação do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado foi o doutor. Omar Diniz.

Uma vez na cidade, os migrantes tenderam a ocupar bairros e áreas periféricos, a

exemplo de onde se localizava o Grupo Escolar Clóvis Salgado de Oliveira após ter seu

prédio próprio construído. Assim, em 1956, lideradas pela educadora Maria Moraes,

dezesseis professoras foram de casa em casa atrás de alunos nos bairros. Matricularam

576 crianças: número suficiente para constituir o primeiro corpo discente do Grupo

Escolar Governador Clóvis Salgado.

FIGURA 2. Movimento de discentes na entrada do prédio do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, em 1971. Fonte: ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 2010.

45

FIGURA 3. Primeiro corpo docente do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1957. Fonte: ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 2010.

Todavia, o livro comemorativo das bodas de ouro dessa escola informa que o

pároco não mais alugaria o prédio porque o estado não custearia o aluguel. Carente de

um espaço apropriado para reinstalar a escola, as professoras — numa atitude política e

de protesto contra a situação da escola — ministraram aulas sob magnólias de uma

praça, a Cônego Ângelo, na frente da Igreja Matriz de São José. As sombras

acolhedoras serviram de espaço de aula para a instalação da escola Clovis Salgado. A

intenção das docentes foi sensibilizar a sociedade civil e o poder político da cidade

quanto ao problema da falta de espaço próprio para a escola. O relato de dona Mirza

(2015, entrevista) dá o tom dessa atitude:

Tivemos que ter muita coragem, pois levar as crianças para debaixo de uma árvore era muita responsabilidade, mas foi à única forma que encontramos para não deixar nosso sonho morrer e, graças a Deus, tivemos o apoio dos pais. Dávamos duas horas de aula por dia, não tinha como ser mais que isso, as crianças tiveram que ser divididas em dois grupos, enquanto um ficava embaixo das magnólias, outro ia para a igreja que naquela época ficava aberta. Eu e dona Maria Morais éramos muito católicas e tínhamos uma boa relação com a igreja, nessa hora tivemos também a compreensão dos pais que nos ajudaram bastante. Todos os dias íamos para debaixo das magnólias, até que, com a graça de Deus, tivemos a ajuda do senhor Oscar Mandim, que tinha uma colchoaria na [rua] 20 [...] e, muito gentilmente, ofereceu-nos esse espaço para que se instalasse a escola. O senhor Garibaldi, que era médico na época e já tinha sido vice-prefeito, também ofereceu-nos uma ajuda em dinheiro para a reforma da colchoaria. Esse cômodo foi dividido com tábuas improvisadas em oito salas de aula, com bancos de caixotes. A sala da diretoria era ao relento.

46

O que se vê são gestos de dedicação e amor à educação. Todo engajamento das

educadoras em fazer valer os sonhos de educar aquelas crianças, que junto a elas

teceram o drama que foi a gênese do grupo; mesmo que para isso os afazeres

educacionais se dessem sob sombras da magnólia, fato tal que sensibilizou os

governantes competentes pela educação. Pressionadas, as autoridades locais começaram

a estudar a viabilidade de construir mais um grupo escolar, com ou sem o apoio

governamental, pois as professoras mantiveram a luta pelo referido grupo. O resultado

da luta e da pressão foi noticiado pelo jornal Folha de Ituiutaba na edição de 19 de

março de 1958: o pedido de construção foi aceito, por unanimidade, pelas autoridades

locais em reunião na Câmara Municipal.

O entrevistado para a pesquisa aqui descrita José Benedito Zóccoli (2015,

entrevista) ressaltou que em meio aos trabalhos diários que prestava ao então ministro

da Educação, Cultura e Saúde Clóvis Salgado da Gama sobre o que se podia trazer

para Ituiutaba, respondeu-lhe que uma escola. O ministro atendeu-o prontamente, mas

fez-lhe a solicitação de que esta recebesse o seu nome.

Fui orador da turma de formatura da escola Marden, ocorrida no Cine Teatro Ituiutaba — do Senhor Horta. Era comum os formandos convidarem um paraninfo para a turma e sempre vinha um político de fora. Carlos Lacerda veio, mas no meu ano escolhemos o vice-governador do Estado de Minas Gerais, doutor Clóvis Salgado, que era vice do Juscelino Kubitschek. Como eu tirava notas sempre em 1º lugar, ele me convidou para ir trabalhar em Belo Horizonte, no palácio com ele, e que arrumaria um emprego para mim, bolsa de estudo e um lugar para eu fazer o científico. [...] Nisso, Juscelino candidatou a presidente da República e teve que afastar, seis meses antes do governo de Minas Gerais, tendo o vice-governador tomado posse e era o doutor Clóvis Salgado. Aí eu fui para o Palácio da Liberdade com ele, eu fazia os discursos dele. [...] Com a vitória de JK como presidente da República, transferiu-se para o Palácio do Cadete no Rio de Janeiro e convidou ao doutor Clóvis Salgado para ser o Ministro da Educação, Cultura e Saúde. Trabalhei com o doutor Clóvis Salgado, e ele perguntou-me: “Escuta, e lá para Ituiutaba, você não quer nada, não?”. Respondi que queria uma escola. No começo de 1956, doutor Clóvis Salgado orientou-me para falar com o prefeito, senhor Nicota, que é o Antônio Souza Martins, se ele queria uma escola que iria arrumar uma para a cidade, mas desde que colocasse o nome dele. Ele exigiu que a escola se chamasse Clóvis Salgado. O nome dele era Clóvis Salgado da Gama.

O relato de José Benedito Zóccoli reverbera no jornal Folha do Pontal de 13

de julho de 1957, onde se lê que,

47

Segundo radiograma do deputado Omar Diniz, endereçado a esta redação e ontem recebido, o Ministro Clóvis Salgado, sabedor das dificuldades de instalação do grupo escolar local que tem o seu nome, por intermédio do representante de Ituiutaba na Assembleia Legislativa mineira, acaba de pedir inclusão no orçamento da União para 1958, de uma verba para auxiliar na construção do prédio destinado àquele estabelecimento de ensino. (FOLHA DO PONTAL, 1957, p. 1).

Em 21 de junho, um representante do Ministério da Educação foi a Ituiutaba discutir

os problemas da educação do município, conforme noticiou aquele jornal: Afonso de

Castro, engenheiro do ministério, frisou o propósito do governo federal de construir, ainda

em 58, o prédio do Grupo Escolar Governador Clovis Salgado. Documentos do acervo da

escola informam que esta já estava no papel e prestes a ser concretizada; mas correntes

políticas contrárias impediram a instalação de fato e deixava os envolvidos diretamente com

a escola com a sensação de sempre estar — diria dona Mirza Diniz— “[...] nas mãos desses

políticos [...]”, à mercê do jogo de interesses partidários em detrimento dos interesses da

comunidade. De um lado, estava o prefeito, resistente a doar o prédio para a escola —

resistência essa traduzida no relato de dona Mirza Diniz: “Um dia fomos até o gabinete do

prefeito pedir a doação de um terreno, e ele, batendo a mão na mesa, afirmou que, se

dependesse dele, essa escola não teria prédio para se instalar” (grifo nosso). De outro lado,

estava o deputado Omar Diniz, membro da oposição e proponente do projeto da escola à

Assembleia Legislativa. Ainda segundo dona Mirza Diniz: “[...] o prefeito não queria a

instalação da escola puramente por questões políticas; afinal de contas, o partido do

deputado Omar Diniz, que tanto nos ajudou, era progressista, e o senhor prefeito não queria

esse partido interferindo nas decisões da cidade”.

“Mesmo sendo alvo dessa rixa” — diz Mirza Diniz —, as professoras não

desistiram da tentativa de sensibilizar o poder público e a sociedade; para isso, “[...]

continuamos com nossas aulas na colchoaria”. A questão se resolveu de vez com o

apoio de uma autoridade mais graduada: o então ministro da Educação Clóvis Salgado,

futuro governador interino: “Permanecemos neste local até a vinda do ministro da

Educação, o doutor Clóvis Salgado, que tinha vindo prestigiar a cidade pelo seu 56º

aniversário. Foi então que o convidamos para ver, de perto, nossas instalações. Vendo

nossa situação, solicitou ao prefeito a doação de um terreno para a construção da

escola”. Mirza Diniz afirma que nunca desistiu de lutar, mas que foi uma “luta ferrenha”

— “[...] todo terreno de que gostávamos já estava reservado para alguma obra; só depois

48

de muita procura é que encontramos um terreno nas proximidades do cemitério”, onde

hoje está a escola.

A ação da diretora — Mirza Cury — e das professoras para sensibilizar o deputado

Omar Diniz, o prefeito da cidade e o ministro Clóvis Salgado foi uma ação política de muita

relevância para a educação pública em Ituiutaba. Afinal, viram que poderiam transformar a

realidade se desvelassem criticamente as contradições desta e afirmassem o papel delas na

sociedade, qual seja: o do professor como agente, como sujeito político inserido na arena de

lutas políticas e que tem de recorrer a estratégias políticas para mudar um estado de coisas.

Entendemos que a atitude delas tenha resultado da convicção do papel da educação —

formar cidadãos cientes de sua função social — e da docência como instância para

promover mudanças.

Conforme relato do engenheiro responsável pela construção do prédio do grupo

Clóvis Salgado (FIG. 4), Carlos Luiz Alves (2015, entrevista), a construção se deu por

volta de 1958 a 1960, mediante contrato firmado pelo prefeito:

Na época, o doutor David Ribeiro de Gouveia era o prefeito de Ituiutaba, e eu e o Celso Franco de Gouveia tínhamos um escritório de engenharia, Éramos poucos que tínhamos escritório aqui nessa época. Éramos recém-formados, e Ituiutaba ainda estava nos primórdios do desenvolvimento, então não tinha quem fizesse a construção. Realizamos o serviço contratados pelo prefeito. Não houve recomendação governamental especial, havia uma planta e nós a recebemos para executá-la. Nós calculamos a estrutura, a laje e a executamos. No decorrer da construção, não surgiu nenhuma recomendação de economia de material, a obra foi feita com material de primeira (usamos o que tinha de melhor) e a executamos conforme o projeto e com o material que a gente recebeu na época. Como tínhamos várias construções aqui na cidade, demoramos, talvez, um pouco para realizar a construção do prédio devido (às vezes) ao pagamento, que inclusive eu tive, em uma ou duas oportunidades, que ir ao Rio de Janeiro para forçar o recebimento do dinheiro. O prédio tinha uma arquitetura única, e a construção do prédio foi feita somente por nossa firma particular, não fazia parte da construção realizada pela CARPE [Comissão de Construção e Expansão e Reconstrução das Escolas em Minas Gerais]. Para recebermos o pagamento dos serviços prestados, que era realizado pelo ministério, precisávamos ir ao Rio de Janeiro, onde ficava o ministério, e tínhamos que ir lá fazer contato para receber.

49

FIGURA 4. Etapa de construção do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. Após permanecer em espaço adaptado para o funcionamento de julho de 1957 a 1960, o Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado pode contar com prédio. No entorno da construção não se veem casas próximas, somente árvores. Isso sugere que a escola foi erguida numa região então periférica, ou seja, para atender a população que ocuparia tal periferia. Feita em alvenaria, a construção ficou sob responsabilidade do engenheiro civil Carlos Luiz Alves (no primeiro plano da imagem do topo, olhando para o fotógrafo) FONTE: acervo de Carlos Luiz Alves.

50

Vencida a batalha da construção, a luta seguinte foi obter mobiliário, materiais

didáticos, merenda escolar e outros recursos que permitissem à escola funcionar

plenamente. Quer dizer, mesmo que a “luta ferrenha” tenha resultado na construção da

escola, isso não significou que o investimento do município tenha ido além da expansão

física; segundo dona Jerônima Macedo as professoras aprendiam na prática, dada a falta

de preparação mediante cursos de capacitação para lecionar nas novas escolas. A

qualidade da educação ficava à margem dos planos do governo local. A luta se fez

mediantes campanhas:

Nossa! Fizemos tanta campanha para comprar materiais para a escola que você nem imagina. Àquela época, não podíamos contar com verba estadual, não. Se queríamos alguma coisa, tínhamos que correr atrás. Fazíamos várias reuniões, que eram feitas, a princípio, na minha casa, para decidir que campanhas íamos fazer. Ainda bem que eu podia contar com as professoras que sempre me apoiaram e não mediam esforços para ajudar. A campanha em que mais fomos felizes foi quando decidimos fazer nossas famosas quermesses. A comunidade em peso participava: vendíamos várias coisas e, graças a Deus, sempre tivemos um lucro positivo. Foi aí que surgiu o caixa escolar, que era destinado para acumular verbas para as emergências prioritárias, como, por exemplo, uniforme, agasalhos e materiais para as crianças carentes. Com isso, sempre procurávamos ter uma reserva no caixa, mesmo que fosse pouca; antes de acabar o dinheiro, já fazíamos outra campanha.

Segundo a entrevistada Mirza Diniz (2015, entrevista), o esforço coletivo, o

trabalho em prol da educação em todas as suas facetas trouxe crescimento, também, no

plano não material, isto é, no plano da convivência — pois se procurou “[...] cultivar o

diálogo, o encontro com o outro, o respeito mútuo, a compreensão e a solidariedade. A

gente procurava as formas mais sadias de viver e de conviver, tínhamos confiança e

muita fé em Deus [...]” — e no plano da formação humana — pois “[...] professores e

alunos buscavam crescimento intelectual com o intuito de se tornarem homens e

mulheres capazes de construir uma sociedade mais humana”.

O Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado emerge, em 1957, como escola

pública num contexto de pujança econômica e carência educacional no município de

Ituiutaba. Surge em meio a um debate intenso sobre qual modalidade prevaleceria na

educação nacional: seria privada ou seria pública?

51

II

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado e as relações entre o público e o privado na educação

contexto de surgimento do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado foi,

também, o contexto de um entrechoque político-ideológico no campo da

educação, iniciado nos 1940 e intensificado nas décadas de 1950 e 60. À

eleição de Eurico Gaspar Dutra à presidência da República seguiu-se a promulgação da

quarta Constituição Federal,13 em setembro de 1946, que surgia em um contexto de

redemocratização e orientada por princípios liberais e democráticos. Ganhou vigor no

Congresso, reunido em assembleia constituinte, a relevância de uma nova ordem

constitucional. Os rumos do processo educacional — se público ou se privado —

tornaram-se objeto de um debate intenso: de um lado, reformadores-educadores,

intelectuais, militantes e sindicalistas; de outro, católicos e representantes da iniciativa

privada. O debate orbitou, sobretudo, em torno da primeira Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional/LDBEN, cujo processo de aprovação começa em outubro de 1948,

quando Clemente Mariani, então ministro da Educação e membro da União

Democrática Nacional, submeteu à Câmara Federal o projeto original da lei, à luz do

dispositivo constitucional que prévia à União regular os rumos da educação. O projeto

apresentou os fundamentos para normatizar a estruturação das esferas estaduais e

13 A quinta Constituição brasileira, quarta republicana, foi promulgada em 2 de setembro de 1946, por

uma Assembleia Nacional Constituinte eleita após a deposição de Vargas (cf. QUIRINO; MONTES, 1987).

O

52

federal da educação com uma lei específica para todos os níveis escolares. Prescreveu a

educação primária como obrigatória e gratuita, ou seja, escola pública em seus vários

segmentos; além de estabelecer princípios para fazer cumprir essa exigência. De fato, a

versão original indicou o dever do Estado de garantir educação para todos; mas admitia

incentivos à iniciativa privada, sem contar que sugeria uma ação estatal de valor

supletivo, sobretudo no fortalecimento de seu caráter moralizador e fiscalizador.

Por um momento, a centralização da educação — defendida pelo relator Gustavo

Capanema — foi o objeto maior de debate em torno do projeto. Mas, ao cogitar a ideia

de monopólio da educação pelo Estado e propor um substitutivo ao projeto, o jornalista

e deputado Carlos Lacerda mudou o rumo da discussão, pois defendia a concessão de

verbas públicas, também, para as escolas privadas — das quais, grande parte era

religiosa. Sua atitude reavivaria a polêmica que atravessou a proclamação da República

e cujo resultado foi a imposição de um Estado laico; ou seja, o corte dos vínculos com a

Igreja Católica e suas ordens religiosas educacionais.

Contra o teor elitista do substitutivo Lacerda, reagem educadores e intelectuais da

educação, a exemplo de Fernando de Azevedo, que, com seus pares, publicou o Manifesto

dos educadores: mais uma vez convocados, em julho de 1959. A crítica manifesta se

dirige à organização do ensino — que seria arcaica e deficiente; ao primário — retalhado

em turnos; ao curso Técnico — insuficiente para a demanda; ao baixo nível do secundário

e ao despreparo do professorado — leigo, desatualizado, mal-remunerado; à precariedade

das instalações escolares; dentre outros pontos menos pertinentes para esta discussão. O

manifesto reconhecia essas falhas como produto de motivações externas à escola:

crescimento demográfico, industrialização e urbanização; políticos e administradores

públicos inconscientes da importância e dos problemas da educação.

Araújo (2005) e Cunha (2007), porém, dissipam a presunção de que, nesse

embate, as partes em confronto não convivessem nem trocassem favores. Com efeito,

Clóvis Salgado exemplifica isso. Político alinhado no lado dos contrários à educação

pública, ele ajudou a criar condições mais sólidas para funcionar uma escola pública,

aquela que levou seu nome. Portanto, na educação, o público e o privado se comportam

como polos opostos em que um supõe o outro (SAVIANI, 2005). Elementos

conflitantes ora divergem entre si, ora se permutam, ora coabitam.

Eis, então, o ponto desenvolvido neste capítulo: a discussão sobre a educação

estatal gratuita e a educação privada. Anseia-se delinear as conexões do público e do

privado na relação entre o geral e o particular tendo em vista a gênese e constituição de

53

um grupo escolar. Tal delineamento ressalta enfrentamentos, parcerias e trâmites que

permearam o período 1946–61 para compreendermos a defesa da escola pública, as

conquistas da LDBEN (lei 4.024/1961) para a educação, a fluência da educação no

período de governo militar na faixa etária 7–14 anos. Tal compreensão busca recompor

acontecimentos que antecederam o processo de aprovação da lei.

2.1 Leis orgânicas da educação

No intervalo de 1942 e 1946, o então ministro da Educação e Saúde Pública

Gustavo Capanema efetivou uma série de decretos intitulada leis orgânicas do ensino, as

quais seu sucessor ministerial, Raul Leitão da Cunha, complementou após o fim do

Estado Novo, em 1945. O quadro a seguir expõe os decretos.

QUADRO 5. Leis orgânicas do ensino, 1942–6

1942 1943 1946 Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial.

Decretos-lei 8.529 e 8.622, de 2 de janeiro de 1946, Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal, respectivamente.

Decreto-lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); outros decretos completam a regulamentação da matéria.

Decretos-lei 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

Decreto-lei 4.244, de 9 de abril de 1942, Lei Orgânica do Ensino Secundário

Decreto-lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943, Lei Orgânica do Ensino Comercial.

Decretos-lei 9.613, de 20 de agosto de 1946, Lei Orgânica do Ensino Agrícola.

Fonte: SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2000, p. 26–7.

Os decretos-leis reunidos nas leis orgânicas abrangeram setores da economia ao

normatizar a educação técnico-profissional — industrial, comercial e agrícola; da

educação secundária; do primário e do normal. Aliás, o decreto-lei 8.529 representou o

primeiro empreendimento concreto do governo para o nível primário com proposta de

extensão a dois ciclos: o elementar (três séries) e o pré-vocacional (duas séries), que

entraram em vigor com o retorno da democracia. Então à frente da secretaria de estudos

estatísticos do Ministério da Educação e Saúde nesse ínterim, Anísio Teixeira de Freitas

aponta, na 1ª Conferência Nacional de Educação, de 1941, a necessidade de retornar a

vinculação orçamentária para a educação. Daí o decreto-lei 4.958, de 12 de novembro de

1942, que institui o Fundo Nacional de Ensino Primário advindo de tributos federais

criados para esse fim.

54

Após a eleição de Eurico Gaspar Dutra à presidência de República pelo voto

popular, o Congresso se reuniu em Assembleia Constituinte para aprovar a Constituição

de 1946. Essa Lei Maior apresentou proximidade dos princípios de reconstrução

educacional propostos pelos pioneiros da educação nova, dos quais alguns já eram

patentes na Constituição de 1934. Como esclarece Saviani (2011, p. 281),

A exigência de concurso de títulos e provas para o exercício do magistério (artigo 168, inciso VI); a descentralização do ensino (artigos 170 e 171); o caráter supletivo do sistema federal (170, parágrafo único); a cooperação da União com os sistemas dos estados e Distrito Federal (artigo 171, parágrafo único); a vinculação orçamentária de um percentual dos impostos destinados à educação na base de pelo menos 20% dos estados, Distrito Federal e município e 19% da União (artigo 169); a assistência aos alunos necessitados tendo em vista a eficiência escolar (artigo 172); a criação de institutos de pesquisa junto às instituições de ensino superior (artigo 174, parágrafo único); a competência da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (artigo 5º, inciso XV, alínea d).

Essas orientações de renovação da educação convergiram para a ideia de criar uma

lei que regulasse as diretrizes e as bases da educação. À luz do artigo constitucional 5º,

inciso XV, alínea d — da competência da União para legislar tais diretrizes e bases—, o

ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, instituiu uma comissão para conceber o

anteprojeto da futura LDBEN. Além de Lourenço Filho,14 que presidia a bancada, Saviani

(2007, p. 282) lista o nome de outros envolvidos com a elaboração do projeto de lei:

[...] foram constituídas três subcomissões: do ensino primário, tendo como presidente Almeida Júnior e integrada por Carneiro Leão, Teixeira de Freitas, Celso Kelly e Coronel Agrícola da Câmara Lobo Bethlem; do ensino médio, com Fernando de Azevedo (presidente), Alceu Amoroso Lima, Arthur Filho, Joaquim Faria Goes e Maria Junqueira Schmidt; do ensino superior, com a participação de Pedro Calmon (presidente, além de vice-presidente da Comissão Geral), Cesário de Andrade, Mário Paulo de Brito, padre Leonel Franca e Levi Fernandes Carneiro, Fernando de Azevedo não pôde assumir, mas contribuiu de forma decisiva, elaborando o esboço preliminar do projeto juntamente com Almeida Júnior, Anísio Teixeira, também convidado, não pôde integrar a Comissão, mas colaborou com sugestões.

14 Lourenço Filho havia encaminhado, em dezembro de 1944, ao ministro Capanema um anteprojeto que

se transformou na Lei Orgânica do Ensino Primário, decretada em janeiro de 1946, depois da queda de Vargas e da substituição de Capanema por Leitão da Cunha. Nota-se apenas mudanças de fundo. O anteprojeto de Lourenço Filho, ao tratar dos princípios orientadores do ensino primário, afirma que este deverá inspirar-se, em todos os momentos, no espírito da unidade e da segurança nacional (HORTA, 2010, p. 36).

55

Na composição da comissão geral, predominam os renovadores — 16

componentes; à parte Alceu Amoroso Lima e padre Leonel Franca — que simbolizavam

os educadores católicos —, a maioria expressiva defendia a tendência pedagógica da

renovação. Viam a organização da educação nacional como algo a ser marcado pela

descentralização. Assim, o foco foi posto nos sistemas estaduais, admitindo-se, porém, o

sistema federal com caráter supletivo (SAVIANI, 2007). Como diz Saviani (2007, p. 283),

De modo geral, a orientação resultante dos trabalhos da Comissão, com os ajustes operados por Clemente Mariani, estava em consonância com a coalizão conservadora que sustentava o Governo Dutra. A ela, com efeito, não estava ausente certa perspectiva modernizadora, uma vez que mantinha a característica de “modernização” que veio a marcar os grupos que ascenderam ao poder após a Revolução de 1930 [...] tratava-se de um projeto de iniciativa governamental de um governo do PSD com seu ministro da UDN.

Membro da União Democrática Nacional, o ministro Clemente Mariani

submeteu à Câmara Federal, em 29 de outubro de 1948, o projeto original da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional; ou seja, um projeto de lei de orientação

liberal, em que a “[...] educação nacional inspira-se nos princípios de liberdade e nas

idéias de solidariedade humana” (BUFFA, 1979, p. 79). O projeto continha

fundamentos normatizadores da estrutura da educação nas esferas estaduais e federal; os

quais se reuniam numa lei voltada à organização de todos os níveis educacionais. O

pronunciamento do ministro, conforme a transcrição de Machado e Melo (2012, p. 67),

dá o tom dessas intenções:

Bem se vê que o projeto de Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tenho a honra de apresentar a V. Ex. Senhor Presidente da República, para que, se o julgar digno de apreço, o encaminhe ao Congresso Nacional, não como uma reforma de ensino. Pela primeira vez e seguindo processos democráticos, procuramos elaborar uma lei que, a exemplo dos estatutos ingleses, mais do que reformas, necessitará de desenvolvimento. É um conjunto de princípios, de bases, de limites e de faculdades flexíveis e criadoras. Como uma constituição de ensino, dará origem aos sistemas estaduais e ao próprio sistema federal de educação, cujas leis deverão obedecer ao mesmo espírito, para que, no final, sejam os próprios institutos de ensino organismos vivos e progressivos, capazes de revisão mediante alteração dos seus próprios regimentos. A educação deixará, assim de ser o objeto das reformas sucessivas, de que tem sido vítima, entre nós, para se tornar, ela própria, mutável e evolutiva, em face do seu poder de rever-se constantemente, ao sabor dos ensinamentos da experiência e da prática.

56

O projeto de lei buscou assegurar diretrizes mínimas para orientar a educação

nacional. Resguardou e regimentou do direito à educação, como se lê no texto

constitucional: “Art. 166 – A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola”

(BRASIL, 1946). Propôs a obrigatoriedade e gratuidade no nível primário e a escola

pública em seus segmentos diversos, além de estabelecer os princípios para que essa

exigência fosse cumprida. Embora o projeto original indicasse o dever do Estado na

garantia de educação para todos, admitia incentivos para o ensino privado e instigava a

uma concepção supletiva da ação estatal, fortalecendo seu caráter moralizador e

fiscalizador. Dessa forma, o projeto se apropriava de dimensões da realidade econômica

e política subjacente, preservando a formação dual e excludente. Como tal, foi

arquivado pelo relator, Gustavo Capanema, que o qualificou como antagônico e

descentralizador ante os preceitos da Constituição.

Indefinições políticas impediriam a continuidade do processo de discussão e

aprovação pela Câmara por quase doze anos. Em sua retomada, a versão reapresentada

teve alterações substanciais. Cardoso (1960, p. 205–7) se refere a isso ao relatar o

movimento de retomada do debate nestes termos: na sessão de 22 de abril de 1952, o

deputado Antônio Peixoto “[...] sugere que se tome um anteprojeto elaborado pela

Associação Brasileira de Educação como substitutivo ao projeto de origem

governamental”; em 7 de maio, a proposta do deputado Lauro Cruz teve a aprovação

que permitia analisar “[...] em conjunto os dois projetos, o oficial e o da Associação

Brasileira de Educação”; em 1953, a intensidade teria marcado o trabalho da comissão

de tal modo, que numa sessão o deputado “[...] Coelho de Sousa apresenta indicação por

intermédio da qual solicitou maior empenho pelo andamento do projeto”; quanto a

1954, o ano “[...] foi pouco produtivo para a comissão: realizaram-se apenas oito”;

enquanto 1955 foi o ano em que quando Carlos Lacerda expôs seu projeto — de número

419–55 —, onde “[...] reproduziu o projeto primitivo de diretrizes e bases”; mais que

isso, sua iniciativa teria sido “[...] o início de um empenho mais intenso da oposição

parlamentar pelo andamento rápido da proposição”; enfim, em 14 de novembro de

1956, houve a aprovação do parecer da subcomissão, incluindo “[...] emendas

apresentadas, na reunião realizada pela Comissão de Educação e Cultura no

Congresso”. A publicação do projeto de 1948, do parecer, das emendas e de 14

documentos no Diário do Congresso de 12 de fevereiro de 1957 selou o fim do processo

na comissão.

57

Em meio a esses acontecimentos, destaca-se a atitude do jornalista e deputado do

Rio do Janeiro Carlos Lacerda, que passou a acusar o Estado de monopolizador da

educação conforme as concepções do projeto original da LDBEN. Sob o raciocínio de

que, se a educação era direito da família, então os pais tinham o direito de escolher entre

o direito oficial ou o privado e que seria dever do estado garantir essa escolha, Lacerda

propôs um substitutivo ao projeto onde defendeu a concessão de verbas públicas,

também, para escolas particulares (das quais grande parte era religiosa). A iniciativa

reacendeu a polêmica envolvendo Igreja Católica — e suas ordens religiosas

educacionais — e o Estado que marcou a transição de monarquia para o regime

republicano. Mais que isso, pôs em jogo uma renovação dos matizes ideológicos que

marcaram o embate antigo das forças conservadoras tradicionais e forças

modernizadoras liberais.

2.2 Educação entre forças conservadoras e forças modernizadoras

Dos anos 1950 à década de 1960, houve transformações significativas na

estrutura social alinhadas no desejo republicano de modernizar o país;15 ou seja, de

anular, de vez, o conservadorismo e o tradicionalismo que resistiram à renovação

imposta pela República se entranhando em alguns setores. Beskow (1999, p. 56)

entende que,

Durante o período que se estende do pós-guerra até o início dos anos 60, o país caminhou para etapas mais avançadas de industrialização, aproximando-se do mundo agrícola em decorrência de algumas condições favoráveis, como a crescente dimensão do mercado doméstico. Este, por sua vez, começa a ser significativamente ampliado desde a década de 1930, com as políticas substitutivas de importações fortemente protecionistas que favoreciam os empresários já instalados no país; os volumosos investimentos estatais, tanto na infraestrutura de energia e transportes como na produção de insumos básicos; e o forte ingresso de investimentos externos na produção industrial, a partir de meados dos anos 50, particularmente no setor de bens de consumo duráveis destinados ao mercado interno.

15 “Segundo Lefebvre, Marx percebe o ‘Moderno’ como sendo a ascensão da burguesia, o crescimento

econômico, o estabelecimento do capitalismo, suas manifestações políticas e (sobretudo) a crítica deste conjunto de fatos históricos. Também o faz quando discute a abstração do Estado político como um produto moderno, porque “a abstração da vida privada pertence aos tempos modernos” contrapondo ao Estado da Idade Média cujo princípio real é o Homem, mas o Homem não livre...” Para Marx a Idade Média é o dualismo real e os tempos modernos o dualismo abstrato. Entende que Marx libera um conceito de Modernidade ao estabelecer uma conexão entre a vida privada, a abstração e o formalismo generalizado que invadem a prática social”. (MARACCI; SOUZA, 1995, p. 40).

58

Noutros termos, o Estado dá mostras de seu interesse “[...] em industrializar o

país, buscando diminuir as importações e ampliar o capital”; para isso, Juscelino

Kubitscheck “[...] instituiu um Plano de Metas, prevendo, inclusive, a construção de

uma nova sede administrava no Centro-Oeste brasileiro” de tal modo, que Brasília “[...]

materializou o esforço de estabelecer as bases da infraestrutura para o desenvolvimento

do capital [...] [e] estendê-la para o interior do país” (OLIVEIRA 2003, p. 37). Com a

mudança no perfil demográfico de predominantemente rural para urbano, a agricultura

perdeu importância na balança comercial; ainda que constituísse elemento de

sustentação desse triângulo de fenômenos porque produzir alimentos básicos era — e é

— primordial para sustentar a massa trabalhadora urbana. Beskow (1999, p. 70) joga

luz sobre as relações entre agricultura e indústria naquele momento:

No processo de industrialização substitutiva de importações, coube ao setor agrícola uma série de funções, como: o suprimento de alimentos baratos para a força de trabalho do setor industrial e das demais atividades urbanas; o fornecimento de matérias-primas para as agroindústrias; a geração de saldos positivos na balança comercial com o exterior, a fim de possibilitar a importação dos insumos, das máquinas e equipamentos requeridos pelo processo de industrialização; a transferência de excedentes de capital para serem investidos na diversificação e industrialização da economia brasileira; e o contínuo deslocamento dos excedentes de mão-de-obra do campo para a cidade (migrações internas rurais-urbanas em busca de empregos), suprindo os mercados urbanos de força de trabalho, sem a qual os referidos processos de industrialização teriam sido impossíveis.

A população se estabeleceu maciçamente nas cidades, onde impera um

movimento de industrialização. As consequências sociais da migração e urbanização

afetam campos distintos; em parte, impõe demandas socioeconômicas, tais como a

qualificação de mão de obra para trabalhar nas fábricas, no comércio e na prestação de

serviços e a modernização das relações trabalhistas; em parte, cria problemas como falta

de planejamento urbanístico, inflação e oferta escassa de alimentos básicos. Isso

preocupou o Estado, porque tais condições poderiam levar a inquietações sociais e à

necessidade de intervenções. Na administração pública, uma corrente defendia

intervenção amenizada do Estado na economia e nas necessidades sociais, ou seja, a

prevalência das regras do mercado privado; outra via no Estado o direcionador do

processo de transformação social, econômica e cultural do país.

59

2.3 O debate em torno do público e do privado na educação As correntes que se pronunciaram na administração pública se evidenciaram nos

embates entre liberais e os católicos desde a década de 1940 em torno da educação.

Após 1945 — ano em que finda a ditadura de Vargas —, impôs-se uma luta pelo

financiamento educacional. De um lado, o empresariado formado por donos de escolas e

representantes dos interesses da Igreja Católica; de outro, educadores empenhados na

universalização da educação pública. Ganhou corpo, então, a relação entre o privado e o

público na educação.16

Nos termos de Xavier (2003, p. 234), a “[...] construção do público na educação

brasileira encontra-se relacionada à organização do Estado e, particularmente, às formas

de intervenção estatal no processo de estruturação e generalização das instituições

destinadas a promover a educação do povo”. Nessa lógica, percebe-se que o público tem

atravessado a história da educação nas tentativas de criar e solidificar seu espaço, as

quais se situam no centro de interesse das arenas de disputa política e de poder.

Saviani (2005, p. 2) frisa o sentido de oposição, isto é, de contraposição, entre o

privado e o público: este seria o comum, o coletivo; aquele, o particular, o individual.

Público seria referente ao Estado, ao governo, ao órgão instituído dada sociedade para

cuidar dos interesses comuns, coletivos, relativos ao conjunto dos membros dessa

mesma sociedade, em oposição ao privado, que seria alusivo ao que se restringe aos

interesses das elites; em um sentido mais genérico, público seria o que é comum e

coletivo — opõe-se ao privado, que alude ao particular e individual; público seria o que

versa sobre a população em contraste com o que se enquadra às conveniências das

elites; público seria algo que se alia ao Estado e ao governo no propósito de cuidar das

vantagens comuns e coletivas concernentes ao conjunto dos integrantes de dada

comunidade ou sociedade. É ante essa importância da esfera pública que o privado —

16 Na história das instituições escolares, a noção de público e privado precisa ser clara para prevenir o uso

impróprio, tendente a gerar uma compreensão única e consensual, quando não há. Daí a importância de situar essa questão no período 1957–71 e apontar bases para uma concepção de público e privado útil à pesquisa aqui descrita. Em dicionário geral de língua portuguesa, público designa algo que pertence ou se relaciona com povo ou a este se destina; que é de uso de todos; que se refere ao governo do país e às relações com os cidadãos; que é universalmente espalhado (MICHAELIS, 2009); por sua vez, privado designa o que se privou; o que não é público nem tem caráter de público; o que é particular (MICHAELIS, 2009). Como querem Lombardi, Saviani e Nascimento (2005, p. 5), “[...] parece importante a compreensão da polissemia do termo como um recurso de vigilância crítica no manuseio das fontes, instigando-nos a captar as nuances de significados neles contidas e nos mantendo abertos ao eventual aparecimento de sentidos ainda insuspeitados”. Nesse sentido, esses dois conceitos se projetam no contexto das políticas de governo caracterizadas como ações concebidas para o social que retratem um sentimento de pertença ao povo e de que este possa se beneficiar de tais ações porque seriam comuns a todos e se desdobrariam diante de todos.

60

“[...] em sua acepção original de ‘privação’ [...]” — adquire significado; “[...] viver uma

vida inteiramente privada significa [...]”, sobretudo, não ter elementos essenciais a uma

vida verdadeiramente humana: “[...] ser privado da realidade que advém do fato de ser

visto e ouvido por outros, privado de uma relação ‘objetiva’ com eles decorrente do fato

de ligar-se e separar-se deles mediante a um mundo comum de coisas, e privado da

possibilidade de realizar algo mais permanente que a própria vida” (ARENDT, 1987, p.

68). Para Hannah Arendt (1987), a igualdade perante a lei do sujeito está no privado;

mas é no Estado como campo das realizações que acontece sua consumação. Daí ser

plausível compreender a privatização do público como a condução ao público do que foi

determinado no campo privado, nos gabinetes.

Com efeito, a formação de sociedade moderna dá outra conotação à ideia de

público ao relacioná-lo com o poder público — o Estado. Como tal, o público é uma

categoria histórica dessa sociedade (PINHEIRO, 1996). Nessa lógica, ao Estado como

poder público, conforme Saviani (2005), cabem atribuições como estabelecer condições

para a construção ou obtenção de prédios para ser escolas; assegurar a manutenção

permanente de tais prédios e a manutenção da infraestrutura essencial ao

funcionamento; compor um corpo de agentes que evidencie professores, aos quais se

impõem obrigações de formação, critérios de admissão e peculiaridades das funções a

serem executadas; definir diretrizes pedagógicas, curriculares, disciplinares e de

avaliação em cada escola e no sistema educacional.

Pode-se, então, dizer que o ponto de vista do público e do privado tenha sido

formado numa dimensão que deixa essas duas categorias numa situação de confusão,

em que são entendidas conforme suas interferências na vida quotidiana e à medida que

os sujeitos assumem dados comportamentos políticos, sociais e econômicos. Isso se

projeta na possibilidade de o Estado cumprir suas incumbências — conforme as

descreve Saviani — em prol de uma escola que não é pública nem gratuita.

Nos termos de Bobbio (1995, p. 14), no debate sobre as relações do público com

o privado, é lugar comum crer que, “[...] aumentando a esfera do público, diminui a do

privado, e aumentando a esfera do privado diminui a do público [...]”; em geral, tal

constatação — diz ele — vem “[...] acompanhada e complicada por juízos de valor

contrapostos”. Mas esclarece que “Os dois processos, de publicização do privado e de

privatização do público, não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um

no outro” (p. 27). Araujo (2005) e Cunha (2007) reiteram esse raciocínio no campo da

educação brasileira, em que as esferas do público e do privado se apresentam como

61

campo não apenas de confrontos, mas também de troca e convívio. Com efeito, Araujo

(2005, p. 142) expõe com propriedade esse entendimento de troca ao dizer que,

Na verdade, há um intercâmbio representado seja pelos interesses sociais na configuração da educação escolar — interesses estes publicizados ou privatizados, confessionais ou não, não implicando apenas em não única —, seja promovida pela iniciativa pública ou privada, porque, apesar da concorrência e da rivalidade dos interesses privados em relação aos públicos — o que implicaria assumir posicionamentos dicotômicos — observa-se a busca do intercâmbio, da parceria, da convivência inclusive por agentes da representação pública para instituir, alimentar ou fortalecer os interesses privados.

Para Cunha (2007), essa relação se dispõe cheia de meandros na educação do

país. Em certas ocasiões, pode ser demarcada por forças e intervenções que instigam o

desenvolvimento do setor público e, em outros, do setor privado e até de ambos.

Em síntese, a esfera do público e a do privado se opõem conceitualmente; mas,

na prática, os eventos e fenômenos que caracterizam uma e outra não anulam sua

compatibilidade. Há interesses particulares e em comum em uma dimensão e na outra

que dão margem a relações de convivência e troca, por exemplo. As circunstâncias da

gênese do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado evidenciam essas constatações.

Em parte, porque essa escola derivou da influência e do incentivo do setor privado, que

de certo modo cooperou para seu crescimento como instituição pública; em parte,

porque aquele que criou condições mais sólidas para que esse grupo escolar se

projetasse de vez defendia a presença mínima do estado nos rumos da educação

nacional. Isso fica patente em texto do jornal Folha de Ituiutaba (1959, s. p.) onde a

possibilidade de o Estado patrocinar escolas particulares suscita uma crítica que cita

Clóvis Salgado e suas tendências político-educacionais:

Acontecimento como êste não poderia causar surpresa a ninguém, num país, como o nosso, onde os poderes públicos estão dominados pela elite do latifúndio, do truste e da burguesa nacional, onde os pronunciamentos e os atos do gôverno, como da Oposição, se revestem de sinistro, nojentíssimo povo que os elegeu, a quem deveriam servir, mas de quem se serve. Tôdas as classes de proprietários dos meios de produção e troca, seja do Brasil, seja de qualquer país, seja de qualquer época, nisso elas se igualam no mêdo pânico de ver a massa instruída fóra da instrução que lhe agrada. O aplauso pela imprensa e a aprovação pela Câmara do Substitutivo Lacerda sôbre a Educação, revela que Clóvis Salgado e Gustavo Corção, Lacerda e Falcão são soldados das mesmas armas, sempre que se trata de combater os humildes e de prestigiar e conculcar o direito.

62

Situado, então, no fluxo do debate sobre o projeto da LDBEN, o texto deixa

entrever seu contexto com clareza: o da ação de forças antagônicas atuando na definição

dos rumos da educação do país, as quais ganham mais fôlego com a iniciativa do

jornalista e deputado Carlos Lacerda, que impacta no processo de aprovação do projeto

de lei ao aventar uma retomada do controle cotidiano da educação pela Igreja e suas

instituições educacionais. Afinal, desde a primeira República a Igreja perdeu espaço na

educação, pois o Estado agiu de modo a banir, da educação pública, qualquer conotação

religiosa. De tal modo, aliadas a donos de estabelecimentos particulares de educação, as

escolas religiosas festejaram a proposta de Lacerda; queriam a reforma, que serviria aos

“[...] proprietários de Escolas, no reacionismo entreguista [...]”; mas também “[...] aos

interêsses dos proprietários em geral [...]”: aquela “[...] força progressista que é a dos

industriais brasileiros” — como se afirmou na Folha de Ituiutaba (1959, s. p.).

Além de pôr em jogo uma renovação dos matizes ideológicos que marcaram o

embate entre forças conservadoras tradicionais e forças modernizadoras liberais no país,

o substitutivo apresentado por Lacerda ao projeto de lei separou os defensores da escola

pública estatal — ou seja, os favoráveis à escola pública gratuita, única, materialista e

ateia, a ser controlada pelo Estado — dos contrários a ela — isto é, os favoráveis à

educação eminentemente privada, a ser dada em escolas particulares. Como esclarece

Buffa (1979), os defensores da educação pública se segmentavam em três grupos:

liberais idealistas — visavam a uma educação que afirmasse a individualidade, a

originalidade e a autonomia ética do sujeito em qualquer tempo e lugar; liberais

pragmatistas — visavam a uma educação caracterizada pela ação pedagógica coerente

com a realidade social e as necessidades imediatas do país; liberais socialistas —

visavam a uma educação apta a superar o subdesenvolvimento político, econômico,

social e cultural daquele momento.

2.4 Educação pública: vozes favoráveis, vozes contrárias

Segundo Saviani (2007, p. 283), a proposta de Lacerda instiga “[...] uma

intensa e extensa mobilização dos defensores da escola pública que o veem como o

risco de um enorme retrocesso diante do pouco que se tinha realizado no âmbito da

educação pública”. Como se lê no documento, Lacerda propunha uma educação

nestes termos:

63

Art. 3º – A educação da prole é direito inalienável e imprescindível da família. Art. 4º – A escola é, fundamentalmente, prolongamento e delegação da família. Art. 5º – Para que a família, por si ou por mandatários, possa desobrigar-se do encargo de educar a prole, compete ao Estado oferecer-lhe os suprimentos de recursos técnicos e financeiros indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida. (SUBSTITUTIVO AO PROJETO, 1959, p. 505).

Nota-se, nesses artigos, a centralização da liberdade de ensino, que então

compreendia a educação como direito da família, escola como extensão da família e

Estado como provedor de recursos técnicos e financeiros para a iniciativa privada. Daí

que tal liberdade incidia no direito da família de optar pela educação mais que lhe mais

conveniente: aquela oferecida em escolas particulares ou aquela que acontecia nas

escolas públicas; ao Estado, cabia a responsabilidade de facultar a igualdade de

condições a umas e outras; e o faria — como se lê no art. 7º do substitutivo —

apresentando “[...] as instituições educacionais nos órgãos de direção de ensino [...]”;

distribuindo “[...] verbas consignadas para a educação entre as escolas oficiais e as

particulares proporcionalmente ao número de alunos atendidos [...]”; reconhecendo,

“[...] para todos os fins, dos estudos realizados nos estabelecimentos particulares”

(SUBSTITUTIVO AO PROJETO, 1959, p. 505).

Subjacente aos propósitos de liberdade de ensino de Lacerda estaria a intenção

de beneficiar os interesses das escolas privadas com a equiparação das condições destas

com as condições das escolas mantidas pelo Estado. Em essência, a educação

pertenceria à iniciativa privada, enquanto ao poder público caberia uma ação supletiva:

criar e manter escolas onde e quando fossem insuficientes as particulares. Tal intenção

ignorava o art. 167 da Constituição, que estabelecia “[...] o ensino dos diferentes ramos

será ministrado pelos poderes públicos e é livre a iniciativa particular, respeitadas as leis

que o regulem” (BRASIL, 1946). Eis o que o substitutivo propunha para anular o

suposto monopólio estatal sobre a educação: a garantia de financiamento de escolas

particulares e de liberdade total de ensino para elas; era a supressão do controle e da

fiscalização estadual sobre a educação nas escolas privadas.

Em 1957, o embate sobre o projeto da LDBEN, segundo Saviani (2011),

deixa entrever a marca do conflito entre escola particular — sobretudo as

confessionais — e a escola pública. Debatia-se a capacidade desta última de, ao se

estender a todos, não anular o espaço para outro tipo de escola. A contenda entre

católicos e escolanovistas se avultaria em discussões intensas na sociedade; e o teor

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elitista do substitutivo suscitou reações alinhadas no espírito democrático e igualitário

dos educadores do Manifesto dos pioneiros da educação nova; ou seja, impeliu os

defensores da escola pública a se expressarem através do Manifesto dos educadores:

mais uma vez convocados, cujos signatários incluíam Fernando de Azevedo e

intelectuais como Sérgio Buarque de Holanda e Nelson Werneck Sodré —

historiadores; Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes — sociólogos; Darci

Ribeiro e Ruth Cardoso — antropólogos como; César Lattes — cientista; e Perseu

Abramo — jornalistas.

Publicado em 1º de julho 1959, o manifesto criticava elementos como a

organização, os níveis e as modalidades educacionais; o despreparo e as condições de

trabalho do professorado; as condições materiais deficitárias das instalações escolares.

Reconhece que o sistema educacional depende de quem o administra e o faz funcionar,

pois, ante o aumento da demanda por educação — dado o aumento populacional urbano

—, “[...] deviam prever-lhe a expansão aumentar-lhe o número de escolas na medida

das necessidades e segundo planos racionais, prover às suas instalações, preparar-lhe

cada vez mais solidamente o professorado e aparelhá-lo dos recursos indispensáveis ao

desenvolvimento de suas múltiplas atividades” (MANIFESTO..., 1960, p. 60–1).

Também reconhece que as falhas na educação pública derivavam, em parte, de razões

extraescolares, tais como o processo de industrialização e o aumento populacional

rápido, que motivaria a urbanização intensa e o esvaziamento do meio rural.

Isso, porém, não impediu o manifesto de chamar de reacionária a tese lacerdista

de que “[...] o Estado coage os pais e a liberdade de pensamento e de escolha das

instituições em que prefiram educar os filhos” (SUBSTITUTIVO..., 1959, p. 213) para

reforçar a posição democrática de seus signatários em prol da educação pública capaz

de contribuir para o trabalho e o desenvolvimento econômico. Mas isso supunha

reestruturá-la, de modo que o Estado democrático pudesse disseminar a escola pública

como “[...] aberta a todos os candidatos aptos a receber instrução, a todo o progresso do

conhecimento científico e a toda tentativa de ampliar o horizonte intelectual do homem,

especialmente no que concerne à participação responsável na vida coletiva”

(FERNANDES, 1960, p. 165).

O descontentamento dos educadores se fez visível em páginas de jornais, onde

manchetes como “Educadores: É retrógrado o Substitutivo Lacerda” davam o tom da

discussão:

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Quatro dos mais renomados educadores brasileiro — Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Raul Bittencourt e Jayme de Abreu — numa mesa-redonda realizada na Faculdade Nacional de Filosofia, sob a presidência do Ministro Clóvis Salgado, e sob vivos aplausos de uma assistência de mais de duzentas pessoas, repeliram, violentamente, durante três horas e meia, o substitutivo Lacerda, de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, denominando-o de retrógrado e nefasto aos interêsses do povo brasileiro. — A educação só será livre quando fôr libertada dos dogmas, das tradições cegas e dos interêsses de grupos. O que temos hoje é uma ficção educacional. A legislação do ensino atual é capciosa e satisfaz, apenas, ao aluno e ao professor, nunca à própria educação. Não é através de títulos que uma Nação se desenvolve, e sim pelo saber. A escola, como dizia o Deputado Carlos Lacerda, não é o prolongamento da educação em família, mas a busca de um benefício assegurado pelo Estado — declarou, a certa altura dos debates, o Professor Anísio Teixeira, argumentando contra o Substitutivo Lacerda. (ÚLTIMA HORA, 1959, s. p.).

Os manifestantes percebiam que a luta se relacionava pouco com educação; o

foco eram a religião e a política. A indignação se baseava em três pontos do

substitutivo. O primeiro seria esta condição: educação a ser ministrada, sobretudo, pelas

escolas privadas e, supletivamente, pelo poder público — noutros termos, em primeiro

plano, a elite, depois o povo; no dizer de Sanfelice (2007, p. 549), eram “[...] recursos

públicos para as escolas de iniciativa privada, numa inversão radical e pela qual o

ensino público (estatal) seria supletivo às instituições escolares privadas, ficando essas

com a garantia dos recursos dos cofres públicos”. O segundo ponto seria a não

fiscalização do ensino particular pelo Estado; ou seja, os manifestantes eram favoráveis

à liberdade disciplinada pelo Estado; o que, para Romanelli (1987, p. 179), era deixar

pôr à parte um pouco “[...] a preocupação de afirmar os princípios da Escola Nova, para,

acima de tudo, tratar do aspecto social da educação, dos deveres do Estado Democrático

e da imperiosa necessidade de não só cuidar o Estado da sobrevivência da escola

pública, como também de efetivamente assegurá-la a todos”. Enfim, o terceiro ponto

tocava na seara da destinação de recursos estatal: o Estado subvencionaria as escolas

particulares igualando os salários de seus professores aos dos professores públicos. Aí

se lê a tentativa de continuar a história da educação moderna, qual seja, “[...] a história

de sua inversão no serviço público”; o distanciamento da educação pública da condição

de “[...] única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas”, como

disse Sérgio Buarque de Holanda no manifesto de 1959 (MANIFESTO..., 1960, p. 215).

No parecer de Almeida Júnior (1960), a deliberação de recursos financeiros para as

escolas privadas conforme a proposta de Lacerda representaria risco para a educação de

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nível primário, que em nenhum momento despertou o interesse das instituições particulares,

talvez porque oferecesse menos condições de auferir lucro. Nas palavras dele,

No capítulo referente ao ensino primário, o projeto vencedor começa por ameaçar o princípio constitucional da gratuidade e, pelo simples fato de atribuir a liderança administrativa da educação brasileira às instituições de caráter privado, põe em risco a generalização da escola elementar. Basta ter presente que o ensino de grau primário, que é, em suma, aquele que mais de perto interessa às classes populares, nunca apaixonou os cavaleiros andantes dos institutos privados. (ALMEIDA JÚNIOR, 1960, p. 132).

Os argumentos dos manifestantes se lastreavam nos índices de analfabetismo,

que afligiam o país. Daí que os investimentos do Estado deviam convergir para o

progresso da educação pública, em especial o nível primário, que precisava se expandir

com urgência às camadas populares. A realidade da educação em nível nacional,

particular e público estadual e municipal se mostra na tabela a seguir, que expõe dados

do quantitativo de alunos segundo a dependência administrativa.

TABELA 11. Alunos segundo dependência administrativa na região Sudeste, 1957–71 SUDESTE FEDERAL % ESTADUAL % MUNICIPAL % PARTICULAR %

1957 2.745.764 1.080 0,04 1.816.66 66,14 631.198 22,99 297.420 10,83 1958 2.848.199 1.011 0,04 1.862.739 65,40 703.310 24,69 281.139 9,87 1959 2.991.684 2.625 0,09 1.933.448 64,63 750.422 25,08 305.189 10,20 1960 3.156.600 3.324 0,11 2.331.760 73,87 510.221 16,16 311.295 9,86 1961 3.275.720 2.492 0,08 2.485.408 75,87 483.768 14,77 304.052 9,28 1962 3.547.846 4.574 0,13 2.679.682 75,53 544.809 15,36 318.781 8,98 1963 4.466.056 7.331 0,16 3.376.575 75,61 699.982 15,67 382.168 8,56 1964 4.983.134 6.846 0,14 3.805.789 77,07 626.380 12,68 499.119 10,11 1965 4.910.859 8.734 0,18 3.868.794 78,78 571.315 11,63 462.016 9,41 1966 5.109.989 10.408 0,20 4.107.703 80,39 531.044 10,39 460.834 9,02 1967 5.267.598 8.650 0,16 4.157.903 78,94 625.879 11,88 475.166 9,02 1968 5.411.195 8.813 0,16 4.164.827 76,97 746.004 13,79 491.551 9,08 1969 5.525.471 11.056 0,20 4.224.739 76,46 787.233 14,25 502.443 9,09 1970 5.642.496 13.440 0,24 4.317.879 76,52 823.970 14,60 487.207 8,64 1971 5932.238 9.366 0,16 4.467.672 75,31 959.164 16,17 496.036 8,36

Fonte: IBGE, 2010. Como se observa, ao longo do período a região Sudeste alterou pouco seus

porcentuais educacionais em nível federal e particular; ainda que este último tenha tido queda

de 2,5% ao final do período, na participação geral. Já no ensino público o estado apresenta

uma parcela mais significativa do total das matrículas, aumentando em pouco mais de 9% sua

participação no todo. Os municípios têm sua participação diminuída em quase 7%.

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TABELA 12. Alunos segundo a dependência administrativa em Minas Gerais, 1957–71

MINAS

GERAIS FEDERAL % ESTADUAL % MUNICIPAL % PARTICULAR %

1957 923.230 1.080 0,12 578.579 62,67 279.315 30,25 64.256 6,96

1958 879.501 1.011 0,11 552.040 62,77 272.711 31,01 53.739 6,11

1959 939.085 2.625 0,28 579.373 61,69 300.765 32,03 56.322 6,00

1960 1.020.664 3.324 0,32 697.135 68,30 265.640 26,03 54.565 5,35

1961 1.033.971 2.492 0,24 739.246 71,50 244.228 23,62 48.005 4,64

1962 1.157.189 3.740 0,32 795.527 68,75 286.411 24,75 71.511 6,18

1963 1.437.591 3.853 0,27 1.004.414 69,86 356.023 24,77 73.301 5,10

1964 1.577.472 4.670 0,30 1.160.373 73,56 340.321 21,57 72.108 4,57

1965 1.714.491 5.643 0,33 1.322.776 77,15 314.778 18,36 71.294 4,16

1966 1.782.063 8.176 0,46 1.443.107 80,98 277.666 15,58 53.114 2,98

1967 1.853.092 6.172 0,33 1.459.764 78,78 338.976 18,29 48.180 2,60

1968 1.798.228 5.368 0,30 1.306.018 72,63 436.487 24,27 50.355 2,80

1969 1.830.082 9.840 0,54 1.321.637 72,22 446.604 24,40 52.001 2,84

1970 1.850.944 8.205 0,44 1.342.928 72,55 451.566 24,40 48.245 2,61

1971 1.941.182 7.246 0,37 1.358.795 70,00 528.015 27,20 47.126 2,43

Fonte: IBGE, 1972. Entrelaçando-se a relação da quantidade de alunos por escola com a dependência

e a localização, observa-se que o ensino particular perdeu matrículas em Minas Gerais:

de 6,96%, em 1957, foi para 2,43%, em 1971; assim como o municipal, em que a queda

foi próxima de 3%. Nas escolas públicas, que oscilaram ao longo do período, a

matrícula aumentou em quase 7,5%. Como a participação das escolas municipais em

Minas Gerais é superior à das escolas do Sudeste, esse estado tem participação mais

expressiva, assim como é mais expressiva a presença do ensino particular no Sudeste do

que em Minas.

TABELA 13. Unidades escolares por dependência Sudeste, 1957–71

SUDESTE FEDERAL % ESTADUAL % MUNICIPAL % PARTICULAR %

1957 31.076 15 0,05 15.072 50,75 12.578 40,48 2.711 8,72 1958 32.278 17 0,05 16.303 50,51 13.291 41,18 2.667 8,26 1959 33.443 57 0,17 16.640 49,76 13.910 41,59 2.836 8,48 1960 34.869 52 0,15 19.635 56,31 12.299 35,27 2.883 8,27 1961 35.435 28 0,08 21.090 59,52 11.503 32,46 2.814 7,94 1962 37.177 46 0,12 21.041 56,60 13.207 35,52 2.883 7,76 1963 38.447 50 0,13 22.587 58,75 12.930 33,63 2.880 7,49 1964 42.001 59 0,14 26.452 62,98 12.203 29,05 3.287 7,83 1965 42.719 75 0,18 28.284 66,21 11.281 26,41 3.079 7,20 1966 44.051 118 0,27 30.955 70,27 9.962 22,61 3.016 6,85 1967 39.021 62 0,17 25.349 64,96 10.727 27,49 2.877 7,38 1968 39.327 68 0,17 23.190 58,96 13.059 33,20 3.016 7,67 1969 45.860 50 0,11 28.136 61,35 14.625 31,89 3.049 6,65 1970 45.756 74 0,16 28.680 62,68 13.934 30,45 3.068 6,71 1971 48.057 49 0,10 29.762 61,93 51.052 31,32 3.194 6,65

Fonte: IBGE, 1972.

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Sobre a dependência das unidades escolares no Sudeste e em Minas, nota-se que,

na região, esse estado aumenta a participação, mas têm queda a participação municipal e

a das escolas particulares, contrastando com o Sudeste. Se em Minas a participação

deste não muda, as escolas dos municípios aumentam sua participação nas matrículas

numa proporção equivalente à perda matricular das particulares. Enfim, Minas tem o

dobro de escolas municipais ante as estaduais; no Sudeste ocorre o contrário, embora

isso não signifique que o número de alunos esteja matriculado no município e estado na

mesma proporção.

TABELA 14. Unidades Escolares por dependência em Minas Gerais, 1957–71

MG EVOLUÇÃO FEDERAL % ESTADUAL % MUNICIPAL % PRIVADA % 1957 11.080 — 15 0,14 3.334 30,09 7.223 65,19 508 4,58 1958 11.303 102,01 17 0,15 3,401 30,09 7.354 65,06 531 4,70 1959 11.870 105,02 57 0,48 3,411 28,74 7.843 66,07 559 4,71 1960 12.667 106,71 52 0,41 5.165 40,77 6.926 54,68 524 4,14 1961 12.672 100,04 28 0,22 5.647 44,56 6.525 51,49 472 3,73 1962 13.581 107,17 40 0,30 4.944 36,40 7.956 58,58 641 4,72 1963 13,924 102,52 36 0,26 5.144 36,94 8.160 58,60 584 4,20 1964 15.710 112,83 49 0,31 6.791 43,23 8.223 52,34 647 4,12 1965 16.181 103,00 60 0,37 7.787 48,12 7.722 47,72 612 3,79 1966 16.505 102,00 109 0,66 9.153 55,46 6.804 41,22 439 2,66 1967 16.829 101,96 47 0,28 8.556 50,84 7.829 46,52 397 2,36 1968 16.042 0,9532 36 0,23 5.493 34,24 10.121 67,09 392 2,44 1969 16.878 105,21 44 0,26 5.241 31,05 11.180 66,24 413 2,45 1970 16.136 0,9560 46 0,29 5.107 31,64 10.570 65,51 413 2,56 1971 17.092 105,92 38 0,22 5.140 30,07 11.500 67,28 414 2,43

FONTE: IBGE, 1972. Cremos que as informações, os dados e a análise apresentados até aqui deem

uma medida das discussões que envolveram a educação no momento de defesa mais

acirrada da escola pública, sobretudo nos 1960; e que permitam entender por que cabe

dizer que a universalização da educação pública e gratuita sempre enfrentou impasses

no âmbito do Estado para se desenvolver; impasses advindos ora de interesses privados

que o Estado representa — a elite econômica que dificulta um projeto público e

universal de educação gratuita; ora do Estado, que se omite ante suas responsabilidades

educacionais. Mesmo a construção da primeira LDBEN — derivada do anteprojeto de

Mariani e do substitutivo Lacerda — não ensejou melhorias mais abrangentes e

uniformes no sistema educacional, de modo a consolidar de vez a organização de uma

escola pública democrática em âmbito nacional.

69

2.5 Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado no contexto da LDBEN A LDBEN foi aprovada em 20 de dezembro de 1961, primeiro ano do governo

de João Goulart (1961–4), após mais de uma década de debate, mudanças, contestações,

emendas e substitutivos. O projeto se transformou na lei 4.024, para vigorar no “[...] ano

seguinte ao de sua publicação, revogadas as disposições em contrário” (BRASIL, 1961,

art. 120), quando então formalizou o sistema educacional do país.

Na visão de Saviani (2004, p. 38–9), a lei

[...] manteve, no fundamental, a estrutura em vigor de corrente da reforma Capanema, flexibilizando-a, porém. Com efeito, do conjunto das “leis orgânicas do ensino” decretada entre 1942 e 1946 resultou uma estrutura que previa, grosso modo, um curso primário de quatro anos, seguido de ensino médio com a duração de sete anos, dividido verticalmente em dois ciclos, o ginasial, de quatro anos, e o colegial, de três anos, dividido horizontalmente nos ramos secundário, normal e técnico, sendo este, por seu turno, subdividido em industrial, agrícola e comercial.

Romanelli (1996, p. 180) viu os propósitos dessa LDBEN como abrangentes,

universalmente adotados e aplicáveis “[...] a qualquer realidade, porque, na verdade,

embora sejam incontestáveis em termos axiológicos, em termos práticos têm pouca

objetividade”. Com efeito, segundo Souza (2009, p. 243), o Plano Nacional de

Educação17 apontou que, no princípio da década de 1960, nem “[...] 60% das crianças

em idade escolar, ou seja os 12 milhões de crianças de 7 a 14 anos de idade [...], eram

atendidas pelo ensino primário”. Agravavam a situação os 18% de matriculados que

chegavam à quarta série primária, os dois terços que não ultrapassavam as duas

primeiras séries e uma terça parte concentrada em escolas rurais precárias. Daí que o

plano previa, segundo Romanelli (1996, p. 186),

A escolarização de: 100% da população de faixa etária de 7 a 14 anos, no primário e nas duas primeiras séries ginasiais; 50% da população de 13 a 15 anos, nas duas últimas séries do ginásio; e 30% da população entre 15 e 18 anos nas séries colegiais. Estes três percentuais almejados não foram alcançados. Apenas o ensino superior conseguiu atingir o que era esperado. Na opinião da autora, pode-se dizer que o plano foi quase um êxito. Não o foi, no entanto, com relação à produtividade interna do sistema, pois significativa parcela da população, que deveria estar no ensino médio, permanecia, ainda, no ensino primário. Em suma, a LDB de 1961 e o PNE não conseguiram resolver o problema da democratização de ensino.

17 Com a LDBEN em vigor, uma providência inicial do governo foi criar o Conselho Federal de

Educação, em fevereiro de 1962. A composição do órgão contou com a “clarividência de Anísio Teixeira” (SAVIANI, 2007, p. 303), que cuidou ainda, em 1962, da elaboração do Plano Nacional de Educação, ainda raro como objeto de pesquisa e debate acadêmicos.

70

A lei preservou a autonomia administrativa dos estados para regular o nível primário e

normal, além de não ter alterado sua estrutura; mas buscou eximir o Estado de circunstâncias

como casos de pobreza paterna comprovada ou falta de vagas. Também o isentou de

responsabilidades legais e abriu precedente para que instituições privadas tivessem subsídios

federais, ou seja, públicos. Nas mudanças, prevaleceram situações antigas. Do título “Da

liberdade do ensino” pode-se deduzir vitória da iniciativa privada, enquanto do título “Dos

sistemas de ensino” pode-se deduzir precedência da iniciativa do poder público (FRATTARI

NETO, 2009, p. 134).

Saviani (1996, p. 19) evidencia que “O texto da Lei 4.024/61 conciliou os dois projetos

garantindo à família o direito de escolha sobre o tipo de educação que deve dar a seus filhos e

estabelecendo que o ensino seja obrigação do poder público e livre à iniciativa privada”. No artigo

27, observa-se, pelo viés da obrigatoriedade escolar, o ensino primário em desvantagem, pois seria

“[...] obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na língua nacional” (BRASIL, 1961);

enquanto o parágrafo único do art. 30 anulava a regulamentação, desobrigava a frequência escolar

em casos de “[...] a) comprovado estado de pobreza do pai ou responsável; b) insuficiência de

escolas; c) matrícula encerrada; d) doença ou anomalia grave da criança”. Como se lê, a

preocupação com a obrigatoriedade da frequência ficou nula; afinal, a maioria da população era

pobre, as famílias precisavam do trabalho da prole, e o quantitativo de escolas era insuficiente para

suprir a demanda por escolarização; as poucas vagas eram preenchidas de imediato. Dessa forma,

ao invés de retificar ou, ao menos, amenizar a situação precária do país, o poder público decidiu

oficializá-la ao se eximir de sua função.

Triunfou o desejo do grupo privatista de financiamento estatal da escola

particular, como se verifica no art. 95:

A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de: Subvenção. De acordo com as leis especiais em vigor;Financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, município e particulares para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor. (BRASIL, 1961).

Num país em busca de se firmar no desenvolvimento capitalista, com uma

população expressivamente analfabeta e falta de recursos para ampliar a rede

educacional oficial de modo a assegurar matrículas e permanência na escola a toda a

população em idade escolar, esse dispositivo soava absurdo. Logo, “[...] a pretensa

igualdade da escola particular diante da escola pública se transforma em decidida e

insuportável superioridade” (DEMOCRACIA E ENSINO PÚBLICO, 1960, p. 96).

71

O deleite de uns e o descontentamento de outros com a LDBEN se configuraram

após a lei mostrar seus efeitos no cotidiano das escolas públicas. Com a presença

minimizada do governo na escola pública — ou seja, com a destinação de recursos para

quem já dispunha de recursos —, educadoras de grupos escolares se viram ante a

necessidade de criar estratégias e ações para fazer subsistir as escolas, ao menos se

considerarmos o que acontecia no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. Ex-diretora

dessa escola, Maria Mirza Cury Diniz (2015, entrevista) relata a peleja diária para angariar

recursos que suprissem as necessidades imediatas da escola:

[...] naquela época, não havia repasse de verbas do estado para as escolas, para as caixas escolares. A escola tinha uma caixa escolar cujo objetivo era a manutenção de crianças carentes da escola. A caixa escolar fornecia alimentação, material didático — caderno E livro —, agasalho, uniforme e lanche. Se precisasse de remédio, a gente comprava. A caixa escolar do Clóvis era uma caixa rica porque tinha grande participação dos pais e dos professores. O recurso vinha da comunidade, através das quermesses, das rifas. [...] quantas motos eu rifei! A primeira coisa que a gente fazia era reunir as professoras, por isso tinha a adesão delas em tudo. Expunha o que estávamos precisando e, juntas, buscávamos o parecer, o que podíamos fazer. Todas as campanhas eram decididas juntas. [...] As barraquinhas, as quermesses arrecadavam bem. Então, toda a subsistência da escola era feita através de campanhas com os professores e com a comunidade.

O relato explicita a ausência de um Estado que regula sua educação por uma lei

em descompasso com a realidade objetiva, ou seja, com as condições sociais da

população em geral. Retrata as relações do público com o privado quando

representantes desta última esfera se unem em prol do grupo escolar.

Contudo, cabe relativizar o privado nesse contexto. É provável que o apoio

proviesse de setores pouco alinháveis em meio àqueles que exploravam a educação

particular como negócio e àqueles que independiam da escola pública como espaço de

formação educacional. Noutros termos, procedimentos como a rifa e atividades como as

quermesses e as barraquinhas parecem se aproximar mais de práticas de uma cultura

popular marcadamente rural — ou seja, das necessidades de estratos financeiramente

desprivilegiados —, e menos da conduta benfeitora e benevolente de uma cultura

elevada — ou seja, dos anseios de uma elite econômica que ficou bem representada na

LDBEN. Essa população carente de escola pública e que, por isso, empenhava-se em

mantê-la se evidencia no quadro abaixo, com a profissão dos pais de alunos do grupo

Clóvis Salgado em 1970. As ocupações dão uma medida da classe a que pertencia o

alunado da escola.

72

QUADRO 6. Profissões de pais de alunos do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1970

OCUPAÇ ÃO PROFISSIONAL QUANTIDADE

Lavrador 57 Doméstica 20 Operário 13 Comerciante 11 Barbeiro 7 Motorista 6 Pedreiro 4 Lavourista 4 Maquinista 3 Carroceiro 3 Carpinteiro 3 Fazendeiro 3 Pintor 2 Mecânico 2 Açougueiro 1 Encanador 1 Tratorista 1 Lavadeira 1 Escrivão 1 Balconista 1 Marceneiro 1 Cobrador 1 Serralheiro 1 Bilheteiro 1 Servente 1 Funcionário público 1

FONTE: dados da pesquisa — livro de matrículas, 1970.

Como se pode deduzir, o apoio privado à escola pública vinha de quem dependia

da educação gratuita. O quadro mostra que quase 43% das profissões se relacionam com

o meio rural — lavrador, lavourista e fazendeiro —, que era base da economia do

município naquela época. É notória a maioria de empregados.

Caso se pudesse esperar ajuda expressiva da elite econômica, então Ituiutaba

estaria em posição de destaque porque, nos anos 1950 e 60, sua economia ascendeu

graças ao cultivo de arroz e, depois, à exploração da pecuária. Mas à força da economia

local equivaleu a fraqueza da educação no município; a pujança econômica não

impactou na ampliação do número de escolas; os interesses econômicos não se aliaram

aos interesses educacionais. Nesse panorama, o problema das escolas era não só a falta

delas, mas também a precariedade das instalações, que saltava aos olhos da imprensa,

como o jornal Folha de Ituiutaba, que reportou problemas como esses:

73

Os prédios dos nossos estabelecimentos de ensino primário, afeto ao governo do Estado, continuam em péssima situação. — Boa hora de reformá-los ou pelo menos retocá-los, seria agora, no período das férias. Mas a quem apelar se o governo do estado também esta caindo de podre? Resta-nos fazer subscrições entre particulares para atender tão presente necessidade (FOLHA DE ITUIUTABA, 1969, s. p.)

As subscrições citadas pelo texto de jornal podem ser exemplificadas pelo que

fizeram professores e direção do grupo Clóvis Salgado, que mensalmente faziam

doações em dinheiro de seus salários para reformar o prédio em 1969. Tais doações

foram registradas em atas do grupo, como se lê na figura a seguir.

FIGURA 5. Lista de professores que contribuíram com dinheiro para a reforma do prédio do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado em agosto de 1969. Fonte: dados da pesquisa — livro de atas, 1969.

74

Como se pode deduzir, o Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado — criado

durante um governo democrático — via suas condições precárias se asseverarem durante

governo ditatorial — imposto via golpe militar, em 1964 — cujas preocupações educacionais

excluíam o grupo escolar; não por acaso, essa nomenclatura foi extinta em 1971, pela nova

Lei de Diretrizes e Bases. No campo da educação, a contribuição do governo militar para

desenvolver a educação brasileira se traduziu, expressivamente de 1964 a 1968, em acordos

firmados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency

International for Development (USAID). Na pauta dos acordos, conforme Romanelli (1996),

o desdobramento das proposições da USAID demandava reorganização administrativa,

planejamento, treinamento docente e técnico, além de controle do programa geral do ensino,

que presumia acompanhamento da publicação e da distribuição de livros técnicos e didáticos.

O ideário dos acordos penetrou em órgãos e níveis de ensino variados, sobretudo na educação

acadêmica e profissional. Nos níveis elementares, a penetração se mostrou na conduta

discente e docente, assim como nos materiais didáticos, para ficarmos em dois exemplos

patentes na escolarização da faixa etária 7–14 anos.

2.6 Escolarização na faixa etária 7–14 anos no governo militar

A denominada “Revolução de 1964” — na expressão de Germano (2005, p.

53) — restaurou a dominação burguesa; confirmou recorrências na história política

do país: “[...] continuidade, restaurações, intervenções cesaristas, transformismo,

exclusão das massas populares, autoritarismo”. Com efeito, o ideal dos defensores

da educação privada de ter escolas particulares subvencionadas pelo Estado penetrou

no governo militar, que se eximiu aos poucos da responsabilidade de custear a

educação pública; os subsídios se destinaram ao capital privado, com repasse de

verbas para escolas particulares. A escola privada subjugou a pré-escola, pois

investiu com ímpeto no segundo grau e prevaleceu no nível superior. Uma minoria

da população ingressou nos patamares mais avançados da escolarização formal;

enquanto uma maioria expressiva não teve acesso nem mesmo aos níveis mais

elementares da escola (GERMANO, 2005).

Ribeiro (2000) exibe uma reflexão sobre os componentes interventores no

desfecho das relações de quantidade versus qualidade nos investimentos financeiros

na educação do período 1955–65. A autora constatou acréscimo de quase 4% nos

75

dispêndios da União com educação e cultura; e se, em 1965, houve contribuição para

que a educação pública atingisse o segundo lugar nas prioridades, os municípios

perderam 2,6% da verba educacional. Mas a Constituição de 1967 viria selar o

descompromisso do Estado com a manutenção da escola pública e o incentivo à

privatização da educação. Essa Carta Magna aboliu as taxas mínimas de fundos a ser

injetados pela União, pelo Distrito Federal e pelos estados. Prevaleceu, porém, a

obrigatoriedade financeira dos municípios de destinar 20% do recolhimento anual de

impostos ao ensino primário. À União caberia proporcionar suporte técnico e

financeiro aos estados e ao Distrito Federal para potencializar seus sistemas

educacionais, porém não houve menção aos porcentuais mínimos a ser destinados.

Numa palavra, a Lei Maior ratificou a liberdade dada à iniciativa pública, com

sustentação técnica e financeira dos poderes públicos e fomento à privatização e às

bolsas de estudo.

Ainda assim, houve diminuição da evasão, o que representou ampliação da

capacidade da escola de reter o aluno. Dados do Grupo Escolar Governador Clóvis

Salgado entre 1964 e 1971 deixam entrever a evolução do quantitativo de alunos

matriculados e reprovados.

QUADRO 7. Matrículas, aprovação e reprovação SÉR IE SITUAÇ ÃO 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971

Matriculado 295 246 194 152 224 256 287 257 Promovido 228 143 125 111 164 182 202 188

Reprovado 67 103 69 41 60 74 85 69 Matriculado 145 163 196 160 146 — 152 204 Promovido 127 143 150 135 126 — 137 196

Reprovado 18 20 46 25 20 — 15 8 Matriculado 115 141 179 152 151 115 73 204 Promovido 97 113 132 107 107 79 51 185

Reprovado 18 28 47 45 44 36 22 19 Matriculado 72 92 145 110 104 176 122 236 Promovido 58 87 127 87 86 168 117 223

Reprovado 14 5 18 23 18 8 5 13 Matriculado 627 642 714 574 625 547 634 901 Promovido 510 486 534 440 483 429 507 792

Total 1ª–4ª

Reprovado 117 156 180 134 142 118 127 109

Fonte: dados da pesquisa — livros de matrícula, promoção e reprovação, 1964–71. Obs.: dados pré-1964 não foram localizados nem registros da segunda série de 1969.

76

Observa-se que de 1964 a 1971 a primeira série apresentou taxa elevada de

reprovação — continuamente superior à das demais séries, a ponto de chegar a

42% em 1965. Os dados não permitiram entender se o índice de reprovação

incluía, também, alunos evadidos. O aumento matricular de 1971 talvez se

justifique porque a escola passou a oferecer até a oitava série e da queda na taxa de

reprovações — média de 12% nas quatro séries; apesar de ter permanecido alta na

primeira série, com 27%. À medida que se avança na seriação, cai o porcentual de

reprovados. A falta de fontes fiáveis nos impediu de entender com mais

propriedade e segurança as razões para essa queda. Nesse caso, resta supor, por

exemplo, que pode ter havido adaptação aos estudos: alunos com idade mais

avançada matriculados no primeiro ano estariam tendo dificuldades para avançar

na aprendizagem. Também cabe cogitar a inclusão de evadidos no volume de

reprovados.

Reformas educacionais expressivas ocorreram após 1968. Segundo

Romanelli (1996), a reformulação do modelo de educação primária e média foi

objeto de preocupação. O diferencial se nota no enfoque dado pelos acordos MEC-

USAID e pelos relatórios de grupos brasileiros (Relatório Meira Matos e o

relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária). Nos primeiros, a

discussão incidia sobre uma aproximação entre as escolas de educação primária e

as de nível médio; isso delongaria o tempo escolar e suprimiria o desmembramento

do nível elementar do médio; era como se o primeiro ciclo da escola média se

ligasse mais à escola primária. Os documentos brasileiros incidiam na reconstrução

do ensino médio, e não a integração; isto é, uma reconstrução dos objetivos no

ensino médio de segundo ciclo aspirando a um desvio na demanda por educação

superior via formação profissional (ROMANELLI, 1996).

Cremos que os dados e a análise arrolados até aqui permitam entender que,

da apresentação do primeiro projeto de lei para regular as bases e diretrizes da

educação à aprovação da LDBEN, prevaleceram conveniências de um grupo

limitado que se alinharia na medida radical do golpe militar de 1964 e se aninharia

nos interesses do capital internacional: elementos centrais para as leis 5.540, de

1968, e 5.692, de 1971, criadas para reordenar a educação. As conveniências

ficaram claras nas equipes de trabalho compostas pelo governo para elaborar os

77

projetos — o grupo pequeno; enquanto os interesses internacionais se traduziram na

ação do Congresso Nacional de aprovar rapidamente projetos de mudanças

derivados da nova legislação (RIBEIRO, 2000).

2.7 Lei 5.692, a nova LDB

Na visão de Romanelli (1996) — que Cury (2005) reitera —, a

obrigatoriedade escolar para oito anos — chancelada pela Constituição de 1967 —

teve consequências sérias porque demandou reorganizar o nível elementar. A

ampliação demandaria um nível de flexibilidade e capacidade maior de ajustamento

à realidade dos cursos de primeiro grau habituais.

As mudanças foram firmadas em uma reforma da LDBEN, cujo marco

primordial é lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. A nova LDB reviu as diretrizes e

bases educacionais e, como tal, representou uma ocasião expressiva da reforma do

ensino de primeiro e segundo grau. Houve junção da educação primária com a

ginasial. Isso excluiu um ponto de estreitamento do sistema tradicional, representado

pelo acesso ao ginásio pelo exame de admissão; ou seja, anulava-se um instrumento

que marginalizava das escolas alunos com primário completo que não mostraram

“competência” o bastante para superar o exame e foram seguir a vida fora da escola.

Também se eliminavam dois aspectos da escola secundária e da escola técnica, com

características únicas: o primeiro grau com atribuição de educação geral

fundamental, objetivando examinar a vocação e a preparação para o trabalho; e o

segundo grau com função de habilitação profissional de grau médio. A lei objetivava

proporcionar um jeito deliberado de formar que pudesse contribuir para a

autorrealização discente, isto é, aquela em que a graduação escolar se impõe como

útil para que os alunos se estabelecem em uma atividade profissional

(ROMANELLI, 1996).

Para Germano (2005), a lei 5.692 foi acolhida com entusiasmo pelos

educadores, talvez influenciado pela “euforia nacional” provinda do crescimento

econômico.18 O “[...] ‘transformismo’ volta à tona, sob a forma de adesão e mesmo

de certa mobilização dos educadores em favor do projeto educacional do Regime”

(p. 164). A lei exibiu dois pontos básicos: 1) aumento da escolaridade obrigatória de 18 Em 1971, Médici governava o país e propalou o chamado milagre econômico. Cf. Hermann, 2005.

78

4 anos para 8 anos — o ensino de primeiro grau, ou seja, a junção do primário com o

ginásio, destinado à faixa etária 7–14 anos; 2) generalização do ensino

profissionalizante do segundo grau (GERMANO, 2005).

Com foco no primeiro grau — relevante para este trabalho —, a lei 5.692

apontou, como estrutura na dimensão vertical, o primeiro grau obrigatório, com oito

anos de duração (carga horária de 720 horas anuais) e destinado à formação de

pessoas na faixa etária 7–14 anos. Para Villalobos (1985), os oito anos escolares

obrigatório representaram uma vitória-chave alcançada com a implantação dessa

LDB; mas não sem resistência ao pensamento comum da extensão do tempo escolar

elementar, tal qual houve resistência ao processo de trâmite do projeto da LDBEN,

entre 1948 e 1961. Na dimensão horizontal, pela lei 5.692 o ensino de primeiro e

segundo graus comporia um núcleo comum, obrigatório nacionalmente, e uma parte

diversificada, para as especificidades locais, os planos dos estabelecimentos e as

diferenças individuais dos alunos.

As disciplinas curriculares do núcleo comum para cada nível tiveram a

definição de objetivos e sua amplitude determinados pelo Conselho Federal de

Educação; enquanto aos conselhos estaduais competiu “[...] relacionar as matérias

que comporiam a parte diversificada do currículo, nas quais deveriam recair as

escolhas dos estabelecimentos de ensino dos respectivos Estados” (ROMANELLI,

1996, p. 239). Noutros termos, as escolas puderam indicar disciplinas para seu

currículo mesmo que não constassem das listas de opções dos conselhos estaduais

CEE. Além disso, houve inclusão de matérias obrigatórias no primeiro e no segundo

grau, tais como Educação Física, Educação Moral e Cívica, Educação Artística e

Programas de Saúde.

Com efeito, a possibilidade de indicar conteúdos curriculares que não

constavam das recomendações dos conselhos estaduais se mostra no que se estudava

no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. O quadro a seguir expõe evidências

coletadas em diários de classe dão uma medida do currículo trabalhado com

frequência no período de governo militar, isto é, entre 1964 e 1971.

79

QUADRO 8. Atividades desenvolvidas no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado conforme registros em observações de diários de classe, 1964–71

A B R I L M AI O A G O S T O S E T EM BR O N O V E M BR O Ano Atividade Atividade Atividade Atividade Atividade 1964 Auditório :

Tiradentes. Jornal “Nossa Pátria”: Comemorando o dia de Tiradentes

— —

Participar do Desfile de 7 de setembro

1965 Auditório: Homenagem a “Tiradentes” Objetivo: despertar nas crianças o patriotismo comemorando a morte do grande herói Tiradentes

Auditório Objetivo: comemorar a abolição

Poesia: Pátria Participar do Desfile de 7 de setembro

1966 Auditório geral Comemorando o dia do índio e a Descoberta do Brasil

Reunião do Clube de Leitura Objetivo: enaltecer o trabalho dos que trabalharam pela abolição

Auditório: Dia do soldado Poesia: O soldado e a trombeta Entrevista: motivo- Semana do Soldado

Auditório: Semana da Pátria Estórias: O Patriotazinho de Pádua Jornal Mural: Semana da Pátria; Participar do Desfile de 7 de setembro.

1967 Auditório: Comemoração ao Dia do Índio e a Tiradentes Dramatização: Descobrimento do Brasil Poesia: Tiradentes Poesia: 7 de setembro

Auditório: Semana da Escravatura Jornal Mural O brasileirinho Poesia: Na minha terra – Álvares de Azevedo

Jornal mural: Homenagem a Caxias; Auditório: Dia do Soldado Poesia: O menino que vai à escola- soldadinho

Unidade de trabalho: Pátria Auditório Poesia: 7 de setembro Poesia: Ditosa Pátria Estória contada- O patriotazinho de Pádua Clube de Leitura: Pátria; Participar do Desfile de 7 de setembro

Auditório para comemorar o dia da Bandeira Poesia: Um retrato do Brasil Poesia: a Bandeira da Minha Terra

1968 Unidade de trabalho: Dia do Índio e Semana da Inconfidência Auditório Dia do Índio e Tiradentes Poesia: Índio e Tiradentes Trabalhos feitos com argila e barro

Unidade de trabalho: Vida na escola- o que fazer na escola para preservar e respeitar as pessoas do grupo

Comemorar o dia do Soldado Homenagem a Caxias Auditório sobre Caxias Entrevista sobre Caxias Poesia: Duque de Caxias

Unidade de trabalho: Semana da Pátria Poesias: O índio, Tiradentes; Ditosa Pátria; Nossa Terra; Que é Pátria, criança; Brasil; O patriotazinho de Pádua;; 7 de setembro Jornal Mural-Semana da Pátria; Auditório: 7 de setembro; Participar do Desfile de 7 de setembro

Auditório para comemorar o dia da Bandeira e Proclamação da República, com o objetivo de despertar o senso de patriotismo Poesia: Saudação à Bandeira

Continua...

80

... Continuação do Quadro 8 ABR IL MAIO AGOSTO SETEMBRO NOVEMBRO

Ano Atividade Atividade Atividade Atividade Atividade

1969 Homenagens às datas do mês: Dia do Índio, Tiradentes e Descobrimento do Brasil Unidade de trabalho: Vida na escola-comportamentos

Unidade de trabalho: Vida no lar- respeito

Auditório: dia do Soldado Comemoração dia do Soldado

Auditório para comemorar 7 de setembro e Descobrimento do Brasil; Participar do Desfile de 7 de setembro

Auditório – comemorar o dia da Bandeira e dia da Proclamação da República

1970 Auditório: Comemoração ao dia de Tiradentes

Auditório: dia do Soldado

Auditório: Semana da Pátria e 16 de setembro Poesias: Pátria, A Pátria; Participar do Desfile de 7 de setembro

Comemoração festiva em aula, envolvendo todo o assunto sobre a Pátria, a Bandeira, amor e respeito aos mesmos; Estudo em classe: Proclamação da República, Hino à Bandeira, Canto em sala Auditório: dia da Bandeira Poesia: Na minha terra

1971 Auditório: Comemoração do dia de Tiradentes

Auditório: dia do Soldado Clube de Leitura: Homenagem ao dia do Soldado

Clube de Leitura: comemorar a Semana da Pátria Poesia: Os sinos do Brasil colonial de Marieta Leite; Participar do Desfile de 7 de setembro

Auditório: Comemoração dia da Bandeira e Proclamação da República

Fonte: dados da pesquisa — diários de classe, 1964–71

Como se pode deduzir, a constância das atividades tende a expressar os ideais do

governo ditador e a solidificar ideias e reflexões militares. Reforça o pensamento

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militarista a exaltação da Pátria — seus segmentos, suas datas, seus símbolos, que

parecem ser religiosamente cumpridos; ou seja, reforça a ideia de organização e

disciplina, patentes nas comemorações de datas cívicas, marcadas pela ordem de um

corpo altivo e organizado que expunham os princípios dos militares. Calendários anuais

compunham as atividades trabalhadas e reforçavam a figura de personagens ditos

importantes na história brasileira. Por exemplo, a exaltação a Tiradentes, a

comemoração do Dia do Soldado, dentre outros.

Os programas, os conteúdos e os procedimentos dentre outros elementos

educacional-escolares de que se ocuparam os militares revelam as intenções de um

governo que age só teoricamente; e mesmo alguns documentos — o plano teórico —

denotassem certo grau de análises, falhavam na clareza e na compreensão e tradução da

realidade objetiva. Prova disso está na ideia de ensino obrigatório de oito anos ante um

número de vagas escolares insuficiente, o que excluía ainda mais parte da população do

cumprimento de um direito assegurado por lei. Com efeito, Germano (2005) ressalta

que em 1971 quase 30% das crianças de 7 a 14 anos não ingressavam na escola por falta

de acesso, mesmo que a evasão — ou seja, a liberação de vagas — fosse expressiva;

além disso, menos da metade das crianças que ingressavam na primeira série primária

chegavam à segunda. Uma parcela restrita adentrava o ensino superior. Nessa lógica, a

democratização do ensino “[...] assumia o significado de uma ampliação de

oportunidades de acesso à escola, do aumento do número de anos de escolaridade

obrigatória, da adoção de dispositivos “[...] que facilitassem a melhoria do fluxo escolar,

numa tentativa de diminuir as taxas de evasão e repetência” (p. 168). Também adotava a

estratégia, exclusiva, de ampliar educação em números com a imposição paralela de

condutas tendentes a anular a liberdade de participação política da população; aí se

incluem a coibição e o cerceamento do ensino, a introdução de disciplinas reiterativas

da ideologia da segurança nacional e a existência de “centros cívicos escolares”,

tutelados e submetidos ao controle das autoridades militares, dentre outros. Tais

circunstâncias permearam o cotidiano do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado e

suas práticas educativas.

82

III

Práticas educativas no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado

ste capítulo tem por objetivo compreender como o Grupo Escolar Governador

Clóvis Salgado conseguiu, por meio de sua prática educativa, contribuir para

a aprendizagem de crianças consideradas carentes na perspectiva de diminuir

o índice de analfabetismo. Há de ressaltar que, no período proposto para a pesquisa

(1956–71), foram numerosas as mudanças ocorridas em função de lutas ideológicas,

políticas e sociais. Anísio Teixeira e Lourenço Filho sinalizavam que a democratização do

ensino se fazia urgente pela necessidade de o Estado oferecer vagas e suprir as demandas

de uma escola para enfrentar as mudanças sociais e econômicas que estavam se

consolidando no país. Por sua vez, na década de 1960, temos a primeira Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional/LDBEN, de 1961, pela qual o Estado transfere a

responsabilidade da educação, primeiramente, para a família, depois — em casos

especiais — para o Estado. No entanto, foi só na década de 1970 que a escola se

consolidou, ocorrendo também a universalização e expansão do ensino, adaptando-se aos

interesses ideológicos do regime militar. Sob a influência de acordos internacionais, em

1971 foi aprovada a reforma da lei 4.024 com o seguinte decreto 5.692, que propunha

uma reforma do ensino em relação ao antigo ensino primário e médio (ginasial e colegial)

inaugurando o ensino de primeiro e segundo graus. Em relação à educação como direito

do povo, essa iniciativa pode até ser considerada como avanço, mas não o foi, pois a

obrigatoriedade prevista torna-se letra morta ante a falta de recursos materiais para suprir

E

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a demanda, além de a lei estabelecer a possibilidade de antecipar a iniciação para o

trabalho quando a obrigatoriedade não fosse alcançada. Diante desse contexto histórico,

pergunta-se: quais as concepções educacionais presente no Grupo Escolar Governador

Clóvis Salgado no período 1956–71? Quais práticas educativas foram desenvolvidas

nessa escola? Qual era o método pedagógico? Quais eram os conteúdos curriculares

trabalhados? Quais eram as cartilhas utilizadas? Quais eram os registros escritos nos

diários? Quem eram os alunos? Quais eram as finalidades das festas escolares? O que era

o clube da saúde? Qual era o lugar da educação no regime militar?

Para Chervel (1990), as finalidades ideais do ensino são determinadas pela

sociedade, ou seja, é o tipo de público atendido que orienta a definição das finalidades e

diretrizes a ser emanadas do poder público e cumpridas pela escola. De um lado, a

legislação oficial do ensino estabelece as ideias pedagógicas; de outro, haverá práticas

educativas dos professores que concretizaram os preceitos estabelecidos pela lei.

Segundo Fonseca (2009), a qualidade da educação se articula com a dinâmica

socioeconômica e cultural de um país, implicando compreender a política educacional

que se articula com as sucessivas mutações de uma economia mundial, compreendendo

a sua interlocução com os procedimentos pedagógicos e metodológicos. Ao se enfatizar

a análise proposta pela autora acima, possibilita-se orientar-se no período histórico

proposto pela pesquisa aqui descrita por valores que incentivavam a qualidade

metodológica da educação com a perspectiva de compreender como isso reverberou no

grupo escolar aqui enfocado por meio de concepções pedagógicas, métodos de ensino e

práticas educativas que vinculam a política educacional do período proposto.

Romanelli (1978) diz que o governo de Juscelino Kubitschek (1956–61) deflagrou uma

política de desenvolvimento sistematizado no chamado Plano de Metas, em que a educação

tinha como propósito preparar os estudantes para o trabalho técnico nas indústrias de bases.

Essa autora destaca que a vinculação entre a economia e a educação ganhou destaque

internacional pela emergência da teoria do capital humano e do enfoque de mão de obra.

A seguir apresentam-se as práticas educativas utilizadas pelos professores de

acordo com a delimitação temporal elegida para a pesquisa. No entanto, pela

diferenciação dos contextos históricos, esse recorte temporal será organizado da seguinte

forma: as concepções pedagógicas e práticas educativas no período histórico de 1956 a

1963 e de 1964 a 1971 com o objetivo de verificar mudanças de acordo com a ideologia

do regime militar. As fontes consultadas foram diários de classe, boletins escolares,

fotografias, entrevista e as revistas Pedagógica e de Ensino. No diário de classe de 1959,

foram registradas as atividades que as professoras organizavam com os alunos, a exemplo

84

de excursões, histórias e poesias, auditórios e entrevistas. Esse conteúdo é presente em

todos os diários de classe até 1971. Para os anos de 1957 e 1958 não foram encontrados

registros de conteúdo em nenhuma série. Tais registros se iniciam em 1959. A série com

maior riqueza de conteúdo didático refere-se à segunda série em todos os anos, inclusive

no período militar. Destaca-se que, durante a ditadura, os registros são detalhados em

todas as séries, sobressaindo-se com riqueza de conteúdo para a prática pedagógica da

segunda série. Não é objeto deste estudo compreender por que essa série tinha práticas

educativas diferenciadas das demais; mas sinaliza-se a necessidade de estudos

aprofundados futuros sobre essa especificidade detectada nessa série no processo de

escolarização do grupo Clóvis Salgado. Os diários de classe foram escolhidos como fonte

porque trazem registros das atividades realizadas pelos professores do grupo escolar.

QUADRO 9. Conteúdo disciplinar registrado em diários de classe de professores da segunda série do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1957–63

ANO SÉR IE LIVROS DE HISTÓR IAS E POEM AS 1957 2ª Nada consta 1958 2ª Nada consta 1959 2ª O pequeno polegar; Rapunzel; O gigante de cabelos de ouro; Os cisnes selvagens;

A galinha cinzenta, A moura torta; O violino mágico; O príncipe rã; A veadinha cor de neve.

1960 2ª O príncipe rã; A princesa silenciosa; A gatinha branca; O mercador e o gênio; A princesa dos cabelos de ouro; O violino mágico; A moura torta; O príncipe querido; Os cabelos de ouro do gigante; História dos anões; O tamborzinho sardo; Ganso dourado

1961 2ª Guilherme e seu cão piloto; A bela adormecida; O dragão misterioso; O milagre da aparecida; A dança do vento; Sonho de herói; Bárbara terra; Na minha terra; Os carneirinhos; A moura torta; O príncipe querido; A gatinha branca; A bela adormecida no bosque; A princesa silenciosa; Os onze cisnes selvagens; A princesinha de má sorte; Rapunzel; O pequeno polegar; A velha dos gansos; O pequeno tamborzinho sardo; A rã encantada; O chapeuzinho vermelho; A gatinha mimosa; Jaque e o pé de feijão; a princesa dos cabelos de ouro; A veadinha cor de neve; O filho do pescador; A rabequinha maravilhosa.

1962 2ª O tamborzinho sardo; O pequeno vigia lombardo; A princesinha de má sorte; A

velha dos gansos; O gigante dos cabelos de ouro; Rapunzel; Jaque e o pé de feijão;

A fonte e a flor; A cigarra e a formiga; Chapeuzinho Vermelho; O filho do

pescador; O pequeno polegar; A galinha cinzenta; A princesa silenciosa; Os onze

Cisnes selvagens; A bela adormecida; A gatinha branca; A princesinha de cabelos

de ouro; A veadinha cor de neve; A vassoura mágica; Os três cabelos de ouro do

gigante; O mercador e o gênio; O príncipe querido.

1963 2ª Os doze cisnes; A veadinha cor de neve; Rapunzel; A princesinha adormecida; O

pequeno polegar; A princesa encantada; A moura torta; O jantar dos bichos; A rã

encantada; A rabequinha maravilhosa; Jaque e o pé de feijão; A criança; A rã e o

touro; O telégrafo; O príncipe; O ganso de ouro; A princesa silenciosa; O

piquenique do porquinho; A raposa e a cegonha; A velha dos gansos; História da

borboleta; A arca de Noé; Brinquedos dos gigantes; História dos meios de

transportes; Os onze cisnes; A bela adormecida.

Fonte: dados da pesquisa — diários de classe, 1964–71.

85

Nos registros acima, foram verificados os livros de histórias e poemas

trabalhados no período de 1957 a 1963, os quais apresentam, sobretudo, a atuação da

professora Lúcia Casasanta como divulgadora do método global em Minas Gerais.

De acordo com Maciel e Frade (2003), Casasanta produziu manuais didáticos que

foram usados em vários outros estados. No ano de 1954, ela lança seu pré-livro Os

três porquinhos. O sucesso dessa obra e da proposta metodológica pode ser

verificado nos relatórios emitidos pela Fundação de Assistência ao Educando na

década de 1980: das dez cartilhas mais distribuídas pelo Programa Nacional do

Livro Didático, o pré-livro — da coleção “As mais belas histórias” — era um dos

mais requisitados.

Maciel e Frade (2003) explicitam que “[...] o pré-livro foi editado

ininterruptamente até o ano de 1994. A partir dessa data, deixou de ser editado, como

aconteceu também com várias outras cartilhas”; embora afirmem não ter dados

quantitativos, “[...] pois a única informação obtida junto à Editora do Brasil, responsável

pela publicação da coleção didática de Lúcia Casasanta”. A fala da ex-diretora Mirza

(DINIZ, 2015, entrevista) se faz esclarecedora aqui:

Não adotávamos cartilha para a alfabetização. Adotávamos Os três porquinhos. Esse era o nosso método: o princípio era que você parte do todo para as partes. Nos Três porquinhos — método analítico —, você conhece primeiro o texto, depois a noção de sentidos, depois sílabas, depois letras; então você parte do todo para as partes. Era o Método Global que nós utilizávamos nessa época. Já não era mais o “bê-mais-a-é-igual-a-bá”. O uso do método nos resultou pontos positivos que favoreceram e facilitaram nossa prática pedagógica, a gente contextualizava na história. Mais tarde passamos para o Barquinho amarelo.

Mortatti (2007, p. 144) explica a questão psicológica — presente também na

alfabetização do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado — nos anos 1960:

Em relação ao ensino inicial da leitura e escrita, as discussões vão gradativamente enfatizando e — rotinizando os aspectos psicológicos — em detrimento dos linguísticos e pedagógicos — da aprendizagem tanto da leitura quanto da escrita, enfeixados os dois processos sob a designação mais ampla de — alfabetização, cujo caráter funcional e instrumental é destacado, relativamente ao ideário liberal de democratização da cultura e da participação social.

Conforme Mortatti (2007), essa metodologia que abarca o processo global,

que a princípio foi constituído em São Paulo, no ano de 1915, por meio da

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publicação do documento Instrucções praticas para o ensino da leitura pelo methodo

analytico — modelos de lições —, expandiu-se por vários estados, incluindo Minas

Gerais. Esse documento priorizava a “historieta” como essência e ponto de partida

para o ensino da leitura. A referência para o processo de alfabetização no Grupo

Escolar Governador Clóvis Salgado concentrava-se no método global. Maciel (2001,

p. 121) esclarece,

O Método Global de Contos tem como principal característica iniciar o processo de alfabetização por textos com sentido completo, por um todo, isto é, por frases ligadas pelo sentido, formando um enredo, constituindo uma unidade de leitura. Para atender a essa característica, a historieta ou conto deveria ser sobre um tema estimulador e de acordo com os interesses infantis: vida familiar, brinquedos, aventuras reais e maravilhosas com outras crianças, etc.

Verifica-se, assim, que a característica desse método de alfabetização é o

trabalho com unidades significativas da língua desde o início do processo. Nessa

perspectiva, o método global parte, já no início do processo de ensino da leitura e da

escrita, de textos com sentido completo, que devem tratar de um assunto instigante,

que contemplem o vasto universo infantil.

Maciel e Frade (2003) reportam como exemplo do método global o pré-livro

dos Três Porquinhos e ressaltam que os textos incentivam o exercício do sentido “da

visão” no que concerne às disposições a serem construídas no leitor, além da

descrição como procedimento textual e cognitivo. O que se torna mais forte ainda

quando conformam o texto à gravura. As escolhas textuais possibilitam dizer que

tais textos podem entrar de uma vez na narrativa literária e em suas fórmulas típicas,

como se pode ver no texto inicial da história dos Três Porquinhos, do livro As mais

belas histórias, de Lúcia Casasanta.

Quando se analisa o pré-livro Os três porquinhos, percebe-se que, se o texto

se aproxima de uma estrutura textual presente nas histórias infantis, com os verbos

conjugados no pretérito e uso de operadores como a palavra “mas”, no conjunto das

lições do livro, assim como na comparação com outros de uma mesma tendência,

como O livro de Lili, aparecem textos que ficam no meio do caminho entre a

narrativa e a descrição e que utilizam outras estratégias, tais como as frases

interrogativas no final de lições para chamar a atenção dos alunos ou mantê-los

interessados no que virá na próxima página.

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Segundo Souza (2013, p. 115),

[...] nas décadas de 60 e 70 sob a égide da tecnologia educacional, novas tecnologias de ensino e materiais didáticos estiveram no centro das proposições da educação no Brasil. Especialmente nos recursos audiovisuais, supervalorizados neste período. Foram depositadas as expectativas da renovação didática.

De fato, como analisou Souza, uma das características fundamentais dessa

tecnologia educacional foi a ênfase no planejamento, na economia e na

administração da educação, que apontavam a necessidade de melhorar a

eficiência no sistema educacional. Como explica a autora, a ênfase no

audiovisual entrou no campo pedagógico nos discursos que aliavam imagens e

sons à educação escolar.

No ensino primário dos grupos escolares de Minas Gerais, o emprego do método

global exigiu do professor o domínio de métodos e técnicas de aplicação e elaboração

de objetos didáticos mais simplificados, tais como cartazes elaborados em sala de aula,

álbum seriado, folhetos, fantoches, jornal de parede, mapas de relevo, desenhos, mural

didático, figuras e muitas ilustrações.

Os anos de governo de Kubitschek foram considerados como época de

estabilidade política permeada por otimismo e índice elevado de crescimento

econômico. Assistia-se a uma tentativa de conciliar o modelo nacional

desenvolvimentista com o modelo econômico de substituições de importações. Com

entrada de grande fluxo de capital estrangeiro em forma de empresas de grande

porte, expressavam-se as características embrionárias adotadas no Brasil. “[...] os

anos de 1956 a 1961 constituíram o período áureo do desenvolvimento econômico,

aumentando as possibilidades de emprego, mas concentrando os lucros em setores

minoritários internos e, mais que tudo externos” (RIBEIRO, 2003, p. 154). Esse

cenário de desenvolvimento foi guiado — cabe frisar — pelo programa de metas

desse governo, em que interesses protagonistas distintos e antagônicos se

superpuseram a problemas como o da educação, legados aos sucessores.

Em 1956, início do governo Kubistchek, o então ministro da Educação e Cultura

Clóvis Salgado firmou um acordo entre Brasil e Estados Unidos para constituir um

Programa de Assistência Brasileiro-americana no Ensino Elementar (PABAEE). De

acordo com Paiva e Paixão (2000, p. 107), o programa foi criado para

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[...] alcançar os seguintes objetivos: Formar quadros de instrutores de professores de ensino normal para diversas das Escolas Normais mais importantes do Brasil; elaborar, publicar e adquirir textos didáticos tanto para as Escolas Normais como para as Elementares; enviar aos Estados Unidos, pelo período de um ano, na qualidade de bolsistas, cinco grupos de professores de ensino normal e elementar, recrutados em regiões representativas do Brasil, que, ao regressarem, serão contratados pelas respectivas Escolas Normais para integrarem os quadros de instrutores de professores pelo período mínimo de 2 anos.

Ainda conforme esses autores, o PABAEE prévia um fundo conjunto para

financiá-lo e constituiu uma contribuição dos governos federal, de Minas Gerais e

dos Estados Unidos. Ao governo federal, coube prover custeio viagens para os

Estados Unidos e bolsas de estudos e transporte para subsidiar professores em cursos

promovidos pelo programa; esse custeio ficou a cargo do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Uma das primeiras ações

empreendidas pelo PABAEE, em setembro de 1957, para suprir as demandas da

Secretaria de Educação de Minas Gerais, foi ofertar a professores de escolas

públicas de Belo Horizonte com índices de desenvolvimento baixo um curso para

ampliar as capacidades de docentes do primário em exercício e elevar o rendimento

escolar. A fala de ex-professora do grupo Clóvis Salgado Jerônima Macedo (2015,

entrevista) se faz útil aqui:

Nesse período, a diretora da escola, dona Maria Morais, se deslocava para Belo Horizonte com a intenção de aprimorar-se e fazer cursos para trazer o ensino moderno para o grupo escolar. A diretora sempre buscava a participação dos pais, procurando a integração da família com a comunidade. Usavam cartazes porque as crianças eram muito pobres e não possuíam material escolar e uma das maneiras de motivá-las era por intermédio dos cartazes com o máximo de cores possíveis. Os cartazes eram de papel de embrulho ou de jornal. Nesse período, a escola era muito precária e os professores eram responsáveis por confeccionarem seus próprios materiais didáticos. Para tanto, os professores ficavam o dia inteiro na escola confeccionando os materiais e utilizando jornais, papel de embrulho, cartolina entre outros. Havia muita integração entre as professoras. Os livros didáticos, muitas vezes, vinham por intermédio de políticos locais que buscavam na Secretaria de Estado de Educação. Em relação ao PABAEE, não me lembro desse programa americano, mas afirmo que a professora Maria Morais buscava todas as inovações para e escola se deslocando para Belo Horizonte.

Nessa perspectiva, o vice-prefeito de Ituiutaba, Samir Tannus, ao tomar posse,

em 1959, foi procurado por professores que demandavam material didático, uma vez

que tinham de confeccionar e replicar o material recebido em forma de cartazes (FIG. 7)

e folhas avulsas para atender mais alunos.

89

FIGURA 6. Reprodução do cartaz do pré-livro As mais belas histórias. A peça era exposta na sala de aula e confeccionada pelos professores. Havia cartazes com desenhos que, segundo a professora Jerônima Macedo, eram usados para que as crianças criassem suas histórias com base nas imagens. Fonte: FACULDADE DE EDUCAÇÃO, 2015.

Em viagem a Belo Horizonte, Tannus se dirigiu à secretaria de Educação e

conseguiu um quantitativo significante de livros didáticos para as escolas públicas de

Ituiutaba, de modo a abrandar a precariedade do material didático. Esse fato foi

noticiado pelo jornal Folha de Ituiutaba (1960, p. 1):

Em tempo algum em toda a sua existência os grupos escolares de Ituiutaba receberam qualquer parcela de material para atender às suas necessidades. Era de ver as dificuldades que enfrentavam as diretoras e professoras para proporcionar aos alunos pobres os meios indispensáveis aos seus estudos. E isso era conseguido mediante recursos das caixas escolares, provenientes de constantes campanhas financeiras promovidas junto à população, que nunca faltou com seu auxílio aos necessitados, mormente em si tratando de crianças. Porém, em uma das suas últimas viagens a Belo Horizonte, o vice-prefeito Samir Tannus, indo até a secretaria da Educação, com a colaboração do funcionário do Palácio da Liberdade, senhor Odilon Alves Pereira, ali conseguiu grande abundância de material, tais como: livros, giz,

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lápis, apagadores para quadro-negro etc., destinados aos grupos escolares desta cidade. É a seguinte a relação dos objetos escolares conseguidos pelo vice-prefeito: 260 caixas de giz, 1,704 lápis pretos, 48 apagadores para quadro negro e 2.371 livros diversos, perfazendo tudo valor superior a Cr$ 100.000,00. Retirado o material, um caminhão foi fretado imediatamente para Ituiutaba, tendo os referidos objetos sido distribuídos entre todos os grupos escolares, bem como entre as escolas rurais federais dos Baús e de Gurinhatã. O senhor Samir Tannus conseguiu ainda, no Ministério da Educação e Cultura, grande quantidade de livros e folhetos instrutores que foram distribuídos entre os alunos das escolas de alfabetização de adultos da cidade. Foi, portanto, das mais oportunas a iniciativa do vice-prefeito que muito vem facilitar o desenvolvimento da educação e da cultura entre nossas classes necessitadas.

Como se lê na reportagem, o grupo Clóvis Salgado, dentre outros, recebeu

materiais didáticos por intervenção política local, e não por um dispositivo obrigatório

do estado de Minas Gerais. Há de ressaltar no relato da professora Jerônima Macedo

que a precariedade do material didático e dos recursos financeiros estava presentes no

cotidiano da escola. As professoras precisavam intensificar o trabalho pedagógico,

envolvente até sua família, para conseguir dinamizar as aulas e cumprir com o programa

de ensino.

Em relação ao relato da professora Jerônima acima, pode-se destacar a

precariedade da escola pública, tanto nos aspectos estruturais como no material

didático-pedagógico. A questão que se insere nesse contexto histórico refere-se ao

financiamento do ensino primário oriundo do Estado brasileiro.

A Lei Orgânica do Ensino Primário (BRASIL, 1946) normatizou a estrutura

desse nível escolar e estabeleceu em parte a forma de sua gratuidade. O ensino

elementar de quatro anos de duração foi definido como obrigatório para crianças na

idade de 7 a 12 anos — matrícula e frequência —, assim como foi fixada a duração do

ano escolar. Ainda assim, embora seja atribuído à administração dos estados e Distrito

Federal o controle do cumprimento da obrigatoriedade, ela é fundamentalmente definida

como responsabilidade civil. Isso pode ser depreendido do artigo 43, que demarca a

responsabilização penal dos pais que infringirem os preceitos da obrigatoriedade

escolar; e do artigo 44, que indica a necessidade de cooperação dos proprietários

agrícolas e das empresas “[...] em cuja propriedade se localizar estabelecimento do

ensino primário [...]” quanto a “[...] facilitar e auxiliar as providências que vissem a

plena execução da obrigatoriedade escolar”. Transparecia que o ingresso ínfimo na

educação escolar decorria não da insuficiência da oferta educacional, mas dos

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impedimentos criados pela sociedade para sua realização plena. A lei dispôs sobre a

previsão de recursos para implantação do “sistema de educação primária” por meio da

contribuição dos estados, do distrito federal e dos municípios para formar um fundo

nacional do ensino primário. Estabeleceu normas de redistribuição de recursos pela

União.

Nesse contexto, a demarcação de porcentuais das receitas de impostos para

aplicação obrigatória em educação voltou a ser discutida, a ponto de aparecer na

Constituição de 1946. Segundo Cury (2005, p. 87), a

[...] Constituição Federal (promulgada) de 1946 retoma, em boa parte, princípios da Constituição de 1934, como a vinculação de impostos para o financiamento da educação como direito de todos, a distinção entre a rede pública e a privada, a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário. Repõe em termos federativos a autonomia dos estados na organização dos sistemas de ensino. Assim, no artigo 169 se lê: “anualmente, a União aplicará nunca menos de 10% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Por sua vez, o artigo 171 da nova lei maior expressa: os estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino. § Parágrafo único: “Para o desenvolvimento desses sistemas, a União cooperará com o auxílio pecuniário, o qual, em relação ao ensino primário, provirá do receptivo Fundo Nacional”.

Como se lê, a Constituição reafirma responsabilidades da União com o caráter

supletivo de seu sistema educacional e com a cooperação financeira para desenvolver os

demais sistemas. Os porcentuais mínimos das receitas de impostos em educação se

mantiveram em 10% para a União e 20% para estados e Distrito Federal; aos

municípios couberam 20%. Conforme preleciona Horta (1998, p. 28), a Carta

Constitucional de 1946

[...] reafirmará o direito de todos à educação, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário e a gratuidade do ensino oficial ulterior ao primário para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos, não explicará, porém, a educação como dever do Estado, nem assumirá o conceito amplo de obrigatoriedade.

A delimitação temporal 1956–63 e 1964–71 se justifica porque mudou o regime de

governo. Para o primeiro período, faz-se necessário compreender o disposto na legislação

referente à obrigatoriedade e às formas como o Estado se isenta de consolidar a gratuidade

como direito social e se coloca na posição de assegurar condições supletivas buscando a

cooperação financeira dos estados, Distrito Federal e dos municípios. Essa perspectiva se

92

repete na primeira LDBEN (lei 4.024, de 1961), onde a responsabilidade do Estado com a

educação obrigatória volta a ser definida com ressalva: “[...] quando provada a insuficiência

dos meios ‘da família’ e dos demais membros da sociedade [para arcar com] encargos

educacionais [...]” (art. 3). As condições de isenção incluíam estado de pobreza

comprovado de pai ou responsável, insuficiência de escolas, encerramento de matrícula e

doença/anomalia grave da criança. Assim, a LDBEN ratificou a estratificação educacional

no país. O sistema de ensino consolidado não buscou soluções para as taxas ínfimas de

matrículas da população, a pouca permanência do estudante na escola e o índice de

analfabetismo, sobretudo no interior. Sob o controle de grupos conservadores na gestão da

política educacional, o Estado se manteve indiferente com as necessidades populares para a

educação.

Os anos 1960 foram marcadamente diferentes na política dos Estados Unidos

para a América Latina, sobretudo como o programa Aliança para o Progresso,

idealizado nos primórdios da administração John F. Kennedy e implantado nos anos

subsequentes. A orientação era priorizar a educação primária e a formação técnica, que

atende à massa, enquanto o ensino superior existiria somente para uma fração mínima

da sociedade. Em agosto de 1961, conforme Arruda e Almeida (2005, p. 98),

[...] foi realizada na cidade uruguaia de Punta del Este uma reunião com os países americanos, em que estes firmaram o compromisso que ficou conhecido como “Aliança para o Progresso”. Estabeleceu-se, nessa ocasião, que o programa de emergência “Alimentos para a Paz” ajudaria a estabelecer reservas de alimentos em áreas de secas recorrentes, ajudaria a fornecer alimentação escolar às crianças e ofereceria grãos forrageiros para utilização no desenvolvimento rural. Esse programa foi implementado, em 1960, pela Agency for Internacional Development (AID) que compõe o Banco Mundial, também conhecida no Brasil como USAID. Essa agência trabalharia em conjunto com o Departamento da Agricultura Norte-Americano, onde estava inserida a CCC. A USAID passou, então, a ser “a principal responsável pelo fornecimento de gêneros para a política de alimentação escolar no Brasil.” Mas, o que representou esse acordo em termos de comércio internacional? Cabe, nesse momento, entender como a USAID atuava. A USAID tinha como atividade empréstimos do Fundo de Empréstimo de Desenvolvimento, funcionando como um Banco de importação, exportação e distribuição de excedentes agrícolas para o Programa Alimentos para a Paz do Departamento de Agricultura. Mas qual era a principal função do Programa Alimentos para a Paz? George (1978, p. 185) aponta que esse programa teve sua gênese por meio da Lei Pública 408/1954 (PL 408) que dispunha de três títulos: 1º – regulava a venda de excedentes agrícolas às “nações amigas” com déficits alimentares, a serem pagos na sua própria moeda; 2º – doava excedente e ajudava os países amigos contra a fome, sendo que essa ajuda deveria durar 20 anos e corresponderia a

93

um quinto dos alimentos norte-americanos; 3º – regulamentava a troca de matérias-primas estratégicas por alimentos, como exemplo, a troca por minérios que constituiu estoques necessários para seu programa de energia atômica. George (1978, p. 186) verifica que o “programa cumpriu tranqüila e gradualmente uma de suas principais metas — criar futuros mercados comerciais”.

Se essa passagem deixa claro que o Brasil recebeu doações de gêneros

alimentícios, a fala da ex-diretora Mirza Cury (2015, entrevista) sugere que chegaram ao

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado pelo Programa de Merenda Escolar; disse ela:

Eu me lembro que, naquela época, era o presidente Kennedy, nos EUA, e ele fez um Programa denominado Aliança para o Progresso, que possuía uma parceria com os países da América Latina. De lá vinha o alimento para a escola. Recebíamos trigo quebrado, porque o trigo do quibe é bem fino, esse trigo que eles mandavam possuía uma tessitura um pouco mais grossa. Quando feito pela primeira vez na escola, ninguém, nem professores, nem funcionários, muito menos os alunos queriam comê-lo, pois achavam o gosto muito estranho. Com a intenção de fazê-los gostar desse trigo, o misturei com a carne moída que modificou o sabor e todos os alunos aderiram a este alimento e acabaram gostando muito. Nesse Programa Aliança para o Progresso, que era de origem americana, vinha trigo, manteiga, leite e um queijo muito gostoso. Tudo isso aconteceu no período de 1960 a 1971, porque o presidente Kennedy foi assassinado em 1963.

Como se pode deduzir dessa passagem, ante a precariedade do grupo escolar na

parte estrutural e didática, ante a luta das professoras pelo prédio próprio e ante as

campanhas para conseguir uniforme e assegurar a manutenção da escola com a caixa

escolar, receber alimentos despertava, na direção e nos professores, um sentimento de

valorização, porque muitas vezes podiam aplacar a fome de crianças oriundas de

famílias economicamente desprivilegiadas. Mas subjacente à movimentação de recursos

técnicos e financeiros de países desenvolvidos em prol dos subdesenvolvidos pode-se

deduzir que havia negociações de interesse político; noutros termos, interesse dos EUA

em combater o comunismo com apoio ao governo militar. De tal modo, a presença de

ações dos Estados Unidos em níveis elementares da educação pública significava a

possibilidade de inculcar valores num público ainda muito influenciável, ainda muito

aberto à recepção. Se assim o for, ao seguir suas linhas gerais para o desenvolvimento

da educação, a USAID beneficiava mais o país fornecedor de alimentos do que o

beneficiário, pois criava condições de difundir a ideologia capitalista estadunidense, que

94

via a América Latina, no contexto da revolução cubana (1959), como espaço propenso

ao “perigo” comunista (ROMANELLI, 1978; SANTOS, 2010).

Em um contexto tal, não soa descontextualizada a manchete “A revolução

redentora de 1964” do jornal Folha de Ituiutaba (s. d., s. p), à qual se segue este texto:

O Movimento eclodido na noite de 31 de março para 1º de abril, há oito anos, teve a virtude de livrar o Brasil do perigo iminente da instauração do regime dominante no leste europeu, em Cuba e outros países fazendo a infelicidade de centenas de milhões de pessoas de sacudir o país, tirando-o do marasmo; de trazer a tranquilidade ao seio das famílias e criar condições para o trabalho construtivo. Enfim fez prevalecer, como nunca na história da República, a ordem e o progresso de que tanto necessitava o povo brasileiro para progredir e construir a grandeza desta abençoada Terra de Santa Cruz.

O regime militar construiu estratégias nas diversas esferas da sociedade para

alcançar a maioria da população e legitimar seu poder. De tal modo, a educação foi o

lócus para consolidar a ideologia militarista. Uma ideologia que, subjacente à

Constituição (outorgada) de 1967, deixou claro que financiar a educação era

responsabilidade alheia a ela; seu compromisso seria com o incentivo à privatização do

ensino. A política educacional então se apresenta, conforme Germano (2005, p. 83;

grifo nosso), em torno destes seguintes eixos:

1) Controle político e ideológico da educação escolar, em todos os níveis [...]; 2) Estabelecimento de uma relação direta e imediata, segundo “a teoria do capital humano”, entre educação e produção capitalista e que aparece de forma evidente na reforma do ensino do 2º graus através da pretensa profissionalização; 3) Incentivo à pesquisa vinculada a acumulação de capital; 4) Descompromisso com o financiamento da educação pública e gratuita, negando, na prática, o discurso de valorização da educação escolar e concorrente decisivamente para a corrupção e privatização do ensino, transformado em negócio rendoso e subsidiado pelo Estado. Dessa forma, o regime delega e incentiva a participação do setor privado na expansão do sistema educacional e desqualifica a escola pública de 1º e 2º graus, sobretudo.

Destaca-se a ideia de controle político e ideológico por meio do conteúdo dos

livros didáticos, na avaliação realizada no boletim escolar, nas histórias contadas aos

alunos, na valorização das datas comemorativas, fomentando o poder autoritário e a

obediência como princípios norteadores de legitimação da ordem militar.

95

FIGURA 7. História em quadrinho da revista Campanha de Segurança do Trânsito. Esquecida dentro de diário de professora do Grupo Escolar Governador Clóvis, enfatiza a formação de obediência do cidadão e o sentimento de gratidão para com a figura do guarda de trânsito. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, s. d

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O Estado militar designou a educação — especificamente a escola — para

ajustar o homem ao meio, ao tempo e a todos os seus atributos, sobretudo o respeito e a

obediência à figura de autoridade — o guarda da história em quadrinho. Falas como

“Quem pratica tais diabruras, por certo tem mau destino, quem vive nas travessuras não

pode ser bom menino” dão uma medida da intenção de inculcar valores nas crianças. A

escola cuidaria, com especial atenção, da formação para a vida e para a sociedade, ou

seja, dos valores morais e cívicos e das técnicas de sobrevivência e produtividade.

Essas intenções se fizeram notar na legislação educacional, sobretudo a partir de

1968, quando foi revista e reestruturada a Moral e Cívica (Deus, Pátria, Família), que

então passou a determinar a conduta do sistema de ensino, da escola, do professor e do

aluno. Desde os primeiros momentos após o golpe de 31 de março de 1964, o Estado se

preocupou em definir a educação dentro da perspectiva disciplinadora; uma educação da

moral e para o civismo. A ênfase nesse quesito pode ter se tornado necessária em

virtude da desenvoltura dos alunos nas escolas, como se deduz da figura a seguir.

FIGURA 8. Reprodução de páginas de boletim indicando a desenvoltura discente em Educação Moral e Cívica no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, s. d. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, s. d.

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Observa-se que o aluno A1 obteve nota vermelha em Gramática, Matemática,

Estudos Sociais, Moral e Cívica. A única matéria recuperada foi Gramática, no mês de

junho, e Moral e Cívica, em setembro. No entanto, foi reprovado por não comparecer às

provas finais, o que parece evasão do aluno do processo escolar na quarta série.

Conforme orientação da legislação educacional de 1968, o boletim presumia condutas a

ser avaliadas pelo diretor da escola como: “Cooperação”, “Iniciativa”, “Obediência”,

“Pontualidade”, “Responsabilidade”, “Interesse pelo trabalho”, “Hábitos de Ordem” e

“Hábitos de Higiene”. O boletim também dá uma medida das funções do corpo

administrativo, pois a escrituração cabia também à direção escolar, conforme relata

Mirza Cury (DINIZ, 2015, entrevista) ao falar do preenchimento do boletim escolar:

[...] por falta de profissional na escola, era eu quem fazia a escrituração. Havia uma redução de funcionários, então eu (diretora) dava cursos para os professores relacionados ao pedagógico, fazia a escrituração escolar (função da secretaria), ajudava na disciplina. A gente se desdobrava! Para a entrega do boletim havia uma reunião com os pais. Não entregávamos para o aluno.

É cabível compreender que Mirza Cury, na função de diretora, desempenhava

seu papel em conformidade ao proposto pela legislação. Daí que seu relato deixa

entrever o papel que devia cumprir: mediar, escriturar, orientar pedagogicamente e

dialogar com a família. Tal papel se coaduna com as prescrições da Associação

Nacional de Política e Administração da Educação, que surgiu nos anos 1960 e foi

objeto de estudos que inauguram uma crítica à adaptação da lógica empresarial à escola.

Corrobora essa perspectiva a compreensão da função de diretor na Revista de Ensino

referente ao art. 42 da primeira LDBEN, em que o diretor da escola deve ser educador

qualificado. Segundo tal revista,

[...] “diretor qualificado” aquêle que reunir qualidades pessoais e qualidades profissionais, compondo uma força capaz de infundir à escola a eficácia do instrumento educativo por excelência e de transmitir a professores, a alunos e à comunidade sentimentos, idéias e aspirações de vigoroso teor cristão, cívico, democrático e cultural. (REVISTA DO ENSINO, 1962, p. 24)

Dentre as várias possibilidades de cumprir esse papel — que tinha de impactar até

na comunidade —, a diretora e seu corpo docente desempenhavam práticas pedagógico-

escolares como a organização de festividades, comemorações e desfiles cívicos, quando

então podiam expor seu trabalho desenvolvido na escola aos olhos da comunidade.

98

3.1 Festividades e comemorações cívicas

Na perspectiva de Balassiano (2012, p. 3. 255),

As festas escolares podem ser compreendidas por diferentes olhares. No primeiro instante refletem datas, rituais e personagens muitas vezes externos ao estabelecimento escolar, mas quando observado no cotidiano da instituição representam pertencimentos que se quer marcar, aproximar e por isso é importante reconhecer os contextos socio-históricos em que estão inseridos. De outro modo, as festas relacionadas diretamente ao estabelecimento escolar se reportam aos ritos de passagem como: as comemorações da fundação e na sequência as festas do aniversário, as festas de encerramento do ano escolar, as festas de formatura, entre outras.

À luz dessa visão das festas escolares, pode-se dizer que, no período militar, elas

permitiram integrar a comunidade escolar com a comunidade em geral, mas também —

e sobretudo — frisar os ideais militares perante a sociedade que comparecia às

comemorações festivas da escola pública. Não por acaso, as festas escolares focaram

nos espetáculos cívicos, a exemplo do desfile referente à Semana da Pátria, como se vê

na figura a seguir.

FIGURA 9. Momento de desfile comemorativo da Semana da Pátria. Evidenciam-se a marcha correta, a postura rígida das alunas, os movimentos homogêneos das marchas sob o olhar atento dos professores que acompanhavam o desfile e do público que ficava nas calçadas admirando o desfile de todas as escolas. Nesse sentido, a comemoração cívica era especialmente disciplinada, s. d. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, s. d.

O relato de Mirza Cury (DINIZ, 2015, entrevista) dá uma medida mais detalhada

do desfile cívico:

99

O desfile tinha o percurso saindo da avenida 9, passando pela [avenida 17], seguindo na rua 22, até a praça Cônego Ângelo. Na época dos desfiles, as rua ficavam lotadas nas calçadas, para ver as escolas passando desfilando. Na época já havia a participação do Tiro de Guerra. Fazíamos campanhas para organizar o desfile e comprar roupas para as crianças. Todos os professores participavam desfilando junto com as crianças e ao mesmo tempo corrigindo posturas.

A imagem seguinte apresenta-se a população assistindo à festividade, e cada

pelotão do desfile desempenhava sua função da melhor maneira que havia sido

ensinado.

FIGURA 10. Arranjo de desfile escolar. À frente, alunas ladeadas dão a tônica da ordem e da organização, que começa dentro das escolas, com o planejamento do desfile e a escolha de alunos para compor os grupos da fanfarra e das alegorias. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, s. d. As fotografias das comemorações e dos desfiles de datas cívicas dos primórdios

da escola compõem um álbum intitulado Bodas de ouro da escola, presente no acervo

atual. Além das imagens fotográficas contidas no álbum, não foram encontradas outras

que pudessem ampliar os registros visuais do passado do Grupo Escolar Governador

Clóvis Salgado. Uma explicação para a escassez de registros fotográficos talvez seja o

custeio do serviço de fotógrafos, oneroso para uma escola que sobrevivia de campanhas

e de ajuda voluntária da sociedade e da prefeitura e cujos alunos provinham de famílias

cuja renda era insuficiente para arcar com os custos das fotografias, por mais que

quisessem ter uma lembrança dos filhos desfilando em nome da escola.

Com efeito, a fala do ex-prefeito de Ituiutaba Samir Tannus (2015, entrevista)

aponta a forma de contribuição da prefeitura para as escolas da cidade; segundo ele, “[...] as

100

escolas públicas de Ituiutaba como o Grupo Escolar Clóvis Salgado, eu ajudei todas. As

professoras iam na prefeitura junto com a diretora Mirza Cury e me pediam ajuda. A

prefeitura doava merenda, material didático, móveis como carteira e mesas”.

Diferentemente do quer se poderia pensar, a prefeitura — conforme a fala do ex-prefeito —

“[...] não tinha crédito, mas naquela época todas as prefeituras estavam passando por uma

intensa crise financeira. O governo federal não colaborava com nada, o estadual muito

menos”. Ao assumi-la, em 1967, ele teria encontrado um município “[...] economicamente

precário, deteriorado, [com] a prestação de contas atrasada em três anos”. Essa dificuldade

financeira da escola, articulada com a precariedade das finanças públicas municipais,

converge para o que diz Saviani (2008, on-line):

A Constituição de 24 de janeiro de 1967, baixada pelo regime militar, eliminou a vinculação orçamentária constante das constituições de 1934 e 1946, que obrigava a União, os Estados e os Municípios a destinar um percentual mínimo de recursos para a educação. A Constituição de 1934 havia fixado 10% para a União e 20% para Estados e Municípios; a Constituição de 1946 manteve os 20% para Estados e Municípios e elevou o percentual da União para 12%. A emenda constitucional n. 1 baixada pela junta militar em 1969, também conhecida como Constituição de 1969 porque redefiniu todo o texto da carta de 1967, restabeleceu a vinculação de 20% mas apenas para os Municípios.

Em outros termos, com base na Constituição de 1967 e na redefinição do texto em

1969, o Estado militar transfere ao município a responsabilidade de financiar a educação

pública. Mais que isso, ao eliminar a vinculação financeira, a Constituição de 1967 abriu

margem à iniciativa privada. Municípios como Ituiutaba, que — como disse o ex-prefeito Samir

Tannus — não tinham apoio do governo federal e estadual eram terreno fértil para escolas

particulares não só na dimensão pedagógica, mas também em dimensões como a saúde, que

encontrou lugar na escola mediante o “clube de saúde”, para inspecionar o asseio dos alunos do

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado; alunos oriundos da classe trabalhadora e de origens

rurais, daí que se tornavam objetos de práticas culturais civilizatórias.

3.2 Clube de saúde

O regime militar continuou a política de saúde delineada na assistência médico-

sanitária proposta pelo código do ensino primário de 1962, com a diferença de não

financiá-la obrigatoriamente, como previa o art. 116 do código. Ante o art. 115 do então

novo código do ensino primário — lei 2.610, de 8 de janeiro de 1962 —, o regime

militar manteve instituições escolares que tinham por função educativa o envolvimento

101

de alunos, da escola e da comunidade com problemas relativos à escola pública, a

exemplo da saúde e das condições sanitárias. Tal envolvimento se mostrou nas páginas

da Revista de Ensino (FIG. 12), onde a ideia de clubes intraescolares se mostrou

promissora. Nela se noticiou a criação do clube agrícola, do clube da saúde e do clube

de leitura (REVISTA DE ENSINO, 1962, p. 148). O clube agrícola era uma forma de

auxiliar “[...] na tarefa de aperfeiçoamento do meio escolar e social, despertando a

interface da comunidade para a vida da escola” (REVISTA DE ENSINO, 1964, p. 11).

O art. 116 do código prescreveu a assistência médico-sanitária abrangendo a

odontologia, a ser prestada pelo estado a todos os alunos (REVISTA DE ENSINO,

1962, p. 148). A julgar pelo que dizem Renovato e Bagnato (2012, p. 57) sobre as

políticas de saúde de então, os clubes calharam com as intenções do governo:

O período que se iniciou na década de 60 e se estendeu até meados da década de 1980 foi classificado como período turbulento para a educação sanitária, visto que o contexto social e político do Brasil encontrava-se sob o domínio de um regime autoritário, altamente repressivo, centralizador e concentrador de renda. Como consequência, o campo que se abriu para a educação sanitária foi o planejamento familiar. [...] Deste modo, a deteriorização da saúde da população se expressava nos elevados índices de mortalidade infantil, epidemias de meningite, sem contar na marginalização desencadeada pela política privatizante do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)

Com efeito, nesse caso as escolas seriam um lócus central para disseminar a ideia do

planejamento familiar, assim como disseminar preceitos sanitaristas na comunidade, pois os

alunos levariam para casa — para a família — o que assimilavam dos cuidados com a saúde e a

higiene. O governo militar pode ter apostado nessa ideia incentivando a criação de estratégias

que o eximissem da responsabilidade pelas condições de saúde dos brasileiros e atribuía às

escolas o papel de examinador e disseminador de concepções e práticas sanitaristas.

Uma dessas estratégias talvez tenha sido o incentivo à criação dos clubes

intraescolares, sobre os quais o MEC indagava em questionários de atualização anual de

dados estatísticos a ser respondidos pela escola e enviados ao ministério em 1967. Em

parte, o questionário se refere ao gabinete dentário e ao consultório médico como da

estrutura educacional escolar, ou seja, do “Aparelhamento e Equipamento Escolar”; no

item “Instituições Escolares”, entram o clube desportivo, o clube agrícola, o clube de

leitura e o pelotão da saúde. Com um estado alheio à saúde e à educação como objeto de

financiamento estatal, a iniciativa privada viu um campo aberto para adentrar a escola

pública na forma de médicos e dentistas para atender em tais clubes.

102

FIGURA 11. Modelo de ficha enviada às escolas públicas e privadas pelo MEC para obtenção de dados para composição anual de dados do serviço de estatísticas da educação e cultura. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 1967a.

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FIGURA 12. Componentes da mesa de criação do clube da saúde do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, Ituiutaba, 1971. Compôs a mesa o político Omar Diniz, segundo da esquerda para a direita, que ajudou a criar formalmente essa escola. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 1971.

A estratégia do clube de saúde e seus impactos se exemplificam bem no caso do

Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. Em 1971, foi criado o clube da saúde dessa

escola (FIG. 12). Segundo o livro de atas do clube de saúde, suas atividades começaram em

12 de agosto de 1971. A primeira reunião do clube incluiu a diretora, Mirza, e as

professoras Ana Maria Gomes, Aidê Soares de Menezes e Neusa dos Reis Domingues. A

ata da reunião foi elaborada pelos alunos, mas não teve assinatura do secretário da reunião.

Nessa primeira reunião os alunos se sentiram conscientizados sobre os objetivos deste clube e precisava ser feita uma escolha do nome do clube, a qual aconteceu de forma democrática, onde concorreu três cientistas ilustres Carlos Chagas, Vital Brasil e Osvaldo Cruz. (GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGAD, 1971).

Em 16 de agosto de 1971, houve outra reunião, na Biblioteca Machado de Assis,

com os alunos da quarta série para escolha dos membros da chapa organizadora do Clube

da Saúde Vital Brasil, nome escolhido. A chapa eleita teria de participar das orientações

com professoras para desenvolvimento dos trabalhos. Em 3 de setembro, houve reunião

para a posse dos membros. Segundo a ata da reunião, tomaram posse a tesoureira Sônia

Maria de Oliveira, o bibliotecário Francisco Canindé Dias e a diretora Maria Mirza Cury

Diniz. A reunião se realizou em forma de assembleia geral contando com a presença de

Omar Diniz e Marlene Diniz, além de professoras, diretora e membros da diretoria e

representante da rádio Difusora de Ituiutaba. O presidente eleito guiou a sessão dando

posse aos colegas da subdivisão de trabalhos. Foi feito o juramento solene e em seguida

104

cantou-se o hino do Clube de Saúde (GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS

SALGADO, 1971–5). A inauguração do clube da saúde foi marcante para o grupo

escolar, pela presença de pessoas ilustres, pela divulgação noticioasa ao vivo pela rádio e

pela presença maciça de alunos (FIG. 14 e 15).

FIGURA 13. Alunos assistindo à posse do primeiro pelotão de saúde, 1971. Fonte: ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 2010.

FIGURA 14. Circunstância de fundação do Clube da Saúde Vital Brasil, no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1971. Os números manuscritos a tinta indicam: 1) Omar Diniz, 2) professora Marlene, 3) diretora Mirza, 4) professora Neusa, 5) professora Ana Maria, 6) primeira aluna a se atendida no clube de saúde, pelo cirurgião plástico Juarez Avelar. Fonte: ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 2010.

105

As palavras da ex-diretora Mirza Cury (DINIZ, 2015, entrevista) expõe a

compreensão que se tinha então do clube da saúde:

O clube da saúde era uma instituição escolar que tinha como finalidade educativa de formação de responsabilidade, cooperação e solidariedade por parte desses alunos. Os mesmos eram escolhidos pelos próprios colegas que elegiam aqueles alunos que se destacavam por um comportamento em sala exemplar, higiene e educação e respeito com o outro. Ao se processar a eleição, o clube da saúde apresentava vários cargos, entre eles: o patrono, cuja escolha deveria ser uma pessoa ilustre que contribuiu para a escola e para a sociedade. Assim foi eleito doutor Omar de Oliveira Diniz, que trouxe o Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado para Ituiutaba. Os cargos do clube de saúde, que levava o nome de Vital Brasil, tinha subdivisões de trabalho: 1) o pelotão da saúde; 2) os bandeirantes da saúde; 3) brigada contra acidentes. Todas essas subdivisões contavam com a secretária, presidente, vice-presidente, tesoureira, oradora e diretora artística. O clube reunia-se quase todos os dias e muito contribuiu com a escola, pois era responsável por examinar o cabelo das crianças, verificando se havia piolho, pois naquela época as crianças apresentavam uma alta frequência de piolho em seus cabelos. Assim, tínhamos no banheiro chuveiro e os professores davam banho nos alunos que se encontravam juntos e com piolho na cabeça. Nós tínhamos remédio para combater o piolho, e o mesmo era utilizado para as crianças. O pelotão de saúde processava, além do exame nos cabelos das crianças, também o corte de unhas e na avaliação da higiene. Quando as crianças sentiam mal na escola, procuram o pelotão da saúde, que as encaminhavam para a direção da escola. Dessa forma, levávamos as crianças para ser consultadas com o doutor José Féres, que não cobrava pelo seu trabalho, Assim também tínhamos a colaboração do doutor Juarez Avelar, que foi meu aluno no Instituto Marden [escola particular de Ituiutaba]. Quando alguma criança sentia-se mal na escola, o mesmo se deslocava para o grupo escolar prestando o atendimento gratuitamente. O clube de saúde tinha uma farmacinha e usavam dentro da escola roupas brancas assumindo o caráter de responsabilidade da saúde das crianças e de seus colegas. Nos desfiles cívicos, o pelotão de saúde compunha um bloco com os seus uniformes destacando dos demais alunos pelo trabalho educativo prestado na escola. Assim o patriotismo, a esperança de um país melhor e a vontade de ver sua escola se destacando eram os motivos que os alunos tinham para participar dos desfiles da semana da Pátria.

Compreende-se que o clube da saúde teve função educativa expressiva no grupo

Clóvis Salgado, de tal modo que alunos se sentiam valorizados ao colaborarem com a

resolução de problemas referentes à saúde. Mais que isso, é provável que a

possibilidade de consultar médicos tenha sido valorizada ainda mais; embora fossem

parcas as condições do consultório médico (FIG. 16), afinal não havia financiamento do

governo militar para iniciativas tais. Nesse caso, o funcionamento do clube dependeria

da boa vontade dos profissionais da saúde quanto a atender de graça.

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FIGURA 15. Consultório médico no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, Ituiutaba, 1971. Fonte: ESCOLA ESTADUAL GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 2010.

A primeira LDBEN (lei 4.024/61) não presumiu, na reforma da organização

curricular, disciplinas de conteúdos para uma educação sanitária, como na reforma

Capanema (SILVA, MENEGHIN; PEREIRA, 2010). Assim, dentre as disciplinas que

podiam acomodar tais conteúdos — conforme aponta Silveira (1994) —, estavam Ciências

Físicas e Biológicas, obrigatória, e Biologia, complementar. Após o golpe militar, em 1964,

a educação sanitária recrudesce ante a nova racionalidade no Serviço Nacional de Saúde,

que passa a privilegiar o aspecto curativo baseado na assistência médica.

[...] o golpe militar impôs aos brasileiros um regime autoritário de administração pública, culminando com a piora da saúde principalmente da parcela mais carente da população. O regime autoritário trouxe como consequência imediata o total esvaziamento da sociedade nos rumos da previdência. Nessa época, a política imposta pelos militares voltou-se para a expansão dos serviços médicos privados, especialmente hospitais nos quais as ações educativas não tinham espaço significativo. A perspectiva da participação da comunidade nos processos de educação em saúde visavam mobilizar as populações a cooperarem com os agentes e serviços de saúde inauguradas nas zonas rurais e periferias urbanas. (SILVA, MENEGHIN; PEREIRA, 2010, p. 19).

107

3.3 Atividades comemorativas da semana da pátria Ante as restrições para a saúde da classe trabalhadora, o clube de saúde tinha a

preocupação de orientar sobre higiene bucal, corporal, além de (in)formar sobre alunos

que passavam mal, ao que o clube acionava a direção da escola para prestar socorro

médico a fim de resolver o problema. Essas atitudes se alinhavam em orientações mais

amplas para atividades na primeira e segunda série, como aquelas que se apresentam na

figura a seguir.

FIGURA 16. Orientações para atividades pedagógicas do Grupo Escolar Governador Clóvis, 1967. A folha foi encontrada dentro de um diário da segunda série. Fonte: GRUPO ESCOLAR GOVERNADOR CLÓVIS SALGADO, 1967b.

108

As atividades sugeridas para a semana da pátria dão uma medida do ideal de

nacionalismo e patriotismo. Por exemplo, a compreensão de que, antes de ser mineiras

(paulistas, goianas etc.), as crianças eram brasileiras, que a pátria delas era o Brasil. Aí

entram os símbolos nacionais como bandeira e o respeito que ela merece como tal;

assim como merece respeito e admiração dom Pedro I. Essas atividades convergiam

para o porquê da comemoração da semana da pátria. Pode-se notar aí certa manobra

psicológica para influenciar e persuadir as crianças. São motivações, crenças,

superstições, atitudes e opiniões, tradições que têm como ideia-força o desenvolvimento

do país. A atenção dada a ideia de que as crianças eram brasileiras independentemente

de terem nascido em estados diferentes deixa entrever a intenção do regime militar de

camuflar e anular as diversidades regionais e, logo, as desigualdades econômicas e

sociais.

Com a “[...] perspectiva de alcançar o desenvolvimento econômico e a

grandeza do país” (CARVALHO, 2005, 87), o regime militar usou a educação para

legitimar a ditadura (GERMANO, 2008). Daí a insistência na defesa de “heróis”

como dom Pedro I e de símbolos da pátria como a bandeira e o hino, além de valores

cristãos, supostamente inerentes ao povo brasileiro. Longe de corrigir as

desigualdades, tal regime continuava a dualidade do sistema educacional brasileiro,

tantas vezes denunciado por Anísio Teixeira em sua obra, revestida, agora, de novas

configurações.

A segunda unidade refere-se a conceitos cívicos que deveriam ser inculcados

na criança. Com efeito, segundo Souza (1999), tornar as datas cívicas em um motivo

de atividade escolar era fazer da escola primária um espaço de perpetuação da

memória nacional. Diferentemente das festas do calendário social, as festas

escolares não contrapõem o tempo livre ao tempo do trabalho, pois constituem

tempo de atividade educativa, tempo de aprender (SOUZA, 1999, p. 134). Como tal,

ajudaram a legitimar o regime militar. Prova disso são os valores abordados: amor e

devoção à pátria, hábitos e atitudes de respeito aos símbolos pátrios, admiração pela

bravura dos brasileiros que desejaram e conseguiram a independência do Brasil

(dom Pedro I).

A escola vivenciou o regime militar em forma de determinação do conteúdo

ministrado, na vigilância focada em professores, alunos, diretores e pais de alunos e no

controle mediado por pessoas que se infiltravam nas salas de aula para descobrir o

conteúdo ministrado pelo professor. O relato da professora Helena Teresa (2015,

entrevista) se refere a essa possibilita:

109

Naquela época os professores de Educação Moral e Cívica faziam treinamentos e capacitação em Uberlândia para entender a metodologia e a forma como iriam trabalhar o conteúdo de acordo com os ideais da ditadura militar. Assim, quando chegávamos na escola depois do treinamento, éramos vigiadas de forma velada para verificar se o professor de fato estava cumprindo com a metodologia imposta no regime militar.

A escola pública não impediu a vigília e cumpriu as designações dos militares.

No item 2 das sugestões de atividades tem-se a entrevista com militares e professores de

história, além da excursão (visita a museu e biblioteca), pesquisa em livros e jornais;

além disso, palestras com professores, confecções de cartazes, álbuns e painéis com

símbolos da pátria e desenho da bandeira nacional. No caso da excursão, no Grupo

Escolar Governador Clóvis Salgado, foram realizadas como práticas pedagógicas que

objetivavam contribuir para o processo de ensino e aprendizagem mediante atividades

de estímulo à observação e que oportunizassem ao educando a interação com o

ambiente visitado.

QUADRO 10. Excursões pedagógicas de alunos do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, 1957–71.

SÉR IE EXCURSÕES OBJETIVOS

1ª Às dependências do grupo Conhecer a escola: o gabinete da diretora, a cantina, o pátio, demais dependências da escola, para saber como funciona e para que servem cada uma, o que fazem a diretora e as serventes.

1ª Ao pátio da escola Observar as plantas e hortaliças. 1ª Aos arredores do grupo e

nas ruas onde se localiza o grupo

Observar a localização do grupo em relação ao bairro e à cidade.

1ª À lagoa Estudar os girinos. 1ª A um quintal Estudar as aves domésticas, como devemos tratá-las, 1ª A uma chácara, a um jardim

público, ao pátio da escola. Estudar plantas e animais, levá-los a observar a grandeza da obra divina.

1ª Em volta do grupo e nas ruas onde se localiza o grupo

Conhecer o local onde se situa o grupo, como a vizinhança ajuda a escola e vice-versa, observar o bairro, as casas e a cidade.

2ª Excursão ao centro da cidade de Ituiutaba

Observar Ituiutaba moderna e antiga e conhecer prédios, casas praças, etc.

2ª A um ponto elevado da cidade

Levar os alunos a observarem os prédios que mais se destacam vistos de longe em Ituiutaba.

2ª À agência dos Correios Aprender o que é telégrafo 2ª À agência de telefone Aprender como se usa o telefone. 2ª A um ponto elevado da

cidade Levar os alunos a observarem os prédios que mais se destacam vistos de longe em Ituiutaba.

Continua...

110

… Continuação do QUADRO 10 SÉR IE EXCURSÕES OBJETIVOS

3ª Excursão ao centro da cidade de Ituiutaba

Observar como estão as praças, as casas, a limpeza das ruas, a igreja.

3ª À Prefeitura Municipal Conhecer a Câmara dos Vereadores, o fórum, as autoridades locais.

3ª À Praça 16 de setembro Estudar o trânsito, a limpeza da praça e dos arredores do grupo. 3ª À lagoa Estudar sobre a água. 4ª À empresa Café Quentinho Desenvolver no aluno a capacidade de observação, linguagem

oral, formar hábitos sociais, adquirir conhecimentos sobre o café, como funciona sua torrefação e seu valor para a comunidade.

4ª À Biblioteca Municipal- exposição folclórica

Formar hábitos sociais, conhecimento ao que se refere ao folclore.

Fonte: dados da pesquisa — diários de classe, 1957–71

A atividade de excursão merece reflexão. Era instrumento informativo cuja

prática escolar deveria ser permanente e metódica. Como recurso pedagógico, não

podia ser considerada como mero passeio. Tinha de criar condições para os alunos

investigarem conceitos científicos e explorar suas curiosidades mais diversas. Nos

anos 1920 houve sua oficialização. O decreto 7970-A, de 15 de outubro de 1927,

aprovou o regulamento do ensino primário e, ao tratar das atividades de excursão —

na parte IX (“Do funcionamento escolar”, capítulo IV da Ordem dos Trabalhos

Escolares, art. 319) —, observa-se a seguinte proposição:

Os professores promoverão, sempre que possível, excursões escolares, como meio de educação e de ensino, os directores das escolas reunidas e de grupos, auxiliados pelos receptivos professores, bem como os professores das escolas singulares, estudarão, as respectivas sedes e organização para os seus estabelecimentos um programa de excursões para alumnos de cada anno do curso (BRASIL, 1927, grifo nosso).

O método instituído foi patente entre 1956 e 1971, com pouca alteração legal e

em formas diversas, ou seja, às vezes para fins mais específicos, às vezes para fins mais

gerais. Segundo Aguayo (1963), dos vários tipos de excursão, algumas tinham por

objetivo trabalhar certas disciplinas ou dados assuntos. Toda excursão deveria ser pré-

organizada, de tal modo que o professor estudasse o local em que seria realizada.

As excursões do Grupo Escolar Governador Clovis Salgado ocorriam no

município de Ituiutaba e objetivaram, sobretudo, fixar conteúdos ministrados em sala de

aula, como se pode depreender do quadro acima. Os alunos iam a armazéns de arroz

com o objetivo de conhecer o produto característico do município; iam à lagoa estudar

os girinos; iam a pontos mais altos da cidade para avistar e verificar prédios, arquitetura

111

e construções; visitavam jardins públicos (praças para estudar as plantas), a Biblioteca

Municipal e igrejas católicas, assistiam à missa com explicações sobre suas partes

principais e aprendiam a ajoelhar em sinal de adoração ao Santíssimo Sacramento;

também assistiam a apresentações de folclore. Na visão de Pelizzer (2005), a estratégia

da excursão, ao levar o discente a ver pedagogicamente o mundo fora da escola e o ser

humano no tempo e no espaço que não o escolar, pode transformar visões de mundo,

fazer desenvolver outras atitudes individuais ante o espaço onde se vive.

Como se pode deduzir, o Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado seguia à

risca as atividades “sugeridas”; na prática, essas orientações eram obrigatórias e até

vigiadas. Dito de outro modo, para persuadir e formar almas devotas ao regime militar,

a ditadura invade a sala de aula usando um processo astucioso: a linguagem dos

conteúdos didáticos, que se aliava aos desfiles, às comemorações e às festas.

Nessa perspectiva, “todo ato de linguagem emana de um sujeito que apenas pode definir-se em relação ao outro” (Charaudeau, op. cit., p. 16). Assim, os princípios de alteridade, de influência, e de regulação são considerados por esse autor como “fundadores do ato de linguagem que o inscrevem em um quadro de ação, em uma praxiologia do agir sobre o outro”. Trata-se de uma relação social na qual um sujeito não existe sem o outro, conforme o princípio da alteridade. De igual modo, esse sujeito não cessa de buscar o outro para si, segundo o princípio da influência, fazendo com que esse outro “pense, diga ou aja segundo a intenção daquele”. (GERMANO, 2005, p. 316).

Germano traz um ensinamento relacionado com o domínio do outro com seu

projeto de influência e na negociação e nos acordos com este outro; domínio esse que

Gramsci (1977) denominou de hegemonia e que existirá como princípio da regulação.

Exemplifica isso a situação de sala de aula em que as partes que aí produzem

escolarmente interagem de forma a construir identidades, finalidades e papéis para que

os sentidos possam ser o resultado do ato de uma comunicação; também é exemplo o

palestrante que, ao se apresentar como tal em um simpósio com títulos e funções, põe-se

na posição de autorizado a falar; assim como a plateia, como participante do evento, que

é reconhecida pelos outros como conhecedora do assunto, daí que se sente autorizada a

questionar. Isso se refere ao professor e a seus alunos em sala de aula. Dessa forma, o

professor é usado pela ditadura militar como formador de almas, pois, em seu exercício

de poder, a sua autoridade é legitimada pelos alunos, que mediante a educação cívica e

os valores cívicos vão consolidando o espírito nacional de trabalhar pela pátria e para o

112

progresso e ordem da nação. Trata-se da busca incessante para legitimar o exercício do

poder (GERMANO, 2005).

Com relação ao item 3 das sugestões de atividades para a semana da pátria em

1967, tem-se o ápice das atividades, evidenciado na exposição (materiais

confeccionados), no hasteamento da bandeira (Sete de Setembro), em dramatizações,

cantos cívicos, recital de poemas, leituras e desfiles cívicos. O ápice das atividades

estaria na concretização pelo exercício da participação discente expressando todo o

louvor à pátria, com a participação da comunidade escolar, que avalia e vigia

professores e alunos, e sob o olhar atento da direção escolar, do pessoal técnico

administrativo, dos responsáveis pela limpeza da escola e dos serviços de assistência ao

docente. Essas atitudes da administração escolar e da comunidade escapam ao escopo

deste estudo, mas deixam a lição de que quem não seguisse as regras do processo

educacional no Brasil no período militar podia ser punido com a perda do cargo, com

perseguições e até violência física.

Com efeito, como afirma Germano (2005), a partir de 1964 marca a ação do

Estado um grau elevado de autoritarismo e violência que perdurou por 21 anos, ora mais

intensamente, ora menos. Subjacente a isso estava o pacto da tecnologia militar e civil

com a burguesia nacional e empresas multinacionais que davam à ditadura militar o

braço forte do capital. Daí o controle de setores da sociedade civil como sindicatos,

instituições de representação estudantil, partidos políticos e escolas, dentre outros. A

elevação do grau de autoritarismo se manifestou em prisões arbitrárias, torturas e

assassinatos de presos políticos, no controle da imprensa escrita e falada — veículos

com editores considerados comunistas foram fechados, a exemplo da Folha de

Ituiutaba, cujo proprietário foi preso. Censura foi a palavra representativa do controle.

Visando ao controle político-ideológico, o decreto-lei 477, de fev./69, legitimou a

censura à imprensa, às universidades e às instituições educativas. Daí que fazer as

atividades de comemoração da semana culminarem no aprendizado cívico dos discentes

era consolidar a obediência de professores e diretores aos valores patrióticos instituídos

pelo regime militar; ou seja, a preocupação com os resultados práticos das atividades.

113

Considerações finais

o Brasil dos anos 1950 e 60, ocorreram transformações socioeconômicas e

políticas que mudaram a feição das cidades, sobretudo os fenômenos da

industrialização e migração do meio rural para o meio urbano. Entender

essas transformações urbanas supôs fazer o que preconiza Lefèbvre (1999): pensar

na mediação do social entre o econômico e o político de modo a romper com

interpretações esvaziadas porque dispensam a subjetividade, o cotidiano, o vivido, a

percepção etc. De tal modo, entender a gênese e o funcionamento do Grupo Escolar

Governador Clóvis Salgado supôs entendê-lo no contexto da urbanização e da

industrialização no município de Ituiutaba entre 1957 e 1971, quando ocorriam um

movimento de expansão educacional e um debate intenso em torno da natureza

(política) da escola: se pública, se privada. A esse entendimento foram úteis, então, a

subjetividade de pessoas vinculadas à escola nesse recorte temporal, que nos

concederam entrevistas — foram úteis sua experiência (o vivido) e sua percepção

dos fenômenos que atravessaram a criação dessa escola e seu funcionamento naquele

momento histórico; foram úteis os registros do cotidiano escolar, contidos em

diários de classe e diários jornalísticos — cujos textos também veiculam uma

percepção do entorno social, político e econômico do grupo escolar, da educação;

foram úteis as fotografias de eventos associados com o cotidiano do grupo Clóvis

Salgado, seja interna ou externamente; imagens fotográficas atravessadas pela

N

114

subjetividade do fotógrafo, que exclui uns enquanto enquadra outros no foco da

lente.

A história do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado — de sua criação e

organização inicial — escrita nesta dissertação buscou analisar as contradições entre um

município com índices econômicos elevados, tais quais os índices de analfabetismo —

superiores à média de Minas Gerais. E tal contradição mostrou ser complexa; ou seja,

mostrou ser algo com determinantes externos ao município, e não — como se poderia

pensar — como evento localizado. Daí que tal análise supôs compreender eventuais

fatores que determinariam as condições precárias da educação, a exemplo do aumento

da população urbana nos anos 1960 e 1970 (migração campo–cidade, migração

Nordeste–Triângulo Mineiro); a exemplo de disputas pelo controle da educação no

plano federal, quando vozes favoráveis a uma educação pública democrática e

sustentada pelo Estado reagiram ao coro dos que queriam uma educação eminentemente

privada, mas subvencionada pelo governo; a exemplo do processo de tramitação e

aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que favoreceu

sobremaneira os contrários ao controle “monopolizador” do Estado democrático

republicano sobre a educação do país ao isentar o poder público do financiamento da

educação; enfim, a exemplo de um Estado ditatorial militar que continua a se eximir de

tal responsabilidade. A análise ganhou lastro com uma abordagem das práticas

educativas no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado nesses dois contextos

políticos; os dados daí advindos reforçam a constatação de ausência financeira do

Estado na educação pública, assim como mostram a presença da ação privada numa

escola do Estado. Só não mostram os efeitos da escolarização na diminuição radical do

analfabetismo no município. Não por incompetência das escolas, mas por falta de vagas

suficientes para uma população urbana maciçamente analfabeta, inflada por uma massa

de migrantes não escolarizados.

Entre os anos 1950 e 1970, Ituiutaba experimentou um desenvolvimento

econômico intenso, advindo da produção de arroz e milho. A cidade foi considerada a

“capital do arroz”, pois a produção chegava não só a Minas Gerais, mas também às

demais regiões. De tal modo, os políticos locais se voltaram à economia; isto é,

desvirtuaram-se da responsabilidade com os índices de analfabetismo expressos no

município de Ituiutaba: 57% da população, sobretudo no meio rural. Nesse contexto, a

demanda por escolarização acarretou políticas públicas de criação maciça de grupos

escolares. Criar nesse caso significava formalizar a escola via decreto. Erguer um prédio

115

para abrigar a escola era outra história, assim como o era a qualidade da estrutura física

daquelas que tinham prédio próprio.

Se a preocupação dos políticos da cidade centrava-se no econômico, para piorar

é provável que muito da atenção dos governantes e políticos a ser dada a esse

movimento questionável de expansão da escola pública tenha sido destinado à discussão

acirrada em torno do ensino público e do ensino privado. Agravou essa situação piorada

o produto final de um processo que durou treze anos de enfrentamento e parceria entre

defensores da escola pública estatal e defensores da escola privada. A LDBEN — lei

4.024/61 — pouco contribuiu para mudar aquele estado de coisas. Por exemplo, ao

regulamentar a concessão de bolsas, indicava que a educação tinha de ser paga. A

aplicação de recursos no desenvolvimento do sistema educacional público pouco se

beneficiou da lei, o que dava margem à ação da iniciativa privada, que podia auferir

subvenções financeiras. Nessa perspectiva, a legislação favoreceu a educação da classe

dominante e recebeu influências políticas, sociais, econômicas, culturais que

mantiveram os interesses voltados à escola privada, fundada que era a LDBEN de 1961

em uma perspectiva liberal, que evoca a autonomia do indivíduo, a qualidade do ensino,

os fins e os ideais. A lei frisou o ensino obrigatório, mas eximia o Estado de garantir tal

obrigatoriedade em certas circunstâncias; curiosamente, em casos de pobreza

comprovada dos pais ou em falta de vagas.

No contexto do Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, esse estado de coisas da

educação se manifestou em muitos registros do passado da escola. Por exemplo, da voz da

ex-diretora à época emanaram indícios de que foi preciso inventar várias estratégias para

gerar recursos financeiros à escola — o diretor era responsável, também, pela sustentação

financeira da escola. As práticas educativas escolares e sua vinculação sob o signo da lei

4.024 supunham docentes capazes de produzir material pedagógico; ou seja, professores

convictos de sua importância para o processo de ensino e aprendizagem; empenhados em

erradicar o analfabetismo. Mas não se pode se afirmar se o Grupo Escolar Governador

Clóvis Salgado contribuiu com relevância para diminuir o índice de analfabetismo do

município; não houve um estudo do quantitativo de turmas formadas. O que pode ser dito é

que havia poucas escolas na cidade e uma população urbana que cresceu significativamente

a partir dos anos 1960. Logo, pode-se dizer que a contribuição de todas as escolas foi

insuficiente para aplacar o analfabetismo, pois o número de crianças em idade escolar

crescia muito mais do que o de vagas nas escolas, seja pela natalidade em meio à população

116

urbana original, seja pela população rural que migra para a cidade, seja pela natalidade em

meio às famílias migrantes que se tornam novos citadinos.

Se, num Estado democrático que sustenta o direito constitucional à educação, o

direito do povo a ser escolarizado se perdeu por falta de condições, é improvável que,

num Estado ditatorial — cerceador de direitos por natureza —, esse direito fosse não só

sustentado, mas também posto em prática maciçamente. Sem escolas, a obrigatoriedade

da educação era letra morta, de um jeito ou de outro. No caso do regime ditador, mais

que isso, a educação foi usada para fins educacionais destinados a legitimar um poder

arbitrário recorrendo a recursos materiais de uso pedagógico em sala de aula e no todo

da escola.

De 1964 até 1971, a escola no Brasil se consolidou adaptando-se aos interesses

ideológicos do regime militar. Interesses que levaram à assinatura de acordos entre

Brasil/Ministério da Educação (MEC) e Estados Unidos/United States Agency for

International Development e à aprovação da reforma da lei 4.024 via decreto 5.692, que

passou o ensino primário e médio (ginasial e colegial) para ensino de primeiro e

segundo graus. Ou seja, reorganizou o tempo de formação escolar básica. Para os efeitos

deste estudo, dos acordos firmados com os Estados Unidos, o programa Aliança para o

Progresso se fez notar mais no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado, que recebeu

alimentos diretamente daquele país para compor um programa de merenda escolar.

Alimentos que foram bem-vindos, a julgar pela fala da diretora da escola à época e pelo

estado geral da educação pública conforme relatamos até aqui. Essa presença localizada

interessava ao governo estadunidense, que tinha um campo favorável para disseminar

sua cruzada anticomunista, então coerente com o regime militar, que lutou com unhas e

dentes contra “subversivos” antimilitaristas. Criava-se uma simpatia por essa nação que

tendia a se alastrar nos estratos mais populares.

A simpatia pelo regime militar também se fazia necessária como estratégia de

permanência no cargo. A reforma da educação de 1968 estabeleceu uma ligação orgânica

entre aumento da eficiência produtiva do trabalho e modernização autoritária das relações

capitalistas de produção de tal modo, que à direção escolar cabia legalmente atuar em

todas as instâncias da escola: mediar situações de conflito e interface da escola com partes

como a família; escriturar a burocracia escolar; dar orientação pedagógica; sanar

problemas relativos à estrutura física da escola, dentre outras atividades que

intensificavam e estendiam a dedicação dela ao grupo escolar. Além disso, era preciso

cumprir com rigor as diretrizes educacionais do governo militar; sobretudo atividades que

117

tocam na construção e reiteração do ideário militarista. Atividades para exibir civismo,

disciplina e ordem deviam concretizadas com planejamento, pois exibiam o regime

militar para a sociedade; e isso precisava ser feito com rigor.

Essa ação da diretora e dos docentes em prol da imagem do regime ditatorial se abre

a pesquisas futuras com foco no Grupo Escolar Governador Clóvis Salgado. Por exemplo, o

enfoque pode incidir no perfil dos professores durante a ditadura. Igualmente, abrem-se à

investigação os efeitos da distribuição de alimentos vindos dos Estados Unidos (país com

outra cultura e outros hábitos alimentares) quanto à assimilação do ideário do

anticomunismo e da cultura estadunidense em meio a uma população urbana maciçamente

analfabeta e desprivilegiada financeiramente; uma população carente de um instrumento útil

à crítica social — educação —, por sua vez útil na luta contra regimes totalitários, contra

políticos interessados em si mesmos, contra governos que desviam verbas da educação para

fins não educacionais.

118

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