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SINOPESE DE NOVELA/MINISSÉRIE/LONGA : Luciano D'Medheyros.

1. PREFÁCIO OU PRIMEIRA SINOPSE:A presente novela é - digamos do gênero drama histórico, cujo personagem principal, e narradora, é Elisa Alicia Lynch. Elisa foi uma bela holandesa que conheceu o então filho do ditador do Paraguai, Carlos López, o jovem Francisco Solano López, num baile na corte de Napoleão III, em Paris, nos idos da segunda metade do século XIX. Trata-se duma novela acompanhada de toques de suspense e aventuras épicas, vindas a nós por meio da ótica desta mulher interessantíssima. Os cenários são imaginados parte dentro do solo paraguaio (sul, pantanoso e leste, montanhoso) e, outra parte, entre a fronteira do Brasil e aquele país (fluvial, entre Ladário e Corumbá, no setentrional, contando-se também o rio Apa em Bela Vista; terrestre de Ponta Porã até o Paraná, no meridional, hoje sul-mato-grossense).O tempo ficcional é na segunda metade do século XIX, momento em que se vivia a expansão britânica por causa da Revolução Industrial e agitações nacionais para formação de Estados em vários continentes. No nosso caso, o Cone Sul da América do Sul.

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Uruguai foi um destes “nascituros” de parto mais tenso, vivendo entre revoltas das oligarquias em cismas e guerras civis acompanhadas por todos os platinos, podendo a qualquer momento interditar a navegação no estuário do rio da Prata.A novela procurou, por meio da imaginação literária inspirada na subjetividade de Elisa Alicia Lynch, fantasiar o que ocorreu com a suposta fortuna de Francisco Solano López (a “prata yvygüy”), o destino de seus filhos e desta mulher – tudo dentro do palco da luta pela saída para o mar, via estuário da Prata. O ditador paraguaio invadiu com suas tropas, querendo impressionar sua esposa bela e inteligente, a antiga província de Mato Grosso. A ousadia ocorreu no fim de 1864, atacando ele e seus comandados o Forte Coimbra, pelo norte fluvial, e indo até Dourados, pelo sul planalto. Fez isso após capturar o navio que levava o Presidente da Província do Mato Grosso, ancorado amistosamente no porto de Assunção (o estuário do rio da Prata, onde desagua o rio Paraguai e Paraná, era a rota do Rio de Janeiro para Cuiabá, antes da construção da Ferrovia Noroeste do Brasil, que ligou Bauru à Bolívia, no começo do século XX). Invade parte do Brasil meridional para tornar o Paraguai um país mais soberano, por meio da saída para o Oceano Atlântico, cujo Brasil era o mandatário sul-americano – um dos maiores litorais do mundo, diga-se de passagem. Por isso foi

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buscando ir até o litoral brasileiro e, destemidamente, ameaçando todos os países. Países do extremo meridional da América do Sul, que se revoltam contra López e sua nação, aniquilando-os. A Guerra viria acontecer por causa da invasão do Brasil (tendo a mulher de López, Elisa, como inspiradora). A invasão aconteceria na porção sudoeste “tupiniquim”, mormente na Província do antigo Mato Grosso e as cidades gaúchas de São Borja e Uruguaiana (as duas últimas libertadas em um ano apenas, 18/09/1865). López invadiu também a Argentina, no seu extremo norte, na Província de Corrientes – fazendo acender o nacionalismo de uma área, até o momento, sem coesão. Termina esta guerra no primeiro semestre de 1870, contando mais de 400 mil mortos e feridos graves, fora mágoas. Mágoas que até hoje existem entre os paraguaios contra os aliados – que espezinharam a navegação deles. Terminou com 70% da população masculina paraguaia dizimada pela atuação de brasileiros, uruguaios e argentinos, pois López preferiu o genocídio a ser humilhado diante de Elisa, a nossa bela holandesa.Porém, o fantasma de Francisco Solano López ainda assombra, nas cordilheiras de Cerro Corá, a 40 quilômetros da atual Pedro Juan Caballero, limítrofe a atual Ponta Porã, cidade do atual estado de Mato Grosso do Sul, no Brasil, centro-norte paraguaio. Muitos dizem que ele passeia pelos vales, gritando

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de dor e pedindo os braços de sua eterna amada: “- Elisa, volte para mim, meu amor!”Para entendermos um pouco da geografia paraguaia, nós precisamos compreender: i) o Paraguai é cortado quase diagonalmente pelo rio Paraguai que passa em Assunção, extremo oeste guarani, vindo das cercanias de Corumbá, no Brasil, e se encontra no sul paraguaio com a cidade do norte argentino de Corrientes, formando um afluente do rio Paraná, oriundo do Brasil, engrossando-o até chegar ao mar, onde vira o curto, mas caudaloso, rio da Prata, que se funde com dois oceanos praticamente; ii) a margem sul do rio Paraguai é plana, baixa e composta por pequenos lagos formados pelas vazantes do rio, nos períodos chuvosos do verão; ii) a margem norte vai subindo em altitude e se virando, contorcendo mesmo, em direção à Bolívia, de terras mais altas, com características já se assemelhando aos Andes já; iii) o sul paraguaio é mais agricultável, região dos “chacos” (pequenos pantanais, férteis por receberem sedimentos na cheia), sendo mais povoado e subtropical no clima; iv) o rio Paraguai corre para o estuário do rio da Prata, que é quando o sul da América do Sul encontra-se com os Oceanos Atlântico e Pacífico, passando pela Argentina e Uruguai, tornando-se quase que um canal do Panamá ou Suez, só que natural. O Paraguai é quase do tamanho de um estado brasileiro, como o atual Mato Grosso do Sul, com pouco mais de 350 mil quilômetros quadrados.

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Tamanho da Espanha praticamente, também, onde, nesta ex-colônia hispânica, convivia uma elite de origem espanhola, altiva, com índios guaranis, submetidos.Na segunda metade do século XIX, o Uruguai e a Argentina tornaram tensas as relações diplomáticas da área. Isso por conta dos seus conflitos nacionalistas, da briga das elites nascentes pelo poder central e os interesses do Brasil e Paraguai sobre o desfecho destes conflitos para preservar navegabilidade nos rios do Cone Sul – vitais econômica e geopolicamente. Brasil usava o estuário para chegar ao Mato Grosso.Reza a lenda dos mais antigos, senhores e senhoras bons narradores, que López teria enterrado uma fortuna: a prata “yvygüy”! Aqui mora o nosso interesse: achar este tesouro. Já viu rubi? Diamante e joias com brilhantes de alto quilate? Mas Elisa Lynch pode ter o levado para Paris, no final do conflito (porém, os biógrafos dela afirmam que ela morreu na miséria). Eram vários os “mimos” que sua esposa ganhou por meio de saques das primeiras invasões paraguaias no solo dos inimigos de López: Brasil e Argentina. Era ouro também do equivalente ao Banco Central paraguaio hodierno. Isso tudo teria ocorrido no caminho de Assunção até onde morreu assassinado, no centro-norte montanhoso do Paraguai, às margens do rio Aquidaban, em Cerro Corá, na fronteira seca

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brasileira com a atual cidade de Ponta Porã/MS, em 1870. Nem dá para imaginarmos os vários quilos de ouro, que faziam parte dos bancos do país, pois eu mesmo queria a fortuna, antes de você chegar – viver folgado décadas e todas as minhas 3 gerações também. O que motivou Francisco Solano López, o simulacro de Napoleão Bonaparte do país que além do espanhol fala, igualmente, guarani indígena, foi uma esperança de sair vivo do conflito e, depois, quem sabe, ter acesso ao tesouro enterrado. Queria transformar Elisa Lynch em Imperatriz da América do Sul. Isso não aconteceu, pois o Cabo Diabo o matou nas margens do rio Aquidaban, perto das Cordilheiras de Cerro Corá, como disse, no centro-norte montanhoso paraguaio, onde se desenrola o final da “aventura lopista-napoleônica”. Matou com humilhação, fazendo-o engolir a bandeira do Brasil, diante de uma plateia de escravos alforriados, de Elisa e oficiais mal fardados. Elisa pediu para não desfigurarem o cadáver do amado.Se você encontrar este tesouro, ele será todo seu! Problema serão os fantasmas que aparecerão ao pé da sua cama, quando você estiver dormindo – pois é maldito, é de humilhação. São meninos e meninas paraguaios degolados que cuidam esta fortuna, pálidos e de branco, flutuando

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de forma aterrorizante, caro leitor – em volta do Francisco Solano López, pai dos paraguaios.Até hoje, no ano de 2017, quando eu escrevo, existem aventureiros caçando o tesouro no Paraguai – muitos pecando por não terem estudos arqueológicos e históricos. Pode ser que esteja enterrado às margens paraguaias da fronteira seca de Ponta Porã até o rio Apa, em Bela Vista, antiga cidade de Laguna, a qual pertencia ao Paraguai (que perdeu parte de suas terras para brasileiros e argentinos). Cava-se até hoje nos cemitérios mal assombrados do rio Apa, do rio Aquidaban, cegamente, procurando a fortuna em ouro, joias, moedas de prata, esmeraldas, rubis, safiras e diamantes – os quais eram mais valorizados no belo corpo de Elisa Lynch (pescoço alvo e pele macia como veludo). Esqueletos sempre aparecem pelo caminho, dos soldados que ali morreram, em especial, na Retirada da Laguna. O clima é pesado naquele antigo teatro de batalha.Este drama será tratado aqui, com personagens e uma trama que veremos a seguir:

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PRIMEIRA PARTE: ELISA E SUAS MEMÓRIAS NO LEITO DE MORTE.

CAPÍTULO 1AS MEMÓRIAS ELISA ALÍCIA LYNCH: O local do Hospital onde estou é numa Paris, no término do século XIX. Hospital, no qual eu, Elisa Alicia Lynch, ex-esposa de Francisco Solano López, narro tudo que vivi. Vivo atualmente no fim da “Belle Epoque”, uma época de muito requinte e frivolidade. Narro, pois sou uma mulher só, não me restando outra coisa na vida, a não ser contar história. A solidão é meu manto e a memória meu cetro. Meu drama é aqui revolvido como areia nas mãos de um beduíno a procura de água. Narro, numa alcova opaca, típica duma enfermaria, recuperando, voluntária e involuntariamente, as

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cenas da guerra entre 1864-1870: a Guerra do Paraguai. Cenas de quem fora testemunha ocular de um genocídio: o maior genocídio da América do Sul, durante a fase púbere dos seus Estados nacionais!Batalhas como Tuiutí, no sul pantanoso paraguaio entre os anos de 1865 a 1866, Humaitá, as Dezembradas, perto da capital Assunção e Cerro Corá (cordilheiras do centro-norte, perto da fronteira seca brasileira), entre 1867 a 1870 (fase defensiva paraguaia para preservar Assunção), desfilam perfiladas no meu cérebro; marcham dentro de mim. Nos meus pés ainda têm o barro de Cerro Corá e sangue de crianças indefesas, aspergido no meu vestido.Na noite as vejo passando pelo corredor do hospital, guiadas por um homem alvejado no coração, com farda paraguaia – numa cena kardecista. Será meu amado López?Como eu o amei. Como me dói sua falta.Tratam-se as minhas reminiscências dos principais acontecimentos bélicos e todos os demais, econômicos e diplomáticos, que dão o enredo da estória e da História. As disputas pelo controle da presidência do Uruguai, por parte dos seguidores de Venâncio Flores, que muito prejudicou meu marido. Esta foi uma das dores de cabeça de Dom Pedro II: os uruguaios aliados aos gaúchos separatistas. Seu

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pai perde a Província Cisplatina, antes do seu nascimento e, quando ainda menino, começara a Farroupilha. Foi ai que a coisa complicou para navegabilidade do estuário do rio da Prata, nossa principal ligação entre o Rio de Janeiro, o extremo oeste gaúcho, pelo rio Uruguai, além de ligação a abandonada Província do Mato Grosso; há também as maldades que Bartolomeu Mitre fez compatriotas do meu marido, por não facilitar a saída para o mar, pelo estuário do rio da Prata, porta de entrada do Cone Sul para o Mundo. Uruguai e Argentina eram os “cães de guarda” do estuário em apreço. Fora que o General Belgrano, argentino, já havia tentado beliscar parte do Paraguai para os portenhos.A estória da minha vida, desde o final da puberdade até a infância da terceira idade, e a História de quatro nações do meridional sul-americano, abaixo do Trópico de Capricórnio, de ventos cortantes e frios subtropicais: é o que tenho para lhe contar, caro leitor.São elas memórias de povos dos quais eu não guardei laços de sangue algum, dos meus ascendentes: povos de parte do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, na segunda metade do século XIX (todas, naquele momento, na aurora dos sentimentos nativistas – agitadas internamente, num “embaralhamento” político).

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As paredes hospitalares, na qual estou internado, confinado e abandonado, são duma pintura deteriorada. Elas estão eivadas de infiltrações aparentes, dando uma atmosfera sentimental de "mofamento", que é mais meu do que do reboco, por assim dizer, caro leitor. As paredes, defronte a minha cama, projetam, sem quer, minhas memórias que saem dos meus olhos em direção aos seus tijolos, como numa alvorada sem fim – bem pior que os tempos de barraca de campanha, nas enfermarias improvisadas de Peribui, quando López delirava com uma vitória impossível.Estou, "moribundamente", num cair da tarde, do qual consigo espiar na fresta da janela, por meio de olhos cansados e levemente cerrados, um rasgo de luz solar, já dando um último suspiro – como nos poentes de sol do Forte de Humaitá, onde passeava com López.Chão de madeira é o da enfermaria. Os passos nele fazem um "toc-toc" bem seco, como no nosso palácio dos López, em Assunção. Uma janela da qual vem uma nesga de luz, com um jardim suspenso do lado externo, faz uma tênue iluminação. Ela atinge meu rosto alvo, que um dia sentiu os lábios quentes de um homem que muito amei: Francisco Solano López. Viver uma guerra é perder a capacidade de ficar perplexo!

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(...)Nisto, por volta das 19 horas, entra uma enfermeira e afere, tocando meu rosto, se está tudo bem. Fica mensurando temperatura e levantando as pálpebras. Diz para todos esperarem que a janta seja posta em alguns minutos: uma sopa rala de batata com pedaços de carne. Ela mesma colocava na boca minha.Nem os trovões eu tolero mais, pois choro, pois o som dos canhões foram algo recorrente nos meus ouvidos durante 6 anos – em especial em Itororó, quando Caxias nos massacrou. Um “buummmm” tão seco e forte que perpassava meu tórax como num golpe de bumbo de banda marcial. A Guerra foi quem me causou isso? Qual? Qual seria?A Guerra do Paraguai, um conflito alastrado no extremo meridional da América do Sul, que cooptou o Império do Brasil, comandado por Dom Pedro II, já balzaquiano, e o Uruguai, de Venâncio Flores, a Argentina de Bartolomeu Mitre, e o Paraguai, do meu amado Solano Lopez.Meu Deus! Quantas ignomínias eu assisti petrificada e introjetei dentro de mim como névoas de pesadelos que saem do meu sono como chorume de lixo, para o pavor da minha alma – a exemplo de Los Niños.

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Todas as guerras, contadas, claro, que pelos seus vencedores, são revestidas de belos valores; mas o trajeto para consolidação destes valores é satânica, e o que não faltam são mentiras e mais mentiras, além de heróis fabricados para alimentarem o ego nacional.Crianças paraguaias sendo degoladas. Isso por ordem do Conde d’Eu, que horror!D’Eu, para mim foi o grande canalha da Guerra, não meu marido. D’Eu não tinha como objetivo mais ganhar a guerra, mas sim de exterminar aquele povo e, desconfio achar a prata yvygüy! Quando acordo, de madrugada, chego a ver vultos de crianças: uma menina olha sempre para mim, com vestido branco, olhos fundos e lábios roxos, com uma boneca abraçada no seu peito. Somente Kardek para explicar. Rezar eu não rezo.Pernas de combatentes gangrenando e sendo cortadas no serrote pelos comandados, por falta de médicos de campanha, foi outra cena que vi demais em Peribui! Dávamos a eles muito rum e um pano para morderem somente, quando fui enfermeira no front.Sinto até hoje o cheiro de carne ferida e podre no meu nariz. Pernas com larva de mosca eu vi muito, de soldados relaxados com curativo, que insistiam em pisar na lama de Tuiutí até a canela.Realmente numa Guerra você alimenta ou um sadismo eufórico ou uma profunda vergonha de ter nascido ser humano.

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A conta que a Guerra cobra é relembrar a Guerra.Eu, Elisa Lynch, posso dizer: a Guerra da Tríplice Aliança foi "palmilhada" por uma atuação pontual dos embaixadores ingleses. Eles fizeram tudo para acirrarem os ânimos das jovens e imaturas nações que foram marcadas por forte dependência colonial – quando podiam apascentar. Eram nações cabedais em relação à Espanha (o Brasil era lusitano) – marcadas pelas rivalidades dos povos da Península Ibérica. Eram nações ainda formando seus Estados nacionais, com burocracias ainda, principalmente no ramo diplomático e das finanças, sem muito a oferecerem aos gigantes do Hemisfério Norte, a não serem matérias-primas agropecuárias ou minerais. O próprio nome rio da Prata era porque o rio escoava a prata das minas encontradas entre as terras da cordilheira dos Andes – que no século XVIII fora o Vice-Reino do Prata, com sede em Buenos Aires e obediência a Madrid.Os diplomatas vitorianos turvavam um país oligárquico contra o outro. Eram países com elites oligárquicas, sem industrialização, sendo o Brasil além de retrógrada como todas as demais, escravocrata também. Isso para cambiarem armas, como canhões e rifles, e emprestarem libras esterlinas a juros exorbitantes, por meio das casas financeiras dos grandes banqueiros de origem

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anglo-judaica, que já preparavam o movimento sionista. Como me disse um embaixador britânico, num dos jantares de luxo que López promovia:"- A guerra conduz o ser humano aos extremos do horror e da compaixão. A guerra é digna de uma ópera."O embaixador que disse isso foi John Morgan. Ele era um típico inglês. Estava por volta dos 40 anos. Sua fronte continha cavanhaque ruivo, óculos equilibrado na ponta do nariz e vestimentas típicas de um Lord, no momento que Solano invade o sul de Mato Grosso e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, entre 1864 e primeira metade do ano de 1865. Seus ancestrais ofertavam-lhe credenciais ao posto tão elevado na chancelaria inglesa. Vários da sua linhagem nobre pertenceram as Câmaras altas da Monarquia britânica, desde a Revolução Gloriosa e todos os acontecimentos liberais que marcaram os séculos XVII e XVIII, em prol da “ditadura parlamentarista” nos arquipélagos do Atlântico Norte. Era advogado no paradigma de "common low" e economista político liberal formado em Oxford, na sua pátria mãe: o Reino Unido, apaixonado por Adam Smith e David Ricardo. A Rainha Vitória, a monarca britânica no momento da Revolução Industrial, que ascendera a Inglaterra a maior potência econômica e militar do século XIX,

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o havia delegado a tarefa de mediação dos interesses ingleses na América do Sul. Morgan, neste intento, dispunha de um navio vapor luxuoso da esquadra inglesa, no qual transitava no eixo Rio de Janeiro e estuário do rio da Prata, na Argentina, adentrando, em muitas das vezes, no rio Paraguai, em visitas, "diplomático-comerciais", às oligarquias daquela área (ligados ao gado de corte e aos ervais para produzir mate).Conversando comigo, num dos bailes que López promoveu, em 1865, quando eu, Elisa Lynch, era mulher deste homem encantador: López, Morgan assim me disse:JOHN MORGAN: - Aumentaremos os juros daqueles empréstimos que fizemos para vocês comprarem armas nossas. Os Rotchields (banqueiros anglo-judeus da época) estão reclamando dos atrasos constantes.ELISA: - Realmente estamos atravessando um momento ruim, bloqueados de saída ao mar, mas vamos reverter isso. - Posso penhorar minhas joias e terras e ainda sobrará dinheiro para 10 gerações....

(...)Quando os aliados e brasileiros entraram em Assunção, entre ondas que vão de 1869 a 1870, após vencerem o cerco da fortificação fluvial de

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Humaitá, a fortaleza que o Brasil fez para nós, décadas antes, e acabou sendo contra eles, por meu amado Francisco Solano López, perdi parte desta fortuna. Saquearam a cidade toda! Também não havia mais uma moeda se quer nos bancos da capital paraguaia e nem mesmo no palácio que hospedou minha família. Por meio de torturas aos criados e soldados remanescentes, os aliados e brasileiros souberam que López havia enchido alguns tonéis de vinho com joias, moedas, diamantes, esmeraldas e rubis que me presenteou, para ir enterrando em pontos estratégicos, não sendo encontrado por mais ninguém. Até o momento, ninguém contou se achou ou não esta fortuna, que passa de dezenas de milhões de libras esterlinas. A fortuna de todo um país!!!Afirmam que os lugares onde foram enterrados os baús são mal assombrados. Há um fogo que não se consome, a noite, em volta. Há gemidos dos soldados assassinados. Há choro de criança. Gritos de horror.Quem cava vê crianças vestidas de branco passando e olhando.

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CAPÍTULO 2: QUARTO DE ENFERMARIA:

Eu, Elisa Lynch, ainda estou na cama da enfermaria do Hospital de Paris, no ano de 1885, sendo atormentado pela minha memória. Eu fui leniente quando López alistou crianças, meu Deus – que vinham para cima dos aliados com espada em punho, cegas de obediência a Francisco Solano López. Que século fantástico o XIX! Século dos mais importantes este que eu vivi praticamente da metade em diante.

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Creio eu, para humanidade não houve um século tão vigoroso como o século que nasci: o XIX, o qual enreda a Guerra. Nele a Humanidade logrou 1 bilhão de seres humanos, por causa do progresso da produção fabril massificada, que tirou o excedente econômico da mediocridade.Quando eclode o conflito, no fim de 1864, quando López prendera o navio Marques de Olinda, com o Presidente da Província de Mato Grosso, os paraguaios invadem o sul da Província de Mato Grosso, tomando o Forte Coimbra, Corumbá e Ladário as margens do rio Paraguai.O rio Paraguai nasce no Mato Grosso, nas imediações da Chapada dos Parecis, um pouco acima de Cuiabá. Ele vem serpenteando toda fronteira do Brasil e do Paraguai, entrando de vez no território daquele país, cortando-o ao meio, numa leve diagonal. Um de seus portos é Assunção, no extremo oeste guarani. Depois de repartir o Paraguai em norte e sul, o rio Paraguai funde-se com o rio Paraná, o qual termina em Buenos Aires, encontrando-se com o estuário do rio da Prata.Lá na capital portenha começa a surgir o encontro dois oceanos mais importantes do Mundo: o Pacífico (oriental) e o Atlântico (ocidental).

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SEGUNDA PARTE: O COTIDIANO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ

CAPÍTULO 1: PALÁCIO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ EM ASSUNÇÃO

O palacete de Francisco Solano López lembra-nos o rosto do Palácio de Versalhes, monumento que existe na França. Versalhes, nos arredores de Paris, abrigara várias dinastias de nobres francos. Isso até a Revolução Francesa de 1789, que instaurou a Republica e o Regime de Terror contra os representantes do Antigo Regime. Mesmo assim, manteve-se perene.

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Já seu correlato, menor, o palacete dos López, tem frente impetuosa. Foi construído mais no começo da segunda metade do século XIX, diferentemente do palácio francês. O palácio paraguaio é do estilo neoclássico, com abóbadas limpas que dão leveza ao edifício. As janelas são de vidros que chegam a reluzir de tão limpos, possível por uma vasta criadagem calada e obediente. Há jardins idílicos, com flora exuberante de várias partes do Mundo, nos quais sempre era possível ver López a passear com Madame Lynch, luxuosamente vestida, mesmo no cotidiano mais ordinário. Há também fontes d’água em várias partes, nas quais esculturas mitológicas jorram água pura em vasos ou pela venta.

(...)A cena passa-se no quarto de Francisco Solano López e de Madame Lynch, por volta de 1869, primeiro semestre. Um quarto com cama folheada com ouro e seda indiana cortinando-a. Há neste quarto uma escarradeira de porcelana chinesa, na qual López tossia nos dias frio, procurando limpar seus pulmões. As fotografias e quadros eram presença de Carlos, o pai de López. Havia também uma grande pintura de Napoleão Bonaparte, que Napoleão III o ofertara quando vivera na Europa, buscando instrução.

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Francisco Solano López é um homem de barba bem aparada, nos altos dos 30 e poucos anos (moderadamente obeso). Trata-se de uma pessoa que recebeu boas instruções e amante do luxo e do poder.Ambos fazem amor no momento da cena, no comecinho da madrugada.A empregada os acorda. Ambos colocam seus pijamas. A empregada quer falar que um de seus filhos dos López está com febre, por causa de uma dor de garganta. EMPREGADA:TOC, TOC (na porta) ....Madame? Madame? Perdão...Preciso falar com a senhora.LYNCH:- Olá, Mercedez. Que foi? (abrindo a porta parcialmente, mostrando somente o rosto).EMPREGADA: - Sua menina, Madame, está com febre e garganta inflamada.Nisto Madame Lynch vira-se para Francisco.LYNCH:- López, a menina está com dor de garganta...LÓPEZ:

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- Fale para acordar o Dr. Pancho (vira para o lado, abraçando o travesseiro, fechando os olhos e suspirando).LYNCH:- López, você mandou executar aquela governanta que estava dando em cima de você na minha frente? (fala com ciúmes)LÓPEZ:- Não sei, Lynch, me deixa em paz. Cuida da nossa menina, que é mais importante que suas cenas de ciúmes (...) vou tentar dormir um pouco, pois estou muito cansado (fala irritado).LYNCH:- Eu só sirvo para isso mesmo: fazer sexo e cuidar de crianças?LÓPEZ:- Lynch, o que não falta aqui são empregados para serem seus escravos...(fala na cama, agora virando para ficar de barriga para cima).Em seguida, López perde o sono e levanta, colocando seu roupão, bocejando ainda. Pega e senta na cadeira, onde fica sua escrivaninha.

LÓPEZ:- Estou cheio de problemas (coloca os cotovelos na mesa e as mãos sobre a nuca). Os aliados conseguiram nos vencer em Humaitá. Minhas

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estratégias de guerra estão todas esgotadas, praticamente... O rio Paraguai não conseguiu conter o exército dos brasileiros...LYNCH:- Mas você não disse que a Fortaleza de Humaitá era invencível? (com tom irônico)...LÓPEZ:- Você parece que torce pelo meu fracasso, desgraçada (dá um murro na mesa)...

LYNCH:- Não tenho motivos, López? Você sabe o quanto eu tive que abrir mão do que eu tinha em Paris, por causa de você. Sabe? Era uma mulher cobiçada por nobres. Tinha tudo lá. Vim para este inferno, por sua causa. Pelas suas promessas.LÓPEZ:- Sei sim: os bordéis. Você tinha os bordéis. Vivia na cama de vários homens. Fui eu quem te fiz uma mulher de família.Lynch vai em direção a López, para unhar seu rosto, chorando.López a empurra no chão, defendendo-se.Ela cai e olha para ele.LYNCH:

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- Desgraçado!!! Maldita hora que sai de Paris.López a levanta, e diz:- Não adianta desespero. Você sabe também que minha família não gosta de você. Tive que calar a boca de muita gente aqui. Mandei matar até o Bispo de Assunção por sua causa.- Olha, Lynch. Vou fazer assim. Amanhã eu converso com um general meu. Estou pensando numa coisa. Preciso evitar que os brasileiros saqueiem Assunção. Preciso preservar nosso patrimônio. Se morrermos, pelo menos nossos filhos terão algo para o futuro...LYNCH:- Morrer? Aqui? Neste fim de mundo? Longe de Paris? Nunca. Você que consiga um plano para me tirar daqui. Quero que você deixe toda esta fortuna por escrito. Quem vai morrer é você.LÓPEZ:- Maldita foi a hora que eu tirei você de Paris. Sua cobra traidora.Lynch levanta do chão. Senta na cama, enquanto López continua na escrivaninha.LYNCH- Se eles conseguirem passar pela fortaleza é o fim, López. Eles vão expor nós a humilhações e colocar nossos pescoços numa forca, em praça pública, ou levar eu e você para um tribunal.

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- Pensando bem, precisamos parar de brigas e pensarmos como salvamos nossas vidas e a vida de nossos filhos.- Da sua família, tomara que matem todos e roubem tudo...

LÓPEZ:- Até que enfim você começou a falar coisas sensatas. Chega de matar gente, como essa empregada, por causa de ciúmes seus. Vamos é pensar uma forma de salvarmos nossa fortuna, nossos filhos e nós...- Eu tenho um plano. Vamos enterrar esta fortuna? LÓPEZ:- Que loucura. Melhor é depositar num banco da Europa....LYNCH:- Como, seu idiota? Nós estamos totalmente cercados. Você quis enfrentar os brasileiros, os uruguaios e os argentinos e olha no que deu....LÓPEZ:- Como eu peço para soldados enterrarem isso, sua louca, sem eles me matarem, sabendo o que tem dentro?LYNCH:

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- Mate-os, ou você se esqueceu que você é um assassino sanguinário?LÓPEZ:- Mas como eu depois me defendo, caso encontre uma tropa inimiga?LYNCH:- Vamos pelo centro-norte, por Cerro Corá. Lá usamos disfarces, documentos falsos e tentamos ir para Venezuela, Chile, sei lá... Pensa ai.LÓPEZ:- Vou pensar sim...LÓPEZ:- Teremos muito trabalho aqui em Assunção, caso as tropas brasileiras entrem. Eles vão saquear tudo que encontrarem, pois a guerra está saindo cara demais para nós e para Dom Pedro II, aquele maldito!- Perdemos muitos homens nas batalhas. Tuiuti custou caro para mim demais. Eu pensei que as estações de chuva e os pantanais, mas a Fortaleza de Humaitá iam conter estes infelizes. Mas errei. O Caxias usou muitos dos nossos soldados presos para dar informações. Eles vão me pagar caro (fecha o punho, com ódio).- Outro problema é que alguns dos meus oficiais conspiram contra mim, com ajuda de familiares meus que querem tomar o poder. Mas eu não posso

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mais mandar matar meus militares. Tenho poucos homens disponíveis para lutar. - Preciso que Bernardino Caballero prenda esta gente e quero todos fuzilados, mas preciso ir naqueles que tenho certeza, pois mandei matar muita gente por boatos mesmo. - Por isso, não me incomode com seus ciúmes bobos, pois eu vou te dar mais uma corrente de diamantes que mandei trazer de Londres. Tom jocoso de vozO casal se abraça e volta a fazer amor novamente.(...)O Paraguai tornou-se independente em 1811, onze anos antes do Brasil. Devido a não ter uma saída litorânea própria, os paraguaios mantivera-me isolados e num regime econômico semi-feudal. Com uma população diminuta, numa pequena extensão territorial, não foi difícil para o país manter bons níveis de vida, por várias décadas; no entanto, após a Guerra, o país mergulhou numa profunda crise, cuja democracia e a soberania foram sempre abaladas.

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CAPÍTULO 2: REUNIÃO DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ COM O GENERAL BERNARDINO CABALLERO PELA MANHÃ, NA SUA SALA DE COMANDO.

A reunião ocorre pela manhã, no ano de 1869, com Assunção encoberta por uma neblina de frio de beira de rio Paraguai, acrescida da relva do Lago de Ipacaraí, que chegava até aquelas cercanias.O rio Paraguai nasce perto de Cáceres, no Mato Grosso, a algumas centenas de quilômetros da capital: Cuiabá, na Chapada dos Parecis. Nasce rio pequeno, mas ganha força no curso por causa dos afluentes, tanto no Brasil como no Paraguai e Bolívia. Vem serpenteando a fronteira com o Brasil e Paraguai e, sem mais nem menos, entra naquele país, cortando-o ao meio, passando por Assunção e deixando vários pântanos nos períodos de cheia, nas chuvas de verão. Somente depois disso, corre rumo a Argentina, sendo dragado pelo rio Paraná, desembocando no Estuário do rio da Prata, que liga o extremo sul da América do Sul aos Oceanos Pacífico e Atlântico, após deixar Buenos Aires.

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Nos corredores do palacete estão sempre soldados perfilados com os pavilhões em mão, com o brasão dos López e os símbolos nacionais paraguaios. O brilho do chão vitrificado reflete a fronte dos poucos nacionais que podem pisar ali. Ouve-se sempre o som das continências, de luvas brancas e mangas de rendas, dos soldados ao passarem os altos oficiais.López está com o café da manhã ao lado de sua mesa, servido luxuosamente numa bandeja de prata. Toma chá com limão e come doces finos feitos por suas criadas trazidas da Europa.Bernardino Caballero, seu general mais importante, entra na sua sala e o faz reverência.López pede para que sente e começam um diálogo.LÓPEZ:- Bernardino, como está a nossa resistência na fortaleza de Humaitá? Não podemos perder nunca a fortificação, pois é a entrada para nossa capital de quem vem do extremo norte da Argentina. Os brasileiros erraram em ter dado a nós esta fortificação. Foi muito bem alimentada com vilas e armadas. Sem ela eu nem pensaria em começar este conflito. Só que eu não vou ser humilhado pelos argentinos, em hipótese alguma. Vamos sair para o mar o morrer todos deste país. Precisamos do mar, pelo Oceano Atlântico. Depois invado o Chile e tomo para o Pacífico.

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BERNARDINO:- Péssimas, Mariscal López, péssimas notícias, que meus oficiais de inteligência trazem. Com Caxias no comando, depois da morte de Sampaio e a saída de Bartolomeu Mitre, a coisa mudou totalmente, em favor da “negrada” brasileira. Ele tem usado nossos prisioneiros para darem informações. Os prisioneiros estão improvisando ferrovias de madeira para logística das tropas, além de fazerem trincheiras para que possam atirar nos nossos soldados. Fora que a marinha de Dom Pedro II desbloqueou o rio Paraguai. Não sei não, "Mariscal", mas vamos ter que sair da nossa capital.- Os aliados conseguiram bombardear o forte. Várias casas e os muros foram seriamente danificados. Nossos soldados ou se renderam ou estão voltando para Assunção, pensando em derrubar o senhor do poder. Acusam-no de ter colocado o povo num flagelo desnecessário.LÓPEZ:(irritado) – Quero que mande executar o oficial responsável por esta covardia!!! Não vamos perder território para estes traidores que assinaram tratados conosco e não honraram. Custava esta gente deixar-me sair pacificamente pelo rio da Prata? Que risco eu oferecia a Mitre?- Vá a cada vila nas cercanias de Assunção e recrute homens para formarmos mais e mais tropas e vamos para cima deles.

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BERNADINO:- "Marical", atualmente no Paraguai só temos uma boa parte de adolescentes, pois o senhor sabe que nossa população não é volumosa como a deles. Nós somos um país que não passa de mais de meio milhão de pessoas. Perdemos muitos dos nossos homens mais maduros em Humaitá. Foi muito complicado mandar medicamentos e comida para eles.LÓPEZ:- Como está a situação de nossa ferrovia? Aquela que leva mantimentos para a fortaleza de Humaitá?BERNARDINO:- O Duque de Caxias improvisou uma ferrovia, como disse ao senhor, usando madeira e os prisioneiros nossos. Está neutralizando tudo pelo caminho, por meio da artilharia.- Depois que Caxias entrou no lugar do Sampaio, muita coisa mudou nessa guerra. Ele trouxe balões e conseguiu passar muito pelo terreno até aqui, com a ajuda da marinha deles no rio Paraguai, que afundou várias de nossas chatas.López curva a cabeça e dá um murro na mesa.Parece estar enfurecido e cada vez mais isolado.

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CAPÍTULO 3: FESTA NO PALACETE DE FRANCISCO SOLANO LÓPEZ

A corte de Francisco Solano López está reunida no nobre salão, numa noite de gala, na primeira metade de 1869. Noite esta regada a bebidas finas, gastronomia requintada e uma orquestra a tocar músicas clássicas. Os talheres e louças são prataria pura. Usa-se a mais fina porcelana trazida de Londres, nos tempos que ainda entravam chatas pelo estuário do rio da Prata, em direção a Assunção. Trata-se de uma festa, antecedida de um jantar luxuoso, para que Lynch alimente seu ego e não sinta tanta saudade da corte de Napoleão III, de Paris, onde era cortesã. Indumentária francesa é exibida pelos convidados, grande parte engenheiros europeus e altos oficiais paraguaios, todos com suas esposas, que a invejam pela beleza e joias, coisa que Lynch sente prazer em sentir, pelos bochichos que ouve ao entrar potentemente com seu marido.Estão reunidos generais, almirantes e familiares de Francisco Solano López, muitos dos quais invejosos e conspiradores contra o casal. Elisa Lynch não gosta dos familiares de López.

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As irmãs de López também a odeiam, mas o fingimento é geral.Na mesa, começa o diálogo:IRMÃ DE LÓPEZ:- Lynch, na Europa você não aprendeu que a entrada vem primeiro e depois os pratos mais quentes? Você não sabe dar ordens aos criados?LYNCH pega a taça de vinho e arremessa bem no rosto da irmã de López.IRMÃ DE LÓPEZ GRITA:- Desgraçada, sei que você é espiã...Você está vendida para os brasileiros...Sei que você passa informações para agentes....Imediatamente, López levanta e pega Lynch pelos braços e a leva para os aposentos do palácio.SOLANO LÓPEZ:- Pare com isso, meu amor!!! Não suporto mais sua cena de ódio com minhas irmãs....LYNCH:- Ela que me provocou, meu amor. Você deve tomar mais cuidado com seus familiares.- Bernardino anda desconfiado que haja informações vazando aqui do palácio para Caxias, você precisa ser mais enérgico.Realmente López estava começando a ordenar o assassinato daqueles que ele suspeitava de traição.

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Porém, nunca suspeitou que Lynch tivesse contato com espiões do serviço secreto inglês, que tinham interesse que o Paraguai fosse aniquilado pela tríplice aliança.Assunção estava recolhida diante dos fuzilamentos diários que os oficiais de López perpetravam.Isso ficou mais evidente após o fracasso de contenção dos brasileiros, uruguaios e argentinos na fortaleza de Humaitá.

CAPÍTULO 4: A INVASÃO DE ASSUNÇÃO PELOS BRASILEIROS, ENTRE 1969 A 1870.

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No horizonte de Assunção começam a aparecer multidões de soldados inimigos marchando e tomando cada casa.O desembarque em chatas, pelo rio Paraguai, que cruza Assunção, lembra enxame.Os soldados entram nas casas, saqueiam, estupram e ateiam fogo no que podem.Solano López, sabendo da notícia, manda preparar sua comitiva com alguns cavalos de carga e soldados mais fiéis a ele.Afirma que precisa fazer uma nova capital: Peribuí. LÓPEZ:- Lynch, pegue todas as suas joias, mulher!!! Coloque em sacos mais discretos.LYNCH:- Maldita hora que sai de Paris. Odeio este lugar.LÓPEZ:- Calma que vamos reagir, nós vamos para Cerro Corá. Lá vamos organizar mais soldados e vamos retomar Assunção. - Este desgraçado do Conde d’Eu me pagará caro...- Preciso reunir tudo que puder para que lá eu compre mais armas de algum mercador que consiga chegar até nós. (...)

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É fim de tarde. Assunção está cheia de pequenos focos de incêndio e muita confusão entre a população, que corre desorientada de um lado a outro, sendo massacrada.Na frente da tropa o Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, filha de Dom Pedro II.Conde D’Eu fala a sua divisão:- Matem todos os meninos. Não quero que sobre um homem neste país para lutar.As ordens são seguidas a risca. Os soldados entram nas casas e enfiam as espadas nas crianças, lembrando muito o massacre das crianças por Herodes, no Novo Testamento judaico-cristão, que temia que o Messias tivesse nascendo para derrubá-lo do trono.

CAPÍTULO 5: A BATALHA FINAL DE CERRO CORÁ

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López está com sua comitiva, a cavalo, já cansado, e param no fim da noite para descansar, no começo de 1870, no mês de janeiro, perto da fronteira com o Brasil. Fica sabendo das Dezembradas, nome das batalhas que aterrorizaram Assunção em dezembro de 1869, fazendo Caxias voltar ao Rio de Janeiro, por ter pensado que a Guerra finalizara. Mas Dom Pedro II queria López morto ou vivo, e designa seu genro para isso: o impiedoso Conde D'eu, que poderia saber da prata yvygüy.A comitiva de López passou por vilarejos durante cinco dias, onde apanhou víveres e outros alimentos disponíveis, dado que a escassez já era realidade no Paraguai, totalmente isolado do mercado internacional.Os soldados que o acompanham, montam guarda ao redor do acampamento, que logo se ilumina um pouco por causa da fogueira. Poucos soldados, a maioria visivelmente abatida por conta da penúria. Muitos deles ainda adolescentes, pois as batalhas dizimaram mais da metade da população masculina. Lynch está suja, tendo sobre si, ainda, vestido suntuoso, "enlameadíssimo". Está a se estapear por causa dos insetos.López está a conversar com um de seus oficiais, enquanto bebem erva-mate quente, a rodar de mão em mão.LÓPEZ:

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- Você conseguiu mais homens? Não tem como pegarmos os índios aqui da região norte paraguaia? Preciso que você forme novas tropas, pois precisamos retomar Assunção das mãos dos malditos brasileiros.OFICIAL:- Não, meu "Mariscal". Mas conseguimos alguns meninos que encontramos pelo caminho, os quais eu raptei de famílias camponesas. Trouxemos roupas militares que sobraram. Vamos vesti-los...LÓPEZ:- Quero que você enterre pelo caminho os sacos que te pedi e que você marque numa caderneta o ponto, de maneira cifrada, pois ali temos como reencontrar quando eu voltar a Assunção (eram as joias de Lynch e muito ouro do Banco do Paraguai). Inverta o mapa para confundir.A cada 1 quilômetro de marcha pelo leste do Paraguai, os ajudantes de López, sem saber que ali havia uma fortuna, iam enterrando o que ele ordenava, imaginando que fosse apenas documentos militares ou acreditando noutra coisa que os oficiais queriam que acreditasse.As tropas dormem num bosque, alimentando-se de víveres conseguidos das populações camponesas.Ao acordarem, por volta das seis horas da manhã, com leve neblina, observam uma cavalaria de brasileiros em direção a eles, por volta da alvorada.

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Os soldados brasileiros, na sua grande maioria, mulatos, gritam:- Matem o desgraçado do López....López ao ouvir isso, foge, correndo e escorregando, já que era um homem obeso e sem muita agilidade por isso.No entanto, o Cabo Diabo, um mulato brasileiro, o detecta, por ser ele obeso, e todos os demais não.Neste momento, Lopez cai e diz, as margens do rio Aquidabã:LÓPEZ:- Invasores do meu país, eu vou destruí-los...Nisto, o cabo brasileiro desfere um tiro no coração de López, quase que num impulso, pois a ordem era prendê-lo e fazer humilhações a ele. Levá-lo para ser preso no Rio de Janeiro e conseguir confiscar seus bens para saldar as guerras.Lynch está com um de seus filhos ao colo, como uma Pietá, chorando sobre o rosto do pupilo morto. Está vivendo por lembranças de Panchito, seu nome.Enquanto isso, os soldados brasileiros chutam o corpo de López e colocam a bandeira brasileira, com o mastro, pela garganta dele, empalando-o. Quanto a Lynch, havia ordem direta de não matá-la, pois suas informações prestadas aos espiões ingleses foram de extrema valia na tomada de Assunção. Lynch ao perceber que López ia perder a

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Guerra, procura se resguardar, para poder voltar, rica, a Europa, com pagamento realizado pelos ingleses pela traição ao marido.

TERCEIRA PARTE: PIERRE, O CAÇADOR DE TESOUROS.

CAPÍTULO 1: O ENCONTRO DE PIERRE COM LYNCH EM PARIS ALGUNS ANOS DEPOIS DA GUERRA.

Em dezembro de 1874, um ex-militar da Marinha francesa, de nome Pierre Levy, está em Paris,

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bebendo café, depois de almoçar, na área central da cidade, num restaurante aconchegante. Alguns anos antes, Pierre sofreu um processo penal militar por vender informações do projeto de um navio de guerra franco, por mais de um milhão de libras, para os ingleses. Porém, como não havia provas robustas, mas apenas testemunhos de seus subordinados que não conseguiram convencer a corte marcial, seu advogado fulmina a acusação, o que também foi acompanhado pelo "parquet".Todavia, ele realmente era culpado. Pierre Levy era um calculista. Agia de maneira tal que não deixava suas digitais, usando luvas e máscaras sobre o rosto. Com o dinheiro que recebeu dos britânicos, Pierre nem no banco deposita, guardando-o no porão uma casa abandonada, na qual, na periferia parisiense, retira apenas pequenas quantias apenas para pagarem suas despesas e viagens.Pierre teme que os agentes do serviço secreto francês estejam o acompanhando, por isso, ele sempre procura usar disfarces e documentos falsos, não ostentando. Um camaleão era Pierre, mostrando-se um ótimo oficial treinado nos disfarces de um homem de informações, que são os militares que não se fardam e usam personagens para obterem material em prol dos relatórios ao alto comando.Pelos jornais franceses, Pierre lê sobre o fato da viúva do ditador paraguaio, Francisco Solano López, estar morando em Paris, e reivindicando

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indenizações pessoais junto ao Império do Brasil. Lynch havia contratado advogados no Brasil para pedir indenizações milionárias que viraram notícia nos jornais da Europa. Pierre também havia conhecido um dos maridos de Lynch, que era oficial francês, antes dela ir para os bordéis parisienses, mas nunca imaginara encontra-la, por interesses.Ele procura saber onde está Elisa Lynch, que já está adentrando a meia idade da terceira idade. Descobre que Elisa vive, com seus filhos, num luxuoso apartamento, perto do rio Sena, região muito valorizada em Paris. Durante alguns dias, Pierre Levy cerca e observa a rotina de Elisa Lynch. Ela saia a tarde para passear com seus filhos adolescentes e alguns de seus criados mais íntimos, que trouxe de Assunção. Passeava por cafés e pelas belas praças da Paris da “Belle Epoque”.Pierre toma coragem e se dirige a Lynch, num destes passeios às margens do Sena:PIERRE:- Boa tarde, Madame Lynch?LYNCH:- Boa tarde. Se você for jornalista, pode ir embora. Estou cansada de dar entrevistas e depois ver que o jornalista mudou tudo. Praticamente colocam-me como uma prostituta que se deu mal. Que está mendigando.

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PIERRE:- Não, Madame. Apenas quero oferecer meus préstimos a senhora...LYNCH:- Mas o quê o senhor faz?PIERRE:- Sou um ex-oficial de espionagem do Governo Francês. Fui oficial da Marinha. Posso ser útil a senhora de alguma forma.Lynch pensa por alguns minutos e diz:LYNCH:- Olha, eu estou num processo enorme contra Dom Pedro II e aquele paizinho de negros que é o Brasil. Eu quero minhas terras novamente, principalmente os que tem erva mate nativa, lá no meridional da Província do Mato Grosso, que estão ocupadas por um português. Solano me deu de presente estas terras do sul da Província do Mato Grosso. Quero minhas joias e tudo que tenho direito, pois sai daqui para ir para aquele fim de mundo. Você não tem ideia das humilhações que eu passei.PIERRE:- Madame, diga o que eu preciso fazer para recuperar este espólio que roubaram de ti?LYNCH:- Olha, como é seu nome mesmo?

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PIERRE:- Pierre Levy, minha senhora.

LYNCH:- Eu tenho uma caderneta de anotações do Francisco Solano López, que ele marcou algumas posições nas quais ele enterrou boa parte do tesouro do Banco Central do Paraguai e outra fortuna em metais preciosos, mas ele cifrou tudo, colocou em código. Eu preciso que alguém vá até o norte do Paraguai e tente encontrar esta fortuna. Eu contrato os seus serviços. Fazemos um acordo celebrado por um advogado aqui de Paris. Caso você encontre, o remunerarei com quarenta por cento de tudo que encontrar. Mas já te digo: tá tudo em código. Nem mesmo o General de confiança dele, Bernadino Caballeiro, sabe onde esta codificação. Bernadino hoje mora no Rio de Janeiro. Casou-se com uma brasileira. Mas já fiquei sabendo que ele quer o poder no Paraguai.(...)Após o fim da conversa, ambos vão ao apartamento.Conforme o prometido, Lynch o passa a caderneta de López, cheia de rabiscos e simbologias, as quais somente López poderia entender.O advogado de Lynch chega, depois de algumas horas, com sua valise com modelos de contratos, e ali celebram um acordo no qual Pierre Levy fica encarregado de encontrar a fortuna dos López, no

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norte paraguaio, podendo ser preso por apropriação indébita, em qualquer lugar do Mundo, caso não honre esta cláusula contratual. O contrato fica arquivado num cartório de Paris.

CAPÍTULO 2: A IDA DE PIERRE AO LOCAL DA BATALHA DE CERRO CORÁ

Pierre Levy, depois de um mês do diálogo com Lynch, embarca num vapor em direção ao Rio de Janeiro, a capital Imperial do Brasil, em 1875. Leva a caderneta com as anotações de Francisco Solano López, a qual ele procura estudar, analisando cartografias do território Paraguaio. Tenta refazer os passos da caravana que López guiou até ser morto na Batalha de Cerro Corá, centro-norte paraguaio, próximo a Ponta Porã, atual Mato Grosso do Sul. Porém, Pierre Levy não percebe, mas um agente do serviço secreto britânico, Michel Look, embarca com ele, em Paris, observando todos os seus passos, sem que ele note.

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Dentro do navio luxuoso, estão muitos comerciantes de café e fazendeiros, além de estudantes brasileiros que estavam na Europa cursando universidades, num clima de glamour: bem típico dos navios da época.As noites do navio são requintadas. Mas Pierre fica trancado nos seus aposentos, somente lendo e tentando decifrar as anotações de Francisco Solano López.Numa questão de tempo, Levy suspeita que López colocasse de trás para frente o desenho rudimentar da paisagem do norte do Paraguai, percebendo também que o nome dos filhos de López estava abreviado e podiam ter dado o nome de cada cova que López enterrou o tesouro do seu palácio.O espião inglês procura um disfarce de camareiro no romper do dia. No navio mesmo, o espião consegue adentrar aos aposentos de Pierre, fazendo fotografias sobre todos os documentos que encontrou. Pierre nem nota, pois tomava seu café da manhã no restaurante do navio.O espião inglês revela as fotos, mas não entende nada das anotações de López na cadernetinha de capa de couro, e, por essa razão, manda um telegrama, ao chegar ao porto do Rio de Janeiro. Depois de trinta dias, a Inteligência Inglesa responde que é o mapa do tesouro de Solano López, e pede que o agente siga Pierre Levy de qualquer forma.

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Pierre Levy desembarca no porto do Rio de Janeiro, juntamente com todos os passageiros do navio à vapor, que veio da França, procurando um hotel nas imediações do Teatro Municipal. No hotel, o qual também hospeda o espião inglês, que o persegue, Pierre conta as libras que ele pegou do golpe que dera na França, para poder criar toda a logística da exploração do terreno do suposto tesouro.Pierre Levy precisa embaraçar novamente num vapor, desta vez para a cidade de Buenos Aires, capital argentina. O caminho em direção a Assunção, capital paraguaia, ainda obrigava o cruzar a Estuário do rio da Prata, antes pegando mar bravio que é uma das características do encontro do Oceano Atlântico e o Oceano Pacífico.Após algumas semanas, juntamente com o espião inglês que embarcou junto, Pierre desembarca em Buenos Aires, no porto que tanto desgosto deu a Francisco Solano López, com suas altas taxas alfandegárias. Novamente pega um vapor portenho, desta vez para a cidade brasileira de Corumbá, no rio Paraguai, extremo oeste da Província do Mato Grosso, onde, junto com o agente novamente (que o segue como sombra), vai cruzar o chaco paraguaio, numa viagem difícil.Pierre chega a Corumbá e contrata um índio aculturado, Nino, que conhece muito bem a região por onde passa o rio Paraguai. O rio em questão

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margeia parte do Brasil e corta ao meio o país de López, passando pela capital: Assunção.Nino seria o guia até o perto da capital paraguaia, por meio de chata, no primeiro momento e de lombo de cavalo, num segundo momento.Porém, no meio do trajeto, pelo rio Paraguai, o fogo aparece na margem, o fogo que não se consome, especialmente, nas madrugadas, onde há muita névoa pelo choque do rio quente com o ar frio da alta noite.Os gritos também rasgam a noite só, onde somente a lua ilumina o leito de um rio caudaloso, como o Paraguai.Pierre fica quieto, sem entender, mas Nino diz:- O senhor ore muito, viu. Pois aqui é uma terra muito assombrada, pois aqui foram palcos de batalhas de guerra. Há ossos espalhados na margem. As pessoas procuram os dentes de ouro dos crânios para vender. Os crânios estão perdidos por ai. A Guerra assombrou este lugar.- O que o senhor veio fazer? Parece ser de tão longe, pelo sotaque...PIERRE:- Sou arqueólogo, vim fazer uma pesquisa sobre povos Incas...Não disse mais nada, pois não queria muita intimidade com Nino.

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CAPÍTULO 3: O ENCONTRO DO TESOURO E A MALDIÇÃO QUE O ACOMPANHA

O índio Nino e Pierre Levy descem o rio Paraguai numa pequena chata alugada pelo mercenário franco, por volta de uns 6 dias de navegação, pois Pierre sempre pedia para parar. Descia, olhava o terreno, fazia anotações e embarcava novamente.

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O rio extenso e de águas mansas, com tom marrom, somados ao calor, dão a viagem um ar de aventura e de medo. O índio Nino, como piloto da embarcação, e Pierre estudando os mapas, juntamente com o diário de López. Neste momento, o espião inglês perde-se de Pierre, pois sua embarcação não o avista mais. O espião contrata uma chata e procurou seguir Pierre, mas ela apresenta fissuras que impedem o prosseguimento da navegação, perto do Forte Coimbra, uma vila militar no rio Paraguai, por volta de 100 km de Corumbá.Pierre desce o rio Paraguai até, mais ou menos, 70 km de Assunção e depois, ele e o índio, cada qual com seu cavalo, dão-se a "palmilhar", sem que o índio saiba, o território por onde López percorrera com os remanescentes do seu exército. Vão até perto da fronteira com o Brasil, em direção a Cerro Corá, em lombo de cavalo, no centro-norte paraguaio, montanhoso e não guarnecido pelo rio Paraguai (fronteira seca).O plano de Pierre era de assassinar o índio, caso fosse encontrado o tesouro de Solano López. A desculpa que Pierre dera ao índio é que era arqueólogo e estava atrás de vestígios de civilizações andinas que poderiam ter vivido naquela área, o que para o índio não tinha muito sentido: cavar para encontrar coisas que não

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fossem metais preciosos ou o que o valha. Mas não questionou muito a missão do francês, pois já havia visto outros naturalistas europeus no mesmo intento.Andando a pé com Nino, após descansar os cavalos num tronco de árvore dos campos paraguaios, Pierre encontra um cemitério pequeno, perto das cordilheiras de Cerro Corá, quase perto de Ponta Porã, cidade brasileira, na fronteira seca, uns 300 quilômetro de Assunção, capital do Paraguai. Com 40 túmulos, mal cuidados, já com mato em volta. Lá tinha uma casa, na qual estava uma mulher e uma menina morando, por volta do escurecer; fim de tarde.PIERRE:- Bom dia? Tem água para nos dar? A menina da casa trás um pote e lhe oferece.PIERRE:- Como é o nome da senhora e da menina?- Maria Hernandes e Pilar, ao seu dispor.Pierre estranha que os lábios delas eram sem cor e com olheiras profundas em volta dos olhos. Mas segue em frente.Após cavar, parar, cavar de novo, uma vasta área, conforme o caderninho de López sugeria de maneira enigmática, Pierre suspeita que o tesouro de López é uma lenda, desistindo, naquele momento.

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Volta pelo cemitério, a tarde, e vê um túmulo que lhe chama atenção. A lápide está escrita: "saudades de Maria Hernandes e Pilar Hernandes, mortas na Batalha de Los Niños".O corpo de Pierre fica arrepiado. Ele anda para trás, com medo, e cai no chão. Mas ele tem um pressentimento.Era ali. Ali que estava o tesouro.Abre a lápide: encontra 4 sacos empoeirados e pesados.Neste momento que ele sai do túmulo, o índio estava de costa, passando o tempo com um graveto desenhando no chão. Nino toma uma facada de Pierre bem no pescoço, morrendo ensanguentado, pois a faca pegou na veia carótida. Pierre lava as mãos numa poça de água a sua frente.Pierre senta, abre os sacos e lá está: pilhas de diamantes, de rubis e esmeraldas. Conseguiu o que queria.Achou o tesouro de López!!!Ali mesmo traça seu outro plano. Ia mudar de identidade e morar bem longe de onde Lynch o pudesse achar.Todavia, ao caminhar com os sacos até o cavalo, ele não vê uma serpente. Pisa sem querer perto dela e toma um bote.

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Era uma perigosa jararaca, muito comum nas savanas. Pierre senta, procura fazer um torniquete, mas não tem ninguém que possa ajudá-lo. Agonizou umas 3 horas e vê a mãe e a menina da cabana bem a sua frente, talvez ele delirando por causa do veneno, e morre. Não sabe se de medo ou por causa da picada da cobra.E ai: você iria atrás do tesouro?A dica é: fronteira do Paraguai, de Ponta Porã a Bela Vista, do lado brasileiro...(...)Na verdade, o mito de López, da grandeza do Paraguai, é um mito presente no imaginário dos povoados da Bacia do rio da Prata e do rio Paraguai. São muitas as maldições e pragas que envolvem o mito, já que Solano López foi muito humilhado e sua alma ronda sempre este arquétipo, juntamente com as crianças degoladas por Conde D'Eu, o marido da Princesa Isabel, que substitui Caxias, fatigado da Guerra, em busca da cabeça do Napoleão guarani.

fim