Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

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1 FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas Reflexões sobre a arte contemporânea à luz da Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson São Paulo 2013

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FACULDADE DE SAtildeO BENTO

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADEcircMICO

Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

Reflexotildees sobre a arte contemporacircnea agrave luz da

Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson

Satildeo Paulo

2013

2

FACULDADE DE SAtildeO BENTO

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADEcircMICO

Reflexotildees sobre a arte contemporacircnea agrave luz da

Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson

Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade

de Satildeo Bento do Mosteiro de Satildeo Bento de Satildeo

Paulo como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Mestre em Filosofia

Orientador Prof Dr Carlos Eduardo Uchocirca

Fagundes Junior OSB

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Filosofia da Arte

Satildeo Paulo

2013

3

Dedicatoacuterias

Ao meu marido Luiacutes Rodolfo meu amor companheiro de todas as horas e

meu maior interlocutor por tudo

Agrave minha matildee Joanna Helena por todo apoio e incentivo e pela incansaacutevel dedicaccedilatildeo

A meu pai Luiz Carlos (in memorian) que incetivou com entusiasmo os

meus estudos de arte e filosofia

Aos meus sogros Regina e Roberto pelo carinho e apoio

Dedico tambeacutem aos meus queridos irmatildeos Paulo Silvia e Marcia aos meus cunhados

Silvana Maacuterio Andreacute Flaacutevia e Heloisa e aos meus adorados sobrinhos

Guilherme Gabriela Lucas Bruna e Maria

4

Agradecimentos

Ao concluir esta dissertaccedilatildeo sou imensamente grata ao meu orientador Prof Dr

Carlos Eduardo Uchocirca Fagundes Junior OSB pela confianccedila paciecircncia e zelo

sensibilidade e inteligecircncia sabedoria e generosidade que possibilitaram que este estudo

pudesse ser concluiacutedo

Devo tambeacutem um agradecimento especial ao Prof Dr Leon Kossovitch de quem

obtive liccedilotildees fundamentais para o desenvolvimento desta dissertaccedilatildeo tanto nas aulas como

na qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo ainda o Prof Dr Ricardo Fabbrini de quem colhi no exame de

qualificaccedilatildeo observaccedilotildees preciosas de meu trabalho

No decorrer do processo de pesquisa dessa dissertaccedilatildeo ainda tive a sorte de contar

com a generosidade de diversos professores da Faculdade de Satildeo Bento Prof Dr Djalma

Medeiros Prof Dr Franklin Leopoldo e Silva Prof Dr Ivo Assad Ibri Prof Dr Joel

Gracioso Prof Dr Joseacute Carlos Bruni Profa Dra Maria Carolina Alves dos Santos e Profa

Dra Rachel Gazolla de Andrade que sempre atentos e presentes contribuiacuteram para o

amadurecimento deste estudo a eles devo meus sinceros agradecimentos

5

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relaccedilatildeo que o artista estabelece com a realidade

durante a produccedilatildeo da obra de arte sobretudo da pintura levando em conta que a obra de arte

antes de ser representaccedilatildeo eacute apresentaccedilatildeo em si mesma isto eacute depois de acabada tem

autonomia e estatuto ontoloacutegico eacute coisa entre coisas Ou seja pretende-se investigar como

nos tempos atuais se vecirc e se lida com o pressuposto de que a produccedilatildeo da arte eacute imitaccedilatildeo e ao

mesmo tempo invenccedilatildeo que funda uma nova realidade Para tanto acreditamos que a Teoria

da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar

estas problemaacuteticas que se destacam na arte contemporacircnea em especial na pintura com o

foco na produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter E partindo da premissa de que a implicaccedilatildeo

da arte como imitaccedilatildeo e consequentemente sua pertinecircncia inicia-se nos primoacuterdios do

pensamento sobre arte na Greacutecia Antiga (em especial as contribuiccedilotildees de Platatildeo e de

Aristoacuteteles) e considerando que o proacuteprio Pareyson mostra como ambos sobretudo

Aristoacuteteles ainda satildeo fundamentais mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria

da arte atual bem como para a produccedilatildeo artiacutestica contemporacircnea a presente pesquisa estuda a

intersecccedilatildeo de pontos centrais advindos dos filoacutesofos gregos citados com os pontos centrais

do pensamento pareysoniano sobre Arte A proposta eacute construir uma ponte de intersecccedilatildeo

entre os pensamentos de Pareyson Aristoacuteteles e Platatildeo e ancorando-a nos conceitos

cunhados na Teoria da Formatividade expor como o filoacutesofo italiano relecirc as problemaacuteticas

colocadas pelos filoacutesofos gregos antigos e de que maneira esta interseccedilatildeo de pensamentos e

conceitos contribuem para a reflexatildeo sobre Arte na atualidade e em particular para a anaacutelise

da produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter

Palavras ndash Chave

Teoria da Formatividade Gerhard Richter miacutemesis representaccedilatildeo pintura

6

ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the)

reality during the production of the work of art especially in painting considering that the

work or art prior to its representation is a presentation of itself That is after completed it has

autonomy and ontological status it is a thing among things Thus how at present the pre-

supposition that the production of art is an imitation and at the same time an invention

which uncovers a new reality is seen and dealt with is the subject of the investigation

Therefore we believe that Luigi Pareysonacutes Theory of Formativity provides some

fundamental keys to consider these issues which stand out in contemporary art especially in

painting and will thus also focus on Gerhard Richteracutes pictorial production Beginning with

the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence

starts with ancient Greek thought (especially Platoacutes and Aristotleacutes contributions) and

considering that Pareyson shows that both but especially Aristotle are still fundamental even

when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic

production this research studies the intersection of the central points of the above Greek

philosophers with those of Pareysonian thinking on Art The proposal is to build an

intersectional bridge of Pareysonacutes Aristotleacutes and Platoacutes thinking grounding them in the

concepts of the Theory of Formativity and to discuss how the Italian philosopher re-reads the

problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and

concepts contributes to todayacutes art reflections and in particular for the analysis of Gerhard

Richteracutes pictorial production

Key - Words

Theory of Formativity Gerhard Richter miacutemesis representation painting

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO I Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson 13

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo da

Teoria da Formatividade 13

12 Teacutekhne como saber-fazer 19

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia 21

14 Teacutekhne e ldquoinspiraccedilatildeordquo 23

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai 27

16 Teacutekhne e phyacutesis [natureza- entes naturais] 31

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo 33

18 Teacutekhne poietikoacutes 35

19 Poiacuteesis versus praacutexis 36

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars 38

111 Arte como ecircxito 39

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade 42

CAPIacuteTULO II Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson 43

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade 43

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo 44

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo apartir de Aristoacuteteles 46

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade 55

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte 58

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo 61

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson 68

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade 74

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo 74

222 Correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo 76

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade 78

224 Legalidade da ldquoformardquo e a noccedilatildeo de intuiccedilatildeo na Teoria da Formativida 79

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade 83

8

CAPIacuteTULO III Arte como miacutemesis e a autononia da obra de arte na Teoria da

Formatividade 87

31 O conceito de miacutemesis sob a oacutetica da Teoria da Formatividade 87

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo 88

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo 92

34 A ldquopositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles 100

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles 107

36 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson 110

CAPIacuteTULO IV Autonomia da obra de arte e miacutemesis na produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard

Richter agrave luz da Teoria da Formatividade 115

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista 115

42 ldquoFormardquoe ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter 117

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 118

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter 122

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 124

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo 127

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo 132

47 O estatuto ontoloacutegico 137

CONCLUSAtildeO 140

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 144

9

INTRODUCcedilAtildeO

O estudo sobre a histoacuteria da produccedilatildeo artiacutestica no Ocidente sobretudo a pictoacuterica

revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teoacutericos e artistas com relaccedilatildeo agrave

aceitaccedilatildeo da pintura ora como imitaccedilatildeo da realidade ora como afirmaccedilatildeo de si mesma

enquanto coisa no mundo Isto eacute o questionamento da pintura como representaccedilatildeo tem sido

retomado na forma de outro (ou novo) movimento artiacutestico de orientaccedilatildeo figurativa eou

abstrata E ainda esse vai e vem de assertivas e oposiccedilotildees para com a arte como

representaccedilatildeo fortalece o lugar comum da ldquomorte da pinturardquo 1 que em uacuteltima anaacutelise

questiona a pertinecircncia da proacutepria existecircncia da pintura se natildeo da proacutepria arte como um todo

Todavia apesar das controveacutersias eacute possiacutevel constatar que parte do meio artiacutestico da

atualidade reabilitou a pintura e estaacute relendo a problemaacutetica do jogo entre imitaccedilatildeo e realidade

na arte pictoacuterica E mais ainda a produccedilatildeo de arte contemporacircnea2 e em especial a produccedilatildeo

pictoacuterica de Gerhard Richter (Dresden 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre

figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo e entre imagem e objeto podem ser

questionadas Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa de certa maneira artistas e

teoacutericos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitaccedilatildeo ou ateacute

mesmo deixar de existir Contudo ao reabilitar a retomada da pintura natildeo excluiacuteram outras

formas de arte que negam a imitaccedilatildeo ou que trazem novas formas de construccedilatildeo de imagens

inclusive pondo em cheque a proacutepria materialidade da arte

Nesse sentido pode-se afirmar que essas hipoacuteteses direcionam um estudo para uma

investigaccedilatildeo acerca da problematizaccedilatildeo da arte e da pintura enquanto imitaccedilatildeo da realidade 1 Eacute possiacutevel identificar nesta expressatildeo uma relaccedilatildeo agrave ideia de ldquomorte da arterdquo cunhada por Hegel em seus

Cursos de Esteacutetica que foram compilados e publicados ainda no iniacutecio do seacuteculo XIX proposiccedilatildeo esta

amplamente discutida por vaacuterios pensadores desde entatildeo e que indubitavelmente muito influencia o pensamento

sobre arte ainda hoje Entretanto nossa colocaccedilatildeo natildeo diz respeito exatamente agrave consciente filiaccedilatildeo agraves ideias de

Hegel e sim a um movimento aceacutefalo e pouco ciente de suas antecedecircncias Ou seja diz respeito a um locus que

se formou entre artistas professores de arte e criacuteticos que usam as expressotildees ldquomorte da arterdquo e sobretudo

ldquomorte da pinturardquo de maneira ateacute muitas vezes ingecircnua e inconsequente em ambientes de cursos de arte ateliecircs

e em textos de cataacutelogos de exposiccedilatildeo e afins

2 A despeito das controveacutersias inerentes aos roacutetulos utilizados para as classificaccedilotildees de periacuteodos estilos e

movimentos artiacutesticos neste contexto a palavra ldquoarte contemporacircneardquo deve ser entendida na sua acepccedilatildeo de uso

corrente da palavra contemporacircneo isto eacute diz respeito agrave produccedilatildeo de arte vigente nos dias de hoje de todo e

qualquer artista que estaacute em produccedilatildeo Entretanto uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das

deacutecadas correspondentes as suas proacuteprias vidas logo a produccedilatildeo de arte contemporacircnea igualmente pode

corresponder agrave produccedilatildeo das uacuteltimas deacutecadas Portanto neste contexto ldquoarte contemporacircneardquo natildeo determina um

exato limite temporal de iniacutecio ou teacutermino nem faz distinccedilatildeo de grupos ou geraccedilotildees de artistas natildeo se refere a

um movimento em particular mas sim agrave atualidade com todas as suas idiossincrasias

10

que culmina na intricada relaccedilatildeo do artista para com a apreensatildeo do mundo e a consequente

negaccedilatildeo da possibilidade dessa relaccedilatildeo ateacute o questionamento da pertinecircncia da proacutepria

existecircncia da pintura eou da arte

Eacute possiacutevel constatar que estas problemaacuteticas remontam agrave antiguidade grega e se

estendem por toda a histoacuteria da pintura podendo ser resumidas no embate entre realidade e

arte Neste sentido surge a necessidade de recorrer aos textos dos filoacutesofos antigos

sobretudo os de Platatildeo e Aristoacuteteles a fim de identificar a origem das questotildees descritas

acima e que ateacute hoje estatildeo no nuacutecleo da reflexatildeo sobre a arte sobretudo pictoacuterica

Uma chave para esse diaacutelogo entre o pensamento da Greacutecia antiga e o pensamento da

atualidade no campo da investigaccedilatildeo esteacutetica pode ser encontrada no pensamento de Luigi

Pareyson (1918-1991) que recorre principalmente a Aristoacuteteles para a construccedilatildeo da sua

teoria sobre arte

Portanto tendo em conta este embasamento teoacuterico a presente pesquisa revisita a

discussatildeo da intrincada relaccedilatildeo entre arte e realidade isto eacute retoma os questionamentos que

envolvem a proposiccedilatildeo de que a arte em especial a pintura eacute representaccedilatildeo embora tambeacutem

seja definida como apresentaccedilatildeo de si mesma visto que por meio das leituras dos textos de

Pareyson e em especial os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade

constata-se a reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte como realidade em si mesma ou

seja da arte e em especial da arte pictoacuterica como necessariamente invenccedilatildeo de nova

visualidade e sobretudo de nova realidade

Vale assinalar que o presente enfoque filosoacutefico sobre a arte se daacute preferencialmente

acerca do processo de elaboraccedilatildeo da obra levando em conta que na Teoria da Formatividade

Luigi Pareyson propotildee um modo de abordagem esteacutetica sob a oacutetica da produccedilatildeo artiacutestica ldquoEra

mais que tempo na arte de por a ecircnfase no fazer mais que no simplesmente contemplarrdquo 3

Embora o filoacutesofo reconheccedila e coloque em destaque a importacircncia da experiecircncia

artiacutestica para o embasamento do estudo filosoacutefico sobre a arte ele natildeo deixa de levar em conta

a necessaacuteria investigaccedilatildeo conceitual que a reflexatildeo filosoacutefica pressupotildee Desse modo o

3 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

11

proacuteprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da

Filosofia da Arte que antes de tudo eacute sobretudo Filosofia ldquoUrge pois reconhecer que a

esteacutetica eacute filosofia e somente sob a condiccedilatildeo de ser filosofia justifica a proacutepria pesquisa e

manteacutem sua autonomia []rdquo4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte eacute

[] uma anaacutelise da experiecircncia esteacutetica natildeo uma definiccedilatildeo da arte

considerada abstratamente em si mesma mas um estudo do homem

enquanto autor da arte e no ato de fazer arte Em siacutentese reflexatildeo filosoacutefica

sobre a experiecircncia esteacutetica e no intuito de problematizaacute-la no seu conjunto

de mostrar-lhe a possibilidade estabelecer-lhe o acircmbito e os limites [] 5

Nesse sentido partindo dos proacuteprios apontamentos do filoacutesofo constata-se que se faz

necessaacuterio um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiecircncia artiacutestica

incluindo a pictoacuterica Igualmente a partir das afirmaccedilotildees do proacuteprio Pareyson parece seguro

afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosoacuteficos de Platatildeo e

sobretudo de Aristoacuteteles importantes pontos de apoio e de diaacutelogo para a construccedilatildeo de seus

conceitos centrais

Portanto na primeira etapa da pesquisa propotildee-se uma demarcaccedilatildeo terminoloacutegica de

alguns pontos importantes advindos do pensamento filosoacutefico grego em especial dos textos

de Platatildeo e Aristoacuteteles que dialogam com a concepccedilatildeo particular da filosofia de Pareyson

sobretudo relacionada com a sua concepccedilatildeo de arte servindo como ponto de apoio para o

embasamento conceitual e teoacuterico da Teoria da Formatividade

O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade

relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosoacutefico de Pareyson E

novamente haacute uma delimitaccedilatildeo dos aportes que embasam a conceituaccedilatildeo pareysoniana

sobretudo os advindos de definiccedilotildees aristoteacutelicas (embora tais definiccedilotildees natildeo sejam

necessariamente relacionadas exclusivamente agraves questotildees sobre arte que o estagirita discutiu)

4 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p19 ldquoBisogna dunque ricoscere Che lrsquoestetica egrave filosofia e solo a patto drsquoesser filosofia

giustifica la proacutepria ricerca e mantiene la proacutepria autonomiardquo [] (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

5 Ibidem op cit p11 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Embasada pelas demarcaccedilotildees das definiccedilotildees conceituais elaboradas nos capiacutetulos

anteriores a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes

conceitualizaccedilotildees sobre imitaccedilatildeo intenccedilatildeo imaginaccedilatildeo bem como representaccedilatildeo no campo

da arte sobretudo da arte pictoacuterica advindas dos pensamentos de Platatildeo de Aristoacuteteles em

contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade

A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alematildeo Gerhard

Richter para investigar as relaccedilotildees do artista com a realidade enquanto imitador desta bem

como enquanto criador de uma novaoutra visualidade e realidade na contemporaneidade E

consequentemente a possibilidade da obra de arte em especial a pintura como apresentaccedilatildeo

de si mesma isto eacute como coisa entre coisas sem que isso faccedila com que a imagem deixe

tambeacutem de fazer referecircncia a um modelo Vale ressaltar que toda esta reflexatildeo traz natildeo soacute a

questatildeo da arte como imitaccedilatildeo ao mesmo tempo mas tambeacutem como coisa nova e original

Em suma este estudo discorre a respeito das problemaacuteticas especiacuteficas da arte

sobretudo da pintura na atualidade tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diaacutelogo

com os pensamentos de Platatildeo e de Aristoacuteteles Esses aportes teoacutericos visam agrave compreensatildeo

do fenocircmeno artiacutestico com ecircnfase no pictoacuterico entendendo a arte como produccedilatildeo formante

que imita e representa ao mesmo tempo em que eacute invenccedilatildeo de coisa autocircnoma Isto eacute esta

pesquisa visa investigar como o estatuto ontoloacutegico da obra de arte ou seja a dignidade de

autonomia da arte que Pareyson reivindica influencia na leitura sobre a problemaacutetica da

questatildeo da arte enquanto imitaccedilatildeo Logo a proposta eacute mostrar como o reconhecimento destas

trecircs dimensotildees inseparaacuteveis da arte enquanto produccedilatildeo imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo possibilita uma

leitura dos desdobramentos da produccedilatildeo artiacutestica pictoacuterica no seacuteculo XXI tomando como

ponto de investigaccedilatildeo especiacutefica a obra pictoacuterica de Gerhard Richter

13

CAPIacuteTULO I

Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson

A ideia de que a esteacutetica eacute uma disciplina moderna eacute pouco

mais do que um lugar comum mas que pode degenerar em um

erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como

uma fonte de inspiraccedilatildeo para o estudo da arte

Luigi Pareyson 1966 6

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo

da Teoria da Formatividade

Conforme foi exposto na Introduccedilatildeo um retorno agraves origens das definiccedilotildees e

entendimentos sobre as questotildees centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte

pictoacuterica se faz necessaacuterio para que o pensamento de Luigi Pareyson7 possa ser localizado no

campo do pensamento sobre arte Ele mesmo estabelece os limites desse diaacutelogo ao citar

frequentemente o pensamento da antiguidade grega situando-a como ponto de partida para a

conceituaccedilatildeo das problemaacuteticas artiacutesticas pertinentes ainda hoje Nas palavras dele sobre a

questatildeo das definiccedilotildees de arte

6 (Traduccedilatildeo nossa da traduccedilatildeo em espanhol) ldquoLa idea de que la esteacutetica es una disciplina moderna es poco

menos que un lugar comuacuten pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo

antiguo como fuente de inspiracioacuten para el estudio del arterdquo (PAREYSON Luigi Forma organismo y

abstraccioacuten In ______ Conversaciones de esteacutetica Trad de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

7 Italiano nasceu em 1918 faleceu em 1991 Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim e em 1943

passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim ficando na mesma instituiccedilatildeo ateacute 1988 Dirigiu a

revista de esteacutetica (Rivista di Esteacutetica) da citada instituiccedilatildeo por mais de 25 anos As primeiras interlocuccedilotildees

filosoacuteficas de Pareyson se deram com os filoacutesofos alematildees com destaque para ensaios realizados sobre as obras

de pensadores como Kant Schelling Schiller Fichte Kierkegaard e Goethe sem deixar de mencionar o

destaque ao estudo da obra de Karl Jasper Aleacutem dos alematildees ele desenvolveu importantes ensaios sobre os

pensamentos de Aristoacuteteles Vico e Valegravery Contudo ainda estabeleceu interlocuccedilotildees com pensadores

contemporacircneos a ele como Heidegger Gadamer Dewey Focillon e Gilson Ainda saindo do foco da

interlocuccedilotildees e diaacutelogos com outros filoacutesofos como siacutentese do percurso filosoacutefico de Pareyson Sarto discorre

ldquoDotado de una profunda curiosidad cientiacutefica y de una notable erudicioacuten Pareyson fue capaz de elaborar una

siacutentesis original un pensamiento que parte del existencialismo pasa por el personalismo la esteacutetica y la

hermeneacuteutica para acabar en la lsquoontologiacutea de la libertadrsquo []rdquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar

el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi PareysonPamplona EUNSA 1998 p21) Ver tambeacutem ECO

Umberto A esteacutetica da formatividade e o conceito de interpretaccedilatildeo p14-15 In _____ A definiccedilatildeo da arte

Traduccedilatildeo de Joseacute Mendes Ferreira Lisboa Ed 70 2008

14

As definiccedilotildees mais conhecidas da arte recorrentes na histoacuteria do

pensamento podem ser reduzidas a trecircs ora a arte como um fazer ora como

um conhecer ora como um exprimir [] Na Antiguidade prevaleceu a

primeira a arte foi entendida como teacutekhne como um fazer em que era

expliacutecita ou implicitamente acentuado o aspecto executivo fabril manual 8

Embora como diz Pareyson ldquoEssas diversas concepccedilotildees ora se contrapotildeem ora se

excluem umas agraves outras ora pelo contraacuterio aliam-se e se combinam de vaacuterias maneirasrdquo

(1989 p29) 9 o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas

nuances partindo da interpretaccedilatildeo das variantes dos significados dos termos teacutekhne 10 e

poiacuteesis visto que o aspecto fabril da obra de arte bem como as definiccedilotildees advindas da

filosofia grega sobretudo de alguns textos de Aristoacuteteles satildeo chaves capitais para o

entendimento da Teoria da Formatividade11

do filoacutesofo de Turim

8 PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes1989 p29 ldquoLe definizioni piugrave famose dellrsquoarte si possono ridurre a tre ricorrenti nella storia

de pensiero lrsquoarte egrave concepita ora come un fare ora come un conoscere ora come un esprimere

[]Nellrsquoantichitagrave prevalse la prima lrsquoarte fu intesa come τέχνη come un fare in cui era esplicitamente o

implicitamente accentuato lrsquoaspetto esecutivo fabrile manuale[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

9 Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes1989 p29 ldquoQueste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro ora invece si

alleano e si combinano variamente ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dellrsquoarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p229)

10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos Os paracircmetros para a

transliteraccedilatildeo do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY Ivan

Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Cf Op cit p 5 a

8) Esses paracircmetros soacute natildeo foram usados nas citaccedilotildees onde os autores optaram por paracircmetros diversos dos

seguidos por Gobry nesses casos a grafia do texto original citado foi mantida

11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiograacutefico estudos e comentaacuterios sobre as obras

e outros filoacutesofos ateacute textos teoacutericos autocircnomos como os dois livros especiacuteficos de Esteacutetica que serviram como

base central para a presente dissertaccedilatildeo isto eacute Estetica Teoria della formativitagrave publicado pela primeira vez em

1954 e traduzido para o portuguecircs em 1993 e ainda o livro I problemi dellestetica com a primeira ediccedilatildeo

italiana de 1966 e publicado no Brasil em 1984 Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais

significativas estatildeo dispostas por ordem cronoloacutegica a partir da primeira publicaccedilatildeo em italiano de cada obra La

filosofia dellesistenza e Karl Jaspers (1939) Studi sullesistenzialismo (1943) Corso di estetica (1946) Etica

ed estetica in Schiller (1949) Lestetica di Kant (1949) Etica ed estetica in Schiller (1949) Fichte Il sistema

della libertagrave (1950) Esistenza e persona (1950) Esistenza e persona (1950) Lestetica di Fichte (1950)

Lestetica dellidealismo tedesco (1950) Unitaacute della Filosofia (1952) Estetica Teoria della formativitagrave (1954)

Teoria dellarte (1965) I problemi dellestetica(1966) Conversazioni di estetica (1966) Il pensiero etico di

Dostoevskij (1967) Veritagrave e interpretazione (1971) Lesperienza artistica (1974) Schelling(1975) Rettifiche

sullrsquoesistenzialismo (1975) Dostoevskij filosofia romanzo ed esperienza religiosa (1976) LacuteEacutetica e esteacutetica

em Schiller (1983) Filosofia della libertagrave (1989) Ontologia della libertagrave Il male e la sofferenza (1995 -

poacutestuma) entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais Atualmente sob a rubrica de Opere

completerdquo os livros de Pareyson estatildeo sendo republicados pelo Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi

15

As diferentes acepccedilotildees utilizadas para as palavras teacutekhne e poiacuteesis satildeo por si soacute um

empecilho para a leitura atenta dos diversos textos natildeo soacute de Platatildeo e Aristoacuteteles mas

tambeacutem dos textos de outros autores antigos As dificuldades iniciam sobretudo no

entendimento de como esses autores pensavam as vaacuterias dimensotildees da atividade artiacutestica da

produccedilatildeo agrave fruiccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuteria uma breve demarcaccedilatildeo terminoloacutegica a fim de

evitarmos imprecisotildees jaacute que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte

A palavra teacutekhne eacute comumente natildeo traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje

Mas quando o eacute eacute usualmente traduzida por arte para o portuguecircs Como em portuguecircs a

palavra que utilizamos eacute de origem latina [ars ou artis] e natildeo existe nenhuma palavra em

grego que abarque todos os complexos significados e delimitaccedilotildees que o vocaacutebulo foi

ganhando no decorrer dos seacuteculos muitos textos atuais acabam por aceitar que teacutekhne

signifique simplesmente arte

Entretanto a acepccedilatildeo da palavra ldquoarterdquo que um grande grupo de pessoas tem em mente

atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade expressividade e

beleza Notadamente porque a definiccedilatildeo de arte acrescida das noccedilotildees de subjetividade

expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerccedilado na tradiccedilatildeo do pensamento

sobre arte que se cristalizou a partir do seacuteculo XVIII nos meios que de modo geral se

identificam pelo pensamento idealista e romacircntico Ideias que natildeo estariam inteiramente

presentes nas acepccedilotildees gregas de teacutekhne e que natildeo correspondem mais a grande parte das

concepccedilotildees de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje e sobretudo natildeo vatildeo de

encontro com o que Pareyson propotildee para a Teoria da Formatividade O filoacutesofo italiano faz

esta distinccedilatildeo pontualmente ldquoDe um lado a arte como teacutekhne saber fazer perfeiccedilatildeo formal

de outro a arte como inspiraccedilatildeo e paixatildeordquo 12

Pareyson da Universidade de Turim Por isso muitos tiacutetulos originais bem como a organizaccedilatildeo interna dos

textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem Cf em RAVERA Marco Premessa del Curatore

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p5-9 (Centro

Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 10)

11

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p71 ldquoDa un lato lrsquoarte come τέχνη saper fare perfezione formale dallrsquoaltro lrsquoarte come inspirazione e

passionerdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p266)

16

Portanto Pareyson chama a atenccedilatildeo sobre a importacircncia de se pensar a arte como

saber-fazer [teacutekhne] concepccedilatildeo natildeo soacute presentes nos pensamentos de ambos os filoacutesofos

gregos supracitados mas central nos textos da Greacutecia Antiga em geral Parece claro que o

professor de Turim o faz no intuito de retomar as definiccedilotildees primeiras de arte como fica

evidente na introduccedilatildeo do livro Esteacutetica Teoria da Formatividade quando ele expotildee que

quer ldquo[] entrar imediatamente no tema propondo ao inveacutes dos princiacutepios croceanos13

da

intuiccedilatildeo e da expressatildeo uma esteacutetica da produccedilatildeo e da formatividaderdquo 14

Por isso um olhar mais proacuteximo das especificidades dos diversos significados dos

termos gregos presentes nos textos antigos e repetidos nos textos atuais pretende ajudar a

desfazer as imprecisotildees que ocorrem por falta de uma distinccedilatildeo criteriosa que respeite as

variaccedilotildees conceituais de cada eacutepoca

Em suma nem para Platatildeo tatildeo pouco para Aristoacuteteles teacutekhne e poiacuteesis tecircm um

significado particular e sobretudo natildeo coincidem com as acepccedilotildees de arte que costumamos

utilizar no portuguecircs corrente Contudo Pareyson resgata uma seacuterie desses sentidos presentes

nos textos dos filoacutesofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua esteacutetica Nesse

intuito foram elencados os principais sentidos de teacutekhne poiacuteesis e outros termos e conceitos

correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega com ecircnfase nos

pensamentos de Platatildeo e Aristoacuteteles Assim como algumas definiccedilotildees relevantes de ars

advindas da tradiccedilatildeo latina mereceram atenccedilatildeo

No entanto a proposta desta revisatildeo terminoloacutegica natildeo eacute de fazer uma extensa revisatildeo

histoacuterica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte de Platatildeo agrave Pareyson Foram

destacados sobretudo aqueles significados e pontos de conjunccedilatildeo das acepccedilotildees

13

Referente agraves ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli 1866 - Naacutepoles 1952) filoacutesofo italiano amplamente

influente na Itaacutelia na eacutepoca de Pareyson Croce com uma esteacutetica baseada em aportes teoacutericos sobretudo

advindos do idealismo romacircntico foi um importante contraponto no discurso esteacutetico pareysoniano entretanto

nota-se que Pareyson faz menccedilatildeo agraves ideias crocianas na maioria das vezes para marcar as diferenccedilas entre estas

e a Teoria da Formatividade pontuando a necessidade de uma revisatildeo na reflexatildeo filosoacutefica sobre arte

Portanto embora Croce seja por uns apontado como o contraponto principal de Pareyson pautados

provavelmente nas inuacutemeras menccedilotildees a Croce recorrentes no textos de Pareyson todavia em geral estas

menccedilotildees satildeo com o intuito de criacutetica e oposiccedilatildeo

14

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

17

terminoloacutegicas relacionados agraves problemaacuteticas contidas na Teoria da Formatividade e que se

encontram em alguns outros pensadores sobretudo Platatildeo e Aristoacuteteles

Antes de analisar algumas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis separadamente vale lembrar

que tanto Platatildeo quanto Aristoacuteteles cotejam as diferentes modalidades de arte tais como a

pintura a poesia o teatro escultura utilizando paracircmetros e definiccedilotildees gerais que abrigam

qualquer linguagem artiacutestica Isso permite que as definiccedilotildees cunhadas por Platatildeo e Aristoacuteteles

sejam natildeo apenas aplicadas agrave atividade teatral e agrave poesia textual em si mas que se estendam agrave

produccedilatildeo da obra de arte de maneira geral incluindo a da pintura e assim por diante

Por exemplo apesar de um diaacutelogo como o Iacuteon de Platatildeo ter como foco principal a

apresentaccedilatildeo de poesia homeacuterica orquestrada por um rapsodo15

Soacutecrates - enquanto um dos

personagens do diaacutelogo - relaciona as atividades de Homero e de Iacuteon agraves do pintor e do

escultor Como quando Soacutecrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu

argumento sobre o pouco alcance do ldquoconhecimento teacutecnico- racionalrdquo de Iacuteon que soacute fala de

Homero e natildeo de todos os poetas (532 d ndash 533 a)16

Tambeacutem assim como na Repuacuteblica

Platatildeo ao discorrer sobre a distacircncia que a poesia traacutegica estaacute para com a verdade ie trecircs

15

Espeacutecie de cantor-ator ou declamador profissional que ornado com belas vestes e segurando um bastatildeo o

raacutebdos daiacute o nome rapsodo recita a poesia de outros poetas No caso de Iacuteon ele eacute um especialista em Homero

Iacuteon natildeo soacute recita mas explica o conteuacutedo da poesia a interpreta acumulando portanto a accedilatildeo de artista e de

uma espeacutecie de criacutetico- professor de arte A sua especialidade em recitar somente Homero eacute um dos argumentos

usados por Soacutecrates para desmerecer um suposto conhecimento teacutecnico adquirido por Iacuteon para exercer o seu

ofiacutecio Cf PLATAtildeO Iacuteon 530c

16

PLATAtildeO Iacuteon 532 d- 533a ldquo- Soacutec []Partamos desse raciociacutenio existe uma arte pictoacuterica que eacute um

conjunto - Iacuteon Sim - Soacutec Portanto tambeacutem na pintura haacute e houve muitos pintores bons e muitos mediacuteocres

- Iacuteon Perfeitamente - Soacutec Entatildeo jaacute viste algueacutem que eacute capaz de discorrer sobre Polignoto filho de

Aglaofonte demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que natildeo desenha e seja incapaz de

fazer o mesmo sobre os outros pintores E quando algueacutem aponta para as obras dos outros pintores ele

adormece fica embaraccedilado e natildeo tem o que se conjecturar mas quando eacute sobre Polignoto ou algum outro que

queiras havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos desperta e presta

atenccedilatildeo e bem transita no que diz- Iacuteon Natildeo por Zeus certamente natildeordquo (Traduccedilatildeo de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Pocket 2007)

[532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως

ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν Πῶς τοῦτο λέγω δέῃ τί μου ἀκοῦσαι ὦ Ἴων ΙΩΝΝαὶ μὰ τὸν Δία ὦ Σώκρατες

ἔγωγε χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν ΣΩΚΡΑΤΗΣΒουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν ὦ Ἴων ἀλλὰ σοφοὶ

μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ

λέγω [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε θέασαι ὡς φαῦλον καὶ

ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ

Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον ΙΩΝΝαίΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ

καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι ΙΩΝΠάνυ γε ΣΩΚΡΑΤΗΣἬδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν

Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων

[533a] ἀδύνατος Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ

ἔχει ὅτι συμβάληται ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ

ἀποφήνασθαι γνώμην ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ ΙΩΝΟὐ μὰ τὸν Δία οὐ δῆτα

18

vezes distante desta ele afirma que tambeacutem a pintura eacute uma imitaccedilatildeo trecircs graus distante da

verdade (Livro X 597 d) 17

Aristoacuteteles igualmente recorre agrave pintura para tratar de questotildees de poesia como na

passagem do Capiacutetulo VI da Poeacutetica quando ele coteja a construccedilatildeo e especificidades da

trageacutedia com a pintura da eacutepoca citando Zecircuxis e Polignoto (1450a 22 -30) 18

Mais adiante

a comparaccedilatildeo entre poesia traacutegica e pintura se repete

[] o mito eacute o princiacutepio e como que a alma da trageacutedia soacute depois vecircm os

caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se algueacutem aplicasse

confusamente as mais belas cores a sua obra natildeo nos comprazeria tanto

como se apenas houvesse esboccedilado uma figura em branco (Ibidem 1450b

1-5) 19

Portanto eacute a partir do paracircmetro de que tanto Platatildeo como Aristoacuteteles usavam a

pintura e a escultura para falar de teatro eou poesia e vice e versa sem discriminar

inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artiacutestica que as referecircncias e

interpretaccedilotildees dos conceitos correlatos agraves questotildees da arte utilizados e cunhados por eles seratildeo

analisadas neste presente estudo

17

ldquoSoacutec Ora exatamente como ele (pintor) encontra-se o poeta traacutegico por estar como imitador trecircs degraus

abaixo do rei da verdade o que aliaacutes se daacute com todos os imitadoresrdquo (PLATAtildeO Repuacuteblica Trad de Carlos

Alberto Nunes 3ordf Ed Beleacutem EDUFPA 2000)

Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ

κλινοποιός τις μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν

18

ldquoSem accedilatildeo natildeo poderia haver trageacutedia mas poderia havecirc-la sem caracteres As trageacutedias da maior parte dos

modernos natildeo tecircm caracteres e em geral haacute muitos poetas desta espeacutecie Tambeacutem entre os pintores assim eacute

Zecircuxis comparado com Polignoto porque Polignoto eacute excelente pintor de caracteres e a pintura de Zecircuxis natildeo

apresenta caraacuteter nenhumrdquo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973 p 448)

Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄνmiddot αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων

ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον

πέπονθενmiddot ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος

19

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p 449

[1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας

εἰκόνα)middot ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων Τρίτον δὲ ἡ διάνοιαmiddot τοῦτο δέ [5]

ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον

ἐστίνmiddot οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ

δηλοῖ τὴν προαίρεσιν ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει]

19

12 Teacutekhne como saber-fazer

Notadamente para Platatildeo em muitos de seus diaacutelogos teacutekhne tem um sentido mais

amplo e por vezes ateacute antagocircnico para com algumas definiccedilotildees de arte atuais A primeira

diferenccedila significativa entre teacutekhne e arte eacute a distinccedilatildeo que fazemos atualmente entre arte e

teacutecnica de onde podem surgir vaacuterias possiacuteveis interpretaccedilotildees errocircneas Como lembra

Pareyson ldquo[] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinccedilatildeo entre a arte

propriamente dita e o ofiacutecio ou a teacutecnica do artesatildeordquo 20

Para o disciacutepulo de Soacutecrates teacutekhne costumar ter um sentido de teacutecnica na acepccedilatildeo

simples do termo ou seja habilidade no fazer destreza na profissatildeo E ainda pode ser

considerada como sinocircnimo de ciecircncia e sobretudo abarca todo tipo de atividade humana21

Assim como Platatildeo Aristoacuteteles frequentemente usa a palavra teacutekhne no sentido amplo

do saber-fazer E tambeacutem em ambos os pensadores teacutekhne eacute por vezes encontrada como

sinocircnimo ou em paralelo agrave ciecircncia [episteacuteme]22

Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato

e primaacuterio do termo isto eacute todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do

universal23

Como explica Giovanni Reali nos comentaacuterios de sua traduccedilatildeo da Metafiacutesica de

Aristoacuteteles ldquo[] ldquoArterdquo [teacutekhne] eacute algo muito proacuteximo da ciecircncia enquanto implica

20

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p29 ldquo[]ma il pensiero antico poco si preoccupograve di teorizzare la distinzione fra lrsquoarte

propriamente detta e il mestiere o la teacutecnica dellartigiano[]rdquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

21

Platatildeo natildeo utiliza o termo teacutekhne de maneira uniforme em seus diaacutelogos Entretanto eacute possiacutevel afirmar que

diante de variadas acepccedilotildees persiste ao menos um aspecto semacircntico comum correspondente ao entendimento

de que teacutekhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza como por exemplo

no diaacutelogo Iacuteon (538-541) onde Soacutecrates discorre sobre vaacuterias atividades que precisam da teacutekhne para serem

ldquobem executadasrdquo como as do general do barqueiro do navegador da fiandeira do meacutedico e tambeacutem da

atividade dele mesmo Sobre as variantes do sentido de tegravekhne nos diversos diaacutelogos de Platatildeo ver tambeacutem em

BRISSON L PRADEAU J-F Vocabulaacuterio de Platatildeo Trad de Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins

Fontes 2010 p 70 -71

22

Cf PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes

2010 (verbete ltciecircncia ndash episteacutemegt p 21- 22) e GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad

Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Verbete ltteacutekhnegt p 142-143)

23ldquoO termoldquoepistecircmerdquo pode ser entendido em dois sentidos Haacute um estrito de ldquoepistecircmerdquo definido nos Segundos

analiacuteticos uma disciplina particular confinada por um gecircnero particular a respeito do qual prova por

demonstraccedilotildees seus atributos per se [] Pode-se entender ldquoepistecircmerdquo em sentido mais lato como ato

cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa por exemplo como conhecimento de uma

determinada conclusatildeo []rdquo(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio

traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 234-235)

20

justamente conhecimento dos universais Na linguagem moderna a palavra ldquoarterdquo natildeo tem

mais o antigo sentido e portanto existe o risco de equiacutevocos []rdquo 24

Portanto a teacutekhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposiccedilatildeo agrave

natureza agrave irracionalidade e ao acaso como por exemplo no sentido explicitado neste trecho

da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles ldquoNatildeo obstante hatildeo de concordar que o homem que

deseja tornar-se mestre numa arte [teacutekhne] ou ciecircncia deve buscar o universal e procurar

conhececirc-lo tatildeo bem quanto possiacutevel []rdquo (X 1180b 20) 25

Todavia nem sempre Aristoacuteteles entende teacutekhne e ciecircncia como sinocircnimas como

quando ele faz distinccedilotildees importantes entre teacutekhne praacutexis e theoria distinccedilotildees que seratildeo

comentadas mais adiante26

Portanto a traduccedilatildeo simplificada de teacutekhne como arte no que diz respeito aos textos

que tratam da arte no seu sentido estrito pode natildeo ser a melhor escolha Muitas vezes a

melhor escolha poderia ser a palavra teacutecnica no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer

ou ateacute mesmo ciecircncia no sentido do saber racional e verdadeiro Esse cuidado na traduccedilatildeo eacute

particularmente importante especialmente nos casos dos textos sobre arte para que teacutekhne

natildeo se confunda com os diversos conceitos que a palavra ldquoarterdquo abarca nos dias de hoje

Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questatildeo nos comentaacuterios da sua traduccedilatildeo da

Fiacutesica I-II de Aristoacuteteles

[] outra traduccedilatildeo para technecirc eacute ldquoarterdquo Em Eacutetica a Nicocircmaco 1140 a 10 a

technecirc eacute definida como ldquohabilitaccedilatildeo (ou disposiccedilatildeo) produtiva com discurso

verdadeirordquo (hexis meta logou alecircthou poiecirctikecirc) Trata-se da capacidade de

produzir de modo racional ldquoalguma coisa que admite ser e natildeo serrdquo (algo

24

REALI Comentaacuterios e notas (Metafiacutesica 981 a 7-12) In ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Vol III traduccedilatildeo de

Giovanni Reali e Trad de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ed Loyola 2002 p 8-9

25

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W

D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo V IV) p 434

(20) ἐπαρκέσαι Οὐδὲν δ ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου

βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ αἱ ἐπιστῆμαι Τάχα δὲ

καὶ τῷ βουλομένῳ δι ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν εἴτε πολλοὺς εἴτ ὀλίγους νομοθετικῷ πειρατέον (25)

γενέσθαι εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ ἄν

26

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 (verbete episteacuteme p56-57)

21

contingente) ldquoe cujo princiacutepio estaacute no produtor natildeo naquilo que se produzrdquo

(1140 a 12-4) Em expressotildees como ldquoa arte da medicinardquo ldquoa arte do

timoneirordquo etc temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristoacuteteles

Mas quando o termo ldquotechnecircrdquo eacute usado sem complementos parece-nos mais

adequado vertecirc-lo por ldquoteacutecnicardquo [] 27

Veremos no decorrer deste capiacutetulo como essa acepccedilatildeo de teacutekhne como ldquosaber-fazerrdquo

utilizada tanto por Platatildeo como por Aristoacuteteles e acrescida de todas as nuanccedilas que dela

derivam serviu como paracircmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia

A noccedilatildeo de teacutekhne como fruto da experiecircncia eacute outro aspecto da definiccedilatildeo de teacutekhne que

ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos

meandros do processo artiacutestico que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte

Tambeacutem como Platatildeo Aristoacuteteles identifica a experiecircncia como origem da teacutekhne

Mas enquanto Platatildeo opotildee ciecircncia [episteacuteme] e experiecircncia [emperiacutea] sobretudo por

desacreditaacute-la como meio de obter conhecimento Aristoacuteteles situa a experiecircncia como

conhecimento individual que precisa da teacutekhne e da episteacuteme para tornaacute-la universal28

Nesses

trechos da Metafiacutesica Aristoacuteteles explica como se daacute o conhecimento da teacutekhne a partir da

experiecircncia

A experiecircncia parece um pouco semelhante agrave ciecircncia e agrave arte A experiecircncia

como diz Polo produz a arte enquanto a inexperiecircncia produz o acaso A

arte se produz quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia forma-se um

27

ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p363

28ldquoTal como foi definida em Aristoacuteteles (Eth Nich VI 1140a) a teacutekhne eacute uma caracteriacutestica (hexis) mais

dirigida agrave produccedilatildeo (poietike) do que agrave accedilatildeo (praktike) Emerge da experiecircncia (empeiria) de casos individuais

e passa da experiecircncia agrave teacutekhne quando as experiecircncias individuais satildeo generalizadas num conhecimento de

causas[]rdquo(ltverbete teacutechnegravegt) (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz

Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 225- 226)

22

juiacutezo geral e uacutenico passiacutevel de ser referido a todos os casos semelhantes (A

981a) 29

Ou seja as teacutekhnai como explica Aristoacuteteles estatildeo no campo do saber-fazer teacutecnico

habilidades do fazer adquiridas atraveacutes da sensaccedilatildeo [aiacutesthesis] e da experiecircncia [emperiacutea] 30

podendo ser ensinadas e possibilitando a produccedilatildeo humana das coisas no mundo atraveacutes da

competecircncia adquirida

Esta eacute outra distinccedilatildeo fundamental que estaacute presente na base do entendimento dos

mecanismos da arte que Pareyson propocircs estudar Ou seja diferente dos pensadores gregos

para o filoacutesofo italiano o saber-fazer e sobretudo o artiacutestico eacute adquirido num fazer

inventivo e simultacircneo agrave produccedilatildeo da obra Como Pareyson define

A arte eacute uma atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo [invenzione] procedem

pari passu inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de

um valor original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo

encontra-se a regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem

eacute pensaacutevel projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou

cantando eacute que eacute encontrada e eacute concebida e eacute inventada 31

Esta eacute uma das especificaccedilotildees fundamentais da fabricaccedilatildeo da arte sob a oacutetica da Teoria

da Formatividade ou seja a teacutecnica da arte estaacute constantemente em processo de se reinventar

No entanto apesar de Pareyson indicar no nuacutecleo da Teoria da Formatividade que na arte o

saber eacute adquiro no momento de fazer natildeo depois nem mesmo antes ldquoEla (arte) eacute um tal

29

Aristoacuteteles Metafiacutesica Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo

Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p3 Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία

ἀποβαίνει δ ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν ὡς φησὶ

Πῶλος ἡ [5] δ ἀπειρία τύχην Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου

γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις

30

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 p53 e p143

31

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoLarte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo

simultanee e inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si

concepisce eseguendo si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave

finita neacute egrave pensabile di progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si

concepisce e la sinventardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p232)

23

fazer que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazerrdquo32

Ele esclarece que esse

fazer que inventa o modo de fazer natildeo eacute um mero acaso ou seja a experiecircncia adquirida

participa e ajuda a ldquoorganizarrdquo o aparente caos do fazer artiacutestico Nas palavras dele

Tudo isto eacute contraacuterio agrave experiecircncia dos artistas os quais embora arrastados

pelo estro de veia faacutecil e abundante conhecem todavia o inflexiacutevel rigor e a

severa legalidade que preside ao ecircxito das suas obras e natildeo estatildeo facilmente

dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma

espontaneidade cega e incontrolada 33

14 Teacutekhne e inspiraccedilatildeo

Nesse sentido outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de

teacutekhne sobretudo em Platatildeo pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diaacutelogos do

disciacutepulo de Soacutecrates Iacuteon

Nesse diaacutelogo Soacutecrates afirma que o poeta natildeo tem arte [teacutekhne] transformando a fala

do filoacutesofo em algo estranho para natildeo dizer contraditoacuterio aos leitores desavisados de hoje

Ou seja Soacutecrates diz que o artista natildeo tem o conhecimento de uma arte [teacutekhne] faz o que faz

por meio de uma forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] 34

e eacute essa forccedila que lhe daacute a habilidade de

recitar Homero e encantar o puacuteblico e natildeo um saber fazer adquirido racionalmente Segundo

este texto35

o rapsodo estaacute fora de si no momento da produccedilatildeo [poiacuteesis] ou seja estaacute

possuiacutedo pela Musa daiacute o caraacuteter irracional da arte que eacute apontado no diaacutelogo sobre a Iliacuteada

32

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32 ldquo[]essa (Larte) un tal fare che mentre fa inventa il da farsi e il modo di farerdquo

(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

33

Ibidem op cit p138 ldquoTutto ciograve egrave contrario allesperienza degli artisti i quali per quanto trascinati

dallestro e di vena facile e abbondante conoscono tuttavia linflessibile rigore e la severa legalitagrave che presiede

alla riuscita delle loro opere e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato

duna spontaneitagrave cieca e incontrollatardquo (Ibidem op cit p324)

34

Cf PLATAtildeO Iacuteon 533 d- 534

35

Ibidem 532c Soacutec Natildeo eacute difiacutecil imaginar isso companheiro mas a todos eacute evidente que com teacutecnica e

ciecircncia eacutes incapaz de falar sobre Homero Pois se tu fosses capaz de falar por teacutecnica serias capaz de falar

tambeacutem de todos os outros poetas pois que haacute uma arte poeacutetica como um todo natildeo haacuterdquo (Traduccedilatildeo de Andreacute

Malta Porto Alegre LampPM Pocket 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι ὦ ἑταῖρε ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diaacutelogo que o assunto da inspiraccedilatildeo no artista eacute mencionado eacute o Fedro36

aqui a

ideia de inspiraccedilatildeo eacute examinada sob a oacutetica da loucura divina isto eacute do deliacuterio [maniacutea]

Portanto a partir dessas leituras entende-se que a concepccedilatildeo platocircnica de teacutekhne pode

ser entendida em alguns momentos como antagocircnica agrave produccedilatildeo artiacutestica tais como a

pintura poesia e muacutesica Essas atividades teriam a inspiraccedilatildeo [enthousiasmos] na forma de

forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] como propulsoras da produccedilatildeo [poiacuteesis] da obra Uma inspiraccedilatildeo

que se configura como uma espeacutecie de loucura poreacutem de ordem divina e portanto beneacutefica

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα καὶ περὶ τῶν ἄλλων

ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ ἂν ἦσθα ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον Ἢ οὔ

Noutro trecho Iacuteon 542 a-b ldquoSoacutec []Assim se vocecirc natildeo possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco)

depois de me prometer uma demonstraccedilatildeo sobre Homero fica agora me enganando vocecirc faz mal mas se vocecirc

natildeo possui arte e por porccedilatildeo divina estando tomado por Homero e nada sabendo diz muitas e belas coisas

sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito) vocecirc natildeo faz nada de mal Escolha entatildeo como vocecirc prefere

ser considerado por noacutes homem malfeitor ou divino - Iacuteon Haacute muita diferenccedila Soacutecrates Pois eacute mais belo ser

considerado divino- Soacutec para noacutes entatildeo algo mais belo lhe pertence Iacuteon ser divino e de Homero um louvador

sem arte]rdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ[]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με

ἄδικος εἶ εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ

τοῦ ποιητοῦ ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ οὐδὲν ἀδικεῖς Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος

ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος [542b] ΙΩΝ Πολὺ διαφέρει ὦ Σώκρατες πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι

ΣΩΚΡΑΤΗΣΤοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ ἡμῖν ὦ Ἴων θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου

ἐπαινέτην

36

Idem Fedro 244 a ldquoSoacutecrates [] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal mas na verdade

poreacutem obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses []rdquo (Traduccedilatildeo de Jorge Paleikat Rio de

Janeiro Porto Alegre Ed Globo s data)

Σωκράτης []Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι καλῶς ἂν ἐλέγετο νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν

ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης []

Ainda noutro trecho Ibidem 244d ndash 245a ldquoSoacutecrates [] Haacute ainda uma terceira espeacutecie de deliacuterio eacute

aquele inspirado pelas Musas Quando ele atinge uma alma virgem e pura transporta-a para um mundo novo e

inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos agraves novas

geraccedilotildeesrdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

Σωκράτης[] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν

γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ

λατρείας ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα

καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη

E mais no diaacutelogo Fedro 265 ldquoSoacutecrates Em seguida classificamos o deliacuterio divino em quatro espeacutecies

um era o sopro profeacutetico de Apolo outro a inspiraccedilatildeo miacutestica de Dioniacutesio o terceiro o deliacuterio poeacutetico

inspirado pelas Musas e finalmente a quarta espeacutecie de deliacuterio devia-se agrave influecircncia de Afrodite e de Eros

Afirmamos que o deliacuterio causado pelo amor eacute o melhor de todos Natildeo soacute como noacutes que tambeacutem somos atingidos

pelo sopro do deus do amor afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual natildeo faltava

sentido - pudemos compor um hino mitoloacutegico ao amor o deus dos jovens o teu o meu deusrdquo (Traduccedilatildeo

Ibidem) Σωκράτης Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος

θέντες Διονύσου δὲ τελεστικήν Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος ἐρωτικὴν

μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος

ἐφαπτόμενοι τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον μυθικόν τινα

ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα ὦ Φαῖδρε καλῶν παίδων

ἔφορον

25

Isto eacute o seu caraacuteter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade distanciando

ainda mais o saber artiacutestico do cientiacutefico que eacute racional e controlado pelo homem proacuteprios

daqueles que possuem um saber-fazer uma teacutekhne Conclui-se entatildeo que Platatildeo opotildee arte

[teacutekhne] e inspiraccedilatildeo A teacutekhne sendo proacutepria das ciecircncias incluindo a sua atividade de

filoacutesofo e a inspiraccedilatildeo como proacutepria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral

incluindo a atividade do pintor

O entendimento do descontrole humano no fazer artiacutestico que eacute visto em alguns

diaacutelogos platocircnicos como conflitante e oposto agrave racionalidade advinda da teacutekhne entendida

nesse contexto como saber-fazer racional por vezes sobrecai no estudo do fazer artiacutestico

velando o olhar agraves zonas intermediaacuterias do fazer da obra de arte Lugar onde eacute possiacutevel

encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente

Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte eacute fundamental para que se

possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propotildee ele natildeo usa a palavra

irracional propriamente dita nem mesmo inspiraccedilatildeo para falar do processo de produccedilatildeo da

obra de arte Mas tampouco situa o processo artiacutestico como um saber-fazer totalmente

controlado e sabido previamente e completamente racional Sobre os meandros do processo

artiacutestico Pareyson explica

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma37

37

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

26

Seguindo esse raciociacutenio natildeo seria absurdo relacionar esta obediecircncia agrave obra de arte que

Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricaccedilatildeo artiacutestico a uma forccedila externa agrave

vontade do artista presente no fazer artiacutestico que tantos pensadores entre eles e pioneiramente

Platatildeo identificam Nas palavras de Pareyson ldquoEis aiacute o misteacuterio da arte a obra de arte se faz

por si mesma e no entanto eacute o artista que a fazrdquo38

Portanto aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma soluccedilatildeo entre as duas visotildees

divergentes dos dois filoacutesofos gregos ele traz a ideia que na arte o saber-fazer eacute adquirido no

momento do fazer por um inventar que segue a dinacircmica da proacutepria obra formante Isto eacute

para Pareyson o processo artiacutestico natildeo eacute completamente premeditado e controlado como

fruto de uma experiecircncia preacutevia que foi racionalizada como Aristoacuteteles descreve tampouco eacute

fruto de uma forccedila divina incontrolada pelo artista como se vecirc em alguns diaacutelogos de Platatildeo

Em suma se por um lado Aristoacuteteles entende as artes como racionais e passiacuteveis de

serem aprendidas atraveacutes da racionalizaccedilatildeo da experiecircncia por outro lado Platatildeo identifica as

artes como inspiradas e portanto traz a ideia de que a arte natildeo pode ser aprendida e nem

sequer ser produzida por meios racionais pois natildeo haveria esse sentido especiacutefico de teacutekhne

presente na atividade do artista

Esse entendimento de Platatildeo ajuda a explicar porque o fundador da Academia natildeo

costuma incluir as atividades do poeta do pintor e de outros artistas como similares agraves teacutekhnai

em geral como seraacute mostrado a seguir

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della crealivitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p329)

38

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p78 ldquoCheacute questo egrave il grande misterio dellrsquoarte lrsquoopera drsquoarte si fa da seacute eppure la fa lrsquoartistardquo (Idem Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p61)

27

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai

Outro ponto de divergecircncia entre Aristoacuteteles e seu predecessor a respeito dos conceitos

correlatos a teacutekhne eacute como foi sugerido acima a relaccedilatildeo das artes com outras teacutecnicas

humanas ou melhor outras atividades tecnoloacutegicas humanas Diferente de Platatildeo Aristoacuteteles

frequentemente inclui as atividades artiacutesticas como uma das teacutekhnai39

Isto eacute o estagirita

entende a atividade artiacutestica paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e

saberes humanos de forma anaacuteloga

O fato de Aristoacuteteles ter escrito a Poeacutetica texto dedicado a discorrer exclusivamente

sobre as questotildees concernentes agrave ldquopoietikeacute teacutekhnerdquo - expressatildeo que neste contexto pode ser

definida por ldquoarte poeacuteticardquo mesmo de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si soacute

que ele incluiu as artes (na acepccedilatildeo que entendemos hoje) no acircmbito do conjunto das teacutekhnai

E natildeo como Platatildeo normalmente indicava em oposiccedilatildeo para com as atividades racionais que

satildeo acompanhadas de conhecimentos teacutecnicos tal como a atividade do meacutedico ou do

marceneiro

Ou seja tal como foi mostrado no item anterior pode-se supor que Platatildeo costumava

isolar as artes tal como as entendemos hoje ie a pintura escultura teatro muacutesica situando-

as separadas das atividades racionais e teacutecnicas atividades estas que em vaacuterios de seus

diaacutelogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas enfatizando assim um

caraacuteter divino e irracional

Esse aspecto do conceito das teacutekhnai em Aristoacuteteles que inclui as atividades artiacutesticas

tal como as entendemos hoje no acircmbito de todas as outras atividades e saberes humanos eacute

fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson que tambeacutem natildeo separa a

atividade do artista das outras atividades humanas Diz ele que a formatividade natildeo eacute

exclusividade da arte mas sim de qualquer atividade produtiva humana ldquo[] O aspecto

39

Cf Verbete ltarte-teacutekhnegt In PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Ed Martins Fontes 2010 p11-12

28

essencial da arte eacute o produtivo realizativo executivo Mas tambeacutem aqui eacute preciso natildeo

esquecer que todas as atividades humanas tecircm um lado executivo e realizativo []rdquo 40

Esse raciociacutenio sobre a relaccedilatildeo entre arte e as outras atividades humanas embasa a

Teoria da Formatividade de forma central como fica expliacutecito nesse trecho do prefaacutecio da

ediccedilatildeo de 1988 do livro homocircnimo

O livro estuda a formatividade em todo o acircmbito da formatividade humana

indicando em cada operaccedilatildeo do homem aquele caraacuteter formativo pelo qual

ela eacute ao mesmo tempo produccedilatildeo e invenccedilatildeo no sentido esclarecido Mas

demora-se mais a considerar sobretudo que caracteriacutesticas essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido

propriamente dito 41

Ainda nas palavras dele retiradas do livro Os Problemas da Esteacutetica ldquoMas a

especificaccedilatildeo da arte natildeo deve isolaacute-la do resto ela soacute tem sentido se considerada sobre o

fundo da extensatildeo da arte sobre toda a operosidade humanardquo 42

Mais adiante ele completa

ldquoA arte verdadeira e propriamente dita natildeo teria mais lugar se toda a operosidade humana

natildeo tivesse jaacute um caraacuteter ldquoartiacutesticordquo que ela prolonga aprimora e exaltardquo 43

Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocaccedilatildeo de Pareyson natildeo eacute apenas

uma questatildeo de equivalecircncia isto eacute pensar as artes no conjunto das outras atividades sem

discriminaacute-las ou isolaacute-las como dos outros fazeres Mas eacute sobretudo uma questatildeo de natildeo

separaccedilatildeo das operosidades humanas como um todo

40

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p31 ldquo[] che laspetto essenziale dellarte egrave quello produttivo realizzativo esecutivo

Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attivitagrave umane hanno un lato esecutivo e realizzativo

[]rdquo(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p231)

41

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

42

Idem Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p37 ldquoMa la specificazione dellarte non deve isolare larte dal resto essa ha senso solo se accampata

sullo sfondo dellestensione dellarte allintera operositagrave umanardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235)

43

Ibidem op cit p38 ldquo Larte vera e propria non avrebbe mai luogo se lintera operositagrave umana non avesse

giagrave un carattere laquoartisticoraquo chessa prolunga raffina ed esaltardquo (Ibidem op cit p235)

29

Todavia esse entendimento de conexatildeo indissoluacutevel entre o saber produtivo da arte e

os outros campos dos saberes produtivos humanos natildeo desqualifica ou nivela a arte que claro

tem muitas especificidades especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de

Turim

Vale ressaltar que essa relaccedilatildeo da atividade artiacutestica para com as outras atividades

humanas eacute uma das questotildees mais complexas para se pensar sobre a arte Uma compreensatildeo

apressada sobre essa relaccedilatildeo pode acarretar distorccedilotildees sobre as reais diferenccedilas e

similaridades entre a produccedilatildeo da arte e de qualquer outra atividade como Pareyson alerta

Eis o problema das relaccedilotildees da arte com as outras atividades humanas que eacute

dos mais importantes da esteacutetica e tambeacutem dos mais complexos dada a

variedade dos liames que mais ou menos estreita a inextricavelmente

instituem-se entre as atividades do homem 44

Uma destas distinccedilotildees que natildeo se localiza no interior do processo artiacutestico

propriamente dito corresponde agrave eterna celeuma da relaccedilatildeo arte-artesanato Que por um lado

pode identificar a atividade artiacutestica como um mero fazer ldquomecacircnicordquo no sentido braccedilal

reduzindo a arte agrave mera teacutecnica sem que se verifique que arte natildeo eacute e natildeo pode ser reduzida agrave

tecnicidade da produccedilatildeo de uma obra pois eacute necessaacuterio que se leve em conta todo o processo

de elaboraccedilatildeo intelectual e imaginativa do artista

No entanto por outro lado a desvalorizaccedilatildeo do aspecto tecnicista e fabril da

elaboraccedilatildeo de uma obra de arte pode ainda enveredar para uma noccedilatildeo de arte isolada de

tudo45

localizando-a no acircmbito de um fazer inexplicaacutevel e inserida-a numa categoria do

irracional ou ateacute mesmo no campo do divino como por vezes Platatildeo o fez 46

44

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p38 ldquoEcco il problema dei rapporti dellarte con le altre attivitagrave chegrave uno dei piugrave importanti

dellestetica e anche dei piugrave complessi data la varietagrave dei legami che piugrave o meno strettamente e

inestricabilmente sistituiscono fra le attivitagrave delluomordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p236)

45

Cf Ibidem op cit p41-42

46

Cf Iacuteon e Fedro de Platatildeo

30

Ou ainda e sobretudo na contemporaneidade por parte de algumas linhas de

raciociacutenio haacute alguns que enveredaram por transformar em artiacutestica toda e qualquer atividade

como se tudo fosse embebido de arte numa tentativa de inserir a arte em tudo e

transformando todos em artistas ignorando assim as vaacuterias especificidades da atividade

artiacutestica e seus meandros Isso ateacute que pode ser beneacutefico se for feito consciente das

especificidades da operosidade artiacutestica e sua relaccedilatildeo simbioacutetica com a operosidade humana

Contudo essa problemaacutetica geralmente envereda para um esvaziamento da arte em si

e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artiacutestica pode trazer agrave

vida como se tudo fosse especial o tempo todo nesse sentido o especial da arte perde sua

razatildeo de ser Sobre esta questatildeo nas palavras de Pareyson

[] hoje natildeo faltam aqueles que reparando precisamente em como haacute um

caraacuteter artiacutestico inerente a toda e qualquer atividade humana intervindo em

qualquer lugar onde se alcance um ecircxito seja em que campo for

preocupam-se pouco depois com distinguir a arte verdadeira e propriamente

dita desta artisticidade geneacuterica Disso resulta que natildeo se garante

suficientemente a especificidade da arte e que natildeo se lhe oferece um reino

proacuteprio ainda que estreitamente unido com todo o resto (1989 p35) 47

47

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p35 ldquo[] non mancano oggi coloro che giustamente rilevando come un carattere

artistico inerisce a tutta intera lattivitagrave umana intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi

campo si preoccupano poco in seguito di distinguere da questa generica artisticitagrave larte vera e propria col

risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del arte e di non offrirle un regno proprio anche se

strettamente congiunto con tutto il restordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash

a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p233)

31

16 Teacutekhne e phyacutesis48

[natureza - entes naturais]

Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristoacuteteles define as teacutekhnai

eacute a relaccedilatildeo simeacutetrica entre estas como domiacutenio dos conhecimentos e atividades humanos e o

domiacutenio do conhecimento e atividade da phyacutesis [natureza] que serve como paradigma para a

primeira49

Esta simbioacutetica relaccedilatildeo pode ser verificada na leitura da tatildeo citada frase do filoacutesofo

grego ldquohe teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesinrdquo isto eacute [arte [teacutekhne] imita [mimeicirctai] a natureza

[phyacutesis]] (Fiacutesica II 194a) 50

nesta breve sentenccedila identifica-se os termos desta relaccedilatildeo ou

seja o entendimento de teacutekhne em Aristoacuteteles estaacute intimamente conectado com o conceito de

phyacutesis51

Relaccedilatildeo que define e fundamenta o conceito de teacutekhne [arte] como imitaccedilatildeo outra

definiccedilatildeo que eacute central no pensamento do estagirita

No entanto a definiccedilatildeo de arte como imitaccedilatildeo da natureza natildeo pode ser pensada como

mera coacutepia servil pois a relaccedilatildeo entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de

Aristoacuteteles propotildee a ideia da natureza como paradigma da teacutecnica ou seja propotildee uma

correlaccedilatildeo e um paralelismo entre teacutekhne e phyacutesis que culmina no entendimento de que as

teacutekhnai por vezes completam a natureza fazendo aquilo que ela (a natureza) natildeo faz Outro

ponto importante que esse binocircmio teacutekhnai-phyacutesis traz eacute a ideia de e que as coisas fabricadas

48

Phyacutesis no contexto da frase deve ser entendida como natureza como os ldquoentes naturaisrdquo e natildeo

necessariamente como a natureza no sentido de ldquomatildee naturezardquo Como explica Lucas Angioni ldquoAo leitor

contemporacircneo talvez seja estranho o uso que Aristoacuteteles faz do termo natureza (physis) Eacute preciso delimitar

sob qual sentido precisamente tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Fiacutesica Em Metafiacutesica V 4

Aristoacuteteles distingue vaacuterios sentidos de physis (i) physis no sentido de processo pelo qual algo nasce

(1014b 16-8 c f 193b 12-3) (ii) physis como princiacutepio de onde se daacute o movimento primeiro em cada ente

natural em si mesmo enquanto ele eacute ele mesmo (1014b 18-20 cf 192b 20-3) ( iii) physis no sentido de coisa

ou substacircncia a que atribuiacutemos propriedades (1015 11 -3 c f 193 32-3) e de modo mais geral realidade

subjacente ao discurso (cf Metafiacutesica 1003a 27 l053b 13 As partes dos animais 639a 10) Eacute raro no

vocabulaacuterio aristoteacutelico o sentido de natureza que para noacutes eacute o mais corriqueiro a matildee-natureza o

conjunto de todos os seres naturais o ambiente terrestre em seu todo enquanto conjunto de seres naturaisrdquo

(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p195) Tambeacutem cf Em PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de

Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p 46-47 e PETERS FE Termos

filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian

1977 p 189-190

49

Esta passagem que inicia o Livro II da Fiacutesica eacute bastante exclarecedora sobre como Aristoacuteteles entende os

entes naturais e a relaccedilatildeo da teacutecnica com eles Cf BITTAR Eduardo CB Curso de Filosofia Aristoteacutelica ndash

leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento aristoteacutelico Barueri Ed Manole 2003 p 382-385

50

Em grego transliterado he teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesin (ARISTOacuteTELES Fiacutesica II 2 194 a) As problemaacuteticas

concernentes agraves definiccedilotildees de miacutemesis seratildeo abordadas no capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo

51

GORBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p119

32

pela teacutekhne tecircm mecanismos anaacutelogos agraves coisas fabricadas pela natureza52

Nas palavras de

Aristoacuteteles

Em geral a teacutecnica perfaz certas coisas que a natureza eacute incapaz de elaborar

e a imita Assim se as coisas que satildeo conforme lsquoa teacutecnicarsquo satildeo em vista de

algo evidentemente tambeacutem o satildeo as coisas conforme lsquoa naturezarsquo pois os

itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira

semelhante nas coisas que resultam da teacutecnica e nas coisas que resultam da

natureza (Fiacutesica II 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita Pareyson faz uma correlaccedilatildeo entre os entes naturais e as

obras de arte esse paralelismo se configura como a base da noccedilatildeo de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo que o filoacutesofo de Turim cunha Nas palavras dele ldquoComo as coisas da natureza

assim tambeacutem as obras de arte possuem o traccedilo de serem puras existecircncias que se datildeo

inteiramente em sua presenccedila fiacutesica []rdquo 54

Tanto o destaque que Pareyson faz da relaccedilatildeo arte-natureza como as diferenccedilas e

similaridades para com a relaccedilatildeo que Aristoacuteteles faz entre teacutekhne e phyacutesis satildeo aspectos

fundamentais para entender o raciociacutenio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no

pensamento do filoacutesofo italiano que por sua vez eacute um dos pilares do conceito de arte como

ldquoformardquo

Essa questatildeo acerca do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo a partir do estudo da

filosofia aristoteacutelica seraacute amplamente estudada no capiacutetulo II desta dissertaccedilatildeo Pois embora

este tambeacutem possa ser considerado um ponto de intersecccedilatildeo entre os pensamentos de

Aristoacuteteles e Pareyson a maneira como Pareyson ldquotomardquo os conceitos aristoteacutelicos ultrapassa

52

Ver mais nos comentaacuterios de Angioni In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de

Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 214-215

53

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p58 Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι τὰ δὲ

μιμεῖται Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ

τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα

54

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquoCome le cose della natura cosigrave le opere dellarte hanno il carattere desser pure esistenze

che si danno interamente nella loro presenza fisica[]rdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

33

o sentido de diaacutelogo e de interpretaccedilatildeo se configurando mesmo como uma apropriaccedilatildeo que

Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristoteacutelica para assim construir uma das chaves

fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade isto eacute o conceito de ldquoformardquo

Outro ponto apenas esboccedilado aqui ou seja as problemaacuteticas concernentes em torno

das noccedilotildees Platocircnica e Aristoteacutelica de miacutemesis tambeacutem seratildeo esmiuccediladas mais adiante no

capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo Pois tambeacutem embora sejam intersecccedilotildees entre Platatildeo

Aristoacuteteles e Pareyson as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das

definiccedilotildees de ldquoformardquo e ldquoformatividaderdquo pareysonianas que seratildeo assunto do capiacutetulo II

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo

Poiacuteesis eacute outra palavra que natildeo corresponde nem ao ars latino muito menos aos

muitos significados de arte empregados hoje Algumas sutis poreacutem esclarecedoras diferenccedilas

valem ser ressaltadas

Tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles poiacuteesis pode ser entendida como sinocircnimo de

criaccedilatildeo fabricaccedilatildeo confecccedilatildeo fazer produccedilatildeo isto eacute a accedilatildeo de produzir alguma coisa

Contudo ambos os filoacutesofos tambeacutem utilizam a palavra poiacuteesis para se referir agrave poesia no

sentido estrito do termo Essa acepccedilatildeo corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa

ainda hoje ie poesia como a poesia mesma eg a poesia de Homero podendo ser escrita

falada cantada

Jaacute o termo utilizado por eles no sentido lato difere consideravelmente do entendimento

de poesia que muitas vezes se lecirc em textos atuais ie o sentido de poeacutetico como ldquoartiacutesticordquo

ligado agraves noccedilotildees de sensibilidade e de expressividade Pois no caso de Platatildeo e ateacute mesmo em

Aristoacuteteles poiacuteesis eacute mais utilizada no sentido de produzir mesmo o de produzir qualquer

coisa natildeo necessariamente uma obra artiacutestica ou poeacutetica (poesia mesma) e principalmente

sem o caraacuteter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente

34

Todavia eacute a ideia de poiacuteesis na acepccedilatildeo lata do termo que os gregos usualmente

utilizavam isto eacute o sentido de produccedilatildeo eacute essa acepccedilatildeo que interessa aqui no momento

como nessa passagem de Aristoacuteteles

[1140a 6] Dado que a arte de edificar eacute certa teacutecnica e precisamente certa

habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e dado que natildeo haacute teacutecnica alguma

que natildeo seja habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e natildeo haacute nenhuma

habilitaccedilatildeo [hexis] desse tipo que natildeo seja teacutecnica equivalem ao mesma

ldquoteacutecnicardquo e ldquohabilitaccedilatildeo [hexis] para produzir por raciociacutenio verdadeirordquo

[1140a10] Toda teacutecnica diz respeito ao vir a ser isto eacute a empreender e

examinar como se engendra algo que pode ser e natildeo ser e cujo princiacutepio

reside no produtor natildeo na coisa produzida [] (Eacutetica a Nicocircmaco 1140a 6-

10) 55

Entendam-se aqui as palavras teacutecnica e arte como traduccedilatildeo de teacutekhne e produzir como

traduccedilatildeo de poiacuteesis Pois parecer ser claramente essa a definiccedilatildeo de poiacuteesis anaacuteloga ao

sentido de teacutekhne que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade como

fica expliacutecito nesse trecho de seu livro homocircnimo ldquoOcioso seria insistir no evidente aspecto

realizativo executivo e ldquopoieacuteticordquo da formatividade formar significa antes de mais nada

ldquofazerrdquo poien em gregordquo56

55

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011 ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις

τις μετὰ λόγουποιητική καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν οὔτετοιαύτη ἣ οὐ

τέχνη ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ

τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι

ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ

Outra traduccedilatildeo do trecho acima disponiacutevel em portuguecircs ldquoOra como a arquitetura eacute uma arte sendo

essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que natildeo seja uma

capacidade desta espeacutecie nem capacidade desta espeacutecie que natildeo seja uma arte segue-se que a arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacuteniordquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross In ______ Os Pensadores IV- 1ordf Ed Satildeo

Paulo Ed Abril Cultural 1973 p343)

56

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p59 ldquoInutile insistire sullrsquoevidente aspetto realizativo esecutivo e poeacutetico della formativitagrave

formare significa anziutto lsquofarersquo poiecircnrdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p43)

35

18 Teacutekhne poietikoacutes

Na Metafiacutesica Aristoacuteteles divide as ciecircncias [epistecircme] 57

em trecircs grupos pratike

(praacutexis) poietike (teacutekhne poietike) e theoretike (theoria) 58

e o grupo que diz respeito agraves artes

eacute o das ldquociecircncias produtivasrdquo ou ldquoartes poeacuteticasrdquo [teacutekhnai poietikoacutes] 59

Pensadas como sinocircnimos em algumas passagens do filoacutesofo estagirita e traduzidas

como tal por alguns especialistas a relaccedilatildeo entre teacutekhne e poiacuteesis em Aristoacuteteles eacute

fundamental para a demarcaccedilatildeo e entendimento da sutil poreacutem fundamental distinccedilatildeo entre a

produccedilatildeo de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realizaccedilatildeo

da obra em si A relaccedilatildeo do saber-fazer com o fazer produtivo eacute uma das chaves para entender

como Aristoacuteteles pensava a atividade artiacutestica uma atividade que inclui um saber necessaacuterio

para a possibilidade de um fazer produtivo

Partindo do conceito duplo de teacutekhne poietikoacutes cunhado por Aristoacuteteles60

Pareyson vai

ainda mais longe para explicar a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o saber e o produzir da obra de arte

isto eacute ele traz agrave tona que o saber-fazer da arte eacute adquirido no momento do fazer propriamente

57

ldquoAristoacuteteles emprega com frequecircncia como os outros filoacutesofos e cientistas gregos os termos episteacuteme e teacutekhne

(ldquoarterdquo) como sinocircnimos Contudo a ciecircncia natildeo tem como finalidade a produccedilatildeo exceto as ldquociecircncias

poeacuteticasrdquo A ciecircncia tambeacutem se distingue da percepccedilatildeo e da experiecircncia na medida em que se move na esfera

do universalrdquo (Verbete CIEcircNCIA - episteacuteme) (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia

Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p21-23)

58ldquoAristoacuteteles distingue trecircs tipos de ciecircncia (Cf Metafiacutesica E 1) As ciecircncias teoreacuteticas ndash isto eacute contemplativas

ndash cujo objeto deve ser necessaacuterio e eterno Satildeo elas que satisfazem mais completamente as condiccedilotildees da ciecircncia

Aristoacuteteles distingue trecircs grandes teoreacuteticas cada uma das quais pode ser subdividida a matemaacutetica a fiacutesica e

a teologia Quanto agraves ciecircncias praacuteticas elas tratam do que concerne agraves accedilotildees humanas satildeo elas a eacutetica o

econocircmico e a poliacutetica que eacute na ordem praacutetica a ciecircncia suprema (cf Cidade) As ldquociecircncias poieacuteticasrdquo satildeo na

verdade artesrdquo PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 78-79

59

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica E 1 1025b 20-25 Pois bem eacute evidente que a fiacutesica natildeo eacute ciecircncia praacutetica nem

produtiva de fato o princiacutepio das produccedilotildees estaacute naquele que produz seja no intelecto seja na arte ou noutra

faculdade e o princiacutepio das accedilotildees praacuteticas estaacute no agente na voliccedilatildeo enquanto coincidem com o objeto da

accedilatildeo praacutetica e da voliccedilatildeo Portanto se todo conhecimento racional eacute ou praacutetico ou produtivo ou teoreacutetico

[]]rdquo (ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volume II Traduccedilatildeo de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de

Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p270-271 Tambeacutem ver a explicaccedilatildeo sobre trecho em

REALI Comentaacuterios In Idem Metafiacutesica - volume III traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo

Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p305) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ

στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή ἢ νοῦς

ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι ἡ προαίρεσις middot τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν)

[25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη []

60

Por exemplo como na passagem op cit da Eacutetica agrave Nicocircmaco VI 1140 a

36

dito daiacute a diferenccedila entre o saber teacutecnico da arte e o das outras atividades humanas

Entretanto isto natildeo significa que a arte natildeo prescinda de um conhecimento teacutecnico ou de

regras apenas marca que essas teacutecnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir

e natildeo previamente como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da

Esteacutetica

Analisando bem nada pode fazer-se sem regra nem mesmo uma obra de

arte o fato eacute que enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de

caraacuteter geral na arte pelo contraacuterio natildeo haacute outra lei senatildeo a regra

individual [] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de

fazer a obra natildeo elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito

severa a operaccedilatildeo artiacutestica consiste precisamente no instaurar com livre

inventividade uma necessidade feacuterrea e inviolaacutevel uma vez que a obra falha

se o artista natildeo faz o que ela proacutepria quer que ele faccedila 61

19 Poiacuteesis versus praacutexis

E por fim para Aristoacuteteles poiacuteesis62

tambeacutem ganha uma distinccedilatildeo importante com

relaccedilatildeo a outro conceito o de praacutexis63

A primeira visando agrave produccedilatildeo de uma obra - coisa e a

segunda caracterizada como a accedilatildeo propriamente dita sem resultar numa obra em si ie 61

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 130 ldquoA ben vedere nulla si puograve fare senza regola nemmeno unopera darte il fatto egrave

che mentre nelle altre attivitagrave la regola sispira a leggi di carattere generale invece nellrsquoarte non cegrave altra

legge che la regola individuale [] E il fatto che la regola sia inventata dallrsquoartista nellrsquoatto di fare lrsquoopera non

toglie che la legalitagrave dellrsquoarte sia rigorosa e severissima lrsquooperazione artistica consiste precisamente

nellinstaurare con libera inventivitagrave una necessitagrave ferrea e inviolabile giaccheacute lopera fallisce se lartista non fa

ciograve chessa stessa vuole chegli facciardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p317-318 )

62

ldquoPoiacuteesis Operaccedilatildeo fabricaccedilatildeo em oposiccedilatildeo agrave accedilatildeo imanente Aristoacuteteles mostra alternadamente a reflexatildeo

que preside agrave pracircxis e agrave poiacuteesis (Et Nic VI I 4-5) e depois insiste em marcaacute-las como duas atividades distintas

(ibid VI IV 5)rdquo (GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 2007 p119)

63

ldquoPracircxis Accedilatildeo oposta agrave atividade fabricadora (poiacuteesis) eacute assim que a moral se distingue da arte (teacutekhne)rdquo

GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p12 Embora como explica Lucas Angioni deva se tomar cuidado com esta distinccedilatildeo nas palavras de Angioni

ldquoEm Eacutetica agrave Nicomaco1140a1-6 Aristoacuteteles introduz uma distinccedilatildeo entre accedilatildeo ndash aquilo que noacutes fazemos

racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da accedilatildeo) ndash e produccedilatildeo ndash

um conjunto de operaccedilotildees racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da accedilatildeoEssa

distinccedilatildeo deve ser avaliada com ponderaccedilatildeordquo (ANGIONI Lucas Phronesis e Virtude do Caraacuteter em

Aristoacuteteles Comentaacuterios a Eacutetica a Nicocircmaco VI Dissertatio nordm34 (p303 ndash 345) - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) p316 Campinas 2011)

37

praacutexis se configura mormente como um termo mais usado no sentido moral e eacutetico Como

fica claro nessa passagem da Eacutetica a Nicocircmaco

Entre as coisas que podem ser de outro modo haacute aquilo que se pode produzir

e aquilo que podemos fazer Satildeo coisas distintas a produccedilatildeo e a accedilatildeo (a

respeito desse assunto fiamo-nos tambeacutem nas obras divulgadas)

Consequentemente tambeacutem satildeo coisas distintas a habilitaccedilatildeo racional para

agir e a habilitaccedilatildeo racional para produzir Por isso essas coisas natildeo estatildeo

contidas uma na outra nem a accedilatildeo eacute produccedilatildeo nem a produccedilatildeo eacute accedilatildeo

(1140 a 1-5) 64

Portanto a partir dessa breve anaacutelise pode-se concluir que em Aristoacuteteles a poeacutetica

tem o sentido muito claro ligado agrave produccedilatildeo de uma obra e natildeo apenas num fazer somente e

mais ainda num fazer que produzisse coisas Eacute a partir desses entendimentos de poiacuteesis tanto

no sentido estrito do termo como no lato que Aristoacuteteles escreve a Poietikeacute ndash Peri Poietikes

[Do poeacutetico]

A Poeacutetica eacute sobretudo o estudo de um saber-fazer da produccedilatildeo poeacutetica [teacutekhne

poietikoacutes] que pode ser estudado minuciosamente O tratado que apenas parcialmente chegou

ateacute noacutes eacute uma espeacutecie de texto normativo sobre o fazer artiacutestico de produccedilatildeo de coisas no

caso ali da obra teatral a parte que conhecemos enfatiza as questotildees da Trageacutedia e da

Epopeia embora discorra sobre vaacuterias outras artes inclusive a pintura 65

64

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia (Universidade

Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν

δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις) ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου

ποιητικῆς ἕξεως διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν

Outra traduccedilatildeo do trecho acima ldquoNa classe do variaacutevel incluem-se tanto coisas produzidas como coisas

praticadas Haacute uma diferenccedila entre produzir e agir (quanto agrave natureza de ambos consideramos como assente o

que temos dito mesmo fora de nossa escola) de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da

capacidade raciocinada de produzir Daiacute tambeacutem o natildeo se incluiacuterem uma na outra porque nem agir eacute

produzir nem produzir eacute agirrdquo (Ibidem Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de

W D Ross In ARISTOacuteTELES 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo v IV)

p343)

65

Cf CARCHIA Gianni e DrsquoANGELO Paolo (direccedilatildeo) Dicionaacuterio de Esteacutetica Traduccedilatildeo Abilio Queiroacutes e

Joseacute Correia Serra Lisboa Ediccedilotildees 70 1999 p 283-284

38

Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que

Pareyson utiliza a importacircncia da obra de arte como resultado necessaacuterio Ou seja a arte eacute

um tipo de fazer que visa agrave produccedilatildeo de uma obra isto eacute sem obra sem resultado e mais

sem produto natildeo haacute fazer natildeo haacute arte Esse tambeacutem eacute um dos pontos essenciais da esteacutetica

do filoacutesofo de Turim

Esse destaque agrave importacircncia da obra fabricada da coisa mesma como central ao proacuteprio

fazer artiacutestico leva a outro conceito de Aristoacuteteles que Pareyson destaca como fundamental

aos estudos de arte que satildeo formulados por ele na Teoria da Formatividade o de

ldquoorganismordquo Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson

Primeiro a concepccedilatildeo antiga de arte como poieicircn como ldquofazerrdquo na qual

todavia permaneceraacute agrave sombra a distinccedilatildeo entre arte no sentido verdadeiro e

proacuteprio e a arte mera teacutecnica e em segundo lugar o conceito natildeo menos

antigo de organismo como foi admiravelmente definido e entregue agrave

discussatildeo de toda a histoacuteria da Filosofia por Platatildeo e sobretudo Aristoacuteteles

Mas essa dupla tradiccedilatildeo deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos

modernos66

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars

Feita a breve revisatildeo dos principais sentidos dos termos gregos poiacuteesis e teacutekhne vale

retomar a origem do termo arte em portuguecircs que vem natildeo do grego mas do ars latino Em

latim o termo tambeacutem aparece com definiccedilotildees similares agraves apontadas para poiacuteesis e teacutekhne

unindo num soacute termo as acepccedilotildees mais recorrentes das duas palavras em grego como explica

Umberto Eco

[] a opiniatildeo dos medievais sobre a ars de facto salvo numerosas e tiacutepicas

flutuaccedilotildees que uma anaacutelise minuciosa conseguiria explicar manteve-se

quase unacircnime e ancorada numa doutrina claacutessica e intelectualista do fazer

humano [] As definiccedilotildees citadas implicam dois elementos basilares um

66

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p10 ( Pressaacuterio do autor agrave ediccedilatildeo de 1988)

39

cognitivo (ratio cogitare) e o outro produtivo (faciendi factibilium) e nesses

pressupostos baseiam-se a doutrina da arte 67

Isto eacute dentre os vaacuterios significados em que ars aparece em textos latinos na maioria

das vezes o mais recorrente eacute o sentido de ofiacutecio de habilidade adquirida pelo estudo praacutetica

Nas palavras de Eco ldquoA arte eacute um conhecimento de regras atraveacutes do qual podem ser

produzidas coisasrdquo 68

E mais adiante ele atenta ldquoA arte inscreve-se no domiacutenio do fazer natildeo

do agirrdquo 69

retomando assim a distinccedilatildeo entre poieicircn (fazer-produzir) e praacutexis (agir) que

Aristoacuteteles estabeleceu

111 Arte como ecircxito

No entanto um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido

particular e com uma leve diferenccedila entre os significados de teacutekhne em grego e do ars em

latim Do ponto de vista lexical ars tem uma ligaccedilatildeo com o termo artus [estreito] cujo

sentido primitivo eacute tambeacutem ldquobem ajustadordquo ldquobem adaptadordquo levando agrave noccedilatildeo de ajuste

harmonia destreza maestria ie acepccedilotildees que a palavra ars carrega consigo ainda hoje

entre outros significados 70

Umberto Eco tambeacutem chama a atenccedilatildeo para esse sentido particular de ars como

destreza Ele cita uma suposta origem etimoloacutegica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha

atentaram ldquoarsrdquo como tendo vindo do grego areteacutes (virtude) correlato ao latim virtus

[virtude]71

Embora alguns dicionaacuterios de latim indiquem essa origem etimoloacutegica de ars

advindo do grego areteacutes eacute provaacutevel que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars

67

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

68

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

69

Ibidem p127

70

Cf LOMBARDO Giovanni A Esteacutetica na Antiguidade Claacutessica Traduccedilatildeo de Isabel Tereza Santos Lisboa

Ed Estampa 2003 p33

71

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126-127

40

vinha adquirindo no decorrer dos seacuteculos V VI VII da nossa era Isso pode explicar porque

como cita Eco Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligaccedilatildeo entre ars e areteacutes sem que

necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra

latina teria

O fato eacute que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o

tempo e que eacute um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra ldquoarterdquo traz

nos dias de hoje ou seja o sentido de perfeiccedilatildeo de ecircxito de completude E aqui perfeiccedilatildeo

entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa

excepcional acima do padratildeo do simplesmente bom

Natildeo que teacutekhne deixe de ter essa noccedilatildeo de bem-sucedido do bem feito sem duacutevida a

ideia de saber-fazer de habilidade traz impliacutecita a noccedilatildeo de coisa bem feita Como eacute possiacutevel

verificar nesta passagem da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles (1141 a 9)

Nas teacutecnicas atribuiacutemos sabedoria aos que satildeo mais apurados na

competecircncia teacutecnica por exemplo dizemos que Fiacutedias eacute um saacutebio escultor e

que Policleto eacute um saacutebio produtor de estaacutetuas Nesse caso nada mais

queremos dizer senatildeo que a sabedoria eacute a excelecircncia da teacutecnica [] 72

Contudo a valorizaccedilatildeo dessa noccedilatildeo ligada agrave ideia de arte como um saber-fazer

produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo

de traduccedilatildeo da teacutekhne grega para o ars latino

Embora natildeo evoque a origem etimoloacutegica do termo latino Pareyson em vaacuterias

passagens de seus muitos textos sobre arte valoriza o aspecto da obra de arte que tem como

uma de suas premissas o ecircxito e a perfeiccedilatildeo em si mesma perfeiccedilatildeo aqui entendida como

72

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ

Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν

εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ

Em outra traduccedilatildeo ldquoA sabedoria nas artes eacute atribuiacuteda aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a

Fiacutedias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui natildeo entendemos outra coisa

senatildeo a excelecircncia na arterdquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p345)

41

completude esse aspecto eacute um dos pontos centrais da definiccedilatildeo de arte que embasa a Teoria

da Formatividade Nas palavras dele

[] A obra de arte consiste precisamente nisto no natildeo querer ter outra

justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma forma que vive de per si uma

inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto de realidade alguma coisa que

primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero uma realizaccedilatildeo primeira e

absoluta73

Nesse sentido pode-se concluir que a indagaccedilatildeo e explicaccedilatildeo do que significa uma

obra ser bem sucedida bem como o entendimento do espectador com relaccedilatildeo a esse ecircxito e

sobretudo esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da

criaccedilatildeo de uma obra de arte em si compotildeem parte da Teoria da Formatividade como essa

passagem indica

[] a arte eacute um facere (fazer) que eacute perficere (aperfeiccediloar) e a obra revela a

proacutepria insubstituiacutevel perfeiccedilatildeo somente a quem souber captaacute-la no processo

que se adequa consigo mesma Somente entatildeo a obra se mostra imodificaacutevel

no seu caraacuteter de ldquocompletuderdquo e fecunda em sua ldquoexemplaridaderdquo e se vecirc

como eacute absurdo aprisionaacute-la em uma pretensa insularidade esquecendo-se

das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui e

esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de

estilos de escolas e tradiccedilotildees E soacute entatildeo se pode verdadeiramente ldquolerrdquo e

ldquojulgarrdquo a obra Porque por um lado ler significa executar e executar

significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual eacute com aquilo que

ela mesma pretendia ser E tanto uma coisa como outra soacute satildeo possiacuteveis

quando se compreende a obra como lei para si mesma 74

73

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 37 ldquoLopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra

giustificazione che desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un

incremento imprevisto della realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una

realizzazione prima e assolutardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235

74

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p13- 14 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

42

Em suma a obra formada deve ser ldquobem sucedidardquo para ser considerada arte E o

ecircxito da obra formada eacute pressuposto necessaacuterio para o entendimento e o estudo do fazer

artiacutestico e seus meandros

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade

Apoacutes sucinta revisatildeo das principais acepccedilotildees de teacutekhne poiacuteesis e ars e as

consequentes implicaccedilotildees desses sentidos no pensamento de Pareyson pode-se resumir da

seguinte maneira

Poiacuteesis tem como principal acepccedilatildeo a accedilatildeo produtiva em si isto eacute pressupotildee um fazer

que produza alguma coisa Teacutekhne mais comumente diz respeito ao conhecimento necessaacuterio

para a realizaccedilatildeo dessa accedilatildeo o saber-fazer para um fazer-produtor No caso de Platatildeo teacutekhne

costuma aparecer como o saber-fazer o conhecimento teacutecnico habilidade adquiridos por

meio da razatildeo Enquanto que em Aristoacuteteles o que mais prevalece eacute a acepccedilatildeo de teacutekhne

como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensaccedilatildeo e da experiecircncia e

sintetizados pela razatildeo Em Pareyson o saber-fazer [teacutekhne] eacute inventivo e contemporacircneo ao

proacuteprio ato de produccedilatildeo da obra [poiacuteesis]

Outro aspecto importante que a revisatildeo dos termos em grego suscita sobretudo em

Aristoacuteteles eacute a relaccedilatildeo simbioacutetica entre teacutekhne ndash phyacutesis que transforma o saber-fazer teacutecnico

como anaacutelogo aos processos da natureza [phyacutesis] bem como a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o

saber-fazer produtivo ligado agrave atividade artiacutestica e sua simetria entre os saberes-fazeres da

operosidade humana como um todo ideias igualmente presentes e importantes no pensamento

do autor da Teoria da Formatividade

Enquanto os sentidos mais recorrentes do ars latino provavelmente cristalizados no

decorrer dos seacuteculos da nossa era podem ser resumidos como o saber-fazer produtivo

acrescido da ideia da produccedilatildeo com domiacutenio de habilidade de excelecircncia resultando na obra

de arte como puro ecircxito

43

CAPIacuteTULO II

Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

ldquoEacute certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente

uma esteacutetica natildeo tendo ali um nexo que relacione diretamente

agrave poeacutetica e a retoacuterica com a metafiacutesica do belo mas seria

absurdo duvidar da fecundidade que tecircm alguns conceitos

antigos no campo da esteacutetica mesmo que originariamente natildeo

referidos agrave arte pelo menos segundo entendemos hojerdquo

Pareyson 1966 75

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade

O capiacutetulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de

teacutekhne e poiacuteesis Enquanto neste capiacutetulo o primeiro passo seraacute o de esmiuccedilar as nuances do

conceito pareysoniano de ldquoformardquo para entatildeo investigar as fundamentaccedilotildees do conceito da

ldquoformatividaderdquo propriamente dita

Pois antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e

estudar como esta teoria localiza o fazer artiacutestico faz-se necessaacuterio discorrer sobre o conceito

de ldquoformardquo em Pareyson E assim como arte [teacutekhne] e poesia [poiacuteesis] ldquoformardquo que

costuma ser traduccedilatildeo de eidos mas que tambeacutem pode ser traduccedilatildeo de morpheacute para citar dois

exemplos de traduccedilotildees possiacuteveis eacute outra palavra que acarreta interpretaccedilotildees diversas jaacute que

ldquoformardquo eacute um termo que recepciona variadas significaccedilotildees nos campos da filosofia e dos

estudos sobre arte

75

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoEs muy cierto que en la filosofiacutea antigua y medieval falta precisamente un esteacutetica no

habiendo alliacute un nexo que relacione directamente la poeacutetica y la retoacuterica con la metafiacutesica de lo bello pero

seriacutea absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la esteacutetica tienen algunos conceptos originariamente no

referidos al arte al menos seguacuten lo entendemos hoyrdquo (PAREYSON Luigi Conversaciones de esteacutetica

Traduccioacuten de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

44

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo

Como apontado acima a primeira demarcaccedilatildeo necessaacuteria diz repeito a uma possiacutevel

confusatildeo terminoloacutegica consideravelmente capciosa pois algumas palavras gregas

amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o portuguecircs como

ldquoformardquo Como foi dito certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e

das teorias da arte tais como eidos76

seu cognato Ideacutea77

e morpheacute78

entre outros podem ser

encontrados em diversos textos tanto antigos como atuais Tambeacutem satildeo vistos por vezes

como sinocircnimos outras vezes trazendo sentidos antagocircnicos pois se observa que estas

palavras podem aparecer com significados bastante distintos tanto em textos de um mesmo

pensador como quando por exemplo se compara as peculiaridades da filosofia de Platatildeo

para com a de Aristoacuteteles ganhando assim inuacutemeras acepccedilotildees e sentidos

Eacute o caso do termo eidos por exemplo que pode ser traduzido por ideia aparecircncia

espeacutecie essecircncia e claro forma entre outras palavras contudo essas simples traduccedilotildees para

o portuguecircs natildeo chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos

que esse termo pode carregar sobretudo quando se pretende distinguir os diversos usos e

concepccedilotildees dentre Platatildeo e Aristoacuteteles

Como algumas das acepccedilotildees conceituais destes termos sobretudo as advindas do

fundador da Academia mas tambeacutem outras com origem no pensamento aristoteacutelico povoam

76

O termo ldquoeidosrdquo parace ter sua origem num verbo arcaico lsquoeiacutedomairsquo quer dizer apareccedilo ser visto de onde

deriva um dos sentidos de ldquoeidosrdquo como aprarecircncia e aspecto mas com o tempo ldquoeidosrdquo ganhou um sentido de

aspecto espeacutecie utilizado por Aristoacuteteles entre outros textos na Metafiacutesica No entanto o sentido do termo

varia desde a noccedilatildeo de ldquoessecircnciardquo encontrado em laguns texto de Platatildeo como no Fedro e como sinocircnimo de

Ideacutea ainda em textos platocircnicoscomo na Repuacuteblica VII ligado Aristoacuteteles em vaacuterios textos como na

Metafiacutesica e na Fiacutesica tambeacutem usa a palavra eidos na acepccedilatildeo simples de forma mesmo como sinocircnimo de

morpheacute Entre outros significados em outros autores e em outros textos Cf em GOBRY Ivan Vocabulaacuterio

Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sobre eidos - ideacutea p 49 50 79

sobre morpheacute p95

77

ldquoEiacutedos aparecircncia natureza constitutiva forma tipo espeacutecie ideiardquo Cf verdete ldquoeidosrdquo In PETERS FE

Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbekian 1977 p62 - 67

78

ldquoVaacuterias palavras empregadas por Aristoacuteteles podem ser traduzidas por forma O termo mais amplo para

designar forma em grego parece ser lsquomorpheacutersquo Fundamentalmente essa palavra designa o aspecto de uma coisa

e mais precisamente seu aspecto belo agradaacutevel [] A forma como lsquoeidosrsquo pretende revelar por traacutes do que eacute

visiacutevelo que constitui a verdadeira natureza das coisasrdquo (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles

Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p32-33) Outra palavra de possiacutevel traduccedilatildeo como

forma eacute lsquoschemarsquo poreacutem mais especiacuteficae sobretudo usada como sinocircnimo de sinal como letras e nuacutemeros

Ver em Peters ldquoScheacutema Aparecircncia forma - aisthesis stoicheionrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos-

um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p212)

45

as discussotildees filosoacuteficas sobre arte ainda hoje sendo encontradas em inuacutemeros textos sobre

do seacuteculo XX 79

sendo assim surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria

igualmente fazendo uso dessas tradiccedilotildees o que natildeo eacute o caso aqui Todavia por hora natildeo

parece ser necessaacuterio discorrer mais sobre os inuacutemeros significados e conceitos correlatos agraves

palavras gregas acima citadas pois o importante eacute alertar que essas palavras e as suas

respectivas e inuacutemeras acepccedilotildees correlatas natildeo satildeo a origem do conceito pareysoniano de

ldquoformardquo Mas sim o conceito de ldquoorganismordquo advindo dos subsiacutedios da leitura de alguns

textos da filosofia aristoteacutelica como seraacute mostrado a seguir

Ademais o conceito de ldquoformardquo eacute central para Pareyson e soacute natildeo deu nome agrave sua

teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona o que

poderia acarretar interpretaccedilotildees equivocadas sob uma leitura apressada80

Aleacutem disso o

filoacutesofo italiano usa o termo de modo bem especiacutefico como ele mesmo define no iniacutecio do

seu livro Esteacutetica Teoria da Formatividade Segue a siacutentese da definiccedilatildeo do conceito de

ldquoformardquo cunhado por Pareyson

[] aqui se compreende a forma como organismo que goza de vida proacutepria

e tem sua proacutepria legalidade intriacutenseca totalidade irrepetiacutevel na sua

singularidade independente em sua autonomia exemplar em seu valor

fechada e aberta ao mesmo tempo finita e ao mesmo tempo encerrando um

infinito perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerecircncia inteira na

adequaccedilatildeo reciacuteproca entre as partes e o todo 81

Portanto seraacute a partir do entendimento da noccedilatildeo de ldquoorganismordquo no especiacutefico

contexto pareysoniano que se buscaraacute definir e delinear o conceito de ldquoformardquo

79

Como por exemplo nos textos de Erwin Panofsky eg cf PANOFSKY Erwin Idea A evoluccedilatildeo do

conceito de belo Trad Paulo Neves Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 p23-25 Bem como eg nos textos de

Artur Danto Cf DANTO Artur C A transfiguraccedilatildeo do Lugar Comum Trad de Vera Pereira Satildeo Paulo Cosac

amp Naify 2006p47

80

Cf PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 199 p9 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

81

Ibidem p9-10 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

46

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo a partir de Aristoacuteteles

Assim como foi feito um movimento em direccedilatildeo aos pensamentos de Platatildeo e

Aristoacuteteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte

atraveacutes da anaacutelise das diversas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis tambeacutem agora o caminho

continua a seguir no diaacutelogo entre Pareyson e a filosofia antiga

Inicialmente algumas diferenccedilas precisam ser demarcadas A primeira distinccedilatildeo eacute que

enquanto no caso da revisatildeo de definiccedilotildees concernentes agrave teacutekhne e poiacuteesis o percurso se

voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristoacuteteles como de Platatildeo

No caso que concernem as definiccedilotildees relacionadas agrave noccedilatildeo pareysoniana de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo a revisatildeo eacute exclusivamente a partir da leitura de Aristoacuteteles

Pois como o proacuteprio Pareyson bem localiza o sentido adotado por ele para definir

ldquoformardquo adveacutem principalmente dos aportes do que ele chama de conceito de ldquoorganismordquo

encontrado nos textos de Aristoacuteteles nas palavras de Pareyson

[] os conceitos de teacutechne e organismo que hoje satildeo decisivos para uma

compreensatildeo adequada da arte e que foi Aristoacuteteles o primeiro a expor Sem

duacutevida a relevacircncia esteacutetica desses dois conceitos reside em sua uniatildeo

embora Aristoacuteteles natildeo os tenha estudado em funccedilatildeo da arte nem tenha nem

previsto nem intuiacutedo a sua possiacutevel relaccedilatildeo mas todavia a anaacutelise que ele

fez ainda eacute o ponto de partida necessaacuterio para qualquer estudo que possa

empreender e eacute ao mesmo tempo fonte de novas e criativas sugestotildees 82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platatildeo e de

Aristoacuteteles e destacados por Pareyson eacute que como jaacute foi mostrado a respeito da teacutekhne que

este natildeo eacute um conceito exclusivamente relacionado agraves problemaacuteticas concernentes agrave arte

tampouco eacute o conceito de ldquoorganismordquo Embora teacutekhne ainda seja mais relacionada agrave arte tal

82

(Traduccedilatildeo nossa) ldquo[hellip] por ejemplo de los conceptos de teacutechne y de ldquoorganismordquo que hoy son decisivos

para una adecuada comprensioacuten del arte y que fue Aristoacuteteles el primero en exponer Sin duda la relevancia

esteacutetica de estos dos conceptos reside en su unioacuten aunque Aristoacuteteles no habieacutendolos estudiando en funcioacuten del

arte ni previoacute ni intuyoacute su posible relacioacuten pero el anaacutelisis que le hizo es todaviacutea el necesario punto de partida

de cualquier estudio que se pueda emprender y es al mismo tiempo fuente de sugerencias nuevas y creativasrdquo

(PAREYSON Luigi Forma organismo y abstraccioacuten (PAREYSON Conversaciones de esteacutetica Traduccioacuten

de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid La Bolsa de la Medusa - Visor 1988 p85) (Cf op cit p88-89)

47

como eacute comumente definidas nos das de hoje e pode ateacute mesmo ser traduzida enquanto tal

Contudo como tambeacutem jaacute foi abordada no capiacutetulo anterior essa possibilidade de se traduzir

teacutekhne por ldquoarterdquo por vezes pode natildeo ser a melhor opccedilatildeo sobretudo pela distacircncia que haacute

nas definiccedilotildees usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega sobretudo em

Platatildeo e Aristoacuteteles e o contexto da atualidade

Por conseguinte no caso da definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo a distacircncia desse conceito com

relaccedilatildeo agraves discussotildees mais aceitas e mais comuns sobre arte eacute ainda mais acentuada Ateacute

mesmo o proacuteprio termo ldquoorganismordquo natildeo eacute exatamente um termo que pode ser facilmente

encontrado em Aristoacuteteles embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a

filosofia do estagirita E assim como no caso de teacutekhne outros conceitos correlatos presentes

no pensamento de Aristoacuteteles satildeo fundamentais para um entendimento completo do recurso

que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristoteacutelica

A definiccedilatildeo do conceito de cunho aristoteacutelico que Pareyson nomeia como ldquoorganismordquo

pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poeacutetica

[] Aleacutem disto o belo mdash ser vivente ou o que quer que se componha de

partes mdash natildeo soacute deve ter essas partes ordenadas mas tambeacutem uma grandeza

que natildeo seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e

portanto um organismo vivente pequeniacutessimo natildeo poderia ser belo (pois a

visatildeo eacute confusa quando se olha por tempo quase imperceptiacutevel) e tambeacutem

natildeo seria belo grandiacutessimo (porque faltaria a visatildeo do conjunto escapando agrave

vista dos espectadores a unidade e a totalidade imagine-se por exemplo um

animal de dez mil estaacutedios) Pelo que tal como os corpos e organismos

viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptiacutevel como um todo

assim tambeacutem os mitos devem ter uma extensatildeo bem apreensiacutevel pela

memoacuteria (VII 1450b 34 ndash 1451a 1-6) 83

83

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973

Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν

ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόνmiddot τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι

γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες

[1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ

μυρίων σταδίων εἴη ζῷονmiddot ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος τοῦτο δὲ

εὐσύνοπτον εἶναι οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι

Outra traduccedilatildeo ldquoAleacutem disso uma coisa bela ndash seja um animal seja toda uma accedilatildeo ndash sendo composta de

algumas partes precisaraacute natildeo somente de as ter ordenadas mas tambeacutem de ter uma dimensatildeo que natildeo seja ao

48

No entanto o uso do conceito de ldquoorganismordquo se encontra principalmente nos textos

de ldquoFilosofia da Naturezardquo sobretudo no livro intitulado na tradiccedilatildeo latina por ldquoDe Partibus

Animaliumrdquo [As partes dos animais] quando Aristoacuteteles tece definiccedilotildees de organismo vivo

para tratar sobretudo dos estudos dos animais e suas causas como tambeacutem tece correlaccedilotildees

entre os ldquoentes naturaisrdquo e as ldquocoisas fabricadasrdquo como nesta passagem

E eacute preciso que tambeacutem natildeo seja negligenciada a questatildeo de saber se

conveacutem se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigaccedilatildeo mdash de

que modo cada ente naturalmente vem a ser mais do que de que modo eacute

Pois a diferenccedila entre isto e aquilo natildeo eacute pequena Mas afigura-se que se

deve comeccedilar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente

dissemos) primeiramente deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a

respeito de cada gecircnero e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto

mdash e tambeacutem no que concerne ao vir a ser Pois tambeacutem no caso da

construccedilatildeo de casa tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa eacute de tal e

tal qualidade e natildeo eacute porque vem a ser assim que a casa eacute de tal e tal

qualidade Pois o vir a ser eacute em vista da essecircncia e natildeo eacute a essecircncia que eacute em

vista do vir a ser (De Part An I 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85

define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em

Aristoacuteteles aquele usado com paralelismo para a definiccedilatildeo de obra de arte em algumas teorias

da arte atuais principalmente em Pareyson

acaso a beleza reside na dimensatildeo e na ordem e por isso um animal belo natildeo poderaacute ser nem demasiado

pequeno( pois a visatildeo confunde-se quando dura um espaccedilo imperceptiacutevel do tempo) nem demasiado grande (a

vista natildeo abrange tudo e assim escapa agrave observaccedilatildeo d quem vecirc a unidade e a totalidade)rdquo (Ibidem Traduccedilatildeo

Ana Maria Valente 4ordf ed Lisboa Fundaccedilatildeo Galouste Gulbekian 2011 p51-51)

84 ARISTOacuteTELES As partes dos Animais Livro I traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni in Cadernos de

Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia seacuterie 3 v9 n especial 1999 Campinas Centro de Loacutegica Epistemologia e

Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

Πρὸς δὲ τούτοις ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ

ἀρχὴ τῆς κινήσεως διοριστέον καὶ περὶ τούτων ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν Φαίνεται δὲ πρώτη ἣν

λέγομεν ἕνεκά τινος λόγος γὰρ οὗτος ἀρχὴ δacute ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει

συνεστηκόσιν Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν ὁ δacute οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν

ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου καὶ διότι ποιητέον οὕτως

(Ver tambeacutem em ARISTOacuteTELES De Part An 640b 29 641a 5 645a 30 e 645 b 14 )

85

Filoacutesofo italiano e professor da Universidade de Turim Foi aluno e orientando aleacutem de ser disciacutepulo

assumido de Pareyson Escreveu vaacuterios textos sobre Aristoacuteteles um com supervisatildeo direta de Pareyson que foi

seu orientador para a sua tese acadecircmica Il Concetto di fare in Aristotele publicada em livro homocircnimo em

1961

49

Haacute um conceito aristoteacutelico que eacute proacuteprio do mundo natural e precisamente

da natureza vivente que eacute o de organismo (conceito que natildeo corresponde a

uma uacutenica palavra em Aristoacuteteles - organismo a tiacutetulo pleno eacute animal mas

tambeacutem uma planta - mas que ainda eacute bem reconheciacutevel e presente em seu

pensamento chamamos de organismo no sentido proacuteprio de ser vivente

organizado) O qual eacute hoje muito utilizado pelos teoacutericos da esteacutetica a fim

definir as obras de arte 86

Isto eacute entre outras acepccedilotildees Pareyson usa a noccedilatildeo de organismo aristoteacutelico no

sentido de ser vivo Portanto organismo aqui configura como um conjunto dos oacutergatildeos daiacute o

nome ldquoorganismordquo mas natildeo qualquer organismo o de organismo vivente que carrega consigo

tudo aquilo que Aristoacuteteles pensava como ente dotado de vida isto eacute as ideias de geraccedilatildeo

crescimento morte movimento finalidade E em especial para o presente estudo a ideia de

conjunto de partes que constituem um todo que culminam nas ideias de totalidade e unidade

das partes no todo

Por isso o conceito de ldquoorganismordquo em Pareyson aparece acrescido da ideia de

ldquototalidaderdquo que gera ldquounidaderdquo e portanto a acepccedilatildeo metafiacutesica encontrada nos textos de

Aristoacuteteles tambeacutem se faz presente atraveacutes desses dois termos amplamente usados pelo

estagirita Isto eacute o que realmente explica o entendimento aristoteacutelico de ldquoorganismordquo que

Pareyson recorre eacute a iacutentima relaccedilatildeo deste conceito com certas acepccedilotildees especiacuteficas dos

conceitos aristoteacutelicos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten]87

Gobry explica88

que

Aristoacuteteles89

teria quatro sentidos para a palavra heacuten ldquocontiacutenuordquo ldquounidade-formardquo ldquounidade-

86

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoCrsquoegrave un concetto aristotelico che egrave proprio del mondo naturale e precisamente dellla

natura vivente quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele ndash organismo a

titolo pieno egrave lrsquoanimale ma anche la pianta agrave tale ndash ma che egrave comunque bem riconoscibile e presente nel sue

pensiero chiamiamo organismo in senso proprio lrsquoessere vivente organizzato) il quale egrave oggi molto utilizzato

dai teorici dellrsquoestetica per caratterizzare lrsquoopere drsquoarterdquo (VATTIMO Gianni Il prodoto come organismo p

147 In ______ Opere Complete Ermeneutica Tomo I Roma Ed Meltemi 2001 p 147-174 Para maiores

explicaccedilotildees tambeacutem ver em Idem Opera drsquoarte e organimo in Aristotele In ______ Opere Complete I-

Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 223-226)

87

Cf verbete lthoacutelon todo organismo universo nordm7gt In PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico

histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p107

88

Cf verbete ltheacuten o Unogt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo

Paulo Martins Fontes 2007 p70

89

Cf ARISTOacuteTELES Metafiacutesica I 1 In ______ Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni

Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p436-437

50

indiviacuteduordquo ldquounidade-universalidaderdquo e o sentido que se relaciona com a acepccedilatildeo de

ldquoorganismordquo para Aristoacuteteles eacute o de ldquounidade-formardquo Portanto neste contexto sendo ldquoo

hoacutelon (aqui entendido como totalidade) isto eacute aquilo que constitui a unidade [heacuten] das

coisasrdquo 90

Pode-se constatar a clara a ligaccedilatildeo que Pareyson faz entre a noccedilatildeo de unidade da obra

enquanto ldquoformardquo e unidade de organismo nesta passagem ldquo[] eacute essencial agrave arte o princiacutepio

de unidade da obra tal qual foi teorizado por Aristoacutetelesrdquo91

E o uso do subsiacutedio conceitual

aristoteacutelico por Pareyson eacute ainda mais expliacutecito neste trecho escrito no livro Esteacutetica Teoria

da Formatividade

Esse caraacuteter dinacircmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as

relaccedilotildees nela existentes entre as partes e o ldquotodordquo Na obra de arte as partes

manteacutem um duplo gecircnero de relaccedilotildees de cada parte com as outras e de cada

uma com o todo Todas as partes estatildeo ligadas entre si numa indissoluacutevel

unidade de sorte que cada parte eacute essencial e indispensaacutevel [] As partes

assim ligadas e unidas entre si constituem e delineiam o todo a integridade

da obra resulta da conexatildeo das partes entre si 92

Pode-se notar nas palavras acima citadas a evidente ligaccedilatildeo do significado de

ldquoformardquo com o significado aristoteacutelico de ldquototalidaderdquo na ldquounidaderdquo ou melhor usando o

termo utilizado por Pareyson ldquounitotalidaderdquo [unitotalitagrave]

Por exemplo outro ponto de diaacutelogo entre Pareyson e Aristoacuteteles se verifica atraveacutes da

anaacutelise de uma passagem da Metafiacutesica onde Aristoacuteteles explica essa especial relaccedilatildeo isto eacute

90

Verbete lthoacutelongt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo

Martins Fontes 2007 p74

91

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p26 ldquo[] e cioegrave essenziale allrsquoarte egrave il principio dellrsquounitagrave dellrsquoopera qual egrave teorizzato da

Aristotele[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p227)

92

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p102 ldquoQuesto carattere dinamico dellunitotalitagrave dellopera darte puograve spiegare i rapporti che in

essa sussistono fra le parti e i l tutto Nellopera darte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti di

ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto Tutte le parti sono connesse fra loro in unindissolubile unitagrave si che

ciascuna egrave essenziale e indispensabile []Le parti cosi connesse e congiunte fra loro costituiscono e delineano

il tutto lintegritagrave dellopera risulta dalla connessione delle parti fra lorordquo(Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p86)

51

de um ldquotodordquo que natildeo pode perder as partes pois deixa de ser a unidade - totalidade que o

define perdendo a sua essecircncia essa concepccedilatildeo de ldquoorganismo-todordquo cunhada pelo estagirita

parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definiccedilatildeo de obra de arte que

Pareyson trabalha Segue o trecho da Metafiacutesica de Aristoacuteteles

O que eacute composto de alguma coisa de modo que o todo constitua uma

unidade natildeo eacute semelhante a um amontoado mas a uma siacutelaba E a siacutelaba natildeo

eacute soacute as letras das quais eacute formada nem BA eacute idecircntico a B e A nem carne eacute

simplesmente fogo mais terra de fato uma vez que os compostos isto eacute

carne e siacutelaba se tenham dissolvido natildeo existem mais enquanto as letras o

fogo e a terra continuam existindo Portanto a siacutelaba eacute algo irredutiacutevel soacute agraves

letras ou seja agraves vogais e agraves consoantes mas eacute algo diferente delas (Z 17

1041 b 10-18) 93

Portanto a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade

em si mesma eacute uma das definiccedilotildees da ldquoformardquo pareysoniana isso define a ideia de

completude da obra de arte como ldquoforma formadardquo resultando no ecircxito da ldquoforma acabadardquo

que Pareyson propotildee na sua teoria da arte Como ele explica nestas passagens

Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formaccedilatildeo

Quanto ao segundo problema se a perfeiccedilatildeo da obra de arte eacute apenas o levar

a bom termo a sua formaccedilatildeo o seu duplo caraacuteter ou seja por um lado a

unidade a harmonia e a proporccedilatildeo e por outro a totalidade a integridade e

a completude natildeo pode ter outro fundamento senatildeo aquele ldquotodordquo em que o

processo se ldquoarredondardquo quando chega ao termo 94 ldquo[] a obra de arte eacute

93

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o

portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p363

Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ

οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν [15]

οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή οὐ μόνον τὰ

στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν

ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι

94

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p101 ldquoUnitotalitagrave dellopera come totalitagrave del processo della sua jormazione - Quanto al

secondo problema se la perfezione dellopera darte non egrave altro che i l compimento della sua formazione il suo

duplice carattere e cioegrave per un verso lunitagrave larmonia e la proporzione e per laltro la totalitagrave lintegritagrave e la

completezza non puograve aver altro fondamento che quel laquo tuttto raquo in cui i l processo si laquo arrotonda raquo quando

giunge ai proprio compimentordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p86-87)

52

expressiva enquanto eacute forma isto eacute organismo que vive por conta proacutepria e

conteacutem tudo que deve conterrdquo95

Ainda neste contexto entenda-se organismo como bioloacutegico e correlacionado agraves leis

da phyacutesis [natureza] Portanto vale recordar que natildeo pode ficar de fora dessa discussatildeo do

entendimento do conceito de forma enquanto organismo a relaccedilatildeo jaacute mencionada entre teacutekhne

e phyacutesis Pois quando Pareyson toma ldquoorganismordquo como paradigma do seu conceito de

ldquoformardquo e aqui justamente ldquoformardquo como princiacutepio da definiccedilatildeo de obra de arte Logo o

filoacutesofo italiano assimila a ideia da obra de arte como ldquoser viventerdquo fazendo com que a obra

carregue toda a legalidade de um ente natural E desse modo Pareyson toma a concepccedilatildeo

proposta por Aristoacuteteles na Fiacutesica que situa a produccedilatildeo das coisas ldquofeitas por teacutecnicardquo

(artificiais) em paralelo agraves coisas ldquofeitas pela naturezardquo (entes naturais ou a natureza

simplesmente) Todavia sem que isso tire as especificidades e diferenccedilas dos ldquoentes naturaisrdquo

e dos ldquoentes artificiaisrdquo essas similaridades e distinccedilotildees ficam claras nesta passagem da

Fiacutesica II

Entre os entes uns satildeo por natureza outros satildeo por outras causas por

natureza satildeo os animais e suas partes bem como as plantas e os corpos

simples isto eacute terra fogo ar e aacutegua (de fato dizemos que essas e tais coisas

satildeo por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparaccedilatildeo com

os que natildeo se constituem por natureza pois cada um deles tem em si mesmo

princiacutepio de movimento e repouso ndash uns de movimento local outros de

crescimento e definhamento outros de alteraccedilatildeo por outro lado cama e

veste bem como qualquer outro gecircnero desse tipo na medida em que

encontram suas respectivas designaccedilotildees isto eacute enquanto lhes suceder ser de

pedra de terra ou misturados eles o tecircm por esses elementos e nessa exata

medida ndash pois eacute natureza (192 b 8) 96

95

Idem Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1998

p30 ldquo[]lopera darte egrave espressiva in quanto egrave lsquoformarsquo cioegrave organismo che vive per conto suo e contiene

tutto ciograve che deve avere[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p230)

96

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p43

(sectI) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει τὰ δὲ δι ἄλλας αἰτίας (sect2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ

φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει

φαμέν) (sect3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶταΤούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν

ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως τὰ μὲν κατὰ τόπον τὰ δὲ κατ αὔξησιν καὶ φθίσιν τὰ δὲ κατ ἀλλοίωσιν

53

Por conseguinte assim como Aristoacuteteles Pareyson reivindica a similaridade entre as

coisas da natureza e as obras de arte enquanto ldquoformasrdquo como se constata no texto abaixo

Pode-se no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras

artiacutesticas satildeo formas o que atesta o poder do espiacuterito humano o qual capaz

de fazer com que haja produtos orgacircnicos e realidades vivas pode tambeacutem

estender os confins do reino das formas acrescentando sem soluccedilatildeo de

continuidade agraves formas naturais as inventadas pelo proacuteprio homem E desta

sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhanccedila

profunda e soacute ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz

e admiraacutevel solidariedade 97

Portanto quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente se traz

implicado todo um aspecto metafiacutesico do conceito de vida aristoteacutelico contido tanto na Fiacutesica

quanto na Metafiacutesica logo em Pareyson a proacutepria obra de arte ganha um status de ser vivo

pois a relaccedilatildeo teacutekhne e phyacutesis fundamenta essa implicaccedilatildeo ao trazer um paralelismo e uma

complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais incluindo as obras de arte

Como se constatou a ligaccedilatildeo do conceito de forma pareysoniano como organismo

advindo dos aportes teoacutericos da filosofia aristoteacutelica eacute assinalada pelo proacuteprio Pareyson No

entanto a abordagem acima proposta ligando a definiccedilatildeo de organismo aos conceitos

correlatos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten] natildeo eacute inteiramente explicitada pelo autor

embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto como foi demonstrado nas citaccedilotildees

acima

Todavia a definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo como ldquounitotalidaderdquo eacute o destaque que aqui se

escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristoacuteteles como aporte para

κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ ὅσον

ἐστὶν ἀπὸ τέχνης οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ

μικτοῖς ἐκ τούτων ἔχει καὶ κατὰ τοσοῦτον

97

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquo[] ma intanto si puograve dire che sia le cose della natura che le opere dellarte sono forme il

che attesta la potenza dello spirito umano il quale capace di far essere prodotti organici e realtagrave viventi egrave i n

grado di estendere i confini del regno delle forme aggiungendo senza soluzione di continuitagrave alle forme naturali

quelle inventate da l u i si che v egrave fra le cose della natura e le opere dellarte una somiglianza profonda che

sola puograve spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietagraverdquo (Idem Estetica Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

54

a conceituaccedilatildeo de ldquoformardquo para a Teoria da Formatividade de Pareyson Pois parece que eacute a

partir da definiccedilatildeo de ldquoformardquo que Pareyson tece que se encontra a principal chave para

decifrar como o filoacutesofo italiano entende por conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

Sendo assim a partir dessas nuances trazidas do conceito de ldquoorganismordquo e seus

correlatos cunhados por Aristoacuteteles eacute que Pareyson constroacutei a base da Teoria da

Formatividade a partir do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismo viventerdquo dotada de uma

ldquototalidaderdquo advinda da sua singular ldquounidaderdquo de onde entende-se que foi gerado o conceito

pareysoniano de ldquounitotalidaderdquo da obra de arte enquanto ldquoformardquo

Vattimo tambeacutem mostra como o conceito de ldquoorganismordquo permeia toda obra de

Aristoacuteteles bem como estaacute interligado aos conceitos de phyacutesis hoacutelon e teacutekhne entre outros

correlatos98

Portanto a anaacutelise de Vattimo sobre o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

como subsiacutedio para uma definiccedilatildeo de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao

estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristoteacutelico para definir a obra de arte como

ldquoformardquo E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristoteacutelico de

ldquoorganismordquo ultrapassa uma anaacutelise unilateral do texto da Poeacutetica de Aristoacuteteles e ateacute

mesmo dos tratados de ldquoCiecircncias da Naturezardquo chegando assim aos textos que tratam das

questotildees metafiacutesicas pois embora a definiccedilatildeo de ldquoformardquo pareysoniana parta da noccedilatildeo de

organismo vivo natildeo se resume a ela99

Ademais Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos

fundamentais e inseparaacuteveis o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de

ldquoformaisrdquo) e o outro o de ser vivente e dotado de uma alma100

e que a comparaccedilatildeo entre

obra de arte e organismo deve considerar as duas definiccedilotildees Como ele explica nesse trecho

98

VATTIMO Gianni Opera drsquoarte e organismo in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica -

Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 218

99

Ver mais em Idem Il concetto di fare in Aristotele In______ Opere complete vol I tomo 1 Roma Ed

Meltemi 2007 p 19-180

100

Segundo Peters Psykheacute (alma em latim anima) pode ter muitas acepccedilotildees e bastante complexas e variantes

de filoacutesofo para filoacutesofo soacute no contexto grego Entretanto e sobretudo no acircmbito aristoteacutelico de organismo

alma aqui pode ser definida como ldquorespiraccedilatildeo de vidardquo e ldquoprinciacutepio vitalrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos

gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977

p14) E segundo Gobry Aristoacuteteles adota uma noccedilatildeo de alma natildeo apenas para os seres humanos mas para

todos os seres Ver mais no verbete Psykheacute alma Latim anima In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de

Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 p123-124

55

Se como nos parece esses dois significados estatildeo intimamente relacionados

e de fato o primeiro depende do segundo a aplicaccedilatildeo do conceito de

organismo agrave obra de arte natildeo pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe

os conceitos formais de unidade inteireza perfeiccedilatildeo ordem etc mas eacute

necessaacuterio verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de

uma alma ou seja viva 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristoacuteteles que

eacute a relaccedilatildeo intriacutenseca e inseparaacutevel entre o ldquosensiacutevelrdquo e o ldquointeligiacutevelrdquo aspecto que aparece na

Teoria da Formatividade sobretudo quando a obra de arte eacute dita como tenho ldquofisicalidaderdquo e

ldquoespiritualidaderdquo inseparaacuteveis (esse ponto seraacute abordado mais adiantes nesse mesmo

capiacutetulo)

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade

Outro sentido de ldquoformardquo que aparece no conceito cunhado por Pareyson eacute que

ldquoformardquo eacute organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente daiacute deriva a

proacutepria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeiccedilatildeo enquanto

ldquoserrdquo uacutenico Ou seja ldquoformardquo eacute a obra de arte enquanto finalizada eacute o como da Arte que se

mostra e se realiza Assim sendo sem essas prerrogativas natildeo haacute arte sob a oacutetica

pareysoniana Essa concepccedilatildeo de ldquoarte-formardquo fica clara nessa passagem

E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades eacute a elaboraccedilatildeo

destes conteuacutedos natildeo tanto o ldquoquecircrdquo mas antes o ldquocomordquo isto eacute

precisamente a forma como quer que esta seja entendida o estado final e

conclusivo da arte a elegacircncia da representaccedilatildeo ou da expressatildeo a perfeiccedilatildeo

da imagem o ecircxito do processo artiacutestico a autossuficiecircncia da obra102

101

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoSe como a noi pare questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende

dal secondo lrsquoapplicazione del concetto di organismo allrsquoopera drsquoarte non si potragrave risolvere semplicemente

applicando a essa il concetti formali di unitagrave interezza perfezione ordine ecc mas bisogneragrave vedere in che

senso lopera possa dirsi strumento di unrsquoanima cioegrave viventerdquo (VATTIMO Gianne Opera drsquoarte e organismo

in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma EdMeltemi 2008 p 211-212)

102

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p53 ldquoE ciograve per cui larte si distingue dalle altre attivitagrave egrave lelaborazione di questi

contenuti non tanto il laquoche cosaraquo quanto piuttosto i l laquocomeraquo cioegrave appunto la forma comunque questa

sintenda lo stato finale e conclusivo dellarte la compiutezza della rappresentazione o dellespressione la

56

Logo a noccedilatildeo de ldquoformardquo ligada agrave ideia do ecircxito artiacutestico se aplica a um dos sentidos

de Arte discutidos no capiacutetulo anterior Isto eacute a definiccedilatildeo do termo ars latino trazendo a ideia

de obra bem sucedida que exprime uma espeacutecie de perfeiccedilatildeo em si mesma que a ldquoformardquo

acabada demanda

A ideia aqui eacute de completude mas natildeo soacute da ldquoforma-formadardquo e sim no todo do

processo de ldquoformatividaderdquo da ldquoformardquo E completude que se explica no sentido da relaccedilatildeo

totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristoteacutelico Como fica evidente nesta

passagem ldquoA perfeiccedilatildeo da obra de arte consiste portanto na totalidade do processo que a

formou no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da

univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formaccedilatildeordquo 103

Portanto a perfeiccedilatildeo da obra acabada tem uma relaccedilatildeo embrionaacuteria e intriacutenseca com o

fazer artiacutestico que neste sentido se configura paralelamente a um processo orgacircnico proacuteprio

do ser vivo Aqui novamente retoma-se a definiccedilatildeo aristoteacutelica de organismo no sentido de

vida que carrega implicitamente as noccedilotildees de geraccedilatildeo e finalidade Desse modo o

entendimento desta relaccedilatildeo natildeo soacute eacute fundamental para a proacutepria compreensatildeo do processo

formativo da obra em si ou seja no acircmbito do estudo do fazer artiacutestico propriamente dito

mas eacute igualmente precioso e necessaacuterio para a leitura da obra de arte pelo espectador Sobre a

importacircncia do estudo do processo artiacutestico para acessar a obra acabada Pareyson discorre

Haacute quem considere inessencial o processo artiacutestico no sentido que ele natildeo

interessa em nada o expectador da obra de arte o qual deve fixar o olhar

sobre aquela perfeiccedilatildeo doravante imoacutevel e definitiva [] A primeira

concepccedilatildeo [acima descrita] eacute justa quando afirma que o processo artiacutestico

natildeo interessa de per si porque o que interessa eacute a obra na sua perfeiccedilatildeo mas

arrisca natildeo entender a proacutepria perfeiccedilatildeo da obra quando a vecirc na sua inerte e

perfezione ellimmagine la riuscita del processo artistico la sufficienza dellopera in se stessardquo(Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p249)

103

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p101 ldquoLa perfezione dellopera darte consiste dunque nella totalitagrave del processo che lrsquoha formata nel senso

che la sua unitagrave e la sua totalitagrave dipendono rispettivamente dall univocitagrave e dall improseguibilitagrave del processo

della sua formazionerdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

p85)

57

imoacutevel estaticidade e natildeo como conclusatildeo de um movimento que chegou ao

seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturaccedilatildeo104

E mais adiante ele completa [] A obra no seu acabamento [compiutezza] 105

natildeo eacute

portanto separaacutevel do processo da sua formaccedilatildeo porque eacute antes este mesmo processo visto

no seu acabamento 106

Pois nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade

para com as outras teorias que igualmente evocam a importacircncia do estudo do processo

artiacutestico Isto eacute uma coisa eacute estudar a formaccedilatildeo da arte enquanto parte do oficio do artista

para entender o processo criativo Outra coisa bem diferente eacute estudar o processo de

produccedilatildeo da obra de arte para entender a obra em si suas especificidades e acima de tudo

para reconhecer suas qualidades intriacutensecas e os limites da sua perfeiccedilatildeo enquanto ldquoarte-

formardquo bem sucedida e completa em si mesma ou seja como ldquoobra-de-arte- formardquo acabada

conforme seus proacuteprios criteacuterios internos

Daiacute sai o outro ponto fundamental que estaacute no centro da ideia pareysoniana de arte

como ecircxito que eacute a ideia de legalidade interna da obra Pois o ecircxito a ser perseguido eacute a

proacutepria ldquoformardquo acabada que conduz a ldquoformatividaderdquo em si isto eacute o nuacutecleo do processo

criativo nas palavras de Pareyson

104

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p146ldquoCegrave chi considera inessenziale il processo artistico nel senso chesso non interessa

per nulla lo spettatore dellopera darte il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e

definitiva[] La prima concezione egrave nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per seacute

percheacute ciograve che interessa egrave lopera nella sua perfezione ma rischia di non intendere la stessa perfezione

dellopera quando la vede nella sua inerte e immobile staticitagrave e non come conclusione dun movimento giunto

al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazionerdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p331-332)

105

Compiutezza embora na traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como ldquoacabamentordquo

ldquocompiutezzardquo tambeacutem poderia ser traduzida por ldquocompletuderdquo ou ateacute mesmo por ldquoteacuterminordquo no sentido de algo

que estaacute terminado completo e natildeo por ldquoacabamentordquo pois acabamento pode dar um sentido equivocado de

perfeiccedilatildeo meramente formal o que reduziria a complexidade proacutepria definiccedilatildeo de forma pareysoniana que eacute

muito mais dinacircmica e metafiacutesica do que a ideia de forma no sentido usual de configuraccedilatildeo

106

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p147 Ver tambeacutem em Ibidem p32 -33

ldquoLopera nella sua compiutezza non egrave dunque separabile dal processo della sua formazione percheacute anzi egrave

questo stesso processo visto nel suo compimentordquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I

Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p332)

58

[] a arte propriamente dita eacute a especificaccedilatildeo da formatividade exercitada

natildeo mais tendo em vista outros fins mas por si mesma O artista natildeo tem em

mira uma obra que para ser obra deva ser tambeacutem forma (isto eacute um ecircxito

especulativo moral teacutecnico) mas uma obra que presume e aceita valer soacute

como forma (isto eacute como mero ecircxito) A obra de arte consiste precisamente

nisto no natildeo querer ter outra justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma

forma que vive de per si uma inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto

de realidade alguma coisa que primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero

uma realizaccedilatildeo primeira e absoluta107

Assim sendo a Teoria da formatividade traz consigo a noccedilatildeo de inseparabilidade e

simultaneidade dos ldquomomentosrdquo da formandashobra isto eacute todos os ldquotemposrdquo da obra participam

da obra acabada e existem por e para ela Neste sentido projetar produzir executar

contemplar a ldquoformardquo ou seja o processo de produccedilatildeo como um todo eacute uma coisa soacute E tudo

isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como ecircxito em si mesma

Aqui parece possiacutevel entender que a ldquoformardquo eacute a proacutepria ldquofinalidaderdquo da obra e

portanto a formatividade se configura enquanto processo artiacutestico como um movimento

teleoloacutegico da obra de arte Nota-se que novamente a ldquoformatividaderdquo pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgacircnico108

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte

Nesse sentido a produccedilatildeo a ldquoforma-obrardquo eacute a produccedilatildeo de uma coisa que estaacute entre

coisas que tem vida proacutepria e que constitui o conjunto da realidade das coisas Esse raciociacutenio

leva a outra importante indagaccedilatildeo diante da ldquoforma-obra-de-arterdquo Assim sendo antes de se

107

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p37 ldquoLartista non ha di mira unopera che per esser opera devessere anche forma (cioegrave

una riuscita speculativa morale tecnica) ma unopera che presume e accetta di valere solo come forma (cioegrave

come mera riuscita) Lopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra giustificazione che

desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un incremento imprevisto della

realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una realizzazione prima e assolutardquo (Idem

I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p235)

108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristoteacutelico visto que nos textos do estagirita um

dos pilares para a definiccedilatildeo de ser vivo (organismo) eacute a ideia e finalidade proacutepria pois eacute a finalidade de cada ser

que determina a organizaccedilatildeo das partes que constituem a totalidade na unidade

59

perguntar o e ela quer dizer vale perguntar o que ela eacute Essa indagaccedilatildeo possibilita a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte que eacute possiacutevel justamente a partir da definiccedilatildeo

de arte como ldquoformardquo e desse modo se configura como organismo autocircnomo dotado de

existecircncia proacutepria Pareyson diz

Mas a arte eacute produccedilatildeo e realizaccedilatildeo em sentido intensivo eminente absoluto

a tal ponto que com frequecircncia foi na verdade chamada criaccedilatildeo enquanto

eacute natildeo soacute produccedilatildeo de organismos que como os da natureza satildeo autocircnomos

independentes e vivem por conta proacutepria mas tambeacutem alcanccedila ser produccedilatildeo

de objetos radicalmente novos verdadeiro e proacuteprio incremento da realidade

inovaccedilatildeo ontoloacutegica 109

Como descrito no texto acima a partir da noccedilatildeo de ldquoformardquo com organismo a obra de

arte eacute realidade em si mesma Isso traz agrave tona a noccedilatildeo de fisicalidade de arte como ldquoobjetordquo

sensiacutevel Portanto a proacutepria fisicalidade da obra de arte a relaccedilatildeo ldquoforma ndash mateacuteriardquo toma um

lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo Como Pareyson completa

Isto significa recordar que a obra de arte eacute antes de tudo um objeto sensiacutevel

fiacutesico e material e que fazer arte quer dizer antes de qualquer outra coisa

produzir um objeto que exista como coisa entre coisas exteriorizado numa

realidade sonora e visiva 110

A implicaccedilatildeo desse entendimento de obra de arte como ldquoforma-obrardquo traz por sua

vez a ideia de organismo vivo acarretando a emancipaccedilatildeo ontoloacutegica da obra de arte

deixando de ser vista apenas como significado numa ldquoformardquo ldquovaziardquo que eacute ldquopreenchidardquo por

um ldquoconteuacutedordquo alheio e externo a sua existecircncia fiacutesica Logo questiona- se a proacutepria noccedilatildeo de

que a obra de arte eacute sempre referente e subordinada a um suposto ldquoenterdquo externo seja ele um

109

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoMa larte egrave produzione e realizzazione in senso intensivo eminente assoluto al

punto che spesso egrave stata chiamata addirittura creazione in quanto non solo egrave produzione di organismi che

come quelli della natura sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio ma giunge ad esser

produzione di oggetti radicalmente nuovi vero e proprio incremento della realtagrave innovazione ontologicardquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p231)

110

Ibidem op cit p55 ldquoCiograve significa ricordale elle lopera darte egrave anzitutto un oggetto sensibile fisico e

materiale e che far arte vuol dire prima dogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose

estrinsecato in una realtagrave sonora e visivardquo (Ibidem op cit p251)

60

modelo representado ou o artista ou um espectador e que estes sim seriam dotados de

estatuto ontoloacutegico prenhes de significado em si mesmos dotados de existecircncia e

independentes de um referente eou modelo Dito isto se pode afirmar que ldquoA forma

portanto eacute antes de mais nada expressatildeo de si mesma porque conteacutem tudo aquilo que

declara e declara tudo aquilo que eacuterdquo 111

Por isso vale retomar a relaccedilatildeo simbioacutetica que Pareyson reivindica entre arte-forma e

as coisas da natureza pois essa premissa cela o estatuto ontoloacutegico da arte e o seu status de

coisa entre coisas Sendo assim esse pressuposto leva a outra discussatildeo que estaacute no

nuacutecleo da histoacuteria do pensamento sobre arte a do entendimento da representaccedilatildeo como sendo

mecanismo inerente e necessaacuterio agrave arte Isto eacute o estatuto ontoloacutegico da arte culmina na

conclusatildeo de que a obra de arte eacute sobretudo presenccedila em si mesma Como sintetiza

Pareyson ldquo[] o corpo da obra de arte eacute toda a realidade dela A pintura natildeo eacute nada diverso

de uma superfiacutecie colorida a estaacutetua nada diversa de bronze fundido a poesia nada diversa de

uma seacuterie de palavras []rdquo 112

Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciociacutenio e esclarece como a

ontologizaccedilatildeo da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussatildeo

sobre a relaccedilatildeo entre obra de arte e a realidade no que diz repeito agrave implicaccedilatildeo da arte como

imitaccedilatildeo

A arte eacute imitaccedilatildeo da natureza natildeo enquanto representa a realidade mas

enquanto a inova isto eacute enquanto incrementa o real seja porque acrescenta

ao mundo natural um mundo imaginaacuterio ou hetero-coacutesmico seja porque no

111

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p272 ldquoLa forma dunque egrave anzitutto espressiva di seacute stessa percheacute contiene tutto ciograve chessa dichiara e

dichiara tutto ciograve chessa egraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p247)

112

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquo[] il corpo dellopera darte egrave tutta la realtagrave di essa Il dipinto non egrave nientaltro che una

superficie colorata e la statua nientaltro che bronzo fuso e la poesia nientaltro che una serie di

parole[]rdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p307)

61

mundo natural acrescenta agraves formas que jaacute existem formas novas que

propriamente constituem um verdadeiro aumento da realidade 113

Em suma muito se fala da arte como representaccedilatildeo no entanto natildeo podemos deixar

de lembrar que antes de ser representaccedilatildeo ela eacute apresentaccedilatildeo de si mesma ela eacute coisa entre

coisas e esse entendimento eacute tambeacutem fundamental para entender a arte enquanto teacutekhne e

poiacuteesis quando entendidas nas acepccedilotildees aristoteacutelicas anteriormente discutidas Por

conseguinte esse eacute o assunto central do proacuteximo capiacutetulo pois ainda haacute mais a se dizer a

repeito desse ponto esboccedilado aqui isto eacute a intrincada questatildeo da arte como imitaccedilatildeo eou

como representaccedilatildeo que leva agrave outra questatildeo que eacute o delicado equiliacutebrio da simultaneidade na

arte enquanto representaccedilatildeo de outro e apresentaccedilatildeo de si mesma

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo

Embora a Teoria da Formatividade decirc ecircnfase agrave definiccedilatildeo de arte como ldquoformardquo

teacutekhne e poiacuteesis a esteacutetica pareysoniana natildeo perde de vista a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo ou

ldquoexpressatildeordquo que estatildeo contidas na obra de arte E portanto chama agrave atenccedilatildeo outro

fundamental equiliacutebrio de simultaneidade na obra de arte isto eacute a relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquomundordquo que tambeacutem poderia se configurar por exemplo numa possiacutevel relaccedilatildeo entre

ldquointernordquo e ldquoexternordquo Como se constata nessa passagem do livro Esteacutetica ndash Teoria da

Formatividade

[] o espiacuterito da obra natildeo eacute algo diferente do seu corpo como se na obra

fosse possiacutevel distinguir interno e externo vida imanente e manifestaccedilatildeo

visiacutevel alma interior e invoacutelucro exterior pura espiritualidade e

intermediaacuterio fiacutesico114

113

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 70 ldquoLarte egrave imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtagrave ma in quanto

la innova cioegrave in quanto incrementa il reale sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o

eterocosmico sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che giagrave ci sono delle forme nuove che sono un

vero e proprio aumento della realtagraverdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264-265)

114

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p113-114 ldquo[] lo spirito dellopera non egrave qualcosa di diverso dal suo corpo come se nellopera si potesse

distinguere interno ed esterno vita immanente e manifestazione visibile anima interiore e involucro esteriore

pura spiritualitagrave e intermediario fisicordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli

2ordf Edizione 1960 p97)

62

Ou seja ainda que para Pareyson ldquoformardquo seja coisa concreta no mundo e portanto

tenha fisicalidade e materialidade sendo assim objeto sensiacutevel isso natildeo torna a sua teoria

num mero ldquoformalismordquo versus ldquoconteudismordquo Pois ele natildeo exclui da noccedilatildeo de ldquoformardquo

outros aspectos impliacutecitos da Arte como a ideia de espiritualidade Por isso natildeo reduz o

problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteuacutedo que por sua vez

segundo Pareyson natildeo satildeo separaacuteveis ou seja conteuacutedo e forma satildeo intriacutensecos e um eacute

necessaacuterio para que o outro exista

Portanto antes de qualquer coisa eacute imprescindiacutevel demarcar o que Pareyson entende

por ldquoconteuacutedordquo da obra de arte que para o filoacutesofo italiano se aproxima mais de uma noccedilatildeo

de ldquoestilordquo do que propriamente como sinocircnimo de ldquotemardquo Abaixo seguem dois trechos que

esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de ldquoconteuacutedordquo

Dizer conteuacutedo de uma obra de arte portanto significa dizer caraacuteter pessoal

e espiritual do estilo considerado como espiritualidade que se tornou

totalmente modo de formar O conteuacutedo entatildeo eacute algo diferente daquilo que

se costuma denominar tema argumento ou assunto pois a obra natildeo precisa

a rigor procurar o proacuteprio conteuacutedo em um argumento ou tema quando o

estilo eacute jaacute espiritualidade concreta que se tornou energia formante 115

E mais adiante noutro trecho Pareyson acrescenta ldquo[] estilo eacute proacuteprio conteuacutedo

isto eacute a espiritualidade que aiacute se faz modo de formarrdquo 116

Ou seja para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre ldquoformardquo e conteuacutedo

na arte Pareyson traz a ideia de ldquoestilordquo que eacute sobretudo definido como a ldquoespiritualidaderdquo

do artista contida na obra

115

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p 38 ldquoDire contenuto dell opera d arte dunque non significa altro che dire carattere personale

e spirituale dello stile considerato come spiritualitagrave che si egrave fatta tutta modo di formare Il contenuto allora egrave

qualcosa di diverso da ciograve che si suol chiamare tema argomento o laquo soggetto raquo poicheacute lopera non ha bisogno

a rigore di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema quando lo stile egrave giagrave spiritualitagrave concreta

diventata energia formanterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p22-23)

116

Ibidem op cit 1993 p 39 ldquo[]lo stile egrave la stessa spiritualitagrave dellartista fattasi modo di formarerdquo (Idem

opcit 1960 p24)

63

Mas antes ainda diante desta relaccedilatildeo seria oportuno definir melhor o que significa

para Pareyson ldquoespiacuteritordquo [spirito] 117

da obra de arte bem como ldquoespiritualidade da obra de

arterdquo eis aqui algumas delimitaccedilotildees importantes a respeito dessa consideraccedilatildeo nas palavras

de Pareyson ldquoO espiacuterito da obra eacute a organizaccedilatildeo unitaacuteria de seu corpo a totalidade indivisiacutevel

de suas partes sensiacuteveis a coerecircncia indissoluacutevel de sua realidade fiacutesicardquo 118

Logo vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano ldquoespiacuteritordquo e

ldquoformardquo coincidem e para entender melhor como se daacute essa coincidecircncia eacute necessaacuterio

discorrer sobre a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em Pareyson e sobretudo mais especificamente

ldquoespiritualidade do artistardquo Ou seja neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte as

acepccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo coincidem na maioria das vezes com o que o autor chama de

ldquomundo do artistardquo contido na obra Que todavia natildeo se confunde com o que seria o tema da

obra mas sim se encontra com a ideia pareysoniana de conteuacutedo delimitado nas acepccedilotildees

anaacutelogas agraves noccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo e ldquoestilordquo bem como de ldquosignificado humanordquo Nas

palavras de Pareyson

Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensiacutevel da

obra de arte a forma foi entendida como o resultado da formaccedilatildeo de uma

mateacuteria da produccedilatildeo de um objeto fiacutesico como mateacuteria formada isto eacute

como uma configuraccedilatildeo conseguida de palavras sons cores pedras ou

qualquer outra coisa E paralelamente reparando no fato de que nem sempre

as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos porque

nenhum objeto real ou possiacutevel e nenhum sentimento determinado estatildeo

contidos num arabesco numa muacutesica abstrata numa obra arquitetocircnica que

117

Importante ressaltar que ldquoespiacuteritordquo aqui natildeo corresponde agrave ideia de ldquoespiacuterito absolutordquo que se encontra por

exemplo sobretudo em alguns textos sob a influecircncia da filosofia hegeliana Pois em Pareyson a noccedilatildeo de

espiacuterito estaacute ligada agrave noccedilatildeo de pessoa outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim Nesse

trecho Pareyson faz menccedilatildeo agrave distinccedilatildeo das acepccedilotildees de ldquoespiacuteritordquo ldquoSoacute uma filosofia da pessoa tem condiccedilotildees

para resolver o problema da unidade e distinccedilatildeo das atividades por explicar com base na indivisibilidade e na

iniciativa da pessoa como eacute que toda operaccedilatildeo exige sempre simultaneamente a especificaccedilatildeo de uma atividade

e a concentraccedilatildeo de todas as outras Se o operar fosse do espiacuterito absoluto natildeo haveria motivo para distinccedilatildeo

entre as atividades e todas se reduziriam a umardquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25)

ldquoSolo una filosofia della persona egrave in grado di risolvere il problema dellunitagrave e distinzione delle attivitagrave poicheacute

spiega in base allindivisibilitagrave e alliniziativa della persona come ogni operazione richieda sempre insieme la

specificazione dunattivitagrave e la concentrazione di tutte le altre se loperare fosse dello spirito assoluto non vi

sarebbe ragione di distinzione fra le attivitagrave e tutte si ridurrebbero a unardquo (Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p10)

118

Ibidem Op cit p114 ldquoLo spirito dellopera egrave lorganizzazione unitaria del suo corpo la totalitagrave indivisibile

delle sue parti sensibili la coerenza indissolubile della sua realtagrave fisica []rdquo (Idem Op cit p97)

64

natildeo obstante tecircm um significado humano e uma ressonacircncia espiritual

procurou-se o conteuacutedo em um niacutevel mais profundo e num campo mais vasto

encontrou-se o ldquomundordquo do artista o seu modo de pensar viver sentir a sua

concepccedilatildeo do mundo e seu posicionamento frente agrave vida a sua

Weltanschauung e o seu ethos as ideias os pensamentos os juiacutezos que

formulam na sua mente os sentimentos os ideais as aspiraccedilotildees que nutrem

no seu coraccedilatildeo as experiecircncias as escolhas as crenccedilas de que informa a sua

vida em suma a sua personalidade concreta toda a sua espiritualidade119

Isto eacute a noccedilatildeo de ldquomundordquo utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de

Weltanschauung120

logo advindo do contexto dos estudos de filosofia alematilde que para os

aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson pode ser resumido como ldquointuiccedilatildeo do

mundordquo ldquovisatildeo de mundordquo ou ldquocosmovisatildeordquo contudo acrescido do conceito de ldquopessoardquo

pareysoniano isto eacute para Pareyson Weltanschauung eacute uma ldquovisatildeo de mundo pessoalrdquo que

estaacute diretamente ligada ao conteuacutedo da ldquoformardquo enquanto obra de arte como ele mesmo

explica

Um mundo eacute a realidade universal tal qual vista por uma pessoa eacute um

sentido pessoal do universo uma visatildeo pessoal da realidade uma concepccedilatildeo

119

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p54-55 ldquoQuando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e laspetto sensibile

dellopera darte la forma fu intesa come il risultato della formazione duna materia della produzione dun

oggetto fisico come materia formata cioegrave come una configurazione riuscita di parole suoni colori pietre o

altro che sia E parallelamente badando al fatto che non sempre le opere darte rappresentano oggetti o

esprimono sentimenti percheacute nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato egrave contenuto in

un arabesco in una musica astratta in unopera architettonica che pure hanno un significato umano e una

risonanza spirituale si cercograve il contenuto a un livello piugrave profondo e su un campo piugrave vasto e si trovograve il

laquomondoraquo dellartista il suo modo di pensare vivere e sentire la sua concezione del mondo e il suo

atteggiamento di fronte alla vita la sua Weltanschauung e il suo ethos le idee i pensieri i giudizi che formula

nella sua mente i sentimenti glideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore le esperienze le scelte le credenze di

cui informa la sua vita insomma la sua personalitagrave concreta lintera sua spiritualitagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p250)

120

Natildeo haacute exatamente um consenso sobre a origem de ldquoWeltanschauungrdquo como conceito em textos filosoacuteficos

Termo que tambeacutem pode ter vaacuterias acepccedilotildees dependendo do aporte e do contexto em que estaacute empregado No

entanto uma referecircncia segura eacute que eacute uma expressatildeo que faz parte do contexto dos estudos filosoacuteficos e

artiacutesticos alematildees abrangendo autores desde Kant a Goethe Eacute provaacutevel que no caso de Pareyson que a acepccedilatildeo

seja advinda da filosofia de Karl Jaspers jaacute que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este

autor E que tenha uma acepccedilatildeo advinda de aportes da filosofia com veia existencialista por isso parece que em

Pareyson eacute possiacutevel vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular

seja pessoal ou de um grupo de pessoas Ver tambeacutem verbete ltldquoIntuiccedilatildeo do Mundordquogt In ABBAGNANO

Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Ed WMF

Martins Fontes 2012 p 672

65

pessoal da vida [] uma Weltanschauung e um ethos eacute um modo

tipicamente pessoal de interpretar o mundo [] Um mundo eacute isto sim uma

visatildeo do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa que seja a

proacutepria pessoa em sua realidade viva [] 121

E portanto ldquoespiritualidade do artistardquo neste contexto coincide com a ideia de

intuiccedilatildeo pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte

como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo

[] na obra fisicalidade e espiritualidade significado e existecircncia

coincidem na obra de arte ser e dizer corpo e espiacuterito satildeo a mesma coisa A

obra natildeo diz senatildeo o que ela eacute e o seu proacuteprio ser eacute um dizer soacute a sua

presenccedila eacute um significado [] 122

Em suma os conceitos de ldquoespiritualidaderdquo e de ldquovisatildeo de mundordquo se conjugam e se

misturam para explicar que embora a obra de arte enquanto ldquoformardquo seja a realidade sensiacutevel

da obra e que seja o tudo que a obra de arte eacute natildeo basta para defini-la completamente Sendo

assim eacute necessaacuterio recorrer agrave coexistecircncia entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao

conceito de ldquoformardquo enquanto unitotalidade em si mesma Ou seja para Pareyson a obra estaacute

no mundo mas ela tambeacutem eacute mundo como se constata nos trechos abaixo

Se a obra de arte natildeo aceita valer senatildeo como forma isto natildeo significa que

nela se reduz a ser somente forma ela eacute ao mesmo tempo uma forma e um

mundo uma forma que natildeo exige valer senatildeo como pura forma e um mundo

espiritual que eacute um modo pessoal de ver o universo 123

121

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p 273 ldquoUn mondo egrave la realtagrave universale qualegrave vista da una persona egrave un senso personale

delluniverso una visione personale della realtagrave una concezione personale della vita o come ho detto altra

volta Weltanschauung ed ethos e un personalissimo modo dinterpretare il mondo[] Un mondo egrave una visione

delluniverso che diventi carne e sangue duna persona che sia la persona stessa nella sua realtagrave vivente[]rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

122

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p59 ldquo[] nellopera fisicitagrave e spiritualitagrave significato ed esistenza coincidono nellopera darte essere e

dire corpo e spirito sono la stessa cosa Lopera non dice se non ciograve chessa egrave e il suo stesso essere egrave un dire la

sua sola presenza egrave un significatordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p250)

123

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p45 ldquoSe lopera darte non accetta di valere se non come forma ciograve non significa chessa

66

A relaccedilatildeo ldquoformandashmundordquo contida na teoria de arte pareysoniana eacute tatildeo simbioacutetica

como todos os outros binocircmios descritos acima e que estatildeo no nuacutecleo da formatividade da

arte Isto eacute um se explica pelo outro e um natildeo existe sem o outro como Pareyson mostra

nessa passagem

Quando entatildeo se afirma que a obra artiacutestica exprime o mundo do artista e

certamente se pode e deve falar deste modo importa natildeo esquecer que esta

expressatildeo ocorre somente enquanto a obra artiacutestica eacute ao mesmo tempo um

mundo e uma forma E se eacute verdade que ela natildeo pode ser uma forma sem

ser um mundo natildeo eacute menos verdade que tambeacutem natildeo pode ser um mundo

sem ser uma forma 124

Sendo assim constata-se que Pareyson trabalha com vaacuterios conceitos correlatos que

explicam como a arte pode ser coisa fiacutesica e material e ao mesmo tempo ter outras

caracteriacutesticas que a definem como algo tatildeo extraordinaacuterio e uacutenico Ou seja essa rede de

conceitos interligados que datildeo conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte

como ldquoformardquo pode ser sintetizada como as relaccedilotildees entre ldquoconteuacutedo - formardquo

ldquoespiritualidade da formardquo ndash ldquofisicalidade da formardquo e finalmente ldquomundo-formardquo Como

descrito nas linhas a seguir

Natildeo obstante as obras de arte satildeo figuras espirituais imagens que tecircm um

significado humano que falam agrave mente e ao coraccedilatildeo que transmitem

sentidos interiores e profundos Mas o aspecto espiritual e interior das obras

de arte natildeo eacute alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensiacutevel e a sua

realidade fiacutesica porque antes coincide imediatamente com eles [] Dizer

que na obra de arte o corpo eacute tudo natildeo significa negar-lhe a espiritualidade

si riduca ad essere solo forma essa egrave al tempo stesso una forma e un mondo una forma che non esige di valere

che come pura forma e un mondo spirituale chegrave un modo personale di vedere luniversordquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p242)

124

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p 273 ldquoQuando perciograve si dice che lopera darte laquo esprime raquo il mondo dellartista e certo si puograve e si deve dir

cosi non bisogna dimenticare che questa laquo espressione raquo avviene solo i n quanto lopera darte egrave insieme un

mondo e una forma e se egrave vero chessa non puograve essere una forma senza essere un mondo non egrave men vero che

non puograve essere un mondo senza essere una formardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

67

mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo

aspecto fiacutesico 125

Ou seja novamente a noccedilatildeo de simultaneidade eacute ressaltada na proacutepria relaccedilatildeo

fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a

seguir

A magia da obra de arte natildeo eacute a convergecircncia ou a copresenccedila ou a

mediaccedilatildeo da sua espiritualidade e da sua fisicalidade mas a coincidecircncia

destes dois termos o fato de na obra natildeo existir nada de fiacutesico que natildeo seja

significado espiritual nem nada de espiritual que natildeo seja presenccedila fiacutesica126

Esse equiliacutebrio natildeo dualista e natildeo oposicionista entre ldquofisicalidaderdquo e ldquoespiritualidaderdquo

e consequentemente entre ldquoformardquo e ldquoconteuacutedordquo destaca-se e permeia toda a Teoria da

Formatividade127

e desse modo estaacute na chave do entendimento do possiacutevel equiliacutebrio entre

as noccedilotildees de representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo das problemaacuteticas

concernentes agraves especificidades das artes visuais e em particular da arte pictoacuterica

125

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquoEppure le opere darte sono figure spirituali immagini che hanno un significato umano che

parlano alla mente e al cuore che trasmettono sensi interiori e profondi Laspetto spirituale e interiore delle

opere darte non egrave qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtagrave fisica percheacute jiuttosto

coincide immediatamente con essi [] Dire che nellopera darte il corpo egrave tutto non significa negarne la

spiritualitagrave ma solo affermare che questa spiritualitagrave devessere vista nel suo stesso aspetto fisicordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p308)

126

Ibidem op cit p120 ldquoLa magia dellopera darte non egrave la convergenza o la compresenza o la mediazione

del la sua spiritualitagrave e della sua fisicitagrave ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nellopera non cegrave

nulla di fisico che non sia significato spirituali neacute nulla di spirituale che non sia presenza fisicardquo (Ibidem Op

cit p308)

127

Como sintetiza Pablo Sarto ldquo[] la nocioacuten de forma que propone nuestro filoacutesofo ofrece varias

posibilidades En primer lugar proporciona una articulacioacuten entre el mundo la naturaleza el arte y las

actividades humanas que recuerda algunas afirmaciones tanto de la esteacutetica claacutesica como de la romaacutentica y

contemporaacutenea Por otro lado permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la

realidad sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo [hellip]rdquo (SARTO Pablo

Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson Pamplona EUNSA1998

p302)

Sobre a relaccedilatildeo entre existecircncia e transcendecircncia em Pareyson tambeacutem discorre Giovanni ForneroldquoO

ponto focal do Existencialismo de Pareyson que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na

inseparabilidade de existecircncia e transcendecircncia eacute a interpretaccedilatildeo do nexo existencial como coincidecircncia de

auto-relaccedilatildeo e heterorrelaccedilatildeo de relaccedilatildeo consigo e relaccedilatildeo com o ser []rdquo(FORNERO Giovanni Verbete lt

Existencialismogt In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho

Benedetti 6ordf ed Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2012 p471)

68

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson

E por fim outro conceito que participa dessa cadeia acima descrita de relaccedilotildees

inseparaacuteveis e correlatas eacute o conceito de ldquopessoardquo e que por sua vez se estabelece como

ponto de partida para os binocircmios ldquopessoa - formardquo e ldquopessoa - formatividaderdquo

A noccedilatildeo de ldquopessoardquo eacute formulaccedilatildeo basilar presente na filosofia de Pareyson como um

todo pensamento que muitas vezes eacute chamado de ldquopersonalismordquo128

E igualmente permeia

todo o pensamento especiacutefico sobre Arte que Pareyson formula Como ele mesmo explica

O estudo da interpretaccedilatildeo da obra de arte explicita o incindiacutevel nexo que

subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa e revela

dentre outros a congenialidade que eacute uma das leis fundamentais do espiacuterito

humano e pode trazer agrave esteacutetica e agrave criacutetica uma fundamental contribuiccedilatildeo

onde quer que se apresente cooperaccedilatildeo dos homens troca de ideias e difusatildeo

de civilizaccedilatildeo129

Natildeo parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o

conceito de pessoa se configura no pensamento filosoacutefico pareysoniano pois este seria por si

soacute um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro130

Entretanto se faz necessaacuterio

um delineamento do conceito de ldquopessoardquo para o entendimento da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo fundamental para vislumbrar todas as dimensotildees do conceito de ldquoformardquo

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano e eacute igualmente

conhecido como um filoacutesofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista que muitas vezes eacute

chamado de personalismo ontoloacutegico representado em especial pelo livro ldquoEsistencia e Personardquo (1950) O

filoacutesofo italiano tambeacutem eacute identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenecircutica representada

sobretudo pelo seu livro de ensaios ldquoVeritagrave e Interpretazionerdquo (1971) e por seus inuacutemeros livros sobre Esteacutetica

Cf SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson

Pamplona EUNSA 1998 p16-17 e p28-34 Ver tambeacutem lsquoVerbete Existencialismorsquo de GF [Giovanni Forner]

- In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti

Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2012 p471

129

PAREYSON Luigi Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica

1956 Traduccedilatildeo de Francesco Napoli p 114 a 120 In NAPOLI Francesco Luigi Pareyson e a esteacutetica da

formatividade um estudo de sua aplicabilidade agrave poeacutetica do ready-made 2008 (121 p) Dissertaccedilatildeo (Mestrado

em Filosofia) Ouro Preto Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

130

Ver mais em PAREYSON Luigi Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de

Filosofiacutea Mendoza Argentina marzo-abril 1949 Universidad Nacional de Cuyo Buenos Aires 1950 tomo II

p 1079-1083 (Sesiones III Filosofiacutea de la existencia)

69

pareysoniano Nas palavras dele como se daacute essa sutura dos conceitos de ldquoformardquo

espiritualidade e ldquopessoardquo

A forma eacute ao mesmo tempo fiacutesica e espiritual porque se a mateacuteria eacute formada

eacute fiacutesica o modo de formaacute-la eacute espiritual eis a conjunccedilatildeo de espiacuterito e

mateacuteria na obra de arte e natildeo se poderaacute dizer somente ldquoexprimardquo a pessoa

do artista pois ela eacute de certo modo inteira e indivisiacutevel a pessoa do artista

feita objeto material fiacutesico e existente sem que isso se oponha

naturalmente agrave evidente transcendecircncia reciacuteproca de obra e pessoa131

Desse modo a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo em Pareyson por vezes coincide com a de

ldquoformardquo isto eacute se alinhando ao conceito de ldquoespiritualidaderdquo a noccedilatildeo de ldquopessoardquo se

encontra com a definiccedilatildeo metafiacutesica de ldquoorganismordquo sobretudo no sentido de totalidade

trazida dos aportes aristoteacutelicos e que embasam o entendimento de obra de arte como

ldquoformardquo Nas palavras de Pareyson

Com efeito como totalidade a pessoa eacute obra e como desenvolvimento a

pessoa eacute operar atividade que culmina em obras E a obra por sua vez eacute

forma uma definiccedilatildeo que eacute ao mesmo tempo total e em si mesma completa

singular e irrepetiacutevel universalmente vaacutelida e por todos reconheciacutevel dotada

de coerecircncia e legalidade interna vida para si mesma e lei para si mesma

autocircnoma e independente exemplar e paradigmaacutetica132

Ou seja a noccedilatildeo de totalidade contida no conceito de ldquoformardquo tambeacutem participa da

definiccedilatildeo de ldquopessoardquo daiacute a correspondecircncia que Pareyson estabelece entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo De fato em vaacuterias passagens dos inuacutemeros textos sobre arte Pareyson chega a

131

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p57 ldquoLa forma egrave insieme fisica e spirituale percheacute se la materia formata egrave fisica il modo di

formarla egrave spirituale ecco la congiunzione di spirito e materia nellopera darte la quale non si puograve dire che

soltanto laquo esprima raquo la persona dellartista percheacute piuttosto essa in certo modo egrave intera e indivisibile la

persona dellartista fattasi tutta oggetto materiale fisico ed esistente senza che ciograve contravvenga naturalmente

allevidente trascendenza reciproca di opera e personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p41)

132

Ibidem op cit p176 ldquoInfatti come totalitagrave la persona egrave opera e come sviluppo la persona egrave operare

attivitagrave che culmina in opere e lopera egrave una forma cioegrave a dire una definitezza chegrave al tempo stesso totale e in seacute

conclusa singolare e irripetibile universalmente valida e onniriconoscibile dotata di coerenza e legalitagrave

interna vita a seacute stessa e legge a seacute stessa autonoma e indipendente esemplare e paradigmaticardquo (Ibidem op

cit p156)

70

afirmar que ldquoformardquo e ldquopessoardquo coincidem como neste exemplo ldquoPor isso se a pessoa eacute

forma e se todo operar humano eacute sempre pessoal o operar humano tem sempre um duplo

caraacuteter por um lado tende a executar formas e pelo outro exprime a totalidade da

pessoardquo133

Contudo antes de prosseguir na descriccedilatildeo da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo vale

definir brevemente o conceito de ldquopessoardquo por si soacute para Pareyson no trecho abaixo haacute uma

siacutentese do entendimento do filoacutesofo italiano sobre a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo utilizada por ele

Na pessoa se podem encontrar dois aspectos a totalidade e o

desenvolvimento Por um lado com efeito a pessoa eacute em cada um de seus

instantes uma totalidade infinita e definida fixa em uma forma

singulariacutessima e inconfundiacutevel dotada de uma validade concluiacuteda e

reconheciacutevel e por outro eacute um variar contiacutenuo aberto agrave possibilidade de

contestaccedilotildees e reelaboraccedilotildees de revisotildees e enriquecimentos de repeticcedilotildees

de velhos motivos e novos atos De um lado eacute a obra definida e concluiacuteda a

cada instante e do outro eacute obra de desenvolvimento aberta e exigindo

sempre novos atos e novos desenvolvimentos134

Ademais embora haja uma reconhecida influecircncia das correntes de pensamento

rotuladas sob as rubricas ldquoromantismordquo e ldquoidealismordquo que podem ser detectadas permeando o

pensamento de Pareyson visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling

natildeo se pode confundir a ideia de ldquopessoardquo com a noccedilatildeo de ldquosujeitordquo como ele mesmo explica

nesta passagem

133

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p177 Texto em italiano ldquoPerciograve se la persona egrave forma e se ogni operare umano egrave sempre

personale loperare umano ha sempre un doppio carattere per un verso tende a por capo a forme e per l altro

esprime la totalitagrave della personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p157)

134

Ibidem Op cit p176 Texto em italiano ldquoNella persona si possono rinvenire due aspetti la totalitagrave e lo

sviluppo Per un verso infatti la persona egrave fn ciascuno dei suoi istanti una totalitagrave infinita e definita fissata in

una forma singolarissima e inconfondibile dotata duna validitagrave conclusa e riconoscibile e per laltro egrave variare

continuo aperto alla possibilitagrave di contestazioni e rielaborazioni di revisioni e arricchimenti di riprese di

vecchi motivi e di nuovi atti Da un lato la perssona egrave lopera che io faccio di me stesso conclusa e definita in

ogni istante e dallaltro egrave opera i n sviluppo aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimentirdquo

(Ibidem Op cit p155-156)

71

Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetiacutevel inconfundiacutevel

original mas natildeo tem nada a ver com o ldquosujeitordquo que reduz a pura

intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relaccedilatildeo a

pessoa eacute aberta comunicativa social de modo que toda a atividade humana

e por isso tambeacutem a arte tem sempre um caraacuteter pessoal e social a um soacute

tempo [] 135

Portanto eacute diante da relaccedilatildeo entre unidade singular e totalidade que o conceito de

ldquopessoardquo se distingue da acepccedilatildeo de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes

advindos dos pensadores e artistas romacircnticos

Logo eacute na dupla definiccedilatildeo de ldquopessoardquo como ldquototalidaderdquo e ldquodesenvolvimentordquo que

ela se encontra com a definiccedilatildeo de ldquoformardquo (como totalidade) e de ldquoformatividaderdquo (como

desenvolvimento) Logo chega-se a outro aspecto fundamental que eacute acrescido nessa

discussatildeo o sentido de desenvolvimento e que estaacute presente nas definiccedilotildees tanto de ldquopessoardquo

como de ldquoformardquo (enquanto fruto da ldquoformatividaderdquo)

Sendo assim o conceito de ldquopessoardquo para Pareyson se configura natildeo soacute como base do

conceito de ldquoformardquo mas mormente como a base do conceito de ldquoformatividaderdquo pois traz

em si a noccedilatildeo de movimento desenvolvimento e a ideia de dinamismo presente na

operosidade humana como um todo e da qual a operosidade artiacutestica faz parte

Por conseguinte aqui a ldquoformardquo tambeacutem se encontra com os conceitos de teacutekhne e

poiacuteesis para se definir como resultado da ldquoformatividaderdquo e desse modo e a arte eacute entatildeo

definida como produccedilatildeo [poiacuteesis] da forma pela forma na forma isto eacute a ldquoarte eacute pura

formatividaderdquo 136 Porque eacute exatamente no ato de ldquoformarrdquo a obra que a ldquopessoardquo do artista

135

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p91 ldquo[] giaccheacute persona significa sigrave singolaritagrave irripetibile inconfondibile

originalissima ma non ha nulla a che fare col laquosoggettoraquo che riduce a pura intimitagrave e attivitagrave soggettiva tutto

ciograve con cui entra in rapporto la persona egrave aperta comunicativa sociale sigrave che ogni aiti vita umana e quindi

anche larte ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p284)

136ldquoA operaccedilatildeo artiacutestica eacute um processo de invenccedilatildeo e produccedilatildeo exercido natildeo para realizar obras especulativas

ou praacuteticas ou seja laacute quais forem mas soacute por si mesmo formar por formar formar perseguindo somente a

forma por si mesma a arte eacute pura formatividaderdquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p 26) ldquoLoperazione artistica egrave un

processo dinvenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano

72

se ldquoexprimerdquo e ldquoemprestardquo para a ldquoformardquo a sua ldquoespiritualidaderdquo e portanto a sua ldquovisatildeo de

mundo pessoalrdquo Pareyson explica essas intersecccedilotildees nessa passagem

Na obra de arte portanto mundo e forma natildeo satildeo coisas diversas e

alcanccedilaacuteveis somente em diversos niacuteveis a forma justamente em sua

existecircncia fiacutesica eacute o seu mundo e este eacute o sentido em que a expressividade

da arte se reduz agrave sua formatividade E este eacute justamente o aspecto que faz

da arte algo extraordinaacuterio estamos aqui diante de uma ldquocoisardquo e esta nos

remete a um ldquomundordquo 137

Entretanto a partir daiacute a forma se torna ela mesma ldquomundordquo descolando-se da

ldquopessoardquo 138

por isso eacute importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra

enquanto autocircnoma e detentora de um estatuto ontoloacutegico por isso natildeo se confunde com o

autor embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e por

isso carrega consigo algo da ldquopessoardquo mas ainda assim eacute independente e tem existecircncia

proacutepria Nas palavras de Pareyson

A forma eacute expressatildeo de si mesma e do autor ao mesmo tempo pessoal em

duplo sentido pessoal enquanto revela o autor e pessoal enquanto dotada de

uma proacutepria e independente personalidade Uma coisa tambeacutem natildeo se acha

separada da outra pois a forma soacute tem uma personalidade proacutepria se uma

pessoa eacute o seu autor e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais

consegue ter sua autocircnoma personalidade Pois a expressatildeo do autor se acha

presente no esforccedilo formativo deste e nele se resolve e assim a forma eacute

ma solo per seacute stesso formare per formare formare perseguendo unicamente la forma per seacute stessa larte egrave

pura formativitagraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p

11)

137

Ibidem Op cit p274 ldquoNellopera darte dunque mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a

diversi livelli la forma proprio nella sua esistenza fisica egrave il suo mondo e questo egrave il senso in cui lespressivitagrave

dellarte si riduce alla sua formativitagrave Ed egrave ben questa la cosa straordinaria dellarte trova davanti a una laquo

cosa raquo e vi si rinviene un laquo mondo raquordquo (Ibidem Op cit p249-250)

138

Cf PAREYSON lsquoA arte como formatividade pura especiacutefica e intencionalrsquo In Idem Esteacutetica Teoria da

Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25-26 ldquoLrsquoarte come

formativitagrave pura specifica e intenzionalerdquo In Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 10-12

73

retrato completo de quem a fez porque eacute a expressatildeo completa de si

mesma139

Ademais Pareyson ainda vai mais longe nessa ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo

estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina

como ldquoformatividaderdquo quando ele evoca a importacircncia desse binocircmio para discorrer sobre a

questatildeo da interpretaccedilatildeo da obra de arte Ou seja quando ele discorre sobre a relaccedilatildeo da

ldquoforma ndash espectadorrdquo que se daacute a partir da relaccedilatildeo ldquoforma-pessoardquo entendida duplamente

tanto na ldquopessoardquo do artista como na ldquopessoardquo do espectador Nas palavras dele

Este insuprimiacutevel caraacuteter pessoal da arte prolonga-se ainda na caracteriacutestica

comunicabilidade da forma que eacute universal somente enquanto eacute pessoal e

vice-versa porque fala a todos mas fala a cada um no seu modo De fato

natildeo se tem acesso agrave obra de arte senatildeo pessoalmente no sentido de que a

obra de arte exige interpretaccedilatildeo isto eacute por si mesma uma leitura multiacuteplice

ou melhor infinita como infinitas e sempre diversas satildeo as pessoas dos

inteacuterpretes e dos leitores 140

Por conseguinte eacute essa intersecccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo encontrada no interior da

Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripeacute que pode ser

identificado no pensamento pareysoniano como um todo141

Isto eacute a ldquofilosofia da pessoardquo a

ldquofilosofia da formardquo e a ldquofilosofia da interpretaccedilatildeordquo 142

139

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p272 ldquoLa forma egrave espressiva di seacute e del suo autore insieme personale in duplice senso

poicheacute egrave personale in quanto rivela lautore e personale in quanto dotata duna propria e indipendente

personalitagrave neacute luna cosa egrave disgiunta dallaltra percheacute la forma ha una sua personalitagrave solo se persona egrave il suo

autore e tanto piugrave riesce a rivelare il suo autore quanto piugrave giunge ad avere la sua autonoma personalitagrave che

lespressione dellautore egrave presente nello sforzo formativo di costui e vi si risolve e cosigrave la forma egrave ritratto

compiuto di chi lha fatta percheacute egrave espressione compiuta di seacuterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 247)

140

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p86-87 ldquoQuesto insopprimibile carattere personale dellarte si prolunga ancora nella

caratteristica comunicabilitagrave della forma la quale egrave universale solo in quanto personale e viceversa percheacute

parla a tutti ma a ciascuno parla nel suo modo Infatti non si accede allopera darte se non personalmente nel

senso che lopera drsquoarte esige interpretazione cioegrave suscita di seacute una lettura molteplice anzi infinita come

infinite e sempre diversi sono le persone glrsquointerpreti e dei lettorirdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p280)

141

Sarto acentua a relaccedilatildeo entre as lsquopartesrdquo da filosofia paresyoniana da seguinte maneira ldquoVemos pues aquiacute

nuevo los viacutenculos que existen entre el lsquopersonalismo ontoloacutegicorsquo la lsquometafisica da formarsquo y esta lsquognoseologiacutea

de la interpretacioacutenrsquo y casi sin darnos cuenta hemos pasado del concepto de lsquoformatividadersquo al de

74

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade

Partindo do contorno jaacute estabelecido de significado de ldquoformardquo vaacuterios aspectos

fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artiacutestico

portanto os meandros da ldquoformatividaderdquo O primeiro ponto a ser destacado eacute o entendimento

de que como jaacute foi dito eacute a busca pela ldquoformardquo que move todo o processo de

ldquoformatividaderdquo

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo

Por isso um dos pontos de apoio da teoria esteacutetica de Pareyson eacute a premissa

fundamental de que durante o percurso da produccedilatildeo da obra exista necessariamente um

objetivo muito claro voltado agrave formaccedilatildeo da coisa concreta (ldquoobra-de-arte-formardquo) Daiacute a

importacircncia do sentido de arte como fazer produtivo e natildeo de um simples fazer Isto eacute a arte

eacute produccedilatildeo [poiacuteen] que resulta numa ldquoobra-formardquo

Sem essas demarcaccedilotildees e entendimentos natildeo se pode concluir que na arte o saber-

fazer se daacute ao mesmo tempo da produccedilatildeo Pois eacute exatamente por conta da busca pela ldquoformardquo

que o saber se configura na hora do ldquoformarrdquo e natildeo antes nem mesmo depois pois esse saber-

fazer estaacute subordinado agrave ldquoformardquo e ao ecircxito da formaccedilatildeo desta natildeo o contraacuterio

lsquointerpretacioacutenrsquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi

Pareyson Pamplona EUNSA1998 p34)

142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em portuguecircs no livro ldquoVerdade e Interpretaccedilatildeordquo que

constitui uma coletacircnea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970 Ainda no prefaacutecio desta coletacircnea

Pareyson delimita o conceito de interpretaccedilatildeo que segundo ele teve no campo da esteacutetica um apronfudamento

fundamental Nas palavras dele ldquoO ponto central do pensamento que proponho eacute aquela solidariedade

originaacuteria entre pessoa e verdade na qual consiste a essecircncia genuiacutena do conceito de interpretaccedilatildeo Ao estudo

do conceito de interpretaccedilatildeo jaacute me dedico a mais de vinte anos mais precisamente a partir de quando me pus a

refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um

diaacutelogo entre diversas perspectivas pessoais desde que finalmente se abandone a concepccedilatildeo objetiva de

verdade No conceito de interpretaccedilatildeo tal como resultou daquela reflexatildeo e tal como foi apronfundado nas

aplicaccedilotildees que dele fiz em outros campos sobretudo no campo esteacutetico permito-me indicar aquela nota

hermenecircutica e portanto ontoloacutegica do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de

origem idealista ou de derivaccedilatildeo intimistardquo (PAREYSON Luigi Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria

Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p5)

75

Sendo a ldquoformardquo a geratriz das necessidades e das direccedilotildees de determinada produccedilatildeo

que complete e decirc conta da realizaccedilatildeo da obra de arte acabada Nesse intuito Pareyson clama

por

[] colocar em evidecircncia o caraacuteter dinacircmico da forma agrave qual eacute essencial ser

um resultado ou melhor a resultante de um ldquoprocessordquo de formaccedilatildeo pois a

forma natildeo pode ser vista como tal se natildeo se vecirc no ato de concluir e ao

mesmo tempo incluir o movimento de produccedilatildeo que lhe daacute nascimento e aiacute

encontra o proacuteprio sucesso143

A partir do texto acima eacute possiacutevel afirmar que ldquoformardquo e o processo operativo desta

satildeo inseparaacuteveis no acircmbito da produccedilatildeo da obra de arte e eacute isso que entatildeo Pareyson denomina

como sendo ldquoformatividaderdquo Isto eacute um determina o outro e vice e versa e por conta dessa

relaccedilatildeo simbioacutetica eacute que se conclui que o saber-fazer e o produzir na arte satildeo concomitantes e

indissociaacuteveis

Outro aspecto da ldquoformatividaderdquo que jaacute foi mencionado quando se discorreu sobre a

ldquoformardquo eacute o papel da ldquopessoardquo na ldquoformatividaderdquo e eacute exatamente esse papel que define a

ligaccedilatildeo simbioacutetica entre ldquoforma-pessoardquo Pareyson define a ldquo[] arte como atividade

formativa isto eacute inventiva original criadora e consiste numa presenccedila ao mesmo tempo

triacuteplice e uacutenica da pessoa na arte como energia formante como modo de formar como obra

formadardquo 144 E ainda mais adiante Pareyson completa

[] E se no operar artiacutestico a pessoa do autor tornou-se ela mesma o seu

proacuteprio e insubstituiacutevel modo de formar e se a arte natildeo tem outro conteuacutedo

que natildeo a proacutepria pessoa que eacute a sua energia formante bem se pode dizer

que a obra a que ao processo artiacutestico leva a cabo eacute a proacutepria pessoa do

143

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p10 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

144

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p86 ldquo[] allarte come attivitagrave formativa cioegrave inventiva originale creatrice e consiste in una triplice e

insieme unica presenza della persona nellarte come energia formante come modo di formare come opera

formatardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p280)

76

artista encarnada completamente num objeto fiacutesico e real que eacute justamente

a obra formada 145

Pareyson entatildeo explica que a ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo eacute estabelecida por

meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina como

ldquoformatividaderdquo Portanto eacute o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da

obra de arte e que tem um caraacuteter uacutenico exatamente pelo caraacuteter uacutenico da ldquopessoardquo que

inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produccedilatildeo da obra que liga agrave

pessoa agrave forma formada

222 A relaccedilatildeo entre forma formante e forma formada

Essa hipoacutetese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estatildeo interligados levam a

necessidade de examinar mais de perto o processo de produccedilatildeo da obra arte

Por longos seacuteculos o processo de formaccedilatildeo da obra de arte natildeo foi objeto de

consideraccedilatildeo filosoacutefica permanecendo quando muito no acircmbito das poeacuteticas

e abandonando as regras da retoacuterica [precettistica] 146

Comeccedilou a interessar

agrave meditaccedilatildeo filosoacutefica quando os proacuteprios artistas principiaram a meditar

sobre o assunto principalmente sob o estiacutemulo de poeacuteticas que queriam o

artista consciente das proacuteprias operaccedilotildees 147

Estas frases de Pareyson acima citadas datildeo o tom de sua preocupaccedilatildeo em teorizar o

processo do fazer artiacutestico e recolocar a ecircnfase da reflexatildeo filosoacutefica sobre a definiccedilatildeo de arte

145

Ibidem Op cit p86 ldquo[] lintera persona diventa gesto del fare modo di formare stile E se nelloperare

artistico la persona de lautore egrave diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare e se larte

non ha altro contenuto che la persona stessa che ne egrave lenergia formante si p u ograve ben dire che lopera cui mette

capo il processo artistico egrave la stessa persona dellartista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale

qual egrave appunto lopera formatardquo (Ibidem op cit p280-281)

146

Aqui talvez a melhor traduccedilatildeo fosse ldquopreceptivardquo ou ldquodoutrinardquo

147

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p139 ldquoPer lunghi secoli il processo di formazione dellopera darte non fu oggetto di

considerazione filosofica rimanendo tuttal piugrave nellambito delle poetiche e abbandonato alle regole della

precettistica Cominciograve a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su

soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano lartista consapevole delle proprie operazionirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p325)

77

como saber- fazer produtivo [teacutekhne ndash poiacuteetikoacutes] por isso o esforccedilo no resgate das definiccedilotildees

gregas e suas relaccedilotildees com as ideias centrais do filoacutesofo italiano

A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior e partindo da

ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte eacute a ideia da arte como fazer

[poieicircn] Mas natildeo um simples fazer eacute um saber-fazer [teacutekhne] mas natildeo qualquer saber-fazer

e sim um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem

particularidades muito proacuteprias Como expotildee Pareyson

E eacute justamente esta a condiccedilatildeo do processo artiacutestico guiado por uma espeacutecie

de antecipaccedilatildeo e de pressentimento do ecircxito pelo qual a proacutepria obra age

antes ainda de existir se eacute verdade que a forma existe somente quando o

processo estaacute acabado como resultado de uma atividade que a inventa no

proacuteprio ato que a executa eacute tambeacutem verdade que a forma age como

formante antes ainda de existir como formada oferecendo-se agrave adivinhaccedilatildeo

do artista e por isso solicitando seus eficazes pressaacutegios e dirigindo as suas

operaccedilotildees 148

Como descrito acima uma das particularidades do processo produtivo da arte eacute

conforme apontado previamente a simultaneidade do saber-fazer e do produzir Isso se deve

ao fato de que o processo criativo da arte estaacute subordinado agrave ldquoformardquo No entanto a ldquoformardquo

natildeo existe antes do processo por isso esse percurso do artista ao produzir a obra se

configura num vai e vem dinacircmico entre o ldquovir a serrdquo da ldquoobra-formardquo e a ldquoformardquo da obra

intuiacuteda previamente mas que ainda natildeo eacute ldquoforma formadardquo

148

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142 ldquoEd egrave appunto questa la condizione del processo artistico guidato da una specie

di anticipazione e di presentimento della riuscita per cui lopera stessa agisce prima ancora di esistere se egrave

vero che la forma esiste solamente a processo compiuto come risultato dunattivitagrave che linventa nellatto stesso

che la esegue egrave anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata

offrendosi alla divinazione dellartista e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazionirdquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p327)

78

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade

A correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo central no percurso de

fabricaccedilatildeo da obra de arte tem como motor a invenccedilatildeo que indissociaacutevel da produccedilatildeo gera a

ldquoformatividaderdquo resultando no ecircxito da ldquoformardquo

Portanto eis um conceito chave para o entendimento do processo artiacutestico como um

todo invenccedilatildeo [invenzione] 149 Isto eacute a ideia de invenccedilatildeo como componente central da

ldquoformatividaderdquo que Pareyson indica na sua teoria abaixo segue uma siacutentese central do

processo artiacutestico visto agrave luz da teoria esteacutetica pareysoniana

O conceito central eacute a formatividade entendida esta como a uniatildeo

inseparaacutevel de produccedilatildeo e invenccedilatildeo ldquoFormarrdquo significa aqui ldquofazerrdquo

inventando ao mesmo tempo o ldquomodo de fazerrdquo ou seja ldquorealizarrdquo soacute

procedendo por ensaio em direccedilatildeo ao resultado e produzindo desde modo

obras que satildeo ldquoformasrdquo 150

Mas natildeo eacute qualquer invenccedilatildeo assim como o saber-fazer da arte ocorre

simultaneamente ao fazer-produzir a invenccedilatildeo ocorre junto agrave produccedilatildeo completando um

ciacuterculo contiacutenuo da produccedilatildeo da obra arte que envolve a invenccedilatildeo do modo de fazer e a

execuccedilatildeo propriamente dita ateacute a conclusatildeo da ldquoformardquo Nas palavras dele

O fato eacute que a arte natildeo eacute somente executar produzir realizar e o simples

ldquofazerrdquo natildeo basta para definir sua essecircncia A arte tambeacutem eacute invenccedilatildeo

[invenzione] Ela natildeo eacute execuccedilatildeo de qualquer coisa jaacute ideada realizaccedilatildeo de

um projeto produccedilatildeo segundo regras dadas ou predispostas Ela eacute um fazer

que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer A arte eacute uma

atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo procedem pari passu simultacircneas e

inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de um valor

149

Entenda-se neste contexto ldquoinvenccedilatildeordquo nos sentidos de criatividade imaginaccedilatildeo e originalidade como

contraponto de coacutepia Ademais correntemente Pareyson utiliza tanto invenccedilatildeo como criaccedilatildeo como sinocircnimas e

em oposiccedilatildeo agrave imitaccedilatildeo Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena

Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p137-139

150

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

79

original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo encontra-se a

regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem eacute pensaacutevel

projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou cantando eacute que eacute

encontrada e eacute concebida e eacute inventada 151

Em suma a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se daacute sob duas

condiccedilotildees a primeira como jaacute foi demonstrada se daacute pelo condicionamento do fazer artiacutestico

em busca do ecircxito da ldquoformardquo que estabelece o jogo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma

formadardquo A segunda se daacute por conta da dinacircmica da ldquoformatividaderdquo que se define pela

contemporaneidade entre a invenccedilatildeo e a produccedilatildeo - execuccedilatildeo da arte Eis portanto a

definiccedilatildeo capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson

224 A legalidade interna da ldquoformardquo e a intuiccedilatildeo na Teoria da Formatividade

Ainda Pareyson aponta para uma dinacircmica que envolve o processo de formaccedilatildeo da

arte ldquoCom base nesta lsquodialeacutetica de forma formante e forma formadarsquo a obra de arte tem a

misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formaccedilatildeo isto eacute de

existir como conclusatildeo de um processo estimulado promovido e dirigido por elardquo 152

Eacute exatamente nesse aspecto do processo de fabricaccedilatildeo da arte que se detecta a

presenccedila de descontrole aparente do ldquopessoa-artistardquo Ou seja aqui haacute certa nebulosidade que

dificulta a identificaccedilatildeo da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista

levando a conclusatildeo de que uma forccedila externa ou distinta da razatildeo ou da vontade do artista

estaacute agindo Como Pareyson descreve no texto abaixo

151

IdemOs problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p32 ldquoIl fatto egrave che larte non egrave solamente eseguire produrre realizzare e il semplice laquofareraquo non basta a

definirne lessenza larte egrave anche lsquoinvenzionersquo Essa non egrave esecuzione di qualcosa di giagrave ideato realizazione

drsquoun progetto produzione secondo regole date o predisposte lsquoessa egrave un tal fare che mentre fa inventa il da

farsi e il modo di farersquo Larte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo simultanee e

inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si concepisce eseguendo

si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave finita neacute egrave pensabile di

progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la

sinventardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p231-232)

152

Ibidem Op Cit p142 ldquoIn base a questa dialettica di forma formante e forma formata lopera darte ha la

misteriosa prerogativa dessere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione cioegrave di esistere come

conclusione dun processo da lei stessa stimolato promosso e direttordquo (Ibidem Op cit p327)

80

De fato eacute verdade por um lado que o artista eacute o uacutenico autor da sua obra e

que a diferenccedila entre as condiccedilotildees e o resultado entre os materiais coletados

e o de combustatildeo eacute tal que permite falar de uma verdadeira e proacutepria criaccedilatildeo

original da qual natildeo temos de agradecer a outros senatildeo ao artista Mas por

outro lado eacute preciso tambeacutem reconhecer que a obra tem uma independecircncia

e uma geraccedilatildeo inteira pela qual o artista mal a concebeu natildeo eacute mais livre

de fazer aquilo que quer mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra

que ele ideou quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em

fruto maduro 153

Esse raciociacutenio levou vaacuterios pensadores e artistas a atribuiacuterem a origem do fazer

artiacutestico ou do saber-fazer artiacutestico agraves forccedilas divinas ou agrave intuiccedilatildeo Como foi previamente

demonstrado no primeiro capiacutetulo (Sentido de teacutekhne relacionado ao sentido de inspiraccedilatildeo)

Pareyson natildeo nega o misteacuterio que envolve o processo artiacutestico no entanto natildeo o

entende como sendo algo externo ao processo em si e principalmente como sendo externo

ao artista Muito pelo contraacuterio esse aparente descontrole eacute fruto da dinacircmica da busca pela

forma formada que se daacute atraveacutes da forma formante E o misteacuterio se desfaz assim que se tem a

forma acabada isto eacute o ecircxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade

interna da ldquoformardquo que eacute constituiacuteda exatamente no momento formativo Portanto a

finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do

processo na proacutepria forma formada Nas palavras dele

Eacute a proacutepria obra que se forma desenvolvendo-se daquele primeiro embriatildeo

grado e incubado na mente do artista e tendendo para o termo natural da

proacutepria finalidade a ponto de que se a atividade do artista natildeo consistir no

individual e no seguir este desenvolvimento natural a obra aborta e falha

Que este caminho seja uniacutevoco eacute coisa que soacute aparece quando a obra estaacute

acabada o artista o ignora no curso da produccedilatildeo e eacute por isso que ele procede

153

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142-143 Texto em italiano ldquoInfatti egrave vero per un verso che lartista egrave lunico autore

della sua opera e che la differenza fra le condizioni e il risultato fra i materiali raccolti e latto di combustione

egrave tale da far parlare di una vera e propria creazione originale di cui non abbiamo da ringraziare altri che

lartista Ma per laltro verso bisogna pure riconoscere che lopera ha una sua indipendenza e una sua interna

generazione per cui lartista non appena lha concepita non egrave piugrave libero di fare quel che vuole ma deve

seguire la finalitagrave interna dellopera stessa chegli ha ideato quasi che fosse un germe il quale tende a

svilupparsi verso il frutto maturordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p328)

81

tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas agrave

prova mas quando a obra eacute conseguida refazendo o caminho agraves avessas e

rememorando a aventura ele compreende que soacute podia fazer a obra daquele

modo 154

Nesse sentido a intuiccedilatildeo pode ser entendida como parte do processo de produccedilatildeo da

obra e como a proacutepria necessidade advinda da ldquoformardquo como uma espeacutecie de lei interna que

determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formaccedilatildeo da arte

Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo

[] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itineraacuterio atraveacutes

do qual o artista tentando e corrigindo e refazendo produz a obra a

inspiraccedilatildeo o exerciacutecio a improvisaccedilatildeo o diaacutelogo com a mateacuteria e o domiacutenio

sobre ela conseguindo justamente atraveacutes da obediecircncia que ela reclama a

teacutecnica e a linguagem da arte e o aspecto herdado desde o ldquotemardquo ou

ldquoassuntordquo ateacute ao ldquoesboccedilordquo e agrave obra terminada155

Em suma discernindo aquilo que a obra pede satisfazendo essa lei interna da proacutepria

obra respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece mas que paradoxalmente satildeo

advindas das proacuteprias escolhas do artista a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade

ao artista Por isso a ldquoformardquo eacute formante e eacute formada ao mesmo tempo e desta maneira o

artista segue o rastro da forma como se ela lhe ldquodissesserdquo o que ele (artista) ldquodeverdquo fazer

Nesse sentido pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo

que tantos pensadores desde Platatildeo a Pareyson se preocuparam em definir a intuiccedilatildeo do

artista ao produzir a obra de arte E eacute essa parte misteriosa e exposta por muitos como

inexplicaacutevel poreacutem tatildeo palpaacutevel do processo artiacutestico que a teoria de Pareyson explicita na

154

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p143-144 ldquoEgrave lopera stessa che si forma sviluppandosi da quel primo embrione generato

e incubato dalla mente dellartista e tendendo verso il termine naturale della propria finalitagrave al punto che se

lattivitagrave dellartista non consiste nellindividuare e nel seguire questo naturale sviluppo lopera abortisce e

fallisce Che questo cammino sia univoco egrave cosa che appare solo a opera compiuta lartista lo ignora nel corso

della produzione egrave per questo chegli procede tentando ed escludendo via via le possibihtagrave scelte e messe a

prova ma ad opera riuscita rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando lavventura egli capisce che solo in

quel modo egli poteva fare loperardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p329)

155

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p14-15 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

82

fundamental relaccedilatildeo que se estabelece entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo no interior

da ldquoformatividaderdquo Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possiacutevel sem outra cadeia de

relaccedilotildees que se configura na base da produccedilatildeo do artista isto eacute a simbiose entre ldquoformardquo

ldquopessoardquo e ldquomundordquo

E por fim nas palavras de Pareyson toda complexidade de copossibilidades e

coexistecircncias que definem a ldquoformardquo e consequentemente a ldquoformatividaderdquo

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma 156

Em siacutentese pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira no

processo artiacutestico enquanto ldquoformatividaderdquo coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da

ldquoformardquo advinda de uma legalidade e de uma finalidade intriacutenseca a ela isto eacute a

formatividade se constitui na inventividade e na construccedilatildeo de um saber-fazer subordinado ao

ecircxito da produccedilatildeo de uma ldquoobra-de-arte-formardquo E durante o processo dialoacutegico entre ldquoforma

formanterdquo e ldquoforma formadardquo que decorre na relaccedilatildeo ldquoformatividaderdquo e ldquopessoardquo e na

156

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della creativitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 p329)

83

simultaneidade da obra de arte enquanto ldquoformardquo e ldquopessoardquo coexistem a fisicalidade da

existecircncia da coisa como organismo vivo e autocircnomo e a espiritualidade da pessoa que

imprime todo o seu ldquomundordquo

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade

Eacute bom lembrar que aleacutem dos jaacute demonstrados aportes advindos de textos de Platatildeo e

de Aristoacuteteles para os conceitos de teacutekhne e poiacuteesis como tambeacutem o conceito de ldquoorganismordquo

Aristoteacutelico que Pareyson relaciona agrave Teoria da Formatividade o proacuteprio Pareyson demarca

pontualmente alguns outros diaacutelogos que contribuiacuteram para a sua definiccedilatildeo de arte como

ldquoformardquo e consequentemente para a sua definiccedilatildeo da atividade artiacutestica como

ldquoformatividaderdquo Como se pode constatar no trecho abaixo

Os conceitos de forma e de formatividade parecem portanto os mais

adequados para qualificar respectivamente a arte e a atividade artiacutestica Para

a atualidade desta concepccedilatildeo contribuiacuteram alguns desenvolvimentos do

pensamento moderno que provindo de pontos de partida diversos mostram

uma convergecircncia significativa de conclusotildees Sobre o caraacuteter formativo da

atividade artiacutestica Goethe atento teorizador das relaccedilotildees entre arte e

natureza escreveu paacuteginas memoraacuteveis e atualiacutessimas sobre analogia entre

obra de arte e organismos da natureza Schelling chamou a atenccedilatildeo Focillon

falou da vida das formas e grande parte da esteacutetica francesa contemporacircnea

insistiu sobre a contemporaneidade da invenccedilatildeo e execuccedilatildeo a psicologia da

forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura

Whitehead renovou a problemaacutetica do conceito de organizaccedilatildeo e

organicidade Dewey insistiu sobre os conceitos de ldquoacabamentordquo

[compimento] e de ldquoecircxitordquo [riuscita] na Itaacutelia Augusto Guzzo mostrou

como na atividade humana se nucleiam formas que pelo seu exemplar

sucesso datildeo lugar a estilos [] 157

157

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32-33 I concetti di forma e di formativitagrave sembrano dunque piugrave adatti a qualificare

rispettivamente larte e lattivitagrave artistica Allattualitagrave di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del

pensiero moderno che muovendo da punti di partenza diversi mostrano una significativa convergenza di

conclusioni Sul carattere formativo dellattivitagrave artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe

attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura sullanalogia fra opere darte e organismi della natura ha

84

Assim sendo a partir da leitura desta breve siacutentese que Pareyson formulou fica clara

a abrangecircncia de multiplicidade de diaacutelogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e

pensadores contemporacircneos

Ademais Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as

particularidades que o conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo e sua respectiva formaccedilatildeo

anaacuteloga ao ser vivente traz consigo

A filosofia de Dewey pelo contraacuterio que eacute uma filosofia da operosidade

humana vista no seu aspecto de busca de tentativa de precariedade insiste

muito no processo pelo qual em geral o homem chega agraves suas realizaccedilotildees e

em particular quando o artista acaba as suas obras ele fala do processo

artiacutestico como de um processo orgacircnico que atraveacutes de uma trajetoacuteria de

gestaccedilatildeo incubaccedilatildeo nascimento crescimento maturaccedilatildeo chega agrave obra

como de uma seacuterie de atos reativos que se acumulam em direccedilatildeo de um

cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretaccedilatildeo de

todos os fatores numa totalidade 158

Ora curioso que parte dessa descriccedilatildeo tambeacutem poderia ser dita como sendo a proacutepria

noccedilatildeo de ldquoorganicidaderdquo retirada da filosofia aristoteacutelica Assim sendo consequentemente

volta-se novamente a identificar a forte presenccedila de um diaacutelogo com o estagirita em toda a

Teoria da Formatividade Visto que em outra passagem Pareyson liga a ldquoformatividaderdquo a

um processo orgacircnico poreacutem neste caso evidenciando a noccedilatildeo de ldquofinalidaderdquo como motor

da ldquoformatividaderdquo Citando Pareyson

attirato lattenzione Schelling Focillon ha parlato della vita delle forme e gran parte dellestetica francese

contemporanea ha insistito sulla contemporaneitagrave di invenzione ed esecuzione la psicologia della forma ha

invitato a meditare sui concetti di totalitagrave e di struttura Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di

organizzazione e organicitagrave Dewey ha insistito sui concetti dilaquocompimentoraquo e di laquoriuscitaraquo in Italia Augusto

Guzzo ha mostrato come nellattivitagrave umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a

stili chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare unestetica della laquoformativitagraveraquo che concepisce le opere

darte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalitagrave interna e che propone una concezione dinamica

della bellezza artistica (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

158

Ibidem Op cit p140 ldquoInvece la filosofia di Dewey chegrave una filosofia delloperositagrave umana vista nel suo

aspetto di ricerca di tentativo di precarietagrave insiste molto sul processo con cui in generale luomo giunge alle

sue riuscite e in particolare artista compie le sue opere egli parla del processo artistico come dun processo

organico che attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione giunge allopera

e cioegrave come duna serie di atti reattivi che si accumulano in direzione dun compimento e di atti selettivi che

contribuiscono allinterpretazione di tutti fattori in una totalitagraverdquo (Ibidem Op cit p326)

85

ldquoDizer que no processo artiacutestico a forma eacute ao mesmo tempo formada e

formante natildeo significa interpretaacute-la com desenvolvimento orgacircnico

Tambeacutem num processo orgacircnico o produto eacute ao mesmo tempo produtor E

a escolha e seleccedilatildeo das diversas possibilidades satildeo reguladas por uma

finalidade intriacutenseca que eacute a proacutepria forma futura []rdquo 159

Vale lembrar o quanto a ideia de ldquofinalidaderdquo eacute fundamental para a definiccedilatildeo de

ldquoorganismordquo na filosofia de Aristoacuteteles

E ainda considerando que em Pareyson haacute uma clara indistinccedilatildeo entre a operosidade

artiacutestica e as outras operosidades incluindo a da natureza logo conduz-se a discussatildeo sobre o

fazer artiacutestico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte

gerando implicaccedilotildees importantes para se pensar a relaccedilatildeo entre arte-mundo mundo-artista

mundo-realidade durante o processo de produccedilatildeo e operosidade pois a discussatildeo transborda o

fazer especiacutefico da arte

Ademais Vattimo num texto intitulado Opera drsquoarte e organismo in Aristotele

tambeacutem concorda que o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles contribui e permeia as

teorias de arte atuais natildeo soacute a pareysoniana Nas palavras dele

Em muitos estudiosos da esteacutetica de vaacuterias inspiraccedilotildees hoje eacute possiacutevel

verificar a ampla utilizaccedilatildeo do termo e do conceito de organismo para

descrever o produto artiacutestico Tanto o conceito como a sua utilizaccedilatildeo

esteacutetica remontam a Aristoacuteteles e eacute portanto uacutetil natildeo soacute para um interesse

filoloacutegico mas para enriquecer e esclarecer agraves temaacuteticas proacuteprias da esteacutetica

atual [] 160

159

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p76 ldquoDire che nel processo artistico la forma egrave insieme formata e formante non significa

interpretarlo come uno sviluppo organico Anche i n un processo organico i l prodotto egrave insieme producente e

la scelta e selezione delle varie possibilitagrave egrave regolata da una finalitagrave interna c h egrave la stessa forma futura []rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960p60)

160

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoPresso molti studiosi di esteacutetica di varia ispirazione egrave possiblie oggi trovare largamente

impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico Sia il concetto che il suo uso

estetico risalgono ad Aristotele ed egrave dunque utile non solo per un interesse filologico ma per arricchire e

precisare la stessa tematica estetica attuale[]rdquo (VATTIMO GianneldquoOpera drsquoarte e organimo in Aristotelerdquo

p 211 In VATTIMO Gianne Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008)

86

Nesse sentido pode-se dizer que a abrangecircncia de diaacutelogos que permeiam o

pensamento pareysoniano esboccedilada acima natildeo invalida a hipoacutetese de que Pareyson valoriza

os conceitos de ldquoteacutekhnerdquo e ldquopoiacuteesisrdquo advindos do pensamento de Platatildeo e sobretudo do

pensamento de Aristoacuteteles acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos e tambeacutem

o conceito de ldquoorganismordquo aristoteacutelico inclusive para uma reflexatildeo sobre as especificidades

da Arte ainda hoje Como tambeacutem utiliza como subsiacutedio para definir seu conceito chave isto

eacute ldquoformardquo o conceito de ldquoorganismordquo presente o pensamento de Aristoacuteteles Portanto o

estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platatildeo como de Aristoacuteteles se

configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e

especificidades da Teoria da Formatividade

87

CAPIacuteTULO III

Arte como miacutemesis e a autonomia da obra de arte

na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama

o problema mais vasto das relaccedilotildees entre arte e natureza

Tambeacutem aqui se apresenta a antiacutetese entre a mimese e a

abstraccedilatildeo a imagem artiacutestica eacute de um lado signo ndash isto eacute

figuraccedilatildeo do real ndash de outro lado eacute autocircnoma ndash isto eacute

criaccedilatildeolsquoex novorsquo

Pareyson 1966 161

Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [φάος]

porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver

Aristoacuteteles162

31 O conceito de miacutemesis e a Teoria da Formatividade

Como foi demonstrado nos capiacutetulos I e II Pareyson toma como ponto de partida para

delinear o seu pensamento sobre as problemaacuteticas da Arte dois conceitos correlatos advindos

do pensamento grego teacutekhne e poiacuteesis Com efeito esses conceitos acrescidos ao que

Pareyson chama de conceito aristoteacutelico de lsquoorganismorsquo datildeo suporte fundamental para a

161

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Trad de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p67 ldquoIl problema dellarte rappresentativa e dellarte astratta richiama il problema piugrave vasto dei

rapporti fra arte e natura Anche qui si presenta lantitesi fra la mimesi e lastrazione limmagine artistica da

un lato egrave segno cioegrave raffigurazione del reale dallaltro egrave autonoma cioegrave creazione lsquoex novorsquordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262)

162

ARISTOacuteTELES De Anima 428b 30 - 429a 1-4 ldquoa imaginaccedilatildeo [429a] seraacute um movimento gerado pela accedilatildeo

da percepccedilatildeo sensorial em atividade Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [Φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [Φάος] porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver E por ltas

imagensgt permanecerem e serem semelhantes agraves sensaccedilotildees os animais fazem muitas coisas graccedilas a elasrdquo

(ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010)

ἢ φαντασία [429ordf] (τοῦτο δ ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ ἐνέργειαν

γιγνομένη Ἐπεὶ δ ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν

ἰδεῖν

88

construccedilatildeo da definiccedilatildeo de lsquoformarsquo e consequentemente de lsquoformatividadersquo no interior da

Teoria da Formatividade pareysoniana

Por sua vez a Teoria da Formatividade ao definir a obra de arte como organismo

vivo reivindicou tanto um estatuto ontoloacutegico como uma autonomia da ldquoformardquo seja com

relaccedilatildeo ao artista seja com relaccedilatildeo ao espectador que a interpreta

Entretanto esta autonomia da ldquoformardquo com relaccedilatildeo a um provaacutevel modelo

demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de

miacutemesis isto eacute nos significados e definiccedilotildees de arte como miacutemesis encontrados tanto em

alguns textos platocircnicos como aristoteacutelicos como seraacute demonstrado a seguir

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo

Retomando a questatildeo da identificaccedilatildeo da atividade da arte em especial da pictoacuterica

como miacutemesis - conforme brevemente esboccedilado nos capiacutetulos I e II - constata-se que esta eacute

uma definiccedilatildeo primaz da arte incluindo a arte pictoacuterica abordada tanto em textos de Platatildeo

como nos de Aristoacuteteles

No Livro X da Repuacuteblica de Platatildeo haacute uma passagem dedicada a discorrer sobre a

miacutemesis com destaque para a sua relaccedilatildeo com a pintura Esse trecho se inicia com a

pergunta ldquoPoderia vocecirc me dizer o que eacute em geral a imitaccedilatildeordquo [miacutemesin hoacuteloshoacute ti

porsquoestiacuten] (Repuacuteblica X 595 c 7)163

E a partir deste ponto enceta-se um longo diaacutelogo sobre o assunto tendo como

exemplo central a atividade do pintor para finalizar com a criacutetica agrave miacutemesis como atividade

distante da verdade e enganadora com a consequente expulsatildeo da cidade dos que praticam

esta atividade isto eacute tanto o pintor quanto o poeta (Repuacuteblica X 605 a-c) 164

163

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012 ldquoΜίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτrsquo ἐστίνrdquo

164

ldquo- Podemos pois com justiccedila censuraacute-lo (poeta) e consideraacute-lo como o par do pintor assemelha-se a ele

por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma e natildeo com o melhor Assim eis-

nos bem fundamentados para natildeo recebecirc-lo em uma cidade que deve ser regida por leis saacutebias jaacute que desperta

89

Muito se fala sobre a condenaccedilatildeo platocircnica agraves artes que hoje se identificam como

pictoacutericas e poeacuteticas contudo o que interessa refletir aqui natildeo eacute acerca da condenaccedilatildeo

propriamente dita porque eacute claro natildeo compartilhamos desta posiccedilatildeo embora esta discussatildeo

natildeo deixe de ser instigante com vaacuterios desdobramentos 165O que de fato interessa discorrer

sobre o citado diaacutelogo eacute como se constroacutei o argumento que acarreta a condenaccedilatildeo e mais

ainda o que estaacute na base deste argumento proposto por Platatildeo e quais as definiccedilotildees que

foram propostas para se pensar os meandros da produccedilatildeo da pintura

Isto eacute a reflexatildeo que se propotildee a partir da leitura desta longa passagem em primeiro

lugar eacute a definiccedilatildeo da pintura como aparecircncia como fica evidente neste trecho

-Natildeo eacute complicada - respondi - eacute posta em praacutetica amiuacutede e rapidamente

muito rapidamente mesmo se quiseres apanhar um espelho e levaacute-lo contigo

por toda a parte num aacutetimo faraacutes o sol e os astros do ceacuteu em menos tempo

ainda a terra e menos ainda a ti mesmo e os outros seres vivos e os moacuteveis

e as plantas e tudo quanto mencionamos haacute pouco - Sim - disse ele - mas

seratildeo meras aparecircncias e natildeo realidades - Bem - disse eu - chegas ao ponto

pretendido pelo discurso pois dentre os artesatildeos deste gecircnero imagino que

se deva incluir o pintor natildeo eacute - Como natildeo - Mas tu me diraacutes penso que o

que ele faz natildeo tem a menor realidade no entanto de certo modo o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma e arruiacutena destarte o elemento racional como acontece numa cidade

que eacute entregue aos perversos ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereccedilam os homens mais

estimaacuteveis do mesmo modo do poeta imitador diremos que introduz um mau governo na alma de cada

indiviacuteduo lisonjeando o que haacute nela de irracional que eacute incapaz de distinguir o maior do menor que ao

contraacuterio encara os mesmos objetos ora como grandes ora como pequenos que produz apenas fantasmas e se

encontra a uma distacircncia infinita da verdade ndash Certamenterdquo (PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J

Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 2012)

Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ καὶ γὰρ τῷ

φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς

τὸ βέλτιστον καὶ ταύτῃ ὡμοίωται Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι

πόλιν ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν

τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν

ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ

οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ τοτὲ δὲ σμικρά εἴδωλα

εἰδωλοποιοῦντα τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα - Πάνυ μὲν οὖν

165

Como por exemplo expotildee Pierre-Maxime Schuhl ldquoSe Platatildeo se mostra tatildeo severo com as artes eacute

seguramente porque lhes reconhece ndash por tecirc-las sem duacutevida experimentado ndash a influecircncia irracional que lhes

atribuiacutea Goacutergias mais que qualquer outro ele devia ser sensiacutevel a isso contra ela recorreu ao idealismo

moral e matemaacutetico contra os artifiacutecios dos ilusionistas agrave medida ao nuacutemerordquo (SCHUHL P-M Platatildeo e arte

do seu tempo Trad de Adriano Machado Ribeiro Satildeo Paulo Discurso Editorial Editora Barcarolla 2010 p

63)

90

tambeacutem faz uma cama Ou natildeo - Sim - redarguiu - ao menos uma cama

aparente (Repuacuteblica X 596 d-e) 166

Dito que a pintura eacute aparecircncia o segundo ponto levantado e longamente analisado no

diaacutelogo eacute a distacircncia da miacutemesis incluindo a pintura para com a verdade e

consequentemente o perigo do engano que a pintura poderia acarretar como fica claro nesta

passagem

- Agora considera este ponto qual desses dois objetivos se propotildee a pintura

relativamente a cada objeto o de representar o que eacute tal como eacute ou o que

parece tal como parece Eacute ela imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade - Da

aparecircncia - disse ele - A imitaccedilatildeo estaacute portanto longe do verdadeiro e se

ela modela todos os objetos eacute segundo parece porque toca apenas uma

pequena parte de cada um a qual natildeo eacute aliaacutes senatildeo uma imagem

(eiacutedolon)167

O pintor diremos noacutes por exemplo nos representaraacute um

166

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo

Paulo Perspectiva 2012

Οὐ χαλεπός ἦν δrsquo ἐγώ ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος τάχιστα δέ που εἰ rsquoθέλεις λαβὼν κάτοπτρον

[596e] περιφέρειν πανταχῇ ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ ταχὺ δὲ γῆν ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ

τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο - Ναί ἔφη φαινόμενα οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ

ἀληθείᾳ - Καλῶς ἦν δrsquo ἐγώ καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος

ἐστίν Ἦ γάρ -Πῶς γὰρ οὔ -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ

ζωγράφος κλίνην ποιεῖ ἢ οὔ -Ναί ἔφη φαινομένην γε καὶ οὗτος

Outra traduccedilatildeo ldquondashSe pegares um espelho e o mostrares em todas as direccedilotildees em um instante faraacutes o sol

e os astros do ceacuteu em um instante a terra em um instante vocecirc mesmo e os outros animais e os moacuteveis e as

plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda haacute pouco ndash Sim ele diz mas natildeo satildeo objetos aparentes

(phainoacutemena) desprovidos de existecircncia real ndash atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu

argumento Com efeito entre esses artiacutefices conta tambeacutem julgo eu o pintor Natildeo eacute assim- Eacutendash E de certo

modo o pintor tambeacutem faz uma cama ou natildeo ndash Sim ele diz uma cama aparente (phainomeacutenen) ela tambeacutemrdquo

(VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens traduccedilatildeo de Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees p 55-56 In

COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoSi tu veux prendre un miroir et le preacutesenter de tous cocircteacutes en moins de rien tu feras le soleil et les astres du

ciel en moins de rien la terre en moins de rien toi-mecircme et les autres animaux et les meubles et les plantes et

tous les objets dont on parlait tout agrave lheure mdash Oui dit-il des objets apparents (phainomena) mais sans aucune

reacutealiteacute veacuteritable [] mdash Et dune certaine faccedilon le peintre aussi fait un lit nest-ce pas mdash Oui dit-il un lit

apparent (phainomenecircn) lui aussi (Reacutep 596 d-e) rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____

Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 108-109)]

167

A palavra em grego εἴδωλον [eiacutedolon] foi traduzida por J Guinsburg por ldquosimulacrordquo entretanto no cotejo

das vaacuterias traduccedilotildees consultadas optou-se por traduzir por ldquoimagemrdquo tal como estaacute em Vernant (Nascimento

das Imagens p60) pois pareceu mais apropriado e preciso jaacute que simulacro eacute um termo que pode acarretar

possiacuteveis interpretaccedilotildees carregadas de significados natildeo correspondentes a contextualizaccedilatildeo do texto platocircnico

Segue o trecho referido acima da Repuacuteblica de Platatildeo (X 598 b-c)ldquo- Relativamente a cada objeto qual a

finalidade da pintura Eacute de representar a realidade como ela realmente eacute ou a aparecircncia como ela aparece

(tograve phainoacutemenon hos phaiacutenetai) Eacute imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade ndash Da aparecircncia diz ele - A arte de

imitar (he mimetikeacute) estaacute portanto bem distante do verdadeiro se pode tudo realizar eacute porque atinge apenas

uma pequena parte de cada coisa sendo que esta parte natildeo eacute mais que uma imagem (eiacutedolon)rdquo (Traduccedilatildeo de

91

sapateiro um carpinteiro ou outro artesatildeo qualquer sem ter nenhum

conhecimento do ofiacutecio (c) deles entretanto se for bom pintor tendo

representado um carpinteiro e mostrando-o de longe enganaraacute as crianccedilas e

os homens privados de razatildeo porque teraacute dado agrave sua pintura a aparecircncia de

um autecircntico carpinteiro (Repuacuteblica X 598b-c) 168

Continuando mais adiante o diaacutelogo evolui para a conclusatildeo de que a pintura eacute como

uma ilusatildeo isto eacute Platatildeo descreve os efeitos da ilusatildeo que a imagem visual pode provocar

usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictoacuterica

- Do seguinte a mesma grandeza encarada de perto ou de longe natildeo parece

igual - Natildeo por certo - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos

conforme os olhemos dentro ou fora da aacutegua ou cocircncavos e convexos

devido agrave ilusatildeo visual produzida pelas cores e eacute evidente que tudo isso lanccedila

a perturbaccedilatildeo em nossa alma Ora dirigindo-se a essa disposiccedilatildeo de nossa

natureza a pintura sombreada natildeo deixa sem emprego nenhum processo de

magia como tambeacutem eacute o caso da arte do charlatatildeo e de muitas outras

invenccedilotildees do gecircnero - Eacute verdade - Ora natildeo descobriu na medida no

caacutelculo e na pesagem excelentes preventivos contra tais ilusotildees de tal modo

que o que prevalece em noacutes natildeo eacute a aparecircncia de grandeza ou de pequeneza

de quantidade ou de peso mas antes o julgamento de quem contou mediu e

pesou - Como natildeo (Repuacuteblica X 602 c-d) 169

Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees da traduccedilatildeo para o francecircs de Jean- Pierre Vernant InVERNANT Jean-

Pierre Nascimento de Imagens p 60 In COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio

de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoQuel but se propose la peinture relativement agrave chaque objet Est-ce de repreacutesenter ce qui est tel quil est ou

ce qui paraicirct tel quil paraicirct (to phainomenon hocircs phainetai) Est-ce limitation de lapparence ou de la reacutealiteacute

mdash De lapparence dit-il mdash Lart dimiter (hecirc mimecirctikecirc) est donc bien eacuteloigneacute du vrai et sil peut tout exeacutecuter

cest quil ne touche quune petite partie de chaque chose et cette partie nest quimage (eidocirclon)(Reacutep 598 b-

c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois

Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112-113)] 168

Traduccedilatildeo PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo

Satildeo Paulo Perspectiva 2012

Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον πότερα πρὸς τὸ ὄν ὡς ἔχει

μιμήσασθαι ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον ὡς φαίνεται φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις - Φαντάσματος ἔφη

- Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί ὡς ἔοικεν διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται ὅτι σμικρόν τι

ἑκάστου ἐφάπτεται καὶ τοῦτο εἴδωλον Οἷον ὁ ζωγράφος φαμέν ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον τέκτονα τοὺς

ἄλλους δημιουργούς [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν ἀλλrsquo ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας

ἀνθρώπους εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς

ἀληθῶς τέκτονα εἶναι

169

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012

92

Portanto apesar de outras passagens do diaacutelogo A Repuacuteblica como no livro III (373 b

44-8) que discorrem sobre a pintura como sendo produto da miacutemesis eacute no Livro X que Platatildeo

discorre longamente sobre o problema da pintura levantando dois pontos o primeiro eacute a

definiccedilatildeo de pintura como aparecircncia afirmando que a pintura natildeo imita a realidade mas sim

imita a aparecircncia de realidade O segundo ponto decorre do primeiro se a pintura eacute aparecircncia

se o pintor natildeo conhece verdadeiramente o que imita estaacute longe da verdade170

e a pintura

logo eacute ilusatildeo eacute engano

Logo o que fica claro a partir da leitura dos trechos da Repuacuteblica destacados acima eacute

que Platatildeo natildeo entende a miacutemesis como uma servil duplicaccedilatildeo da realidade tampouco a

pintura enquanto decorrente da miacutemesis

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo

O conceito de phantasia - em correspondecircncia ao conceito de miacutemesis - tal como se

encontra no diaacutelogo platocircnico O Sofista eacute outro ponto chave para o estudo do papel da

imitaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o estatuto ontoloacutegico da pintura proposto pela Teoria da

Formatividade Ademais a proposiccedilatildeo acerca da correlaccedilatildeo entre miacutemesis e phantasiacutea

formulada por Platatildeo no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu

diaacutelogo o Craacutetilo Portanto haacute que se recorrer agrave leitura destes outros diaacutelogos para entender

como Platatildeo pensava a problemaacutetica da pintura relacionada agrave miacutemesis

Ou seja tambeacutem no Sofista Platatildeo discorreu sobre a ideia de miacutemesis no entanto

aqui neste diaacutelogo ele propotildee o entendimento da miacutemesis como um tipo de produccedilatildeo

Τοῦ τοιοῦδε ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται - Οὐ γάρ -

Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ

χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ

παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι

πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί - Ἀληθῆ -῏Αρrsquo οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς

αὐτὰ ἐφάνησαν ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον ἀλλὰ τὸ

λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν - Πῶς γὰρ οὔ

170

Trecircs vezes longe da verdade quando se expotildee a distinccedilatildeo entre a cama como modelo primeiro isto eacute a ideia

de cama a segunda seria a cama fabricada e a terceira a pintura da cama para mostrar o quanto a imagem

pictoacuterica estaria longe da verdade no entendimento de Platatildeo e seria portanto uma ilusatildeo enganadora (Cf

Repuacuteblica X 597 a ndash 598)

93

(poiacuteesis) de imagens (eiacutedola) e incluiu a pintura como parte desta produccedilatildeo de imagens que

seriam ldquosegundos objetos iguaisrdquo

E ainda Platatildeo definiu a imagem (eiacutedolon) distinguindo-a em dois tipos um eacute a

imagem do tipo eiacutekones (coacutepias- iacutecones) e o outro eacute a imagem do tipo fanthaacutesmata

(simulacros-fantasmas) 171

Ou seja nos escritos de Platatildeo haacute uma passagem do Sofista onde

Platatildeo faz uma distinccedilatildeo entre os dois tipos de ldquoproduccedilatildeo de imagensrdquo [eiacutedocirclopoiikeacutes] uma

seria a ldquoarte da coacutepiardquo [eἰkastikeacuten] quando a imagem eacute fruto da imitaccedilatildeo do modelo tal como

ele eacute e portanto esta seria uma imitaccedilatildeo fidedigna E a outra que Platatildeo chamou de ldquoarte da

fantasiardquo [fantastikeacuten] perante a qual a produccedilatildeo da imagem natildeo eacute servil ao modelo mas sim

agrave aparecircncia do modelo que ateacute mesmo distorce as medidas reais em favor da aparecircncia para

produzir uma ilusatildeo e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareccedila aquilo que

natildeo eacute mas apenas parece ser Platatildeo O Sofista (236 b-c-d)

Estrangeiro mdash Ora natildeo eacute neste caso que se encontra uma grande parte da

pintura e da mimeacutetica em seu todo Teeteto mdash Sem duacutevida Estrangeiro mdash

Mas agrave arte que em lugar de uma coacutepia produz um simulacro natildeo caberia

perfeitamente o nome de arte do simulacroTeeteto-mdash Sim perfeitamente

Estrangeiro-mdash Aiacute estatildeo as duas formas que te anunciei da arte que produz

imagens a arte da coacutepia e a arte do simulacro Teetetomdash Isso mesmo 172

171

Seguindo aqui os termos equivalentes portuguecircsndashgrego a partir das traduccedilotildees propostas por Vernant como

neste texto ldquo[] a distinccedilatildeo que opera o Sofista entre duas formas de mimeacutetica ou de fabricaccedilatildeo de imagens

(eidolopoiikeacute) ndash a primeira produzindo coacutepias-iacutecones (eikoacutenes) semelhantes a seus modelos dos quais

reproduzem as proporccedilotildees reais a segunda produzindo ao contraacuterio simulacros-fantasmas (phantaacutesmata) que

sacrificam as proporccedilotildees exatas para substituiacute-las com suas figuras por aquelas que provocam ilusatildeo aos

olhos dos espectadores []rdquo (VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens p 59-60 In COSTA LIMA

Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquo[] la distinction quopegravere Le Sophiste entre deux formes de mimeacutetique ou de fabrication dimages

(eidocirclopoiikecirc) la premiegravere produisant des copies-icocircnes (eikones) ressemblant agrave leurs modegraveles dont elles

reproduisent les proportions reacuteelles la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes

(phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer dans leurs figures celles qui feront

illusion aux yeux des spectateurs []rdquo(Sophiste 235 e 236 c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In

_____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112)]

172

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991

Ξένος - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν

Θεαίτητος - Πῶς δ οὔ Ξένος -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ οὐ φανταστικὴν

ὀρθότατ ἂν προσαγορεύοιμεν Θεαίτητος -Πολύ γε Ξένος - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς

εἰδωλοποιικῆς εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν Θεαίτητος - Ὀρθῶς

94

Portanto na citada passagem fica claro que haacute um entendimento que a produccedilatildeo de

imagens incluindo a pictoacuterica natildeo se resume a um mero exerciacutecio de coacutepia servil e fiel a um

suposto modelo pois o filoacutesofo grego pressupotildee uma produccedilatildeo de imagem natildeo fidedigna ao

modelo e ainda diz ser esta a praacutetica comum Segue uma reflexatildeo de Pareyson sobre o

assunto

Se portanto a arte mimeacutetica eacute a arte de produzir imagens (eidocircla) que eacute

imitaccedilatildeo (mimeacutemata) e semelhanccedila (homoiocircmata) de um modelo haacute duas

espeacutecies de imagens a coacutepia (eikoacuten) assim chamada porque copia

exatamente (eacuteoike) e a aparecircncia (phaacutentasma) assim chamada porque

parece (phaiacutenetai) que copia Platatildeo acrescenta que a arte fantaacutestica eacute muito

mais ampla que a arte icaacutestica sobretudo na pintura e em geral em todas as

artes mimeacuteticas A imagem em quanto natildeo ser eacute falsidade o problema da

imitaccedilatildeo se reconecta com o do erro 173

Portanto Platatildeo ao marcar que estas imagens satildeo apenas as aparecircncias das coisas e natildeo

as coisas mesmas admite que as imagens estejam num ldquoestranho jogordquo entre o ldquoserrdquo e o ldquonatildeo

serrdquo como tambeacutem identifica as imagens como falsidades Abaixo segue outro trecho do

citado diaacutelogo

Estrangeiro mdash O que haacute de comum entre todos esses objetos que tu dizes

serem muacuteltiplos mas que honras por um uacutenico nome que eacute o nome de

imagem e que entendes como uma unidade sobre todos eles Fala agora e

sem permitir-lhe vantagem alguma repele o adversaacuterio Teeteto mdash Que

outra definiccedilatildeo dariacuteamos agrave imagem estrangeiro se natildeo a de um segundo

objeto igual copiado do verdadeiro Estrangeiro mdash Teu segundo objeto

igual significa um objeto verdadeiro ou entatildeo que queres dizer com esse

igual Teeteto mdash De forma alguma um verdadeiro certamente mas um

que com ele se pareccedila Estrangeiro mdash Mas por verdadeiro tu entendes um

173

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoSe dunque larte mimetica egrave larte di produrre immagini (εἰδωλα) che sono imitazioni (μιμήματα) e

somiglianza (ὁμοιώματα) dun modello vi saranno due specie dimmagini la copia (εἰκών) cosigrave detta percheacute

copia esattamente (ἔοικε) e la parvenza (φάντασμα) cosigrave detta percheacute pare (φαίνεται) che copi Platone

aggiunge che larte fantastica egrave molto piugrave estesa dellicastica soprattutto nella pittura e in genere in tutte le arti

mimetiche Limmagine in quanto pare senza essere egrave falsitagrave il problema dellimitazione si ricollega con quello

dellerrorerdquo

95

ser real Teeteto mdashCertamente Estrangeiro mdash Entatildeo Por natildeo-verdadeiro

tu entendes o contraacuterio do verdadeiro Teeteto mdash Certamente Estrangeiro

mdash O que parece eacute pois para ti um natildeo-ser irreal pois o afirmas natildeo

verdadeiro Teetetomdash Entretanto haacute algum ser Estrangeiro mdash Em todo o

caso natildeo um ser verdadeiro eacute o que dizes Teeteto mdash Certamente natildeo

ainda que ser por semelhanccedila seja real Estrangeiro mdashAssim pois o que

chamamos semelhanccedila eacute realmente um natildeo-ser irreal Teeteto mdash Temo que

em tal entrelaccedilamento que o ser se enlace ao natildeo-ser de maneira a mais

estranha (Sofista 240 a)174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platatildeo

A imagem portanto consiste em ser e natildeo ser eacute enquanto eacute em si mesma e

natildeo eacute enquanto natildeo eacute o objeto imitado A imagem isto eacute traz em si mesma

a alteridade e a identidade eacute outra do objeto imitado embora natildeo seja

totalmente diferente se assimila ao objeto imitado mesmo natildeo sendo

totalmente igual ou seja idecircntica a ele A semelhanccedila portanto consiste em

uma siacutentese de alteridade e identidade O fundamento da alteridade eacute a

mateacuteria qual se representa o objeto imitado o fundamento da identidade eacute o

ato de assimilaccedilatildeo que impede a imagem de ser diversa ainda que seja outra

do modelo175

174

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa mdash 5 ed mdash Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς

ἓν ὄν λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα Θεαίτητος Τί δῆτα ὦ ξένε εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι

πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν ἢ ἐπὶ

τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε ἀλλ ἐοικὸς μέν Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως

ὂν λέγων Θεαίτητος Οὕτως Ξένος Τί δέ Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ ἐναντίον ἀληθοῦς Θεαίτητος Τί μήν Ξένος

Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς Θεαίτητος Ἀλλ ἔστι γε μήν πως

Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε φῄς Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν πλήν γ εἰκὼν ὄντως Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως

ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ

ὄντι καὶ μάλα ἄτοπον

175

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 33

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLimmagine perciograve consta di essere e non essere egrave in quanto egrave se stessa non egrave in quanto non egrave loggetto

imitato Limmagine cioegrave reca in seacute lalteritagrave e lidentitagrave egrave altra dalloggetto imitato pur non essendone del

tutto diversa si assimila alloggetto imitato pur non essendogli del tutto eguale e cioegrave identica con esso La

somiglianza dunque consiste in una sintesi di alteritagrave e identitagrave Il fondamento dellalteritagrave egrave la materia nella

quale si rappresenta loggetto imitato il fondamento dellidentitagrave egrave latto di assimilazione che impedisce

allimmagine dessere diversa pur essendo altra dal modellordquo

96

Na passagem acima Pareyson discorre acerca do problema da semelhanccedila e da

subordinaccedilatildeo da imagem para com seu modelo e ao mesmo tempo levanta a questatildeo de que a

imagem mesmo parecida com o modelo nunca seraacute o modelo pois sempre haveraacute um

aspecto de alteridade na imagem E eacute exatamente esta aparente contradiccedilatildeo que a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver

pois mesmo sendo coacutepia a imagem tem autonomia com relaccedilatildeo ao modelo inclusive a

imagem pictoacuterica como explica Pareyson

Evidentemente o problema natildeo eacute o de corroborar se a imagem artiacutestica tem

ou natildeo relaccedilotildees com a natureza [] o essencial eacute que a imagem artiacutestica seja

acabada na sua estrutura autocircnoma Que a arte copie ou transfigure o

essencial eacute que ela ldquofigurerdquo que a arte deforme ou transforme o essencial eacute

que ela ldquoformerdquo176

Ademais Platatildeo disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como

um sonho acordado como um reflexo (Sofista 239 c-d177

e 266c178

) reiterando esse

entendimento da imagem pictoacuterica como um ldquonatildeo serrdquo e como uma ilusatildeo

176

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoIl problema evidentemente non egrave di assodare se limmagine artistica abbia o non

abbia rapporti con la natura Sul piano della poetica si potragrave discutere se larte debba copiare o deformare e

sul piano della critica si potragrave caratterizzare in tali modi una determinata forma darte ma sul piano

dellestetica lessenziale egrave che limmagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura Che larte

raffiguri o trasfiguri lessenziale egrave chessa laquofiguriraquo che larte deformi o trasformi lessenziale egrave chessa

laquoformiraquordquo (PAREYSON Luigi I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

177

ldquoEstrangeiro mdash Em consequecircncia se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro o emprego de tais

foacutermulas lhe tornaria faacutecil a resposta Facilmente ele voltaria contra noacutes as nossas foacutermulas e quando o

chamaacutessemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que afinal de contas chamamos de imagens

Devemos pois procurar Teeteto o que se poderia responder com acerto a este espertalhatildeo Teeteto- mdash

Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das aacuteguas e dos espelhos as imagens pintadas ou

gravadas e todas as demais da mesma espeacutecierdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν

λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν

ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν Σκοπεῖν οὖν ὦ Θεαίτητε χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ

ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα ἔτι καὶ τὰ

γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ ἔσθ ἕτερα

178

PLATAtildeO Sofista 266c ldquoEstrangeiromdash Mas que diremos de nossa arte humana Natildeo afirmaremos que

pela arte do arquiteto se cria uma casa real e pela arte do pintor uma outra casa espeacutecie de sonho

apresentado pela matildeo do homem a olhos despertosrdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

97

E por fim no Craacutetilo Platatildeo tambeacutem disserta sobre a imagem pictoacuterica repetindo tal

como no Sofista o entendimento que haacute uma distacircncia e uma diferenccedila entre a imagem

produzida pela arte e seu suposto modelo isto eacute ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal

como ele realmente eacute na sua totalidade natildeo seria uma imagem mas sim a coisa mesma

Soacutecrates - [] Vecirc se tenho razatildeo Se fossem postos juntos dois objetos

diferentes Craacutetilo e a imagem de Craacutetilo e uma divindade natildeo imitasse

apenas a tua figura e tua cor como fazem os pintores mas formasse todas as

entranhas iguais agraves tuas emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e

calor aleacutem de movimento alma e raciociacutenio tal como haacute em ti em uma

palavra tudo exatamente como eacutes e colocasse ao teu lado essa duplicata de

ti mesmo tratar-se-ia de Craacutetilo e uma imagem de Craacutetilo ou de dois

Craacutetilos Craacutetilo - Quer parecer-me Soacutecrates que seriam dois Craacutetilos

(Craacutetilo 432 b-c) 179

Pareyson analisando algumas passagens do citado diaacutelogo conclui

Reconectando o problema da imitaccedilatildeo com o problema do erro Platatildeo

retoma do Sofista o problema no Craacutetilo [] Consequentemente o

semelhante natildeo eacute nem o totalmente outro isto eacute o diverso nem eacute totalmente

igual isto eacute idecircntico [] 180

Portanto pode-se concluir que tanto no Sofista no Craacutetilo quanto na Repuacuteblica

Platatildeo aponta para a relaccedilatildeo entre modelo miacutemesis [imitaccedilatildeo] imagem distinguindo de um

Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην ἆρ οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν γραφικῇ δέ τιν ἑτέραν

οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν

179

Traduccedilatildeo PLATAtildeO Teeteto e Craacutetilo Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes 3ordfed Beleacutem EDUFPA 2001

Σωκράτης - [] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ltᾖgt ἡ ὀρθόθς ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ

παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω Ἆρ᾽ ἂν δύο

πράγματα εἴη τοιάδε οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα

ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά καὶ μαλακόθτας

[432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς

καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν

Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον ἢ δύο Κρατύλοι Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν ὦ Σώκρατες Κρατύλοι

180

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoRicollegando il problema dellimitazione col problema dellerrore Platone riprende nel Sofista il problema

del Cratilo []Quindi il simile non egrave neacute il totalmente altro e cioegrave il diverso neacute il totalmente eguale cioegrave

lidentico[]rdquo

98

lado a coisa e de outro a pintura Entretanto como a imagem natildeo eacute um duplo do modelo

esta pressupotildee um espectador que a apreenda que a identifique e que a julgue Como expotildee

Pareyson

A imitaccedilatildeo implica trecircs elementos o objeto imitado que eacute o modelo em

relaccedilatildeo ao qual se julga a imitaccedilatildeo uma mateacuteria que eacute o meio no qual se

concebe e se representa o objeto imitado um ato de assimilaccedilatildeo isto eacute o

que torna a imagem aproximada ao objeto imitado 181

Portanto pode-se dizer que eacute por isso que Platatildeo idenfica o perigo que imagem pode

acarretar pois o espectador poderia incorrer no erro de natildeo entender que a imagem eacute ilusatildeo e

apenas aparecircncia da coisa e natildeo a coisa mesma Nesse sentido eacute esta relaccedilatildeo triacuteplice que

define a pintura enquanto imagem e natildeo apenas a relaccedilatildeo dupla imitaccedilatildeo-modelo pois o

espectador eacute quem identifica e interpreta a imagem mesmo que este espectador seja o proacuteprio

artiacutefice da obra Interessante que esta identificaccedilatildeo do espectador como o terceiro veacutertice da

cadeia produtiva da obra de arte estaacute igualmente presente em outro diaacutelogo de Platatildeo o Iacuteon

(535d -536a) 182

o que demonstra o quanto Platatildeo se preocupou com a questatildeo de como a

imagem eacute recepcionada e interpretada

E ainda a partir das leituras dos trechos tanto da Repuacuteblica como nas passagens do

Sofista e do Craacutetilo citados anterioremente tambeacutem se pode afirmar que Platatildeo mostra que a

imagem pictoacuterica tem uma significativa diferenccedila com relaccedilatildeo ao modelo ganhando uma

autonomia que Platatildeo via de maneira negativa pois nunca eacute uma imitaccedilatildeo fiel da coisa

181

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

33 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLimitazione

implica tre elementi loggetto imitato che egrave il modello in rapporto al quale si giudica dellimitazione una

materia chegrave il mezzo nel quale si rende e si rappresenta loggetto imitato un atto dassimilazione chegrave ciograve che

rende limmagine vicina alloggetto imitatordquo

182

Soacutec Sabes entatildeo que o proacuteprio espectador eacute o uacuteltimo dos aneacuteis de que eu falava a receber o poder que

sob o efeito da pedra de Heacutercules (536) passa de um para o outro O do meio eacutes tu rapsodo e o ator e o

primeiro eacute o proacuteprio poeta O Deus atraveacutes de todos eles dirige a alma dos homens para onde quiser fazendo

passar o poder de uns para os outros[]rdquo (Traduccedilatildeo PLATAtildeO Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) e sobre a

mentira (Hiacutepias Menor) Trad de Porto Alegre LampPM Pocket 2007)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς

Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής ὁ δὲ

πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων

ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν[]

99

sempre se configura como outro mas que tanto Aristoacuteteles como Pareyson veratildeo de maneira

positiva como discorre Pareyson

Platatildeo reconhece que este mundo da arte eacute ldquooutrordquo do objeto imitado

todavia tal ldquoalteridaderdquo eacute na compreensatildeo dele ldquoinferioridaderdquo derivada de

uma transposiccedilatildeo de ldquomateacuteriardquo diversa e natildeo como criaccedilatildeo de um mundo

novo devido agrave originalidade do artista183

Embora Platatildeo entenda que isto faccedila da pintura uma falsidade uma ilusatildeo atribuindo agrave

produccedilatildeo de imagens pictoacutericas uma ldquonegatividaderdquo e condenando-as como por exemplo se

vecirc na Repuacuteblica E apesar da condenaccedilatildeo da imagem pictoacuterica contida em alguns diaacutelogos de

Platatildeo o reconhecimento de que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica nunca eacute fiel ao modelo abre

a discussatildeo sobre o significado da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo nestes diaacutelogos mostrando que

esta eacute uma questatildeo latente em Platatildeo e continua fundamental ateacute hoje como expotildee Pareyson

[] uma primeira referecircncia agrave atividade positiva do artista pode-se encontrar

na arte ldquofantaacutesticardquo a semelhanccedila produzida da arte fantaacutestica eacute aparecircncia

que altera o objeto em vista da exigecircncia do espectador Trata-se sim de

uma falsificaccedilatildeo do real e de um engano em que se atrai o espectador e este

eacute o lado negativo da concepccedilatildeo platocircnica mas se trata ainda de uma

elaboraccedilatildeo intencional da realidade e este eacute o primeiro aceno positivo de um

princiacutepio de abstraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao objeto representado Vecirc-se portanto

em Platatildeo um primeiro reconhecimento da ldquoautonomiardquo do mundo da arte

mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como ldquoalteridaderdquo e

que seja ldquodegeneraccedilatildeordquo devido agrave presenccedila da ldquomateacuteriardquo e seja um

ldquoenganordquo184

183

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 34

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoPlatone riconosce che il mondo dellarte egrave laquoaltroraquo dalloggetto imitato senoncheacute tale laquoalteritagraveraquo egrave intesa da lui

come laquoinferioritagraveraquo derivante da una trasposizione di una laquomateriaraquo diversa e non come creazione di un mondo

nuovo dovuto alloriginalitagrave dellartistardquo

184

(Traduccedilatildeo nossa) Ibidem p 34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 ldquoUn primo accenno allattivitagrave positiva dellartista si puograve invece rinvenire nellarte

fantastica la somiglianza prodotta dallarte fantastica egrave parvenza che altera loggetto in vista dellesigenza

dello spettatore Si tratta sigrave duna falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore e questo

egrave il lato negativo della concezione platonica ma si tratta anche duna elaborazione intenzionale della realtagrave e

questo egrave il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto alloggetto rappresentato Vegrave dunque in

Platone un primo riconoscimento dellrsquolaquoautonomiaraquo del mondo dellarte anche se tale autonomia viene intesa

come laquoalteritagraveraquo chegrave laquodegenerazioneraquo dovuta alla presenza della laquomateriaraquo e a un laquoingannoraquordquo

100

Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Craacutetilo eacute a demarcaccedilatildeo da

diferenccedila entre os conceitos ainda hoje pertinentes imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois se de um

lado a imitaccedilatildeo pode ser identificada com o conceito de miacutemesis e para Platatildeo quanto mais

fiel ao modelo melhor por outro lado o conceito de imaginaccedilatildeo pode ser identificado com o

conceito de phantasiacutea jaacute que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica parte de uma interpretaccedilatildeo de

um suposto modelo e natildeo soacute do artista mas tambeacutem como propotildee Platatildeo resulta numa

interpretaccedilatildeo do proacuteprio espectador

Logo Platatildeo no Craacutetilo e no Sofista ao propor uma ligaccedilatildeo quase indissociaacutevel entre

imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois ambos estariam abarcados no proacuteprio conceito de miacutemesis que

neste caso natildeo pode ser entendida como imitaccedilatildeo no sentido de mera coacutepia define o conceito

de arte como representaccedilatildeo no sentido de phantasiacutea como produto da interpretaccedilatildeo do

modelo pelo artista e natildeo apenas a arte como mera imitaccedilatildeo Sobre esta tese Pareyson

discorre

A arte como interpretaccedilatildeo da realidade para representar [rappresentare] eacute

conceito que se apresenta em todo o curso da histoacuteria da esteacutetica e Platatildeo

nos daacute neste ponto um primeiro vislumbre Com tal conceito se derruba a

concepccedilatildeo de arte como semelhanccedila [somiglianza] esteacutetica e passiva a

semelhanccedila mesma torna-se esforccedilo de assimilaccedilatildeo e assim implica o

artista numa atividade original comprometida em penetrar no modelo para

apreender a sua natureza iacutentima185

34 ldquoPositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles

No capiacutetulo I discorreu-se sobre uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles onde estaacute

explicitado que a teacutekhne [arte] eacute imitaccedilatildeo [miacutemesis] da phyacutesis [natureza] usando aqui os

termos advindos destas leituras No cap II refletiu-se que a partir do conceito de ldquoorganismordquo

que Pareyson identifica em vaacuterios textos aristoteacutelicos concluiu-se que a arte eacute imitaccedilatildeo da

185

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLarte come

interpretazione della realtagrave da rappresentare egrave concetto che si presenta in tutto il corso della storia dellestetica

e Platone ne dagrave a questo punto un primo accenno Con tal concetto si rovesceragrave la concezione dellarte come

somiglianza statica e passiva la somiglianza stessa diventa sforzo dassimilazione e quindi implica nellartista

unattivitagrave originale intesa a penetrare il modello per coglierne lintima naturardquo

101

natureza mas natildeo enquanto coacutepia fiel e sim como complemento e preenchimento do que a

natureza natildeo produz trazendo assim o novo Nas palavras de Pareyson

Sendo assim as coisas o verdadeiro significado da concepccedilatildeo tradicional de

arte como imitaccedilatildeo da natureza eacute aquele jaacute muitas vezes emergido da

esteacutetica pelo qual a arte opera como a natureza isto eacute produz objetos com

uma estrutura unitaacuteria coisa entre coisas organismos autocircnomos formas

vivas 186

Isto eacute a partir dessa constataccedilatildeo que a arte mimeacutetica eacute pensada como incremento da

natureza e a renova logo pode-se afirmar que a arte eacute preenchimento do que falta eacute a

presenccedila da ausecircncia Neste sentido a arte enquanto miacutemesis eacute a presenccedila do ausente (outro)

e natildeo a repeticcedilatildeo de outro presente (modelo) portanto mesmo que haja um modelo o produto

advindo da teacutecnica-arte eacute sempre outro sempre novo podendo reivindicar autonomia

ontoloacutegica com relaccedilatildeo ao suposto objeto referente E como completa Pareyson ldquoFazer arte

significa em primeiro lugar realizar eacute soacute secundariamente que ela eacute significaccedilatildeo ou

imitaccedilatildeo ou qualquer outra coisardquo 187

Todavia como se mostrou anteriormente quando Aristoacuteteles discorre sobre Arte natildeo

diz das Artes em strictu sensu como definimos hoje mas de toda e qualquer produccedilatildeo

humana incluindo as Artes em geral Entretanto na Poeacutetica Aristoacuteteles discorre

especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente e diferente de Platatildeo expotildee a

atividade da miacutemesis de forma positiva

Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto miacutemesis Aristoacuteteles elenca dois

argumentos a favor da miacutemesis um que a miacutemesis eacute congecircnita ao homem e faz parte de sua

natureza e o outro que a miacutemesis gera prazer justamente por ser congecircnita e mais ainda por

proporcionar o aprendizado nas palavras dele da Poeacutetica

186

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p70 ldquoCosigrave stando le cose il vero significato della concezione tradizionale dellarte come

imitazione della natura egrave quello giagrave spesso emerso nella storia dellestetica per cui larte opera come la natura

cioegrave produce oggetti con una struttura unitaria cose fra cose organismi autonomi forme viventirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p264 )

187

Ibidem Op cit p69 ldquoFar arte significa anzitutto realizzare solo secondariamente essa egrave signilicazione o

espressione o raffigurazione o altro che siardquo(Ibidem Op cit p264 )

102

Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar eacute

congecircnito no homem (e nisso difere dos outros viventes pois de todos eacute ele

o mais imitador e por imitaccedilatildeo aprende as primeiras noccedilotildees) e os homens

se comprazem no imitado Sinal disto eacute o que acontece na experiecircncia noacutes

contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas

que olhamos com repugnacircncia por exemplo [as representaccedilotildees de] animais

ferozes e [de] cadaacuteveres Causa eacute que o aprender natildeo soacute muito apraz aos

filoacutesofos mas tambeacutem igualmente aos demais homens se bem que menos

participem dele Efetivamente tal eacute o motivo por que se deleitam perante as

imagens olhando-as aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma

delas [e diratildeo] por exemplo este eacute tal Porque se suceder que algueacutem natildeo

tenha visto o original nenhum prazer lhe adviraacute da imagem como imitada

mas tatildeo-somente da execuccedilatildeo da cor ou qualquer outra causa da mesma

espeacutecie (Poeacutetica 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitaccedilatildeo que eacute repetido natildeo soacute na Poeacutetica mas tambeacutem em outros

textos eacute que o que gera prazer natildeo eacute a miacutemesis apenas enquanto imitaccedilatildeo pois a miacutemesis natildeo

eacute imitaccedilatildeo de outro igual mas e sobretudo eacute complemento do que falta Portanto Aristoacuteteles

aponta que o proporciona prazer estaacute no ldquobem fazerrdquo da teacutekhne [arte] como fica claro nesta

passagem da Retoacuterica

188

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural

1973 1450 a ou sect33 p 448

Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι

σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς

μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας Σημεῖον δὲ τούτου τὸ

συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργωνmiddot ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας

χαίρομεν θεωροῦντες οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν Αἴτιον δὲ καὶ τούτου ὅτι μανθάνειν

οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ Διὰ

γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον

οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνοςmiddot ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν

ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν[20]

Outra traduccedilatildeo ldquoDas coisas que por elas proacuteprias vemos de maneira dolorosa destas provamos prazer

ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas como por exemplo configuraccedilotildees (μορφάς)

dos bichos mais despreziacuteveis e dos cadaacuteveres A causa disso eacute o fato de que aprender [ou compreender]

(μανθάνειν) eacute coisa prazerosiacutessima natildeo soacute para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira

semelhante tambeacutem para os outros ainda que participem disso por breve tempo Por isso com efeito gostam de

ver as imagens (είκόνας) jaacute que acontece que contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou compreendam] e

raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que eacute cada coisa (τί ἓκαστον ) como por exemplo que este eacute aquele (οὗτος

ἑκεῖνος) Porque caso aconteccedila nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) natildeo uma imitaccedilatildeo (οὐχὶ μίμημα)

[sem a emendatio de Hermann [1802] (p 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) natildeo enquanto imitaccedilatildeo presente em muitas

ediccedilotildees] produziraacute o prazer e sim por causa da execuccedilatildeo ou da cor ou de uma outra causa parecida (Poeacutetica

4 1448b 10-19) (ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de

Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro

de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 96)

103

E como aprender e admirar eacute agradaacutevel necessaacuterio eacute tambeacutem que o sejam as

coisas que possuem estas qualidades por exemplo as imitaccedilotildees como as da

pintura da escultura da poesia e em geral todas as boas imitaccedilotildees mesmo

que o original natildeo seja em si mesmo agradaacutevel pois natildeo eacute o objeto retratado

que causa prazer mas o raciociacutenio de que ambos satildeo idecircnticos de sorte que

o resultado eacute que aprendemos alguma coisa (Retoacuterica 1371 b 4) 189

Essa questatildeo apontada na passagem acima por Aristoacuteteles de que o prazer ao ver uma

pintura natildeo eacute necessariamente o prazer de identificar o modelo mas sim o prazer de

identificar a imagem mesma enquanto imagem retomando assim o entendimento da

definiccedilatildeo de Arte como produccedilatildeo [poiacuteesis]

E a partir deste ponto encontra-se outra chave para o diaacutelogo que Pareyson

estabeleceu com a filosofia aristoteacutelica e que se relaciona com a distinccedilatildeo entre modelo e

ldquoformardquo proposta na Teoria da Formatividade ldquoformardquo aqui identificada com a imagem

pictoacuterica e escultoacuterica Nas palavras de Pareyson

Sem insistir agora sobre o caraacuteter intelectualiacutestico que seria de tal modo

atribuiacutedo ao prazer esteacutetico eacute indubitaacutevel que esta distinccedilatildeo aristoteacutelica entre

o objeto imitado e a imitaccedilatildeo bem feita eacute uma primeira menccedilatildeo agrave teoria

moderna da indiferenccedila ao conteuacutedo e da relevacircncia esteacutetica da

representaccedilatildeo em si mesma Colocar ecircnfase sobre a representaccedilatildeo ao inveacutes

do conteuacutedo eacute um convite para considerar a obra de arte em si mesma como

um mundo em si que eacute autocircnomo em relaccedilatildeo aquele a partir do qual se

extrai a inspiraccedilatildeo para a representaccedilatildeo mesma190

189

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Junior Paulo Farmhouse

Alberto e Abel do nascimento Pena 3ordf ed Lisboa Centro de Estudos Claacutessicos da Universidade de Lisboa

Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda 2006 Livro 1 Cap1123 p138

ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι οἷον τό τε μιμούμενονὥσπερ

γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον οὐ

γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει

190

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009)

ldquoSenza insistere ora sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico egrave

indubitato che questa distinzione aristotelica fra loggetto imitato e limitazione ben fatta egrave un primo accenno

alla teoria moderna dellindifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione Il

porre laccento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto egrave un invito a considerare lopera darte in seacute come

un mondo a seacute chegrave autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesimardquo

104

Pois esta descriccedilatildeo da Poeacutetica de que a imagem gera prazer independente do motivo

possibilita a definiccedilatildeo da imagem como autocircnoma com relaccedilatildeo ao modelo e ainda

igualmente autocircnoma da proacutepria noccedilatildeo de identidade e semelhanccedila Outro ponto que a

separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de arte e de coacutepia permite vislumbrar eacute a proacutepria ideia de

originalidade que a arte carrega desde o romantismo ateacute hoje que Pareyson identifica como

tenho o seu iniacutecio embrionaacuterio aqui mesmo tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles nas

palavras do filoacutesofo italiano

Eacute a primeira menccedilatildeo a uma concepccedilatildeo positiva da autonomia do mundo da

arte autonomia que jaacute havia sido reconhecida por Platatildeo a qual todavia

tinha sido concebida negativamente Trata-se do caminho de reconhecer uma

ampla margem para a atividade original do artista para ir aleacutem do caraacuteter

extriacutenseco da referecircncia da imagem ao modelo A relaccedilatildeo de semelhanccedila eacute

ainda concebida como extriacutenseca a obra de arte mas apoacutes o convite para se

considerar a representaccedilatildeo em si mesma natildeo se tardaraacute a seguinte concepccedilatildeo

da semelhanccedila como esforccedilo subjetivo e original de objetividade e de

fidelidade ao real191

E por fim haacute ainda outra uma passagem da Poeacutetica que expotildee mais um ponto

fundamental para entender como Aristoacuteteles entendia os meandros e complexidades da

miacutemesis onde ele expotildee que a relaccedilatildeo da arte como imitaccedilatildeo estaacute atrelada ao conceito de

verossimilhanccedila ldquoO poeta eacute imitador como o pintor ou qualquer outro imaginaacuterio por isso

sua imitaccedilatildeo incidiraacute num destes trecircs objetos coisas quais eram ou quais satildeo quais os outros

dizem que satildeo ou quais parecem ou quais deveriam serrdquo (Poeacutetica 1460b 8-10) 192

191

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

35-36 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoEgrave il

primo accenno a una concezione positiva dellautonomia del mondo dellarte autonomia chera giagrave stata

riconosciuta da Platone il quale tuttavia laveva concepita negativamente Si egrave sulla strada di riconoscere un

ampio margine allattivitagrave originale dellartista e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento

dellimmagine al modello Il rapporto di somiglianza egrave ancora concepito come estrinseco allopera darte ma

dopo linvito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderagrave a seguire la concezione della

somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettivitagrave e di fedeltagrave al realerdquo

192

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV

161 p468

Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων

τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ ἢ οἷα εἶναι δεῖ

105

Ora o conceito de verossimilhanccedila que eacute normalmente entendido no acircmbito da poesia

pode ser estendido agrave pintura jaacute que o proacuteprio Aristoacuteteles inicia este mesmo periacuteodo do texto

acima citado falando da pintura que assim como a poesia eacute arte imaginaacuteria Ainda outra

passagem da Poeacutetica esmiuacuteccedila o conceito de verossimilhanccedila ldquoPelas precedentes

consideraccedilotildees se manifesta que natildeo eacute ofiacutecio de poeta narrar o que aconteceu eacute sim o de

representar o que poderia acontecer quer dizer o que eacute possiacutevel segundo a verossimilhanccedila e

a necessidaderdquo (Poeacutetica 1451a 36) 193

No caso da imagem pictoacuterica pode-se substituir o

aconteciacutevel pelo possiacutevel como explica Pareyson

Ora o aconteciacutevel pode ser definido com relaccedilatildeo agrave realidade enquanto de

fato natildeo eacute acontecido e no que diz repeito a possibilidade enquanto

logicamente natildeo eacute impossiacutevel de acontecer Aristoacuteteles completa a foacutermula

dizendo ldquoo aconteciacutevel eacute o possiacutevelrdquo (καὶ τὰ δινατά) Portanto a histoacuteria

expotildee o acontecido e a poesia o possiacutevel194

Ou seja a teacutekhne [arte] atraveacutes da proacutepria atividade da miacutemesis novamente eacute

identificada como aquela que complementa e ateacute melhora o que jaacute existe Enquanto a

implicaccedilatildeo de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer e natildeo o que aconteceu

segundo a verossimilhanccedila deixa claro que a miacutemesis natildeo se refere agrave coacutepia mas agrave

interpretaccedilatildeo e agrave invenccedilatildeo Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poeacutetica de

Aristoacuteteles

Com efeito na poesia eacute de preferir o impossiacutevel que persuade ao possiacutevel

que natildeo persuade Talvez seja impossiacutevel existirem homens quais Zecircuxis os

pintou esses poreacutem correspondem ao melhor e o paradigma deve ser

superado E depois a opiniatildeo comum tambeacutem justifica o irracional aleacutem de

193

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 IX sect50

p 451

Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο

καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον

194

(traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Il Verisimile Nella Poeacutetica Di Aristotele ______Problemi dellrsquoesteacutetica

II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore 2000 p95

ldquoOra laccadibile puograve essere definito rispetto alla realtagrave in quanto di fatto non egrave accaduto e rispetto alla

possibilitagrave in quanto logicamente non egrave impossibile che accada Infatti Aristotele completa la formula dicendo laquo

lrsquoaccadibile egrave il possibileraquo (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1accaduto e la poesia il possibilerdquo

106

que agraves vezes irracional parece o que o natildeo eacute pois verossimilmente

acontecem coisas que inverossiacutemeis parecem (Poeacutetica 1461b) 195

E sobre as especificidades da ideia de arte como miacutemesis tanto em Platatildeo como

Aristoacuteteles Pareyson conclui

A definiccedilatildeo da arte como semelhanccedila em Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo se refere agrave

arte de uma miacutemesis fotograacutefica e especular quase como se ao artista natildeo

restasse outra atividade que a aplicaccedilatildeo de suas habilidades teacutecnicas e a arte

natildeo seria mais que imitaccedilatildeo servil e passiva Esta definiccedilatildeo baseia-se na

consciecircncia de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em

conciliar a fidelidade agrave realidade que parece ser inerente agrave representaccedilatildeo

com a irreprimiacutevel autonomia do mundo da arte O mundo da arte eacute um

mundo em si mesmo como entatildeo pode existir representaccedilatildeo de uma

realidade A resposta a esta questatildeo natildeo pode ser consistente em uma

concepccedilatildeo que confere um caraacuteter ativo na imitaccedilatildeo mesma mas sim se a

imitaccedilatildeo advenha de um esforccedilo subjetivo e original com o qual o artista

penetra e interpreta essa realidade que filtrada pelo seu subjetivo e original

modo de ver seraacute representada na obra de arte196

A partir da leitura do texto citado acima eacute possiacutevel vislumbrar a soluccedilatildeo da antiacutetese

entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo que Pareyson propotildee isto eacute a questatildeo natildeo eacute ser ou natildeo fiel ao

195

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV 36

ou IX sect 177 p 469

Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν Πρός τε γὰρ

τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόνmiddot τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν

ἀλλὰ βέλτιονmiddot τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν Πρὸς ἅ φασιν τἄλογαmiddot οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15]

ἐστινmiddot εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις

ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος

ὑποθῆται

196

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 36

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLa definizione dellarte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta larte a una mimesi

fotografica e speculare quasi che allartista non rimanga altra attivitagrave che lapplicazione della propria abilitagrave

tecnica e larte non sia che imitazione servile e passiva Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno

dei fondamentali problemi dellarte consiste nel conciliare la fedeltagrave al reale che sembra inerire alla

rappresentazione con linsopprimibile autonomia del mondo dellarte Il mondo dellarte egrave un mondo a seacute come

dunque puograve esser rappresentazione duna realtagrave La risposta a questa domanda non puograve consistere che in una

concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione sigrave che limitazione divenga lo sforzo

soggettivo e originale con cui lartista penetra e interpreta quella realtagrave che filtrata dal suo soggettivo e

originale modo di vedere saragrave rappresentata nellopera darterdquo

107

modelo mas eacute entender que Arte enquanto eacute miacutemesis eacute tambeacutem interpretaccedilatildeo e ldquoformardquo isto

eacute dotada de estatuto ontoloacutegico e autonomia

E portanto eacute tambeacutem nesse sentido que eacute legiacutetimo afirmar que miacutemesis tanto na

acepccedilatildeo platocircnica como no sentido aristoteacutelico natildeo pode ser definida como simplesmente

imitaccedilatildeo como bem expotildee Luiz Costa Lima

[] embora o Estagirita tenha usado miacutemesis a partir do contexto platocircnico

sua acepccedilatildeo diferiraacute a partir mesmo de sua distinta base ontoloacutegica Assim

como a forma se realiza na concreccedilatildeo da mateacuteria assim a miacutemesis se cumpre

na concreccedilatildeo de um miacutemema Mais do que nunca miacutemesis natildeo pode ser

tomada como imitatio Viacuteramos que isso natildeo seria correto sequer em Platatildeo

pois a imagem natildeo eacute o duplo da coisa a que se refere e porque eacute incapaz de

representar as Ideias A miacutemesis eacute sinocircnimo de um campo fantasmal eacute o

outro da sombra nem sequer a proacutepria sombra pois esta ainda supotildee um

corpo que a projeta Em Aristoacuteteles ao inveacutes a miacutemesis partilha das leis que

governam a physis eacute uma potencialidade (dynamis) que explode em um

produto (ergon) 197

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles

Para finalizar a anaacutelise sobre como Aristoacuteteles definiu a imagem pictoacuterica (pintura e

desenho) e suas especificidades no De Memoria et Reminiscentia [Da lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo] 198

quando discorre sobre a memoacuteria Aristoacuteteles expotildeem a relaccedilatildeo da imagem

pictoacuterica com a imagem imaginaacuteria ou apariccedilatildeo [phantasma] 199 fruto da imaginaccedilatildeo

197

COSTA LIMA Luiz Miacutemesis e modernidade Formas das sombras Rio de Janeiro Ed Graal 1980 p47

198

Segundo livro do Parva Naturalia de Aristoacuteteles

199

Sobre a traduccedilatildeo dos termos gregos e a equivalecircncia com conceitos aqui implicados Claudio Veloso explica

ldquolsquoImagemrsquo eacute a traduccedilatildeo corrente de Φάντασμα mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών enquanto Φάντασμα

lembro eacute sempre traduzido por mim com apariccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel natildeo confundir as duas noccedilotildees Ao

contraacuterio os comentadores tendem a esquecer que a comparaccedilatildeo sugerida por Aristoacuteteles natildeo eacute entre a

lembranccedila e a pintura - o que faria desta uacuteltima uma artificiosa memoacuteria (Rouveret [1989] p 303 s) O que eacute

comparado agrave pintura tout court eacute a apariccedilatildeo Φάντασμα A lembranccedila eacute comparada propriamente agrave imagem

εἰκώνrdquo Mais adiante sobre a mesma passagem Veloso ainda alerta para outra possiacutevel confusatildeo entre termos e

conceitos advindos da traduccedilatildeo dos textos citados ldquo[] Eacute preciso todavia natildeo confundir εἰκών (lsquoimagemrsquo) e

όμοίωμα (lsquosimulacrorsquo)rdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo449b 30-1 In

108

[phantasiacutea]200

Phantasiacutea entendida aqui como o processo de imaginaccedilatildeo isto eacute como a

formaccedilatildeo de imagens mentais que faz ver mentalmente o que natildeo estaacute diante dos olhos

Sobre a analogia entre apariccedilatildeo e desenho Aristoacuteteles discorre ldquoMas dado que se

falou da representaccedilatildeo [φαντασία] 201

antes nos [livros] sobre a alma tambeacutem [se sabe que]

natildeo eacute possiacutevel pensar sem uma apariccedilatildeo [φάντασμα] [450a] pois no pensar acontece

exatamente a mesma afecccedilatildeo que acontece no traccedilarrdquo (De memoria 449 b ndash 450 a 1) 202

Ademais Aristoacuteteles mostra que um aspecto importante da imagem pictoacuterica acarreta

eacute a correlaccedilatildeo entre ausecircncia-presenccedila sobretudo quando a pintura se propotildee representaccedilatildeo de

uma ideia ou ateacute mesmo quando eacute um retrato de um ausente Sobre a imagem do ausente isto

eacute a lembranccedila Aristoacuteteles discorre

E satildeo coisas lembraacuteveis por si aquelas de que haacute apariccedilatildeo [ὦν έστι

φαντασία] enquanto [satildeo lembraacuteveis] [25] por concomitacircncia todas as que

[o] satildeo natildeo sem uma apariccedilatildeo Algueacutem pode todavia encontrar uma

dificuldade ou seja como estando presente a afecccedilatildeo mas ausente a coisa

eacute lembrado o que natildeo estaacute Eacute evidente com efeito que se deve pensar essa

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 87)

200

Traduccedilatildeo para o tiacutetulo proposta por Claudio Veloso In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo

Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12

n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash

Unicamp 2002

201

Veloso explica sobre a traduccedilatildeo para o texto ldquoDa Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo ldquo lsquoRepresentaccedilatildeorsquo traduz

φαντασία tradicionalmente traduzido por imaginaccedilatildeo enquanto apariccedilatildeo traduz φάντασμα mas tambeacutem

φαντασία quando usado como equivalente a φάντασμαrdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo (449b 30-1) In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e

comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial

janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

2002 p 80)

202

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28

Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν

να νοώμεν Συμβαίνει δηλ εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού

σχήματος

109

afecccedilatildeo - cuja posse dizemos que eacute uma lembranccedila ie a alma perceptiva]

tem como que uma certa pintura [30] (De memoria 450a 23-30) 203

E por fim nesta outra passagem Aristoacuteteles ao definir a memoacuteria igualmente define a

imagem da pintura eou do desenho

E se em noacutes haacute realmente semelhante a uma marca ou a um desenho por que

a percepccedilatildeo disso seria lembranccedila de outra coisa e natildeo desse mesmo algo

Quem estaacute em atividade com a lembranccedila contempla essa afecccedilatildeo e percebe

isso Como entatildeo lembra o que natildeo estaacute presente Entatildeo tambeacutem seria

possiacutevel ver [20] e ouvir o que natildeo estaacute presente Ou se pode [ver e ouvir o

que natildeo estaacute presente] porque eacute possiacutevel [lembrar o que natildeo estaacute presente] e

isso acontece Por exemplo o animal desenhado em uma taacutebua eacute com

efeito um animal e uma imagem - essa mesma e uacutenica coisa eacute ambos mas o

ser natildeo eacute o mesmo para ambos - e eacute possiacutevel contemplaacute-lo tanto como um

animal quanto como imagem Desse modo eacute preciso supor que [25] apariccedilatildeo

em noacutes eacute ela mesma tambeacutem tanto algo por si quanto apariccedilatildeo de uma outra

coisa (De memoria 450b 15- 26)204

203

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28-29

Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ εαυτά αντικείμενα μνήμης τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας

κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας ύναται τις να

ερωτήση πώς άρά γε ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή) το δε πράγμα είναι απόν όμως

ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα) Αλλ είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν ότι το διά της

αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει

(αντιλαμβάνεται) αυτήν ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην είναι όμοιον με ζωγράφημα

204

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p30-31

Αλλ εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην ποίον εκ των δύο το πάθος τούτο (την εντύπωσιν)

ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον εκ του οποίου έγεινεν Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα τότε δεν

ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον πώς ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν

όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο το οποίον δεν αισθανόμεθα το απόν αντικείμενον 184 και αν η

μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα 185 πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο όμως

ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται

μόνον την εντύπωσιν ταύτην Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα όπερ δεν είναι παρόν Τούτο θα ήτο το αυτό ως να

βλέπη και να ακούη το μη παρόν Ή υπάρχει τρόπος καθ ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει Π χ

το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών το αυτό δηλ πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμαbull αλλά ο

τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το

ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να

υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου

τινός Και καθ όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ εαυτήν αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας

(φάντασμα) καθ όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα

110

Logo conclui-se que a pintura pensada como produto da representaccedilatildeo [phantasiacutea] em

De memoria et Reminiscentia natildeo quer dizer miacutemesis no sentido simples de imitaccedilatildeo tal

como se encontra no Sofista de Platatildeo seja ela copiosa ou imaginativa Mas quer dizer

representaccedilatildeo no sentido de substituiccedilatildeo e presentificaccedilatildeo de uma ideia de um pensamento e

portanto estaacute de acordo com a compreensatildeo de miacutemesis tal como vista na Fiacutesica de

Aristoacuteteles isto eacute miacutemesis no sentido de complementaccedilatildeo

Nesse sentido a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristoacuteteles

conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a apariccedilatildeo que tem

materialidade ou seja transformada em coisa entre coisas no mundo e na alteridade do

pensamento sem contudo deixar de ser tambeacutem pensamento ou seja ideia Como tambeacutem

fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma] quando Aristoacuteteles diz que ldquoas imagens

satildeo pois como sensaccedilotildees soacute que sem mateacuteriardquo (432a 9)205

Diante disto a imagem pictoacuterica produzida pode ser entendida ao mesmo tempo

como ideia e coisa como pensamento e mateacuteria como conceito e sensaccedilatildeo Pois o processo

de representaccedilatildeo eou imaginaccedilatildeo eacute anaacutelogo ao processo de fabricaccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

por conseguinte ao processo de assimilaccedilatildeo da imagem pelo espectador que por sua vez se

constitui como parte fundamental do processo de elaboraccedilatildeo do raciociacutenio possibilitando que

a sensaccedilatildeo se transforme em pensamento

3 6 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson

Sendo assim Pareyson na Teoria da Formatividade ao mostrar o estatuto ontoloacutegico

da arte e consequentemente da pintura redimensiona o problema da miacutemesis e ainda

identificando tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles o embriatildeo da definiccedilatildeo de autonomia da

arte

Portanto a partir da leitura da intersecccedilatildeo entre Pareyson Platatildeo e Aristoacuteteles

conclui-se que a questatildeo principal natildeo eacute se a pintura eacute imaginativa ou eacute imitativa Pois como

discorre Pareyson o problema da imitaccedilatildeo da Arte acaba sendo muito mais um problema de

205

ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010 τὰ γὰρ

φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι πλὴν ἄνευ ὕλης

111

ldquoPoeacuteticardquo entendida na acepccedilatildeo pareysoniana como ldquoprograma de arterdquo206

do que um

problema de definiccedilatildeo conceitual de Esteacutetica isto eacute nos termos pareysonianos Filosofia da

Arte207

nas palavras dele

[] na definiccedilatildeo tradicional da arte como imitaccedilatildeo da natureza definiccedilatildeo

que pouco a pouco foi-se concretizando em significados diversos e agraves

vezes opostos da coacutepia mais fiel e fotograacutefica da realidade agrave mais polecircmica

deformaccedilatildeo ou agrave abstraccedilatildeo mais decidida atraveacutes de todos os matizes da

verossimilhanccedila da caracterizaccedilatildeo da idealizaccedilatildeo da estilizaccedilatildeo da

invenccedilatildeo mais livre desenfreada e fantaacutestica [] Mas desembaraccedilamo-nos

facilmente de tais dificuldades se pensamos que na realidade trata-se mais

de ldquopoeacuteticasrdquo do que de esteacuteticas o que estaacute em jogo natildeo eacute uma definiccedilatildeo

geral da arte mas um programa de arte e trata-se sempre de relaccedilotildees da

imagem artiacutestica com a realidade natural mesmo quando tais relaccedilotildees vecircm

206

ldquoA poeacutetica eacute programa de arte declarado num manifesto numa retoacuterica ou mesmo impliacutecito no proacuteprio

exerciacutecio da atividade artiacutestica ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto que por

sua vez eacute toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma eacutepoca projetada no campo da arterdquo (PAREYSON

Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p21) ldquoLa poetica egrave programma darte dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito

nello stesso esercizio dellattivitagrave artistica essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto il

quale a sua volta egrave lintera spiritualitagrave duna persona o dunepoca proiettata nel campo dellarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p223)

207

ldquoA esteacutetica pelo contraacuterio natildeo tem um caraacuteter normativo nem valorativo ela natildeo define nem normas para o

artista nem criteacuterios para o criacutetico Como filosofia ela tem um caraacuteter exclusivamente teoacuterico a filosofia

especula natildeo legislardquo (PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery

Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p22) ldquoLestetica invece non ha carattere neacute normativo neacute

valutativo essa non -defigravenisce neacute norme per lartista neacute criteri per il critico Essa come filosofigravea ha un

carattere esclusivamente teorico la filosofigravea specula non legiferardquo (Idem Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p223)

Em outra passagem mais adiante no texto Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta

distinccedilatildeo que ele propotildee entre os significados de ldquoEsteacuteticardquo e ldquoPoeacuteticardquo ldquoDo ponto de vista esteacutetico todas as

poeacuteticas satildeo igualmente legiacutetimas natildeo importa que a arte seja compromissada ou evasiva realista ou idealista

naturalista ou liacuterica figurativa ou abstrata pura ou carregada de pensamento douta ou popular espontacircnea ou

refinada e assim poacute diante o essencial eacute que seja arte O esteacutetico como tal natildeo toma posiccedilatildeo em questotildees

poeacuteticas Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si ele evita com cuidado transformar em

divergecircncia filosoacutefica aquilo que eacute substancialmente uma polecircmica de gostos Antes ele deveraacute esforccedilar-se o

mais possiacutevel por natildeo fazer intervir seu proacuteprio gosto na sua proacutepria teoria a fim de evitar que esta seja

somente a conceitualizaccedilatildeo de um gosto histoacuterico e nada mais do que uma poeacutetica travestidardquo (Idem Os

problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p25)

ldquoDal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime non importa che larte sia impegnata o

devasione realistica o idealistica naturalistica o lirica figurativa o astratta pura o pensosa dotta o popolare

spontanea o raffinata e cosigrave via lessenziale egrave che sia arte Lestetico come tale non prende posizione in fatto

di poetiche di fronte alle frequenti battaglie chesse impegnano fra di loro egli evita con cura di trasformare in

di vergenza filosofica quella chegrave in sostanza una polemica di gusti Anzi egli dovragrave sforzarsi quanto possibile di

non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto ad evitare chessa non sia che la concettualizzazione

dun gusto storico e nientaltro che una poetica travestita (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p226)

112

negadas como nos casos de deformaccedilatildeo e de abstraccedilatildeo ou de invenccedilatildeo

surrealista onde a relaccedilatildeo natildeo eacute superada mas apenas polemicamente

revirada 208

Nesse sentido pode-se afirmar que independente de ser ou natildeo imitativa de ser ou natildeo

imaginativa a pintura eacute ldquoformardquo ou seja antes eacute coisa ela eacute ldquopresenccedila de si mesmardquo e natildeo

apenas ldquoausecircncia de outrordquo Nas palavras de Pareyson

A arte produz imagens que valem em si e natildeo pela sua relaccedilatildeo (positiva ou

negativa) com a realidade Sobre este ponto afirmar que uma imagem

artiacutestica vale porque imita bem a natureza eacute tese equivalente aquela de quem

afirmasse que uma imagem artiacutestica vale enquanto natildeo se propotildee copiar a

natureza ambas satildeo teses absurdas Mas quem quiser penetrar no significado

de uma imagem artiacutestica deve dar-se conta de seu intento de fidelidade ou

de deformaccedilatildeo ou de revolta ou de negaccedilatildeo com respeito agrave natureza

somente aprofundando esta referecircncia poder-se-aacute penetrar no mundo de uma

obra 209

Todavia pode-se entender que na Teoria da Formatividade a obra de arte enquanto

ldquoformardquo eacute tambeacutem representaccedilatildeo mas natildeo enquanto eacute imitaccedilatildeo de algo mas enquanto eacute

208

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p67

ldquo[] nella definizione tradizionale dellarte come imitazione della natura definizione che si egrave via via

concretata in significati diversissimi e talora opposti dalla copia piugrave fedele e fotografica della realtagrave alla piugrave

polemica deformazione o allastrazione piugrave decisa attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza della

caratterizzazione dellidealizzazione della stilizzazione dellinvenzione piugrave libera sbrigliala e fantastica

Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dellestetica involgendola almeno sino al

romanticismo in una serie di difficoltagrave degne forse di miglior causa Ma di tali difficoltagrave ci si sbarrazza

facilmente non appena si pensi che in realtagrave si tratta piugrave di laquopoeticheraquo che di estetiche ciograve egrave in gioco non egrave una

definizione generale dellarte ma un programma darte e si tratta sempre di rapporti dellimmagine artistica

con la realtagrave naturale anche quando tali rapporti vengono negati come nei casi di deformazione e di astrazione

o di surrealistica invenzione ove il rapporto non egrave superato ma solo polemicamente rovesciatordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262-263)

209

Ibidem Op cit p68 ldquoLarte produce immagini che valgono in seacute e non per il loro rapporto (positivo o

negativo che sia) con la realtagrave ma lindividuazione di tale rapporto egrave indispensabile per comprenderne

esattamente il senso Il valore dellimmagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza

con la realtagrave anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtagrave su questo punto

affermare che unimmagine artistica vale percheacute raffigura bene la natura egrave tesi equivalente a quella di chi

affermasse che unimmagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura entrambe le tesi

sono assurde Ma chi voglia penetrare il significato dunimmagine artistica deve rendersi conto del suo intento

di fedeltagrave o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura solo approfondendo questo

riferimento si potragrave penetrare il mondo dunoperardquo (Ibidem Op cit p263)

113

imaginaccedilatildeo eacute ideia isto eacute enquanto eacute interpretaccedilatildeo de uma visatildeo pessoal de mundo da

ldquopessoandashartistardquo produtora da ldquoobra-formardquo

Portanto embora a pintura como representaccedilatildeo seja normalmente vista como sendo a

imagem de uma referecircncia externa o significado da pintura estaacute sobretudo contido na forma

por ela mesma e natildeo no modelo ou no referente como explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre a

pintura

A ela natildeo corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro

fixado sua virtude natildeo estaacute no seu apagamento enquanto representante para

dar transparecircncia a um representado [] Natildeo eacute representante nem

representada a natildeo ser de si mesma nela significante e significado geram-se

muacutetua e continuamente210

Logo a imitaccedilatildeo e a relaccedilatildeo com um suposto modelo natildeo muda o estatuto da arte como

representativa pois a representaccedilatildeo natildeo estaacute na relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo da obra com o

modelo e sim na identificaccedilatildeo da obra como interpretaccedilatildeo isto eacute como fruto da visatildeo de

mundo pessoal contida na proacutepria obra e natildeo fora dela Nesse sentido Pareyson afirma que

ldquo[] para compreender bem o significado da obra seraacute necessaacuterio dar-se conta do esforccedilo de

penetraccedilatildeo que o artista fez com relaccedilatildeo ao objeto real que ele teve de saber olhar e

interpretar para pocircs-se em condiccedilatildeo de revelaacute-lo e de enfrentaacute-lordquo211

E ainda esta ldquoformardquo que foi fruto da representaccedilatildeo de uma ideia de uma visatildeo de

mundo seraacute novamente representaccedilatildeo enquanto for objeto de interpretaccedilatildeo da ldquopessoa-

espectadorrdquo daiacute a multiplicidade da interpretaccedilatildeo da obra de arte E portanto eacute nessa cadeia

tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo que arte se configura

como representaccedilatildeo de uma ideia ou de infinitas ideias jaacute que as interpretaccedilotildees satildeo

inexauriacuteveis tal qual eacute a infinidade das diferentes ldquopessoasrdquo que interpretarem uma uacutenica

210

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p19-20

211

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquo[]per comprendere bene i l significato dellopera bisogneragrave rendersi conto dello

sforzo di penetrazione che lartista ha fatto rispetto a un oggetto reale chegli ha dovuto saper guardare e

interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264)

114

obra de arte sendo assim esta cadeia poderia ser definida como pessoa (artista) - visatildeo de

mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador) Nas palavras de Pareyson

De fato a interpretaccedilatildeo eacute o encontro de uma pessoa com uma forma e se

pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao satildeo realidade simples mas

natildeo um infinito encerrado em algo definido teremos de pronto a ideia do

quanto eacute positiva a infinidade da interpretaccedilatildeo a ser considerada antes como

inexauriacutevel riqueza do que como reino da imprecisatildeo e arbitrariedade 212

E eacute neste ponto que a obra como ldquoformardquo acabada e realizada torna-se coisa

autocircnoma natildeo soacute com relaccedilatildeo ao modelo mas ao proacuteprio artista que a forjou pois na

alteridade do mundo estaraacute sujeita a sempre novas e possiacuteveis interpretaccedilotildees e movimentos

Contudo sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua ldquoformardquo completada

e pronta fruto da produccedilatildeo proposta e levada a cabo pelo artista embora como coisa entre

coisas estaraacute sujeita ao movimento e a constante transformaccedilatildeo assim como um organismo

vivo

212

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p167 ldquoInfatti lsquolinterpretazione egrave lrsquoincontro duna persona con una formarsquo e se si pensa

che tanto la persona quanto la forma non sono realtagrave semplici ma sono un infinito racchiuso in una definitezza

si avragrave subito lidea di quanto sia positiva linfinitagrave dellinterpretazione da considerarsi piuttosto come

uninesauribile ricchezza che come il regno dellimprecisione e dellarbitrarietagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p346)

115

CAPIacuteTULO IV

Autonomia da arte e miacutemesis na obra de Gerhard Richter

agrave luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reproduccedilatildeo eacute distinto do

objeto reproduzido e da obra produzida e enquanto eacute distinto

do objeto reproduzido eacute um ato de imitaccedilatildeo com qual se

representa se refigura se exprime alguma coisa enquanto eacute

distinto da obra produzida eacute um ato de criaccedilatildeo que eacute um agir

que natildeo se exaure em si mesmo mas coloca em existecircncia

alguma coisa

Luigi Pareyson 1946 213

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista

Partindo do entendimento de que o problema da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo e

consequentemente da abstraccedilatildeo versus a figuraccedilatildeo natildeo eacute um problema de estatuto de arte

mas um problema de escolha e interpretaccedilatildeo ldquopessoalrdquo do artista tomamos esta escolha ou

estas escolhas dos artistas como chaves de interpretaccedilatildeo dos movimentos da ldquoformardquo natildeo

como proposiccedilotildees definitivas mas como interpretaccedilotildees ldquopessoaisrdquo de cada artista no percurso

da ldquoformatividaderdquo de sua obra que uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a

especulaccedilatildeo e reflexatildeo filosoacutefica Portanto a experiecircncia da obra de arte em si e da reflexatildeo e

dos dizeres dos artistas sobre a sua experiecircncia na ldquoformatividaderdquo constituem material

indispensaacutevel a esta pesquisa Sobre a importacircncia do estudo da experiecircncia direta da

ldquoformatividaderdquo para a Filosofia da Arte Pareyson discorre

Eacute bem verdade que o filoacutesofo sozinho natildeo tem condiccedilotildees para formular

uma esteacutetica Deve ele recorrer agrave experiecircncia esteacutetica e os testemunhos mais

213

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoLatto dellartista inteso come un riprodurre vien distinto dalloggetto riprodotto e

dallopera prodotta in quanto egrave distinto dalloggetto riprodotto egrave un atto dimitazione col quale si rappresenta

si raffigura si esprime qualcosa in quanto egrave distinto dallopera prodotta egrave un atto di creazione chegrave un agire

che non si esaurisce in se stesso ma pone in essere qualcosardquo PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo

Secondo - Imitazione e Creazione) p 28 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009

116

diretos dessa experiecircncia lhe advecircm ndash natildeo soacute dos contempladores e amantes

o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos criacuteticos

cujas declaraccedilotildees lhe satildeo natildeo apenas muito uacuteteis mas ateacute diria

indispensaacuteveis e essenciais visto que o filoacutesofo natildeo consegue discorrer sobre

a arte a natildeo ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista

e do criacutetico214

Isso natildeo quer dizer que a ldquopalavrardquo do artista deva ser entendida como lei ou lida sem

ressalvas pois como o proacuteprio Pareyson chama a atenccedilatildeo em outra passagem ldquo[] nem

sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte satildeo dignos de atenccedilatildeo pelo menos na sua

formulaccedilatildeo literal querem uma peneirada uma escolha um dimensionamento que lhes

restitua o seu exato significado e revele seu possiacutevel alcance no campo da esteacuteticardquo215

E como visto acima a noccedilatildeo de autonomia da Arte proposta na Teoria da

Formatividade e acrescida dos entendimentos dos conceitos de miacutemesis jaacute explicitados

desconstroem a antiacutetese entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo bem como podem contribuir para uma

anaacutelise da pintura no tempo presente uma vez que estas ainda satildeo questotildees pertinentes nas

problemaacuteticas propostas sobre a arte na atualidade sobretudo na pintura

Sendo assim ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias

de hoje a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemaacuteticas com relaccedilatildeo agrave

pintura enquanto imitaccedilatildeo e enquanto autocircnoma em si mesma como propotildee a Teoria da

Formatividade buscaram-se artistas que pudessem natildeo apenas enriquecer a presente pesquisa

com o conjunto de suas obras enquanto tais isto eacute nas ldquoformasrdquo nas obras acabadas e postas

como coisas entre coisas mas que tambeacutem pudessem fornecer textos para que a reflexatildeo

214

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p18 ldquoEgrave verissimo che il filosofo lsquoda solorsquo non egrave in grado di formulare unestetica egli deve

ricorrere allesperienza estetica e le testimonianze piugrave dirette di questa esperienza gli sono fornite mdash oltre che

dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale mdash precisamente dagli artisti e dai critici le

cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime ma direi indispensabili ed essenziali giaccheacute il filosofo non riesce

a parlare dellarte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dellartista e del criticordquo (Idem

Estetica Teoria della Formitivitagrave Bologna Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

215

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p19 ldquo[] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili almeno nella loro

formulazione letterale ci vuole un vaglio una scelta un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto

significato e ne sveli la possibile portata nel campo dellesteticardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p220)

117

acima referida tambeacutem se voltasse para a ldquoformatividaderdquo propriamente dita isto eacute para o

processo de produccedilatildeo da pintura enquanto tal

Nesse intuito encontrou-se um campo de investigaccedilatildeo na obra do artista alematildeo

Gerhard Richter216

cujo conjunto de obras sobretudo das obras pictoacutericas tem sido

produzido por mais de cinco deacutecadas e analisando atentamente o conjunto destas obras pocircde-

se constatar que o axioma imaginaccedilatildeo- imitaccedilatildeo se desfez Aleacutem disso Richter concomitante

agrave produccedilatildeo de sua obra pictoacuterica elaborou um conjunto igualmente ininterrupto de escritos

publicados que compreendem notas cartas e sobretudo entrevistas por ele concedidas a

criacuteticos e outros espectadores atentos a suas obras possibilitando assim natildeo soacute a anaacutelise de

suas obras em si mas tambeacutem a anaacutelise da ldquoformatividaderdquo destas pois boa parte destes

textos diz respeito diretamente aos meandros da ldquoformatividaderdquo em si natildeo a anaacutelises ou

sugestotildees de intenccedilotildees de significaccedilatildeo de sua obra

42 ldquoFormardquo e ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter

E ainda aleacutem das obras pictoacutericas e escritos de Richter tem-se disponiacutevel o Atlas Ou

seja em 1962 o pintor alematildeo iniciou suas pinturas a partir de fotografias e desde entatildeo tem

se dedicado natildeo soacute agrave pintura mas tambeacutem agrave coleta e catalogaccedilatildeo destas fotografias (obtidas

desde aacutelbuns da famiacutelia do artista a recortes de revistas e jornais) ademais Richter

igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboccedilos que foram e satildeo ponto de partida para

a sua produccedilatildeo pictoacuterica dando iniacutecio assim aos trabalhos para a formaccedilatildeo do que seria a

monumental obra intitulada Atlas

Portanto o Atlas eacute uma espeacutecie de diaacuterio artiacutestico e inventaacuterio de trabalho que foi

exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes exposiccedilatildeo

216

Artista alematildeo nascido em Dresden em 1932 graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal

iniciando uma carreira como pintor ldquorealistardquo na entatildeo Alemanha Oriental Em 1961 um pouco antes da

construccedilatildeo do muro de Berlim migrou para a Alemanha Ocidental quando retomou seus estudos sobre arte em

Duumlsseldorf e iniciou suas incursotildees com fotografia e pintura Nas uacuteltimas deacutecadas consolidou-se como um dos

principais expoentes da arte contemporacircnea internacional participando natildeo soacute de grandes exposiccedilotildees coletivas

como Documentas de Kassel Bienais de Veneza e de Satildeo Paulo como tambeacutem fez grandes exposiccedilotildees

retrospectivas de sua obra Sua uacuteltima grande exposiccedilatildeo individual intitulada ldquoPanoramardquo ocorreu entre os anos

de 2011-2012 e viajou pela Inglaterra (Tate Modern Londres) Franccedila (Centre George Pompidou Paris) e

Alemanha (Neue Nationalgalerie Berlin) (Cf GODFREY Mark SEROTA Nicholas RICHTER Gerhard e

outros Gerhard Richter- Panorama Londres Tate Publishing 2011 p10 -13 e p 281-194)

118

esta que foi acompanhada de publicaccedilatildeo anaacuteloga de um livro-cataacutelogo com o total de 315

laudas De laacute para caacute houve inuacutemeras reediccedilotildees tanto da exposiccedilatildeo como do livro na medida

em que paacuteginas e mais paacuteginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formaccedilatildeo da obra

pictoacuterica de Richter a uacuteltima publicaccedilatildeo em 2007 contou 783 quadros - laudas Sendo assim

pode-se dizer que o Atlas ainda estaacute em ldquoformatividaderdquo jaacute que eacute uma espeacutecie de relato e

registro visual em tempo real da produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard Richter Assim discorre

Helmut Friedel no prefaacutecio do Atlas da ediccedilatildeo de 2007

Como uma obra de arte total o Atlas eacute um organismo o qual desenvolve e

muda Eacute uma biografia espelhada fatos histoacutericos e artiacutesticos Muitas

consideraccedilotildees que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter

encontram expressatildeo nas fotografias esboccedilos planos e colagens217

Mais do que um amontoado de imagens por vezes aparentemente desconexas o

trabalho de coleta e catalogaccedilatildeo feito pelo proacuteprio artista prolonga a obra acabada

constituindo material de acesso uacutenico agrave ldquoformatividaderdquo do artista pois permite vislumbres ao

processo de ldquoformatividaderdquo mesmo apoacutes da ldquoformardquo estar concluiacuteda Ademais acrescida agrave

evidente ligaccedilatildeo do Atlas agrave formatividade da pintura de Richter em si natildeo se pode deixar de

lado o fato que o proacuteprio Atlas enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista eacute

forma eacute obra de arte hiacutebrida com certeza mas assim mesmo obra de arte

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

A tiacutetulo de demonstraccedilatildeo segue uma ldquopaacuteginardquo do Atlas a de nuacutemero [93] (Figura I)

as imagens mostram estudos que podem ser relacionados com a pintura ldquoDetalherdquo (Figura II)

217

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoAs a total art work the Atlas is an organism which develops further and changes In is a

mirrored biographical artistic and historical facts Many considerations which precede Gerhard Richters

painterly works find expression in the photographs sketches plans and collagesrdquo (HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed New York DAPDistributed

Art Publishers 2007 p 17)

119

Figura I

218

Figura II

219

218

Gerhard Richter ldquoAusschnittfotos von Farbprobenrdquo [Detalhes fotograacuteficos de Amostras de Cores] 1970

367 x 517 cm (Paacutegina do ldquoAtlasrdquo nordm 93) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso

em agosto de 2013

219

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (kreutz)rdquo [Detalhe (Kreutz)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 290) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

120

Como pode ser constatado nas imagens acima ficam evidentes as inuacutemeras possibilidades

expostas a respeito do acesso agrave experiecircncia de ldquoformatividaderdquo que o artista proporciona

atraveacutes do Atlas e evidentemente atraveacutes das proacuteprias obras Portanto a observaccedilatildeo da

imagem conjuntamente com a paacutegina do Atlas a ela relacionada deixa claro que o

procedimento desta pintura pertencente ao conjunto das pinturas intituladas ldquoDetalherdquo

(Figura II) pode ser analisado sob uma oacutetica diferente de que se natildeo houvesse o acesso agrave

referecircncia visual utilizada para a elaboraccedilatildeo da pintura Pois apesar destas pinturas nos

remeterem agrave ideia de pura abstraccedilatildeo a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a

partir de detalhes visuais definidos ou melhor a partir de imagens fotograacuteficas registros

visuais precisos e preacutevios passando assim por um processo anaacutelogo ao processo de imitaccedilatildeo

a um modelo qualquer disponiacutevel isto eacute anaacutelogo agrave construccedilatildeo de uma pintura figurativa tal

como fosse uma imagem reconheciacutevel e que remetesse a uma figura nomeaacutevel

E ainda ao observar a obra o olhar do observador eacute direcionado para as curvas e para

as nuances das passagens de cores e seus sobretons como tambeacutem para uma relaccedilatildeo de claro

e escuro tal como se observaacutessemos um trabalho de panejamento onde se encontram efeitos

ilusoacuterios de profundidade e movimento Inclusive vista ao vivo a pintura citada permite uma

experiecircncia corporal proacutepria da pintura advinda natildeo soacute da dimensatildeo do quadro que tem

quatro metros quadrados bem como da materialidade da obra em si no que diz respeito agrave

escolha da tinta a oacuteleo dando agrave pintura um caracteriacutestico brilho aveludado embora neste

caso sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura corroborando para

o efeito ilusoacuterio de tridimensionalidade que a imagem produz

Logo a experiecircncia a partir da observaccedilatildeo da ldquoformardquo isto eacute da pintura mesma seja

ao vivo ou mesmo atraveacutes da reproduccedilatildeo neste papel acrescida do acesso agrave ldquoformatividaderdquo

atraveacutes do Atlas levam a constataccedilatildeo de uma ambiguidade entre abstraccedilatildeo e ilusatildeo

tridimensional proacutepria da imitaccedilatildeo de uma figura que a obra permite vislumbrar

A despeito da relaccedilatildeo abstraccedilatildeo ndash fotografia que pode ser identificada na observaccedilatildeo

das obras de Richter acima dispostas igualmente seus textos tambeacutem apontam para as

problemaacuteticas que o advento da fotografia possibilitou agrave pintura vislumbrar E ao contraacuterio do

senso comum Richter elucida que a foto natildeo necessariamente se contrapotildee agrave pintura como

imitaccedilatildeo ou ateacute mesmo como coacutepia mas paradoxalmente tambeacutem instaura a possibilidade da

121

abstraccedilatildeo propriamente dita como fruto da observaccedilatildeo e da imitaccedilatildeo isto eacute a relaccedilatildeo ldquopessoa-

forma-mundordquo que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar agrave observaccedilatildeo de um

conteuacutedo vazio do ponto de vista da representaccedilatildeo de ideias mas ainda assim a imitaccedilatildeo da

imagem da aparecircncia continua possiacutevel

Como na passagem de uma nota de Richter abaixo transcrita que deixa claro o

entendimento por parte do artista dessa tecircnue relaccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo que a

imagem pictoacuterica percorre em sua obra sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de

decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida advinda de uma fotografia

Quando eu desenho - uma pessoa um objeto - Eu tenho que me fazer

consciente de proporccedilatildeo da precisatildeo a abstraccedilatildeo ou distorccedilatildeo e assim por

diante Quando eu pinto a partir de uma fotografia o pensamento consciente

eacute eliminado Eu natildeo sei o que estou fazendo O meu trabalho eacute muito mais

proacuteximo do Informal do que de qualquer tipo de realismo A fotografia

tem uma abstraccedilatildeo em si mesma o que natildeo eacute faacutecil de enxergar Eacute o que todo

mundo acredita que nos dias de hoje eacute normal E se isso se torna outro o

efeito eacute muito mais forte do que qualquer distorccedilatildeo do tipo que vocecirc

encontra em figuras de Bacon ou de Dali (Gerhard Richter - Notes 1964-

1965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relaccedilatildeo do artista com o modelo

nos meandros da ldquoformatividaderdquo da pintura e de como o advento da fotografia mudou esta

compreensatildeo de que modo se capta a imagem e se constroacutei a pintura propriamente dita bem

como o limite entre abstraccedilatildeo e imitaccedilatildeo que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da

produccedilatildeo pictoacuterica

E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaccedilo de

papel que tenha sido exposto agrave luz entatildeo eu faccedilo fotos com outros meios

natildeo imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia E vistas

220

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGerhard Richter - Notes 1964-1965 When I draw - a person an object - I have to make

myself aware of proportion accuracy abstraction or distortion and so forth When I paint from a photograph

conscious thinking is eliminated I dont know what I am doing My work is far closer to the Informel than to any

kind of realism The photograph has an abstraction of its own which is not easy to see through Its what

everyone believes in nowadays its normal And if that then becomes other the effect is far stronger than any

distortion of the sort you find in Dalis figures or Bacons Such a picture can really scare yourdquo (GERHARD

Richter Writings - 1961-2007 New York DAPDistributed Art Publishers 2009 p29)

122

desta forma minhas pinturas que foram feitas sem um modelo de foto

(abstraccedilotildees etc) tambeacutem satildeo fotos (Gerhard Richter em entrevista com

Rolf Schoumln 1972) 221

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter

Contudo as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo natildeo constituem o uacutenico conjunto de obras

que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas haacute ainda inuacutemeras pinturas

intituladas por ele como ldquoPintura abstratardquo (Figura IV) que foram produzidas todavia

concomitantemente a outros inuacutemeros grupos de pinturas que podem ser identificadas como

sendo figurativas tal como retratos paisagens e composiccedilotildees com variados objetos que

permitem novas e diferentes constataccedilotildees sobre as possiacuteveis relaccedilotildees e variaccedilotildees que os

binocircmios e as aparentes antiacuteteses entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou melhor entre imitaccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo acarretam levando agrave constataccedilatildeo da importacircncia da noccedilatildeo de autonomia da obra

para a definiccedilatildeo da arte como miacutemesis no conjunto de obras de Richter

Isto eacute a diferenccedila entre as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo e as intituladas ldquoPintura

abstratardquo (Figura IV) natildeo eacute apenas com respeito ao tiacutetulo que indica claramente a vontade do

artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem natildeo nomeaacutevel e natildeo identificaacutevel

como produto de uma imitaccedilatildeo (embora o tiacutetulo em si possa ser ignorado pelo espectador)

mas tambeacutem o proacuteprio processo de fabricaccedilatildeo tambeacutem natildeo passou pela imitaccedilatildeo de uma foto

como no caso das pinturas do conjunto intitulado como ldquoDetalherdquo (Figuras II e III)

Aleacutem disso ao contraacuterio das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III) ao

observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV) eacute possiacutevel verificar textura e espessura advindas

da tinta a oacuteleo empastada o que nos transporta inevitavelmente agrave materialidade da tinta que

neste caso natildeo gera o mesmo tipo de ilusatildeo de espaccedilo volume e movimento que as obras

intituladas ldquoDetalherdquo (Figura II e Figura III) Portanto no segundo caso a ideia de coisa fica

221

(Traduccedilatildeo Nossa) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has

been exposed to light then I make photos with other means not images that somehow resemble a photograph

And viewed in this way my paintings which were made without a photo model (abstract etc) are also photos

(Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schoumln 1972 In Obrist 1993 p68 apud HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed DAPDistributed Art

Publishers 2007 p 13)

123

mais evidente pois as sensaccedilotildees de textura claro - escuro e profundidade satildeo reais e natildeo

ilusoacuterias

Figura III

222

Figura IV

223

222

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (karmin)rdquo [Detalhe (carmim)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 289) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

223

Gerhard Richter ldquoAbstraktes Bildrdquo [Pintura Abstrata] 1995 51x71cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute

829-5) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

124

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

Entretanto o limite entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo eacute novamente posto em contradiccedilatildeo pelo

artista em questatildeo quando se constata que muitas pinturas que aparentemente ldquodeveriamrdquo ser

intituladas como ldquoabstratasrdquo ganham tiacutetulos como a pintura intitulada ldquoHaggadahrdquo (Figura

V) aqui o tiacutetulo sugere ao espectador um entendimento da imagem como representaccedilatildeo de

uma ideia embora natildeo haja indiacutecio de imitaccedilatildeo de figura reconheciacutevel muito menos de

referecircncia direta ao significado proposto pelo tiacutetulo

Tiacutetulo este que poderia remeter a ideia de texto de narrativa para tomar o significado

literal da palavra hebraica que nomeia a pintura mas tambeacutem poderia significar passagem

libertaccedilatildeo jaacute que a narrativa em questatildeo eacute a do ecircxodo biacuteblico narrado tradicionalmente nas

festas do Pessach [Paacutescoa judaica] mas tambeacutem poderia ser referecircncia aos livros iluminados

medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possiacuteveis camadas de significados que o

termo pode acarretar isto eacute o tiacutetulo abre para inuacutemeras possibilidades de interpretaccedilatildeo sem

duacutevida

A respeito da questatildeo da relaccedilatildeo nome-pintura Pareyson nos chama agrave atenccedilatildeo para

uma passagem do Toacutepicos de Aristoacuteteles224

onde o estagirita explica que os artistas ldquoantigosrdquo

faziam inscriccedilotildees em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas

representavam (Toacutepicos 140 a 20)225

deixando claro que a imagem em si natildeo

necessariamente tem sempre uma relaccedilatildeo clara e indubitaacutevel com um suposto modelo

sobretudo quando lida como continuaccedilatildeo de outra passagem algumas linhas acima onde o

estagirita afirma que a imagem eacute fruto da miacutemesis (Toacutepicos 140 a 15) 226

224

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoE tatildeo importante eacute a semelhanccedila na arte que os artistas primitivos natildeo conseguindo

retratar bem os aspectos dos objetos figurados eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho

[] (Topicos 140 a 20)rdquo (PAREYSON Luigi Corso Di Estetica Capiacutetulo II - Imitazione e Creazione p35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoE cosigrave

importante la somiglianza nellarte che gli artisti primitivi non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli

oggetti raffigurati sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[](Topici 140 a 20)rdquo

225

ldquo[] nas obras dos pintores antigos se natildeo havia uma inscriccedilatildeo as figuras eram geralmente

irreconheciacuteveisrdquo (Arstoacuteteles Toacutepicos Trad de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril

Cultural 1973 p 105)

[] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων εἰ μή τις ἐπέγραψεν οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον

226

ldquo[] a imagem eacute uma coisa produzida por imitaccedilatildeo []rdquo(Ibidem p104)

(εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως τοῦτο δ οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto a pintura mesmo enquanto imagem natildeo pode ser sempre entendida como

representaccedilatildeo Principalmente porque a escolha de se fazer a relaccedilatildeo tiacutetulo-nome e imagem eacute

do espectador E aleacutem disto isso se o espectador tomar conhecimento do tiacutetulo e quiser

realmente levar em conta o tiacutetulo

Ademais a importacircncia que um eventual tiacutetulo tenha para o espectador como recurso

para a interpretaccedilatildeo da imagem fica ainda mais evidente no caso da pintura ldquoHaggadahrdquo

(Figura V) pois o tiacutetulo eacute acrescido como fundamento de identificaccedilatildeo da imagem como

representaccedilatildeo se o interpretante tentar achar indiacutecios dos significados referentes ao tiacutetulo nas

marcas de cor e forma presentes na pintura e por conseguinte tirando dessa correlaccedilatildeo

(pintura- tiacutetulo) infinitas leituras Portanto no caso da referida obra o fato eacute que a

representaccedilatildeo estaacute no tiacutetulo e natildeo na imagem por si mesma que por si soacute eacute pura abstraccedilatildeo ou

seja a rigor a pintura abaixo soacute diz de si mesma

Figura V

227

227

Gerhard Richter ldquoHaggadahrdquo 2006 152-152 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 895-10) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

126

Logo em decorrecircncia das anaacutelises destas obras de Richter bem como dos trechos

acima citados do Toacutepicos de Aristoacuteteles eacute possiacutevel entender que o axioma abstraccedilatildeo-

figuraccedilatildeo pode ser uma falsa contradiccedilatildeo construiacuteda muito mais por uma criacutetica disposta a

colocar paracircmetros de anaacutelise do que por uma constataccedilatildeo da necessidade da formaccedilatildeo e da

construccedilatildeo da imagem pictoacuterica pelo artista como se pode constatar claramente nesta nota de

Richter

Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema natildeo eacute diferente com as

outras) eu nem sei de antematildeo o que ela deveraacute parecer nem enquanto estou

pintando sei onde eu quero ir nem o que deveria ser feito para alcanccedilar o

quecirc Eacute por isso que a pintura eacute um esforccedilo desesperado quase cego como o

de algueacutem preso sem recursos em um ambiente incompreensiacutevel - como de

algueacutem que tem uma variedade especiacutefica de ferramentas materiais e

capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo uacutetil mas

deseja que natildeo seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto

nomeaacutevel e que por isso comeccedila a construir numa vaga esperanccedila de que

sua acurada especialidade produziraacute algo certo algo significativo (Gerhard

Richter 1985) 228

As palavras acima satildeo significativamente parecidas com a descriccedilatildeo pareysoniana de

ldquoformatividaderdquo isto eacute o fazer artiacutestico eacute um fazer que ldquoinventa o por fazer e o modo de

fazerrdquo na medida do ldquoformarrdquo e que eacute invenccedilatildeo e execuccedilatildeo ldquopari passurdquo 229

228

(Traduccedilatildeo nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others) I neither

know beforehand what it should look like nor whilst painting where I want to go what should be done in order

to achieve what This is why painting is an almost blind desperate effort like that of someone stranded without

means in an incomprehensible environment mdash like that of someone who has a specific assortment of tools

materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful useful but which must be

neither a house nor a stool nor any other nameable object and who therefore starts building in the vague hope

that his accurate specialized doing will produce something right something meaningful (Gerhard Richter 27

121985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996

p28)

229

Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 e 33

127

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo

Todavia o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra

desta aparente antiacutetese entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou seja como foi apontado anteriormente

ele natildeo soacute produziu pinturas aparentemente abstratas mas tambeacutem produziu pinturas

diretamente relacionas a figuras reconheciacuteveis e nomeaacuteveis e por procedimentos imitativos

propriamente ditos e por conseguinte anaacutelogos agraves pinturas sob o tiacutetulo ldquoDetalhesrdquo (Figuras II

e III) sobretudo a partir de fotografias como por exemplo o retrato de ldquoBettyrdquo (Figura VI)

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura ldquoBettyrdquo encontra-se na paacutegina 445 do Atlas

(Figura VII) disposta junto com fotos de motivos diversos sem nenhum aparente parentesco

temaacutetico ou de procedecircncia entretanto chama a atenccedilatildeo uma foto de uma composiccedilatildeo de

ldquogarrafa com maccedilatilderdquo remetendo aqui agraves composiccedilotildees de naturezas mortas quase tatildeo

230

Gerhard Richter ldquoBettyrdquo [Betty] 1988 102 x 72 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 663-5) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

128

tradicionais quando satildeo as pinturas de retratos aleacutem do mais um fato sobre esta foto que

chama agrave atenccedilatildeo eacute que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX) evidenciando

que no caso de Richter a foto eacute o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

natildeo seu paradigma instransponiacutevel

Figura VII 231

Figura VIII

232 Figura IX

233

231

Gerhard Richter ldquoVerschiedene Motiverdquo [Vaacuterios Motivos] 1978 517 x 667 cm (Atlas paacutegina 445) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

232

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 83 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

233

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 82 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-6) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

129

Ou seja as imagens acima embora remetam a um modelo fotograacutefico natildeo satildeo fieacuteis agraves

fotos pois aleacutem de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza

constantemente - elas trazem coloraccedilotildees diferenciadas sem contar com a textura aveludada

caracteriacutestica da tinha a oacuteleo Pois embora a imitaccedilatildeo a um modelo seja evidente a imitaccedilatildeo

aqui natildeo eacute mera coacutepia principalmente quando se tem o acesso agrave foto ndash modelo que deixa

claro que aqui o procedimento de imitaccedilatildeo presente nestas pinturas estaria muito mais

proacuteximo agraves ideias e nuances dos conceitos de miacutemesis encontradas nos textos de Platatildeo e

sobretudo nos textos analisados de Aristoacuteteles e mais ainda na abordagem da ideia de

imitaccedilatildeo proposta por Pareyson Ampliando assim a questatildeo para aleacutem da particularidade da

obra de Richter levando a problemaacutetica agrave arte pictoacuterica de maneira geral

Ademais nesta outra passagem onde o pintor alematildeo discorre sobre a relaccedilatildeo entre a

pintura abstrata e figurativa fica igualmente claro que o modelo natildeo eacute ponto de referecircncia

fixo para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica em Richter mas o iniacutecio do processo

As pinturas abstratas satildeo natildeo menos arbitraacuterias do que as representaccedilotildees

concretas (que satildeo baseadas em um dos muitos motivos possiacuteveis que podem

tornar-se pinturas) elas diferem apenas no sentido em que o seu ldquomotivordquo eacute

apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter 1985)234

Ainda noutra nota de 1962 Richter diz ldquoA ideia de que a arte copia a natureza eacute um

grande equiacutevoco A arte sempre operou contra a natureza e com razatildeordquo235

Esta frase eacute parte

uma longa nota que poderia ser entendida como uma espeacutecie de diaacutelogo com as refelexotildees

platocircnicas sobre a incapacidade da imagem pictoacuterica em captar a realidade e

consequentemente como sendo meras ilusotildees Tambeacutem pode ser entendida em diaacutelogo com a

posiccedilatildeo aristoteacutelica de que a miacutemesis completa a phyacutesis [natureza] Sobre essas mesmas

questotildees numa outra entrevista Richter discorre

234

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are

based on one of many possible motifs which should become paintings) they differ only in the sense that their

motif is only developed during the paintingrdquo (Gerhard Richter 1985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo

de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996 p19)

235

(Traduccedilatildeo nossa) Gerhard Richter Notes 1962 ldquoThe idea that art copies nature is a fatal misconception Art

has always operated against nature and for reasonrdquo (GERHARD Richter Writings - 1961-2007 New York

DAPDistributed Art Publishers 2009 p14-15)

130

Robert Storr Quando vocecirc primeiro se apropriou de fotografias para fazer

pinturas vocecirc estava procurando assumir a objetividade de uma cacircmera

Gerhard Richter As pinturas tecircm a vantagem de que eu ainda posso

adicionar um pouco de alguma coisa porque a noccedilatildeo de neutralidade e

objetividade eacute uma ilusatildeo eacute claro Isso eacute algo impossiacutevel Cada pintura

inclui automaticamente a minha incapacidade minha impotecircncia a minha

relaccedilatildeo com a realidade coisas que satildeo subjetivas Portanto era legiacutetimo que

fosse pintada [cada pintura] Natildeo se tratava sobre a pureza absoluta mas

sobre a maior pureza possiacutevel236

Outro exemplo eacute uma pintura de uma cadeira (Figura XI) que aparentemente traz um

tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui E novamente quando se

compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nordm 11) (Figura X) que

mostra inuacutemeras imagens diacutespares tanto de imagens particulares como retiradas de jornais

com os mais variados temas fica evidente como os modelos e referecircncias de Richter satildeo

muacuteltiplos e novamente indicando que em sua obra pictoacuterica a suposta contradiccedilatildeo entre

figuraccedilatildeo ndash abstraccedilatildeo eacute substituiacuteda com a possibilidade de convivecircncia entre ambas e natildeo

mais da exclusatildeo eou escolha entre uma e outra Sobre esta pintura (Figura XI) o pintor

discorre

Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei Foi parte da minha

pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si uma mesa um rolo de papel

higiecircnico Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de

fotografias de fontes alheias esta eacute uma das fotos que eu tirei

pessoalmente237

236

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoRS When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming

such a cameralike objectivity GR The paintings have the advantage that I can still add a little somethingmdash

because the notion of neutrality and objectivity is an illusion of course That is somehow impossible Every

painting automatically includes my inability my powerlessness my relation to reality things that are subjective

Therefore it was legitimate to be painted It was not about absolute purity but about the greatest possible

purityrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In

STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in painting New York The Museum of Modern Art 2003

p173)

237

(Traduccedilatildeo nossa) This was a chair I owned and photographed It was part of my search for banal objects ndash

the chair itself the table the toilet roll Although the great majority of the photo-paintings are based on photos

which came from outside sources this was one I took myself

(Gerhard Richter Comments on some works 1991 In Gerhard Richter Text Writings Interviews and Letters

1961ndash2007 Thames amp Hudson London 2009 p 261262 apud Disponiacutevel em lthttpwwwgerhard-

richtercomartpaintingsphoto_paintingsdetailphppaintid=5615gt Acesso em 04082013)

131

Figura XI

238

Figura X

239

238

Gerhard Richter ldquoZeitungsfotosrdquo [Imagens de jornais e fotografias (aacutelbum)] 1963 517 x 667 cm Paacutegina do

Atlas nordm 11 Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

239

Gerhard Richter ldquoKuumlchenstuhlrdquo [Cadeira de cozinha] 1965 100 x 80cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 97) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

132

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo

Mais um conjunto de pinturas onde a relaccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e abstraccedilatildeo fica instigante

eacute a que o pintor alematildeo fez a partir da pintura ldquoA Anunciaccedilatildeordquo do pintor veneziano Ticiano

(Figura IX) pois haacute um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em

direccedilatildeo agrave pura abstraccedilatildeo (Figuras X e XI XII) como se ele quisesse desconstruir a imagem

para chegar ao esqueleto da composiccedilatildeo cromaacutetica

Figura IX

240 Figura X

241

Figura XI

242 Figura XII

243

240

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 125 x 300cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute343-1) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

241Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-3) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

242

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquocedil[Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-11) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

243

Gerhard Richter Verkuumlndigung nach Tizian [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

133

Ou seja aqui tambeacutem assim como no conjunto das obras do artista como um todo se

verifica a desconstruccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo e por conseguinte a desconstruccedilatildeo da

aparente dicotomia entre imitaccedilatildeo ou imaginaccedilatildeo que podem ser identificadas natildeo soacute na sua

produccedilatildeo pictoacuterica mas tambeacutem lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produccedilatildeo de

inuacutemeras pinturas Portanto retirando desse modo a nossa anaacutelise da simples suposiccedilatildeo e

vazia especulaccedilatildeo do que o artista teria ou natildeo feito e possibilitando que a interpretaccedilatildeo da

obra se enriqueccedila com o relato da experiecircncia do processo da pintura devido certo acesso do

espectador agrave ldquoformatividaderdquo da obra e natildeo soacute agrave ldquoformardquo acabada propriamente dita Como

na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr onde Richter mostra como

ele se relaciona com a questatildeo da imitaccedilatildeo nos meandros do processo da elaboraccedilatildeo de suas

pinturas

Gerhard Richter Eacute uma realidade que eacute inacessiacutevel Eacute um sonho Acabou

Mas eu sou antiquado o suficiente ou estuacutepido o suficiente para aguentar Eu

ainda quero pintar algo como Vermeer Mas eacute a hora errada e eu natildeo posso

fazecirc-lo Eu sou muito burro Bem eu natildeosou capaz Robert Storr Mas eu

estou pensando mais sobre fenocircmenos visuais que podem ser capturados do

que nos precedentes histoacutericos para capturaacute-los O que acontece quando o

assunto natildeo eacute um Ticiano mas um rolo de papel higiecircnico Isso significa

que a proacutepria realidade fez a realidade cotidiana eacute algo que noacutes perdemos a

capacidade de agarrar em uma foto Gerhard Richter Natildeo isso nunca foi

problema Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura Talvez

num momento de fraqueza eu tenha querido mas eu natildeo me lembro

Entretanto isso nunca foi minha intenccedilatildeo Mas eu quero pintar a aparecircncia

da realidade Esse eacute o meu tema ou meu trabalho244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente

reflexatildeo eacute quando se verifica que aqui a variaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas de sua pintura natildeo eacute

244

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGR It is a reality that is unreachable It is a dream Its over But I am old-fashioned

enough or stupid enough to hang on I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I

cannot do it I am too dumb Well I am not able to RS But I think more about visual phenomena that can be

captured than the historical precedents for capturing it What happens when the subject is not a Titian but a

toilet paper roll Does that mean that reality itself everyday reality is something weve lost the ability to hold

onto in a picture GR No thats never the problem I never wanted to capture and hold reality in a painting

Maybe at a weak moment I did but I dont remember However that was never my intention But I wanted to

paint the appearance of reality That is my theme or my jobrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter

concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in

painting New York The Museum of Modern Art 2003 p172)

134

uma questatildeo de fases como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inuacutemeras

reviravoltas e mudanccedilas no decorrer de suas vidas mas em Richter natildeo eacute uma questatildeo de

mudanccedila e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produccedilatildeo

diacutespar ou incoerente ou ateacute mesmo antagocircnica mas que se configura como pluralidade em

harmonia de aparentes contraacuterios como uma proposta artiacutestica verificaacutevel natildeo soacute na

observaccedilatildeo das obras em si e de sua variedade e concomitacircncia cronoloacutegica mas tambeacutem nas

leituras dos textos do artista

Sendo assim interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas

multiplicidades e na desconstruccedilatildeo desta aparente antiacutetese entre miacutemesis e imaginaccedilatildeo tanto

em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam Embora em

Richter - o que soacute poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informaccedilatildeo (obra

textos fotos esboccedilos) ndash seja um relato singular de uma experiecircncia de uma ldquoformatividaderdquo

bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal e em Pareyson seja

uma anaacutelise de algo inerente a toda e qualquer pintura como Pareyson discorre

Como quer que se conceba a relaccedilatildeo entre imagem artiacutestica e a realidade

natural seja como uma fiel representaccedilatildeo ou uma livre interpretaccedilatildeo ou

uma arbitraacuteria reconstruccedilatildeo ou uma deliberada idealizaccedilatildeo ou uma

voluntaacuteria deformaccedilatildeo ou ateacute uma criaccedilatildeo absoluta ou uma construccedilatildeo

completamente nova ou pura invenccedilatildeo sem pretexto de realidade o

importante eacute que a imagem artiacutestica se sutente apenas pela sua proacutepria

estrutura 245

Mais adiante continuando o trecho acima Pareyson discorre sobre a relaccedilatildeo do artista

com a realidade diante da elaboraccedilatildeo da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir

o grau de imitaccedilatildeo da obra com relaccedilatildeo a um modelo como se esse grau indicasse se a pintura

foi ou natildeo de fato bem sucedida

245

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoComunque si concepisca il rapporto fra limmagine artistica e la realtagrave naturale

sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o unarbitraria ricostruzione o una deliberata

idealizzazione o una voluta deformazione oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente

nuova o una pura invenzione senzappigli nella realtagrave limportante egrave che limmagine artistica si regga

unicamente sulla propria strutturardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

135

Sobre este ponto pelo contraacuterio acumulam-se intensamente diversos

equiacutevocos que de acordo com a antiacutetese supracitada podem ser reduzidos

agraves duas teses seguintes e opostas de um lado haacute quem afirme que o valor da

imagem artiacutestica depende de sua relaccedilatildeo com a realidade de outro lado haacute

quem afirme que a relaccedilatildeo da imagem artiacutestica com a realidade natildeo tem

nenhuma relevacircncia na arte246

Ora se a pintura natildeo se define por seu grau ou natildeo de imitaccedilatildeo ou invenccedilatildeo isto natildeo

quer dizer que a sua relaccedilatildeo com a realidade natildeo seja fundamental para interpretar a obra em

si como explica Pareyson

Mas por outro lado eacute preciso natildeo se exceder a ponto de dizer que se a

referencia agrave realidade natildeo determina o valor da arte ela eacute irrelevante Bem

entendido a figura artiacutestica vale pelos seus valores estiliacutesticos pictoacutericos ou

poeacuteticos ou musicais mas natildeo eacute indiferente que ela seja o resultado de uma

imitaccedilatildeo ou de uma idealizaccedilatildeo ou de uma invenccedilatildeo ou de uma pura

criaccedilatildeo Segundo estes diversos caracteres ela haacute que ser lida diversamente e

diversamente interpretada Sobre este ponto a esteacutetica tem o dever de

elaborar os conceitos que segundo as diversas poeacuteticas podem explicar a

relaccedilatildeo entre a imagem artiacutestica e a realidade natural247

Portanto haacute que se levar em conta natildeo soacute a ldquoformardquo mas se possiacutevel tambeacutem a

ldquoformatividaderdquo isto eacute a relaccedilatildeo que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da

produccedilatildeo da pintura aumenta os subsiacutedios para o entendimento da obra na sua totalidade

Como foi possiacutevel no caso da obra de Richter pois aleacutem de se vislumbrar a obra acabada haacute a

246

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoSu questo punto invece si sono pesantemente addensati i piugrave di versi equivoci che

conformemente allantitesi su citata si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte da un lato vegrave chi afferma

che il valore dellimmagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtagrave dallaltro cegrave chi afferma che il

rapporto dellimmagine artistica con la realtagrave non ha alcuna rilevanza nellarterdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p263 )

247

Ibidem op cit p69 ldquoMa per laltro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtagrave

non determina il valore dellarte esso egrave irrilevante Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici

pittorici o poetici o musicali che siano ma non egrave indifferente chessa sia il risultato duna raffigurazione o

dunidealizzazione o duninvenzione o duna pura creazione A seconda di questi diversi caratteri essa ha da

esser letta diversamente e diversamente interpretata Su questo punto lestetica ha i l compito di elaborare i

concetti che a seconda delle diverse poetiche possono spiegare il diverso rapporto fra limmagine artistica e la

realtagrave naturalerdquo (Ibidem opcit p264)

136

contribuiccedilatildeo dos relatos escritos do artista como ainda tambeacutem haacute as imagens dos rastros do

processo da produccedilatildeo da obra como os esboccedilos e fotos referenciais (Atlas) que permitem que

entendamos as escolhas e opccedilotildees do artista e parte da trilha por ele percorrida na

formatividade da obra tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para

interpretaccedilatildeo da obra como tantas vezes Pareyson apontou

Entretanto trecircs pontos devem ser esclarecidos aqui o primeiro eacute que o estudo da

ldquoformatividaderdquo natildeo eacute o estudo da suposta intenccedilatildeo do artista pois a intenccedilatildeo na maioria das

vezes nem mesmo o artista em questatildeo tem necessariamente consciecircncia e este pode ser um

campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulaccedilatildeo sem que se chegue a

fornecer elementos consistentes o bastante para a anaacutelise da obra propriamente dita isto eacute o

estudo da ldquoformatividaderdquo eacute o estudo dos rastros do que de fato foi executado e natildeo daquilo

que se quis executar

E em segundo lugar a interpretaccedilatildeo da obra de arte entendida sob a oacutetica

pareysoniana tambeacutem natildeo eacute um simples juiacutezo de valor pois as escolhas e posiccedilotildees do artista

perante a realidade natildeo desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou

ruim bem sucedida ou natildeo pertinente ou natildeo mas a identificam e a definem sendo chaves

importantes para o acesso ao significado da obra enquanto ldquoformardquo e mais ainda enquanto

ldquopessoardquo pois revela a sua personaliacutessima visatildeo de mundo atraveacutes da ldquoforma formadardquo

Sobre esta particularidade Pareyson discorre no trecho a seguir

Assim na pintura a obra muda de significado mesmo natildeo mudando de

valor segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata Eacute evidente

que o valor artiacutestico de um retrato natildeo depende de um confronto externo da

imagem com o original confronto para o qual de resto natildeo pode haver

regras fixas sendo o conceito de ldquosemelhanccedilardquo extremamente complexo e

difiacutecil sobretudo quando estaacute em jogo o resto da pessoa viva isto eacute uma

realidade dinacircmica e espiritual justamente na sua delineaccedilatildeo fiacutesica248

248

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquoCosigrave nella pittura lopera cambia di significato pur non cambiando di valore a

seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta Egrave evidente che il valore artistico dun ritratto non

dipende da un confronto esterno dellimmagine con loriginale confronto che del resto non puograve avere regole

fisse essendo il concetto di laquosomiglianzaraquo estremamente complesso e difficile soprattutto quando sia in gioco i l

volto duna persona vivente cioegrave una realtagrave quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

137

E o terceiro ponto eacute que embora se admita a multiplicidade e ateacute a inexauribilidade da

interpretaccedilatildeo da obra essa multiplicidade natildeo eacute extensiva agrave proacutepria obra que permanece a

mesma nas palavras de Pareyson

[] em primeiro lugar que a unidade eacute da obra e natildeo da interpretaccedilatildeo

enquanto a multiplicidade eacute da interpretaccedilatildeo e natildeo da obra uma vez que a

obra permanece idecircntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas

interpretaccedilotildees e em segundo lugar que a originalidade e a novidade da

interpretaccedilatildeo natildeo satildeo um programa mas um resultado no sentido de que o

inteacuterprete as consegue espontaneamente quanto maior for o seu esforccedilo

pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade []249

47 O estatuto ontoloacutegico

E ainda um uacuteltimo ponto do pensamento do pintor alematildeo que chama a atenccedilatildeo

atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade isto eacute a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da obra de arte operada por Pareyson diz Richter

A invenccedilatildeo do readymade me atenta como tendo sido a invenccedilatildeo da

realidade isto eacute a descoberta incisiva de que a realidade em contraste com a

imagem da vida eacute a uacutenica coisa de relevacircncia Desde entatildeo a pintura jaacute natildeo

retrata a realidade mas eacute a proacutepria realidade em si (que apresenta a si

mesma) E em algum momento vai voltar a ser uma questatildeo de recusar-se a

creditar esta realidade com qualquer valor a fim de produzir imagens de um

mundo melhor (como era antes) 250

fisica[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p264)

249

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p172 ldquo[] anzitutto che lunicitagrave egrave dellopera e non dellinterpretazione mentre la

molteplicitagrave egrave dellinterpretazione e non dellopera giaccheacute lopera rimane identica ed eguale a se stessa nella

molteplicitagrave delle sue interpretazioni e in secondo luogo che loriginalitagrave e la novitagrave dellinterpretazione non

sono un programma ma un risultato nel senso che linterprete le consegue spontaneamente quanto maggiore egrave

stato il suo sforzo personale di coglier lopera nella sua vera realtagrave []rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p354)

250

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe invention of the readymade strikes me as being the invention of reality that is to say

the incisive discovery that reality in contrast to the picture of life is the only thing of relevance Since then

138

Ou seja na passagem acima fica evidente que mais do que a obra de Duchamp ou o

que ele tenha querido propor mas sim o que estaacute em jogo aqui satildeo as inuacutemeras decorrecircncias

e desdobramentos que suas proposiccedilotildees geraram em outros artistas como no caso de Gerhard

Richter Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre o movimento entre o moderno

e o contemporacircneo

A crisaacutelida vira borboleta sofre metamorfose mas ainda eacute o mesmo ser

vivo Houve ruptura ou continuidade [] a modernidade cria algumas

questotildees e depois saturando-as leva agrave inversatildeo de ecircnfases que poderiam

indicar ruptura marcando o poacutes-moderno Mas de fato houve quebra Eacute por

isso que considero crisaacutelida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado

contemporaneidade251

Nesse sentido por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte

do seacuteculo XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar sua produccedilatildeo eacute

outra e eacute a mesma com relaccedilatildeo ao passado recente assim como ocorre igualmente com a

relaccedilatildeo da imagem imitativa ela eacute ao mesmo tempo referente e outra

Por isso independente das primeiras eou ldquooriginaisrdquo intenccedilotildees de Duchamp e de

outros artistas de sua geraccedilatildeo que propuseram natildeo soacute os ready-mades mas as assemblages

de Picasso tambeacutem os objets-trouveacutes dos dadaiacutestas e surrealistas o que se verifica em

Richter eacute uma assertiva de que as obras de arte em geral incluindo as imagens pictoacutericas e

fotograacuteficas tecircm um estatuto ontoloacutegico e uma autonomia como propotildee Pareyson sendo elas

imitativas ou natildeo mecacircnicas ou manuais e esta autonomia se daacute natildeo soacute com relaccedilatildeo ao

artista mas sobretudo com relaccedilatildeo ao modelo e com relaccedilatildeo ao espectador

Nesse sentido pode-se verificar que a despeito de todos os esforccedilos ocorridos no

seacuteculo passado para ampliar os limites da pintura entretanto Richter natildeo precisou expandir a

pintura para a tridimensionalidade da escultura e nem para o espaccedilo das instalaccedilotildees e

painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself) And at some point it will again be a

matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better worldrdquo (as it once

was) (Gerhard Richter 1990) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr

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251

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139

arquiteturas e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados

que natildeo a proacutepria tinta e o suporte plano para mostrar que as pinturas enquanto ldquoformasrdquo se

constituem como coisas entre coisas e tecircm estatuto ontoloacutegico embora tambeacutem possam ser

representaccedilotildees de ideias como ele tambeacutem mostrou

Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele tambeacutem natildeo precisou se

restringir agrave imagem como pura imaginaccedilatildeo e invenccedilatildeo nem como pura imitaccedilatildeo para afirmar

sua autonomia isto eacute Richter pocircde continuar a propor a pintura como miacutemesis entendida aqui

nas diversas acepccedilotildees encontradas tanto nos textos platocircnicos como aristoteacutelicos E portanto

a pintura de Gerhard Richter como miacutemesis eacute imitaccedilatildeo sem que isso a transforme em mera

coacutepia antagocircnica e incompatiacutevel com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve

proporcionar sem que isso retire dela a sua dignidade ontoloacutegica e sobretudo a sua

autonomia

140

CONCLUSAtildeO

A proposta de intersecccedilotildees entre os pensamentos de Luigi Pareyson Aristoacuteteles e

Platatildeo possibilitaram pensar a ldquoformardquo enquanto organismo como fruto da poiacuteesis

[produccedilatildeo] que como ldquoteacutekhne poietikoacutesrdquo [arte poeacutetica] estabelece uma simbioacutetica relaccedilatildeo

com a phyacutesis [natureza] relaccedilatildeo esta entendida como miacutemesis

Miacutemesis natildeo na acepccedilatildeo de simples imitaccedilatildeo mas como uma leitura pessoal da

realidade por isso a ldquoarte-formardquo eacute entendida como a introduccedilatildeo do sempre novo pois a

ldquoformatividaderdquo geratriz da miacutemesis eacute sempre uacutenica e pessoal por ser produto da visatildeo de

mundo da ldquopessoa ndash artistardquo Nesse sentido pode-se afirmar que eacute a ldquopessoardquo do artista que

faz com que a formatividade sempre seja ldquocarregadardquo de invenccedilatildeo seja qual for o grau de

fidelidade da imitaccedilatildeo

Sendo assim sem deixar de ser miacutemesis a ldquoarte-formardquo eacute tambeacutem phantasiacutea na

acepccedilatildeo presente no Sofista de Platatildeo pois a imagem que eacute derivada da phantasiacutea eacute fruto da

imaginaccedilatildeo e da invenccedilatildeo do artista que modifica o que vecirc Por conseguinte tal como Richter

discorre em tantas de suas entrevistas e notas eacute a ldquoinabilidaderdquo do artista - ao natildeo conseguir

copiar tal como vecirc ou natildeo querer copiar o que vecirc - que daacute agrave imagem pictoacuterica a possibilidade

de ser sempre produto novo que ldquoacrescentardquo ou que ldquocompletardquo a natureza [phyacutesis] tal

como Aristoacuteteles discorre na Fiacutesica I

Ademais a ldquoarte-formardquo eacute igualmente imaginaccedilatildeo na acepccedilatildeo aristoteacutelica de

phantasiacutea presente tanto no Da Alma como no De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo uma vez que

como propotildee Aristoacuteteles em De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo a imagem eacute presenccedila mesmo se eacute

lembranccedila pensamento e estaacute em noacutes logo phantasiacutea aqui eacute imaginaccedilatildeo no sentido de

apariccedilatildeo isto eacute de imagem que advem da memoacuteria do ausente tornado presenccedila na apariccedilatildeo

Entretanto ao contraacuterio da memoacuteria propriamente dita que natildeo se externaliza do pensamento

a ldquoimagemrdquo produzida pela arte se externaliza descolando-se de um pensamento singular e se

definindo como presenccedila em si mesma portanto se ontologiza como ldquoformardquo ldquoforma-

formanterdquo e ldquoforma-formadardquo

141

Sendo assim pode-se concluir que a obra de arte independente de sua materialidade

ou natildeo de sua perenidade ou natildeo de ser imitaccedilatildeo fiel ou natildeo abstraccedilatildeo ou natildeo ao ser

produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista ao deixar de ser mero

pensamento ou ldquopotecircncia de arterdquo para concretizar-se como coisa entre coisas enfim ao se

ldquopresentificarrdquo pode ser chamada de ldquoformardquo

E ainda como phantasiacutea na acepccedilatildeo dos textos aristoteacutelicos acima citados a arte eacute

tambeacutem representaccedilatildeo natildeo soacute no sentido de representaccedilatildeo como presenccedila de um ausente mas

tambeacutem como produto do pensamento que se concretiza na ldquoformardquo E portanto a ldquoformardquo

tambeacutem natildeo eacute apenas presenccedila de um ausente que eacute representado tonando-o novamente

presente mas a ldquoformardquo eacute igualmente autocircnoma com relaccedilatildeo ao representado na medida em

que eacute uma totalidade pois depois de formada a ldquoformardquo eacute tambeacutem presenccedila em si mesma

E ainda na medida em que a ldquoformardquo eacute fato novo tem autonomia ontoloacutegica pois

constitui uma alteridade e portanto eacute autocircnoma natildeo soacute do artista que a forjou mas tambeacutem

do representado e mesmo com relaccedilatildeo ao fruidor

Portanto a ldquoformardquo enquanto um ldquooutrordquo eacute como um espelho que reflete a alteridade

ao mesmo tempo em que reflete o proacuteprio espectador da obra Uma vez que eacute na fruiccedilatildeo da

obra de ldquoarte - formardquo que a visatildeo de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura

com a visatildeo de mundo pessoal contida na obra daiacute a ldquoinexauribilidade da interpretaccedilatildeordquo da

obra de arte definida por Pareyson daiacute o organismo vivo e irrepetiacutevel e em constante

movimento com que o filoacutesofo italiano define o conceito de obra de arte como ldquoformardquo

Ademais vale ressaltar que a autonomia da ldquoformardquo eacute independente de sua

materialidade e de sua temporalidade pois a ldquopresenccedilardquo que concretiza a sua autonomia

ontoloacutegica se daacute sobretudo no espaccedilo-tempo da fruiccedilatildeo e natildeo necessariamente na sua

perenidade temporal ou na sua concretude material enquanto coisa Pois nem a falta de

concretude nem a falta de perenidade muda a sua caracteriacutestica de ser uma visatildeo de mundo

pessoal de um artista e portanto fruto dessa relaccedilatildeo ldquopessoa-forma-formanterdquo

142

Nesse sentido o entendimento da dimensatildeo natildeo material da ldquoformardquo se faz necessaacuterio

sobretudo nos dias de hoje quando o acesso agraves obras de arte pode ser virtual ou a partir de

coacutepias mecacircnicas ou ateacute mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir

como no caso de instalaccedilotildees e performances pois independente da concretude material da

obra de arte a ldquoformardquo na alteridade do pensamento permanece na fruiccedilatildeo do outro E se

por um lado eacute possiacutevel identificar que a produccedilatildeo artiacutestica na atualidade ao reivindicar um

estatuto ontoloacutegico para a obra de arte estabelece a obra como coisa entretanto por outro

lado a produccedilatildeo nos dias de hoje tambeacutem permite que a arte se desmaterialize pois ao tomar

a arte como fruto da imaginaccedilatildeo a ldquoformardquo enquanto pensamento na alteridade pode existir

como puro pensamento sem que seja necessaacuteria a sua materializaccedilatildeo ou seja para que ela se

concretize e possa ser identificada como ldquoformardquo basta que ela esteja fora do pensamento

singular de uma soacute pessoa

Por isso no acircmbito das manifestaccedilotildees artiacutesticas nos dias de hoje embora a proacutepria

materialidade da arte foi e eacute questionada e a possibilidade da virtualidade da obra eacute fato

consumado a ldquoformardquo tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana ainda parece

ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte jaacute que autonomamente em relaccedilatildeo a

sua materialidade a ldquoformardquo eacute alteridade do pensamento

Concluindo a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diaacutelogo com

determinados conceitos das filosofias de Platatildeo e de Aristoacuteteles estudos que posteriormente

instrumentalizaram a leitura da experiecircncia pessoal do pintor alematildeo Gerhard Richter

conclui-se que haacute trecircs maneiras distintas poreacutem concomitantes em que a obra de arte em

particular a pintura se presentifica como ldquoformardquo a primeira eacute aquela pela qual a pintura eacute

imagem mimeacutetica ou seja a imagem advinda de um processo de imitaccedilatildeo e que mesmo

perante o maior esforccedilo de fidelidade ao modelo eacute sempre acrescida da imaginaccedilatildeo do artista

que interpreta modifica e ldquocompletardquo o modelo

O segundo modo de presentificaccedilatildeo da pintura como ldquoformardquo eacute a imagem

representativa ou seja aquele pelo qual a imagem substitui a ausecircncia de outra coisa imagem

ou pensamento isto eacute a pintura como representaccedilatildeo de uma ideia Contudo aqui tambeacutem a

imaginaccedilatildeo participa do processo de formatividade pois a representaccedilatildeo eacute sempre intervenccedilatildeo

143

ldquoinventivardquo do artista Portanto a pintura se daacute como outra presenccedila da ausecircncia e tambeacutem

muitas vezes como visibilidade do invisiacutevel

E finalmente a terceira presentificaccedilatildeo da imagem pictoacuterica enquanto ldquoformardquo eacute o

modo em que a imagem da pintura eacute ela mesma ou seja natildeo imita nem representa nada aleacutem

daquilo que apresenta E eacute nesse jogo entre essas trecircs co-possobilidades (miacutemesis

representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo) que a pintura eacute coisa entre coisas inclusive passiacutevel de vir a ser

paradigma para outra pintura

Sendo assim ao analisar algumas obras pictoacutericas dizeres e escritos de Gerhard

Richter no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um

aspecto mais pontual pocircde-se concluir que as obras do artista alematildeo satildeo exemplos de

pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como miacutemesis e phantasiacutea isto eacute como

imitaccedilatildeo imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo Ademais as obras Richter mostram ainda que natildeo se

precisa escolher entre umas e outras pois natildeo haacute contradiccedilatildeo natildeo haacute antiacutetese pode haver

convivecircncia e complementaridade entre a miacutemesis imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo e estatuto

ontoloacutegico da ldquoformardquo pois a pintura pode ser ao mesmo tempo conforme pudemos atestar

durante a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo imagem de outra coisa imagem de si mesma e coisa

autocircnoma

144

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VENTURI Leonel Histoacuteria da criacutetica de arte Trad Rui Eduardo Santana Brito Lisboa Ed

70

Page 2: Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

2

FACULDADE DE SAtildeO BENTO

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADEcircMICO

Reflexotildees sobre a arte contemporacircnea agrave luz da

Teoria da Formatividade de Luigi Pareyson

Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo Stricto Sensu em Filosofia da Faculdade

de Satildeo Bento do Mosteiro de Satildeo Bento de Satildeo

Paulo como requisito parcial para a obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Mestre em Filosofia

Orientador Prof Dr Carlos Eduardo Uchocirca

Fagundes Junior OSB

Aacuterea de Concentraccedilatildeo Filosofia da Arte

Satildeo Paulo

2013

3

Dedicatoacuterias

Ao meu marido Luiacutes Rodolfo meu amor companheiro de todas as horas e

meu maior interlocutor por tudo

Agrave minha matildee Joanna Helena por todo apoio e incentivo e pela incansaacutevel dedicaccedilatildeo

A meu pai Luiz Carlos (in memorian) que incetivou com entusiasmo os

meus estudos de arte e filosofia

Aos meus sogros Regina e Roberto pelo carinho e apoio

Dedico tambeacutem aos meus queridos irmatildeos Paulo Silvia e Marcia aos meus cunhados

Silvana Maacuterio Andreacute Flaacutevia e Heloisa e aos meus adorados sobrinhos

Guilherme Gabriela Lucas Bruna e Maria

4

Agradecimentos

Ao concluir esta dissertaccedilatildeo sou imensamente grata ao meu orientador Prof Dr

Carlos Eduardo Uchocirca Fagundes Junior OSB pela confianccedila paciecircncia e zelo

sensibilidade e inteligecircncia sabedoria e generosidade que possibilitaram que este estudo

pudesse ser concluiacutedo

Devo tambeacutem um agradecimento especial ao Prof Dr Leon Kossovitch de quem

obtive liccedilotildees fundamentais para o desenvolvimento desta dissertaccedilatildeo tanto nas aulas como

na qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo ainda o Prof Dr Ricardo Fabbrini de quem colhi no exame de

qualificaccedilatildeo observaccedilotildees preciosas de meu trabalho

No decorrer do processo de pesquisa dessa dissertaccedilatildeo ainda tive a sorte de contar

com a generosidade de diversos professores da Faculdade de Satildeo Bento Prof Dr Djalma

Medeiros Prof Dr Franklin Leopoldo e Silva Prof Dr Ivo Assad Ibri Prof Dr Joel

Gracioso Prof Dr Joseacute Carlos Bruni Profa Dra Maria Carolina Alves dos Santos e Profa

Dra Rachel Gazolla de Andrade que sempre atentos e presentes contribuiacuteram para o

amadurecimento deste estudo a eles devo meus sinceros agradecimentos

5

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relaccedilatildeo que o artista estabelece com a realidade

durante a produccedilatildeo da obra de arte sobretudo da pintura levando em conta que a obra de arte

antes de ser representaccedilatildeo eacute apresentaccedilatildeo em si mesma isto eacute depois de acabada tem

autonomia e estatuto ontoloacutegico eacute coisa entre coisas Ou seja pretende-se investigar como

nos tempos atuais se vecirc e se lida com o pressuposto de que a produccedilatildeo da arte eacute imitaccedilatildeo e ao

mesmo tempo invenccedilatildeo que funda uma nova realidade Para tanto acreditamos que a Teoria

da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar

estas problemaacuteticas que se destacam na arte contemporacircnea em especial na pintura com o

foco na produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter E partindo da premissa de que a implicaccedilatildeo

da arte como imitaccedilatildeo e consequentemente sua pertinecircncia inicia-se nos primoacuterdios do

pensamento sobre arte na Greacutecia Antiga (em especial as contribuiccedilotildees de Platatildeo e de

Aristoacuteteles) e considerando que o proacuteprio Pareyson mostra como ambos sobretudo

Aristoacuteteles ainda satildeo fundamentais mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria

da arte atual bem como para a produccedilatildeo artiacutestica contemporacircnea a presente pesquisa estuda a

intersecccedilatildeo de pontos centrais advindos dos filoacutesofos gregos citados com os pontos centrais

do pensamento pareysoniano sobre Arte A proposta eacute construir uma ponte de intersecccedilatildeo

entre os pensamentos de Pareyson Aristoacuteteles e Platatildeo e ancorando-a nos conceitos

cunhados na Teoria da Formatividade expor como o filoacutesofo italiano relecirc as problemaacuteticas

colocadas pelos filoacutesofos gregos antigos e de que maneira esta interseccedilatildeo de pensamentos e

conceitos contribuem para a reflexatildeo sobre Arte na atualidade e em particular para a anaacutelise

da produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter

Palavras ndash Chave

Teoria da Formatividade Gerhard Richter miacutemesis representaccedilatildeo pintura

6

ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the)

reality during the production of the work of art especially in painting considering that the

work or art prior to its representation is a presentation of itself That is after completed it has

autonomy and ontological status it is a thing among things Thus how at present the pre-

supposition that the production of art is an imitation and at the same time an invention

which uncovers a new reality is seen and dealt with is the subject of the investigation

Therefore we believe that Luigi Pareysonacutes Theory of Formativity provides some

fundamental keys to consider these issues which stand out in contemporary art especially in

painting and will thus also focus on Gerhard Richteracutes pictorial production Beginning with

the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence

starts with ancient Greek thought (especially Platoacutes and Aristotleacutes contributions) and

considering that Pareyson shows that both but especially Aristotle are still fundamental even

when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic

production this research studies the intersection of the central points of the above Greek

philosophers with those of Pareysonian thinking on Art The proposal is to build an

intersectional bridge of Pareysonacutes Aristotleacutes and Platoacutes thinking grounding them in the

concepts of the Theory of Formativity and to discuss how the Italian philosopher re-reads the

problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and

concepts contributes to todayacutes art reflections and in particular for the analysis of Gerhard

Richteracutes pictorial production

Key - Words

Theory of Formativity Gerhard Richter miacutemesis representation painting

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO I Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson 13

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo da

Teoria da Formatividade 13

12 Teacutekhne como saber-fazer 19

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia 21

14 Teacutekhne e ldquoinspiraccedilatildeordquo 23

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai 27

16 Teacutekhne e phyacutesis [natureza- entes naturais] 31

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo 33

18 Teacutekhne poietikoacutes 35

19 Poiacuteesis versus praacutexis 36

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars 38

111 Arte como ecircxito 39

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade 42

CAPIacuteTULO II Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson 43

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade 43

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo 44

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo apartir de Aristoacuteteles 46

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade 55

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte 58

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo 61

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson 68

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade 74

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo 74

222 Correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo 76

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade 78

224 Legalidade da ldquoformardquo e a noccedilatildeo de intuiccedilatildeo na Teoria da Formativida 79

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade 83

8

CAPIacuteTULO III Arte como miacutemesis e a autononia da obra de arte na Teoria da

Formatividade 87

31 O conceito de miacutemesis sob a oacutetica da Teoria da Formatividade 87

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo 88

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo 92

34 A ldquopositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles 100

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles 107

36 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson 110

CAPIacuteTULO IV Autonomia da obra de arte e miacutemesis na produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard

Richter agrave luz da Teoria da Formatividade 115

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista 115

42 ldquoFormardquoe ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter 117

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 118

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter 122

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 124

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo 127

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo 132

47 O estatuto ontoloacutegico 137

CONCLUSAtildeO 140

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 144

9

INTRODUCcedilAtildeO

O estudo sobre a histoacuteria da produccedilatildeo artiacutestica no Ocidente sobretudo a pictoacuterica

revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teoacutericos e artistas com relaccedilatildeo agrave

aceitaccedilatildeo da pintura ora como imitaccedilatildeo da realidade ora como afirmaccedilatildeo de si mesma

enquanto coisa no mundo Isto eacute o questionamento da pintura como representaccedilatildeo tem sido

retomado na forma de outro (ou novo) movimento artiacutestico de orientaccedilatildeo figurativa eou

abstrata E ainda esse vai e vem de assertivas e oposiccedilotildees para com a arte como

representaccedilatildeo fortalece o lugar comum da ldquomorte da pinturardquo 1 que em uacuteltima anaacutelise

questiona a pertinecircncia da proacutepria existecircncia da pintura se natildeo da proacutepria arte como um todo

Todavia apesar das controveacutersias eacute possiacutevel constatar que parte do meio artiacutestico da

atualidade reabilitou a pintura e estaacute relendo a problemaacutetica do jogo entre imitaccedilatildeo e realidade

na arte pictoacuterica E mais ainda a produccedilatildeo de arte contemporacircnea2 e em especial a produccedilatildeo

pictoacuterica de Gerhard Richter (Dresden 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre

figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo e entre imagem e objeto podem ser

questionadas Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa de certa maneira artistas e

teoacutericos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitaccedilatildeo ou ateacute

mesmo deixar de existir Contudo ao reabilitar a retomada da pintura natildeo excluiacuteram outras

formas de arte que negam a imitaccedilatildeo ou que trazem novas formas de construccedilatildeo de imagens

inclusive pondo em cheque a proacutepria materialidade da arte

Nesse sentido pode-se afirmar que essas hipoacuteteses direcionam um estudo para uma

investigaccedilatildeo acerca da problematizaccedilatildeo da arte e da pintura enquanto imitaccedilatildeo da realidade 1 Eacute possiacutevel identificar nesta expressatildeo uma relaccedilatildeo agrave ideia de ldquomorte da arterdquo cunhada por Hegel em seus

Cursos de Esteacutetica que foram compilados e publicados ainda no iniacutecio do seacuteculo XIX proposiccedilatildeo esta

amplamente discutida por vaacuterios pensadores desde entatildeo e que indubitavelmente muito influencia o pensamento

sobre arte ainda hoje Entretanto nossa colocaccedilatildeo natildeo diz respeito exatamente agrave consciente filiaccedilatildeo agraves ideias de

Hegel e sim a um movimento aceacutefalo e pouco ciente de suas antecedecircncias Ou seja diz respeito a um locus que

se formou entre artistas professores de arte e criacuteticos que usam as expressotildees ldquomorte da arterdquo e sobretudo

ldquomorte da pinturardquo de maneira ateacute muitas vezes ingecircnua e inconsequente em ambientes de cursos de arte ateliecircs

e em textos de cataacutelogos de exposiccedilatildeo e afins

2 A despeito das controveacutersias inerentes aos roacutetulos utilizados para as classificaccedilotildees de periacuteodos estilos e

movimentos artiacutesticos neste contexto a palavra ldquoarte contemporacircneardquo deve ser entendida na sua acepccedilatildeo de uso

corrente da palavra contemporacircneo isto eacute diz respeito agrave produccedilatildeo de arte vigente nos dias de hoje de todo e

qualquer artista que estaacute em produccedilatildeo Entretanto uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das

deacutecadas correspondentes as suas proacuteprias vidas logo a produccedilatildeo de arte contemporacircnea igualmente pode

corresponder agrave produccedilatildeo das uacuteltimas deacutecadas Portanto neste contexto ldquoarte contemporacircneardquo natildeo determina um

exato limite temporal de iniacutecio ou teacutermino nem faz distinccedilatildeo de grupos ou geraccedilotildees de artistas natildeo se refere a

um movimento em particular mas sim agrave atualidade com todas as suas idiossincrasias

10

que culmina na intricada relaccedilatildeo do artista para com a apreensatildeo do mundo e a consequente

negaccedilatildeo da possibilidade dessa relaccedilatildeo ateacute o questionamento da pertinecircncia da proacutepria

existecircncia da pintura eou da arte

Eacute possiacutevel constatar que estas problemaacuteticas remontam agrave antiguidade grega e se

estendem por toda a histoacuteria da pintura podendo ser resumidas no embate entre realidade e

arte Neste sentido surge a necessidade de recorrer aos textos dos filoacutesofos antigos

sobretudo os de Platatildeo e Aristoacuteteles a fim de identificar a origem das questotildees descritas

acima e que ateacute hoje estatildeo no nuacutecleo da reflexatildeo sobre a arte sobretudo pictoacuterica

Uma chave para esse diaacutelogo entre o pensamento da Greacutecia antiga e o pensamento da

atualidade no campo da investigaccedilatildeo esteacutetica pode ser encontrada no pensamento de Luigi

Pareyson (1918-1991) que recorre principalmente a Aristoacuteteles para a construccedilatildeo da sua

teoria sobre arte

Portanto tendo em conta este embasamento teoacuterico a presente pesquisa revisita a

discussatildeo da intrincada relaccedilatildeo entre arte e realidade isto eacute retoma os questionamentos que

envolvem a proposiccedilatildeo de que a arte em especial a pintura eacute representaccedilatildeo embora tambeacutem

seja definida como apresentaccedilatildeo de si mesma visto que por meio das leituras dos textos de

Pareyson e em especial os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade

constata-se a reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte como realidade em si mesma ou

seja da arte e em especial da arte pictoacuterica como necessariamente invenccedilatildeo de nova

visualidade e sobretudo de nova realidade

Vale assinalar que o presente enfoque filosoacutefico sobre a arte se daacute preferencialmente

acerca do processo de elaboraccedilatildeo da obra levando em conta que na Teoria da Formatividade

Luigi Pareyson propotildee um modo de abordagem esteacutetica sob a oacutetica da produccedilatildeo artiacutestica ldquoEra

mais que tempo na arte de por a ecircnfase no fazer mais que no simplesmente contemplarrdquo 3

Embora o filoacutesofo reconheccedila e coloque em destaque a importacircncia da experiecircncia

artiacutestica para o embasamento do estudo filosoacutefico sobre a arte ele natildeo deixa de levar em conta

a necessaacuteria investigaccedilatildeo conceitual que a reflexatildeo filosoacutefica pressupotildee Desse modo o

3 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

11

proacuteprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da

Filosofia da Arte que antes de tudo eacute sobretudo Filosofia ldquoUrge pois reconhecer que a

esteacutetica eacute filosofia e somente sob a condiccedilatildeo de ser filosofia justifica a proacutepria pesquisa e

manteacutem sua autonomia []rdquo4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte eacute

[] uma anaacutelise da experiecircncia esteacutetica natildeo uma definiccedilatildeo da arte

considerada abstratamente em si mesma mas um estudo do homem

enquanto autor da arte e no ato de fazer arte Em siacutentese reflexatildeo filosoacutefica

sobre a experiecircncia esteacutetica e no intuito de problematizaacute-la no seu conjunto

de mostrar-lhe a possibilidade estabelecer-lhe o acircmbito e os limites [] 5

Nesse sentido partindo dos proacuteprios apontamentos do filoacutesofo constata-se que se faz

necessaacuterio um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiecircncia artiacutestica

incluindo a pictoacuterica Igualmente a partir das afirmaccedilotildees do proacuteprio Pareyson parece seguro

afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosoacuteficos de Platatildeo e

sobretudo de Aristoacuteteles importantes pontos de apoio e de diaacutelogo para a construccedilatildeo de seus

conceitos centrais

Portanto na primeira etapa da pesquisa propotildee-se uma demarcaccedilatildeo terminoloacutegica de

alguns pontos importantes advindos do pensamento filosoacutefico grego em especial dos textos

de Platatildeo e Aristoacuteteles que dialogam com a concepccedilatildeo particular da filosofia de Pareyson

sobretudo relacionada com a sua concepccedilatildeo de arte servindo como ponto de apoio para o

embasamento conceitual e teoacuterico da Teoria da Formatividade

O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade

relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosoacutefico de Pareyson E

novamente haacute uma delimitaccedilatildeo dos aportes que embasam a conceituaccedilatildeo pareysoniana

sobretudo os advindos de definiccedilotildees aristoteacutelicas (embora tais definiccedilotildees natildeo sejam

necessariamente relacionadas exclusivamente agraves questotildees sobre arte que o estagirita discutiu)

4 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p19 ldquoBisogna dunque ricoscere Che lrsquoestetica egrave filosofia e solo a patto drsquoesser filosofia

giustifica la proacutepria ricerca e mantiene la proacutepria autonomiardquo [] (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

5 Ibidem op cit p11 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Embasada pelas demarcaccedilotildees das definiccedilotildees conceituais elaboradas nos capiacutetulos

anteriores a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes

conceitualizaccedilotildees sobre imitaccedilatildeo intenccedilatildeo imaginaccedilatildeo bem como representaccedilatildeo no campo

da arte sobretudo da arte pictoacuterica advindas dos pensamentos de Platatildeo de Aristoacuteteles em

contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade

A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alematildeo Gerhard

Richter para investigar as relaccedilotildees do artista com a realidade enquanto imitador desta bem

como enquanto criador de uma novaoutra visualidade e realidade na contemporaneidade E

consequentemente a possibilidade da obra de arte em especial a pintura como apresentaccedilatildeo

de si mesma isto eacute como coisa entre coisas sem que isso faccedila com que a imagem deixe

tambeacutem de fazer referecircncia a um modelo Vale ressaltar que toda esta reflexatildeo traz natildeo soacute a

questatildeo da arte como imitaccedilatildeo ao mesmo tempo mas tambeacutem como coisa nova e original

Em suma este estudo discorre a respeito das problemaacuteticas especiacuteficas da arte

sobretudo da pintura na atualidade tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diaacutelogo

com os pensamentos de Platatildeo e de Aristoacuteteles Esses aportes teoacutericos visam agrave compreensatildeo

do fenocircmeno artiacutestico com ecircnfase no pictoacuterico entendendo a arte como produccedilatildeo formante

que imita e representa ao mesmo tempo em que eacute invenccedilatildeo de coisa autocircnoma Isto eacute esta

pesquisa visa investigar como o estatuto ontoloacutegico da obra de arte ou seja a dignidade de

autonomia da arte que Pareyson reivindica influencia na leitura sobre a problemaacutetica da

questatildeo da arte enquanto imitaccedilatildeo Logo a proposta eacute mostrar como o reconhecimento destas

trecircs dimensotildees inseparaacuteveis da arte enquanto produccedilatildeo imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo possibilita uma

leitura dos desdobramentos da produccedilatildeo artiacutestica pictoacuterica no seacuteculo XXI tomando como

ponto de investigaccedilatildeo especiacutefica a obra pictoacuterica de Gerhard Richter

13

CAPIacuteTULO I

Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson

A ideia de que a esteacutetica eacute uma disciplina moderna eacute pouco

mais do que um lugar comum mas que pode degenerar em um

erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como

uma fonte de inspiraccedilatildeo para o estudo da arte

Luigi Pareyson 1966 6

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo

da Teoria da Formatividade

Conforme foi exposto na Introduccedilatildeo um retorno agraves origens das definiccedilotildees e

entendimentos sobre as questotildees centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte

pictoacuterica se faz necessaacuterio para que o pensamento de Luigi Pareyson7 possa ser localizado no

campo do pensamento sobre arte Ele mesmo estabelece os limites desse diaacutelogo ao citar

frequentemente o pensamento da antiguidade grega situando-a como ponto de partida para a

conceituaccedilatildeo das problemaacuteticas artiacutesticas pertinentes ainda hoje Nas palavras dele sobre a

questatildeo das definiccedilotildees de arte

6 (Traduccedilatildeo nossa da traduccedilatildeo em espanhol) ldquoLa idea de que la esteacutetica es una disciplina moderna es poco

menos que un lugar comuacuten pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo

antiguo como fuente de inspiracioacuten para el estudio del arterdquo (PAREYSON Luigi Forma organismo y

abstraccioacuten In ______ Conversaciones de esteacutetica Trad de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

7 Italiano nasceu em 1918 faleceu em 1991 Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim e em 1943

passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim ficando na mesma instituiccedilatildeo ateacute 1988 Dirigiu a

revista de esteacutetica (Rivista di Esteacutetica) da citada instituiccedilatildeo por mais de 25 anos As primeiras interlocuccedilotildees

filosoacuteficas de Pareyson se deram com os filoacutesofos alematildees com destaque para ensaios realizados sobre as obras

de pensadores como Kant Schelling Schiller Fichte Kierkegaard e Goethe sem deixar de mencionar o

destaque ao estudo da obra de Karl Jasper Aleacutem dos alematildees ele desenvolveu importantes ensaios sobre os

pensamentos de Aristoacuteteles Vico e Valegravery Contudo ainda estabeleceu interlocuccedilotildees com pensadores

contemporacircneos a ele como Heidegger Gadamer Dewey Focillon e Gilson Ainda saindo do foco da

interlocuccedilotildees e diaacutelogos com outros filoacutesofos como siacutentese do percurso filosoacutefico de Pareyson Sarto discorre

ldquoDotado de una profunda curiosidad cientiacutefica y de una notable erudicioacuten Pareyson fue capaz de elaborar una

siacutentesis original un pensamiento que parte del existencialismo pasa por el personalismo la esteacutetica y la

hermeneacuteutica para acabar en la lsquoontologiacutea de la libertadrsquo []rdquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar

el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi PareysonPamplona EUNSA 1998 p21) Ver tambeacutem ECO

Umberto A esteacutetica da formatividade e o conceito de interpretaccedilatildeo p14-15 In _____ A definiccedilatildeo da arte

Traduccedilatildeo de Joseacute Mendes Ferreira Lisboa Ed 70 2008

14

As definiccedilotildees mais conhecidas da arte recorrentes na histoacuteria do

pensamento podem ser reduzidas a trecircs ora a arte como um fazer ora como

um conhecer ora como um exprimir [] Na Antiguidade prevaleceu a

primeira a arte foi entendida como teacutekhne como um fazer em que era

expliacutecita ou implicitamente acentuado o aspecto executivo fabril manual 8

Embora como diz Pareyson ldquoEssas diversas concepccedilotildees ora se contrapotildeem ora se

excluem umas agraves outras ora pelo contraacuterio aliam-se e se combinam de vaacuterias maneirasrdquo

(1989 p29) 9 o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas

nuances partindo da interpretaccedilatildeo das variantes dos significados dos termos teacutekhne 10 e

poiacuteesis visto que o aspecto fabril da obra de arte bem como as definiccedilotildees advindas da

filosofia grega sobretudo de alguns textos de Aristoacuteteles satildeo chaves capitais para o

entendimento da Teoria da Formatividade11

do filoacutesofo de Turim

8 PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes1989 p29 ldquoLe definizioni piugrave famose dellrsquoarte si possono ridurre a tre ricorrenti nella storia

de pensiero lrsquoarte egrave concepita ora come un fare ora come un conoscere ora come un esprimere

[]Nellrsquoantichitagrave prevalse la prima lrsquoarte fu intesa come τέχνη come un fare in cui era esplicitamente o

implicitamente accentuato lrsquoaspetto esecutivo fabrile manuale[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

9 Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes1989 p29 ldquoQueste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro ora invece si

alleano e si combinano variamente ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dellrsquoarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p229)

10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos Os paracircmetros para a

transliteraccedilatildeo do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY Ivan

Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Cf Op cit p 5 a

8) Esses paracircmetros soacute natildeo foram usados nas citaccedilotildees onde os autores optaram por paracircmetros diversos dos

seguidos por Gobry nesses casos a grafia do texto original citado foi mantida

11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiograacutefico estudos e comentaacuterios sobre as obras

e outros filoacutesofos ateacute textos teoacutericos autocircnomos como os dois livros especiacuteficos de Esteacutetica que serviram como

base central para a presente dissertaccedilatildeo isto eacute Estetica Teoria della formativitagrave publicado pela primeira vez em

1954 e traduzido para o portuguecircs em 1993 e ainda o livro I problemi dellestetica com a primeira ediccedilatildeo

italiana de 1966 e publicado no Brasil em 1984 Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais

significativas estatildeo dispostas por ordem cronoloacutegica a partir da primeira publicaccedilatildeo em italiano de cada obra La

filosofia dellesistenza e Karl Jaspers (1939) Studi sullesistenzialismo (1943) Corso di estetica (1946) Etica

ed estetica in Schiller (1949) Lestetica di Kant (1949) Etica ed estetica in Schiller (1949) Fichte Il sistema

della libertagrave (1950) Esistenza e persona (1950) Esistenza e persona (1950) Lestetica di Fichte (1950)

Lestetica dellidealismo tedesco (1950) Unitaacute della Filosofia (1952) Estetica Teoria della formativitagrave (1954)

Teoria dellarte (1965) I problemi dellestetica(1966) Conversazioni di estetica (1966) Il pensiero etico di

Dostoevskij (1967) Veritagrave e interpretazione (1971) Lesperienza artistica (1974) Schelling(1975) Rettifiche

sullrsquoesistenzialismo (1975) Dostoevskij filosofia romanzo ed esperienza religiosa (1976) LacuteEacutetica e esteacutetica

em Schiller (1983) Filosofia della libertagrave (1989) Ontologia della libertagrave Il male e la sofferenza (1995 -

poacutestuma) entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais Atualmente sob a rubrica de Opere

completerdquo os livros de Pareyson estatildeo sendo republicados pelo Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi

15

As diferentes acepccedilotildees utilizadas para as palavras teacutekhne e poiacuteesis satildeo por si soacute um

empecilho para a leitura atenta dos diversos textos natildeo soacute de Platatildeo e Aristoacuteteles mas

tambeacutem dos textos de outros autores antigos As dificuldades iniciam sobretudo no

entendimento de como esses autores pensavam as vaacuterias dimensotildees da atividade artiacutestica da

produccedilatildeo agrave fruiccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuteria uma breve demarcaccedilatildeo terminoloacutegica a fim de

evitarmos imprecisotildees jaacute que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte

A palavra teacutekhne eacute comumente natildeo traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje

Mas quando o eacute eacute usualmente traduzida por arte para o portuguecircs Como em portuguecircs a

palavra que utilizamos eacute de origem latina [ars ou artis] e natildeo existe nenhuma palavra em

grego que abarque todos os complexos significados e delimitaccedilotildees que o vocaacutebulo foi

ganhando no decorrer dos seacuteculos muitos textos atuais acabam por aceitar que teacutekhne

signifique simplesmente arte

Entretanto a acepccedilatildeo da palavra ldquoarterdquo que um grande grupo de pessoas tem em mente

atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade expressividade e

beleza Notadamente porque a definiccedilatildeo de arte acrescida das noccedilotildees de subjetividade

expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerccedilado na tradiccedilatildeo do pensamento

sobre arte que se cristalizou a partir do seacuteculo XVIII nos meios que de modo geral se

identificam pelo pensamento idealista e romacircntico Ideias que natildeo estariam inteiramente

presentes nas acepccedilotildees gregas de teacutekhne e que natildeo correspondem mais a grande parte das

concepccedilotildees de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje e sobretudo natildeo vatildeo de

encontro com o que Pareyson propotildee para a Teoria da Formatividade O filoacutesofo italiano faz

esta distinccedilatildeo pontualmente ldquoDe um lado a arte como teacutekhne saber fazer perfeiccedilatildeo formal

de outro a arte como inspiraccedilatildeo e paixatildeordquo 12

Pareyson da Universidade de Turim Por isso muitos tiacutetulos originais bem como a organizaccedilatildeo interna dos

textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem Cf em RAVERA Marco Premessa del Curatore

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p5-9 (Centro

Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 10)

11

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p71 ldquoDa un lato lrsquoarte come τέχνη saper fare perfezione formale dallrsquoaltro lrsquoarte come inspirazione e

passionerdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p266)

16

Portanto Pareyson chama a atenccedilatildeo sobre a importacircncia de se pensar a arte como

saber-fazer [teacutekhne] concepccedilatildeo natildeo soacute presentes nos pensamentos de ambos os filoacutesofos

gregos supracitados mas central nos textos da Greacutecia Antiga em geral Parece claro que o

professor de Turim o faz no intuito de retomar as definiccedilotildees primeiras de arte como fica

evidente na introduccedilatildeo do livro Esteacutetica Teoria da Formatividade quando ele expotildee que

quer ldquo[] entrar imediatamente no tema propondo ao inveacutes dos princiacutepios croceanos13

da

intuiccedilatildeo e da expressatildeo uma esteacutetica da produccedilatildeo e da formatividaderdquo 14

Por isso um olhar mais proacuteximo das especificidades dos diversos significados dos

termos gregos presentes nos textos antigos e repetidos nos textos atuais pretende ajudar a

desfazer as imprecisotildees que ocorrem por falta de uma distinccedilatildeo criteriosa que respeite as

variaccedilotildees conceituais de cada eacutepoca

Em suma nem para Platatildeo tatildeo pouco para Aristoacuteteles teacutekhne e poiacuteesis tecircm um

significado particular e sobretudo natildeo coincidem com as acepccedilotildees de arte que costumamos

utilizar no portuguecircs corrente Contudo Pareyson resgata uma seacuterie desses sentidos presentes

nos textos dos filoacutesofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua esteacutetica Nesse

intuito foram elencados os principais sentidos de teacutekhne poiacuteesis e outros termos e conceitos

correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega com ecircnfase nos

pensamentos de Platatildeo e Aristoacuteteles Assim como algumas definiccedilotildees relevantes de ars

advindas da tradiccedilatildeo latina mereceram atenccedilatildeo

No entanto a proposta desta revisatildeo terminoloacutegica natildeo eacute de fazer uma extensa revisatildeo

histoacuterica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte de Platatildeo agrave Pareyson Foram

destacados sobretudo aqueles significados e pontos de conjunccedilatildeo das acepccedilotildees

13

Referente agraves ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli 1866 - Naacutepoles 1952) filoacutesofo italiano amplamente

influente na Itaacutelia na eacutepoca de Pareyson Croce com uma esteacutetica baseada em aportes teoacutericos sobretudo

advindos do idealismo romacircntico foi um importante contraponto no discurso esteacutetico pareysoniano entretanto

nota-se que Pareyson faz menccedilatildeo agraves ideias crocianas na maioria das vezes para marcar as diferenccedilas entre estas

e a Teoria da Formatividade pontuando a necessidade de uma revisatildeo na reflexatildeo filosoacutefica sobre arte

Portanto embora Croce seja por uns apontado como o contraponto principal de Pareyson pautados

provavelmente nas inuacutemeras menccedilotildees a Croce recorrentes no textos de Pareyson todavia em geral estas

menccedilotildees satildeo com o intuito de criacutetica e oposiccedilatildeo

14

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

17

terminoloacutegicas relacionados agraves problemaacuteticas contidas na Teoria da Formatividade e que se

encontram em alguns outros pensadores sobretudo Platatildeo e Aristoacuteteles

Antes de analisar algumas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis separadamente vale lembrar

que tanto Platatildeo quanto Aristoacuteteles cotejam as diferentes modalidades de arte tais como a

pintura a poesia o teatro escultura utilizando paracircmetros e definiccedilotildees gerais que abrigam

qualquer linguagem artiacutestica Isso permite que as definiccedilotildees cunhadas por Platatildeo e Aristoacuteteles

sejam natildeo apenas aplicadas agrave atividade teatral e agrave poesia textual em si mas que se estendam agrave

produccedilatildeo da obra de arte de maneira geral incluindo a da pintura e assim por diante

Por exemplo apesar de um diaacutelogo como o Iacuteon de Platatildeo ter como foco principal a

apresentaccedilatildeo de poesia homeacuterica orquestrada por um rapsodo15

Soacutecrates - enquanto um dos

personagens do diaacutelogo - relaciona as atividades de Homero e de Iacuteon agraves do pintor e do

escultor Como quando Soacutecrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu

argumento sobre o pouco alcance do ldquoconhecimento teacutecnico- racionalrdquo de Iacuteon que soacute fala de

Homero e natildeo de todos os poetas (532 d ndash 533 a)16

Tambeacutem assim como na Repuacuteblica

Platatildeo ao discorrer sobre a distacircncia que a poesia traacutegica estaacute para com a verdade ie trecircs

15

Espeacutecie de cantor-ator ou declamador profissional que ornado com belas vestes e segurando um bastatildeo o

raacutebdos daiacute o nome rapsodo recita a poesia de outros poetas No caso de Iacuteon ele eacute um especialista em Homero

Iacuteon natildeo soacute recita mas explica o conteuacutedo da poesia a interpreta acumulando portanto a accedilatildeo de artista e de

uma espeacutecie de criacutetico- professor de arte A sua especialidade em recitar somente Homero eacute um dos argumentos

usados por Soacutecrates para desmerecer um suposto conhecimento teacutecnico adquirido por Iacuteon para exercer o seu

ofiacutecio Cf PLATAtildeO Iacuteon 530c

16

PLATAtildeO Iacuteon 532 d- 533a ldquo- Soacutec []Partamos desse raciociacutenio existe uma arte pictoacuterica que eacute um

conjunto - Iacuteon Sim - Soacutec Portanto tambeacutem na pintura haacute e houve muitos pintores bons e muitos mediacuteocres

- Iacuteon Perfeitamente - Soacutec Entatildeo jaacute viste algueacutem que eacute capaz de discorrer sobre Polignoto filho de

Aglaofonte demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que natildeo desenha e seja incapaz de

fazer o mesmo sobre os outros pintores E quando algueacutem aponta para as obras dos outros pintores ele

adormece fica embaraccedilado e natildeo tem o que se conjecturar mas quando eacute sobre Polignoto ou algum outro que

queiras havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos desperta e presta

atenccedilatildeo e bem transita no que diz- Iacuteon Natildeo por Zeus certamente natildeordquo (Traduccedilatildeo de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Pocket 2007)

[532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως

ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν Πῶς τοῦτο λέγω δέῃ τί μου ἀκοῦσαι ὦ Ἴων ΙΩΝΝαὶ μὰ τὸν Δία ὦ Σώκρατες

ἔγωγε χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν ΣΩΚΡΑΤΗΣΒουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν ὦ Ἴων ἀλλὰ σοφοὶ

μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ

λέγω [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε θέασαι ὡς φαῦλον καὶ

ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ

Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον ΙΩΝΝαίΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ

καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι ΙΩΝΠάνυ γε ΣΩΚΡΑΤΗΣἬδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν

Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων

[533a] ἀδύνατος Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ

ἔχει ὅτι συμβάληται ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ

ἀποφήνασθαι γνώμην ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ ΙΩΝΟὐ μὰ τὸν Δία οὐ δῆτα

18

vezes distante desta ele afirma que tambeacutem a pintura eacute uma imitaccedilatildeo trecircs graus distante da

verdade (Livro X 597 d) 17

Aristoacuteteles igualmente recorre agrave pintura para tratar de questotildees de poesia como na

passagem do Capiacutetulo VI da Poeacutetica quando ele coteja a construccedilatildeo e especificidades da

trageacutedia com a pintura da eacutepoca citando Zecircuxis e Polignoto (1450a 22 -30) 18

Mais adiante

a comparaccedilatildeo entre poesia traacutegica e pintura se repete

[] o mito eacute o princiacutepio e como que a alma da trageacutedia soacute depois vecircm os

caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se algueacutem aplicasse

confusamente as mais belas cores a sua obra natildeo nos comprazeria tanto

como se apenas houvesse esboccedilado uma figura em branco (Ibidem 1450b

1-5) 19

Portanto eacute a partir do paracircmetro de que tanto Platatildeo como Aristoacuteteles usavam a

pintura e a escultura para falar de teatro eou poesia e vice e versa sem discriminar

inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artiacutestica que as referecircncias e

interpretaccedilotildees dos conceitos correlatos agraves questotildees da arte utilizados e cunhados por eles seratildeo

analisadas neste presente estudo

17

ldquoSoacutec Ora exatamente como ele (pintor) encontra-se o poeta traacutegico por estar como imitador trecircs degraus

abaixo do rei da verdade o que aliaacutes se daacute com todos os imitadoresrdquo (PLATAtildeO Repuacuteblica Trad de Carlos

Alberto Nunes 3ordf Ed Beleacutem EDUFPA 2000)

Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ

κλινοποιός τις μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν

18

ldquoSem accedilatildeo natildeo poderia haver trageacutedia mas poderia havecirc-la sem caracteres As trageacutedias da maior parte dos

modernos natildeo tecircm caracteres e em geral haacute muitos poetas desta espeacutecie Tambeacutem entre os pintores assim eacute

Zecircuxis comparado com Polignoto porque Polignoto eacute excelente pintor de caracteres e a pintura de Zecircuxis natildeo

apresenta caraacuteter nenhumrdquo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973 p 448)

Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄνmiddot αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων

ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον

πέπονθενmiddot ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος

19

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p 449

[1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας

εἰκόνα)middot ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων Τρίτον δὲ ἡ διάνοιαmiddot τοῦτο δέ [5]

ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον

ἐστίνmiddot οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ

δηλοῖ τὴν προαίρεσιν ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει]

19

12 Teacutekhne como saber-fazer

Notadamente para Platatildeo em muitos de seus diaacutelogos teacutekhne tem um sentido mais

amplo e por vezes ateacute antagocircnico para com algumas definiccedilotildees de arte atuais A primeira

diferenccedila significativa entre teacutekhne e arte eacute a distinccedilatildeo que fazemos atualmente entre arte e

teacutecnica de onde podem surgir vaacuterias possiacuteveis interpretaccedilotildees errocircneas Como lembra

Pareyson ldquo[] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinccedilatildeo entre a arte

propriamente dita e o ofiacutecio ou a teacutecnica do artesatildeordquo 20

Para o disciacutepulo de Soacutecrates teacutekhne costumar ter um sentido de teacutecnica na acepccedilatildeo

simples do termo ou seja habilidade no fazer destreza na profissatildeo E ainda pode ser

considerada como sinocircnimo de ciecircncia e sobretudo abarca todo tipo de atividade humana21

Assim como Platatildeo Aristoacuteteles frequentemente usa a palavra teacutekhne no sentido amplo

do saber-fazer E tambeacutem em ambos os pensadores teacutekhne eacute por vezes encontrada como

sinocircnimo ou em paralelo agrave ciecircncia [episteacuteme]22

Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato

e primaacuterio do termo isto eacute todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do

universal23

Como explica Giovanni Reali nos comentaacuterios de sua traduccedilatildeo da Metafiacutesica de

Aristoacuteteles ldquo[] ldquoArterdquo [teacutekhne] eacute algo muito proacuteximo da ciecircncia enquanto implica

20

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p29 ldquo[]ma il pensiero antico poco si preoccupograve di teorizzare la distinzione fra lrsquoarte

propriamente detta e il mestiere o la teacutecnica dellartigiano[]rdquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

21

Platatildeo natildeo utiliza o termo teacutekhne de maneira uniforme em seus diaacutelogos Entretanto eacute possiacutevel afirmar que

diante de variadas acepccedilotildees persiste ao menos um aspecto semacircntico comum correspondente ao entendimento

de que teacutekhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza como por exemplo

no diaacutelogo Iacuteon (538-541) onde Soacutecrates discorre sobre vaacuterias atividades que precisam da teacutekhne para serem

ldquobem executadasrdquo como as do general do barqueiro do navegador da fiandeira do meacutedico e tambeacutem da

atividade dele mesmo Sobre as variantes do sentido de tegravekhne nos diversos diaacutelogos de Platatildeo ver tambeacutem em

BRISSON L PRADEAU J-F Vocabulaacuterio de Platatildeo Trad de Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins

Fontes 2010 p 70 -71

22

Cf PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes

2010 (verbete ltciecircncia ndash episteacutemegt p 21- 22) e GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad

Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Verbete ltteacutekhnegt p 142-143)

23ldquoO termoldquoepistecircmerdquo pode ser entendido em dois sentidos Haacute um estrito de ldquoepistecircmerdquo definido nos Segundos

analiacuteticos uma disciplina particular confinada por um gecircnero particular a respeito do qual prova por

demonstraccedilotildees seus atributos per se [] Pode-se entender ldquoepistecircmerdquo em sentido mais lato como ato

cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa por exemplo como conhecimento de uma

determinada conclusatildeo []rdquo(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio

traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 234-235)

20

justamente conhecimento dos universais Na linguagem moderna a palavra ldquoarterdquo natildeo tem

mais o antigo sentido e portanto existe o risco de equiacutevocos []rdquo 24

Portanto a teacutekhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposiccedilatildeo agrave

natureza agrave irracionalidade e ao acaso como por exemplo no sentido explicitado neste trecho

da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles ldquoNatildeo obstante hatildeo de concordar que o homem que

deseja tornar-se mestre numa arte [teacutekhne] ou ciecircncia deve buscar o universal e procurar

conhececirc-lo tatildeo bem quanto possiacutevel []rdquo (X 1180b 20) 25

Todavia nem sempre Aristoacuteteles entende teacutekhne e ciecircncia como sinocircnimas como

quando ele faz distinccedilotildees importantes entre teacutekhne praacutexis e theoria distinccedilotildees que seratildeo

comentadas mais adiante26

Portanto a traduccedilatildeo simplificada de teacutekhne como arte no que diz respeito aos textos

que tratam da arte no seu sentido estrito pode natildeo ser a melhor escolha Muitas vezes a

melhor escolha poderia ser a palavra teacutecnica no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer

ou ateacute mesmo ciecircncia no sentido do saber racional e verdadeiro Esse cuidado na traduccedilatildeo eacute

particularmente importante especialmente nos casos dos textos sobre arte para que teacutekhne

natildeo se confunda com os diversos conceitos que a palavra ldquoarterdquo abarca nos dias de hoje

Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questatildeo nos comentaacuterios da sua traduccedilatildeo da

Fiacutesica I-II de Aristoacuteteles

[] outra traduccedilatildeo para technecirc eacute ldquoarterdquo Em Eacutetica a Nicocircmaco 1140 a 10 a

technecirc eacute definida como ldquohabilitaccedilatildeo (ou disposiccedilatildeo) produtiva com discurso

verdadeirordquo (hexis meta logou alecircthou poiecirctikecirc) Trata-se da capacidade de

produzir de modo racional ldquoalguma coisa que admite ser e natildeo serrdquo (algo

24

REALI Comentaacuterios e notas (Metafiacutesica 981 a 7-12) In ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Vol III traduccedilatildeo de

Giovanni Reali e Trad de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ed Loyola 2002 p 8-9

25

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W

D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo V IV) p 434

(20) ἐπαρκέσαι Οὐδὲν δ ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου

βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ αἱ ἐπιστῆμαι Τάχα δὲ

καὶ τῷ βουλομένῳ δι ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν εἴτε πολλοὺς εἴτ ὀλίγους νομοθετικῷ πειρατέον (25)

γενέσθαι εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ ἄν

26

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 (verbete episteacuteme p56-57)

21

contingente) ldquoe cujo princiacutepio estaacute no produtor natildeo naquilo que se produzrdquo

(1140 a 12-4) Em expressotildees como ldquoa arte da medicinardquo ldquoa arte do

timoneirordquo etc temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristoacuteteles

Mas quando o termo ldquotechnecircrdquo eacute usado sem complementos parece-nos mais

adequado vertecirc-lo por ldquoteacutecnicardquo [] 27

Veremos no decorrer deste capiacutetulo como essa acepccedilatildeo de teacutekhne como ldquosaber-fazerrdquo

utilizada tanto por Platatildeo como por Aristoacuteteles e acrescida de todas as nuanccedilas que dela

derivam serviu como paracircmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia

A noccedilatildeo de teacutekhne como fruto da experiecircncia eacute outro aspecto da definiccedilatildeo de teacutekhne que

ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos

meandros do processo artiacutestico que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte

Tambeacutem como Platatildeo Aristoacuteteles identifica a experiecircncia como origem da teacutekhne

Mas enquanto Platatildeo opotildee ciecircncia [episteacuteme] e experiecircncia [emperiacutea] sobretudo por

desacreditaacute-la como meio de obter conhecimento Aristoacuteteles situa a experiecircncia como

conhecimento individual que precisa da teacutekhne e da episteacuteme para tornaacute-la universal28

Nesses

trechos da Metafiacutesica Aristoacuteteles explica como se daacute o conhecimento da teacutekhne a partir da

experiecircncia

A experiecircncia parece um pouco semelhante agrave ciecircncia e agrave arte A experiecircncia

como diz Polo produz a arte enquanto a inexperiecircncia produz o acaso A

arte se produz quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia forma-se um

27

ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p363

28ldquoTal como foi definida em Aristoacuteteles (Eth Nich VI 1140a) a teacutekhne eacute uma caracteriacutestica (hexis) mais

dirigida agrave produccedilatildeo (poietike) do que agrave accedilatildeo (praktike) Emerge da experiecircncia (empeiria) de casos individuais

e passa da experiecircncia agrave teacutekhne quando as experiecircncias individuais satildeo generalizadas num conhecimento de

causas[]rdquo(ltverbete teacutechnegravegt) (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz

Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 225- 226)

22

juiacutezo geral e uacutenico passiacutevel de ser referido a todos os casos semelhantes (A

981a) 29

Ou seja as teacutekhnai como explica Aristoacuteteles estatildeo no campo do saber-fazer teacutecnico

habilidades do fazer adquiridas atraveacutes da sensaccedilatildeo [aiacutesthesis] e da experiecircncia [emperiacutea] 30

podendo ser ensinadas e possibilitando a produccedilatildeo humana das coisas no mundo atraveacutes da

competecircncia adquirida

Esta eacute outra distinccedilatildeo fundamental que estaacute presente na base do entendimento dos

mecanismos da arte que Pareyson propocircs estudar Ou seja diferente dos pensadores gregos

para o filoacutesofo italiano o saber-fazer e sobretudo o artiacutestico eacute adquirido num fazer

inventivo e simultacircneo agrave produccedilatildeo da obra Como Pareyson define

A arte eacute uma atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo [invenzione] procedem

pari passu inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de

um valor original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo

encontra-se a regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem

eacute pensaacutevel projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou

cantando eacute que eacute encontrada e eacute concebida e eacute inventada 31

Esta eacute uma das especificaccedilotildees fundamentais da fabricaccedilatildeo da arte sob a oacutetica da Teoria

da Formatividade ou seja a teacutecnica da arte estaacute constantemente em processo de se reinventar

No entanto apesar de Pareyson indicar no nuacutecleo da Teoria da Formatividade que na arte o

saber eacute adquiro no momento de fazer natildeo depois nem mesmo antes ldquoEla (arte) eacute um tal

29

Aristoacuteteles Metafiacutesica Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo

Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p3 Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία

ἀποβαίνει δ ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν ὡς φησὶ

Πῶλος ἡ [5] δ ἀπειρία τύχην Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου

γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις

30

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 p53 e p143

31

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoLarte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo

simultanee e inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si

concepisce eseguendo si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave

finita neacute egrave pensabile di progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si

concepisce e la sinventardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p232)

23

fazer que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazerrdquo32

Ele esclarece que esse

fazer que inventa o modo de fazer natildeo eacute um mero acaso ou seja a experiecircncia adquirida

participa e ajuda a ldquoorganizarrdquo o aparente caos do fazer artiacutestico Nas palavras dele

Tudo isto eacute contraacuterio agrave experiecircncia dos artistas os quais embora arrastados

pelo estro de veia faacutecil e abundante conhecem todavia o inflexiacutevel rigor e a

severa legalidade que preside ao ecircxito das suas obras e natildeo estatildeo facilmente

dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma

espontaneidade cega e incontrolada 33

14 Teacutekhne e inspiraccedilatildeo

Nesse sentido outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de

teacutekhne sobretudo em Platatildeo pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diaacutelogos do

disciacutepulo de Soacutecrates Iacuteon

Nesse diaacutelogo Soacutecrates afirma que o poeta natildeo tem arte [teacutekhne] transformando a fala

do filoacutesofo em algo estranho para natildeo dizer contraditoacuterio aos leitores desavisados de hoje

Ou seja Soacutecrates diz que o artista natildeo tem o conhecimento de uma arte [teacutekhne] faz o que faz

por meio de uma forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] 34

e eacute essa forccedila que lhe daacute a habilidade de

recitar Homero e encantar o puacuteblico e natildeo um saber fazer adquirido racionalmente Segundo

este texto35

o rapsodo estaacute fora de si no momento da produccedilatildeo [poiacuteesis] ou seja estaacute

possuiacutedo pela Musa daiacute o caraacuteter irracional da arte que eacute apontado no diaacutelogo sobre a Iliacuteada

32

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32 ldquo[]essa (Larte) un tal fare che mentre fa inventa il da farsi e il modo di farerdquo

(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

33

Ibidem op cit p138 ldquoTutto ciograve egrave contrario allesperienza degli artisti i quali per quanto trascinati

dallestro e di vena facile e abbondante conoscono tuttavia linflessibile rigore e la severa legalitagrave che presiede

alla riuscita delle loro opere e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato

duna spontaneitagrave cieca e incontrollatardquo (Ibidem op cit p324)

34

Cf PLATAtildeO Iacuteon 533 d- 534

35

Ibidem 532c Soacutec Natildeo eacute difiacutecil imaginar isso companheiro mas a todos eacute evidente que com teacutecnica e

ciecircncia eacutes incapaz de falar sobre Homero Pois se tu fosses capaz de falar por teacutecnica serias capaz de falar

tambeacutem de todos os outros poetas pois que haacute uma arte poeacutetica como um todo natildeo haacuterdquo (Traduccedilatildeo de Andreacute

Malta Porto Alegre LampPM Pocket 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι ὦ ἑταῖρε ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diaacutelogo que o assunto da inspiraccedilatildeo no artista eacute mencionado eacute o Fedro36

aqui a

ideia de inspiraccedilatildeo eacute examinada sob a oacutetica da loucura divina isto eacute do deliacuterio [maniacutea]

Portanto a partir dessas leituras entende-se que a concepccedilatildeo platocircnica de teacutekhne pode

ser entendida em alguns momentos como antagocircnica agrave produccedilatildeo artiacutestica tais como a

pintura poesia e muacutesica Essas atividades teriam a inspiraccedilatildeo [enthousiasmos] na forma de

forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] como propulsoras da produccedilatildeo [poiacuteesis] da obra Uma inspiraccedilatildeo

que se configura como uma espeacutecie de loucura poreacutem de ordem divina e portanto beneacutefica

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα καὶ περὶ τῶν ἄλλων

ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ ἂν ἦσθα ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον Ἢ οὔ

Noutro trecho Iacuteon 542 a-b ldquoSoacutec []Assim se vocecirc natildeo possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco)

depois de me prometer uma demonstraccedilatildeo sobre Homero fica agora me enganando vocecirc faz mal mas se vocecirc

natildeo possui arte e por porccedilatildeo divina estando tomado por Homero e nada sabendo diz muitas e belas coisas

sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito) vocecirc natildeo faz nada de mal Escolha entatildeo como vocecirc prefere

ser considerado por noacutes homem malfeitor ou divino - Iacuteon Haacute muita diferenccedila Soacutecrates Pois eacute mais belo ser

considerado divino- Soacutec para noacutes entatildeo algo mais belo lhe pertence Iacuteon ser divino e de Homero um louvador

sem arte]rdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ[]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με

ἄδικος εἶ εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ

τοῦ ποιητοῦ ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ οὐδὲν ἀδικεῖς Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος

ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος [542b] ΙΩΝ Πολὺ διαφέρει ὦ Σώκρατες πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι

ΣΩΚΡΑΤΗΣΤοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ ἡμῖν ὦ Ἴων θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου

ἐπαινέτην

36

Idem Fedro 244 a ldquoSoacutecrates [] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal mas na verdade

poreacutem obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses []rdquo (Traduccedilatildeo de Jorge Paleikat Rio de

Janeiro Porto Alegre Ed Globo s data)

Σωκράτης []Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι καλῶς ἂν ἐλέγετο νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν

ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης []

Ainda noutro trecho Ibidem 244d ndash 245a ldquoSoacutecrates [] Haacute ainda uma terceira espeacutecie de deliacuterio eacute

aquele inspirado pelas Musas Quando ele atinge uma alma virgem e pura transporta-a para um mundo novo e

inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos agraves novas

geraccedilotildeesrdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

Σωκράτης[] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν

γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ

λατρείας ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα

καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη

E mais no diaacutelogo Fedro 265 ldquoSoacutecrates Em seguida classificamos o deliacuterio divino em quatro espeacutecies

um era o sopro profeacutetico de Apolo outro a inspiraccedilatildeo miacutestica de Dioniacutesio o terceiro o deliacuterio poeacutetico

inspirado pelas Musas e finalmente a quarta espeacutecie de deliacuterio devia-se agrave influecircncia de Afrodite e de Eros

Afirmamos que o deliacuterio causado pelo amor eacute o melhor de todos Natildeo soacute como noacutes que tambeacutem somos atingidos

pelo sopro do deus do amor afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual natildeo faltava

sentido - pudemos compor um hino mitoloacutegico ao amor o deus dos jovens o teu o meu deusrdquo (Traduccedilatildeo

Ibidem) Σωκράτης Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος

θέντες Διονύσου δὲ τελεστικήν Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος ἐρωτικὴν

μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος

ἐφαπτόμενοι τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον μυθικόν τινα

ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα ὦ Φαῖδρε καλῶν παίδων

ἔφορον

25

Isto eacute o seu caraacuteter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade distanciando

ainda mais o saber artiacutestico do cientiacutefico que eacute racional e controlado pelo homem proacuteprios

daqueles que possuem um saber-fazer uma teacutekhne Conclui-se entatildeo que Platatildeo opotildee arte

[teacutekhne] e inspiraccedilatildeo A teacutekhne sendo proacutepria das ciecircncias incluindo a sua atividade de

filoacutesofo e a inspiraccedilatildeo como proacutepria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral

incluindo a atividade do pintor

O entendimento do descontrole humano no fazer artiacutestico que eacute visto em alguns

diaacutelogos platocircnicos como conflitante e oposto agrave racionalidade advinda da teacutekhne entendida

nesse contexto como saber-fazer racional por vezes sobrecai no estudo do fazer artiacutestico

velando o olhar agraves zonas intermediaacuterias do fazer da obra de arte Lugar onde eacute possiacutevel

encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente

Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte eacute fundamental para que se

possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propotildee ele natildeo usa a palavra

irracional propriamente dita nem mesmo inspiraccedilatildeo para falar do processo de produccedilatildeo da

obra de arte Mas tampouco situa o processo artiacutestico como um saber-fazer totalmente

controlado e sabido previamente e completamente racional Sobre os meandros do processo

artiacutestico Pareyson explica

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma37

37

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

26

Seguindo esse raciociacutenio natildeo seria absurdo relacionar esta obediecircncia agrave obra de arte que

Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricaccedilatildeo artiacutestico a uma forccedila externa agrave

vontade do artista presente no fazer artiacutestico que tantos pensadores entre eles e pioneiramente

Platatildeo identificam Nas palavras de Pareyson ldquoEis aiacute o misteacuterio da arte a obra de arte se faz

por si mesma e no entanto eacute o artista que a fazrdquo38

Portanto aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma soluccedilatildeo entre as duas visotildees

divergentes dos dois filoacutesofos gregos ele traz a ideia que na arte o saber-fazer eacute adquirido no

momento do fazer por um inventar que segue a dinacircmica da proacutepria obra formante Isto eacute

para Pareyson o processo artiacutestico natildeo eacute completamente premeditado e controlado como

fruto de uma experiecircncia preacutevia que foi racionalizada como Aristoacuteteles descreve tampouco eacute

fruto de uma forccedila divina incontrolada pelo artista como se vecirc em alguns diaacutelogos de Platatildeo

Em suma se por um lado Aristoacuteteles entende as artes como racionais e passiacuteveis de

serem aprendidas atraveacutes da racionalizaccedilatildeo da experiecircncia por outro lado Platatildeo identifica as

artes como inspiradas e portanto traz a ideia de que a arte natildeo pode ser aprendida e nem

sequer ser produzida por meios racionais pois natildeo haveria esse sentido especiacutefico de teacutekhne

presente na atividade do artista

Esse entendimento de Platatildeo ajuda a explicar porque o fundador da Academia natildeo

costuma incluir as atividades do poeta do pintor e de outros artistas como similares agraves teacutekhnai

em geral como seraacute mostrado a seguir

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della crealivitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p329)

38

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p78 ldquoCheacute questo egrave il grande misterio dellrsquoarte lrsquoopera drsquoarte si fa da seacute eppure la fa lrsquoartistardquo (Idem Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p61)

27

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai

Outro ponto de divergecircncia entre Aristoacuteteles e seu predecessor a respeito dos conceitos

correlatos a teacutekhne eacute como foi sugerido acima a relaccedilatildeo das artes com outras teacutecnicas

humanas ou melhor outras atividades tecnoloacutegicas humanas Diferente de Platatildeo Aristoacuteteles

frequentemente inclui as atividades artiacutesticas como uma das teacutekhnai39

Isto eacute o estagirita

entende a atividade artiacutestica paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e

saberes humanos de forma anaacuteloga

O fato de Aristoacuteteles ter escrito a Poeacutetica texto dedicado a discorrer exclusivamente

sobre as questotildees concernentes agrave ldquopoietikeacute teacutekhnerdquo - expressatildeo que neste contexto pode ser

definida por ldquoarte poeacuteticardquo mesmo de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si soacute

que ele incluiu as artes (na acepccedilatildeo que entendemos hoje) no acircmbito do conjunto das teacutekhnai

E natildeo como Platatildeo normalmente indicava em oposiccedilatildeo para com as atividades racionais que

satildeo acompanhadas de conhecimentos teacutecnicos tal como a atividade do meacutedico ou do

marceneiro

Ou seja tal como foi mostrado no item anterior pode-se supor que Platatildeo costumava

isolar as artes tal como as entendemos hoje ie a pintura escultura teatro muacutesica situando-

as separadas das atividades racionais e teacutecnicas atividades estas que em vaacuterios de seus

diaacutelogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas enfatizando assim um

caraacuteter divino e irracional

Esse aspecto do conceito das teacutekhnai em Aristoacuteteles que inclui as atividades artiacutesticas

tal como as entendemos hoje no acircmbito de todas as outras atividades e saberes humanos eacute

fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson que tambeacutem natildeo separa a

atividade do artista das outras atividades humanas Diz ele que a formatividade natildeo eacute

exclusividade da arte mas sim de qualquer atividade produtiva humana ldquo[] O aspecto

39

Cf Verbete ltarte-teacutekhnegt In PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Ed Martins Fontes 2010 p11-12

28

essencial da arte eacute o produtivo realizativo executivo Mas tambeacutem aqui eacute preciso natildeo

esquecer que todas as atividades humanas tecircm um lado executivo e realizativo []rdquo 40

Esse raciociacutenio sobre a relaccedilatildeo entre arte e as outras atividades humanas embasa a

Teoria da Formatividade de forma central como fica expliacutecito nesse trecho do prefaacutecio da

ediccedilatildeo de 1988 do livro homocircnimo

O livro estuda a formatividade em todo o acircmbito da formatividade humana

indicando em cada operaccedilatildeo do homem aquele caraacuteter formativo pelo qual

ela eacute ao mesmo tempo produccedilatildeo e invenccedilatildeo no sentido esclarecido Mas

demora-se mais a considerar sobretudo que caracteriacutesticas essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido

propriamente dito 41

Ainda nas palavras dele retiradas do livro Os Problemas da Esteacutetica ldquoMas a

especificaccedilatildeo da arte natildeo deve isolaacute-la do resto ela soacute tem sentido se considerada sobre o

fundo da extensatildeo da arte sobre toda a operosidade humanardquo 42

Mais adiante ele completa

ldquoA arte verdadeira e propriamente dita natildeo teria mais lugar se toda a operosidade humana

natildeo tivesse jaacute um caraacuteter ldquoartiacutesticordquo que ela prolonga aprimora e exaltardquo 43

Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocaccedilatildeo de Pareyson natildeo eacute apenas

uma questatildeo de equivalecircncia isto eacute pensar as artes no conjunto das outras atividades sem

discriminaacute-las ou isolaacute-las como dos outros fazeres Mas eacute sobretudo uma questatildeo de natildeo

separaccedilatildeo das operosidades humanas como um todo

40

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p31 ldquo[] che laspetto essenziale dellarte egrave quello produttivo realizzativo esecutivo

Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attivitagrave umane hanno un lato esecutivo e realizzativo

[]rdquo(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p231)

41

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

42

Idem Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p37 ldquoMa la specificazione dellarte non deve isolare larte dal resto essa ha senso solo se accampata

sullo sfondo dellestensione dellarte allintera operositagrave umanardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235)

43

Ibidem op cit p38 ldquo Larte vera e propria non avrebbe mai luogo se lintera operositagrave umana non avesse

giagrave un carattere laquoartisticoraquo chessa prolunga raffina ed esaltardquo (Ibidem op cit p235)

29

Todavia esse entendimento de conexatildeo indissoluacutevel entre o saber produtivo da arte e

os outros campos dos saberes produtivos humanos natildeo desqualifica ou nivela a arte que claro

tem muitas especificidades especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de

Turim

Vale ressaltar que essa relaccedilatildeo da atividade artiacutestica para com as outras atividades

humanas eacute uma das questotildees mais complexas para se pensar sobre a arte Uma compreensatildeo

apressada sobre essa relaccedilatildeo pode acarretar distorccedilotildees sobre as reais diferenccedilas e

similaridades entre a produccedilatildeo da arte e de qualquer outra atividade como Pareyson alerta

Eis o problema das relaccedilotildees da arte com as outras atividades humanas que eacute

dos mais importantes da esteacutetica e tambeacutem dos mais complexos dada a

variedade dos liames que mais ou menos estreita a inextricavelmente

instituem-se entre as atividades do homem 44

Uma destas distinccedilotildees que natildeo se localiza no interior do processo artiacutestico

propriamente dito corresponde agrave eterna celeuma da relaccedilatildeo arte-artesanato Que por um lado

pode identificar a atividade artiacutestica como um mero fazer ldquomecacircnicordquo no sentido braccedilal

reduzindo a arte agrave mera teacutecnica sem que se verifique que arte natildeo eacute e natildeo pode ser reduzida agrave

tecnicidade da produccedilatildeo de uma obra pois eacute necessaacuterio que se leve em conta todo o processo

de elaboraccedilatildeo intelectual e imaginativa do artista

No entanto por outro lado a desvalorizaccedilatildeo do aspecto tecnicista e fabril da

elaboraccedilatildeo de uma obra de arte pode ainda enveredar para uma noccedilatildeo de arte isolada de

tudo45

localizando-a no acircmbito de um fazer inexplicaacutevel e inserida-a numa categoria do

irracional ou ateacute mesmo no campo do divino como por vezes Platatildeo o fez 46

44

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p38 ldquoEcco il problema dei rapporti dellarte con le altre attivitagrave chegrave uno dei piugrave importanti

dellestetica e anche dei piugrave complessi data la varietagrave dei legami che piugrave o meno strettamente e

inestricabilmente sistituiscono fra le attivitagrave delluomordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p236)

45

Cf Ibidem op cit p41-42

46

Cf Iacuteon e Fedro de Platatildeo

30

Ou ainda e sobretudo na contemporaneidade por parte de algumas linhas de

raciociacutenio haacute alguns que enveredaram por transformar em artiacutestica toda e qualquer atividade

como se tudo fosse embebido de arte numa tentativa de inserir a arte em tudo e

transformando todos em artistas ignorando assim as vaacuterias especificidades da atividade

artiacutestica e seus meandros Isso ateacute que pode ser beneacutefico se for feito consciente das

especificidades da operosidade artiacutestica e sua relaccedilatildeo simbioacutetica com a operosidade humana

Contudo essa problemaacutetica geralmente envereda para um esvaziamento da arte em si

e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artiacutestica pode trazer agrave

vida como se tudo fosse especial o tempo todo nesse sentido o especial da arte perde sua

razatildeo de ser Sobre esta questatildeo nas palavras de Pareyson

[] hoje natildeo faltam aqueles que reparando precisamente em como haacute um

caraacuteter artiacutestico inerente a toda e qualquer atividade humana intervindo em

qualquer lugar onde se alcance um ecircxito seja em que campo for

preocupam-se pouco depois com distinguir a arte verdadeira e propriamente

dita desta artisticidade geneacuterica Disso resulta que natildeo se garante

suficientemente a especificidade da arte e que natildeo se lhe oferece um reino

proacuteprio ainda que estreitamente unido com todo o resto (1989 p35) 47

47

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p35 ldquo[] non mancano oggi coloro che giustamente rilevando come un carattere

artistico inerisce a tutta intera lattivitagrave umana intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi

campo si preoccupano poco in seguito di distinguere da questa generica artisticitagrave larte vera e propria col

risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del arte e di non offrirle un regno proprio anche se

strettamente congiunto con tutto il restordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash

a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p233)

31

16 Teacutekhne e phyacutesis48

[natureza - entes naturais]

Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristoacuteteles define as teacutekhnai

eacute a relaccedilatildeo simeacutetrica entre estas como domiacutenio dos conhecimentos e atividades humanos e o

domiacutenio do conhecimento e atividade da phyacutesis [natureza] que serve como paradigma para a

primeira49

Esta simbioacutetica relaccedilatildeo pode ser verificada na leitura da tatildeo citada frase do filoacutesofo

grego ldquohe teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesinrdquo isto eacute [arte [teacutekhne] imita [mimeicirctai] a natureza

[phyacutesis]] (Fiacutesica II 194a) 50

nesta breve sentenccedila identifica-se os termos desta relaccedilatildeo ou

seja o entendimento de teacutekhne em Aristoacuteteles estaacute intimamente conectado com o conceito de

phyacutesis51

Relaccedilatildeo que define e fundamenta o conceito de teacutekhne [arte] como imitaccedilatildeo outra

definiccedilatildeo que eacute central no pensamento do estagirita

No entanto a definiccedilatildeo de arte como imitaccedilatildeo da natureza natildeo pode ser pensada como

mera coacutepia servil pois a relaccedilatildeo entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de

Aristoacuteteles propotildee a ideia da natureza como paradigma da teacutecnica ou seja propotildee uma

correlaccedilatildeo e um paralelismo entre teacutekhne e phyacutesis que culmina no entendimento de que as

teacutekhnai por vezes completam a natureza fazendo aquilo que ela (a natureza) natildeo faz Outro

ponto importante que esse binocircmio teacutekhnai-phyacutesis traz eacute a ideia de e que as coisas fabricadas

48

Phyacutesis no contexto da frase deve ser entendida como natureza como os ldquoentes naturaisrdquo e natildeo

necessariamente como a natureza no sentido de ldquomatildee naturezardquo Como explica Lucas Angioni ldquoAo leitor

contemporacircneo talvez seja estranho o uso que Aristoacuteteles faz do termo natureza (physis) Eacute preciso delimitar

sob qual sentido precisamente tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Fiacutesica Em Metafiacutesica V 4

Aristoacuteteles distingue vaacuterios sentidos de physis (i) physis no sentido de processo pelo qual algo nasce

(1014b 16-8 c f 193b 12-3) (ii) physis como princiacutepio de onde se daacute o movimento primeiro em cada ente

natural em si mesmo enquanto ele eacute ele mesmo (1014b 18-20 cf 192b 20-3) ( iii) physis no sentido de coisa

ou substacircncia a que atribuiacutemos propriedades (1015 11 -3 c f 193 32-3) e de modo mais geral realidade

subjacente ao discurso (cf Metafiacutesica 1003a 27 l053b 13 As partes dos animais 639a 10) Eacute raro no

vocabulaacuterio aristoteacutelico o sentido de natureza que para noacutes eacute o mais corriqueiro a matildee-natureza o

conjunto de todos os seres naturais o ambiente terrestre em seu todo enquanto conjunto de seres naturaisrdquo

(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p195) Tambeacutem cf Em PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de

Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p 46-47 e PETERS FE Termos

filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian

1977 p 189-190

49

Esta passagem que inicia o Livro II da Fiacutesica eacute bastante exclarecedora sobre como Aristoacuteteles entende os

entes naturais e a relaccedilatildeo da teacutecnica com eles Cf BITTAR Eduardo CB Curso de Filosofia Aristoteacutelica ndash

leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento aristoteacutelico Barueri Ed Manole 2003 p 382-385

50

Em grego transliterado he teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesin (ARISTOacuteTELES Fiacutesica II 2 194 a) As problemaacuteticas

concernentes agraves definiccedilotildees de miacutemesis seratildeo abordadas no capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo

51

GORBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p119

32

pela teacutekhne tecircm mecanismos anaacutelogos agraves coisas fabricadas pela natureza52

Nas palavras de

Aristoacuteteles

Em geral a teacutecnica perfaz certas coisas que a natureza eacute incapaz de elaborar

e a imita Assim se as coisas que satildeo conforme lsquoa teacutecnicarsquo satildeo em vista de

algo evidentemente tambeacutem o satildeo as coisas conforme lsquoa naturezarsquo pois os

itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira

semelhante nas coisas que resultam da teacutecnica e nas coisas que resultam da

natureza (Fiacutesica II 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita Pareyson faz uma correlaccedilatildeo entre os entes naturais e as

obras de arte esse paralelismo se configura como a base da noccedilatildeo de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo que o filoacutesofo de Turim cunha Nas palavras dele ldquoComo as coisas da natureza

assim tambeacutem as obras de arte possuem o traccedilo de serem puras existecircncias que se datildeo

inteiramente em sua presenccedila fiacutesica []rdquo 54

Tanto o destaque que Pareyson faz da relaccedilatildeo arte-natureza como as diferenccedilas e

similaridades para com a relaccedilatildeo que Aristoacuteteles faz entre teacutekhne e phyacutesis satildeo aspectos

fundamentais para entender o raciociacutenio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no

pensamento do filoacutesofo italiano que por sua vez eacute um dos pilares do conceito de arte como

ldquoformardquo

Essa questatildeo acerca do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo a partir do estudo da

filosofia aristoteacutelica seraacute amplamente estudada no capiacutetulo II desta dissertaccedilatildeo Pois embora

este tambeacutem possa ser considerado um ponto de intersecccedilatildeo entre os pensamentos de

Aristoacuteteles e Pareyson a maneira como Pareyson ldquotomardquo os conceitos aristoteacutelicos ultrapassa

52

Ver mais nos comentaacuterios de Angioni In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de

Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 214-215

53

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p58 Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι τὰ δὲ

μιμεῖται Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ

τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα

54

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquoCome le cose della natura cosigrave le opere dellarte hanno il carattere desser pure esistenze

che si danno interamente nella loro presenza fisica[]rdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

33

o sentido de diaacutelogo e de interpretaccedilatildeo se configurando mesmo como uma apropriaccedilatildeo que

Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristoteacutelica para assim construir uma das chaves

fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade isto eacute o conceito de ldquoformardquo

Outro ponto apenas esboccedilado aqui ou seja as problemaacuteticas concernentes em torno

das noccedilotildees Platocircnica e Aristoteacutelica de miacutemesis tambeacutem seratildeo esmiuccediladas mais adiante no

capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo Pois tambeacutem embora sejam intersecccedilotildees entre Platatildeo

Aristoacuteteles e Pareyson as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das

definiccedilotildees de ldquoformardquo e ldquoformatividaderdquo pareysonianas que seratildeo assunto do capiacutetulo II

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo

Poiacuteesis eacute outra palavra que natildeo corresponde nem ao ars latino muito menos aos

muitos significados de arte empregados hoje Algumas sutis poreacutem esclarecedoras diferenccedilas

valem ser ressaltadas

Tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles poiacuteesis pode ser entendida como sinocircnimo de

criaccedilatildeo fabricaccedilatildeo confecccedilatildeo fazer produccedilatildeo isto eacute a accedilatildeo de produzir alguma coisa

Contudo ambos os filoacutesofos tambeacutem utilizam a palavra poiacuteesis para se referir agrave poesia no

sentido estrito do termo Essa acepccedilatildeo corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa

ainda hoje ie poesia como a poesia mesma eg a poesia de Homero podendo ser escrita

falada cantada

Jaacute o termo utilizado por eles no sentido lato difere consideravelmente do entendimento

de poesia que muitas vezes se lecirc em textos atuais ie o sentido de poeacutetico como ldquoartiacutesticordquo

ligado agraves noccedilotildees de sensibilidade e de expressividade Pois no caso de Platatildeo e ateacute mesmo em

Aristoacuteteles poiacuteesis eacute mais utilizada no sentido de produzir mesmo o de produzir qualquer

coisa natildeo necessariamente uma obra artiacutestica ou poeacutetica (poesia mesma) e principalmente

sem o caraacuteter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente

34

Todavia eacute a ideia de poiacuteesis na acepccedilatildeo lata do termo que os gregos usualmente

utilizavam isto eacute o sentido de produccedilatildeo eacute essa acepccedilatildeo que interessa aqui no momento

como nessa passagem de Aristoacuteteles

[1140a 6] Dado que a arte de edificar eacute certa teacutecnica e precisamente certa

habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e dado que natildeo haacute teacutecnica alguma

que natildeo seja habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e natildeo haacute nenhuma

habilitaccedilatildeo [hexis] desse tipo que natildeo seja teacutecnica equivalem ao mesma

ldquoteacutecnicardquo e ldquohabilitaccedilatildeo [hexis] para produzir por raciociacutenio verdadeirordquo

[1140a10] Toda teacutecnica diz respeito ao vir a ser isto eacute a empreender e

examinar como se engendra algo que pode ser e natildeo ser e cujo princiacutepio

reside no produtor natildeo na coisa produzida [] (Eacutetica a Nicocircmaco 1140a 6-

10) 55

Entendam-se aqui as palavras teacutecnica e arte como traduccedilatildeo de teacutekhne e produzir como

traduccedilatildeo de poiacuteesis Pois parecer ser claramente essa a definiccedilatildeo de poiacuteesis anaacuteloga ao

sentido de teacutekhne que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade como

fica expliacutecito nesse trecho de seu livro homocircnimo ldquoOcioso seria insistir no evidente aspecto

realizativo executivo e ldquopoieacuteticordquo da formatividade formar significa antes de mais nada

ldquofazerrdquo poien em gregordquo56

55

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011 ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις

τις μετὰ λόγουποιητική καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν οὔτετοιαύτη ἣ οὐ

τέχνη ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ

τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι

ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ

Outra traduccedilatildeo do trecho acima disponiacutevel em portuguecircs ldquoOra como a arquitetura eacute uma arte sendo

essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que natildeo seja uma

capacidade desta espeacutecie nem capacidade desta espeacutecie que natildeo seja uma arte segue-se que a arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacuteniordquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross In ______ Os Pensadores IV- 1ordf Ed Satildeo

Paulo Ed Abril Cultural 1973 p343)

56

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p59 ldquoInutile insistire sullrsquoevidente aspetto realizativo esecutivo e poeacutetico della formativitagrave

formare significa anziutto lsquofarersquo poiecircnrdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p43)

35

18 Teacutekhne poietikoacutes

Na Metafiacutesica Aristoacuteteles divide as ciecircncias [epistecircme] 57

em trecircs grupos pratike

(praacutexis) poietike (teacutekhne poietike) e theoretike (theoria) 58

e o grupo que diz respeito agraves artes

eacute o das ldquociecircncias produtivasrdquo ou ldquoartes poeacuteticasrdquo [teacutekhnai poietikoacutes] 59

Pensadas como sinocircnimos em algumas passagens do filoacutesofo estagirita e traduzidas

como tal por alguns especialistas a relaccedilatildeo entre teacutekhne e poiacuteesis em Aristoacuteteles eacute

fundamental para a demarcaccedilatildeo e entendimento da sutil poreacutem fundamental distinccedilatildeo entre a

produccedilatildeo de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realizaccedilatildeo

da obra em si A relaccedilatildeo do saber-fazer com o fazer produtivo eacute uma das chaves para entender

como Aristoacuteteles pensava a atividade artiacutestica uma atividade que inclui um saber necessaacuterio

para a possibilidade de um fazer produtivo

Partindo do conceito duplo de teacutekhne poietikoacutes cunhado por Aristoacuteteles60

Pareyson vai

ainda mais longe para explicar a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o saber e o produzir da obra de arte

isto eacute ele traz agrave tona que o saber-fazer da arte eacute adquirido no momento do fazer propriamente

57

ldquoAristoacuteteles emprega com frequecircncia como os outros filoacutesofos e cientistas gregos os termos episteacuteme e teacutekhne

(ldquoarterdquo) como sinocircnimos Contudo a ciecircncia natildeo tem como finalidade a produccedilatildeo exceto as ldquociecircncias

poeacuteticasrdquo A ciecircncia tambeacutem se distingue da percepccedilatildeo e da experiecircncia na medida em que se move na esfera

do universalrdquo (Verbete CIEcircNCIA - episteacuteme) (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia

Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p21-23)

58ldquoAristoacuteteles distingue trecircs tipos de ciecircncia (Cf Metafiacutesica E 1) As ciecircncias teoreacuteticas ndash isto eacute contemplativas

ndash cujo objeto deve ser necessaacuterio e eterno Satildeo elas que satisfazem mais completamente as condiccedilotildees da ciecircncia

Aristoacuteteles distingue trecircs grandes teoreacuteticas cada uma das quais pode ser subdividida a matemaacutetica a fiacutesica e

a teologia Quanto agraves ciecircncias praacuteticas elas tratam do que concerne agraves accedilotildees humanas satildeo elas a eacutetica o

econocircmico e a poliacutetica que eacute na ordem praacutetica a ciecircncia suprema (cf Cidade) As ldquociecircncias poieacuteticasrdquo satildeo na

verdade artesrdquo PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 78-79

59

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica E 1 1025b 20-25 Pois bem eacute evidente que a fiacutesica natildeo eacute ciecircncia praacutetica nem

produtiva de fato o princiacutepio das produccedilotildees estaacute naquele que produz seja no intelecto seja na arte ou noutra

faculdade e o princiacutepio das accedilotildees praacuteticas estaacute no agente na voliccedilatildeo enquanto coincidem com o objeto da

accedilatildeo praacutetica e da voliccedilatildeo Portanto se todo conhecimento racional eacute ou praacutetico ou produtivo ou teoreacutetico

[]]rdquo (ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volume II Traduccedilatildeo de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de

Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p270-271 Tambeacutem ver a explicaccedilatildeo sobre trecho em

REALI Comentaacuterios In Idem Metafiacutesica - volume III traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo

Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p305) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ

στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή ἢ νοῦς

ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι ἡ προαίρεσις middot τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν)

[25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη []

60

Por exemplo como na passagem op cit da Eacutetica agrave Nicocircmaco VI 1140 a

36

dito daiacute a diferenccedila entre o saber teacutecnico da arte e o das outras atividades humanas

Entretanto isto natildeo significa que a arte natildeo prescinda de um conhecimento teacutecnico ou de

regras apenas marca que essas teacutecnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir

e natildeo previamente como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da

Esteacutetica

Analisando bem nada pode fazer-se sem regra nem mesmo uma obra de

arte o fato eacute que enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de

caraacuteter geral na arte pelo contraacuterio natildeo haacute outra lei senatildeo a regra

individual [] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de

fazer a obra natildeo elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito

severa a operaccedilatildeo artiacutestica consiste precisamente no instaurar com livre

inventividade uma necessidade feacuterrea e inviolaacutevel uma vez que a obra falha

se o artista natildeo faz o que ela proacutepria quer que ele faccedila 61

19 Poiacuteesis versus praacutexis

E por fim para Aristoacuteteles poiacuteesis62

tambeacutem ganha uma distinccedilatildeo importante com

relaccedilatildeo a outro conceito o de praacutexis63

A primeira visando agrave produccedilatildeo de uma obra - coisa e a

segunda caracterizada como a accedilatildeo propriamente dita sem resultar numa obra em si ie 61

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 130 ldquoA ben vedere nulla si puograve fare senza regola nemmeno unopera darte il fatto egrave

che mentre nelle altre attivitagrave la regola sispira a leggi di carattere generale invece nellrsquoarte non cegrave altra

legge che la regola individuale [] E il fatto che la regola sia inventata dallrsquoartista nellrsquoatto di fare lrsquoopera non

toglie che la legalitagrave dellrsquoarte sia rigorosa e severissima lrsquooperazione artistica consiste precisamente

nellinstaurare con libera inventivitagrave una necessitagrave ferrea e inviolabile giaccheacute lopera fallisce se lartista non fa

ciograve chessa stessa vuole chegli facciardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p317-318 )

62

ldquoPoiacuteesis Operaccedilatildeo fabricaccedilatildeo em oposiccedilatildeo agrave accedilatildeo imanente Aristoacuteteles mostra alternadamente a reflexatildeo

que preside agrave pracircxis e agrave poiacuteesis (Et Nic VI I 4-5) e depois insiste em marcaacute-las como duas atividades distintas

(ibid VI IV 5)rdquo (GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 2007 p119)

63

ldquoPracircxis Accedilatildeo oposta agrave atividade fabricadora (poiacuteesis) eacute assim que a moral se distingue da arte (teacutekhne)rdquo

GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p12 Embora como explica Lucas Angioni deva se tomar cuidado com esta distinccedilatildeo nas palavras de Angioni

ldquoEm Eacutetica agrave Nicomaco1140a1-6 Aristoacuteteles introduz uma distinccedilatildeo entre accedilatildeo ndash aquilo que noacutes fazemos

racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da accedilatildeo) ndash e produccedilatildeo ndash

um conjunto de operaccedilotildees racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da accedilatildeoEssa

distinccedilatildeo deve ser avaliada com ponderaccedilatildeordquo (ANGIONI Lucas Phronesis e Virtude do Caraacuteter em

Aristoacuteteles Comentaacuterios a Eacutetica a Nicocircmaco VI Dissertatio nordm34 (p303 ndash 345) - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) p316 Campinas 2011)

37

praacutexis se configura mormente como um termo mais usado no sentido moral e eacutetico Como

fica claro nessa passagem da Eacutetica a Nicocircmaco

Entre as coisas que podem ser de outro modo haacute aquilo que se pode produzir

e aquilo que podemos fazer Satildeo coisas distintas a produccedilatildeo e a accedilatildeo (a

respeito desse assunto fiamo-nos tambeacutem nas obras divulgadas)

Consequentemente tambeacutem satildeo coisas distintas a habilitaccedilatildeo racional para

agir e a habilitaccedilatildeo racional para produzir Por isso essas coisas natildeo estatildeo

contidas uma na outra nem a accedilatildeo eacute produccedilatildeo nem a produccedilatildeo eacute accedilatildeo

(1140 a 1-5) 64

Portanto a partir dessa breve anaacutelise pode-se concluir que em Aristoacuteteles a poeacutetica

tem o sentido muito claro ligado agrave produccedilatildeo de uma obra e natildeo apenas num fazer somente e

mais ainda num fazer que produzisse coisas Eacute a partir desses entendimentos de poiacuteesis tanto

no sentido estrito do termo como no lato que Aristoacuteteles escreve a Poietikeacute ndash Peri Poietikes

[Do poeacutetico]

A Poeacutetica eacute sobretudo o estudo de um saber-fazer da produccedilatildeo poeacutetica [teacutekhne

poietikoacutes] que pode ser estudado minuciosamente O tratado que apenas parcialmente chegou

ateacute noacutes eacute uma espeacutecie de texto normativo sobre o fazer artiacutestico de produccedilatildeo de coisas no

caso ali da obra teatral a parte que conhecemos enfatiza as questotildees da Trageacutedia e da

Epopeia embora discorra sobre vaacuterias outras artes inclusive a pintura 65

64

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia (Universidade

Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν

δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις) ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου

ποιητικῆς ἕξεως διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν

Outra traduccedilatildeo do trecho acima ldquoNa classe do variaacutevel incluem-se tanto coisas produzidas como coisas

praticadas Haacute uma diferenccedila entre produzir e agir (quanto agrave natureza de ambos consideramos como assente o

que temos dito mesmo fora de nossa escola) de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da

capacidade raciocinada de produzir Daiacute tambeacutem o natildeo se incluiacuterem uma na outra porque nem agir eacute

produzir nem produzir eacute agirrdquo (Ibidem Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de

W D Ross In ARISTOacuteTELES 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo v IV)

p343)

65

Cf CARCHIA Gianni e DrsquoANGELO Paolo (direccedilatildeo) Dicionaacuterio de Esteacutetica Traduccedilatildeo Abilio Queiroacutes e

Joseacute Correia Serra Lisboa Ediccedilotildees 70 1999 p 283-284

38

Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que

Pareyson utiliza a importacircncia da obra de arte como resultado necessaacuterio Ou seja a arte eacute

um tipo de fazer que visa agrave produccedilatildeo de uma obra isto eacute sem obra sem resultado e mais

sem produto natildeo haacute fazer natildeo haacute arte Esse tambeacutem eacute um dos pontos essenciais da esteacutetica

do filoacutesofo de Turim

Esse destaque agrave importacircncia da obra fabricada da coisa mesma como central ao proacuteprio

fazer artiacutestico leva a outro conceito de Aristoacuteteles que Pareyson destaca como fundamental

aos estudos de arte que satildeo formulados por ele na Teoria da Formatividade o de

ldquoorganismordquo Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson

Primeiro a concepccedilatildeo antiga de arte como poieicircn como ldquofazerrdquo na qual

todavia permaneceraacute agrave sombra a distinccedilatildeo entre arte no sentido verdadeiro e

proacuteprio e a arte mera teacutecnica e em segundo lugar o conceito natildeo menos

antigo de organismo como foi admiravelmente definido e entregue agrave

discussatildeo de toda a histoacuteria da Filosofia por Platatildeo e sobretudo Aristoacuteteles

Mas essa dupla tradiccedilatildeo deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos

modernos66

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars

Feita a breve revisatildeo dos principais sentidos dos termos gregos poiacuteesis e teacutekhne vale

retomar a origem do termo arte em portuguecircs que vem natildeo do grego mas do ars latino Em

latim o termo tambeacutem aparece com definiccedilotildees similares agraves apontadas para poiacuteesis e teacutekhne

unindo num soacute termo as acepccedilotildees mais recorrentes das duas palavras em grego como explica

Umberto Eco

[] a opiniatildeo dos medievais sobre a ars de facto salvo numerosas e tiacutepicas

flutuaccedilotildees que uma anaacutelise minuciosa conseguiria explicar manteve-se

quase unacircnime e ancorada numa doutrina claacutessica e intelectualista do fazer

humano [] As definiccedilotildees citadas implicam dois elementos basilares um

66

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p10 ( Pressaacuterio do autor agrave ediccedilatildeo de 1988)

39

cognitivo (ratio cogitare) e o outro produtivo (faciendi factibilium) e nesses

pressupostos baseiam-se a doutrina da arte 67

Isto eacute dentre os vaacuterios significados em que ars aparece em textos latinos na maioria

das vezes o mais recorrente eacute o sentido de ofiacutecio de habilidade adquirida pelo estudo praacutetica

Nas palavras de Eco ldquoA arte eacute um conhecimento de regras atraveacutes do qual podem ser

produzidas coisasrdquo 68

E mais adiante ele atenta ldquoA arte inscreve-se no domiacutenio do fazer natildeo

do agirrdquo 69

retomando assim a distinccedilatildeo entre poieicircn (fazer-produzir) e praacutexis (agir) que

Aristoacuteteles estabeleceu

111 Arte como ecircxito

No entanto um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido

particular e com uma leve diferenccedila entre os significados de teacutekhne em grego e do ars em

latim Do ponto de vista lexical ars tem uma ligaccedilatildeo com o termo artus [estreito] cujo

sentido primitivo eacute tambeacutem ldquobem ajustadordquo ldquobem adaptadordquo levando agrave noccedilatildeo de ajuste

harmonia destreza maestria ie acepccedilotildees que a palavra ars carrega consigo ainda hoje

entre outros significados 70

Umberto Eco tambeacutem chama a atenccedilatildeo para esse sentido particular de ars como

destreza Ele cita uma suposta origem etimoloacutegica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha

atentaram ldquoarsrdquo como tendo vindo do grego areteacutes (virtude) correlato ao latim virtus

[virtude]71

Embora alguns dicionaacuterios de latim indiquem essa origem etimoloacutegica de ars

advindo do grego areteacutes eacute provaacutevel que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars

67

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

68

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

69

Ibidem p127

70

Cf LOMBARDO Giovanni A Esteacutetica na Antiguidade Claacutessica Traduccedilatildeo de Isabel Tereza Santos Lisboa

Ed Estampa 2003 p33

71

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126-127

40

vinha adquirindo no decorrer dos seacuteculos V VI VII da nossa era Isso pode explicar porque

como cita Eco Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligaccedilatildeo entre ars e areteacutes sem que

necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra

latina teria

O fato eacute que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o

tempo e que eacute um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra ldquoarterdquo traz

nos dias de hoje ou seja o sentido de perfeiccedilatildeo de ecircxito de completude E aqui perfeiccedilatildeo

entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa

excepcional acima do padratildeo do simplesmente bom

Natildeo que teacutekhne deixe de ter essa noccedilatildeo de bem-sucedido do bem feito sem duacutevida a

ideia de saber-fazer de habilidade traz impliacutecita a noccedilatildeo de coisa bem feita Como eacute possiacutevel

verificar nesta passagem da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles (1141 a 9)

Nas teacutecnicas atribuiacutemos sabedoria aos que satildeo mais apurados na

competecircncia teacutecnica por exemplo dizemos que Fiacutedias eacute um saacutebio escultor e

que Policleto eacute um saacutebio produtor de estaacutetuas Nesse caso nada mais

queremos dizer senatildeo que a sabedoria eacute a excelecircncia da teacutecnica [] 72

Contudo a valorizaccedilatildeo dessa noccedilatildeo ligada agrave ideia de arte como um saber-fazer

produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo

de traduccedilatildeo da teacutekhne grega para o ars latino

Embora natildeo evoque a origem etimoloacutegica do termo latino Pareyson em vaacuterias

passagens de seus muitos textos sobre arte valoriza o aspecto da obra de arte que tem como

uma de suas premissas o ecircxito e a perfeiccedilatildeo em si mesma perfeiccedilatildeo aqui entendida como

72

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ

Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν

εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ

Em outra traduccedilatildeo ldquoA sabedoria nas artes eacute atribuiacuteda aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a

Fiacutedias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui natildeo entendemos outra coisa

senatildeo a excelecircncia na arterdquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p345)

41

completude esse aspecto eacute um dos pontos centrais da definiccedilatildeo de arte que embasa a Teoria

da Formatividade Nas palavras dele

[] A obra de arte consiste precisamente nisto no natildeo querer ter outra

justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma forma que vive de per si uma

inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto de realidade alguma coisa que

primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero uma realizaccedilatildeo primeira e

absoluta73

Nesse sentido pode-se concluir que a indagaccedilatildeo e explicaccedilatildeo do que significa uma

obra ser bem sucedida bem como o entendimento do espectador com relaccedilatildeo a esse ecircxito e

sobretudo esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da

criaccedilatildeo de uma obra de arte em si compotildeem parte da Teoria da Formatividade como essa

passagem indica

[] a arte eacute um facere (fazer) que eacute perficere (aperfeiccediloar) e a obra revela a

proacutepria insubstituiacutevel perfeiccedilatildeo somente a quem souber captaacute-la no processo

que se adequa consigo mesma Somente entatildeo a obra se mostra imodificaacutevel

no seu caraacuteter de ldquocompletuderdquo e fecunda em sua ldquoexemplaridaderdquo e se vecirc

como eacute absurdo aprisionaacute-la em uma pretensa insularidade esquecendo-se

das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui e

esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de

estilos de escolas e tradiccedilotildees E soacute entatildeo se pode verdadeiramente ldquolerrdquo e

ldquojulgarrdquo a obra Porque por um lado ler significa executar e executar

significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual eacute com aquilo que

ela mesma pretendia ser E tanto uma coisa como outra soacute satildeo possiacuteveis

quando se compreende a obra como lei para si mesma 74

73

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 37 ldquoLopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra

giustificazione che desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un

incremento imprevisto della realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una

realizzazione prima e assolutardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235

74

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p13- 14 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

42

Em suma a obra formada deve ser ldquobem sucedidardquo para ser considerada arte E o

ecircxito da obra formada eacute pressuposto necessaacuterio para o entendimento e o estudo do fazer

artiacutestico e seus meandros

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade

Apoacutes sucinta revisatildeo das principais acepccedilotildees de teacutekhne poiacuteesis e ars e as

consequentes implicaccedilotildees desses sentidos no pensamento de Pareyson pode-se resumir da

seguinte maneira

Poiacuteesis tem como principal acepccedilatildeo a accedilatildeo produtiva em si isto eacute pressupotildee um fazer

que produza alguma coisa Teacutekhne mais comumente diz respeito ao conhecimento necessaacuterio

para a realizaccedilatildeo dessa accedilatildeo o saber-fazer para um fazer-produtor No caso de Platatildeo teacutekhne

costuma aparecer como o saber-fazer o conhecimento teacutecnico habilidade adquiridos por

meio da razatildeo Enquanto que em Aristoacuteteles o que mais prevalece eacute a acepccedilatildeo de teacutekhne

como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensaccedilatildeo e da experiecircncia e

sintetizados pela razatildeo Em Pareyson o saber-fazer [teacutekhne] eacute inventivo e contemporacircneo ao

proacuteprio ato de produccedilatildeo da obra [poiacuteesis]

Outro aspecto importante que a revisatildeo dos termos em grego suscita sobretudo em

Aristoacuteteles eacute a relaccedilatildeo simbioacutetica entre teacutekhne ndash phyacutesis que transforma o saber-fazer teacutecnico

como anaacutelogo aos processos da natureza [phyacutesis] bem como a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o

saber-fazer produtivo ligado agrave atividade artiacutestica e sua simetria entre os saberes-fazeres da

operosidade humana como um todo ideias igualmente presentes e importantes no pensamento

do autor da Teoria da Formatividade

Enquanto os sentidos mais recorrentes do ars latino provavelmente cristalizados no

decorrer dos seacuteculos da nossa era podem ser resumidos como o saber-fazer produtivo

acrescido da ideia da produccedilatildeo com domiacutenio de habilidade de excelecircncia resultando na obra

de arte como puro ecircxito

43

CAPIacuteTULO II

Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

ldquoEacute certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente

uma esteacutetica natildeo tendo ali um nexo que relacione diretamente

agrave poeacutetica e a retoacuterica com a metafiacutesica do belo mas seria

absurdo duvidar da fecundidade que tecircm alguns conceitos

antigos no campo da esteacutetica mesmo que originariamente natildeo

referidos agrave arte pelo menos segundo entendemos hojerdquo

Pareyson 1966 75

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade

O capiacutetulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de

teacutekhne e poiacuteesis Enquanto neste capiacutetulo o primeiro passo seraacute o de esmiuccedilar as nuances do

conceito pareysoniano de ldquoformardquo para entatildeo investigar as fundamentaccedilotildees do conceito da

ldquoformatividaderdquo propriamente dita

Pois antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e

estudar como esta teoria localiza o fazer artiacutestico faz-se necessaacuterio discorrer sobre o conceito

de ldquoformardquo em Pareyson E assim como arte [teacutekhne] e poesia [poiacuteesis] ldquoformardquo que

costuma ser traduccedilatildeo de eidos mas que tambeacutem pode ser traduccedilatildeo de morpheacute para citar dois

exemplos de traduccedilotildees possiacuteveis eacute outra palavra que acarreta interpretaccedilotildees diversas jaacute que

ldquoformardquo eacute um termo que recepciona variadas significaccedilotildees nos campos da filosofia e dos

estudos sobre arte

75

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoEs muy cierto que en la filosofiacutea antigua y medieval falta precisamente un esteacutetica no

habiendo alliacute un nexo que relacione directamente la poeacutetica y la retoacuterica con la metafiacutesica de lo bello pero

seriacutea absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la esteacutetica tienen algunos conceptos originariamente no

referidos al arte al menos seguacuten lo entendemos hoyrdquo (PAREYSON Luigi Conversaciones de esteacutetica

Traduccioacuten de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

44

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo

Como apontado acima a primeira demarcaccedilatildeo necessaacuteria diz repeito a uma possiacutevel

confusatildeo terminoloacutegica consideravelmente capciosa pois algumas palavras gregas

amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o portuguecircs como

ldquoformardquo Como foi dito certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e

das teorias da arte tais como eidos76

seu cognato Ideacutea77

e morpheacute78

entre outros podem ser

encontrados em diversos textos tanto antigos como atuais Tambeacutem satildeo vistos por vezes

como sinocircnimos outras vezes trazendo sentidos antagocircnicos pois se observa que estas

palavras podem aparecer com significados bastante distintos tanto em textos de um mesmo

pensador como quando por exemplo se compara as peculiaridades da filosofia de Platatildeo

para com a de Aristoacuteteles ganhando assim inuacutemeras acepccedilotildees e sentidos

Eacute o caso do termo eidos por exemplo que pode ser traduzido por ideia aparecircncia

espeacutecie essecircncia e claro forma entre outras palavras contudo essas simples traduccedilotildees para

o portuguecircs natildeo chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos

que esse termo pode carregar sobretudo quando se pretende distinguir os diversos usos e

concepccedilotildees dentre Platatildeo e Aristoacuteteles

Como algumas das acepccedilotildees conceituais destes termos sobretudo as advindas do

fundador da Academia mas tambeacutem outras com origem no pensamento aristoteacutelico povoam

76

O termo ldquoeidosrdquo parace ter sua origem num verbo arcaico lsquoeiacutedomairsquo quer dizer apareccedilo ser visto de onde

deriva um dos sentidos de ldquoeidosrdquo como aprarecircncia e aspecto mas com o tempo ldquoeidosrdquo ganhou um sentido de

aspecto espeacutecie utilizado por Aristoacuteteles entre outros textos na Metafiacutesica No entanto o sentido do termo

varia desde a noccedilatildeo de ldquoessecircnciardquo encontrado em laguns texto de Platatildeo como no Fedro e como sinocircnimo de

Ideacutea ainda em textos platocircnicoscomo na Repuacuteblica VII ligado Aristoacuteteles em vaacuterios textos como na

Metafiacutesica e na Fiacutesica tambeacutem usa a palavra eidos na acepccedilatildeo simples de forma mesmo como sinocircnimo de

morpheacute Entre outros significados em outros autores e em outros textos Cf em GOBRY Ivan Vocabulaacuterio

Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sobre eidos - ideacutea p 49 50 79

sobre morpheacute p95

77

ldquoEiacutedos aparecircncia natureza constitutiva forma tipo espeacutecie ideiardquo Cf verdete ldquoeidosrdquo In PETERS FE

Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbekian 1977 p62 - 67

78

ldquoVaacuterias palavras empregadas por Aristoacuteteles podem ser traduzidas por forma O termo mais amplo para

designar forma em grego parece ser lsquomorpheacutersquo Fundamentalmente essa palavra designa o aspecto de uma coisa

e mais precisamente seu aspecto belo agradaacutevel [] A forma como lsquoeidosrsquo pretende revelar por traacutes do que eacute

visiacutevelo que constitui a verdadeira natureza das coisasrdquo (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles

Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p32-33) Outra palavra de possiacutevel traduccedilatildeo como

forma eacute lsquoschemarsquo poreacutem mais especiacuteficae sobretudo usada como sinocircnimo de sinal como letras e nuacutemeros

Ver em Peters ldquoScheacutema Aparecircncia forma - aisthesis stoicheionrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos-

um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p212)

45

as discussotildees filosoacuteficas sobre arte ainda hoje sendo encontradas em inuacutemeros textos sobre

do seacuteculo XX 79

sendo assim surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria

igualmente fazendo uso dessas tradiccedilotildees o que natildeo eacute o caso aqui Todavia por hora natildeo

parece ser necessaacuterio discorrer mais sobre os inuacutemeros significados e conceitos correlatos agraves

palavras gregas acima citadas pois o importante eacute alertar que essas palavras e as suas

respectivas e inuacutemeras acepccedilotildees correlatas natildeo satildeo a origem do conceito pareysoniano de

ldquoformardquo Mas sim o conceito de ldquoorganismordquo advindo dos subsiacutedios da leitura de alguns

textos da filosofia aristoteacutelica como seraacute mostrado a seguir

Ademais o conceito de ldquoformardquo eacute central para Pareyson e soacute natildeo deu nome agrave sua

teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona o que

poderia acarretar interpretaccedilotildees equivocadas sob uma leitura apressada80

Aleacutem disso o

filoacutesofo italiano usa o termo de modo bem especiacutefico como ele mesmo define no iniacutecio do

seu livro Esteacutetica Teoria da Formatividade Segue a siacutentese da definiccedilatildeo do conceito de

ldquoformardquo cunhado por Pareyson

[] aqui se compreende a forma como organismo que goza de vida proacutepria

e tem sua proacutepria legalidade intriacutenseca totalidade irrepetiacutevel na sua

singularidade independente em sua autonomia exemplar em seu valor

fechada e aberta ao mesmo tempo finita e ao mesmo tempo encerrando um

infinito perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerecircncia inteira na

adequaccedilatildeo reciacuteproca entre as partes e o todo 81

Portanto seraacute a partir do entendimento da noccedilatildeo de ldquoorganismordquo no especiacutefico

contexto pareysoniano que se buscaraacute definir e delinear o conceito de ldquoformardquo

79

Como por exemplo nos textos de Erwin Panofsky eg cf PANOFSKY Erwin Idea A evoluccedilatildeo do

conceito de belo Trad Paulo Neves Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 p23-25 Bem como eg nos textos de

Artur Danto Cf DANTO Artur C A transfiguraccedilatildeo do Lugar Comum Trad de Vera Pereira Satildeo Paulo Cosac

amp Naify 2006p47

80

Cf PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 199 p9 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

81

Ibidem p9-10 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

46

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo a partir de Aristoacuteteles

Assim como foi feito um movimento em direccedilatildeo aos pensamentos de Platatildeo e

Aristoacuteteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte

atraveacutes da anaacutelise das diversas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis tambeacutem agora o caminho

continua a seguir no diaacutelogo entre Pareyson e a filosofia antiga

Inicialmente algumas diferenccedilas precisam ser demarcadas A primeira distinccedilatildeo eacute que

enquanto no caso da revisatildeo de definiccedilotildees concernentes agrave teacutekhne e poiacuteesis o percurso se

voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristoacuteteles como de Platatildeo

No caso que concernem as definiccedilotildees relacionadas agrave noccedilatildeo pareysoniana de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo a revisatildeo eacute exclusivamente a partir da leitura de Aristoacuteteles

Pois como o proacuteprio Pareyson bem localiza o sentido adotado por ele para definir

ldquoformardquo adveacutem principalmente dos aportes do que ele chama de conceito de ldquoorganismordquo

encontrado nos textos de Aristoacuteteles nas palavras de Pareyson

[] os conceitos de teacutechne e organismo que hoje satildeo decisivos para uma

compreensatildeo adequada da arte e que foi Aristoacuteteles o primeiro a expor Sem

duacutevida a relevacircncia esteacutetica desses dois conceitos reside em sua uniatildeo

embora Aristoacuteteles natildeo os tenha estudado em funccedilatildeo da arte nem tenha nem

previsto nem intuiacutedo a sua possiacutevel relaccedilatildeo mas todavia a anaacutelise que ele

fez ainda eacute o ponto de partida necessaacuterio para qualquer estudo que possa

empreender e eacute ao mesmo tempo fonte de novas e criativas sugestotildees 82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platatildeo e de

Aristoacuteteles e destacados por Pareyson eacute que como jaacute foi mostrado a respeito da teacutekhne que

este natildeo eacute um conceito exclusivamente relacionado agraves problemaacuteticas concernentes agrave arte

tampouco eacute o conceito de ldquoorganismordquo Embora teacutekhne ainda seja mais relacionada agrave arte tal

82

(Traduccedilatildeo nossa) ldquo[hellip] por ejemplo de los conceptos de teacutechne y de ldquoorganismordquo que hoy son decisivos

para una adecuada comprensioacuten del arte y que fue Aristoacuteteles el primero en exponer Sin duda la relevancia

esteacutetica de estos dos conceptos reside en su unioacuten aunque Aristoacuteteles no habieacutendolos estudiando en funcioacuten del

arte ni previoacute ni intuyoacute su posible relacioacuten pero el anaacutelisis que le hizo es todaviacutea el necesario punto de partida

de cualquier estudio que se pueda emprender y es al mismo tiempo fuente de sugerencias nuevas y creativasrdquo

(PAREYSON Luigi Forma organismo y abstraccioacuten (PAREYSON Conversaciones de esteacutetica Traduccioacuten

de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid La Bolsa de la Medusa - Visor 1988 p85) (Cf op cit p88-89)

47

como eacute comumente definidas nos das de hoje e pode ateacute mesmo ser traduzida enquanto tal

Contudo como tambeacutem jaacute foi abordada no capiacutetulo anterior essa possibilidade de se traduzir

teacutekhne por ldquoarterdquo por vezes pode natildeo ser a melhor opccedilatildeo sobretudo pela distacircncia que haacute

nas definiccedilotildees usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega sobretudo em

Platatildeo e Aristoacuteteles e o contexto da atualidade

Por conseguinte no caso da definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo a distacircncia desse conceito com

relaccedilatildeo agraves discussotildees mais aceitas e mais comuns sobre arte eacute ainda mais acentuada Ateacute

mesmo o proacuteprio termo ldquoorganismordquo natildeo eacute exatamente um termo que pode ser facilmente

encontrado em Aristoacuteteles embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a

filosofia do estagirita E assim como no caso de teacutekhne outros conceitos correlatos presentes

no pensamento de Aristoacuteteles satildeo fundamentais para um entendimento completo do recurso

que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristoteacutelica

A definiccedilatildeo do conceito de cunho aristoteacutelico que Pareyson nomeia como ldquoorganismordquo

pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poeacutetica

[] Aleacutem disto o belo mdash ser vivente ou o que quer que se componha de

partes mdash natildeo soacute deve ter essas partes ordenadas mas tambeacutem uma grandeza

que natildeo seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e

portanto um organismo vivente pequeniacutessimo natildeo poderia ser belo (pois a

visatildeo eacute confusa quando se olha por tempo quase imperceptiacutevel) e tambeacutem

natildeo seria belo grandiacutessimo (porque faltaria a visatildeo do conjunto escapando agrave

vista dos espectadores a unidade e a totalidade imagine-se por exemplo um

animal de dez mil estaacutedios) Pelo que tal como os corpos e organismos

viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptiacutevel como um todo

assim tambeacutem os mitos devem ter uma extensatildeo bem apreensiacutevel pela

memoacuteria (VII 1450b 34 ndash 1451a 1-6) 83

83

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973

Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν

ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόνmiddot τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι

γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες

[1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ

μυρίων σταδίων εἴη ζῷονmiddot ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος τοῦτο δὲ

εὐσύνοπτον εἶναι οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι

Outra traduccedilatildeo ldquoAleacutem disso uma coisa bela ndash seja um animal seja toda uma accedilatildeo ndash sendo composta de

algumas partes precisaraacute natildeo somente de as ter ordenadas mas tambeacutem de ter uma dimensatildeo que natildeo seja ao

48

No entanto o uso do conceito de ldquoorganismordquo se encontra principalmente nos textos

de ldquoFilosofia da Naturezardquo sobretudo no livro intitulado na tradiccedilatildeo latina por ldquoDe Partibus

Animaliumrdquo [As partes dos animais] quando Aristoacuteteles tece definiccedilotildees de organismo vivo

para tratar sobretudo dos estudos dos animais e suas causas como tambeacutem tece correlaccedilotildees

entre os ldquoentes naturaisrdquo e as ldquocoisas fabricadasrdquo como nesta passagem

E eacute preciso que tambeacutem natildeo seja negligenciada a questatildeo de saber se

conveacutem se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigaccedilatildeo mdash de

que modo cada ente naturalmente vem a ser mais do que de que modo eacute

Pois a diferenccedila entre isto e aquilo natildeo eacute pequena Mas afigura-se que se

deve comeccedilar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente

dissemos) primeiramente deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a

respeito de cada gecircnero e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto

mdash e tambeacutem no que concerne ao vir a ser Pois tambeacutem no caso da

construccedilatildeo de casa tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa eacute de tal e

tal qualidade e natildeo eacute porque vem a ser assim que a casa eacute de tal e tal

qualidade Pois o vir a ser eacute em vista da essecircncia e natildeo eacute a essecircncia que eacute em

vista do vir a ser (De Part An I 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85

define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em

Aristoacuteteles aquele usado com paralelismo para a definiccedilatildeo de obra de arte em algumas teorias

da arte atuais principalmente em Pareyson

acaso a beleza reside na dimensatildeo e na ordem e por isso um animal belo natildeo poderaacute ser nem demasiado

pequeno( pois a visatildeo confunde-se quando dura um espaccedilo imperceptiacutevel do tempo) nem demasiado grande (a

vista natildeo abrange tudo e assim escapa agrave observaccedilatildeo d quem vecirc a unidade e a totalidade)rdquo (Ibidem Traduccedilatildeo

Ana Maria Valente 4ordf ed Lisboa Fundaccedilatildeo Galouste Gulbekian 2011 p51-51)

84 ARISTOacuteTELES As partes dos Animais Livro I traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni in Cadernos de

Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia seacuterie 3 v9 n especial 1999 Campinas Centro de Loacutegica Epistemologia e

Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

Πρὸς δὲ τούτοις ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ

ἀρχὴ τῆς κινήσεως διοριστέον καὶ περὶ τούτων ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν Φαίνεται δὲ πρώτη ἣν

λέγομεν ἕνεκά τινος λόγος γὰρ οὗτος ἀρχὴ δacute ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει

συνεστηκόσιν Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν ὁ δacute οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν

ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου καὶ διότι ποιητέον οὕτως

(Ver tambeacutem em ARISTOacuteTELES De Part An 640b 29 641a 5 645a 30 e 645 b 14 )

85

Filoacutesofo italiano e professor da Universidade de Turim Foi aluno e orientando aleacutem de ser disciacutepulo

assumido de Pareyson Escreveu vaacuterios textos sobre Aristoacuteteles um com supervisatildeo direta de Pareyson que foi

seu orientador para a sua tese acadecircmica Il Concetto di fare in Aristotele publicada em livro homocircnimo em

1961

49

Haacute um conceito aristoteacutelico que eacute proacuteprio do mundo natural e precisamente

da natureza vivente que eacute o de organismo (conceito que natildeo corresponde a

uma uacutenica palavra em Aristoacuteteles - organismo a tiacutetulo pleno eacute animal mas

tambeacutem uma planta - mas que ainda eacute bem reconheciacutevel e presente em seu

pensamento chamamos de organismo no sentido proacuteprio de ser vivente

organizado) O qual eacute hoje muito utilizado pelos teoacutericos da esteacutetica a fim

definir as obras de arte 86

Isto eacute entre outras acepccedilotildees Pareyson usa a noccedilatildeo de organismo aristoteacutelico no

sentido de ser vivo Portanto organismo aqui configura como um conjunto dos oacutergatildeos daiacute o

nome ldquoorganismordquo mas natildeo qualquer organismo o de organismo vivente que carrega consigo

tudo aquilo que Aristoacuteteles pensava como ente dotado de vida isto eacute as ideias de geraccedilatildeo

crescimento morte movimento finalidade E em especial para o presente estudo a ideia de

conjunto de partes que constituem um todo que culminam nas ideias de totalidade e unidade

das partes no todo

Por isso o conceito de ldquoorganismordquo em Pareyson aparece acrescido da ideia de

ldquototalidaderdquo que gera ldquounidaderdquo e portanto a acepccedilatildeo metafiacutesica encontrada nos textos de

Aristoacuteteles tambeacutem se faz presente atraveacutes desses dois termos amplamente usados pelo

estagirita Isto eacute o que realmente explica o entendimento aristoteacutelico de ldquoorganismordquo que

Pareyson recorre eacute a iacutentima relaccedilatildeo deste conceito com certas acepccedilotildees especiacuteficas dos

conceitos aristoteacutelicos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten]87

Gobry explica88

que

Aristoacuteteles89

teria quatro sentidos para a palavra heacuten ldquocontiacutenuordquo ldquounidade-formardquo ldquounidade-

86

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoCrsquoegrave un concetto aristotelico che egrave proprio del mondo naturale e precisamente dellla

natura vivente quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele ndash organismo a

titolo pieno egrave lrsquoanimale ma anche la pianta agrave tale ndash ma che egrave comunque bem riconoscibile e presente nel sue

pensiero chiamiamo organismo in senso proprio lrsquoessere vivente organizzato) il quale egrave oggi molto utilizzato

dai teorici dellrsquoestetica per caratterizzare lrsquoopere drsquoarterdquo (VATTIMO Gianni Il prodoto come organismo p

147 In ______ Opere Complete Ermeneutica Tomo I Roma Ed Meltemi 2001 p 147-174 Para maiores

explicaccedilotildees tambeacutem ver em Idem Opera drsquoarte e organimo in Aristotele In ______ Opere Complete I-

Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 223-226)

87

Cf verbete lthoacutelon todo organismo universo nordm7gt In PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico

histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p107

88

Cf verbete ltheacuten o Unogt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo

Paulo Martins Fontes 2007 p70

89

Cf ARISTOacuteTELES Metafiacutesica I 1 In ______ Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni

Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p436-437

50

indiviacuteduordquo ldquounidade-universalidaderdquo e o sentido que se relaciona com a acepccedilatildeo de

ldquoorganismordquo para Aristoacuteteles eacute o de ldquounidade-formardquo Portanto neste contexto sendo ldquoo

hoacutelon (aqui entendido como totalidade) isto eacute aquilo que constitui a unidade [heacuten] das

coisasrdquo 90

Pode-se constatar a clara a ligaccedilatildeo que Pareyson faz entre a noccedilatildeo de unidade da obra

enquanto ldquoformardquo e unidade de organismo nesta passagem ldquo[] eacute essencial agrave arte o princiacutepio

de unidade da obra tal qual foi teorizado por Aristoacutetelesrdquo91

E o uso do subsiacutedio conceitual

aristoteacutelico por Pareyson eacute ainda mais expliacutecito neste trecho escrito no livro Esteacutetica Teoria

da Formatividade

Esse caraacuteter dinacircmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as

relaccedilotildees nela existentes entre as partes e o ldquotodordquo Na obra de arte as partes

manteacutem um duplo gecircnero de relaccedilotildees de cada parte com as outras e de cada

uma com o todo Todas as partes estatildeo ligadas entre si numa indissoluacutevel

unidade de sorte que cada parte eacute essencial e indispensaacutevel [] As partes

assim ligadas e unidas entre si constituem e delineiam o todo a integridade

da obra resulta da conexatildeo das partes entre si 92

Pode-se notar nas palavras acima citadas a evidente ligaccedilatildeo do significado de

ldquoformardquo com o significado aristoteacutelico de ldquototalidaderdquo na ldquounidaderdquo ou melhor usando o

termo utilizado por Pareyson ldquounitotalidaderdquo [unitotalitagrave]

Por exemplo outro ponto de diaacutelogo entre Pareyson e Aristoacuteteles se verifica atraveacutes da

anaacutelise de uma passagem da Metafiacutesica onde Aristoacuteteles explica essa especial relaccedilatildeo isto eacute

90

Verbete lthoacutelongt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo

Martins Fontes 2007 p74

91

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p26 ldquo[] e cioegrave essenziale allrsquoarte egrave il principio dellrsquounitagrave dellrsquoopera qual egrave teorizzato da

Aristotele[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p227)

92

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p102 ldquoQuesto carattere dinamico dellunitotalitagrave dellopera darte puograve spiegare i rapporti che in

essa sussistono fra le parti e i l tutto Nellopera darte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti di

ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto Tutte le parti sono connesse fra loro in unindissolubile unitagrave si che

ciascuna egrave essenziale e indispensabile []Le parti cosi connesse e congiunte fra loro costituiscono e delineano

il tutto lintegritagrave dellopera risulta dalla connessione delle parti fra lorordquo(Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p86)

51

de um ldquotodordquo que natildeo pode perder as partes pois deixa de ser a unidade - totalidade que o

define perdendo a sua essecircncia essa concepccedilatildeo de ldquoorganismo-todordquo cunhada pelo estagirita

parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definiccedilatildeo de obra de arte que

Pareyson trabalha Segue o trecho da Metafiacutesica de Aristoacuteteles

O que eacute composto de alguma coisa de modo que o todo constitua uma

unidade natildeo eacute semelhante a um amontoado mas a uma siacutelaba E a siacutelaba natildeo

eacute soacute as letras das quais eacute formada nem BA eacute idecircntico a B e A nem carne eacute

simplesmente fogo mais terra de fato uma vez que os compostos isto eacute

carne e siacutelaba se tenham dissolvido natildeo existem mais enquanto as letras o

fogo e a terra continuam existindo Portanto a siacutelaba eacute algo irredutiacutevel soacute agraves

letras ou seja agraves vogais e agraves consoantes mas eacute algo diferente delas (Z 17

1041 b 10-18) 93

Portanto a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade

em si mesma eacute uma das definiccedilotildees da ldquoformardquo pareysoniana isso define a ideia de

completude da obra de arte como ldquoforma formadardquo resultando no ecircxito da ldquoforma acabadardquo

que Pareyson propotildee na sua teoria da arte Como ele explica nestas passagens

Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formaccedilatildeo

Quanto ao segundo problema se a perfeiccedilatildeo da obra de arte eacute apenas o levar

a bom termo a sua formaccedilatildeo o seu duplo caraacuteter ou seja por um lado a

unidade a harmonia e a proporccedilatildeo e por outro a totalidade a integridade e

a completude natildeo pode ter outro fundamento senatildeo aquele ldquotodordquo em que o

processo se ldquoarredondardquo quando chega ao termo 94 ldquo[] a obra de arte eacute

93

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o

portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p363

Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ

οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν [15]

οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή οὐ μόνον τὰ

στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν

ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι

94

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p101 ldquoUnitotalitagrave dellopera come totalitagrave del processo della sua jormazione - Quanto al

secondo problema se la perfezione dellopera darte non egrave altro che i l compimento della sua formazione il suo

duplice carattere e cioegrave per un verso lunitagrave larmonia e la proporzione e per laltro la totalitagrave lintegritagrave e la

completezza non puograve aver altro fondamento che quel laquo tuttto raquo in cui i l processo si laquo arrotonda raquo quando

giunge ai proprio compimentordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p86-87)

52

expressiva enquanto eacute forma isto eacute organismo que vive por conta proacutepria e

conteacutem tudo que deve conterrdquo95

Ainda neste contexto entenda-se organismo como bioloacutegico e correlacionado agraves leis

da phyacutesis [natureza] Portanto vale recordar que natildeo pode ficar de fora dessa discussatildeo do

entendimento do conceito de forma enquanto organismo a relaccedilatildeo jaacute mencionada entre teacutekhne

e phyacutesis Pois quando Pareyson toma ldquoorganismordquo como paradigma do seu conceito de

ldquoformardquo e aqui justamente ldquoformardquo como princiacutepio da definiccedilatildeo de obra de arte Logo o

filoacutesofo italiano assimila a ideia da obra de arte como ldquoser viventerdquo fazendo com que a obra

carregue toda a legalidade de um ente natural E desse modo Pareyson toma a concepccedilatildeo

proposta por Aristoacuteteles na Fiacutesica que situa a produccedilatildeo das coisas ldquofeitas por teacutecnicardquo

(artificiais) em paralelo agraves coisas ldquofeitas pela naturezardquo (entes naturais ou a natureza

simplesmente) Todavia sem que isso tire as especificidades e diferenccedilas dos ldquoentes naturaisrdquo

e dos ldquoentes artificiaisrdquo essas similaridades e distinccedilotildees ficam claras nesta passagem da

Fiacutesica II

Entre os entes uns satildeo por natureza outros satildeo por outras causas por

natureza satildeo os animais e suas partes bem como as plantas e os corpos

simples isto eacute terra fogo ar e aacutegua (de fato dizemos que essas e tais coisas

satildeo por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparaccedilatildeo com

os que natildeo se constituem por natureza pois cada um deles tem em si mesmo

princiacutepio de movimento e repouso ndash uns de movimento local outros de

crescimento e definhamento outros de alteraccedilatildeo por outro lado cama e

veste bem como qualquer outro gecircnero desse tipo na medida em que

encontram suas respectivas designaccedilotildees isto eacute enquanto lhes suceder ser de

pedra de terra ou misturados eles o tecircm por esses elementos e nessa exata

medida ndash pois eacute natureza (192 b 8) 96

95

Idem Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1998

p30 ldquo[]lopera darte egrave espressiva in quanto egrave lsquoformarsquo cioegrave organismo che vive per conto suo e contiene

tutto ciograve che deve avere[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p230)

96

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p43

(sectI) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει τὰ δὲ δι ἄλλας αἰτίας (sect2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ

φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει

φαμέν) (sect3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶταΤούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν

ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως τὰ μὲν κατὰ τόπον τὰ δὲ κατ αὔξησιν καὶ φθίσιν τὰ δὲ κατ ἀλλοίωσιν

53

Por conseguinte assim como Aristoacuteteles Pareyson reivindica a similaridade entre as

coisas da natureza e as obras de arte enquanto ldquoformasrdquo como se constata no texto abaixo

Pode-se no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras

artiacutesticas satildeo formas o que atesta o poder do espiacuterito humano o qual capaz

de fazer com que haja produtos orgacircnicos e realidades vivas pode tambeacutem

estender os confins do reino das formas acrescentando sem soluccedilatildeo de

continuidade agraves formas naturais as inventadas pelo proacuteprio homem E desta

sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhanccedila

profunda e soacute ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz

e admiraacutevel solidariedade 97

Portanto quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente se traz

implicado todo um aspecto metafiacutesico do conceito de vida aristoteacutelico contido tanto na Fiacutesica

quanto na Metafiacutesica logo em Pareyson a proacutepria obra de arte ganha um status de ser vivo

pois a relaccedilatildeo teacutekhne e phyacutesis fundamenta essa implicaccedilatildeo ao trazer um paralelismo e uma

complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais incluindo as obras de arte

Como se constatou a ligaccedilatildeo do conceito de forma pareysoniano como organismo

advindo dos aportes teoacutericos da filosofia aristoteacutelica eacute assinalada pelo proacuteprio Pareyson No

entanto a abordagem acima proposta ligando a definiccedilatildeo de organismo aos conceitos

correlatos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten] natildeo eacute inteiramente explicitada pelo autor

embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto como foi demonstrado nas citaccedilotildees

acima

Todavia a definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo como ldquounitotalidaderdquo eacute o destaque que aqui se

escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristoacuteteles como aporte para

κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ ὅσον

ἐστὶν ἀπὸ τέχνης οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ

μικτοῖς ἐκ τούτων ἔχει καὶ κατὰ τοσοῦτον

97

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquo[] ma intanto si puograve dire che sia le cose della natura che le opere dellarte sono forme il

che attesta la potenza dello spirito umano il quale capace di far essere prodotti organici e realtagrave viventi egrave i n

grado di estendere i confini del regno delle forme aggiungendo senza soluzione di continuitagrave alle forme naturali

quelle inventate da l u i si che v egrave fra le cose della natura e le opere dellarte una somiglianza profonda che

sola puograve spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietagraverdquo (Idem Estetica Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

54

a conceituaccedilatildeo de ldquoformardquo para a Teoria da Formatividade de Pareyson Pois parece que eacute a

partir da definiccedilatildeo de ldquoformardquo que Pareyson tece que se encontra a principal chave para

decifrar como o filoacutesofo italiano entende por conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

Sendo assim a partir dessas nuances trazidas do conceito de ldquoorganismordquo e seus

correlatos cunhados por Aristoacuteteles eacute que Pareyson constroacutei a base da Teoria da

Formatividade a partir do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismo viventerdquo dotada de uma

ldquototalidaderdquo advinda da sua singular ldquounidaderdquo de onde entende-se que foi gerado o conceito

pareysoniano de ldquounitotalidaderdquo da obra de arte enquanto ldquoformardquo

Vattimo tambeacutem mostra como o conceito de ldquoorganismordquo permeia toda obra de

Aristoacuteteles bem como estaacute interligado aos conceitos de phyacutesis hoacutelon e teacutekhne entre outros

correlatos98

Portanto a anaacutelise de Vattimo sobre o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

como subsiacutedio para uma definiccedilatildeo de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao

estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristoteacutelico para definir a obra de arte como

ldquoformardquo E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristoteacutelico de

ldquoorganismordquo ultrapassa uma anaacutelise unilateral do texto da Poeacutetica de Aristoacuteteles e ateacute

mesmo dos tratados de ldquoCiecircncias da Naturezardquo chegando assim aos textos que tratam das

questotildees metafiacutesicas pois embora a definiccedilatildeo de ldquoformardquo pareysoniana parta da noccedilatildeo de

organismo vivo natildeo se resume a ela99

Ademais Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos

fundamentais e inseparaacuteveis o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de

ldquoformaisrdquo) e o outro o de ser vivente e dotado de uma alma100

e que a comparaccedilatildeo entre

obra de arte e organismo deve considerar as duas definiccedilotildees Como ele explica nesse trecho

98

VATTIMO Gianni Opera drsquoarte e organismo in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica -

Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 218

99

Ver mais em Idem Il concetto di fare in Aristotele In______ Opere complete vol I tomo 1 Roma Ed

Meltemi 2007 p 19-180

100

Segundo Peters Psykheacute (alma em latim anima) pode ter muitas acepccedilotildees e bastante complexas e variantes

de filoacutesofo para filoacutesofo soacute no contexto grego Entretanto e sobretudo no acircmbito aristoteacutelico de organismo

alma aqui pode ser definida como ldquorespiraccedilatildeo de vidardquo e ldquoprinciacutepio vitalrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos

gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977

p14) E segundo Gobry Aristoacuteteles adota uma noccedilatildeo de alma natildeo apenas para os seres humanos mas para

todos os seres Ver mais no verbete Psykheacute alma Latim anima In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de

Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 p123-124

55

Se como nos parece esses dois significados estatildeo intimamente relacionados

e de fato o primeiro depende do segundo a aplicaccedilatildeo do conceito de

organismo agrave obra de arte natildeo pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe

os conceitos formais de unidade inteireza perfeiccedilatildeo ordem etc mas eacute

necessaacuterio verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de

uma alma ou seja viva 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristoacuteteles que

eacute a relaccedilatildeo intriacutenseca e inseparaacutevel entre o ldquosensiacutevelrdquo e o ldquointeligiacutevelrdquo aspecto que aparece na

Teoria da Formatividade sobretudo quando a obra de arte eacute dita como tenho ldquofisicalidaderdquo e

ldquoespiritualidaderdquo inseparaacuteveis (esse ponto seraacute abordado mais adiantes nesse mesmo

capiacutetulo)

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade

Outro sentido de ldquoformardquo que aparece no conceito cunhado por Pareyson eacute que

ldquoformardquo eacute organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente daiacute deriva a

proacutepria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeiccedilatildeo enquanto

ldquoserrdquo uacutenico Ou seja ldquoformardquo eacute a obra de arte enquanto finalizada eacute o como da Arte que se

mostra e se realiza Assim sendo sem essas prerrogativas natildeo haacute arte sob a oacutetica

pareysoniana Essa concepccedilatildeo de ldquoarte-formardquo fica clara nessa passagem

E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades eacute a elaboraccedilatildeo

destes conteuacutedos natildeo tanto o ldquoquecircrdquo mas antes o ldquocomordquo isto eacute

precisamente a forma como quer que esta seja entendida o estado final e

conclusivo da arte a elegacircncia da representaccedilatildeo ou da expressatildeo a perfeiccedilatildeo

da imagem o ecircxito do processo artiacutestico a autossuficiecircncia da obra102

101

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoSe como a noi pare questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende

dal secondo lrsquoapplicazione del concetto di organismo allrsquoopera drsquoarte non si potragrave risolvere semplicemente

applicando a essa il concetti formali di unitagrave interezza perfezione ordine ecc mas bisogneragrave vedere in che

senso lopera possa dirsi strumento di unrsquoanima cioegrave viventerdquo (VATTIMO Gianne Opera drsquoarte e organismo

in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma EdMeltemi 2008 p 211-212)

102

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p53 ldquoE ciograve per cui larte si distingue dalle altre attivitagrave egrave lelaborazione di questi

contenuti non tanto il laquoche cosaraquo quanto piuttosto i l laquocomeraquo cioegrave appunto la forma comunque questa

sintenda lo stato finale e conclusivo dellarte la compiutezza della rappresentazione o dellespressione la

56

Logo a noccedilatildeo de ldquoformardquo ligada agrave ideia do ecircxito artiacutestico se aplica a um dos sentidos

de Arte discutidos no capiacutetulo anterior Isto eacute a definiccedilatildeo do termo ars latino trazendo a ideia

de obra bem sucedida que exprime uma espeacutecie de perfeiccedilatildeo em si mesma que a ldquoformardquo

acabada demanda

A ideia aqui eacute de completude mas natildeo soacute da ldquoforma-formadardquo e sim no todo do

processo de ldquoformatividaderdquo da ldquoformardquo E completude que se explica no sentido da relaccedilatildeo

totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristoteacutelico Como fica evidente nesta

passagem ldquoA perfeiccedilatildeo da obra de arte consiste portanto na totalidade do processo que a

formou no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da

univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formaccedilatildeordquo 103

Portanto a perfeiccedilatildeo da obra acabada tem uma relaccedilatildeo embrionaacuteria e intriacutenseca com o

fazer artiacutestico que neste sentido se configura paralelamente a um processo orgacircnico proacuteprio

do ser vivo Aqui novamente retoma-se a definiccedilatildeo aristoteacutelica de organismo no sentido de

vida que carrega implicitamente as noccedilotildees de geraccedilatildeo e finalidade Desse modo o

entendimento desta relaccedilatildeo natildeo soacute eacute fundamental para a proacutepria compreensatildeo do processo

formativo da obra em si ou seja no acircmbito do estudo do fazer artiacutestico propriamente dito

mas eacute igualmente precioso e necessaacuterio para a leitura da obra de arte pelo espectador Sobre a

importacircncia do estudo do processo artiacutestico para acessar a obra acabada Pareyson discorre

Haacute quem considere inessencial o processo artiacutestico no sentido que ele natildeo

interessa em nada o expectador da obra de arte o qual deve fixar o olhar

sobre aquela perfeiccedilatildeo doravante imoacutevel e definitiva [] A primeira

concepccedilatildeo [acima descrita] eacute justa quando afirma que o processo artiacutestico

natildeo interessa de per si porque o que interessa eacute a obra na sua perfeiccedilatildeo mas

arrisca natildeo entender a proacutepria perfeiccedilatildeo da obra quando a vecirc na sua inerte e

perfezione ellimmagine la riuscita del processo artistico la sufficienza dellopera in se stessardquo(Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p249)

103

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p101 ldquoLa perfezione dellopera darte consiste dunque nella totalitagrave del processo che lrsquoha formata nel senso

che la sua unitagrave e la sua totalitagrave dipendono rispettivamente dall univocitagrave e dall improseguibilitagrave del processo

della sua formazionerdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

p85)

57

imoacutevel estaticidade e natildeo como conclusatildeo de um movimento que chegou ao

seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturaccedilatildeo104

E mais adiante ele completa [] A obra no seu acabamento [compiutezza] 105

natildeo eacute

portanto separaacutevel do processo da sua formaccedilatildeo porque eacute antes este mesmo processo visto

no seu acabamento 106

Pois nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade

para com as outras teorias que igualmente evocam a importacircncia do estudo do processo

artiacutestico Isto eacute uma coisa eacute estudar a formaccedilatildeo da arte enquanto parte do oficio do artista

para entender o processo criativo Outra coisa bem diferente eacute estudar o processo de

produccedilatildeo da obra de arte para entender a obra em si suas especificidades e acima de tudo

para reconhecer suas qualidades intriacutensecas e os limites da sua perfeiccedilatildeo enquanto ldquoarte-

formardquo bem sucedida e completa em si mesma ou seja como ldquoobra-de-arte- formardquo acabada

conforme seus proacuteprios criteacuterios internos

Daiacute sai o outro ponto fundamental que estaacute no centro da ideia pareysoniana de arte

como ecircxito que eacute a ideia de legalidade interna da obra Pois o ecircxito a ser perseguido eacute a

proacutepria ldquoformardquo acabada que conduz a ldquoformatividaderdquo em si isto eacute o nuacutecleo do processo

criativo nas palavras de Pareyson

104

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p146ldquoCegrave chi considera inessenziale il processo artistico nel senso chesso non interessa

per nulla lo spettatore dellopera darte il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e

definitiva[] La prima concezione egrave nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per seacute

percheacute ciograve che interessa egrave lopera nella sua perfezione ma rischia di non intendere la stessa perfezione

dellopera quando la vede nella sua inerte e immobile staticitagrave e non come conclusione dun movimento giunto

al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazionerdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p331-332)

105

Compiutezza embora na traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como ldquoacabamentordquo

ldquocompiutezzardquo tambeacutem poderia ser traduzida por ldquocompletuderdquo ou ateacute mesmo por ldquoteacuterminordquo no sentido de algo

que estaacute terminado completo e natildeo por ldquoacabamentordquo pois acabamento pode dar um sentido equivocado de

perfeiccedilatildeo meramente formal o que reduziria a complexidade proacutepria definiccedilatildeo de forma pareysoniana que eacute

muito mais dinacircmica e metafiacutesica do que a ideia de forma no sentido usual de configuraccedilatildeo

106

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p147 Ver tambeacutem em Ibidem p32 -33

ldquoLopera nella sua compiutezza non egrave dunque separabile dal processo della sua formazione percheacute anzi egrave

questo stesso processo visto nel suo compimentordquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I

Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p332)

58

[] a arte propriamente dita eacute a especificaccedilatildeo da formatividade exercitada

natildeo mais tendo em vista outros fins mas por si mesma O artista natildeo tem em

mira uma obra que para ser obra deva ser tambeacutem forma (isto eacute um ecircxito

especulativo moral teacutecnico) mas uma obra que presume e aceita valer soacute

como forma (isto eacute como mero ecircxito) A obra de arte consiste precisamente

nisto no natildeo querer ter outra justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma

forma que vive de per si uma inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto

de realidade alguma coisa que primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero

uma realizaccedilatildeo primeira e absoluta107

Assim sendo a Teoria da formatividade traz consigo a noccedilatildeo de inseparabilidade e

simultaneidade dos ldquomomentosrdquo da formandashobra isto eacute todos os ldquotemposrdquo da obra participam

da obra acabada e existem por e para ela Neste sentido projetar produzir executar

contemplar a ldquoformardquo ou seja o processo de produccedilatildeo como um todo eacute uma coisa soacute E tudo

isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como ecircxito em si mesma

Aqui parece possiacutevel entender que a ldquoformardquo eacute a proacutepria ldquofinalidaderdquo da obra e

portanto a formatividade se configura enquanto processo artiacutestico como um movimento

teleoloacutegico da obra de arte Nota-se que novamente a ldquoformatividaderdquo pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgacircnico108

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte

Nesse sentido a produccedilatildeo a ldquoforma-obrardquo eacute a produccedilatildeo de uma coisa que estaacute entre

coisas que tem vida proacutepria e que constitui o conjunto da realidade das coisas Esse raciociacutenio

leva a outra importante indagaccedilatildeo diante da ldquoforma-obra-de-arterdquo Assim sendo antes de se

107

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p37 ldquoLartista non ha di mira unopera che per esser opera devessere anche forma (cioegrave

una riuscita speculativa morale tecnica) ma unopera che presume e accetta di valere solo come forma (cioegrave

come mera riuscita) Lopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra giustificazione che

desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un incremento imprevisto della

realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una realizzazione prima e assolutardquo (Idem

I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p235)

108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristoteacutelico visto que nos textos do estagirita um

dos pilares para a definiccedilatildeo de ser vivo (organismo) eacute a ideia e finalidade proacutepria pois eacute a finalidade de cada ser

que determina a organizaccedilatildeo das partes que constituem a totalidade na unidade

59

perguntar o e ela quer dizer vale perguntar o que ela eacute Essa indagaccedilatildeo possibilita a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte que eacute possiacutevel justamente a partir da definiccedilatildeo

de arte como ldquoformardquo e desse modo se configura como organismo autocircnomo dotado de

existecircncia proacutepria Pareyson diz

Mas a arte eacute produccedilatildeo e realizaccedilatildeo em sentido intensivo eminente absoluto

a tal ponto que com frequecircncia foi na verdade chamada criaccedilatildeo enquanto

eacute natildeo soacute produccedilatildeo de organismos que como os da natureza satildeo autocircnomos

independentes e vivem por conta proacutepria mas tambeacutem alcanccedila ser produccedilatildeo

de objetos radicalmente novos verdadeiro e proacuteprio incremento da realidade

inovaccedilatildeo ontoloacutegica 109

Como descrito no texto acima a partir da noccedilatildeo de ldquoformardquo com organismo a obra de

arte eacute realidade em si mesma Isso traz agrave tona a noccedilatildeo de fisicalidade de arte como ldquoobjetordquo

sensiacutevel Portanto a proacutepria fisicalidade da obra de arte a relaccedilatildeo ldquoforma ndash mateacuteriardquo toma um

lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo Como Pareyson completa

Isto significa recordar que a obra de arte eacute antes de tudo um objeto sensiacutevel

fiacutesico e material e que fazer arte quer dizer antes de qualquer outra coisa

produzir um objeto que exista como coisa entre coisas exteriorizado numa

realidade sonora e visiva 110

A implicaccedilatildeo desse entendimento de obra de arte como ldquoforma-obrardquo traz por sua

vez a ideia de organismo vivo acarretando a emancipaccedilatildeo ontoloacutegica da obra de arte

deixando de ser vista apenas como significado numa ldquoformardquo ldquovaziardquo que eacute ldquopreenchidardquo por

um ldquoconteuacutedordquo alheio e externo a sua existecircncia fiacutesica Logo questiona- se a proacutepria noccedilatildeo de

que a obra de arte eacute sempre referente e subordinada a um suposto ldquoenterdquo externo seja ele um

109

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoMa larte egrave produzione e realizzazione in senso intensivo eminente assoluto al

punto che spesso egrave stata chiamata addirittura creazione in quanto non solo egrave produzione di organismi che

come quelli della natura sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio ma giunge ad esser

produzione di oggetti radicalmente nuovi vero e proprio incremento della realtagrave innovazione ontologicardquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p231)

110

Ibidem op cit p55 ldquoCiograve significa ricordale elle lopera darte egrave anzitutto un oggetto sensibile fisico e

materiale e che far arte vuol dire prima dogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose

estrinsecato in una realtagrave sonora e visivardquo (Ibidem op cit p251)

60

modelo representado ou o artista ou um espectador e que estes sim seriam dotados de

estatuto ontoloacutegico prenhes de significado em si mesmos dotados de existecircncia e

independentes de um referente eou modelo Dito isto se pode afirmar que ldquoA forma

portanto eacute antes de mais nada expressatildeo de si mesma porque conteacutem tudo aquilo que

declara e declara tudo aquilo que eacuterdquo 111

Por isso vale retomar a relaccedilatildeo simbioacutetica que Pareyson reivindica entre arte-forma e

as coisas da natureza pois essa premissa cela o estatuto ontoloacutegico da arte e o seu status de

coisa entre coisas Sendo assim esse pressuposto leva a outra discussatildeo que estaacute no

nuacutecleo da histoacuteria do pensamento sobre arte a do entendimento da representaccedilatildeo como sendo

mecanismo inerente e necessaacuterio agrave arte Isto eacute o estatuto ontoloacutegico da arte culmina na

conclusatildeo de que a obra de arte eacute sobretudo presenccedila em si mesma Como sintetiza

Pareyson ldquo[] o corpo da obra de arte eacute toda a realidade dela A pintura natildeo eacute nada diverso

de uma superfiacutecie colorida a estaacutetua nada diversa de bronze fundido a poesia nada diversa de

uma seacuterie de palavras []rdquo 112

Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciociacutenio e esclarece como a

ontologizaccedilatildeo da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussatildeo

sobre a relaccedilatildeo entre obra de arte e a realidade no que diz repeito agrave implicaccedilatildeo da arte como

imitaccedilatildeo

A arte eacute imitaccedilatildeo da natureza natildeo enquanto representa a realidade mas

enquanto a inova isto eacute enquanto incrementa o real seja porque acrescenta

ao mundo natural um mundo imaginaacuterio ou hetero-coacutesmico seja porque no

111

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p272 ldquoLa forma dunque egrave anzitutto espressiva di seacute stessa percheacute contiene tutto ciograve chessa dichiara e

dichiara tutto ciograve chessa egraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p247)

112

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquo[] il corpo dellopera darte egrave tutta la realtagrave di essa Il dipinto non egrave nientaltro che una

superficie colorata e la statua nientaltro che bronzo fuso e la poesia nientaltro che una serie di

parole[]rdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p307)

61

mundo natural acrescenta agraves formas que jaacute existem formas novas que

propriamente constituem um verdadeiro aumento da realidade 113

Em suma muito se fala da arte como representaccedilatildeo no entanto natildeo podemos deixar

de lembrar que antes de ser representaccedilatildeo ela eacute apresentaccedilatildeo de si mesma ela eacute coisa entre

coisas e esse entendimento eacute tambeacutem fundamental para entender a arte enquanto teacutekhne e

poiacuteesis quando entendidas nas acepccedilotildees aristoteacutelicas anteriormente discutidas Por

conseguinte esse eacute o assunto central do proacuteximo capiacutetulo pois ainda haacute mais a se dizer a

repeito desse ponto esboccedilado aqui isto eacute a intrincada questatildeo da arte como imitaccedilatildeo eou

como representaccedilatildeo que leva agrave outra questatildeo que eacute o delicado equiliacutebrio da simultaneidade na

arte enquanto representaccedilatildeo de outro e apresentaccedilatildeo de si mesma

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo

Embora a Teoria da Formatividade decirc ecircnfase agrave definiccedilatildeo de arte como ldquoformardquo

teacutekhne e poiacuteesis a esteacutetica pareysoniana natildeo perde de vista a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo ou

ldquoexpressatildeordquo que estatildeo contidas na obra de arte E portanto chama agrave atenccedilatildeo outro

fundamental equiliacutebrio de simultaneidade na obra de arte isto eacute a relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquomundordquo que tambeacutem poderia se configurar por exemplo numa possiacutevel relaccedilatildeo entre

ldquointernordquo e ldquoexternordquo Como se constata nessa passagem do livro Esteacutetica ndash Teoria da

Formatividade

[] o espiacuterito da obra natildeo eacute algo diferente do seu corpo como se na obra

fosse possiacutevel distinguir interno e externo vida imanente e manifestaccedilatildeo

visiacutevel alma interior e invoacutelucro exterior pura espiritualidade e

intermediaacuterio fiacutesico114

113

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 70 ldquoLarte egrave imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtagrave ma in quanto

la innova cioegrave in quanto incrementa il reale sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o

eterocosmico sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che giagrave ci sono delle forme nuove che sono un

vero e proprio aumento della realtagraverdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264-265)

114

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p113-114 ldquo[] lo spirito dellopera non egrave qualcosa di diverso dal suo corpo come se nellopera si potesse

distinguere interno ed esterno vita immanente e manifestazione visibile anima interiore e involucro esteriore

pura spiritualitagrave e intermediario fisicordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli

2ordf Edizione 1960 p97)

62

Ou seja ainda que para Pareyson ldquoformardquo seja coisa concreta no mundo e portanto

tenha fisicalidade e materialidade sendo assim objeto sensiacutevel isso natildeo torna a sua teoria

num mero ldquoformalismordquo versus ldquoconteudismordquo Pois ele natildeo exclui da noccedilatildeo de ldquoformardquo

outros aspectos impliacutecitos da Arte como a ideia de espiritualidade Por isso natildeo reduz o

problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteuacutedo que por sua vez

segundo Pareyson natildeo satildeo separaacuteveis ou seja conteuacutedo e forma satildeo intriacutensecos e um eacute

necessaacuterio para que o outro exista

Portanto antes de qualquer coisa eacute imprescindiacutevel demarcar o que Pareyson entende

por ldquoconteuacutedordquo da obra de arte que para o filoacutesofo italiano se aproxima mais de uma noccedilatildeo

de ldquoestilordquo do que propriamente como sinocircnimo de ldquotemardquo Abaixo seguem dois trechos que

esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de ldquoconteuacutedordquo

Dizer conteuacutedo de uma obra de arte portanto significa dizer caraacuteter pessoal

e espiritual do estilo considerado como espiritualidade que se tornou

totalmente modo de formar O conteuacutedo entatildeo eacute algo diferente daquilo que

se costuma denominar tema argumento ou assunto pois a obra natildeo precisa

a rigor procurar o proacuteprio conteuacutedo em um argumento ou tema quando o

estilo eacute jaacute espiritualidade concreta que se tornou energia formante 115

E mais adiante noutro trecho Pareyson acrescenta ldquo[] estilo eacute proacuteprio conteuacutedo

isto eacute a espiritualidade que aiacute se faz modo de formarrdquo 116

Ou seja para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre ldquoformardquo e conteuacutedo

na arte Pareyson traz a ideia de ldquoestilordquo que eacute sobretudo definido como a ldquoespiritualidaderdquo

do artista contida na obra

115

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p 38 ldquoDire contenuto dell opera d arte dunque non significa altro che dire carattere personale

e spirituale dello stile considerato come spiritualitagrave che si egrave fatta tutta modo di formare Il contenuto allora egrave

qualcosa di diverso da ciograve che si suol chiamare tema argomento o laquo soggetto raquo poicheacute lopera non ha bisogno

a rigore di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema quando lo stile egrave giagrave spiritualitagrave concreta

diventata energia formanterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p22-23)

116

Ibidem op cit 1993 p 39 ldquo[]lo stile egrave la stessa spiritualitagrave dellartista fattasi modo di formarerdquo (Idem

opcit 1960 p24)

63

Mas antes ainda diante desta relaccedilatildeo seria oportuno definir melhor o que significa

para Pareyson ldquoespiacuteritordquo [spirito] 117

da obra de arte bem como ldquoespiritualidade da obra de

arterdquo eis aqui algumas delimitaccedilotildees importantes a respeito dessa consideraccedilatildeo nas palavras

de Pareyson ldquoO espiacuterito da obra eacute a organizaccedilatildeo unitaacuteria de seu corpo a totalidade indivisiacutevel

de suas partes sensiacuteveis a coerecircncia indissoluacutevel de sua realidade fiacutesicardquo 118

Logo vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano ldquoespiacuteritordquo e

ldquoformardquo coincidem e para entender melhor como se daacute essa coincidecircncia eacute necessaacuterio

discorrer sobre a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em Pareyson e sobretudo mais especificamente

ldquoespiritualidade do artistardquo Ou seja neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte as

acepccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo coincidem na maioria das vezes com o que o autor chama de

ldquomundo do artistardquo contido na obra Que todavia natildeo se confunde com o que seria o tema da

obra mas sim se encontra com a ideia pareysoniana de conteuacutedo delimitado nas acepccedilotildees

anaacutelogas agraves noccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo e ldquoestilordquo bem como de ldquosignificado humanordquo Nas

palavras de Pareyson

Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensiacutevel da

obra de arte a forma foi entendida como o resultado da formaccedilatildeo de uma

mateacuteria da produccedilatildeo de um objeto fiacutesico como mateacuteria formada isto eacute

como uma configuraccedilatildeo conseguida de palavras sons cores pedras ou

qualquer outra coisa E paralelamente reparando no fato de que nem sempre

as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos porque

nenhum objeto real ou possiacutevel e nenhum sentimento determinado estatildeo

contidos num arabesco numa muacutesica abstrata numa obra arquitetocircnica que

117

Importante ressaltar que ldquoespiacuteritordquo aqui natildeo corresponde agrave ideia de ldquoespiacuterito absolutordquo que se encontra por

exemplo sobretudo em alguns textos sob a influecircncia da filosofia hegeliana Pois em Pareyson a noccedilatildeo de

espiacuterito estaacute ligada agrave noccedilatildeo de pessoa outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim Nesse

trecho Pareyson faz menccedilatildeo agrave distinccedilatildeo das acepccedilotildees de ldquoespiacuteritordquo ldquoSoacute uma filosofia da pessoa tem condiccedilotildees

para resolver o problema da unidade e distinccedilatildeo das atividades por explicar com base na indivisibilidade e na

iniciativa da pessoa como eacute que toda operaccedilatildeo exige sempre simultaneamente a especificaccedilatildeo de uma atividade

e a concentraccedilatildeo de todas as outras Se o operar fosse do espiacuterito absoluto natildeo haveria motivo para distinccedilatildeo

entre as atividades e todas se reduziriam a umardquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25)

ldquoSolo una filosofia della persona egrave in grado di risolvere il problema dellunitagrave e distinzione delle attivitagrave poicheacute

spiega in base allindivisibilitagrave e alliniziativa della persona come ogni operazione richieda sempre insieme la

specificazione dunattivitagrave e la concentrazione di tutte le altre se loperare fosse dello spirito assoluto non vi

sarebbe ragione di distinzione fra le attivitagrave e tutte si ridurrebbero a unardquo (Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p10)

118

Ibidem Op cit p114 ldquoLo spirito dellopera egrave lorganizzazione unitaria del suo corpo la totalitagrave indivisibile

delle sue parti sensibili la coerenza indissolubile della sua realtagrave fisica []rdquo (Idem Op cit p97)

64

natildeo obstante tecircm um significado humano e uma ressonacircncia espiritual

procurou-se o conteuacutedo em um niacutevel mais profundo e num campo mais vasto

encontrou-se o ldquomundordquo do artista o seu modo de pensar viver sentir a sua

concepccedilatildeo do mundo e seu posicionamento frente agrave vida a sua

Weltanschauung e o seu ethos as ideias os pensamentos os juiacutezos que

formulam na sua mente os sentimentos os ideais as aspiraccedilotildees que nutrem

no seu coraccedilatildeo as experiecircncias as escolhas as crenccedilas de que informa a sua

vida em suma a sua personalidade concreta toda a sua espiritualidade119

Isto eacute a noccedilatildeo de ldquomundordquo utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de

Weltanschauung120

logo advindo do contexto dos estudos de filosofia alematilde que para os

aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson pode ser resumido como ldquointuiccedilatildeo do

mundordquo ldquovisatildeo de mundordquo ou ldquocosmovisatildeordquo contudo acrescido do conceito de ldquopessoardquo

pareysoniano isto eacute para Pareyson Weltanschauung eacute uma ldquovisatildeo de mundo pessoalrdquo que

estaacute diretamente ligada ao conteuacutedo da ldquoformardquo enquanto obra de arte como ele mesmo

explica

Um mundo eacute a realidade universal tal qual vista por uma pessoa eacute um

sentido pessoal do universo uma visatildeo pessoal da realidade uma concepccedilatildeo

119

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p54-55 ldquoQuando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e laspetto sensibile

dellopera darte la forma fu intesa come il risultato della formazione duna materia della produzione dun

oggetto fisico come materia formata cioegrave come una configurazione riuscita di parole suoni colori pietre o

altro che sia E parallelamente badando al fatto che non sempre le opere darte rappresentano oggetti o

esprimono sentimenti percheacute nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato egrave contenuto in

un arabesco in una musica astratta in unopera architettonica che pure hanno un significato umano e una

risonanza spirituale si cercograve il contenuto a un livello piugrave profondo e su un campo piugrave vasto e si trovograve il

laquomondoraquo dellartista il suo modo di pensare vivere e sentire la sua concezione del mondo e il suo

atteggiamento di fronte alla vita la sua Weltanschauung e il suo ethos le idee i pensieri i giudizi che formula

nella sua mente i sentimenti glideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore le esperienze le scelte le credenze di

cui informa la sua vita insomma la sua personalitagrave concreta lintera sua spiritualitagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p250)

120

Natildeo haacute exatamente um consenso sobre a origem de ldquoWeltanschauungrdquo como conceito em textos filosoacuteficos

Termo que tambeacutem pode ter vaacuterias acepccedilotildees dependendo do aporte e do contexto em que estaacute empregado No

entanto uma referecircncia segura eacute que eacute uma expressatildeo que faz parte do contexto dos estudos filosoacuteficos e

artiacutesticos alematildees abrangendo autores desde Kant a Goethe Eacute provaacutevel que no caso de Pareyson que a acepccedilatildeo

seja advinda da filosofia de Karl Jaspers jaacute que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este

autor E que tenha uma acepccedilatildeo advinda de aportes da filosofia com veia existencialista por isso parece que em

Pareyson eacute possiacutevel vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular

seja pessoal ou de um grupo de pessoas Ver tambeacutem verbete ltldquoIntuiccedilatildeo do Mundordquogt In ABBAGNANO

Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Ed WMF

Martins Fontes 2012 p 672

65

pessoal da vida [] uma Weltanschauung e um ethos eacute um modo

tipicamente pessoal de interpretar o mundo [] Um mundo eacute isto sim uma

visatildeo do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa que seja a

proacutepria pessoa em sua realidade viva [] 121

E portanto ldquoespiritualidade do artistardquo neste contexto coincide com a ideia de

intuiccedilatildeo pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte

como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo

[] na obra fisicalidade e espiritualidade significado e existecircncia

coincidem na obra de arte ser e dizer corpo e espiacuterito satildeo a mesma coisa A

obra natildeo diz senatildeo o que ela eacute e o seu proacuteprio ser eacute um dizer soacute a sua

presenccedila eacute um significado [] 122

Em suma os conceitos de ldquoespiritualidaderdquo e de ldquovisatildeo de mundordquo se conjugam e se

misturam para explicar que embora a obra de arte enquanto ldquoformardquo seja a realidade sensiacutevel

da obra e que seja o tudo que a obra de arte eacute natildeo basta para defini-la completamente Sendo

assim eacute necessaacuterio recorrer agrave coexistecircncia entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao

conceito de ldquoformardquo enquanto unitotalidade em si mesma Ou seja para Pareyson a obra estaacute

no mundo mas ela tambeacutem eacute mundo como se constata nos trechos abaixo

Se a obra de arte natildeo aceita valer senatildeo como forma isto natildeo significa que

nela se reduz a ser somente forma ela eacute ao mesmo tempo uma forma e um

mundo uma forma que natildeo exige valer senatildeo como pura forma e um mundo

espiritual que eacute um modo pessoal de ver o universo 123

121

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p 273 ldquoUn mondo egrave la realtagrave universale qualegrave vista da una persona egrave un senso personale

delluniverso una visione personale della realtagrave una concezione personale della vita o come ho detto altra

volta Weltanschauung ed ethos e un personalissimo modo dinterpretare il mondo[] Un mondo egrave una visione

delluniverso che diventi carne e sangue duna persona che sia la persona stessa nella sua realtagrave vivente[]rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

122

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p59 ldquo[] nellopera fisicitagrave e spiritualitagrave significato ed esistenza coincidono nellopera darte essere e

dire corpo e spirito sono la stessa cosa Lopera non dice se non ciograve chessa egrave e il suo stesso essere egrave un dire la

sua sola presenza egrave un significatordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p250)

123

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p45 ldquoSe lopera darte non accetta di valere se non come forma ciograve non significa chessa

66

A relaccedilatildeo ldquoformandashmundordquo contida na teoria de arte pareysoniana eacute tatildeo simbioacutetica

como todos os outros binocircmios descritos acima e que estatildeo no nuacutecleo da formatividade da

arte Isto eacute um se explica pelo outro e um natildeo existe sem o outro como Pareyson mostra

nessa passagem

Quando entatildeo se afirma que a obra artiacutestica exprime o mundo do artista e

certamente se pode e deve falar deste modo importa natildeo esquecer que esta

expressatildeo ocorre somente enquanto a obra artiacutestica eacute ao mesmo tempo um

mundo e uma forma E se eacute verdade que ela natildeo pode ser uma forma sem

ser um mundo natildeo eacute menos verdade que tambeacutem natildeo pode ser um mundo

sem ser uma forma 124

Sendo assim constata-se que Pareyson trabalha com vaacuterios conceitos correlatos que

explicam como a arte pode ser coisa fiacutesica e material e ao mesmo tempo ter outras

caracteriacutesticas que a definem como algo tatildeo extraordinaacuterio e uacutenico Ou seja essa rede de

conceitos interligados que datildeo conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte

como ldquoformardquo pode ser sintetizada como as relaccedilotildees entre ldquoconteuacutedo - formardquo

ldquoespiritualidade da formardquo ndash ldquofisicalidade da formardquo e finalmente ldquomundo-formardquo Como

descrito nas linhas a seguir

Natildeo obstante as obras de arte satildeo figuras espirituais imagens que tecircm um

significado humano que falam agrave mente e ao coraccedilatildeo que transmitem

sentidos interiores e profundos Mas o aspecto espiritual e interior das obras

de arte natildeo eacute alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensiacutevel e a sua

realidade fiacutesica porque antes coincide imediatamente com eles [] Dizer

que na obra de arte o corpo eacute tudo natildeo significa negar-lhe a espiritualidade

si riduca ad essere solo forma essa egrave al tempo stesso una forma e un mondo una forma che non esige di valere

che come pura forma e un mondo spirituale chegrave un modo personale di vedere luniversordquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p242)

124

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p 273 ldquoQuando perciograve si dice che lopera darte laquo esprime raquo il mondo dellartista e certo si puograve e si deve dir

cosi non bisogna dimenticare che questa laquo espressione raquo avviene solo i n quanto lopera darte egrave insieme un

mondo e una forma e se egrave vero chessa non puograve essere una forma senza essere un mondo non egrave men vero che

non puograve essere un mondo senza essere una formardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

67

mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo

aspecto fiacutesico 125

Ou seja novamente a noccedilatildeo de simultaneidade eacute ressaltada na proacutepria relaccedilatildeo

fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a

seguir

A magia da obra de arte natildeo eacute a convergecircncia ou a copresenccedila ou a

mediaccedilatildeo da sua espiritualidade e da sua fisicalidade mas a coincidecircncia

destes dois termos o fato de na obra natildeo existir nada de fiacutesico que natildeo seja

significado espiritual nem nada de espiritual que natildeo seja presenccedila fiacutesica126

Esse equiliacutebrio natildeo dualista e natildeo oposicionista entre ldquofisicalidaderdquo e ldquoespiritualidaderdquo

e consequentemente entre ldquoformardquo e ldquoconteuacutedordquo destaca-se e permeia toda a Teoria da

Formatividade127

e desse modo estaacute na chave do entendimento do possiacutevel equiliacutebrio entre

as noccedilotildees de representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo das problemaacuteticas

concernentes agraves especificidades das artes visuais e em particular da arte pictoacuterica

125

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquoEppure le opere darte sono figure spirituali immagini che hanno un significato umano che

parlano alla mente e al cuore che trasmettono sensi interiori e profondi Laspetto spirituale e interiore delle

opere darte non egrave qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtagrave fisica percheacute jiuttosto

coincide immediatamente con essi [] Dire che nellopera darte il corpo egrave tutto non significa negarne la

spiritualitagrave ma solo affermare che questa spiritualitagrave devessere vista nel suo stesso aspetto fisicordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p308)

126

Ibidem op cit p120 ldquoLa magia dellopera darte non egrave la convergenza o la compresenza o la mediazione

del la sua spiritualitagrave e della sua fisicitagrave ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nellopera non cegrave

nulla di fisico che non sia significato spirituali neacute nulla di spirituale che non sia presenza fisicardquo (Ibidem Op

cit p308)

127

Como sintetiza Pablo Sarto ldquo[] la nocioacuten de forma que propone nuestro filoacutesofo ofrece varias

posibilidades En primer lugar proporciona una articulacioacuten entre el mundo la naturaleza el arte y las

actividades humanas que recuerda algunas afirmaciones tanto de la esteacutetica claacutesica como de la romaacutentica y

contemporaacutenea Por otro lado permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la

realidad sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo [hellip]rdquo (SARTO Pablo

Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson Pamplona EUNSA1998

p302)

Sobre a relaccedilatildeo entre existecircncia e transcendecircncia em Pareyson tambeacutem discorre Giovanni ForneroldquoO

ponto focal do Existencialismo de Pareyson que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na

inseparabilidade de existecircncia e transcendecircncia eacute a interpretaccedilatildeo do nexo existencial como coincidecircncia de

auto-relaccedilatildeo e heterorrelaccedilatildeo de relaccedilatildeo consigo e relaccedilatildeo com o ser []rdquo(FORNERO Giovanni Verbete lt

Existencialismogt In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho

Benedetti 6ordf ed Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2012 p471)

68

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson

E por fim outro conceito que participa dessa cadeia acima descrita de relaccedilotildees

inseparaacuteveis e correlatas eacute o conceito de ldquopessoardquo e que por sua vez se estabelece como

ponto de partida para os binocircmios ldquopessoa - formardquo e ldquopessoa - formatividaderdquo

A noccedilatildeo de ldquopessoardquo eacute formulaccedilatildeo basilar presente na filosofia de Pareyson como um

todo pensamento que muitas vezes eacute chamado de ldquopersonalismordquo128

E igualmente permeia

todo o pensamento especiacutefico sobre Arte que Pareyson formula Como ele mesmo explica

O estudo da interpretaccedilatildeo da obra de arte explicita o incindiacutevel nexo que

subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa e revela

dentre outros a congenialidade que eacute uma das leis fundamentais do espiacuterito

humano e pode trazer agrave esteacutetica e agrave criacutetica uma fundamental contribuiccedilatildeo

onde quer que se apresente cooperaccedilatildeo dos homens troca de ideias e difusatildeo

de civilizaccedilatildeo129

Natildeo parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o

conceito de pessoa se configura no pensamento filosoacutefico pareysoniano pois este seria por si

soacute um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro130

Entretanto se faz necessaacuterio

um delineamento do conceito de ldquopessoardquo para o entendimento da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo fundamental para vislumbrar todas as dimensotildees do conceito de ldquoformardquo

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano e eacute igualmente

conhecido como um filoacutesofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista que muitas vezes eacute

chamado de personalismo ontoloacutegico representado em especial pelo livro ldquoEsistencia e Personardquo (1950) O

filoacutesofo italiano tambeacutem eacute identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenecircutica representada

sobretudo pelo seu livro de ensaios ldquoVeritagrave e Interpretazionerdquo (1971) e por seus inuacutemeros livros sobre Esteacutetica

Cf SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson

Pamplona EUNSA 1998 p16-17 e p28-34 Ver tambeacutem lsquoVerbete Existencialismorsquo de GF [Giovanni Forner]

- In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti

Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2012 p471

129

PAREYSON Luigi Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica

1956 Traduccedilatildeo de Francesco Napoli p 114 a 120 In NAPOLI Francesco Luigi Pareyson e a esteacutetica da

formatividade um estudo de sua aplicabilidade agrave poeacutetica do ready-made 2008 (121 p) Dissertaccedilatildeo (Mestrado

em Filosofia) Ouro Preto Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

130

Ver mais em PAREYSON Luigi Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de

Filosofiacutea Mendoza Argentina marzo-abril 1949 Universidad Nacional de Cuyo Buenos Aires 1950 tomo II

p 1079-1083 (Sesiones III Filosofiacutea de la existencia)

69

pareysoniano Nas palavras dele como se daacute essa sutura dos conceitos de ldquoformardquo

espiritualidade e ldquopessoardquo

A forma eacute ao mesmo tempo fiacutesica e espiritual porque se a mateacuteria eacute formada

eacute fiacutesica o modo de formaacute-la eacute espiritual eis a conjunccedilatildeo de espiacuterito e

mateacuteria na obra de arte e natildeo se poderaacute dizer somente ldquoexprimardquo a pessoa

do artista pois ela eacute de certo modo inteira e indivisiacutevel a pessoa do artista

feita objeto material fiacutesico e existente sem que isso se oponha

naturalmente agrave evidente transcendecircncia reciacuteproca de obra e pessoa131

Desse modo a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo em Pareyson por vezes coincide com a de

ldquoformardquo isto eacute se alinhando ao conceito de ldquoespiritualidaderdquo a noccedilatildeo de ldquopessoardquo se

encontra com a definiccedilatildeo metafiacutesica de ldquoorganismordquo sobretudo no sentido de totalidade

trazida dos aportes aristoteacutelicos e que embasam o entendimento de obra de arte como

ldquoformardquo Nas palavras de Pareyson

Com efeito como totalidade a pessoa eacute obra e como desenvolvimento a

pessoa eacute operar atividade que culmina em obras E a obra por sua vez eacute

forma uma definiccedilatildeo que eacute ao mesmo tempo total e em si mesma completa

singular e irrepetiacutevel universalmente vaacutelida e por todos reconheciacutevel dotada

de coerecircncia e legalidade interna vida para si mesma e lei para si mesma

autocircnoma e independente exemplar e paradigmaacutetica132

Ou seja a noccedilatildeo de totalidade contida no conceito de ldquoformardquo tambeacutem participa da

definiccedilatildeo de ldquopessoardquo daiacute a correspondecircncia que Pareyson estabelece entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo De fato em vaacuterias passagens dos inuacutemeros textos sobre arte Pareyson chega a

131

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p57 ldquoLa forma egrave insieme fisica e spirituale percheacute se la materia formata egrave fisica il modo di

formarla egrave spirituale ecco la congiunzione di spirito e materia nellopera darte la quale non si puograve dire che

soltanto laquo esprima raquo la persona dellartista percheacute piuttosto essa in certo modo egrave intera e indivisibile la

persona dellartista fattasi tutta oggetto materiale fisico ed esistente senza che ciograve contravvenga naturalmente

allevidente trascendenza reciproca di opera e personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p41)

132

Ibidem op cit p176 ldquoInfatti come totalitagrave la persona egrave opera e come sviluppo la persona egrave operare

attivitagrave che culmina in opere e lopera egrave una forma cioegrave a dire una definitezza chegrave al tempo stesso totale e in seacute

conclusa singolare e irripetibile universalmente valida e onniriconoscibile dotata di coerenza e legalitagrave

interna vita a seacute stessa e legge a seacute stessa autonoma e indipendente esemplare e paradigmaticardquo (Ibidem op

cit p156)

70

afirmar que ldquoformardquo e ldquopessoardquo coincidem como neste exemplo ldquoPor isso se a pessoa eacute

forma e se todo operar humano eacute sempre pessoal o operar humano tem sempre um duplo

caraacuteter por um lado tende a executar formas e pelo outro exprime a totalidade da

pessoardquo133

Contudo antes de prosseguir na descriccedilatildeo da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo vale

definir brevemente o conceito de ldquopessoardquo por si soacute para Pareyson no trecho abaixo haacute uma

siacutentese do entendimento do filoacutesofo italiano sobre a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo utilizada por ele

Na pessoa se podem encontrar dois aspectos a totalidade e o

desenvolvimento Por um lado com efeito a pessoa eacute em cada um de seus

instantes uma totalidade infinita e definida fixa em uma forma

singulariacutessima e inconfundiacutevel dotada de uma validade concluiacuteda e

reconheciacutevel e por outro eacute um variar contiacutenuo aberto agrave possibilidade de

contestaccedilotildees e reelaboraccedilotildees de revisotildees e enriquecimentos de repeticcedilotildees

de velhos motivos e novos atos De um lado eacute a obra definida e concluiacuteda a

cada instante e do outro eacute obra de desenvolvimento aberta e exigindo

sempre novos atos e novos desenvolvimentos134

Ademais embora haja uma reconhecida influecircncia das correntes de pensamento

rotuladas sob as rubricas ldquoromantismordquo e ldquoidealismordquo que podem ser detectadas permeando o

pensamento de Pareyson visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling

natildeo se pode confundir a ideia de ldquopessoardquo com a noccedilatildeo de ldquosujeitordquo como ele mesmo explica

nesta passagem

133

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p177 Texto em italiano ldquoPerciograve se la persona egrave forma e se ogni operare umano egrave sempre

personale loperare umano ha sempre un doppio carattere per un verso tende a por capo a forme e per l altro

esprime la totalitagrave della personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p157)

134

Ibidem Op cit p176 Texto em italiano ldquoNella persona si possono rinvenire due aspetti la totalitagrave e lo

sviluppo Per un verso infatti la persona egrave fn ciascuno dei suoi istanti una totalitagrave infinita e definita fissata in

una forma singolarissima e inconfondibile dotata duna validitagrave conclusa e riconoscibile e per laltro egrave variare

continuo aperto alla possibilitagrave di contestazioni e rielaborazioni di revisioni e arricchimenti di riprese di

vecchi motivi e di nuovi atti Da un lato la perssona egrave lopera che io faccio di me stesso conclusa e definita in

ogni istante e dallaltro egrave opera i n sviluppo aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimentirdquo

(Ibidem Op cit p155-156)

71

Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetiacutevel inconfundiacutevel

original mas natildeo tem nada a ver com o ldquosujeitordquo que reduz a pura

intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relaccedilatildeo a

pessoa eacute aberta comunicativa social de modo que toda a atividade humana

e por isso tambeacutem a arte tem sempre um caraacuteter pessoal e social a um soacute

tempo [] 135

Portanto eacute diante da relaccedilatildeo entre unidade singular e totalidade que o conceito de

ldquopessoardquo se distingue da acepccedilatildeo de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes

advindos dos pensadores e artistas romacircnticos

Logo eacute na dupla definiccedilatildeo de ldquopessoardquo como ldquototalidaderdquo e ldquodesenvolvimentordquo que

ela se encontra com a definiccedilatildeo de ldquoformardquo (como totalidade) e de ldquoformatividaderdquo (como

desenvolvimento) Logo chega-se a outro aspecto fundamental que eacute acrescido nessa

discussatildeo o sentido de desenvolvimento e que estaacute presente nas definiccedilotildees tanto de ldquopessoardquo

como de ldquoformardquo (enquanto fruto da ldquoformatividaderdquo)

Sendo assim o conceito de ldquopessoardquo para Pareyson se configura natildeo soacute como base do

conceito de ldquoformardquo mas mormente como a base do conceito de ldquoformatividaderdquo pois traz

em si a noccedilatildeo de movimento desenvolvimento e a ideia de dinamismo presente na

operosidade humana como um todo e da qual a operosidade artiacutestica faz parte

Por conseguinte aqui a ldquoformardquo tambeacutem se encontra com os conceitos de teacutekhne e

poiacuteesis para se definir como resultado da ldquoformatividaderdquo e desse modo e a arte eacute entatildeo

definida como produccedilatildeo [poiacuteesis] da forma pela forma na forma isto eacute a ldquoarte eacute pura

formatividaderdquo 136 Porque eacute exatamente no ato de ldquoformarrdquo a obra que a ldquopessoardquo do artista

135

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p91 ldquo[] giaccheacute persona significa sigrave singolaritagrave irripetibile inconfondibile

originalissima ma non ha nulla a che fare col laquosoggettoraquo che riduce a pura intimitagrave e attivitagrave soggettiva tutto

ciograve con cui entra in rapporto la persona egrave aperta comunicativa sociale sigrave che ogni aiti vita umana e quindi

anche larte ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p284)

136ldquoA operaccedilatildeo artiacutestica eacute um processo de invenccedilatildeo e produccedilatildeo exercido natildeo para realizar obras especulativas

ou praacuteticas ou seja laacute quais forem mas soacute por si mesmo formar por formar formar perseguindo somente a

forma por si mesma a arte eacute pura formatividaderdquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p 26) ldquoLoperazione artistica egrave un

processo dinvenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano

72

se ldquoexprimerdquo e ldquoemprestardquo para a ldquoformardquo a sua ldquoespiritualidaderdquo e portanto a sua ldquovisatildeo de

mundo pessoalrdquo Pareyson explica essas intersecccedilotildees nessa passagem

Na obra de arte portanto mundo e forma natildeo satildeo coisas diversas e

alcanccedilaacuteveis somente em diversos niacuteveis a forma justamente em sua

existecircncia fiacutesica eacute o seu mundo e este eacute o sentido em que a expressividade

da arte se reduz agrave sua formatividade E este eacute justamente o aspecto que faz

da arte algo extraordinaacuterio estamos aqui diante de uma ldquocoisardquo e esta nos

remete a um ldquomundordquo 137

Entretanto a partir daiacute a forma se torna ela mesma ldquomundordquo descolando-se da

ldquopessoardquo 138

por isso eacute importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra

enquanto autocircnoma e detentora de um estatuto ontoloacutegico por isso natildeo se confunde com o

autor embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e por

isso carrega consigo algo da ldquopessoardquo mas ainda assim eacute independente e tem existecircncia

proacutepria Nas palavras de Pareyson

A forma eacute expressatildeo de si mesma e do autor ao mesmo tempo pessoal em

duplo sentido pessoal enquanto revela o autor e pessoal enquanto dotada de

uma proacutepria e independente personalidade Uma coisa tambeacutem natildeo se acha

separada da outra pois a forma soacute tem uma personalidade proacutepria se uma

pessoa eacute o seu autor e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais

consegue ter sua autocircnoma personalidade Pois a expressatildeo do autor se acha

presente no esforccedilo formativo deste e nele se resolve e assim a forma eacute

ma solo per seacute stesso formare per formare formare perseguendo unicamente la forma per seacute stessa larte egrave

pura formativitagraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p

11)

137

Ibidem Op cit p274 ldquoNellopera darte dunque mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a

diversi livelli la forma proprio nella sua esistenza fisica egrave il suo mondo e questo egrave il senso in cui lespressivitagrave

dellarte si riduce alla sua formativitagrave Ed egrave ben questa la cosa straordinaria dellarte trova davanti a una laquo

cosa raquo e vi si rinviene un laquo mondo raquordquo (Ibidem Op cit p249-250)

138

Cf PAREYSON lsquoA arte como formatividade pura especiacutefica e intencionalrsquo In Idem Esteacutetica Teoria da

Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25-26 ldquoLrsquoarte come

formativitagrave pura specifica e intenzionalerdquo In Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 10-12

73

retrato completo de quem a fez porque eacute a expressatildeo completa de si

mesma139

Ademais Pareyson ainda vai mais longe nessa ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo

estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina

como ldquoformatividaderdquo quando ele evoca a importacircncia desse binocircmio para discorrer sobre a

questatildeo da interpretaccedilatildeo da obra de arte Ou seja quando ele discorre sobre a relaccedilatildeo da

ldquoforma ndash espectadorrdquo que se daacute a partir da relaccedilatildeo ldquoforma-pessoardquo entendida duplamente

tanto na ldquopessoardquo do artista como na ldquopessoardquo do espectador Nas palavras dele

Este insuprimiacutevel caraacuteter pessoal da arte prolonga-se ainda na caracteriacutestica

comunicabilidade da forma que eacute universal somente enquanto eacute pessoal e

vice-versa porque fala a todos mas fala a cada um no seu modo De fato

natildeo se tem acesso agrave obra de arte senatildeo pessoalmente no sentido de que a

obra de arte exige interpretaccedilatildeo isto eacute por si mesma uma leitura multiacuteplice

ou melhor infinita como infinitas e sempre diversas satildeo as pessoas dos

inteacuterpretes e dos leitores 140

Por conseguinte eacute essa intersecccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo encontrada no interior da

Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripeacute que pode ser

identificado no pensamento pareysoniano como um todo141

Isto eacute a ldquofilosofia da pessoardquo a

ldquofilosofia da formardquo e a ldquofilosofia da interpretaccedilatildeordquo 142

139

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p272 ldquoLa forma egrave espressiva di seacute e del suo autore insieme personale in duplice senso

poicheacute egrave personale in quanto rivela lautore e personale in quanto dotata duna propria e indipendente

personalitagrave neacute luna cosa egrave disgiunta dallaltra percheacute la forma ha una sua personalitagrave solo se persona egrave il suo

autore e tanto piugrave riesce a rivelare il suo autore quanto piugrave giunge ad avere la sua autonoma personalitagrave che

lespressione dellautore egrave presente nello sforzo formativo di costui e vi si risolve e cosigrave la forma egrave ritratto

compiuto di chi lha fatta percheacute egrave espressione compiuta di seacuterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 247)

140

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p86-87 ldquoQuesto insopprimibile carattere personale dellarte si prolunga ancora nella

caratteristica comunicabilitagrave della forma la quale egrave universale solo in quanto personale e viceversa percheacute

parla a tutti ma a ciascuno parla nel suo modo Infatti non si accede allopera darte se non personalmente nel

senso che lopera drsquoarte esige interpretazione cioegrave suscita di seacute una lettura molteplice anzi infinita come

infinite e sempre diversi sono le persone glrsquointerpreti e dei lettorirdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p280)

141

Sarto acentua a relaccedilatildeo entre as lsquopartesrdquo da filosofia paresyoniana da seguinte maneira ldquoVemos pues aquiacute

nuevo los viacutenculos que existen entre el lsquopersonalismo ontoloacutegicorsquo la lsquometafisica da formarsquo y esta lsquognoseologiacutea

de la interpretacioacutenrsquo y casi sin darnos cuenta hemos pasado del concepto de lsquoformatividadersquo al de

74

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade

Partindo do contorno jaacute estabelecido de significado de ldquoformardquo vaacuterios aspectos

fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artiacutestico

portanto os meandros da ldquoformatividaderdquo O primeiro ponto a ser destacado eacute o entendimento

de que como jaacute foi dito eacute a busca pela ldquoformardquo que move todo o processo de

ldquoformatividaderdquo

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo

Por isso um dos pontos de apoio da teoria esteacutetica de Pareyson eacute a premissa

fundamental de que durante o percurso da produccedilatildeo da obra exista necessariamente um

objetivo muito claro voltado agrave formaccedilatildeo da coisa concreta (ldquoobra-de-arte-formardquo) Daiacute a

importacircncia do sentido de arte como fazer produtivo e natildeo de um simples fazer Isto eacute a arte

eacute produccedilatildeo [poiacuteen] que resulta numa ldquoobra-formardquo

Sem essas demarcaccedilotildees e entendimentos natildeo se pode concluir que na arte o saber-

fazer se daacute ao mesmo tempo da produccedilatildeo Pois eacute exatamente por conta da busca pela ldquoformardquo

que o saber se configura na hora do ldquoformarrdquo e natildeo antes nem mesmo depois pois esse saber-

fazer estaacute subordinado agrave ldquoformardquo e ao ecircxito da formaccedilatildeo desta natildeo o contraacuterio

lsquointerpretacioacutenrsquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi

Pareyson Pamplona EUNSA1998 p34)

142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em portuguecircs no livro ldquoVerdade e Interpretaccedilatildeordquo que

constitui uma coletacircnea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970 Ainda no prefaacutecio desta coletacircnea

Pareyson delimita o conceito de interpretaccedilatildeo que segundo ele teve no campo da esteacutetica um apronfudamento

fundamental Nas palavras dele ldquoO ponto central do pensamento que proponho eacute aquela solidariedade

originaacuteria entre pessoa e verdade na qual consiste a essecircncia genuiacutena do conceito de interpretaccedilatildeo Ao estudo

do conceito de interpretaccedilatildeo jaacute me dedico a mais de vinte anos mais precisamente a partir de quando me pus a

refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um

diaacutelogo entre diversas perspectivas pessoais desde que finalmente se abandone a concepccedilatildeo objetiva de

verdade No conceito de interpretaccedilatildeo tal como resultou daquela reflexatildeo e tal como foi apronfundado nas

aplicaccedilotildees que dele fiz em outros campos sobretudo no campo esteacutetico permito-me indicar aquela nota

hermenecircutica e portanto ontoloacutegica do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de

origem idealista ou de derivaccedilatildeo intimistardquo (PAREYSON Luigi Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria

Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p5)

75

Sendo a ldquoformardquo a geratriz das necessidades e das direccedilotildees de determinada produccedilatildeo

que complete e decirc conta da realizaccedilatildeo da obra de arte acabada Nesse intuito Pareyson clama

por

[] colocar em evidecircncia o caraacuteter dinacircmico da forma agrave qual eacute essencial ser

um resultado ou melhor a resultante de um ldquoprocessordquo de formaccedilatildeo pois a

forma natildeo pode ser vista como tal se natildeo se vecirc no ato de concluir e ao

mesmo tempo incluir o movimento de produccedilatildeo que lhe daacute nascimento e aiacute

encontra o proacuteprio sucesso143

A partir do texto acima eacute possiacutevel afirmar que ldquoformardquo e o processo operativo desta

satildeo inseparaacuteveis no acircmbito da produccedilatildeo da obra de arte e eacute isso que entatildeo Pareyson denomina

como sendo ldquoformatividaderdquo Isto eacute um determina o outro e vice e versa e por conta dessa

relaccedilatildeo simbioacutetica eacute que se conclui que o saber-fazer e o produzir na arte satildeo concomitantes e

indissociaacuteveis

Outro aspecto da ldquoformatividaderdquo que jaacute foi mencionado quando se discorreu sobre a

ldquoformardquo eacute o papel da ldquopessoardquo na ldquoformatividaderdquo e eacute exatamente esse papel que define a

ligaccedilatildeo simbioacutetica entre ldquoforma-pessoardquo Pareyson define a ldquo[] arte como atividade

formativa isto eacute inventiva original criadora e consiste numa presenccedila ao mesmo tempo

triacuteplice e uacutenica da pessoa na arte como energia formante como modo de formar como obra

formadardquo 144 E ainda mais adiante Pareyson completa

[] E se no operar artiacutestico a pessoa do autor tornou-se ela mesma o seu

proacuteprio e insubstituiacutevel modo de formar e se a arte natildeo tem outro conteuacutedo

que natildeo a proacutepria pessoa que eacute a sua energia formante bem se pode dizer

que a obra a que ao processo artiacutestico leva a cabo eacute a proacutepria pessoa do

143

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p10 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

144

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p86 ldquo[] allarte come attivitagrave formativa cioegrave inventiva originale creatrice e consiste in una triplice e

insieme unica presenza della persona nellarte come energia formante come modo di formare come opera

formatardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p280)

76

artista encarnada completamente num objeto fiacutesico e real que eacute justamente

a obra formada 145

Pareyson entatildeo explica que a ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo eacute estabelecida por

meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina como

ldquoformatividaderdquo Portanto eacute o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da

obra de arte e que tem um caraacuteter uacutenico exatamente pelo caraacuteter uacutenico da ldquopessoardquo que

inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produccedilatildeo da obra que liga agrave

pessoa agrave forma formada

222 A relaccedilatildeo entre forma formante e forma formada

Essa hipoacutetese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estatildeo interligados levam a

necessidade de examinar mais de perto o processo de produccedilatildeo da obra arte

Por longos seacuteculos o processo de formaccedilatildeo da obra de arte natildeo foi objeto de

consideraccedilatildeo filosoacutefica permanecendo quando muito no acircmbito das poeacuteticas

e abandonando as regras da retoacuterica [precettistica] 146

Comeccedilou a interessar

agrave meditaccedilatildeo filosoacutefica quando os proacuteprios artistas principiaram a meditar

sobre o assunto principalmente sob o estiacutemulo de poeacuteticas que queriam o

artista consciente das proacuteprias operaccedilotildees 147

Estas frases de Pareyson acima citadas datildeo o tom de sua preocupaccedilatildeo em teorizar o

processo do fazer artiacutestico e recolocar a ecircnfase da reflexatildeo filosoacutefica sobre a definiccedilatildeo de arte

145

Ibidem Op cit p86 ldquo[] lintera persona diventa gesto del fare modo di formare stile E se nelloperare

artistico la persona de lautore egrave diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare e se larte

non ha altro contenuto che la persona stessa che ne egrave lenergia formante si p u ograve ben dire che lopera cui mette

capo il processo artistico egrave la stessa persona dellartista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale

qual egrave appunto lopera formatardquo (Ibidem op cit p280-281)

146

Aqui talvez a melhor traduccedilatildeo fosse ldquopreceptivardquo ou ldquodoutrinardquo

147

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p139 ldquoPer lunghi secoli il processo di formazione dellopera darte non fu oggetto di

considerazione filosofica rimanendo tuttal piugrave nellambito delle poetiche e abbandonato alle regole della

precettistica Cominciograve a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su

soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano lartista consapevole delle proprie operazionirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p325)

77

como saber- fazer produtivo [teacutekhne ndash poiacuteetikoacutes] por isso o esforccedilo no resgate das definiccedilotildees

gregas e suas relaccedilotildees com as ideias centrais do filoacutesofo italiano

A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior e partindo da

ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte eacute a ideia da arte como fazer

[poieicircn] Mas natildeo um simples fazer eacute um saber-fazer [teacutekhne] mas natildeo qualquer saber-fazer

e sim um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem

particularidades muito proacuteprias Como expotildee Pareyson

E eacute justamente esta a condiccedilatildeo do processo artiacutestico guiado por uma espeacutecie

de antecipaccedilatildeo e de pressentimento do ecircxito pelo qual a proacutepria obra age

antes ainda de existir se eacute verdade que a forma existe somente quando o

processo estaacute acabado como resultado de uma atividade que a inventa no

proacuteprio ato que a executa eacute tambeacutem verdade que a forma age como

formante antes ainda de existir como formada oferecendo-se agrave adivinhaccedilatildeo

do artista e por isso solicitando seus eficazes pressaacutegios e dirigindo as suas

operaccedilotildees 148

Como descrito acima uma das particularidades do processo produtivo da arte eacute

conforme apontado previamente a simultaneidade do saber-fazer e do produzir Isso se deve

ao fato de que o processo criativo da arte estaacute subordinado agrave ldquoformardquo No entanto a ldquoformardquo

natildeo existe antes do processo por isso esse percurso do artista ao produzir a obra se

configura num vai e vem dinacircmico entre o ldquovir a serrdquo da ldquoobra-formardquo e a ldquoformardquo da obra

intuiacuteda previamente mas que ainda natildeo eacute ldquoforma formadardquo

148

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142 ldquoEd egrave appunto questa la condizione del processo artistico guidato da una specie

di anticipazione e di presentimento della riuscita per cui lopera stessa agisce prima ancora di esistere se egrave

vero che la forma esiste solamente a processo compiuto come risultato dunattivitagrave che linventa nellatto stesso

che la esegue egrave anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata

offrendosi alla divinazione dellartista e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazionirdquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p327)

78

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade

A correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo central no percurso de

fabricaccedilatildeo da obra de arte tem como motor a invenccedilatildeo que indissociaacutevel da produccedilatildeo gera a

ldquoformatividaderdquo resultando no ecircxito da ldquoformardquo

Portanto eis um conceito chave para o entendimento do processo artiacutestico como um

todo invenccedilatildeo [invenzione] 149 Isto eacute a ideia de invenccedilatildeo como componente central da

ldquoformatividaderdquo que Pareyson indica na sua teoria abaixo segue uma siacutentese central do

processo artiacutestico visto agrave luz da teoria esteacutetica pareysoniana

O conceito central eacute a formatividade entendida esta como a uniatildeo

inseparaacutevel de produccedilatildeo e invenccedilatildeo ldquoFormarrdquo significa aqui ldquofazerrdquo

inventando ao mesmo tempo o ldquomodo de fazerrdquo ou seja ldquorealizarrdquo soacute

procedendo por ensaio em direccedilatildeo ao resultado e produzindo desde modo

obras que satildeo ldquoformasrdquo 150

Mas natildeo eacute qualquer invenccedilatildeo assim como o saber-fazer da arte ocorre

simultaneamente ao fazer-produzir a invenccedilatildeo ocorre junto agrave produccedilatildeo completando um

ciacuterculo contiacutenuo da produccedilatildeo da obra arte que envolve a invenccedilatildeo do modo de fazer e a

execuccedilatildeo propriamente dita ateacute a conclusatildeo da ldquoformardquo Nas palavras dele

O fato eacute que a arte natildeo eacute somente executar produzir realizar e o simples

ldquofazerrdquo natildeo basta para definir sua essecircncia A arte tambeacutem eacute invenccedilatildeo

[invenzione] Ela natildeo eacute execuccedilatildeo de qualquer coisa jaacute ideada realizaccedilatildeo de

um projeto produccedilatildeo segundo regras dadas ou predispostas Ela eacute um fazer

que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer A arte eacute uma

atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo procedem pari passu simultacircneas e

inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de um valor

149

Entenda-se neste contexto ldquoinvenccedilatildeordquo nos sentidos de criatividade imaginaccedilatildeo e originalidade como

contraponto de coacutepia Ademais correntemente Pareyson utiliza tanto invenccedilatildeo como criaccedilatildeo como sinocircnimas e

em oposiccedilatildeo agrave imitaccedilatildeo Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena

Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p137-139

150

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

79

original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo encontra-se a

regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem eacute pensaacutevel

projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou cantando eacute que eacute

encontrada e eacute concebida e eacute inventada 151

Em suma a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se daacute sob duas

condiccedilotildees a primeira como jaacute foi demonstrada se daacute pelo condicionamento do fazer artiacutestico

em busca do ecircxito da ldquoformardquo que estabelece o jogo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma

formadardquo A segunda se daacute por conta da dinacircmica da ldquoformatividaderdquo que se define pela

contemporaneidade entre a invenccedilatildeo e a produccedilatildeo - execuccedilatildeo da arte Eis portanto a

definiccedilatildeo capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson

224 A legalidade interna da ldquoformardquo e a intuiccedilatildeo na Teoria da Formatividade

Ainda Pareyson aponta para uma dinacircmica que envolve o processo de formaccedilatildeo da

arte ldquoCom base nesta lsquodialeacutetica de forma formante e forma formadarsquo a obra de arte tem a

misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formaccedilatildeo isto eacute de

existir como conclusatildeo de um processo estimulado promovido e dirigido por elardquo 152

Eacute exatamente nesse aspecto do processo de fabricaccedilatildeo da arte que se detecta a

presenccedila de descontrole aparente do ldquopessoa-artistardquo Ou seja aqui haacute certa nebulosidade que

dificulta a identificaccedilatildeo da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista

levando a conclusatildeo de que uma forccedila externa ou distinta da razatildeo ou da vontade do artista

estaacute agindo Como Pareyson descreve no texto abaixo

151

IdemOs problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p32 ldquoIl fatto egrave che larte non egrave solamente eseguire produrre realizzare e il semplice laquofareraquo non basta a

definirne lessenza larte egrave anche lsquoinvenzionersquo Essa non egrave esecuzione di qualcosa di giagrave ideato realizazione

drsquoun progetto produzione secondo regole date o predisposte lsquoessa egrave un tal fare che mentre fa inventa il da

farsi e il modo di farersquo Larte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo simultanee e

inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si concepisce eseguendo

si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave finita neacute egrave pensabile di

progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la

sinventardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p231-232)

152

Ibidem Op Cit p142 ldquoIn base a questa dialettica di forma formante e forma formata lopera darte ha la

misteriosa prerogativa dessere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione cioegrave di esistere come

conclusione dun processo da lei stessa stimolato promosso e direttordquo (Ibidem Op cit p327)

80

De fato eacute verdade por um lado que o artista eacute o uacutenico autor da sua obra e

que a diferenccedila entre as condiccedilotildees e o resultado entre os materiais coletados

e o de combustatildeo eacute tal que permite falar de uma verdadeira e proacutepria criaccedilatildeo

original da qual natildeo temos de agradecer a outros senatildeo ao artista Mas por

outro lado eacute preciso tambeacutem reconhecer que a obra tem uma independecircncia

e uma geraccedilatildeo inteira pela qual o artista mal a concebeu natildeo eacute mais livre

de fazer aquilo que quer mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra

que ele ideou quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em

fruto maduro 153

Esse raciociacutenio levou vaacuterios pensadores e artistas a atribuiacuterem a origem do fazer

artiacutestico ou do saber-fazer artiacutestico agraves forccedilas divinas ou agrave intuiccedilatildeo Como foi previamente

demonstrado no primeiro capiacutetulo (Sentido de teacutekhne relacionado ao sentido de inspiraccedilatildeo)

Pareyson natildeo nega o misteacuterio que envolve o processo artiacutestico no entanto natildeo o

entende como sendo algo externo ao processo em si e principalmente como sendo externo

ao artista Muito pelo contraacuterio esse aparente descontrole eacute fruto da dinacircmica da busca pela

forma formada que se daacute atraveacutes da forma formante E o misteacuterio se desfaz assim que se tem a

forma acabada isto eacute o ecircxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade

interna da ldquoformardquo que eacute constituiacuteda exatamente no momento formativo Portanto a

finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do

processo na proacutepria forma formada Nas palavras dele

Eacute a proacutepria obra que se forma desenvolvendo-se daquele primeiro embriatildeo

grado e incubado na mente do artista e tendendo para o termo natural da

proacutepria finalidade a ponto de que se a atividade do artista natildeo consistir no

individual e no seguir este desenvolvimento natural a obra aborta e falha

Que este caminho seja uniacutevoco eacute coisa que soacute aparece quando a obra estaacute

acabada o artista o ignora no curso da produccedilatildeo e eacute por isso que ele procede

153

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142-143 Texto em italiano ldquoInfatti egrave vero per un verso che lartista egrave lunico autore

della sua opera e che la differenza fra le condizioni e il risultato fra i materiali raccolti e latto di combustione

egrave tale da far parlare di una vera e propria creazione originale di cui non abbiamo da ringraziare altri che

lartista Ma per laltro verso bisogna pure riconoscere che lopera ha una sua indipendenza e una sua interna

generazione per cui lartista non appena lha concepita non egrave piugrave libero di fare quel che vuole ma deve

seguire la finalitagrave interna dellopera stessa chegli ha ideato quasi che fosse un germe il quale tende a

svilupparsi verso il frutto maturordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p328)

81

tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas agrave

prova mas quando a obra eacute conseguida refazendo o caminho agraves avessas e

rememorando a aventura ele compreende que soacute podia fazer a obra daquele

modo 154

Nesse sentido a intuiccedilatildeo pode ser entendida como parte do processo de produccedilatildeo da

obra e como a proacutepria necessidade advinda da ldquoformardquo como uma espeacutecie de lei interna que

determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formaccedilatildeo da arte

Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo

[] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itineraacuterio atraveacutes

do qual o artista tentando e corrigindo e refazendo produz a obra a

inspiraccedilatildeo o exerciacutecio a improvisaccedilatildeo o diaacutelogo com a mateacuteria e o domiacutenio

sobre ela conseguindo justamente atraveacutes da obediecircncia que ela reclama a

teacutecnica e a linguagem da arte e o aspecto herdado desde o ldquotemardquo ou

ldquoassuntordquo ateacute ao ldquoesboccedilordquo e agrave obra terminada155

Em suma discernindo aquilo que a obra pede satisfazendo essa lei interna da proacutepria

obra respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece mas que paradoxalmente satildeo

advindas das proacuteprias escolhas do artista a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade

ao artista Por isso a ldquoformardquo eacute formante e eacute formada ao mesmo tempo e desta maneira o

artista segue o rastro da forma como se ela lhe ldquodissesserdquo o que ele (artista) ldquodeverdquo fazer

Nesse sentido pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo

que tantos pensadores desde Platatildeo a Pareyson se preocuparam em definir a intuiccedilatildeo do

artista ao produzir a obra de arte E eacute essa parte misteriosa e exposta por muitos como

inexplicaacutevel poreacutem tatildeo palpaacutevel do processo artiacutestico que a teoria de Pareyson explicita na

154

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p143-144 ldquoEgrave lopera stessa che si forma sviluppandosi da quel primo embrione generato

e incubato dalla mente dellartista e tendendo verso il termine naturale della propria finalitagrave al punto che se

lattivitagrave dellartista non consiste nellindividuare e nel seguire questo naturale sviluppo lopera abortisce e

fallisce Che questo cammino sia univoco egrave cosa che appare solo a opera compiuta lartista lo ignora nel corso

della produzione egrave per questo chegli procede tentando ed escludendo via via le possibihtagrave scelte e messe a

prova ma ad opera riuscita rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando lavventura egli capisce che solo in

quel modo egli poteva fare loperardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p329)

155

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p14-15 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

82

fundamental relaccedilatildeo que se estabelece entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo no interior

da ldquoformatividaderdquo Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possiacutevel sem outra cadeia de

relaccedilotildees que se configura na base da produccedilatildeo do artista isto eacute a simbiose entre ldquoformardquo

ldquopessoardquo e ldquomundordquo

E por fim nas palavras de Pareyson toda complexidade de copossibilidades e

coexistecircncias que definem a ldquoformardquo e consequentemente a ldquoformatividaderdquo

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma 156

Em siacutentese pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira no

processo artiacutestico enquanto ldquoformatividaderdquo coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da

ldquoformardquo advinda de uma legalidade e de uma finalidade intriacutenseca a ela isto eacute a

formatividade se constitui na inventividade e na construccedilatildeo de um saber-fazer subordinado ao

ecircxito da produccedilatildeo de uma ldquoobra-de-arte-formardquo E durante o processo dialoacutegico entre ldquoforma

formanterdquo e ldquoforma formadardquo que decorre na relaccedilatildeo ldquoformatividaderdquo e ldquopessoardquo e na

156

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della creativitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 p329)

83

simultaneidade da obra de arte enquanto ldquoformardquo e ldquopessoardquo coexistem a fisicalidade da

existecircncia da coisa como organismo vivo e autocircnomo e a espiritualidade da pessoa que

imprime todo o seu ldquomundordquo

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade

Eacute bom lembrar que aleacutem dos jaacute demonstrados aportes advindos de textos de Platatildeo e

de Aristoacuteteles para os conceitos de teacutekhne e poiacuteesis como tambeacutem o conceito de ldquoorganismordquo

Aristoteacutelico que Pareyson relaciona agrave Teoria da Formatividade o proacuteprio Pareyson demarca

pontualmente alguns outros diaacutelogos que contribuiacuteram para a sua definiccedilatildeo de arte como

ldquoformardquo e consequentemente para a sua definiccedilatildeo da atividade artiacutestica como

ldquoformatividaderdquo Como se pode constatar no trecho abaixo

Os conceitos de forma e de formatividade parecem portanto os mais

adequados para qualificar respectivamente a arte e a atividade artiacutestica Para

a atualidade desta concepccedilatildeo contribuiacuteram alguns desenvolvimentos do

pensamento moderno que provindo de pontos de partida diversos mostram

uma convergecircncia significativa de conclusotildees Sobre o caraacuteter formativo da

atividade artiacutestica Goethe atento teorizador das relaccedilotildees entre arte e

natureza escreveu paacuteginas memoraacuteveis e atualiacutessimas sobre analogia entre

obra de arte e organismos da natureza Schelling chamou a atenccedilatildeo Focillon

falou da vida das formas e grande parte da esteacutetica francesa contemporacircnea

insistiu sobre a contemporaneidade da invenccedilatildeo e execuccedilatildeo a psicologia da

forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura

Whitehead renovou a problemaacutetica do conceito de organizaccedilatildeo e

organicidade Dewey insistiu sobre os conceitos de ldquoacabamentordquo

[compimento] e de ldquoecircxitordquo [riuscita] na Itaacutelia Augusto Guzzo mostrou

como na atividade humana se nucleiam formas que pelo seu exemplar

sucesso datildeo lugar a estilos [] 157

157

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32-33 I concetti di forma e di formativitagrave sembrano dunque piugrave adatti a qualificare

rispettivamente larte e lattivitagrave artistica Allattualitagrave di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del

pensiero moderno che muovendo da punti di partenza diversi mostrano una significativa convergenza di

conclusioni Sul carattere formativo dellattivitagrave artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe

attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura sullanalogia fra opere darte e organismi della natura ha

84

Assim sendo a partir da leitura desta breve siacutentese que Pareyson formulou fica clara

a abrangecircncia de multiplicidade de diaacutelogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e

pensadores contemporacircneos

Ademais Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as

particularidades que o conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo e sua respectiva formaccedilatildeo

anaacuteloga ao ser vivente traz consigo

A filosofia de Dewey pelo contraacuterio que eacute uma filosofia da operosidade

humana vista no seu aspecto de busca de tentativa de precariedade insiste

muito no processo pelo qual em geral o homem chega agraves suas realizaccedilotildees e

em particular quando o artista acaba as suas obras ele fala do processo

artiacutestico como de um processo orgacircnico que atraveacutes de uma trajetoacuteria de

gestaccedilatildeo incubaccedilatildeo nascimento crescimento maturaccedilatildeo chega agrave obra

como de uma seacuterie de atos reativos que se acumulam em direccedilatildeo de um

cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretaccedilatildeo de

todos os fatores numa totalidade 158

Ora curioso que parte dessa descriccedilatildeo tambeacutem poderia ser dita como sendo a proacutepria

noccedilatildeo de ldquoorganicidaderdquo retirada da filosofia aristoteacutelica Assim sendo consequentemente

volta-se novamente a identificar a forte presenccedila de um diaacutelogo com o estagirita em toda a

Teoria da Formatividade Visto que em outra passagem Pareyson liga a ldquoformatividaderdquo a

um processo orgacircnico poreacutem neste caso evidenciando a noccedilatildeo de ldquofinalidaderdquo como motor

da ldquoformatividaderdquo Citando Pareyson

attirato lattenzione Schelling Focillon ha parlato della vita delle forme e gran parte dellestetica francese

contemporanea ha insistito sulla contemporaneitagrave di invenzione ed esecuzione la psicologia della forma ha

invitato a meditare sui concetti di totalitagrave e di struttura Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di

organizzazione e organicitagrave Dewey ha insistito sui concetti dilaquocompimentoraquo e di laquoriuscitaraquo in Italia Augusto

Guzzo ha mostrato come nellattivitagrave umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a

stili chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare unestetica della laquoformativitagraveraquo che concepisce le opere

darte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalitagrave interna e che propone una concezione dinamica

della bellezza artistica (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

158

Ibidem Op cit p140 ldquoInvece la filosofia di Dewey chegrave una filosofia delloperositagrave umana vista nel suo

aspetto di ricerca di tentativo di precarietagrave insiste molto sul processo con cui in generale luomo giunge alle

sue riuscite e in particolare artista compie le sue opere egli parla del processo artistico come dun processo

organico che attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione giunge allopera

e cioegrave come duna serie di atti reattivi che si accumulano in direzione dun compimento e di atti selettivi che

contribuiscono allinterpretazione di tutti fattori in una totalitagraverdquo (Ibidem Op cit p326)

85

ldquoDizer que no processo artiacutestico a forma eacute ao mesmo tempo formada e

formante natildeo significa interpretaacute-la com desenvolvimento orgacircnico

Tambeacutem num processo orgacircnico o produto eacute ao mesmo tempo produtor E

a escolha e seleccedilatildeo das diversas possibilidades satildeo reguladas por uma

finalidade intriacutenseca que eacute a proacutepria forma futura []rdquo 159

Vale lembrar o quanto a ideia de ldquofinalidaderdquo eacute fundamental para a definiccedilatildeo de

ldquoorganismordquo na filosofia de Aristoacuteteles

E ainda considerando que em Pareyson haacute uma clara indistinccedilatildeo entre a operosidade

artiacutestica e as outras operosidades incluindo a da natureza logo conduz-se a discussatildeo sobre o

fazer artiacutestico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte

gerando implicaccedilotildees importantes para se pensar a relaccedilatildeo entre arte-mundo mundo-artista

mundo-realidade durante o processo de produccedilatildeo e operosidade pois a discussatildeo transborda o

fazer especiacutefico da arte

Ademais Vattimo num texto intitulado Opera drsquoarte e organismo in Aristotele

tambeacutem concorda que o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles contribui e permeia as

teorias de arte atuais natildeo soacute a pareysoniana Nas palavras dele

Em muitos estudiosos da esteacutetica de vaacuterias inspiraccedilotildees hoje eacute possiacutevel

verificar a ampla utilizaccedilatildeo do termo e do conceito de organismo para

descrever o produto artiacutestico Tanto o conceito como a sua utilizaccedilatildeo

esteacutetica remontam a Aristoacuteteles e eacute portanto uacutetil natildeo soacute para um interesse

filoloacutegico mas para enriquecer e esclarecer agraves temaacuteticas proacuteprias da esteacutetica

atual [] 160

159

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p76 ldquoDire che nel processo artistico la forma egrave insieme formata e formante non significa

interpretarlo come uno sviluppo organico Anche i n un processo organico i l prodotto egrave insieme producente e

la scelta e selezione delle varie possibilitagrave egrave regolata da una finalitagrave interna c h egrave la stessa forma futura []rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960p60)

160

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoPresso molti studiosi di esteacutetica di varia ispirazione egrave possiblie oggi trovare largamente

impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico Sia il concetto che il suo uso

estetico risalgono ad Aristotele ed egrave dunque utile non solo per un interesse filologico ma per arricchire e

precisare la stessa tematica estetica attuale[]rdquo (VATTIMO GianneldquoOpera drsquoarte e organimo in Aristotelerdquo

p 211 In VATTIMO Gianne Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008)

86

Nesse sentido pode-se dizer que a abrangecircncia de diaacutelogos que permeiam o

pensamento pareysoniano esboccedilada acima natildeo invalida a hipoacutetese de que Pareyson valoriza

os conceitos de ldquoteacutekhnerdquo e ldquopoiacuteesisrdquo advindos do pensamento de Platatildeo e sobretudo do

pensamento de Aristoacuteteles acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos e tambeacutem

o conceito de ldquoorganismordquo aristoteacutelico inclusive para uma reflexatildeo sobre as especificidades

da Arte ainda hoje Como tambeacutem utiliza como subsiacutedio para definir seu conceito chave isto

eacute ldquoformardquo o conceito de ldquoorganismordquo presente o pensamento de Aristoacuteteles Portanto o

estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platatildeo como de Aristoacuteteles se

configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e

especificidades da Teoria da Formatividade

87

CAPIacuteTULO III

Arte como miacutemesis e a autonomia da obra de arte

na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama

o problema mais vasto das relaccedilotildees entre arte e natureza

Tambeacutem aqui se apresenta a antiacutetese entre a mimese e a

abstraccedilatildeo a imagem artiacutestica eacute de um lado signo ndash isto eacute

figuraccedilatildeo do real ndash de outro lado eacute autocircnoma ndash isto eacute

criaccedilatildeolsquoex novorsquo

Pareyson 1966 161

Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [φάος]

porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver

Aristoacuteteles162

31 O conceito de miacutemesis e a Teoria da Formatividade

Como foi demonstrado nos capiacutetulos I e II Pareyson toma como ponto de partida para

delinear o seu pensamento sobre as problemaacuteticas da Arte dois conceitos correlatos advindos

do pensamento grego teacutekhne e poiacuteesis Com efeito esses conceitos acrescidos ao que

Pareyson chama de conceito aristoteacutelico de lsquoorganismorsquo datildeo suporte fundamental para a

161

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Trad de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p67 ldquoIl problema dellarte rappresentativa e dellarte astratta richiama il problema piugrave vasto dei

rapporti fra arte e natura Anche qui si presenta lantitesi fra la mimesi e lastrazione limmagine artistica da

un lato egrave segno cioegrave raffigurazione del reale dallaltro egrave autonoma cioegrave creazione lsquoex novorsquordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262)

162

ARISTOacuteTELES De Anima 428b 30 - 429a 1-4 ldquoa imaginaccedilatildeo [429a] seraacute um movimento gerado pela accedilatildeo

da percepccedilatildeo sensorial em atividade Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [Φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [Φάος] porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver E por ltas

imagensgt permanecerem e serem semelhantes agraves sensaccedilotildees os animais fazem muitas coisas graccedilas a elasrdquo

(ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010)

ἢ φαντασία [429ordf] (τοῦτο δ ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ ἐνέργειαν

γιγνομένη Ἐπεὶ δ ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν

ἰδεῖν

88

construccedilatildeo da definiccedilatildeo de lsquoformarsquo e consequentemente de lsquoformatividadersquo no interior da

Teoria da Formatividade pareysoniana

Por sua vez a Teoria da Formatividade ao definir a obra de arte como organismo

vivo reivindicou tanto um estatuto ontoloacutegico como uma autonomia da ldquoformardquo seja com

relaccedilatildeo ao artista seja com relaccedilatildeo ao espectador que a interpreta

Entretanto esta autonomia da ldquoformardquo com relaccedilatildeo a um provaacutevel modelo

demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de

miacutemesis isto eacute nos significados e definiccedilotildees de arte como miacutemesis encontrados tanto em

alguns textos platocircnicos como aristoteacutelicos como seraacute demonstrado a seguir

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo

Retomando a questatildeo da identificaccedilatildeo da atividade da arte em especial da pictoacuterica

como miacutemesis - conforme brevemente esboccedilado nos capiacutetulos I e II - constata-se que esta eacute

uma definiccedilatildeo primaz da arte incluindo a arte pictoacuterica abordada tanto em textos de Platatildeo

como nos de Aristoacuteteles

No Livro X da Repuacuteblica de Platatildeo haacute uma passagem dedicada a discorrer sobre a

miacutemesis com destaque para a sua relaccedilatildeo com a pintura Esse trecho se inicia com a

pergunta ldquoPoderia vocecirc me dizer o que eacute em geral a imitaccedilatildeordquo [miacutemesin hoacuteloshoacute ti

porsquoestiacuten] (Repuacuteblica X 595 c 7)163

E a partir deste ponto enceta-se um longo diaacutelogo sobre o assunto tendo como

exemplo central a atividade do pintor para finalizar com a criacutetica agrave miacutemesis como atividade

distante da verdade e enganadora com a consequente expulsatildeo da cidade dos que praticam

esta atividade isto eacute tanto o pintor quanto o poeta (Repuacuteblica X 605 a-c) 164

163

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012 ldquoΜίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτrsquo ἐστίνrdquo

164

ldquo- Podemos pois com justiccedila censuraacute-lo (poeta) e consideraacute-lo como o par do pintor assemelha-se a ele

por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma e natildeo com o melhor Assim eis-

nos bem fundamentados para natildeo recebecirc-lo em uma cidade que deve ser regida por leis saacutebias jaacute que desperta

89

Muito se fala sobre a condenaccedilatildeo platocircnica agraves artes que hoje se identificam como

pictoacutericas e poeacuteticas contudo o que interessa refletir aqui natildeo eacute acerca da condenaccedilatildeo

propriamente dita porque eacute claro natildeo compartilhamos desta posiccedilatildeo embora esta discussatildeo

natildeo deixe de ser instigante com vaacuterios desdobramentos 165O que de fato interessa discorrer

sobre o citado diaacutelogo eacute como se constroacutei o argumento que acarreta a condenaccedilatildeo e mais

ainda o que estaacute na base deste argumento proposto por Platatildeo e quais as definiccedilotildees que

foram propostas para se pensar os meandros da produccedilatildeo da pintura

Isto eacute a reflexatildeo que se propotildee a partir da leitura desta longa passagem em primeiro

lugar eacute a definiccedilatildeo da pintura como aparecircncia como fica evidente neste trecho

-Natildeo eacute complicada - respondi - eacute posta em praacutetica amiuacutede e rapidamente

muito rapidamente mesmo se quiseres apanhar um espelho e levaacute-lo contigo

por toda a parte num aacutetimo faraacutes o sol e os astros do ceacuteu em menos tempo

ainda a terra e menos ainda a ti mesmo e os outros seres vivos e os moacuteveis

e as plantas e tudo quanto mencionamos haacute pouco - Sim - disse ele - mas

seratildeo meras aparecircncias e natildeo realidades - Bem - disse eu - chegas ao ponto

pretendido pelo discurso pois dentre os artesatildeos deste gecircnero imagino que

se deva incluir o pintor natildeo eacute - Como natildeo - Mas tu me diraacutes penso que o

que ele faz natildeo tem a menor realidade no entanto de certo modo o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma e arruiacutena destarte o elemento racional como acontece numa cidade

que eacute entregue aos perversos ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereccedilam os homens mais

estimaacuteveis do mesmo modo do poeta imitador diremos que introduz um mau governo na alma de cada

indiviacuteduo lisonjeando o que haacute nela de irracional que eacute incapaz de distinguir o maior do menor que ao

contraacuterio encara os mesmos objetos ora como grandes ora como pequenos que produz apenas fantasmas e se

encontra a uma distacircncia infinita da verdade ndash Certamenterdquo (PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J

Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 2012)

Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ καὶ γὰρ τῷ

φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς

τὸ βέλτιστον καὶ ταύτῃ ὡμοίωται Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι

πόλιν ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν

τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν

ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ

οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ τοτὲ δὲ σμικρά εἴδωλα

εἰδωλοποιοῦντα τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα - Πάνυ μὲν οὖν

165

Como por exemplo expotildee Pierre-Maxime Schuhl ldquoSe Platatildeo se mostra tatildeo severo com as artes eacute

seguramente porque lhes reconhece ndash por tecirc-las sem duacutevida experimentado ndash a influecircncia irracional que lhes

atribuiacutea Goacutergias mais que qualquer outro ele devia ser sensiacutevel a isso contra ela recorreu ao idealismo

moral e matemaacutetico contra os artifiacutecios dos ilusionistas agrave medida ao nuacutemerordquo (SCHUHL P-M Platatildeo e arte

do seu tempo Trad de Adriano Machado Ribeiro Satildeo Paulo Discurso Editorial Editora Barcarolla 2010 p

63)

90

tambeacutem faz uma cama Ou natildeo - Sim - redarguiu - ao menos uma cama

aparente (Repuacuteblica X 596 d-e) 166

Dito que a pintura eacute aparecircncia o segundo ponto levantado e longamente analisado no

diaacutelogo eacute a distacircncia da miacutemesis incluindo a pintura para com a verdade e

consequentemente o perigo do engano que a pintura poderia acarretar como fica claro nesta

passagem

- Agora considera este ponto qual desses dois objetivos se propotildee a pintura

relativamente a cada objeto o de representar o que eacute tal como eacute ou o que

parece tal como parece Eacute ela imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade - Da

aparecircncia - disse ele - A imitaccedilatildeo estaacute portanto longe do verdadeiro e se

ela modela todos os objetos eacute segundo parece porque toca apenas uma

pequena parte de cada um a qual natildeo eacute aliaacutes senatildeo uma imagem

(eiacutedolon)167

O pintor diremos noacutes por exemplo nos representaraacute um

166

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo

Paulo Perspectiva 2012

Οὐ χαλεπός ἦν δrsquo ἐγώ ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος τάχιστα δέ που εἰ rsquoθέλεις λαβὼν κάτοπτρον

[596e] περιφέρειν πανταχῇ ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ ταχὺ δὲ γῆν ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ

τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο - Ναί ἔφη φαινόμενα οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ

ἀληθείᾳ - Καλῶς ἦν δrsquo ἐγώ καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος

ἐστίν Ἦ γάρ -Πῶς γὰρ οὔ -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ

ζωγράφος κλίνην ποιεῖ ἢ οὔ -Ναί ἔφη φαινομένην γε καὶ οὗτος

Outra traduccedilatildeo ldquondashSe pegares um espelho e o mostrares em todas as direccedilotildees em um instante faraacutes o sol

e os astros do ceacuteu em um instante a terra em um instante vocecirc mesmo e os outros animais e os moacuteveis e as

plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda haacute pouco ndash Sim ele diz mas natildeo satildeo objetos aparentes

(phainoacutemena) desprovidos de existecircncia real ndash atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu

argumento Com efeito entre esses artiacutefices conta tambeacutem julgo eu o pintor Natildeo eacute assim- Eacutendash E de certo

modo o pintor tambeacutem faz uma cama ou natildeo ndash Sim ele diz uma cama aparente (phainomeacutenen) ela tambeacutemrdquo

(VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens traduccedilatildeo de Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees p 55-56 In

COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoSi tu veux prendre un miroir et le preacutesenter de tous cocircteacutes en moins de rien tu feras le soleil et les astres du

ciel en moins de rien la terre en moins de rien toi-mecircme et les autres animaux et les meubles et les plantes et

tous les objets dont on parlait tout agrave lheure mdash Oui dit-il des objets apparents (phainomena) mais sans aucune

reacutealiteacute veacuteritable [] mdash Et dune certaine faccedilon le peintre aussi fait un lit nest-ce pas mdash Oui dit-il un lit

apparent (phainomenecircn) lui aussi (Reacutep 596 d-e) rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____

Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 108-109)]

167

A palavra em grego εἴδωλον [eiacutedolon] foi traduzida por J Guinsburg por ldquosimulacrordquo entretanto no cotejo

das vaacuterias traduccedilotildees consultadas optou-se por traduzir por ldquoimagemrdquo tal como estaacute em Vernant (Nascimento

das Imagens p60) pois pareceu mais apropriado e preciso jaacute que simulacro eacute um termo que pode acarretar

possiacuteveis interpretaccedilotildees carregadas de significados natildeo correspondentes a contextualizaccedilatildeo do texto platocircnico

Segue o trecho referido acima da Repuacuteblica de Platatildeo (X 598 b-c)ldquo- Relativamente a cada objeto qual a

finalidade da pintura Eacute de representar a realidade como ela realmente eacute ou a aparecircncia como ela aparece

(tograve phainoacutemenon hos phaiacutenetai) Eacute imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade ndash Da aparecircncia diz ele - A arte de

imitar (he mimetikeacute) estaacute portanto bem distante do verdadeiro se pode tudo realizar eacute porque atinge apenas

uma pequena parte de cada coisa sendo que esta parte natildeo eacute mais que uma imagem (eiacutedolon)rdquo (Traduccedilatildeo de

91

sapateiro um carpinteiro ou outro artesatildeo qualquer sem ter nenhum

conhecimento do ofiacutecio (c) deles entretanto se for bom pintor tendo

representado um carpinteiro e mostrando-o de longe enganaraacute as crianccedilas e

os homens privados de razatildeo porque teraacute dado agrave sua pintura a aparecircncia de

um autecircntico carpinteiro (Repuacuteblica X 598b-c) 168

Continuando mais adiante o diaacutelogo evolui para a conclusatildeo de que a pintura eacute como

uma ilusatildeo isto eacute Platatildeo descreve os efeitos da ilusatildeo que a imagem visual pode provocar

usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictoacuterica

- Do seguinte a mesma grandeza encarada de perto ou de longe natildeo parece

igual - Natildeo por certo - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos

conforme os olhemos dentro ou fora da aacutegua ou cocircncavos e convexos

devido agrave ilusatildeo visual produzida pelas cores e eacute evidente que tudo isso lanccedila

a perturbaccedilatildeo em nossa alma Ora dirigindo-se a essa disposiccedilatildeo de nossa

natureza a pintura sombreada natildeo deixa sem emprego nenhum processo de

magia como tambeacutem eacute o caso da arte do charlatatildeo e de muitas outras

invenccedilotildees do gecircnero - Eacute verdade - Ora natildeo descobriu na medida no

caacutelculo e na pesagem excelentes preventivos contra tais ilusotildees de tal modo

que o que prevalece em noacutes natildeo eacute a aparecircncia de grandeza ou de pequeneza

de quantidade ou de peso mas antes o julgamento de quem contou mediu e

pesou - Como natildeo (Repuacuteblica X 602 c-d) 169

Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees da traduccedilatildeo para o francecircs de Jean- Pierre Vernant InVERNANT Jean-

Pierre Nascimento de Imagens p 60 In COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio

de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoQuel but se propose la peinture relativement agrave chaque objet Est-ce de repreacutesenter ce qui est tel quil est ou

ce qui paraicirct tel quil paraicirct (to phainomenon hocircs phainetai) Est-ce limitation de lapparence ou de la reacutealiteacute

mdash De lapparence dit-il mdash Lart dimiter (hecirc mimecirctikecirc) est donc bien eacuteloigneacute du vrai et sil peut tout exeacutecuter

cest quil ne touche quune petite partie de chaque chose et cette partie nest quimage (eidocirclon)(Reacutep 598 b-

c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois

Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112-113)] 168

Traduccedilatildeo PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo

Satildeo Paulo Perspectiva 2012

Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον πότερα πρὸς τὸ ὄν ὡς ἔχει

μιμήσασθαι ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον ὡς φαίνεται φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις - Φαντάσματος ἔφη

- Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί ὡς ἔοικεν διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται ὅτι σμικρόν τι

ἑκάστου ἐφάπτεται καὶ τοῦτο εἴδωλον Οἷον ὁ ζωγράφος φαμέν ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον τέκτονα τοὺς

ἄλλους δημιουργούς [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν ἀλλrsquo ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας

ἀνθρώπους εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς

ἀληθῶς τέκτονα εἶναι

169

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012

92

Portanto apesar de outras passagens do diaacutelogo A Repuacuteblica como no livro III (373 b

44-8) que discorrem sobre a pintura como sendo produto da miacutemesis eacute no Livro X que Platatildeo

discorre longamente sobre o problema da pintura levantando dois pontos o primeiro eacute a

definiccedilatildeo de pintura como aparecircncia afirmando que a pintura natildeo imita a realidade mas sim

imita a aparecircncia de realidade O segundo ponto decorre do primeiro se a pintura eacute aparecircncia

se o pintor natildeo conhece verdadeiramente o que imita estaacute longe da verdade170

e a pintura

logo eacute ilusatildeo eacute engano

Logo o que fica claro a partir da leitura dos trechos da Repuacuteblica destacados acima eacute

que Platatildeo natildeo entende a miacutemesis como uma servil duplicaccedilatildeo da realidade tampouco a

pintura enquanto decorrente da miacutemesis

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo

O conceito de phantasia - em correspondecircncia ao conceito de miacutemesis - tal como se

encontra no diaacutelogo platocircnico O Sofista eacute outro ponto chave para o estudo do papel da

imitaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o estatuto ontoloacutegico da pintura proposto pela Teoria da

Formatividade Ademais a proposiccedilatildeo acerca da correlaccedilatildeo entre miacutemesis e phantasiacutea

formulada por Platatildeo no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu

diaacutelogo o Craacutetilo Portanto haacute que se recorrer agrave leitura destes outros diaacutelogos para entender

como Platatildeo pensava a problemaacutetica da pintura relacionada agrave miacutemesis

Ou seja tambeacutem no Sofista Platatildeo discorreu sobre a ideia de miacutemesis no entanto

aqui neste diaacutelogo ele propotildee o entendimento da miacutemesis como um tipo de produccedilatildeo

Τοῦ τοιοῦδε ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται - Οὐ γάρ -

Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ

χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ

παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι

πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί - Ἀληθῆ -῏Αρrsquo οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς

αὐτὰ ἐφάνησαν ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον ἀλλὰ τὸ

λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν - Πῶς γὰρ οὔ

170

Trecircs vezes longe da verdade quando se expotildee a distinccedilatildeo entre a cama como modelo primeiro isto eacute a ideia

de cama a segunda seria a cama fabricada e a terceira a pintura da cama para mostrar o quanto a imagem

pictoacuterica estaria longe da verdade no entendimento de Platatildeo e seria portanto uma ilusatildeo enganadora (Cf

Repuacuteblica X 597 a ndash 598)

93

(poiacuteesis) de imagens (eiacutedola) e incluiu a pintura como parte desta produccedilatildeo de imagens que

seriam ldquosegundos objetos iguaisrdquo

E ainda Platatildeo definiu a imagem (eiacutedolon) distinguindo-a em dois tipos um eacute a

imagem do tipo eiacutekones (coacutepias- iacutecones) e o outro eacute a imagem do tipo fanthaacutesmata

(simulacros-fantasmas) 171

Ou seja nos escritos de Platatildeo haacute uma passagem do Sofista onde

Platatildeo faz uma distinccedilatildeo entre os dois tipos de ldquoproduccedilatildeo de imagensrdquo [eiacutedocirclopoiikeacutes] uma

seria a ldquoarte da coacutepiardquo [eἰkastikeacuten] quando a imagem eacute fruto da imitaccedilatildeo do modelo tal como

ele eacute e portanto esta seria uma imitaccedilatildeo fidedigna E a outra que Platatildeo chamou de ldquoarte da

fantasiardquo [fantastikeacuten] perante a qual a produccedilatildeo da imagem natildeo eacute servil ao modelo mas sim

agrave aparecircncia do modelo que ateacute mesmo distorce as medidas reais em favor da aparecircncia para

produzir uma ilusatildeo e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareccedila aquilo que

natildeo eacute mas apenas parece ser Platatildeo O Sofista (236 b-c-d)

Estrangeiro mdash Ora natildeo eacute neste caso que se encontra uma grande parte da

pintura e da mimeacutetica em seu todo Teeteto mdash Sem duacutevida Estrangeiro mdash

Mas agrave arte que em lugar de uma coacutepia produz um simulacro natildeo caberia

perfeitamente o nome de arte do simulacroTeeteto-mdash Sim perfeitamente

Estrangeiro-mdash Aiacute estatildeo as duas formas que te anunciei da arte que produz

imagens a arte da coacutepia e a arte do simulacro Teetetomdash Isso mesmo 172

171

Seguindo aqui os termos equivalentes portuguecircsndashgrego a partir das traduccedilotildees propostas por Vernant como

neste texto ldquo[] a distinccedilatildeo que opera o Sofista entre duas formas de mimeacutetica ou de fabricaccedilatildeo de imagens

(eidolopoiikeacute) ndash a primeira produzindo coacutepias-iacutecones (eikoacutenes) semelhantes a seus modelos dos quais

reproduzem as proporccedilotildees reais a segunda produzindo ao contraacuterio simulacros-fantasmas (phantaacutesmata) que

sacrificam as proporccedilotildees exatas para substituiacute-las com suas figuras por aquelas que provocam ilusatildeo aos

olhos dos espectadores []rdquo (VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens p 59-60 In COSTA LIMA

Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquo[] la distinction quopegravere Le Sophiste entre deux formes de mimeacutetique ou de fabrication dimages

(eidocirclopoiikecirc) la premiegravere produisant des copies-icocircnes (eikones) ressemblant agrave leurs modegraveles dont elles

reproduisent les proportions reacuteelles la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes

(phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer dans leurs figures celles qui feront

illusion aux yeux des spectateurs []rdquo(Sophiste 235 e 236 c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In

_____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112)]

172

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991

Ξένος - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν

Θεαίτητος - Πῶς δ οὔ Ξένος -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ οὐ φανταστικὴν

ὀρθότατ ἂν προσαγορεύοιμεν Θεαίτητος -Πολύ γε Ξένος - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς

εἰδωλοποιικῆς εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν Θεαίτητος - Ὀρθῶς

94

Portanto na citada passagem fica claro que haacute um entendimento que a produccedilatildeo de

imagens incluindo a pictoacuterica natildeo se resume a um mero exerciacutecio de coacutepia servil e fiel a um

suposto modelo pois o filoacutesofo grego pressupotildee uma produccedilatildeo de imagem natildeo fidedigna ao

modelo e ainda diz ser esta a praacutetica comum Segue uma reflexatildeo de Pareyson sobre o

assunto

Se portanto a arte mimeacutetica eacute a arte de produzir imagens (eidocircla) que eacute

imitaccedilatildeo (mimeacutemata) e semelhanccedila (homoiocircmata) de um modelo haacute duas

espeacutecies de imagens a coacutepia (eikoacuten) assim chamada porque copia

exatamente (eacuteoike) e a aparecircncia (phaacutentasma) assim chamada porque

parece (phaiacutenetai) que copia Platatildeo acrescenta que a arte fantaacutestica eacute muito

mais ampla que a arte icaacutestica sobretudo na pintura e em geral em todas as

artes mimeacuteticas A imagem em quanto natildeo ser eacute falsidade o problema da

imitaccedilatildeo se reconecta com o do erro 173

Portanto Platatildeo ao marcar que estas imagens satildeo apenas as aparecircncias das coisas e natildeo

as coisas mesmas admite que as imagens estejam num ldquoestranho jogordquo entre o ldquoserrdquo e o ldquonatildeo

serrdquo como tambeacutem identifica as imagens como falsidades Abaixo segue outro trecho do

citado diaacutelogo

Estrangeiro mdash O que haacute de comum entre todos esses objetos que tu dizes

serem muacuteltiplos mas que honras por um uacutenico nome que eacute o nome de

imagem e que entendes como uma unidade sobre todos eles Fala agora e

sem permitir-lhe vantagem alguma repele o adversaacuterio Teeteto mdash Que

outra definiccedilatildeo dariacuteamos agrave imagem estrangeiro se natildeo a de um segundo

objeto igual copiado do verdadeiro Estrangeiro mdash Teu segundo objeto

igual significa um objeto verdadeiro ou entatildeo que queres dizer com esse

igual Teeteto mdash De forma alguma um verdadeiro certamente mas um

que com ele se pareccedila Estrangeiro mdash Mas por verdadeiro tu entendes um

173

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoSe dunque larte mimetica egrave larte di produrre immagini (εἰδωλα) che sono imitazioni (μιμήματα) e

somiglianza (ὁμοιώματα) dun modello vi saranno due specie dimmagini la copia (εἰκών) cosigrave detta percheacute

copia esattamente (ἔοικε) e la parvenza (φάντασμα) cosigrave detta percheacute pare (φαίνεται) che copi Platone

aggiunge che larte fantastica egrave molto piugrave estesa dellicastica soprattutto nella pittura e in genere in tutte le arti

mimetiche Limmagine in quanto pare senza essere egrave falsitagrave il problema dellimitazione si ricollega con quello

dellerrorerdquo

95

ser real Teeteto mdashCertamente Estrangeiro mdash Entatildeo Por natildeo-verdadeiro

tu entendes o contraacuterio do verdadeiro Teeteto mdash Certamente Estrangeiro

mdash O que parece eacute pois para ti um natildeo-ser irreal pois o afirmas natildeo

verdadeiro Teetetomdash Entretanto haacute algum ser Estrangeiro mdash Em todo o

caso natildeo um ser verdadeiro eacute o que dizes Teeteto mdash Certamente natildeo

ainda que ser por semelhanccedila seja real Estrangeiro mdashAssim pois o que

chamamos semelhanccedila eacute realmente um natildeo-ser irreal Teeteto mdash Temo que

em tal entrelaccedilamento que o ser se enlace ao natildeo-ser de maneira a mais

estranha (Sofista 240 a)174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platatildeo

A imagem portanto consiste em ser e natildeo ser eacute enquanto eacute em si mesma e

natildeo eacute enquanto natildeo eacute o objeto imitado A imagem isto eacute traz em si mesma

a alteridade e a identidade eacute outra do objeto imitado embora natildeo seja

totalmente diferente se assimila ao objeto imitado mesmo natildeo sendo

totalmente igual ou seja idecircntica a ele A semelhanccedila portanto consiste em

uma siacutentese de alteridade e identidade O fundamento da alteridade eacute a

mateacuteria qual se representa o objeto imitado o fundamento da identidade eacute o

ato de assimilaccedilatildeo que impede a imagem de ser diversa ainda que seja outra

do modelo175

174

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa mdash 5 ed mdash Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς

ἓν ὄν λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα Θεαίτητος Τί δῆτα ὦ ξένε εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι

πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν ἢ ἐπὶ

τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε ἀλλ ἐοικὸς μέν Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως

ὂν λέγων Θεαίτητος Οὕτως Ξένος Τί δέ Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ ἐναντίον ἀληθοῦς Θεαίτητος Τί μήν Ξένος

Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς Θεαίτητος Ἀλλ ἔστι γε μήν πως

Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε φῄς Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν πλήν γ εἰκὼν ὄντως Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως

ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ

ὄντι καὶ μάλα ἄτοπον

175

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 33

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLimmagine perciograve consta di essere e non essere egrave in quanto egrave se stessa non egrave in quanto non egrave loggetto

imitato Limmagine cioegrave reca in seacute lalteritagrave e lidentitagrave egrave altra dalloggetto imitato pur non essendone del

tutto diversa si assimila alloggetto imitato pur non essendogli del tutto eguale e cioegrave identica con esso La

somiglianza dunque consiste in una sintesi di alteritagrave e identitagrave Il fondamento dellalteritagrave egrave la materia nella

quale si rappresenta loggetto imitato il fondamento dellidentitagrave egrave latto di assimilazione che impedisce

allimmagine dessere diversa pur essendo altra dal modellordquo

96

Na passagem acima Pareyson discorre acerca do problema da semelhanccedila e da

subordinaccedilatildeo da imagem para com seu modelo e ao mesmo tempo levanta a questatildeo de que a

imagem mesmo parecida com o modelo nunca seraacute o modelo pois sempre haveraacute um

aspecto de alteridade na imagem E eacute exatamente esta aparente contradiccedilatildeo que a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver

pois mesmo sendo coacutepia a imagem tem autonomia com relaccedilatildeo ao modelo inclusive a

imagem pictoacuterica como explica Pareyson

Evidentemente o problema natildeo eacute o de corroborar se a imagem artiacutestica tem

ou natildeo relaccedilotildees com a natureza [] o essencial eacute que a imagem artiacutestica seja

acabada na sua estrutura autocircnoma Que a arte copie ou transfigure o

essencial eacute que ela ldquofigurerdquo que a arte deforme ou transforme o essencial eacute

que ela ldquoformerdquo176

Ademais Platatildeo disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como

um sonho acordado como um reflexo (Sofista 239 c-d177

e 266c178

) reiterando esse

entendimento da imagem pictoacuterica como um ldquonatildeo serrdquo e como uma ilusatildeo

176

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoIl problema evidentemente non egrave di assodare se limmagine artistica abbia o non

abbia rapporti con la natura Sul piano della poetica si potragrave discutere se larte debba copiare o deformare e

sul piano della critica si potragrave caratterizzare in tali modi una determinata forma darte ma sul piano

dellestetica lessenziale egrave che limmagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura Che larte

raffiguri o trasfiguri lessenziale egrave chessa laquofiguriraquo che larte deformi o trasformi lessenziale egrave chessa

laquoformiraquordquo (PAREYSON Luigi I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

177

ldquoEstrangeiro mdash Em consequecircncia se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro o emprego de tais

foacutermulas lhe tornaria faacutecil a resposta Facilmente ele voltaria contra noacutes as nossas foacutermulas e quando o

chamaacutessemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que afinal de contas chamamos de imagens

Devemos pois procurar Teeteto o que se poderia responder com acerto a este espertalhatildeo Teeteto- mdash

Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das aacuteguas e dos espelhos as imagens pintadas ou

gravadas e todas as demais da mesma espeacutecierdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν

λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν

ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν Σκοπεῖν οὖν ὦ Θεαίτητε χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ

ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα ἔτι καὶ τὰ

γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ ἔσθ ἕτερα

178

PLATAtildeO Sofista 266c ldquoEstrangeiromdash Mas que diremos de nossa arte humana Natildeo afirmaremos que

pela arte do arquiteto se cria uma casa real e pela arte do pintor uma outra casa espeacutecie de sonho

apresentado pela matildeo do homem a olhos despertosrdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

97

E por fim no Craacutetilo Platatildeo tambeacutem disserta sobre a imagem pictoacuterica repetindo tal

como no Sofista o entendimento que haacute uma distacircncia e uma diferenccedila entre a imagem

produzida pela arte e seu suposto modelo isto eacute ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal

como ele realmente eacute na sua totalidade natildeo seria uma imagem mas sim a coisa mesma

Soacutecrates - [] Vecirc se tenho razatildeo Se fossem postos juntos dois objetos

diferentes Craacutetilo e a imagem de Craacutetilo e uma divindade natildeo imitasse

apenas a tua figura e tua cor como fazem os pintores mas formasse todas as

entranhas iguais agraves tuas emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e

calor aleacutem de movimento alma e raciociacutenio tal como haacute em ti em uma

palavra tudo exatamente como eacutes e colocasse ao teu lado essa duplicata de

ti mesmo tratar-se-ia de Craacutetilo e uma imagem de Craacutetilo ou de dois

Craacutetilos Craacutetilo - Quer parecer-me Soacutecrates que seriam dois Craacutetilos

(Craacutetilo 432 b-c) 179

Pareyson analisando algumas passagens do citado diaacutelogo conclui

Reconectando o problema da imitaccedilatildeo com o problema do erro Platatildeo

retoma do Sofista o problema no Craacutetilo [] Consequentemente o

semelhante natildeo eacute nem o totalmente outro isto eacute o diverso nem eacute totalmente

igual isto eacute idecircntico [] 180

Portanto pode-se concluir que tanto no Sofista no Craacutetilo quanto na Repuacuteblica

Platatildeo aponta para a relaccedilatildeo entre modelo miacutemesis [imitaccedilatildeo] imagem distinguindo de um

Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην ἆρ οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν γραφικῇ δέ τιν ἑτέραν

οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν

179

Traduccedilatildeo PLATAtildeO Teeteto e Craacutetilo Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes 3ordfed Beleacutem EDUFPA 2001

Σωκράτης - [] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ltᾖgt ἡ ὀρθόθς ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ

παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω Ἆρ᾽ ἂν δύο

πράγματα εἴη τοιάδε οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα

ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά καὶ μαλακόθτας

[432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς

καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν

Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον ἢ δύο Κρατύλοι Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν ὦ Σώκρατες Κρατύλοι

180

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoRicollegando il problema dellimitazione col problema dellerrore Platone riprende nel Sofista il problema

del Cratilo []Quindi il simile non egrave neacute il totalmente altro e cioegrave il diverso neacute il totalmente eguale cioegrave

lidentico[]rdquo

98

lado a coisa e de outro a pintura Entretanto como a imagem natildeo eacute um duplo do modelo

esta pressupotildee um espectador que a apreenda que a identifique e que a julgue Como expotildee

Pareyson

A imitaccedilatildeo implica trecircs elementos o objeto imitado que eacute o modelo em

relaccedilatildeo ao qual se julga a imitaccedilatildeo uma mateacuteria que eacute o meio no qual se

concebe e se representa o objeto imitado um ato de assimilaccedilatildeo isto eacute o

que torna a imagem aproximada ao objeto imitado 181

Portanto pode-se dizer que eacute por isso que Platatildeo idenfica o perigo que imagem pode

acarretar pois o espectador poderia incorrer no erro de natildeo entender que a imagem eacute ilusatildeo e

apenas aparecircncia da coisa e natildeo a coisa mesma Nesse sentido eacute esta relaccedilatildeo triacuteplice que

define a pintura enquanto imagem e natildeo apenas a relaccedilatildeo dupla imitaccedilatildeo-modelo pois o

espectador eacute quem identifica e interpreta a imagem mesmo que este espectador seja o proacuteprio

artiacutefice da obra Interessante que esta identificaccedilatildeo do espectador como o terceiro veacutertice da

cadeia produtiva da obra de arte estaacute igualmente presente em outro diaacutelogo de Platatildeo o Iacuteon

(535d -536a) 182

o que demonstra o quanto Platatildeo se preocupou com a questatildeo de como a

imagem eacute recepcionada e interpretada

E ainda a partir das leituras dos trechos tanto da Repuacuteblica como nas passagens do

Sofista e do Craacutetilo citados anterioremente tambeacutem se pode afirmar que Platatildeo mostra que a

imagem pictoacuterica tem uma significativa diferenccedila com relaccedilatildeo ao modelo ganhando uma

autonomia que Platatildeo via de maneira negativa pois nunca eacute uma imitaccedilatildeo fiel da coisa

181

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

33 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLimitazione

implica tre elementi loggetto imitato che egrave il modello in rapporto al quale si giudica dellimitazione una

materia chegrave il mezzo nel quale si rende e si rappresenta loggetto imitato un atto dassimilazione chegrave ciograve che

rende limmagine vicina alloggetto imitatordquo

182

Soacutec Sabes entatildeo que o proacuteprio espectador eacute o uacuteltimo dos aneacuteis de que eu falava a receber o poder que

sob o efeito da pedra de Heacutercules (536) passa de um para o outro O do meio eacutes tu rapsodo e o ator e o

primeiro eacute o proacuteprio poeta O Deus atraveacutes de todos eles dirige a alma dos homens para onde quiser fazendo

passar o poder de uns para os outros[]rdquo (Traduccedilatildeo PLATAtildeO Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) e sobre a

mentira (Hiacutepias Menor) Trad de Porto Alegre LampPM Pocket 2007)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς

Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής ὁ δὲ

πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων

ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν[]

99

sempre se configura como outro mas que tanto Aristoacuteteles como Pareyson veratildeo de maneira

positiva como discorre Pareyson

Platatildeo reconhece que este mundo da arte eacute ldquooutrordquo do objeto imitado

todavia tal ldquoalteridaderdquo eacute na compreensatildeo dele ldquoinferioridaderdquo derivada de

uma transposiccedilatildeo de ldquomateacuteriardquo diversa e natildeo como criaccedilatildeo de um mundo

novo devido agrave originalidade do artista183

Embora Platatildeo entenda que isto faccedila da pintura uma falsidade uma ilusatildeo atribuindo agrave

produccedilatildeo de imagens pictoacutericas uma ldquonegatividaderdquo e condenando-as como por exemplo se

vecirc na Repuacuteblica E apesar da condenaccedilatildeo da imagem pictoacuterica contida em alguns diaacutelogos de

Platatildeo o reconhecimento de que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica nunca eacute fiel ao modelo abre

a discussatildeo sobre o significado da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo nestes diaacutelogos mostrando que

esta eacute uma questatildeo latente em Platatildeo e continua fundamental ateacute hoje como expotildee Pareyson

[] uma primeira referecircncia agrave atividade positiva do artista pode-se encontrar

na arte ldquofantaacutesticardquo a semelhanccedila produzida da arte fantaacutestica eacute aparecircncia

que altera o objeto em vista da exigecircncia do espectador Trata-se sim de

uma falsificaccedilatildeo do real e de um engano em que se atrai o espectador e este

eacute o lado negativo da concepccedilatildeo platocircnica mas se trata ainda de uma

elaboraccedilatildeo intencional da realidade e este eacute o primeiro aceno positivo de um

princiacutepio de abstraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao objeto representado Vecirc-se portanto

em Platatildeo um primeiro reconhecimento da ldquoautonomiardquo do mundo da arte

mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como ldquoalteridaderdquo e

que seja ldquodegeneraccedilatildeordquo devido agrave presenccedila da ldquomateacuteriardquo e seja um

ldquoenganordquo184

183

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 34

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoPlatone riconosce che il mondo dellarte egrave laquoaltroraquo dalloggetto imitato senoncheacute tale laquoalteritagraveraquo egrave intesa da lui

come laquoinferioritagraveraquo derivante da una trasposizione di una laquomateriaraquo diversa e non come creazione di un mondo

nuovo dovuto alloriginalitagrave dellartistardquo

184

(Traduccedilatildeo nossa) Ibidem p 34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 ldquoUn primo accenno allattivitagrave positiva dellartista si puograve invece rinvenire nellarte

fantastica la somiglianza prodotta dallarte fantastica egrave parvenza che altera loggetto in vista dellesigenza

dello spettatore Si tratta sigrave duna falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore e questo

egrave il lato negativo della concezione platonica ma si tratta anche duna elaborazione intenzionale della realtagrave e

questo egrave il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto alloggetto rappresentato Vegrave dunque in

Platone un primo riconoscimento dellrsquolaquoautonomiaraquo del mondo dellarte anche se tale autonomia viene intesa

come laquoalteritagraveraquo chegrave laquodegenerazioneraquo dovuta alla presenza della laquomateriaraquo e a un laquoingannoraquordquo

100

Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Craacutetilo eacute a demarcaccedilatildeo da

diferenccedila entre os conceitos ainda hoje pertinentes imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois se de um

lado a imitaccedilatildeo pode ser identificada com o conceito de miacutemesis e para Platatildeo quanto mais

fiel ao modelo melhor por outro lado o conceito de imaginaccedilatildeo pode ser identificado com o

conceito de phantasiacutea jaacute que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica parte de uma interpretaccedilatildeo de

um suposto modelo e natildeo soacute do artista mas tambeacutem como propotildee Platatildeo resulta numa

interpretaccedilatildeo do proacuteprio espectador

Logo Platatildeo no Craacutetilo e no Sofista ao propor uma ligaccedilatildeo quase indissociaacutevel entre

imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois ambos estariam abarcados no proacuteprio conceito de miacutemesis que

neste caso natildeo pode ser entendida como imitaccedilatildeo no sentido de mera coacutepia define o conceito

de arte como representaccedilatildeo no sentido de phantasiacutea como produto da interpretaccedilatildeo do

modelo pelo artista e natildeo apenas a arte como mera imitaccedilatildeo Sobre esta tese Pareyson

discorre

A arte como interpretaccedilatildeo da realidade para representar [rappresentare] eacute

conceito que se apresenta em todo o curso da histoacuteria da esteacutetica e Platatildeo

nos daacute neste ponto um primeiro vislumbre Com tal conceito se derruba a

concepccedilatildeo de arte como semelhanccedila [somiglianza] esteacutetica e passiva a

semelhanccedila mesma torna-se esforccedilo de assimilaccedilatildeo e assim implica o

artista numa atividade original comprometida em penetrar no modelo para

apreender a sua natureza iacutentima185

34 ldquoPositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles

No capiacutetulo I discorreu-se sobre uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles onde estaacute

explicitado que a teacutekhne [arte] eacute imitaccedilatildeo [miacutemesis] da phyacutesis [natureza] usando aqui os

termos advindos destas leituras No cap II refletiu-se que a partir do conceito de ldquoorganismordquo

que Pareyson identifica em vaacuterios textos aristoteacutelicos concluiu-se que a arte eacute imitaccedilatildeo da

185

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLarte come

interpretazione della realtagrave da rappresentare egrave concetto che si presenta in tutto il corso della storia dellestetica

e Platone ne dagrave a questo punto un primo accenno Con tal concetto si rovesceragrave la concezione dellarte come

somiglianza statica e passiva la somiglianza stessa diventa sforzo dassimilazione e quindi implica nellartista

unattivitagrave originale intesa a penetrare il modello per coglierne lintima naturardquo

101

natureza mas natildeo enquanto coacutepia fiel e sim como complemento e preenchimento do que a

natureza natildeo produz trazendo assim o novo Nas palavras de Pareyson

Sendo assim as coisas o verdadeiro significado da concepccedilatildeo tradicional de

arte como imitaccedilatildeo da natureza eacute aquele jaacute muitas vezes emergido da

esteacutetica pelo qual a arte opera como a natureza isto eacute produz objetos com

uma estrutura unitaacuteria coisa entre coisas organismos autocircnomos formas

vivas 186

Isto eacute a partir dessa constataccedilatildeo que a arte mimeacutetica eacute pensada como incremento da

natureza e a renova logo pode-se afirmar que a arte eacute preenchimento do que falta eacute a

presenccedila da ausecircncia Neste sentido a arte enquanto miacutemesis eacute a presenccedila do ausente (outro)

e natildeo a repeticcedilatildeo de outro presente (modelo) portanto mesmo que haja um modelo o produto

advindo da teacutecnica-arte eacute sempre outro sempre novo podendo reivindicar autonomia

ontoloacutegica com relaccedilatildeo ao suposto objeto referente E como completa Pareyson ldquoFazer arte

significa em primeiro lugar realizar eacute soacute secundariamente que ela eacute significaccedilatildeo ou

imitaccedilatildeo ou qualquer outra coisardquo 187

Todavia como se mostrou anteriormente quando Aristoacuteteles discorre sobre Arte natildeo

diz das Artes em strictu sensu como definimos hoje mas de toda e qualquer produccedilatildeo

humana incluindo as Artes em geral Entretanto na Poeacutetica Aristoacuteteles discorre

especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente e diferente de Platatildeo expotildee a

atividade da miacutemesis de forma positiva

Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto miacutemesis Aristoacuteteles elenca dois

argumentos a favor da miacutemesis um que a miacutemesis eacute congecircnita ao homem e faz parte de sua

natureza e o outro que a miacutemesis gera prazer justamente por ser congecircnita e mais ainda por

proporcionar o aprendizado nas palavras dele da Poeacutetica

186

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p70 ldquoCosigrave stando le cose il vero significato della concezione tradizionale dellarte come

imitazione della natura egrave quello giagrave spesso emerso nella storia dellestetica per cui larte opera come la natura

cioegrave produce oggetti con una struttura unitaria cose fra cose organismi autonomi forme viventirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p264 )

187

Ibidem Op cit p69 ldquoFar arte significa anzitutto realizzare solo secondariamente essa egrave signilicazione o

espressione o raffigurazione o altro che siardquo(Ibidem Op cit p264 )

102

Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar eacute

congecircnito no homem (e nisso difere dos outros viventes pois de todos eacute ele

o mais imitador e por imitaccedilatildeo aprende as primeiras noccedilotildees) e os homens

se comprazem no imitado Sinal disto eacute o que acontece na experiecircncia noacutes

contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas

que olhamos com repugnacircncia por exemplo [as representaccedilotildees de] animais

ferozes e [de] cadaacuteveres Causa eacute que o aprender natildeo soacute muito apraz aos

filoacutesofos mas tambeacutem igualmente aos demais homens se bem que menos

participem dele Efetivamente tal eacute o motivo por que se deleitam perante as

imagens olhando-as aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma

delas [e diratildeo] por exemplo este eacute tal Porque se suceder que algueacutem natildeo

tenha visto o original nenhum prazer lhe adviraacute da imagem como imitada

mas tatildeo-somente da execuccedilatildeo da cor ou qualquer outra causa da mesma

espeacutecie (Poeacutetica 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitaccedilatildeo que eacute repetido natildeo soacute na Poeacutetica mas tambeacutem em outros

textos eacute que o que gera prazer natildeo eacute a miacutemesis apenas enquanto imitaccedilatildeo pois a miacutemesis natildeo

eacute imitaccedilatildeo de outro igual mas e sobretudo eacute complemento do que falta Portanto Aristoacuteteles

aponta que o proporciona prazer estaacute no ldquobem fazerrdquo da teacutekhne [arte] como fica claro nesta

passagem da Retoacuterica

188

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural

1973 1450 a ou sect33 p 448

Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι

σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς

μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας Σημεῖον δὲ τούτου τὸ

συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργωνmiddot ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας

χαίρομεν θεωροῦντες οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν Αἴτιον δὲ καὶ τούτου ὅτι μανθάνειν

οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ Διὰ

γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον

οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνοςmiddot ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν

ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν[20]

Outra traduccedilatildeo ldquoDas coisas que por elas proacuteprias vemos de maneira dolorosa destas provamos prazer

ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas como por exemplo configuraccedilotildees (μορφάς)

dos bichos mais despreziacuteveis e dos cadaacuteveres A causa disso eacute o fato de que aprender [ou compreender]

(μανθάνειν) eacute coisa prazerosiacutessima natildeo soacute para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira

semelhante tambeacutem para os outros ainda que participem disso por breve tempo Por isso com efeito gostam de

ver as imagens (είκόνας) jaacute que acontece que contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou compreendam] e

raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que eacute cada coisa (τί ἓκαστον ) como por exemplo que este eacute aquele (οὗτος

ἑκεῖνος) Porque caso aconteccedila nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) natildeo uma imitaccedilatildeo (οὐχὶ μίμημα)

[sem a emendatio de Hermann [1802] (p 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) natildeo enquanto imitaccedilatildeo presente em muitas

ediccedilotildees] produziraacute o prazer e sim por causa da execuccedilatildeo ou da cor ou de uma outra causa parecida (Poeacutetica

4 1448b 10-19) (ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de

Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro

de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 96)

103

E como aprender e admirar eacute agradaacutevel necessaacuterio eacute tambeacutem que o sejam as

coisas que possuem estas qualidades por exemplo as imitaccedilotildees como as da

pintura da escultura da poesia e em geral todas as boas imitaccedilotildees mesmo

que o original natildeo seja em si mesmo agradaacutevel pois natildeo eacute o objeto retratado

que causa prazer mas o raciociacutenio de que ambos satildeo idecircnticos de sorte que

o resultado eacute que aprendemos alguma coisa (Retoacuterica 1371 b 4) 189

Essa questatildeo apontada na passagem acima por Aristoacuteteles de que o prazer ao ver uma

pintura natildeo eacute necessariamente o prazer de identificar o modelo mas sim o prazer de

identificar a imagem mesma enquanto imagem retomando assim o entendimento da

definiccedilatildeo de Arte como produccedilatildeo [poiacuteesis]

E a partir deste ponto encontra-se outra chave para o diaacutelogo que Pareyson

estabeleceu com a filosofia aristoteacutelica e que se relaciona com a distinccedilatildeo entre modelo e

ldquoformardquo proposta na Teoria da Formatividade ldquoformardquo aqui identificada com a imagem

pictoacuterica e escultoacuterica Nas palavras de Pareyson

Sem insistir agora sobre o caraacuteter intelectualiacutestico que seria de tal modo

atribuiacutedo ao prazer esteacutetico eacute indubitaacutevel que esta distinccedilatildeo aristoteacutelica entre

o objeto imitado e a imitaccedilatildeo bem feita eacute uma primeira menccedilatildeo agrave teoria

moderna da indiferenccedila ao conteuacutedo e da relevacircncia esteacutetica da

representaccedilatildeo em si mesma Colocar ecircnfase sobre a representaccedilatildeo ao inveacutes

do conteuacutedo eacute um convite para considerar a obra de arte em si mesma como

um mundo em si que eacute autocircnomo em relaccedilatildeo aquele a partir do qual se

extrai a inspiraccedilatildeo para a representaccedilatildeo mesma190

189

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Junior Paulo Farmhouse

Alberto e Abel do nascimento Pena 3ordf ed Lisboa Centro de Estudos Claacutessicos da Universidade de Lisboa

Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda 2006 Livro 1 Cap1123 p138

ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι οἷον τό τε μιμούμενονὥσπερ

γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον οὐ

γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει

190

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009)

ldquoSenza insistere ora sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico egrave

indubitato che questa distinzione aristotelica fra loggetto imitato e limitazione ben fatta egrave un primo accenno

alla teoria moderna dellindifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione Il

porre laccento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto egrave un invito a considerare lopera darte in seacute come

un mondo a seacute chegrave autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesimardquo

104

Pois esta descriccedilatildeo da Poeacutetica de que a imagem gera prazer independente do motivo

possibilita a definiccedilatildeo da imagem como autocircnoma com relaccedilatildeo ao modelo e ainda

igualmente autocircnoma da proacutepria noccedilatildeo de identidade e semelhanccedila Outro ponto que a

separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de arte e de coacutepia permite vislumbrar eacute a proacutepria ideia de

originalidade que a arte carrega desde o romantismo ateacute hoje que Pareyson identifica como

tenho o seu iniacutecio embrionaacuterio aqui mesmo tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles nas

palavras do filoacutesofo italiano

Eacute a primeira menccedilatildeo a uma concepccedilatildeo positiva da autonomia do mundo da

arte autonomia que jaacute havia sido reconhecida por Platatildeo a qual todavia

tinha sido concebida negativamente Trata-se do caminho de reconhecer uma

ampla margem para a atividade original do artista para ir aleacutem do caraacuteter

extriacutenseco da referecircncia da imagem ao modelo A relaccedilatildeo de semelhanccedila eacute

ainda concebida como extriacutenseca a obra de arte mas apoacutes o convite para se

considerar a representaccedilatildeo em si mesma natildeo se tardaraacute a seguinte concepccedilatildeo

da semelhanccedila como esforccedilo subjetivo e original de objetividade e de

fidelidade ao real191

E por fim haacute ainda outra uma passagem da Poeacutetica que expotildee mais um ponto

fundamental para entender como Aristoacuteteles entendia os meandros e complexidades da

miacutemesis onde ele expotildee que a relaccedilatildeo da arte como imitaccedilatildeo estaacute atrelada ao conceito de

verossimilhanccedila ldquoO poeta eacute imitador como o pintor ou qualquer outro imaginaacuterio por isso

sua imitaccedilatildeo incidiraacute num destes trecircs objetos coisas quais eram ou quais satildeo quais os outros

dizem que satildeo ou quais parecem ou quais deveriam serrdquo (Poeacutetica 1460b 8-10) 192

191

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

35-36 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoEgrave il

primo accenno a una concezione positiva dellautonomia del mondo dellarte autonomia chera giagrave stata

riconosciuta da Platone il quale tuttavia laveva concepita negativamente Si egrave sulla strada di riconoscere un

ampio margine allattivitagrave originale dellartista e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento

dellimmagine al modello Il rapporto di somiglianza egrave ancora concepito come estrinseco allopera darte ma

dopo linvito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderagrave a seguire la concezione della

somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettivitagrave e di fedeltagrave al realerdquo

192

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV

161 p468

Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων

τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ ἢ οἷα εἶναι δεῖ

105

Ora o conceito de verossimilhanccedila que eacute normalmente entendido no acircmbito da poesia

pode ser estendido agrave pintura jaacute que o proacuteprio Aristoacuteteles inicia este mesmo periacuteodo do texto

acima citado falando da pintura que assim como a poesia eacute arte imaginaacuteria Ainda outra

passagem da Poeacutetica esmiuacuteccedila o conceito de verossimilhanccedila ldquoPelas precedentes

consideraccedilotildees se manifesta que natildeo eacute ofiacutecio de poeta narrar o que aconteceu eacute sim o de

representar o que poderia acontecer quer dizer o que eacute possiacutevel segundo a verossimilhanccedila e

a necessidaderdquo (Poeacutetica 1451a 36) 193

No caso da imagem pictoacuterica pode-se substituir o

aconteciacutevel pelo possiacutevel como explica Pareyson

Ora o aconteciacutevel pode ser definido com relaccedilatildeo agrave realidade enquanto de

fato natildeo eacute acontecido e no que diz repeito a possibilidade enquanto

logicamente natildeo eacute impossiacutevel de acontecer Aristoacuteteles completa a foacutermula

dizendo ldquoo aconteciacutevel eacute o possiacutevelrdquo (καὶ τὰ δινατά) Portanto a histoacuteria

expotildee o acontecido e a poesia o possiacutevel194

Ou seja a teacutekhne [arte] atraveacutes da proacutepria atividade da miacutemesis novamente eacute

identificada como aquela que complementa e ateacute melhora o que jaacute existe Enquanto a

implicaccedilatildeo de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer e natildeo o que aconteceu

segundo a verossimilhanccedila deixa claro que a miacutemesis natildeo se refere agrave coacutepia mas agrave

interpretaccedilatildeo e agrave invenccedilatildeo Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poeacutetica de

Aristoacuteteles

Com efeito na poesia eacute de preferir o impossiacutevel que persuade ao possiacutevel

que natildeo persuade Talvez seja impossiacutevel existirem homens quais Zecircuxis os

pintou esses poreacutem correspondem ao melhor e o paradigma deve ser

superado E depois a opiniatildeo comum tambeacutem justifica o irracional aleacutem de

193

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 IX sect50

p 451

Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο

καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον

194

(traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Il Verisimile Nella Poeacutetica Di Aristotele ______Problemi dellrsquoesteacutetica

II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore 2000 p95

ldquoOra laccadibile puograve essere definito rispetto alla realtagrave in quanto di fatto non egrave accaduto e rispetto alla

possibilitagrave in quanto logicamente non egrave impossibile che accada Infatti Aristotele completa la formula dicendo laquo

lrsquoaccadibile egrave il possibileraquo (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1accaduto e la poesia il possibilerdquo

106

que agraves vezes irracional parece o que o natildeo eacute pois verossimilmente

acontecem coisas que inverossiacutemeis parecem (Poeacutetica 1461b) 195

E sobre as especificidades da ideia de arte como miacutemesis tanto em Platatildeo como

Aristoacuteteles Pareyson conclui

A definiccedilatildeo da arte como semelhanccedila em Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo se refere agrave

arte de uma miacutemesis fotograacutefica e especular quase como se ao artista natildeo

restasse outra atividade que a aplicaccedilatildeo de suas habilidades teacutecnicas e a arte

natildeo seria mais que imitaccedilatildeo servil e passiva Esta definiccedilatildeo baseia-se na

consciecircncia de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em

conciliar a fidelidade agrave realidade que parece ser inerente agrave representaccedilatildeo

com a irreprimiacutevel autonomia do mundo da arte O mundo da arte eacute um

mundo em si mesmo como entatildeo pode existir representaccedilatildeo de uma

realidade A resposta a esta questatildeo natildeo pode ser consistente em uma

concepccedilatildeo que confere um caraacuteter ativo na imitaccedilatildeo mesma mas sim se a

imitaccedilatildeo advenha de um esforccedilo subjetivo e original com o qual o artista

penetra e interpreta essa realidade que filtrada pelo seu subjetivo e original

modo de ver seraacute representada na obra de arte196

A partir da leitura do texto citado acima eacute possiacutevel vislumbrar a soluccedilatildeo da antiacutetese

entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo que Pareyson propotildee isto eacute a questatildeo natildeo eacute ser ou natildeo fiel ao

195

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV 36

ou IX sect 177 p 469

Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν Πρός τε γὰρ

τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόνmiddot τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν

ἀλλὰ βέλτιονmiddot τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν Πρὸς ἅ φασιν τἄλογαmiddot οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15]

ἐστινmiddot εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις

ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος

ὑποθῆται

196

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 36

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLa definizione dellarte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta larte a una mimesi

fotografica e speculare quasi che allartista non rimanga altra attivitagrave che lapplicazione della propria abilitagrave

tecnica e larte non sia che imitazione servile e passiva Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno

dei fondamentali problemi dellarte consiste nel conciliare la fedeltagrave al reale che sembra inerire alla

rappresentazione con linsopprimibile autonomia del mondo dellarte Il mondo dellarte egrave un mondo a seacute come

dunque puograve esser rappresentazione duna realtagrave La risposta a questa domanda non puograve consistere che in una

concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione sigrave che limitazione divenga lo sforzo

soggettivo e originale con cui lartista penetra e interpreta quella realtagrave che filtrata dal suo soggettivo e

originale modo di vedere saragrave rappresentata nellopera darterdquo

107

modelo mas eacute entender que Arte enquanto eacute miacutemesis eacute tambeacutem interpretaccedilatildeo e ldquoformardquo isto

eacute dotada de estatuto ontoloacutegico e autonomia

E portanto eacute tambeacutem nesse sentido que eacute legiacutetimo afirmar que miacutemesis tanto na

acepccedilatildeo platocircnica como no sentido aristoteacutelico natildeo pode ser definida como simplesmente

imitaccedilatildeo como bem expotildee Luiz Costa Lima

[] embora o Estagirita tenha usado miacutemesis a partir do contexto platocircnico

sua acepccedilatildeo diferiraacute a partir mesmo de sua distinta base ontoloacutegica Assim

como a forma se realiza na concreccedilatildeo da mateacuteria assim a miacutemesis se cumpre

na concreccedilatildeo de um miacutemema Mais do que nunca miacutemesis natildeo pode ser

tomada como imitatio Viacuteramos que isso natildeo seria correto sequer em Platatildeo

pois a imagem natildeo eacute o duplo da coisa a que se refere e porque eacute incapaz de

representar as Ideias A miacutemesis eacute sinocircnimo de um campo fantasmal eacute o

outro da sombra nem sequer a proacutepria sombra pois esta ainda supotildee um

corpo que a projeta Em Aristoacuteteles ao inveacutes a miacutemesis partilha das leis que

governam a physis eacute uma potencialidade (dynamis) que explode em um

produto (ergon) 197

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles

Para finalizar a anaacutelise sobre como Aristoacuteteles definiu a imagem pictoacuterica (pintura e

desenho) e suas especificidades no De Memoria et Reminiscentia [Da lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo] 198

quando discorre sobre a memoacuteria Aristoacuteteles expotildeem a relaccedilatildeo da imagem

pictoacuterica com a imagem imaginaacuteria ou apariccedilatildeo [phantasma] 199 fruto da imaginaccedilatildeo

197

COSTA LIMA Luiz Miacutemesis e modernidade Formas das sombras Rio de Janeiro Ed Graal 1980 p47

198

Segundo livro do Parva Naturalia de Aristoacuteteles

199

Sobre a traduccedilatildeo dos termos gregos e a equivalecircncia com conceitos aqui implicados Claudio Veloso explica

ldquolsquoImagemrsquo eacute a traduccedilatildeo corrente de Φάντασμα mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών enquanto Φάντασμα

lembro eacute sempre traduzido por mim com apariccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel natildeo confundir as duas noccedilotildees Ao

contraacuterio os comentadores tendem a esquecer que a comparaccedilatildeo sugerida por Aristoacuteteles natildeo eacute entre a

lembranccedila e a pintura - o que faria desta uacuteltima uma artificiosa memoacuteria (Rouveret [1989] p 303 s) O que eacute

comparado agrave pintura tout court eacute a apariccedilatildeo Φάντασμα A lembranccedila eacute comparada propriamente agrave imagem

εἰκώνrdquo Mais adiante sobre a mesma passagem Veloso ainda alerta para outra possiacutevel confusatildeo entre termos e

conceitos advindos da traduccedilatildeo dos textos citados ldquo[] Eacute preciso todavia natildeo confundir εἰκών (lsquoimagemrsquo) e

όμοίωμα (lsquosimulacrorsquo)rdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo449b 30-1 In

108

[phantasiacutea]200

Phantasiacutea entendida aqui como o processo de imaginaccedilatildeo isto eacute como a

formaccedilatildeo de imagens mentais que faz ver mentalmente o que natildeo estaacute diante dos olhos

Sobre a analogia entre apariccedilatildeo e desenho Aristoacuteteles discorre ldquoMas dado que se

falou da representaccedilatildeo [φαντασία] 201

antes nos [livros] sobre a alma tambeacutem [se sabe que]

natildeo eacute possiacutevel pensar sem uma apariccedilatildeo [φάντασμα] [450a] pois no pensar acontece

exatamente a mesma afecccedilatildeo que acontece no traccedilarrdquo (De memoria 449 b ndash 450 a 1) 202

Ademais Aristoacuteteles mostra que um aspecto importante da imagem pictoacuterica acarreta

eacute a correlaccedilatildeo entre ausecircncia-presenccedila sobretudo quando a pintura se propotildee representaccedilatildeo de

uma ideia ou ateacute mesmo quando eacute um retrato de um ausente Sobre a imagem do ausente isto

eacute a lembranccedila Aristoacuteteles discorre

E satildeo coisas lembraacuteveis por si aquelas de que haacute apariccedilatildeo [ὦν έστι

φαντασία] enquanto [satildeo lembraacuteveis] [25] por concomitacircncia todas as que

[o] satildeo natildeo sem uma apariccedilatildeo Algueacutem pode todavia encontrar uma

dificuldade ou seja como estando presente a afecccedilatildeo mas ausente a coisa

eacute lembrado o que natildeo estaacute Eacute evidente com efeito que se deve pensar essa

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 87)

200

Traduccedilatildeo para o tiacutetulo proposta por Claudio Veloso In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo

Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12

n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash

Unicamp 2002

201

Veloso explica sobre a traduccedilatildeo para o texto ldquoDa Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo ldquo lsquoRepresentaccedilatildeorsquo traduz

φαντασία tradicionalmente traduzido por imaginaccedilatildeo enquanto apariccedilatildeo traduz φάντασμα mas tambeacutem

φαντασία quando usado como equivalente a φάντασμαrdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo (449b 30-1) In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e

comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial

janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

2002 p 80)

202

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28

Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν

να νοώμεν Συμβαίνει δηλ εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού

σχήματος

109

afecccedilatildeo - cuja posse dizemos que eacute uma lembranccedila ie a alma perceptiva]

tem como que uma certa pintura [30] (De memoria 450a 23-30) 203

E por fim nesta outra passagem Aristoacuteteles ao definir a memoacuteria igualmente define a

imagem da pintura eou do desenho

E se em noacutes haacute realmente semelhante a uma marca ou a um desenho por que

a percepccedilatildeo disso seria lembranccedila de outra coisa e natildeo desse mesmo algo

Quem estaacute em atividade com a lembranccedila contempla essa afecccedilatildeo e percebe

isso Como entatildeo lembra o que natildeo estaacute presente Entatildeo tambeacutem seria

possiacutevel ver [20] e ouvir o que natildeo estaacute presente Ou se pode [ver e ouvir o

que natildeo estaacute presente] porque eacute possiacutevel [lembrar o que natildeo estaacute presente] e

isso acontece Por exemplo o animal desenhado em uma taacutebua eacute com

efeito um animal e uma imagem - essa mesma e uacutenica coisa eacute ambos mas o

ser natildeo eacute o mesmo para ambos - e eacute possiacutevel contemplaacute-lo tanto como um

animal quanto como imagem Desse modo eacute preciso supor que [25] apariccedilatildeo

em noacutes eacute ela mesma tambeacutem tanto algo por si quanto apariccedilatildeo de uma outra

coisa (De memoria 450b 15- 26)204

203

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28-29

Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ εαυτά αντικείμενα μνήμης τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας

κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας ύναται τις να

ερωτήση πώς άρά γε ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή) το δε πράγμα είναι απόν όμως

ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα) Αλλ είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν ότι το διά της

αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει

(αντιλαμβάνεται) αυτήν ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην είναι όμοιον με ζωγράφημα

204

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p30-31

Αλλ εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην ποίον εκ των δύο το πάθος τούτο (την εντύπωσιν)

ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον εκ του οποίου έγεινεν Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα τότε δεν

ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον πώς ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν

όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο το οποίον δεν αισθανόμεθα το απόν αντικείμενον 184 και αν η

μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα 185 πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο όμως

ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται

μόνον την εντύπωσιν ταύτην Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα όπερ δεν είναι παρόν Τούτο θα ήτο το αυτό ως να

βλέπη και να ακούη το μη παρόν Ή υπάρχει τρόπος καθ ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει Π χ

το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών το αυτό δηλ πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμαbull αλλά ο

τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το

ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να

υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου

τινός Και καθ όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ εαυτήν αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας

(φάντασμα) καθ όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα

110

Logo conclui-se que a pintura pensada como produto da representaccedilatildeo [phantasiacutea] em

De memoria et Reminiscentia natildeo quer dizer miacutemesis no sentido simples de imitaccedilatildeo tal

como se encontra no Sofista de Platatildeo seja ela copiosa ou imaginativa Mas quer dizer

representaccedilatildeo no sentido de substituiccedilatildeo e presentificaccedilatildeo de uma ideia de um pensamento e

portanto estaacute de acordo com a compreensatildeo de miacutemesis tal como vista na Fiacutesica de

Aristoacuteteles isto eacute miacutemesis no sentido de complementaccedilatildeo

Nesse sentido a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristoacuteteles

conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a apariccedilatildeo que tem

materialidade ou seja transformada em coisa entre coisas no mundo e na alteridade do

pensamento sem contudo deixar de ser tambeacutem pensamento ou seja ideia Como tambeacutem

fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma] quando Aristoacuteteles diz que ldquoas imagens

satildeo pois como sensaccedilotildees soacute que sem mateacuteriardquo (432a 9)205

Diante disto a imagem pictoacuterica produzida pode ser entendida ao mesmo tempo

como ideia e coisa como pensamento e mateacuteria como conceito e sensaccedilatildeo Pois o processo

de representaccedilatildeo eou imaginaccedilatildeo eacute anaacutelogo ao processo de fabricaccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

por conseguinte ao processo de assimilaccedilatildeo da imagem pelo espectador que por sua vez se

constitui como parte fundamental do processo de elaboraccedilatildeo do raciociacutenio possibilitando que

a sensaccedilatildeo se transforme em pensamento

3 6 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson

Sendo assim Pareyson na Teoria da Formatividade ao mostrar o estatuto ontoloacutegico

da arte e consequentemente da pintura redimensiona o problema da miacutemesis e ainda

identificando tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles o embriatildeo da definiccedilatildeo de autonomia da

arte

Portanto a partir da leitura da intersecccedilatildeo entre Pareyson Platatildeo e Aristoacuteteles

conclui-se que a questatildeo principal natildeo eacute se a pintura eacute imaginativa ou eacute imitativa Pois como

discorre Pareyson o problema da imitaccedilatildeo da Arte acaba sendo muito mais um problema de

205

ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010 τὰ γὰρ

φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι πλὴν ἄνευ ὕλης

111

ldquoPoeacuteticardquo entendida na acepccedilatildeo pareysoniana como ldquoprograma de arterdquo206

do que um

problema de definiccedilatildeo conceitual de Esteacutetica isto eacute nos termos pareysonianos Filosofia da

Arte207

nas palavras dele

[] na definiccedilatildeo tradicional da arte como imitaccedilatildeo da natureza definiccedilatildeo

que pouco a pouco foi-se concretizando em significados diversos e agraves

vezes opostos da coacutepia mais fiel e fotograacutefica da realidade agrave mais polecircmica

deformaccedilatildeo ou agrave abstraccedilatildeo mais decidida atraveacutes de todos os matizes da

verossimilhanccedila da caracterizaccedilatildeo da idealizaccedilatildeo da estilizaccedilatildeo da

invenccedilatildeo mais livre desenfreada e fantaacutestica [] Mas desembaraccedilamo-nos

facilmente de tais dificuldades se pensamos que na realidade trata-se mais

de ldquopoeacuteticasrdquo do que de esteacuteticas o que estaacute em jogo natildeo eacute uma definiccedilatildeo

geral da arte mas um programa de arte e trata-se sempre de relaccedilotildees da

imagem artiacutestica com a realidade natural mesmo quando tais relaccedilotildees vecircm

206

ldquoA poeacutetica eacute programa de arte declarado num manifesto numa retoacuterica ou mesmo impliacutecito no proacuteprio

exerciacutecio da atividade artiacutestica ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto que por

sua vez eacute toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma eacutepoca projetada no campo da arterdquo (PAREYSON

Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p21) ldquoLa poetica egrave programma darte dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito

nello stesso esercizio dellattivitagrave artistica essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto il

quale a sua volta egrave lintera spiritualitagrave duna persona o dunepoca proiettata nel campo dellarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p223)

207

ldquoA esteacutetica pelo contraacuterio natildeo tem um caraacuteter normativo nem valorativo ela natildeo define nem normas para o

artista nem criteacuterios para o criacutetico Como filosofia ela tem um caraacuteter exclusivamente teoacuterico a filosofia

especula natildeo legislardquo (PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery

Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p22) ldquoLestetica invece non ha carattere neacute normativo neacute

valutativo essa non -defigravenisce neacute norme per lartista neacute criteri per il critico Essa come filosofigravea ha un

carattere esclusivamente teorico la filosofigravea specula non legiferardquo (Idem Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p223)

Em outra passagem mais adiante no texto Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta

distinccedilatildeo que ele propotildee entre os significados de ldquoEsteacuteticardquo e ldquoPoeacuteticardquo ldquoDo ponto de vista esteacutetico todas as

poeacuteticas satildeo igualmente legiacutetimas natildeo importa que a arte seja compromissada ou evasiva realista ou idealista

naturalista ou liacuterica figurativa ou abstrata pura ou carregada de pensamento douta ou popular espontacircnea ou

refinada e assim poacute diante o essencial eacute que seja arte O esteacutetico como tal natildeo toma posiccedilatildeo em questotildees

poeacuteticas Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si ele evita com cuidado transformar em

divergecircncia filosoacutefica aquilo que eacute substancialmente uma polecircmica de gostos Antes ele deveraacute esforccedilar-se o

mais possiacutevel por natildeo fazer intervir seu proacuteprio gosto na sua proacutepria teoria a fim de evitar que esta seja

somente a conceitualizaccedilatildeo de um gosto histoacuterico e nada mais do que uma poeacutetica travestidardquo (Idem Os

problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p25)

ldquoDal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime non importa che larte sia impegnata o

devasione realistica o idealistica naturalistica o lirica figurativa o astratta pura o pensosa dotta o popolare

spontanea o raffinata e cosigrave via lessenziale egrave che sia arte Lestetico come tale non prende posizione in fatto

di poetiche di fronte alle frequenti battaglie chesse impegnano fra di loro egli evita con cura di trasformare in

di vergenza filosofica quella chegrave in sostanza una polemica di gusti Anzi egli dovragrave sforzarsi quanto possibile di

non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto ad evitare chessa non sia che la concettualizzazione

dun gusto storico e nientaltro che una poetica travestita (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p226)

112

negadas como nos casos de deformaccedilatildeo e de abstraccedilatildeo ou de invenccedilatildeo

surrealista onde a relaccedilatildeo natildeo eacute superada mas apenas polemicamente

revirada 208

Nesse sentido pode-se afirmar que independente de ser ou natildeo imitativa de ser ou natildeo

imaginativa a pintura eacute ldquoformardquo ou seja antes eacute coisa ela eacute ldquopresenccedila de si mesmardquo e natildeo

apenas ldquoausecircncia de outrordquo Nas palavras de Pareyson

A arte produz imagens que valem em si e natildeo pela sua relaccedilatildeo (positiva ou

negativa) com a realidade Sobre este ponto afirmar que uma imagem

artiacutestica vale porque imita bem a natureza eacute tese equivalente aquela de quem

afirmasse que uma imagem artiacutestica vale enquanto natildeo se propotildee copiar a

natureza ambas satildeo teses absurdas Mas quem quiser penetrar no significado

de uma imagem artiacutestica deve dar-se conta de seu intento de fidelidade ou

de deformaccedilatildeo ou de revolta ou de negaccedilatildeo com respeito agrave natureza

somente aprofundando esta referecircncia poder-se-aacute penetrar no mundo de uma

obra 209

Todavia pode-se entender que na Teoria da Formatividade a obra de arte enquanto

ldquoformardquo eacute tambeacutem representaccedilatildeo mas natildeo enquanto eacute imitaccedilatildeo de algo mas enquanto eacute

208

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p67

ldquo[] nella definizione tradizionale dellarte come imitazione della natura definizione che si egrave via via

concretata in significati diversissimi e talora opposti dalla copia piugrave fedele e fotografica della realtagrave alla piugrave

polemica deformazione o allastrazione piugrave decisa attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza della

caratterizzazione dellidealizzazione della stilizzazione dellinvenzione piugrave libera sbrigliala e fantastica

Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dellestetica involgendola almeno sino al

romanticismo in una serie di difficoltagrave degne forse di miglior causa Ma di tali difficoltagrave ci si sbarrazza

facilmente non appena si pensi che in realtagrave si tratta piugrave di laquopoeticheraquo che di estetiche ciograve egrave in gioco non egrave una

definizione generale dellarte ma un programma darte e si tratta sempre di rapporti dellimmagine artistica

con la realtagrave naturale anche quando tali rapporti vengono negati come nei casi di deformazione e di astrazione

o di surrealistica invenzione ove il rapporto non egrave superato ma solo polemicamente rovesciatordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262-263)

209

Ibidem Op cit p68 ldquoLarte produce immagini che valgono in seacute e non per il loro rapporto (positivo o

negativo che sia) con la realtagrave ma lindividuazione di tale rapporto egrave indispensabile per comprenderne

esattamente il senso Il valore dellimmagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza

con la realtagrave anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtagrave su questo punto

affermare che unimmagine artistica vale percheacute raffigura bene la natura egrave tesi equivalente a quella di chi

affermasse che unimmagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura entrambe le tesi

sono assurde Ma chi voglia penetrare il significato dunimmagine artistica deve rendersi conto del suo intento

di fedeltagrave o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura solo approfondendo questo

riferimento si potragrave penetrare il mondo dunoperardquo (Ibidem Op cit p263)

113

imaginaccedilatildeo eacute ideia isto eacute enquanto eacute interpretaccedilatildeo de uma visatildeo pessoal de mundo da

ldquopessoandashartistardquo produtora da ldquoobra-formardquo

Portanto embora a pintura como representaccedilatildeo seja normalmente vista como sendo a

imagem de uma referecircncia externa o significado da pintura estaacute sobretudo contido na forma

por ela mesma e natildeo no modelo ou no referente como explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre a

pintura

A ela natildeo corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro

fixado sua virtude natildeo estaacute no seu apagamento enquanto representante para

dar transparecircncia a um representado [] Natildeo eacute representante nem

representada a natildeo ser de si mesma nela significante e significado geram-se

muacutetua e continuamente210

Logo a imitaccedilatildeo e a relaccedilatildeo com um suposto modelo natildeo muda o estatuto da arte como

representativa pois a representaccedilatildeo natildeo estaacute na relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo da obra com o

modelo e sim na identificaccedilatildeo da obra como interpretaccedilatildeo isto eacute como fruto da visatildeo de

mundo pessoal contida na proacutepria obra e natildeo fora dela Nesse sentido Pareyson afirma que

ldquo[] para compreender bem o significado da obra seraacute necessaacuterio dar-se conta do esforccedilo de

penetraccedilatildeo que o artista fez com relaccedilatildeo ao objeto real que ele teve de saber olhar e

interpretar para pocircs-se em condiccedilatildeo de revelaacute-lo e de enfrentaacute-lordquo211

E ainda esta ldquoformardquo que foi fruto da representaccedilatildeo de uma ideia de uma visatildeo de

mundo seraacute novamente representaccedilatildeo enquanto for objeto de interpretaccedilatildeo da ldquopessoa-

espectadorrdquo daiacute a multiplicidade da interpretaccedilatildeo da obra de arte E portanto eacute nessa cadeia

tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo que arte se configura

como representaccedilatildeo de uma ideia ou de infinitas ideias jaacute que as interpretaccedilotildees satildeo

inexauriacuteveis tal qual eacute a infinidade das diferentes ldquopessoasrdquo que interpretarem uma uacutenica

210

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p19-20

211

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquo[]per comprendere bene i l significato dellopera bisogneragrave rendersi conto dello

sforzo di penetrazione che lartista ha fatto rispetto a un oggetto reale chegli ha dovuto saper guardare e

interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264)

114

obra de arte sendo assim esta cadeia poderia ser definida como pessoa (artista) - visatildeo de

mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador) Nas palavras de Pareyson

De fato a interpretaccedilatildeo eacute o encontro de uma pessoa com uma forma e se

pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao satildeo realidade simples mas

natildeo um infinito encerrado em algo definido teremos de pronto a ideia do

quanto eacute positiva a infinidade da interpretaccedilatildeo a ser considerada antes como

inexauriacutevel riqueza do que como reino da imprecisatildeo e arbitrariedade 212

E eacute neste ponto que a obra como ldquoformardquo acabada e realizada torna-se coisa

autocircnoma natildeo soacute com relaccedilatildeo ao modelo mas ao proacuteprio artista que a forjou pois na

alteridade do mundo estaraacute sujeita a sempre novas e possiacuteveis interpretaccedilotildees e movimentos

Contudo sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua ldquoformardquo completada

e pronta fruto da produccedilatildeo proposta e levada a cabo pelo artista embora como coisa entre

coisas estaraacute sujeita ao movimento e a constante transformaccedilatildeo assim como um organismo

vivo

212

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p167 ldquoInfatti lsquolinterpretazione egrave lrsquoincontro duna persona con una formarsquo e se si pensa

che tanto la persona quanto la forma non sono realtagrave semplici ma sono un infinito racchiuso in una definitezza

si avragrave subito lidea di quanto sia positiva linfinitagrave dellinterpretazione da considerarsi piuttosto come

uninesauribile ricchezza che come il regno dellimprecisione e dellarbitrarietagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p346)

115

CAPIacuteTULO IV

Autonomia da arte e miacutemesis na obra de Gerhard Richter

agrave luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reproduccedilatildeo eacute distinto do

objeto reproduzido e da obra produzida e enquanto eacute distinto

do objeto reproduzido eacute um ato de imitaccedilatildeo com qual se

representa se refigura se exprime alguma coisa enquanto eacute

distinto da obra produzida eacute um ato de criaccedilatildeo que eacute um agir

que natildeo se exaure em si mesmo mas coloca em existecircncia

alguma coisa

Luigi Pareyson 1946 213

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista

Partindo do entendimento de que o problema da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo e

consequentemente da abstraccedilatildeo versus a figuraccedilatildeo natildeo eacute um problema de estatuto de arte

mas um problema de escolha e interpretaccedilatildeo ldquopessoalrdquo do artista tomamos esta escolha ou

estas escolhas dos artistas como chaves de interpretaccedilatildeo dos movimentos da ldquoformardquo natildeo

como proposiccedilotildees definitivas mas como interpretaccedilotildees ldquopessoaisrdquo de cada artista no percurso

da ldquoformatividaderdquo de sua obra que uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a

especulaccedilatildeo e reflexatildeo filosoacutefica Portanto a experiecircncia da obra de arte em si e da reflexatildeo e

dos dizeres dos artistas sobre a sua experiecircncia na ldquoformatividaderdquo constituem material

indispensaacutevel a esta pesquisa Sobre a importacircncia do estudo da experiecircncia direta da

ldquoformatividaderdquo para a Filosofia da Arte Pareyson discorre

Eacute bem verdade que o filoacutesofo sozinho natildeo tem condiccedilotildees para formular

uma esteacutetica Deve ele recorrer agrave experiecircncia esteacutetica e os testemunhos mais

213

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoLatto dellartista inteso come un riprodurre vien distinto dalloggetto riprodotto e

dallopera prodotta in quanto egrave distinto dalloggetto riprodotto egrave un atto dimitazione col quale si rappresenta

si raffigura si esprime qualcosa in quanto egrave distinto dallopera prodotta egrave un atto di creazione chegrave un agire

che non si esaurisce in se stesso ma pone in essere qualcosardquo PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo

Secondo - Imitazione e Creazione) p 28 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009

116

diretos dessa experiecircncia lhe advecircm ndash natildeo soacute dos contempladores e amantes

o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos criacuteticos

cujas declaraccedilotildees lhe satildeo natildeo apenas muito uacuteteis mas ateacute diria

indispensaacuteveis e essenciais visto que o filoacutesofo natildeo consegue discorrer sobre

a arte a natildeo ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista

e do criacutetico214

Isso natildeo quer dizer que a ldquopalavrardquo do artista deva ser entendida como lei ou lida sem

ressalvas pois como o proacuteprio Pareyson chama a atenccedilatildeo em outra passagem ldquo[] nem

sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte satildeo dignos de atenccedilatildeo pelo menos na sua

formulaccedilatildeo literal querem uma peneirada uma escolha um dimensionamento que lhes

restitua o seu exato significado e revele seu possiacutevel alcance no campo da esteacuteticardquo215

E como visto acima a noccedilatildeo de autonomia da Arte proposta na Teoria da

Formatividade e acrescida dos entendimentos dos conceitos de miacutemesis jaacute explicitados

desconstroem a antiacutetese entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo bem como podem contribuir para uma

anaacutelise da pintura no tempo presente uma vez que estas ainda satildeo questotildees pertinentes nas

problemaacuteticas propostas sobre a arte na atualidade sobretudo na pintura

Sendo assim ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias

de hoje a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemaacuteticas com relaccedilatildeo agrave

pintura enquanto imitaccedilatildeo e enquanto autocircnoma em si mesma como propotildee a Teoria da

Formatividade buscaram-se artistas que pudessem natildeo apenas enriquecer a presente pesquisa

com o conjunto de suas obras enquanto tais isto eacute nas ldquoformasrdquo nas obras acabadas e postas

como coisas entre coisas mas que tambeacutem pudessem fornecer textos para que a reflexatildeo

214

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p18 ldquoEgrave verissimo che il filosofo lsquoda solorsquo non egrave in grado di formulare unestetica egli deve

ricorrere allesperienza estetica e le testimonianze piugrave dirette di questa esperienza gli sono fornite mdash oltre che

dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale mdash precisamente dagli artisti e dai critici le

cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime ma direi indispensabili ed essenziali giaccheacute il filosofo non riesce

a parlare dellarte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dellartista e del criticordquo (Idem

Estetica Teoria della Formitivitagrave Bologna Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

215

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p19 ldquo[] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili almeno nella loro

formulazione letterale ci vuole un vaglio una scelta un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto

significato e ne sveli la possibile portata nel campo dellesteticardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p220)

117

acima referida tambeacutem se voltasse para a ldquoformatividaderdquo propriamente dita isto eacute para o

processo de produccedilatildeo da pintura enquanto tal

Nesse intuito encontrou-se um campo de investigaccedilatildeo na obra do artista alematildeo

Gerhard Richter216

cujo conjunto de obras sobretudo das obras pictoacutericas tem sido

produzido por mais de cinco deacutecadas e analisando atentamente o conjunto destas obras pocircde-

se constatar que o axioma imaginaccedilatildeo- imitaccedilatildeo se desfez Aleacutem disso Richter concomitante

agrave produccedilatildeo de sua obra pictoacuterica elaborou um conjunto igualmente ininterrupto de escritos

publicados que compreendem notas cartas e sobretudo entrevistas por ele concedidas a

criacuteticos e outros espectadores atentos a suas obras possibilitando assim natildeo soacute a anaacutelise de

suas obras em si mas tambeacutem a anaacutelise da ldquoformatividaderdquo destas pois boa parte destes

textos diz respeito diretamente aos meandros da ldquoformatividaderdquo em si natildeo a anaacutelises ou

sugestotildees de intenccedilotildees de significaccedilatildeo de sua obra

42 ldquoFormardquo e ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter

E ainda aleacutem das obras pictoacutericas e escritos de Richter tem-se disponiacutevel o Atlas Ou

seja em 1962 o pintor alematildeo iniciou suas pinturas a partir de fotografias e desde entatildeo tem

se dedicado natildeo soacute agrave pintura mas tambeacutem agrave coleta e catalogaccedilatildeo destas fotografias (obtidas

desde aacutelbuns da famiacutelia do artista a recortes de revistas e jornais) ademais Richter

igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboccedilos que foram e satildeo ponto de partida para

a sua produccedilatildeo pictoacuterica dando iniacutecio assim aos trabalhos para a formaccedilatildeo do que seria a

monumental obra intitulada Atlas

Portanto o Atlas eacute uma espeacutecie de diaacuterio artiacutestico e inventaacuterio de trabalho que foi

exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes exposiccedilatildeo

216

Artista alematildeo nascido em Dresden em 1932 graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal

iniciando uma carreira como pintor ldquorealistardquo na entatildeo Alemanha Oriental Em 1961 um pouco antes da

construccedilatildeo do muro de Berlim migrou para a Alemanha Ocidental quando retomou seus estudos sobre arte em

Duumlsseldorf e iniciou suas incursotildees com fotografia e pintura Nas uacuteltimas deacutecadas consolidou-se como um dos

principais expoentes da arte contemporacircnea internacional participando natildeo soacute de grandes exposiccedilotildees coletivas

como Documentas de Kassel Bienais de Veneza e de Satildeo Paulo como tambeacutem fez grandes exposiccedilotildees

retrospectivas de sua obra Sua uacuteltima grande exposiccedilatildeo individual intitulada ldquoPanoramardquo ocorreu entre os anos

de 2011-2012 e viajou pela Inglaterra (Tate Modern Londres) Franccedila (Centre George Pompidou Paris) e

Alemanha (Neue Nationalgalerie Berlin) (Cf GODFREY Mark SEROTA Nicholas RICHTER Gerhard e

outros Gerhard Richter- Panorama Londres Tate Publishing 2011 p10 -13 e p 281-194)

118

esta que foi acompanhada de publicaccedilatildeo anaacuteloga de um livro-cataacutelogo com o total de 315

laudas De laacute para caacute houve inuacutemeras reediccedilotildees tanto da exposiccedilatildeo como do livro na medida

em que paacuteginas e mais paacuteginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formaccedilatildeo da obra

pictoacuterica de Richter a uacuteltima publicaccedilatildeo em 2007 contou 783 quadros - laudas Sendo assim

pode-se dizer que o Atlas ainda estaacute em ldquoformatividaderdquo jaacute que eacute uma espeacutecie de relato e

registro visual em tempo real da produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard Richter Assim discorre

Helmut Friedel no prefaacutecio do Atlas da ediccedilatildeo de 2007

Como uma obra de arte total o Atlas eacute um organismo o qual desenvolve e

muda Eacute uma biografia espelhada fatos histoacutericos e artiacutesticos Muitas

consideraccedilotildees que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter

encontram expressatildeo nas fotografias esboccedilos planos e colagens217

Mais do que um amontoado de imagens por vezes aparentemente desconexas o

trabalho de coleta e catalogaccedilatildeo feito pelo proacuteprio artista prolonga a obra acabada

constituindo material de acesso uacutenico agrave ldquoformatividaderdquo do artista pois permite vislumbres ao

processo de ldquoformatividaderdquo mesmo apoacutes da ldquoformardquo estar concluiacuteda Ademais acrescida agrave

evidente ligaccedilatildeo do Atlas agrave formatividade da pintura de Richter em si natildeo se pode deixar de

lado o fato que o proacuteprio Atlas enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista eacute

forma eacute obra de arte hiacutebrida com certeza mas assim mesmo obra de arte

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

A tiacutetulo de demonstraccedilatildeo segue uma ldquopaacuteginardquo do Atlas a de nuacutemero [93] (Figura I)

as imagens mostram estudos que podem ser relacionados com a pintura ldquoDetalherdquo (Figura II)

217

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoAs a total art work the Atlas is an organism which develops further and changes In is a

mirrored biographical artistic and historical facts Many considerations which precede Gerhard Richters

painterly works find expression in the photographs sketches plans and collagesrdquo (HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed New York DAPDistributed

Art Publishers 2007 p 17)

119

Figura I

218

Figura II

219

218

Gerhard Richter ldquoAusschnittfotos von Farbprobenrdquo [Detalhes fotograacuteficos de Amostras de Cores] 1970

367 x 517 cm (Paacutegina do ldquoAtlasrdquo nordm 93) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso

em agosto de 2013

219

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (kreutz)rdquo [Detalhe (Kreutz)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 290) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

120

Como pode ser constatado nas imagens acima ficam evidentes as inuacutemeras possibilidades

expostas a respeito do acesso agrave experiecircncia de ldquoformatividaderdquo que o artista proporciona

atraveacutes do Atlas e evidentemente atraveacutes das proacuteprias obras Portanto a observaccedilatildeo da

imagem conjuntamente com a paacutegina do Atlas a ela relacionada deixa claro que o

procedimento desta pintura pertencente ao conjunto das pinturas intituladas ldquoDetalherdquo

(Figura II) pode ser analisado sob uma oacutetica diferente de que se natildeo houvesse o acesso agrave

referecircncia visual utilizada para a elaboraccedilatildeo da pintura Pois apesar destas pinturas nos

remeterem agrave ideia de pura abstraccedilatildeo a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a

partir de detalhes visuais definidos ou melhor a partir de imagens fotograacuteficas registros

visuais precisos e preacutevios passando assim por um processo anaacutelogo ao processo de imitaccedilatildeo

a um modelo qualquer disponiacutevel isto eacute anaacutelogo agrave construccedilatildeo de uma pintura figurativa tal

como fosse uma imagem reconheciacutevel e que remetesse a uma figura nomeaacutevel

E ainda ao observar a obra o olhar do observador eacute direcionado para as curvas e para

as nuances das passagens de cores e seus sobretons como tambeacutem para uma relaccedilatildeo de claro

e escuro tal como se observaacutessemos um trabalho de panejamento onde se encontram efeitos

ilusoacuterios de profundidade e movimento Inclusive vista ao vivo a pintura citada permite uma

experiecircncia corporal proacutepria da pintura advinda natildeo soacute da dimensatildeo do quadro que tem

quatro metros quadrados bem como da materialidade da obra em si no que diz respeito agrave

escolha da tinta a oacuteleo dando agrave pintura um caracteriacutestico brilho aveludado embora neste

caso sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura corroborando para

o efeito ilusoacuterio de tridimensionalidade que a imagem produz

Logo a experiecircncia a partir da observaccedilatildeo da ldquoformardquo isto eacute da pintura mesma seja

ao vivo ou mesmo atraveacutes da reproduccedilatildeo neste papel acrescida do acesso agrave ldquoformatividaderdquo

atraveacutes do Atlas levam a constataccedilatildeo de uma ambiguidade entre abstraccedilatildeo e ilusatildeo

tridimensional proacutepria da imitaccedilatildeo de uma figura que a obra permite vislumbrar

A despeito da relaccedilatildeo abstraccedilatildeo ndash fotografia que pode ser identificada na observaccedilatildeo

das obras de Richter acima dispostas igualmente seus textos tambeacutem apontam para as

problemaacuteticas que o advento da fotografia possibilitou agrave pintura vislumbrar E ao contraacuterio do

senso comum Richter elucida que a foto natildeo necessariamente se contrapotildee agrave pintura como

imitaccedilatildeo ou ateacute mesmo como coacutepia mas paradoxalmente tambeacutem instaura a possibilidade da

121

abstraccedilatildeo propriamente dita como fruto da observaccedilatildeo e da imitaccedilatildeo isto eacute a relaccedilatildeo ldquopessoa-

forma-mundordquo que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar agrave observaccedilatildeo de um

conteuacutedo vazio do ponto de vista da representaccedilatildeo de ideias mas ainda assim a imitaccedilatildeo da

imagem da aparecircncia continua possiacutevel

Como na passagem de uma nota de Richter abaixo transcrita que deixa claro o

entendimento por parte do artista dessa tecircnue relaccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo que a

imagem pictoacuterica percorre em sua obra sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de

decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida advinda de uma fotografia

Quando eu desenho - uma pessoa um objeto - Eu tenho que me fazer

consciente de proporccedilatildeo da precisatildeo a abstraccedilatildeo ou distorccedilatildeo e assim por

diante Quando eu pinto a partir de uma fotografia o pensamento consciente

eacute eliminado Eu natildeo sei o que estou fazendo O meu trabalho eacute muito mais

proacuteximo do Informal do que de qualquer tipo de realismo A fotografia

tem uma abstraccedilatildeo em si mesma o que natildeo eacute faacutecil de enxergar Eacute o que todo

mundo acredita que nos dias de hoje eacute normal E se isso se torna outro o

efeito eacute muito mais forte do que qualquer distorccedilatildeo do tipo que vocecirc

encontra em figuras de Bacon ou de Dali (Gerhard Richter - Notes 1964-

1965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relaccedilatildeo do artista com o modelo

nos meandros da ldquoformatividaderdquo da pintura e de como o advento da fotografia mudou esta

compreensatildeo de que modo se capta a imagem e se constroacutei a pintura propriamente dita bem

como o limite entre abstraccedilatildeo e imitaccedilatildeo que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da

produccedilatildeo pictoacuterica

E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaccedilo de

papel que tenha sido exposto agrave luz entatildeo eu faccedilo fotos com outros meios

natildeo imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia E vistas

220

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGerhard Richter - Notes 1964-1965 When I draw - a person an object - I have to make

myself aware of proportion accuracy abstraction or distortion and so forth When I paint from a photograph

conscious thinking is eliminated I dont know what I am doing My work is far closer to the Informel than to any

kind of realism The photograph has an abstraction of its own which is not easy to see through Its what

everyone believes in nowadays its normal And if that then becomes other the effect is far stronger than any

distortion of the sort you find in Dalis figures or Bacons Such a picture can really scare yourdquo (GERHARD

Richter Writings - 1961-2007 New York DAPDistributed Art Publishers 2009 p29)

122

desta forma minhas pinturas que foram feitas sem um modelo de foto

(abstraccedilotildees etc) tambeacutem satildeo fotos (Gerhard Richter em entrevista com

Rolf Schoumln 1972) 221

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter

Contudo as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo natildeo constituem o uacutenico conjunto de obras

que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas haacute ainda inuacutemeras pinturas

intituladas por ele como ldquoPintura abstratardquo (Figura IV) que foram produzidas todavia

concomitantemente a outros inuacutemeros grupos de pinturas que podem ser identificadas como

sendo figurativas tal como retratos paisagens e composiccedilotildees com variados objetos que

permitem novas e diferentes constataccedilotildees sobre as possiacuteveis relaccedilotildees e variaccedilotildees que os

binocircmios e as aparentes antiacuteteses entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou melhor entre imitaccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo acarretam levando agrave constataccedilatildeo da importacircncia da noccedilatildeo de autonomia da obra

para a definiccedilatildeo da arte como miacutemesis no conjunto de obras de Richter

Isto eacute a diferenccedila entre as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo e as intituladas ldquoPintura

abstratardquo (Figura IV) natildeo eacute apenas com respeito ao tiacutetulo que indica claramente a vontade do

artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem natildeo nomeaacutevel e natildeo identificaacutevel

como produto de uma imitaccedilatildeo (embora o tiacutetulo em si possa ser ignorado pelo espectador)

mas tambeacutem o proacuteprio processo de fabricaccedilatildeo tambeacutem natildeo passou pela imitaccedilatildeo de uma foto

como no caso das pinturas do conjunto intitulado como ldquoDetalherdquo (Figuras II e III)

Aleacutem disso ao contraacuterio das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III) ao

observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV) eacute possiacutevel verificar textura e espessura advindas

da tinta a oacuteleo empastada o que nos transporta inevitavelmente agrave materialidade da tinta que

neste caso natildeo gera o mesmo tipo de ilusatildeo de espaccedilo volume e movimento que as obras

intituladas ldquoDetalherdquo (Figura II e Figura III) Portanto no segundo caso a ideia de coisa fica

221

(Traduccedilatildeo Nossa) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has

been exposed to light then I make photos with other means not images that somehow resemble a photograph

And viewed in this way my paintings which were made without a photo model (abstract etc) are also photos

(Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schoumln 1972 In Obrist 1993 p68 apud HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed DAPDistributed Art

Publishers 2007 p 13)

123

mais evidente pois as sensaccedilotildees de textura claro - escuro e profundidade satildeo reais e natildeo

ilusoacuterias

Figura III

222

Figura IV

223

222

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (karmin)rdquo [Detalhe (carmim)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 289) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

223

Gerhard Richter ldquoAbstraktes Bildrdquo [Pintura Abstrata] 1995 51x71cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute

829-5) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

124

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

Entretanto o limite entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo eacute novamente posto em contradiccedilatildeo pelo

artista em questatildeo quando se constata que muitas pinturas que aparentemente ldquodeveriamrdquo ser

intituladas como ldquoabstratasrdquo ganham tiacutetulos como a pintura intitulada ldquoHaggadahrdquo (Figura

V) aqui o tiacutetulo sugere ao espectador um entendimento da imagem como representaccedilatildeo de

uma ideia embora natildeo haja indiacutecio de imitaccedilatildeo de figura reconheciacutevel muito menos de

referecircncia direta ao significado proposto pelo tiacutetulo

Tiacutetulo este que poderia remeter a ideia de texto de narrativa para tomar o significado

literal da palavra hebraica que nomeia a pintura mas tambeacutem poderia significar passagem

libertaccedilatildeo jaacute que a narrativa em questatildeo eacute a do ecircxodo biacuteblico narrado tradicionalmente nas

festas do Pessach [Paacutescoa judaica] mas tambeacutem poderia ser referecircncia aos livros iluminados

medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possiacuteveis camadas de significados que o

termo pode acarretar isto eacute o tiacutetulo abre para inuacutemeras possibilidades de interpretaccedilatildeo sem

duacutevida

A respeito da questatildeo da relaccedilatildeo nome-pintura Pareyson nos chama agrave atenccedilatildeo para

uma passagem do Toacutepicos de Aristoacuteteles224

onde o estagirita explica que os artistas ldquoantigosrdquo

faziam inscriccedilotildees em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas

representavam (Toacutepicos 140 a 20)225

deixando claro que a imagem em si natildeo

necessariamente tem sempre uma relaccedilatildeo clara e indubitaacutevel com um suposto modelo

sobretudo quando lida como continuaccedilatildeo de outra passagem algumas linhas acima onde o

estagirita afirma que a imagem eacute fruto da miacutemesis (Toacutepicos 140 a 15) 226

224

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoE tatildeo importante eacute a semelhanccedila na arte que os artistas primitivos natildeo conseguindo

retratar bem os aspectos dos objetos figurados eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho

[] (Topicos 140 a 20)rdquo (PAREYSON Luigi Corso Di Estetica Capiacutetulo II - Imitazione e Creazione p35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoE cosigrave

importante la somiglianza nellarte che gli artisti primitivi non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli

oggetti raffigurati sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[](Topici 140 a 20)rdquo

225

ldquo[] nas obras dos pintores antigos se natildeo havia uma inscriccedilatildeo as figuras eram geralmente

irreconheciacuteveisrdquo (Arstoacuteteles Toacutepicos Trad de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril

Cultural 1973 p 105)

[] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων εἰ μή τις ἐπέγραψεν οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον

226

ldquo[] a imagem eacute uma coisa produzida por imitaccedilatildeo []rdquo(Ibidem p104)

(εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως τοῦτο δ οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto a pintura mesmo enquanto imagem natildeo pode ser sempre entendida como

representaccedilatildeo Principalmente porque a escolha de se fazer a relaccedilatildeo tiacutetulo-nome e imagem eacute

do espectador E aleacutem disto isso se o espectador tomar conhecimento do tiacutetulo e quiser

realmente levar em conta o tiacutetulo

Ademais a importacircncia que um eventual tiacutetulo tenha para o espectador como recurso

para a interpretaccedilatildeo da imagem fica ainda mais evidente no caso da pintura ldquoHaggadahrdquo

(Figura V) pois o tiacutetulo eacute acrescido como fundamento de identificaccedilatildeo da imagem como

representaccedilatildeo se o interpretante tentar achar indiacutecios dos significados referentes ao tiacutetulo nas

marcas de cor e forma presentes na pintura e por conseguinte tirando dessa correlaccedilatildeo

(pintura- tiacutetulo) infinitas leituras Portanto no caso da referida obra o fato eacute que a

representaccedilatildeo estaacute no tiacutetulo e natildeo na imagem por si mesma que por si soacute eacute pura abstraccedilatildeo ou

seja a rigor a pintura abaixo soacute diz de si mesma

Figura V

227

227

Gerhard Richter ldquoHaggadahrdquo 2006 152-152 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 895-10) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

126

Logo em decorrecircncia das anaacutelises destas obras de Richter bem como dos trechos

acima citados do Toacutepicos de Aristoacuteteles eacute possiacutevel entender que o axioma abstraccedilatildeo-

figuraccedilatildeo pode ser uma falsa contradiccedilatildeo construiacuteda muito mais por uma criacutetica disposta a

colocar paracircmetros de anaacutelise do que por uma constataccedilatildeo da necessidade da formaccedilatildeo e da

construccedilatildeo da imagem pictoacuterica pelo artista como se pode constatar claramente nesta nota de

Richter

Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema natildeo eacute diferente com as

outras) eu nem sei de antematildeo o que ela deveraacute parecer nem enquanto estou

pintando sei onde eu quero ir nem o que deveria ser feito para alcanccedilar o

quecirc Eacute por isso que a pintura eacute um esforccedilo desesperado quase cego como o

de algueacutem preso sem recursos em um ambiente incompreensiacutevel - como de

algueacutem que tem uma variedade especiacutefica de ferramentas materiais e

capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo uacutetil mas

deseja que natildeo seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto

nomeaacutevel e que por isso comeccedila a construir numa vaga esperanccedila de que

sua acurada especialidade produziraacute algo certo algo significativo (Gerhard

Richter 1985) 228

As palavras acima satildeo significativamente parecidas com a descriccedilatildeo pareysoniana de

ldquoformatividaderdquo isto eacute o fazer artiacutestico eacute um fazer que ldquoinventa o por fazer e o modo de

fazerrdquo na medida do ldquoformarrdquo e que eacute invenccedilatildeo e execuccedilatildeo ldquopari passurdquo 229

228

(Traduccedilatildeo nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others) I neither

know beforehand what it should look like nor whilst painting where I want to go what should be done in order

to achieve what This is why painting is an almost blind desperate effort like that of someone stranded without

means in an incomprehensible environment mdash like that of someone who has a specific assortment of tools

materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful useful but which must be

neither a house nor a stool nor any other nameable object and who therefore starts building in the vague hope

that his accurate specialized doing will produce something right something meaningful (Gerhard Richter 27

121985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996

p28)

229

Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 e 33

127

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo

Todavia o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra

desta aparente antiacutetese entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou seja como foi apontado anteriormente

ele natildeo soacute produziu pinturas aparentemente abstratas mas tambeacutem produziu pinturas

diretamente relacionas a figuras reconheciacuteveis e nomeaacuteveis e por procedimentos imitativos

propriamente ditos e por conseguinte anaacutelogos agraves pinturas sob o tiacutetulo ldquoDetalhesrdquo (Figuras II

e III) sobretudo a partir de fotografias como por exemplo o retrato de ldquoBettyrdquo (Figura VI)

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura ldquoBettyrdquo encontra-se na paacutegina 445 do Atlas

(Figura VII) disposta junto com fotos de motivos diversos sem nenhum aparente parentesco

temaacutetico ou de procedecircncia entretanto chama a atenccedilatildeo uma foto de uma composiccedilatildeo de

ldquogarrafa com maccedilatilderdquo remetendo aqui agraves composiccedilotildees de naturezas mortas quase tatildeo

230

Gerhard Richter ldquoBettyrdquo [Betty] 1988 102 x 72 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 663-5) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

128

tradicionais quando satildeo as pinturas de retratos aleacutem do mais um fato sobre esta foto que

chama agrave atenccedilatildeo eacute que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX) evidenciando

que no caso de Richter a foto eacute o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

natildeo seu paradigma instransponiacutevel

Figura VII 231

Figura VIII

232 Figura IX

233

231

Gerhard Richter ldquoVerschiedene Motiverdquo [Vaacuterios Motivos] 1978 517 x 667 cm (Atlas paacutegina 445) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

232

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 83 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

233

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 82 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-6) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

129

Ou seja as imagens acima embora remetam a um modelo fotograacutefico natildeo satildeo fieacuteis agraves

fotos pois aleacutem de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza

constantemente - elas trazem coloraccedilotildees diferenciadas sem contar com a textura aveludada

caracteriacutestica da tinha a oacuteleo Pois embora a imitaccedilatildeo a um modelo seja evidente a imitaccedilatildeo

aqui natildeo eacute mera coacutepia principalmente quando se tem o acesso agrave foto ndash modelo que deixa

claro que aqui o procedimento de imitaccedilatildeo presente nestas pinturas estaria muito mais

proacuteximo agraves ideias e nuances dos conceitos de miacutemesis encontradas nos textos de Platatildeo e

sobretudo nos textos analisados de Aristoacuteteles e mais ainda na abordagem da ideia de

imitaccedilatildeo proposta por Pareyson Ampliando assim a questatildeo para aleacutem da particularidade da

obra de Richter levando a problemaacutetica agrave arte pictoacuterica de maneira geral

Ademais nesta outra passagem onde o pintor alematildeo discorre sobre a relaccedilatildeo entre a

pintura abstrata e figurativa fica igualmente claro que o modelo natildeo eacute ponto de referecircncia

fixo para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica em Richter mas o iniacutecio do processo

As pinturas abstratas satildeo natildeo menos arbitraacuterias do que as representaccedilotildees

concretas (que satildeo baseadas em um dos muitos motivos possiacuteveis que podem

tornar-se pinturas) elas diferem apenas no sentido em que o seu ldquomotivordquo eacute

apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter 1985)234

Ainda noutra nota de 1962 Richter diz ldquoA ideia de que a arte copia a natureza eacute um

grande equiacutevoco A arte sempre operou contra a natureza e com razatildeordquo235

Esta frase eacute parte

uma longa nota que poderia ser entendida como uma espeacutecie de diaacutelogo com as refelexotildees

platocircnicas sobre a incapacidade da imagem pictoacuterica em captar a realidade e

consequentemente como sendo meras ilusotildees Tambeacutem pode ser entendida em diaacutelogo com a

posiccedilatildeo aristoteacutelica de que a miacutemesis completa a phyacutesis [natureza] Sobre essas mesmas

questotildees numa outra entrevista Richter discorre

234

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are

based on one of many possible motifs which should become paintings) they differ only in the sense that their

motif is only developed during the paintingrdquo (Gerhard Richter 1985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo

de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996 p19)

235

(Traduccedilatildeo nossa) Gerhard Richter Notes 1962 ldquoThe idea that art copies nature is a fatal misconception Art

has always operated against nature and for reasonrdquo (GERHARD Richter Writings - 1961-2007 New York

DAPDistributed Art Publishers 2009 p14-15)

130

Robert Storr Quando vocecirc primeiro se apropriou de fotografias para fazer

pinturas vocecirc estava procurando assumir a objetividade de uma cacircmera

Gerhard Richter As pinturas tecircm a vantagem de que eu ainda posso

adicionar um pouco de alguma coisa porque a noccedilatildeo de neutralidade e

objetividade eacute uma ilusatildeo eacute claro Isso eacute algo impossiacutevel Cada pintura

inclui automaticamente a minha incapacidade minha impotecircncia a minha

relaccedilatildeo com a realidade coisas que satildeo subjetivas Portanto era legiacutetimo que

fosse pintada [cada pintura] Natildeo se tratava sobre a pureza absoluta mas

sobre a maior pureza possiacutevel236

Outro exemplo eacute uma pintura de uma cadeira (Figura XI) que aparentemente traz um

tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui E novamente quando se

compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nordm 11) (Figura X) que

mostra inuacutemeras imagens diacutespares tanto de imagens particulares como retiradas de jornais

com os mais variados temas fica evidente como os modelos e referecircncias de Richter satildeo

muacuteltiplos e novamente indicando que em sua obra pictoacuterica a suposta contradiccedilatildeo entre

figuraccedilatildeo ndash abstraccedilatildeo eacute substituiacuteda com a possibilidade de convivecircncia entre ambas e natildeo

mais da exclusatildeo eou escolha entre uma e outra Sobre esta pintura (Figura XI) o pintor

discorre

Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei Foi parte da minha

pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si uma mesa um rolo de papel

higiecircnico Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de

fotografias de fontes alheias esta eacute uma das fotos que eu tirei

pessoalmente237

236

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoRS When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming

such a cameralike objectivity GR The paintings have the advantage that I can still add a little somethingmdash

because the notion of neutrality and objectivity is an illusion of course That is somehow impossible Every

painting automatically includes my inability my powerlessness my relation to reality things that are subjective

Therefore it was legitimate to be painted It was not about absolute purity but about the greatest possible

purityrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In

STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in painting New York The Museum of Modern Art 2003

p173)

237

(Traduccedilatildeo nossa) This was a chair I owned and photographed It was part of my search for banal objects ndash

the chair itself the table the toilet roll Although the great majority of the photo-paintings are based on photos

which came from outside sources this was one I took myself

(Gerhard Richter Comments on some works 1991 In Gerhard Richter Text Writings Interviews and Letters

1961ndash2007 Thames amp Hudson London 2009 p 261262 apud Disponiacutevel em lthttpwwwgerhard-

richtercomartpaintingsphoto_paintingsdetailphppaintid=5615gt Acesso em 04082013)

131

Figura XI

238

Figura X

239

238

Gerhard Richter ldquoZeitungsfotosrdquo [Imagens de jornais e fotografias (aacutelbum)] 1963 517 x 667 cm Paacutegina do

Atlas nordm 11 Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

239

Gerhard Richter ldquoKuumlchenstuhlrdquo [Cadeira de cozinha] 1965 100 x 80cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 97) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

132

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo

Mais um conjunto de pinturas onde a relaccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e abstraccedilatildeo fica instigante

eacute a que o pintor alematildeo fez a partir da pintura ldquoA Anunciaccedilatildeordquo do pintor veneziano Ticiano

(Figura IX) pois haacute um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em

direccedilatildeo agrave pura abstraccedilatildeo (Figuras X e XI XII) como se ele quisesse desconstruir a imagem

para chegar ao esqueleto da composiccedilatildeo cromaacutetica

Figura IX

240 Figura X

241

Figura XI

242 Figura XII

243

240

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 125 x 300cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute343-1) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

241Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-3) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

242

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquocedil[Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-11) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

243

Gerhard Richter Verkuumlndigung nach Tizian [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

133

Ou seja aqui tambeacutem assim como no conjunto das obras do artista como um todo se

verifica a desconstruccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo e por conseguinte a desconstruccedilatildeo da

aparente dicotomia entre imitaccedilatildeo ou imaginaccedilatildeo que podem ser identificadas natildeo soacute na sua

produccedilatildeo pictoacuterica mas tambeacutem lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produccedilatildeo de

inuacutemeras pinturas Portanto retirando desse modo a nossa anaacutelise da simples suposiccedilatildeo e

vazia especulaccedilatildeo do que o artista teria ou natildeo feito e possibilitando que a interpretaccedilatildeo da

obra se enriqueccedila com o relato da experiecircncia do processo da pintura devido certo acesso do

espectador agrave ldquoformatividaderdquo da obra e natildeo soacute agrave ldquoformardquo acabada propriamente dita Como

na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr onde Richter mostra como

ele se relaciona com a questatildeo da imitaccedilatildeo nos meandros do processo da elaboraccedilatildeo de suas

pinturas

Gerhard Richter Eacute uma realidade que eacute inacessiacutevel Eacute um sonho Acabou

Mas eu sou antiquado o suficiente ou estuacutepido o suficiente para aguentar Eu

ainda quero pintar algo como Vermeer Mas eacute a hora errada e eu natildeo posso

fazecirc-lo Eu sou muito burro Bem eu natildeosou capaz Robert Storr Mas eu

estou pensando mais sobre fenocircmenos visuais que podem ser capturados do

que nos precedentes histoacutericos para capturaacute-los O que acontece quando o

assunto natildeo eacute um Ticiano mas um rolo de papel higiecircnico Isso significa

que a proacutepria realidade fez a realidade cotidiana eacute algo que noacutes perdemos a

capacidade de agarrar em uma foto Gerhard Richter Natildeo isso nunca foi

problema Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura Talvez

num momento de fraqueza eu tenha querido mas eu natildeo me lembro

Entretanto isso nunca foi minha intenccedilatildeo Mas eu quero pintar a aparecircncia

da realidade Esse eacute o meu tema ou meu trabalho244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente

reflexatildeo eacute quando se verifica que aqui a variaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas de sua pintura natildeo eacute

244

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGR It is a reality that is unreachable It is a dream Its over But I am old-fashioned

enough or stupid enough to hang on I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I

cannot do it I am too dumb Well I am not able to RS But I think more about visual phenomena that can be

captured than the historical precedents for capturing it What happens when the subject is not a Titian but a

toilet paper roll Does that mean that reality itself everyday reality is something weve lost the ability to hold

onto in a picture GR No thats never the problem I never wanted to capture and hold reality in a painting

Maybe at a weak moment I did but I dont remember However that was never my intention But I wanted to

paint the appearance of reality That is my theme or my jobrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter

concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in

painting New York The Museum of Modern Art 2003 p172)

134

uma questatildeo de fases como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inuacutemeras

reviravoltas e mudanccedilas no decorrer de suas vidas mas em Richter natildeo eacute uma questatildeo de

mudanccedila e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produccedilatildeo

diacutespar ou incoerente ou ateacute mesmo antagocircnica mas que se configura como pluralidade em

harmonia de aparentes contraacuterios como uma proposta artiacutestica verificaacutevel natildeo soacute na

observaccedilatildeo das obras em si e de sua variedade e concomitacircncia cronoloacutegica mas tambeacutem nas

leituras dos textos do artista

Sendo assim interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas

multiplicidades e na desconstruccedilatildeo desta aparente antiacutetese entre miacutemesis e imaginaccedilatildeo tanto

em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam Embora em

Richter - o que soacute poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informaccedilatildeo (obra

textos fotos esboccedilos) ndash seja um relato singular de uma experiecircncia de uma ldquoformatividaderdquo

bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal e em Pareyson seja

uma anaacutelise de algo inerente a toda e qualquer pintura como Pareyson discorre

Como quer que se conceba a relaccedilatildeo entre imagem artiacutestica e a realidade

natural seja como uma fiel representaccedilatildeo ou uma livre interpretaccedilatildeo ou

uma arbitraacuteria reconstruccedilatildeo ou uma deliberada idealizaccedilatildeo ou uma

voluntaacuteria deformaccedilatildeo ou ateacute uma criaccedilatildeo absoluta ou uma construccedilatildeo

completamente nova ou pura invenccedilatildeo sem pretexto de realidade o

importante eacute que a imagem artiacutestica se sutente apenas pela sua proacutepria

estrutura 245

Mais adiante continuando o trecho acima Pareyson discorre sobre a relaccedilatildeo do artista

com a realidade diante da elaboraccedilatildeo da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir

o grau de imitaccedilatildeo da obra com relaccedilatildeo a um modelo como se esse grau indicasse se a pintura

foi ou natildeo de fato bem sucedida

245

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoComunque si concepisca il rapporto fra limmagine artistica e la realtagrave naturale

sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o unarbitraria ricostruzione o una deliberata

idealizzazione o una voluta deformazione oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente

nuova o una pura invenzione senzappigli nella realtagrave limportante egrave che limmagine artistica si regga

unicamente sulla propria strutturardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

135

Sobre este ponto pelo contraacuterio acumulam-se intensamente diversos

equiacutevocos que de acordo com a antiacutetese supracitada podem ser reduzidos

agraves duas teses seguintes e opostas de um lado haacute quem afirme que o valor da

imagem artiacutestica depende de sua relaccedilatildeo com a realidade de outro lado haacute

quem afirme que a relaccedilatildeo da imagem artiacutestica com a realidade natildeo tem

nenhuma relevacircncia na arte246

Ora se a pintura natildeo se define por seu grau ou natildeo de imitaccedilatildeo ou invenccedilatildeo isto natildeo

quer dizer que a sua relaccedilatildeo com a realidade natildeo seja fundamental para interpretar a obra em

si como explica Pareyson

Mas por outro lado eacute preciso natildeo se exceder a ponto de dizer que se a

referencia agrave realidade natildeo determina o valor da arte ela eacute irrelevante Bem

entendido a figura artiacutestica vale pelos seus valores estiliacutesticos pictoacutericos ou

poeacuteticos ou musicais mas natildeo eacute indiferente que ela seja o resultado de uma

imitaccedilatildeo ou de uma idealizaccedilatildeo ou de uma invenccedilatildeo ou de uma pura

criaccedilatildeo Segundo estes diversos caracteres ela haacute que ser lida diversamente e

diversamente interpretada Sobre este ponto a esteacutetica tem o dever de

elaborar os conceitos que segundo as diversas poeacuteticas podem explicar a

relaccedilatildeo entre a imagem artiacutestica e a realidade natural247

Portanto haacute que se levar em conta natildeo soacute a ldquoformardquo mas se possiacutevel tambeacutem a

ldquoformatividaderdquo isto eacute a relaccedilatildeo que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da

produccedilatildeo da pintura aumenta os subsiacutedios para o entendimento da obra na sua totalidade

Como foi possiacutevel no caso da obra de Richter pois aleacutem de se vislumbrar a obra acabada haacute a

246

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoSu questo punto invece si sono pesantemente addensati i piugrave di versi equivoci che

conformemente allantitesi su citata si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte da un lato vegrave chi afferma

che il valore dellimmagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtagrave dallaltro cegrave chi afferma che il

rapporto dellimmagine artistica con la realtagrave non ha alcuna rilevanza nellarterdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p263 )

247

Ibidem op cit p69 ldquoMa per laltro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtagrave

non determina il valore dellarte esso egrave irrilevante Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici

pittorici o poetici o musicali che siano ma non egrave indifferente chessa sia il risultato duna raffigurazione o

dunidealizzazione o duninvenzione o duna pura creazione A seconda di questi diversi caratteri essa ha da

esser letta diversamente e diversamente interpretata Su questo punto lestetica ha i l compito di elaborare i

concetti che a seconda delle diverse poetiche possono spiegare il diverso rapporto fra limmagine artistica e la

realtagrave naturalerdquo (Ibidem opcit p264)

136

contribuiccedilatildeo dos relatos escritos do artista como ainda tambeacutem haacute as imagens dos rastros do

processo da produccedilatildeo da obra como os esboccedilos e fotos referenciais (Atlas) que permitem que

entendamos as escolhas e opccedilotildees do artista e parte da trilha por ele percorrida na

formatividade da obra tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para

interpretaccedilatildeo da obra como tantas vezes Pareyson apontou

Entretanto trecircs pontos devem ser esclarecidos aqui o primeiro eacute que o estudo da

ldquoformatividaderdquo natildeo eacute o estudo da suposta intenccedilatildeo do artista pois a intenccedilatildeo na maioria das

vezes nem mesmo o artista em questatildeo tem necessariamente consciecircncia e este pode ser um

campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulaccedilatildeo sem que se chegue a

fornecer elementos consistentes o bastante para a anaacutelise da obra propriamente dita isto eacute o

estudo da ldquoformatividaderdquo eacute o estudo dos rastros do que de fato foi executado e natildeo daquilo

que se quis executar

E em segundo lugar a interpretaccedilatildeo da obra de arte entendida sob a oacutetica

pareysoniana tambeacutem natildeo eacute um simples juiacutezo de valor pois as escolhas e posiccedilotildees do artista

perante a realidade natildeo desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou

ruim bem sucedida ou natildeo pertinente ou natildeo mas a identificam e a definem sendo chaves

importantes para o acesso ao significado da obra enquanto ldquoformardquo e mais ainda enquanto

ldquopessoardquo pois revela a sua personaliacutessima visatildeo de mundo atraveacutes da ldquoforma formadardquo

Sobre esta particularidade Pareyson discorre no trecho a seguir

Assim na pintura a obra muda de significado mesmo natildeo mudando de

valor segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata Eacute evidente

que o valor artiacutestico de um retrato natildeo depende de um confronto externo da

imagem com o original confronto para o qual de resto natildeo pode haver

regras fixas sendo o conceito de ldquosemelhanccedilardquo extremamente complexo e

difiacutecil sobretudo quando estaacute em jogo o resto da pessoa viva isto eacute uma

realidade dinacircmica e espiritual justamente na sua delineaccedilatildeo fiacutesica248

248

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquoCosigrave nella pittura lopera cambia di significato pur non cambiando di valore a

seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta Egrave evidente che il valore artistico dun ritratto non

dipende da un confronto esterno dellimmagine con loriginale confronto che del resto non puograve avere regole

fisse essendo il concetto di laquosomiglianzaraquo estremamente complesso e difficile soprattutto quando sia in gioco i l

volto duna persona vivente cioegrave una realtagrave quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

137

E o terceiro ponto eacute que embora se admita a multiplicidade e ateacute a inexauribilidade da

interpretaccedilatildeo da obra essa multiplicidade natildeo eacute extensiva agrave proacutepria obra que permanece a

mesma nas palavras de Pareyson

[] em primeiro lugar que a unidade eacute da obra e natildeo da interpretaccedilatildeo

enquanto a multiplicidade eacute da interpretaccedilatildeo e natildeo da obra uma vez que a

obra permanece idecircntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas

interpretaccedilotildees e em segundo lugar que a originalidade e a novidade da

interpretaccedilatildeo natildeo satildeo um programa mas um resultado no sentido de que o

inteacuterprete as consegue espontaneamente quanto maior for o seu esforccedilo

pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade []249

47 O estatuto ontoloacutegico

E ainda um uacuteltimo ponto do pensamento do pintor alematildeo que chama a atenccedilatildeo

atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade isto eacute a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da obra de arte operada por Pareyson diz Richter

A invenccedilatildeo do readymade me atenta como tendo sido a invenccedilatildeo da

realidade isto eacute a descoberta incisiva de que a realidade em contraste com a

imagem da vida eacute a uacutenica coisa de relevacircncia Desde entatildeo a pintura jaacute natildeo

retrata a realidade mas eacute a proacutepria realidade em si (que apresenta a si

mesma) E em algum momento vai voltar a ser uma questatildeo de recusar-se a

creditar esta realidade com qualquer valor a fim de produzir imagens de um

mundo melhor (como era antes) 250

fisica[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p264)

249

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p172 ldquo[] anzitutto che lunicitagrave egrave dellopera e non dellinterpretazione mentre la

molteplicitagrave egrave dellinterpretazione e non dellopera giaccheacute lopera rimane identica ed eguale a se stessa nella

molteplicitagrave delle sue interpretazioni e in secondo luogo che loriginalitagrave e la novitagrave dellinterpretazione non

sono un programma ma un risultato nel senso che linterprete le consegue spontaneamente quanto maggiore egrave

stato il suo sforzo personale di coglier lopera nella sua vera realtagrave []rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p354)

250

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe invention of the readymade strikes me as being the invention of reality that is to say

the incisive discovery that reality in contrast to the picture of life is the only thing of relevance Since then

138

Ou seja na passagem acima fica evidente que mais do que a obra de Duchamp ou o

que ele tenha querido propor mas sim o que estaacute em jogo aqui satildeo as inuacutemeras decorrecircncias

e desdobramentos que suas proposiccedilotildees geraram em outros artistas como no caso de Gerhard

Richter Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre o movimento entre o moderno

e o contemporacircneo

A crisaacutelida vira borboleta sofre metamorfose mas ainda eacute o mesmo ser

vivo Houve ruptura ou continuidade [] a modernidade cria algumas

questotildees e depois saturando-as leva agrave inversatildeo de ecircnfases que poderiam

indicar ruptura marcando o poacutes-moderno Mas de fato houve quebra Eacute por

isso que considero crisaacutelida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado

contemporaneidade251

Nesse sentido por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte

do seacuteculo XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar sua produccedilatildeo eacute

outra e eacute a mesma com relaccedilatildeo ao passado recente assim como ocorre igualmente com a

relaccedilatildeo da imagem imitativa ela eacute ao mesmo tempo referente e outra

Por isso independente das primeiras eou ldquooriginaisrdquo intenccedilotildees de Duchamp e de

outros artistas de sua geraccedilatildeo que propuseram natildeo soacute os ready-mades mas as assemblages

de Picasso tambeacutem os objets-trouveacutes dos dadaiacutestas e surrealistas o que se verifica em

Richter eacute uma assertiva de que as obras de arte em geral incluindo as imagens pictoacutericas e

fotograacuteficas tecircm um estatuto ontoloacutegico e uma autonomia como propotildee Pareyson sendo elas

imitativas ou natildeo mecacircnicas ou manuais e esta autonomia se daacute natildeo soacute com relaccedilatildeo ao

artista mas sobretudo com relaccedilatildeo ao modelo e com relaccedilatildeo ao espectador

Nesse sentido pode-se verificar que a despeito de todos os esforccedilos ocorridos no

seacuteculo passado para ampliar os limites da pintura entretanto Richter natildeo precisou expandir a

pintura para a tridimensionalidade da escultura e nem para o espaccedilo das instalaccedilotildees e

painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself) And at some point it will again be a

matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better worldrdquo (as it once

was) (Gerhard Richter 1990) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr

Moderne Kunst 1996 p22)

251

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p13

139

arquiteturas e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados

que natildeo a proacutepria tinta e o suporte plano para mostrar que as pinturas enquanto ldquoformasrdquo se

constituem como coisas entre coisas e tecircm estatuto ontoloacutegico embora tambeacutem possam ser

representaccedilotildees de ideias como ele tambeacutem mostrou

Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele tambeacutem natildeo precisou se

restringir agrave imagem como pura imaginaccedilatildeo e invenccedilatildeo nem como pura imitaccedilatildeo para afirmar

sua autonomia isto eacute Richter pocircde continuar a propor a pintura como miacutemesis entendida aqui

nas diversas acepccedilotildees encontradas tanto nos textos platocircnicos como aristoteacutelicos E portanto

a pintura de Gerhard Richter como miacutemesis eacute imitaccedilatildeo sem que isso a transforme em mera

coacutepia antagocircnica e incompatiacutevel com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve

proporcionar sem que isso retire dela a sua dignidade ontoloacutegica e sobretudo a sua

autonomia

140

CONCLUSAtildeO

A proposta de intersecccedilotildees entre os pensamentos de Luigi Pareyson Aristoacuteteles e

Platatildeo possibilitaram pensar a ldquoformardquo enquanto organismo como fruto da poiacuteesis

[produccedilatildeo] que como ldquoteacutekhne poietikoacutesrdquo [arte poeacutetica] estabelece uma simbioacutetica relaccedilatildeo

com a phyacutesis [natureza] relaccedilatildeo esta entendida como miacutemesis

Miacutemesis natildeo na acepccedilatildeo de simples imitaccedilatildeo mas como uma leitura pessoal da

realidade por isso a ldquoarte-formardquo eacute entendida como a introduccedilatildeo do sempre novo pois a

ldquoformatividaderdquo geratriz da miacutemesis eacute sempre uacutenica e pessoal por ser produto da visatildeo de

mundo da ldquopessoa ndash artistardquo Nesse sentido pode-se afirmar que eacute a ldquopessoardquo do artista que

faz com que a formatividade sempre seja ldquocarregadardquo de invenccedilatildeo seja qual for o grau de

fidelidade da imitaccedilatildeo

Sendo assim sem deixar de ser miacutemesis a ldquoarte-formardquo eacute tambeacutem phantasiacutea na

acepccedilatildeo presente no Sofista de Platatildeo pois a imagem que eacute derivada da phantasiacutea eacute fruto da

imaginaccedilatildeo e da invenccedilatildeo do artista que modifica o que vecirc Por conseguinte tal como Richter

discorre em tantas de suas entrevistas e notas eacute a ldquoinabilidaderdquo do artista - ao natildeo conseguir

copiar tal como vecirc ou natildeo querer copiar o que vecirc - que daacute agrave imagem pictoacuterica a possibilidade

de ser sempre produto novo que ldquoacrescentardquo ou que ldquocompletardquo a natureza [phyacutesis] tal

como Aristoacuteteles discorre na Fiacutesica I

Ademais a ldquoarte-formardquo eacute igualmente imaginaccedilatildeo na acepccedilatildeo aristoteacutelica de

phantasiacutea presente tanto no Da Alma como no De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo uma vez que

como propotildee Aristoacuteteles em De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo a imagem eacute presenccedila mesmo se eacute

lembranccedila pensamento e estaacute em noacutes logo phantasiacutea aqui eacute imaginaccedilatildeo no sentido de

apariccedilatildeo isto eacute de imagem que advem da memoacuteria do ausente tornado presenccedila na apariccedilatildeo

Entretanto ao contraacuterio da memoacuteria propriamente dita que natildeo se externaliza do pensamento

a ldquoimagemrdquo produzida pela arte se externaliza descolando-se de um pensamento singular e se

definindo como presenccedila em si mesma portanto se ontologiza como ldquoformardquo ldquoforma-

formanterdquo e ldquoforma-formadardquo

141

Sendo assim pode-se concluir que a obra de arte independente de sua materialidade

ou natildeo de sua perenidade ou natildeo de ser imitaccedilatildeo fiel ou natildeo abstraccedilatildeo ou natildeo ao ser

produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista ao deixar de ser mero

pensamento ou ldquopotecircncia de arterdquo para concretizar-se como coisa entre coisas enfim ao se

ldquopresentificarrdquo pode ser chamada de ldquoformardquo

E ainda como phantasiacutea na acepccedilatildeo dos textos aristoteacutelicos acima citados a arte eacute

tambeacutem representaccedilatildeo natildeo soacute no sentido de representaccedilatildeo como presenccedila de um ausente mas

tambeacutem como produto do pensamento que se concretiza na ldquoformardquo E portanto a ldquoformardquo

tambeacutem natildeo eacute apenas presenccedila de um ausente que eacute representado tonando-o novamente

presente mas a ldquoformardquo eacute igualmente autocircnoma com relaccedilatildeo ao representado na medida em

que eacute uma totalidade pois depois de formada a ldquoformardquo eacute tambeacutem presenccedila em si mesma

E ainda na medida em que a ldquoformardquo eacute fato novo tem autonomia ontoloacutegica pois

constitui uma alteridade e portanto eacute autocircnoma natildeo soacute do artista que a forjou mas tambeacutem

do representado e mesmo com relaccedilatildeo ao fruidor

Portanto a ldquoformardquo enquanto um ldquooutrordquo eacute como um espelho que reflete a alteridade

ao mesmo tempo em que reflete o proacuteprio espectador da obra Uma vez que eacute na fruiccedilatildeo da

obra de ldquoarte - formardquo que a visatildeo de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura

com a visatildeo de mundo pessoal contida na obra daiacute a ldquoinexauribilidade da interpretaccedilatildeordquo da

obra de arte definida por Pareyson daiacute o organismo vivo e irrepetiacutevel e em constante

movimento com que o filoacutesofo italiano define o conceito de obra de arte como ldquoformardquo

Ademais vale ressaltar que a autonomia da ldquoformardquo eacute independente de sua

materialidade e de sua temporalidade pois a ldquopresenccedilardquo que concretiza a sua autonomia

ontoloacutegica se daacute sobretudo no espaccedilo-tempo da fruiccedilatildeo e natildeo necessariamente na sua

perenidade temporal ou na sua concretude material enquanto coisa Pois nem a falta de

concretude nem a falta de perenidade muda a sua caracteriacutestica de ser uma visatildeo de mundo

pessoal de um artista e portanto fruto dessa relaccedilatildeo ldquopessoa-forma-formanterdquo

142

Nesse sentido o entendimento da dimensatildeo natildeo material da ldquoformardquo se faz necessaacuterio

sobretudo nos dias de hoje quando o acesso agraves obras de arte pode ser virtual ou a partir de

coacutepias mecacircnicas ou ateacute mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir

como no caso de instalaccedilotildees e performances pois independente da concretude material da

obra de arte a ldquoformardquo na alteridade do pensamento permanece na fruiccedilatildeo do outro E se

por um lado eacute possiacutevel identificar que a produccedilatildeo artiacutestica na atualidade ao reivindicar um

estatuto ontoloacutegico para a obra de arte estabelece a obra como coisa entretanto por outro

lado a produccedilatildeo nos dias de hoje tambeacutem permite que a arte se desmaterialize pois ao tomar

a arte como fruto da imaginaccedilatildeo a ldquoformardquo enquanto pensamento na alteridade pode existir

como puro pensamento sem que seja necessaacuteria a sua materializaccedilatildeo ou seja para que ela se

concretize e possa ser identificada como ldquoformardquo basta que ela esteja fora do pensamento

singular de uma soacute pessoa

Por isso no acircmbito das manifestaccedilotildees artiacutesticas nos dias de hoje embora a proacutepria

materialidade da arte foi e eacute questionada e a possibilidade da virtualidade da obra eacute fato

consumado a ldquoformardquo tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana ainda parece

ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte jaacute que autonomamente em relaccedilatildeo a

sua materialidade a ldquoformardquo eacute alteridade do pensamento

Concluindo a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diaacutelogo com

determinados conceitos das filosofias de Platatildeo e de Aristoacuteteles estudos que posteriormente

instrumentalizaram a leitura da experiecircncia pessoal do pintor alematildeo Gerhard Richter

conclui-se que haacute trecircs maneiras distintas poreacutem concomitantes em que a obra de arte em

particular a pintura se presentifica como ldquoformardquo a primeira eacute aquela pela qual a pintura eacute

imagem mimeacutetica ou seja a imagem advinda de um processo de imitaccedilatildeo e que mesmo

perante o maior esforccedilo de fidelidade ao modelo eacute sempre acrescida da imaginaccedilatildeo do artista

que interpreta modifica e ldquocompletardquo o modelo

O segundo modo de presentificaccedilatildeo da pintura como ldquoformardquo eacute a imagem

representativa ou seja aquele pelo qual a imagem substitui a ausecircncia de outra coisa imagem

ou pensamento isto eacute a pintura como representaccedilatildeo de uma ideia Contudo aqui tambeacutem a

imaginaccedilatildeo participa do processo de formatividade pois a representaccedilatildeo eacute sempre intervenccedilatildeo

143

ldquoinventivardquo do artista Portanto a pintura se daacute como outra presenccedila da ausecircncia e tambeacutem

muitas vezes como visibilidade do invisiacutevel

E finalmente a terceira presentificaccedilatildeo da imagem pictoacuterica enquanto ldquoformardquo eacute o

modo em que a imagem da pintura eacute ela mesma ou seja natildeo imita nem representa nada aleacutem

daquilo que apresenta E eacute nesse jogo entre essas trecircs co-possobilidades (miacutemesis

representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo) que a pintura eacute coisa entre coisas inclusive passiacutevel de vir a ser

paradigma para outra pintura

Sendo assim ao analisar algumas obras pictoacutericas dizeres e escritos de Gerhard

Richter no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um

aspecto mais pontual pocircde-se concluir que as obras do artista alematildeo satildeo exemplos de

pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como miacutemesis e phantasiacutea isto eacute como

imitaccedilatildeo imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo Ademais as obras Richter mostram ainda que natildeo se

precisa escolher entre umas e outras pois natildeo haacute contradiccedilatildeo natildeo haacute antiacutetese pode haver

convivecircncia e complementaridade entre a miacutemesis imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo e estatuto

ontoloacutegico da ldquoformardquo pois a pintura pode ser ao mesmo tempo conforme pudemos atestar

durante a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo imagem de outra coisa imagem de si mesma e coisa

autocircnoma

144

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Page 3: Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

3

Dedicatoacuterias

Ao meu marido Luiacutes Rodolfo meu amor companheiro de todas as horas e

meu maior interlocutor por tudo

Agrave minha matildee Joanna Helena por todo apoio e incentivo e pela incansaacutevel dedicaccedilatildeo

A meu pai Luiz Carlos (in memorian) que incetivou com entusiasmo os

meus estudos de arte e filosofia

Aos meus sogros Regina e Roberto pelo carinho e apoio

Dedico tambeacutem aos meus queridos irmatildeos Paulo Silvia e Marcia aos meus cunhados

Silvana Maacuterio Andreacute Flaacutevia e Heloisa e aos meus adorados sobrinhos

Guilherme Gabriela Lucas Bruna e Maria

4

Agradecimentos

Ao concluir esta dissertaccedilatildeo sou imensamente grata ao meu orientador Prof Dr

Carlos Eduardo Uchocirca Fagundes Junior OSB pela confianccedila paciecircncia e zelo

sensibilidade e inteligecircncia sabedoria e generosidade que possibilitaram que este estudo

pudesse ser concluiacutedo

Devo tambeacutem um agradecimento especial ao Prof Dr Leon Kossovitch de quem

obtive liccedilotildees fundamentais para o desenvolvimento desta dissertaccedilatildeo tanto nas aulas como

na qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo ainda o Prof Dr Ricardo Fabbrini de quem colhi no exame de

qualificaccedilatildeo observaccedilotildees preciosas de meu trabalho

No decorrer do processo de pesquisa dessa dissertaccedilatildeo ainda tive a sorte de contar

com a generosidade de diversos professores da Faculdade de Satildeo Bento Prof Dr Djalma

Medeiros Prof Dr Franklin Leopoldo e Silva Prof Dr Ivo Assad Ibri Prof Dr Joel

Gracioso Prof Dr Joseacute Carlos Bruni Profa Dra Maria Carolina Alves dos Santos e Profa

Dra Rachel Gazolla de Andrade que sempre atentos e presentes contribuiacuteram para o

amadurecimento deste estudo a eles devo meus sinceros agradecimentos

5

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relaccedilatildeo que o artista estabelece com a realidade

durante a produccedilatildeo da obra de arte sobretudo da pintura levando em conta que a obra de arte

antes de ser representaccedilatildeo eacute apresentaccedilatildeo em si mesma isto eacute depois de acabada tem

autonomia e estatuto ontoloacutegico eacute coisa entre coisas Ou seja pretende-se investigar como

nos tempos atuais se vecirc e se lida com o pressuposto de que a produccedilatildeo da arte eacute imitaccedilatildeo e ao

mesmo tempo invenccedilatildeo que funda uma nova realidade Para tanto acreditamos que a Teoria

da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar

estas problemaacuteticas que se destacam na arte contemporacircnea em especial na pintura com o

foco na produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter E partindo da premissa de que a implicaccedilatildeo

da arte como imitaccedilatildeo e consequentemente sua pertinecircncia inicia-se nos primoacuterdios do

pensamento sobre arte na Greacutecia Antiga (em especial as contribuiccedilotildees de Platatildeo e de

Aristoacuteteles) e considerando que o proacuteprio Pareyson mostra como ambos sobretudo

Aristoacuteteles ainda satildeo fundamentais mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria

da arte atual bem como para a produccedilatildeo artiacutestica contemporacircnea a presente pesquisa estuda a

intersecccedilatildeo de pontos centrais advindos dos filoacutesofos gregos citados com os pontos centrais

do pensamento pareysoniano sobre Arte A proposta eacute construir uma ponte de intersecccedilatildeo

entre os pensamentos de Pareyson Aristoacuteteles e Platatildeo e ancorando-a nos conceitos

cunhados na Teoria da Formatividade expor como o filoacutesofo italiano relecirc as problemaacuteticas

colocadas pelos filoacutesofos gregos antigos e de que maneira esta interseccedilatildeo de pensamentos e

conceitos contribuem para a reflexatildeo sobre Arte na atualidade e em particular para a anaacutelise

da produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter

Palavras ndash Chave

Teoria da Formatividade Gerhard Richter miacutemesis representaccedilatildeo pintura

6

ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the)

reality during the production of the work of art especially in painting considering that the

work or art prior to its representation is a presentation of itself That is after completed it has

autonomy and ontological status it is a thing among things Thus how at present the pre-

supposition that the production of art is an imitation and at the same time an invention

which uncovers a new reality is seen and dealt with is the subject of the investigation

Therefore we believe that Luigi Pareysonacutes Theory of Formativity provides some

fundamental keys to consider these issues which stand out in contemporary art especially in

painting and will thus also focus on Gerhard Richteracutes pictorial production Beginning with

the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence

starts with ancient Greek thought (especially Platoacutes and Aristotleacutes contributions) and

considering that Pareyson shows that both but especially Aristotle are still fundamental even

when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic

production this research studies the intersection of the central points of the above Greek

philosophers with those of Pareysonian thinking on Art The proposal is to build an

intersectional bridge of Pareysonacutes Aristotleacutes and Platoacutes thinking grounding them in the

concepts of the Theory of Formativity and to discuss how the Italian philosopher re-reads the

problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and

concepts contributes to todayacutes art reflections and in particular for the analysis of Gerhard

Richteracutes pictorial production

Key - Words

Theory of Formativity Gerhard Richter miacutemesis representation painting

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO I Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson 13

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo da

Teoria da Formatividade 13

12 Teacutekhne como saber-fazer 19

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia 21

14 Teacutekhne e ldquoinspiraccedilatildeordquo 23

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai 27

16 Teacutekhne e phyacutesis [natureza- entes naturais] 31

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo 33

18 Teacutekhne poietikoacutes 35

19 Poiacuteesis versus praacutexis 36

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars 38

111 Arte como ecircxito 39

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade 42

CAPIacuteTULO II Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson 43

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade 43

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo 44

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo apartir de Aristoacuteteles 46

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade 55

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte 58

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo 61

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson 68

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade 74

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo 74

222 Correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo 76

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade 78

224 Legalidade da ldquoformardquo e a noccedilatildeo de intuiccedilatildeo na Teoria da Formativida 79

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade 83

8

CAPIacuteTULO III Arte como miacutemesis e a autononia da obra de arte na Teoria da

Formatividade 87

31 O conceito de miacutemesis sob a oacutetica da Teoria da Formatividade 87

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo 88

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo 92

34 A ldquopositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles 100

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles 107

36 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson 110

CAPIacuteTULO IV Autonomia da obra de arte e miacutemesis na produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard

Richter agrave luz da Teoria da Formatividade 115

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista 115

42 ldquoFormardquoe ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter 117

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 118

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter 122

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 124

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo 127

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo 132

47 O estatuto ontoloacutegico 137

CONCLUSAtildeO 140

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 144

9

INTRODUCcedilAtildeO

O estudo sobre a histoacuteria da produccedilatildeo artiacutestica no Ocidente sobretudo a pictoacuterica

revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teoacutericos e artistas com relaccedilatildeo agrave

aceitaccedilatildeo da pintura ora como imitaccedilatildeo da realidade ora como afirmaccedilatildeo de si mesma

enquanto coisa no mundo Isto eacute o questionamento da pintura como representaccedilatildeo tem sido

retomado na forma de outro (ou novo) movimento artiacutestico de orientaccedilatildeo figurativa eou

abstrata E ainda esse vai e vem de assertivas e oposiccedilotildees para com a arte como

representaccedilatildeo fortalece o lugar comum da ldquomorte da pinturardquo 1 que em uacuteltima anaacutelise

questiona a pertinecircncia da proacutepria existecircncia da pintura se natildeo da proacutepria arte como um todo

Todavia apesar das controveacutersias eacute possiacutevel constatar que parte do meio artiacutestico da

atualidade reabilitou a pintura e estaacute relendo a problemaacutetica do jogo entre imitaccedilatildeo e realidade

na arte pictoacuterica E mais ainda a produccedilatildeo de arte contemporacircnea2 e em especial a produccedilatildeo

pictoacuterica de Gerhard Richter (Dresden 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre

figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo e entre imagem e objeto podem ser

questionadas Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa de certa maneira artistas e

teoacutericos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitaccedilatildeo ou ateacute

mesmo deixar de existir Contudo ao reabilitar a retomada da pintura natildeo excluiacuteram outras

formas de arte que negam a imitaccedilatildeo ou que trazem novas formas de construccedilatildeo de imagens

inclusive pondo em cheque a proacutepria materialidade da arte

Nesse sentido pode-se afirmar que essas hipoacuteteses direcionam um estudo para uma

investigaccedilatildeo acerca da problematizaccedilatildeo da arte e da pintura enquanto imitaccedilatildeo da realidade 1 Eacute possiacutevel identificar nesta expressatildeo uma relaccedilatildeo agrave ideia de ldquomorte da arterdquo cunhada por Hegel em seus

Cursos de Esteacutetica que foram compilados e publicados ainda no iniacutecio do seacuteculo XIX proposiccedilatildeo esta

amplamente discutida por vaacuterios pensadores desde entatildeo e que indubitavelmente muito influencia o pensamento

sobre arte ainda hoje Entretanto nossa colocaccedilatildeo natildeo diz respeito exatamente agrave consciente filiaccedilatildeo agraves ideias de

Hegel e sim a um movimento aceacutefalo e pouco ciente de suas antecedecircncias Ou seja diz respeito a um locus que

se formou entre artistas professores de arte e criacuteticos que usam as expressotildees ldquomorte da arterdquo e sobretudo

ldquomorte da pinturardquo de maneira ateacute muitas vezes ingecircnua e inconsequente em ambientes de cursos de arte ateliecircs

e em textos de cataacutelogos de exposiccedilatildeo e afins

2 A despeito das controveacutersias inerentes aos roacutetulos utilizados para as classificaccedilotildees de periacuteodos estilos e

movimentos artiacutesticos neste contexto a palavra ldquoarte contemporacircneardquo deve ser entendida na sua acepccedilatildeo de uso

corrente da palavra contemporacircneo isto eacute diz respeito agrave produccedilatildeo de arte vigente nos dias de hoje de todo e

qualquer artista que estaacute em produccedilatildeo Entretanto uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das

deacutecadas correspondentes as suas proacuteprias vidas logo a produccedilatildeo de arte contemporacircnea igualmente pode

corresponder agrave produccedilatildeo das uacuteltimas deacutecadas Portanto neste contexto ldquoarte contemporacircneardquo natildeo determina um

exato limite temporal de iniacutecio ou teacutermino nem faz distinccedilatildeo de grupos ou geraccedilotildees de artistas natildeo se refere a

um movimento em particular mas sim agrave atualidade com todas as suas idiossincrasias

10

que culmina na intricada relaccedilatildeo do artista para com a apreensatildeo do mundo e a consequente

negaccedilatildeo da possibilidade dessa relaccedilatildeo ateacute o questionamento da pertinecircncia da proacutepria

existecircncia da pintura eou da arte

Eacute possiacutevel constatar que estas problemaacuteticas remontam agrave antiguidade grega e se

estendem por toda a histoacuteria da pintura podendo ser resumidas no embate entre realidade e

arte Neste sentido surge a necessidade de recorrer aos textos dos filoacutesofos antigos

sobretudo os de Platatildeo e Aristoacuteteles a fim de identificar a origem das questotildees descritas

acima e que ateacute hoje estatildeo no nuacutecleo da reflexatildeo sobre a arte sobretudo pictoacuterica

Uma chave para esse diaacutelogo entre o pensamento da Greacutecia antiga e o pensamento da

atualidade no campo da investigaccedilatildeo esteacutetica pode ser encontrada no pensamento de Luigi

Pareyson (1918-1991) que recorre principalmente a Aristoacuteteles para a construccedilatildeo da sua

teoria sobre arte

Portanto tendo em conta este embasamento teoacuterico a presente pesquisa revisita a

discussatildeo da intrincada relaccedilatildeo entre arte e realidade isto eacute retoma os questionamentos que

envolvem a proposiccedilatildeo de que a arte em especial a pintura eacute representaccedilatildeo embora tambeacutem

seja definida como apresentaccedilatildeo de si mesma visto que por meio das leituras dos textos de

Pareyson e em especial os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade

constata-se a reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte como realidade em si mesma ou

seja da arte e em especial da arte pictoacuterica como necessariamente invenccedilatildeo de nova

visualidade e sobretudo de nova realidade

Vale assinalar que o presente enfoque filosoacutefico sobre a arte se daacute preferencialmente

acerca do processo de elaboraccedilatildeo da obra levando em conta que na Teoria da Formatividade

Luigi Pareyson propotildee um modo de abordagem esteacutetica sob a oacutetica da produccedilatildeo artiacutestica ldquoEra

mais que tempo na arte de por a ecircnfase no fazer mais que no simplesmente contemplarrdquo 3

Embora o filoacutesofo reconheccedila e coloque em destaque a importacircncia da experiecircncia

artiacutestica para o embasamento do estudo filosoacutefico sobre a arte ele natildeo deixa de levar em conta

a necessaacuteria investigaccedilatildeo conceitual que a reflexatildeo filosoacutefica pressupotildee Desse modo o

3 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

11

proacuteprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da

Filosofia da Arte que antes de tudo eacute sobretudo Filosofia ldquoUrge pois reconhecer que a

esteacutetica eacute filosofia e somente sob a condiccedilatildeo de ser filosofia justifica a proacutepria pesquisa e

manteacutem sua autonomia []rdquo4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte eacute

[] uma anaacutelise da experiecircncia esteacutetica natildeo uma definiccedilatildeo da arte

considerada abstratamente em si mesma mas um estudo do homem

enquanto autor da arte e no ato de fazer arte Em siacutentese reflexatildeo filosoacutefica

sobre a experiecircncia esteacutetica e no intuito de problematizaacute-la no seu conjunto

de mostrar-lhe a possibilidade estabelecer-lhe o acircmbito e os limites [] 5

Nesse sentido partindo dos proacuteprios apontamentos do filoacutesofo constata-se que se faz

necessaacuterio um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiecircncia artiacutestica

incluindo a pictoacuterica Igualmente a partir das afirmaccedilotildees do proacuteprio Pareyson parece seguro

afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosoacuteficos de Platatildeo e

sobretudo de Aristoacuteteles importantes pontos de apoio e de diaacutelogo para a construccedilatildeo de seus

conceitos centrais

Portanto na primeira etapa da pesquisa propotildee-se uma demarcaccedilatildeo terminoloacutegica de

alguns pontos importantes advindos do pensamento filosoacutefico grego em especial dos textos

de Platatildeo e Aristoacuteteles que dialogam com a concepccedilatildeo particular da filosofia de Pareyson

sobretudo relacionada com a sua concepccedilatildeo de arte servindo como ponto de apoio para o

embasamento conceitual e teoacuterico da Teoria da Formatividade

O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade

relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosoacutefico de Pareyson E

novamente haacute uma delimitaccedilatildeo dos aportes que embasam a conceituaccedilatildeo pareysoniana

sobretudo os advindos de definiccedilotildees aristoteacutelicas (embora tais definiccedilotildees natildeo sejam

necessariamente relacionadas exclusivamente agraves questotildees sobre arte que o estagirita discutiu)

4 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p19 ldquoBisogna dunque ricoscere Che lrsquoestetica egrave filosofia e solo a patto drsquoesser filosofia

giustifica la proacutepria ricerca e mantiene la proacutepria autonomiardquo [] (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

5 Ibidem op cit p11 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Embasada pelas demarcaccedilotildees das definiccedilotildees conceituais elaboradas nos capiacutetulos

anteriores a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes

conceitualizaccedilotildees sobre imitaccedilatildeo intenccedilatildeo imaginaccedilatildeo bem como representaccedilatildeo no campo

da arte sobretudo da arte pictoacuterica advindas dos pensamentos de Platatildeo de Aristoacuteteles em

contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade

A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alematildeo Gerhard

Richter para investigar as relaccedilotildees do artista com a realidade enquanto imitador desta bem

como enquanto criador de uma novaoutra visualidade e realidade na contemporaneidade E

consequentemente a possibilidade da obra de arte em especial a pintura como apresentaccedilatildeo

de si mesma isto eacute como coisa entre coisas sem que isso faccedila com que a imagem deixe

tambeacutem de fazer referecircncia a um modelo Vale ressaltar que toda esta reflexatildeo traz natildeo soacute a

questatildeo da arte como imitaccedilatildeo ao mesmo tempo mas tambeacutem como coisa nova e original

Em suma este estudo discorre a respeito das problemaacuteticas especiacuteficas da arte

sobretudo da pintura na atualidade tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diaacutelogo

com os pensamentos de Platatildeo e de Aristoacuteteles Esses aportes teoacutericos visam agrave compreensatildeo

do fenocircmeno artiacutestico com ecircnfase no pictoacuterico entendendo a arte como produccedilatildeo formante

que imita e representa ao mesmo tempo em que eacute invenccedilatildeo de coisa autocircnoma Isto eacute esta

pesquisa visa investigar como o estatuto ontoloacutegico da obra de arte ou seja a dignidade de

autonomia da arte que Pareyson reivindica influencia na leitura sobre a problemaacutetica da

questatildeo da arte enquanto imitaccedilatildeo Logo a proposta eacute mostrar como o reconhecimento destas

trecircs dimensotildees inseparaacuteveis da arte enquanto produccedilatildeo imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo possibilita uma

leitura dos desdobramentos da produccedilatildeo artiacutestica pictoacuterica no seacuteculo XXI tomando como

ponto de investigaccedilatildeo especiacutefica a obra pictoacuterica de Gerhard Richter

13

CAPIacuteTULO I

Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson

A ideia de que a esteacutetica eacute uma disciplina moderna eacute pouco

mais do que um lugar comum mas que pode degenerar em um

erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como

uma fonte de inspiraccedilatildeo para o estudo da arte

Luigi Pareyson 1966 6

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo

da Teoria da Formatividade

Conforme foi exposto na Introduccedilatildeo um retorno agraves origens das definiccedilotildees e

entendimentos sobre as questotildees centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte

pictoacuterica se faz necessaacuterio para que o pensamento de Luigi Pareyson7 possa ser localizado no

campo do pensamento sobre arte Ele mesmo estabelece os limites desse diaacutelogo ao citar

frequentemente o pensamento da antiguidade grega situando-a como ponto de partida para a

conceituaccedilatildeo das problemaacuteticas artiacutesticas pertinentes ainda hoje Nas palavras dele sobre a

questatildeo das definiccedilotildees de arte

6 (Traduccedilatildeo nossa da traduccedilatildeo em espanhol) ldquoLa idea de que la esteacutetica es una disciplina moderna es poco

menos que un lugar comuacuten pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo

antiguo como fuente de inspiracioacuten para el estudio del arterdquo (PAREYSON Luigi Forma organismo y

abstraccioacuten In ______ Conversaciones de esteacutetica Trad de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

7 Italiano nasceu em 1918 faleceu em 1991 Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim e em 1943

passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim ficando na mesma instituiccedilatildeo ateacute 1988 Dirigiu a

revista de esteacutetica (Rivista di Esteacutetica) da citada instituiccedilatildeo por mais de 25 anos As primeiras interlocuccedilotildees

filosoacuteficas de Pareyson se deram com os filoacutesofos alematildees com destaque para ensaios realizados sobre as obras

de pensadores como Kant Schelling Schiller Fichte Kierkegaard e Goethe sem deixar de mencionar o

destaque ao estudo da obra de Karl Jasper Aleacutem dos alematildees ele desenvolveu importantes ensaios sobre os

pensamentos de Aristoacuteteles Vico e Valegravery Contudo ainda estabeleceu interlocuccedilotildees com pensadores

contemporacircneos a ele como Heidegger Gadamer Dewey Focillon e Gilson Ainda saindo do foco da

interlocuccedilotildees e diaacutelogos com outros filoacutesofos como siacutentese do percurso filosoacutefico de Pareyson Sarto discorre

ldquoDotado de una profunda curiosidad cientiacutefica y de una notable erudicioacuten Pareyson fue capaz de elaborar una

siacutentesis original un pensamiento que parte del existencialismo pasa por el personalismo la esteacutetica y la

hermeneacuteutica para acabar en la lsquoontologiacutea de la libertadrsquo []rdquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar

el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi PareysonPamplona EUNSA 1998 p21) Ver tambeacutem ECO

Umberto A esteacutetica da formatividade e o conceito de interpretaccedilatildeo p14-15 In _____ A definiccedilatildeo da arte

Traduccedilatildeo de Joseacute Mendes Ferreira Lisboa Ed 70 2008

14

As definiccedilotildees mais conhecidas da arte recorrentes na histoacuteria do

pensamento podem ser reduzidas a trecircs ora a arte como um fazer ora como

um conhecer ora como um exprimir [] Na Antiguidade prevaleceu a

primeira a arte foi entendida como teacutekhne como um fazer em que era

expliacutecita ou implicitamente acentuado o aspecto executivo fabril manual 8

Embora como diz Pareyson ldquoEssas diversas concepccedilotildees ora se contrapotildeem ora se

excluem umas agraves outras ora pelo contraacuterio aliam-se e se combinam de vaacuterias maneirasrdquo

(1989 p29) 9 o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas

nuances partindo da interpretaccedilatildeo das variantes dos significados dos termos teacutekhne 10 e

poiacuteesis visto que o aspecto fabril da obra de arte bem como as definiccedilotildees advindas da

filosofia grega sobretudo de alguns textos de Aristoacuteteles satildeo chaves capitais para o

entendimento da Teoria da Formatividade11

do filoacutesofo de Turim

8 PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes1989 p29 ldquoLe definizioni piugrave famose dellrsquoarte si possono ridurre a tre ricorrenti nella storia

de pensiero lrsquoarte egrave concepita ora come un fare ora come un conoscere ora come un esprimere

[]Nellrsquoantichitagrave prevalse la prima lrsquoarte fu intesa come τέχνη come un fare in cui era esplicitamente o

implicitamente accentuato lrsquoaspetto esecutivo fabrile manuale[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

9 Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes1989 p29 ldquoQueste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro ora invece si

alleano e si combinano variamente ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dellrsquoarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p229)

10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos Os paracircmetros para a

transliteraccedilatildeo do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY Ivan

Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Cf Op cit p 5 a

8) Esses paracircmetros soacute natildeo foram usados nas citaccedilotildees onde os autores optaram por paracircmetros diversos dos

seguidos por Gobry nesses casos a grafia do texto original citado foi mantida

11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiograacutefico estudos e comentaacuterios sobre as obras

e outros filoacutesofos ateacute textos teoacutericos autocircnomos como os dois livros especiacuteficos de Esteacutetica que serviram como

base central para a presente dissertaccedilatildeo isto eacute Estetica Teoria della formativitagrave publicado pela primeira vez em

1954 e traduzido para o portuguecircs em 1993 e ainda o livro I problemi dellestetica com a primeira ediccedilatildeo

italiana de 1966 e publicado no Brasil em 1984 Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais

significativas estatildeo dispostas por ordem cronoloacutegica a partir da primeira publicaccedilatildeo em italiano de cada obra La

filosofia dellesistenza e Karl Jaspers (1939) Studi sullesistenzialismo (1943) Corso di estetica (1946) Etica

ed estetica in Schiller (1949) Lestetica di Kant (1949) Etica ed estetica in Schiller (1949) Fichte Il sistema

della libertagrave (1950) Esistenza e persona (1950) Esistenza e persona (1950) Lestetica di Fichte (1950)

Lestetica dellidealismo tedesco (1950) Unitaacute della Filosofia (1952) Estetica Teoria della formativitagrave (1954)

Teoria dellarte (1965) I problemi dellestetica(1966) Conversazioni di estetica (1966) Il pensiero etico di

Dostoevskij (1967) Veritagrave e interpretazione (1971) Lesperienza artistica (1974) Schelling(1975) Rettifiche

sullrsquoesistenzialismo (1975) Dostoevskij filosofia romanzo ed esperienza religiosa (1976) LacuteEacutetica e esteacutetica

em Schiller (1983) Filosofia della libertagrave (1989) Ontologia della libertagrave Il male e la sofferenza (1995 -

poacutestuma) entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais Atualmente sob a rubrica de Opere

completerdquo os livros de Pareyson estatildeo sendo republicados pelo Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi

15

As diferentes acepccedilotildees utilizadas para as palavras teacutekhne e poiacuteesis satildeo por si soacute um

empecilho para a leitura atenta dos diversos textos natildeo soacute de Platatildeo e Aristoacuteteles mas

tambeacutem dos textos de outros autores antigos As dificuldades iniciam sobretudo no

entendimento de como esses autores pensavam as vaacuterias dimensotildees da atividade artiacutestica da

produccedilatildeo agrave fruiccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuteria uma breve demarcaccedilatildeo terminoloacutegica a fim de

evitarmos imprecisotildees jaacute que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte

A palavra teacutekhne eacute comumente natildeo traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje

Mas quando o eacute eacute usualmente traduzida por arte para o portuguecircs Como em portuguecircs a

palavra que utilizamos eacute de origem latina [ars ou artis] e natildeo existe nenhuma palavra em

grego que abarque todos os complexos significados e delimitaccedilotildees que o vocaacutebulo foi

ganhando no decorrer dos seacuteculos muitos textos atuais acabam por aceitar que teacutekhne

signifique simplesmente arte

Entretanto a acepccedilatildeo da palavra ldquoarterdquo que um grande grupo de pessoas tem em mente

atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade expressividade e

beleza Notadamente porque a definiccedilatildeo de arte acrescida das noccedilotildees de subjetividade

expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerccedilado na tradiccedilatildeo do pensamento

sobre arte que se cristalizou a partir do seacuteculo XVIII nos meios que de modo geral se

identificam pelo pensamento idealista e romacircntico Ideias que natildeo estariam inteiramente

presentes nas acepccedilotildees gregas de teacutekhne e que natildeo correspondem mais a grande parte das

concepccedilotildees de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje e sobretudo natildeo vatildeo de

encontro com o que Pareyson propotildee para a Teoria da Formatividade O filoacutesofo italiano faz

esta distinccedilatildeo pontualmente ldquoDe um lado a arte como teacutekhne saber fazer perfeiccedilatildeo formal

de outro a arte como inspiraccedilatildeo e paixatildeordquo 12

Pareyson da Universidade de Turim Por isso muitos tiacutetulos originais bem como a organizaccedilatildeo interna dos

textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem Cf em RAVERA Marco Premessa del Curatore

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p5-9 (Centro

Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 10)

11

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p71 ldquoDa un lato lrsquoarte come τέχνη saper fare perfezione formale dallrsquoaltro lrsquoarte come inspirazione e

passionerdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p266)

16

Portanto Pareyson chama a atenccedilatildeo sobre a importacircncia de se pensar a arte como

saber-fazer [teacutekhne] concepccedilatildeo natildeo soacute presentes nos pensamentos de ambos os filoacutesofos

gregos supracitados mas central nos textos da Greacutecia Antiga em geral Parece claro que o

professor de Turim o faz no intuito de retomar as definiccedilotildees primeiras de arte como fica

evidente na introduccedilatildeo do livro Esteacutetica Teoria da Formatividade quando ele expotildee que

quer ldquo[] entrar imediatamente no tema propondo ao inveacutes dos princiacutepios croceanos13

da

intuiccedilatildeo e da expressatildeo uma esteacutetica da produccedilatildeo e da formatividaderdquo 14

Por isso um olhar mais proacuteximo das especificidades dos diversos significados dos

termos gregos presentes nos textos antigos e repetidos nos textos atuais pretende ajudar a

desfazer as imprecisotildees que ocorrem por falta de uma distinccedilatildeo criteriosa que respeite as

variaccedilotildees conceituais de cada eacutepoca

Em suma nem para Platatildeo tatildeo pouco para Aristoacuteteles teacutekhne e poiacuteesis tecircm um

significado particular e sobretudo natildeo coincidem com as acepccedilotildees de arte que costumamos

utilizar no portuguecircs corrente Contudo Pareyson resgata uma seacuterie desses sentidos presentes

nos textos dos filoacutesofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua esteacutetica Nesse

intuito foram elencados os principais sentidos de teacutekhne poiacuteesis e outros termos e conceitos

correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega com ecircnfase nos

pensamentos de Platatildeo e Aristoacuteteles Assim como algumas definiccedilotildees relevantes de ars

advindas da tradiccedilatildeo latina mereceram atenccedilatildeo

No entanto a proposta desta revisatildeo terminoloacutegica natildeo eacute de fazer uma extensa revisatildeo

histoacuterica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte de Platatildeo agrave Pareyson Foram

destacados sobretudo aqueles significados e pontos de conjunccedilatildeo das acepccedilotildees

13

Referente agraves ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli 1866 - Naacutepoles 1952) filoacutesofo italiano amplamente

influente na Itaacutelia na eacutepoca de Pareyson Croce com uma esteacutetica baseada em aportes teoacutericos sobretudo

advindos do idealismo romacircntico foi um importante contraponto no discurso esteacutetico pareysoniano entretanto

nota-se que Pareyson faz menccedilatildeo agraves ideias crocianas na maioria das vezes para marcar as diferenccedilas entre estas

e a Teoria da Formatividade pontuando a necessidade de uma revisatildeo na reflexatildeo filosoacutefica sobre arte

Portanto embora Croce seja por uns apontado como o contraponto principal de Pareyson pautados

provavelmente nas inuacutemeras menccedilotildees a Croce recorrentes no textos de Pareyson todavia em geral estas

menccedilotildees satildeo com o intuito de criacutetica e oposiccedilatildeo

14

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

17

terminoloacutegicas relacionados agraves problemaacuteticas contidas na Teoria da Formatividade e que se

encontram em alguns outros pensadores sobretudo Platatildeo e Aristoacuteteles

Antes de analisar algumas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis separadamente vale lembrar

que tanto Platatildeo quanto Aristoacuteteles cotejam as diferentes modalidades de arte tais como a

pintura a poesia o teatro escultura utilizando paracircmetros e definiccedilotildees gerais que abrigam

qualquer linguagem artiacutestica Isso permite que as definiccedilotildees cunhadas por Platatildeo e Aristoacuteteles

sejam natildeo apenas aplicadas agrave atividade teatral e agrave poesia textual em si mas que se estendam agrave

produccedilatildeo da obra de arte de maneira geral incluindo a da pintura e assim por diante

Por exemplo apesar de um diaacutelogo como o Iacuteon de Platatildeo ter como foco principal a

apresentaccedilatildeo de poesia homeacuterica orquestrada por um rapsodo15

Soacutecrates - enquanto um dos

personagens do diaacutelogo - relaciona as atividades de Homero e de Iacuteon agraves do pintor e do

escultor Como quando Soacutecrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu

argumento sobre o pouco alcance do ldquoconhecimento teacutecnico- racionalrdquo de Iacuteon que soacute fala de

Homero e natildeo de todos os poetas (532 d ndash 533 a)16

Tambeacutem assim como na Repuacuteblica

Platatildeo ao discorrer sobre a distacircncia que a poesia traacutegica estaacute para com a verdade ie trecircs

15

Espeacutecie de cantor-ator ou declamador profissional que ornado com belas vestes e segurando um bastatildeo o

raacutebdos daiacute o nome rapsodo recita a poesia de outros poetas No caso de Iacuteon ele eacute um especialista em Homero

Iacuteon natildeo soacute recita mas explica o conteuacutedo da poesia a interpreta acumulando portanto a accedilatildeo de artista e de

uma espeacutecie de criacutetico- professor de arte A sua especialidade em recitar somente Homero eacute um dos argumentos

usados por Soacutecrates para desmerecer um suposto conhecimento teacutecnico adquirido por Iacuteon para exercer o seu

ofiacutecio Cf PLATAtildeO Iacuteon 530c

16

PLATAtildeO Iacuteon 532 d- 533a ldquo- Soacutec []Partamos desse raciociacutenio existe uma arte pictoacuterica que eacute um

conjunto - Iacuteon Sim - Soacutec Portanto tambeacutem na pintura haacute e houve muitos pintores bons e muitos mediacuteocres

- Iacuteon Perfeitamente - Soacutec Entatildeo jaacute viste algueacutem que eacute capaz de discorrer sobre Polignoto filho de

Aglaofonte demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que natildeo desenha e seja incapaz de

fazer o mesmo sobre os outros pintores E quando algueacutem aponta para as obras dos outros pintores ele

adormece fica embaraccedilado e natildeo tem o que se conjecturar mas quando eacute sobre Polignoto ou algum outro que

queiras havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos desperta e presta

atenccedilatildeo e bem transita no que diz- Iacuteon Natildeo por Zeus certamente natildeordquo (Traduccedilatildeo de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Pocket 2007)

[532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως

ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν Πῶς τοῦτο λέγω δέῃ τί μου ἀκοῦσαι ὦ Ἴων ΙΩΝΝαὶ μὰ τὸν Δία ὦ Σώκρατες

ἔγωγε χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν ΣΩΚΡΑΤΗΣΒουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν ὦ Ἴων ἀλλὰ σοφοὶ

μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ

λέγω [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε θέασαι ὡς φαῦλον καὶ

ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ

Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον ΙΩΝΝαίΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ

καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι ΙΩΝΠάνυ γε ΣΩΚΡΑΤΗΣἬδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν

Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων

[533a] ἀδύνατος Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ

ἔχει ὅτι συμβάληται ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ

ἀποφήνασθαι γνώμην ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ ΙΩΝΟὐ μὰ τὸν Δία οὐ δῆτα

18

vezes distante desta ele afirma que tambeacutem a pintura eacute uma imitaccedilatildeo trecircs graus distante da

verdade (Livro X 597 d) 17

Aristoacuteteles igualmente recorre agrave pintura para tratar de questotildees de poesia como na

passagem do Capiacutetulo VI da Poeacutetica quando ele coteja a construccedilatildeo e especificidades da

trageacutedia com a pintura da eacutepoca citando Zecircuxis e Polignoto (1450a 22 -30) 18

Mais adiante

a comparaccedilatildeo entre poesia traacutegica e pintura se repete

[] o mito eacute o princiacutepio e como que a alma da trageacutedia soacute depois vecircm os

caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se algueacutem aplicasse

confusamente as mais belas cores a sua obra natildeo nos comprazeria tanto

como se apenas houvesse esboccedilado uma figura em branco (Ibidem 1450b

1-5) 19

Portanto eacute a partir do paracircmetro de que tanto Platatildeo como Aristoacuteteles usavam a

pintura e a escultura para falar de teatro eou poesia e vice e versa sem discriminar

inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artiacutestica que as referecircncias e

interpretaccedilotildees dos conceitos correlatos agraves questotildees da arte utilizados e cunhados por eles seratildeo

analisadas neste presente estudo

17

ldquoSoacutec Ora exatamente como ele (pintor) encontra-se o poeta traacutegico por estar como imitador trecircs degraus

abaixo do rei da verdade o que aliaacutes se daacute com todos os imitadoresrdquo (PLATAtildeO Repuacuteblica Trad de Carlos

Alberto Nunes 3ordf Ed Beleacutem EDUFPA 2000)

Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ

κλινοποιός τις μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν

18

ldquoSem accedilatildeo natildeo poderia haver trageacutedia mas poderia havecirc-la sem caracteres As trageacutedias da maior parte dos

modernos natildeo tecircm caracteres e em geral haacute muitos poetas desta espeacutecie Tambeacutem entre os pintores assim eacute

Zecircuxis comparado com Polignoto porque Polignoto eacute excelente pintor de caracteres e a pintura de Zecircuxis natildeo

apresenta caraacuteter nenhumrdquo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973 p 448)

Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄνmiddot αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων

ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον

πέπονθενmiddot ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος

19

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p 449

[1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας

εἰκόνα)middot ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων Τρίτον δὲ ἡ διάνοιαmiddot τοῦτο δέ [5]

ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον

ἐστίνmiddot οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ

δηλοῖ τὴν προαίρεσιν ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει]

19

12 Teacutekhne como saber-fazer

Notadamente para Platatildeo em muitos de seus diaacutelogos teacutekhne tem um sentido mais

amplo e por vezes ateacute antagocircnico para com algumas definiccedilotildees de arte atuais A primeira

diferenccedila significativa entre teacutekhne e arte eacute a distinccedilatildeo que fazemos atualmente entre arte e

teacutecnica de onde podem surgir vaacuterias possiacuteveis interpretaccedilotildees errocircneas Como lembra

Pareyson ldquo[] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinccedilatildeo entre a arte

propriamente dita e o ofiacutecio ou a teacutecnica do artesatildeordquo 20

Para o disciacutepulo de Soacutecrates teacutekhne costumar ter um sentido de teacutecnica na acepccedilatildeo

simples do termo ou seja habilidade no fazer destreza na profissatildeo E ainda pode ser

considerada como sinocircnimo de ciecircncia e sobretudo abarca todo tipo de atividade humana21

Assim como Platatildeo Aristoacuteteles frequentemente usa a palavra teacutekhne no sentido amplo

do saber-fazer E tambeacutem em ambos os pensadores teacutekhne eacute por vezes encontrada como

sinocircnimo ou em paralelo agrave ciecircncia [episteacuteme]22

Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato

e primaacuterio do termo isto eacute todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do

universal23

Como explica Giovanni Reali nos comentaacuterios de sua traduccedilatildeo da Metafiacutesica de

Aristoacuteteles ldquo[] ldquoArterdquo [teacutekhne] eacute algo muito proacuteximo da ciecircncia enquanto implica

20

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p29 ldquo[]ma il pensiero antico poco si preoccupograve di teorizzare la distinzione fra lrsquoarte

propriamente detta e il mestiere o la teacutecnica dellartigiano[]rdquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

21

Platatildeo natildeo utiliza o termo teacutekhne de maneira uniforme em seus diaacutelogos Entretanto eacute possiacutevel afirmar que

diante de variadas acepccedilotildees persiste ao menos um aspecto semacircntico comum correspondente ao entendimento

de que teacutekhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza como por exemplo

no diaacutelogo Iacuteon (538-541) onde Soacutecrates discorre sobre vaacuterias atividades que precisam da teacutekhne para serem

ldquobem executadasrdquo como as do general do barqueiro do navegador da fiandeira do meacutedico e tambeacutem da

atividade dele mesmo Sobre as variantes do sentido de tegravekhne nos diversos diaacutelogos de Platatildeo ver tambeacutem em

BRISSON L PRADEAU J-F Vocabulaacuterio de Platatildeo Trad de Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins

Fontes 2010 p 70 -71

22

Cf PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes

2010 (verbete ltciecircncia ndash episteacutemegt p 21- 22) e GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad

Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Verbete ltteacutekhnegt p 142-143)

23ldquoO termoldquoepistecircmerdquo pode ser entendido em dois sentidos Haacute um estrito de ldquoepistecircmerdquo definido nos Segundos

analiacuteticos uma disciplina particular confinada por um gecircnero particular a respeito do qual prova por

demonstraccedilotildees seus atributos per se [] Pode-se entender ldquoepistecircmerdquo em sentido mais lato como ato

cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa por exemplo como conhecimento de uma

determinada conclusatildeo []rdquo(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio

traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 234-235)

20

justamente conhecimento dos universais Na linguagem moderna a palavra ldquoarterdquo natildeo tem

mais o antigo sentido e portanto existe o risco de equiacutevocos []rdquo 24

Portanto a teacutekhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposiccedilatildeo agrave

natureza agrave irracionalidade e ao acaso como por exemplo no sentido explicitado neste trecho

da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles ldquoNatildeo obstante hatildeo de concordar que o homem que

deseja tornar-se mestre numa arte [teacutekhne] ou ciecircncia deve buscar o universal e procurar

conhececirc-lo tatildeo bem quanto possiacutevel []rdquo (X 1180b 20) 25

Todavia nem sempre Aristoacuteteles entende teacutekhne e ciecircncia como sinocircnimas como

quando ele faz distinccedilotildees importantes entre teacutekhne praacutexis e theoria distinccedilotildees que seratildeo

comentadas mais adiante26

Portanto a traduccedilatildeo simplificada de teacutekhne como arte no que diz respeito aos textos

que tratam da arte no seu sentido estrito pode natildeo ser a melhor escolha Muitas vezes a

melhor escolha poderia ser a palavra teacutecnica no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer

ou ateacute mesmo ciecircncia no sentido do saber racional e verdadeiro Esse cuidado na traduccedilatildeo eacute

particularmente importante especialmente nos casos dos textos sobre arte para que teacutekhne

natildeo se confunda com os diversos conceitos que a palavra ldquoarterdquo abarca nos dias de hoje

Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questatildeo nos comentaacuterios da sua traduccedilatildeo da

Fiacutesica I-II de Aristoacuteteles

[] outra traduccedilatildeo para technecirc eacute ldquoarterdquo Em Eacutetica a Nicocircmaco 1140 a 10 a

technecirc eacute definida como ldquohabilitaccedilatildeo (ou disposiccedilatildeo) produtiva com discurso

verdadeirordquo (hexis meta logou alecircthou poiecirctikecirc) Trata-se da capacidade de

produzir de modo racional ldquoalguma coisa que admite ser e natildeo serrdquo (algo

24

REALI Comentaacuterios e notas (Metafiacutesica 981 a 7-12) In ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Vol III traduccedilatildeo de

Giovanni Reali e Trad de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ed Loyola 2002 p 8-9

25

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W

D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo V IV) p 434

(20) ἐπαρκέσαι Οὐδὲν δ ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου

βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ αἱ ἐπιστῆμαι Τάχα δὲ

καὶ τῷ βουλομένῳ δι ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν εἴτε πολλοὺς εἴτ ὀλίγους νομοθετικῷ πειρατέον (25)

γενέσθαι εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ ἄν

26

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 (verbete episteacuteme p56-57)

21

contingente) ldquoe cujo princiacutepio estaacute no produtor natildeo naquilo que se produzrdquo

(1140 a 12-4) Em expressotildees como ldquoa arte da medicinardquo ldquoa arte do

timoneirordquo etc temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristoacuteteles

Mas quando o termo ldquotechnecircrdquo eacute usado sem complementos parece-nos mais

adequado vertecirc-lo por ldquoteacutecnicardquo [] 27

Veremos no decorrer deste capiacutetulo como essa acepccedilatildeo de teacutekhne como ldquosaber-fazerrdquo

utilizada tanto por Platatildeo como por Aristoacuteteles e acrescida de todas as nuanccedilas que dela

derivam serviu como paracircmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia

A noccedilatildeo de teacutekhne como fruto da experiecircncia eacute outro aspecto da definiccedilatildeo de teacutekhne que

ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos

meandros do processo artiacutestico que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte

Tambeacutem como Platatildeo Aristoacuteteles identifica a experiecircncia como origem da teacutekhne

Mas enquanto Platatildeo opotildee ciecircncia [episteacuteme] e experiecircncia [emperiacutea] sobretudo por

desacreditaacute-la como meio de obter conhecimento Aristoacuteteles situa a experiecircncia como

conhecimento individual que precisa da teacutekhne e da episteacuteme para tornaacute-la universal28

Nesses

trechos da Metafiacutesica Aristoacuteteles explica como se daacute o conhecimento da teacutekhne a partir da

experiecircncia

A experiecircncia parece um pouco semelhante agrave ciecircncia e agrave arte A experiecircncia

como diz Polo produz a arte enquanto a inexperiecircncia produz o acaso A

arte se produz quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia forma-se um

27

ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p363

28ldquoTal como foi definida em Aristoacuteteles (Eth Nich VI 1140a) a teacutekhne eacute uma caracteriacutestica (hexis) mais

dirigida agrave produccedilatildeo (poietike) do que agrave accedilatildeo (praktike) Emerge da experiecircncia (empeiria) de casos individuais

e passa da experiecircncia agrave teacutekhne quando as experiecircncias individuais satildeo generalizadas num conhecimento de

causas[]rdquo(ltverbete teacutechnegravegt) (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz

Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 225- 226)

22

juiacutezo geral e uacutenico passiacutevel de ser referido a todos os casos semelhantes (A

981a) 29

Ou seja as teacutekhnai como explica Aristoacuteteles estatildeo no campo do saber-fazer teacutecnico

habilidades do fazer adquiridas atraveacutes da sensaccedilatildeo [aiacutesthesis] e da experiecircncia [emperiacutea] 30

podendo ser ensinadas e possibilitando a produccedilatildeo humana das coisas no mundo atraveacutes da

competecircncia adquirida

Esta eacute outra distinccedilatildeo fundamental que estaacute presente na base do entendimento dos

mecanismos da arte que Pareyson propocircs estudar Ou seja diferente dos pensadores gregos

para o filoacutesofo italiano o saber-fazer e sobretudo o artiacutestico eacute adquirido num fazer

inventivo e simultacircneo agrave produccedilatildeo da obra Como Pareyson define

A arte eacute uma atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo [invenzione] procedem

pari passu inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de

um valor original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo

encontra-se a regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem

eacute pensaacutevel projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou

cantando eacute que eacute encontrada e eacute concebida e eacute inventada 31

Esta eacute uma das especificaccedilotildees fundamentais da fabricaccedilatildeo da arte sob a oacutetica da Teoria

da Formatividade ou seja a teacutecnica da arte estaacute constantemente em processo de se reinventar

No entanto apesar de Pareyson indicar no nuacutecleo da Teoria da Formatividade que na arte o

saber eacute adquiro no momento de fazer natildeo depois nem mesmo antes ldquoEla (arte) eacute um tal

29

Aristoacuteteles Metafiacutesica Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo

Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p3 Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία

ἀποβαίνει δ ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν ὡς φησὶ

Πῶλος ἡ [5] δ ἀπειρία τύχην Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου

γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις

30

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 p53 e p143

31

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoLarte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo

simultanee e inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si

concepisce eseguendo si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave

finita neacute egrave pensabile di progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si

concepisce e la sinventardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p232)

23

fazer que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazerrdquo32

Ele esclarece que esse

fazer que inventa o modo de fazer natildeo eacute um mero acaso ou seja a experiecircncia adquirida

participa e ajuda a ldquoorganizarrdquo o aparente caos do fazer artiacutestico Nas palavras dele

Tudo isto eacute contraacuterio agrave experiecircncia dos artistas os quais embora arrastados

pelo estro de veia faacutecil e abundante conhecem todavia o inflexiacutevel rigor e a

severa legalidade que preside ao ecircxito das suas obras e natildeo estatildeo facilmente

dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma

espontaneidade cega e incontrolada 33

14 Teacutekhne e inspiraccedilatildeo

Nesse sentido outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de

teacutekhne sobretudo em Platatildeo pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diaacutelogos do

disciacutepulo de Soacutecrates Iacuteon

Nesse diaacutelogo Soacutecrates afirma que o poeta natildeo tem arte [teacutekhne] transformando a fala

do filoacutesofo em algo estranho para natildeo dizer contraditoacuterio aos leitores desavisados de hoje

Ou seja Soacutecrates diz que o artista natildeo tem o conhecimento de uma arte [teacutekhne] faz o que faz

por meio de uma forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] 34

e eacute essa forccedila que lhe daacute a habilidade de

recitar Homero e encantar o puacuteblico e natildeo um saber fazer adquirido racionalmente Segundo

este texto35

o rapsodo estaacute fora de si no momento da produccedilatildeo [poiacuteesis] ou seja estaacute

possuiacutedo pela Musa daiacute o caraacuteter irracional da arte que eacute apontado no diaacutelogo sobre a Iliacuteada

32

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32 ldquo[]essa (Larte) un tal fare che mentre fa inventa il da farsi e il modo di farerdquo

(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

33

Ibidem op cit p138 ldquoTutto ciograve egrave contrario allesperienza degli artisti i quali per quanto trascinati

dallestro e di vena facile e abbondante conoscono tuttavia linflessibile rigore e la severa legalitagrave che presiede

alla riuscita delle loro opere e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato

duna spontaneitagrave cieca e incontrollatardquo (Ibidem op cit p324)

34

Cf PLATAtildeO Iacuteon 533 d- 534

35

Ibidem 532c Soacutec Natildeo eacute difiacutecil imaginar isso companheiro mas a todos eacute evidente que com teacutecnica e

ciecircncia eacutes incapaz de falar sobre Homero Pois se tu fosses capaz de falar por teacutecnica serias capaz de falar

tambeacutem de todos os outros poetas pois que haacute uma arte poeacutetica como um todo natildeo haacuterdquo (Traduccedilatildeo de Andreacute

Malta Porto Alegre LampPM Pocket 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι ὦ ἑταῖρε ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diaacutelogo que o assunto da inspiraccedilatildeo no artista eacute mencionado eacute o Fedro36

aqui a

ideia de inspiraccedilatildeo eacute examinada sob a oacutetica da loucura divina isto eacute do deliacuterio [maniacutea]

Portanto a partir dessas leituras entende-se que a concepccedilatildeo platocircnica de teacutekhne pode

ser entendida em alguns momentos como antagocircnica agrave produccedilatildeo artiacutestica tais como a

pintura poesia e muacutesica Essas atividades teriam a inspiraccedilatildeo [enthousiasmos] na forma de

forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] como propulsoras da produccedilatildeo [poiacuteesis] da obra Uma inspiraccedilatildeo

que se configura como uma espeacutecie de loucura poreacutem de ordem divina e portanto beneacutefica

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα καὶ περὶ τῶν ἄλλων

ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ ἂν ἦσθα ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον Ἢ οὔ

Noutro trecho Iacuteon 542 a-b ldquoSoacutec []Assim se vocecirc natildeo possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco)

depois de me prometer uma demonstraccedilatildeo sobre Homero fica agora me enganando vocecirc faz mal mas se vocecirc

natildeo possui arte e por porccedilatildeo divina estando tomado por Homero e nada sabendo diz muitas e belas coisas

sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito) vocecirc natildeo faz nada de mal Escolha entatildeo como vocecirc prefere

ser considerado por noacutes homem malfeitor ou divino - Iacuteon Haacute muita diferenccedila Soacutecrates Pois eacute mais belo ser

considerado divino- Soacutec para noacutes entatildeo algo mais belo lhe pertence Iacuteon ser divino e de Homero um louvador

sem arte]rdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ[]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με

ἄδικος εἶ εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ

τοῦ ποιητοῦ ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ οὐδὲν ἀδικεῖς Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος

ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος [542b] ΙΩΝ Πολὺ διαφέρει ὦ Σώκρατες πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι

ΣΩΚΡΑΤΗΣΤοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ ἡμῖν ὦ Ἴων θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου

ἐπαινέτην

36

Idem Fedro 244 a ldquoSoacutecrates [] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal mas na verdade

poreacutem obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses []rdquo (Traduccedilatildeo de Jorge Paleikat Rio de

Janeiro Porto Alegre Ed Globo s data)

Σωκράτης []Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι καλῶς ἂν ἐλέγετο νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν

ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης []

Ainda noutro trecho Ibidem 244d ndash 245a ldquoSoacutecrates [] Haacute ainda uma terceira espeacutecie de deliacuterio eacute

aquele inspirado pelas Musas Quando ele atinge uma alma virgem e pura transporta-a para um mundo novo e

inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos agraves novas

geraccedilotildeesrdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

Σωκράτης[] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν

γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ

λατρείας ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα

καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη

E mais no diaacutelogo Fedro 265 ldquoSoacutecrates Em seguida classificamos o deliacuterio divino em quatro espeacutecies

um era o sopro profeacutetico de Apolo outro a inspiraccedilatildeo miacutestica de Dioniacutesio o terceiro o deliacuterio poeacutetico

inspirado pelas Musas e finalmente a quarta espeacutecie de deliacuterio devia-se agrave influecircncia de Afrodite e de Eros

Afirmamos que o deliacuterio causado pelo amor eacute o melhor de todos Natildeo soacute como noacutes que tambeacutem somos atingidos

pelo sopro do deus do amor afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual natildeo faltava

sentido - pudemos compor um hino mitoloacutegico ao amor o deus dos jovens o teu o meu deusrdquo (Traduccedilatildeo

Ibidem) Σωκράτης Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος

θέντες Διονύσου δὲ τελεστικήν Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος ἐρωτικὴν

μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος

ἐφαπτόμενοι τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον μυθικόν τινα

ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα ὦ Φαῖδρε καλῶν παίδων

ἔφορον

25

Isto eacute o seu caraacuteter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade distanciando

ainda mais o saber artiacutestico do cientiacutefico que eacute racional e controlado pelo homem proacuteprios

daqueles que possuem um saber-fazer uma teacutekhne Conclui-se entatildeo que Platatildeo opotildee arte

[teacutekhne] e inspiraccedilatildeo A teacutekhne sendo proacutepria das ciecircncias incluindo a sua atividade de

filoacutesofo e a inspiraccedilatildeo como proacutepria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral

incluindo a atividade do pintor

O entendimento do descontrole humano no fazer artiacutestico que eacute visto em alguns

diaacutelogos platocircnicos como conflitante e oposto agrave racionalidade advinda da teacutekhne entendida

nesse contexto como saber-fazer racional por vezes sobrecai no estudo do fazer artiacutestico

velando o olhar agraves zonas intermediaacuterias do fazer da obra de arte Lugar onde eacute possiacutevel

encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente

Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte eacute fundamental para que se

possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propotildee ele natildeo usa a palavra

irracional propriamente dita nem mesmo inspiraccedilatildeo para falar do processo de produccedilatildeo da

obra de arte Mas tampouco situa o processo artiacutestico como um saber-fazer totalmente

controlado e sabido previamente e completamente racional Sobre os meandros do processo

artiacutestico Pareyson explica

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma37

37

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

26

Seguindo esse raciociacutenio natildeo seria absurdo relacionar esta obediecircncia agrave obra de arte que

Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricaccedilatildeo artiacutestico a uma forccedila externa agrave

vontade do artista presente no fazer artiacutestico que tantos pensadores entre eles e pioneiramente

Platatildeo identificam Nas palavras de Pareyson ldquoEis aiacute o misteacuterio da arte a obra de arte se faz

por si mesma e no entanto eacute o artista que a fazrdquo38

Portanto aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma soluccedilatildeo entre as duas visotildees

divergentes dos dois filoacutesofos gregos ele traz a ideia que na arte o saber-fazer eacute adquirido no

momento do fazer por um inventar que segue a dinacircmica da proacutepria obra formante Isto eacute

para Pareyson o processo artiacutestico natildeo eacute completamente premeditado e controlado como

fruto de uma experiecircncia preacutevia que foi racionalizada como Aristoacuteteles descreve tampouco eacute

fruto de uma forccedila divina incontrolada pelo artista como se vecirc em alguns diaacutelogos de Platatildeo

Em suma se por um lado Aristoacuteteles entende as artes como racionais e passiacuteveis de

serem aprendidas atraveacutes da racionalizaccedilatildeo da experiecircncia por outro lado Platatildeo identifica as

artes como inspiradas e portanto traz a ideia de que a arte natildeo pode ser aprendida e nem

sequer ser produzida por meios racionais pois natildeo haveria esse sentido especiacutefico de teacutekhne

presente na atividade do artista

Esse entendimento de Platatildeo ajuda a explicar porque o fundador da Academia natildeo

costuma incluir as atividades do poeta do pintor e de outros artistas como similares agraves teacutekhnai

em geral como seraacute mostrado a seguir

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della crealivitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p329)

38

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p78 ldquoCheacute questo egrave il grande misterio dellrsquoarte lrsquoopera drsquoarte si fa da seacute eppure la fa lrsquoartistardquo (Idem Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p61)

27

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai

Outro ponto de divergecircncia entre Aristoacuteteles e seu predecessor a respeito dos conceitos

correlatos a teacutekhne eacute como foi sugerido acima a relaccedilatildeo das artes com outras teacutecnicas

humanas ou melhor outras atividades tecnoloacutegicas humanas Diferente de Platatildeo Aristoacuteteles

frequentemente inclui as atividades artiacutesticas como uma das teacutekhnai39

Isto eacute o estagirita

entende a atividade artiacutestica paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e

saberes humanos de forma anaacuteloga

O fato de Aristoacuteteles ter escrito a Poeacutetica texto dedicado a discorrer exclusivamente

sobre as questotildees concernentes agrave ldquopoietikeacute teacutekhnerdquo - expressatildeo que neste contexto pode ser

definida por ldquoarte poeacuteticardquo mesmo de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si soacute

que ele incluiu as artes (na acepccedilatildeo que entendemos hoje) no acircmbito do conjunto das teacutekhnai

E natildeo como Platatildeo normalmente indicava em oposiccedilatildeo para com as atividades racionais que

satildeo acompanhadas de conhecimentos teacutecnicos tal como a atividade do meacutedico ou do

marceneiro

Ou seja tal como foi mostrado no item anterior pode-se supor que Platatildeo costumava

isolar as artes tal como as entendemos hoje ie a pintura escultura teatro muacutesica situando-

as separadas das atividades racionais e teacutecnicas atividades estas que em vaacuterios de seus

diaacutelogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas enfatizando assim um

caraacuteter divino e irracional

Esse aspecto do conceito das teacutekhnai em Aristoacuteteles que inclui as atividades artiacutesticas

tal como as entendemos hoje no acircmbito de todas as outras atividades e saberes humanos eacute

fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson que tambeacutem natildeo separa a

atividade do artista das outras atividades humanas Diz ele que a formatividade natildeo eacute

exclusividade da arte mas sim de qualquer atividade produtiva humana ldquo[] O aspecto

39

Cf Verbete ltarte-teacutekhnegt In PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Ed Martins Fontes 2010 p11-12

28

essencial da arte eacute o produtivo realizativo executivo Mas tambeacutem aqui eacute preciso natildeo

esquecer que todas as atividades humanas tecircm um lado executivo e realizativo []rdquo 40

Esse raciociacutenio sobre a relaccedilatildeo entre arte e as outras atividades humanas embasa a

Teoria da Formatividade de forma central como fica expliacutecito nesse trecho do prefaacutecio da

ediccedilatildeo de 1988 do livro homocircnimo

O livro estuda a formatividade em todo o acircmbito da formatividade humana

indicando em cada operaccedilatildeo do homem aquele caraacuteter formativo pelo qual

ela eacute ao mesmo tempo produccedilatildeo e invenccedilatildeo no sentido esclarecido Mas

demora-se mais a considerar sobretudo que caracteriacutesticas essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido

propriamente dito 41

Ainda nas palavras dele retiradas do livro Os Problemas da Esteacutetica ldquoMas a

especificaccedilatildeo da arte natildeo deve isolaacute-la do resto ela soacute tem sentido se considerada sobre o

fundo da extensatildeo da arte sobre toda a operosidade humanardquo 42

Mais adiante ele completa

ldquoA arte verdadeira e propriamente dita natildeo teria mais lugar se toda a operosidade humana

natildeo tivesse jaacute um caraacuteter ldquoartiacutesticordquo que ela prolonga aprimora e exaltardquo 43

Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocaccedilatildeo de Pareyson natildeo eacute apenas

uma questatildeo de equivalecircncia isto eacute pensar as artes no conjunto das outras atividades sem

discriminaacute-las ou isolaacute-las como dos outros fazeres Mas eacute sobretudo uma questatildeo de natildeo

separaccedilatildeo das operosidades humanas como um todo

40

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p31 ldquo[] che laspetto essenziale dellarte egrave quello produttivo realizzativo esecutivo

Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attivitagrave umane hanno un lato esecutivo e realizzativo

[]rdquo(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p231)

41

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

42

Idem Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p37 ldquoMa la specificazione dellarte non deve isolare larte dal resto essa ha senso solo se accampata

sullo sfondo dellestensione dellarte allintera operositagrave umanardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235)

43

Ibidem op cit p38 ldquo Larte vera e propria non avrebbe mai luogo se lintera operositagrave umana non avesse

giagrave un carattere laquoartisticoraquo chessa prolunga raffina ed esaltardquo (Ibidem op cit p235)

29

Todavia esse entendimento de conexatildeo indissoluacutevel entre o saber produtivo da arte e

os outros campos dos saberes produtivos humanos natildeo desqualifica ou nivela a arte que claro

tem muitas especificidades especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de

Turim

Vale ressaltar que essa relaccedilatildeo da atividade artiacutestica para com as outras atividades

humanas eacute uma das questotildees mais complexas para se pensar sobre a arte Uma compreensatildeo

apressada sobre essa relaccedilatildeo pode acarretar distorccedilotildees sobre as reais diferenccedilas e

similaridades entre a produccedilatildeo da arte e de qualquer outra atividade como Pareyson alerta

Eis o problema das relaccedilotildees da arte com as outras atividades humanas que eacute

dos mais importantes da esteacutetica e tambeacutem dos mais complexos dada a

variedade dos liames que mais ou menos estreita a inextricavelmente

instituem-se entre as atividades do homem 44

Uma destas distinccedilotildees que natildeo se localiza no interior do processo artiacutestico

propriamente dito corresponde agrave eterna celeuma da relaccedilatildeo arte-artesanato Que por um lado

pode identificar a atividade artiacutestica como um mero fazer ldquomecacircnicordquo no sentido braccedilal

reduzindo a arte agrave mera teacutecnica sem que se verifique que arte natildeo eacute e natildeo pode ser reduzida agrave

tecnicidade da produccedilatildeo de uma obra pois eacute necessaacuterio que se leve em conta todo o processo

de elaboraccedilatildeo intelectual e imaginativa do artista

No entanto por outro lado a desvalorizaccedilatildeo do aspecto tecnicista e fabril da

elaboraccedilatildeo de uma obra de arte pode ainda enveredar para uma noccedilatildeo de arte isolada de

tudo45

localizando-a no acircmbito de um fazer inexplicaacutevel e inserida-a numa categoria do

irracional ou ateacute mesmo no campo do divino como por vezes Platatildeo o fez 46

44

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p38 ldquoEcco il problema dei rapporti dellarte con le altre attivitagrave chegrave uno dei piugrave importanti

dellestetica e anche dei piugrave complessi data la varietagrave dei legami che piugrave o meno strettamente e

inestricabilmente sistituiscono fra le attivitagrave delluomordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p236)

45

Cf Ibidem op cit p41-42

46

Cf Iacuteon e Fedro de Platatildeo

30

Ou ainda e sobretudo na contemporaneidade por parte de algumas linhas de

raciociacutenio haacute alguns que enveredaram por transformar em artiacutestica toda e qualquer atividade

como se tudo fosse embebido de arte numa tentativa de inserir a arte em tudo e

transformando todos em artistas ignorando assim as vaacuterias especificidades da atividade

artiacutestica e seus meandros Isso ateacute que pode ser beneacutefico se for feito consciente das

especificidades da operosidade artiacutestica e sua relaccedilatildeo simbioacutetica com a operosidade humana

Contudo essa problemaacutetica geralmente envereda para um esvaziamento da arte em si

e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artiacutestica pode trazer agrave

vida como se tudo fosse especial o tempo todo nesse sentido o especial da arte perde sua

razatildeo de ser Sobre esta questatildeo nas palavras de Pareyson

[] hoje natildeo faltam aqueles que reparando precisamente em como haacute um

caraacuteter artiacutestico inerente a toda e qualquer atividade humana intervindo em

qualquer lugar onde se alcance um ecircxito seja em que campo for

preocupam-se pouco depois com distinguir a arte verdadeira e propriamente

dita desta artisticidade geneacuterica Disso resulta que natildeo se garante

suficientemente a especificidade da arte e que natildeo se lhe oferece um reino

proacuteprio ainda que estreitamente unido com todo o resto (1989 p35) 47

47

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p35 ldquo[] non mancano oggi coloro che giustamente rilevando come un carattere

artistico inerisce a tutta intera lattivitagrave umana intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi

campo si preoccupano poco in seguito di distinguere da questa generica artisticitagrave larte vera e propria col

risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del arte e di non offrirle un regno proprio anche se

strettamente congiunto con tutto il restordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash

a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p233)

31

16 Teacutekhne e phyacutesis48

[natureza - entes naturais]

Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristoacuteteles define as teacutekhnai

eacute a relaccedilatildeo simeacutetrica entre estas como domiacutenio dos conhecimentos e atividades humanos e o

domiacutenio do conhecimento e atividade da phyacutesis [natureza] que serve como paradigma para a

primeira49

Esta simbioacutetica relaccedilatildeo pode ser verificada na leitura da tatildeo citada frase do filoacutesofo

grego ldquohe teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesinrdquo isto eacute [arte [teacutekhne] imita [mimeicirctai] a natureza

[phyacutesis]] (Fiacutesica II 194a) 50

nesta breve sentenccedila identifica-se os termos desta relaccedilatildeo ou

seja o entendimento de teacutekhne em Aristoacuteteles estaacute intimamente conectado com o conceito de

phyacutesis51

Relaccedilatildeo que define e fundamenta o conceito de teacutekhne [arte] como imitaccedilatildeo outra

definiccedilatildeo que eacute central no pensamento do estagirita

No entanto a definiccedilatildeo de arte como imitaccedilatildeo da natureza natildeo pode ser pensada como

mera coacutepia servil pois a relaccedilatildeo entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de

Aristoacuteteles propotildee a ideia da natureza como paradigma da teacutecnica ou seja propotildee uma

correlaccedilatildeo e um paralelismo entre teacutekhne e phyacutesis que culmina no entendimento de que as

teacutekhnai por vezes completam a natureza fazendo aquilo que ela (a natureza) natildeo faz Outro

ponto importante que esse binocircmio teacutekhnai-phyacutesis traz eacute a ideia de e que as coisas fabricadas

48

Phyacutesis no contexto da frase deve ser entendida como natureza como os ldquoentes naturaisrdquo e natildeo

necessariamente como a natureza no sentido de ldquomatildee naturezardquo Como explica Lucas Angioni ldquoAo leitor

contemporacircneo talvez seja estranho o uso que Aristoacuteteles faz do termo natureza (physis) Eacute preciso delimitar

sob qual sentido precisamente tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Fiacutesica Em Metafiacutesica V 4

Aristoacuteteles distingue vaacuterios sentidos de physis (i) physis no sentido de processo pelo qual algo nasce

(1014b 16-8 c f 193b 12-3) (ii) physis como princiacutepio de onde se daacute o movimento primeiro em cada ente

natural em si mesmo enquanto ele eacute ele mesmo (1014b 18-20 cf 192b 20-3) ( iii) physis no sentido de coisa

ou substacircncia a que atribuiacutemos propriedades (1015 11 -3 c f 193 32-3) e de modo mais geral realidade

subjacente ao discurso (cf Metafiacutesica 1003a 27 l053b 13 As partes dos animais 639a 10) Eacute raro no

vocabulaacuterio aristoteacutelico o sentido de natureza que para noacutes eacute o mais corriqueiro a matildee-natureza o

conjunto de todos os seres naturais o ambiente terrestre em seu todo enquanto conjunto de seres naturaisrdquo

(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p195) Tambeacutem cf Em PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de

Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p 46-47 e PETERS FE Termos

filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian

1977 p 189-190

49

Esta passagem que inicia o Livro II da Fiacutesica eacute bastante exclarecedora sobre como Aristoacuteteles entende os

entes naturais e a relaccedilatildeo da teacutecnica com eles Cf BITTAR Eduardo CB Curso de Filosofia Aristoteacutelica ndash

leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento aristoteacutelico Barueri Ed Manole 2003 p 382-385

50

Em grego transliterado he teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesin (ARISTOacuteTELES Fiacutesica II 2 194 a) As problemaacuteticas

concernentes agraves definiccedilotildees de miacutemesis seratildeo abordadas no capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo

51

GORBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p119

32

pela teacutekhne tecircm mecanismos anaacutelogos agraves coisas fabricadas pela natureza52

Nas palavras de

Aristoacuteteles

Em geral a teacutecnica perfaz certas coisas que a natureza eacute incapaz de elaborar

e a imita Assim se as coisas que satildeo conforme lsquoa teacutecnicarsquo satildeo em vista de

algo evidentemente tambeacutem o satildeo as coisas conforme lsquoa naturezarsquo pois os

itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira

semelhante nas coisas que resultam da teacutecnica e nas coisas que resultam da

natureza (Fiacutesica II 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita Pareyson faz uma correlaccedilatildeo entre os entes naturais e as

obras de arte esse paralelismo se configura como a base da noccedilatildeo de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo que o filoacutesofo de Turim cunha Nas palavras dele ldquoComo as coisas da natureza

assim tambeacutem as obras de arte possuem o traccedilo de serem puras existecircncias que se datildeo

inteiramente em sua presenccedila fiacutesica []rdquo 54

Tanto o destaque que Pareyson faz da relaccedilatildeo arte-natureza como as diferenccedilas e

similaridades para com a relaccedilatildeo que Aristoacuteteles faz entre teacutekhne e phyacutesis satildeo aspectos

fundamentais para entender o raciociacutenio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no

pensamento do filoacutesofo italiano que por sua vez eacute um dos pilares do conceito de arte como

ldquoformardquo

Essa questatildeo acerca do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo a partir do estudo da

filosofia aristoteacutelica seraacute amplamente estudada no capiacutetulo II desta dissertaccedilatildeo Pois embora

este tambeacutem possa ser considerado um ponto de intersecccedilatildeo entre os pensamentos de

Aristoacuteteles e Pareyson a maneira como Pareyson ldquotomardquo os conceitos aristoteacutelicos ultrapassa

52

Ver mais nos comentaacuterios de Angioni In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de

Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 214-215

53

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p58 Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι τὰ δὲ

μιμεῖται Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ

τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα

54

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquoCome le cose della natura cosigrave le opere dellarte hanno il carattere desser pure esistenze

che si danno interamente nella loro presenza fisica[]rdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

33

o sentido de diaacutelogo e de interpretaccedilatildeo se configurando mesmo como uma apropriaccedilatildeo que

Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristoteacutelica para assim construir uma das chaves

fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade isto eacute o conceito de ldquoformardquo

Outro ponto apenas esboccedilado aqui ou seja as problemaacuteticas concernentes em torno

das noccedilotildees Platocircnica e Aristoteacutelica de miacutemesis tambeacutem seratildeo esmiuccediladas mais adiante no

capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo Pois tambeacutem embora sejam intersecccedilotildees entre Platatildeo

Aristoacuteteles e Pareyson as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das

definiccedilotildees de ldquoformardquo e ldquoformatividaderdquo pareysonianas que seratildeo assunto do capiacutetulo II

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo

Poiacuteesis eacute outra palavra que natildeo corresponde nem ao ars latino muito menos aos

muitos significados de arte empregados hoje Algumas sutis poreacutem esclarecedoras diferenccedilas

valem ser ressaltadas

Tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles poiacuteesis pode ser entendida como sinocircnimo de

criaccedilatildeo fabricaccedilatildeo confecccedilatildeo fazer produccedilatildeo isto eacute a accedilatildeo de produzir alguma coisa

Contudo ambos os filoacutesofos tambeacutem utilizam a palavra poiacuteesis para se referir agrave poesia no

sentido estrito do termo Essa acepccedilatildeo corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa

ainda hoje ie poesia como a poesia mesma eg a poesia de Homero podendo ser escrita

falada cantada

Jaacute o termo utilizado por eles no sentido lato difere consideravelmente do entendimento

de poesia que muitas vezes se lecirc em textos atuais ie o sentido de poeacutetico como ldquoartiacutesticordquo

ligado agraves noccedilotildees de sensibilidade e de expressividade Pois no caso de Platatildeo e ateacute mesmo em

Aristoacuteteles poiacuteesis eacute mais utilizada no sentido de produzir mesmo o de produzir qualquer

coisa natildeo necessariamente uma obra artiacutestica ou poeacutetica (poesia mesma) e principalmente

sem o caraacuteter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente

34

Todavia eacute a ideia de poiacuteesis na acepccedilatildeo lata do termo que os gregos usualmente

utilizavam isto eacute o sentido de produccedilatildeo eacute essa acepccedilatildeo que interessa aqui no momento

como nessa passagem de Aristoacuteteles

[1140a 6] Dado que a arte de edificar eacute certa teacutecnica e precisamente certa

habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e dado que natildeo haacute teacutecnica alguma

que natildeo seja habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e natildeo haacute nenhuma

habilitaccedilatildeo [hexis] desse tipo que natildeo seja teacutecnica equivalem ao mesma

ldquoteacutecnicardquo e ldquohabilitaccedilatildeo [hexis] para produzir por raciociacutenio verdadeirordquo

[1140a10] Toda teacutecnica diz respeito ao vir a ser isto eacute a empreender e

examinar como se engendra algo que pode ser e natildeo ser e cujo princiacutepio

reside no produtor natildeo na coisa produzida [] (Eacutetica a Nicocircmaco 1140a 6-

10) 55

Entendam-se aqui as palavras teacutecnica e arte como traduccedilatildeo de teacutekhne e produzir como

traduccedilatildeo de poiacuteesis Pois parecer ser claramente essa a definiccedilatildeo de poiacuteesis anaacuteloga ao

sentido de teacutekhne que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade como

fica expliacutecito nesse trecho de seu livro homocircnimo ldquoOcioso seria insistir no evidente aspecto

realizativo executivo e ldquopoieacuteticordquo da formatividade formar significa antes de mais nada

ldquofazerrdquo poien em gregordquo56

55

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011 ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις

τις μετὰ λόγουποιητική καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν οὔτετοιαύτη ἣ οὐ

τέχνη ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ

τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι

ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ

Outra traduccedilatildeo do trecho acima disponiacutevel em portuguecircs ldquoOra como a arquitetura eacute uma arte sendo

essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que natildeo seja uma

capacidade desta espeacutecie nem capacidade desta espeacutecie que natildeo seja uma arte segue-se que a arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacuteniordquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross In ______ Os Pensadores IV- 1ordf Ed Satildeo

Paulo Ed Abril Cultural 1973 p343)

56

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p59 ldquoInutile insistire sullrsquoevidente aspetto realizativo esecutivo e poeacutetico della formativitagrave

formare significa anziutto lsquofarersquo poiecircnrdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p43)

35

18 Teacutekhne poietikoacutes

Na Metafiacutesica Aristoacuteteles divide as ciecircncias [epistecircme] 57

em trecircs grupos pratike

(praacutexis) poietike (teacutekhne poietike) e theoretike (theoria) 58

e o grupo que diz respeito agraves artes

eacute o das ldquociecircncias produtivasrdquo ou ldquoartes poeacuteticasrdquo [teacutekhnai poietikoacutes] 59

Pensadas como sinocircnimos em algumas passagens do filoacutesofo estagirita e traduzidas

como tal por alguns especialistas a relaccedilatildeo entre teacutekhne e poiacuteesis em Aristoacuteteles eacute

fundamental para a demarcaccedilatildeo e entendimento da sutil poreacutem fundamental distinccedilatildeo entre a

produccedilatildeo de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realizaccedilatildeo

da obra em si A relaccedilatildeo do saber-fazer com o fazer produtivo eacute uma das chaves para entender

como Aristoacuteteles pensava a atividade artiacutestica uma atividade que inclui um saber necessaacuterio

para a possibilidade de um fazer produtivo

Partindo do conceito duplo de teacutekhne poietikoacutes cunhado por Aristoacuteteles60

Pareyson vai

ainda mais longe para explicar a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o saber e o produzir da obra de arte

isto eacute ele traz agrave tona que o saber-fazer da arte eacute adquirido no momento do fazer propriamente

57

ldquoAristoacuteteles emprega com frequecircncia como os outros filoacutesofos e cientistas gregos os termos episteacuteme e teacutekhne

(ldquoarterdquo) como sinocircnimos Contudo a ciecircncia natildeo tem como finalidade a produccedilatildeo exceto as ldquociecircncias

poeacuteticasrdquo A ciecircncia tambeacutem se distingue da percepccedilatildeo e da experiecircncia na medida em que se move na esfera

do universalrdquo (Verbete CIEcircNCIA - episteacuteme) (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia

Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p21-23)

58ldquoAristoacuteteles distingue trecircs tipos de ciecircncia (Cf Metafiacutesica E 1) As ciecircncias teoreacuteticas ndash isto eacute contemplativas

ndash cujo objeto deve ser necessaacuterio e eterno Satildeo elas que satisfazem mais completamente as condiccedilotildees da ciecircncia

Aristoacuteteles distingue trecircs grandes teoreacuteticas cada uma das quais pode ser subdividida a matemaacutetica a fiacutesica e

a teologia Quanto agraves ciecircncias praacuteticas elas tratam do que concerne agraves accedilotildees humanas satildeo elas a eacutetica o

econocircmico e a poliacutetica que eacute na ordem praacutetica a ciecircncia suprema (cf Cidade) As ldquociecircncias poieacuteticasrdquo satildeo na

verdade artesrdquo PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 78-79

59

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica E 1 1025b 20-25 Pois bem eacute evidente que a fiacutesica natildeo eacute ciecircncia praacutetica nem

produtiva de fato o princiacutepio das produccedilotildees estaacute naquele que produz seja no intelecto seja na arte ou noutra

faculdade e o princiacutepio das accedilotildees praacuteticas estaacute no agente na voliccedilatildeo enquanto coincidem com o objeto da

accedilatildeo praacutetica e da voliccedilatildeo Portanto se todo conhecimento racional eacute ou praacutetico ou produtivo ou teoreacutetico

[]]rdquo (ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volume II Traduccedilatildeo de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de

Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p270-271 Tambeacutem ver a explicaccedilatildeo sobre trecho em

REALI Comentaacuterios In Idem Metafiacutesica - volume III traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo

Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p305) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ

στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή ἢ νοῦς

ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι ἡ προαίρεσις middot τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν)

[25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη []

60

Por exemplo como na passagem op cit da Eacutetica agrave Nicocircmaco VI 1140 a

36

dito daiacute a diferenccedila entre o saber teacutecnico da arte e o das outras atividades humanas

Entretanto isto natildeo significa que a arte natildeo prescinda de um conhecimento teacutecnico ou de

regras apenas marca que essas teacutecnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir

e natildeo previamente como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da

Esteacutetica

Analisando bem nada pode fazer-se sem regra nem mesmo uma obra de

arte o fato eacute que enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de

caraacuteter geral na arte pelo contraacuterio natildeo haacute outra lei senatildeo a regra

individual [] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de

fazer a obra natildeo elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito

severa a operaccedilatildeo artiacutestica consiste precisamente no instaurar com livre

inventividade uma necessidade feacuterrea e inviolaacutevel uma vez que a obra falha

se o artista natildeo faz o que ela proacutepria quer que ele faccedila 61

19 Poiacuteesis versus praacutexis

E por fim para Aristoacuteteles poiacuteesis62

tambeacutem ganha uma distinccedilatildeo importante com

relaccedilatildeo a outro conceito o de praacutexis63

A primeira visando agrave produccedilatildeo de uma obra - coisa e a

segunda caracterizada como a accedilatildeo propriamente dita sem resultar numa obra em si ie 61

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 130 ldquoA ben vedere nulla si puograve fare senza regola nemmeno unopera darte il fatto egrave

che mentre nelle altre attivitagrave la regola sispira a leggi di carattere generale invece nellrsquoarte non cegrave altra

legge che la regola individuale [] E il fatto che la regola sia inventata dallrsquoartista nellrsquoatto di fare lrsquoopera non

toglie che la legalitagrave dellrsquoarte sia rigorosa e severissima lrsquooperazione artistica consiste precisamente

nellinstaurare con libera inventivitagrave una necessitagrave ferrea e inviolabile giaccheacute lopera fallisce se lartista non fa

ciograve chessa stessa vuole chegli facciardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p317-318 )

62

ldquoPoiacuteesis Operaccedilatildeo fabricaccedilatildeo em oposiccedilatildeo agrave accedilatildeo imanente Aristoacuteteles mostra alternadamente a reflexatildeo

que preside agrave pracircxis e agrave poiacuteesis (Et Nic VI I 4-5) e depois insiste em marcaacute-las como duas atividades distintas

(ibid VI IV 5)rdquo (GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 2007 p119)

63

ldquoPracircxis Accedilatildeo oposta agrave atividade fabricadora (poiacuteesis) eacute assim que a moral se distingue da arte (teacutekhne)rdquo

GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p12 Embora como explica Lucas Angioni deva se tomar cuidado com esta distinccedilatildeo nas palavras de Angioni

ldquoEm Eacutetica agrave Nicomaco1140a1-6 Aristoacuteteles introduz uma distinccedilatildeo entre accedilatildeo ndash aquilo que noacutes fazemos

racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da accedilatildeo) ndash e produccedilatildeo ndash

um conjunto de operaccedilotildees racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da accedilatildeoEssa

distinccedilatildeo deve ser avaliada com ponderaccedilatildeordquo (ANGIONI Lucas Phronesis e Virtude do Caraacuteter em

Aristoacuteteles Comentaacuterios a Eacutetica a Nicocircmaco VI Dissertatio nordm34 (p303 ndash 345) - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) p316 Campinas 2011)

37

praacutexis se configura mormente como um termo mais usado no sentido moral e eacutetico Como

fica claro nessa passagem da Eacutetica a Nicocircmaco

Entre as coisas que podem ser de outro modo haacute aquilo que se pode produzir

e aquilo que podemos fazer Satildeo coisas distintas a produccedilatildeo e a accedilatildeo (a

respeito desse assunto fiamo-nos tambeacutem nas obras divulgadas)

Consequentemente tambeacutem satildeo coisas distintas a habilitaccedilatildeo racional para

agir e a habilitaccedilatildeo racional para produzir Por isso essas coisas natildeo estatildeo

contidas uma na outra nem a accedilatildeo eacute produccedilatildeo nem a produccedilatildeo eacute accedilatildeo

(1140 a 1-5) 64

Portanto a partir dessa breve anaacutelise pode-se concluir que em Aristoacuteteles a poeacutetica

tem o sentido muito claro ligado agrave produccedilatildeo de uma obra e natildeo apenas num fazer somente e

mais ainda num fazer que produzisse coisas Eacute a partir desses entendimentos de poiacuteesis tanto

no sentido estrito do termo como no lato que Aristoacuteteles escreve a Poietikeacute ndash Peri Poietikes

[Do poeacutetico]

A Poeacutetica eacute sobretudo o estudo de um saber-fazer da produccedilatildeo poeacutetica [teacutekhne

poietikoacutes] que pode ser estudado minuciosamente O tratado que apenas parcialmente chegou

ateacute noacutes eacute uma espeacutecie de texto normativo sobre o fazer artiacutestico de produccedilatildeo de coisas no

caso ali da obra teatral a parte que conhecemos enfatiza as questotildees da Trageacutedia e da

Epopeia embora discorra sobre vaacuterias outras artes inclusive a pintura 65

64

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia (Universidade

Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν

δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις) ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου

ποιητικῆς ἕξεως διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν

Outra traduccedilatildeo do trecho acima ldquoNa classe do variaacutevel incluem-se tanto coisas produzidas como coisas

praticadas Haacute uma diferenccedila entre produzir e agir (quanto agrave natureza de ambos consideramos como assente o

que temos dito mesmo fora de nossa escola) de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da

capacidade raciocinada de produzir Daiacute tambeacutem o natildeo se incluiacuterem uma na outra porque nem agir eacute

produzir nem produzir eacute agirrdquo (Ibidem Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de

W D Ross In ARISTOacuteTELES 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo v IV)

p343)

65

Cf CARCHIA Gianni e DrsquoANGELO Paolo (direccedilatildeo) Dicionaacuterio de Esteacutetica Traduccedilatildeo Abilio Queiroacutes e

Joseacute Correia Serra Lisboa Ediccedilotildees 70 1999 p 283-284

38

Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que

Pareyson utiliza a importacircncia da obra de arte como resultado necessaacuterio Ou seja a arte eacute

um tipo de fazer que visa agrave produccedilatildeo de uma obra isto eacute sem obra sem resultado e mais

sem produto natildeo haacute fazer natildeo haacute arte Esse tambeacutem eacute um dos pontos essenciais da esteacutetica

do filoacutesofo de Turim

Esse destaque agrave importacircncia da obra fabricada da coisa mesma como central ao proacuteprio

fazer artiacutestico leva a outro conceito de Aristoacuteteles que Pareyson destaca como fundamental

aos estudos de arte que satildeo formulados por ele na Teoria da Formatividade o de

ldquoorganismordquo Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson

Primeiro a concepccedilatildeo antiga de arte como poieicircn como ldquofazerrdquo na qual

todavia permaneceraacute agrave sombra a distinccedilatildeo entre arte no sentido verdadeiro e

proacuteprio e a arte mera teacutecnica e em segundo lugar o conceito natildeo menos

antigo de organismo como foi admiravelmente definido e entregue agrave

discussatildeo de toda a histoacuteria da Filosofia por Platatildeo e sobretudo Aristoacuteteles

Mas essa dupla tradiccedilatildeo deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos

modernos66

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars

Feita a breve revisatildeo dos principais sentidos dos termos gregos poiacuteesis e teacutekhne vale

retomar a origem do termo arte em portuguecircs que vem natildeo do grego mas do ars latino Em

latim o termo tambeacutem aparece com definiccedilotildees similares agraves apontadas para poiacuteesis e teacutekhne

unindo num soacute termo as acepccedilotildees mais recorrentes das duas palavras em grego como explica

Umberto Eco

[] a opiniatildeo dos medievais sobre a ars de facto salvo numerosas e tiacutepicas

flutuaccedilotildees que uma anaacutelise minuciosa conseguiria explicar manteve-se

quase unacircnime e ancorada numa doutrina claacutessica e intelectualista do fazer

humano [] As definiccedilotildees citadas implicam dois elementos basilares um

66

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p10 ( Pressaacuterio do autor agrave ediccedilatildeo de 1988)

39

cognitivo (ratio cogitare) e o outro produtivo (faciendi factibilium) e nesses

pressupostos baseiam-se a doutrina da arte 67

Isto eacute dentre os vaacuterios significados em que ars aparece em textos latinos na maioria

das vezes o mais recorrente eacute o sentido de ofiacutecio de habilidade adquirida pelo estudo praacutetica

Nas palavras de Eco ldquoA arte eacute um conhecimento de regras atraveacutes do qual podem ser

produzidas coisasrdquo 68

E mais adiante ele atenta ldquoA arte inscreve-se no domiacutenio do fazer natildeo

do agirrdquo 69

retomando assim a distinccedilatildeo entre poieicircn (fazer-produzir) e praacutexis (agir) que

Aristoacuteteles estabeleceu

111 Arte como ecircxito

No entanto um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido

particular e com uma leve diferenccedila entre os significados de teacutekhne em grego e do ars em

latim Do ponto de vista lexical ars tem uma ligaccedilatildeo com o termo artus [estreito] cujo

sentido primitivo eacute tambeacutem ldquobem ajustadordquo ldquobem adaptadordquo levando agrave noccedilatildeo de ajuste

harmonia destreza maestria ie acepccedilotildees que a palavra ars carrega consigo ainda hoje

entre outros significados 70

Umberto Eco tambeacutem chama a atenccedilatildeo para esse sentido particular de ars como

destreza Ele cita uma suposta origem etimoloacutegica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha

atentaram ldquoarsrdquo como tendo vindo do grego areteacutes (virtude) correlato ao latim virtus

[virtude]71

Embora alguns dicionaacuterios de latim indiquem essa origem etimoloacutegica de ars

advindo do grego areteacutes eacute provaacutevel que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars

67

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

68

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

69

Ibidem p127

70

Cf LOMBARDO Giovanni A Esteacutetica na Antiguidade Claacutessica Traduccedilatildeo de Isabel Tereza Santos Lisboa

Ed Estampa 2003 p33

71

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126-127

40

vinha adquirindo no decorrer dos seacuteculos V VI VII da nossa era Isso pode explicar porque

como cita Eco Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligaccedilatildeo entre ars e areteacutes sem que

necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra

latina teria

O fato eacute que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o

tempo e que eacute um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra ldquoarterdquo traz

nos dias de hoje ou seja o sentido de perfeiccedilatildeo de ecircxito de completude E aqui perfeiccedilatildeo

entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa

excepcional acima do padratildeo do simplesmente bom

Natildeo que teacutekhne deixe de ter essa noccedilatildeo de bem-sucedido do bem feito sem duacutevida a

ideia de saber-fazer de habilidade traz impliacutecita a noccedilatildeo de coisa bem feita Como eacute possiacutevel

verificar nesta passagem da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles (1141 a 9)

Nas teacutecnicas atribuiacutemos sabedoria aos que satildeo mais apurados na

competecircncia teacutecnica por exemplo dizemos que Fiacutedias eacute um saacutebio escultor e

que Policleto eacute um saacutebio produtor de estaacutetuas Nesse caso nada mais

queremos dizer senatildeo que a sabedoria eacute a excelecircncia da teacutecnica [] 72

Contudo a valorizaccedilatildeo dessa noccedilatildeo ligada agrave ideia de arte como um saber-fazer

produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo

de traduccedilatildeo da teacutekhne grega para o ars latino

Embora natildeo evoque a origem etimoloacutegica do termo latino Pareyson em vaacuterias

passagens de seus muitos textos sobre arte valoriza o aspecto da obra de arte que tem como

uma de suas premissas o ecircxito e a perfeiccedilatildeo em si mesma perfeiccedilatildeo aqui entendida como

72

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ

Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν

εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ

Em outra traduccedilatildeo ldquoA sabedoria nas artes eacute atribuiacuteda aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a

Fiacutedias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui natildeo entendemos outra coisa

senatildeo a excelecircncia na arterdquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p345)

41

completude esse aspecto eacute um dos pontos centrais da definiccedilatildeo de arte que embasa a Teoria

da Formatividade Nas palavras dele

[] A obra de arte consiste precisamente nisto no natildeo querer ter outra

justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma forma que vive de per si uma

inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto de realidade alguma coisa que

primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero uma realizaccedilatildeo primeira e

absoluta73

Nesse sentido pode-se concluir que a indagaccedilatildeo e explicaccedilatildeo do que significa uma

obra ser bem sucedida bem como o entendimento do espectador com relaccedilatildeo a esse ecircxito e

sobretudo esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da

criaccedilatildeo de uma obra de arte em si compotildeem parte da Teoria da Formatividade como essa

passagem indica

[] a arte eacute um facere (fazer) que eacute perficere (aperfeiccediloar) e a obra revela a

proacutepria insubstituiacutevel perfeiccedilatildeo somente a quem souber captaacute-la no processo

que se adequa consigo mesma Somente entatildeo a obra se mostra imodificaacutevel

no seu caraacuteter de ldquocompletuderdquo e fecunda em sua ldquoexemplaridaderdquo e se vecirc

como eacute absurdo aprisionaacute-la em uma pretensa insularidade esquecendo-se

das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui e

esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de

estilos de escolas e tradiccedilotildees E soacute entatildeo se pode verdadeiramente ldquolerrdquo e

ldquojulgarrdquo a obra Porque por um lado ler significa executar e executar

significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual eacute com aquilo que

ela mesma pretendia ser E tanto uma coisa como outra soacute satildeo possiacuteveis

quando se compreende a obra como lei para si mesma 74

73

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 37 ldquoLopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra

giustificazione che desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un

incremento imprevisto della realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una

realizzazione prima e assolutardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235

74

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p13- 14 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

42

Em suma a obra formada deve ser ldquobem sucedidardquo para ser considerada arte E o

ecircxito da obra formada eacute pressuposto necessaacuterio para o entendimento e o estudo do fazer

artiacutestico e seus meandros

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade

Apoacutes sucinta revisatildeo das principais acepccedilotildees de teacutekhne poiacuteesis e ars e as

consequentes implicaccedilotildees desses sentidos no pensamento de Pareyson pode-se resumir da

seguinte maneira

Poiacuteesis tem como principal acepccedilatildeo a accedilatildeo produtiva em si isto eacute pressupotildee um fazer

que produza alguma coisa Teacutekhne mais comumente diz respeito ao conhecimento necessaacuterio

para a realizaccedilatildeo dessa accedilatildeo o saber-fazer para um fazer-produtor No caso de Platatildeo teacutekhne

costuma aparecer como o saber-fazer o conhecimento teacutecnico habilidade adquiridos por

meio da razatildeo Enquanto que em Aristoacuteteles o que mais prevalece eacute a acepccedilatildeo de teacutekhne

como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensaccedilatildeo e da experiecircncia e

sintetizados pela razatildeo Em Pareyson o saber-fazer [teacutekhne] eacute inventivo e contemporacircneo ao

proacuteprio ato de produccedilatildeo da obra [poiacuteesis]

Outro aspecto importante que a revisatildeo dos termos em grego suscita sobretudo em

Aristoacuteteles eacute a relaccedilatildeo simbioacutetica entre teacutekhne ndash phyacutesis que transforma o saber-fazer teacutecnico

como anaacutelogo aos processos da natureza [phyacutesis] bem como a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o

saber-fazer produtivo ligado agrave atividade artiacutestica e sua simetria entre os saberes-fazeres da

operosidade humana como um todo ideias igualmente presentes e importantes no pensamento

do autor da Teoria da Formatividade

Enquanto os sentidos mais recorrentes do ars latino provavelmente cristalizados no

decorrer dos seacuteculos da nossa era podem ser resumidos como o saber-fazer produtivo

acrescido da ideia da produccedilatildeo com domiacutenio de habilidade de excelecircncia resultando na obra

de arte como puro ecircxito

43

CAPIacuteTULO II

Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

ldquoEacute certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente

uma esteacutetica natildeo tendo ali um nexo que relacione diretamente

agrave poeacutetica e a retoacuterica com a metafiacutesica do belo mas seria

absurdo duvidar da fecundidade que tecircm alguns conceitos

antigos no campo da esteacutetica mesmo que originariamente natildeo

referidos agrave arte pelo menos segundo entendemos hojerdquo

Pareyson 1966 75

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade

O capiacutetulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de

teacutekhne e poiacuteesis Enquanto neste capiacutetulo o primeiro passo seraacute o de esmiuccedilar as nuances do

conceito pareysoniano de ldquoformardquo para entatildeo investigar as fundamentaccedilotildees do conceito da

ldquoformatividaderdquo propriamente dita

Pois antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e

estudar como esta teoria localiza o fazer artiacutestico faz-se necessaacuterio discorrer sobre o conceito

de ldquoformardquo em Pareyson E assim como arte [teacutekhne] e poesia [poiacuteesis] ldquoformardquo que

costuma ser traduccedilatildeo de eidos mas que tambeacutem pode ser traduccedilatildeo de morpheacute para citar dois

exemplos de traduccedilotildees possiacuteveis eacute outra palavra que acarreta interpretaccedilotildees diversas jaacute que

ldquoformardquo eacute um termo que recepciona variadas significaccedilotildees nos campos da filosofia e dos

estudos sobre arte

75

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoEs muy cierto que en la filosofiacutea antigua y medieval falta precisamente un esteacutetica no

habiendo alliacute un nexo que relacione directamente la poeacutetica y la retoacuterica con la metafiacutesica de lo bello pero

seriacutea absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la esteacutetica tienen algunos conceptos originariamente no

referidos al arte al menos seguacuten lo entendemos hoyrdquo (PAREYSON Luigi Conversaciones de esteacutetica

Traduccioacuten de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

44

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo

Como apontado acima a primeira demarcaccedilatildeo necessaacuteria diz repeito a uma possiacutevel

confusatildeo terminoloacutegica consideravelmente capciosa pois algumas palavras gregas

amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o portuguecircs como

ldquoformardquo Como foi dito certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e

das teorias da arte tais como eidos76

seu cognato Ideacutea77

e morpheacute78

entre outros podem ser

encontrados em diversos textos tanto antigos como atuais Tambeacutem satildeo vistos por vezes

como sinocircnimos outras vezes trazendo sentidos antagocircnicos pois se observa que estas

palavras podem aparecer com significados bastante distintos tanto em textos de um mesmo

pensador como quando por exemplo se compara as peculiaridades da filosofia de Platatildeo

para com a de Aristoacuteteles ganhando assim inuacutemeras acepccedilotildees e sentidos

Eacute o caso do termo eidos por exemplo que pode ser traduzido por ideia aparecircncia

espeacutecie essecircncia e claro forma entre outras palavras contudo essas simples traduccedilotildees para

o portuguecircs natildeo chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos

que esse termo pode carregar sobretudo quando se pretende distinguir os diversos usos e

concepccedilotildees dentre Platatildeo e Aristoacuteteles

Como algumas das acepccedilotildees conceituais destes termos sobretudo as advindas do

fundador da Academia mas tambeacutem outras com origem no pensamento aristoteacutelico povoam

76

O termo ldquoeidosrdquo parace ter sua origem num verbo arcaico lsquoeiacutedomairsquo quer dizer apareccedilo ser visto de onde

deriva um dos sentidos de ldquoeidosrdquo como aprarecircncia e aspecto mas com o tempo ldquoeidosrdquo ganhou um sentido de

aspecto espeacutecie utilizado por Aristoacuteteles entre outros textos na Metafiacutesica No entanto o sentido do termo

varia desde a noccedilatildeo de ldquoessecircnciardquo encontrado em laguns texto de Platatildeo como no Fedro e como sinocircnimo de

Ideacutea ainda em textos platocircnicoscomo na Repuacuteblica VII ligado Aristoacuteteles em vaacuterios textos como na

Metafiacutesica e na Fiacutesica tambeacutem usa a palavra eidos na acepccedilatildeo simples de forma mesmo como sinocircnimo de

morpheacute Entre outros significados em outros autores e em outros textos Cf em GOBRY Ivan Vocabulaacuterio

Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sobre eidos - ideacutea p 49 50 79

sobre morpheacute p95

77

ldquoEiacutedos aparecircncia natureza constitutiva forma tipo espeacutecie ideiardquo Cf verdete ldquoeidosrdquo In PETERS FE

Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbekian 1977 p62 - 67

78

ldquoVaacuterias palavras empregadas por Aristoacuteteles podem ser traduzidas por forma O termo mais amplo para

designar forma em grego parece ser lsquomorpheacutersquo Fundamentalmente essa palavra designa o aspecto de uma coisa

e mais precisamente seu aspecto belo agradaacutevel [] A forma como lsquoeidosrsquo pretende revelar por traacutes do que eacute

visiacutevelo que constitui a verdadeira natureza das coisasrdquo (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles

Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p32-33) Outra palavra de possiacutevel traduccedilatildeo como

forma eacute lsquoschemarsquo poreacutem mais especiacuteficae sobretudo usada como sinocircnimo de sinal como letras e nuacutemeros

Ver em Peters ldquoScheacutema Aparecircncia forma - aisthesis stoicheionrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos-

um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p212)

45

as discussotildees filosoacuteficas sobre arte ainda hoje sendo encontradas em inuacutemeros textos sobre

do seacuteculo XX 79

sendo assim surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria

igualmente fazendo uso dessas tradiccedilotildees o que natildeo eacute o caso aqui Todavia por hora natildeo

parece ser necessaacuterio discorrer mais sobre os inuacutemeros significados e conceitos correlatos agraves

palavras gregas acima citadas pois o importante eacute alertar que essas palavras e as suas

respectivas e inuacutemeras acepccedilotildees correlatas natildeo satildeo a origem do conceito pareysoniano de

ldquoformardquo Mas sim o conceito de ldquoorganismordquo advindo dos subsiacutedios da leitura de alguns

textos da filosofia aristoteacutelica como seraacute mostrado a seguir

Ademais o conceito de ldquoformardquo eacute central para Pareyson e soacute natildeo deu nome agrave sua

teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona o que

poderia acarretar interpretaccedilotildees equivocadas sob uma leitura apressada80

Aleacutem disso o

filoacutesofo italiano usa o termo de modo bem especiacutefico como ele mesmo define no iniacutecio do

seu livro Esteacutetica Teoria da Formatividade Segue a siacutentese da definiccedilatildeo do conceito de

ldquoformardquo cunhado por Pareyson

[] aqui se compreende a forma como organismo que goza de vida proacutepria

e tem sua proacutepria legalidade intriacutenseca totalidade irrepetiacutevel na sua

singularidade independente em sua autonomia exemplar em seu valor

fechada e aberta ao mesmo tempo finita e ao mesmo tempo encerrando um

infinito perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerecircncia inteira na

adequaccedilatildeo reciacuteproca entre as partes e o todo 81

Portanto seraacute a partir do entendimento da noccedilatildeo de ldquoorganismordquo no especiacutefico

contexto pareysoniano que se buscaraacute definir e delinear o conceito de ldquoformardquo

79

Como por exemplo nos textos de Erwin Panofsky eg cf PANOFSKY Erwin Idea A evoluccedilatildeo do

conceito de belo Trad Paulo Neves Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 p23-25 Bem como eg nos textos de

Artur Danto Cf DANTO Artur C A transfiguraccedilatildeo do Lugar Comum Trad de Vera Pereira Satildeo Paulo Cosac

amp Naify 2006p47

80

Cf PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 199 p9 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

81

Ibidem p9-10 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

46

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo a partir de Aristoacuteteles

Assim como foi feito um movimento em direccedilatildeo aos pensamentos de Platatildeo e

Aristoacuteteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte

atraveacutes da anaacutelise das diversas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis tambeacutem agora o caminho

continua a seguir no diaacutelogo entre Pareyson e a filosofia antiga

Inicialmente algumas diferenccedilas precisam ser demarcadas A primeira distinccedilatildeo eacute que

enquanto no caso da revisatildeo de definiccedilotildees concernentes agrave teacutekhne e poiacuteesis o percurso se

voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristoacuteteles como de Platatildeo

No caso que concernem as definiccedilotildees relacionadas agrave noccedilatildeo pareysoniana de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo a revisatildeo eacute exclusivamente a partir da leitura de Aristoacuteteles

Pois como o proacuteprio Pareyson bem localiza o sentido adotado por ele para definir

ldquoformardquo adveacutem principalmente dos aportes do que ele chama de conceito de ldquoorganismordquo

encontrado nos textos de Aristoacuteteles nas palavras de Pareyson

[] os conceitos de teacutechne e organismo que hoje satildeo decisivos para uma

compreensatildeo adequada da arte e que foi Aristoacuteteles o primeiro a expor Sem

duacutevida a relevacircncia esteacutetica desses dois conceitos reside em sua uniatildeo

embora Aristoacuteteles natildeo os tenha estudado em funccedilatildeo da arte nem tenha nem

previsto nem intuiacutedo a sua possiacutevel relaccedilatildeo mas todavia a anaacutelise que ele

fez ainda eacute o ponto de partida necessaacuterio para qualquer estudo que possa

empreender e eacute ao mesmo tempo fonte de novas e criativas sugestotildees 82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platatildeo e de

Aristoacuteteles e destacados por Pareyson eacute que como jaacute foi mostrado a respeito da teacutekhne que

este natildeo eacute um conceito exclusivamente relacionado agraves problemaacuteticas concernentes agrave arte

tampouco eacute o conceito de ldquoorganismordquo Embora teacutekhne ainda seja mais relacionada agrave arte tal

82

(Traduccedilatildeo nossa) ldquo[hellip] por ejemplo de los conceptos de teacutechne y de ldquoorganismordquo que hoy son decisivos

para una adecuada comprensioacuten del arte y que fue Aristoacuteteles el primero en exponer Sin duda la relevancia

esteacutetica de estos dos conceptos reside en su unioacuten aunque Aristoacuteteles no habieacutendolos estudiando en funcioacuten del

arte ni previoacute ni intuyoacute su posible relacioacuten pero el anaacutelisis que le hizo es todaviacutea el necesario punto de partida

de cualquier estudio que se pueda emprender y es al mismo tiempo fuente de sugerencias nuevas y creativasrdquo

(PAREYSON Luigi Forma organismo y abstraccioacuten (PAREYSON Conversaciones de esteacutetica Traduccioacuten

de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid La Bolsa de la Medusa - Visor 1988 p85) (Cf op cit p88-89)

47

como eacute comumente definidas nos das de hoje e pode ateacute mesmo ser traduzida enquanto tal

Contudo como tambeacutem jaacute foi abordada no capiacutetulo anterior essa possibilidade de se traduzir

teacutekhne por ldquoarterdquo por vezes pode natildeo ser a melhor opccedilatildeo sobretudo pela distacircncia que haacute

nas definiccedilotildees usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega sobretudo em

Platatildeo e Aristoacuteteles e o contexto da atualidade

Por conseguinte no caso da definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo a distacircncia desse conceito com

relaccedilatildeo agraves discussotildees mais aceitas e mais comuns sobre arte eacute ainda mais acentuada Ateacute

mesmo o proacuteprio termo ldquoorganismordquo natildeo eacute exatamente um termo que pode ser facilmente

encontrado em Aristoacuteteles embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a

filosofia do estagirita E assim como no caso de teacutekhne outros conceitos correlatos presentes

no pensamento de Aristoacuteteles satildeo fundamentais para um entendimento completo do recurso

que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristoteacutelica

A definiccedilatildeo do conceito de cunho aristoteacutelico que Pareyson nomeia como ldquoorganismordquo

pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poeacutetica

[] Aleacutem disto o belo mdash ser vivente ou o que quer que se componha de

partes mdash natildeo soacute deve ter essas partes ordenadas mas tambeacutem uma grandeza

que natildeo seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e

portanto um organismo vivente pequeniacutessimo natildeo poderia ser belo (pois a

visatildeo eacute confusa quando se olha por tempo quase imperceptiacutevel) e tambeacutem

natildeo seria belo grandiacutessimo (porque faltaria a visatildeo do conjunto escapando agrave

vista dos espectadores a unidade e a totalidade imagine-se por exemplo um

animal de dez mil estaacutedios) Pelo que tal como os corpos e organismos

viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptiacutevel como um todo

assim tambeacutem os mitos devem ter uma extensatildeo bem apreensiacutevel pela

memoacuteria (VII 1450b 34 ndash 1451a 1-6) 83

83

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973

Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν

ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόνmiddot τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι

γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες

[1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ

μυρίων σταδίων εἴη ζῷονmiddot ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος τοῦτο δὲ

εὐσύνοπτον εἶναι οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι

Outra traduccedilatildeo ldquoAleacutem disso uma coisa bela ndash seja um animal seja toda uma accedilatildeo ndash sendo composta de

algumas partes precisaraacute natildeo somente de as ter ordenadas mas tambeacutem de ter uma dimensatildeo que natildeo seja ao

48

No entanto o uso do conceito de ldquoorganismordquo se encontra principalmente nos textos

de ldquoFilosofia da Naturezardquo sobretudo no livro intitulado na tradiccedilatildeo latina por ldquoDe Partibus

Animaliumrdquo [As partes dos animais] quando Aristoacuteteles tece definiccedilotildees de organismo vivo

para tratar sobretudo dos estudos dos animais e suas causas como tambeacutem tece correlaccedilotildees

entre os ldquoentes naturaisrdquo e as ldquocoisas fabricadasrdquo como nesta passagem

E eacute preciso que tambeacutem natildeo seja negligenciada a questatildeo de saber se

conveacutem se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigaccedilatildeo mdash de

que modo cada ente naturalmente vem a ser mais do que de que modo eacute

Pois a diferenccedila entre isto e aquilo natildeo eacute pequena Mas afigura-se que se

deve comeccedilar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente

dissemos) primeiramente deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a

respeito de cada gecircnero e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto

mdash e tambeacutem no que concerne ao vir a ser Pois tambeacutem no caso da

construccedilatildeo de casa tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa eacute de tal e

tal qualidade e natildeo eacute porque vem a ser assim que a casa eacute de tal e tal

qualidade Pois o vir a ser eacute em vista da essecircncia e natildeo eacute a essecircncia que eacute em

vista do vir a ser (De Part An I 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85

define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em

Aristoacuteteles aquele usado com paralelismo para a definiccedilatildeo de obra de arte em algumas teorias

da arte atuais principalmente em Pareyson

acaso a beleza reside na dimensatildeo e na ordem e por isso um animal belo natildeo poderaacute ser nem demasiado

pequeno( pois a visatildeo confunde-se quando dura um espaccedilo imperceptiacutevel do tempo) nem demasiado grande (a

vista natildeo abrange tudo e assim escapa agrave observaccedilatildeo d quem vecirc a unidade e a totalidade)rdquo (Ibidem Traduccedilatildeo

Ana Maria Valente 4ordf ed Lisboa Fundaccedilatildeo Galouste Gulbekian 2011 p51-51)

84 ARISTOacuteTELES As partes dos Animais Livro I traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni in Cadernos de

Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia seacuterie 3 v9 n especial 1999 Campinas Centro de Loacutegica Epistemologia e

Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

Πρὸς δὲ τούτοις ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ

ἀρχὴ τῆς κινήσεως διοριστέον καὶ περὶ τούτων ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν Φαίνεται δὲ πρώτη ἣν

λέγομεν ἕνεκά τινος λόγος γὰρ οὗτος ἀρχὴ δacute ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει

συνεστηκόσιν Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν ὁ δacute οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν

ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου καὶ διότι ποιητέον οὕτως

(Ver tambeacutem em ARISTOacuteTELES De Part An 640b 29 641a 5 645a 30 e 645 b 14 )

85

Filoacutesofo italiano e professor da Universidade de Turim Foi aluno e orientando aleacutem de ser disciacutepulo

assumido de Pareyson Escreveu vaacuterios textos sobre Aristoacuteteles um com supervisatildeo direta de Pareyson que foi

seu orientador para a sua tese acadecircmica Il Concetto di fare in Aristotele publicada em livro homocircnimo em

1961

49

Haacute um conceito aristoteacutelico que eacute proacuteprio do mundo natural e precisamente

da natureza vivente que eacute o de organismo (conceito que natildeo corresponde a

uma uacutenica palavra em Aristoacuteteles - organismo a tiacutetulo pleno eacute animal mas

tambeacutem uma planta - mas que ainda eacute bem reconheciacutevel e presente em seu

pensamento chamamos de organismo no sentido proacuteprio de ser vivente

organizado) O qual eacute hoje muito utilizado pelos teoacutericos da esteacutetica a fim

definir as obras de arte 86

Isto eacute entre outras acepccedilotildees Pareyson usa a noccedilatildeo de organismo aristoteacutelico no

sentido de ser vivo Portanto organismo aqui configura como um conjunto dos oacutergatildeos daiacute o

nome ldquoorganismordquo mas natildeo qualquer organismo o de organismo vivente que carrega consigo

tudo aquilo que Aristoacuteteles pensava como ente dotado de vida isto eacute as ideias de geraccedilatildeo

crescimento morte movimento finalidade E em especial para o presente estudo a ideia de

conjunto de partes que constituem um todo que culminam nas ideias de totalidade e unidade

das partes no todo

Por isso o conceito de ldquoorganismordquo em Pareyson aparece acrescido da ideia de

ldquototalidaderdquo que gera ldquounidaderdquo e portanto a acepccedilatildeo metafiacutesica encontrada nos textos de

Aristoacuteteles tambeacutem se faz presente atraveacutes desses dois termos amplamente usados pelo

estagirita Isto eacute o que realmente explica o entendimento aristoteacutelico de ldquoorganismordquo que

Pareyson recorre eacute a iacutentima relaccedilatildeo deste conceito com certas acepccedilotildees especiacuteficas dos

conceitos aristoteacutelicos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten]87

Gobry explica88

que

Aristoacuteteles89

teria quatro sentidos para a palavra heacuten ldquocontiacutenuordquo ldquounidade-formardquo ldquounidade-

86

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoCrsquoegrave un concetto aristotelico che egrave proprio del mondo naturale e precisamente dellla

natura vivente quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele ndash organismo a

titolo pieno egrave lrsquoanimale ma anche la pianta agrave tale ndash ma che egrave comunque bem riconoscibile e presente nel sue

pensiero chiamiamo organismo in senso proprio lrsquoessere vivente organizzato) il quale egrave oggi molto utilizzato

dai teorici dellrsquoestetica per caratterizzare lrsquoopere drsquoarterdquo (VATTIMO Gianni Il prodoto come organismo p

147 In ______ Opere Complete Ermeneutica Tomo I Roma Ed Meltemi 2001 p 147-174 Para maiores

explicaccedilotildees tambeacutem ver em Idem Opera drsquoarte e organimo in Aristotele In ______ Opere Complete I-

Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 223-226)

87

Cf verbete lthoacutelon todo organismo universo nordm7gt In PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico

histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p107

88

Cf verbete ltheacuten o Unogt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo

Paulo Martins Fontes 2007 p70

89

Cf ARISTOacuteTELES Metafiacutesica I 1 In ______ Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni

Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p436-437

50

indiviacuteduordquo ldquounidade-universalidaderdquo e o sentido que se relaciona com a acepccedilatildeo de

ldquoorganismordquo para Aristoacuteteles eacute o de ldquounidade-formardquo Portanto neste contexto sendo ldquoo

hoacutelon (aqui entendido como totalidade) isto eacute aquilo que constitui a unidade [heacuten] das

coisasrdquo 90

Pode-se constatar a clara a ligaccedilatildeo que Pareyson faz entre a noccedilatildeo de unidade da obra

enquanto ldquoformardquo e unidade de organismo nesta passagem ldquo[] eacute essencial agrave arte o princiacutepio

de unidade da obra tal qual foi teorizado por Aristoacutetelesrdquo91

E o uso do subsiacutedio conceitual

aristoteacutelico por Pareyson eacute ainda mais expliacutecito neste trecho escrito no livro Esteacutetica Teoria

da Formatividade

Esse caraacuteter dinacircmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as

relaccedilotildees nela existentes entre as partes e o ldquotodordquo Na obra de arte as partes

manteacutem um duplo gecircnero de relaccedilotildees de cada parte com as outras e de cada

uma com o todo Todas as partes estatildeo ligadas entre si numa indissoluacutevel

unidade de sorte que cada parte eacute essencial e indispensaacutevel [] As partes

assim ligadas e unidas entre si constituem e delineiam o todo a integridade

da obra resulta da conexatildeo das partes entre si 92

Pode-se notar nas palavras acima citadas a evidente ligaccedilatildeo do significado de

ldquoformardquo com o significado aristoteacutelico de ldquototalidaderdquo na ldquounidaderdquo ou melhor usando o

termo utilizado por Pareyson ldquounitotalidaderdquo [unitotalitagrave]

Por exemplo outro ponto de diaacutelogo entre Pareyson e Aristoacuteteles se verifica atraveacutes da

anaacutelise de uma passagem da Metafiacutesica onde Aristoacuteteles explica essa especial relaccedilatildeo isto eacute

90

Verbete lthoacutelongt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo

Martins Fontes 2007 p74

91

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p26 ldquo[] e cioegrave essenziale allrsquoarte egrave il principio dellrsquounitagrave dellrsquoopera qual egrave teorizzato da

Aristotele[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p227)

92

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p102 ldquoQuesto carattere dinamico dellunitotalitagrave dellopera darte puograve spiegare i rapporti che in

essa sussistono fra le parti e i l tutto Nellopera darte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti di

ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto Tutte le parti sono connesse fra loro in unindissolubile unitagrave si che

ciascuna egrave essenziale e indispensabile []Le parti cosi connesse e congiunte fra loro costituiscono e delineano

il tutto lintegritagrave dellopera risulta dalla connessione delle parti fra lorordquo(Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p86)

51

de um ldquotodordquo que natildeo pode perder as partes pois deixa de ser a unidade - totalidade que o

define perdendo a sua essecircncia essa concepccedilatildeo de ldquoorganismo-todordquo cunhada pelo estagirita

parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definiccedilatildeo de obra de arte que

Pareyson trabalha Segue o trecho da Metafiacutesica de Aristoacuteteles

O que eacute composto de alguma coisa de modo que o todo constitua uma

unidade natildeo eacute semelhante a um amontoado mas a uma siacutelaba E a siacutelaba natildeo

eacute soacute as letras das quais eacute formada nem BA eacute idecircntico a B e A nem carne eacute

simplesmente fogo mais terra de fato uma vez que os compostos isto eacute

carne e siacutelaba se tenham dissolvido natildeo existem mais enquanto as letras o

fogo e a terra continuam existindo Portanto a siacutelaba eacute algo irredutiacutevel soacute agraves

letras ou seja agraves vogais e agraves consoantes mas eacute algo diferente delas (Z 17

1041 b 10-18) 93

Portanto a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade

em si mesma eacute uma das definiccedilotildees da ldquoformardquo pareysoniana isso define a ideia de

completude da obra de arte como ldquoforma formadardquo resultando no ecircxito da ldquoforma acabadardquo

que Pareyson propotildee na sua teoria da arte Como ele explica nestas passagens

Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formaccedilatildeo

Quanto ao segundo problema se a perfeiccedilatildeo da obra de arte eacute apenas o levar

a bom termo a sua formaccedilatildeo o seu duplo caraacuteter ou seja por um lado a

unidade a harmonia e a proporccedilatildeo e por outro a totalidade a integridade e

a completude natildeo pode ter outro fundamento senatildeo aquele ldquotodordquo em que o

processo se ldquoarredondardquo quando chega ao termo 94 ldquo[] a obra de arte eacute

93

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o

portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p363

Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ

οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν [15]

οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή οὐ μόνον τὰ

στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν

ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι

94

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p101 ldquoUnitotalitagrave dellopera come totalitagrave del processo della sua jormazione - Quanto al

secondo problema se la perfezione dellopera darte non egrave altro che i l compimento della sua formazione il suo

duplice carattere e cioegrave per un verso lunitagrave larmonia e la proporzione e per laltro la totalitagrave lintegritagrave e la

completezza non puograve aver altro fondamento che quel laquo tuttto raquo in cui i l processo si laquo arrotonda raquo quando

giunge ai proprio compimentordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p86-87)

52

expressiva enquanto eacute forma isto eacute organismo que vive por conta proacutepria e

conteacutem tudo que deve conterrdquo95

Ainda neste contexto entenda-se organismo como bioloacutegico e correlacionado agraves leis

da phyacutesis [natureza] Portanto vale recordar que natildeo pode ficar de fora dessa discussatildeo do

entendimento do conceito de forma enquanto organismo a relaccedilatildeo jaacute mencionada entre teacutekhne

e phyacutesis Pois quando Pareyson toma ldquoorganismordquo como paradigma do seu conceito de

ldquoformardquo e aqui justamente ldquoformardquo como princiacutepio da definiccedilatildeo de obra de arte Logo o

filoacutesofo italiano assimila a ideia da obra de arte como ldquoser viventerdquo fazendo com que a obra

carregue toda a legalidade de um ente natural E desse modo Pareyson toma a concepccedilatildeo

proposta por Aristoacuteteles na Fiacutesica que situa a produccedilatildeo das coisas ldquofeitas por teacutecnicardquo

(artificiais) em paralelo agraves coisas ldquofeitas pela naturezardquo (entes naturais ou a natureza

simplesmente) Todavia sem que isso tire as especificidades e diferenccedilas dos ldquoentes naturaisrdquo

e dos ldquoentes artificiaisrdquo essas similaridades e distinccedilotildees ficam claras nesta passagem da

Fiacutesica II

Entre os entes uns satildeo por natureza outros satildeo por outras causas por

natureza satildeo os animais e suas partes bem como as plantas e os corpos

simples isto eacute terra fogo ar e aacutegua (de fato dizemos que essas e tais coisas

satildeo por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparaccedilatildeo com

os que natildeo se constituem por natureza pois cada um deles tem em si mesmo

princiacutepio de movimento e repouso ndash uns de movimento local outros de

crescimento e definhamento outros de alteraccedilatildeo por outro lado cama e

veste bem como qualquer outro gecircnero desse tipo na medida em que

encontram suas respectivas designaccedilotildees isto eacute enquanto lhes suceder ser de

pedra de terra ou misturados eles o tecircm por esses elementos e nessa exata

medida ndash pois eacute natureza (192 b 8) 96

95

Idem Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1998

p30 ldquo[]lopera darte egrave espressiva in quanto egrave lsquoformarsquo cioegrave organismo che vive per conto suo e contiene

tutto ciograve che deve avere[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p230)

96

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p43

(sectI) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει τὰ δὲ δι ἄλλας αἰτίας (sect2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ

φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει

φαμέν) (sect3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶταΤούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν

ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως τὰ μὲν κατὰ τόπον τὰ δὲ κατ αὔξησιν καὶ φθίσιν τὰ δὲ κατ ἀλλοίωσιν

53

Por conseguinte assim como Aristoacuteteles Pareyson reivindica a similaridade entre as

coisas da natureza e as obras de arte enquanto ldquoformasrdquo como se constata no texto abaixo

Pode-se no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras

artiacutesticas satildeo formas o que atesta o poder do espiacuterito humano o qual capaz

de fazer com que haja produtos orgacircnicos e realidades vivas pode tambeacutem

estender os confins do reino das formas acrescentando sem soluccedilatildeo de

continuidade agraves formas naturais as inventadas pelo proacuteprio homem E desta

sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhanccedila

profunda e soacute ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz

e admiraacutevel solidariedade 97

Portanto quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente se traz

implicado todo um aspecto metafiacutesico do conceito de vida aristoteacutelico contido tanto na Fiacutesica

quanto na Metafiacutesica logo em Pareyson a proacutepria obra de arte ganha um status de ser vivo

pois a relaccedilatildeo teacutekhne e phyacutesis fundamenta essa implicaccedilatildeo ao trazer um paralelismo e uma

complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais incluindo as obras de arte

Como se constatou a ligaccedilatildeo do conceito de forma pareysoniano como organismo

advindo dos aportes teoacutericos da filosofia aristoteacutelica eacute assinalada pelo proacuteprio Pareyson No

entanto a abordagem acima proposta ligando a definiccedilatildeo de organismo aos conceitos

correlatos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten] natildeo eacute inteiramente explicitada pelo autor

embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto como foi demonstrado nas citaccedilotildees

acima

Todavia a definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo como ldquounitotalidaderdquo eacute o destaque que aqui se

escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristoacuteteles como aporte para

κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ ὅσον

ἐστὶν ἀπὸ τέχνης οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ

μικτοῖς ἐκ τούτων ἔχει καὶ κατὰ τοσοῦτον

97

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquo[] ma intanto si puograve dire che sia le cose della natura che le opere dellarte sono forme il

che attesta la potenza dello spirito umano il quale capace di far essere prodotti organici e realtagrave viventi egrave i n

grado di estendere i confini del regno delle forme aggiungendo senza soluzione di continuitagrave alle forme naturali

quelle inventate da l u i si che v egrave fra le cose della natura e le opere dellarte una somiglianza profonda che

sola puograve spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietagraverdquo (Idem Estetica Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

54

a conceituaccedilatildeo de ldquoformardquo para a Teoria da Formatividade de Pareyson Pois parece que eacute a

partir da definiccedilatildeo de ldquoformardquo que Pareyson tece que se encontra a principal chave para

decifrar como o filoacutesofo italiano entende por conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

Sendo assim a partir dessas nuances trazidas do conceito de ldquoorganismordquo e seus

correlatos cunhados por Aristoacuteteles eacute que Pareyson constroacutei a base da Teoria da

Formatividade a partir do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismo viventerdquo dotada de uma

ldquototalidaderdquo advinda da sua singular ldquounidaderdquo de onde entende-se que foi gerado o conceito

pareysoniano de ldquounitotalidaderdquo da obra de arte enquanto ldquoformardquo

Vattimo tambeacutem mostra como o conceito de ldquoorganismordquo permeia toda obra de

Aristoacuteteles bem como estaacute interligado aos conceitos de phyacutesis hoacutelon e teacutekhne entre outros

correlatos98

Portanto a anaacutelise de Vattimo sobre o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

como subsiacutedio para uma definiccedilatildeo de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao

estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristoteacutelico para definir a obra de arte como

ldquoformardquo E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristoteacutelico de

ldquoorganismordquo ultrapassa uma anaacutelise unilateral do texto da Poeacutetica de Aristoacuteteles e ateacute

mesmo dos tratados de ldquoCiecircncias da Naturezardquo chegando assim aos textos que tratam das

questotildees metafiacutesicas pois embora a definiccedilatildeo de ldquoformardquo pareysoniana parta da noccedilatildeo de

organismo vivo natildeo se resume a ela99

Ademais Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos

fundamentais e inseparaacuteveis o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de

ldquoformaisrdquo) e o outro o de ser vivente e dotado de uma alma100

e que a comparaccedilatildeo entre

obra de arte e organismo deve considerar as duas definiccedilotildees Como ele explica nesse trecho

98

VATTIMO Gianni Opera drsquoarte e organismo in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica -

Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 218

99

Ver mais em Idem Il concetto di fare in Aristotele In______ Opere complete vol I tomo 1 Roma Ed

Meltemi 2007 p 19-180

100

Segundo Peters Psykheacute (alma em latim anima) pode ter muitas acepccedilotildees e bastante complexas e variantes

de filoacutesofo para filoacutesofo soacute no contexto grego Entretanto e sobretudo no acircmbito aristoteacutelico de organismo

alma aqui pode ser definida como ldquorespiraccedilatildeo de vidardquo e ldquoprinciacutepio vitalrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos

gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977

p14) E segundo Gobry Aristoacuteteles adota uma noccedilatildeo de alma natildeo apenas para os seres humanos mas para

todos os seres Ver mais no verbete Psykheacute alma Latim anima In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de

Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 p123-124

55

Se como nos parece esses dois significados estatildeo intimamente relacionados

e de fato o primeiro depende do segundo a aplicaccedilatildeo do conceito de

organismo agrave obra de arte natildeo pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe

os conceitos formais de unidade inteireza perfeiccedilatildeo ordem etc mas eacute

necessaacuterio verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de

uma alma ou seja viva 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristoacuteteles que

eacute a relaccedilatildeo intriacutenseca e inseparaacutevel entre o ldquosensiacutevelrdquo e o ldquointeligiacutevelrdquo aspecto que aparece na

Teoria da Formatividade sobretudo quando a obra de arte eacute dita como tenho ldquofisicalidaderdquo e

ldquoespiritualidaderdquo inseparaacuteveis (esse ponto seraacute abordado mais adiantes nesse mesmo

capiacutetulo)

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade

Outro sentido de ldquoformardquo que aparece no conceito cunhado por Pareyson eacute que

ldquoformardquo eacute organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente daiacute deriva a

proacutepria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeiccedilatildeo enquanto

ldquoserrdquo uacutenico Ou seja ldquoformardquo eacute a obra de arte enquanto finalizada eacute o como da Arte que se

mostra e se realiza Assim sendo sem essas prerrogativas natildeo haacute arte sob a oacutetica

pareysoniana Essa concepccedilatildeo de ldquoarte-formardquo fica clara nessa passagem

E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades eacute a elaboraccedilatildeo

destes conteuacutedos natildeo tanto o ldquoquecircrdquo mas antes o ldquocomordquo isto eacute

precisamente a forma como quer que esta seja entendida o estado final e

conclusivo da arte a elegacircncia da representaccedilatildeo ou da expressatildeo a perfeiccedilatildeo

da imagem o ecircxito do processo artiacutestico a autossuficiecircncia da obra102

101

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoSe como a noi pare questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende

dal secondo lrsquoapplicazione del concetto di organismo allrsquoopera drsquoarte non si potragrave risolvere semplicemente

applicando a essa il concetti formali di unitagrave interezza perfezione ordine ecc mas bisogneragrave vedere in che

senso lopera possa dirsi strumento di unrsquoanima cioegrave viventerdquo (VATTIMO Gianne Opera drsquoarte e organismo

in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma EdMeltemi 2008 p 211-212)

102

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p53 ldquoE ciograve per cui larte si distingue dalle altre attivitagrave egrave lelaborazione di questi

contenuti non tanto il laquoche cosaraquo quanto piuttosto i l laquocomeraquo cioegrave appunto la forma comunque questa

sintenda lo stato finale e conclusivo dellarte la compiutezza della rappresentazione o dellespressione la

56

Logo a noccedilatildeo de ldquoformardquo ligada agrave ideia do ecircxito artiacutestico se aplica a um dos sentidos

de Arte discutidos no capiacutetulo anterior Isto eacute a definiccedilatildeo do termo ars latino trazendo a ideia

de obra bem sucedida que exprime uma espeacutecie de perfeiccedilatildeo em si mesma que a ldquoformardquo

acabada demanda

A ideia aqui eacute de completude mas natildeo soacute da ldquoforma-formadardquo e sim no todo do

processo de ldquoformatividaderdquo da ldquoformardquo E completude que se explica no sentido da relaccedilatildeo

totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristoteacutelico Como fica evidente nesta

passagem ldquoA perfeiccedilatildeo da obra de arte consiste portanto na totalidade do processo que a

formou no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da

univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formaccedilatildeordquo 103

Portanto a perfeiccedilatildeo da obra acabada tem uma relaccedilatildeo embrionaacuteria e intriacutenseca com o

fazer artiacutestico que neste sentido se configura paralelamente a um processo orgacircnico proacuteprio

do ser vivo Aqui novamente retoma-se a definiccedilatildeo aristoteacutelica de organismo no sentido de

vida que carrega implicitamente as noccedilotildees de geraccedilatildeo e finalidade Desse modo o

entendimento desta relaccedilatildeo natildeo soacute eacute fundamental para a proacutepria compreensatildeo do processo

formativo da obra em si ou seja no acircmbito do estudo do fazer artiacutestico propriamente dito

mas eacute igualmente precioso e necessaacuterio para a leitura da obra de arte pelo espectador Sobre a

importacircncia do estudo do processo artiacutestico para acessar a obra acabada Pareyson discorre

Haacute quem considere inessencial o processo artiacutestico no sentido que ele natildeo

interessa em nada o expectador da obra de arte o qual deve fixar o olhar

sobre aquela perfeiccedilatildeo doravante imoacutevel e definitiva [] A primeira

concepccedilatildeo [acima descrita] eacute justa quando afirma que o processo artiacutestico

natildeo interessa de per si porque o que interessa eacute a obra na sua perfeiccedilatildeo mas

arrisca natildeo entender a proacutepria perfeiccedilatildeo da obra quando a vecirc na sua inerte e

perfezione ellimmagine la riuscita del processo artistico la sufficienza dellopera in se stessardquo(Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p249)

103

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p101 ldquoLa perfezione dellopera darte consiste dunque nella totalitagrave del processo che lrsquoha formata nel senso

che la sua unitagrave e la sua totalitagrave dipendono rispettivamente dall univocitagrave e dall improseguibilitagrave del processo

della sua formazionerdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

p85)

57

imoacutevel estaticidade e natildeo como conclusatildeo de um movimento que chegou ao

seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturaccedilatildeo104

E mais adiante ele completa [] A obra no seu acabamento [compiutezza] 105

natildeo eacute

portanto separaacutevel do processo da sua formaccedilatildeo porque eacute antes este mesmo processo visto

no seu acabamento 106

Pois nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade

para com as outras teorias que igualmente evocam a importacircncia do estudo do processo

artiacutestico Isto eacute uma coisa eacute estudar a formaccedilatildeo da arte enquanto parte do oficio do artista

para entender o processo criativo Outra coisa bem diferente eacute estudar o processo de

produccedilatildeo da obra de arte para entender a obra em si suas especificidades e acima de tudo

para reconhecer suas qualidades intriacutensecas e os limites da sua perfeiccedilatildeo enquanto ldquoarte-

formardquo bem sucedida e completa em si mesma ou seja como ldquoobra-de-arte- formardquo acabada

conforme seus proacuteprios criteacuterios internos

Daiacute sai o outro ponto fundamental que estaacute no centro da ideia pareysoniana de arte

como ecircxito que eacute a ideia de legalidade interna da obra Pois o ecircxito a ser perseguido eacute a

proacutepria ldquoformardquo acabada que conduz a ldquoformatividaderdquo em si isto eacute o nuacutecleo do processo

criativo nas palavras de Pareyson

104

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p146ldquoCegrave chi considera inessenziale il processo artistico nel senso chesso non interessa

per nulla lo spettatore dellopera darte il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e

definitiva[] La prima concezione egrave nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per seacute

percheacute ciograve che interessa egrave lopera nella sua perfezione ma rischia di non intendere la stessa perfezione

dellopera quando la vede nella sua inerte e immobile staticitagrave e non come conclusione dun movimento giunto

al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazionerdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p331-332)

105

Compiutezza embora na traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como ldquoacabamentordquo

ldquocompiutezzardquo tambeacutem poderia ser traduzida por ldquocompletuderdquo ou ateacute mesmo por ldquoteacuterminordquo no sentido de algo

que estaacute terminado completo e natildeo por ldquoacabamentordquo pois acabamento pode dar um sentido equivocado de

perfeiccedilatildeo meramente formal o que reduziria a complexidade proacutepria definiccedilatildeo de forma pareysoniana que eacute

muito mais dinacircmica e metafiacutesica do que a ideia de forma no sentido usual de configuraccedilatildeo

106

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p147 Ver tambeacutem em Ibidem p32 -33

ldquoLopera nella sua compiutezza non egrave dunque separabile dal processo della sua formazione percheacute anzi egrave

questo stesso processo visto nel suo compimentordquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I

Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p332)

58

[] a arte propriamente dita eacute a especificaccedilatildeo da formatividade exercitada

natildeo mais tendo em vista outros fins mas por si mesma O artista natildeo tem em

mira uma obra que para ser obra deva ser tambeacutem forma (isto eacute um ecircxito

especulativo moral teacutecnico) mas uma obra que presume e aceita valer soacute

como forma (isto eacute como mero ecircxito) A obra de arte consiste precisamente

nisto no natildeo querer ter outra justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma

forma que vive de per si uma inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto

de realidade alguma coisa que primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero

uma realizaccedilatildeo primeira e absoluta107

Assim sendo a Teoria da formatividade traz consigo a noccedilatildeo de inseparabilidade e

simultaneidade dos ldquomomentosrdquo da formandashobra isto eacute todos os ldquotemposrdquo da obra participam

da obra acabada e existem por e para ela Neste sentido projetar produzir executar

contemplar a ldquoformardquo ou seja o processo de produccedilatildeo como um todo eacute uma coisa soacute E tudo

isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como ecircxito em si mesma

Aqui parece possiacutevel entender que a ldquoformardquo eacute a proacutepria ldquofinalidaderdquo da obra e

portanto a formatividade se configura enquanto processo artiacutestico como um movimento

teleoloacutegico da obra de arte Nota-se que novamente a ldquoformatividaderdquo pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgacircnico108

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte

Nesse sentido a produccedilatildeo a ldquoforma-obrardquo eacute a produccedilatildeo de uma coisa que estaacute entre

coisas que tem vida proacutepria e que constitui o conjunto da realidade das coisas Esse raciociacutenio

leva a outra importante indagaccedilatildeo diante da ldquoforma-obra-de-arterdquo Assim sendo antes de se

107

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p37 ldquoLartista non ha di mira unopera che per esser opera devessere anche forma (cioegrave

una riuscita speculativa morale tecnica) ma unopera che presume e accetta di valere solo come forma (cioegrave

come mera riuscita) Lopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra giustificazione che

desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un incremento imprevisto della

realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una realizzazione prima e assolutardquo (Idem

I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p235)

108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristoteacutelico visto que nos textos do estagirita um

dos pilares para a definiccedilatildeo de ser vivo (organismo) eacute a ideia e finalidade proacutepria pois eacute a finalidade de cada ser

que determina a organizaccedilatildeo das partes que constituem a totalidade na unidade

59

perguntar o e ela quer dizer vale perguntar o que ela eacute Essa indagaccedilatildeo possibilita a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte que eacute possiacutevel justamente a partir da definiccedilatildeo

de arte como ldquoformardquo e desse modo se configura como organismo autocircnomo dotado de

existecircncia proacutepria Pareyson diz

Mas a arte eacute produccedilatildeo e realizaccedilatildeo em sentido intensivo eminente absoluto

a tal ponto que com frequecircncia foi na verdade chamada criaccedilatildeo enquanto

eacute natildeo soacute produccedilatildeo de organismos que como os da natureza satildeo autocircnomos

independentes e vivem por conta proacutepria mas tambeacutem alcanccedila ser produccedilatildeo

de objetos radicalmente novos verdadeiro e proacuteprio incremento da realidade

inovaccedilatildeo ontoloacutegica 109

Como descrito no texto acima a partir da noccedilatildeo de ldquoformardquo com organismo a obra de

arte eacute realidade em si mesma Isso traz agrave tona a noccedilatildeo de fisicalidade de arte como ldquoobjetordquo

sensiacutevel Portanto a proacutepria fisicalidade da obra de arte a relaccedilatildeo ldquoforma ndash mateacuteriardquo toma um

lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo Como Pareyson completa

Isto significa recordar que a obra de arte eacute antes de tudo um objeto sensiacutevel

fiacutesico e material e que fazer arte quer dizer antes de qualquer outra coisa

produzir um objeto que exista como coisa entre coisas exteriorizado numa

realidade sonora e visiva 110

A implicaccedilatildeo desse entendimento de obra de arte como ldquoforma-obrardquo traz por sua

vez a ideia de organismo vivo acarretando a emancipaccedilatildeo ontoloacutegica da obra de arte

deixando de ser vista apenas como significado numa ldquoformardquo ldquovaziardquo que eacute ldquopreenchidardquo por

um ldquoconteuacutedordquo alheio e externo a sua existecircncia fiacutesica Logo questiona- se a proacutepria noccedilatildeo de

que a obra de arte eacute sempre referente e subordinada a um suposto ldquoenterdquo externo seja ele um

109

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoMa larte egrave produzione e realizzazione in senso intensivo eminente assoluto al

punto che spesso egrave stata chiamata addirittura creazione in quanto non solo egrave produzione di organismi che

come quelli della natura sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio ma giunge ad esser

produzione di oggetti radicalmente nuovi vero e proprio incremento della realtagrave innovazione ontologicardquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p231)

110

Ibidem op cit p55 ldquoCiograve significa ricordale elle lopera darte egrave anzitutto un oggetto sensibile fisico e

materiale e che far arte vuol dire prima dogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose

estrinsecato in una realtagrave sonora e visivardquo (Ibidem op cit p251)

60

modelo representado ou o artista ou um espectador e que estes sim seriam dotados de

estatuto ontoloacutegico prenhes de significado em si mesmos dotados de existecircncia e

independentes de um referente eou modelo Dito isto se pode afirmar que ldquoA forma

portanto eacute antes de mais nada expressatildeo de si mesma porque conteacutem tudo aquilo que

declara e declara tudo aquilo que eacuterdquo 111

Por isso vale retomar a relaccedilatildeo simbioacutetica que Pareyson reivindica entre arte-forma e

as coisas da natureza pois essa premissa cela o estatuto ontoloacutegico da arte e o seu status de

coisa entre coisas Sendo assim esse pressuposto leva a outra discussatildeo que estaacute no

nuacutecleo da histoacuteria do pensamento sobre arte a do entendimento da representaccedilatildeo como sendo

mecanismo inerente e necessaacuterio agrave arte Isto eacute o estatuto ontoloacutegico da arte culmina na

conclusatildeo de que a obra de arte eacute sobretudo presenccedila em si mesma Como sintetiza

Pareyson ldquo[] o corpo da obra de arte eacute toda a realidade dela A pintura natildeo eacute nada diverso

de uma superfiacutecie colorida a estaacutetua nada diversa de bronze fundido a poesia nada diversa de

uma seacuterie de palavras []rdquo 112

Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciociacutenio e esclarece como a

ontologizaccedilatildeo da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussatildeo

sobre a relaccedilatildeo entre obra de arte e a realidade no que diz repeito agrave implicaccedilatildeo da arte como

imitaccedilatildeo

A arte eacute imitaccedilatildeo da natureza natildeo enquanto representa a realidade mas

enquanto a inova isto eacute enquanto incrementa o real seja porque acrescenta

ao mundo natural um mundo imaginaacuterio ou hetero-coacutesmico seja porque no

111

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p272 ldquoLa forma dunque egrave anzitutto espressiva di seacute stessa percheacute contiene tutto ciograve chessa dichiara e

dichiara tutto ciograve chessa egraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p247)

112

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquo[] il corpo dellopera darte egrave tutta la realtagrave di essa Il dipinto non egrave nientaltro che una

superficie colorata e la statua nientaltro che bronzo fuso e la poesia nientaltro che una serie di

parole[]rdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p307)

61

mundo natural acrescenta agraves formas que jaacute existem formas novas que

propriamente constituem um verdadeiro aumento da realidade 113

Em suma muito se fala da arte como representaccedilatildeo no entanto natildeo podemos deixar

de lembrar que antes de ser representaccedilatildeo ela eacute apresentaccedilatildeo de si mesma ela eacute coisa entre

coisas e esse entendimento eacute tambeacutem fundamental para entender a arte enquanto teacutekhne e

poiacuteesis quando entendidas nas acepccedilotildees aristoteacutelicas anteriormente discutidas Por

conseguinte esse eacute o assunto central do proacuteximo capiacutetulo pois ainda haacute mais a se dizer a

repeito desse ponto esboccedilado aqui isto eacute a intrincada questatildeo da arte como imitaccedilatildeo eou

como representaccedilatildeo que leva agrave outra questatildeo que eacute o delicado equiliacutebrio da simultaneidade na

arte enquanto representaccedilatildeo de outro e apresentaccedilatildeo de si mesma

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo

Embora a Teoria da Formatividade decirc ecircnfase agrave definiccedilatildeo de arte como ldquoformardquo

teacutekhne e poiacuteesis a esteacutetica pareysoniana natildeo perde de vista a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo ou

ldquoexpressatildeordquo que estatildeo contidas na obra de arte E portanto chama agrave atenccedilatildeo outro

fundamental equiliacutebrio de simultaneidade na obra de arte isto eacute a relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquomundordquo que tambeacutem poderia se configurar por exemplo numa possiacutevel relaccedilatildeo entre

ldquointernordquo e ldquoexternordquo Como se constata nessa passagem do livro Esteacutetica ndash Teoria da

Formatividade

[] o espiacuterito da obra natildeo eacute algo diferente do seu corpo como se na obra

fosse possiacutevel distinguir interno e externo vida imanente e manifestaccedilatildeo

visiacutevel alma interior e invoacutelucro exterior pura espiritualidade e

intermediaacuterio fiacutesico114

113

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 70 ldquoLarte egrave imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtagrave ma in quanto

la innova cioegrave in quanto incrementa il reale sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o

eterocosmico sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che giagrave ci sono delle forme nuove che sono un

vero e proprio aumento della realtagraverdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264-265)

114

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p113-114 ldquo[] lo spirito dellopera non egrave qualcosa di diverso dal suo corpo come se nellopera si potesse

distinguere interno ed esterno vita immanente e manifestazione visibile anima interiore e involucro esteriore

pura spiritualitagrave e intermediario fisicordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli

2ordf Edizione 1960 p97)

62

Ou seja ainda que para Pareyson ldquoformardquo seja coisa concreta no mundo e portanto

tenha fisicalidade e materialidade sendo assim objeto sensiacutevel isso natildeo torna a sua teoria

num mero ldquoformalismordquo versus ldquoconteudismordquo Pois ele natildeo exclui da noccedilatildeo de ldquoformardquo

outros aspectos impliacutecitos da Arte como a ideia de espiritualidade Por isso natildeo reduz o

problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteuacutedo que por sua vez

segundo Pareyson natildeo satildeo separaacuteveis ou seja conteuacutedo e forma satildeo intriacutensecos e um eacute

necessaacuterio para que o outro exista

Portanto antes de qualquer coisa eacute imprescindiacutevel demarcar o que Pareyson entende

por ldquoconteuacutedordquo da obra de arte que para o filoacutesofo italiano se aproxima mais de uma noccedilatildeo

de ldquoestilordquo do que propriamente como sinocircnimo de ldquotemardquo Abaixo seguem dois trechos que

esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de ldquoconteuacutedordquo

Dizer conteuacutedo de uma obra de arte portanto significa dizer caraacuteter pessoal

e espiritual do estilo considerado como espiritualidade que se tornou

totalmente modo de formar O conteuacutedo entatildeo eacute algo diferente daquilo que

se costuma denominar tema argumento ou assunto pois a obra natildeo precisa

a rigor procurar o proacuteprio conteuacutedo em um argumento ou tema quando o

estilo eacute jaacute espiritualidade concreta que se tornou energia formante 115

E mais adiante noutro trecho Pareyson acrescenta ldquo[] estilo eacute proacuteprio conteuacutedo

isto eacute a espiritualidade que aiacute se faz modo de formarrdquo 116

Ou seja para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre ldquoformardquo e conteuacutedo

na arte Pareyson traz a ideia de ldquoestilordquo que eacute sobretudo definido como a ldquoespiritualidaderdquo

do artista contida na obra

115

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p 38 ldquoDire contenuto dell opera d arte dunque non significa altro che dire carattere personale

e spirituale dello stile considerato come spiritualitagrave che si egrave fatta tutta modo di formare Il contenuto allora egrave

qualcosa di diverso da ciograve che si suol chiamare tema argomento o laquo soggetto raquo poicheacute lopera non ha bisogno

a rigore di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema quando lo stile egrave giagrave spiritualitagrave concreta

diventata energia formanterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p22-23)

116

Ibidem op cit 1993 p 39 ldquo[]lo stile egrave la stessa spiritualitagrave dellartista fattasi modo di formarerdquo (Idem

opcit 1960 p24)

63

Mas antes ainda diante desta relaccedilatildeo seria oportuno definir melhor o que significa

para Pareyson ldquoespiacuteritordquo [spirito] 117

da obra de arte bem como ldquoespiritualidade da obra de

arterdquo eis aqui algumas delimitaccedilotildees importantes a respeito dessa consideraccedilatildeo nas palavras

de Pareyson ldquoO espiacuterito da obra eacute a organizaccedilatildeo unitaacuteria de seu corpo a totalidade indivisiacutevel

de suas partes sensiacuteveis a coerecircncia indissoluacutevel de sua realidade fiacutesicardquo 118

Logo vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano ldquoespiacuteritordquo e

ldquoformardquo coincidem e para entender melhor como se daacute essa coincidecircncia eacute necessaacuterio

discorrer sobre a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em Pareyson e sobretudo mais especificamente

ldquoespiritualidade do artistardquo Ou seja neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte as

acepccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo coincidem na maioria das vezes com o que o autor chama de

ldquomundo do artistardquo contido na obra Que todavia natildeo se confunde com o que seria o tema da

obra mas sim se encontra com a ideia pareysoniana de conteuacutedo delimitado nas acepccedilotildees

anaacutelogas agraves noccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo e ldquoestilordquo bem como de ldquosignificado humanordquo Nas

palavras de Pareyson

Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensiacutevel da

obra de arte a forma foi entendida como o resultado da formaccedilatildeo de uma

mateacuteria da produccedilatildeo de um objeto fiacutesico como mateacuteria formada isto eacute

como uma configuraccedilatildeo conseguida de palavras sons cores pedras ou

qualquer outra coisa E paralelamente reparando no fato de que nem sempre

as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos porque

nenhum objeto real ou possiacutevel e nenhum sentimento determinado estatildeo

contidos num arabesco numa muacutesica abstrata numa obra arquitetocircnica que

117

Importante ressaltar que ldquoespiacuteritordquo aqui natildeo corresponde agrave ideia de ldquoespiacuterito absolutordquo que se encontra por

exemplo sobretudo em alguns textos sob a influecircncia da filosofia hegeliana Pois em Pareyson a noccedilatildeo de

espiacuterito estaacute ligada agrave noccedilatildeo de pessoa outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim Nesse

trecho Pareyson faz menccedilatildeo agrave distinccedilatildeo das acepccedilotildees de ldquoespiacuteritordquo ldquoSoacute uma filosofia da pessoa tem condiccedilotildees

para resolver o problema da unidade e distinccedilatildeo das atividades por explicar com base na indivisibilidade e na

iniciativa da pessoa como eacute que toda operaccedilatildeo exige sempre simultaneamente a especificaccedilatildeo de uma atividade

e a concentraccedilatildeo de todas as outras Se o operar fosse do espiacuterito absoluto natildeo haveria motivo para distinccedilatildeo

entre as atividades e todas se reduziriam a umardquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25)

ldquoSolo una filosofia della persona egrave in grado di risolvere il problema dellunitagrave e distinzione delle attivitagrave poicheacute

spiega in base allindivisibilitagrave e alliniziativa della persona come ogni operazione richieda sempre insieme la

specificazione dunattivitagrave e la concentrazione di tutte le altre se loperare fosse dello spirito assoluto non vi

sarebbe ragione di distinzione fra le attivitagrave e tutte si ridurrebbero a unardquo (Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p10)

118

Ibidem Op cit p114 ldquoLo spirito dellopera egrave lorganizzazione unitaria del suo corpo la totalitagrave indivisibile

delle sue parti sensibili la coerenza indissolubile della sua realtagrave fisica []rdquo (Idem Op cit p97)

64

natildeo obstante tecircm um significado humano e uma ressonacircncia espiritual

procurou-se o conteuacutedo em um niacutevel mais profundo e num campo mais vasto

encontrou-se o ldquomundordquo do artista o seu modo de pensar viver sentir a sua

concepccedilatildeo do mundo e seu posicionamento frente agrave vida a sua

Weltanschauung e o seu ethos as ideias os pensamentos os juiacutezos que

formulam na sua mente os sentimentos os ideais as aspiraccedilotildees que nutrem

no seu coraccedilatildeo as experiecircncias as escolhas as crenccedilas de que informa a sua

vida em suma a sua personalidade concreta toda a sua espiritualidade119

Isto eacute a noccedilatildeo de ldquomundordquo utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de

Weltanschauung120

logo advindo do contexto dos estudos de filosofia alematilde que para os

aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson pode ser resumido como ldquointuiccedilatildeo do

mundordquo ldquovisatildeo de mundordquo ou ldquocosmovisatildeordquo contudo acrescido do conceito de ldquopessoardquo

pareysoniano isto eacute para Pareyson Weltanschauung eacute uma ldquovisatildeo de mundo pessoalrdquo que

estaacute diretamente ligada ao conteuacutedo da ldquoformardquo enquanto obra de arte como ele mesmo

explica

Um mundo eacute a realidade universal tal qual vista por uma pessoa eacute um

sentido pessoal do universo uma visatildeo pessoal da realidade uma concepccedilatildeo

119

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p54-55 ldquoQuando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e laspetto sensibile

dellopera darte la forma fu intesa come il risultato della formazione duna materia della produzione dun

oggetto fisico come materia formata cioegrave come una configurazione riuscita di parole suoni colori pietre o

altro che sia E parallelamente badando al fatto che non sempre le opere darte rappresentano oggetti o

esprimono sentimenti percheacute nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato egrave contenuto in

un arabesco in una musica astratta in unopera architettonica che pure hanno un significato umano e una

risonanza spirituale si cercograve il contenuto a un livello piugrave profondo e su un campo piugrave vasto e si trovograve il

laquomondoraquo dellartista il suo modo di pensare vivere e sentire la sua concezione del mondo e il suo

atteggiamento di fronte alla vita la sua Weltanschauung e il suo ethos le idee i pensieri i giudizi che formula

nella sua mente i sentimenti glideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore le esperienze le scelte le credenze di

cui informa la sua vita insomma la sua personalitagrave concreta lintera sua spiritualitagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p250)

120

Natildeo haacute exatamente um consenso sobre a origem de ldquoWeltanschauungrdquo como conceito em textos filosoacuteficos

Termo que tambeacutem pode ter vaacuterias acepccedilotildees dependendo do aporte e do contexto em que estaacute empregado No

entanto uma referecircncia segura eacute que eacute uma expressatildeo que faz parte do contexto dos estudos filosoacuteficos e

artiacutesticos alematildees abrangendo autores desde Kant a Goethe Eacute provaacutevel que no caso de Pareyson que a acepccedilatildeo

seja advinda da filosofia de Karl Jaspers jaacute que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este

autor E que tenha uma acepccedilatildeo advinda de aportes da filosofia com veia existencialista por isso parece que em

Pareyson eacute possiacutevel vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular

seja pessoal ou de um grupo de pessoas Ver tambeacutem verbete ltldquoIntuiccedilatildeo do Mundordquogt In ABBAGNANO

Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Ed WMF

Martins Fontes 2012 p 672

65

pessoal da vida [] uma Weltanschauung e um ethos eacute um modo

tipicamente pessoal de interpretar o mundo [] Um mundo eacute isto sim uma

visatildeo do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa que seja a

proacutepria pessoa em sua realidade viva [] 121

E portanto ldquoespiritualidade do artistardquo neste contexto coincide com a ideia de

intuiccedilatildeo pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte

como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo

[] na obra fisicalidade e espiritualidade significado e existecircncia

coincidem na obra de arte ser e dizer corpo e espiacuterito satildeo a mesma coisa A

obra natildeo diz senatildeo o que ela eacute e o seu proacuteprio ser eacute um dizer soacute a sua

presenccedila eacute um significado [] 122

Em suma os conceitos de ldquoespiritualidaderdquo e de ldquovisatildeo de mundordquo se conjugam e se

misturam para explicar que embora a obra de arte enquanto ldquoformardquo seja a realidade sensiacutevel

da obra e que seja o tudo que a obra de arte eacute natildeo basta para defini-la completamente Sendo

assim eacute necessaacuterio recorrer agrave coexistecircncia entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao

conceito de ldquoformardquo enquanto unitotalidade em si mesma Ou seja para Pareyson a obra estaacute

no mundo mas ela tambeacutem eacute mundo como se constata nos trechos abaixo

Se a obra de arte natildeo aceita valer senatildeo como forma isto natildeo significa que

nela se reduz a ser somente forma ela eacute ao mesmo tempo uma forma e um

mundo uma forma que natildeo exige valer senatildeo como pura forma e um mundo

espiritual que eacute um modo pessoal de ver o universo 123

121

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p 273 ldquoUn mondo egrave la realtagrave universale qualegrave vista da una persona egrave un senso personale

delluniverso una visione personale della realtagrave una concezione personale della vita o come ho detto altra

volta Weltanschauung ed ethos e un personalissimo modo dinterpretare il mondo[] Un mondo egrave una visione

delluniverso che diventi carne e sangue duna persona che sia la persona stessa nella sua realtagrave vivente[]rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

122

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p59 ldquo[] nellopera fisicitagrave e spiritualitagrave significato ed esistenza coincidono nellopera darte essere e

dire corpo e spirito sono la stessa cosa Lopera non dice se non ciograve chessa egrave e il suo stesso essere egrave un dire la

sua sola presenza egrave un significatordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p250)

123

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p45 ldquoSe lopera darte non accetta di valere se non come forma ciograve non significa chessa

66

A relaccedilatildeo ldquoformandashmundordquo contida na teoria de arte pareysoniana eacute tatildeo simbioacutetica

como todos os outros binocircmios descritos acima e que estatildeo no nuacutecleo da formatividade da

arte Isto eacute um se explica pelo outro e um natildeo existe sem o outro como Pareyson mostra

nessa passagem

Quando entatildeo se afirma que a obra artiacutestica exprime o mundo do artista e

certamente se pode e deve falar deste modo importa natildeo esquecer que esta

expressatildeo ocorre somente enquanto a obra artiacutestica eacute ao mesmo tempo um

mundo e uma forma E se eacute verdade que ela natildeo pode ser uma forma sem

ser um mundo natildeo eacute menos verdade que tambeacutem natildeo pode ser um mundo

sem ser uma forma 124

Sendo assim constata-se que Pareyson trabalha com vaacuterios conceitos correlatos que

explicam como a arte pode ser coisa fiacutesica e material e ao mesmo tempo ter outras

caracteriacutesticas que a definem como algo tatildeo extraordinaacuterio e uacutenico Ou seja essa rede de

conceitos interligados que datildeo conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte

como ldquoformardquo pode ser sintetizada como as relaccedilotildees entre ldquoconteuacutedo - formardquo

ldquoespiritualidade da formardquo ndash ldquofisicalidade da formardquo e finalmente ldquomundo-formardquo Como

descrito nas linhas a seguir

Natildeo obstante as obras de arte satildeo figuras espirituais imagens que tecircm um

significado humano que falam agrave mente e ao coraccedilatildeo que transmitem

sentidos interiores e profundos Mas o aspecto espiritual e interior das obras

de arte natildeo eacute alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensiacutevel e a sua

realidade fiacutesica porque antes coincide imediatamente com eles [] Dizer

que na obra de arte o corpo eacute tudo natildeo significa negar-lhe a espiritualidade

si riduca ad essere solo forma essa egrave al tempo stesso una forma e un mondo una forma che non esige di valere

che come pura forma e un mondo spirituale chegrave un modo personale di vedere luniversordquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p242)

124

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p 273 ldquoQuando perciograve si dice che lopera darte laquo esprime raquo il mondo dellartista e certo si puograve e si deve dir

cosi non bisogna dimenticare che questa laquo espressione raquo avviene solo i n quanto lopera darte egrave insieme un

mondo e una forma e se egrave vero chessa non puograve essere una forma senza essere un mondo non egrave men vero che

non puograve essere un mondo senza essere una formardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

67

mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo

aspecto fiacutesico 125

Ou seja novamente a noccedilatildeo de simultaneidade eacute ressaltada na proacutepria relaccedilatildeo

fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a

seguir

A magia da obra de arte natildeo eacute a convergecircncia ou a copresenccedila ou a

mediaccedilatildeo da sua espiritualidade e da sua fisicalidade mas a coincidecircncia

destes dois termos o fato de na obra natildeo existir nada de fiacutesico que natildeo seja

significado espiritual nem nada de espiritual que natildeo seja presenccedila fiacutesica126

Esse equiliacutebrio natildeo dualista e natildeo oposicionista entre ldquofisicalidaderdquo e ldquoespiritualidaderdquo

e consequentemente entre ldquoformardquo e ldquoconteuacutedordquo destaca-se e permeia toda a Teoria da

Formatividade127

e desse modo estaacute na chave do entendimento do possiacutevel equiliacutebrio entre

as noccedilotildees de representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo das problemaacuteticas

concernentes agraves especificidades das artes visuais e em particular da arte pictoacuterica

125

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquoEppure le opere darte sono figure spirituali immagini che hanno un significato umano che

parlano alla mente e al cuore che trasmettono sensi interiori e profondi Laspetto spirituale e interiore delle

opere darte non egrave qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtagrave fisica percheacute jiuttosto

coincide immediatamente con essi [] Dire che nellopera darte il corpo egrave tutto non significa negarne la

spiritualitagrave ma solo affermare che questa spiritualitagrave devessere vista nel suo stesso aspetto fisicordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p308)

126

Ibidem op cit p120 ldquoLa magia dellopera darte non egrave la convergenza o la compresenza o la mediazione

del la sua spiritualitagrave e della sua fisicitagrave ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nellopera non cegrave

nulla di fisico che non sia significato spirituali neacute nulla di spirituale che non sia presenza fisicardquo (Ibidem Op

cit p308)

127

Como sintetiza Pablo Sarto ldquo[] la nocioacuten de forma que propone nuestro filoacutesofo ofrece varias

posibilidades En primer lugar proporciona una articulacioacuten entre el mundo la naturaleza el arte y las

actividades humanas que recuerda algunas afirmaciones tanto de la esteacutetica claacutesica como de la romaacutentica y

contemporaacutenea Por otro lado permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la

realidad sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo [hellip]rdquo (SARTO Pablo

Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson Pamplona EUNSA1998

p302)

Sobre a relaccedilatildeo entre existecircncia e transcendecircncia em Pareyson tambeacutem discorre Giovanni ForneroldquoO

ponto focal do Existencialismo de Pareyson que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na

inseparabilidade de existecircncia e transcendecircncia eacute a interpretaccedilatildeo do nexo existencial como coincidecircncia de

auto-relaccedilatildeo e heterorrelaccedilatildeo de relaccedilatildeo consigo e relaccedilatildeo com o ser []rdquo(FORNERO Giovanni Verbete lt

Existencialismogt In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho

Benedetti 6ordf ed Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2012 p471)

68

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson

E por fim outro conceito que participa dessa cadeia acima descrita de relaccedilotildees

inseparaacuteveis e correlatas eacute o conceito de ldquopessoardquo e que por sua vez se estabelece como

ponto de partida para os binocircmios ldquopessoa - formardquo e ldquopessoa - formatividaderdquo

A noccedilatildeo de ldquopessoardquo eacute formulaccedilatildeo basilar presente na filosofia de Pareyson como um

todo pensamento que muitas vezes eacute chamado de ldquopersonalismordquo128

E igualmente permeia

todo o pensamento especiacutefico sobre Arte que Pareyson formula Como ele mesmo explica

O estudo da interpretaccedilatildeo da obra de arte explicita o incindiacutevel nexo que

subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa e revela

dentre outros a congenialidade que eacute uma das leis fundamentais do espiacuterito

humano e pode trazer agrave esteacutetica e agrave criacutetica uma fundamental contribuiccedilatildeo

onde quer que se apresente cooperaccedilatildeo dos homens troca de ideias e difusatildeo

de civilizaccedilatildeo129

Natildeo parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o

conceito de pessoa se configura no pensamento filosoacutefico pareysoniano pois este seria por si

soacute um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro130

Entretanto se faz necessaacuterio

um delineamento do conceito de ldquopessoardquo para o entendimento da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo fundamental para vislumbrar todas as dimensotildees do conceito de ldquoformardquo

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano e eacute igualmente

conhecido como um filoacutesofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista que muitas vezes eacute

chamado de personalismo ontoloacutegico representado em especial pelo livro ldquoEsistencia e Personardquo (1950) O

filoacutesofo italiano tambeacutem eacute identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenecircutica representada

sobretudo pelo seu livro de ensaios ldquoVeritagrave e Interpretazionerdquo (1971) e por seus inuacutemeros livros sobre Esteacutetica

Cf SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson

Pamplona EUNSA 1998 p16-17 e p28-34 Ver tambeacutem lsquoVerbete Existencialismorsquo de GF [Giovanni Forner]

- In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti

Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2012 p471

129

PAREYSON Luigi Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica

1956 Traduccedilatildeo de Francesco Napoli p 114 a 120 In NAPOLI Francesco Luigi Pareyson e a esteacutetica da

formatividade um estudo de sua aplicabilidade agrave poeacutetica do ready-made 2008 (121 p) Dissertaccedilatildeo (Mestrado

em Filosofia) Ouro Preto Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

130

Ver mais em PAREYSON Luigi Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de

Filosofiacutea Mendoza Argentina marzo-abril 1949 Universidad Nacional de Cuyo Buenos Aires 1950 tomo II

p 1079-1083 (Sesiones III Filosofiacutea de la existencia)

69

pareysoniano Nas palavras dele como se daacute essa sutura dos conceitos de ldquoformardquo

espiritualidade e ldquopessoardquo

A forma eacute ao mesmo tempo fiacutesica e espiritual porque se a mateacuteria eacute formada

eacute fiacutesica o modo de formaacute-la eacute espiritual eis a conjunccedilatildeo de espiacuterito e

mateacuteria na obra de arte e natildeo se poderaacute dizer somente ldquoexprimardquo a pessoa

do artista pois ela eacute de certo modo inteira e indivisiacutevel a pessoa do artista

feita objeto material fiacutesico e existente sem que isso se oponha

naturalmente agrave evidente transcendecircncia reciacuteproca de obra e pessoa131

Desse modo a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo em Pareyson por vezes coincide com a de

ldquoformardquo isto eacute se alinhando ao conceito de ldquoespiritualidaderdquo a noccedilatildeo de ldquopessoardquo se

encontra com a definiccedilatildeo metafiacutesica de ldquoorganismordquo sobretudo no sentido de totalidade

trazida dos aportes aristoteacutelicos e que embasam o entendimento de obra de arte como

ldquoformardquo Nas palavras de Pareyson

Com efeito como totalidade a pessoa eacute obra e como desenvolvimento a

pessoa eacute operar atividade que culmina em obras E a obra por sua vez eacute

forma uma definiccedilatildeo que eacute ao mesmo tempo total e em si mesma completa

singular e irrepetiacutevel universalmente vaacutelida e por todos reconheciacutevel dotada

de coerecircncia e legalidade interna vida para si mesma e lei para si mesma

autocircnoma e independente exemplar e paradigmaacutetica132

Ou seja a noccedilatildeo de totalidade contida no conceito de ldquoformardquo tambeacutem participa da

definiccedilatildeo de ldquopessoardquo daiacute a correspondecircncia que Pareyson estabelece entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo De fato em vaacuterias passagens dos inuacutemeros textos sobre arte Pareyson chega a

131

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p57 ldquoLa forma egrave insieme fisica e spirituale percheacute se la materia formata egrave fisica il modo di

formarla egrave spirituale ecco la congiunzione di spirito e materia nellopera darte la quale non si puograve dire che

soltanto laquo esprima raquo la persona dellartista percheacute piuttosto essa in certo modo egrave intera e indivisibile la

persona dellartista fattasi tutta oggetto materiale fisico ed esistente senza che ciograve contravvenga naturalmente

allevidente trascendenza reciproca di opera e personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p41)

132

Ibidem op cit p176 ldquoInfatti come totalitagrave la persona egrave opera e come sviluppo la persona egrave operare

attivitagrave che culmina in opere e lopera egrave una forma cioegrave a dire una definitezza chegrave al tempo stesso totale e in seacute

conclusa singolare e irripetibile universalmente valida e onniriconoscibile dotata di coerenza e legalitagrave

interna vita a seacute stessa e legge a seacute stessa autonoma e indipendente esemplare e paradigmaticardquo (Ibidem op

cit p156)

70

afirmar que ldquoformardquo e ldquopessoardquo coincidem como neste exemplo ldquoPor isso se a pessoa eacute

forma e se todo operar humano eacute sempre pessoal o operar humano tem sempre um duplo

caraacuteter por um lado tende a executar formas e pelo outro exprime a totalidade da

pessoardquo133

Contudo antes de prosseguir na descriccedilatildeo da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo vale

definir brevemente o conceito de ldquopessoardquo por si soacute para Pareyson no trecho abaixo haacute uma

siacutentese do entendimento do filoacutesofo italiano sobre a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo utilizada por ele

Na pessoa se podem encontrar dois aspectos a totalidade e o

desenvolvimento Por um lado com efeito a pessoa eacute em cada um de seus

instantes uma totalidade infinita e definida fixa em uma forma

singulariacutessima e inconfundiacutevel dotada de uma validade concluiacuteda e

reconheciacutevel e por outro eacute um variar contiacutenuo aberto agrave possibilidade de

contestaccedilotildees e reelaboraccedilotildees de revisotildees e enriquecimentos de repeticcedilotildees

de velhos motivos e novos atos De um lado eacute a obra definida e concluiacuteda a

cada instante e do outro eacute obra de desenvolvimento aberta e exigindo

sempre novos atos e novos desenvolvimentos134

Ademais embora haja uma reconhecida influecircncia das correntes de pensamento

rotuladas sob as rubricas ldquoromantismordquo e ldquoidealismordquo que podem ser detectadas permeando o

pensamento de Pareyson visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling

natildeo se pode confundir a ideia de ldquopessoardquo com a noccedilatildeo de ldquosujeitordquo como ele mesmo explica

nesta passagem

133

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p177 Texto em italiano ldquoPerciograve se la persona egrave forma e se ogni operare umano egrave sempre

personale loperare umano ha sempre un doppio carattere per un verso tende a por capo a forme e per l altro

esprime la totalitagrave della personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p157)

134

Ibidem Op cit p176 Texto em italiano ldquoNella persona si possono rinvenire due aspetti la totalitagrave e lo

sviluppo Per un verso infatti la persona egrave fn ciascuno dei suoi istanti una totalitagrave infinita e definita fissata in

una forma singolarissima e inconfondibile dotata duna validitagrave conclusa e riconoscibile e per laltro egrave variare

continuo aperto alla possibilitagrave di contestazioni e rielaborazioni di revisioni e arricchimenti di riprese di

vecchi motivi e di nuovi atti Da un lato la perssona egrave lopera che io faccio di me stesso conclusa e definita in

ogni istante e dallaltro egrave opera i n sviluppo aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimentirdquo

(Ibidem Op cit p155-156)

71

Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetiacutevel inconfundiacutevel

original mas natildeo tem nada a ver com o ldquosujeitordquo que reduz a pura

intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relaccedilatildeo a

pessoa eacute aberta comunicativa social de modo que toda a atividade humana

e por isso tambeacutem a arte tem sempre um caraacuteter pessoal e social a um soacute

tempo [] 135

Portanto eacute diante da relaccedilatildeo entre unidade singular e totalidade que o conceito de

ldquopessoardquo se distingue da acepccedilatildeo de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes

advindos dos pensadores e artistas romacircnticos

Logo eacute na dupla definiccedilatildeo de ldquopessoardquo como ldquototalidaderdquo e ldquodesenvolvimentordquo que

ela se encontra com a definiccedilatildeo de ldquoformardquo (como totalidade) e de ldquoformatividaderdquo (como

desenvolvimento) Logo chega-se a outro aspecto fundamental que eacute acrescido nessa

discussatildeo o sentido de desenvolvimento e que estaacute presente nas definiccedilotildees tanto de ldquopessoardquo

como de ldquoformardquo (enquanto fruto da ldquoformatividaderdquo)

Sendo assim o conceito de ldquopessoardquo para Pareyson se configura natildeo soacute como base do

conceito de ldquoformardquo mas mormente como a base do conceito de ldquoformatividaderdquo pois traz

em si a noccedilatildeo de movimento desenvolvimento e a ideia de dinamismo presente na

operosidade humana como um todo e da qual a operosidade artiacutestica faz parte

Por conseguinte aqui a ldquoformardquo tambeacutem se encontra com os conceitos de teacutekhne e

poiacuteesis para se definir como resultado da ldquoformatividaderdquo e desse modo e a arte eacute entatildeo

definida como produccedilatildeo [poiacuteesis] da forma pela forma na forma isto eacute a ldquoarte eacute pura

formatividaderdquo 136 Porque eacute exatamente no ato de ldquoformarrdquo a obra que a ldquopessoardquo do artista

135

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p91 ldquo[] giaccheacute persona significa sigrave singolaritagrave irripetibile inconfondibile

originalissima ma non ha nulla a che fare col laquosoggettoraquo che riduce a pura intimitagrave e attivitagrave soggettiva tutto

ciograve con cui entra in rapporto la persona egrave aperta comunicativa sociale sigrave che ogni aiti vita umana e quindi

anche larte ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p284)

136ldquoA operaccedilatildeo artiacutestica eacute um processo de invenccedilatildeo e produccedilatildeo exercido natildeo para realizar obras especulativas

ou praacuteticas ou seja laacute quais forem mas soacute por si mesmo formar por formar formar perseguindo somente a

forma por si mesma a arte eacute pura formatividaderdquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p 26) ldquoLoperazione artistica egrave un

processo dinvenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano

72

se ldquoexprimerdquo e ldquoemprestardquo para a ldquoformardquo a sua ldquoespiritualidaderdquo e portanto a sua ldquovisatildeo de

mundo pessoalrdquo Pareyson explica essas intersecccedilotildees nessa passagem

Na obra de arte portanto mundo e forma natildeo satildeo coisas diversas e

alcanccedilaacuteveis somente em diversos niacuteveis a forma justamente em sua

existecircncia fiacutesica eacute o seu mundo e este eacute o sentido em que a expressividade

da arte se reduz agrave sua formatividade E este eacute justamente o aspecto que faz

da arte algo extraordinaacuterio estamos aqui diante de uma ldquocoisardquo e esta nos

remete a um ldquomundordquo 137

Entretanto a partir daiacute a forma se torna ela mesma ldquomundordquo descolando-se da

ldquopessoardquo 138

por isso eacute importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra

enquanto autocircnoma e detentora de um estatuto ontoloacutegico por isso natildeo se confunde com o

autor embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e por

isso carrega consigo algo da ldquopessoardquo mas ainda assim eacute independente e tem existecircncia

proacutepria Nas palavras de Pareyson

A forma eacute expressatildeo de si mesma e do autor ao mesmo tempo pessoal em

duplo sentido pessoal enquanto revela o autor e pessoal enquanto dotada de

uma proacutepria e independente personalidade Uma coisa tambeacutem natildeo se acha

separada da outra pois a forma soacute tem uma personalidade proacutepria se uma

pessoa eacute o seu autor e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais

consegue ter sua autocircnoma personalidade Pois a expressatildeo do autor se acha

presente no esforccedilo formativo deste e nele se resolve e assim a forma eacute

ma solo per seacute stesso formare per formare formare perseguendo unicamente la forma per seacute stessa larte egrave

pura formativitagraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p

11)

137

Ibidem Op cit p274 ldquoNellopera darte dunque mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a

diversi livelli la forma proprio nella sua esistenza fisica egrave il suo mondo e questo egrave il senso in cui lespressivitagrave

dellarte si riduce alla sua formativitagrave Ed egrave ben questa la cosa straordinaria dellarte trova davanti a una laquo

cosa raquo e vi si rinviene un laquo mondo raquordquo (Ibidem Op cit p249-250)

138

Cf PAREYSON lsquoA arte como formatividade pura especiacutefica e intencionalrsquo In Idem Esteacutetica Teoria da

Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25-26 ldquoLrsquoarte come

formativitagrave pura specifica e intenzionalerdquo In Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 10-12

73

retrato completo de quem a fez porque eacute a expressatildeo completa de si

mesma139

Ademais Pareyson ainda vai mais longe nessa ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo

estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina

como ldquoformatividaderdquo quando ele evoca a importacircncia desse binocircmio para discorrer sobre a

questatildeo da interpretaccedilatildeo da obra de arte Ou seja quando ele discorre sobre a relaccedilatildeo da

ldquoforma ndash espectadorrdquo que se daacute a partir da relaccedilatildeo ldquoforma-pessoardquo entendida duplamente

tanto na ldquopessoardquo do artista como na ldquopessoardquo do espectador Nas palavras dele

Este insuprimiacutevel caraacuteter pessoal da arte prolonga-se ainda na caracteriacutestica

comunicabilidade da forma que eacute universal somente enquanto eacute pessoal e

vice-versa porque fala a todos mas fala a cada um no seu modo De fato

natildeo se tem acesso agrave obra de arte senatildeo pessoalmente no sentido de que a

obra de arte exige interpretaccedilatildeo isto eacute por si mesma uma leitura multiacuteplice

ou melhor infinita como infinitas e sempre diversas satildeo as pessoas dos

inteacuterpretes e dos leitores 140

Por conseguinte eacute essa intersecccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo encontrada no interior da

Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripeacute que pode ser

identificado no pensamento pareysoniano como um todo141

Isto eacute a ldquofilosofia da pessoardquo a

ldquofilosofia da formardquo e a ldquofilosofia da interpretaccedilatildeordquo 142

139

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p272 ldquoLa forma egrave espressiva di seacute e del suo autore insieme personale in duplice senso

poicheacute egrave personale in quanto rivela lautore e personale in quanto dotata duna propria e indipendente

personalitagrave neacute luna cosa egrave disgiunta dallaltra percheacute la forma ha una sua personalitagrave solo se persona egrave il suo

autore e tanto piugrave riesce a rivelare il suo autore quanto piugrave giunge ad avere la sua autonoma personalitagrave che

lespressione dellautore egrave presente nello sforzo formativo di costui e vi si risolve e cosigrave la forma egrave ritratto

compiuto di chi lha fatta percheacute egrave espressione compiuta di seacuterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 247)

140

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p86-87 ldquoQuesto insopprimibile carattere personale dellarte si prolunga ancora nella

caratteristica comunicabilitagrave della forma la quale egrave universale solo in quanto personale e viceversa percheacute

parla a tutti ma a ciascuno parla nel suo modo Infatti non si accede allopera darte se non personalmente nel

senso che lopera drsquoarte esige interpretazione cioegrave suscita di seacute una lettura molteplice anzi infinita come

infinite e sempre diversi sono le persone glrsquointerpreti e dei lettorirdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p280)

141

Sarto acentua a relaccedilatildeo entre as lsquopartesrdquo da filosofia paresyoniana da seguinte maneira ldquoVemos pues aquiacute

nuevo los viacutenculos que existen entre el lsquopersonalismo ontoloacutegicorsquo la lsquometafisica da formarsquo y esta lsquognoseologiacutea

de la interpretacioacutenrsquo y casi sin darnos cuenta hemos pasado del concepto de lsquoformatividadersquo al de

74

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade

Partindo do contorno jaacute estabelecido de significado de ldquoformardquo vaacuterios aspectos

fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artiacutestico

portanto os meandros da ldquoformatividaderdquo O primeiro ponto a ser destacado eacute o entendimento

de que como jaacute foi dito eacute a busca pela ldquoformardquo que move todo o processo de

ldquoformatividaderdquo

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo

Por isso um dos pontos de apoio da teoria esteacutetica de Pareyson eacute a premissa

fundamental de que durante o percurso da produccedilatildeo da obra exista necessariamente um

objetivo muito claro voltado agrave formaccedilatildeo da coisa concreta (ldquoobra-de-arte-formardquo) Daiacute a

importacircncia do sentido de arte como fazer produtivo e natildeo de um simples fazer Isto eacute a arte

eacute produccedilatildeo [poiacuteen] que resulta numa ldquoobra-formardquo

Sem essas demarcaccedilotildees e entendimentos natildeo se pode concluir que na arte o saber-

fazer se daacute ao mesmo tempo da produccedilatildeo Pois eacute exatamente por conta da busca pela ldquoformardquo

que o saber se configura na hora do ldquoformarrdquo e natildeo antes nem mesmo depois pois esse saber-

fazer estaacute subordinado agrave ldquoformardquo e ao ecircxito da formaccedilatildeo desta natildeo o contraacuterio

lsquointerpretacioacutenrsquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi

Pareyson Pamplona EUNSA1998 p34)

142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em portuguecircs no livro ldquoVerdade e Interpretaccedilatildeordquo que

constitui uma coletacircnea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970 Ainda no prefaacutecio desta coletacircnea

Pareyson delimita o conceito de interpretaccedilatildeo que segundo ele teve no campo da esteacutetica um apronfudamento

fundamental Nas palavras dele ldquoO ponto central do pensamento que proponho eacute aquela solidariedade

originaacuteria entre pessoa e verdade na qual consiste a essecircncia genuiacutena do conceito de interpretaccedilatildeo Ao estudo

do conceito de interpretaccedilatildeo jaacute me dedico a mais de vinte anos mais precisamente a partir de quando me pus a

refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um

diaacutelogo entre diversas perspectivas pessoais desde que finalmente se abandone a concepccedilatildeo objetiva de

verdade No conceito de interpretaccedilatildeo tal como resultou daquela reflexatildeo e tal como foi apronfundado nas

aplicaccedilotildees que dele fiz em outros campos sobretudo no campo esteacutetico permito-me indicar aquela nota

hermenecircutica e portanto ontoloacutegica do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de

origem idealista ou de derivaccedilatildeo intimistardquo (PAREYSON Luigi Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria

Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p5)

75

Sendo a ldquoformardquo a geratriz das necessidades e das direccedilotildees de determinada produccedilatildeo

que complete e decirc conta da realizaccedilatildeo da obra de arte acabada Nesse intuito Pareyson clama

por

[] colocar em evidecircncia o caraacuteter dinacircmico da forma agrave qual eacute essencial ser

um resultado ou melhor a resultante de um ldquoprocessordquo de formaccedilatildeo pois a

forma natildeo pode ser vista como tal se natildeo se vecirc no ato de concluir e ao

mesmo tempo incluir o movimento de produccedilatildeo que lhe daacute nascimento e aiacute

encontra o proacuteprio sucesso143

A partir do texto acima eacute possiacutevel afirmar que ldquoformardquo e o processo operativo desta

satildeo inseparaacuteveis no acircmbito da produccedilatildeo da obra de arte e eacute isso que entatildeo Pareyson denomina

como sendo ldquoformatividaderdquo Isto eacute um determina o outro e vice e versa e por conta dessa

relaccedilatildeo simbioacutetica eacute que se conclui que o saber-fazer e o produzir na arte satildeo concomitantes e

indissociaacuteveis

Outro aspecto da ldquoformatividaderdquo que jaacute foi mencionado quando se discorreu sobre a

ldquoformardquo eacute o papel da ldquopessoardquo na ldquoformatividaderdquo e eacute exatamente esse papel que define a

ligaccedilatildeo simbioacutetica entre ldquoforma-pessoardquo Pareyson define a ldquo[] arte como atividade

formativa isto eacute inventiva original criadora e consiste numa presenccedila ao mesmo tempo

triacuteplice e uacutenica da pessoa na arte como energia formante como modo de formar como obra

formadardquo 144 E ainda mais adiante Pareyson completa

[] E se no operar artiacutestico a pessoa do autor tornou-se ela mesma o seu

proacuteprio e insubstituiacutevel modo de formar e se a arte natildeo tem outro conteuacutedo

que natildeo a proacutepria pessoa que eacute a sua energia formante bem se pode dizer

que a obra a que ao processo artiacutestico leva a cabo eacute a proacutepria pessoa do

143

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p10 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

144

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p86 ldquo[] allarte come attivitagrave formativa cioegrave inventiva originale creatrice e consiste in una triplice e

insieme unica presenza della persona nellarte come energia formante come modo di formare come opera

formatardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p280)

76

artista encarnada completamente num objeto fiacutesico e real que eacute justamente

a obra formada 145

Pareyson entatildeo explica que a ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo eacute estabelecida por

meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina como

ldquoformatividaderdquo Portanto eacute o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da

obra de arte e que tem um caraacuteter uacutenico exatamente pelo caraacuteter uacutenico da ldquopessoardquo que

inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produccedilatildeo da obra que liga agrave

pessoa agrave forma formada

222 A relaccedilatildeo entre forma formante e forma formada

Essa hipoacutetese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estatildeo interligados levam a

necessidade de examinar mais de perto o processo de produccedilatildeo da obra arte

Por longos seacuteculos o processo de formaccedilatildeo da obra de arte natildeo foi objeto de

consideraccedilatildeo filosoacutefica permanecendo quando muito no acircmbito das poeacuteticas

e abandonando as regras da retoacuterica [precettistica] 146

Comeccedilou a interessar

agrave meditaccedilatildeo filosoacutefica quando os proacuteprios artistas principiaram a meditar

sobre o assunto principalmente sob o estiacutemulo de poeacuteticas que queriam o

artista consciente das proacuteprias operaccedilotildees 147

Estas frases de Pareyson acima citadas datildeo o tom de sua preocupaccedilatildeo em teorizar o

processo do fazer artiacutestico e recolocar a ecircnfase da reflexatildeo filosoacutefica sobre a definiccedilatildeo de arte

145

Ibidem Op cit p86 ldquo[] lintera persona diventa gesto del fare modo di formare stile E se nelloperare

artistico la persona de lautore egrave diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare e se larte

non ha altro contenuto che la persona stessa che ne egrave lenergia formante si p u ograve ben dire che lopera cui mette

capo il processo artistico egrave la stessa persona dellartista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale

qual egrave appunto lopera formatardquo (Ibidem op cit p280-281)

146

Aqui talvez a melhor traduccedilatildeo fosse ldquopreceptivardquo ou ldquodoutrinardquo

147

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p139 ldquoPer lunghi secoli il processo di formazione dellopera darte non fu oggetto di

considerazione filosofica rimanendo tuttal piugrave nellambito delle poetiche e abbandonato alle regole della

precettistica Cominciograve a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su

soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano lartista consapevole delle proprie operazionirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p325)

77

como saber- fazer produtivo [teacutekhne ndash poiacuteetikoacutes] por isso o esforccedilo no resgate das definiccedilotildees

gregas e suas relaccedilotildees com as ideias centrais do filoacutesofo italiano

A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior e partindo da

ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte eacute a ideia da arte como fazer

[poieicircn] Mas natildeo um simples fazer eacute um saber-fazer [teacutekhne] mas natildeo qualquer saber-fazer

e sim um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem

particularidades muito proacuteprias Como expotildee Pareyson

E eacute justamente esta a condiccedilatildeo do processo artiacutestico guiado por uma espeacutecie

de antecipaccedilatildeo e de pressentimento do ecircxito pelo qual a proacutepria obra age

antes ainda de existir se eacute verdade que a forma existe somente quando o

processo estaacute acabado como resultado de uma atividade que a inventa no

proacuteprio ato que a executa eacute tambeacutem verdade que a forma age como

formante antes ainda de existir como formada oferecendo-se agrave adivinhaccedilatildeo

do artista e por isso solicitando seus eficazes pressaacutegios e dirigindo as suas

operaccedilotildees 148

Como descrito acima uma das particularidades do processo produtivo da arte eacute

conforme apontado previamente a simultaneidade do saber-fazer e do produzir Isso se deve

ao fato de que o processo criativo da arte estaacute subordinado agrave ldquoformardquo No entanto a ldquoformardquo

natildeo existe antes do processo por isso esse percurso do artista ao produzir a obra se

configura num vai e vem dinacircmico entre o ldquovir a serrdquo da ldquoobra-formardquo e a ldquoformardquo da obra

intuiacuteda previamente mas que ainda natildeo eacute ldquoforma formadardquo

148

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142 ldquoEd egrave appunto questa la condizione del processo artistico guidato da una specie

di anticipazione e di presentimento della riuscita per cui lopera stessa agisce prima ancora di esistere se egrave

vero che la forma esiste solamente a processo compiuto come risultato dunattivitagrave che linventa nellatto stesso

che la esegue egrave anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata

offrendosi alla divinazione dellartista e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazionirdquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p327)

78

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade

A correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo central no percurso de

fabricaccedilatildeo da obra de arte tem como motor a invenccedilatildeo que indissociaacutevel da produccedilatildeo gera a

ldquoformatividaderdquo resultando no ecircxito da ldquoformardquo

Portanto eis um conceito chave para o entendimento do processo artiacutestico como um

todo invenccedilatildeo [invenzione] 149 Isto eacute a ideia de invenccedilatildeo como componente central da

ldquoformatividaderdquo que Pareyson indica na sua teoria abaixo segue uma siacutentese central do

processo artiacutestico visto agrave luz da teoria esteacutetica pareysoniana

O conceito central eacute a formatividade entendida esta como a uniatildeo

inseparaacutevel de produccedilatildeo e invenccedilatildeo ldquoFormarrdquo significa aqui ldquofazerrdquo

inventando ao mesmo tempo o ldquomodo de fazerrdquo ou seja ldquorealizarrdquo soacute

procedendo por ensaio em direccedilatildeo ao resultado e produzindo desde modo

obras que satildeo ldquoformasrdquo 150

Mas natildeo eacute qualquer invenccedilatildeo assim como o saber-fazer da arte ocorre

simultaneamente ao fazer-produzir a invenccedilatildeo ocorre junto agrave produccedilatildeo completando um

ciacuterculo contiacutenuo da produccedilatildeo da obra arte que envolve a invenccedilatildeo do modo de fazer e a

execuccedilatildeo propriamente dita ateacute a conclusatildeo da ldquoformardquo Nas palavras dele

O fato eacute que a arte natildeo eacute somente executar produzir realizar e o simples

ldquofazerrdquo natildeo basta para definir sua essecircncia A arte tambeacutem eacute invenccedilatildeo

[invenzione] Ela natildeo eacute execuccedilatildeo de qualquer coisa jaacute ideada realizaccedilatildeo de

um projeto produccedilatildeo segundo regras dadas ou predispostas Ela eacute um fazer

que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer A arte eacute uma

atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo procedem pari passu simultacircneas e

inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de um valor

149

Entenda-se neste contexto ldquoinvenccedilatildeordquo nos sentidos de criatividade imaginaccedilatildeo e originalidade como

contraponto de coacutepia Ademais correntemente Pareyson utiliza tanto invenccedilatildeo como criaccedilatildeo como sinocircnimas e

em oposiccedilatildeo agrave imitaccedilatildeo Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena

Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p137-139

150

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

79

original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo encontra-se a

regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem eacute pensaacutevel

projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou cantando eacute que eacute

encontrada e eacute concebida e eacute inventada 151

Em suma a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se daacute sob duas

condiccedilotildees a primeira como jaacute foi demonstrada se daacute pelo condicionamento do fazer artiacutestico

em busca do ecircxito da ldquoformardquo que estabelece o jogo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma

formadardquo A segunda se daacute por conta da dinacircmica da ldquoformatividaderdquo que se define pela

contemporaneidade entre a invenccedilatildeo e a produccedilatildeo - execuccedilatildeo da arte Eis portanto a

definiccedilatildeo capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson

224 A legalidade interna da ldquoformardquo e a intuiccedilatildeo na Teoria da Formatividade

Ainda Pareyson aponta para uma dinacircmica que envolve o processo de formaccedilatildeo da

arte ldquoCom base nesta lsquodialeacutetica de forma formante e forma formadarsquo a obra de arte tem a

misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formaccedilatildeo isto eacute de

existir como conclusatildeo de um processo estimulado promovido e dirigido por elardquo 152

Eacute exatamente nesse aspecto do processo de fabricaccedilatildeo da arte que se detecta a

presenccedila de descontrole aparente do ldquopessoa-artistardquo Ou seja aqui haacute certa nebulosidade que

dificulta a identificaccedilatildeo da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista

levando a conclusatildeo de que uma forccedila externa ou distinta da razatildeo ou da vontade do artista

estaacute agindo Como Pareyson descreve no texto abaixo

151

IdemOs problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p32 ldquoIl fatto egrave che larte non egrave solamente eseguire produrre realizzare e il semplice laquofareraquo non basta a

definirne lessenza larte egrave anche lsquoinvenzionersquo Essa non egrave esecuzione di qualcosa di giagrave ideato realizazione

drsquoun progetto produzione secondo regole date o predisposte lsquoessa egrave un tal fare che mentre fa inventa il da

farsi e il modo di farersquo Larte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo simultanee e

inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si concepisce eseguendo

si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave finita neacute egrave pensabile di

progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la

sinventardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p231-232)

152

Ibidem Op Cit p142 ldquoIn base a questa dialettica di forma formante e forma formata lopera darte ha la

misteriosa prerogativa dessere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione cioegrave di esistere come

conclusione dun processo da lei stessa stimolato promosso e direttordquo (Ibidem Op cit p327)

80

De fato eacute verdade por um lado que o artista eacute o uacutenico autor da sua obra e

que a diferenccedila entre as condiccedilotildees e o resultado entre os materiais coletados

e o de combustatildeo eacute tal que permite falar de uma verdadeira e proacutepria criaccedilatildeo

original da qual natildeo temos de agradecer a outros senatildeo ao artista Mas por

outro lado eacute preciso tambeacutem reconhecer que a obra tem uma independecircncia

e uma geraccedilatildeo inteira pela qual o artista mal a concebeu natildeo eacute mais livre

de fazer aquilo que quer mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra

que ele ideou quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em

fruto maduro 153

Esse raciociacutenio levou vaacuterios pensadores e artistas a atribuiacuterem a origem do fazer

artiacutestico ou do saber-fazer artiacutestico agraves forccedilas divinas ou agrave intuiccedilatildeo Como foi previamente

demonstrado no primeiro capiacutetulo (Sentido de teacutekhne relacionado ao sentido de inspiraccedilatildeo)

Pareyson natildeo nega o misteacuterio que envolve o processo artiacutestico no entanto natildeo o

entende como sendo algo externo ao processo em si e principalmente como sendo externo

ao artista Muito pelo contraacuterio esse aparente descontrole eacute fruto da dinacircmica da busca pela

forma formada que se daacute atraveacutes da forma formante E o misteacuterio se desfaz assim que se tem a

forma acabada isto eacute o ecircxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade

interna da ldquoformardquo que eacute constituiacuteda exatamente no momento formativo Portanto a

finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do

processo na proacutepria forma formada Nas palavras dele

Eacute a proacutepria obra que se forma desenvolvendo-se daquele primeiro embriatildeo

grado e incubado na mente do artista e tendendo para o termo natural da

proacutepria finalidade a ponto de que se a atividade do artista natildeo consistir no

individual e no seguir este desenvolvimento natural a obra aborta e falha

Que este caminho seja uniacutevoco eacute coisa que soacute aparece quando a obra estaacute

acabada o artista o ignora no curso da produccedilatildeo e eacute por isso que ele procede

153

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142-143 Texto em italiano ldquoInfatti egrave vero per un verso che lartista egrave lunico autore

della sua opera e che la differenza fra le condizioni e il risultato fra i materiali raccolti e latto di combustione

egrave tale da far parlare di una vera e propria creazione originale di cui non abbiamo da ringraziare altri che

lartista Ma per laltro verso bisogna pure riconoscere che lopera ha una sua indipendenza e una sua interna

generazione per cui lartista non appena lha concepita non egrave piugrave libero di fare quel che vuole ma deve

seguire la finalitagrave interna dellopera stessa chegli ha ideato quasi che fosse un germe il quale tende a

svilupparsi verso il frutto maturordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p328)

81

tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas agrave

prova mas quando a obra eacute conseguida refazendo o caminho agraves avessas e

rememorando a aventura ele compreende que soacute podia fazer a obra daquele

modo 154

Nesse sentido a intuiccedilatildeo pode ser entendida como parte do processo de produccedilatildeo da

obra e como a proacutepria necessidade advinda da ldquoformardquo como uma espeacutecie de lei interna que

determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formaccedilatildeo da arte

Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo

[] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itineraacuterio atraveacutes

do qual o artista tentando e corrigindo e refazendo produz a obra a

inspiraccedilatildeo o exerciacutecio a improvisaccedilatildeo o diaacutelogo com a mateacuteria e o domiacutenio

sobre ela conseguindo justamente atraveacutes da obediecircncia que ela reclama a

teacutecnica e a linguagem da arte e o aspecto herdado desde o ldquotemardquo ou

ldquoassuntordquo ateacute ao ldquoesboccedilordquo e agrave obra terminada155

Em suma discernindo aquilo que a obra pede satisfazendo essa lei interna da proacutepria

obra respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece mas que paradoxalmente satildeo

advindas das proacuteprias escolhas do artista a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade

ao artista Por isso a ldquoformardquo eacute formante e eacute formada ao mesmo tempo e desta maneira o

artista segue o rastro da forma como se ela lhe ldquodissesserdquo o que ele (artista) ldquodeverdquo fazer

Nesse sentido pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo

que tantos pensadores desde Platatildeo a Pareyson se preocuparam em definir a intuiccedilatildeo do

artista ao produzir a obra de arte E eacute essa parte misteriosa e exposta por muitos como

inexplicaacutevel poreacutem tatildeo palpaacutevel do processo artiacutestico que a teoria de Pareyson explicita na

154

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p143-144 ldquoEgrave lopera stessa che si forma sviluppandosi da quel primo embrione generato

e incubato dalla mente dellartista e tendendo verso il termine naturale della propria finalitagrave al punto che se

lattivitagrave dellartista non consiste nellindividuare e nel seguire questo naturale sviluppo lopera abortisce e

fallisce Che questo cammino sia univoco egrave cosa che appare solo a opera compiuta lartista lo ignora nel corso

della produzione egrave per questo chegli procede tentando ed escludendo via via le possibihtagrave scelte e messe a

prova ma ad opera riuscita rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando lavventura egli capisce che solo in

quel modo egli poteva fare loperardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p329)

155

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p14-15 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

82

fundamental relaccedilatildeo que se estabelece entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo no interior

da ldquoformatividaderdquo Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possiacutevel sem outra cadeia de

relaccedilotildees que se configura na base da produccedilatildeo do artista isto eacute a simbiose entre ldquoformardquo

ldquopessoardquo e ldquomundordquo

E por fim nas palavras de Pareyson toda complexidade de copossibilidades e

coexistecircncias que definem a ldquoformardquo e consequentemente a ldquoformatividaderdquo

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma 156

Em siacutentese pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira no

processo artiacutestico enquanto ldquoformatividaderdquo coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da

ldquoformardquo advinda de uma legalidade e de uma finalidade intriacutenseca a ela isto eacute a

formatividade se constitui na inventividade e na construccedilatildeo de um saber-fazer subordinado ao

ecircxito da produccedilatildeo de uma ldquoobra-de-arte-formardquo E durante o processo dialoacutegico entre ldquoforma

formanterdquo e ldquoforma formadardquo que decorre na relaccedilatildeo ldquoformatividaderdquo e ldquopessoardquo e na

156

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della creativitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 p329)

83

simultaneidade da obra de arte enquanto ldquoformardquo e ldquopessoardquo coexistem a fisicalidade da

existecircncia da coisa como organismo vivo e autocircnomo e a espiritualidade da pessoa que

imprime todo o seu ldquomundordquo

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade

Eacute bom lembrar que aleacutem dos jaacute demonstrados aportes advindos de textos de Platatildeo e

de Aristoacuteteles para os conceitos de teacutekhne e poiacuteesis como tambeacutem o conceito de ldquoorganismordquo

Aristoteacutelico que Pareyson relaciona agrave Teoria da Formatividade o proacuteprio Pareyson demarca

pontualmente alguns outros diaacutelogos que contribuiacuteram para a sua definiccedilatildeo de arte como

ldquoformardquo e consequentemente para a sua definiccedilatildeo da atividade artiacutestica como

ldquoformatividaderdquo Como se pode constatar no trecho abaixo

Os conceitos de forma e de formatividade parecem portanto os mais

adequados para qualificar respectivamente a arte e a atividade artiacutestica Para

a atualidade desta concepccedilatildeo contribuiacuteram alguns desenvolvimentos do

pensamento moderno que provindo de pontos de partida diversos mostram

uma convergecircncia significativa de conclusotildees Sobre o caraacuteter formativo da

atividade artiacutestica Goethe atento teorizador das relaccedilotildees entre arte e

natureza escreveu paacuteginas memoraacuteveis e atualiacutessimas sobre analogia entre

obra de arte e organismos da natureza Schelling chamou a atenccedilatildeo Focillon

falou da vida das formas e grande parte da esteacutetica francesa contemporacircnea

insistiu sobre a contemporaneidade da invenccedilatildeo e execuccedilatildeo a psicologia da

forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura

Whitehead renovou a problemaacutetica do conceito de organizaccedilatildeo e

organicidade Dewey insistiu sobre os conceitos de ldquoacabamentordquo

[compimento] e de ldquoecircxitordquo [riuscita] na Itaacutelia Augusto Guzzo mostrou

como na atividade humana se nucleiam formas que pelo seu exemplar

sucesso datildeo lugar a estilos [] 157

157

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32-33 I concetti di forma e di formativitagrave sembrano dunque piugrave adatti a qualificare

rispettivamente larte e lattivitagrave artistica Allattualitagrave di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del

pensiero moderno che muovendo da punti di partenza diversi mostrano una significativa convergenza di

conclusioni Sul carattere formativo dellattivitagrave artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe

attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura sullanalogia fra opere darte e organismi della natura ha

84

Assim sendo a partir da leitura desta breve siacutentese que Pareyson formulou fica clara

a abrangecircncia de multiplicidade de diaacutelogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e

pensadores contemporacircneos

Ademais Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as

particularidades que o conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo e sua respectiva formaccedilatildeo

anaacuteloga ao ser vivente traz consigo

A filosofia de Dewey pelo contraacuterio que eacute uma filosofia da operosidade

humana vista no seu aspecto de busca de tentativa de precariedade insiste

muito no processo pelo qual em geral o homem chega agraves suas realizaccedilotildees e

em particular quando o artista acaba as suas obras ele fala do processo

artiacutestico como de um processo orgacircnico que atraveacutes de uma trajetoacuteria de

gestaccedilatildeo incubaccedilatildeo nascimento crescimento maturaccedilatildeo chega agrave obra

como de uma seacuterie de atos reativos que se acumulam em direccedilatildeo de um

cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretaccedilatildeo de

todos os fatores numa totalidade 158

Ora curioso que parte dessa descriccedilatildeo tambeacutem poderia ser dita como sendo a proacutepria

noccedilatildeo de ldquoorganicidaderdquo retirada da filosofia aristoteacutelica Assim sendo consequentemente

volta-se novamente a identificar a forte presenccedila de um diaacutelogo com o estagirita em toda a

Teoria da Formatividade Visto que em outra passagem Pareyson liga a ldquoformatividaderdquo a

um processo orgacircnico poreacutem neste caso evidenciando a noccedilatildeo de ldquofinalidaderdquo como motor

da ldquoformatividaderdquo Citando Pareyson

attirato lattenzione Schelling Focillon ha parlato della vita delle forme e gran parte dellestetica francese

contemporanea ha insistito sulla contemporaneitagrave di invenzione ed esecuzione la psicologia della forma ha

invitato a meditare sui concetti di totalitagrave e di struttura Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di

organizzazione e organicitagrave Dewey ha insistito sui concetti dilaquocompimentoraquo e di laquoriuscitaraquo in Italia Augusto

Guzzo ha mostrato come nellattivitagrave umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a

stili chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare unestetica della laquoformativitagraveraquo che concepisce le opere

darte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalitagrave interna e che propone una concezione dinamica

della bellezza artistica (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

158

Ibidem Op cit p140 ldquoInvece la filosofia di Dewey chegrave una filosofia delloperositagrave umana vista nel suo

aspetto di ricerca di tentativo di precarietagrave insiste molto sul processo con cui in generale luomo giunge alle

sue riuscite e in particolare artista compie le sue opere egli parla del processo artistico come dun processo

organico che attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione giunge allopera

e cioegrave come duna serie di atti reattivi che si accumulano in direzione dun compimento e di atti selettivi che

contribuiscono allinterpretazione di tutti fattori in una totalitagraverdquo (Ibidem Op cit p326)

85

ldquoDizer que no processo artiacutestico a forma eacute ao mesmo tempo formada e

formante natildeo significa interpretaacute-la com desenvolvimento orgacircnico

Tambeacutem num processo orgacircnico o produto eacute ao mesmo tempo produtor E

a escolha e seleccedilatildeo das diversas possibilidades satildeo reguladas por uma

finalidade intriacutenseca que eacute a proacutepria forma futura []rdquo 159

Vale lembrar o quanto a ideia de ldquofinalidaderdquo eacute fundamental para a definiccedilatildeo de

ldquoorganismordquo na filosofia de Aristoacuteteles

E ainda considerando que em Pareyson haacute uma clara indistinccedilatildeo entre a operosidade

artiacutestica e as outras operosidades incluindo a da natureza logo conduz-se a discussatildeo sobre o

fazer artiacutestico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte

gerando implicaccedilotildees importantes para se pensar a relaccedilatildeo entre arte-mundo mundo-artista

mundo-realidade durante o processo de produccedilatildeo e operosidade pois a discussatildeo transborda o

fazer especiacutefico da arte

Ademais Vattimo num texto intitulado Opera drsquoarte e organismo in Aristotele

tambeacutem concorda que o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles contribui e permeia as

teorias de arte atuais natildeo soacute a pareysoniana Nas palavras dele

Em muitos estudiosos da esteacutetica de vaacuterias inspiraccedilotildees hoje eacute possiacutevel

verificar a ampla utilizaccedilatildeo do termo e do conceito de organismo para

descrever o produto artiacutestico Tanto o conceito como a sua utilizaccedilatildeo

esteacutetica remontam a Aristoacuteteles e eacute portanto uacutetil natildeo soacute para um interesse

filoloacutegico mas para enriquecer e esclarecer agraves temaacuteticas proacuteprias da esteacutetica

atual [] 160

159

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p76 ldquoDire che nel processo artistico la forma egrave insieme formata e formante non significa

interpretarlo come uno sviluppo organico Anche i n un processo organico i l prodotto egrave insieme producente e

la scelta e selezione delle varie possibilitagrave egrave regolata da una finalitagrave interna c h egrave la stessa forma futura []rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960p60)

160

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoPresso molti studiosi di esteacutetica di varia ispirazione egrave possiblie oggi trovare largamente

impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico Sia il concetto che il suo uso

estetico risalgono ad Aristotele ed egrave dunque utile non solo per un interesse filologico ma per arricchire e

precisare la stessa tematica estetica attuale[]rdquo (VATTIMO GianneldquoOpera drsquoarte e organimo in Aristotelerdquo

p 211 In VATTIMO Gianne Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008)

86

Nesse sentido pode-se dizer que a abrangecircncia de diaacutelogos que permeiam o

pensamento pareysoniano esboccedilada acima natildeo invalida a hipoacutetese de que Pareyson valoriza

os conceitos de ldquoteacutekhnerdquo e ldquopoiacuteesisrdquo advindos do pensamento de Platatildeo e sobretudo do

pensamento de Aristoacuteteles acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos e tambeacutem

o conceito de ldquoorganismordquo aristoteacutelico inclusive para uma reflexatildeo sobre as especificidades

da Arte ainda hoje Como tambeacutem utiliza como subsiacutedio para definir seu conceito chave isto

eacute ldquoformardquo o conceito de ldquoorganismordquo presente o pensamento de Aristoacuteteles Portanto o

estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platatildeo como de Aristoacuteteles se

configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e

especificidades da Teoria da Formatividade

87

CAPIacuteTULO III

Arte como miacutemesis e a autonomia da obra de arte

na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama

o problema mais vasto das relaccedilotildees entre arte e natureza

Tambeacutem aqui se apresenta a antiacutetese entre a mimese e a

abstraccedilatildeo a imagem artiacutestica eacute de um lado signo ndash isto eacute

figuraccedilatildeo do real ndash de outro lado eacute autocircnoma ndash isto eacute

criaccedilatildeolsquoex novorsquo

Pareyson 1966 161

Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [φάος]

porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver

Aristoacuteteles162

31 O conceito de miacutemesis e a Teoria da Formatividade

Como foi demonstrado nos capiacutetulos I e II Pareyson toma como ponto de partida para

delinear o seu pensamento sobre as problemaacuteticas da Arte dois conceitos correlatos advindos

do pensamento grego teacutekhne e poiacuteesis Com efeito esses conceitos acrescidos ao que

Pareyson chama de conceito aristoteacutelico de lsquoorganismorsquo datildeo suporte fundamental para a

161

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Trad de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p67 ldquoIl problema dellarte rappresentativa e dellarte astratta richiama il problema piugrave vasto dei

rapporti fra arte e natura Anche qui si presenta lantitesi fra la mimesi e lastrazione limmagine artistica da

un lato egrave segno cioegrave raffigurazione del reale dallaltro egrave autonoma cioegrave creazione lsquoex novorsquordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262)

162

ARISTOacuteTELES De Anima 428b 30 - 429a 1-4 ldquoa imaginaccedilatildeo [429a] seraacute um movimento gerado pela accedilatildeo

da percepccedilatildeo sensorial em atividade Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [Φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [Φάος] porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver E por ltas

imagensgt permanecerem e serem semelhantes agraves sensaccedilotildees os animais fazem muitas coisas graccedilas a elasrdquo

(ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010)

ἢ φαντασία [429ordf] (τοῦτο δ ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ ἐνέργειαν

γιγνομένη Ἐπεὶ δ ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν

ἰδεῖν

88

construccedilatildeo da definiccedilatildeo de lsquoformarsquo e consequentemente de lsquoformatividadersquo no interior da

Teoria da Formatividade pareysoniana

Por sua vez a Teoria da Formatividade ao definir a obra de arte como organismo

vivo reivindicou tanto um estatuto ontoloacutegico como uma autonomia da ldquoformardquo seja com

relaccedilatildeo ao artista seja com relaccedilatildeo ao espectador que a interpreta

Entretanto esta autonomia da ldquoformardquo com relaccedilatildeo a um provaacutevel modelo

demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de

miacutemesis isto eacute nos significados e definiccedilotildees de arte como miacutemesis encontrados tanto em

alguns textos platocircnicos como aristoteacutelicos como seraacute demonstrado a seguir

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo

Retomando a questatildeo da identificaccedilatildeo da atividade da arte em especial da pictoacuterica

como miacutemesis - conforme brevemente esboccedilado nos capiacutetulos I e II - constata-se que esta eacute

uma definiccedilatildeo primaz da arte incluindo a arte pictoacuterica abordada tanto em textos de Platatildeo

como nos de Aristoacuteteles

No Livro X da Repuacuteblica de Platatildeo haacute uma passagem dedicada a discorrer sobre a

miacutemesis com destaque para a sua relaccedilatildeo com a pintura Esse trecho se inicia com a

pergunta ldquoPoderia vocecirc me dizer o que eacute em geral a imitaccedilatildeordquo [miacutemesin hoacuteloshoacute ti

porsquoestiacuten] (Repuacuteblica X 595 c 7)163

E a partir deste ponto enceta-se um longo diaacutelogo sobre o assunto tendo como

exemplo central a atividade do pintor para finalizar com a criacutetica agrave miacutemesis como atividade

distante da verdade e enganadora com a consequente expulsatildeo da cidade dos que praticam

esta atividade isto eacute tanto o pintor quanto o poeta (Repuacuteblica X 605 a-c) 164

163

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012 ldquoΜίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτrsquo ἐστίνrdquo

164

ldquo- Podemos pois com justiccedila censuraacute-lo (poeta) e consideraacute-lo como o par do pintor assemelha-se a ele

por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma e natildeo com o melhor Assim eis-

nos bem fundamentados para natildeo recebecirc-lo em uma cidade que deve ser regida por leis saacutebias jaacute que desperta

89

Muito se fala sobre a condenaccedilatildeo platocircnica agraves artes que hoje se identificam como

pictoacutericas e poeacuteticas contudo o que interessa refletir aqui natildeo eacute acerca da condenaccedilatildeo

propriamente dita porque eacute claro natildeo compartilhamos desta posiccedilatildeo embora esta discussatildeo

natildeo deixe de ser instigante com vaacuterios desdobramentos 165O que de fato interessa discorrer

sobre o citado diaacutelogo eacute como se constroacutei o argumento que acarreta a condenaccedilatildeo e mais

ainda o que estaacute na base deste argumento proposto por Platatildeo e quais as definiccedilotildees que

foram propostas para se pensar os meandros da produccedilatildeo da pintura

Isto eacute a reflexatildeo que se propotildee a partir da leitura desta longa passagem em primeiro

lugar eacute a definiccedilatildeo da pintura como aparecircncia como fica evidente neste trecho

-Natildeo eacute complicada - respondi - eacute posta em praacutetica amiuacutede e rapidamente

muito rapidamente mesmo se quiseres apanhar um espelho e levaacute-lo contigo

por toda a parte num aacutetimo faraacutes o sol e os astros do ceacuteu em menos tempo

ainda a terra e menos ainda a ti mesmo e os outros seres vivos e os moacuteveis

e as plantas e tudo quanto mencionamos haacute pouco - Sim - disse ele - mas

seratildeo meras aparecircncias e natildeo realidades - Bem - disse eu - chegas ao ponto

pretendido pelo discurso pois dentre os artesatildeos deste gecircnero imagino que

se deva incluir o pintor natildeo eacute - Como natildeo - Mas tu me diraacutes penso que o

que ele faz natildeo tem a menor realidade no entanto de certo modo o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma e arruiacutena destarte o elemento racional como acontece numa cidade

que eacute entregue aos perversos ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereccedilam os homens mais

estimaacuteveis do mesmo modo do poeta imitador diremos que introduz um mau governo na alma de cada

indiviacuteduo lisonjeando o que haacute nela de irracional que eacute incapaz de distinguir o maior do menor que ao

contraacuterio encara os mesmos objetos ora como grandes ora como pequenos que produz apenas fantasmas e se

encontra a uma distacircncia infinita da verdade ndash Certamenterdquo (PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J

Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 2012)

Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ καὶ γὰρ τῷ

φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς

τὸ βέλτιστον καὶ ταύτῃ ὡμοίωται Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι

πόλιν ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν

τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν

ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ

οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ τοτὲ δὲ σμικρά εἴδωλα

εἰδωλοποιοῦντα τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα - Πάνυ μὲν οὖν

165

Como por exemplo expotildee Pierre-Maxime Schuhl ldquoSe Platatildeo se mostra tatildeo severo com as artes eacute

seguramente porque lhes reconhece ndash por tecirc-las sem duacutevida experimentado ndash a influecircncia irracional que lhes

atribuiacutea Goacutergias mais que qualquer outro ele devia ser sensiacutevel a isso contra ela recorreu ao idealismo

moral e matemaacutetico contra os artifiacutecios dos ilusionistas agrave medida ao nuacutemerordquo (SCHUHL P-M Platatildeo e arte

do seu tempo Trad de Adriano Machado Ribeiro Satildeo Paulo Discurso Editorial Editora Barcarolla 2010 p

63)

90

tambeacutem faz uma cama Ou natildeo - Sim - redarguiu - ao menos uma cama

aparente (Repuacuteblica X 596 d-e) 166

Dito que a pintura eacute aparecircncia o segundo ponto levantado e longamente analisado no

diaacutelogo eacute a distacircncia da miacutemesis incluindo a pintura para com a verdade e

consequentemente o perigo do engano que a pintura poderia acarretar como fica claro nesta

passagem

- Agora considera este ponto qual desses dois objetivos se propotildee a pintura

relativamente a cada objeto o de representar o que eacute tal como eacute ou o que

parece tal como parece Eacute ela imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade - Da

aparecircncia - disse ele - A imitaccedilatildeo estaacute portanto longe do verdadeiro e se

ela modela todos os objetos eacute segundo parece porque toca apenas uma

pequena parte de cada um a qual natildeo eacute aliaacutes senatildeo uma imagem

(eiacutedolon)167

O pintor diremos noacutes por exemplo nos representaraacute um

166

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo

Paulo Perspectiva 2012

Οὐ χαλεπός ἦν δrsquo ἐγώ ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος τάχιστα δέ που εἰ rsquoθέλεις λαβὼν κάτοπτρον

[596e] περιφέρειν πανταχῇ ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ ταχὺ δὲ γῆν ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ

τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο - Ναί ἔφη φαινόμενα οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ

ἀληθείᾳ - Καλῶς ἦν δrsquo ἐγώ καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος

ἐστίν Ἦ γάρ -Πῶς γὰρ οὔ -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ

ζωγράφος κλίνην ποιεῖ ἢ οὔ -Ναί ἔφη φαινομένην γε καὶ οὗτος

Outra traduccedilatildeo ldquondashSe pegares um espelho e o mostrares em todas as direccedilotildees em um instante faraacutes o sol

e os astros do ceacuteu em um instante a terra em um instante vocecirc mesmo e os outros animais e os moacuteveis e as

plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda haacute pouco ndash Sim ele diz mas natildeo satildeo objetos aparentes

(phainoacutemena) desprovidos de existecircncia real ndash atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu

argumento Com efeito entre esses artiacutefices conta tambeacutem julgo eu o pintor Natildeo eacute assim- Eacutendash E de certo

modo o pintor tambeacutem faz uma cama ou natildeo ndash Sim ele diz uma cama aparente (phainomeacutenen) ela tambeacutemrdquo

(VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens traduccedilatildeo de Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees p 55-56 In

COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoSi tu veux prendre un miroir et le preacutesenter de tous cocircteacutes en moins de rien tu feras le soleil et les astres du

ciel en moins de rien la terre en moins de rien toi-mecircme et les autres animaux et les meubles et les plantes et

tous les objets dont on parlait tout agrave lheure mdash Oui dit-il des objets apparents (phainomena) mais sans aucune

reacutealiteacute veacuteritable [] mdash Et dune certaine faccedilon le peintre aussi fait un lit nest-ce pas mdash Oui dit-il un lit

apparent (phainomenecircn) lui aussi (Reacutep 596 d-e) rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____

Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 108-109)]

167

A palavra em grego εἴδωλον [eiacutedolon] foi traduzida por J Guinsburg por ldquosimulacrordquo entretanto no cotejo

das vaacuterias traduccedilotildees consultadas optou-se por traduzir por ldquoimagemrdquo tal como estaacute em Vernant (Nascimento

das Imagens p60) pois pareceu mais apropriado e preciso jaacute que simulacro eacute um termo que pode acarretar

possiacuteveis interpretaccedilotildees carregadas de significados natildeo correspondentes a contextualizaccedilatildeo do texto platocircnico

Segue o trecho referido acima da Repuacuteblica de Platatildeo (X 598 b-c)ldquo- Relativamente a cada objeto qual a

finalidade da pintura Eacute de representar a realidade como ela realmente eacute ou a aparecircncia como ela aparece

(tograve phainoacutemenon hos phaiacutenetai) Eacute imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade ndash Da aparecircncia diz ele - A arte de

imitar (he mimetikeacute) estaacute portanto bem distante do verdadeiro se pode tudo realizar eacute porque atinge apenas

uma pequena parte de cada coisa sendo que esta parte natildeo eacute mais que uma imagem (eiacutedolon)rdquo (Traduccedilatildeo de

91

sapateiro um carpinteiro ou outro artesatildeo qualquer sem ter nenhum

conhecimento do ofiacutecio (c) deles entretanto se for bom pintor tendo

representado um carpinteiro e mostrando-o de longe enganaraacute as crianccedilas e

os homens privados de razatildeo porque teraacute dado agrave sua pintura a aparecircncia de

um autecircntico carpinteiro (Repuacuteblica X 598b-c) 168

Continuando mais adiante o diaacutelogo evolui para a conclusatildeo de que a pintura eacute como

uma ilusatildeo isto eacute Platatildeo descreve os efeitos da ilusatildeo que a imagem visual pode provocar

usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictoacuterica

- Do seguinte a mesma grandeza encarada de perto ou de longe natildeo parece

igual - Natildeo por certo - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos

conforme os olhemos dentro ou fora da aacutegua ou cocircncavos e convexos

devido agrave ilusatildeo visual produzida pelas cores e eacute evidente que tudo isso lanccedila

a perturbaccedilatildeo em nossa alma Ora dirigindo-se a essa disposiccedilatildeo de nossa

natureza a pintura sombreada natildeo deixa sem emprego nenhum processo de

magia como tambeacutem eacute o caso da arte do charlatatildeo e de muitas outras

invenccedilotildees do gecircnero - Eacute verdade - Ora natildeo descobriu na medida no

caacutelculo e na pesagem excelentes preventivos contra tais ilusotildees de tal modo

que o que prevalece em noacutes natildeo eacute a aparecircncia de grandeza ou de pequeneza

de quantidade ou de peso mas antes o julgamento de quem contou mediu e

pesou - Como natildeo (Repuacuteblica X 602 c-d) 169

Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees da traduccedilatildeo para o francecircs de Jean- Pierre Vernant InVERNANT Jean-

Pierre Nascimento de Imagens p 60 In COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio

de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoQuel but se propose la peinture relativement agrave chaque objet Est-ce de repreacutesenter ce qui est tel quil est ou

ce qui paraicirct tel quil paraicirct (to phainomenon hocircs phainetai) Est-ce limitation de lapparence ou de la reacutealiteacute

mdash De lapparence dit-il mdash Lart dimiter (hecirc mimecirctikecirc) est donc bien eacuteloigneacute du vrai et sil peut tout exeacutecuter

cest quil ne touche quune petite partie de chaque chose et cette partie nest quimage (eidocirclon)(Reacutep 598 b-

c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois

Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112-113)] 168

Traduccedilatildeo PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo

Satildeo Paulo Perspectiva 2012

Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον πότερα πρὸς τὸ ὄν ὡς ἔχει

μιμήσασθαι ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον ὡς φαίνεται φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις - Φαντάσματος ἔφη

- Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί ὡς ἔοικεν διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται ὅτι σμικρόν τι

ἑκάστου ἐφάπτεται καὶ τοῦτο εἴδωλον Οἷον ὁ ζωγράφος φαμέν ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον τέκτονα τοὺς

ἄλλους δημιουργούς [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν ἀλλrsquo ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας

ἀνθρώπους εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς

ἀληθῶς τέκτονα εἶναι

169

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012

92

Portanto apesar de outras passagens do diaacutelogo A Repuacuteblica como no livro III (373 b

44-8) que discorrem sobre a pintura como sendo produto da miacutemesis eacute no Livro X que Platatildeo

discorre longamente sobre o problema da pintura levantando dois pontos o primeiro eacute a

definiccedilatildeo de pintura como aparecircncia afirmando que a pintura natildeo imita a realidade mas sim

imita a aparecircncia de realidade O segundo ponto decorre do primeiro se a pintura eacute aparecircncia

se o pintor natildeo conhece verdadeiramente o que imita estaacute longe da verdade170

e a pintura

logo eacute ilusatildeo eacute engano

Logo o que fica claro a partir da leitura dos trechos da Repuacuteblica destacados acima eacute

que Platatildeo natildeo entende a miacutemesis como uma servil duplicaccedilatildeo da realidade tampouco a

pintura enquanto decorrente da miacutemesis

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo

O conceito de phantasia - em correspondecircncia ao conceito de miacutemesis - tal como se

encontra no diaacutelogo platocircnico O Sofista eacute outro ponto chave para o estudo do papel da

imitaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o estatuto ontoloacutegico da pintura proposto pela Teoria da

Formatividade Ademais a proposiccedilatildeo acerca da correlaccedilatildeo entre miacutemesis e phantasiacutea

formulada por Platatildeo no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu

diaacutelogo o Craacutetilo Portanto haacute que se recorrer agrave leitura destes outros diaacutelogos para entender

como Platatildeo pensava a problemaacutetica da pintura relacionada agrave miacutemesis

Ou seja tambeacutem no Sofista Platatildeo discorreu sobre a ideia de miacutemesis no entanto

aqui neste diaacutelogo ele propotildee o entendimento da miacutemesis como um tipo de produccedilatildeo

Τοῦ τοιοῦδε ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται - Οὐ γάρ -

Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ

χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ

παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι

πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί - Ἀληθῆ -῏Αρrsquo οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς

αὐτὰ ἐφάνησαν ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον ἀλλὰ τὸ

λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν - Πῶς γὰρ οὔ

170

Trecircs vezes longe da verdade quando se expotildee a distinccedilatildeo entre a cama como modelo primeiro isto eacute a ideia

de cama a segunda seria a cama fabricada e a terceira a pintura da cama para mostrar o quanto a imagem

pictoacuterica estaria longe da verdade no entendimento de Platatildeo e seria portanto uma ilusatildeo enganadora (Cf

Repuacuteblica X 597 a ndash 598)

93

(poiacuteesis) de imagens (eiacutedola) e incluiu a pintura como parte desta produccedilatildeo de imagens que

seriam ldquosegundos objetos iguaisrdquo

E ainda Platatildeo definiu a imagem (eiacutedolon) distinguindo-a em dois tipos um eacute a

imagem do tipo eiacutekones (coacutepias- iacutecones) e o outro eacute a imagem do tipo fanthaacutesmata

(simulacros-fantasmas) 171

Ou seja nos escritos de Platatildeo haacute uma passagem do Sofista onde

Platatildeo faz uma distinccedilatildeo entre os dois tipos de ldquoproduccedilatildeo de imagensrdquo [eiacutedocirclopoiikeacutes] uma

seria a ldquoarte da coacutepiardquo [eἰkastikeacuten] quando a imagem eacute fruto da imitaccedilatildeo do modelo tal como

ele eacute e portanto esta seria uma imitaccedilatildeo fidedigna E a outra que Platatildeo chamou de ldquoarte da

fantasiardquo [fantastikeacuten] perante a qual a produccedilatildeo da imagem natildeo eacute servil ao modelo mas sim

agrave aparecircncia do modelo que ateacute mesmo distorce as medidas reais em favor da aparecircncia para

produzir uma ilusatildeo e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareccedila aquilo que

natildeo eacute mas apenas parece ser Platatildeo O Sofista (236 b-c-d)

Estrangeiro mdash Ora natildeo eacute neste caso que se encontra uma grande parte da

pintura e da mimeacutetica em seu todo Teeteto mdash Sem duacutevida Estrangeiro mdash

Mas agrave arte que em lugar de uma coacutepia produz um simulacro natildeo caberia

perfeitamente o nome de arte do simulacroTeeteto-mdash Sim perfeitamente

Estrangeiro-mdash Aiacute estatildeo as duas formas que te anunciei da arte que produz

imagens a arte da coacutepia e a arte do simulacro Teetetomdash Isso mesmo 172

171

Seguindo aqui os termos equivalentes portuguecircsndashgrego a partir das traduccedilotildees propostas por Vernant como

neste texto ldquo[] a distinccedilatildeo que opera o Sofista entre duas formas de mimeacutetica ou de fabricaccedilatildeo de imagens

(eidolopoiikeacute) ndash a primeira produzindo coacutepias-iacutecones (eikoacutenes) semelhantes a seus modelos dos quais

reproduzem as proporccedilotildees reais a segunda produzindo ao contraacuterio simulacros-fantasmas (phantaacutesmata) que

sacrificam as proporccedilotildees exatas para substituiacute-las com suas figuras por aquelas que provocam ilusatildeo aos

olhos dos espectadores []rdquo (VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens p 59-60 In COSTA LIMA

Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquo[] la distinction quopegravere Le Sophiste entre deux formes de mimeacutetique ou de fabrication dimages

(eidocirclopoiikecirc) la premiegravere produisant des copies-icocircnes (eikones) ressemblant agrave leurs modegraveles dont elles

reproduisent les proportions reacuteelles la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes

(phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer dans leurs figures celles qui feront

illusion aux yeux des spectateurs []rdquo(Sophiste 235 e 236 c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In

_____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112)]

172

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991

Ξένος - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν

Θεαίτητος - Πῶς δ οὔ Ξένος -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ οὐ φανταστικὴν

ὀρθότατ ἂν προσαγορεύοιμεν Θεαίτητος -Πολύ γε Ξένος - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς

εἰδωλοποιικῆς εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν Θεαίτητος - Ὀρθῶς

94

Portanto na citada passagem fica claro que haacute um entendimento que a produccedilatildeo de

imagens incluindo a pictoacuterica natildeo se resume a um mero exerciacutecio de coacutepia servil e fiel a um

suposto modelo pois o filoacutesofo grego pressupotildee uma produccedilatildeo de imagem natildeo fidedigna ao

modelo e ainda diz ser esta a praacutetica comum Segue uma reflexatildeo de Pareyson sobre o

assunto

Se portanto a arte mimeacutetica eacute a arte de produzir imagens (eidocircla) que eacute

imitaccedilatildeo (mimeacutemata) e semelhanccedila (homoiocircmata) de um modelo haacute duas

espeacutecies de imagens a coacutepia (eikoacuten) assim chamada porque copia

exatamente (eacuteoike) e a aparecircncia (phaacutentasma) assim chamada porque

parece (phaiacutenetai) que copia Platatildeo acrescenta que a arte fantaacutestica eacute muito

mais ampla que a arte icaacutestica sobretudo na pintura e em geral em todas as

artes mimeacuteticas A imagem em quanto natildeo ser eacute falsidade o problema da

imitaccedilatildeo se reconecta com o do erro 173

Portanto Platatildeo ao marcar que estas imagens satildeo apenas as aparecircncias das coisas e natildeo

as coisas mesmas admite que as imagens estejam num ldquoestranho jogordquo entre o ldquoserrdquo e o ldquonatildeo

serrdquo como tambeacutem identifica as imagens como falsidades Abaixo segue outro trecho do

citado diaacutelogo

Estrangeiro mdash O que haacute de comum entre todos esses objetos que tu dizes

serem muacuteltiplos mas que honras por um uacutenico nome que eacute o nome de

imagem e que entendes como uma unidade sobre todos eles Fala agora e

sem permitir-lhe vantagem alguma repele o adversaacuterio Teeteto mdash Que

outra definiccedilatildeo dariacuteamos agrave imagem estrangeiro se natildeo a de um segundo

objeto igual copiado do verdadeiro Estrangeiro mdash Teu segundo objeto

igual significa um objeto verdadeiro ou entatildeo que queres dizer com esse

igual Teeteto mdash De forma alguma um verdadeiro certamente mas um

que com ele se pareccedila Estrangeiro mdash Mas por verdadeiro tu entendes um

173

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoSe dunque larte mimetica egrave larte di produrre immagini (εἰδωλα) che sono imitazioni (μιμήματα) e

somiglianza (ὁμοιώματα) dun modello vi saranno due specie dimmagini la copia (εἰκών) cosigrave detta percheacute

copia esattamente (ἔοικε) e la parvenza (φάντασμα) cosigrave detta percheacute pare (φαίνεται) che copi Platone

aggiunge che larte fantastica egrave molto piugrave estesa dellicastica soprattutto nella pittura e in genere in tutte le arti

mimetiche Limmagine in quanto pare senza essere egrave falsitagrave il problema dellimitazione si ricollega con quello

dellerrorerdquo

95

ser real Teeteto mdashCertamente Estrangeiro mdash Entatildeo Por natildeo-verdadeiro

tu entendes o contraacuterio do verdadeiro Teeteto mdash Certamente Estrangeiro

mdash O que parece eacute pois para ti um natildeo-ser irreal pois o afirmas natildeo

verdadeiro Teetetomdash Entretanto haacute algum ser Estrangeiro mdash Em todo o

caso natildeo um ser verdadeiro eacute o que dizes Teeteto mdash Certamente natildeo

ainda que ser por semelhanccedila seja real Estrangeiro mdashAssim pois o que

chamamos semelhanccedila eacute realmente um natildeo-ser irreal Teeteto mdash Temo que

em tal entrelaccedilamento que o ser se enlace ao natildeo-ser de maneira a mais

estranha (Sofista 240 a)174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platatildeo

A imagem portanto consiste em ser e natildeo ser eacute enquanto eacute em si mesma e

natildeo eacute enquanto natildeo eacute o objeto imitado A imagem isto eacute traz em si mesma

a alteridade e a identidade eacute outra do objeto imitado embora natildeo seja

totalmente diferente se assimila ao objeto imitado mesmo natildeo sendo

totalmente igual ou seja idecircntica a ele A semelhanccedila portanto consiste em

uma siacutentese de alteridade e identidade O fundamento da alteridade eacute a

mateacuteria qual se representa o objeto imitado o fundamento da identidade eacute o

ato de assimilaccedilatildeo que impede a imagem de ser diversa ainda que seja outra

do modelo175

174

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa mdash 5 ed mdash Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς

ἓν ὄν λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα Θεαίτητος Τί δῆτα ὦ ξένε εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι

πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν ἢ ἐπὶ

τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε ἀλλ ἐοικὸς μέν Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως

ὂν λέγων Θεαίτητος Οὕτως Ξένος Τί δέ Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ ἐναντίον ἀληθοῦς Θεαίτητος Τί μήν Ξένος

Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς Θεαίτητος Ἀλλ ἔστι γε μήν πως

Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε φῄς Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν πλήν γ εἰκὼν ὄντως Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως

ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ

ὄντι καὶ μάλα ἄτοπον

175

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 33

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLimmagine perciograve consta di essere e non essere egrave in quanto egrave se stessa non egrave in quanto non egrave loggetto

imitato Limmagine cioegrave reca in seacute lalteritagrave e lidentitagrave egrave altra dalloggetto imitato pur non essendone del

tutto diversa si assimila alloggetto imitato pur non essendogli del tutto eguale e cioegrave identica con esso La

somiglianza dunque consiste in una sintesi di alteritagrave e identitagrave Il fondamento dellalteritagrave egrave la materia nella

quale si rappresenta loggetto imitato il fondamento dellidentitagrave egrave latto di assimilazione che impedisce

allimmagine dessere diversa pur essendo altra dal modellordquo

96

Na passagem acima Pareyson discorre acerca do problema da semelhanccedila e da

subordinaccedilatildeo da imagem para com seu modelo e ao mesmo tempo levanta a questatildeo de que a

imagem mesmo parecida com o modelo nunca seraacute o modelo pois sempre haveraacute um

aspecto de alteridade na imagem E eacute exatamente esta aparente contradiccedilatildeo que a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver

pois mesmo sendo coacutepia a imagem tem autonomia com relaccedilatildeo ao modelo inclusive a

imagem pictoacuterica como explica Pareyson

Evidentemente o problema natildeo eacute o de corroborar se a imagem artiacutestica tem

ou natildeo relaccedilotildees com a natureza [] o essencial eacute que a imagem artiacutestica seja

acabada na sua estrutura autocircnoma Que a arte copie ou transfigure o

essencial eacute que ela ldquofigurerdquo que a arte deforme ou transforme o essencial eacute

que ela ldquoformerdquo176

Ademais Platatildeo disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como

um sonho acordado como um reflexo (Sofista 239 c-d177

e 266c178

) reiterando esse

entendimento da imagem pictoacuterica como um ldquonatildeo serrdquo e como uma ilusatildeo

176

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoIl problema evidentemente non egrave di assodare se limmagine artistica abbia o non

abbia rapporti con la natura Sul piano della poetica si potragrave discutere se larte debba copiare o deformare e

sul piano della critica si potragrave caratterizzare in tali modi una determinata forma darte ma sul piano

dellestetica lessenziale egrave che limmagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura Che larte

raffiguri o trasfiguri lessenziale egrave chessa laquofiguriraquo che larte deformi o trasformi lessenziale egrave chessa

laquoformiraquordquo (PAREYSON Luigi I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

177

ldquoEstrangeiro mdash Em consequecircncia se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro o emprego de tais

foacutermulas lhe tornaria faacutecil a resposta Facilmente ele voltaria contra noacutes as nossas foacutermulas e quando o

chamaacutessemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que afinal de contas chamamos de imagens

Devemos pois procurar Teeteto o que se poderia responder com acerto a este espertalhatildeo Teeteto- mdash

Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das aacuteguas e dos espelhos as imagens pintadas ou

gravadas e todas as demais da mesma espeacutecierdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν

λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν

ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν Σκοπεῖν οὖν ὦ Θεαίτητε χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ

ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα ἔτι καὶ τὰ

γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ ἔσθ ἕτερα

178

PLATAtildeO Sofista 266c ldquoEstrangeiromdash Mas que diremos de nossa arte humana Natildeo afirmaremos que

pela arte do arquiteto se cria uma casa real e pela arte do pintor uma outra casa espeacutecie de sonho

apresentado pela matildeo do homem a olhos despertosrdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

97

E por fim no Craacutetilo Platatildeo tambeacutem disserta sobre a imagem pictoacuterica repetindo tal

como no Sofista o entendimento que haacute uma distacircncia e uma diferenccedila entre a imagem

produzida pela arte e seu suposto modelo isto eacute ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal

como ele realmente eacute na sua totalidade natildeo seria uma imagem mas sim a coisa mesma

Soacutecrates - [] Vecirc se tenho razatildeo Se fossem postos juntos dois objetos

diferentes Craacutetilo e a imagem de Craacutetilo e uma divindade natildeo imitasse

apenas a tua figura e tua cor como fazem os pintores mas formasse todas as

entranhas iguais agraves tuas emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e

calor aleacutem de movimento alma e raciociacutenio tal como haacute em ti em uma

palavra tudo exatamente como eacutes e colocasse ao teu lado essa duplicata de

ti mesmo tratar-se-ia de Craacutetilo e uma imagem de Craacutetilo ou de dois

Craacutetilos Craacutetilo - Quer parecer-me Soacutecrates que seriam dois Craacutetilos

(Craacutetilo 432 b-c) 179

Pareyson analisando algumas passagens do citado diaacutelogo conclui

Reconectando o problema da imitaccedilatildeo com o problema do erro Platatildeo

retoma do Sofista o problema no Craacutetilo [] Consequentemente o

semelhante natildeo eacute nem o totalmente outro isto eacute o diverso nem eacute totalmente

igual isto eacute idecircntico [] 180

Portanto pode-se concluir que tanto no Sofista no Craacutetilo quanto na Repuacuteblica

Platatildeo aponta para a relaccedilatildeo entre modelo miacutemesis [imitaccedilatildeo] imagem distinguindo de um

Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην ἆρ οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν γραφικῇ δέ τιν ἑτέραν

οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν

179

Traduccedilatildeo PLATAtildeO Teeteto e Craacutetilo Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes 3ordfed Beleacutem EDUFPA 2001

Σωκράτης - [] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ltᾖgt ἡ ὀρθόθς ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ

παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω Ἆρ᾽ ἂν δύο

πράγματα εἴη τοιάδε οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα

ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά καὶ μαλακόθτας

[432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς

καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν

Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον ἢ δύο Κρατύλοι Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν ὦ Σώκρατες Κρατύλοι

180

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoRicollegando il problema dellimitazione col problema dellerrore Platone riprende nel Sofista il problema

del Cratilo []Quindi il simile non egrave neacute il totalmente altro e cioegrave il diverso neacute il totalmente eguale cioegrave

lidentico[]rdquo

98

lado a coisa e de outro a pintura Entretanto como a imagem natildeo eacute um duplo do modelo

esta pressupotildee um espectador que a apreenda que a identifique e que a julgue Como expotildee

Pareyson

A imitaccedilatildeo implica trecircs elementos o objeto imitado que eacute o modelo em

relaccedilatildeo ao qual se julga a imitaccedilatildeo uma mateacuteria que eacute o meio no qual se

concebe e se representa o objeto imitado um ato de assimilaccedilatildeo isto eacute o

que torna a imagem aproximada ao objeto imitado 181

Portanto pode-se dizer que eacute por isso que Platatildeo idenfica o perigo que imagem pode

acarretar pois o espectador poderia incorrer no erro de natildeo entender que a imagem eacute ilusatildeo e

apenas aparecircncia da coisa e natildeo a coisa mesma Nesse sentido eacute esta relaccedilatildeo triacuteplice que

define a pintura enquanto imagem e natildeo apenas a relaccedilatildeo dupla imitaccedilatildeo-modelo pois o

espectador eacute quem identifica e interpreta a imagem mesmo que este espectador seja o proacuteprio

artiacutefice da obra Interessante que esta identificaccedilatildeo do espectador como o terceiro veacutertice da

cadeia produtiva da obra de arte estaacute igualmente presente em outro diaacutelogo de Platatildeo o Iacuteon

(535d -536a) 182

o que demonstra o quanto Platatildeo se preocupou com a questatildeo de como a

imagem eacute recepcionada e interpretada

E ainda a partir das leituras dos trechos tanto da Repuacuteblica como nas passagens do

Sofista e do Craacutetilo citados anterioremente tambeacutem se pode afirmar que Platatildeo mostra que a

imagem pictoacuterica tem uma significativa diferenccedila com relaccedilatildeo ao modelo ganhando uma

autonomia que Platatildeo via de maneira negativa pois nunca eacute uma imitaccedilatildeo fiel da coisa

181

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

33 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLimitazione

implica tre elementi loggetto imitato che egrave il modello in rapporto al quale si giudica dellimitazione una

materia chegrave il mezzo nel quale si rende e si rappresenta loggetto imitato un atto dassimilazione chegrave ciograve che

rende limmagine vicina alloggetto imitatordquo

182

Soacutec Sabes entatildeo que o proacuteprio espectador eacute o uacuteltimo dos aneacuteis de que eu falava a receber o poder que

sob o efeito da pedra de Heacutercules (536) passa de um para o outro O do meio eacutes tu rapsodo e o ator e o

primeiro eacute o proacuteprio poeta O Deus atraveacutes de todos eles dirige a alma dos homens para onde quiser fazendo

passar o poder de uns para os outros[]rdquo (Traduccedilatildeo PLATAtildeO Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) e sobre a

mentira (Hiacutepias Menor) Trad de Porto Alegre LampPM Pocket 2007)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς

Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής ὁ δὲ

πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων

ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν[]

99

sempre se configura como outro mas que tanto Aristoacuteteles como Pareyson veratildeo de maneira

positiva como discorre Pareyson

Platatildeo reconhece que este mundo da arte eacute ldquooutrordquo do objeto imitado

todavia tal ldquoalteridaderdquo eacute na compreensatildeo dele ldquoinferioridaderdquo derivada de

uma transposiccedilatildeo de ldquomateacuteriardquo diversa e natildeo como criaccedilatildeo de um mundo

novo devido agrave originalidade do artista183

Embora Platatildeo entenda que isto faccedila da pintura uma falsidade uma ilusatildeo atribuindo agrave

produccedilatildeo de imagens pictoacutericas uma ldquonegatividaderdquo e condenando-as como por exemplo se

vecirc na Repuacuteblica E apesar da condenaccedilatildeo da imagem pictoacuterica contida em alguns diaacutelogos de

Platatildeo o reconhecimento de que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica nunca eacute fiel ao modelo abre

a discussatildeo sobre o significado da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo nestes diaacutelogos mostrando que

esta eacute uma questatildeo latente em Platatildeo e continua fundamental ateacute hoje como expotildee Pareyson

[] uma primeira referecircncia agrave atividade positiva do artista pode-se encontrar

na arte ldquofantaacutesticardquo a semelhanccedila produzida da arte fantaacutestica eacute aparecircncia

que altera o objeto em vista da exigecircncia do espectador Trata-se sim de

uma falsificaccedilatildeo do real e de um engano em que se atrai o espectador e este

eacute o lado negativo da concepccedilatildeo platocircnica mas se trata ainda de uma

elaboraccedilatildeo intencional da realidade e este eacute o primeiro aceno positivo de um

princiacutepio de abstraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao objeto representado Vecirc-se portanto

em Platatildeo um primeiro reconhecimento da ldquoautonomiardquo do mundo da arte

mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como ldquoalteridaderdquo e

que seja ldquodegeneraccedilatildeordquo devido agrave presenccedila da ldquomateacuteriardquo e seja um

ldquoenganordquo184

183

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 34

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoPlatone riconosce che il mondo dellarte egrave laquoaltroraquo dalloggetto imitato senoncheacute tale laquoalteritagraveraquo egrave intesa da lui

come laquoinferioritagraveraquo derivante da una trasposizione di una laquomateriaraquo diversa e non come creazione di un mondo

nuovo dovuto alloriginalitagrave dellartistardquo

184

(Traduccedilatildeo nossa) Ibidem p 34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 ldquoUn primo accenno allattivitagrave positiva dellartista si puograve invece rinvenire nellarte

fantastica la somiglianza prodotta dallarte fantastica egrave parvenza che altera loggetto in vista dellesigenza

dello spettatore Si tratta sigrave duna falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore e questo

egrave il lato negativo della concezione platonica ma si tratta anche duna elaborazione intenzionale della realtagrave e

questo egrave il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto alloggetto rappresentato Vegrave dunque in

Platone un primo riconoscimento dellrsquolaquoautonomiaraquo del mondo dellarte anche se tale autonomia viene intesa

come laquoalteritagraveraquo chegrave laquodegenerazioneraquo dovuta alla presenza della laquomateriaraquo e a un laquoingannoraquordquo

100

Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Craacutetilo eacute a demarcaccedilatildeo da

diferenccedila entre os conceitos ainda hoje pertinentes imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois se de um

lado a imitaccedilatildeo pode ser identificada com o conceito de miacutemesis e para Platatildeo quanto mais

fiel ao modelo melhor por outro lado o conceito de imaginaccedilatildeo pode ser identificado com o

conceito de phantasiacutea jaacute que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica parte de uma interpretaccedilatildeo de

um suposto modelo e natildeo soacute do artista mas tambeacutem como propotildee Platatildeo resulta numa

interpretaccedilatildeo do proacuteprio espectador

Logo Platatildeo no Craacutetilo e no Sofista ao propor uma ligaccedilatildeo quase indissociaacutevel entre

imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois ambos estariam abarcados no proacuteprio conceito de miacutemesis que

neste caso natildeo pode ser entendida como imitaccedilatildeo no sentido de mera coacutepia define o conceito

de arte como representaccedilatildeo no sentido de phantasiacutea como produto da interpretaccedilatildeo do

modelo pelo artista e natildeo apenas a arte como mera imitaccedilatildeo Sobre esta tese Pareyson

discorre

A arte como interpretaccedilatildeo da realidade para representar [rappresentare] eacute

conceito que se apresenta em todo o curso da histoacuteria da esteacutetica e Platatildeo

nos daacute neste ponto um primeiro vislumbre Com tal conceito se derruba a

concepccedilatildeo de arte como semelhanccedila [somiglianza] esteacutetica e passiva a

semelhanccedila mesma torna-se esforccedilo de assimilaccedilatildeo e assim implica o

artista numa atividade original comprometida em penetrar no modelo para

apreender a sua natureza iacutentima185

34 ldquoPositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles

No capiacutetulo I discorreu-se sobre uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles onde estaacute

explicitado que a teacutekhne [arte] eacute imitaccedilatildeo [miacutemesis] da phyacutesis [natureza] usando aqui os

termos advindos destas leituras No cap II refletiu-se que a partir do conceito de ldquoorganismordquo

que Pareyson identifica em vaacuterios textos aristoteacutelicos concluiu-se que a arte eacute imitaccedilatildeo da

185

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLarte come

interpretazione della realtagrave da rappresentare egrave concetto che si presenta in tutto il corso della storia dellestetica

e Platone ne dagrave a questo punto un primo accenno Con tal concetto si rovesceragrave la concezione dellarte come

somiglianza statica e passiva la somiglianza stessa diventa sforzo dassimilazione e quindi implica nellartista

unattivitagrave originale intesa a penetrare il modello per coglierne lintima naturardquo

101

natureza mas natildeo enquanto coacutepia fiel e sim como complemento e preenchimento do que a

natureza natildeo produz trazendo assim o novo Nas palavras de Pareyson

Sendo assim as coisas o verdadeiro significado da concepccedilatildeo tradicional de

arte como imitaccedilatildeo da natureza eacute aquele jaacute muitas vezes emergido da

esteacutetica pelo qual a arte opera como a natureza isto eacute produz objetos com

uma estrutura unitaacuteria coisa entre coisas organismos autocircnomos formas

vivas 186

Isto eacute a partir dessa constataccedilatildeo que a arte mimeacutetica eacute pensada como incremento da

natureza e a renova logo pode-se afirmar que a arte eacute preenchimento do que falta eacute a

presenccedila da ausecircncia Neste sentido a arte enquanto miacutemesis eacute a presenccedila do ausente (outro)

e natildeo a repeticcedilatildeo de outro presente (modelo) portanto mesmo que haja um modelo o produto

advindo da teacutecnica-arte eacute sempre outro sempre novo podendo reivindicar autonomia

ontoloacutegica com relaccedilatildeo ao suposto objeto referente E como completa Pareyson ldquoFazer arte

significa em primeiro lugar realizar eacute soacute secundariamente que ela eacute significaccedilatildeo ou

imitaccedilatildeo ou qualquer outra coisardquo 187

Todavia como se mostrou anteriormente quando Aristoacuteteles discorre sobre Arte natildeo

diz das Artes em strictu sensu como definimos hoje mas de toda e qualquer produccedilatildeo

humana incluindo as Artes em geral Entretanto na Poeacutetica Aristoacuteteles discorre

especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente e diferente de Platatildeo expotildee a

atividade da miacutemesis de forma positiva

Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto miacutemesis Aristoacuteteles elenca dois

argumentos a favor da miacutemesis um que a miacutemesis eacute congecircnita ao homem e faz parte de sua

natureza e o outro que a miacutemesis gera prazer justamente por ser congecircnita e mais ainda por

proporcionar o aprendizado nas palavras dele da Poeacutetica

186

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p70 ldquoCosigrave stando le cose il vero significato della concezione tradizionale dellarte come

imitazione della natura egrave quello giagrave spesso emerso nella storia dellestetica per cui larte opera come la natura

cioegrave produce oggetti con una struttura unitaria cose fra cose organismi autonomi forme viventirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p264 )

187

Ibidem Op cit p69 ldquoFar arte significa anzitutto realizzare solo secondariamente essa egrave signilicazione o

espressione o raffigurazione o altro che siardquo(Ibidem Op cit p264 )

102

Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar eacute

congecircnito no homem (e nisso difere dos outros viventes pois de todos eacute ele

o mais imitador e por imitaccedilatildeo aprende as primeiras noccedilotildees) e os homens

se comprazem no imitado Sinal disto eacute o que acontece na experiecircncia noacutes

contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas

que olhamos com repugnacircncia por exemplo [as representaccedilotildees de] animais

ferozes e [de] cadaacuteveres Causa eacute que o aprender natildeo soacute muito apraz aos

filoacutesofos mas tambeacutem igualmente aos demais homens se bem que menos

participem dele Efetivamente tal eacute o motivo por que se deleitam perante as

imagens olhando-as aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma

delas [e diratildeo] por exemplo este eacute tal Porque se suceder que algueacutem natildeo

tenha visto o original nenhum prazer lhe adviraacute da imagem como imitada

mas tatildeo-somente da execuccedilatildeo da cor ou qualquer outra causa da mesma

espeacutecie (Poeacutetica 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitaccedilatildeo que eacute repetido natildeo soacute na Poeacutetica mas tambeacutem em outros

textos eacute que o que gera prazer natildeo eacute a miacutemesis apenas enquanto imitaccedilatildeo pois a miacutemesis natildeo

eacute imitaccedilatildeo de outro igual mas e sobretudo eacute complemento do que falta Portanto Aristoacuteteles

aponta que o proporciona prazer estaacute no ldquobem fazerrdquo da teacutekhne [arte] como fica claro nesta

passagem da Retoacuterica

188

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural

1973 1450 a ou sect33 p 448

Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι

σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς

μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας Σημεῖον δὲ τούτου τὸ

συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργωνmiddot ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας

χαίρομεν θεωροῦντες οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν Αἴτιον δὲ καὶ τούτου ὅτι μανθάνειν

οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ Διὰ

γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον

οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνοςmiddot ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν

ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν[20]

Outra traduccedilatildeo ldquoDas coisas que por elas proacuteprias vemos de maneira dolorosa destas provamos prazer

ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas como por exemplo configuraccedilotildees (μορφάς)

dos bichos mais despreziacuteveis e dos cadaacuteveres A causa disso eacute o fato de que aprender [ou compreender]

(μανθάνειν) eacute coisa prazerosiacutessima natildeo soacute para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira

semelhante tambeacutem para os outros ainda que participem disso por breve tempo Por isso com efeito gostam de

ver as imagens (είκόνας) jaacute que acontece que contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou compreendam] e

raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que eacute cada coisa (τί ἓκαστον ) como por exemplo que este eacute aquele (οὗτος

ἑκεῖνος) Porque caso aconteccedila nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) natildeo uma imitaccedilatildeo (οὐχὶ μίμημα)

[sem a emendatio de Hermann [1802] (p 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) natildeo enquanto imitaccedilatildeo presente em muitas

ediccedilotildees] produziraacute o prazer e sim por causa da execuccedilatildeo ou da cor ou de uma outra causa parecida (Poeacutetica

4 1448b 10-19) (ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de

Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro

de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 96)

103

E como aprender e admirar eacute agradaacutevel necessaacuterio eacute tambeacutem que o sejam as

coisas que possuem estas qualidades por exemplo as imitaccedilotildees como as da

pintura da escultura da poesia e em geral todas as boas imitaccedilotildees mesmo

que o original natildeo seja em si mesmo agradaacutevel pois natildeo eacute o objeto retratado

que causa prazer mas o raciociacutenio de que ambos satildeo idecircnticos de sorte que

o resultado eacute que aprendemos alguma coisa (Retoacuterica 1371 b 4) 189

Essa questatildeo apontada na passagem acima por Aristoacuteteles de que o prazer ao ver uma

pintura natildeo eacute necessariamente o prazer de identificar o modelo mas sim o prazer de

identificar a imagem mesma enquanto imagem retomando assim o entendimento da

definiccedilatildeo de Arte como produccedilatildeo [poiacuteesis]

E a partir deste ponto encontra-se outra chave para o diaacutelogo que Pareyson

estabeleceu com a filosofia aristoteacutelica e que se relaciona com a distinccedilatildeo entre modelo e

ldquoformardquo proposta na Teoria da Formatividade ldquoformardquo aqui identificada com a imagem

pictoacuterica e escultoacuterica Nas palavras de Pareyson

Sem insistir agora sobre o caraacuteter intelectualiacutestico que seria de tal modo

atribuiacutedo ao prazer esteacutetico eacute indubitaacutevel que esta distinccedilatildeo aristoteacutelica entre

o objeto imitado e a imitaccedilatildeo bem feita eacute uma primeira menccedilatildeo agrave teoria

moderna da indiferenccedila ao conteuacutedo e da relevacircncia esteacutetica da

representaccedilatildeo em si mesma Colocar ecircnfase sobre a representaccedilatildeo ao inveacutes

do conteuacutedo eacute um convite para considerar a obra de arte em si mesma como

um mundo em si que eacute autocircnomo em relaccedilatildeo aquele a partir do qual se

extrai a inspiraccedilatildeo para a representaccedilatildeo mesma190

189

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Junior Paulo Farmhouse

Alberto e Abel do nascimento Pena 3ordf ed Lisboa Centro de Estudos Claacutessicos da Universidade de Lisboa

Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda 2006 Livro 1 Cap1123 p138

ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι οἷον τό τε μιμούμενονὥσπερ

γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον οὐ

γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει

190

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009)

ldquoSenza insistere ora sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico egrave

indubitato che questa distinzione aristotelica fra loggetto imitato e limitazione ben fatta egrave un primo accenno

alla teoria moderna dellindifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione Il

porre laccento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto egrave un invito a considerare lopera darte in seacute come

un mondo a seacute chegrave autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesimardquo

104

Pois esta descriccedilatildeo da Poeacutetica de que a imagem gera prazer independente do motivo

possibilita a definiccedilatildeo da imagem como autocircnoma com relaccedilatildeo ao modelo e ainda

igualmente autocircnoma da proacutepria noccedilatildeo de identidade e semelhanccedila Outro ponto que a

separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de arte e de coacutepia permite vislumbrar eacute a proacutepria ideia de

originalidade que a arte carrega desde o romantismo ateacute hoje que Pareyson identifica como

tenho o seu iniacutecio embrionaacuterio aqui mesmo tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles nas

palavras do filoacutesofo italiano

Eacute a primeira menccedilatildeo a uma concepccedilatildeo positiva da autonomia do mundo da

arte autonomia que jaacute havia sido reconhecida por Platatildeo a qual todavia

tinha sido concebida negativamente Trata-se do caminho de reconhecer uma

ampla margem para a atividade original do artista para ir aleacutem do caraacuteter

extriacutenseco da referecircncia da imagem ao modelo A relaccedilatildeo de semelhanccedila eacute

ainda concebida como extriacutenseca a obra de arte mas apoacutes o convite para se

considerar a representaccedilatildeo em si mesma natildeo se tardaraacute a seguinte concepccedilatildeo

da semelhanccedila como esforccedilo subjetivo e original de objetividade e de

fidelidade ao real191

E por fim haacute ainda outra uma passagem da Poeacutetica que expotildee mais um ponto

fundamental para entender como Aristoacuteteles entendia os meandros e complexidades da

miacutemesis onde ele expotildee que a relaccedilatildeo da arte como imitaccedilatildeo estaacute atrelada ao conceito de

verossimilhanccedila ldquoO poeta eacute imitador como o pintor ou qualquer outro imaginaacuterio por isso

sua imitaccedilatildeo incidiraacute num destes trecircs objetos coisas quais eram ou quais satildeo quais os outros

dizem que satildeo ou quais parecem ou quais deveriam serrdquo (Poeacutetica 1460b 8-10) 192

191

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

35-36 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoEgrave il

primo accenno a una concezione positiva dellautonomia del mondo dellarte autonomia chera giagrave stata

riconosciuta da Platone il quale tuttavia laveva concepita negativamente Si egrave sulla strada di riconoscere un

ampio margine allattivitagrave originale dellartista e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento

dellimmagine al modello Il rapporto di somiglianza egrave ancora concepito come estrinseco allopera darte ma

dopo linvito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderagrave a seguire la concezione della

somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettivitagrave e di fedeltagrave al realerdquo

192

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV

161 p468

Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων

τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ ἢ οἷα εἶναι δεῖ

105

Ora o conceito de verossimilhanccedila que eacute normalmente entendido no acircmbito da poesia

pode ser estendido agrave pintura jaacute que o proacuteprio Aristoacuteteles inicia este mesmo periacuteodo do texto

acima citado falando da pintura que assim como a poesia eacute arte imaginaacuteria Ainda outra

passagem da Poeacutetica esmiuacuteccedila o conceito de verossimilhanccedila ldquoPelas precedentes

consideraccedilotildees se manifesta que natildeo eacute ofiacutecio de poeta narrar o que aconteceu eacute sim o de

representar o que poderia acontecer quer dizer o que eacute possiacutevel segundo a verossimilhanccedila e

a necessidaderdquo (Poeacutetica 1451a 36) 193

No caso da imagem pictoacuterica pode-se substituir o

aconteciacutevel pelo possiacutevel como explica Pareyson

Ora o aconteciacutevel pode ser definido com relaccedilatildeo agrave realidade enquanto de

fato natildeo eacute acontecido e no que diz repeito a possibilidade enquanto

logicamente natildeo eacute impossiacutevel de acontecer Aristoacuteteles completa a foacutermula

dizendo ldquoo aconteciacutevel eacute o possiacutevelrdquo (καὶ τὰ δινατά) Portanto a histoacuteria

expotildee o acontecido e a poesia o possiacutevel194

Ou seja a teacutekhne [arte] atraveacutes da proacutepria atividade da miacutemesis novamente eacute

identificada como aquela que complementa e ateacute melhora o que jaacute existe Enquanto a

implicaccedilatildeo de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer e natildeo o que aconteceu

segundo a verossimilhanccedila deixa claro que a miacutemesis natildeo se refere agrave coacutepia mas agrave

interpretaccedilatildeo e agrave invenccedilatildeo Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poeacutetica de

Aristoacuteteles

Com efeito na poesia eacute de preferir o impossiacutevel que persuade ao possiacutevel

que natildeo persuade Talvez seja impossiacutevel existirem homens quais Zecircuxis os

pintou esses poreacutem correspondem ao melhor e o paradigma deve ser

superado E depois a opiniatildeo comum tambeacutem justifica o irracional aleacutem de

193

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 IX sect50

p 451

Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο

καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον

194

(traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Il Verisimile Nella Poeacutetica Di Aristotele ______Problemi dellrsquoesteacutetica

II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore 2000 p95

ldquoOra laccadibile puograve essere definito rispetto alla realtagrave in quanto di fatto non egrave accaduto e rispetto alla

possibilitagrave in quanto logicamente non egrave impossibile che accada Infatti Aristotele completa la formula dicendo laquo

lrsquoaccadibile egrave il possibileraquo (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1accaduto e la poesia il possibilerdquo

106

que agraves vezes irracional parece o que o natildeo eacute pois verossimilmente

acontecem coisas que inverossiacutemeis parecem (Poeacutetica 1461b) 195

E sobre as especificidades da ideia de arte como miacutemesis tanto em Platatildeo como

Aristoacuteteles Pareyson conclui

A definiccedilatildeo da arte como semelhanccedila em Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo se refere agrave

arte de uma miacutemesis fotograacutefica e especular quase como se ao artista natildeo

restasse outra atividade que a aplicaccedilatildeo de suas habilidades teacutecnicas e a arte

natildeo seria mais que imitaccedilatildeo servil e passiva Esta definiccedilatildeo baseia-se na

consciecircncia de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em

conciliar a fidelidade agrave realidade que parece ser inerente agrave representaccedilatildeo

com a irreprimiacutevel autonomia do mundo da arte O mundo da arte eacute um

mundo em si mesmo como entatildeo pode existir representaccedilatildeo de uma

realidade A resposta a esta questatildeo natildeo pode ser consistente em uma

concepccedilatildeo que confere um caraacuteter ativo na imitaccedilatildeo mesma mas sim se a

imitaccedilatildeo advenha de um esforccedilo subjetivo e original com o qual o artista

penetra e interpreta essa realidade que filtrada pelo seu subjetivo e original

modo de ver seraacute representada na obra de arte196

A partir da leitura do texto citado acima eacute possiacutevel vislumbrar a soluccedilatildeo da antiacutetese

entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo que Pareyson propotildee isto eacute a questatildeo natildeo eacute ser ou natildeo fiel ao

195

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV 36

ou IX sect 177 p 469

Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν Πρός τε γὰρ

τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόνmiddot τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν

ἀλλὰ βέλτιονmiddot τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν Πρὸς ἅ φασιν τἄλογαmiddot οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15]

ἐστινmiddot εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις

ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος

ὑποθῆται

196

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 36

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLa definizione dellarte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta larte a una mimesi

fotografica e speculare quasi che allartista non rimanga altra attivitagrave che lapplicazione della propria abilitagrave

tecnica e larte non sia che imitazione servile e passiva Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno

dei fondamentali problemi dellarte consiste nel conciliare la fedeltagrave al reale che sembra inerire alla

rappresentazione con linsopprimibile autonomia del mondo dellarte Il mondo dellarte egrave un mondo a seacute come

dunque puograve esser rappresentazione duna realtagrave La risposta a questa domanda non puograve consistere che in una

concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione sigrave che limitazione divenga lo sforzo

soggettivo e originale con cui lartista penetra e interpreta quella realtagrave che filtrata dal suo soggettivo e

originale modo di vedere saragrave rappresentata nellopera darterdquo

107

modelo mas eacute entender que Arte enquanto eacute miacutemesis eacute tambeacutem interpretaccedilatildeo e ldquoformardquo isto

eacute dotada de estatuto ontoloacutegico e autonomia

E portanto eacute tambeacutem nesse sentido que eacute legiacutetimo afirmar que miacutemesis tanto na

acepccedilatildeo platocircnica como no sentido aristoteacutelico natildeo pode ser definida como simplesmente

imitaccedilatildeo como bem expotildee Luiz Costa Lima

[] embora o Estagirita tenha usado miacutemesis a partir do contexto platocircnico

sua acepccedilatildeo diferiraacute a partir mesmo de sua distinta base ontoloacutegica Assim

como a forma se realiza na concreccedilatildeo da mateacuteria assim a miacutemesis se cumpre

na concreccedilatildeo de um miacutemema Mais do que nunca miacutemesis natildeo pode ser

tomada como imitatio Viacuteramos que isso natildeo seria correto sequer em Platatildeo

pois a imagem natildeo eacute o duplo da coisa a que se refere e porque eacute incapaz de

representar as Ideias A miacutemesis eacute sinocircnimo de um campo fantasmal eacute o

outro da sombra nem sequer a proacutepria sombra pois esta ainda supotildee um

corpo que a projeta Em Aristoacuteteles ao inveacutes a miacutemesis partilha das leis que

governam a physis eacute uma potencialidade (dynamis) que explode em um

produto (ergon) 197

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles

Para finalizar a anaacutelise sobre como Aristoacuteteles definiu a imagem pictoacuterica (pintura e

desenho) e suas especificidades no De Memoria et Reminiscentia [Da lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo] 198

quando discorre sobre a memoacuteria Aristoacuteteles expotildeem a relaccedilatildeo da imagem

pictoacuterica com a imagem imaginaacuteria ou apariccedilatildeo [phantasma] 199 fruto da imaginaccedilatildeo

197

COSTA LIMA Luiz Miacutemesis e modernidade Formas das sombras Rio de Janeiro Ed Graal 1980 p47

198

Segundo livro do Parva Naturalia de Aristoacuteteles

199

Sobre a traduccedilatildeo dos termos gregos e a equivalecircncia com conceitos aqui implicados Claudio Veloso explica

ldquolsquoImagemrsquo eacute a traduccedilatildeo corrente de Φάντασμα mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών enquanto Φάντασμα

lembro eacute sempre traduzido por mim com apariccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel natildeo confundir as duas noccedilotildees Ao

contraacuterio os comentadores tendem a esquecer que a comparaccedilatildeo sugerida por Aristoacuteteles natildeo eacute entre a

lembranccedila e a pintura - o que faria desta uacuteltima uma artificiosa memoacuteria (Rouveret [1989] p 303 s) O que eacute

comparado agrave pintura tout court eacute a apariccedilatildeo Φάντασμα A lembranccedila eacute comparada propriamente agrave imagem

εἰκώνrdquo Mais adiante sobre a mesma passagem Veloso ainda alerta para outra possiacutevel confusatildeo entre termos e

conceitos advindos da traduccedilatildeo dos textos citados ldquo[] Eacute preciso todavia natildeo confundir εἰκών (lsquoimagemrsquo) e

όμοίωμα (lsquosimulacrorsquo)rdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo449b 30-1 In

108

[phantasiacutea]200

Phantasiacutea entendida aqui como o processo de imaginaccedilatildeo isto eacute como a

formaccedilatildeo de imagens mentais que faz ver mentalmente o que natildeo estaacute diante dos olhos

Sobre a analogia entre apariccedilatildeo e desenho Aristoacuteteles discorre ldquoMas dado que se

falou da representaccedilatildeo [φαντασία] 201

antes nos [livros] sobre a alma tambeacutem [se sabe que]

natildeo eacute possiacutevel pensar sem uma apariccedilatildeo [φάντασμα] [450a] pois no pensar acontece

exatamente a mesma afecccedilatildeo que acontece no traccedilarrdquo (De memoria 449 b ndash 450 a 1) 202

Ademais Aristoacuteteles mostra que um aspecto importante da imagem pictoacuterica acarreta

eacute a correlaccedilatildeo entre ausecircncia-presenccedila sobretudo quando a pintura se propotildee representaccedilatildeo de

uma ideia ou ateacute mesmo quando eacute um retrato de um ausente Sobre a imagem do ausente isto

eacute a lembranccedila Aristoacuteteles discorre

E satildeo coisas lembraacuteveis por si aquelas de que haacute apariccedilatildeo [ὦν έστι

φαντασία] enquanto [satildeo lembraacuteveis] [25] por concomitacircncia todas as que

[o] satildeo natildeo sem uma apariccedilatildeo Algueacutem pode todavia encontrar uma

dificuldade ou seja como estando presente a afecccedilatildeo mas ausente a coisa

eacute lembrado o que natildeo estaacute Eacute evidente com efeito que se deve pensar essa

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 87)

200

Traduccedilatildeo para o tiacutetulo proposta por Claudio Veloso In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo

Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12

n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash

Unicamp 2002

201

Veloso explica sobre a traduccedilatildeo para o texto ldquoDa Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo ldquo lsquoRepresentaccedilatildeorsquo traduz

φαντασία tradicionalmente traduzido por imaginaccedilatildeo enquanto apariccedilatildeo traduz φάντασμα mas tambeacutem

φαντασία quando usado como equivalente a φάντασμαrdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo (449b 30-1) In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e

comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial

janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

2002 p 80)

202

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28

Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν

να νοώμεν Συμβαίνει δηλ εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού

σχήματος

109

afecccedilatildeo - cuja posse dizemos que eacute uma lembranccedila ie a alma perceptiva]

tem como que uma certa pintura [30] (De memoria 450a 23-30) 203

E por fim nesta outra passagem Aristoacuteteles ao definir a memoacuteria igualmente define a

imagem da pintura eou do desenho

E se em noacutes haacute realmente semelhante a uma marca ou a um desenho por que

a percepccedilatildeo disso seria lembranccedila de outra coisa e natildeo desse mesmo algo

Quem estaacute em atividade com a lembranccedila contempla essa afecccedilatildeo e percebe

isso Como entatildeo lembra o que natildeo estaacute presente Entatildeo tambeacutem seria

possiacutevel ver [20] e ouvir o que natildeo estaacute presente Ou se pode [ver e ouvir o

que natildeo estaacute presente] porque eacute possiacutevel [lembrar o que natildeo estaacute presente] e

isso acontece Por exemplo o animal desenhado em uma taacutebua eacute com

efeito um animal e uma imagem - essa mesma e uacutenica coisa eacute ambos mas o

ser natildeo eacute o mesmo para ambos - e eacute possiacutevel contemplaacute-lo tanto como um

animal quanto como imagem Desse modo eacute preciso supor que [25] apariccedilatildeo

em noacutes eacute ela mesma tambeacutem tanto algo por si quanto apariccedilatildeo de uma outra

coisa (De memoria 450b 15- 26)204

203

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28-29

Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ εαυτά αντικείμενα μνήμης τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας

κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας ύναται τις να

ερωτήση πώς άρά γε ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή) το δε πράγμα είναι απόν όμως

ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα) Αλλ είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν ότι το διά της

αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει

(αντιλαμβάνεται) αυτήν ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην είναι όμοιον με ζωγράφημα

204

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p30-31

Αλλ εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην ποίον εκ των δύο το πάθος τούτο (την εντύπωσιν)

ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον εκ του οποίου έγεινεν Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα τότε δεν

ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον πώς ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν

όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο το οποίον δεν αισθανόμεθα το απόν αντικείμενον 184 και αν η

μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα 185 πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο όμως

ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται

μόνον την εντύπωσιν ταύτην Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα όπερ δεν είναι παρόν Τούτο θα ήτο το αυτό ως να

βλέπη και να ακούη το μη παρόν Ή υπάρχει τρόπος καθ ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει Π χ

το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών το αυτό δηλ πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμαbull αλλά ο

τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το

ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να

υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου

τινός Και καθ όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ εαυτήν αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας

(φάντασμα) καθ όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα

110

Logo conclui-se que a pintura pensada como produto da representaccedilatildeo [phantasiacutea] em

De memoria et Reminiscentia natildeo quer dizer miacutemesis no sentido simples de imitaccedilatildeo tal

como se encontra no Sofista de Platatildeo seja ela copiosa ou imaginativa Mas quer dizer

representaccedilatildeo no sentido de substituiccedilatildeo e presentificaccedilatildeo de uma ideia de um pensamento e

portanto estaacute de acordo com a compreensatildeo de miacutemesis tal como vista na Fiacutesica de

Aristoacuteteles isto eacute miacutemesis no sentido de complementaccedilatildeo

Nesse sentido a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristoacuteteles

conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a apariccedilatildeo que tem

materialidade ou seja transformada em coisa entre coisas no mundo e na alteridade do

pensamento sem contudo deixar de ser tambeacutem pensamento ou seja ideia Como tambeacutem

fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma] quando Aristoacuteteles diz que ldquoas imagens

satildeo pois como sensaccedilotildees soacute que sem mateacuteriardquo (432a 9)205

Diante disto a imagem pictoacuterica produzida pode ser entendida ao mesmo tempo

como ideia e coisa como pensamento e mateacuteria como conceito e sensaccedilatildeo Pois o processo

de representaccedilatildeo eou imaginaccedilatildeo eacute anaacutelogo ao processo de fabricaccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

por conseguinte ao processo de assimilaccedilatildeo da imagem pelo espectador que por sua vez se

constitui como parte fundamental do processo de elaboraccedilatildeo do raciociacutenio possibilitando que

a sensaccedilatildeo se transforme em pensamento

3 6 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson

Sendo assim Pareyson na Teoria da Formatividade ao mostrar o estatuto ontoloacutegico

da arte e consequentemente da pintura redimensiona o problema da miacutemesis e ainda

identificando tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles o embriatildeo da definiccedilatildeo de autonomia da

arte

Portanto a partir da leitura da intersecccedilatildeo entre Pareyson Platatildeo e Aristoacuteteles

conclui-se que a questatildeo principal natildeo eacute se a pintura eacute imaginativa ou eacute imitativa Pois como

discorre Pareyson o problema da imitaccedilatildeo da Arte acaba sendo muito mais um problema de

205

ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010 τὰ γὰρ

φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι πλὴν ἄνευ ὕλης

111

ldquoPoeacuteticardquo entendida na acepccedilatildeo pareysoniana como ldquoprograma de arterdquo206

do que um

problema de definiccedilatildeo conceitual de Esteacutetica isto eacute nos termos pareysonianos Filosofia da

Arte207

nas palavras dele

[] na definiccedilatildeo tradicional da arte como imitaccedilatildeo da natureza definiccedilatildeo

que pouco a pouco foi-se concretizando em significados diversos e agraves

vezes opostos da coacutepia mais fiel e fotograacutefica da realidade agrave mais polecircmica

deformaccedilatildeo ou agrave abstraccedilatildeo mais decidida atraveacutes de todos os matizes da

verossimilhanccedila da caracterizaccedilatildeo da idealizaccedilatildeo da estilizaccedilatildeo da

invenccedilatildeo mais livre desenfreada e fantaacutestica [] Mas desembaraccedilamo-nos

facilmente de tais dificuldades se pensamos que na realidade trata-se mais

de ldquopoeacuteticasrdquo do que de esteacuteticas o que estaacute em jogo natildeo eacute uma definiccedilatildeo

geral da arte mas um programa de arte e trata-se sempre de relaccedilotildees da

imagem artiacutestica com a realidade natural mesmo quando tais relaccedilotildees vecircm

206

ldquoA poeacutetica eacute programa de arte declarado num manifesto numa retoacuterica ou mesmo impliacutecito no proacuteprio

exerciacutecio da atividade artiacutestica ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto que por

sua vez eacute toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma eacutepoca projetada no campo da arterdquo (PAREYSON

Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p21) ldquoLa poetica egrave programma darte dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito

nello stesso esercizio dellattivitagrave artistica essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto il

quale a sua volta egrave lintera spiritualitagrave duna persona o dunepoca proiettata nel campo dellarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p223)

207

ldquoA esteacutetica pelo contraacuterio natildeo tem um caraacuteter normativo nem valorativo ela natildeo define nem normas para o

artista nem criteacuterios para o criacutetico Como filosofia ela tem um caraacuteter exclusivamente teoacuterico a filosofia

especula natildeo legislardquo (PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery

Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p22) ldquoLestetica invece non ha carattere neacute normativo neacute

valutativo essa non -defigravenisce neacute norme per lartista neacute criteri per il critico Essa come filosofigravea ha un

carattere esclusivamente teorico la filosofigravea specula non legiferardquo (Idem Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p223)

Em outra passagem mais adiante no texto Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta

distinccedilatildeo que ele propotildee entre os significados de ldquoEsteacuteticardquo e ldquoPoeacuteticardquo ldquoDo ponto de vista esteacutetico todas as

poeacuteticas satildeo igualmente legiacutetimas natildeo importa que a arte seja compromissada ou evasiva realista ou idealista

naturalista ou liacuterica figurativa ou abstrata pura ou carregada de pensamento douta ou popular espontacircnea ou

refinada e assim poacute diante o essencial eacute que seja arte O esteacutetico como tal natildeo toma posiccedilatildeo em questotildees

poeacuteticas Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si ele evita com cuidado transformar em

divergecircncia filosoacutefica aquilo que eacute substancialmente uma polecircmica de gostos Antes ele deveraacute esforccedilar-se o

mais possiacutevel por natildeo fazer intervir seu proacuteprio gosto na sua proacutepria teoria a fim de evitar que esta seja

somente a conceitualizaccedilatildeo de um gosto histoacuterico e nada mais do que uma poeacutetica travestidardquo (Idem Os

problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p25)

ldquoDal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime non importa che larte sia impegnata o

devasione realistica o idealistica naturalistica o lirica figurativa o astratta pura o pensosa dotta o popolare

spontanea o raffinata e cosigrave via lessenziale egrave che sia arte Lestetico come tale non prende posizione in fatto

di poetiche di fronte alle frequenti battaglie chesse impegnano fra di loro egli evita con cura di trasformare in

di vergenza filosofica quella chegrave in sostanza una polemica di gusti Anzi egli dovragrave sforzarsi quanto possibile di

non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto ad evitare chessa non sia che la concettualizzazione

dun gusto storico e nientaltro che una poetica travestita (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p226)

112

negadas como nos casos de deformaccedilatildeo e de abstraccedilatildeo ou de invenccedilatildeo

surrealista onde a relaccedilatildeo natildeo eacute superada mas apenas polemicamente

revirada 208

Nesse sentido pode-se afirmar que independente de ser ou natildeo imitativa de ser ou natildeo

imaginativa a pintura eacute ldquoformardquo ou seja antes eacute coisa ela eacute ldquopresenccedila de si mesmardquo e natildeo

apenas ldquoausecircncia de outrordquo Nas palavras de Pareyson

A arte produz imagens que valem em si e natildeo pela sua relaccedilatildeo (positiva ou

negativa) com a realidade Sobre este ponto afirmar que uma imagem

artiacutestica vale porque imita bem a natureza eacute tese equivalente aquela de quem

afirmasse que uma imagem artiacutestica vale enquanto natildeo se propotildee copiar a

natureza ambas satildeo teses absurdas Mas quem quiser penetrar no significado

de uma imagem artiacutestica deve dar-se conta de seu intento de fidelidade ou

de deformaccedilatildeo ou de revolta ou de negaccedilatildeo com respeito agrave natureza

somente aprofundando esta referecircncia poder-se-aacute penetrar no mundo de uma

obra 209

Todavia pode-se entender que na Teoria da Formatividade a obra de arte enquanto

ldquoformardquo eacute tambeacutem representaccedilatildeo mas natildeo enquanto eacute imitaccedilatildeo de algo mas enquanto eacute

208

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p67

ldquo[] nella definizione tradizionale dellarte come imitazione della natura definizione che si egrave via via

concretata in significati diversissimi e talora opposti dalla copia piugrave fedele e fotografica della realtagrave alla piugrave

polemica deformazione o allastrazione piugrave decisa attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza della

caratterizzazione dellidealizzazione della stilizzazione dellinvenzione piugrave libera sbrigliala e fantastica

Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dellestetica involgendola almeno sino al

romanticismo in una serie di difficoltagrave degne forse di miglior causa Ma di tali difficoltagrave ci si sbarrazza

facilmente non appena si pensi che in realtagrave si tratta piugrave di laquopoeticheraquo che di estetiche ciograve egrave in gioco non egrave una

definizione generale dellarte ma un programma darte e si tratta sempre di rapporti dellimmagine artistica

con la realtagrave naturale anche quando tali rapporti vengono negati come nei casi di deformazione e di astrazione

o di surrealistica invenzione ove il rapporto non egrave superato ma solo polemicamente rovesciatordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262-263)

209

Ibidem Op cit p68 ldquoLarte produce immagini che valgono in seacute e non per il loro rapporto (positivo o

negativo che sia) con la realtagrave ma lindividuazione di tale rapporto egrave indispensabile per comprenderne

esattamente il senso Il valore dellimmagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza

con la realtagrave anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtagrave su questo punto

affermare che unimmagine artistica vale percheacute raffigura bene la natura egrave tesi equivalente a quella di chi

affermasse che unimmagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura entrambe le tesi

sono assurde Ma chi voglia penetrare il significato dunimmagine artistica deve rendersi conto del suo intento

di fedeltagrave o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura solo approfondendo questo

riferimento si potragrave penetrare il mondo dunoperardquo (Ibidem Op cit p263)

113

imaginaccedilatildeo eacute ideia isto eacute enquanto eacute interpretaccedilatildeo de uma visatildeo pessoal de mundo da

ldquopessoandashartistardquo produtora da ldquoobra-formardquo

Portanto embora a pintura como representaccedilatildeo seja normalmente vista como sendo a

imagem de uma referecircncia externa o significado da pintura estaacute sobretudo contido na forma

por ela mesma e natildeo no modelo ou no referente como explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre a

pintura

A ela natildeo corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro

fixado sua virtude natildeo estaacute no seu apagamento enquanto representante para

dar transparecircncia a um representado [] Natildeo eacute representante nem

representada a natildeo ser de si mesma nela significante e significado geram-se

muacutetua e continuamente210

Logo a imitaccedilatildeo e a relaccedilatildeo com um suposto modelo natildeo muda o estatuto da arte como

representativa pois a representaccedilatildeo natildeo estaacute na relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo da obra com o

modelo e sim na identificaccedilatildeo da obra como interpretaccedilatildeo isto eacute como fruto da visatildeo de

mundo pessoal contida na proacutepria obra e natildeo fora dela Nesse sentido Pareyson afirma que

ldquo[] para compreender bem o significado da obra seraacute necessaacuterio dar-se conta do esforccedilo de

penetraccedilatildeo que o artista fez com relaccedilatildeo ao objeto real que ele teve de saber olhar e

interpretar para pocircs-se em condiccedilatildeo de revelaacute-lo e de enfrentaacute-lordquo211

E ainda esta ldquoformardquo que foi fruto da representaccedilatildeo de uma ideia de uma visatildeo de

mundo seraacute novamente representaccedilatildeo enquanto for objeto de interpretaccedilatildeo da ldquopessoa-

espectadorrdquo daiacute a multiplicidade da interpretaccedilatildeo da obra de arte E portanto eacute nessa cadeia

tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo que arte se configura

como representaccedilatildeo de uma ideia ou de infinitas ideias jaacute que as interpretaccedilotildees satildeo

inexauriacuteveis tal qual eacute a infinidade das diferentes ldquopessoasrdquo que interpretarem uma uacutenica

210

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p19-20

211

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquo[]per comprendere bene i l significato dellopera bisogneragrave rendersi conto dello

sforzo di penetrazione che lartista ha fatto rispetto a un oggetto reale chegli ha dovuto saper guardare e

interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264)

114

obra de arte sendo assim esta cadeia poderia ser definida como pessoa (artista) - visatildeo de

mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador) Nas palavras de Pareyson

De fato a interpretaccedilatildeo eacute o encontro de uma pessoa com uma forma e se

pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao satildeo realidade simples mas

natildeo um infinito encerrado em algo definido teremos de pronto a ideia do

quanto eacute positiva a infinidade da interpretaccedilatildeo a ser considerada antes como

inexauriacutevel riqueza do que como reino da imprecisatildeo e arbitrariedade 212

E eacute neste ponto que a obra como ldquoformardquo acabada e realizada torna-se coisa

autocircnoma natildeo soacute com relaccedilatildeo ao modelo mas ao proacuteprio artista que a forjou pois na

alteridade do mundo estaraacute sujeita a sempre novas e possiacuteveis interpretaccedilotildees e movimentos

Contudo sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua ldquoformardquo completada

e pronta fruto da produccedilatildeo proposta e levada a cabo pelo artista embora como coisa entre

coisas estaraacute sujeita ao movimento e a constante transformaccedilatildeo assim como um organismo

vivo

212

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p167 ldquoInfatti lsquolinterpretazione egrave lrsquoincontro duna persona con una formarsquo e se si pensa

che tanto la persona quanto la forma non sono realtagrave semplici ma sono un infinito racchiuso in una definitezza

si avragrave subito lidea di quanto sia positiva linfinitagrave dellinterpretazione da considerarsi piuttosto come

uninesauribile ricchezza che come il regno dellimprecisione e dellarbitrarietagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p346)

115

CAPIacuteTULO IV

Autonomia da arte e miacutemesis na obra de Gerhard Richter

agrave luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reproduccedilatildeo eacute distinto do

objeto reproduzido e da obra produzida e enquanto eacute distinto

do objeto reproduzido eacute um ato de imitaccedilatildeo com qual se

representa se refigura se exprime alguma coisa enquanto eacute

distinto da obra produzida eacute um ato de criaccedilatildeo que eacute um agir

que natildeo se exaure em si mesmo mas coloca em existecircncia

alguma coisa

Luigi Pareyson 1946 213

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista

Partindo do entendimento de que o problema da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo e

consequentemente da abstraccedilatildeo versus a figuraccedilatildeo natildeo eacute um problema de estatuto de arte

mas um problema de escolha e interpretaccedilatildeo ldquopessoalrdquo do artista tomamos esta escolha ou

estas escolhas dos artistas como chaves de interpretaccedilatildeo dos movimentos da ldquoformardquo natildeo

como proposiccedilotildees definitivas mas como interpretaccedilotildees ldquopessoaisrdquo de cada artista no percurso

da ldquoformatividaderdquo de sua obra que uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a

especulaccedilatildeo e reflexatildeo filosoacutefica Portanto a experiecircncia da obra de arte em si e da reflexatildeo e

dos dizeres dos artistas sobre a sua experiecircncia na ldquoformatividaderdquo constituem material

indispensaacutevel a esta pesquisa Sobre a importacircncia do estudo da experiecircncia direta da

ldquoformatividaderdquo para a Filosofia da Arte Pareyson discorre

Eacute bem verdade que o filoacutesofo sozinho natildeo tem condiccedilotildees para formular

uma esteacutetica Deve ele recorrer agrave experiecircncia esteacutetica e os testemunhos mais

213

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoLatto dellartista inteso come un riprodurre vien distinto dalloggetto riprodotto e

dallopera prodotta in quanto egrave distinto dalloggetto riprodotto egrave un atto dimitazione col quale si rappresenta

si raffigura si esprime qualcosa in quanto egrave distinto dallopera prodotta egrave un atto di creazione chegrave un agire

che non si esaurisce in se stesso ma pone in essere qualcosardquo PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo

Secondo - Imitazione e Creazione) p 28 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009

116

diretos dessa experiecircncia lhe advecircm ndash natildeo soacute dos contempladores e amantes

o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos criacuteticos

cujas declaraccedilotildees lhe satildeo natildeo apenas muito uacuteteis mas ateacute diria

indispensaacuteveis e essenciais visto que o filoacutesofo natildeo consegue discorrer sobre

a arte a natildeo ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista

e do criacutetico214

Isso natildeo quer dizer que a ldquopalavrardquo do artista deva ser entendida como lei ou lida sem

ressalvas pois como o proacuteprio Pareyson chama a atenccedilatildeo em outra passagem ldquo[] nem

sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte satildeo dignos de atenccedilatildeo pelo menos na sua

formulaccedilatildeo literal querem uma peneirada uma escolha um dimensionamento que lhes

restitua o seu exato significado e revele seu possiacutevel alcance no campo da esteacuteticardquo215

E como visto acima a noccedilatildeo de autonomia da Arte proposta na Teoria da

Formatividade e acrescida dos entendimentos dos conceitos de miacutemesis jaacute explicitados

desconstroem a antiacutetese entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo bem como podem contribuir para uma

anaacutelise da pintura no tempo presente uma vez que estas ainda satildeo questotildees pertinentes nas

problemaacuteticas propostas sobre a arte na atualidade sobretudo na pintura

Sendo assim ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias

de hoje a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemaacuteticas com relaccedilatildeo agrave

pintura enquanto imitaccedilatildeo e enquanto autocircnoma em si mesma como propotildee a Teoria da

Formatividade buscaram-se artistas que pudessem natildeo apenas enriquecer a presente pesquisa

com o conjunto de suas obras enquanto tais isto eacute nas ldquoformasrdquo nas obras acabadas e postas

como coisas entre coisas mas que tambeacutem pudessem fornecer textos para que a reflexatildeo

214

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p18 ldquoEgrave verissimo che il filosofo lsquoda solorsquo non egrave in grado di formulare unestetica egli deve

ricorrere allesperienza estetica e le testimonianze piugrave dirette di questa esperienza gli sono fornite mdash oltre che

dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale mdash precisamente dagli artisti e dai critici le

cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime ma direi indispensabili ed essenziali giaccheacute il filosofo non riesce

a parlare dellarte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dellartista e del criticordquo (Idem

Estetica Teoria della Formitivitagrave Bologna Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

215

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p19 ldquo[] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili almeno nella loro

formulazione letterale ci vuole un vaglio una scelta un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto

significato e ne sveli la possibile portata nel campo dellesteticardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p220)

117

acima referida tambeacutem se voltasse para a ldquoformatividaderdquo propriamente dita isto eacute para o

processo de produccedilatildeo da pintura enquanto tal

Nesse intuito encontrou-se um campo de investigaccedilatildeo na obra do artista alematildeo

Gerhard Richter216

cujo conjunto de obras sobretudo das obras pictoacutericas tem sido

produzido por mais de cinco deacutecadas e analisando atentamente o conjunto destas obras pocircde-

se constatar que o axioma imaginaccedilatildeo- imitaccedilatildeo se desfez Aleacutem disso Richter concomitante

agrave produccedilatildeo de sua obra pictoacuterica elaborou um conjunto igualmente ininterrupto de escritos

publicados que compreendem notas cartas e sobretudo entrevistas por ele concedidas a

criacuteticos e outros espectadores atentos a suas obras possibilitando assim natildeo soacute a anaacutelise de

suas obras em si mas tambeacutem a anaacutelise da ldquoformatividaderdquo destas pois boa parte destes

textos diz respeito diretamente aos meandros da ldquoformatividaderdquo em si natildeo a anaacutelises ou

sugestotildees de intenccedilotildees de significaccedilatildeo de sua obra

42 ldquoFormardquo e ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter

E ainda aleacutem das obras pictoacutericas e escritos de Richter tem-se disponiacutevel o Atlas Ou

seja em 1962 o pintor alematildeo iniciou suas pinturas a partir de fotografias e desde entatildeo tem

se dedicado natildeo soacute agrave pintura mas tambeacutem agrave coleta e catalogaccedilatildeo destas fotografias (obtidas

desde aacutelbuns da famiacutelia do artista a recortes de revistas e jornais) ademais Richter

igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboccedilos que foram e satildeo ponto de partida para

a sua produccedilatildeo pictoacuterica dando iniacutecio assim aos trabalhos para a formaccedilatildeo do que seria a

monumental obra intitulada Atlas

Portanto o Atlas eacute uma espeacutecie de diaacuterio artiacutestico e inventaacuterio de trabalho que foi

exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes exposiccedilatildeo

216

Artista alematildeo nascido em Dresden em 1932 graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal

iniciando uma carreira como pintor ldquorealistardquo na entatildeo Alemanha Oriental Em 1961 um pouco antes da

construccedilatildeo do muro de Berlim migrou para a Alemanha Ocidental quando retomou seus estudos sobre arte em

Duumlsseldorf e iniciou suas incursotildees com fotografia e pintura Nas uacuteltimas deacutecadas consolidou-se como um dos

principais expoentes da arte contemporacircnea internacional participando natildeo soacute de grandes exposiccedilotildees coletivas

como Documentas de Kassel Bienais de Veneza e de Satildeo Paulo como tambeacutem fez grandes exposiccedilotildees

retrospectivas de sua obra Sua uacuteltima grande exposiccedilatildeo individual intitulada ldquoPanoramardquo ocorreu entre os anos

de 2011-2012 e viajou pela Inglaterra (Tate Modern Londres) Franccedila (Centre George Pompidou Paris) e

Alemanha (Neue Nationalgalerie Berlin) (Cf GODFREY Mark SEROTA Nicholas RICHTER Gerhard e

outros Gerhard Richter- Panorama Londres Tate Publishing 2011 p10 -13 e p 281-194)

118

esta que foi acompanhada de publicaccedilatildeo anaacuteloga de um livro-cataacutelogo com o total de 315

laudas De laacute para caacute houve inuacutemeras reediccedilotildees tanto da exposiccedilatildeo como do livro na medida

em que paacuteginas e mais paacuteginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formaccedilatildeo da obra

pictoacuterica de Richter a uacuteltima publicaccedilatildeo em 2007 contou 783 quadros - laudas Sendo assim

pode-se dizer que o Atlas ainda estaacute em ldquoformatividaderdquo jaacute que eacute uma espeacutecie de relato e

registro visual em tempo real da produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard Richter Assim discorre

Helmut Friedel no prefaacutecio do Atlas da ediccedilatildeo de 2007

Como uma obra de arte total o Atlas eacute um organismo o qual desenvolve e

muda Eacute uma biografia espelhada fatos histoacutericos e artiacutesticos Muitas

consideraccedilotildees que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter

encontram expressatildeo nas fotografias esboccedilos planos e colagens217

Mais do que um amontoado de imagens por vezes aparentemente desconexas o

trabalho de coleta e catalogaccedilatildeo feito pelo proacuteprio artista prolonga a obra acabada

constituindo material de acesso uacutenico agrave ldquoformatividaderdquo do artista pois permite vislumbres ao

processo de ldquoformatividaderdquo mesmo apoacutes da ldquoformardquo estar concluiacuteda Ademais acrescida agrave

evidente ligaccedilatildeo do Atlas agrave formatividade da pintura de Richter em si natildeo se pode deixar de

lado o fato que o proacuteprio Atlas enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista eacute

forma eacute obra de arte hiacutebrida com certeza mas assim mesmo obra de arte

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

A tiacutetulo de demonstraccedilatildeo segue uma ldquopaacuteginardquo do Atlas a de nuacutemero [93] (Figura I)

as imagens mostram estudos que podem ser relacionados com a pintura ldquoDetalherdquo (Figura II)

217

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoAs a total art work the Atlas is an organism which develops further and changes In is a

mirrored biographical artistic and historical facts Many considerations which precede Gerhard Richters

painterly works find expression in the photographs sketches plans and collagesrdquo (HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed New York DAPDistributed

Art Publishers 2007 p 17)

119

Figura I

218

Figura II

219

218

Gerhard Richter ldquoAusschnittfotos von Farbprobenrdquo [Detalhes fotograacuteficos de Amostras de Cores] 1970

367 x 517 cm (Paacutegina do ldquoAtlasrdquo nordm 93) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso

em agosto de 2013

219

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (kreutz)rdquo [Detalhe (Kreutz)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 290) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

120

Como pode ser constatado nas imagens acima ficam evidentes as inuacutemeras possibilidades

expostas a respeito do acesso agrave experiecircncia de ldquoformatividaderdquo que o artista proporciona

atraveacutes do Atlas e evidentemente atraveacutes das proacuteprias obras Portanto a observaccedilatildeo da

imagem conjuntamente com a paacutegina do Atlas a ela relacionada deixa claro que o

procedimento desta pintura pertencente ao conjunto das pinturas intituladas ldquoDetalherdquo

(Figura II) pode ser analisado sob uma oacutetica diferente de que se natildeo houvesse o acesso agrave

referecircncia visual utilizada para a elaboraccedilatildeo da pintura Pois apesar destas pinturas nos

remeterem agrave ideia de pura abstraccedilatildeo a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a

partir de detalhes visuais definidos ou melhor a partir de imagens fotograacuteficas registros

visuais precisos e preacutevios passando assim por um processo anaacutelogo ao processo de imitaccedilatildeo

a um modelo qualquer disponiacutevel isto eacute anaacutelogo agrave construccedilatildeo de uma pintura figurativa tal

como fosse uma imagem reconheciacutevel e que remetesse a uma figura nomeaacutevel

E ainda ao observar a obra o olhar do observador eacute direcionado para as curvas e para

as nuances das passagens de cores e seus sobretons como tambeacutem para uma relaccedilatildeo de claro

e escuro tal como se observaacutessemos um trabalho de panejamento onde se encontram efeitos

ilusoacuterios de profundidade e movimento Inclusive vista ao vivo a pintura citada permite uma

experiecircncia corporal proacutepria da pintura advinda natildeo soacute da dimensatildeo do quadro que tem

quatro metros quadrados bem como da materialidade da obra em si no que diz respeito agrave

escolha da tinta a oacuteleo dando agrave pintura um caracteriacutestico brilho aveludado embora neste

caso sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura corroborando para

o efeito ilusoacuterio de tridimensionalidade que a imagem produz

Logo a experiecircncia a partir da observaccedilatildeo da ldquoformardquo isto eacute da pintura mesma seja

ao vivo ou mesmo atraveacutes da reproduccedilatildeo neste papel acrescida do acesso agrave ldquoformatividaderdquo

atraveacutes do Atlas levam a constataccedilatildeo de uma ambiguidade entre abstraccedilatildeo e ilusatildeo

tridimensional proacutepria da imitaccedilatildeo de uma figura que a obra permite vislumbrar

A despeito da relaccedilatildeo abstraccedilatildeo ndash fotografia que pode ser identificada na observaccedilatildeo

das obras de Richter acima dispostas igualmente seus textos tambeacutem apontam para as

problemaacuteticas que o advento da fotografia possibilitou agrave pintura vislumbrar E ao contraacuterio do

senso comum Richter elucida que a foto natildeo necessariamente se contrapotildee agrave pintura como

imitaccedilatildeo ou ateacute mesmo como coacutepia mas paradoxalmente tambeacutem instaura a possibilidade da

121

abstraccedilatildeo propriamente dita como fruto da observaccedilatildeo e da imitaccedilatildeo isto eacute a relaccedilatildeo ldquopessoa-

forma-mundordquo que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar agrave observaccedilatildeo de um

conteuacutedo vazio do ponto de vista da representaccedilatildeo de ideias mas ainda assim a imitaccedilatildeo da

imagem da aparecircncia continua possiacutevel

Como na passagem de uma nota de Richter abaixo transcrita que deixa claro o

entendimento por parte do artista dessa tecircnue relaccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo que a

imagem pictoacuterica percorre em sua obra sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de

decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida advinda de uma fotografia

Quando eu desenho - uma pessoa um objeto - Eu tenho que me fazer

consciente de proporccedilatildeo da precisatildeo a abstraccedilatildeo ou distorccedilatildeo e assim por

diante Quando eu pinto a partir de uma fotografia o pensamento consciente

eacute eliminado Eu natildeo sei o que estou fazendo O meu trabalho eacute muito mais

proacuteximo do Informal do que de qualquer tipo de realismo A fotografia

tem uma abstraccedilatildeo em si mesma o que natildeo eacute faacutecil de enxergar Eacute o que todo

mundo acredita que nos dias de hoje eacute normal E se isso se torna outro o

efeito eacute muito mais forte do que qualquer distorccedilatildeo do tipo que vocecirc

encontra em figuras de Bacon ou de Dali (Gerhard Richter - Notes 1964-

1965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relaccedilatildeo do artista com o modelo

nos meandros da ldquoformatividaderdquo da pintura e de como o advento da fotografia mudou esta

compreensatildeo de que modo se capta a imagem e se constroacutei a pintura propriamente dita bem

como o limite entre abstraccedilatildeo e imitaccedilatildeo que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da

produccedilatildeo pictoacuterica

E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaccedilo de

papel que tenha sido exposto agrave luz entatildeo eu faccedilo fotos com outros meios

natildeo imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia E vistas

220

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGerhard Richter - Notes 1964-1965 When I draw - a person an object - I have to make

myself aware of proportion accuracy abstraction or distortion and so forth When I paint from a photograph

conscious thinking is eliminated I dont know what I am doing My work is far closer to the Informel than to any

kind of realism The photograph has an abstraction of its own which is not easy to see through Its what

everyone believes in nowadays its normal And if that then becomes other the effect is far stronger than any

distortion of the sort you find in Dalis figures or Bacons Such a picture can really scare yourdquo (GERHARD

Richter Writings - 1961-2007 New York DAPDistributed Art Publishers 2009 p29)

122

desta forma minhas pinturas que foram feitas sem um modelo de foto

(abstraccedilotildees etc) tambeacutem satildeo fotos (Gerhard Richter em entrevista com

Rolf Schoumln 1972) 221

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter

Contudo as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo natildeo constituem o uacutenico conjunto de obras

que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas haacute ainda inuacutemeras pinturas

intituladas por ele como ldquoPintura abstratardquo (Figura IV) que foram produzidas todavia

concomitantemente a outros inuacutemeros grupos de pinturas que podem ser identificadas como

sendo figurativas tal como retratos paisagens e composiccedilotildees com variados objetos que

permitem novas e diferentes constataccedilotildees sobre as possiacuteveis relaccedilotildees e variaccedilotildees que os

binocircmios e as aparentes antiacuteteses entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou melhor entre imitaccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo acarretam levando agrave constataccedilatildeo da importacircncia da noccedilatildeo de autonomia da obra

para a definiccedilatildeo da arte como miacutemesis no conjunto de obras de Richter

Isto eacute a diferenccedila entre as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo e as intituladas ldquoPintura

abstratardquo (Figura IV) natildeo eacute apenas com respeito ao tiacutetulo que indica claramente a vontade do

artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem natildeo nomeaacutevel e natildeo identificaacutevel

como produto de uma imitaccedilatildeo (embora o tiacutetulo em si possa ser ignorado pelo espectador)

mas tambeacutem o proacuteprio processo de fabricaccedilatildeo tambeacutem natildeo passou pela imitaccedilatildeo de uma foto

como no caso das pinturas do conjunto intitulado como ldquoDetalherdquo (Figuras II e III)

Aleacutem disso ao contraacuterio das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III) ao

observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV) eacute possiacutevel verificar textura e espessura advindas

da tinta a oacuteleo empastada o que nos transporta inevitavelmente agrave materialidade da tinta que

neste caso natildeo gera o mesmo tipo de ilusatildeo de espaccedilo volume e movimento que as obras

intituladas ldquoDetalherdquo (Figura II e Figura III) Portanto no segundo caso a ideia de coisa fica

221

(Traduccedilatildeo Nossa) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has

been exposed to light then I make photos with other means not images that somehow resemble a photograph

And viewed in this way my paintings which were made without a photo model (abstract etc) are also photos

(Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schoumln 1972 In Obrist 1993 p68 apud HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed DAPDistributed Art

Publishers 2007 p 13)

123

mais evidente pois as sensaccedilotildees de textura claro - escuro e profundidade satildeo reais e natildeo

ilusoacuterias

Figura III

222

Figura IV

223

222

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (karmin)rdquo [Detalhe (carmim)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 289) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

223

Gerhard Richter ldquoAbstraktes Bildrdquo [Pintura Abstrata] 1995 51x71cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute

829-5) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

124

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

Entretanto o limite entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo eacute novamente posto em contradiccedilatildeo pelo

artista em questatildeo quando se constata que muitas pinturas que aparentemente ldquodeveriamrdquo ser

intituladas como ldquoabstratasrdquo ganham tiacutetulos como a pintura intitulada ldquoHaggadahrdquo (Figura

V) aqui o tiacutetulo sugere ao espectador um entendimento da imagem como representaccedilatildeo de

uma ideia embora natildeo haja indiacutecio de imitaccedilatildeo de figura reconheciacutevel muito menos de

referecircncia direta ao significado proposto pelo tiacutetulo

Tiacutetulo este que poderia remeter a ideia de texto de narrativa para tomar o significado

literal da palavra hebraica que nomeia a pintura mas tambeacutem poderia significar passagem

libertaccedilatildeo jaacute que a narrativa em questatildeo eacute a do ecircxodo biacuteblico narrado tradicionalmente nas

festas do Pessach [Paacutescoa judaica] mas tambeacutem poderia ser referecircncia aos livros iluminados

medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possiacuteveis camadas de significados que o

termo pode acarretar isto eacute o tiacutetulo abre para inuacutemeras possibilidades de interpretaccedilatildeo sem

duacutevida

A respeito da questatildeo da relaccedilatildeo nome-pintura Pareyson nos chama agrave atenccedilatildeo para

uma passagem do Toacutepicos de Aristoacuteteles224

onde o estagirita explica que os artistas ldquoantigosrdquo

faziam inscriccedilotildees em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas

representavam (Toacutepicos 140 a 20)225

deixando claro que a imagem em si natildeo

necessariamente tem sempre uma relaccedilatildeo clara e indubitaacutevel com um suposto modelo

sobretudo quando lida como continuaccedilatildeo de outra passagem algumas linhas acima onde o

estagirita afirma que a imagem eacute fruto da miacutemesis (Toacutepicos 140 a 15) 226

224

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoE tatildeo importante eacute a semelhanccedila na arte que os artistas primitivos natildeo conseguindo

retratar bem os aspectos dos objetos figurados eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho

[] (Topicos 140 a 20)rdquo (PAREYSON Luigi Corso Di Estetica Capiacutetulo II - Imitazione e Creazione p35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoE cosigrave

importante la somiglianza nellarte che gli artisti primitivi non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli

oggetti raffigurati sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[](Topici 140 a 20)rdquo

225

ldquo[] nas obras dos pintores antigos se natildeo havia uma inscriccedilatildeo as figuras eram geralmente

irreconheciacuteveisrdquo (Arstoacuteteles Toacutepicos Trad de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril

Cultural 1973 p 105)

[] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων εἰ μή τις ἐπέγραψεν οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον

226

ldquo[] a imagem eacute uma coisa produzida por imitaccedilatildeo []rdquo(Ibidem p104)

(εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως τοῦτο δ οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto a pintura mesmo enquanto imagem natildeo pode ser sempre entendida como

representaccedilatildeo Principalmente porque a escolha de se fazer a relaccedilatildeo tiacutetulo-nome e imagem eacute

do espectador E aleacutem disto isso se o espectador tomar conhecimento do tiacutetulo e quiser

realmente levar em conta o tiacutetulo

Ademais a importacircncia que um eventual tiacutetulo tenha para o espectador como recurso

para a interpretaccedilatildeo da imagem fica ainda mais evidente no caso da pintura ldquoHaggadahrdquo

(Figura V) pois o tiacutetulo eacute acrescido como fundamento de identificaccedilatildeo da imagem como

representaccedilatildeo se o interpretante tentar achar indiacutecios dos significados referentes ao tiacutetulo nas

marcas de cor e forma presentes na pintura e por conseguinte tirando dessa correlaccedilatildeo

(pintura- tiacutetulo) infinitas leituras Portanto no caso da referida obra o fato eacute que a

representaccedilatildeo estaacute no tiacutetulo e natildeo na imagem por si mesma que por si soacute eacute pura abstraccedilatildeo ou

seja a rigor a pintura abaixo soacute diz de si mesma

Figura V

227

227

Gerhard Richter ldquoHaggadahrdquo 2006 152-152 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 895-10) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

126

Logo em decorrecircncia das anaacutelises destas obras de Richter bem como dos trechos

acima citados do Toacutepicos de Aristoacuteteles eacute possiacutevel entender que o axioma abstraccedilatildeo-

figuraccedilatildeo pode ser uma falsa contradiccedilatildeo construiacuteda muito mais por uma criacutetica disposta a

colocar paracircmetros de anaacutelise do que por uma constataccedilatildeo da necessidade da formaccedilatildeo e da

construccedilatildeo da imagem pictoacuterica pelo artista como se pode constatar claramente nesta nota de

Richter

Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema natildeo eacute diferente com as

outras) eu nem sei de antematildeo o que ela deveraacute parecer nem enquanto estou

pintando sei onde eu quero ir nem o que deveria ser feito para alcanccedilar o

quecirc Eacute por isso que a pintura eacute um esforccedilo desesperado quase cego como o

de algueacutem preso sem recursos em um ambiente incompreensiacutevel - como de

algueacutem que tem uma variedade especiacutefica de ferramentas materiais e

capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo uacutetil mas

deseja que natildeo seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto

nomeaacutevel e que por isso comeccedila a construir numa vaga esperanccedila de que

sua acurada especialidade produziraacute algo certo algo significativo (Gerhard

Richter 1985) 228

As palavras acima satildeo significativamente parecidas com a descriccedilatildeo pareysoniana de

ldquoformatividaderdquo isto eacute o fazer artiacutestico eacute um fazer que ldquoinventa o por fazer e o modo de

fazerrdquo na medida do ldquoformarrdquo e que eacute invenccedilatildeo e execuccedilatildeo ldquopari passurdquo 229

228

(Traduccedilatildeo nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others) I neither

know beforehand what it should look like nor whilst painting where I want to go what should be done in order

to achieve what This is why painting is an almost blind desperate effort like that of someone stranded without

means in an incomprehensible environment mdash like that of someone who has a specific assortment of tools

materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful useful but which must be

neither a house nor a stool nor any other nameable object and who therefore starts building in the vague hope

that his accurate specialized doing will produce something right something meaningful (Gerhard Richter 27

121985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996

p28)

229

Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 e 33

127

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo

Todavia o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra

desta aparente antiacutetese entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou seja como foi apontado anteriormente

ele natildeo soacute produziu pinturas aparentemente abstratas mas tambeacutem produziu pinturas

diretamente relacionas a figuras reconheciacuteveis e nomeaacuteveis e por procedimentos imitativos

propriamente ditos e por conseguinte anaacutelogos agraves pinturas sob o tiacutetulo ldquoDetalhesrdquo (Figuras II

e III) sobretudo a partir de fotografias como por exemplo o retrato de ldquoBettyrdquo (Figura VI)

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura ldquoBettyrdquo encontra-se na paacutegina 445 do Atlas

(Figura VII) disposta junto com fotos de motivos diversos sem nenhum aparente parentesco

temaacutetico ou de procedecircncia entretanto chama a atenccedilatildeo uma foto de uma composiccedilatildeo de

ldquogarrafa com maccedilatilderdquo remetendo aqui agraves composiccedilotildees de naturezas mortas quase tatildeo

230

Gerhard Richter ldquoBettyrdquo [Betty] 1988 102 x 72 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 663-5) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

128

tradicionais quando satildeo as pinturas de retratos aleacutem do mais um fato sobre esta foto que

chama agrave atenccedilatildeo eacute que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX) evidenciando

que no caso de Richter a foto eacute o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

natildeo seu paradigma instransponiacutevel

Figura VII 231

Figura VIII

232 Figura IX

233

231

Gerhard Richter ldquoVerschiedene Motiverdquo [Vaacuterios Motivos] 1978 517 x 667 cm (Atlas paacutegina 445) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

232

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 83 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

233

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 82 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-6) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

129

Ou seja as imagens acima embora remetam a um modelo fotograacutefico natildeo satildeo fieacuteis agraves

fotos pois aleacutem de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza

constantemente - elas trazem coloraccedilotildees diferenciadas sem contar com a textura aveludada

caracteriacutestica da tinha a oacuteleo Pois embora a imitaccedilatildeo a um modelo seja evidente a imitaccedilatildeo

aqui natildeo eacute mera coacutepia principalmente quando se tem o acesso agrave foto ndash modelo que deixa

claro que aqui o procedimento de imitaccedilatildeo presente nestas pinturas estaria muito mais

proacuteximo agraves ideias e nuances dos conceitos de miacutemesis encontradas nos textos de Platatildeo e

sobretudo nos textos analisados de Aristoacuteteles e mais ainda na abordagem da ideia de

imitaccedilatildeo proposta por Pareyson Ampliando assim a questatildeo para aleacutem da particularidade da

obra de Richter levando a problemaacutetica agrave arte pictoacuterica de maneira geral

Ademais nesta outra passagem onde o pintor alematildeo discorre sobre a relaccedilatildeo entre a

pintura abstrata e figurativa fica igualmente claro que o modelo natildeo eacute ponto de referecircncia

fixo para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica em Richter mas o iniacutecio do processo

As pinturas abstratas satildeo natildeo menos arbitraacuterias do que as representaccedilotildees

concretas (que satildeo baseadas em um dos muitos motivos possiacuteveis que podem

tornar-se pinturas) elas diferem apenas no sentido em que o seu ldquomotivordquo eacute

apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter 1985)234

Ainda noutra nota de 1962 Richter diz ldquoA ideia de que a arte copia a natureza eacute um

grande equiacutevoco A arte sempre operou contra a natureza e com razatildeordquo235

Esta frase eacute parte

uma longa nota que poderia ser entendida como uma espeacutecie de diaacutelogo com as refelexotildees

platocircnicas sobre a incapacidade da imagem pictoacuterica em captar a realidade e

consequentemente como sendo meras ilusotildees Tambeacutem pode ser entendida em diaacutelogo com a

posiccedilatildeo aristoteacutelica de que a miacutemesis completa a phyacutesis [natureza] Sobre essas mesmas

questotildees numa outra entrevista Richter discorre

234

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are

based on one of many possible motifs which should become paintings) they differ only in the sense that their

motif is only developed during the paintingrdquo (Gerhard Richter 1985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo

de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996 p19)

235

(Traduccedilatildeo nossa) Gerhard Richter Notes 1962 ldquoThe idea that art copies nature is a fatal misconception Art

has always operated against nature and for reasonrdquo (GERHARD Richter Writings - 1961-2007 New York

DAPDistributed Art Publishers 2009 p14-15)

130

Robert Storr Quando vocecirc primeiro se apropriou de fotografias para fazer

pinturas vocecirc estava procurando assumir a objetividade de uma cacircmera

Gerhard Richter As pinturas tecircm a vantagem de que eu ainda posso

adicionar um pouco de alguma coisa porque a noccedilatildeo de neutralidade e

objetividade eacute uma ilusatildeo eacute claro Isso eacute algo impossiacutevel Cada pintura

inclui automaticamente a minha incapacidade minha impotecircncia a minha

relaccedilatildeo com a realidade coisas que satildeo subjetivas Portanto era legiacutetimo que

fosse pintada [cada pintura] Natildeo se tratava sobre a pureza absoluta mas

sobre a maior pureza possiacutevel236

Outro exemplo eacute uma pintura de uma cadeira (Figura XI) que aparentemente traz um

tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui E novamente quando se

compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nordm 11) (Figura X) que

mostra inuacutemeras imagens diacutespares tanto de imagens particulares como retiradas de jornais

com os mais variados temas fica evidente como os modelos e referecircncias de Richter satildeo

muacuteltiplos e novamente indicando que em sua obra pictoacuterica a suposta contradiccedilatildeo entre

figuraccedilatildeo ndash abstraccedilatildeo eacute substituiacuteda com a possibilidade de convivecircncia entre ambas e natildeo

mais da exclusatildeo eou escolha entre uma e outra Sobre esta pintura (Figura XI) o pintor

discorre

Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei Foi parte da minha

pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si uma mesa um rolo de papel

higiecircnico Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de

fotografias de fontes alheias esta eacute uma das fotos que eu tirei

pessoalmente237

236

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoRS When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming

such a cameralike objectivity GR The paintings have the advantage that I can still add a little somethingmdash

because the notion of neutrality and objectivity is an illusion of course That is somehow impossible Every

painting automatically includes my inability my powerlessness my relation to reality things that are subjective

Therefore it was legitimate to be painted It was not about absolute purity but about the greatest possible

purityrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In

STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in painting New York The Museum of Modern Art 2003

p173)

237

(Traduccedilatildeo nossa) This was a chair I owned and photographed It was part of my search for banal objects ndash

the chair itself the table the toilet roll Although the great majority of the photo-paintings are based on photos

which came from outside sources this was one I took myself

(Gerhard Richter Comments on some works 1991 In Gerhard Richter Text Writings Interviews and Letters

1961ndash2007 Thames amp Hudson London 2009 p 261262 apud Disponiacutevel em lthttpwwwgerhard-

richtercomartpaintingsphoto_paintingsdetailphppaintid=5615gt Acesso em 04082013)

131

Figura XI

238

Figura X

239

238

Gerhard Richter ldquoZeitungsfotosrdquo [Imagens de jornais e fotografias (aacutelbum)] 1963 517 x 667 cm Paacutegina do

Atlas nordm 11 Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

239

Gerhard Richter ldquoKuumlchenstuhlrdquo [Cadeira de cozinha] 1965 100 x 80cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 97) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

132

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo

Mais um conjunto de pinturas onde a relaccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e abstraccedilatildeo fica instigante

eacute a que o pintor alematildeo fez a partir da pintura ldquoA Anunciaccedilatildeordquo do pintor veneziano Ticiano

(Figura IX) pois haacute um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em

direccedilatildeo agrave pura abstraccedilatildeo (Figuras X e XI XII) como se ele quisesse desconstruir a imagem

para chegar ao esqueleto da composiccedilatildeo cromaacutetica

Figura IX

240 Figura X

241

Figura XI

242 Figura XII

243

240

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 125 x 300cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute343-1) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

241Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-3) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

242

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquocedil[Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-11) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

243

Gerhard Richter Verkuumlndigung nach Tizian [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

133

Ou seja aqui tambeacutem assim como no conjunto das obras do artista como um todo se

verifica a desconstruccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo e por conseguinte a desconstruccedilatildeo da

aparente dicotomia entre imitaccedilatildeo ou imaginaccedilatildeo que podem ser identificadas natildeo soacute na sua

produccedilatildeo pictoacuterica mas tambeacutem lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produccedilatildeo de

inuacutemeras pinturas Portanto retirando desse modo a nossa anaacutelise da simples suposiccedilatildeo e

vazia especulaccedilatildeo do que o artista teria ou natildeo feito e possibilitando que a interpretaccedilatildeo da

obra se enriqueccedila com o relato da experiecircncia do processo da pintura devido certo acesso do

espectador agrave ldquoformatividaderdquo da obra e natildeo soacute agrave ldquoformardquo acabada propriamente dita Como

na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr onde Richter mostra como

ele se relaciona com a questatildeo da imitaccedilatildeo nos meandros do processo da elaboraccedilatildeo de suas

pinturas

Gerhard Richter Eacute uma realidade que eacute inacessiacutevel Eacute um sonho Acabou

Mas eu sou antiquado o suficiente ou estuacutepido o suficiente para aguentar Eu

ainda quero pintar algo como Vermeer Mas eacute a hora errada e eu natildeo posso

fazecirc-lo Eu sou muito burro Bem eu natildeosou capaz Robert Storr Mas eu

estou pensando mais sobre fenocircmenos visuais que podem ser capturados do

que nos precedentes histoacutericos para capturaacute-los O que acontece quando o

assunto natildeo eacute um Ticiano mas um rolo de papel higiecircnico Isso significa

que a proacutepria realidade fez a realidade cotidiana eacute algo que noacutes perdemos a

capacidade de agarrar em uma foto Gerhard Richter Natildeo isso nunca foi

problema Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura Talvez

num momento de fraqueza eu tenha querido mas eu natildeo me lembro

Entretanto isso nunca foi minha intenccedilatildeo Mas eu quero pintar a aparecircncia

da realidade Esse eacute o meu tema ou meu trabalho244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente

reflexatildeo eacute quando se verifica que aqui a variaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas de sua pintura natildeo eacute

244

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGR It is a reality that is unreachable It is a dream Its over But I am old-fashioned

enough or stupid enough to hang on I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I

cannot do it I am too dumb Well I am not able to RS But I think more about visual phenomena that can be

captured than the historical precedents for capturing it What happens when the subject is not a Titian but a

toilet paper roll Does that mean that reality itself everyday reality is something weve lost the ability to hold

onto in a picture GR No thats never the problem I never wanted to capture and hold reality in a painting

Maybe at a weak moment I did but I dont remember However that was never my intention But I wanted to

paint the appearance of reality That is my theme or my jobrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter

concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in

painting New York The Museum of Modern Art 2003 p172)

134

uma questatildeo de fases como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inuacutemeras

reviravoltas e mudanccedilas no decorrer de suas vidas mas em Richter natildeo eacute uma questatildeo de

mudanccedila e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produccedilatildeo

diacutespar ou incoerente ou ateacute mesmo antagocircnica mas que se configura como pluralidade em

harmonia de aparentes contraacuterios como uma proposta artiacutestica verificaacutevel natildeo soacute na

observaccedilatildeo das obras em si e de sua variedade e concomitacircncia cronoloacutegica mas tambeacutem nas

leituras dos textos do artista

Sendo assim interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas

multiplicidades e na desconstruccedilatildeo desta aparente antiacutetese entre miacutemesis e imaginaccedilatildeo tanto

em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam Embora em

Richter - o que soacute poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informaccedilatildeo (obra

textos fotos esboccedilos) ndash seja um relato singular de uma experiecircncia de uma ldquoformatividaderdquo

bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal e em Pareyson seja

uma anaacutelise de algo inerente a toda e qualquer pintura como Pareyson discorre

Como quer que se conceba a relaccedilatildeo entre imagem artiacutestica e a realidade

natural seja como uma fiel representaccedilatildeo ou uma livre interpretaccedilatildeo ou

uma arbitraacuteria reconstruccedilatildeo ou uma deliberada idealizaccedilatildeo ou uma

voluntaacuteria deformaccedilatildeo ou ateacute uma criaccedilatildeo absoluta ou uma construccedilatildeo

completamente nova ou pura invenccedilatildeo sem pretexto de realidade o

importante eacute que a imagem artiacutestica se sutente apenas pela sua proacutepria

estrutura 245

Mais adiante continuando o trecho acima Pareyson discorre sobre a relaccedilatildeo do artista

com a realidade diante da elaboraccedilatildeo da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir

o grau de imitaccedilatildeo da obra com relaccedilatildeo a um modelo como se esse grau indicasse se a pintura

foi ou natildeo de fato bem sucedida

245

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoComunque si concepisca il rapporto fra limmagine artistica e la realtagrave naturale

sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o unarbitraria ricostruzione o una deliberata

idealizzazione o una voluta deformazione oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente

nuova o una pura invenzione senzappigli nella realtagrave limportante egrave che limmagine artistica si regga

unicamente sulla propria strutturardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

135

Sobre este ponto pelo contraacuterio acumulam-se intensamente diversos

equiacutevocos que de acordo com a antiacutetese supracitada podem ser reduzidos

agraves duas teses seguintes e opostas de um lado haacute quem afirme que o valor da

imagem artiacutestica depende de sua relaccedilatildeo com a realidade de outro lado haacute

quem afirme que a relaccedilatildeo da imagem artiacutestica com a realidade natildeo tem

nenhuma relevacircncia na arte246

Ora se a pintura natildeo se define por seu grau ou natildeo de imitaccedilatildeo ou invenccedilatildeo isto natildeo

quer dizer que a sua relaccedilatildeo com a realidade natildeo seja fundamental para interpretar a obra em

si como explica Pareyson

Mas por outro lado eacute preciso natildeo se exceder a ponto de dizer que se a

referencia agrave realidade natildeo determina o valor da arte ela eacute irrelevante Bem

entendido a figura artiacutestica vale pelos seus valores estiliacutesticos pictoacutericos ou

poeacuteticos ou musicais mas natildeo eacute indiferente que ela seja o resultado de uma

imitaccedilatildeo ou de uma idealizaccedilatildeo ou de uma invenccedilatildeo ou de uma pura

criaccedilatildeo Segundo estes diversos caracteres ela haacute que ser lida diversamente e

diversamente interpretada Sobre este ponto a esteacutetica tem o dever de

elaborar os conceitos que segundo as diversas poeacuteticas podem explicar a

relaccedilatildeo entre a imagem artiacutestica e a realidade natural247

Portanto haacute que se levar em conta natildeo soacute a ldquoformardquo mas se possiacutevel tambeacutem a

ldquoformatividaderdquo isto eacute a relaccedilatildeo que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da

produccedilatildeo da pintura aumenta os subsiacutedios para o entendimento da obra na sua totalidade

Como foi possiacutevel no caso da obra de Richter pois aleacutem de se vislumbrar a obra acabada haacute a

246

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoSu questo punto invece si sono pesantemente addensati i piugrave di versi equivoci che

conformemente allantitesi su citata si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte da un lato vegrave chi afferma

che il valore dellimmagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtagrave dallaltro cegrave chi afferma che il

rapporto dellimmagine artistica con la realtagrave non ha alcuna rilevanza nellarterdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p263 )

247

Ibidem op cit p69 ldquoMa per laltro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtagrave

non determina il valore dellarte esso egrave irrilevante Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici

pittorici o poetici o musicali che siano ma non egrave indifferente chessa sia il risultato duna raffigurazione o

dunidealizzazione o duninvenzione o duna pura creazione A seconda di questi diversi caratteri essa ha da

esser letta diversamente e diversamente interpretata Su questo punto lestetica ha i l compito di elaborare i

concetti che a seconda delle diverse poetiche possono spiegare il diverso rapporto fra limmagine artistica e la

realtagrave naturalerdquo (Ibidem opcit p264)

136

contribuiccedilatildeo dos relatos escritos do artista como ainda tambeacutem haacute as imagens dos rastros do

processo da produccedilatildeo da obra como os esboccedilos e fotos referenciais (Atlas) que permitem que

entendamos as escolhas e opccedilotildees do artista e parte da trilha por ele percorrida na

formatividade da obra tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para

interpretaccedilatildeo da obra como tantas vezes Pareyson apontou

Entretanto trecircs pontos devem ser esclarecidos aqui o primeiro eacute que o estudo da

ldquoformatividaderdquo natildeo eacute o estudo da suposta intenccedilatildeo do artista pois a intenccedilatildeo na maioria das

vezes nem mesmo o artista em questatildeo tem necessariamente consciecircncia e este pode ser um

campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulaccedilatildeo sem que se chegue a

fornecer elementos consistentes o bastante para a anaacutelise da obra propriamente dita isto eacute o

estudo da ldquoformatividaderdquo eacute o estudo dos rastros do que de fato foi executado e natildeo daquilo

que se quis executar

E em segundo lugar a interpretaccedilatildeo da obra de arte entendida sob a oacutetica

pareysoniana tambeacutem natildeo eacute um simples juiacutezo de valor pois as escolhas e posiccedilotildees do artista

perante a realidade natildeo desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou

ruim bem sucedida ou natildeo pertinente ou natildeo mas a identificam e a definem sendo chaves

importantes para o acesso ao significado da obra enquanto ldquoformardquo e mais ainda enquanto

ldquopessoardquo pois revela a sua personaliacutessima visatildeo de mundo atraveacutes da ldquoforma formadardquo

Sobre esta particularidade Pareyson discorre no trecho a seguir

Assim na pintura a obra muda de significado mesmo natildeo mudando de

valor segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata Eacute evidente

que o valor artiacutestico de um retrato natildeo depende de um confronto externo da

imagem com o original confronto para o qual de resto natildeo pode haver

regras fixas sendo o conceito de ldquosemelhanccedilardquo extremamente complexo e

difiacutecil sobretudo quando estaacute em jogo o resto da pessoa viva isto eacute uma

realidade dinacircmica e espiritual justamente na sua delineaccedilatildeo fiacutesica248

248

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquoCosigrave nella pittura lopera cambia di significato pur non cambiando di valore a

seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta Egrave evidente che il valore artistico dun ritratto non

dipende da un confronto esterno dellimmagine con loriginale confronto che del resto non puograve avere regole

fisse essendo il concetto di laquosomiglianzaraquo estremamente complesso e difficile soprattutto quando sia in gioco i l

volto duna persona vivente cioegrave una realtagrave quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

137

E o terceiro ponto eacute que embora se admita a multiplicidade e ateacute a inexauribilidade da

interpretaccedilatildeo da obra essa multiplicidade natildeo eacute extensiva agrave proacutepria obra que permanece a

mesma nas palavras de Pareyson

[] em primeiro lugar que a unidade eacute da obra e natildeo da interpretaccedilatildeo

enquanto a multiplicidade eacute da interpretaccedilatildeo e natildeo da obra uma vez que a

obra permanece idecircntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas

interpretaccedilotildees e em segundo lugar que a originalidade e a novidade da

interpretaccedilatildeo natildeo satildeo um programa mas um resultado no sentido de que o

inteacuterprete as consegue espontaneamente quanto maior for o seu esforccedilo

pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade []249

47 O estatuto ontoloacutegico

E ainda um uacuteltimo ponto do pensamento do pintor alematildeo que chama a atenccedilatildeo

atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade isto eacute a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da obra de arte operada por Pareyson diz Richter

A invenccedilatildeo do readymade me atenta como tendo sido a invenccedilatildeo da

realidade isto eacute a descoberta incisiva de que a realidade em contraste com a

imagem da vida eacute a uacutenica coisa de relevacircncia Desde entatildeo a pintura jaacute natildeo

retrata a realidade mas eacute a proacutepria realidade em si (que apresenta a si

mesma) E em algum momento vai voltar a ser uma questatildeo de recusar-se a

creditar esta realidade com qualquer valor a fim de produzir imagens de um

mundo melhor (como era antes) 250

fisica[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p264)

249

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p172 ldquo[] anzitutto che lunicitagrave egrave dellopera e non dellinterpretazione mentre la

molteplicitagrave egrave dellinterpretazione e non dellopera giaccheacute lopera rimane identica ed eguale a se stessa nella

molteplicitagrave delle sue interpretazioni e in secondo luogo che loriginalitagrave e la novitagrave dellinterpretazione non

sono un programma ma un risultato nel senso che linterprete le consegue spontaneamente quanto maggiore egrave

stato il suo sforzo personale di coglier lopera nella sua vera realtagrave []rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p354)

250

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe invention of the readymade strikes me as being the invention of reality that is to say

the incisive discovery that reality in contrast to the picture of life is the only thing of relevance Since then

138

Ou seja na passagem acima fica evidente que mais do que a obra de Duchamp ou o

que ele tenha querido propor mas sim o que estaacute em jogo aqui satildeo as inuacutemeras decorrecircncias

e desdobramentos que suas proposiccedilotildees geraram em outros artistas como no caso de Gerhard

Richter Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre o movimento entre o moderno

e o contemporacircneo

A crisaacutelida vira borboleta sofre metamorfose mas ainda eacute o mesmo ser

vivo Houve ruptura ou continuidade [] a modernidade cria algumas

questotildees e depois saturando-as leva agrave inversatildeo de ecircnfases que poderiam

indicar ruptura marcando o poacutes-moderno Mas de fato houve quebra Eacute por

isso que considero crisaacutelida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado

contemporaneidade251

Nesse sentido por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte

do seacuteculo XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar sua produccedilatildeo eacute

outra e eacute a mesma com relaccedilatildeo ao passado recente assim como ocorre igualmente com a

relaccedilatildeo da imagem imitativa ela eacute ao mesmo tempo referente e outra

Por isso independente das primeiras eou ldquooriginaisrdquo intenccedilotildees de Duchamp e de

outros artistas de sua geraccedilatildeo que propuseram natildeo soacute os ready-mades mas as assemblages

de Picasso tambeacutem os objets-trouveacutes dos dadaiacutestas e surrealistas o que se verifica em

Richter eacute uma assertiva de que as obras de arte em geral incluindo as imagens pictoacutericas e

fotograacuteficas tecircm um estatuto ontoloacutegico e uma autonomia como propotildee Pareyson sendo elas

imitativas ou natildeo mecacircnicas ou manuais e esta autonomia se daacute natildeo soacute com relaccedilatildeo ao

artista mas sobretudo com relaccedilatildeo ao modelo e com relaccedilatildeo ao espectador

Nesse sentido pode-se verificar que a despeito de todos os esforccedilos ocorridos no

seacuteculo passado para ampliar os limites da pintura entretanto Richter natildeo precisou expandir a

pintura para a tridimensionalidade da escultura e nem para o espaccedilo das instalaccedilotildees e

painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself) And at some point it will again be a

matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better worldrdquo (as it once

was) (Gerhard Richter 1990) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr

Moderne Kunst 1996 p22)

251

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p13

139

arquiteturas e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados

que natildeo a proacutepria tinta e o suporte plano para mostrar que as pinturas enquanto ldquoformasrdquo se

constituem como coisas entre coisas e tecircm estatuto ontoloacutegico embora tambeacutem possam ser

representaccedilotildees de ideias como ele tambeacutem mostrou

Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele tambeacutem natildeo precisou se

restringir agrave imagem como pura imaginaccedilatildeo e invenccedilatildeo nem como pura imitaccedilatildeo para afirmar

sua autonomia isto eacute Richter pocircde continuar a propor a pintura como miacutemesis entendida aqui

nas diversas acepccedilotildees encontradas tanto nos textos platocircnicos como aristoteacutelicos E portanto

a pintura de Gerhard Richter como miacutemesis eacute imitaccedilatildeo sem que isso a transforme em mera

coacutepia antagocircnica e incompatiacutevel com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve

proporcionar sem que isso retire dela a sua dignidade ontoloacutegica e sobretudo a sua

autonomia

140

CONCLUSAtildeO

A proposta de intersecccedilotildees entre os pensamentos de Luigi Pareyson Aristoacuteteles e

Platatildeo possibilitaram pensar a ldquoformardquo enquanto organismo como fruto da poiacuteesis

[produccedilatildeo] que como ldquoteacutekhne poietikoacutesrdquo [arte poeacutetica] estabelece uma simbioacutetica relaccedilatildeo

com a phyacutesis [natureza] relaccedilatildeo esta entendida como miacutemesis

Miacutemesis natildeo na acepccedilatildeo de simples imitaccedilatildeo mas como uma leitura pessoal da

realidade por isso a ldquoarte-formardquo eacute entendida como a introduccedilatildeo do sempre novo pois a

ldquoformatividaderdquo geratriz da miacutemesis eacute sempre uacutenica e pessoal por ser produto da visatildeo de

mundo da ldquopessoa ndash artistardquo Nesse sentido pode-se afirmar que eacute a ldquopessoardquo do artista que

faz com que a formatividade sempre seja ldquocarregadardquo de invenccedilatildeo seja qual for o grau de

fidelidade da imitaccedilatildeo

Sendo assim sem deixar de ser miacutemesis a ldquoarte-formardquo eacute tambeacutem phantasiacutea na

acepccedilatildeo presente no Sofista de Platatildeo pois a imagem que eacute derivada da phantasiacutea eacute fruto da

imaginaccedilatildeo e da invenccedilatildeo do artista que modifica o que vecirc Por conseguinte tal como Richter

discorre em tantas de suas entrevistas e notas eacute a ldquoinabilidaderdquo do artista - ao natildeo conseguir

copiar tal como vecirc ou natildeo querer copiar o que vecirc - que daacute agrave imagem pictoacuterica a possibilidade

de ser sempre produto novo que ldquoacrescentardquo ou que ldquocompletardquo a natureza [phyacutesis] tal

como Aristoacuteteles discorre na Fiacutesica I

Ademais a ldquoarte-formardquo eacute igualmente imaginaccedilatildeo na acepccedilatildeo aristoteacutelica de

phantasiacutea presente tanto no Da Alma como no De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo uma vez que

como propotildee Aristoacuteteles em De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo a imagem eacute presenccedila mesmo se eacute

lembranccedila pensamento e estaacute em noacutes logo phantasiacutea aqui eacute imaginaccedilatildeo no sentido de

apariccedilatildeo isto eacute de imagem que advem da memoacuteria do ausente tornado presenccedila na apariccedilatildeo

Entretanto ao contraacuterio da memoacuteria propriamente dita que natildeo se externaliza do pensamento

a ldquoimagemrdquo produzida pela arte se externaliza descolando-se de um pensamento singular e se

definindo como presenccedila em si mesma portanto se ontologiza como ldquoformardquo ldquoforma-

formanterdquo e ldquoforma-formadardquo

141

Sendo assim pode-se concluir que a obra de arte independente de sua materialidade

ou natildeo de sua perenidade ou natildeo de ser imitaccedilatildeo fiel ou natildeo abstraccedilatildeo ou natildeo ao ser

produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista ao deixar de ser mero

pensamento ou ldquopotecircncia de arterdquo para concretizar-se como coisa entre coisas enfim ao se

ldquopresentificarrdquo pode ser chamada de ldquoformardquo

E ainda como phantasiacutea na acepccedilatildeo dos textos aristoteacutelicos acima citados a arte eacute

tambeacutem representaccedilatildeo natildeo soacute no sentido de representaccedilatildeo como presenccedila de um ausente mas

tambeacutem como produto do pensamento que se concretiza na ldquoformardquo E portanto a ldquoformardquo

tambeacutem natildeo eacute apenas presenccedila de um ausente que eacute representado tonando-o novamente

presente mas a ldquoformardquo eacute igualmente autocircnoma com relaccedilatildeo ao representado na medida em

que eacute uma totalidade pois depois de formada a ldquoformardquo eacute tambeacutem presenccedila em si mesma

E ainda na medida em que a ldquoformardquo eacute fato novo tem autonomia ontoloacutegica pois

constitui uma alteridade e portanto eacute autocircnoma natildeo soacute do artista que a forjou mas tambeacutem

do representado e mesmo com relaccedilatildeo ao fruidor

Portanto a ldquoformardquo enquanto um ldquooutrordquo eacute como um espelho que reflete a alteridade

ao mesmo tempo em que reflete o proacuteprio espectador da obra Uma vez que eacute na fruiccedilatildeo da

obra de ldquoarte - formardquo que a visatildeo de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura

com a visatildeo de mundo pessoal contida na obra daiacute a ldquoinexauribilidade da interpretaccedilatildeordquo da

obra de arte definida por Pareyson daiacute o organismo vivo e irrepetiacutevel e em constante

movimento com que o filoacutesofo italiano define o conceito de obra de arte como ldquoformardquo

Ademais vale ressaltar que a autonomia da ldquoformardquo eacute independente de sua

materialidade e de sua temporalidade pois a ldquopresenccedilardquo que concretiza a sua autonomia

ontoloacutegica se daacute sobretudo no espaccedilo-tempo da fruiccedilatildeo e natildeo necessariamente na sua

perenidade temporal ou na sua concretude material enquanto coisa Pois nem a falta de

concretude nem a falta de perenidade muda a sua caracteriacutestica de ser uma visatildeo de mundo

pessoal de um artista e portanto fruto dessa relaccedilatildeo ldquopessoa-forma-formanterdquo

142

Nesse sentido o entendimento da dimensatildeo natildeo material da ldquoformardquo se faz necessaacuterio

sobretudo nos dias de hoje quando o acesso agraves obras de arte pode ser virtual ou a partir de

coacutepias mecacircnicas ou ateacute mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir

como no caso de instalaccedilotildees e performances pois independente da concretude material da

obra de arte a ldquoformardquo na alteridade do pensamento permanece na fruiccedilatildeo do outro E se

por um lado eacute possiacutevel identificar que a produccedilatildeo artiacutestica na atualidade ao reivindicar um

estatuto ontoloacutegico para a obra de arte estabelece a obra como coisa entretanto por outro

lado a produccedilatildeo nos dias de hoje tambeacutem permite que a arte se desmaterialize pois ao tomar

a arte como fruto da imaginaccedilatildeo a ldquoformardquo enquanto pensamento na alteridade pode existir

como puro pensamento sem que seja necessaacuteria a sua materializaccedilatildeo ou seja para que ela se

concretize e possa ser identificada como ldquoformardquo basta que ela esteja fora do pensamento

singular de uma soacute pessoa

Por isso no acircmbito das manifestaccedilotildees artiacutesticas nos dias de hoje embora a proacutepria

materialidade da arte foi e eacute questionada e a possibilidade da virtualidade da obra eacute fato

consumado a ldquoformardquo tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana ainda parece

ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte jaacute que autonomamente em relaccedilatildeo a

sua materialidade a ldquoformardquo eacute alteridade do pensamento

Concluindo a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diaacutelogo com

determinados conceitos das filosofias de Platatildeo e de Aristoacuteteles estudos que posteriormente

instrumentalizaram a leitura da experiecircncia pessoal do pintor alematildeo Gerhard Richter

conclui-se que haacute trecircs maneiras distintas poreacutem concomitantes em que a obra de arte em

particular a pintura se presentifica como ldquoformardquo a primeira eacute aquela pela qual a pintura eacute

imagem mimeacutetica ou seja a imagem advinda de um processo de imitaccedilatildeo e que mesmo

perante o maior esforccedilo de fidelidade ao modelo eacute sempre acrescida da imaginaccedilatildeo do artista

que interpreta modifica e ldquocompletardquo o modelo

O segundo modo de presentificaccedilatildeo da pintura como ldquoformardquo eacute a imagem

representativa ou seja aquele pelo qual a imagem substitui a ausecircncia de outra coisa imagem

ou pensamento isto eacute a pintura como representaccedilatildeo de uma ideia Contudo aqui tambeacutem a

imaginaccedilatildeo participa do processo de formatividade pois a representaccedilatildeo eacute sempre intervenccedilatildeo

143

ldquoinventivardquo do artista Portanto a pintura se daacute como outra presenccedila da ausecircncia e tambeacutem

muitas vezes como visibilidade do invisiacutevel

E finalmente a terceira presentificaccedilatildeo da imagem pictoacuterica enquanto ldquoformardquo eacute o

modo em que a imagem da pintura eacute ela mesma ou seja natildeo imita nem representa nada aleacutem

daquilo que apresenta E eacute nesse jogo entre essas trecircs co-possobilidades (miacutemesis

representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo) que a pintura eacute coisa entre coisas inclusive passiacutevel de vir a ser

paradigma para outra pintura

Sendo assim ao analisar algumas obras pictoacutericas dizeres e escritos de Gerhard

Richter no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um

aspecto mais pontual pocircde-se concluir que as obras do artista alematildeo satildeo exemplos de

pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como miacutemesis e phantasiacutea isto eacute como

imitaccedilatildeo imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo Ademais as obras Richter mostram ainda que natildeo se

precisa escolher entre umas e outras pois natildeo haacute contradiccedilatildeo natildeo haacute antiacutetese pode haver

convivecircncia e complementaridade entre a miacutemesis imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo e estatuto

ontoloacutegico da ldquoformardquo pois a pintura pode ser ao mesmo tempo conforme pudemos atestar

durante a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo imagem de outra coisa imagem de si mesma e coisa

autocircnoma

144

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Page 4: Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

4

Agradecimentos

Ao concluir esta dissertaccedilatildeo sou imensamente grata ao meu orientador Prof Dr

Carlos Eduardo Uchocirca Fagundes Junior OSB pela confianccedila paciecircncia e zelo

sensibilidade e inteligecircncia sabedoria e generosidade que possibilitaram que este estudo

pudesse ser concluiacutedo

Devo tambeacutem um agradecimento especial ao Prof Dr Leon Kossovitch de quem

obtive liccedilotildees fundamentais para o desenvolvimento desta dissertaccedilatildeo tanto nas aulas como

na qualificaccedilatildeo

Agradeccedilo ainda o Prof Dr Ricardo Fabbrini de quem colhi no exame de

qualificaccedilatildeo observaccedilotildees preciosas de meu trabalho

No decorrer do processo de pesquisa dessa dissertaccedilatildeo ainda tive a sorte de contar

com a generosidade de diversos professores da Faculdade de Satildeo Bento Prof Dr Djalma

Medeiros Prof Dr Franklin Leopoldo e Silva Prof Dr Ivo Assad Ibri Prof Dr Joel

Gracioso Prof Dr Joseacute Carlos Bruni Profa Dra Maria Carolina Alves dos Santos e Profa

Dra Rachel Gazolla de Andrade que sempre atentos e presentes contribuiacuteram para o

amadurecimento deste estudo a eles devo meus sinceros agradecimentos

5

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relaccedilatildeo que o artista estabelece com a realidade

durante a produccedilatildeo da obra de arte sobretudo da pintura levando em conta que a obra de arte

antes de ser representaccedilatildeo eacute apresentaccedilatildeo em si mesma isto eacute depois de acabada tem

autonomia e estatuto ontoloacutegico eacute coisa entre coisas Ou seja pretende-se investigar como

nos tempos atuais se vecirc e se lida com o pressuposto de que a produccedilatildeo da arte eacute imitaccedilatildeo e ao

mesmo tempo invenccedilatildeo que funda uma nova realidade Para tanto acreditamos que a Teoria

da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar

estas problemaacuteticas que se destacam na arte contemporacircnea em especial na pintura com o

foco na produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter E partindo da premissa de que a implicaccedilatildeo

da arte como imitaccedilatildeo e consequentemente sua pertinecircncia inicia-se nos primoacuterdios do

pensamento sobre arte na Greacutecia Antiga (em especial as contribuiccedilotildees de Platatildeo e de

Aristoacuteteles) e considerando que o proacuteprio Pareyson mostra como ambos sobretudo

Aristoacuteteles ainda satildeo fundamentais mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria

da arte atual bem como para a produccedilatildeo artiacutestica contemporacircnea a presente pesquisa estuda a

intersecccedilatildeo de pontos centrais advindos dos filoacutesofos gregos citados com os pontos centrais

do pensamento pareysoniano sobre Arte A proposta eacute construir uma ponte de intersecccedilatildeo

entre os pensamentos de Pareyson Aristoacuteteles e Platatildeo e ancorando-a nos conceitos

cunhados na Teoria da Formatividade expor como o filoacutesofo italiano relecirc as problemaacuteticas

colocadas pelos filoacutesofos gregos antigos e de que maneira esta interseccedilatildeo de pensamentos e

conceitos contribuem para a reflexatildeo sobre Arte na atualidade e em particular para a anaacutelise

da produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter

Palavras ndash Chave

Teoria da Formatividade Gerhard Richter miacutemesis representaccedilatildeo pintura

6

ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the)

reality during the production of the work of art especially in painting considering that the

work or art prior to its representation is a presentation of itself That is after completed it has

autonomy and ontological status it is a thing among things Thus how at present the pre-

supposition that the production of art is an imitation and at the same time an invention

which uncovers a new reality is seen and dealt with is the subject of the investigation

Therefore we believe that Luigi Pareysonacutes Theory of Formativity provides some

fundamental keys to consider these issues which stand out in contemporary art especially in

painting and will thus also focus on Gerhard Richteracutes pictorial production Beginning with

the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence

starts with ancient Greek thought (especially Platoacutes and Aristotleacutes contributions) and

considering that Pareyson shows that both but especially Aristotle are still fundamental even

when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic

production this research studies the intersection of the central points of the above Greek

philosophers with those of Pareysonian thinking on Art The proposal is to build an

intersectional bridge of Pareysonacutes Aristotleacutes and Platoacutes thinking grounding them in the

concepts of the Theory of Formativity and to discuss how the Italian philosopher re-reads the

problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and

concepts contributes to todayacutes art reflections and in particular for the analysis of Gerhard

Richteracutes pictorial production

Key - Words

Theory of Formativity Gerhard Richter miacutemesis representation painting

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO I Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson 13

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo da

Teoria da Formatividade 13

12 Teacutekhne como saber-fazer 19

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia 21

14 Teacutekhne e ldquoinspiraccedilatildeordquo 23

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai 27

16 Teacutekhne e phyacutesis [natureza- entes naturais] 31

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo 33

18 Teacutekhne poietikoacutes 35

19 Poiacuteesis versus praacutexis 36

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars 38

111 Arte como ecircxito 39

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade 42

CAPIacuteTULO II Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson 43

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade 43

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo 44

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo apartir de Aristoacuteteles 46

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade 55

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte 58

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo 61

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson 68

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade 74

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo 74

222 Correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo 76

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade 78

224 Legalidade da ldquoformardquo e a noccedilatildeo de intuiccedilatildeo na Teoria da Formativida 79

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade 83

8

CAPIacuteTULO III Arte como miacutemesis e a autononia da obra de arte na Teoria da

Formatividade 87

31 O conceito de miacutemesis sob a oacutetica da Teoria da Formatividade 87

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo 88

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo 92

34 A ldquopositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles 100

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles 107

36 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson 110

CAPIacuteTULO IV Autonomia da obra de arte e miacutemesis na produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard

Richter agrave luz da Teoria da Formatividade 115

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista 115

42 ldquoFormardquoe ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter 117

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 118

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter 122

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 124

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo 127

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo 132

47 O estatuto ontoloacutegico 137

CONCLUSAtildeO 140

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 144

9

INTRODUCcedilAtildeO

O estudo sobre a histoacuteria da produccedilatildeo artiacutestica no Ocidente sobretudo a pictoacuterica

revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teoacutericos e artistas com relaccedilatildeo agrave

aceitaccedilatildeo da pintura ora como imitaccedilatildeo da realidade ora como afirmaccedilatildeo de si mesma

enquanto coisa no mundo Isto eacute o questionamento da pintura como representaccedilatildeo tem sido

retomado na forma de outro (ou novo) movimento artiacutestico de orientaccedilatildeo figurativa eou

abstrata E ainda esse vai e vem de assertivas e oposiccedilotildees para com a arte como

representaccedilatildeo fortalece o lugar comum da ldquomorte da pinturardquo 1 que em uacuteltima anaacutelise

questiona a pertinecircncia da proacutepria existecircncia da pintura se natildeo da proacutepria arte como um todo

Todavia apesar das controveacutersias eacute possiacutevel constatar que parte do meio artiacutestico da

atualidade reabilitou a pintura e estaacute relendo a problemaacutetica do jogo entre imitaccedilatildeo e realidade

na arte pictoacuterica E mais ainda a produccedilatildeo de arte contemporacircnea2 e em especial a produccedilatildeo

pictoacuterica de Gerhard Richter (Dresden 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre

figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo e entre imagem e objeto podem ser

questionadas Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa de certa maneira artistas e

teoacutericos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitaccedilatildeo ou ateacute

mesmo deixar de existir Contudo ao reabilitar a retomada da pintura natildeo excluiacuteram outras

formas de arte que negam a imitaccedilatildeo ou que trazem novas formas de construccedilatildeo de imagens

inclusive pondo em cheque a proacutepria materialidade da arte

Nesse sentido pode-se afirmar que essas hipoacuteteses direcionam um estudo para uma

investigaccedilatildeo acerca da problematizaccedilatildeo da arte e da pintura enquanto imitaccedilatildeo da realidade 1 Eacute possiacutevel identificar nesta expressatildeo uma relaccedilatildeo agrave ideia de ldquomorte da arterdquo cunhada por Hegel em seus

Cursos de Esteacutetica que foram compilados e publicados ainda no iniacutecio do seacuteculo XIX proposiccedilatildeo esta

amplamente discutida por vaacuterios pensadores desde entatildeo e que indubitavelmente muito influencia o pensamento

sobre arte ainda hoje Entretanto nossa colocaccedilatildeo natildeo diz respeito exatamente agrave consciente filiaccedilatildeo agraves ideias de

Hegel e sim a um movimento aceacutefalo e pouco ciente de suas antecedecircncias Ou seja diz respeito a um locus que

se formou entre artistas professores de arte e criacuteticos que usam as expressotildees ldquomorte da arterdquo e sobretudo

ldquomorte da pinturardquo de maneira ateacute muitas vezes ingecircnua e inconsequente em ambientes de cursos de arte ateliecircs

e em textos de cataacutelogos de exposiccedilatildeo e afins

2 A despeito das controveacutersias inerentes aos roacutetulos utilizados para as classificaccedilotildees de periacuteodos estilos e

movimentos artiacutesticos neste contexto a palavra ldquoarte contemporacircneardquo deve ser entendida na sua acepccedilatildeo de uso

corrente da palavra contemporacircneo isto eacute diz respeito agrave produccedilatildeo de arte vigente nos dias de hoje de todo e

qualquer artista que estaacute em produccedilatildeo Entretanto uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das

deacutecadas correspondentes as suas proacuteprias vidas logo a produccedilatildeo de arte contemporacircnea igualmente pode

corresponder agrave produccedilatildeo das uacuteltimas deacutecadas Portanto neste contexto ldquoarte contemporacircneardquo natildeo determina um

exato limite temporal de iniacutecio ou teacutermino nem faz distinccedilatildeo de grupos ou geraccedilotildees de artistas natildeo se refere a

um movimento em particular mas sim agrave atualidade com todas as suas idiossincrasias

10

que culmina na intricada relaccedilatildeo do artista para com a apreensatildeo do mundo e a consequente

negaccedilatildeo da possibilidade dessa relaccedilatildeo ateacute o questionamento da pertinecircncia da proacutepria

existecircncia da pintura eou da arte

Eacute possiacutevel constatar que estas problemaacuteticas remontam agrave antiguidade grega e se

estendem por toda a histoacuteria da pintura podendo ser resumidas no embate entre realidade e

arte Neste sentido surge a necessidade de recorrer aos textos dos filoacutesofos antigos

sobretudo os de Platatildeo e Aristoacuteteles a fim de identificar a origem das questotildees descritas

acima e que ateacute hoje estatildeo no nuacutecleo da reflexatildeo sobre a arte sobretudo pictoacuterica

Uma chave para esse diaacutelogo entre o pensamento da Greacutecia antiga e o pensamento da

atualidade no campo da investigaccedilatildeo esteacutetica pode ser encontrada no pensamento de Luigi

Pareyson (1918-1991) que recorre principalmente a Aristoacuteteles para a construccedilatildeo da sua

teoria sobre arte

Portanto tendo em conta este embasamento teoacuterico a presente pesquisa revisita a

discussatildeo da intrincada relaccedilatildeo entre arte e realidade isto eacute retoma os questionamentos que

envolvem a proposiccedilatildeo de que a arte em especial a pintura eacute representaccedilatildeo embora tambeacutem

seja definida como apresentaccedilatildeo de si mesma visto que por meio das leituras dos textos de

Pareyson e em especial os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade

constata-se a reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte como realidade em si mesma ou

seja da arte e em especial da arte pictoacuterica como necessariamente invenccedilatildeo de nova

visualidade e sobretudo de nova realidade

Vale assinalar que o presente enfoque filosoacutefico sobre a arte se daacute preferencialmente

acerca do processo de elaboraccedilatildeo da obra levando em conta que na Teoria da Formatividade

Luigi Pareyson propotildee um modo de abordagem esteacutetica sob a oacutetica da produccedilatildeo artiacutestica ldquoEra

mais que tempo na arte de por a ecircnfase no fazer mais que no simplesmente contemplarrdquo 3

Embora o filoacutesofo reconheccedila e coloque em destaque a importacircncia da experiecircncia

artiacutestica para o embasamento do estudo filosoacutefico sobre a arte ele natildeo deixa de levar em conta

a necessaacuteria investigaccedilatildeo conceitual que a reflexatildeo filosoacutefica pressupotildee Desse modo o

3 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

11

proacuteprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da

Filosofia da Arte que antes de tudo eacute sobretudo Filosofia ldquoUrge pois reconhecer que a

esteacutetica eacute filosofia e somente sob a condiccedilatildeo de ser filosofia justifica a proacutepria pesquisa e

manteacutem sua autonomia []rdquo4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte eacute

[] uma anaacutelise da experiecircncia esteacutetica natildeo uma definiccedilatildeo da arte

considerada abstratamente em si mesma mas um estudo do homem

enquanto autor da arte e no ato de fazer arte Em siacutentese reflexatildeo filosoacutefica

sobre a experiecircncia esteacutetica e no intuito de problematizaacute-la no seu conjunto

de mostrar-lhe a possibilidade estabelecer-lhe o acircmbito e os limites [] 5

Nesse sentido partindo dos proacuteprios apontamentos do filoacutesofo constata-se que se faz

necessaacuterio um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiecircncia artiacutestica

incluindo a pictoacuterica Igualmente a partir das afirmaccedilotildees do proacuteprio Pareyson parece seguro

afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosoacuteficos de Platatildeo e

sobretudo de Aristoacuteteles importantes pontos de apoio e de diaacutelogo para a construccedilatildeo de seus

conceitos centrais

Portanto na primeira etapa da pesquisa propotildee-se uma demarcaccedilatildeo terminoloacutegica de

alguns pontos importantes advindos do pensamento filosoacutefico grego em especial dos textos

de Platatildeo e Aristoacuteteles que dialogam com a concepccedilatildeo particular da filosofia de Pareyson

sobretudo relacionada com a sua concepccedilatildeo de arte servindo como ponto de apoio para o

embasamento conceitual e teoacuterico da Teoria da Formatividade

O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade

relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosoacutefico de Pareyson E

novamente haacute uma delimitaccedilatildeo dos aportes que embasam a conceituaccedilatildeo pareysoniana

sobretudo os advindos de definiccedilotildees aristoteacutelicas (embora tais definiccedilotildees natildeo sejam

necessariamente relacionadas exclusivamente agraves questotildees sobre arte que o estagirita discutiu)

4 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p19 ldquoBisogna dunque ricoscere Che lrsquoestetica egrave filosofia e solo a patto drsquoesser filosofia

giustifica la proacutepria ricerca e mantiene la proacutepria autonomiardquo [] (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

5 Ibidem op cit p11 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Embasada pelas demarcaccedilotildees das definiccedilotildees conceituais elaboradas nos capiacutetulos

anteriores a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes

conceitualizaccedilotildees sobre imitaccedilatildeo intenccedilatildeo imaginaccedilatildeo bem como representaccedilatildeo no campo

da arte sobretudo da arte pictoacuterica advindas dos pensamentos de Platatildeo de Aristoacuteteles em

contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade

A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alematildeo Gerhard

Richter para investigar as relaccedilotildees do artista com a realidade enquanto imitador desta bem

como enquanto criador de uma novaoutra visualidade e realidade na contemporaneidade E

consequentemente a possibilidade da obra de arte em especial a pintura como apresentaccedilatildeo

de si mesma isto eacute como coisa entre coisas sem que isso faccedila com que a imagem deixe

tambeacutem de fazer referecircncia a um modelo Vale ressaltar que toda esta reflexatildeo traz natildeo soacute a

questatildeo da arte como imitaccedilatildeo ao mesmo tempo mas tambeacutem como coisa nova e original

Em suma este estudo discorre a respeito das problemaacuteticas especiacuteficas da arte

sobretudo da pintura na atualidade tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diaacutelogo

com os pensamentos de Platatildeo e de Aristoacuteteles Esses aportes teoacutericos visam agrave compreensatildeo

do fenocircmeno artiacutestico com ecircnfase no pictoacuterico entendendo a arte como produccedilatildeo formante

que imita e representa ao mesmo tempo em que eacute invenccedilatildeo de coisa autocircnoma Isto eacute esta

pesquisa visa investigar como o estatuto ontoloacutegico da obra de arte ou seja a dignidade de

autonomia da arte que Pareyson reivindica influencia na leitura sobre a problemaacutetica da

questatildeo da arte enquanto imitaccedilatildeo Logo a proposta eacute mostrar como o reconhecimento destas

trecircs dimensotildees inseparaacuteveis da arte enquanto produccedilatildeo imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo possibilita uma

leitura dos desdobramentos da produccedilatildeo artiacutestica pictoacuterica no seacuteculo XXI tomando como

ponto de investigaccedilatildeo especiacutefica a obra pictoacuterica de Gerhard Richter

13

CAPIacuteTULO I

Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson

A ideia de que a esteacutetica eacute uma disciplina moderna eacute pouco

mais do que um lugar comum mas que pode degenerar em um

erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como

uma fonte de inspiraccedilatildeo para o estudo da arte

Luigi Pareyson 1966 6

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo

da Teoria da Formatividade

Conforme foi exposto na Introduccedilatildeo um retorno agraves origens das definiccedilotildees e

entendimentos sobre as questotildees centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte

pictoacuterica se faz necessaacuterio para que o pensamento de Luigi Pareyson7 possa ser localizado no

campo do pensamento sobre arte Ele mesmo estabelece os limites desse diaacutelogo ao citar

frequentemente o pensamento da antiguidade grega situando-a como ponto de partida para a

conceituaccedilatildeo das problemaacuteticas artiacutesticas pertinentes ainda hoje Nas palavras dele sobre a

questatildeo das definiccedilotildees de arte

6 (Traduccedilatildeo nossa da traduccedilatildeo em espanhol) ldquoLa idea de que la esteacutetica es una disciplina moderna es poco

menos que un lugar comuacuten pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo

antiguo como fuente de inspiracioacuten para el estudio del arterdquo (PAREYSON Luigi Forma organismo y

abstraccioacuten In ______ Conversaciones de esteacutetica Trad de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

7 Italiano nasceu em 1918 faleceu em 1991 Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim e em 1943

passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim ficando na mesma instituiccedilatildeo ateacute 1988 Dirigiu a

revista de esteacutetica (Rivista di Esteacutetica) da citada instituiccedilatildeo por mais de 25 anos As primeiras interlocuccedilotildees

filosoacuteficas de Pareyson se deram com os filoacutesofos alematildees com destaque para ensaios realizados sobre as obras

de pensadores como Kant Schelling Schiller Fichte Kierkegaard e Goethe sem deixar de mencionar o

destaque ao estudo da obra de Karl Jasper Aleacutem dos alematildees ele desenvolveu importantes ensaios sobre os

pensamentos de Aristoacuteteles Vico e Valegravery Contudo ainda estabeleceu interlocuccedilotildees com pensadores

contemporacircneos a ele como Heidegger Gadamer Dewey Focillon e Gilson Ainda saindo do foco da

interlocuccedilotildees e diaacutelogos com outros filoacutesofos como siacutentese do percurso filosoacutefico de Pareyson Sarto discorre

ldquoDotado de una profunda curiosidad cientiacutefica y de una notable erudicioacuten Pareyson fue capaz de elaborar una

siacutentesis original un pensamiento que parte del existencialismo pasa por el personalismo la esteacutetica y la

hermeneacuteutica para acabar en la lsquoontologiacutea de la libertadrsquo []rdquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar

el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi PareysonPamplona EUNSA 1998 p21) Ver tambeacutem ECO

Umberto A esteacutetica da formatividade e o conceito de interpretaccedilatildeo p14-15 In _____ A definiccedilatildeo da arte

Traduccedilatildeo de Joseacute Mendes Ferreira Lisboa Ed 70 2008

14

As definiccedilotildees mais conhecidas da arte recorrentes na histoacuteria do

pensamento podem ser reduzidas a trecircs ora a arte como um fazer ora como

um conhecer ora como um exprimir [] Na Antiguidade prevaleceu a

primeira a arte foi entendida como teacutekhne como um fazer em que era

expliacutecita ou implicitamente acentuado o aspecto executivo fabril manual 8

Embora como diz Pareyson ldquoEssas diversas concepccedilotildees ora se contrapotildeem ora se

excluem umas agraves outras ora pelo contraacuterio aliam-se e se combinam de vaacuterias maneirasrdquo

(1989 p29) 9 o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas

nuances partindo da interpretaccedilatildeo das variantes dos significados dos termos teacutekhne 10 e

poiacuteesis visto que o aspecto fabril da obra de arte bem como as definiccedilotildees advindas da

filosofia grega sobretudo de alguns textos de Aristoacuteteles satildeo chaves capitais para o

entendimento da Teoria da Formatividade11

do filoacutesofo de Turim

8 PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes1989 p29 ldquoLe definizioni piugrave famose dellrsquoarte si possono ridurre a tre ricorrenti nella storia

de pensiero lrsquoarte egrave concepita ora come un fare ora come un conoscere ora come un esprimere

[]Nellrsquoantichitagrave prevalse la prima lrsquoarte fu intesa come τέχνη come un fare in cui era esplicitamente o

implicitamente accentuato lrsquoaspetto esecutivo fabrile manuale[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

9 Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes1989 p29 ldquoQueste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro ora invece si

alleano e si combinano variamente ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dellrsquoarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p229)

10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos Os paracircmetros para a

transliteraccedilatildeo do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY Ivan

Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Cf Op cit p 5 a

8) Esses paracircmetros soacute natildeo foram usados nas citaccedilotildees onde os autores optaram por paracircmetros diversos dos

seguidos por Gobry nesses casos a grafia do texto original citado foi mantida

11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiograacutefico estudos e comentaacuterios sobre as obras

e outros filoacutesofos ateacute textos teoacutericos autocircnomos como os dois livros especiacuteficos de Esteacutetica que serviram como

base central para a presente dissertaccedilatildeo isto eacute Estetica Teoria della formativitagrave publicado pela primeira vez em

1954 e traduzido para o portuguecircs em 1993 e ainda o livro I problemi dellestetica com a primeira ediccedilatildeo

italiana de 1966 e publicado no Brasil em 1984 Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais

significativas estatildeo dispostas por ordem cronoloacutegica a partir da primeira publicaccedilatildeo em italiano de cada obra La

filosofia dellesistenza e Karl Jaspers (1939) Studi sullesistenzialismo (1943) Corso di estetica (1946) Etica

ed estetica in Schiller (1949) Lestetica di Kant (1949) Etica ed estetica in Schiller (1949) Fichte Il sistema

della libertagrave (1950) Esistenza e persona (1950) Esistenza e persona (1950) Lestetica di Fichte (1950)

Lestetica dellidealismo tedesco (1950) Unitaacute della Filosofia (1952) Estetica Teoria della formativitagrave (1954)

Teoria dellarte (1965) I problemi dellestetica(1966) Conversazioni di estetica (1966) Il pensiero etico di

Dostoevskij (1967) Veritagrave e interpretazione (1971) Lesperienza artistica (1974) Schelling(1975) Rettifiche

sullrsquoesistenzialismo (1975) Dostoevskij filosofia romanzo ed esperienza religiosa (1976) LacuteEacutetica e esteacutetica

em Schiller (1983) Filosofia della libertagrave (1989) Ontologia della libertagrave Il male e la sofferenza (1995 -

poacutestuma) entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais Atualmente sob a rubrica de Opere

completerdquo os livros de Pareyson estatildeo sendo republicados pelo Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi

15

As diferentes acepccedilotildees utilizadas para as palavras teacutekhne e poiacuteesis satildeo por si soacute um

empecilho para a leitura atenta dos diversos textos natildeo soacute de Platatildeo e Aristoacuteteles mas

tambeacutem dos textos de outros autores antigos As dificuldades iniciam sobretudo no

entendimento de como esses autores pensavam as vaacuterias dimensotildees da atividade artiacutestica da

produccedilatildeo agrave fruiccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuteria uma breve demarcaccedilatildeo terminoloacutegica a fim de

evitarmos imprecisotildees jaacute que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte

A palavra teacutekhne eacute comumente natildeo traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje

Mas quando o eacute eacute usualmente traduzida por arte para o portuguecircs Como em portuguecircs a

palavra que utilizamos eacute de origem latina [ars ou artis] e natildeo existe nenhuma palavra em

grego que abarque todos os complexos significados e delimitaccedilotildees que o vocaacutebulo foi

ganhando no decorrer dos seacuteculos muitos textos atuais acabam por aceitar que teacutekhne

signifique simplesmente arte

Entretanto a acepccedilatildeo da palavra ldquoarterdquo que um grande grupo de pessoas tem em mente

atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade expressividade e

beleza Notadamente porque a definiccedilatildeo de arte acrescida das noccedilotildees de subjetividade

expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerccedilado na tradiccedilatildeo do pensamento

sobre arte que se cristalizou a partir do seacuteculo XVIII nos meios que de modo geral se

identificam pelo pensamento idealista e romacircntico Ideias que natildeo estariam inteiramente

presentes nas acepccedilotildees gregas de teacutekhne e que natildeo correspondem mais a grande parte das

concepccedilotildees de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje e sobretudo natildeo vatildeo de

encontro com o que Pareyson propotildee para a Teoria da Formatividade O filoacutesofo italiano faz

esta distinccedilatildeo pontualmente ldquoDe um lado a arte como teacutekhne saber fazer perfeiccedilatildeo formal

de outro a arte como inspiraccedilatildeo e paixatildeordquo 12

Pareyson da Universidade de Turim Por isso muitos tiacutetulos originais bem como a organizaccedilatildeo interna dos

textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem Cf em RAVERA Marco Premessa del Curatore

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p5-9 (Centro

Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 10)

11

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p71 ldquoDa un lato lrsquoarte come τέχνη saper fare perfezione formale dallrsquoaltro lrsquoarte come inspirazione e

passionerdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p266)

16

Portanto Pareyson chama a atenccedilatildeo sobre a importacircncia de se pensar a arte como

saber-fazer [teacutekhne] concepccedilatildeo natildeo soacute presentes nos pensamentos de ambos os filoacutesofos

gregos supracitados mas central nos textos da Greacutecia Antiga em geral Parece claro que o

professor de Turim o faz no intuito de retomar as definiccedilotildees primeiras de arte como fica

evidente na introduccedilatildeo do livro Esteacutetica Teoria da Formatividade quando ele expotildee que

quer ldquo[] entrar imediatamente no tema propondo ao inveacutes dos princiacutepios croceanos13

da

intuiccedilatildeo e da expressatildeo uma esteacutetica da produccedilatildeo e da formatividaderdquo 14

Por isso um olhar mais proacuteximo das especificidades dos diversos significados dos

termos gregos presentes nos textos antigos e repetidos nos textos atuais pretende ajudar a

desfazer as imprecisotildees que ocorrem por falta de uma distinccedilatildeo criteriosa que respeite as

variaccedilotildees conceituais de cada eacutepoca

Em suma nem para Platatildeo tatildeo pouco para Aristoacuteteles teacutekhne e poiacuteesis tecircm um

significado particular e sobretudo natildeo coincidem com as acepccedilotildees de arte que costumamos

utilizar no portuguecircs corrente Contudo Pareyson resgata uma seacuterie desses sentidos presentes

nos textos dos filoacutesofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua esteacutetica Nesse

intuito foram elencados os principais sentidos de teacutekhne poiacuteesis e outros termos e conceitos

correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega com ecircnfase nos

pensamentos de Platatildeo e Aristoacuteteles Assim como algumas definiccedilotildees relevantes de ars

advindas da tradiccedilatildeo latina mereceram atenccedilatildeo

No entanto a proposta desta revisatildeo terminoloacutegica natildeo eacute de fazer uma extensa revisatildeo

histoacuterica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte de Platatildeo agrave Pareyson Foram

destacados sobretudo aqueles significados e pontos de conjunccedilatildeo das acepccedilotildees

13

Referente agraves ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli 1866 - Naacutepoles 1952) filoacutesofo italiano amplamente

influente na Itaacutelia na eacutepoca de Pareyson Croce com uma esteacutetica baseada em aportes teoacutericos sobretudo

advindos do idealismo romacircntico foi um importante contraponto no discurso esteacutetico pareysoniano entretanto

nota-se que Pareyson faz menccedilatildeo agraves ideias crocianas na maioria das vezes para marcar as diferenccedilas entre estas

e a Teoria da Formatividade pontuando a necessidade de uma revisatildeo na reflexatildeo filosoacutefica sobre arte

Portanto embora Croce seja por uns apontado como o contraponto principal de Pareyson pautados

provavelmente nas inuacutemeras menccedilotildees a Croce recorrentes no textos de Pareyson todavia em geral estas

menccedilotildees satildeo com o intuito de criacutetica e oposiccedilatildeo

14

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

17

terminoloacutegicas relacionados agraves problemaacuteticas contidas na Teoria da Formatividade e que se

encontram em alguns outros pensadores sobretudo Platatildeo e Aristoacuteteles

Antes de analisar algumas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis separadamente vale lembrar

que tanto Platatildeo quanto Aristoacuteteles cotejam as diferentes modalidades de arte tais como a

pintura a poesia o teatro escultura utilizando paracircmetros e definiccedilotildees gerais que abrigam

qualquer linguagem artiacutestica Isso permite que as definiccedilotildees cunhadas por Platatildeo e Aristoacuteteles

sejam natildeo apenas aplicadas agrave atividade teatral e agrave poesia textual em si mas que se estendam agrave

produccedilatildeo da obra de arte de maneira geral incluindo a da pintura e assim por diante

Por exemplo apesar de um diaacutelogo como o Iacuteon de Platatildeo ter como foco principal a

apresentaccedilatildeo de poesia homeacuterica orquestrada por um rapsodo15

Soacutecrates - enquanto um dos

personagens do diaacutelogo - relaciona as atividades de Homero e de Iacuteon agraves do pintor e do

escultor Como quando Soacutecrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu

argumento sobre o pouco alcance do ldquoconhecimento teacutecnico- racionalrdquo de Iacuteon que soacute fala de

Homero e natildeo de todos os poetas (532 d ndash 533 a)16

Tambeacutem assim como na Repuacuteblica

Platatildeo ao discorrer sobre a distacircncia que a poesia traacutegica estaacute para com a verdade ie trecircs

15

Espeacutecie de cantor-ator ou declamador profissional que ornado com belas vestes e segurando um bastatildeo o

raacutebdos daiacute o nome rapsodo recita a poesia de outros poetas No caso de Iacuteon ele eacute um especialista em Homero

Iacuteon natildeo soacute recita mas explica o conteuacutedo da poesia a interpreta acumulando portanto a accedilatildeo de artista e de

uma espeacutecie de criacutetico- professor de arte A sua especialidade em recitar somente Homero eacute um dos argumentos

usados por Soacutecrates para desmerecer um suposto conhecimento teacutecnico adquirido por Iacuteon para exercer o seu

ofiacutecio Cf PLATAtildeO Iacuteon 530c

16

PLATAtildeO Iacuteon 532 d- 533a ldquo- Soacutec []Partamos desse raciociacutenio existe uma arte pictoacuterica que eacute um

conjunto - Iacuteon Sim - Soacutec Portanto tambeacutem na pintura haacute e houve muitos pintores bons e muitos mediacuteocres

- Iacuteon Perfeitamente - Soacutec Entatildeo jaacute viste algueacutem que eacute capaz de discorrer sobre Polignoto filho de

Aglaofonte demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que natildeo desenha e seja incapaz de

fazer o mesmo sobre os outros pintores E quando algueacutem aponta para as obras dos outros pintores ele

adormece fica embaraccedilado e natildeo tem o que se conjecturar mas quando eacute sobre Polignoto ou algum outro que

queiras havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos desperta e presta

atenccedilatildeo e bem transita no que diz- Iacuteon Natildeo por Zeus certamente natildeordquo (Traduccedilatildeo de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Pocket 2007)

[532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως

ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν Πῶς τοῦτο λέγω δέῃ τί μου ἀκοῦσαι ὦ Ἴων ΙΩΝΝαὶ μὰ τὸν Δία ὦ Σώκρατες

ἔγωγε χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν ΣΩΚΡΑΤΗΣΒουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν ὦ Ἴων ἀλλὰ σοφοὶ

μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ

λέγω [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε θέασαι ὡς φαῦλον καὶ

ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ

Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον ΙΩΝΝαίΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ

καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι ΙΩΝΠάνυ γε ΣΩΚΡΑΤΗΣἬδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν

Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων

[533a] ἀδύνατος Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ

ἔχει ὅτι συμβάληται ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ

ἀποφήνασθαι γνώμην ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ ΙΩΝΟὐ μὰ τὸν Δία οὐ δῆτα

18

vezes distante desta ele afirma que tambeacutem a pintura eacute uma imitaccedilatildeo trecircs graus distante da

verdade (Livro X 597 d) 17

Aristoacuteteles igualmente recorre agrave pintura para tratar de questotildees de poesia como na

passagem do Capiacutetulo VI da Poeacutetica quando ele coteja a construccedilatildeo e especificidades da

trageacutedia com a pintura da eacutepoca citando Zecircuxis e Polignoto (1450a 22 -30) 18

Mais adiante

a comparaccedilatildeo entre poesia traacutegica e pintura se repete

[] o mito eacute o princiacutepio e como que a alma da trageacutedia soacute depois vecircm os

caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se algueacutem aplicasse

confusamente as mais belas cores a sua obra natildeo nos comprazeria tanto

como se apenas houvesse esboccedilado uma figura em branco (Ibidem 1450b

1-5) 19

Portanto eacute a partir do paracircmetro de que tanto Platatildeo como Aristoacuteteles usavam a

pintura e a escultura para falar de teatro eou poesia e vice e versa sem discriminar

inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artiacutestica que as referecircncias e

interpretaccedilotildees dos conceitos correlatos agraves questotildees da arte utilizados e cunhados por eles seratildeo

analisadas neste presente estudo

17

ldquoSoacutec Ora exatamente como ele (pintor) encontra-se o poeta traacutegico por estar como imitador trecircs degraus

abaixo do rei da verdade o que aliaacutes se daacute com todos os imitadoresrdquo (PLATAtildeO Repuacuteblica Trad de Carlos

Alberto Nunes 3ordf Ed Beleacutem EDUFPA 2000)

Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ

κλινοποιός τις μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν

18

ldquoSem accedilatildeo natildeo poderia haver trageacutedia mas poderia havecirc-la sem caracteres As trageacutedias da maior parte dos

modernos natildeo tecircm caracteres e em geral haacute muitos poetas desta espeacutecie Tambeacutem entre os pintores assim eacute

Zecircuxis comparado com Polignoto porque Polignoto eacute excelente pintor de caracteres e a pintura de Zecircuxis natildeo

apresenta caraacuteter nenhumrdquo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973 p 448)

Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄνmiddot αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων

ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον

πέπονθενmiddot ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος

19

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p 449

[1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας

εἰκόνα)middot ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων Τρίτον δὲ ἡ διάνοιαmiddot τοῦτο δέ [5]

ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον

ἐστίνmiddot οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ

δηλοῖ τὴν προαίρεσιν ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει]

19

12 Teacutekhne como saber-fazer

Notadamente para Platatildeo em muitos de seus diaacutelogos teacutekhne tem um sentido mais

amplo e por vezes ateacute antagocircnico para com algumas definiccedilotildees de arte atuais A primeira

diferenccedila significativa entre teacutekhne e arte eacute a distinccedilatildeo que fazemos atualmente entre arte e

teacutecnica de onde podem surgir vaacuterias possiacuteveis interpretaccedilotildees errocircneas Como lembra

Pareyson ldquo[] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinccedilatildeo entre a arte

propriamente dita e o ofiacutecio ou a teacutecnica do artesatildeordquo 20

Para o disciacutepulo de Soacutecrates teacutekhne costumar ter um sentido de teacutecnica na acepccedilatildeo

simples do termo ou seja habilidade no fazer destreza na profissatildeo E ainda pode ser

considerada como sinocircnimo de ciecircncia e sobretudo abarca todo tipo de atividade humana21

Assim como Platatildeo Aristoacuteteles frequentemente usa a palavra teacutekhne no sentido amplo

do saber-fazer E tambeacutem em ambos os pensadores teacutekhne eacute por vezes encontrada como

sinocircnimo ou em paralelo agrave ciecircncia [episteacuteme]22

Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato

e primaacuterio do termo isto eacute todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do

universal23

Como explica Giovanni Reali nos comentaacuterios de sua traduccedilatildeo da Metafiacutesica de

Aristoacuteteles ldquo[] ldquoArterdquo [teacutekhne] eacute algo muito proacuteximo da ciecircncia enquanto implica

20

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p29 ldquo[]ma il pensiero antico poco si preoccupograve di teorizzare la distinzione fra lrsquoarte

propriamente detta e il mestiere o la teacutecnica dellartigiano[]rdquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

21

Platatildeo natildeo utiliza o termo teacutekhne de maneira uniforme em seus diaacutelogos Entretanto eacute possiacutevel afirmar que

diante de variadas acepccedilotildees persiste ao menos um aspecto semacircntico comum correspondente ao entendimento

de que teacutekhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza como por exemplo

no diaacutelogo Iacuteon (538-541) onde Soacutecrates discorre sobre vaacuterias atividades que precisam da teacutekhne para serem

ldquobem executadasrdquo como as do general do barqueiro do navegador da fiandeira do meacutedico e tambeacutem da

atividade dele mesmo Sobre as variantes do sentido de tegravekhne nos diversos diaacutelogos de Platatildeo ver tambeacutem em

BRISSON L PRADEAU J-F Vocabulaacuterio de Platatildeo Trad de Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins

Fontes 2010 p 70 -71

22

Cf PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes

2010 (verbete ltciecircncia ndash episteacutemegt p 21- 22) e GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad

Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Verbete ltteacutekhnegt p 142-143)

23ldquoO termoldquoepistecircmerdquo pode ser entendido em dois sentidos Haacute um estrito de ldquoepistecircmerdquo definido nos Segundos

analiacuteticos uma disciplina particular confinada por um gecircnero particular a respeito do qual prova por

demonstraccedilotildees seus atributos per se [] Pode-se entender ldquoepistecircmerdquo em sentido mais lato como ato

cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa por exemplo como conhecimento de uma

determinada conclusatildeo []rdquo(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio

traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 234-235)

20

justamente conhecimento dos universais Na linguagem moderna a palavra ldquoarterdquo natildeo tem

mais o antigo sentido e portanto existe o risco de equiacutevocos []rdquo 24

Portanto a teacutekhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposiccedilatildeo agrave

natureza agrave irracionalidade e ao acaso como por exemplo no sentido explicitado neste trecho

da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles ldquoNatildeo obstante hatildeo de concordar que o homem que

deseja tornar-se mestre numa arte [teacutekhne] ou ciecircncia deve buscar o universal e procurar

conhececirc-lo tatildeo bem quanto possiacutevel []rdquo (X 1180b 20) 25

Todavia nem sempre Aristoacuteteles entende teacutekhne e ciecircncia como sinocircnimas como

quando ele faz distinccedilotildees importantes entre teacutekhne praacutexis e theoria distinccedilotildees que seratildeo

comentadas mais adiante26

Portanto a traduccedilatildeo simplificada de teacutekhne como arte no que diz respeito aos textos

que tratam da arte no seu sentido estrito pode natildeo ser a melhor escolha Muitas vezes a

melhor escolha poderia ser a palavra teacutecnica no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer

ou ateacute mesmo ciecircncia no sentido do saber racional e verdadeiro Esse cuidado na traduccedilatildeo eacute

particularmente importante especialmente nos casos dos textos sobre arte para que teacutekhne

natildeo se confunda com os diversos conceitos que a palavra ldquoarterdquo abarca nos dias de hoje

Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questatildeo nos comentaacuterios da sua traduccedilatildeo da

Fiacutesica I-II de Aristoacuteteles

[] outra traduccedilatildeo para technecirc eacute ldquoarterdquo Em Eacutetica a Nicocircmaco 1140 a 10 a

technecirc eacute definida como ldquohabilitaccedilatildeo (ou disposiccedilatildeo) produtiva com discurso

verdadeirordquo (hexis meta logou alecircthou poiecirctikecirc) Trata-se da capacidade de

produzir de modo racional ldquoalguma coisa que admite ser e natildeo serrdquo (algo

24

REALI Comentaacuterios e notas (Metafiacutesica 981 a 7-12) In ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Vol III traduccedilatildeo de

Giovanni Reali e Trad de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ed Loyola 2002 p 8-9

25

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W

D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo V IV) p 434

(20) ἐπαρκέσαι Οὐδὲν δ ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου

βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ αἱ ἐπιστῆμαι Τάχα δὲ

καὶ τῷ βουλομένῳ δι ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν εἴτε πολλοὺς εἴτ ὀλίγους νομοθετικῷ πειρατέον (25)

γενέσθαι εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ ἄν

26

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 (verbete episteacuteme p56-57)

21

contingente) ldquoe cujo princiacutepio estaacute no produtor natildeo naquilo que se produzrdquo

(1140 a 12-4) Em expressotildees como ldquoa arte da medicinardquo ldquoa arte do

timoneirordquo etc temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristoacuteteles

Mas quando o termo ldquotechnecircrdquo eacute usado sem complementos parece-nos mais

adequado vertecirc-lo por ldquoteacutecnicardquo [] 27

Veremos no decorrer deste capiacutetulo como essa acepccedilatildeo de teacutekhne como ldquosaber-fazerrdquo

utilizada tanto por Platatildeo como por Aristoacuteteles e acrescida de todas as nuanccedilas que dela

derivam serviu como paracircmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia

A noccedilatildeo de teacutekhne como fruto da experiecircncia eacute outro aspecto da definiccedilatildeo de teacutekhne que

ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos

meandros do processo artiacutestico que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte

Tambeacutem como Platatildeo Aristoacuteteles identifica a experiecircncia como origem da teacutekhne

Mas enquanto Platatildeo opotildee ciecircncia [episteacuteme] e experiecircncia [emperiacutea] sobretudo por

desacreditaacute-la como meio de obter conhecimento Aristoacuteteles situa a experiecircncia como

conhecimento individual que precisa da teacutekhne e da episteacuteme para tornaacute-la universal28

Nesses

trechos da Metafiacutesica Aristoacuteteles explica como se daacute o conhecimento da teacutekhne a partir da

experiecircncia

A experiecircncia parece um pouco semelhante agrave ciecircncia e agrave arte A experiecircncia

como diz Polo produz a arte enquanto a inexperiecircncia produz o acaso A

arte se produz quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia forma-se um

27

ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p363

28ldquoTal como foi definida em Aristoacuteteles (Eth Nich VI 1140a) a teacutekhne eacute uma caracteriacutestica (hexis) mais

dirigida agrave produccedilatildeo (poietike) do que agrave accedilatildeo (praktike) Emerge da experiecircncia (empeiria) de casos individuais

e passa da experiecircncia agrave teacutekhne quando as experiecircncias individuais satildeo generalizadas num conhecimento de

causas[]rdquo(ltverbete teacutechnegravegt) (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz

Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 225- 226)

22

juiacutezo geral e uacutenico passiacutevel de ser referido a todos os casos semelhantes (A

981a) 29

Ou seja as teacutekhnai como explica Aristoacuteteles estatildeo no campo do saber-fazer teacutecnico

habilidades do fazer adquiridas atraveacutes da sensaccedilatildeo [aiacutesthesis] e da experiecircncia [emperiacutea] 30

podendo ser ensinadas e possibilitando a produccedilatildeo humana das coisas no mundo atraveacutes da

competecircncia adquirida

Esta eacute outra distinccedilatildeo fundamental que estaacute presente na base do entendimento dos

mecanismos da arte que Pareyson propocircs estudar Ou seja diferente dos pensadores gregos

para o filoacutesofo italiano o saber-fazer e sobretudo o artiacutestico eacute adquirido num fazer

inventivo e simultacircneo agrave produccedilatildeo da obra Como Pareyson define

A arte eacute uma atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo [invenzione] procedem

pari passu inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de

um valor original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo

encontra-se a regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem

eacute pensaacutevel projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou

cantando eacute que eacute encontrada e eacute concebida e eacute inventada 31

Esta eacute uma das especificaccedilotildees fundamentais da fabricaccedilatildeo da arte sob a oacutetica da Teoria

da Formatividade ou seja a teacutecnica da arte estaacute constantemente em processo de se reinventar

No entanto apesar de Pareyson indicar no nuacutecleo da Teoria da Formatividade que na arte o

saber eacute adquiro no momento de fazer natildeo depois nem mesmo antes ldquoEla (arte) eacute um tal

29

Aristoacuteteles Metafiacutesica Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo

Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p3 Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία

ἀποβαίνει δ ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν ὡς φησὶ

Πῶλος ἡ [5] δ ἀπειρία τύχην Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου

γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις

30

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 p53 e p143

31

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoLarte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo

simultanee e inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si

concepisce eseguendo si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave

finita neacute egrave pensabile di progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si

concepisce e la sinventardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p232)

23

fazer que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazerrdquo32

Ele esclarece que esse

fazer que inventa o modo de fazer natildeo eacute um mero acaso ou seja a experiecircncia adquirida

participa e ajuda a ldquoorganizarrdquo o aparente caos do fazer artiacutestico Nas palavras dele

Tudo isto eacute contraacuterio agrave experiecircncia dos artistas os quais embora arrastados

pelo estro de veia faacutecil e abundante conhecem todavia o inflexiacutevel rigor e a

severa legalidade que preside ao ecircxito das suas obras e natildeo estatildeo facilmente

dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma

espontaneidade cega e incontrolada 33

14 Teacutekhne e inspiraccedilatildeo

Nesse sentido outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de

teacutekhne sobretudo em Platatildeo pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diaacutelogos do

disciacutepulo de Soacutecrates Iacuteon

Nesse diaacutelogo Soacutecrates afirma que o poeta natildeo tem arte [teacutekhne] transformando a fala

do filoacutesofo em algo estranho para natildeo dizer contraditoacuterio aos leitores desavisados de hoje

Ou seja Soacutecrates diz que o artista natildeo tem o conhecimento de uma arte [teacutekhne] faz o que faz

por meio de uma forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] 34

e eacute essa forccedila que lhe daacute a habilidade de

recitar Homero e encantar o puacuteblico e natildeo um saber fazer adquirido racionalmente Segundo

este texto35

o rapsodo estaacute fora de si no momento da produccedilatildeo [poiacuteesis] ou seja estaacute

possuiacutedo pela Musa daiacute o caraacuteter irracional da arte que eacute apontado no diaacutelogo sobre a Iliacuteada

32

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32 ldquo[]essa (Larte) un tal fare che mentre fa inventa il da farsi e il modo di farerdquo

(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

33

Ibidem op cit p138 ldquoTutto ciograve egrave contrario allesperienza degli artisti i quali per quanto trascinati

dallestro e di vena facile e abbondante conoscono tuttavia linflessibile rigore e la severa legalitagrave che presiede

alla riuscita delle loro opere e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato

duna spontaneitagrave cieca e incontrollatardquo (Ibidem op cit p324)

34

Cf PLATAtildeO Iacuteon 533 d- 534

35

Ibidem 532c Soacutec Natildeo eacute difiacutecil imaginar isso companheiro mas a todos eacute evidente que com teacutecnica e

ciecircncia eacutes incapaz de falar sobre Homero Pois se tu fosses capaz de falar por teacutecnica serias capaz de falar

tambeacutem de todos os outros poetas pois que haacute uma arte poeacutetica como um todo natildeo haacuterdquo (Traduccedilatildeo de Andreacute

Malta Porto Alegre LampPM Pocket 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι ὦ ἑταῖρε ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diaacutelogo que o assunto da inspiraccedilatildeo no artista eacute mencionado eacute o Fedro36

aqui a

ideia de inspiraccedilatildeo eacute examinada sob a oacutetica da loucura divina isto eacute do deliacuterio [maniacutea]

Portanto a partir dessas leituras entende-se que a concepccedilatildeo platocircnica de teacutekhne pode

ser entendida em alguns momentos como antagocircnica agrave produccedilatildeo artiacutestica tais como a

pintura poesia e muacutesica Essas atividades teriam a inspiraccedilatildeo [enthousiasmos] na forma de

forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] como propulsoras da produccedilatildeo [poiacuteesis] da obra Uma inspiraccedilatildeo

que se configura como uma espeacutecie de loucura poreacutem de ordem divina e portanto beneacutefica

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα καὶ περὶ τῶν ἄλλων

ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ ἂν ἦσθα ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον Ἢ οὔ

Noutro trecho Iacuteon 542 a-b ldquoSoacutec []Assim se vocecirc natildeo possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco)

depois de me prometer uma demonstraccedilatildeo sobre Homero fica agora me enganando vocecirc faz mal mas se vocecirc

natildeo possui arte e por porccedilatildeo divina estando tomado por Homero e nada sabendo diz muitas e belas coisas

sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito) vocecirc natildeo faz nada de mal Escolha entatildeo como vocecirc prefere

ser considerado por noacutes homem malfeitor ou divino - Iacuteon Haacute muita diferenccedila Soacutecrates Pois eacute mais belo ser

considerado divino- Soacutec para noacutes entatildeo algo mais belo lhe pertence Iacuteon ser divino e de Homero um louvador

sem arte]rdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ[]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με

ἄδικος εἶ εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ

τοῦ ποιητοῦ ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ οὐδὲν ἀδικεῖς Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος

ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος [542b] ΙΩΝ Πολὺ διαφέρει ὦ Σώκρατες πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι

ΣΩΚΡΑΤΗΣΤοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ ἡμῖν ὦ Ἴων θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου

ἐπαινέτην

36

Idem Fedro 244 a ldquoSoacutecrates [] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal mas na verdade

poreacutem obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses []rdquo (Traduccedilatildeo de Jorge Paleikat Rio de

Janeiro Porto Alegre Ed Globo s data)

Σωκράτης []Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι καλῶς ἂν ἐλέγετο νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν

ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης []

Ainda noutro trecho Ibidem 244d ndash 245a ldquoSoacutecrates [] Haacute ainda uma terceira espeacutecie de deliacuterio eacute

aquele inspirado pelas Musas Quando ele atinge uma alma virgem e pura transporta-a para um mundo novo e

inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos agraves novas

geraccedilotildeesrdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

Σωκράτης[] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν

γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ

λατρείας ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα

καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη

E mais no diaacutelogo Fedro 265 ldquoSoacutecrates Em seguida classificamos o deliacuterio divino em quatro espeacutecies

um era o sopro profeacutetico de Apolo outro a inspiraccedilatildeo miacutestica de Dioniacutesio o terceiro o deliacuterio poeacutetico

inspirado pelas Musas e finalmente a quarta espeacutecie de deliacuterio devia-se agrave influecircncia de Afrodite e de Eros

Afirmamos que o deliacuterio causado pelo amor eacute o melhor de todos Natildeo soacute como noacutes que tambeacutem somos atingidos

pelo sopro do deus do amor afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual natildeo faltava

sentido - pudemos compor um hino mitoloacutegico ao amor o deus dos jovens o teu o meu deusrdquo (Traduccedilatildeo

Ibidem) Σωκράτης Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος

θέντες Διονύσου δὲ τελεστικήν Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος ἐρωτικὴν

μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος

ἐφαπτόμενοι τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον μυθικόν τινα

ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα ὦ Φαῖδρε καλῶν παίδων

ἔφορον

25

Isto eacute o seu caraacuteter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade distanciando

ainda mais o saber artiacutestico do cientiacutefico que eacute racional e controlado pelo homem proacuteprios

daqueles que possuem um saber-fazer uma teacutekhne Conclui-se entatildeo que Platatildeo opotildee arte

[teacutekhne] e inspiraccedilatildeo A teacutekhne sendo proacutepria das ciecircncias incluindo a sua atividade de

filoacutesofo e a inspiraccedilatildeo como proacutepria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral

incluindo a atividade do pintor

O entendimento do descontrole humano no fazer artiacutestico que eacute visto em alguns

diaacutelogos platocircnicos como conflitante e oposto agrave racionalidade advinda da teacutekhne entendida

nesse contexto como saber-fazer racional por vezes sobrecai no estudo do fazer artiacutestico

velando o olhar agraves zonas intermediaacuterias do fazer da obra de arte Lugar onde eacute possiacutevel

encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente

Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte eacute fundamental para que se

possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propotildee ele natildeo usa a palavra

irracional propriamente dita nem mesmo inspiraccedilatildeo para falar do processo de produccedilatildeo da

obra de arte Mas tampouco situa o processo artiacutestico como um saber-fazer totalmente

controlado e sabido previamente e completamente racional Sobre os meandros do processo

artiacutestico Pareyson explica

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma37

37

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

26

Seguindo esse raciociacutenio natildeo seria absurdo relacionar esta obediecircncia agrave obra de arte que

Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricaccedilatildeo artiacutestico a uma forccedila externa agrave

vontade do artista presente no fazer artiacutestico que tantos pensadores entre eles e pioneiramente

Platatildeo identificam Nas palavras de Pareyson ldquoEis aiacute o misteacuterio da arte a obra de arte se faz

por si mesma e no entanto eacute o artista que a fazrdquo38

Portanto aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma soluccedilatildeo entre as duas visotildees

divergentes dos dois filoacutesofos gregos ele traz a ideia que na arte o saber-fazer eacute adquirido no

momento do fazer por um inventar que segue a dinacircmica da proacutepria obra formante Isto eacute

para Pareyson o processo artiacutestico natildeo eacute completamente premeditado e controlado como

fruto de uma experiecircncia preacutevia que foi racionalizada como Aristoacuteteles descreve tampouco eacute

fruto de uma forccedila divina incontrolada pelo artista como se vecirc em alguns diaacutelogos de Platatildeo

Em suma se por um lado Aristoacuteteles entende as artes como racionais e passiacuteveis de

serem aprendidas atraveacutes da racionalizaccedilatildeo da experiecircncia por outro lado Platatildeo identifica as

artes como inspiradas e portanto traz a ideia de que a arte natildeo pode ser aprendida e nem

sequer ser produzida por meios racionais pois natildeo haveria esse sentido especiacutefico de teacutekhne

presente na atividade do artista

Esse entendimento de Platatildeo ajuda a explicar porque o fundador da Academia natildeo

costuma incluir as atividades do poeta do pintor e de outros artistas como similares agraves teacutekhnai

em geral como seraacute mostrado a seguir

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della crealivitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p329)

38

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p78 ldquoCheacute questo egrave il grande misterio dellrsquoarte lrsquoopera drsquoarte si fa da seacute eppure la fa lrsquoartistardquo (Idem Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p61)

27

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai

Outro ponto de divergecircncia entre Aristoacuteteles e seu predecessor a respeito dos conceitos

correlatos a teacutekhne eacute como foi sugerido acima a relaccedilatildeo das artes com outras teacutecnicas

humanas ou melhor outras atividades tecnoloacutegicas humanas Diferente de Platatildeo Aristoacuteteles

frequentemente inclui as atividades artiacutesticas como uma das teacutekhnai39

Isto eacute o estagirita

entende a atividade artiacutestica paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e

saberes humanos de forma anaacuteloga

O fato de Aristoacuteteles ter escrito a Poeacutetica texto dedicado a discorrer exclusivamente

sobre as questotildees concernentes agrave ldquopoietikeacute teacutekhnerdquo - expressatildeo que neste contexto pode ser

definida por ldquoarte poeacuteticardquo mesmo de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si soacute

que ele incluiu as artes (na acepccedilatildeo que entendemos hoje) no acircmbito do conjunto das teacutekhnai

E natildeo como Platatildeo normalmente indicava em oposiccedilatildeo para com as atividades racionais que

satildeo acompanhadas de conhecimentos teacutecnicos tal como a atividade do meacutedico ou do

marceneiro

Ou seja tal como foi mostrado no item anterior pode-se supor que Platatildeo costumava

isolar as artes tal como as entendemos hoje ie a pintura escultura teatro muacutesica situando-

as separadas das atividades racionais e teacutecnicas atividades estas que em vaacuterios de seus

diaacutelogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas enfatizando assim um

caraacuteter divino e irracional

Esse aspecto do conceito das teacutekhnai em Aristoacuteteles que inclui as atividades artiacutesticas

tal como as entendemos hoje no acircmbito de todas as outras atividades e saberes humanos eacute

fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson que tambeacutem natildeo separa a

atividade do artista das outras atividades humanas Diz ele que a formatividade natildeo eacute

exclusividade da arte mas sim de qualquer atividade produtiva humana ldquo[] O aspecto

39

Cf Verbete ltarte-teacutekhnegt In PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Ed Martins Fontes 2010 p11-12

28

essencial da arte eacute o produtivo realizativo executivo Mas tambeacutem aqui eacute preciso natildeo

esquecer que todas as atividades humanas tecircm um lado executivo e realizativo []rdquo 40

Esse raciociacutenio sobre a relaccedilatildeo entre arte e as outras atividades humanas embasa a

Teoria da Formatividade de forma central como fica expliacutecito nesse trecho do prefaacutecio da

ediccedilatildeo de 1988 do livro homocircnimo

O livro estuda a formatividade em todo o acircmbito da formatividade humana

indicando em cada operaccedilatildeo do homem aquele caraacuteter formativo pelo qual

ela eacute ao mesmo tempo produccedilatildeo e invenccedilatildeo no sentido esclarecido Mas

demora-se mais a considerar sobretudo que caracteriacutesticas essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido

propriamente dito 41

Ainda nas palavras dele retiradas do livro Os Problemas da Esteacutetica ldquoMas a

especificaccedilatildeo da arte natildeo deve isolaacute-la do resto ela soacute tem sentido se considerada sobre o

fundo da extensatildeo da arte sobre toda a operosidade humanardquo 42

Mais adiante ele completa

ldquoA arte verdadeira e propriamente dita natildeo teria mais lugar se toda a operosidade humana

natildeo tivesse jaacute um caraacuteter ldquoartiacutesticordquo que ela prolonga aprimora e exaltardquo 43

Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocaccedilatildeo de Pareyson natildeo eacute apenas

uma questatildeo de equivalecircncia isto eacute pensar as artes no conjunto das outras atividades sem

discriminaacute-las ou isolaacute-las como dos outros fazeres Mas eacute sobretudo uma questatildeo de natildeo

separaccedilatildeo das operosidades humanas como um todo

40

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p31 ldquo[] che laspetto essenziale dellarte egrave quello produttivo realizzativo esecutivo

Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attivitagrave umane hanno un lato esecutivo e realizzativo

[]rdquo(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p231)

41

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

42

Idem Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p37 ldquoMa la specificazione dellarte non deve isolare larte dal resto essa ha senso solo se accampata

sullo sfondo dellestensione dellarte allintera operositagrave umanardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235)

43

Ibidem op cit p38 ldquo Larte vera e propria non avrebbe mai luogo se lintera operositagrave umana non avesse

giagrave un carattere laquoartisticoraquo chessa prolunga raffina ed esaltardquo (Ibidem op cit p235)

29

Todavia esse entendimento de conexatildeo indissoluacutevel entre o saber produtivo da arte e

os outros campos dos saberes produtivos humanos natildeo desqualifica ou nivela a arte que claro

tem muitas especificidades especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de

Turim

Vale ressaltar que essa relaccedilatildeo da atividade artiacutestica para com as outras atividades

humanas eacute uma das questotildees mais complexas para se pensar sobre a arte Uma compreensatildeo

apressada sobre essa relaccedilatildeo pode acarretar distorccedilotildees sobre as reais diferenccedilas e

similaridades entre a produccedilatildeo da arte e de qualquer outra atividade como Pareyson alerta

Eis o problema das relaccedilotildees da arte com as outras atividades humanas que eacute

dos mais importantes da esteacutetica e tambeacutem dos mais complexos dada a

variedade dos liames que mais ou menos estreita a inextricavelmente

instituem-se entre as atividades do homem 44

Uma destas distinccedilotildees que natildeo se localiza no interior do processo artiacutestico

propriamente dito corresponde agrave eterna celeuma da relaccedilatildeo arte-artesanato Que por um lado

pode identificar a atividade artiacutestica como um mero fazer ldquomecacircnicordquo no sentido braccedilal

reduzindo a arte agrave mera teacutecnica sem que se verifique que arte natildeo eacute e natildeo pode ser reduzida agrave

tecnicidade da produccedilatildeo de uma obra pois eacute necessaacuterio que se leve em conta todo o processo

de elaboraccedilatildeo intelectual e imaginativa do artista

No entanto por outro lado a desvalorizaccedilatildeo do aspecto tecnicista e fabril da

elaboraccedilatildeo de uma obra de arte pode ainda enveredar para uma noccedilatildeo de arte isolada de

tudo45

localizando-a no acircmbito de um fazer inexplicaacutevel e inserida-a numa categoria do

irracional ou ateacute mesmo no campo do divino como por vezes Platatildeo o fez 46

44

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p38 ldquoEcco il problema dei rapporti dellarte con le altre attivitagrave chegrave uno dei piugrave importanti

dellestetica e anche dei piugrave complessi data la varietagrave dei legami che piugrave o meno strettamente e

inestricabilmente sistituiscono fra le attivitagrave delluomordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p236)

45

Cf Ibidem op cit p41-42

46

Cf Iacuteon e Fedro de Platatildeo

30

Ou ainda e sobretudo na contemporaneidade por parte de algumas linhas de

raciociacutenio haacute alguns que enveredaram por transformar em artiacutestica toda e qualquer atividade

como se tudo fosse embebido de arte numa tentativa de inserir a arte em tudo e

transformando todos em artistas ignorando assim as vaacuterias especificidades da atividade

artiacutestica e seus meandros Isso ateacute que pode ser beneacutefico se for feito consciente das

especificidades da operosidade artiacutestica e sua relaccedilatildeo simbioacutetica com a operosidade humana

Contudo essa problemaacutetica geralmente envereda para um esvaziamento da arte em si

e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artiacutestica pode trazer agrave

vida como se tudo fosse especial o tempo todo nesse sentido o especial da arte perde sua

razatildeo de ser Sobre esta questatildeo nas palavras de Pareyson

[] hoje natildeo faltam aqueles que reparando precisamente em como haacute um

caraacuteter artiacutestico inerente a toda e qualquer atividade humana intervindo em

qualquer lugar onde se alcance um ecircxito seja em que campo for

preocupam-se pouco depois com distinguir a arte verdadeira e propriamente

dita desta artisticidade geneacuterica Disso resulta que natildeo se garante

suficientemente a especificidade da arte e que natildeo se lhe oferece um reino

proacuteprio ainda que estreitamente unido com todo o resto (1989 p35) 47

47

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p35 ldquo[] non mancano oggi coloro che giustamente rilevando come un carattere

artistico inerisce a tutta intera lattivitagrave umana intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi

campo si preoccupano poco in seguito di distinguere da questa generica artisticitagrave larte vera e propria col

risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del arte e di non offrirle un regno proprio anche se

strettamente congiunto con tutto il restordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash

a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p233)

31

16 Teacutekhne e phyacutesis48

[natureza - entes naturais]

Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristoacuteteles define as teacutekhnai

eacute a relaccedilatildeo simeacutetrica entre estas como domiacutenio dos conhecimentos e atividades humanos e o

domiacutenio do conhecimento e atividade da phyacutesis [natureza] que serve como paradigma para a

primeira49

Esta simbioacutetica relaccedilatildeo pode ser verificada na leitura da tatildeo citada frase do filoacutesofo

grego ldquohe teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesinrdquo isto eacute [arte [teacutekhne] imita [mimeicirctai] a natureza

[phyacutesis]] (Fiacutesica II 194a) 50

nesta breve sentenccedila identifica-se os termos desta relaccedilatildeo ou

seja o entendimento de teacutekhne em Aristoacuteteles estaacute intimamente conectado com o conceito de

phyacutesis51

Relaccedilatildeo que define e fundamenta o conceito de teacutekhne [arte] como imitaccedilatildeo outra

definiccedilatildeo que eacute central no pensamento do estagirita

No entanto a definiccedilatildeo de arte como imitaccedilatildeo da natureza natildeo pode ser pensada como

mera coacutepia servil pois a relaccedilatildeo entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de

Aristoacuteteles propotildee a ideia da natureza como paradigma da teacutecnica ou seja propotildee uma

correlaccedilatildeo e um paralelismo entre teacutekhne e phyacutesis que culmina no entendimento de que as

teacutekhnai por vezes completam a natureza fazendo aquilo que ela (a natureza) natildeo faz Outro

ponto importante que esse binocircmio teacutekhnai-phyacutesis traz eacute a ideia de e que as coisas fabricadas

48

Phyacutesis no contexto da frase deve ser entendida como natureza como os ldquoentes naturaisrdquo e natildeo

necessariamente como a natureza no sentido de ldquomatildee naturezardquo Como explica Lucas Angioni ldquoAo leitor

contemporacircneo talvez seja estranho o uso que Aristoacuteteles faz do termo natureza (physis) Eacute preciso delimitar

sob qual sentido precisamente tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Fiacutesica Em Metafiacutesica V 4

Aristoacuteteles distingue vaacuterios sentidos de physis (i) physis no sentido de processo pelo qual algo nasce

(1014b 16-8 c f 193b 12-3) (ii) physis como princiacutepio de onde se daacute o movimento primeiro em cada ente

natural em si mesmo enquanto ele eacute ele mesmo (1014b 18-20 cf 192b 20-3) ( iii) physis no sentido de coisa

ou substacircncia a que atribuiacutemos propriedades (1015 11 -3 c f 193 32-3) e de modo mais geral realidade

subjacente ao discurso (cf Metafiacutesica 1003a 27 l053b 13 As partes dos animais 639a 10) Eacute raro no

vocabulaacuterio aristoteacutelico o sentido de natureza que para noacutes eacute o mais corriqueiro a matildee-natureza o

conjunto de todos os seres naturais o ambiente terrestre em seu todo enquanto conjunto de seres naturaisrdquo

(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p195) Tambeacutem cf Em PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de

Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p 46-47 e PETERS FE Termos

filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian

1977 p 189-190

49

Esta passagem que inicia o Livro II da Fiacutesica eacute bastante exclarecedora sobre como Aristoacuteteles entende os

entes naturais e a relaccedilatildeo da teacutecnica com eles Cf BITTAR Eduardo CB Curso de Filosofia Aristoteacutelica ndash

leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento aristoteacutelico Barueri Ed Manole 2003 p 382-385

50

Em grego transliterado he teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesin (ARISTOacuteTELES Fiacutesica II 2 194 a) As problemaacuteticas

concernentes agraves definiccedilotildees de miacutemesis seratildeo abordadas no capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo

51

GORBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p119

32

pela teacutekhne tecircm mecanismos anaacutelogos agraves coisas fabricadas pela natureza52

Nas palavras de

Aristoacuteteles

Em geral a teacutecnica perfaz certas coisas que a natureza eacute incapaz de elaborar

e a imita Assim se as coisas que satildeo conforme lsquoa teacutecnicarsquo satildeo em vista de

algo evidentemente tambeacutem o satildeo as coisas conforme lsquoa naturezarsquo pois os

itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira

semelhante nas coisas que resultam da teacutecnica e nas coisas que resultam da

natureza (Fiacutesica II 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita Pareyson faz uma correlaccedilatildeo entre os entes naturais e as

obras de arte esse paralelismo se configura como a base da noccedilatildeo de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo que o filoacutesofo de Turim cunha Nas palavras dele ldquoComo as coisas da natureza

assim tambeacutem as obras de arte possuem o traccedilo de serem puras existecircncias que se datildeo

inteiramente em sua presenccedila fiacutesica []rdquo 54

Tanto o destaque que Pareyson faz da relaccedilatildeo arte-natureza como as diferenccedilas e

similaridades para com a relaccedilatildeo que Aristoacuteteles faz entre teacutekhne e phyacutesis satildeo aspectos

fundamentais para entender o raciociacutenio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no

pensamento do filoacutesofo italiano que por sua vez eacute um dos pilares do conceito de arte como

ldquoformardquo

Essa questatildeo acerca do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo a partir do estudo da

filosofia aristoteacutelica seraacute amplamente estudada no capiacutetulo II desta dissertaccedilatildeo Pois embora

este tambeacutem possa ser considerado um ponto de intersecccedilatildeo entre os pensamentos de

Aristoacuteteles e Pareyson a maneira como Pareyson ldquotomardquo os conceitos aristoteacutelicos ultrapassa

52

Ver mais nos comentaacuterios de Angioni In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de

Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 214-215

53

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p58 Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι τὰ δὲ

μιμεῖται Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ

τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα

54

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquoCome le cose della natura cosigrave le opere dellarte hanno il carattere desser pure esistenze

che si danno interamente nella loro presenza fisica[]rdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

33

o sentido de diaacutelogo e de interpretaccedilatildeo se configurando mesmo como uma apropriaccedilatildeo que

Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristoteacutelica para assim construir uma das chaves

fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade isto eacute o conceito de ldquoformardquo

Outro ponto apenas esboccedilado aqui ou seja as problemaacuteticas concernentes em torno

das noccedilotildees Platocircnica e Aristoteacutelica de miacutemesis tambeacutem seratildeo esmiuccediladas mais adiante no

capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo Pois tambeacutem embora sejam intersecccedilotildees entre Platatildeo

Aristoacuteteles e Pareyson as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das

definiccedilotildees de ldquoformardquo e ldquoformatividaderdquo pareysonianas que seratildeo assunto do capiacutetulo II

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo

Poiacuteesis eacute outra palavra que natildeo corresponde nem ao ars latino muito menos aos

muitos significados de arte empregados hoje Algumas sutis poreacutem esclarecedoras diferenccedilas

valem ser ressaltadas

Tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles poiacuteesis pode ser entendida como sinocircnimo de

criaccedilatildeo fabricaccedilatildeo confecccedilatildeo fazer produccedilatildeo isto eacute a accedilatildeo de produzir alguma coisa

Contudo ambos os filoacutesofos tambeacutem utilizam a palavra poiacuteesis para se referir agrave poesia no

sentido estrito do termo Essa acepccedilatildeo corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa

ainda hoje ie poesia como a poesia mesma eg a poesia de Homero podendo ser escrita

falada cantada

Jaacute o termo utilizado por eles no sentido lato difere consideravelmente do entendimento

de poesia que muitas vezes se lecirc em textos atuais ie o sentido de poeacutetico como ldquoartiacutesticordquo

ligado agraves noccedilotildees de sensibilidade e de expressividade Pois no caso de Platatildeo e ateacute mesmo em

Aristoacuteteles poiacuteesis eacute mais utilizada no sentido de produzir mesmo o de produzir qualquer

coisa natildeo necessariamente uma obra artiacutestica ou poeacutetica (poesia mesma) e principalmente

sem o caraacuteter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente

34

Todavia eacute a ideia de poiacuteesis na acepccedilatildeo lata do termo que os gregos usualmente

utilizavam isto eacute o sentido de produccedilatildeo eacute essa acepccedilatildeo que interessa aqui no momento

como nessa passagem de Aristoacuteteles

[1140a 6] Dado que a arte de edificar eacute certa teacutecnica e precisamente certa

habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e dado que natildeo haacute teacutecnica alguma

que natildeo seja habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e natildeo haacute nenhuma

habilitaccedilatildeo [hexis] desse tipo que natildeo seja teacutecnica equivalem ao mesma

ldquoteacutecnicardquo e ldquohabilitaccedilatildeo [hexis] para produzir por raciociacutenio verdadeirordquo

[1140a10] Toda teacutecnica diz respeito ao vir a ser isto eacute a empreender e

examinar como se engendra algo que pode ser e natildeo ser e cujo princiacutepio

reside no produtor natildeo na coisa produzida [] (Eacutetica a Nicocircmaco 1140a 6-

10) 55

Entendam-se aqui as palavras teacutecnica e arte como traduccedilatildeo de teacutekhne e produzir como

traduccedilatildeo de poiacuteesis Pois parecer ser claramente essa a definiccedilatildeo de poiacuteesis anaacuteloga ao

sentido de teacutekhne que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade como

fica expliacutecito nesse trecho de seu livro homocircnimo ldquoOcioso seria insistir no evidente aspecto

realizativo executivo e ldquopoieacuteticordquo da formatividade formar significa antes de mais nada

ldquofazerrdquo poien em gregordquo56

55

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011 ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις

τις μετὰ λόγουποιητική καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν οὔτετοιαύτη ἣ οὐ

τέχνη ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ

τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι

ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ

Outra traduccedilatildeo do trecho acima disponiacutevel em portuguecircs ldquoOra como a arquitetura eacute uma arte sendo

essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que natildeo seja uma

capacidade desta espeacutecie nem capacidade desta espeacutecie que natildeo seja uma arte segue-se que a arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacuteniordquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross In ______ Os Pensadores IV- 1ordf Ed Satildeo

Paulo Ed Abril Cultural 1973 p343)

56

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p59 ldquoInutile insistire sullrsquoevidente aspetto realizativo esecutivo e poeacutetico della formativitagrave

formare significa anziutto lsquofarersquo poiecircnrdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p43)

35

18 Teacutekhne poietikoacutes

Na Metafiacutesica Aristoacuteteles divide as ciecircncias [epistecircme] 57

em trecircs grupos pratike

(praacutexis) poietike (teacutekhne poietike) e theoretike (theoria) 58

e o grupo que diz respeito agraves artes

eacute o das ldquociecircncias produtivasrdquo ou ldquoartes poeacuteticasrdquo [teacutekhnai poietikoacutes] 59

Pensadas como sinocircnimos em algumas passagens do filoacutesofo estagirita e traduzidas

como tal por alguns especialistas a relaccedilatildeo entre teacutekhne e poiacuteesis em Aristoacuteteles eacute

fundamental para a demarcaccedilatildeo e entendimento da sutil poreacutem fundamental distinccedilatildeo entre a

produccedilatildeo de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realizaccedilatildeo

da obra em si A relaccedilatildeo do saber-fazer com o fazer produtivo eacute uma das chaves para entender

como Aristoacuteteles pensava a atividade artiacutestica uma atividade que inclui um saber necessaacuterio

para a possibilidade de um fazer produtivo

Partindo do conceito duplo de teacutekhne poietikoacutes cunhado por Aristoacuteteles60

Pareyson vai

ainda mais longe para explicar a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o saber e o produzir da obra de arte

isto eacute ele traz agrave tona que o saber-fazer da arte eacute adquirido no momento do fazer propriamente

57

ldquoAristoacuteteles emprega com frequecircncia como os outros filoacutesofos e cientistas gregos os termos episteacuteme e teacutekhne

(ldquoarterdquo) como sinocircnimos Contudo a ciecircncia natildeo tem como finalidade a produccedilatildeo exceto as ldquociecircncias

poeacuteticasrdquo A ciecircncia tambeacutem se distingue da percepccedilatildeo e da experiecircncia na medida em que se move na esfera

do universalrdquo (Verbete CIEcircNCIA - episteacuteme) (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia

Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p21-23)

58ldquoAristoacuteteles distingue trecircs tipos de ciecircncia (Cf Metafiacutesica E 1) As ciecircncias teoreacuteticas ndash isto eacute contemplativas

ndash cujo objeto deve ser necessaacuterio e eterno Satildeo elas que satisfazem mais completamente as condiccedilotildees da ciecircncia

Aristoacuteteles distingue trecircs grandes teoreacuteticas cada uma das quais pode ser subdividida a matemaacutetica a fiacutesica e

a teologia Quanto agraves ciecircncias praacuteticas elas tratam do que concerne agraves accedilotildees humanas satildeo elas a eacutetica o

econocircmico e a poliacutetica que eacute na ordem praacutetica a ciecircncia suprema (cf Cidade) As ldquociecircncias poieacuteticasrdquo satildeo na

verdade artesrdquo PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 78-79

59

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica E 1 1025b 20-25 Pois bem eacute evidente que a fiacutesica natildeo eacute ciecircncia praacutetica nem

produtiva de fato o princiacutepio das produccedilotildees estaacute naquele que produz seja no intelecto seja na arte ou noutra

faculdade e o princiacutepio das accedilotildees praacuteticas estaacute no agente na voliccedilatildeo enquanto coincidem com o objeto da

accedilatildeo praacutetica e da voliccedilatildeo Portanto se todo conhecimento racional eacute ou praacutetico ou produtivo ou teoreacutetico

[]]rdquo (ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volume II Traduccedilatildeo de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de

Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p270-271 Tambeacutem ver a explicaccedilatildeo sobre trecho em

REALI Comentaacuterios In Idem Metafiacutesica - volume III traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo

Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p305) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ

στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή ἢ νοῦς

ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι ἡ προαίρεσις middot τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν)

[25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη []

60

Por exemplo como na passagem op cit da Eacutetica agrave Nicocircmaco VI 1140 a

36

dito daiacute a diferenccedila entre o saber teacutecnico da arte e o das outras atividades humanas

Entretanto isto natildeo significa que a arte natildeo prescinda de um conhecimento teacutecnico ou de

regras apenas marca que essas teacutecnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir

e natildeo previamente como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da

Esteacutetica

Analisando bem nada pode fazer-se sem regra nem mesmo uma obra de

arte o fato eacute que enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de

caraacuteter geral na arte pelo contraacuterio natildeo haacute outra lei senatildeo a regra

individual [] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de

fazer a obra natildeo elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito

severa a operaccedilatildeo artiacutestica consiste precisamente no instaurar com livre

inventividade uma necessidade feacuterrea e inviolaacutevel uma vez que a obra falha

se o artista natildeo faz o que ela proacutepria quer que ele faccedila 61

19 Poiacuteesis versus praacutexis

E por fim para Aristoacuteteles poiacuteesis62

tambeacutem ganha uma distinccedilatildeo importante com

relaccedilatildeo a outro conceito o de praacutexis63

A primeira visando agrave produccedilatildeo de uma obra - coisa e a

segunda caracterizada como a accedilatildeo propriamente dita sem resultar numa obra em si ie 61

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 130 ldquoA ben vedere nulla si puograve fare senza regola nemmeno unopera darte il fatto egrave

che mentre nelle altre attivitagrave la regola sispira a leggi di carattere generale invece nellrsquoarte non cegrave altra

legge che la regola individuale [] E il fatto che la regola sia inventata dallrsquoartista nellrsquoatto di fare lrsquoopera non

toglie che la legalitagrave dellrsquoarte sia rigorosa e severissima lrsquooperazione artistica consiste precisamente

nellinstaurare con libera inventivitagrave una necessitagrave ferrea e inviolabile giaccheacute lopera fallisce se lartista non fa

ciograve chessa stessa vuole chegli facciardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p317-318 )

62

ldquoPoiacuteesis Operaccedilatildeo fabricaccedilatildeo em oposiccedilatildeo agrave accedilatildeo imanente Aristoacuteteles mostra alternadamente a reflexatildeo

que preside agrave pracircxis e agrave poiacuteesis (Et Nic VI I 4-5) e depois insiste em marcaacute-las como duas atividades distintas

(ibid VI IV 5)rdquo (GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 2007 p119)

63

ldquoPracircxis Accedilatildeo oposta agrave atividade fabricadora (poiacuteesis) eacute assim que a moral se distingue da arte (teacutekhne)rdquo

GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p12 Embora como explica Lucas Angioni deva se tomar cuidado com esta distinccedilatildeo nas palavras de Angioni

ldquoEm Eacutetica agrave Nicomaco1140a1-6 Aristoacuteteles introduz uma distinccedilatildeo entre accedilatildeo ndash aquilo que noacutes fazemos

racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da accedilatildeo) ndash e produccedilatildeo ndash

um conjunto de operaccedilotildees racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da accedilatildeoEssa

distinccedilatildeo deve ser avaliada com ponderaccedilatildeordquo (ANGIONI Lucas Phronesis e Virtude do Caraacuteter em

Aristoacuteteles Comentaacuterios a Eacutetica a Nicocircmaco VI Dissertatio nordm34 (p303 ndash 345) - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) p316 Campinas 2011)

37

praacutexis se configura mormente como um termo mais usado no sentido moral e eacutetico Como

fica claro nessa passagem da Eacutetica a Nicocircmaco

Entre as coisas que podem ser de outro modo haacute aquilo que se pode produzir

e aquilo que podemos fazer Satildeo coisas distintas a produccedilatildeo e a accedilatildeo (a

respeito desse assunto fiamo-nos tambeacutem nas obras divulgadas)

Consequentemente tambeacutem satildeo coisas distintas a habilitaccedilatildeo racional para

agir e a habilitaccedilatildeo racional para produzir Por isso essas coisas natildeo estatildeo

contidas uma na outra nem a accedilatildeo eacute produccedilatildeo nem a produccedilatildeo eacute accedilatildeo

(1140 a 1-5) 64

Portanto a partir dessa breve anaacutelise pode-se concluir que em Aristoacuteteles a poeacutetica

tem o sentido muito claro ligado agrave produccedilatildeo de uma obra e natildeo apenas num fazer somente e

mais ainda num fazer que produzisse coisas Eacute a partir desses entendimentos de poiacuteesis tanto

no sentido estrito do termo como no lato que Aristoacuteteles escreve a Poietikeacute ndash Peri Poietikes

[Do poeacutetico]

A Poeacutetica eacute sobretudo o estudo de um saber-fazer da produccedilatildeo poeacutetica [teacutekhne

poietikoacutes] que pode ser estudado minuciosamente O tratado que apenas parcialmente chegou

ateacute noacutes eacute uma espeacutecie de texto normativo sobre o fazer artiacutestico de produccedilatildeo de coisas no

caso ali da obra teatral a parte que conhecemos enfatiza as questotildees da Trageacutedia e da

Epopeia embora discorra sobre vaacuterias outras artes inclusive a pintura 65

64

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia (Universidade

Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν

δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις) ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου

ποιητικῆς ἕξεως διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν

Outra traduccedilatildeo do trecho acima ldquoNa classe do variaacutevel incluem-se tanto coisas produzidas como coisas

praticadas Haacute uma diferenccedila entre produzir e agir (quanto agrave natureza de ambos consideramos como assente o

que temos dito mesmo fora de nossa escola) de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da

capacidade raciocinada de produzir Daiacute tambeacutem o natildeo se incluiacuterem uma na outra porque nem agir eacute

produzir nem produzir eacute agirrdquo (Ibidem Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de

W D Ross In ARISTOacuteTELES 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo v IV)

p343)

65

Cf CARCHIA Gianni e DrsquoANGELO Paolo (direccedilatildeo) Dicionaacuterio de Esteacutetica Traduccedilatildeo Abilio Queiroacutes e

Joseacute Correia Serra Lisboa Ediccedilotildees 70 1999 p 283-284

38

Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que

Pareyson utiliza a importacircncia da obra de arte como resultado necessaacuterio Ou seja a arte eacute

um tipo de fazer que visa agrave produccedilatildeo de uma obra isto eacute sem obra sem resultado e mais

sem produto natildeo haacute fazer natildeo haacute arte Esse tambeacutem eacute um dos pontos essenciais da esteacutetica

do filoacutesofo de Turim

Esse destaque agrave importacircncia da obra fabricada da coisa mesma como central ao proacuteprio

fazer artiacutestico leva a outro conceito de Aristoacuteteles que Pareyson destaca como fundamental

aos estudos de arte que satildeo formulados por ele na Teoria da Formatividade o de

ldquoorganismordquo Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson

Primeiro a concepccedilatildeo antiga de arte como poieicircn como ldquofazerrdquo na qual

todavia permaneceraacute agrave sombra a distinccedilatildeo entre arte no sentido verdadeiro e

proacuteprio e a arte mera teacutecnica e em segundo lugar o conceito natildeo menos

antigo de organismo como foi admiravelmente definido e entregue agrave

discussatildeo de toda a histoacuteria da Filosofia por Platatildeo e sobretudo Aristoacuteteles

Mas essa dupla tradiccedilatildeo deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos

modernos66

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars

Feita a breve revisatildeo dos principais sentidos dos termos gregos poiacuteesis e teacutekhne vale

retomar a origem do termo arte em portuguecircs que vem natildeo do grego mas do ars latino Em

latim o termo tambeacutem aparece com definiccedilotildees similares agraves apontadas para poiacuteesis e teacutekhne

unindo num soacute termo as acepccedilotildees mais recorrentes das duas palavras em grego como explica

Umberto Eco

[] a opiniatildeo dos medievais sobre a ars de facto salvo numerosas e tiacutepicas

flutuaccedilotildees que uma anaacutelise minuciosa conseguiria explicar manteve-se

quase unacircnime e ancorada numa doutrina claacutessica e intelectualista do fazer

humano [] As definiccedilotildees citadas implicam dois elementos basilares um

66

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p10 ( Pressaacuterio do autor agrave ediccedilatildeo de 1988)

39

cognitivo (ratio cogitare) e o outro produtivo (faciendi factibilium) e nesses

pressupostos baseiam-se a doutrina da arte 67

Isto eacute dentre os vaacuterios significados em que ars aparece em textos latinos na maioria

das vezes o mais recorrente eacute o sentido de ofiacutecio de habilidade adquirida pelo estudo praacutetica

Nas palavras de Eco ldquoA arte eacute um conhecimento de regras atraveacutes do qual podem ser

produzidas coisasrdquo 68

E mais adiante ele atenta ldquoA arte inscreve-se no domiacutenio do fazer natildeo

do agirrdquo 69

retomando assim a distinccedilatildeo entre poieicircn (fazer-produzir) e praacutexis (agir) que

Aristoacuteteles estabeleceu

111 Arte como ecircxito

No entanto um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido

particular e com uma leve diferenccedila entre os significados de teacutekhne em grego e do ars em

latim Do ponto de vista lexical ars tem uma ligaccedilatildeo com o termo artus [estreito] cujo

sentido primitivo eacute tambeacutem ldquobem ajustadordquo ldquobem adaptadordquo levando agrave noccedilatildeo de ajuste

harmonia destreza maestria ie acepccedilotildees que a palavra ars carrega consigo ainda hoje

entre outros significados 70

Umberto Eco tambeacutem chama a atenccedilatildeo para esse sentido particular de ars como

destreza Ele cita uma suposta origem etimoloacutegica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha

atentaram ldquoarsrdquo como tendo vindo do grego areteacutes (virtude) correlato ao latim virtus

[virtude]71

Embora alguns dicionaacuterios de latim indiquem essa origem etimoloacutegica de ars

advindo do grego areteacutes eacute provaacutevel que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars

67

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

68

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

69

Ibidem p127

70

Cf LOMBARDO Giovanni A Esteacutetica na Antiguidade Claacutessica Traduccedilatildeo de Isabel Tereza Santos Lisboa

Ed Estampa 2003 p33

71

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126-127

40

vinha adquirindo no decorrer dos seacuteculos V VI VII da nossa era Isso pode explicar porque

como cita Eco Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligaccedilatildeo entre ars e areteacutes sem que

necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra

latina teria

O fato eacute que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o

tempo e que eacute um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra ldquoarterdquo traz

nos dias de hoje ou seja o sentido de perfeiccedilatildeo de ecircxito de completude E aqui perfeiccedilatildeo

entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa

excepcional acima do padratildeo do simplesmente bom

Natildeo que teacutekhne deixe de ter essa noccedilatildeo de bem-sucedido do bem feito sem duacutevida a

ideia de saber-fazer de habilidade traz impliacutecita a noccedilatildeo de coisa bem feita Como eacute possiacutevel

verificar nesta passagem da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles (1141 a 9)

Nas teacutecnicas atribuiacutemos sabedoria aos que satildeo mais apurados na

competecircncia teacutecnica por exemplo dizemos que Fiacutedias eacute um saacutebio escultor e

que Policleto eacute um saacutebio produtor de estaacutetuas Nesse caso nada mais

queremos dizer senatildeo que a sabedoria eacute a excelecircncia da teacutecnica [] 72

Contudo a valorizaccedilatildeo dessa noccedilatildeo ligada agrave ideia de arte como um saber-fazer

produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo

de traduccedilatildeo da teacutekhne grega para o ars latino

Embora natildeo evoque a origem etimoloacutegica do termo latino Pareyson em vaacuterias

passagens de seus muitos textos sobre arte valoriza o aspecto da obra de arte que tem como

uma de suas premissas o ecircxito e a perfeiccedilatildeo em si mesma perfeiccedilatildeo aqui entendida como

72

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ

Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν

εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ

Em outra traduccedilatildeo ldquoA sabedoria nas artes eacute atribuiacuteda aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a

Fiacutedias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui natildeo entendemos outra coisa

senatildeo a excelecircncia na arterdquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p345)

41

completude esse aspecto eacute um dos pontos centrais da definiccedilatildeo de arte que embasa a Teoria

da Formatividade Nas palavras dele

[] A obra de arte consiste precisamente nisto no natildeo querer ter outra

justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma forma que vive de per si uma

inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto de realidade alguma coisa que

primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero uma realizaccedilatildeo primeira e

absoluta73

Nesse sentido pode-se concluir que a indagaccedilatildeo e explicaccedilatildeo do que significa uma

obra ser bem sucedida bem como o entendimento do espectador com relaccedilatildeo a esse ecircxito e

sobretudo esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da

criaccedilatildeo de uma obra de arte em si compotildeem parte da Teoria da Formatividade como essa

passagem indica

[] a arte eacute um facere (fazer) que eacute perficere (aperfeiccediloar) e a obra revela a

proacutepria insubstituiacutevel perfeiccedilatildeo somente a quem souber captaacute-la no processo

que se adequa consigo mesma Somente entatildeo a obra se mostra imodificaacutevel

no seu caraacuteter de ldquocompletuderdquo e fecunda em sua ldquoexemplaridaderdquo e se vecirc

como eacute absurdo aprisionaacute-la em uma pretensa insularidade esquecendo-se

das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui e

esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de

estilos de escolas e tradiccedilotildees E soacute entatildeo se pode verdadeiramente ldquolerrdquo e

ldquojulgarrdquo a obra Porque por um lado ler significa executar e executar

significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual eacute com aquilo que

ela mesma pretendia ser E tanto uma coisa como outra soacute satildeo possiacuteveis

quando se compreende a obra como lei para si mesma 74

73

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 37 ldquoLopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra

giustificazione che desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un

incremento imprevisto della realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una

realizzazione prima e assolutardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235

74

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p13- 14 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

42

Em suma a obra formada deve ser ldquobem sucedidardquo para ser considerada arte E o

ecircxito da obra formada eacute pressuposto necessaacuterio para o entendimento e o estudo do fazer

artiacutestico e seus meandros

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade

Apoacutes sucinta revisatildeo das principais acepccedilotildees de teacutekhne poiacuteesis e ars e as

consequentes implicaccedilotildees desses sentidos no pensamento de Pareyson pode-se resumir da

seguinte maneira

Poiacuteesis tem como principal acepccedilatildeo a accedilatildeo produtiva em si isto eacute pressupotildee um fazer

que produza alguma coisa Teacutekhne mais comumente diz respeito ao conhecimento necessaacuterio

para a realizaccedilatildeo dessa accedilatildeo o saber-fazer para um fazer-produtor No caso de Platatildeo teacutekhne

costuma aparecer como o saber-fazer o conhecimento teacutecnico habilidade adquiridos por

meio da razatildeo Enquanto que em Aristoacuteteles o que mais prevalece eacute a acepccedilatildeo de teacutekhne

como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensaccedilatildeo e da experiecircncia e

sintetizados pela razatildeo Em Pareyson o saber-fazer [teacutekhne] eacute inventivo e contemporacircneo ao

proacuteprio ato de produccedilatildeo da obra [poiacuteesis]

Outro aspecto importante que a revisatildeo dos termos em grego suscita sobretudo em

Aristoacuteteles eacute a relaccedilatildeo simbioacutetica entre teacutekhne ndash phyacutesis que transforma o saber-fazer teacutecnico

como anaacutelogo aos processos da natureza [phyacutesis] bem como a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o

saber-fazer produtivo ligado agrave atividade artiacutestica e sua simetria entre os saberes-fazeres da

operosidade humana como um todo ideias igualmente presentes e importantes no pensamento

do autor da Teoria da Formatividade

Enquanto os sentidos mais recorrentes do ars latino provavelmente cristalizados no

decorrer dos seacuteculos da nossa era podem ser resumidos como o saber-fazer produtivo

acrescido da ideia da produccedilatildeo com domiacutenio de habilidade de excelecircncia resultando na obra

de arte como puro ecircxito

43

CAPIacuteTULO II

Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

ldquoEacute certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente

uma esteacutetica natildeo tendo ali um nexo que relacione diretamente

agrave poeacutetica e a retoacuterica com a metafiacutesica do belo mas seria

absurdo duvidar da fecundidade que tecircm alguns conceitos

antigos no campo da esteacutetica mesmo que originariamente natildeo

referidos agrave arte pelo menos segundo entendemos hojerdquo

Pareyson 1966 75

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade

O capiacutetulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de

teacutekhne e poiacuteesis Enquanto neste capiacutetulo o primeiro passo seraacute o de esmiuccedilar as nuances do

conceito pareysoniano de ldquoformardquo para entatildeo investigar as fundamentaccedilotildees do conceito da

ldquoformatividaderdquo propriamente dita

Pois antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e

estudar como esta teoria localiza o fazer artiacutestico faz-se necessaacuterio discorrer sobre o conceito

de ldquoformardquo em Pareyson E assim como arte [teacutekhne] e poesia [poiacuteesis] ldquoformardquo que

costuma ser traduccedilatildeo de eidos mas que tambeacutem pode ser traduccedilatildeo de morpheacute para citar dois

exemplos de traduccedilotildees possiacuteveis eacute outra palavra que acarreta interpretaccedilotildees diversas jaacute que

ldquoformardquo eacute um termo que recepciona variadas significaccedilotildees nos campos da filosofia e dos

estudos sobre arte

75

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoEs muy cierto que en la filosofiacutea antigua y medieval falta precisamente un esteacutetica no

habiendo alliacute un nexo que relacione directamente la poeacutetica y la retoacuterica con la metafiacutesica de lo bello pero

seriacutea absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la esteacutetica tienen algunos conceptos originariamente no

referidos al arte al menos seguacuten lo entendemos hoyrdquo (PAREYSON Luigi Conversaciones de esteacutetica

Traduccioacuten de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

44

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo

Como apontado acima a primeira demarcaccedilatildeo necessaacuteria diz repeito a uma possiacutevel

confusatildeo terminoloacutegica consideravelmente capciosa pois algumas palavras gregas

amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o portuguecircs como

ldquoformardquo Como foi dito certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e

das teorias da arte tais como eidos76

seu cognato Ideacutea77

e morpheacute78

entre outros podem ser

encontrados em diversos textos tanto antigos como atuais Tambeacutem satildeo vistos por vezes

como sinocircnimos outras vezes trazendo sentidos antagocircnicos pois se observa que estas

palavras podem aparecer com significados bastante distintos tanto em textos de um mesmo

pensador como quando por exemplo se compara as peculiaridades da filosofia de Platatildeo

para com a de Aristoacuteteles ganhando assim inuacutemeras acepccedilotildees e sentidos

Eacute o caso do termo eidos por exemplo que pode ser traduzido por ideia aparecircncia

espeacutecie essecircncia e claro forma entre outras palavras contudo essas simples traduccedilotildees para

o portuguecircs natildeo chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos

que esse termo pode carregar sobretudo quando se pretende distinguir os diversos usos e

concepccedilotildees dentre Platatildeo e Aristoacuteteles

Como algumas das acepccedilotildees conceituais destes termos sobretudo as advindas do

fundador da Academia mas tambeacutem outras com origem no pensamento aristoteacutelico povoam

76

O termo ldquoeidosrdquo parace ter sua origem num verbo arcaico lsquoeiacutedomairsquo quer dizer apareccedilo ser visto de onde

deriva um dos sentidos de ldquoeidosrdquo como aprarecircncia e aspecto mas com o tempo ldquoeidosrdquo ganhou um sentido de

aspecto espeacutecie utilizado por Aristoacuteteles entre outros textos na Metafiacutesica No entanto o sentido do termo

varia desde a noccedilatildeo de ldquoessecircnciardquo encontrado em laguns texto de Platatildeo como no Fedro e como sinocircnimo de

Ideacutea ainda em textos platocircnicoscomo na Repuacuteblica VII ligado Aristoacuteteles em vaacuterios textos como na

Metafiacutesica e na Fiacutesica tambeacutem usa a palavra eidos na acepccedilatildeo simples de forma mesmo como sinocircnimo de

morpheacute Entre outros significados em outros autores e em outros textos Cf em GOBRY Ivan Vocabulaacuterio

Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sobre eidos - ideacutea p 49 50 79

sobre morpheacute p95

77

ldquoEiacutedos aparecircncia natureza constitutiva forma tipo espeacutecie ideiardquo Cf verdete ldquoeidosrdquo In PETERS FE

Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbekian 1977 p62 - 67

78

ldquoVaacuterias palavras empregadas por Aristoacuteteles podem ser traduzidas por forma O termo mais amplo para

designar forma em grego parece ser lsquomorpheacutersquo Fundamentalmente essa palavra designa o aspecto de uma coisa

e mais precisamente seu aspecto belo agradaacutevel [] A forma como lsquoeidosrsquo pretende revelar por traacutes do que eacute

visiacutevelo que constitui a verdadeira natureza das coisasrdquo (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles

Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p32-33) Outra palavra de possiacutevel traduccedilatildeo como

forma eacute lsquoschemarsquo poreacutem mais especiacuteficae sobretudo usada como sinocircnimo de sinal como letras e nuacutemeros

Ver em Peters ldquoScheacutema Aparecircncia forma - aisthesis stoicheionrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos-

um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p212)

45

as discussotildees filosoacuteficas sobre arte ainda hoje sendo encontradas em inuacutemeros textos sobre

do seacuteculo XX 79

sendo assim surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria

igualmente fazendo uso dessas tradiccedilotildees o que natildeo eacute o caso aqui Todavia por hora natildeo

parece ser necessaacuterio discorrer mais sobre os inuacutemeros significados e conceitos correlatos agraves

palavras gregas acima citadas pois o importante eacute alertar que essas palavras e as suas

respectivas e inuacutemeras acepccedilotildees correlatas natildeo satildeo a origem do conceito pareysoniano de

ldquoformardquo Mas sim o conceito de ldquoorganismordquo advindo dos subsiacutedios da leitura de alguns

textos da filosofia aristoteacutelica como seraacute mostrado a seguir

Ademais o conceito de ldquoformardquo eacute central para Pareyson e soacute natildeo deu nome agrave sua

teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona o que

poderia acarretar interpretaccedilotildees equivocadas sob uma leitura apressada80

Aleacutem disso o

filoacutesofo italiano usa o termo de modo bem especiacutefico como ele mesmo define no iniacutecio do

seu livro Esteacutetica Teoria da Formatividade Segue a siacutentese da definiccedilatildeo do conceito de

ldquoformardquo cunhado por Pareyson

[] aqui se compreende a forma como organismo que goza de vida proacutepria

e tem sua proacutepria legalidade intriacutenseca totalidade irrepetiacutevel na sua

singularidade independente em sua autonomia exemplar em seu valor

fechada e aberta ao mesmo tempo finita e ao mesmo tempo encerrando um

infinito perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerecircncia inteira na

adequaccedilatildeo reciacuteproca entre as partes e o todo 81

Portanto seraacute a partir do entendimento da noccedilatildeo de ldquoorganismordquo no especiacutefico

contexto pareysoniano que se buscaraacute definir e delinear o conceito de ldquoformardquo

79

Como por exemplo nos textos de Erwin Panofsky eg cf PANOFSKY Erwin Idea A evoluccedilatildeo do

conceito de belo Trad Paulo Neves Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 p23-25 Bem como eg nos textos de

Artur Danto Cf DANTO Artur C A transfiguraccedilatildeo do Lugar Comum Trad de Vera Pereira Satildeo Paulo Cosac

amp Naify 2006p47

80

Cf PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 199 p9 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

81

Ibidem p9-10 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

46

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo a partir de Aristoacuteteles

Assim como foi feito um movimento em direccedilatildeo aos pensamentos de Platatildeo e

Aristoacuteteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte

atraveacutes da anaacutelise das diversas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis tambeacutem agora o caminho

continua a seguir no diaacutelogo entre Pareyson e a filosofia antiga

Inicialmente algumas diferenccedilas precisam ser demarcadas A primeira distinccedilatildeo eacute que

enquanto no caso da revisatildeo de definiccedilotildees concernentes agrave teacutekhne e poiacuteesis o percurso se

voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristoacuteteles como de Platatildeo

No caso que concernem as definiccedilotildees relacionadas agrave noccedilatildeo pareysoniana de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo a revisatildeo eacute exclusivamente a partir da leitura de Aristoacuteteles

Pois como o proacuteprio Pareyson bem localiza o sentido adotado por ele para definir

ldquoformardquo adveacutem principalmente dos aportes do que ele chama de conceito de ldquoorganismordquo

encontrado nos textos de Aristoacuteteles nas palavras de Pareyson

[] os conceitos de teacutechne e organismo que hoje satildeo decisivos para uma

compreensatildeo adequada da arte e que foi Aristoacuteteles o primeiro a expor Sem

duacutevida a relevacircncia esteacutetica desses dois conceitos reside em sua uniatildeo

embora Aristoacuteteles natildeo os tenha estudado em funccedilatildeo da arte nem tenha nem

previsto nem intuiacutedo a sua possiacutevel relaccedilatildeo mas todavia a anaacutelise que ele

fez ainda eacute o ponto de partida necessaacuterio para qualquer estudo que possa

empreender e eacute ao mesmo tempo fonte de novas e criativas sugestotildees 82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platatildeo e de

Aristoacuteteles e destacados por Pareyson eacute que como jaacute foi mostrado a respeito da teacutekhne que

este natildeo eacute um conceito exclusivamente relacionado agraves problemaacuteticas concernentes agrave arte

tampouco eacute o conceito de ldquoorganismordquo Embora teacutekhne ainda seja mais relacionada agrave arte tal

82

(Traduccedilatildeo nossa) ldquo[hellip] por ejemplo de los conceptos de teacutechne y de ldquoorganismordquo que hoy son decisivos

para una adecuada comprensioacuten del arte y que fue Aristoacuteteles el primero en exponer Sin duda la relevancia

esteacutetica de estos dos conceptos reside en su unioacuten aunque Aristoacuteteles no habieacutendolos estudiando en funcioacuten del

arte ni previoacute ni intuyoacute su posible relacioacuten pero el anaacutelisis que le hizo es todaviacutea el necesario punto de partida

de cualquier estudio que se pueda emprender y es al mismo tiempo fuente de sugerencias nuevas y creativasrdquo

(PAREYSON Luigi Forma organismo y abstraccioacuten (PAREYSON Conversaciones de esteacutetica Traduccioacuten

de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid La Bolsa de la Medusa - Visor 1988 p85) (Cf op cit p88-89)

47

como eacute comumente definidas nos das de hoje e pode ateacute mesmo ser traduzida enquanto tal

Contudo como tambeacutem jaacute foi abordada no capiacutetulo anterior essa possibilidade de se traduzir

teacutekhne por ldquoarterdquo por vezes pode natildeo ser a melhor opccedilatildeo sobretudo pela distacircncia que haacute

nas definiccedilotildees usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega sobretudo em

Platatildeo e Aristoacuteteles e o contexto da atualidade

Por conseguinte no caso da definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo a distacircncia desse conceito com

relaccedilatildeo agraves discussotildees mais aceitas e mais comuns sobre arte eacute ainda mais acentuada Ateacute

mesmo o proacuteprio termo ldquoorganismordquo natildeo eacute exatamente um termo que pode ser facilmente

encontrado em Aristoacuteteles embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a

filosofia do estagirita E assim como no caso de teacutekhne outros conceitos correlatos presentes

no pensamento de Aristoacuteteles satildeo fundamentais para um entendimento completo do recurso

que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristoteacutelica

A definiccedilatildeo do conceito de cunho aristoteacutelico que Pareyson nomeia como ldquoorganismordquo

pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poeacutetica

[] Aleacutem disto o belo mdash ser vivente ou o que quer que se componha de

partes mdash natildeo soacute deve ter essas partes ordenadas mas tambeacutem uma grandeza

que natildeo seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e

portanto um organismo vivente pequeniacutessimo natildeo poderia ser belo (pois a

visatildeo eacute confusa quando se olha por tempo quase imperceptiacutevel) e tambeacutem

natildeo seria belo grandiacutessimo (porque faltaria a visatildeo do conjunto escapando agrave

vista dos espectadores a unidade e a totalidade imagine-se por exemplo um

animal de dez mil estaacutedios) Pelo que tal como os corpos e organismos

viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptiacutevel como um todo

assim tambeacutem os mitos devem ter uma extensatildeo bem apreensiacutevel pela

memoacuteria (VII 1450b 34 ndash 1451a 1-6) 83

83

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973

Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν

ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόνmiddot τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι

γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες

[1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ

μυρίων σταδίων εἴη ζῷονmiddot ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος τοῦτο δὲ

εὐσύνοπτον εἶναι οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι

Outra traduccedilatildeo ldquoAleacutem disso uma coisa bela ndash seja um animal seja toda uma accedilatildeo ndash sendo composta de

algumas partes precisaraacute natildeo somente de as ter ordenadas mas tambeacutem de ter uma dimensatildeo que natildeo seja ao

48

No entanto o uso do conceito de ldquoorganismordquo se encontra principalmente nos textos

de ldquoFilosofia da Naturezardquo sobretudo no livro intitulado na tradiccedilatildeo latina por ldquoDe Partibus

Animaliumrdquo [As partes dos animais] quando Aristoacuteteles tece definiccedilotildees de organismo vivo

para tratar sobretudo dos estudos dos animais e suas causas como tambeacutem tece correlaccedilotildees

entre os ldquoentes naturaisrdquo e as ldquocoisas fabricadasrdquo como nesta passagem

E eacute preciso que tambeacutem natildeo seja negligenciada a questatildeo de saber se

conveacutem se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigaccedilatildeo mdash de

que modo cada ente naturalmente vem a ser mais do que de que modo eacute

Pois a diferenccedila entre isto e aquilo natildeo eacute pequena Mas afigura-se que se

deve comeccedilar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente

dissemos) primeiramente deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a

respeito de cada gecircnero e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto

mdash e tambeacutem no que concerne ao vir a ser Pois tambeacutem no caso da

construccedilatildeo de casa tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa eacute de tal e

tal qualidade e natildeo eacute porque vem a ser assim que a casa eacute de tal e tal

qualidade Pois o vir a ser eacute em vista da essecircncia e natildeo eacute a essecircncia que eacute em

vista do vir a ser (De Part An I 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85

define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em

Aristoacuteteles aquele usado com paralelismo para a definiccedilatildeo de obra de arte em algumas teorias

da arte atuais principalmente em Pareyson

acaso a beleza reside na dimensatildeo e na ordem e por isso um animal belo natildeo poderaacute ser nem demasiado

pequeno( pois a visatildeo confunde-se quando dura um espaccedilo imperceptiacutevel do tempo) nem demasiado grande (a

vista natildeo abrange tudo e assim escapa agrave observaccedilatildeo d quem vecirc a unidade e a totalidade)rdquo (Ibidem Traduccedilatildeo

Ana Maria Valente 4ordf ed Lisboa Fundaccedilatildeo Galouste Gulbekian 2011 p51-51)

84 ARISTOacuteTELES As partes dos Animais Livro I traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni in Cadernos de

Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia seacuterie 3 v9 n especial 1999 Campinas Centro de Loacutegica Epistemologia e

Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

Πρὸς δὲ τούτοις ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ

ἀρχὴ τῆς κινήσεως διοριστέον καὶ περὶ τούτων ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν Φαίνεται δὲ πρώτη ἣν

λέγομεν ἕνεκά τινος λόγος γὰρ οὗτος ἀρχὴ δacute ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει

συνεστηκόσιν Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν ὁ δacute οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν

ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου καὶ διότι ποιητέον οὕτως

(Ver tambeacutem em ARISTOacuteTELES De Part An 640b 29 641a 5 645a 30 e 645 b 14 )

85

Filoacutesofo italiano e professor da Universidade de Turim Foi aluno e orientando aleacutem de ser disciacutepulo

assumido de Pareyson Escreveu vaacuterios textos sobre Aristoacuteteles um com supervisatildeo direta de Pareyson que foi

seu orientador para a sua tese acadecircmica Il Concetto di fare in Aristotele publicada em livro homocircnimo em

1961

49

Haacute um conceito aristoteacutelico que eacute proacuteprio do mundo natural e precisamente

da natureza vivente que eacute o de organismo (conceito que natildeo corresponde a

uma uacutenica palavra em Aristoacuteteles - organismo a tiacutetulo pleno eacute animal mas

tambeacutem uma planta - mas que ainda eacute bem reconheciacutevel e presente em seu

pensamento chamamos de organismo no sentido proacuteprio de ser vivente

organizado) O qual eacute hoje muito utilizado pelos teoacutericos da esteacutetica a fim

definir as obras de arte 86

Isto eacute entre outras acepccedilotildees Pareyson usa a noccedilatildeo de organismo aristoteacutelico no

sentido de ser vivo Portanto organismo aqui configura como um conjunto dos oacutergatildeos daiacute o

nome ldquoorganismordquo mas natildeo qualquer organismo o de organismo vivente que carrega consigo

tudo aquilo que Aristoacuteteles pensava como ente dotado de vida isto eacute as ideias de geraccedilatildeo

crescimento morte movimento finalidade E em especial para o presente estudo a ideia de

conjunto de partes que constituem um todo que culminam nas ideias de totalidade e unidade

das partes no todo

Por isso o conceito de ldquoorganismordquo em Pareyson aparece acrescido da ideia de

ldquototalidaderdquo que gera ldquounidaderdquo e portanto a acepccedilatildeo metafiacutesica encontrada nos textos de

Aristoacuteteles tambeacutem se faz presente atraveacutes desses dois termos amplamente usados pelo

estagirita Isto eacute o que realmente explica o entendimento aristoteacutelico de ldquoorganismordquo que

Pareyson recorre eacute a iacutentima relaccedilatildeo deste conceito com certas acepccedilotildees especiacuteficas dos

conceitos aristoteacutelicos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten]87

Gobry explica88

que

Aristoacuteteles89

teria quatro sentidos para a palavra heacuten ldquocontiacutenuordquo ldquounidade-formardquo ldquounidade-

86

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoCrsquoegrave un concetto aristotelico che egrave proprio del mondo naturale e precisamente dellla

natura vivente quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele ndash organismo a

titolo pieno egrave lrsquoanimale ma anche la pianta agrave tale ndash ma che egrave comunque bem riconoscibile e presente nel sue

pensiero chiamiamo organismo in senso proprio lrsquoessere vivente organizzato) il quale egrave oggi molto utilizzato

dai teorici dellrsquoestetica per caratterizzare lrsquoopere drsquoarterdquo (VATTIMO Gianni Il prodoto come organismo p

147 In ______ Opere Complete Ermeneutica Tomo I Roma Ed Meltemi 2001 p 147-174 Para maiores

explicaccedilotildees tambeacutem ver em Idem Opera drsquoarte e organimo in Aristotele In ______ Opere Complete I-

Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 223-226)

87

Cf verbete lthoacutelon todo organismo universo nordm7gt In PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico

histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p107

88

Cf verbete ltheacuten o Unogt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo

Paulo Martins Fontes 2007 p70

89

Cf ARISTOacuteTELES Metafiacutesica I 1 In ______ Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni

Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p436-437

50

indiviacuteduordquo ldquounidade-universalidaderdquo e o sentido que se relaciona com a acepccedilatildeo de

ldquoorganismordquo para Aristoacuteteles eacute o de ldquounidade-formardquo Portanto neste contexto sendo ldquoo

hoacutelon (aqui entendido como totalidade) isto eacute aquilo que constitui a unidade [heacuten] das

coisasrdquo 90

Pode-se constatar a clara a ligaccedilatildeo que Pareyson faz entre a noccedilatildeo de unidade da obra

enquanto ldquoformardquo e unidade de organismo nesta passagem ldquo[] eacute essencial agrave arte o princiacutepio

de unidade da obra tal qual foi teorizado por Aristoacutetelesrdquo91

E o uso do subsiacutedio conceitual

aristoteacutelico por Pareyson eacute ainda mais expliacutecito neste trecho escrito no livro Esteacutetica Teoria

da Formatividade

Esse caraacuteter dinacircmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as

relaccedilotildees nela existentes entre as partes e o ldquotodordquo Na obra de arte as partes

manteacutem um duplo gecircnero de relaccedilotildees de cada parte com as outras e de cada

uma com o todo Todas as partes estatildeo ligadas entre si numa indissoluacutevel

unidade de sorte que cada parte eacute essencial e indispensaacutevel [] As partes

assim ligadas e unidas entre si constituem e delineiam o todo a integridade

da obra resulta da conexatildeo das partes entre si 92

Pode-se notar nas palavras acima citadas a evidente ligaccedilatildeo do significado de

ldquoformardquo com o significado aristoteacutelico de ldquototalidaderdquo na ldquounidaderdquo ou melhor usando o

termo utilizado por Pareyson ldquounitotalidaderdquo [unitotalitagrave]

Por exemplo outro ponto de diaacutelogo entre Pareyson e Aristoacuteteles se verifica atraveacutes da

anaacutelise de uma passagem da Metafiacutesica onde Aristoacuteteles explica essa especial relaccedilatildeo isto eacute

90

Verbete lthoacutelongt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo

Martins Fontes 2007 p74

91

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p26 ldquo[] e cioegrave essenziale allrsquoarte egrave il principio dellrsquounitagrave dellrsquoopera qual egrave teorizzato da

Aristotele[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p227)

92

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p102 ldquoQuesto carattere dinamico dellunitotalitagrave dellopera darte puograve spiegare i rapporti che in

essa sussistono fra le parti e i l tutto Nellopera darte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti di

ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto Tutte le parti sono connesse fra loro in unindissolubile unitagrave si che

ciascuna egrave essenziale e indispensabile []Le parti cosi connesse e congiunte fra loro costituiscono e delineano

il tutto lintegritagrave dellopera risulta dalla connessione delle parti fra lorordquo(Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p86)

51

de um ldquotodordquo que natildeo pode perder as partes pois deixa de ser a unidade - totalidade que o

define perdendo a sua essecircncia essa concepccedilatildeo de ldquoorganismo-todordquo cunhada pelo estagirita

parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definiccedilatildeo de obra de arte que

Pareyson trabalha Segue o trecho da Metafiacutesica de Aristoacuteteles

O que eacute composto de alguma coisa de modo que o todo constitua uma

unidade natildeo eacute semelhante a um amontoado mas a uma siacutelaba E a siacutelaba natildeo

eacute soacute as letras das quais eacute formada nem BA eacute idecircntico a B e A nem carne eacute

simplesmente fogo mais terra de fato uma vez que os compostos isto eacute

carne e siacutelaba se tenham dissolvido natildeo existem mais enquanto as letras o

fogo e a terra continuam existindo Portanto a siacutelaba eacute algo irredutiacutevel soacute agraves

letras ou seja agraves vogais e agraves consoantes mas eacute algo diferente delas (Z 17

1041 b 10-18) 93

Portanto a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade

em si mesma eacute uma das definiccedilotildees da ldquoformardquo pareysoniana isso define a ideia de

completude da obra de arte como ldquoforma formadardquo resultando no ecircxito da ldquoforma acabadardquo

que Pareyson propotildee na sua teoria da arte Como ele explica nestas passagens

Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formaccedilatildeo

Quanto ao segundo problema se a perfeiccedilatildeo da obra de arte eacute apenas o levar

a bom termo a sua formaccedilatildeo o seu duplo caraacuteter ou seja por um lado a

unidade a harmonia e a proporccedilatildeo e por outro a totalidade a integridade e

a completude natildeo pode ter outro fundamento senatildeo aquele ldquotodordquo em que o

processo se ldquoarredondardquo quando chega ao termo 94 ldquo[] a obra de arte eacute

93

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o

portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p363

Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ

οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν [15]

οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή οὐ μόνον τὰ

στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν

ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι

94

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p101 ldquoUnitotalitagrave dellopera come totalitagrave del processo della sua jormazione - Quanto al

secondo problema se la perfezione dellopera darte non egrave altro che i l compimento della sua formazione il suo

duplice carattere e cioegrave per un verso lunitagrave larmonia e la proporzione e per laltro la totalitagrave lintegritagrave e la

completezza non puograve aver altro fondamento che quel laquo tuttto raquo in cui i l processo si laquo arrotonda raquo quando

giunge ai proprio compimentordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p86-87)

52

expressiva enquanto eacute forma isto eacute organismo que vive por conta proacutepria e

conteacutem tudo que deve conterrdquo95

Ainda neste contexto entenda-se organismo como bioloacutegico e correlacionado agraves leis

da phyacutesis [natureza] Portanto vale recordar que natildeo pode ficar de fora dessa discussatildeo do

entendimento do conceito de forma enquanto organismo a relaccedilatildeo jaacute mencionada entre teacutekhne

e phyacutesis Pois quando Pareyson toma ldquoorganismordquo como paradigma do seu conceito de

ldquoformardquo e aqui justamente ldquoformardquo como princiacutepio da definiccedilatildeo de obra de arte Logo o

filoacutesofo italiano assimila a ideia da obra de arte como ldquoser viventerdquo fazendo com que a obra

carregue toda a legalidade de um ente natural E desse modo Pareyson toma a concepccedilatildeo

proposta por Aristoacuteteles na Fiacutesica que situa a produccedilatildeo das coisas ldquofeitas por teacutecnicardquo

(artificiais) em paralelo agraves coisas ldquofeitas pela naturezardquo (entes naturais ou a natureza

simplesmente) Todavia sem que isso tire as especificidades e diferenccedilas dos ldquoentes naturaisrdquo

e dos ldquoentes artificiaisrdquo essas similaridades e distinccedilotildees ficam claras nesta passagem da

Fiacutesica II

Entre os entes uns satildeo por natureza outros satildeo por outras causas por

natureza satildeo os animais e suas partes bem como as plantas e os corpos

simples isto eacute terra fogo ar e aacutegua (de fato dizemos que essas e tais coisas

satildeo por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparaccedilatildeo com

os que natildeo se constituem por natureza pois cada um deles tem em si mesmo

princiacutepio de movimento e repouso ndash uns de movimento local outros de

crescimento e definhamento outros de alteraccedilatildeo por outro lado cama e

veste bem como qualquer outro gecircnero desse tipo na medida em que

encontram suas respectivas designaccedilotildees isto eacute enquanto lhes suceder ser de

pedra de terra ou misturados eles o tecircm por esses elementos e nessa exata

medida ndash pois eacute natureza (192 b 8) 96

95

Idem Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1998

p30 ldquo[]lopera darte egrave espressiva in quanto egrave lsquoformarsquo cioegrave organismo che vive per conto suo e contiene

tutto ciograve che deve avere[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p230)

96

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p43

(sectI) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει τὰ δὲ δι ἄλλας αἰτίας (sect2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ

φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει

φαμέν) (sect3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶταΤούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν

ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως τὰ μὲν κατὰ τόπον τὰ δὲ κατ αὔξησιν καὶ φθίσιν τὰ δὲ κατ ἀλλοίωσιν

53

Por conseguinte assim como Aristoacuteteles Pareyson reivindica a similaridade entre as

coisas da natureza e as obras de arte enquanto ldquoformasrdquo como se constata no texto abaixo

Pode-se no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras

artiacutesticas satildeo formas o que atesta o poder do espiacuterito humano o qual capaz

de fazer com que haja produtos orgacircnicos e realidades vivas pode tambeacutem

estender os confins do reino das formas acrescentando sem soluccedilatildeo de

continuidade agraves formas naturais as inventadas pelo proacuteprio homem E desta

sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhanccedila

profunda e soacute ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz

e admiraacutevel solidariedade 97

Portanto quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente se traz

implicado todo um aspecto metafiacutesico do conceito de vida aristoteacutelico contido tanto na Fiacutesica

quanto na Metafiacutesica logo em Pareyson a proacutepria obra de arte ganha um status de ser vivo

pois a relaccedilatildeo teacutekhne e phyacutesis fundamenta essa implicaccedilatildeo ao trazer um paralelismo e uma

complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais incluindo as obras de arte

Como se constatou a ligaccedilatildeo do conceito de forma pareysoniano como organismo

advindo dos aportes teoacutericos da filosofia aristoteacutelica eacute assinalada pelo proacuteprio Pareyson No

entanto a abordagem acima proposta ligando a definiccedilatildeo de organismo aos conceitos

correlatos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten] natildeo eacute inteiramente explicitada pelo autor

embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto como foi demonstrado nas citaccedilotildees

acima

Todavia a definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo como ldquounitotalidaderdquo eacute o destaque que aqui se

escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristoacuteteles como aporte para

κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ ὅσον

ἐστὶν ἀπὸ τέχνης οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ

μικτοῖς ἐκ τούτων ἔχει καὶ κατὰ τοσοῦτον

97

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquo[] ma intanto si puograve dire che sia le cose della natura che le opere dellarte sono forme il

che attesta la potenza dello spirito umano il quale capace di far essere prodotti organici e realtagrave viventi egrave i n

grado di estendere i confini del regno delle forme aggiungendo senza soluzione di continuitagrave alle forme naturali

quelle inventate da l u i si che v egrave fra le cose della natura e le opere dellarte una somiglianza profonda che

sola puograve spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietagraverdquo (Idem Estetica Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

54

a conceituaccedilatildeo de ldquoformardquo para a Teoria da Formatividade de Pareyson Pois parece que eacute a

partir da definiccedilatildeo de ldquoformardquo que Pareyson tece que se encontra a principal chave para

decifrar como o filoacutesofo italiano entende por conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

Sendo assim a partir dessas nuances trazidas do conceito de ldquoorganismordquo e seus

correlatos cunhados por Aristoacuteteles eacute que Pareyson constroacutei a base da Teoria da

Formatividade a partir do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismo viventerdquo dotada de uma

ldquototalidaderdquo advinda da sua singular ldquounidaderdquo de onde entende-se que foi gerado o conceito

pareysoniano de ldquounitotalidaderdquo da obra de arte enquanto ldquoformardquo

Vattimo tambeacutem mostra como o conceito de ldquoorganismordquo permeia toda obra de

Aristoacuteteles bem como estaacute interligado aos conceitos de phyacutesis hoacutelon e teacutekhne entre outros

correlatos98

Portanto a anaacutelise de Vattimo sobre o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

como subsiacutedio para uma definiccedilatildeo de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao

estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristoteacutelico para definir a obra de arte como

ldquoformardquo E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristoteacutelico de

ldquoorganismordquo ultrapassa uma anaacutelise unilateral do texto da Poeacutetica de Aristoacuteteles e ateacute

mesmo dos tratados de ldquoCiecircncias da Naturezardquo chegando assim aos textos que tratam das

questotildees metafiacutesicas pois embora a definiccedilatildeo de ldquoformardquo pareysoniana parta da noccedilatildeo de

organismo vivo natildeo se resume a ela99

Ademais Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos

fundamentais e inseparaacuteveis o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de

ldquoformaisrdquo) e o outro o de ser vivente e dotado de uma alma100

e que a comparaccedilatildeo entre

obra de arte e organismo deve considerar as duas definiccedilotildees Como ele explica nesse trecho

98

VATTIMO Gianni Opera drsquoarte e organismo in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica -

Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 218

99

Ver mais em Idem Il concetto di fare in Aristotele In______ Opere complete vol I tomo 1 Roma Ed

Meltemi 2007 p 19-180

100

Segundo Peters Psykheacute (alma em latim anima) pode ter muitas acepccedilotildees e bastante complexas e variantes

de filoacutesofo para filoacutesofo soacute no contexto grego Entretanto e sobretudo no acircmbito aristoteacutelico de organismo

alma aqui pode ser definida como ldquorespiraccedilatildeo de vidardquo e ldquoprinciacutepio vitalrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos

gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977

p14) E segundo Gobry Aristoacuteteles adota uma noccedilatildeo de alma natildeo apenas para os seres humanos mas para

todos os seres Ver mais no verbete Psykheacute alma Latim anima In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de

Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 p123-124

55

Se como nos parece esses dois significados estatildeo intimamente relacionados

e de fato o primeiro depende do segundo a aplicaccedilatildeo do conceito de

organismo agrave obra de arte natildeo pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe

os conceitos formais de unidade inteireza perfeiccedilatildeo ordem etc mas eacute

necessaacuterio verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de

uma alma ou seja viva 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristoacuteteles que

eacute a relaccedilatildeo intriacutenseca e inseparaacutevel entre o ldquosensiacutevelrdquo e o ldquointeligiacutevelrdquo aspecto que aparece na

Teoria da Formatividade sobretudo quando a obra de arte eacute dita como tenho ldquofisicalidaderdquo e

ldquoespiritualidaderdquo inseparaacuteveis (esse ponto seraacute abordado mais adiantes nesse mesmo

capiacutetulo)

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade

Outro sentido de ldquoformardquo que aparece no conceito cunhado por Pareyson eacute que

ldquoformardquo eacute organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente daiacute deriva a

proacutepria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeiccedilatildeo enquanto

ldquoserrdquo uacutenico Ou seja ldquoformardquo eacute a obra de arte enquanto finalizada eacute o como da Arte que se

mostra e se realiza Assim sendo sem essas prerrogativas natildeo haacute arte sob a oacutetica

pareysoniana Essa concepccedilatildeo de ldquoarte-formardquo fica clara nessa passagem

E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades eacute a elaboraccedilatildeo

destes conteuacutedos natildeo tanto o ldquoquecircrdquo mas antes o ldquocomordquo isto eacute

precisamente a forma como quer que esta seja entendida o estado final e

conclusivo da arte a elegacircncia da representaccedilatildeo ou da expressatildeo a perfeiccedilatildeo

da imagem o ecircxito do processo artiacutestico a autossuficiecircncia da obra102

101

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoSe como a noi pare questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende

dal secondo lrsquoapplicazione del concetto di organismo allrsquoopera drsquoarte non si potragrave risolvere semplicemente

applicando a essa il concetti formali di unitagrave interezza perfezione ordine ecc mas bisogneragrave vedere in che

senso lopera possa dirsi strumento di unrsquoanima cioegrave viventerdquo (VATTIMO Gianne Opera drsquoarte e organismo

in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma EdMeltemi 2008 p 211-212)

102

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p53 ldquoE ciograve per cui larte si distingue dalle altre attivitagrave egrave lelaborazione di questi

contenuti non tanto il laquoche cosaraquo quanto piuttosto i l laquocomeraquo cioegrave appunto la forma comunque questa

sintenda lo stato finale e conclusivo dellarte la compiutezza della rappresentazione o dellespressione la

56

Logo a noccedilatildeo de ldquoformardquo ligada agrave ideia do ecircxito artiacutestico se aplica a um dos sentidos

de Arte discutidos no capiacutetulo anterior Isto eacute a definiccedilatildeo do termo ars latino trazendo a ideia

de obra bem sucedida que exprime uma espeacutecie de perfeiccedilatildeo em si mesma que a ldquoformardquo

acabada demanda

A ideia aqui eacute de completude mas natildeo soacute da ldquoforma-formadardquo e sim no todo do

processo de ldquoformatividaderdquo da ldquoformardquo E completude que se explica no sentido da relaccedilatildeo

totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristoteacutelico Como fica evidente nesta

passagem ldquoA perfeiccedilatildeo da obra de arte consiste portanto na totalidade do processo que a

formou no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da

univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formaccedilatildeordquo 103

Portanto a perfeiccedilatildeo da obra acabada tem uma relaccedilatildeo embrionaacuteria e intriacutenseca com o

fazer artiacutestico que neste sentido se configura paralelamente a um processo orgacircnico proacuteprio

do ser vivo Aqui novamente retoma-se a definiccedilatildeo aristoteacutelica de organismo no sentido de

vida que carrega implicitamente as noccedilotildees de geraccedilatildeo e finalidade Desse modo o

entendimento desta relaccedilatildeo natildeo soacute eacute fundamental para a proacutepria compreensatildeo do processo

formativo da obra em si ou seja no acircmbito do estudo do fazer artiacutestico propriamente dito

mas eacute igualmente precioso e necessaacuterio para a leitura da obra de arte pelo espectador Sobre a

importacircncia do estudo do processo artiacutestico para acessar a obra acabada Pareyson discorre

Haacute quem considere inessencial o processo artiacutestico no sentido que ele natildeo

interessa em nada o expectador da obra de arte o qual deve fixar o olhar

sobre aquela perfeiccedilatildeo doravante imoacutevel e definitiva [] A primeira

concepccedilatildeo [acima descrita] eacute justa quando afirma que o processo artiacutestico

natildeo interessa de per si porque o que interessa eacute a obra na sua perfeiccedilatildeo mas

arrisca natildeo entender a proacutepria perfeiccedilatildeo da obra quando a vecirc na sua inerte e

perfezione ellimmagine la riuscita del processo artistico la sufficienza dellopera in se stessardquo(Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p249)

103

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p101 ldquoLa perfezione dellopera darte consiste dunque nella totalitagrave del processo che lrsquoha formata nel senso

che la sua unitagrave e la sua totalitagrave dipendono rispettivamente dall univocitagrave e dall improseguibilitagrave del processo

della sua formazionerdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

p85)

57

imoacutevel estaticidade e natildeo como conclusatildeo de um movimento que chegou ao

seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturaccedilatildeo104

E mais adiante ele completa [] A obra no seu acabamento [compiutezza] 105

natildeo eacute

portanto separaacutevel do processo da sua formaccedilatildeo porque eacute antes este mesmo processo visto

no seu acabamento 106

Pois nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade

para com as outras teorias que igualmente evocam a importacircncia do estudo do processo

artiacutestico Isto eacute uma coisa eacute estudar a formaccedilatildeo da arte enquanto parte do oficio do artista

para entender o processo criativo Outra coisa bem diferente eacute estudar o processo de

produccedilatildeo da obra de arte para entender a obra em si suas especificidades e acima de tudo

para reconhecer suas qualidades intriacutensecas e os limites da sua perfeiccedilatildeo enquanto ldquoarte-

formardquo bem sucedida e completa em si mesma ou seja como ldquoobra-de-arte- formardquo acabada

conforme seus proacuteprios criteacuterios internos

Daiacute sai o outro ponto fundamental que estaacute no centro da ideia pareysoniana de arte

como ecircxito que eacute a ideia de legalidade interna da obra Pois o ecircxito a ser perseguido eacute a

proacutepria ldquoformardquo acabada que conduz a ldquoformatividaderdquo em si isto eacute o nuacutecleo do processo

criativo nas palavras de Pareyson

104

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p146ldquoCegrave chi considera inessenziale il processo artistico nel senso chesso non interessa

per nulla lo spettatore dellopera darte il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e

definitiva[] La prima concezione egrave nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per seacute

percheacute ciograve che interessa egrave lopera nella sua perfezione ma rischia di non intendere la stessa perfezione

dellopera quando la vede nella sua inerte e immobile staticitagrave e non come conclusione dun movimento giunto

al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazionerdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p331-332)

105

Compiutezza embora na traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como ldquoacabamentordquo

ldquocompiutezzardquo tambeacutem poderia ser traduzida por ldquocompletuderdquo ou ateacute mesmo por ldquoteacuterminordquo no sentido de algo

que estaacute terminado completo e natildeo por ldquoacabamentordquo pois acabamento pode dar um sentido equivocado de

perfeiccedilatildeo meramente formal o que reduziria a complexidade proacutepria definiccedilatildeo de forma pareysoniana que eacute

muito mais dinacircmica e metafiacutesica do que a ideia de forma no sentido usual de configuraccedilatildeo

106

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p147 Ver tambeacutem em Ibidem p32 -33

ldquoLopera nella sua compiutezza non egrave dunque separabile dal processo della sua formazione percheacute anzi egrave

questo stesso processo visto nel suo compimentordquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I

Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p332)

58

[] a arte propriamente dita eacute a especificaccedilatildeo da formatividade exercitada

natildeo mais tendo em vista outros fins mas por si mesma O artista natildeo tem em

mira uma obra que para ser obra deva ser tambeacutem forma (isto eacute um ecircxito

especulativo moral teacutecnico) mas uma obra que presume e aceita valer soacute

como forma (isto eacute como mero ecircxito) A obra de arte consiste precisamente

nisto no natildeo querer ter outra justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma

forma que vive de per si uma inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto

de realidade alguma coisa que primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero

uma realizaccedilatildeo primeira e absoluta107

Assim sendo a Teoria da formatividade traz consigo a noccedilatildeo de inseparabilidade e

simultaneidade dos ldquomomentosrdquo da formandashobra isto eacute todos os ldquotemposrdquo da obra participam

da obra acabada e existem por e para ela Neste sentido projetar produzir executar

contemplar a ldquoformardquo ou seja o processo de produccedilatildeo como um todo eacute uma coisa soacute E tudo

isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como ecircxito em si mesma

Aqui parece possiacutevel entender que a ldquoformardquo eacute a proacutepria ldquofinalidaderdquo da obra e

portanto a formatividade se configura enquanto processo artiacutestico como um movimento

teleoloacutegico da obra de arte Nota-se que novamente a ldquoformatividaderdquo pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgacircnico108

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte

Nesse sentido a produccedilatildeo a ldquoforma-obrardquo eacute a produccedilatildeo de uma coisa que estaacute entre

coisas que tem vida proacutepria e que constitui o conjunto da realidade das coisas Esse raciociacutenio

leva a outra importante indagaccedilatildeo diante da ldquoforma-obra-de-arterdquo Assim sendo antes de se

107

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p37 ldquoLartista non ha di mira unopera che per esser opera devessere anche forma (cioegrave

una riuscita speculativa morale tecnica) ma unopera che presume e accetta di valere solo come forma (cioegrave

come mera riuscita) Lopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra giustificazione che

desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un incremento imprevisto della

realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una realizzazione prima e assolutardquo (Idem

I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p235)

108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristoteacutelico visto que nos textos do estagirita um

dos pilares para a definiccedilatildeo de ser vivo (organismo) eacute a ideia e finalidade proacutepria pois eacute a finalidade de cada ser

que determina a organizaccedilatildeo das partes que constituem a totalidade na unidade

59

perguntar o e ela quer dizer vale perguntar o que ela eacute Essa indagaccedilatildeo possibilita a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte que eacute possiacutevel justamente a partir da definiccedilatildeo

de arte como ldquoformardquo e desse modo se configura como organismo autocircnomo dotado de

existecircncia proacutepria Pareyson diz

Mas a arte eacute produccedilatildeo e realizaccedilatildeo em sentido intensivo eminente absoluto

a tal ponto que com frequecircncia foi na verdade chamada criaccedilatildeo enquanto

eacute natildeo soacute produccedilatildeo de organismos que como os da natureza satildeo autocircnomos

independentes e vivem por conta proacutepria mas tambeacutem alcanccedila ser produccedilatildeo

de objetos radicalmente novos verdadeiro e proacuteprio incremento da realidade

inovaccedilatildeo ontoloacutegica 109

Como descrito no texto acima a partir da noccedilatildeo de ldquoformardquo com organismo a obra de

arte eacute realidade em si mesma Isso traz agrave tona a noccedilatildeo de fisicalidade de arte como ldquoobjetordquo

sensiacutevel Portanto a proacutepria fisicalidade da obra de arte a relaccedilatildeo ldquoforma ndash mateacuteriardquo toma um

lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo Como Pareyson completa

Isto significa recordar que a obra de arte eacute antes de tudo um objeto sensiacutevel

fiacutesico e material e que fazer arte quer dizer antes de qualquer outra coisa

produzir um objeto que exista como coisa entre coisas exteriorizado numa

realidade sonora e visiva 110

A implicaccedilatildeo desse entendimento de obra de arte como ldquoforma-obrardquo traz por sua

vez a ideia de organismo vivo acarretando a emancipaccedilatildeo ontoloacutegica da obra de arte

deixando de ser vista apenas como significado numa ldquoformardquo ldquovaziardquo que eacute ldquopreenchidardquo por

um ldquoconteuacutedordquo alheio e externo a sua existecircncia fiacutesica Logo questiona- se a proacutepria noccedilatildeo de

que a obra de arte eacute sempre referente e subordinada a um suposto ldquoenterdquo externo seja ele um

109

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoMa larte egrave produzione e realizzazione in senso intensivo eminente assoluto al

punto che spesso egrave stata chiamata addirittura creazione in quanto non solo egrave produzione di organismi che

come quelli della natura sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio ma giunge ad esser

produzione di oggetti radicalmente nuovi vero e proprio incremento della realtagrave innovazione ontologicardquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p231)

110

Ibidem op cit p55 ldquoCiograve significa ricordale elle lopera darte egrave anzitutto un oggetto sensibile fisico e

materiale e che far arte vuol dire prima dogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose

estrinsecato in una realtagrave sonora e visivardquo (Ibidem op cit p251)

60

modelo representado ou o artista ou um espectador e que estes sim seriam dotados de

estatuto ontoloacutegico prenhes de significado em si mesmos dotados de existecircncia e

independentes de um referente eou modelo Dito isto se pode afirmar que ldquoA forma

portanto eacute antes de mais nada expressatildeo de si mesma porque conteacutem tudo aquilo que

declara e declara tudo aquilo que eacuterdquo 111

Por isso vale retomar a relaccedilatildeo simbioacutetica que Pareyson reivindica entre arte-forma e

as coisas da natureza pois essa premissa cela o estatuto ontoloacutegico da arte e o seu status de

coisa entre coisas Sendo assim esse pressuposto leva a outra discussatildeo que estaacute no

nuacutecleo da histoacuteria do pensamento sobre arte a do entendimento da representaccedilatildeo como sendo

mecanismo inerente e necessaacuterio agrave arte Isto eacute o estatuto ontoloacutegico da arte culmina na

conclusatildeo de que a obra de arte eacute sobretudo presenccedila em si mesma Como sintetiza

Pareyson ldquo[] o corpo da obra de arte eacute toda a realidade dela A pintura natildeo eacute nada diverso

de uma superfiacutecie colorida a estaacutetua nada diversa de bronze fundido a poesia nada diversa de

uma seacuterie de palavras []rdquo 112

Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciociacutenio e esclarece como a

ontologizaccedilatildeo da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussatildeo

sobre a relaccedilatildeo entre obra de arte e a realidade no que diz repeito agrave implicaccedilatildeo da arte como

imitaccedilatildeo

A arte eacute imitaccedilatildeo da natureza natildeo enquanto representa a realidade mas

enquanto a inova isto eacute enquanto incrementa o real seja porque acrescenta

ao mundo natural um mundo imaginaacuterio ou hetero-coacutesmico seja porque no

111

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p272 ldquoLa forma dunque egrave anzitutto espressiva di seacute stessa percheacute contiene tutto ciograve chessa dichiara e

dichiara tutto ciograve chessa egraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p247)

112

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquo[] il corpo dellopera darte egrave tutta la realtagrave di essa Il dipinto non egrave nientaltro che una

superficie colorata e la statua nientaltro che bronzo fuso e la poesia nientaltro che una serie di

parole[]rdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p307)

61

mundo natural acrescenta agraves formas que jaacute existem formas novas que

propriamente constituem um verdadeiro aumento da realidade 113

Em suma muito se fala da arte como representaccedilatildeo no entanto natildeo podemos deixar

de lembrar que antes de ser representaccedilatildeo ela eacute apresentaccedilatildeo de si mesma ela eacute coisa entre

coisas e esse entendimento eacute tambeacutem fundamental para entender a arte enquanto teacutekhne e

poiacuteesis quando entendidas nas acepccedilotildees aristoteacutelicas anteriormente discutidas Por

conseguinte esse eacute o assunto central do proacuteximo capiacutetulo pois ainda haacute mais a se dizer a

repeito desse ponto esboccedilado aqui isto eacute a intrincada questatildeo da arte como imitaccedilatildeo eou

como representaccedilatildeo que leva agrave outra questatildeo que eacute o delicado equiliacutebrio da simultaneidade na

arte enquanto representaccedilatildeo de outro e apresentaccedilatildeo de si mesma

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo

Embora a Teoria da Formatividade decirc ecircnfase agrave definiccedilatildeo de arte como ldquoformardquo

teacutekhne e poiacuteesis a esteacutetica pareysoniana natildeo perde de vista a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo ou

ldquoexpressatildeordquo que estatildeo contidas na obra de arte E portanto chama agrave atenccedilatildeo outro

fundamental equiliacutebrio de simultaneidade na obra de arte isto eacute a relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquomundordquo que tambeacutem poderia se configurar por exemplo numa possiacutevel relaccedilatildeo entre

ldquointernordquo e ldquoexternordquo Como se constata nessa passagem do livro Esteacutetica ndash Teoria da

Formatividade

[] o espiacuterito da obra natildeo eacute algo diferente do seu corpo como se na obra

fosse possiacutevel distinguir interno e externo vida imanente e manifestaccedilatildeo

visiacutevel alma interior e invoacutelucro exterior pura espiritualidade e

intermediaacuterio fiacutesico114

113

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 70 ldquoLarte egrave imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtagrave ma in quanto

la innova cioegrave in quanto incrementa il reale sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o

eterocosmico sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che giagrave ci sono delle forme nuove che sono un

vero e proprio aumento della realtagraverdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264-265)

114

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p113-114 ldquo[] lo spirito dellopera non egrave qualcosa di diverso dal suo corpo come se nellopera si potesse

distinguere interno ed esterno vita immanente e manifestazione visibile anima interiore e involucro esteriore

pura spiritualitagrave e intermediario fisicordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli

2ordf Edizione 1960 p97)

62

Ou seja ainda que para Pareyson ldquoformardquo seja coisa concreta no mundo e portanto

tenha fisicalidade e materialidade sendo assim objeto sensiacutevel isso natildeo torna a sua teoria

num mero ldquoformalismordquo versus ldquoconteudismordquo Pois ele natildeo exclui da noccedilatildeo de ldquoformardquo

outros aspectos impliacutecitos da Arte como a ideia de espiritualidade Por isso natildeo reduz o

problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteuacutedo que por sua vez

segundo Pareyson natildeo satildeo separaacuteveis ou seja conteuacutedo e forma satildeo intriacutensecos e um eacute

necessaacuterio para que o outro exista

Portanto antes de qualquer coisa eacute imprescindiacutevel demarcar o que Pareyson entende

por ldquoconteuacutedordquo da obra de arte que para o filoacutesofo italiano se aproxima mais de uma noccedilatildeo

de ldquoestilordquo do que propriamente como sinocircnimo de ldquotemardquo Abaixo seguem dois trechos que

esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de ldquoconteuacutedordquo

Dizer conteuacutedo de uma obra de arte portanto significa dizer caraacuteter pessoal

e espiritual do estilo considerado como espiritualidade que se tornou

totalmente modo de formar O conteuacutedo entatildeo eacute algo diferente daquilo que

se costuma denominar tema argumento ou assunto pois a obra natildeo precisa

a rigor procurar o proacuteprio conteuacutedo em um argumento ou tema quando o

estilo eacute jaacute espiritualidade concreta que se tornou energia formante 115

E mais adiante noutro trecho Pareyson acrescenta ldquo[] estilo eacute proacuteprio conteuacutedo

isto eacute a espiritualidade que aiacute se faz modo de formarrdquo 116

Ou seja para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre ldquoformardquo e conteuacutedo

na arte Pareyson traz a ideia de ldquoestilordquo que eacute sobretudo definido como a ldquoespiritualidaderdquo

do artista contida na obra

115

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p 38 ldquoDire contenuto dell opera d arte dunque non significa altro che dire carattere personale

e spirituale dello stile considerato come spiritualitagrave che si egrave fatta tutta modo di formare Il contenuto allora egrave

qualcosa di diverso da ciograve che si suol chiamare tema argomento o laquo soggetto raquo poicheacute lopera non ha bisogno

a rigore di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema quando lo stile egrave giagrave spiritualitagrave concreta

diventata energia formanterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p22-23)

116

Ibidem op cit 1993 p 39 ldquo[]lo stile egrave la stessa spiritualitagrave dellartista fattasi modo di formarerdquo (Idem

opcit 1960 p24)

63

Mas antes ainda diante desta relaccedilatildeo seria oportuno definir melhor o que significa

para Pareyson ldquoespiacuteritordquo [spirito] 117

da obra de arte bem como ldquoespiritualidade da obra de

arterdquo eis aqui algumas delimitaccedilotildees importantes a respeito dessa consideraccedilatildeo nas palavras

de Pareyson ldquoO espiacuterito da obra eacute a organizaccedilatildeo unitaacuteria de seu corpo a totalidade indivisiacutevel

de suas partes sensiacuteveis a coerecircncia indissoluacutevel de sua realidade fiacutesicardquo 118

Logo vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano ldquoespiacuteritordquo e

ldquoformardquo coincidem e para entender melhor como se daacute essa coincidecircncia eacute necessaacuterio

discorrer sobre a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em Pareyson e sobretudo mais especificamente

ldquoespiritualidade do artistardquo Ou seja neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte as

acepccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo coincidem na maioria das vezes com o que o autor chama de

ldquomundo do artistardquo contido na obra Que todavia natildeo se confunde com o que seria o tema da

obra mas sim se encontra com a ideia pareysoniana de conteuacutedo delimitado nas acepccedilotildees

anaacutelogas agraves noccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo e ldquoestilordquo bem como de ldquosignificado humanordquo Nas

palavras de Pareyson

Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensiacutevel da

obra de arte a forma foi entendida como o resultado da formaccedilatildeo de uma

mateacuteria da produccedilatildeo de um objeto fiacutesico como mateacuteria formada isto eacute

como uma configuraccedilatildeo conseguida de palavras sons cores pedras ou

qualquer outra coisa E paralelamente reparando no fato de que nem sempre

as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos porque

nenhum objeto real ou possiacutevel e nenhum sentimento determinado estatildeo

contidos num arabesco numa muacutesica abstrata numa obra arquitetocircnica que

117

Importante ressaltar que ldquoespiacuteritordquo aqui natildeo corresponde agrave ideia de ldquoespiacuterito absolutordquo que se encontra por

exemplo sobretudo em alguns textos sob a influecircncia da filosofia hegeliana Pois em Pareyson a noccedilatildeo de

espiacuterito estaacute ligada agrave noccedilatildeo de pessoa outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim Nesse

trecho Pareyson faz menccedilatildeo agrave distinccedilatildeo das acepccedilotildees de ldquoespiacuteritordquo ldquoSoacute uma filosofia da pessoa tem condiccedilotildees

para resolver o problema da unidade e distinccedilatildeo das atividades por explicar com base na indivisibilidade e na

iniciativa da pessoa como eacute que toda operaccedilatildeo exige sempre simultaneamente a especificaccedilatildeo de uma atividade

e a concentraccedilatildeo de todas as outras Se o operar fosse do espiacuterito absoluto natildeo haveria motivo para distinccedilatildeo

entre as atividades e todas se reduziriam a umardquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25)

ldquoSolo una filosofia della persona egrave in grado di risolvere il problema dellunitagrave e distinzione delle attivitagrave poicheacute

spiega in base allindivisibilitagrave e alliniziativa della persona come ogni operazione richieda sempre insieme la

specificazione dunattivitagrave e la concentrazione di tutte le altre se loperare fosse dello spirito assoluto non vi

sarebbe ragione di distinzione fra le attivitagrave e tutte si ridurrebbero a unardquo (Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p10)

118

Ibidem Op cit p114 ldquoLo spirito dellopera egrave lorganizzazione unitaria del suo corpo la totalitagrave indivisibile

delle sue parti sensibili la coerenza indissolubile della sua realtagrave fisica []rdquo (Idem Op cit p97)

64

natildeo obstante tecircm um significado humano e uma ressonacircncia espiritual

procurou-se o conteuacutedo em um niacutevel mais profundo e num campo mais vasto

encontrou-se o ldquomundordquo do artista o seu modo de pensar viver sentir a sua

concepccedilatildeo do mundo e seu posicionamento frente agrave vida a sua

Weltanschauung e o seu ethos as ideias os pensamentos os juiacutezos que

formulam na sua mente os sentimentos os ideais as aspiraccedilotildees que nutrem

no seu coraccedilatildeo as experiecircncias as escolhas as crenccedilas de que informa a sua

vida em suma a sua personalidade concreta toda a sua espiritualidade119

Isto eacute a noccedilatildeo de ldquomundordquo utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de

Weltanschauung120

logo advindo do contexto dos estudos de filosofia alematilde que para os

aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson pode ser resumido como ldquointuiccedilatildeo do

mundordquo ldquovisatildeo de mundordquo ou ldquocosmovisatildeordquo contudo acrescido do conceito de ldquopessoardquo

pareysoniano isto eacute para Pareyson Weltanschauung eacute uma ldquovisatildeo de mundo pessoalrdquo que

estaacute diretamente ligada ao conteuacutedo da ldquoformardquo enquanto obra de arte como ele mesmo

explica

Um mundo eacute a realidade universal tal qual vista por uma pessoa eacute um

sentido pessoal do universo uma visatildeo pessoal da realidade uma concepccedilatildeo

119

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p54-55 ldquoQuando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e laspetto sensibile

dellopera darte la forma fu intesa come il risultato della formazione duna materia della produzione dun

oggetto fisico come materia formata cioegrave come una configurazione riuscita di parole suoni colori pietre o

altro che sia E parallelamente badando al fatto che non sempre le opere darte rappresentano oggetti o

esprimono sentimenti percheacute nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato egrave contenuto in

un arabesco in una musica astratta in unopera architettonica che pure hanno un significato umano e una

risonanza spirituale si cercograve il contenuto a un livello piugrave profondo e su un campo piugrave vasto e si trovograve il

laquomondoraquo dellartista il suo modo di pensare vivere e sentire la sua concezione del mondo e il suo

atteggiamento di fronte alla vita la sua Weltanschauung e il suo ethos le idee i pensieri i giudizi che formula

nella sua mente i sentimenti glideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore le esperienze le scelte le credenze di

cui informa la sua vita insomma la sua personalitagrave concreta lintera sua spiritualitagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p250)

120

Natildeo haacute exatamente um consenso sobre a origem de ldquoWeltanschauungrdquo como conceito em textos filosoacuteficos

Termo que tambeacutem pode ter vaacuterias acepccedilotildees dependendo do aporte e do contexto em que estaacute empregado No

entanto uma referecircncia segura eacute que eacute uma expressatildeo que faz parte do contexto dos estudos filosoacuteficos e

artiacutesticos alematildees abrangendo autores desde Kant a Goethe Eacute provaacutevel que no caso de Pareyson que a acepccedilatildeo

seja advinda da filosofia de Karl Jaspers jaacute que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este

autor E que tenha uma acepccedilatildeo advinda de aportes da filosofia com veia existencialista por isso parece que em

Pareyson eacute possiacutevel vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular

seja pessoal ou de um grupo de pessoas Ver tambeacutem verbete ltldquoIntuiccedilatildeo do Mundordquogt In ABBAGNANO

Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Ed WMF

Martins Fontes 2012 p 672

65

pessoal da vida [] uma Weltanschauung e um ethos eacute um modo

tipicamente pessoal de interpretar o mundo [] Um mundo eacute isto sim uma

visatildeo do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa que seja a

proacutepria pessoa em sua realidade viva [] 121

E portanto ldquoespiritualidade do artistardquo neste contexto coincide com a ideia de

intuiccedilatildeo pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte

como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo

[] na obra fisicalidade e espiritualidade significado e existecircncia

coincidem na obra de arte ser e dizer corpo e espiacuterito satildeo a mesma coisa A

obra natildeo diz senatildeo o que ela eacute e o seu proacuteprio ser eacute um dizer soacute a sua

presenccedila eacute um significado [] 122

Em suma os conceitos de ldquoespiritualidaderdquo e de ldquovisatildeo de mundordquo se conjugam e se

misturam para explicar que embora a obra de arte enquanto ldquoformardquo seja a realidade sensiacutevel

da obra e que seja o tudo que a obra de arte eacute natildeo basta para defini-la completamente Sendo

assim eacute necessaacuterio recorrer agrave coexistecircncia entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao

conceito de ldquoformardquo enquanto unitotalidade em si mesma Ou seja para Pareyson a obra estaacute

no mundo mas ela tambeacutem eacute mundo como se constata nos trechos abaixo

Se a obra de arte natildeo aceita valer senatildeo como forma isto natildeo significa que

nela se reduz a ser somente forma ela eacute ao mesmo tempo uma forma e um

mundo uma forma que natildeo exige valer senatildeo como pura forma e um mundo

espiritual que eacute um modo pessoal de ver o universo 123

121

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p 273 ldquoUn mondo egrave la realtagrave universale qualegrave vista da una persona egrave un senso personale

delluniverso una visione personale della realtagrave una concezione personale della vita o come ho detto altra

volta Weltanschauung ed ethos e un personalissimo modo dinterpretare il mondo[] Un mondo egrave una visione

delluniverso che diventi carne e sangue duna persona che sia la persona stessa nella sua realtagrave vivente[]rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

122

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p59 ldquo[] nellopera fisicitagrave e spiritualitagrave significato ed esistenza coincidono nellopera darte essere e

dire corpo e spirito sono la stessa cosa Lopera non dice se non ciograve chessa egrave e il suo stesso essere egrave un dire la

sua sola presenza egrave un significatordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p250)

123

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p45 ldquoSe lopera darte non accetta di valere se non come forma ciograve non significa chessa

66

A relaccedilatildeo ldquoformandashmundordquo contida na teoria de arte pareysoniana eacute tatildeo simbioacutetica

como todos os outros binocircmios descritos acima e que estatildeo no nuacutecleo da formatividade da

arte Isto eacute um se explica pelo outro e um natildeo existe sem o outro como Pareyson mostra

nessa passagem

Quando entatildeo se afirma que a obra artiacutestica exprime o mundo do artista e

certamente se pode e deve falar deste modo importa natildeo esquecer que esta

expressatildeo ocorre somente enquanto a obra artiacutestica eacute ao mesmo tempo um

mundo e uma forma E se eacute verdade que ela natildeo pode ser uma forma sem

ser um mundo natildeo eacute menos verdade que tambeacutem natildeo pode ser um mundo

sem ser uma forma 124

Sendo assim constata-se que Pareyson trabalha com vaacuterios conceitos correlatos que

explicam como a arte pode ser coisa fiacutesica e material e ao mesmo tempo ter outras

caracteriacutesticas que a definem como algo tatildeo extraordinaacuterio e uacutenico Ou seja essa rede de

conceitos interligados que datildeo conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte

como ldquoformardquo pode ser sintetizada como as relaccedilotildees entre ldquoconteuacutedo - formardquo

ldquoespiritualidade da formardquo ndash ldquofisicalidade da formardquo e finalmente ldquomundo-formardquo Como

descrito nas linhas a seguir

Natildeo obstante as obras de arte satildeo figuras espirituais imagens que tecircm um

significado humano que falam agrave mente e ao coraccedilatildeo que transmitem

sentidos interiores e profundos Mas o aspecto espiritual e interior das obras

de arte natildeo eacute alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensiacutevel e a sua

realidade fiacutesica porque antes coincide imediatamente com eles [] Dizer

que na obra de arte o corpo eacute tudo natildeo significa negar-lhe a espiritualidade

si riduca ad essere solo forma essa egrave al tempo stesso una forma e un mondo una forma che non esige di valere

che come pura forma e un mondo spirituale chegrave un modo personale di vedere luniversordquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p242)

124

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p 273 ldquoQuando perciograve si dice che lopera darte laquo esprime raquo il mondo dellartista e certo si puograve e si deve dir

cosi non bisogna dimenticare che questa laquo espressione raquo avviene solo i n quanto lopera darte egrave insieme un

mondo e una forma e se egrave vero chessa non puograve essere una forma senza essere un mondo non egrave men vero che

non puograve essere un mondo senza essere una formardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

67

mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo

aspecto fiacutesico 125

Ou seja novamente a noccedilatildeo de simultaneidade eacute ressaltada na proacutepria relaccedilatildeo

fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a

seguir

A magia da obra de arte natildeo eacute a convergecircncia ou a copresenccedila ou a

mediaccedilatildeo da sua espiritualidade e da sua fisicalidade mas a coincidecircncia

destes dois termos o fato de na obra natildeo existir nada de fiacutesico que natildeo seja

significado espiritual nem nada de espiritual que natildeo seja presenccedila fiacutesica126

Esse equiliacutebrio natildeo dualista e natildeo oposicionista entre ldquofisicalidaderdquo e ldquoespiritualidaderdquo

e consequentemente entre ldquoformardquo e ldquoconteuacutedordquo destaca-se e permeia toda a Teoria da

Formatividade127

e desse modo estaacute na chave do entendimento do possiacutevel equiliacutebrio entre

as noccedilotildees de representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo das problemaacuteticas

concernentes agraves especificidades das artes visuais e em particular da arte pictoacuterica

125

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquoEppure le opere darte sono figure spirituali immagini che hanno un significato umano che

parlano alla mente e al cuore che trasmettono sensi interiori e profondi Laspetto spirituale e interiore delle

opere darte non egrave qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtagrave fisica percheacute jiuttosto

coincide immediatamente con essi [] Dire che nellopera darte il corpo egrave tutto non significa negarne la

spiritualitagrave ma solo affermare che questa spiritualitagrave devessere vista nel suo stesso aspetto fisicordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p308)

126

Ibidem op cit p120 ldquoLa magia dellopera darte non egrave la convergenza o la compresenza o la mediazione

del la sua spiritualitagrave e della sua fisicitagrave ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nellopera non cegrave

nulla di fisico che non sia significato spirituali neacute nulla di spirituale che non sia presenza fisicardquo (Ibidem Op

cit p308)

127

Como sintetiza Pablo Sarto ldquo[] la nocioacuten de forma que propone nuestro filoacutesofo ofrece varias

posibilidades En primer lugar proporciona una articulacioacuten entre el mundo la naturaleza el arte y las

actividades humanas que recuerda algunas afirmaciones tanto de la esteacutetica claacutesica como de la romaacutentica y

contemporaacutenea Por otro lado permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la

realidad sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo [hellip]rdquo (SARTO Pablo

Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson Pamplona EUNSA1998

p302)

Sobre a relaccedilatildeo entre existecircncia e transcendecircncia em Pareyson tambeacutem discorre Giovanni ForneroldquoO

ponto focal do Existencialismo de Pareyson que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na

inseparabilidade de existecircncia e transcendecircncia eacute a interpretaccedilatildeo do nexo existencial como coincidecircncia de

auto-relaccedilatildeo e heterorrelaccedilatildeo de relaccedilatildeo consigo e relaccedilatildeo com o ser []rdquo(FORNERO Giovanni Verbete lt

Existencialismogt In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho

Benedetti 6ordf ed Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2012 p471)

68

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson

E por fim outro conceito que participa dessa cadeia acima descrita de relaccedilotildees

inseparaacuteveis e correlatas eacute o conceito de ldquopessoardquo e que por sua vez se estabelece como

ponto de partida para os binocircmios ldquopessoa - formardquo e ldquopessoa - formatividaderdquo

A noccedilatildeo de ldquopessoardquo eacute formulaccedilatildeo basilar presente na filosofia de Pareyson como um

todo pensamento que muitas vezes eacute chamado de ldquopersonalismordquo128

E igualmente permeia

todo o pensamento especiacutefico sobre Arte que Pareyson formula Como ele mesmo explica

O estudo da interpretaccedilatildeo da obra de arte explicita o incindiacutevel nexo que

subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa e revela

dentre outros a congenialidade que eacute uma das leis fundamentais do espiacuterito

humano e pode trazer agrave esteacutetica e agrave criacutetica uma fundamental contribuiccedilatildeo

onde quer que se apresente cooperaccedilatildeo dos homens troca de ideias e difusatildeo

de civilizaccedilatildeo129

Natildeo parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o

conceito de pessoa se configura no pensamento filosoacutefico pareysoniano pois este seria por si

soacute um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro130

Entretanto se faz necessaacuterio

um delineamento do conceito de ldquopessoardquo para o entendimento da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo fundamental para vislumbrar todas as dimensotildees do conceito de ldquoformardquo

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano e eacute igualmente

conhecido como um filoacutesofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista que muitas vezes eacute

chamado de personalismo ontoloacutegico representado em especial pelo livro ldquoEsistencia e Personardquo (1950) O

filoacutesofo italiano tambeacutem eacute identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenecircutica representada

sobretudo pelo seu livro de ensaios ldquoVeritagrave e Interpretazionerdquo (1971) e por seus inuacutemeros livros sobre Esteacutetica

Cf SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson

Pamplona EUNSA 1998 p16-17 e p28-34 Ver tambeacutem lsquoVerbete Existencialismorsquo de GF [Giovanni Forner]

- In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti

Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2012 p471

129

PAREYSON Luigi Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica

1956 Traduccedilatildeo de Francesco Napoli p 114 a 120 In NAPOLI Francesco Luigi Pareyson e a esteacutetica da

formatividade um estudo de sua aplicabilidade agrave poeacutetica do ready-made 2008 (121 p) Dissertaccedilatildeo (Mestrado

em Filosofia) Ouro Preto Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

130

Ver mais em PAREYSON Luigi Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de

Filosofiacutea Mendoza Argentina marzo-abril 1949 Universidad Nacional de Cuyo Buenos Aires 1950 tomo II

p 1079-1083 (Sesiones III Filosofiacutea de la existencia)

69

pareysoniano Nas palavras dele como se daacute essa sutura dos conceitos de ldquoformardquo

espiritualidade e ldquopessoardquo

A forma eacute ao mesmo tempo fiacutesica e espiritual porque se a mateacuteria eacute formada

eacute fiacutesica o modo de formaacute-la eacute espiritual eis a conjunccedilatildeo de espiacuterito e

mateacuteria na obra de arte e natildeo se poderaacute dizer somente ldquoexprimardquo a pessoa

do artista pois ela eacute de certo modo inteira e indivisiacutevel a pessoa do artista

feita objeto material fiacutesico e existente sem que isso se oponha

naturalmente agrave evidente transcendecircncia reciacuteproca de obra e pessoa131

Desse modo a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo em Pareyson por vezes coincide com a de

ldquoformardquo isto eacute se alinhando ao conceito de ldquoespiritualidaderdquo a noccedilatildeo de ldquopessoardquo se

encontra com a definiccedilatildeo metafiacutesica de ldquoorganismordquo sobretudo no sentido de totalidade

trazida dos aportes aristoteacutelicos e que embasam o entendimento de obra de arte como

ldquoformardquo Nas palavras de Pareyson

Com efeito como totalidade a pessoa eacute obra e como desenvolvimento a

pessoa eacute operar atividade que culmina em obras E a obra por sua vez eacute

forma uma definiccedilatildeo que eacute ao mesmo tempo total e em si mesma completa

singular e irrepetiacutevel universalmente vaacutelida e por todos reconheciacutevel dotada

de coerecircncia e legalidade interna vida para si mesma e lei para si mesma

autocircnoma e independente exemplar e paradigmaacutetica132

Ou seja a noccedilatildeo de totalidade contida no conceito de ldquoformardquo tambeacutem participa da

definiccedilatildeo de ldquopessoardquo daiacute a correspondecircncia que Pareyson estabelece entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo De fato em vaacuterias passagens dos inuacutemeros textos sobre arte Pareyson chega a

131

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p57 ldquoLa forma egrave insieme fisica e spirituale percheacute se la materia formata egrave fisica il modo di

formarla egrave spirituale ecco la congiunzione di spirito e materia nellopera darte la quale non si puograve dire che

soltanto laquo esprima raquo la persona dellartista percheacute piuttosto essa in certo modo egrave intera e indivisibile la

persona dellartista fattasi tutta oggetto materiale fisico ed esistente senza che ciograve contravvenga naturalmente

allevidente trascendenza reciproca di opera e personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p41)

132

Ibidem op cit p176 ldquoInfatti come totalitagrave la persona egrave opera e come sviluppo la persona egrave operare

attivitagrave che culmina in opere e lopera egrave una forma cioegrave a dire una definitezza chegrave al tempo stesso totale e in seacute

conclusa singolare e irripetibile universalmente valida e onniriconoscibile dotata di coerenza e legalitagrave

interna vita a seacute stessa e legge a seacute stessa autonoma e indipendente esemplare e paradigmaticardquo (Ibidem op

cit p156)

70

afirmar que ldquoformardquo e ldquopessoardquo coincidem como neste exemplo ldquoPor isso se a pessoa eacute

forma e se todo operar humano eacute sempre pessoal o operar humano tem sempre um duplo

caraacuteter por um lado tende a executar formas e pelo outro exprime a totalidade da

pessoardquo133

Contudo antes de prosseguir na descriccedilatildeo da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo vale

definir brevemente o conceito de ldquopessoardquo por si soacute para Pareyson no trecho abaixo haacute uma

siacutentese do entendimento do filoacutesofo italiano sobre a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo utilizada por ele

Na pessoa se podem encontrar dois aspectos a totalidade e o

desenvolvimento Por um lado com efeito a pessoa eacute em cada um de seus

instantes uma totalidade infinita e definida fixa em uma forma

singulariacutessima e inconfundiacutevel dotada de uma validade concluiacuteda e

reconheciacutevel e por outro eacute um variar contiacutenuo aberto agrave possibilidade de

contestaccedilotildees e reelaboraccedilotildees de revisotildees e enriquecimentos de repeticcedilotildees

de velhos motivos e novos atos De um lado eacute a obra definida e concluiacuteda a

cada instante e do outro eacute obra de desenvolvimento aberta e exigindo

sempre novos atos e novos desenvolvimentos134

Ademais embora haja uma reconhecida influecircncia das correntes de pensamento

rotuladas sob as rubricas ldquoromantismordquo e ldquoidealismordquo que podem ser detectadas permeando o

pensamento de Pareyson visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling

natildeo se pode confundir a ideia de ldquopessoardquo com a noccedilatildeo de ldquosujeitordquo como ele mesmo explica

nesta passagem

133

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p177 Texto em italiano ldquoPerciograve se la persona egrave forma e se ogni operare umano egrave sempre

personale loperare umano ha sempre un doppio carattere per un verso tende a por capo a forme e per l altro

esprime la totalitagrave della personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p157)

134

Ibidem Op cit p176 Texto em italiano ldquoNella persona si possono rinvenire due aspetti la totalitagrave e lo

sviluppo Per un verso infatti la persona egrave fn ciascuno dei suoi istanti una totalitagrave infinita e definita fissata in

una forma singolarissima e inconfondibile dotata duna validitagrave conclusa e riconoscibile e per laltro egrave variare

continuo aperto alla possibilitagrave di contestazioni e rielaborazioni di revisioni e arricchimenti di riprese di

vecchi motivi e di nuovi atti Da un lato la perssona egrave lopera che io faccio di me stesso conclusa e definita in

ogni istante e dallaltro egrave opera i n sviluppo aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimentirdquo

(Ibidem Op cit p155-156)

71

Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetiacutevel inconfundiacutevel

original mas natildeo tem nada a ver com o ldquosujeitordquo que reduz a pura

intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relaccedilatildeo a

pessoa eacute aberta comunicativa social de modo que toda a atividade humana

e por isso tambeacutem a arte tem sempre um caraacuteter pessoal e social a um soacute

tempo [] 135

Portanto eacute diante da relaccedilatildeo entre unidade singular e totalidade que o conceito de

ldquopessoardquo se distingue da acepccedilatildeo de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes

advindos dos pensadores e artistas romacircnticos

Logo eacute na dupla definiccedilatildeo de ldquopessoardquo como ldquototalidaderdquo e ldquodesenvolvimentordquo que

ela se encontra com a definiccedilatildeo de ldquoformardquo (como totalidade) e de ldquoformatividaderdquo (como

desenvolvimento) Logo chega-se a outro aspecto fundamental que eacute acrescido nessa

discussatildeo o sentido de desenvolvimento e que estaacute presente nas definiccedilotildees tanto de ldquopessoardquo

como de ldquoformardquo (enquanto fruto da ldquoformatividaderdquo)

Sendo assim o conceito de ldquopessoardquo para Pareyson se configura natildeo soacute como base do

conceito de ldquoformardquo mas mormente como a base do conceito de ldquoformatividaderdquo pois traz

em si a noccedilatildeo de movimento desenvolvimento e a ideia de dinamismo presente na

operosidade humana como um todo e da qual a operosidade artiacutestica faz parte

Por conseguinte aqui a ldquoformardquo tambeacutem se encontra com os conceitos de teacutekhne e

poiacuteesis para se definir como resultado da ldquoformatividaderdquo e desse modo e a arte eacute entatildeo

definida como produccedilatildeo [poiacuteesis] da forma pela forma na forma isto eacute a ldquoarte eacute pura

formatividaderdquo 136 Porque eacute exatamente no ato de ldquoformarrdquo a obra que a ldquopessoardquo do artista

135

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p91 ldquo[] giaccheacute persona significa sigrave singolaritagrave irripetibile inconfondibile

originalissima ma non ha nulla a che fare col laquosoggettoraquo che riduce a pura intimitagrave e attivitagrave soggettiva tutto

ciograve con cui entra in rapporto la persona egrave aperta comunicativa sociale sigrave che ogni aiti vita umana e quindi

anche larte ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p284)

136ldquoA operaccedilatildeo artiacutestica eacute um processo de invenccedilatildeo e produccedilatildeo exercido natildeo para realizar obras especulativas

ou praacuteticas ou seja laacute quais forem mas soacute por si mesmo formar por formar formar perseguindo somente a

forma por si mesma a arte eacute pura formatividaderdquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p 26) ldquoLoperazione artistica egrave un

processo dinvenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano

72

se ldquoexprimerdquo e ldquoemprestardquo para a ldquoformardquo a sua ldquoespiritualidaderdquo e portanto a sua ldquovisatildeo de

mundo pessoalrdquo Pareyson explica essas intersecccedilotildees nessa passagem

Na obra de arte portanto mundo e forma natildeo satildeo coisas diversas e

alcanccedilaacuteveis somente em diversos niacuteveis a forma justamente em sua

existecircncia fiacutesica eacute o seu mundo e este eacute o sentido em que a expressividade

da arte se reduz agrave sua formatividade E este eacute justamente o aspecto que faz

da arte algo extraordinaacuterio estamos aqui diante de uma ldquocoisardquo e esta nos

remete a um ldquomundordquo 137

Entretanto a partir daiacute a forma se torna ela mesma ldquomundordquo descolando-se da

ldquopessoardquo 138

por isso eacute importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra

enquanto autocircnoma e detentora de um estatuto ontoloacutegico por isso natildeo se confunde com o

autor embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e por

isso carrega consigo algo da ldquopessoardquo mas ainda assim eacute independente e tem existecircncia

proacutepria Nas palavras de Pareyson

A forma eacute expressatildeo de si mesma e do autor ao mesmo tempo pessoal em

duplo sentido pessoal enquanto revela o autor e pessoal enquanto dotada de

uma proacutepria e independente personalidade Uma coisa tambeacutem natildeo se acha

separada da outra pois a forma soacute tem uma personalidade proacutepria se uma

pessoa eacute o seu autor e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais

consegue ter sua autocircnoma personalidade Pois a expressatildeo do autor se acha

presente no esforccedilo formativo deste e nele se resolve e assim a forma eacute

ma solo per seacute stesso formare per formare formare perseguendo unicamente la forma per seacute stessa larte egrave

pura formativitagraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p

11)

137

Ibidem Op cit p274 ldquoNellopera darte dunque mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a

diversi livelli la forma proprio nella sua esistenza fisica egrave il suo mondo e questo egrave il senso in cui lespressivitagrave

dellarte si riduce alla sua formativitagrave Ed egrave ben questa la cosa straordinaria dellarte trova davanti a una laquo

cosa raquo e vi si rinviene un laquo mondo raquordquo (Ibidem Op cit p249-250)

138

Cf PAREYSON lsquoA arte como formatividade pura especiacutefica e intencionalrsquo In Idem Esteacutetica Teoria da

Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25-26 ldquoLrsquoarte come

formativitagrave pura specifica e intenzionalerdquo In Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 10-12

73

retrato completo de quem a fez porque eacute a expressatildeo completa de si

mesma139

Ademais Pareyson ainda vai mais longe nessa ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo

estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina

como ldquoformatividaderdquo quando ele evoca a importacircncia desse binocircmio para discorrer sobre a

questatildeo da interpretaccedilatildeo da obra de arte Ou seja quando ele discorre sobre a relaccedilatildeo da

ldquoforma ndash espectadorrdquo que se daacute a partir da relaccedilatildeo ldquoforma-pessoardquo entendida duplamente

tanto na ldquopessoardquo do artista como na ldquopessoardquo do espectador Nas palavras dele

Este insuprimiacutevel caraacuteter pessoal da arte prolonga-se ainda na caracteriacutestica

comunicabilidade da forma que eacute universal somente enquanto eacute pessoal e

vice-versa porque fala a todos mas fala a cada um no seu modo De fato

natildeo se tem acesso agrave obra de arte senatildeo pessoalmente no sentido de que a

obra de arte exige interpretaccedilatildeo isto eacute por si mesma uma leitura multiacuteplice

ou melhor infinita como infinitas e sempre diversas satildeo as pessoas dos

inteacuterpretes e dos leitores 140

Por conseguinte eacute essa intersecccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo encontrada no interior da

Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripeacute que pode ser

identificado no pensamento pareysoniano como um todo141

Isto eacute a ldquofilosofia da pessoardquo a

ldquofilosofia da formardquo e a ldquofilosofia da interpretaccedilatildeordquo 142

139

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p272 ldquoLa forma egrave espressiva di seacute e del suo autore insieme personale in duplice senso

poicheacute egrave personale in quanto rivela lautore e personale in quanto dotata duna propria e indipendente

personalitagrave neacute luna cosa egrave disgiunta dallaltra percheacute la forma ha una sua personalitagrave solo se persona egrave il suo

autore e tanto piugrave riesce a rivelare il suo autore quanto piugrave giunge ad avere la sua autonoma personalitagrave che

lespressione dellautore egrave presente nello sforzo formativo di costui e vi si risolve e cosigrave la forma egrave ritratto

compiuto di chi lha fatta percheacute egrave espressione compiuta di seacuterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 247)

140

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p86-87 ldquoQuesto insopprimibile carattere personale dellarte si prolunga ancora nella

caratteristica comunicabilitagrave della forma la quale egrave universale solo in quanto personale e viceversa percheacute

parla a tutti ma a ciascuno parla nel suo modo Infatti non si accede allopera darte se non personalmente nel

senso che lopera drsquoarte esige interpretazione cioegrave suscita di seacute una lettura molteplice anzi infinita come

infinite e sempre diversi sono le persone glrsquointerpreti e dei lettorirdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p280)

141

Sarto acentua a relaccedilatildeo entre as lsquopartesrdquo da filosofia paresyoniana da seguinte maneira ldquoVemos pues aquiacute

nuevo los viacutenculos que existen entre el lsquopersonalismo ontoloacutegicorsquo la lsquometafisica da formarsquo y esta lsquognoseologiacutea

de la interpretacioacutenrsquo y casi sin darnos cuenta hemos pasado del concepto de lsquoformatividadersquo al de

74

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade

Partindo do contorno jaacute estabelecido de significado de ldquoformardquo vaacuterios aspectos

fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artiacutestico

portanto os meandros da ldquoformatividaderdquo O primeiro ponto a ser destacado eacute o entendimento

de que como jaacute foi dito eacute a busca pela ldquoformardquo que move todo o processo de

ldquoformatividaderdquo

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo

Por isso um dos pontos de apoio da teoria esteacutetica de Pareyson eacute a premissa

fundamental de que durante o percurso da produccedilatildeo da obra exista necessariamente um

objetivo muito claro voltado agrave formaccedilatildeo da coisa concreta (ldquoobra-de-arte-formardquo) Daiacute a

importacircncia do sentido de arte como fazer produtivo e natildeo de um simples fazer Isto eacute a arte

eacute produccedilatildeo [poiacuteen] que resulta numa ldquoobra-formardquo

Sem essas demarcaccedilotildees e entendimentos natildeo se pode concluir que na arte o saber-

fazer se daacute ao mesmo tempo da produccedilatildeo Pois eacute exatamente por conta da busca pela ldquoformardquo

que o saber se configura na hora do ldquoformarrdquo e natildeo antes nem mesmo depois pois esse saber-

fazer estaacute subordinado agrave ldquoformardquo e ao ecircxito da formaccedilatildeo desta natildeo o contraacuterio

lsquointerpretacioacutenrsquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi

Pareyson Pamplona EUNSA1998 p34)

142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em portuguecircs no livro ldquoVerdade e Interpretaccedilatildeordquo que

constitui uma coletacircnea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970 Ainda no prefaacutecio desta coletacircnea

Pareyson delimita o conceito de interpretaccedilatildeo que segundo ele teve no campo da esteacutetica um apronfudamento

fundamental Nas palavras dele ldquoO ponto central do pensamento que proponho eacute aquela solidariedade

originaacuteria entre pessoa e verdade na qual consiste a essecircncia genuiacutena do conceito de interpretaccedilatildeo Ao estudo

do conceito de interpretaccedilatildeo jaacute me dedico a mais de vinte anos mais precisamente a partir de quando me pus a

refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um

diaacutelogo entre diversas perspectivas pessoais desde que finalmente se abandone a concepccedilatildeo objetiva de

verdade No conceito de interpretaccedilatildeo tal como resultou daquela reflexatildeo e tal como foi apronfundado nas

aplicaccedilotildees que dele fiz em outros campos sobretudo no campo esteacutetico permito-me indicar aquela nota

hermenecircutica e portanto ontoloacutegica do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de

origem idealista ou de derivaccedilatildeo intimistardquo (PAREYSON Luigi Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria

Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p5)

75

Sendo a ldquoformardquo a geratriz das necessidades e das direccedilotildees de determinada produccedilatildeo

que complete e decirc conta da realizaccedilatildeo da obra de arte acabada Nesse intuito Pareyson clama

por

[] colocar em evidecircncia o caraacuteter dinacircmico da forma agrave qual eacute essencial ser

um resultado ou melhor a resultante de um ldquoprocessordquo de formaccedilatildeo pois a

forma natildeo pode ser vista como tal se natildeo se vecirc no ato de concluir e ao

mesmo tempo incluir o movimento de produccedilatildeo que lhe daacute nascimento e aiacute

encontra o proacuteprio sucesso143

A partir do texto acima eacute possiacutevel afirmar que ldquoformardquo e o processo operativo desta

satildeo inseparaacuteveis no acircmbito da produccedilatildeo da obra de arte e eacute isso que entatildeo Pareyson denomina

como sendo ldquoformatividaderdquo Isto eacute um determina o outro e vice e versa e por conta dessa

relaccedilatildeo simbioacutetica eacute que se conclui que o saber-fazer e o produzir na arte satildeo concomitantes e

indissociaacuteveis

Outro aspecto da ldquoformatividaderdquo que jaacute foi mencionado quando se discorreu sobre a

ldquoformardquo eacute o papel da ldquopessoardquo na ldquoformatividaderdquo e eacute exatamente esse papel que define a

ligaccedilatildeo simbioacutetica entre ldquoforma-pessoardquo Pareyson define a ldquo[] arte como atividade

formativa isto eacute inventiva original criadora e consiste numa presenccedila ao mesmo tempo

triacuteplice e uacutenica da pessoa na arte como energia formante como modo de formar como obra

formadardquo 144 E ainda mais adiante Pareyson completa

[] E se no operar artiacutestico a pessoa do autor tornou-se ela mesma o seu

proacuteprio e insubstituiacutevel modo de formar e se a arte natildeo tem outro conteuacutedo

que natildeo a proacutepria pessoa que eacute a sua energia formante bem se pode dizer

que a obra a que ao processo artiacutestico leva a cabo eacute a proacutepria pessoa do

143

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p10 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

144

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p86 ldquo[] allarte come attivitagrave formativa cioegrave inventiva originale creatrice e consiste in una triplice e

insieme unica presenza della persona nellarte come energia formante come modo di formare come opera

formatardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p280)

76

artista encarnada completamente num objeto fiacutesico e real que eacute justamente

a obra formada 145

Pareyson entatildeo explica que a ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo eacute estabelecida por

meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina como

ldquoformatividaderdquo Portanto eacute o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da

obra de arte e que tem um caraacuteter uacutenico exatamente pelo caraacuteter uacutenico da ldquopessoardquo que

inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produccedilatildeo da obra que liga agrave

pessoa agrave forma formada

222 A relaccedilatildeo entre forma formante e forma formada

Essa hipoacutetese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estatildeo interligados levam a

necessidade de examinar mais de perto o processo de produccedilatildeo da obra arte

Por longos seacuteculos o processo de formaccedilatildeo da obra de arte natildeo foi objeto de

consideraccedilatildeo filosoacutefica permanecendo quando muito no acircmbito das poeacuteticas

e abandonando as regras da retoacuterica [precettistica] 146

Comeccedilou a interessar

agrave meditaccedilatildeo filosoacutefica quando os proacuteprios artistas principiaram a meditar

sobre o assunto principalmente sob o estiacutemulo de poeacuteticas que queriam o

artista consciente das proacuteprias operaccedilotildees 147

Estas frases de Pareyson acima citadas datildeo o tom de sua preocupaccedilatildeo em teorizar o

processo do fazer artiacutestico e recolocar a ecircnfase da reflexatildeo filosoacutefica sobre a definiccedilatildeo de arte

145

Ibidem Op cit p86 ldquo[] lintera persona diventa gesto del fare modo di formare stile E se nelloperare

artistico la persona de lautore egrave diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare e se larte

non ha altro contenuto che la persona stessa che ne egrave lenergia formante si p u ograve ben dire che lopera cui mette

capo il processo artistico egrave la stessa persona dellartista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale

qual egrave appunto lopera formatardquo (Ibidem op cit p280-281)

146

Aqui talvez a melhor traduccedilatildeo fosse ldquopreceptivardquo ou ldquodoutrinardquo

147

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p139 ldquoPer lunghi secoli il processo di formazione dellopera darte non fu oggetto di

considerazione filosofica rimanendo tuttal piugrave nellambito delle poetiche e abbandonato alle regole della

precettistica Cominciograve a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su

soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano lartista consapevole delle proprie operazionirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p325)

77

como saber- fazer produtivo [teacutekhne ndash poiacuteetikoacutes] por isso o esforccedilo no resgate das definiccedilotildees

gregas e suas relaccedilotildees com as ideias centrais do filoacutesofo italiano

A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior e partindo da

ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte eacute a ideia da arte como fazer

[poieicircn] Mas natildeo um simples fazer eacute um saber-fazer [teacutekhne] mas natildeo qualquer saber-fazer

e sim um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem

particularidades muito proacuteprias Como expotildee Pareyson

E eacute justamente esta a condiccedilatildeo do processo artiacutestico guiado por uma espeacutecie

de antecipaccedilatildeo e de pressentimento do ecircxito pelo qual a proacutepria obra age

antes ainda de existir se eacute verdade que a forma existe somente quando o

processo estaacute acabado como resultado de uma atividade que a inventa no

proacuteprio ato que a executa eacute tambeacutem verdade que a forma age como

formante antes ainda de existir como formada oferecendo-se agrave adivinhaccedilatildeo

do artista e por isso solicitando seus eficazes pressaacutegios e dirigindo as suas

operaccedilotildees 148

Como descrito acima uma das particularidades do processo produtivo da arte eacute

conforme apontado previamente a simultaneidade do saber-fazer e do produzir Isso se deve

ao fato de que o processo criativo da arte estaacute subordinado agrave ldquoformardquo No entanto a ldquoformardquo

natildeo existe antes do processo por isso esse percurso do artista ao produzir a obra se

configura num vai e vem dinacircmico entre o ldquovir a serrdquo da ldquoobra-formardquo e a ldquoformardquo da obra

intuiacuteda previamente mas que ainda natildeo eacute ldquoforma formadardquo

148

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142 ldquoEd egrave appunto questa la condizione del processo artistico guidato da una specie

di anticipazione e di presentimento della riuscita per cui lopera stessa agisce prima ancora di esistere se egrave

vero che la forma esiste solamente a processo compiuto come risultato dunattivitagrave che linventa nellatto stesso

che la esegue egrave anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata

offrendosi alla divinazione dellartista e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazionirdquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p327)

78

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade

A correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo central no percurso de

fabricaccedilatildeo da obra de arte tem como motor a invenccedilatildeo que indissociaacutevel da produccedilatildeo gera a

ldquoformatividaderdquo resultando no ecircxito da ldquoformardquo

Portanto eis um conceito chave para o entendimento do processo artiacutestico como um

todo invenccedilatildeo [invenzione] 149 Isto eacute a ideia de invenccedilatildeo como componente central da

ldquoformatividaderdquo que Pareyson indica na sua teoria abaixo segue uma siacutentese central do

processo artiacutestico visto agrave luz da teoria esteacutetica pareysoniana

O conceito central eacute a formatividade entendida esta como a uniatildeo

inseparaacutevel de produccedilatildeo e invenccedilatildeo ldquoFormarrdquo significa aqui ldquofazerrdquo

inventando ao mesmo tempo o ldquomodo de fazerrdquo ou seja ldquorealizarrdquo soacute

procedendo por ensaio em direccedilatildeo ao resultado e produzindo desde modo

obras que satildeo ldquoformasrdquo 150

Mas natildeo eacute qualquer invenccedilatildeo assim como o saber-fazer da arte ocorre

simultaneamente ao fazer-produzir a invenccedilatildeo ocorre junto agrave produccedilatildeo completando um

ciacuterculo contiacutenuo da produccedilatildeo da obra arte que envolve a invenccedilatildeo do modo de fazer e a

execuccedilatildeo propriamente dita ateacute a conclusatildeo da ldquoformardquo Nas palavras dele

O fato eacute que a arte natildeo eacute somente executar produzir realizar e o simples

ldquofazerrdquo natildeo basta para definir sua essecircncia A arte tambeacutem eacute invenccedilatildeo

[invenzione] Ela natildeo eacute execuccedilatildeo de qualquer coisa jaacute ideada realizaccedilatildeo de

um projeto produccedilatildeo segundo regras dadas ou predispostas Ela eacute um fazer

que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer A arte eacute uma

atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo procedem pari passu simultacircneas e

inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de um valor

149

Entenda-se neste contexto ldquoinvenccedilatildeordquo nos sentidos de criatividade imaginaccedilatildeo e originalidade como

contraponto de coacutepia Ademais correntemente Pareyson utiliza tanto invenccedilatildeo como criaccedilatildeo como sinocircnimas e

em oposiccedilatildeo agrave imitaccedilatildeo Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena

Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p137-139

150

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

79

original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo encontra-se a

regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem eacute pensaacutevel

projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou cantando eacute que eacute

encontrada e eacute concebida e eacute inventada 151

Em suma a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se daacute sob duas

condiccedilotildees a primeira como jaacute foi demonstrada se daacute pelo condicionamento do fazer artiacutestico

em busca do ecircxito da ldquoformardquo que estabelece o jogo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma

formadardquo A segunda se daacute por conta da dinacircmica da ldquoformatividaderdquo que se define pela

contemporaneidade entre a invenccedilatildeo e a produccedilatildeo - execuccedilatildeo da arte Eis portanto a

definiccedilatildeo capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson

224 A legalidade interna da ldquoformardquo e a intuiccedilatildeo na Teoria da Formatividade

Ainda Pareyson aponta para uma dinacircmica que envolve o processo de formaccedilatildeo da

arte ldquoCom base nesta lsquodialeacutetica de forma formante e forma formadarsquo a obra de arte tem a

misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formaccedilatildeo isto eacute de

existir como conclusatildeo de um processo estimulado promovido e dirigido por elardquo 152

Eacute exatamente nesse aspecto do processo de fabricaccedilatildeo da arte que se detecta a

presenccedila de descontrole aparente do ldquopessoa-artistardquo Ou seja aqui haacute certa nebulosidade que

dificulta a identificaccedilatildeo da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista

levando a conclusatildeo de que uma forccedila externa ou distinta da razatildeo ou da vontade do artista

estaacute agindo Como Pareyson descreve no texto abaixo

151

IdemOs problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p32 ldquoIl fatto egrave che larte non egrave solamente eseguire produrre realizzare e il semplice laquofareraquo non basta a

definirne lessenza larte egrave anche lsquoinvenzionersquo Essa non egrave esecuzione di qualcosa di giagrave ideato realizazione

drsquoun progetto produzione secondo regole date o predisposte lsquoessa egrave un tal fare che mentre fa inventa il da

farsi e il modo di farersquo Larte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo simultanee e

inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si concepisce eseguendo

si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave finita neacute egrave pensabile di

progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la

sinventardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p231-232)

152

Ibidem Op Cit p142 ldquoIn base a questa dialettica di forma formante e forma formata lopera darte ha la

misteriosa prerogativa dessere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione cioegrave di esistere come

conclusione dun processo da lei stessa stimolato promosso e direttordquo (Ibidem Op cit p327)

80

De fato eacute verdade por um lado que o artista eacute o uacutenico autor da sua obra e

que a diferenccedila entre as condiccedilotildees e o resultado entre os materiais coletados

e o de combustatildeo eacute tal que permite falar de uma verdadeira e proacutepria criaccedilatildeo

original da qual natildeo temos de agradecer a outros senatildeo ao artista Mas por

outro lado eacute preciso tambeacutem reconhecer que a obra tem uma independecircncia

e uma geraccedilatildeo inteira pela qual o artista mal a concebeu natildeo eacute mais livre

de fazer aquilo que quer mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra

que ele ideou quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em

fruto maduro 153

Esse raciociacutenio levou vaacuterios pensadores e artistas a atribuiacuterem a origem do fazer

artiacutestico ou do saber-fazer artiacutestico agraves forccedilas divinas ou agrave intuiccedilatildeo Como foi previamente

demonstrado no primeiro capiacutetulo (Sentido de teacutekhne relacionado ao sentido de inspiraccedilatildeo)

Pareyson natildeo nega o misteacuterio que envolve o processo artiacutestico no entanto natildeo o

entende como sendo algo externo ao processo em si e principalmente como sendo externo

ao artista Muito pelo contraacuterio esse aparente descontrole eacute fruto da dinacircmica da busca pela

forma formada que se daacute atraveacutes da forma formante E o misteacuterio se desfaz assim que se tem a

forma acabada isto eacute o ecircxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade

interna da ldquoformardquo que eacute constituiacuteda exatamente no momento formativo Portanto a

finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do

processo na proacutepria forma formada Nas palavras dele

Eacute a proacutepria obra que se forma desenvolvendo-se daquele primeiro embriatildeo

grado e incubado na mente do artista e tendendo para o termo natural da

proacutepria finalidade a ponto de que se a atividade do artista natildeo consistir no

individual e no seguir este desenvolvimento natural a obra aborta e falha

Que este caminho seja uniacutevoco eacute coisa que soacute aparece quando a obra estaacute

acabada o artista o ignora no curso da produccedilatildeo e eacute por isso que ele procede

153

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142-143 Texto em italiano ldquoInfatti egrave vero per un verso che lartista egrave lunico autore

della sua opera e che la differenza fra le condizioni e il risultato fra i materiali raccolti e latto di combustione

egrave tale da far parlare di una vera e propria creazione originale di cui non abbiamo da ringraziare altri che

lartista Ma per laltro verso bisogna pure riconoscere che lopera ha una sua indipendenza e una sua interna

generazione per cui lartista non appena lha concepita non egrave piugrave libero di fare quel che vuole ma deve

seguire la finalitagrave interna dellopera stessa chegli ha ideato quasi che fosse un germe il quale tende a

svilupparsi verso il frutto maturordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p328)

81

tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas agrave

prova mas quando a obra eacute conseguida refazendo o caminho agraves avessas e

rememorando a aventura ele compreende que soacute podia fazer a obra daquele

modo 154

Nesse sentido a intuiccedilatildeo pode ser entendida como parte do processo de produccedilatildeo da

obra e como a proacutepria necessidade advinda da ldquoformardquo como uma espeacutecie de lei interna que

determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formaccedilatildeo da arte

Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo

[] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itineraacuterio atraveacutes

do qual o artista tentando e corrigindo e refazendo produz a obra a

inspiraccedilatildeo o exerciacutecio a improvisaccedilatildeo o diaacutelogo com a mateacuteria e o domiacutenio

sobre ela conseguindo justamente atraveacutes da obediecircncia que ela reclama a

teacutecnica e a linguagem da arte e o aspecto herdado desde o ldquotemardquo ou

ldquoassuntordquo ateacute ao ldquoesboccedilordquo e agrave obra terminada155

Em suma discernindo aquilo que a obra pede satisfazendo essa lei interna da proacutepria

obra respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece mas que paradoxalmente satildeo

advindas das proacuteprias escolhas do artista a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade

ao artista Por isso a ldquoformardquo eacute formante e eacute formada ao mesmo tempo e desta maneira o

artista segue o rastro da forma como se ela lhe ldquodissesserdquo o que ele (artista) ldquodeverdquo fazer

Nesse sentido pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo

que tantos pensadores desde Platatildeo a Pareyson se preocuparam em definir a intuiccedilatildeo do

artista ao produzir a obra de arte E eacute essa parte misteriosa e exposta por muitos como

inexplicaacutevel poreacutem tatildeo palpaacutevel do processo artiacutestico que a teoria de Pareyson explicita na

154

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p143-144 ldquoEgrave lopera stessa che si forma sviluppandosi da quel primo embrione generato

e incubato dalla mente dellartista e tendendo verso il termine naturale della propria finalitagrave al punto che se

lattivitagrave dellartista non consiste nellindividuare e nel seguire questo naturale sviluppo lopera abortisce e

fallisce Che questo cammino sia univoco egrave cosa che appare solo a opera compiuta lartista lo ignora nel corso

della produzione egrave per questo chegli procede tentando ed escludendo via via le possibihtagrave scelte e messe a

prova ma ad opera riuscita rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando lavventura egli capisce che solo in

quel modo egli poteva fare loperardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p329)

155

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p14-15 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

82

fundamental relaccedilatildeo que se estabelece entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo no interior

da ldquoformatividaderdquo Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possiacutevel sem outra cadeia de

relaccedilotildees que se configura na base da produccedilatildeo do artista isto eacute a simbiose entre ldquoformardquo

ldquopessoardquo e ldquomundordquo

E por fim nas palavras de Pareyson toda complexidade de copossibilidades e

coexistecircncias que definem a ldquoformardquo e consequentemente a ldquoformatividaderdquo

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma 156

Em siacutentese pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira no

processo artiacutestico enquanto ldquoformatividaderdquo coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da

ldquoformardquo advinda de uma legalidade e de uma finalidade intriacutenseca a ela isto eacute a

formatividade se constitui na inventividade e na construccedilatildeo de um saber-fazer subordinado ao

ecircxito da produccedilatildeo de uma ldquoobra-de-arte-formardquo E durante o processo dialoacutegico entre ldquoforma

formanterdquo e ldquoforma formadardquo que decorre na relaccedilatildeo ldquoformatividaderdquo e ldquopessoardquo e na

156

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della creativitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 p329)

83

simultaneidade da obra de arte enquanto ldquoformardquo e ldquopessoardquo coexistem a fisicalidade da

existecircncia da coisa como organismo vivo e autocircnomo e a espiritualidade da pessoa que

imprime todo o seu ldquomundordquo

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade

Eacute bom lembrar que aleacutem dos jaacute demonstrados aportes advindos de textos de Platatildeo e

de Aristoacuteteles para os conceitos de teacutekhne e poiacuteesis como tambeacutem o conceito de ldquoorganismordquo

Aristoteacutelico que Pareyson relaciona agrave Teoria da Formatividade o proacuteprio Pareyson demarca

pontualmente alguns outros diaacutelogos que contribuiacuteram para a sua definiccedilatildeo de arte como

ldquoformardquo e consequentemente para a sua definiccedilatildeo da atividade artiacutestica como

ldquoformatividaderdquo Como se pode constatar no trecho abaixo

Os conceitos de forma e de formatividade parecem portanto os mais

adequados para qualificar respectivamente a arte e a atividade artiacutestica Para

a atualidade desta concepccedilatildeo contribuiacuteram alguns desenvolvimentos do

pensamento moderno que provindo de pontos de partida diversos mostram

uma convergecircncia significativa de conclusotildees Sobre o caraacuteter formativo da

atividade artiacutestica Goethe atento teorizador das relaccedilotildees entre arte e

natureza escreveu paacuteginas memoraacuteveis e atualiacutessimas sobre analogia entre

obra de arte e organismos da natureza Schelling chamou a atenccedilatildeo Focillon

falou da vida das formas e grande parte da esteacutetica francesa contemporacircnea

insistiu sobre a contemporaneidade da invenccedilatildeo e execuccedilatildeo a psicologia da

forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura

Whitehead renovou a problemaacutetica do conceito de organizaccedilatildeo e

organicidade Dewey insistiu sobre os conceitos de ldquoacabamentordquo

[compimento] e de ldquoecircxitordquo [riuscita] na Itaacutelia Augusto Guzzo mostrou

como na atividade humana se nucleiam formas que pelo seu exemplar

sucesso datildeo lugar a estilos [] 157

157

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32-33 I concetti di forma e di formativitagrave sembrano dunque piugrave adatti a qualificare

rispettivamente larte e lattivitagrave artistica Allattualitagrave di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del

pensiero moderno che muovendo da punti di partenza diversi mostrano una significativa convergenza di

conclusioni Sul carattere formativo dellattivitagrave artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe

attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura sullanalogia fra opere darte e organismi della natura ha

84

Assim sendo a partir da leitura desta breve siacutentese que Pareyson formulou fica clara

a abrangecircncia de multiplicidade de diaacutelogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e

pensadores contemporacircneos

Ademais Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as

particularidades que o conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo e sua respectiva formaccedilatildeo

anaacuteloga ao ser vivente traz consigo

A filosofia de Dewey pelo contraacuterio que eacute uma filosofia da operosidade

humana vista no seu aspecto de busca de tentativa de precariedade insiste

muito no processo pelo qual em geral o homem chega agraves suas realizaccedilotildees e

em particular quando o artista acaba as suas obras ele fala do processo

artiacutestico como de um processo orgacircnico que atraveacutes de uma trajetoacuteria de

gestaccedilatildeo incubaccedilatildeo nascimento crescimento maturaccedilatildeo chega agrave obra

como de uma seacuterie de atos reativos que se acumulam em direccedilatildeo de um

cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretaccedilatildeo de

todos os fatores numa totalidade 158

Ora curioso que parte dessa descriccedilatildeo tambeacutem poderia ser dita como sendo a proacutepria

noccedilatildeo de ldquoorganicidaderdquo retirada da filosofia aristoteacutelica Assim sendo consequentemente

volta-se novamente a identificar a forte presenccedila de um diaacutelogo com o estagirita em toda a

Teoria da Formatividade Visto que em outra passagem Pareyson liga a ldquoformatividaderdquo a

um processo orgacircnico poreacutem neste caso evidenciando a noccedilatildeo de ldquofinalidaderdquo como motor

da ldquoformatividaderdquo Citando Pareyson

attirato lattenzione Schelling Focillon ha parlato della vita delle forme e gran parte dellestetica francese

contemporanea ha insistito sulla contemporaneitagrave di invenzione ed esecuzione la psicologia della forma ha

invitato a meditare sui concetti di totalitagrave e di struttura Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di

organizzazione e organicitagrave Dewey ha insistito sui concetti dilaquocompimentoraquo e di laquoriuscitaraquo in Italia Augusto

Guzzo ha mostrato come nellattivitagrave umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a

stili chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare unestetica della laquoformativitagraveraquo che concepisce le opere

darte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalitagrave interna e che propone una concezione dinamica

della bellezza artistica (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

158

Ibidem Op cit p140 ldquoInvece la filosofia di Dewey chegrave una filosofia delloperositagrave umana vista nel suo

aspetto di ricerca di tentativo di precarietagrave insiste molto sul processo con cui in generale luomo giunge alle

sue riuscite e in particolare artista compie le sue opere egli parla del processo artistico come dun processo

organico che attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione giunge allopera

e cioegrave come duna serie di atti reattivi che si accumulano in direzione dun compimento e di atti selettivi che

contribuiscono allinterpretazione di tutti fattori in una totalitagraverdquo (Ibidem Op cit p326)

85

ldquoDizer que no processo artiacutestico a forma eacute ao mesmo tempo formada e

formante natildeo significa interpretaacute-la com desenvolvimento orgacircnico

Tambeacutem num processo orgacircnico o produto eacute ao mesmo tempo produtor E

a escolha e seleccedilatildeo das diversas possibilidades satildeo reguladas por uma

finalidade intriacutenseca que eacute a proacutepria forma futura []rdquo 159

Vale lembrar o quanto a ideia de ldquofinalidaderdquo eacute fundamental para a definiccedilatildeo de

ldquoorganismordquo na filosofia de Aristoacuteteles

E ainda considerando que em Pareyson haacute uma clara indistinccedilatildeo entre a operosidade

artiacutestica e as outras operosidades incluindo a da natureza logo conduz-se a discussatildeo sobre o

fazer artiacutestico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte

gerando implicaccedilotildees importantes para se pensar a relaccedilatildeo entre arte-mundo mundo-artista

mundo-realidade durante o processo de produccedilatildeo e operosidade pois a discussatildeo transborda o

fazer especiacutefico da arte

Ademais Vattimo num texto intitulado Opera drsquoarte e organismo in Aristotele

tambeacutem concorda que o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles contribui e permeia as

teorias de arte atuais natildeo soacute a pareysoniana Nas palavras dele

Em muitos estudiosos da esteacutetica de vaacuterias inspiraccedilotildees hoje eacute possiacutevel

verificar a ampla utilizaccedilatildeo do termo e do conceito de organismo para

descrever o produto artiacutestico Tanto o conceito como a sua utilizaccedilatildeo

esteacutetica remontam a Aristoacuteteles e eacute portanto uacutetil natildeo soacute para um interesse

filoloacutegico mas para enriquecer e esclarecer agraves temaacuteticas proacuteprias da esteacutetica

atual [] 160

159

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p76 ldquoDire che nel processo artistico la forma egrave insieme formata e formante non significa

interpretarlo come uno sviluppo organico Anche i n un processo organico i l prodotto egrave insieme producente e

la scelta e selezione delle varie possibilitagrave egrave regolata da una finalitagrave interna c h egrave la stessa forma futura []rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960p60)

160

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoPresso molti studiosi di esteacutetica di varia ispirazione egrave possiblie oggi trovare largamente

impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico Sia il concetto che il suo uso

estetico risalgono ad Aristotele ed egrave dunque utile non solo per un interesse filologico ma per arricchire e

precisare la stessa tematica estetica attuale[]rdquo (VATTIMO GianneldquoOpera drsquoarte e organimo in Aristotelerdquo

p 211 In VATTIMO Gianne Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008)

86

Nesse sentido pode-se dizer que a abrangecircncia de diaacutelogos que permeiam o

pensamento pareysoniano esboccedilada acima natildeo invalida a hipoacutetese de que Pareyson valoriza

os conceitos de ldquoteacutekhnerdquo e ldquopoiacuteesisrdquo advindos do pensamento de Platatildeo e sobretudo do

pensamento de Aristoacuteteles acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos e tambeacutem

o conceito de ldquoorganismordquo aristoteacutelico inclusive para uma reflexatildeo sobre as especificidades

da Arte ainda hoje Como tambeacutem utiliza como subsiacutedio para definir seu conceito chave isto

eacute ldquoformardquo o conceito de ldquoorganismordquo presente o pensamento de Aristoacuteteles Portanto o

estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platatildeo como de Aristoacuteteles se

configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e

especificidades da Teoria da Formatividade

87

CAPIacuteTULO III

Arte como miacutemesis e a autonomia da obra de arte

na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama

o problema mais vasto das relaccedilotildees entre arte e natureza

Tambeacutem aqui se apresenta a antiacutetese entre a mimese e a

abstraccedilatildeo a imagem artiacutestica eacute de um lado signo ndash isto eacute

figuraccedilatildeo do real ndash de outro lado eacute autocircnoma ndash isto eacute

criaccedilatildeolsquoex novorsquo

Pareyson 1966 161

Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [φάος]

porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver

Aristoacuteteles162

31 O conceito de miacutemesis e a Teoria da Formatividade

Como foi demonstrado nos capiacutetulos I e II Pareyson toma como ponto de partida para

delinear o seu pensamento sobre as problemaacuteticas da Arte dois conceitos correlatos advindos

do pensamento grego teacutekhne e poiacuteesis Com efeito esses conceitos acrescidos ao que

Pareyson chama de conceito aristoteacutelico de lsquoorganismorsquo datildeo suporte fundamental para a

161

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Trad de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p67 ldquoIl problema dellarte rappresentativa e dellarte astratta richiama il problema piugrave vasto dei

rapporti fra arte e natura Anche qui si presenta lantitesi fra la mimesi e lastrazione limmagine artistica da

un lato egrave segno cioegrave raffigurazione del reale dallaltro egrave autonoma cioegrave creazione lsquoex novorsquordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262)

162

ARISTOacuteTELES De Anima 428b 30 - 429a 1-4 ldquoa imaginaccedilatildeo [429a] seraacute um movimento gerado pela accedilatildeo

da percepccedilatildeo sensorial em atividade Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [Φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [Φάος] porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver E por ltas

imagensgt permanecerem e serem semelhantes agraves sensaccedilotildees os animais fazem muitas coisas graccedilas a elasrdquo

(ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010)

ἢ φαντασία [429ordf] (τοῦτο δ ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ ἐνέργειαν

γιγνομένη Ἐπεὶ δ ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν

ἰδεῖν

88

construccedilatildeo da definiccedilatildeo de lsquoformarsquo e consequentemente de lsquoformatividadersquo no interior da

Teoria da Formatividade pareysoniana

Por sua vez a Teoria da Formatividade ao definir a obra de arte como organismo

vivo reivindicou tanto um estatuto ontoloacutegico como uma autonomia da ldquoformardquo seja com

relaccedilatildeo ao artista seja com relaccedilatildeo ao espectador que a interpreta

Entretanto esta autonomia da ldquoformardquo com relaccedilatildeo a um provaacutevel modelo

demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de

miacutemesis isto eacute nos significados e definiccedilotildees de arte como miacutemesis encontrados tanto em

alguns textos platocircnicos como aristoteacutelicos como seraacute demonstrado a seguir

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo

Retomando a questatildeo da identificaccedilatildeo da atividade da arte em especial da pictoacuterica

como miacutemesis - conforme brevemente esboccedilado nos capiacutetulos I e II - constata-se que esta eacute

uma definiccedilatildeo primaz da arte incluindo a arte pictoacuterica abordada tanto em textos de Platatildeo

como nos de Aristoacuteteles

No Livro X da Repuacuteblica de Platatildeo haacute uma passagem dedicada a discorrer sobre a

miacutemesis com destaque para a sua relaccedilatildeo com a pintura Esse trecho se inicia com a

pergunta ldquoPoderia vocecirc me dizer o que eacute em geral a imitaccedilatildeordquo [miacutemesin hoacuteloshoacute ti

porsquoestiacuten] (Repuacuteblica X 595 c 7)163

E a partir deste ponto enceta-se um longo diaacutelogo sobre o assunto tendo como

exemplo central a atividade do pintor para finalizar com a criacutetica agrave miacutemesis como atividade

distante da verdade e enganadora com a consequente expulsatildeo da cidade dos que praticam

esta atividade isto eacute tanto o pintor quanto o poeta (Repuacuteblica X 605 a-c) 164

163

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012 ldquoΜίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτrsquo ἐστίνrdquo

164

ldquo- Podemos pois com justiccedila censuraacute-lo (poeta) e consideraacute-lo como o par do pintor assemelha-se a ele

por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma e natildeo com o melhor Assim eis-

nos bem fundamentados para natildeo recebecirc-lo em uma cidade que deve ser regida por leis saacutebias jaacute que desperta

89

Muito se fala sobre a condenaccedilatildeo platocircnica agraves artes que hoje se identificam como

pictoacutericas e poeacuteticas contudo o que interessa refletir aqui natildeo eacute acerca da condenaccedilatildeo

propriamente dita porque eacute claro natildeo compartilhamos desta posiccedilatildeo embora esta discussatildeo

natildeo deixe de ser instigante com vaacuterios desdobramentos 165O que de fato interessa discorrer

sobre o citado diaacutelogo eacute como se constroacutei o argumento que acarreta a condenaccedilatildeo e mais

ainda o que estaacute na base deste argumento proposto por Platatildeo e quais as definiccedilotildees que

foram propostas para se pensar os meandros da produccedilatildeo da pintura

Isto eacute a reflexatildeo que se propotildee a partir da leitura desta longa passagem em primeiro

lugar eacute a definiccedilatildeo da pintura como aparecircncia como fica evidente neste trecho

-Natildeo eacute complicada - respondi - eacute posta em praacutetica amiuacutede e rapidamente

muito rapidamente mesmo se quiseres apanhar um espelho e levaacute-lo contigo

por toda a parte num aacutetimo faraacutes o sol e os astros do ceacuteu em menos tempo

ainda a terra e menos ainda a ti mesmo e os outros seres vivos e os moacuteveis

e as plantas e tudo quanto mencionamos haacute pouco - Sim - disse ele - mas

seratildeo meras aparecircncias e natildeo realidades - Bem - disse eu - chegas ao ponto

pretendido pelo discurso pois dentre os artesatildeos deste gecircnero imagino que

se deva incluir o pintor natildeo eacute - Como natildeo - Mas tu me diraacutes penso que o

que ele faz natildeo tem a menor realidade no entanto de certo modo o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma e arruiacutena destarte o elemento racional como acontece numa cidade

que eacute entregue aos perversos ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereccedilam os homens mais

estimaacuteveis do mesmo modo do poeta imitador diremos que introduz um mau governo na alma de cada

indiviacuteduo lisonjeando o que haacute nela de irracional que eacute incapaz de distinguir o maior do menor que ao

contraacuterio encara os mesmos objetos ora como grandes ora como pequenos que produz apenas fantasmas e se

encontra a uma distacircncia infinita da verdade ndash Certamenterdquo (PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J

Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 2012)

Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ καὶ γὰρ τῷ

φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς

τὸ βέλτιστον καὶ ταύτῃ ὡμοίωται Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι

πόλιν ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν

τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν

ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ

οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ τοτὲ δὲ σμικρά εἴδωλα

εἰδωλοποιοῦντα τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα - Πάνυ μὲν οὖν

165

Como por exemplo expotildee Pierre-Maxime Schuhl ldquoSe Platatildeo se mostra tatildeo severo com as artes eacute

seguramente porque lhes reconhece ndash por tecirc-las sem duacutevida experimentado ndash a influecircncia irracional que lhes

atribuiacutea Goacutergias mais que qualquer outro ele devia ser sensiacutevel a isso contra ela recorreu ao idealismo

moral e matemaacutetico contra os artifiacutecios dos ilusionistas agrave medida ao nuacutemerordquo (SCHUHL P-M Platatildeo e arte

do seu tempo Trad de Adriano Machado Ribeiro Satildeo Paulo Discurso Editorial Editora Barcarolla 2010 p

63)

90

tambeacutem faz uma cama Ou natildeo - Sim - redarguiu - ao menos uma cama

aparente (Repuacuteblica X 596 d-e) 166

Dito que a pintura eacute aparecircncia o segundo ponto levantado e longamente analisado no

diaacutelogo eacute a distacircncia da miacutemesis incluindo a pintura para com a verdade e

consequentemente o perigo do engano que a pintura poderia acarretar como fica claro nesta

passagem

- Agora considera este ponto qual desses dois objetivos se propotildee a pintura

relativamente a cada objeto o de representar o que eacute tal como eacute ou o que

parece tal como parece Eacute ela imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade - Da

aparecircncia - disse ele - A imitaccedilatildeo estaacute portanto longe do verdadeiro e se

ela modela todos os objetos eacute segundo parece porque toca apenas uma

pequena parte de cada um a qual natildeo eacute aliaacutes senatildeo uma imagem

(eiacutedolon)167

O pintor diremos noacutes por exemplo nos representaraacute um

166

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo

Paulo Perspectiva 2012

Οὐ χαλεπός ἦν δrsquo ἐγώ ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος τάχιστα δέ που εἰ rsquoθέλεις λαβὼν κάτοπτρον

[596e] περιφέρειν πανταχῇ ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ ταχὺ δὲ γῆν ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ

τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο - Ναί ἔφη φαινόμενα οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ

ἀληθείᾳ - Καλῶς ἦν δrsquo ἐγώ καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος

ἐστίν Ἦ γάρ -Πῶς γὰρ οὔ -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ

ζωγράφος κλίνην ποιεῖ ἢ οὔ -Ναί ἔφη φαινομένην γε καὶ οὗτος

Outra traduccedilatildeo ldquondashSe pegares um espelho e o mostrares em todas as direccedilotildees em um instante faraacutes o sol

e os astros do ceacuteu em um instante a terra em um instante vocecirc mesmo e os outros animais e os moacuteveis e as

plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda haacute pouco ndash Sim ele diz mas natildeo satildeo objetos aparentes

(phainoacutemena) desprovidos de existecircncia real ndash atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu

argumento Com efeito entre esses artiacutefices conta tambeacutem julgo eu o pintor Natildeo eacute assim- Eacutendash E de certo

modo o pintor tambeacutem faz uma cama ou natildeo ndash Sim ele diz uma cama aparente (phainomeacutenen) ela tambeacutemrdquo

(VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens traduccedilatildeo de Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees p 55-56 In

COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoSi tu veux prendre un miroir et le preacutesenter de tous cocircteacutes en moins de rien tu feras le soleil et les astres du

ciel en moins de rien la terre en moins de rien toi-mecircme et les autres animaux et les meubles et les plantes et

tous les objets dont on parlait tout agrave lheure mdash Oui dit-il des objets apparents (phainomena) mais sans aucune

reacutealiteacute veacuteritable [] mdash Et dune certaine faccedilon le peintre aussi fait un lit nest-ce pas mdash Oui dit-il un lit

apparent (phainomenecircn) lui aussi (Reacutep 596 d-e) rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____

Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 108-109)]

167

A palavra em grego εἴδωλον [eiacutedolon] foi traduzida por J Guinsburg por ldquosimulacrordquo entretanto no cotejo

das vaacuterias traduccedilotildees consultadas optou-se por traduzir por ldquoimagemrdquo tal como estaacute em Vernant (Nascimento

das Imagens p60) pois pareceu mais apropriado e preciso jaacute que simulacro eacute um termo que pode acarretar

possiacuteveis interpretaccedilotildees carregadas de significados natildeo correspondentes a contextualizaccedilatildeo do texto platocircnico

Segue o trecho referido acima da Repuacuteblica de Platatildeo (X 598 b-c)ldquo- Relativamente a cada objeto qual a

finalidade da pintura Eacute de representar a realidade como ela realmente eacute ou a aparecircncia como ela aparece

(tograve phainoacutemenon hos phaiacutenetai) Eacute imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade ndash Da aparecircncia diz ele - A arte de

imitar (he mimetikeacute) estaacute portanto bem distante do verdadeiro se pode tudo realizar eacute porque atinge apenas

uma pequena parte de cada coisa sendo que esta parte natildeo eacute mais que uma imagem (eiacutedolon)rdquo (Traduccedilatildeo de

91

sapateiro um carpinteiro ou outro artesatildeo qualquer sem ter nenhum

conhecimento do ofiacutecio (c) deles entretanto se for bom pintor tendo

representado um carpinteiro e mostrando-o de longe enganaraacute as crianccedilas e

os homens privados de razatildeo porque teraacute dado agrave sua pintura a aparecircncia de

um autecircntico carpinteiro (Repuacuteblica X 598b-c) 168

Continuando mais adiante o diaacutelogo evolui para a conclusatildeo de que a pintura eacute como

uma ilusatildeo isto eacute Platatildeo descreve os efeitos da ilusatildeo que a imagem visual pode provocar

usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictoacuterica

- Do seguinte a mesma grandeza encarada de perto ou de longe natildeo parece

igual - Natildeo por certo - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos

conforme os olhemos dentro ou fora da aacutegua ou cocircncavos e convexos

devido agrave ilusatildeo visual produzida pelas cores e eacute evidente que tudo isso lanccedila

a perturbaccedilatildeo em nossa alma Ora dirigindo-se a essa disposiccedilatildeo de nossa

natureza a pintura sombreada natildeo deixa sem emprego nenhum processo de

magia como tambeacutem eacute o caso da arte do charlatatildeo e de muitas outras

invenccedilotildees do gecircnero - Eacute verdade - Ora natildeo descobriu na medida no

caacutelculo e na pesagem excelentes preventivos contra tais ilusotildees de tal modo

que o que prevalece em noacutes natildeo eacute a aparecircncia de grandeza ou de pequeneza

de quantidade ou de peso mas antes o julgamento de quem contou mediu e

pesou - Como natildeo (Repuacuteblica X 602 c-d) 169

Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees da traduccedilatildeo para o francecircs de Jean- Pierre Vernant InVERNANT Jean-

Pierre Nascimento de Imagens p 60 In COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio

de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoQuel but se propose la peinture relativement agrave chaque objet Est-ce de repreacutesenter ce qui est tel quil est ou

ce qui paraicirct tel quil paraicirct (to phainomenon hocircs phainetai) Est-ce limitation de lapparence ou de la reacutealiteacute

mdash De lapparence dit-il mdash Lart dimiter (hecirc mimecirctikecirc) est donc bien eacuteloigneacute du vrai et sil peut tout exeacutecuter

cest quil ne touche quune petite partie de chaque chose et cette partie nest quimage (eidocirclon)(Reacutep 598 b-

c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois

Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112-113)] 168

Traduccedilatildeo PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo

Satildeo Paulo Perspectiva 2012

Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον πότερα πρὸς τὸ ὄν ὡς ἔχει

μιμήσασθαι ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον ὡς φαίνεται φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις - Φαντάσματος ἔφη

- Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί ὡς ἔοικεν διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται ὅτι σμικρόν τι

ἑκάστου ἐφάπτεται καὶ τοῦτο εἴδωλον Οἷον ὁ ζωγράφος φαμέν ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον τέκτονα τοὺς

ἄλλους δημιουργούς [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν ἀλλrsquo ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας

ἀνθρώπους εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς

ἀληθῶς τέκτονα εἶναι

169

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012

92

Portanto apesar de outras passagens do diaacutelogo A Repuacuteblica como no livro III (373 b

44-8) que discorrem sobre a pintura como sendo produto da miacutemesis eacute no Livro X que Platatildeo

discorre longamente sobre o problema da pintura levantando dois pontos o primeiro eacute a

definiccedilatildeo de pintura como aparecircncia afirmando que a pintura natildeo imita a realidade mas sim

imita a aparecircncia de realidade O segundo ponto decorre do primeiro se a pintura eacute aparecircncia

se o pintor natildeo conhece verdadeiramente o que imita estaacute longe da verdade170

e a pintura

logo eacute ilusatildeo eacute engano

Logo o que fica claro a partir da leitura dos trechos da Repuacuteblica destacados acima eacute

que Platatildeo natildeo entende a miacutemesis como uma servil duplicaccedilatildeo da realidade tampouco a

pintura enquanto decorrente da miacutemesis

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo

O conceito de phantasia - em correspondecircncia ao conceito de miacutemesis - tal como se

encontra no diaacutelogo platocircnico O Sofista eacute outro ponto chave para o estudo do papel da

imitaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o estatuto ontoloacutegico da pintura proposto pela Teoria da

Formatividade Ademais a proposiccedilatildeo acerca da correlaccedilatildeo entre miacutemesis e phantasiacutea

formulada por Platatildeo no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu

diaacutelogo o Craacutetilo Portanto haacute que se recorrer agrave leitura destes outros diaacutelogos para entender

como Platatildeo pensava a problemaacutetica da pintura relacionada agrave miacutemesis

Ou seja tambeacutem no Sofista Platatildeo discorreu sobre a ideia de miacutemesis no entanto

aqui neste diaacutelogo ele propotildee o entendimento da miacutemesis como um tipo de produccedilatildeo

Τοῦ τοιοῦδε ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται - Οὐ γάρ -

Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ

χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ

παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι

πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί - Ἀληθῆ -῏Αρrsquo οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς

αὐτὰ ἐφάνησαν ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον ἀλλὰ τὸ

λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν - Πῶς γὰρ οὔ

170

Trecircs vezes longe da verdade quando se expotildee a distinccedilatildeo entre a cama como modelo primeiro isto eacute a ideia

de cama a segunda seria a cama fabricada e a terceira a pintura da cama para mostrar o quanto a imagem

pictoacuterica estaria longe da verdade no entendimento de Platatildeo e seria portanto uma ilusatildeo enganadora (Cf

Repuacuteblica X 597 a ndash 598)

93

(poiacuteesis) de imagens (eiacutedola) e incluiu a pintura como parte desta produccedilatildeo de imagens que

seriam ldquosegundos objetos iguaisrdquo

E ainda Platatildeo definiu a imagem (eiacutedolon) distinguindo-a em dois tipos um eacute a

imagem do tipo eiacutekones (coacutepias- iacutecones) e o outro eacute a imagem do tipo fanthaacutesmata

(simulacros-fantasmas) 171

Ou seja nos escritos de Platatildeo haacute uma passagem do Sofista onde

Platatildeo faz uma distinccedilatildeo entre os dois tipos de ldquoproduccedilatildeo de imagensrdquo [eiacutedocirclopoiikeacutes] uma

seria a ldquoarte da coacutepiardquo [eἰkastikeacuten] quando a imagem eacute fruto da imitaccedilatildeo do modelo tal como

ele eacute e portanto esta seria uma imitaccedilatildeo fidedigna E a outra que Platatildeo chamou de ldquoarte da

fantasiardquo [fantastikeacuten] perante a qual a produccedilatildeo da imagem natildeo eacute servil ao modelo mas sim

agrave aparecircncia do modelo que ateacute mesmo distorce as medidas reais em favor da aparecircncia para

produzir uma ilusatildeo e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareccedila aquilo que

natildeo eacute mas apenas parece ser Platatildeo O Sofista (236 b-c-d)

Estrangeiro mdash Ora natildeo eacute neste caso que se encontra uma grande parte da

pintura e da mimeacutetica em seu todo Teeteto mdash Sem duacutevida Estrangeiro mdash

Mas agrave arte que em lugar de uma coacutepia produz um simulacro natildeo caberia

perfeitamente o nome de arte do simulacroTeeteto-mdash Sim perfeitamente

Estrangeiro-mdash Aiacute estatildeo as duas formas que te anunciei da arte que produz

imagens a arte da coacutepia e a arte do simulacro Teetetomdash Isso mesmo 172

171

Seguindo aqui os termos equivalentes portuguecircsndashgrego a partir das traduccedilotildees propostas por Vernant como

neste texto ldquo[] a distinccedilatildeo que opera o Sofista entre duas formas de mimeacutetica ou de fabricaccedilatildeo de imagens

(eidolopoiikeacute) ndash a primeira produzindo coacutepias-iacutecones (eikoacutenes) semelhantes a seus modelos dos quais

reproduzem as proporccedilotildees reais a segunda produzindo ao contraacuterio simulacros-fantasmas (phantaacutesmata) que

sacrificam as proporccedilotildees exatas para substituiacute-las com suas figuras por aquelas que provocam ilusatildeo aos

olhos dos espectadores []rdquo (VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens p 59-60 In COSTA LIMA

Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquo[] la distinction quopegravere Le Sophiste entre deux formes de mimeacutetique ou de fabrication dimages

(eidocirclopoiikecirc) la premiegravere produisant des copies-icocircnes (eikones) ressemblant agrave leurs modegraveles dont elles

reproduisent les proportions reacuteelles la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes

(phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer dans leurs figures celles qui feront

illusion aux yeux des spectateurs []rdquo(Sophiste 235 e 236 c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In

_____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112)]

172

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991

Ξένος - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν

Θεαίτητος - Πῶς δ οὔ Ξένος -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ οὐ φανταστικὴν

ὀρθότατ ἂν προσαγορεύοιμεν Θεαίτητος -Πολύ γε Ξένος - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς

εἰδωλοποιικῆς εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν Θεαίτητος - Ὀρθῶς

94

Portanto na citada passagem fica claro que haacute um entendimento que a produccedilatildeo de

imagens incluindo a pictoacuterica natildeo se resume a um mero exerciacutecio de coacutepia servil e fiel a um

suposto modelo pois o filoacutesofo grego pressupotildee uma produccedilatildeo de imagem natildeo fidedigna ao

modelo e ainda diz ser esta a praacutetica comum Segue uma reflexatildeo de Pareyson sobre o

assunto

Se portanto a arte mimeacutetica eacute a arte de produzir imagens (eidocircla) que eacute

imitaccedilatildeo (mimeacutemata) e semelhanccedila (homoiocircmata) de um modelo haacute duas

espeacutecies de imagens a coacutepia (eikoacuten) assim chamada porque copia

exatamente (eacuteoike) e a aparecircncia (phaacutentasma) assim chamada porque

parece (phaiacutenetai) que copia Platatildeo acrescenta que a arte fantaacutestica eacute muito

mais ampla que a arte icaacutestica sobretudo na pintura e em geral em todas as

artes mimeacuteticas A imagem em quanto natildeo ser eacute falsidade o problema da

imitaccedilatildeo se reconecta com o do erro 173

Portanto Platatildeo ao marcar que estas imagens satildeo apenas as aparecircncias das coisas e natildeo

as coisas mesmas admite que as imagens estejam num ldquoestranho jogordquo entre o ldquoserrdquo e o ldquonatildeo

serrdquo como tambeacutem identifica as imagens como falsidades Abaixo segue outro trecho do

citado diaacutelogo

Estrangeiro mdash O que haacute de comum entre todos esses objetos que tu dizes

serem muacuteltiplos mas que honras por um uacutenico nome que eacute o nome de

imagem e que entendes como uma unidade sobre todos eles Fala agora e

sem permitir-lhe vantagem alguma repele o adversaacuterio Teeteto mdash Que

outra definiccedilatildeo dariacuteamos agrave imagem estrangeiro se natildeo a de um segundo

objeto igual copiado do verdadeiro Estrangeiro mdash Teu segundo objeto

igual significa um objeto verdadeiro ou entatildeo que queres dizer com esse

igual Teeteto mdash De forma alguma um verdadeiro certamente mas um

que com ele se pareccedila Estrangeiro mdash Mas por verdadeiro tu entendes um

173

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoSe dunque larte mimetica egrave larte di produrre immagini (εἰδωλα) che sono imitazioni (μιμήματα) e

somiglianza (ὁμοιώματα) dun modello vi saranno due specie dimmagini la copia (εἰκών) cosigrave detta percheacute

copia esattamente (ἔοικε) e la parvenza (φάντασμα) cosigrave detta percheacute pare (φαίνεται) che copi Platone

aggiunge che larte fantastica egrave molto piugrave estesa dellicastica soprattutto nella pittura e in genere in tutte le arti

mimetiche Limmagine in quanto pare senza essere egrave falsitagrave il problema dellimitazione si ricollega con quello

dellerrorerdquo

95

ser real Teeteto mdashCertamente Estrangeiro mdash Entatildeo Por natildeo-verdadeiro

tu entendes o contraacuterio do verdadeiro Teeteto mdash Certamente Estrangeiro

mdash O que parece eacute pois para ti um natildeo-ser irreal pois o afirmas natildeo

verdadeiro Teetetomdash Entretanto haacute algum ser Estrangeiro mdash Em todo o

caso natildeo um ser verdadeiro eacute o que dizes Teeteto mdash Certamente natildeo

ainda que ser por semelhanccedila seja real Estrangeiro mdashAssim pois o que

chamamos semelhanccedila eacute realmente um natildeo-ser irreal Teeteto mdash Temo que

em tal entrelaccedilamento que o ser se enlace ao natildeo-ser de maneira a mais

estranha (Sofista 240 a)174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platatildeo

A imagem portanto consiste em ser e natildeo ser eacute enquanto eacute em si mesma e

natildeo eacute enquanto natildeo eacute o objeto imitado A imagem isto eacute traz em si mesma

a alteridade e a identidade eacute outra do objeto imitado embora natildeo seja

totalmente diferente se assimila ao objeto imitado mesmo natildeo sendo

totalmente igual ou seja idecircntica a ele A semelhanccedila portanto consiste em

uma siacutentese de alteridade e identidade O fundamento da alteridade eacute a

mateacuteria qual se representa o objeto imitado o fundamento da identidade eacute o

ato de assimilaccedilatildeo que impede a imagem de ser diversa ainda que seja outra

do modelo175

174

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa mdash 5 ed mdash Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς

ἓν ὄν λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα Θεαίτητος Τί δῆτα ὦ ξένε εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι

πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν ἢ ἐπὶ

τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε ἀλλ ἐοικὸς μέν Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως

ὂν λέγων Θεαίτητος Οὕτως Ξένος Τί δέ Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ ἐναντίον ἀληθοῦς Θεαίτητος Τί μήν Ξένος

Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς Θεαίτητος Ἀλλ ἔστι γε μήν πως

Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε φῄς Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν πλήν γ εἰκὼν ὄντως Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως

ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ

ὄντι καὶ μάλα ἄτοπον

175

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 33

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLimmagine perciograve consta di essere e non essere egrave in quanto egrave se stessa non egrave in quanto non egrave loggetto

imitato Limmagine cioegrave reca in seacute lalteritagrave e lidentitagrave egrave altra dalloggetto imitato pur non essendone del

tutto diversa si assimila alloggetto imitato pur non essendogli del tutto eguale e cioegrave identica con esso La

somiglianza dunque consiste in una sintesi di alteritagrave e identitagrave Il fondamento dellalteritagrave egrave la materia nella

quale si rappresenta loggetto imitato il fondamento dellidentitagrave egrave latto di assimilazione che impedisce

allimmagine dessere diversa pur essendo altra dal modellordquo

96

Na passagem acima Pareyson discorre acerca do problema da semelhanccedila e da

subordinaccedilatildeo da imagem para com seu modelo e ao mesmo tempo levanta a questatildeo de que a

imagem mesmo parecida com o modelo nunca seraacute o modelo pois sempre haveraacute um

aspecto de alteridade na imagem E eacute exatamente esta aparente contradiccedilatildeo que a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver

pois mesmo sendo coacutepia a imagem tem autonomia com relaccedilatildeo ao modelo inclusive a

imagem pictoacuterica como explica Pareyson

Evidentemente o problema natildeo eacute o de corroborar se a imagem artiacutestica tem

ou natildeo relaccedilotildees com a natureza [] o essencial eacute que a imagem artiacutestica seja

acabada na sua estrutura autocircnoma Que a arte copie ou transfigure o

essencial eacute que ela ldquofigurerdquo que a arte deforme ou transforme o essencial eacute

que ela ldquoformerdquo176

Ademais Platatildeo disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como

um sonho acordado como um reflexo (Sofista 239 c-d177

e 266c178

) reiterando esse

entendimento da imagem pictoacuterica como um ldquonatildeo serrdquo e como uma ilusatildeo

176

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoIl problema evidentemente non egrave di assodare se limmagine artistica abbia o non

abbia rapporti con la natura Sul piano della poetica si potragrave discutere se larte debba copiare o deformare e

sul piano della critica si potragrave caratterizzare in tali modi una determinata forma darte ma sul piano

dellestetica lessenziale egrave che limmagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura Che larte

raffiguri o trasfiguri lessenziale egrave chessa laquofiguriraquo che larte deformi o trasformi lessenziale egrave chessa

laquoformiraquordquo (PAREYSON Luigi I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

177

ldquoEstrangeiro mdash Em consequecircncia se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro o emprego de tais

foacutermulas lhe tornaria faacutecil a resposta Facilmente ele voltaria contra noacutes as nossas foacutermulas e quando o

chamaacutessemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que afinal de contas chamamos de imagens

Devemos pois procurar Teeteto o que se poderia responder com acerto a este espertalhatildeo Teeteto- mdash

Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das aacuteguas e dos espelhos as imagens pintadas ou

gravadas e todas as demais da mesma espeacutecierdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν

λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν

ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν Σκοπεῖν οὖν ὦ Θεαίτητε χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ

ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα ἔτι καὶ τὰ

γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ ἔσθ ἕτερα

178

PLATAtildeO Sofista 266c ldquoEstrangeiromdash Mas que diremos de nossa arte humana Natildeo afirmaremos que

pela arte do arquiteto se cria uma casa real e pela arte do pintor uma outra casa espeacutecie de sonho

apresentado pela matildeo do homem a olhos despertosrdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

97

E por fim no Craacutetilo Platatildeo tambeacutem disserta sobre a imagem pictoacuterica repetindo tal

como no Sofista o entendimento que haacute uma distacircncia e uma diferenccedila entre a imagem

produzida pela arte e seu suposto modelo isto eacute ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal

como ele realmente eacute na sua totalidade natildeo seria uma imagem mas sim a coisa mesma

Soacutecrates - [] Vecirc se tenho razatildeo Se fossem postos juntos dois objetos

diferentes Craacutetilo e a imagem de Craacutetilo e uma divindade natildeo imitasse

apenas a tua figura e tua cor como fazem os pintores mas formasse todas as

entranhas iguais agraves tuas emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e

calor aleacutem de movimento alma e raciociacutenio tal como haacute em ti em uma

palavra tudo exatamente como eacutes e colocasse ao teu lado essa duplicata de

ti mesmo tratar-se-ia de Craacutetilo e uma imagem de Craacutetilo ou de dois

Craacutetilos Craacutetilo - Quer parecer-me Soacutecrates que seriam dois Craacutetilos

(Craacutetilo 432 b-c) 179

Pareyson analisando algumas passagens do citado diaacutelogo conclui

Reconectando o problema da imitaccedilatildeo com o problema do erro Platatildeo

retoma do Sofista o problema no Craacutetilo [] Consequentemente o

semelhante natildeo eacute nem o totalmente outro isto eacute o diverso nem eacute totalmente

igual isto eacute idecircntico [] 180

Portanto pode-se concluir que tanto no Sofista no Craacutetilo quanto na Repuacuteblica

Platatildeo aponta para a relaccedilatildeo entre modelo miacutemesis [imitaccedilatildeo] imagem distinguindo de um

Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην ἆρ οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν γραφικῇ δέ τιν ἑτέραν

οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν

179

Traduccedilatildeo PLATAtildeO Teeteto e Craacutetilo Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes 3ordfed Beleacutem EDUFPA 2001

Σωκράτης - [] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ltᾖgt ἡ ὀρθόθς ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ

παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω Ἆρ᾽ ἂν δύο

πράγματα εἴη τοιάδε οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα

ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά καὶ μαλακόθτας

[432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς

καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν

Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον ἢ δύο Κρατύλοι Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν ὦ Σώκρατες Κρατύλοι

180

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoRicollegando il problema dellimitazione col problema dellerrore Platone riprende nel Sofista il problema

del Cratilo []Quindi il simile non egrave neacute il totalmente altro e cioegrave il diverso neacute il totalmente eguale cioegrave

lidentico[]rdquo

98

lado a coisa e de outro a pintura Entretanto como a imagem natildeo eacute um duplo do modelo

esta pressupotildee um espectador que a apreenda que a identifique e que a julgue Como expotildee

Pareyson

A imitaccedilatildeo implica trecircs elementos o objeto imitado que eacute o modelo em

relaccedilatildeo ao qual se julga a imitaccedilatildeo uma mateacuteria que eacute o meio no qual se

concebe e se representa o objeto imitado um ato de assimilaccedilatildeo isto eacute o

que torna a imagem aproximada ao objeto imitado 181

Portanto pode-se dizer que eacute por isso que Platatildeo idenfica o perigo que imagem pode

acarretar pois o espectador poderia incorrer no erro de natildeo entender que a imagem eacute ilusatildeo e

apenas aparecircncia da coisa e natildeo a coisa mesma Nesse sentido eacute esta relaccedilatildeo triacuteplice que

define a pintura enquanto imagem e natildeo apenas a relaccedilatildeo dupla imitaccedilatildeo-modelo pois o

espectador eacute quem identifica e interpreta a imagem mesmo que este espectador seja o proacuteprio

artiacutefice da obra Interessante que esta identificaccedilatildeo do espectador como o terceiro veacutertice da

cadeia produtiva da obra de arte estaacute igualmente presente em outro diaacutelogo de Platatildeo o Iacuteon

(535d -536a) 182

o que demonstra o quanto Platatildeo se preocupou com a questatildeo de como a

imagem eacute recepcionada e interpretada

E ainda a partir das leituras dos trechos tanto da Repuacuteblica como nas passagens do

Sofista e do Craacutetilo citados anterioremente tambeacutem se pode afirmar que Platatildeo mostra que a

imagem pictoacuterica tem uma significativa diferenccedila com relaccedilatildeo ao modelo ganhando uma

autonomia que Platatildeo via de maneira negativa pois nunca eacute uma imitaccedilatildeo fiel da coisa

181

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

33 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLimitazione

implica tre elementi loggetto imitato che egrave il modello in rapporto al quale si giudica dellimitazione una

materia chegrave il mezzo nel quale si rende e si rappresenta loggetto imitato un atto dassimilazione chegrave ciograve che

rende limmagine vicina alloggetto imitatordquo

182

Soacutec Sabes entatildeo que o proacuteprio espectador eacute o uacuteltimo dos aneacuteis de que eu falava a receber o poder que

sob o efeito da pedra de Heacutercules (536) passa de um para o outro O do meio eacutes tu rapsodo e o ator e o

primeiro eacute o proacuteprio poeta O Deus atraveacutes de todos eles dirige a alma dos homens para onde quiser fazendo

passar o poder de uns para os outros[]rdquo (Traduccedilatildeo PLATAtildeO Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) e sobre a

mentira (Hiacutepias Menor) Trad de Porto Alegre LampPM Pocket 2007)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς

Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής ὁ δὲ

πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων

ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν[]

99

sempre se configura como outro mas que tanto Aristoacuteteles como Pareyson veratildeo de maneira

positiva como discorre Pareyson

Platatildeo reconhece que este mundo da arte eacute ldquooutrordquo do objeto imitado

todavia tal ldquoalteridaderdquo eacute na compreensatildeo dele ldquoinferioridaderdquo derivada de

uma transposiccedilatildeo de ldquomateacuteriardquo diversa e natildeo como criaccedilatildeo de um mundo

novo devido agrave originalidade do artista183

Embora Platatildeo entenda que isto faccedila da pintura uma falsidade uma ilusatildeo atribuindo agrave

produccedilatildeo de imagens pictoacutericas uma ldquonegatividaderdquo e condenando-as como por exemplo se

vecirc na Repuacuteblica E apesar da condenaccedilatildeo da imagem pictoacuterica contida em alguns diaacutelogos de

Platatildeo o reconhecimento de que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica nunca eacute fiel ao modelo abre

a discussatildeo sobre o significado da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo nestes diaacutelogos mostrando que

esta eacute uma questatildeo latente em Platatildeo e continua fundamental ateacute hoje como expotildee Pareyson

[] uma primeira referecircncia agrave atividade positiva do artista pode-se encontrar

na arte ldquofantaacutesticardquo a semelhanccedila produzida da arte fantaacutestica eacute aparecircncia

que altera o objeto em vista da exigecircncia do espectador Trata-se sim de

uma falsificaccedilatildeo do real e de um engano em que se atrai o espectador e este

eacute o lado negativo da concepccedilatildeo platocircnica mas se trata ainda de uma

elaboraccedilatildeo intencional da realidade e este eacute o primeiro aceno positivo de um

princiacutepio de abstraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao objeto representado Vecirc-se portanto

em Platatildeo um primeiro reconhecimento da ldquoautonomiardquo do mundo da arte

mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como ldquoalteridaderdquo e

que seja ldquodegeneraccedilatildeordquo devido agrave presenccedila da ldquomateacuteriardquo e seja um

ldquoenganordquo184

183

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 34

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoPlatone riconosce che il mondo dellarte egrave laquoaltroraquo dalloggetto imitato senoncheacute tale laquoalteritagraveraquo egrave intesa da lui

come laquoinferioritagraveraquo derivante da una trasposizione di una laquomateriaraquo diversa e non come creazione di un mondo

nuovo dovuto alloriginalitagrave dellartistardquo

184

(Traduccedilatildeo nossa) Ibidem p 34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 ldquoUn primo accenno allattivitagrave positiva dellartista si puograve invece rinvenire nellarte

fantastica la somiglianza prodotta dallarte fantastica egrave parvenza che altera loggetto in vista dellesigenza

dello spettatore Si tratta sigrave duna falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore e questo

egrave il lato negativo della concezione platonica ma si tratta anche duna elaborazione intenzionale della realtagrave e

questo egrave il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto alloggetto rappresentato Vegrave dunque in

Platone un primo riconoscimento dellrsquolaquoautonomiaraquo del mondo dellarte anche se tale autonomia viene intesa

come laquoalteritagraveraquo chegrave laquodegenerazioneraquo dovuta alla presenza della laquomateriaraquo e a un laquoingannoraquordquo

100

Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Craacutetilo eacute a demarcaccedilatildeo da

diferenccedila entre os conceitos ainda hoje pertinentes imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois se de um

lado a imitaccedilatildeo pode ser identificada com o conceito de miacutemesis e para Platatildeo quanto mais

fiel ao modelo melhor por outro lado o conceito de imaginaccedilatildeo pode ser identificado com o

conceito de phantasiacutea jaacute que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica parte de uma interpretaccedilatildeo de

um suposto modelo e natildeo soacute do artista mas tambeacutem como propotildee Platatildeo resulta numa

interpretaccedilatildeo do proacuteprio espectador

Logo Platatildeo no Craacutetilo e no Sofista ao propor uma ligaccedilatildeo quase indissociaacutevel entre

imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois ambos estariam abarcados no proacuteprio conceito de miacutemesis que

neste caso natildeo pode ser entendida como imitaccedilatildeo no sentido de mera coacutepia define o conceito

de arte como representaccedilatildeo no sentido de phantasiacutea como produto da interpretaccedilatildeo do

modelo pelo artista e natildeo apenas a arte como mera imitaccedilatildeo Sobre esta tese Pareyson

discorre

A arte como interpretaccedilatildeo da realidade para representar [rappresentare] eacute

conceito que se apresenta em todo o curso da histoacuteria da esteacutetica e Platatildeo

nos daacute neste ponto um primeiro vislumbre Com tal conceito se derruba a

concepccedilatildeo de arte como semelhanccedila [somiglianza] esteacutetica e passiva a

semelhanccedila mesma torna-se esforccedilo de assimilaccedilatildeo e assim implica o

artista numa atividade original comprometida em penetrar no modelo para

apreender a sua natureza iacutentima185

34 ldquoPositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles

No capiacutetulo I discorreu-se sobre uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles onde estaacute

explicitado que a teacutekhne [arte] eacute imitaccedilatildeo [miacutemesis] da phyacutesis [natureza] usando aqui os

termos advindos destas leituras No cap II refletiu-se que a partir do conceito de ldquoorganismordquo

que Pareyson identifica em vaacuterios textos aristoteacutelicos concluiu-se que a arte eacute imitaccedilatildeo da

185

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLarte come

interpretazione della realtagrave da rappresentare egrave concetto che si presenta in tutto il corso della storia dellestetica

e Platone ne dagrave a questo punto un primo accenno Con tal concetto si rovesceragrave la concezione dellarte come

somiglianza statica e passiva la somiglianza stessa diventa sforzo dassimilazione e quindi implica nellartista

unattivitagrave originale intesa a penetrare il modello per coglierne lintima naturardquo

101

natureza mas natildeo enquanto coacutepia fiel e sim como complemento e preenchimento do que a

natureza natildeo produz trazendo assim o novo Nas palavras de Pareyson

Sendo assim as coisas o verdadeiro significado da concepccedilatildeo tradicional de

arte como imitaccedilatildeo da natureza eacute aquele jaacute muitas vezes emergido da

esteacutetica pelo qual a arte opera como a natureza isto eacute produz objetos com

uma estrutura unitaacuteria coisa entre coisas organismos autocircnomos formas

vivas 186

Isto eacute a partir dessa constataccedilatildeo que a arte mimeacutetica eacute pensada como incremento da

natureza e a renova logo pode-se afirmar que a arte eacute preenchimento do que falta eacute a

presenccedila da ausecircncia Neste sentido a arte enquanto miacutemesis eacute a presenccedila do ausente (outro)

e natildeo a repeticcedilatildeo de outro presente (modelo) portanto mesmo que haja um modelo o produto

advindo da teacutecnica-arte eacute sempre outro sempre novo podendo reivindicar autonomia

ontoloacutegica com relaccedilatildeo ao suposto objeto referente E como completa Pareyson ldquoFazer arte

significa em primeiro lugar realizar eacute soacute secundariamente que ela eacute significaccedilatildeo ou

imitaccedilatildeo ou qualquer outra coisardquo 187

Todavia como se mostrou anteriormente quando Aristoacuteteles discorre sobre Arte natildeo

diz das Artes em strictu sensu como definimos hoje mas de toda e qualquer produccedilatildeo

humana incluindo as Artes em geral Entretanto na Poeacutetica Aristoacuteteles discorre

especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente e diferente de Platatildeo expotildee a

atividade da miacutemesis de forma positiva

Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto miacutemesis Aristoacuteteles elenca dois

argumentos a favor da miacutemesis um que a miacutemesis eacute congecircnita ao homem e faz parte de sua

natureza e o outro que a miacutemesis gera prazer justamente por ser congecircnita e mais ainda por

proporcionar o aprendizado nas palavras dele da Poeacutetica

186

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p70 ldquoCosigrave stando le cose il vero significato della concezione tradizionale dellarte come

imitazione della natura egrave quello giagrave spesso emerso nella storia dellestetica per cui larte opera come la natura

cioegrave produce oggetti con una struttura unitaria cose fra cose organismi autonomi forme viventirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p264 )

187

Ibidem Op cit p69 ldquoFar arte significa anzitutto realizzare solo secondariamente essa egrave signilicazione o

espressione o raffigurazione o altro che siardquo(Ibidem Op cit p264 )

102

Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar eacute

congecircnito no homem (e nisso difere dos outros viventes pois de todos eacute ele

o mais imitador e por imitaccedilatildeo aprende as primeiras noccedilotildees) e os homens

se comprazem no imitado Sinal disto eacute o que acontece na experiecircncia noacutes

contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas

que olhamos com repugnacircncia por exemplo [as representaccedilotildees de] animais

ferozes e [de] cadaacuteveres Causa eacute que o aprender natildeo soacute muito apraz aos

filoacutesofos mas tambeacutem igualmente aos demais homens se bem que menos

participem dele Efetivamente tal eacute o motivo por que se deleitam perante as

imagens olhando-as aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma

delas [e diratildeo] por exemplo este eacute tal Porque se suceder que algueacutem natildeo

tenha visto o original nenhum prazer lhe adviraacute da imagem como imitada

mas tatildeo-somente da execuccedilatildeo da cor ou qualquer outra causa da mesma

espeacutecie (Poeacutetica 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitaccedilatildeo que eacute repetido natildeo soacute na Poeacutetica mas tambeacutem em outros

textos eacute que o que gera prazer natildeo eacute a miacutemesis apenas enquanto imitaccedilatildeo pois a miacutemesis natildeo

eacute imitaccedilatildeo de outro igual mas e sobretudo eacute complemento do que falta Portanto Aristoacuteteles

aponta que o proporciona prazer estaacute no ldquobem fazerrdquo da teacutekhne [arte] como fica claro nesta

passagem da Retoacuterica

188

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural

1973 1450 a ou sect33 p 448

Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι

σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς

μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας Σημεῖον δὲ τούτου τὸ

συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργωνmiddot ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας

χαίρομεν θεωροῦντες οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν Αἴτιον δὲ καὶ τούτου ὅτι μανθάνειν

οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ Διὰ

γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον

οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνοςmiddot ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν

ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν[20]

Outra traduccedilatildeo ldquoDas coisas que por elas proacuteprias vemos de maneira dolorosa destas provamos prazer

ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas como por exemplo configuraccedilotildees (μορφάς)

dos bichos mais despreziacuteveis e dos cadaacuteveres A causa disso eacute o fato de que aprender [ou compreender]

(μανθάνειν) eacute coisa prazerosiacutessima natildeo soacute para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira

semelhante tambeacutem para os outros ainda que participem disso por breve tempo Por isso com efeito gostam de

ver as imagens (είκόνας) jaacute que acontece que contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou compreendam] e

raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que eacute cada coisa (τί ἓκαστον ) como por exemplo que este eacute aquele (οὗτος

ἑκεῖνος) Porque caso aconteccedila nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) natildeo uma imitaccedilatildeo (οὐχὶ μίμημα)

[sem a emendatio de Hermann [1802] (p 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) natildeo enquanto imitaccedilatildeo presente em muitas

ediccedilotildees] produziraacute o prazer e sim por causa da execuccedilatildeo ou da cor ou de uma outra causa parecida (Poeacutetica

4 1448b 10-19) (ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de

Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro

de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 96)

103

E como aprender e admirar eacute agradaacutevel necessaacuterio eacute tambeacutem que o sejam as

coisas que possuem estas qualidades por exemplo as imitaccedilotildees como as da

pintura da escultura da poesia e em geral todas as boas imitaccedilotildees mesmo

que o original natildeo seja em si mesmo agradaacutevel pois natildeo eacute o objeto retratado

que causa prazer mas o raciociacutenio de que ambos satildeo idecircnticos de sorte que

o resultado eacute que aprendemos alguma coisa (Retoacuterica 1371 b 4) 189

Essa questatildeo apontada na passagem acima por Aristoacuteteles de que o prazer ao ver uma

pintura natildeo eacute necessariamente o prazer de identificar o modelo mas sim o prazer de

identificar a imagem mesma enquanto imagem retomando assim o entendimento da

definiccedilatildeo de Arte como produccedilatildeo [poiacuteesis]

E a partir deste ponto encontra-se outra chave para o diaacutelogo que Pareyson

estabeleceu com a filosofia aristoteacutelica e que se relaciona com a distinccedilatildeo entre modelo e

ldquoformardquo proposta na Teoria da Formatividade ldquoformardquo aqui identificada com a imagem

pictoacuterica e escultoacuterica Nas palavras de Pareyson

Sem insistir agora sobre o caraacuteter intelectualiacutestico que seria de tal modo

atribuiacutedo ao prazer esteacutetico eacute indubitaacutevel que esta distinccedilatildeo aristoteacutelica entre

o objeto imitado e a imitaccedilatildeo bem feita eacute uma primeira menccedilatildeo agrave teoria

moderna da indiferenccedila ao conteuacutedo e da relevacircncia esteacutetica da

representaccedilatildeo em si mesma Colocar ecircnfase sobre a representaccedilatildeo ao inveacutes

do conteuacutedo eacute um convite para considerar a obra de arte em si mesma como

um mundo em si que eacute autocircnomo em relaccedilatildeo aquele a partir do qual se

extrai a inspiraccedilatildeo para a representaccedilatildeo mesma190

189

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Junior Paulo Farmhouse

Alberto e Abel do nascimento Pena 3ordf ed Lisboa Centro de Estudos Claacutessicos da Universidade de Lisboa

Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda 2006 Livro 1 Cap1123 p138

ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι οἷον τό τε μιμούμενονὥσπερ

γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον οὐ

γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει

190

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009)

ldquoSenza insistere ora sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico egrave

indubitato che questa distinzione aristotelica fra loggetto imitato e limitazione ben fatta egrave un primo accenno

alla teoria moderna dellindifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione Il

porre laccento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto egrave un invito a considerare lopera darte in seacute come

un mondo a seacute chegrave autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesimardquo

104

Pois esta descriccedilatildeo da Poeacutetica de que a imagem gera prazer independente do motivo

possibilita a definiccedilatildeo da imagem como autocircnoma com relaccedilatildeo ao modelo e ainda

igualmente autocircnoma da proacutepria noccedilatildeo de identidade e semelhanccedila Outro ponto que a

separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de arte e de coacutepia permite vislumbrar eacute a proacutepria ideia de

originalidade que a arte carrega desde o romantismo ateacute hoje que Pareyson identifica como

tenho o seu iniacutecio embrionaacuterio aqui mesmo tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles nas

palavras do filoacutesofo italiano

Eacute a primeira menccedilatildeo a uma concepccedilatildeo positiva da autonomia do mundo da

arte autonomia que jaacute havia sido reconhecida por Platatildeo a qual todavia

tinha sido concebida negativamente Trata-se do caminho de reconhecer uma

ampla margem para a atividade original do artista para ir aleacutem do caraacuteter

extriacutenseco da referecircncia da imagem ao modelo A relaccedilatildeo de semelhanccedila eacute

ainda concebida como extriacutenseca a obra de arte mas apoacutes o convite para se

considerar a representaccedilatildeo em si mesma natildeo se tardaraacute a seguinte concepccedilatildeo

da semelhanccedila como esforccedilo subjetivo e original de objetividade e de

fidelidade ao real191

E por fim haacute ainda outra uma passagem da Poeacutetica que expotildee mais um ponto

fundamental para entender como Aristoacuteteles entendia os meandros e complexidades da

miacutemesis onde ele expotildee que a relaccedilatildeo da arte como imitaccedilatildeo estaacute atrelada ao conceito de

verossimilhanccedila ldquoO poeta eacute imitador como o pintor ou qualquer outro imaginaacuterio por isso

sua imitaccedilatildeo incidiraacute num destes trecircs objetos coisas quais eram ou quais satildeo quais os outros

dizem que satildeo ou quais parecem ou quais deveriam serrdquo (Poeacutetica 1460b 8-10) 192

191

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

35-36 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoEgrave il

primo accenno a una concezione positiva dellautonomia del mondo dellarte autonomia chera giagrave stata

riconosciuta da Platone il quale tuttavia laveva concepita negativamente Si egrave sulla strada di riconoscere un

ampio margine allattivitagrave originale dellartista e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento

dellimmagine al modello Il rapporto di somiglianza egrave ancora concepito come estrinseco allopera darte ma

dopo linvito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderagrave a seguire la concezione della

somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettivitagrave e di fedeltagrave al realerdquo

192

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV

161 p468

Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων

τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ ἢ οἷα εἶναι δεῖ

105

Ora o conceito de verossimilhanccedila que eacute normalmente entendido no acircmbito da poesia

pode ser estendido agrave pintura jaacute que o proacuteprio Aristoacuteteles inicia este mesmo periacuteodo do texto

acima citado falando da pintura que assim como a poesia eacute arte imaginaacuteria Ainda outra

passagem da Poeacutetica esmiuacuteccedila o conceito de verossimilhanccedila ldquoPelas precedentes

consideraccedilotildees se manifesta que natildeo eacute ofiacutecio de poeta narrar o que aconteceu eacute sim o de

representar o que poderia acontecer quer dizer o que eacute possiacutevel segundo a verossimilhanccedila e

a necessidaderdquo (Poeacutetica 1451a 36) 193

No caso da imagem pictoacuterica pode-se substituir o

aconteciacutevel pelo possiacutevel como explica Pareyson

Ora o aconteciacutevel pode ser definido com relaccedilatildeo agrave realidade enquanto de

fato natildeo eacute acontecido e no que diz repeito a possibilidade enquanto

logicamente natildeo eacute impossiacutevel de acontecer Aristoacuteteles completa a foacutermula

dizendo ldquoo aconteciacutevel eacute o possiacutevelrdquo (καὶ τὰ δινατά) Portanto a histoacuteria

expotildee o acontecido e a poesia o possiacutevel194

Ou seja a teacutekhne [arte] atraveacutes da proacutepria atividade da miacutemesis novamente eacute

identificada como aquela que complementa e ateacute melhora o que jaacute existe Enquanto a

implicaccedilatildeo de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer e natildeo o que aconteceu

segundo a verossimilhanccedila deixa claro que a miacutemesis natildeo se refere agrave coacutepia mas agrave

interpretaccedilatildeo e agrave invenccedilatildeo Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poeacutetica de

Aristoacuteteles

Com efeito na poesia eacute de preferir o impossiacutevel que persuade ao possiacutevel

que natildeo persuade Talvez seja impossiacutevel existirem homens quais Zecircuxis os

pintou esses poreacutem correspondem ao melhor e o paradigma deve ser

superado E depois a opiniatildeo comum tambeacutem justifica o irracional aleacutem de

193

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 IX sect50

p 451

Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο

καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον

194

(traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Il Verisimile Nella Poeacutetica Di Aristotele ______Problemi dellrsquoesteacutetica

II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore 2000 p95

ldquoOra laccadibile puograve essere definito rispetto alla realtagrave in quanto di fatto non egrave accaduto e rispetto alla

possibilitagrave in quanto logicamente non egrave impossibile che accada Infatti Aristotele completa la formula dicendo laquo

lrsquoaccadibile egrave il possibileraquo (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1accaduto e la poesia il possibilerdquo

106

que agraves vezes irracional parece o que o natildeo eacute pois verossimilmente

acontecem coisas que inverossiacutemeis parecem (Poeacutetica 1461b) 195

E sobre as especificidades da ideia de arte como miacutemesis tanto em Platatildeo como

Aristoacuteteles Pareyson conclui

A definiccedilatildeo da arte como semelhanccedila em Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo se refere agrave

arte de uma miacutemesis fotograacutefica e especular quase como se ao artista natildeo

restasse outra atividade que a aplicaccedilatildeo de suas habilidades teacutecnicas e a arte

natildeo seria mais que imitaccedilatildeo servil e passiva Esta definiccedilatildeo baseia-se na

consciecircncia de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em

conciliar a fidelidade agrave realidade que parece ser inerente agrave representaccedilatildeo

com a irreprimiacutevel autonomia do mundo da arte O mundo da arte eacute um

mundo em si mesmo como entatildeo pode existir representaccedilatildeo de uma

realidade A resposta a esta questatildeo natildeo pode ser consistente em uma

concepccedilatildeo que confere um caraacuteter ativo na imitaccedilatildeo mesma mas sim se a

imitaccedilatildeo advenha de um esforccedilo subjetivo e original com o qual o artista

penetra e interpreta essa realidade que filtrada pelo seu subjetivo e original

modo de ver seraacute representada na obra de arte196

A partir da leitura do texto citado acima eacute possiacutevel vislumbrar a soluccedilatildeo da antiacutetese

entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo que Pareyson propotildee isto eacute a questatildeo natildeo eacute ser ou natildeo fiel ao

195

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV 36

ou IX sect 177 p 469

Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν Πρός τε γὰρ

τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόνmiddot τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν

ἀλλὰ βέλτιονmiddot τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν Πρὸς ἅ φασιν τἄλογαmiddot οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15]

ἐστινmiddot εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις

ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος

ὑποθῆται

196

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 36

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLa definizione dellarte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta larte a una mimesi

fotografica e speculare quasi che allartista non rimanga altra attivitagrave che lapplicazione della propria abilitagrave

tecnica e larte non sia che imitazione servile e passiva Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno

dei fondamentali problemi dellarte consiste nel conciliare la fedeltagrave al reale che sembra inerire alla

rappresentazione con linsopprimibile autonomia del mondo dellarte Il mondo dellarte egrave un mondo a seacute come

dunque puograve esser rappresentazione duna realtagrave La risposta a questa domanda non puograve consistere che in una

concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione sigrave che limitazione divenga lo sforzo

soggettivo e originale con cui lartista penetra e interpreta quella realtagrave che filtrata dal suo soggettivo e

originale modo di vedere saragrave rappresentata nellopera darterdquo

107

modelo mas eacute entender que Arte enquanto eacute miacutemesis eacute tambeacutem interpretaccedilatildeo e ldquoformardquo isto

eacute dotada de estatuto ontoloacutegico e autonomia

E portanto eacute tambeacutem nesse sentido que eacute legiacutetimo afirmar que miacutemesis tanto na

acepccedilatildeo platocircnica como no sentido aristoteacutelico natildeo pode ser definida como simplesmente

imitaccedilatildeo como bem expotildee Luiz Costa Lima

[] embora o Estagirita tenha usado miacutemesis a partir do contexto platocircnico

sua acepccedilatildeo diferiraacute a partir mesmo de sua distinta base ontoloacutegica Assim

como a forma se realiza na concreccedilatildeo da mateacuteria assim a miacutemesis se cumpre

na concreccedilatildeo de um miacutemema Mais do que nunca miacutemesis natildeo pode ser

tomada como imitatio Viacuteramos que isso natildeo seria correto sequer em Platatildeo

pois a imagem natildeo eacute o duplo da coisa a que se refere e porque eacute incapaz de

representar as Ideias A miacutemesis eacute sinocircnimo de um campo fantasmal eacute o

outro da sombra nem sequer a proacutepria sombra pois esta ainda supotildee um

corpo que a projeta Em Aristoacuteteles ao inveacutes a miacutemesis partilha das leis que

governam a physis eacute uma potencialidade (dynamis) que explode em um

produto (ergon) 197

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles

Para finalizar a anaacutelise sobre como Aristoacuteteles definiu a imagem pictoacuterica (pintura e

desenho) e suas especificidades no De Memoria et Reminiscentia [Da lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo] 198

quando discorre sobre a memoacuteria Aristoacuteteles expotildeem a relaccedilatildeo da imagem

pictoacuterica com a imagem imaginaacuteria ou apariccedilatildeo [phantasma] 199 fruto da imaginaccedilatildeo

197

COSTA LIMA Luiz Miacutemesis e modernidade Formas das sombras Rio de Janeiro Ed Graal 1980 p47

198

Segundo livro do Parva Naturalia de Aristoacuteteles

199

Sobre a traduccedilatildeo dos termos gregos e a equivalecircncia com conceitos aqui implicados Claudio Veloso explica

ldquolsquoImagemrsquo eacute a traduccedilatildeo corrente de Φάντασμα mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών enquanto Φάντασμα

lembro eacute sempre traduzido por mim com apariccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel natildeo confundir as duas noccedilotildees Ao

contraacuterio os comentadores tendem a esquecer que a comparaccedilatildeo sugerida por Aristoacuteteles natildeo eacute entre a

lembranccedila e a pintura - o que faria desta uacuteltima uma artificiosa memoacuteria (Rouveret [1989] p 303 s) O que eacute

comparado agrave pintura tout court eacute a apariccedilatildeo Φάντασμα A lembranccedila eacute comparada propriamente agrave imagem

εἰκώνrdquo Mais adiante sobre a mesma passagem Veloso ainda alerta para outra possiacutevel confusatildeo entre termos e

conceitos advindos da traduccedilatildeo dos textos citados ldquo[] Eacute preciso todavia natildeo confundir εἰκών (lsquoimagemrsquo) e

όμοίωμα (lsquosimulacrorsquo)rdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo449b 30-1 In

108

[phantasiacutea]200

Phantasiacutea entendida aqui como o processo de imaginaccedilatildeo isto eacute como a

formaccedilatildeo de imagens mentais que faz ver mentalmente o que natildeo estaacute diante dos olhos

Sobre a analogia entre apariccedilatildeo e desenho Aristoacuteteles discorre ldquoMas dado que se

falou da representaccedilatildeo [φαντασία] 201

antes nos [livros] sobre a alma tambeacutem [se sabe que]

natildeo eacute possiacutevel pensar sem uma apariccedilatildeo [φάντασμα] [450a] pois no pensar acontece

exatamente a mesma afecccedilatildeo que acontece no traccedilarrdquo (De memoria 449 b ndash 450 a 1) 202

Ademais Aristoacuteteles mostra que um aspecto importante da imagem pictoacuterica acarreta

eacute a correlaccedilatildeo entre ausecircncia-presenccedila sobretudo quando a pintura se propotildee representaccedilatildeo de

uma ideia ou ateacute mesmo quando eacute um retrato de um ausente Sobre a imagem do ausente isto

eacute a lembranccedila Aristoacuteteles discorre

E satildeo coisas lembraacuteveis por si aquelas de que haacute apariccedilatildeo [ὦν έστι

φαντασία] enquanto [satildeo lembraacuteveis] [25] por concomitacircncia todas as que

[o] satildeo natildeo sem uma apariccedilatildeo Algueacutem pode todavia encontrar uma

dificuldade ou seja como estando presente a afecccedilatildeo mas ausente a coisa

eacute lembrado o que natildeo estaacute Eacute evidente com efeito que se deve pensar essa

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 87)

200

Traduccedilatildeo para o tiacutetulo proposta por Claudio Veloso In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo

Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12

n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash

Unicamp 2002

201

Veloso explica sobre a traduccedilatildeo para o texto ldquoDa Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo ldquo lsquoRepresentaccedilatildeorsquo traduz

φαντασία tradicionalmente traduzido por imaginaccedilatildeo enquanto apariccedilatildeo traduz φάντασμα mas tambeacutem

φαντασία quando usado como equivalente a φάντασμαrdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo (449b 30-1) In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e

comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial

janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

2002 p 80)

202

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28

Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν

να νοώμεν Συμβαίνει δηλ εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού

σχήματος

109

afecccedilatildeo - cuja posse dizemos que eacute uma lembranccedila ie a alma perceptiva]

tem como que uma certa pintura [30] (De memoria 450a 23-30) 203

E por fim nesta outra passagem Aristoacuteteles ao definir a memoacuteria igualmente define a

imagem da pintura eou do desenho

E se em noacutes haacute realmente semelhante a uma marca ou a um desenho por que

a percepccedilatildeo disso seria lembranccedila de outra coisa e natildeo desse mesmo algo

Quem estaacute em atividade com a lembranccedila contempla essa afecccedilatildeo e percebe

isso Como entatildeo lembra o que natildeo estaacute presente Entatildeo tambeacutem seria

possiacutevel ver [20] e ouvir o que natildeo estaacute presente Ou se pode [ver e ouvir o

que natildeo estaacute presente] porque eacute possiacutevel [lembrar o que natildeo estaacute presente] e

isso acontece Por exemplo o animal desenhado em uma taacutebua eacute com

efeito um animal e uma imagem - essa mesma e uacutenica coisa eacute ambos mas o

ser natildeo eacute o mesmo para ambos - e eacute possiacutevel contemplaacute-lo tanto como um

animal quanto como imagem Desse modo eacute preciso supor que [25] apariccedilatildeo

em noacutes eacute ela mesma tambeacutem tanto algo por si quanto apariccedilatildeo de uma outra

coisa (De memoria 450b 15- 26)204

203

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28-29

Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ εαυτά αντικείμενα μνήμης τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας

κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας ύναται τις να

ερωτήση πώς άρά γε ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή) το δε πράγμα είναι απόν όμως

ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα) Αλλ είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν ότι το διά της

αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει

(αντιλαμβάνεται) αυτήν ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην είναι όμοιον με ζωγράφημα

204

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p30-31

Αλλ εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην ποίον εκ των δύο το πάθος τούτο (την εντύπωσιν)

ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον εκ του οποίου έγεινεν Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα τότε δεν

ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον πώς ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν

όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο το οποίον δεν αισθανόμεθα το απόν αντικείμενον 184 και αν η

μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα 185 πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο όμως

ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται

μόνον την εντύπωσιν ταύτην Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα όπερ δεν είναι παρόν Τούτο θα ήτο το αυτό ως να

βλέπη και να ακούη το μη παρόν Ή υπάρχει τρόπος καθ ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει Π χ

το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών το αυτό δηλ πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμαbull αλλά ο

τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το

ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να

υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου

τινός Και καθ όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ εαυτήν αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας

(φάντασμα) καθ όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα

110

Logo conclui-se que a pintura pensada como produto da representaccedilatildeo [phantasiacutea] em

De memoria et Reminiscentia natildeo quer dizer miacutemesis no sentido simples de imitaccedilatildeo tal

como se encontra no Sofista de Platatildeo seja ela copiosa ou imaginativa Mas quer dizer

representaccedilatildeo no sentido de substituiccedilatildeo e presentificaccedilatildeo de uma ideia de um pensamento e

portanto estaacute de acordo com a compreensatildeo de miacutemesis tal como vista na Fiacutesica de

Aristoacuteteles isto eacute miacutemesis no sentido de complementaccedilatildeo

Nesse sentido a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristoacuteteles

conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a apariccedilatildeo que tem

materialidade ou seja transformada em coisa entre coisas no mundo e na alteridade do

pensamento sem contudo deixar de ser tambeacutem pensamento ou seja ideia Como tambeacutem

fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma] quando Aristoacuteteles diz que ldquoas imagens

satildeo pois como sensaccedilotildees soacute que sem mateacuteriardquo (432a 9)205

Diante disto a imagem pictoacuterica produzida pode ser entendida ao mesmo tempo

como ideia e coisa como pensamento e mateacuteria como conceito e sensaccedilatildeo Pois o processo

de representaccedilatildeo eou imaginaccedilatildeo eacute anaacutelogo ao processo de fabricaccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

por conseguinte ao processo de assimilaccedilatildeo da imagem pelo espectador que por sua vez se

constitui como parte fundamental do processo de elaboraccedilatildeo do raciociacutenio possibilitando que

a sensaccedilatildeo se transforme em pensamento

3 6 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson

Sendo assim Pareyson na Teoria da Formatividade ao mostrar o estatuto ontoloacutegico

da arte e consequentemente da pintura redimensiona o problema da miacutemesis e ainda

identificando tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles o embriatildeo da definiccedilatildeo de autonomia da

arte

Portanto a partir da leitura da intersecccedilatildeo entre Pareyson Platatildeo e Aristoacuteteles

conclui-se que a questatildeo principal natildeo eacute se a pintura eacute imaginativa ou eacute imitativa Pois como

discorre Pareyson o problema da imitaccedilatildeo da Arte acaba sendo muito mais um problema de

205

ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010 τὰ γὰρ

φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι πλὴν ἄνευ ὕλης

111

ldquoPoeacuteticardquo entendida na acepccedilatildeo pareysoniana como ldquoprograma de arterdquo206

do que um

problema de definiccedilatildeo conceitual de Esteacutetica isto eacute nos termos pareysonianos Filosofia da

Arte207

nas palavras dele

[] na definiccedilatildeo tradicional da arte como imitaccedilatildeo da natureza definiccedilatildeo

que pouco a pouco foi-se concretizando em significados diversos e agraves

vezes opostos da coacutepia mais fiel e fotograacutefica da realidade agrave mais polecircmica

deformaccedilatildeo ou agrave abstraccedilatildeo mais decidida atraveacutes de todos os matizes da

verossimilhanccedila da caracterizaccedilatildeo da idealizaccedilatildeo da estilizaccedilatildeo da

invenccedilatildeo mais livre desenfreada e fantaacutestica [] Mas desembaraccedilamo-nos

facilmente de tais dificuldades se pensamos que na realidade trata-se mais

de ldquopoeacuteticasrdquo do que de esteacuteticas o que estaacute em jogo natildeo eacute uma definiccedilatildeo

geral da arte mas um programa de arte e trata-se sempre de relaccedilotildees da

imagem artiacutestica com a realidade natural mesmo quando tais relaccedilotildees vecircm

206

ldquoA poeacutetica eacute programa de arte declarado num manifesto numa retoacuterica ou mesmo impliacutecito no proacuteprio

exerciacutecio da atividade artiacutestica ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto que por

sua vez eacute toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma eacutepoca projetada no campo da arterdquo (PAREYSON

Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p21) ldquoLa poetica egrave programma darte dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito

nello stesso esercizio dellattivitagrave artistica essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto il

quale a sua volta egrave lintera spiritualitagrave duna persona o dunepoca proiettata nel campo dellarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p223)

207

ldquoA esteacutetica pelo contraacuterio natildeo tem um caraacuteter normativo nem valorativo ela natildeo define nem normas para o

artista nem criteacuterios para o criacutetico Como filosofia ela tem um caraacuteter exclusivamente teoacuterico a filosofia

especula natildeo legislardquo (PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery

Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p22) ldquoLestetica invece non ha carattere neacute normativo neacute

valutativo essa non -defigravenisce neacute norme per lartista neacute criteri per il critico Essa come filosofigravea ha un

carattere esclusivamente teorico la filosofigravea specula non legiferardquo (Idem Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p223)

Em outra passagem mais adiante no texto Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta

distinccedilatildeo que ele propotildee entre os significados de ldquoEsteacuteticardquo e ldquoPoeacuteticardquo ldquoDo ponto de vista esteacutetico todas as

poeacuteticas satildeo igualmente legiacutetimas natildeo importa que a arte seja compromissada ou evasiva realista ou idealista

naturalista ou liacuterica figurativa ou abstrata pura ou carregada de pensamento douta ou popular espontacircnea ou

refinada e assim poacute diante o essencial eacute que seja arte O esteacutetico como tal natildeo toma posiccedilatildeo em questotildees

poeacuteticas Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si ele evita com cuidado transformar em

divergecircncia filosoacutefica aquilo que eacute substancialmente uma polecircmica de gostos Antes ele deveraacute esforccedilar-se o

mais possiacutevel por natildeo fazer intervir seu proacuteprio gosto na sua proacutepria teoria a fim de evitar que esta seja

somente a conceitualizaccedilatildeo de um gosto histoacuterico e nada mais do que uma poeacutetica travestidardquo (Idem Os

problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p25)

ldquoDal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime non importa che larte sia impegnata o

devasione realistica o idealistica naturalistica o lirica figurativa o astratta pura o pensosa dotta o popolare

spontanea o raffinata e cosigrave via lessenziale egrave che sia arte Lestetico come tale non prende posizione in fatto

di poetiche di fronte alle frequenti battaglie chesse impegnano fra di loro egli evita con cura di trasformare in

di vergenza filosofica quella chegrave in sostanza una polemica di gusti Anzi egli dovragrave sforzarsi quanto possibile di

non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto ad evitare chessa non sia che la concettualizzazione

dun gusto storico e nientaltro che una poetica travestita (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p226)

112

negadas como nos casos de deformaccedilatildeo e de abstraccedilatildeo ou de invenccedilatildeo

surrealista onde a relaccedilatildeo natildeo eacute superada mas apenas polemicamente

revirada 208

Nesse sentido pode-se afirmar que independente de ser ou natildeo imitativa de ser ou natildeo

imaginativa a pintura eacute ldquoformardquo ou seja antes eacute coisa ela eacute ldquopresenccedila de si mesmardquo e natildeo

apenas ldquoausecircncia de outrordquo Nas palavras de Pareyson

A arte produz imagens que valem em si e natildeo pela sua relaccedilatildeo (positiva ou

negativa) com a realidade Sobre este ponto afirmar que uma imagem

artiacutestica vale porque imita bem a natureza eacute tese equivalente aquela de quem

afirmasse que uma imagem artiacutestica vale enquanto natildeo se propotildee copiar a

natureza ambas satildeo teses absurdas Mas quem quiser penetrar no significado

de uma imagem artiacutestica deve dar-se conta de seu intento de fidelidade ou

de deformaccedilatildeo ou de revolta ou de negaccedilatildeo com respeito agrave natureza

somente aprofundando esta referecircncia poder-se-aacute penetrar no mundo de uma

obra 209

Todavia pode-se entender que na Teoria da Formatividade a obra de arte enquanto

ldquoformardquo eacute tambeacutem representaccedilatildeo mas natildeo enquanto eacute imitaccedilatildeo de algo mas enquanto eacute

208

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p67

ldquo[] nella definizione tradizionale dellarte come imitazione della natura definizione che si egrave via via

concretata in significati diversissimi e talora opposti dalla copia piugrave fedele e fotografica della realtagrave alla piugrave

polemica deformazione o allastrazione piugrave decisa attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza della

caratterizzazione dellidealizzazione della stilizzazione dellinvenzione piugrave libera sbrigliala e fantastica

Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dellestetica involgendola almeno sino al

romanticismo in una serie di difficoltagrave degne forse di miglior causa Ma di tali difficoltagrave ci si sbarrazza

facilmente non appena si pensi che in realtagrave si tratta piugrave di laquopoeticheraquo che di estetiche ciograve egrave in gioco non egrave una

definizione generale dellarte ma un programma darte e si tratta sempre di rapporti dellimmagine artistica

con la realtagrave naturale anche quando tali rapporti vengono negati come nei casi di deformazione e di astrazione

o di surrealistica invenzione ove il rapporto non egrave superato ma solo polemicamente rovesciatordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262-263)

209

Ibidem Op cit p68 ldquoLarte produce immagini che valgono in seacute e non per il loro rapporto (positivo o

negativo che sia) con la realtagrave ma lindividuazione di tale rapporto egrave indispensabile per comprenderne

esattamente il senso Il valore dellimmagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza

con la realtagrave anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtagrave su questo punto

affermare che unimmagine artistica vale percheacute raffigura bene la natura egrave tesi equivalente a quella di chi

affermasse che unimmagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura entrambe le tesi

sono assurde Ma chi voglia penetrare il significato dunimmagine artistica deve rendersi conto del suo intento

di fedeltagrave o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura solo approfondendo questo

riferimento si potragrave penetrare il mondo dunoperardquo (Ibidem Op cit p263)

113

imaginaccedilatildeo eacute ideia isto eacute enquanto eacute interpretaccedilatildeo de uma visatildeo pessoal de mundo da

ldquopessoandashartistardquo produtora da ldquoobra-formardquo

Portanto embora a pintura como representaccedilatildeo seja normalmente vista como sendo a

imagem de uma referecircncia externa o significado da pintura estaacute sobretudo contido na forma

por ela mesma e natildeo no modelo ou no referente como explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre a

pintura

A ela natildeo corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro

fixado sua virtude natildeo estaacute no seu apagamento enquanto representante para

dar transparecircncia a um representado [] Natildeo eacute representante nem

representada a natildeo ser de si mesma nela significante e significado geram-se

muacutetua e continuamente210

Logo a imitaccedilatildeo e a relaccedilatildeo com um suposto modelo natildeo muda o estatuto da arte como

representativa pois a representaccedilatildeo natildeo estaacute na relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo da obra com o

modelo e sim na identificaccedilatildeo da obra como interpretaccedilatildeo isto eacute como fruto da visatildeo de

mundo pessoal contida na proacutepria obra e natildeo fora dela Nesse sentido Pareyson afirma que

ldquo[] para compreender bem o significado da obra seraacute necessaacuterio dar-se conta do esforccedilo de

penetraccedilatildeo que o artista fez com relaccedilatildeo ao objeto real que ele teve de saber olhar e

interpretar para pocircs-se em condiccedilatildeo de revelaacute-lo e de enfrentaacute-lordquo211

E ainda esta ldquoformardquo que foi fruto da representaccedilatildeo de uma ideia de uma visatildeo de

mundo seraacute novamente representaccedilatildeo enquanto for objeto de interpretaccedilatildeo da ldquopessoa-

espectadorrdquo daiacute a multiplicidade da interpretaccedilatildeo da obra de arte E portanto eacute nessa cadeia

tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo que arte se configura

como representaccedilatildeo de uma ideia ou de infinitas ideias jaacute que as interpretaccedilotildees satildeo

inexauriacuteveis tal qual eacute a infinidade das diferentes ldquopessoasrdquo que interpretarem uma uacutenica

210

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p19-20

211

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquo[]per comprendere bene i l significato dellopera bisogneragrave rendersi conto dello

sforzo di penetrazione che lartista ha fatto rispetto a un oggetto reale chegli ha dovuto saper guardare e

interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264)

114

obra de arte sendo assim esta cadeia poderia ser definida como pessoa (artista) - visatildeo de

mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador) Nas palavras de Pareyson

De fato a interpretaccedilatildeo eacute o encontro de uma pessoa com uma forma e se

pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao satildeo realidade simples mas

natildeo um infinito encerrado em algo definido teremos de pronto a ideia do

quanto eacute positiva a infinidade da interpretaccedilatildeo a ser considerada antes como

inexauriacutevel riqueza do que como reino da imprecisatildeo e arbitrariedade 212

E eacute neste ponto que a obra como ldquoformardquo acabada e realizada torna-se coisa

autocircnoma natildeo soacute com relaccedilatildeo ao modelo mas ao proacuteprio artista que a forjou pois na

alteridade do mundo estaraacute sujeita a sempre novas e possiacuteveis interpretaccedilotildees e movimentos

Contudo sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua ldquoformardquo completada

e pronta fruto da produccedilatildeo proposta e levada a cabo pelo artista embora como coisa entre

coisas estaraacute sujeita ao movimento e a constante transformaccedilatildeo assim como um organismo

vivo

212

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p167 ldquoInfatti lsquolinterpretazione egrave lrsquoincontro duna persona con una formarsquo e se si pensa

che tanto la persona quanto la forma non sono realtagrave semplici ma sono un infinito racchiuso in una definitezza

si avragrave subito lidea di quanto sia positiva linfinitagrave dellinterpretazione da considerarsi piuttosto come

uninesauribile ricchezza che come il regno dellimprecisione e dellarbitrarietagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p346)

115

CAPIacuteTULO IV

Autonomia da arte e miacutemesis na obra de Gerhard Richter

agrave luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reproduccedilatildeo eacute distinto do

objeto reproduzido e da obra produzida e enquanto eacute distinto

do objeto reproduzido eacute um ato de imitaccedilatildeo com qual se

representa se refigura se exprime alguma coisa enquanto eacute

distinto da obra produzida eacute um ato de criaccedilatildeo que eacute um agir

que natildeo se exaure em si mesmo mas coloca em existecircncia

alguma coisa

Luigi Pareyson 1946 213

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista

Partindo do entendimento de que o problema da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo e

consequentemente da abstraccedilatildeo versus a figuraccedilatildeo natildeo eacute um problema de estatuto de arte

mas um problema de escolha e interpretaccedilatildeo ldquopessoalrdquo do artista tomamos esta escolha ou

estas escolhas dos artistas como chaves de interpretaccedilatildeo dos movimentos da ldquoformardquo natildeo

como proposiccedilotildees definitivas mas como interpretaccedilotildees ldquopessoaisrdquo de cada artista no percurso

da ldquoformatividaderdquo de sua obra que uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a

especulaccedilatildeo e reflexatildeo filosoacutefica Portanto a experiecircncia da obra de arte em si e da reflexatildeo e

dos dizeres dos artistas sobre a sua experiecircncia na ldquoformatividaderdquo constituem material

indispensaacutevel a esta pesquisa Sobre a importacircncia do estudo da experiecircncia direta da

ldquoformatividaderdquo para a Filosofia da Arte Pareyson discorre

Eacute bem verdade que o filoacutesofo sozinho natildeo tem condiccedilotildees para formular

uma esteacutetica Deve ele recorrer agrave experiecircncia esteacutetica e os testemunhos mais

213

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoLatto dellartista inteso come un riprodurre vien distinto dalloggetto riprodotto e

dallopera prodotta in quanto egrave distinto dalloggetto riprodotto egrave un atto dimitazione col quale si rappresenta

si raffigura si esprime qualcosa in quanto egrave distinto dallopera prodotta egrave un atto di creazione chegrave un agire

che non si esaurisce in se stesso ma pone in essere qualcosardquo PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo

Secondo - Imitazione e Creazione) p 28 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009

116

diretos dessa experiecircncia lhe advecircm ndash natildeo soacute dos contempladores e amantes

o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos criacuteticos

cujas declaraccedilotildees lhe satildeo natildeo apenas muito uacuteteis mas ateacute diria

indispensaacuteveis e essenciais visto que o filoacutesofo natildeo consegue discorrer sobre

a arte a natildeo ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista

e do criacutetico214

Isso natildeo quer dizer que a ldquopalavrardquo do artista deva ser entendida como lei ou lida sem

ressalvas pois como o proacuteprio Pareyson chama a atenccedilatildeo em outra passagem ldquo[] nem

sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte satildeo dignos de atenccedilatildeo pelo menos na sua

formulaccedilatildeo literal querem uma peneirada uma escolha um dimensionamento que lhes

restitua o seu exato significado e revele seu possiacutevel alcance no campo da esteacuteticardquo215

E como visto acima a noccedilatildeo de autonomia da Arte proposta na Teoria da

Formatividade e acrescida dos entendimentos dos conceitos de miacutemesis jaacute explicitados

desconstroem a antiacutetese entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo bem como podem contribuir para uma

anaacutelise da pintura no tempo presente uma vez que estas ainda satildeo questotildees pertinentes nas

problemaacuteticas propostas sobre a arte na atualidade sobretudo na pintura

Sendo assim ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias

de hoje a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemaacuteticas com relaccedilatildeo agrave

pintura enquanto imitaccedilatildeo e enquanto autocircnoma em si mesma como propotildee a Teoria da

Formatividade buscaram-se artistas que pudessem natildeo apenas enriquecer a presente pesquisa

com o conjunto de suas obras enquanto tais isto eacute nas ldquoformasrdquo nas obras acabadas e postas

como coisas entre coisas mas que tambeacutem pudessem fornecer textos para que a reflexatildeo

214

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p18 ldquoEgrave verissimo che il filosofo lsquoda solorsquo non egrave in grado di formulare unestetica egli deve

ricorrere allesperienza estetica e le testimonianze piugrave dirette di questa esperienza gli sono fornite mdash oltre che

dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale mdash precisamente dagli artisti e dai critici le

cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime ma direi indispensabili ed essenziali giaccheacute il filosofo non riesce

a parlare dellarte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dellartista e del criticordquo (Idem

Estetica Teoria della Formitivitagrave Bologna Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

215

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p19 ldquo[] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili almeno nella loro

formulazione letterale ci vuole un vaglio una scelta un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto

significato e ne sveli la possibile portata nel campo dellesteticardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p220)

117

acima referida tambeacutem se voltasse para a ldquoformatividaderdquo propriamente dita isto eacute para o

processo de produccedilatildeo da pintura enquanto tal

Nesse intuito encontrou-se um campo de investigaccedilatildeo na obra do artista alematildeo

Gerhard Richter216

cujo conjunto de obras sobretudo das obras pictoacutericas tem sido

produzido por mais de cinco deacutecadas e analisando atentamente o conjunto destas obras pocircde-

se constatar que o axioma imaginaccedilatildeo- imitaccedilatildeo se desfez Aleacutem disso Richter concomitante

agrave produccedilatildeo de sua obra pictoacuterica elaborou um conjunto igualmente ininterrupto de escritos

publicados que compreendem notas cartas e sobretudo entrevistas por ele concedidas a

criacuteticos e outros espectadores atentos a suas obras possibilitando assim natildeo soacute a anaacutelise de

suas obras em si mas tambeacutem a anaacutelise da ldquoformatividaderdquo destas pois boa parte destes

textos diz respeito diretamente aos meandros da ldquoformatividaderdquo em si natildeo a anaacutelises ou

sugestotildees de intenccedilotildees de significaccedilatildeo de sua obra

42 ldquoFormardquo e ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter

E ainda aleacutem das obras pictoacutericas e escritos de Richter tem-se disponiacutevel o Atlas Ou

seja em 1962 o pintor alematildeo iniciou suas pinturas a partir de fotografias e desde entatildeo tem

se dedicado natildeo soacute agrave pintura mas tambeacutem agrave coleta e catalogaccedilatildeo destas fotografias (obtidas

desde aacutelbuns da famiacutelia do artista a recortes de revistas e jornais) ademais Richter

igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboccedilos que foram e satildeo ponto de partida para

a sua produccedilatildeo pictoacuterica dando iniacutecio assim aos trabalhos para a formaccedilatildeo do que seria a

monumental obra intitulada Atlas

Portanto o Atlas eacute uma espeacutecie de diaacuterio artiacutestico e inventaacuterio de trabalho que foi

exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes exposiccedilatildeo

216

Artista alematildeo nascido em Dresden em 1932 graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal

iniciando uma carreira como pintor ldquorealistardquo na entatildeo Alemanha Oriental Em 1961 um pouco antes da

construccedilatildeo do muro de Berlim migrou para a Alemanha Ocidental quando retomou seus estudos sobre arte em

Duumlsseldorf e iniciou suas incursotildees com fotografia e pintura Nas uacuteltimas deacutecadas consolidou-se como um dos

principais expoentes da arte contemporacircnea internacional participando natildeo soacute de grandes exposiccedilotildees coletivas

como Documentas de Kassel Bienais de Veneza e de Satildeo Paulo como tambeacutem fez grandes exposiccedilotildees

retrospectivas de sua obra Sua uacuteltima grande exposiccedilatildeo individual intitulada ldquoPanoramardquo ocorreu entre os anos

de 2011-2012 e viajou pela Inglaterra (Tate Modern Londres) Franccedila (Centre George Pompidou Paris) e

Alemanha (Neue Nationalgalerie Berlin) (Cf GODFREY Mark SEROTA Nicholas RICHTER Gerhard e

outros Gerhard Richter- Panorama Londres Tate Publishing 2011 p10 -13 e p 281-194)

118

esta que foi acompanhada de publicaccedilatildeo anaacuteloga de um livro-cataacutelogo com o total de 315

laudas De laacute para caacute houve inuacutemeras reediccedilotildees tanto da exposiccedilatildeo como do livro na medida

em que paacuteginas e mais paacuteginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formaccedilatildeo da obra

pictoacuterica de Richter a uacuteltima publicaccedilatildeo em 2007 contou 783 quadros - laudas Sendo assim

pode-se dizer que o Atlas ainda estaacute em ldquoformatividaderdquo jaacute que eacute uma espeacutecie de relato e

registro visual em tempo real da produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard Richter Assim discorre

Helmut Friedel no prefaacutecio do Atlas da ediccedilatildeo de 2007

Como uma obra de arte total o Atlas eacute um organismo o qual desenvolve e

muda Eacute uma biografia espelhada fatos histoacutericos e artiacutesticos Muitas

consideraccedilotildees que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter

encontram expressatildeo nas fotografias esboccedilos planos e colagens217

Mais do que um amontoado de imagens por vezes aparentemente desconexas o

trabalho de coleta e catalogaccedilatildeo feito pelo proacuteprio artista prolonga a obra acabada

constituindo material de acesso uacutenico agrave ldquoformatividaderdquo do artista pois permite vislumbres ao

processo de ldquoformatividaderdquo mesmo apoacutes da ldquoformardquo estar concluiacuteda Ademais acrescida agrave

evidente ligaccedilatildeo do Atlas agrave formatividade da pintura de Richter em si natildeo se pode deixar de

lado o fato que o proacuteprio Atlas enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista eacute

forma eacute obra de arte hiacutebrida com certeza mas assim mesmo obra de arte

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

A tiacutetulo de demonstraccedilatildeo segue uma ldquopaacuteginardquo do Atlas a de nuacutemero [93] (Figura I)

as imagens mostram estudos que podem ser relacionados com a pintura ldquoDetalherdquo (Figura II)

217

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoAs a total art work the Atlas is an organism which develops further and changes In is a

mirrored biographical artistic and historical facts Many considerations which precede Gerhard Richters

painterly works find expression in the photographs sketches plans and collagesrdquo (HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed New York DAPDistributed

Art Publishers 2007 p 17)

119

Figura I

218

Figura II

219

218

Gerhard Richter ldquoAusschnittfotos von Farbprobenrdquo [Detalhes fotograacuteficos de Amostras de Cores] 1970

367 x 517 cm (Paacutegina do ldquoAtlasrdquo nordm 93) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso

em agosto de 2013

219

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (kreutz)rdquo [Detalhe (Kreutz)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 290) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

120

Como pode ser constatado nas imagens acima ficam evidentes as inuacutemeras possibilidades

expostas a respeito do acesso agrave experiecircncia de ldquoformatividaderdquo que o artista proporciona

atraveacutes do Atlas e evidentemente atraveacutes das proacuteprias obras Portanto a observaccedilatildeo da

imagem conjuntamente com a paacutegina do Atlas a ela relacionada deixa claro que o

procedimento desta pintura pertencente ao conjunto das pinturas intituladas ldquoDetalherdquo

(Figura II) pode ser analisado sob uma oacutetica diferente de que se natildeo houvesse o acesso agrave

referecircncia visual utilizada para a elaboraccedilatildeo da pintura Pois apesar destas pinturas nos

remeterem agrave ideia de pura abstraccedilatildeo a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a

partir de detalhes visuais definidos ou melhor a partir de imagens fotograacuteficas registros

visuais precisos e preacutevios passando assim por um processo anaacutelogo ao processo de imitaccedilatildeo

a um modelo qualquer disponiacutevel isto eacute anaacutelogo agrave construccedilatildeo de uma pintura figurativa tal

como fosse uma imagem reconheciacutevel e que remetesse a uma figura nomeaacutevel

E ainda ao observar a obra o olhar do observador eacute direcionado para as curvas e para

as nuances das passagens de cores e seus sobretons como tambeacutem para uma relaccedilatildeo de claro

e escuro tal como se observaacutessemos um trabalho de panejamento onde se encontram efeitos

ilusoacuterios de profundidade e movimento Inclusive vista ao vivo a pintura citada permite uma

experiecircncia corporal proacutepria da pintura advinda natildeo soacute da dimensatildeo do quadro que tem

quatro metros quadrados bem como da materialidade da obra em si no que diz respeito agrave

escolha da tinta a oacuteleo dando agrave pintura um caracteriacutestico brilho aveludado embora neste

caso sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura corroborando para

o efeito ilusoacuterio de tridimensionalidade que a imagem produz

Logo a experiecircncia a partir da observaccedilatildeo da ldquoformardquo isto eacute da pintura mesma seja

ao vivo ou mesmo atraveacutes da reproduccedilatildeo neste papel acrescida do acesso agrave ldquoformatividaderdquo

atraveacutes do Atlas levam a constataccedilatildeo de uma ambiguidade entre abstraccedilatildeo e ilusatildeo

tridimensional proacutepria da imitaccedilatildeo de uma figura que a obra permite vislumbrar

A despeito da relaccedilatildeo abstraccedilatildeo ndash fotografia que pode ser identificada na observaccedilatildeo

das obras de Richter acima dispostas igualmente seus textos tambeacutem apontam para as

problemaacuteticas que o advento da fotografia possibilitou agrave pintura vislumbrar E ao contraacuterio do

senso comum Richter elucida que a foto natildeo necessariamente se contrapotildee agrave pintura como

imitaccedilatildeo ou ateacute mesmo como coacutepia mas paradoxalmente tambeacutem instaura a possibilidade da

121

abstraccedilatildeo propriamente dita como fruto da observaccedilatildeo e da imitaccedilatildeo isto eacute a relaccedilatildeo ldquopessoa-

forma-mundordquo que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar agrave observaccedilatildeo de um

conteuacutedo vazio do ponto de vista da representaccedilatildeo de ideias mas ainda assim a imitaccedilatildeo da

imagem da aparecircncia continua possiacutevel

Como na passagem de uma nota de Richter abaixo transcrita que deixa claro o

entendimento por parte do artista dessa tecircnue relaccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo que a

imagem pictoacuterica percorre em sua obra sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de

decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida advinda de uma fotografia

Quando eu desenho - uma pessoa um objeto - Eu tenho que me fazer

consciente de proporccedilatildeo da precisatildeo a abstraccedilatildeo ou distorccedilatildeo e assim por

diante Quando eu pinto a partir de uma fotografia o pensamento consciente

eacute eliminado Eu natildeo sei o que estou fazendo O meu trabalho eacute muito mais

proacuteximo do Informal do que de qualquer tipo de realismo A fotografia

tem uma abstraccedilatildeo em si mesma o que natildeo eacute faacutecil de enxergar Eacute o que todo

mundo acredita que nos dias de hoje eacute normal E se isso se torna outro o

efeito eacute muito mais forte do que qualquer distorccedilatildeo do tipo que vocecirc

encontra em figuras de Bacon ou de Dali (Gerhard Richter - Notes 1964-

1965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relaccedilatildeo do artista com o modelo

nos meandros da ldquoformatividaderdquo da pintura e de como o advento da fotografia mudou esta

compreensatildeo de que modo se capta a imagem e se constroacutei a pintura propriamente dita bem

como o limite entre abstraccedilatildeo e imitaccedilatildeo que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da

produccedilatildeo pictoacuterica

E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaccedilo de

papel que tenha sido exposto agrave luz entatildeo eu faccedilo fotos com outros meios

natildeo imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia E vistas

220

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGerhard Richter - Notes 1964-1965 When I draw - a person an object - I have to make

myself aware of proportion accuracy abstraction or distortion and so forth When I paint from a photograph

conscious thinking is eliminated I dont know what I am doing My work is far closer to the Informel than to any

kind of realism The photograph has an abstraction of its own which is not easy to see through Its what

everyone believes in nowadays its normal And if that then becomes other the effect is far stronger than any

distortion of the sort you find in Dalis figures or Bacons Such a picture can really scare yourdquo (GERHARD

Richter Writings - 1961-2007 New York DAPDistributed Art Publishers 2009 p29)

122

desta forma minhas pinturas que foram feitas sem um modelo de foto

(abstraccedilotildees etc) tambeacutem satildeo fotos (Gerhard Richter em entrevista com

Rolf Schoumln 1972) 221

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter

Contudo as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo natildeo constituem o uacutenico conjunto de obras

que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas haacute ainda inuacutemeras pinturas

intituladas por ele como ldquoPintura abstratardquo (Figura IV) que foram produzidas todavia

concomitantemente a outros inuacutemeros grupos de pinturas que podem ser identificadas como

sendo figurativas tal como retratos paisagens e composiccedilotildees com variados objetos que

permitem novas e diferentes constataccedilotildees sobre as possiacuteveis relaccedilotildees e variaccedilotildees que os

binocircmios e as aparentes antiacuteteses entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou melhor entre imitaccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo acarretam levando agrave constataccedilatildeo da importacircncia da noccedilatildeo de autonomia da obra

para a definiccedilatildeo da arte como miacutemesis no conjunto de obras de Richter

Isto eacute a diferenccedila entre as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo e as intituladas ldquoPintura

abstratardquo (Figura IV) natildeo eacute apenas com respeito ao tiacutetulo que indica claramente a vontade do

artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem natildeo nomeaacutevel e natildeo identificaacutevel

como produto de uma imitaccedilatildeo (embora o tiacutetulo em si possa ser ignorado pelo espectador)

mas tambeacutem o proacuteprio processo de fabricaccedilatildeo tambeacutem natildeo passou pela imitaccedilatildeo de uma foto

como no caso das pinturas do conjunto intitulado como ldquoDetalherdquo (Figuras II e III)

Aleacutem disso ao contraacuterio das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III) ao

observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV) eacute possiacutevel verificar textura e espessura advindas

da tinta a oacuteleo empastada o que nos transporta inevitavelmente agrave materialidade da tinta que

neste caso natildeo gera o mesmo tipo de ilusatildeo de espaccedilo volume e movimento que as obras

intituladas ldquoDetalherdquo (Figura II e Figura III) Portanto no segundo caso a ideia de coisa fica

221

(Traduccedilatildeo Nossa) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has

been exposed to light then I make photos with other means not images that somehow resemble a photograph

And viewed in this way my paintings which were made without a photo model (abstract etc) are also photos

(Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schoumln 1972 In Obrist 1993 p68 apud HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed DAPDistributed Art

Publishers 2007 p 13)

123

mais evidente pois as sensaccedilotildees de textura claro - escuro e profundidade satildeo reais e natildeo

ilusoacuterias

Figura III

222

Figura IV

223

222

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (karmin)rdquo [Detalhe (carmim)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 289) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

223

Gerhard Richter ldquoAbstraktes Bildrdquo [Pintura Abstrata] 1995 51x71cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute

829-5) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

124

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

Entretanto o limite entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo eacute novamente posto em contradiccedilatildeo pelo

artista em questatildeo quando se constata que muitas pinturas que aparentemente ldquodeveriamrdquo ser

intituladas como ldquoabstratasrdquo ganham tiacutetulos como a pintura intitulada ldquoHaggadahrdquo (Figura

V) aqui o tiacutetulo sugere ao espectador um entendimento da imagem como representaccedilatildeo de

uma ideia embora natildeo haja indiacutecio de imitaccedilatildeo de figura reconheciacutevel muito menos de

referecircncia direta ao significado proposto pelo tiacutetulo

Tiacutetulo este que poderia remeter a ideia de texto de narrativa para tomar o significado

literal da palavra hebraica que nomeia a pintura mas tambeacutem poderia significar passagem

libertaccedilatildeo jaacute que a narrativa em questatildeo eacute a do ecircxodo biacuteblico narrado tradicionalmente nas

festas do Pessach [Paacutescoa judaica] mas tambeacutem poderia ser referecircncia aos livros iluminados

medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possiacuteveis camadas de significados que o

termo pode acarretar isto eacute o tiacutetulo abre para inuacutemeras possibilidades de interpretaccedilatildeo sem

duacutevida

A respeito da questatildeo da relaccedilatildeo nome-pintura Pareyson nos chama agrave atenccedilatildeo para

uma passagem do Toacutepicos de Aristoacuteteles224

onde o estagirita explica que os artistas ldquoantigosrdquo

faziam inscriccedilotildees em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas

representavam (Toacutepicos 140 a 20)225

deixando claro que a imagem em si natildeo

necessariamente tem sempre uma relaccedilatildeo clara e indubitaacutevel com um suposto modelo

sobretudo quando lida como continuaccedilatildeo de outra passagem algumas linhas acima onde o

estagirita afirma que a imagem eacute fruto da miacutemesis (Toacutepicos 140 a 15) 226

224

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoE tatildeo importante eacute a semelhanccedila na arte que os artistas primitivos natildeo conseguindo

retratar bem os aspectos dos objetos figurados eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho

[] (Topicos 140 a 20)rdquo (PAREYSON Luigi Corso Di Estetica Capiacutetulo II - Imitazione e Creazione p35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoE cosigrave

importante la somiglianza nellarte che gli artisti primitivi non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli

oggetti raffigurati sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[](Topici 140 a 20)rdquo

225

ldquo[] nas obras dos pintores antigos se natildeo havia uma inscriccedilatildeo as figuras eram geralmente

irreconheciacuteveisrdquo (Arstoacuteteles Toacutepicos Trad de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril

Cultural 1973 p 105)

[] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων εἰ μή τις ἐπέγραψεν οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον

226

ldquo[] a imagem eacute uma coisa produzida por imitaccedilatildeo []rdquo(Ibidem p104)

(εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως τοῦτο δ οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto a pintura mesmo enquanto imagem natildeo pode ser sempre entendida como

representaccedilatildeo Principalmente porque a escolha de se fazer a relaccedilatildeo tiacutetulo-nome e imagem eacute

do espectador E aleacutem disto isso se o espectador tomar conhecimento do tiacutetulo e quiser

realmente levar em conta o tiacutetulo

Ademais a importacircncia que um eventual tiacutetulo tenha para o espectador como recurso

para a interpretaccedilatildeo da imagem fica ainda mais evidente no caso da pintura ldquoHaggadahrdquo

(Figura V) pois o tiacutetulo eacute acrescido como fundamento de identificaccedilatildeo da imagem como

representaccedilatildeo se o interpretante tentar achar indiacutecios dos significados referentes ao tiacutetulo nas

marcas de cor e forma presentes na pintura e por conseguinte tirando dessa correlaccedilatildeo

(pintura- tiacutetulo) infinitas leituras Portanto no caso da referida obra o fato eacute que a

representaccedilatildeo estaacute no tiacutetulo e natildeo na imagem por si mesma que por si soacute eacute pura abstraccedilatildeo ou

seja a rigor a pintura abaixo soacute diz de si mesma

Figura V

227

227

Gerhard Richter ldquoHaggadahrdquo 2006 152-152 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 895-10) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

126

Logo em decorrecircncia das anaacutelises destas obras de Richter bem como dos trechos

acima citados do Toacutepicos de Aristoacuteteles eacute possiacutevel entender que o axioma abstraccedilatildeo-

figuraccedilatildeo pode ser uma falsa contradiccedilatildeo construiacuteda muito mais por uma criacutetica disposta a

colocar paracircmetros de anaacutelise do que por uma constataccedilatildeo da necessidade da formaccedilatildeo e da

construccedilatildeo da imagem pictoacuterica pelo artista como se pode constatar claramente nesta nota de

Richter

Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema natildeo eacute diferente com as

outras) eu nem sei de antematildeo o que ela deveraacute parecer nem enquanto estou

pintando sei onde eu quero ir nem o que deveria ser feito para alcanccedilar o

quecirc Eacute por isso que a pintura eacute um esforccedilo desesperado quase cego como o

de algueacutem preso sem recursos em um ambiente incompreensiacutevel - como de

algueacutem que tem uma variedade especiacutefica de ferramentas materiais e

capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo uacutetil mas

deseja que natildeo seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto

nomeaacutevel e que por isso comeccedila a construir numa vaga esperanccedila de que

sua acurada especialidade produziraacute algo certo algo significativo (Gerhard

Richter 1985) 228

As palavras acima satildeo significativamente parecidas com a descriccedilatildeo pareysoniana de

ldquoformatividaderdquo isto eacute o fazer artiacutestico eacute um fazer que ldquoinventa o por fazer e o modo de

fazerrdquo na medida do ldquoformarrdquo e que eacute invenccedilatildeo e execuccedilatildeo ldquopari passurdquo 229

228

(Traduccedilatildeo nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others) I neither

know beforehand what it should look like nor whilst painting where I want to go what should be done in order

to achieve what This is why painting is an almost blind desperate effort like that of someone stranded without

means in an incomprehensible environment mdash like that of someone who has a specific assortment of tools

materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful useful but which must be

neither a house nor a stool nor any other nameable object and who therefore starts building in the vague hope

that his accurate specialized doing will produce something right something meaningful (Gerhard Richter 27

121985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996

p28)

229

Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 e 33

127

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo

Todavia o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra

desta aparente antiacutetese entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou seja como foi apontado anteriormente

ele natildeo soacute produziu pinturas aparentemente abstratas mas tambeacutem produziu pinturas

diretamente relacionas a figuras reconheciacuteveis e nomeaacuteveis e por procedimentos imitativos

propriamente ditos e por conseguinte anaacutelogos agraves pinturas sob o tiacutetulo ldquoDetalhesrdquo (Figuras II

e III) sobretudo a partir de fotografias como por exemplo o retrato de ldquoBettyrdquo (Figura VI)

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura ldquoBettyrdquo encontra-se na paacutegina 445 do Atlas

(Figura VII) disposta junto com fotos de motivos diversos sem nenhum aparente parentesco

temaacutetico ou de procedecircncia entretanto chama a atenccedilatildeo uma foto de uma composiccedilatildeo de

ldquogarrafa com maccedilatilderdquo remetendo aqui agraves composiccedilotildees de naturezas mortas quase tatildeo

230

Gerhard Richter ldquoBettyrdquo [Betty] 1988 102 x 72 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 663-5) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

128

tradicionais quando satildeo as pinturas de retratos aleacutem do mais um fato sobre esta foto que

chama agrave atenccedilatildeo eacute que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX) evidenciando

que no caso de Richter a foto eacute o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

natildeo seu paradigma instransponiacutevel

Figura VII 231

Figura VIII

232 Figura IX

233

231

Gerhard Richter ldquoVerschiedene Motiverdquo [Vaacuterios Motivos] 1978 517 x 667 cm (Atlas paacutegina 445) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

232

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 83 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

233

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 82 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-6) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

129

Ou seja as imagens acima embora remetam a um modelo fotograacutefico natildeo satildeo fieacuteis agraves

fotos pois aleacutem de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza

constantemente - elas trazem coloraccedilotildees diferenciadas sem contar com a textura aveludada

caracteriacutestica da tinha a oacuteleo Pois embora a imitaccedilatildeo a um modelo seja evidente a imitaccedilatildeo

aqui natildeo eacute mera coacutepia principalmente quando se tem o acesso agrave foto ndash modelo que deixa

claro que aqui o procedimento de imitaccedilatildeo presente nestas pinturas estaria muito mais

proacuteximo agraves ideias e nuances dos conceitos de miacutemesis encontradas nos textos de Platatildeo e

sobretudo nos textos analisados de Aristoacuteteles e mais ainda na abordagem da ideia de

imitaccedilatildeo proposta por Pareyson Ampliando assim a questatildeo para aleacutem da particularidade da

obra de Richter levando a problemaacutetica agrave arte pictoacuterica de maneira geral

Ademais nesta outra passagem onde o pintor alematildeo discorre sobre a relaccedilatildeo entre a

pintura abstrata e figurativa fica igualmente claro que o modelo natildeo eacute ponto de referecircncia

fixo para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica em Richter mas o iniacutecio do processo

As pinturas abstratas satildeo natildeo menos arbitraacuterias do que as representaccedilotildees

concretas (que satildeo baseadas em um dos muitos motivos possiacuteveis que podem

tornar-se pinturas) elas diferem apenas no sentido em que o seu ldquomotivordquo eacute

apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter 1985)234

Ainda noutra nota de 1962 Richter diz ldquoA ideia de que a arte copia a natureza eacute um

grande equiacutevoco A arte sempre operou contra a natureza e com razatildeordquo235

Esta frase eacute parte

uma longa nota que poderia ser entendida como uma espeacutecie de diaacutelogo com as refelexotildees

platocircnicas sobre a incapacidade da imagem pictoacuterica em captar a realidade e

consequentemente como sendo meras ilusotildees Tambeacutem pode ser entendida em diaacutelogo com a

posiccedilatildeo aristoteacutelica de que a miacutemesis completa a phyacutesis [natureza] Sobre essas mesmas

questotildees numa outra entrevista Richter discorre

234

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are

based on one of many possible motifs which should become paintings) they differ only in the sense that their

motif is only developed during the paintingrdquo (Gerhard Richter 1985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo

de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996 p19)

235

(Traduccedilatildeo nossa) Gerhard Richter Notes 1962 ldquoThe idea that art copies nature is a fatal misconception Art

has always operated against nature and for reasonrdquo (GERHARD Richter Writings - 1961-2007 New York

DAPDistributed Art Publishers 2009 p14-15)

130

Robert Storr Quando vocecirc primeiro se apropriou de fotografias para fazer

pinturas vocecirc estava procurando assumir a objetividade de uma cacircmera

Gerhard Richter As pinturas tecircm a vantagem de que eu ainda posso

adicionar um pouco de alguma coisa porque a noccedilatildeo de neutralidade e

objetividade eacute uma ilusatildeo eacute claro Isso eacute algo impossiacutevel Cada pintura

inclui automaticamente a minha incapacidade minha impotecircncia a minha

relaccedilatildeo com a realidade coisas que satildeo subjetivas Portanto era legiacutetimo que

fosse pintada [cada pintura] Natildeo se tratava sobre a pureza absoluta mas

sobre a maior pureza possiacutevel236

Outro exemplo eacute uma pintura de uma cadeira (Figura XI) que aparentemente traz um

tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui E novamente quando se

compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nordm 11) (Figura X) que

mostra inuacutemeras imagens diacutespares tanto de imagens particulares como retiradas de jornais

com os mais variados temas fica evidente como os modelos e referecircncias de Richter satildeo

muacuteltiplos e novamente indicando que em sua obra pictoacuterica a suposta contradiccedilatildeo entre

figuraccedilatildeo ndash abstraccedilatildeo eacute substituiacuteda com a possibilidade de convivecircncia entre ambas e natildeo

mais da exclusatildeo eou escolha entre uma e outra Sobre esta pintura (Figura XI) o pintor

discorre

Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei Foi parte da minha

pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si uma mesa um rolo de papel

higiecircnico Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de

fotografias de fontes alheias esta eacute uma das fotos que eu tirei

pessoalmente237

236

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoRS When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming

such a cameralike objectivity GR The paintings have the advantage that I can still add a little somethingmdash

because the notion of neutrality and objectivity is an illusion of course That is somehow impossible Every

painting automatically includes my inability my powerlessness my relation to reality things that are subjective

Therefore it was legitimate to be painted It was not about absolute purity but about the greatest possible

purityrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In

STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in painting New York The Museum of Modern Art 2003

p173)

237

(Traduccedilatildeo nossa) This was a chair I owned and photographed It was part of my search for banal objects ndash

the chair itself the table the toilet roll Although the great majority of the photo-paintings are based on photos

which came from outside sources this was one I took myself

(Gerhard Richter Comments on some works 1991 In Gerhard Richter Text Writings Interviews and Letters

1961ndash2007 Thames amp Hudson London 2009 p 261262 apud Disponiacutevel em lthttpwwwgerhard-

richtercomartpaintingsphoto_paintingsdetailphppaintid=5615gt Acesso em 04082013)

131

Figura XI

238

Figura X

239

238

Gerhard Richter ldquoZeitungsfotosrdquo [Imagens de jornais e fotografias (aacutelbum)] 1963 517 x 667 cm Paacutegina do

Atlas nordm 11 Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

239

Gerhard Richter ldquoKuumlchenstuhlrdquo [Cadeira de cozinha] 1965 100 x 80cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 97) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

132

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo

Mais um conjunto de pinturas onde a relaccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e abstraccedilatildeo fica instigante

eacute a que o pintor alematildeo fez a partir da pintura ldquoA Anunciaccedilatildeordquo do pintor veneziano Ticiano

(Figura IX) pois haacute um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em

direccedilatildeo agrave pura abstraccedilatildeo (Figuras X e XI XII) como se ele quisesse desconstruir a imagem

para chegar ao esqueleto da composiccedilatildeo cromaacutetica

Figura IX

240 Figura X

241

Figura XI

242 Figura XII

243

240

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 125 x 300cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute343-1) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

241Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-3) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

242

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquocedil[Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-11) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

243

Gerhard Richter Verkuumlndigung nach Tizian [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

133

Ou seja aqui tambeacutem assim como no conjunto das obras do artista como um todo se

verifica a desconstruccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo e por conseguinte a desconstruccedilatildeo da

aparente dicotomia entre imitaccedilatildeo ou imaginaccedilatildeo que podem ser identificadas natildeo soacute na sua

produccedilatildeo pictoacuterica mas tambeacutem lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produccedilatildeo de

inuacutemeras pinturas Portanto retirando desse modo a nossa anaacutelise da simples suposiccedilatildeo e

vazia especulaccedilatildeo do que o artista teria ou natildeo feito e possibilitando que a interpretaccedilatildeo da

obra se enriqueccedila com o relato da experiecircncia do processo da pintura devido certo acesso do

espectador agrave ldquoformatividaderdquo da obra e natildeo soacute agrave ldquoformardquo acabada propriamente dita Como

na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr onde Richter mostra como

ele se relaciona com a questatildeo da imitaccedilatildeo nos meandros do processo da elaboraccedilatildeo de suas

pinturas

Gerhard Richter Eacute uma realidade que eacute inacessiacutevel Eacute um sonho Acabou

Mas eu sou antiquado o suficiente ou estuacutepido o suficiente para aguentar Eu

ainda quero pintar algo como Vermeer Mas eacute a hora errada e eu natildeo posso

fazecirc-lo Eu sou muito burro Bem eu natildeosou capaz Robert Storr Mas eu

estou pensando mais sobre fenocircmenos visuais que podem ser capturados do

que nos precedentes histoacutericos para capturaacute-los O que acontece quando o

assunto natildeo eacute um Ticiano mas um rolo de papel higiecircnico Isso significa

que a proacutepria realidade fez a realidade cotidiana eacute algo que noacutes perdemos a

capacidade de agarrar em uma foto Gerhard Richter Natildeo isso nunca foi

problema Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura Talvez

num momento de fraqueza eu tenha querido mas eu natildeo me lembro

Entretanto isso nunca foi minha intenccedilatildeo Mas eu quero pintar a aparecircncia

da realidade Esse eacute o meu tema ou meu trabalho244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente

reflexatildeo eacute quando se verifica que aqui a variaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas de sua pintura natildeo eacute

244

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGR It is a reality that is unreachable It is a dream Its over But I am old-fashioned

enough or stupid enough to hang on I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I

cannot do it I am too dumb Well I am not able to RS But I think more about visual phenomena that can be

captured than the historical precedents for capturing it What happens when the subject is not a Titian but a

toilet paper roll Does that mean that reality itself everyday reality is something weve lost the ability to hold

onto in a picture GR No thats never the problem I never wanted to capture and hold reality in a painting

Maybe at a weak moment I did but I dont remember However that was never my intention But I wanted to

paint the appearance of reality That is my theme or my jobrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter

concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in

painting New York The Museum of Modern Art 2003 p172)

134

uma questatildeo de fases como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inuacutemeras

reviravoltas e mudanccedilas no decorrer de suas vidas mas em Richter natildeo eacute uma questatildeo de

mudanccedila e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produccedilatildeo

diacutespar ou incoerente ou ateacute mesmo antagocircnica mas que se configura como pluralidade em

harmonia de aparentes contraacuterios como uma proposta artiacutestica verificaacutevel natildeo soacute na

observaccedilatildeo das obras em si e de sua variedade e concomitacircncia cronoloacutegica mas tambeacutem nas

leituras dos textos do artista

Sendo assim interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas

multiplicidades e na desconstruccedilatildeo desta aparente antiacutetese entre miacutemesis e imaginaccedilatildeo tanto

em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam Embora em

Richter - o que soacute poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informaccedilatildeo (obra

textos fotos esboccedilos) ndash seja um relato singular de uma experiecircncia de uma ldquoformatividaderdquo

bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal e em Pareyson seja

uma anaacutelise de algo inerente a toda e qualquer pintura como Pareyson discorre

Como quer que se conceba a relaccedilatildeo entre imagem artiacutestica e a realidade

natural seja como uma fiel representaccedilatildeo ou uma livre interpretaccedilatildeo ou

uma arbitraacuteria reconstruccedilatildeo ou uma deliberada idealizaccedilatildeo ou uma

voluntaacuteria deformaccedilatildeo ou ateacute uma criaccedilatildeo absoluta ou uma construccedilatildeo

completamente nova ou pura invenccedilatildeo sem pretexto de realidade o

importante eacute que a imagem artiacutestica se sutente apenas pela sua proacutepria

estrutura 245

Mais adiante continuando o trecho acima Pareyson discorre sobre a relaccedilatildeo do artista

com a realidade diante da elaboraccedilatildeo da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir

o grau de imitaccedilatildeo da obra com relaccedilatildeo a um modelo como se esse grau indicasse se a pintura

foi ou natildeo de fato bem sucedida

245

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoComunque si concepisca il rapporto fra limmagine artistica e la realtagrave naturale

sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o unarbitraria ricostruzione o una deliberata

idealizzazione o una voluta deformazione oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente

nuova o una pura invenzione senzappigli nella realtagrave limportante egrave che limmagine artistica si regga

unicamente sulla propria strutturardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

135

Sobre este ponto pelo contraacuterio acumulam-se intensamente diversos

equiacutevocos que de acordo com a antiacutetese supracitada podem ser reduzidos

agraves duas teses seguintes e opostas de um lado haacute quem afirme que o valor da

imagem artiacutestica depende de sua relaccedilatildeo com a realidade de outro lado haacute

quem afirme que a relaccedilatildeo da imagem artiacutestica com a realidade natildeo tem

nenhuma relevacircncia na arte246

Ora se a pintura natildeo se define por seu grau ou natildeo de imitaccedilatildeo ou invenccedilatildeo isto natildeo

quer dizer que a sua relaccedilatildeo com a realidade natildeo seja fundamental para interpretar a obra em

si como explica Pareyson

Mas por outro lado eacute preciso natildeo se exceder a ponto de dizer que se a

referencia agrave realidade natildeo determina o valor da arte ela eacute irrelevante Bem

entendido a figura artiacutestica vale pelos seus valores estiliacutesticos pictoacutericos ou

poeacuteticos ou musicais mas natildeo eacute indiferente que ela seja o resultado de uma

imitaccedilatildeo ou de uma idealizaccedilatildeo ou de uma invenccedilatildeo ou de uma pura

criaccedilatildeo Segundo estes diversos caracteres ela haacute que ser lida diversamente e

diversamente interpretada Sobre este ponto a esteacutetica tem o dever de

elaborar os conceitos que segundo as diversas poeacuteticas podem explicar a

relaccedilatildeo entre a imagem artiacutestica e a realidade natural247

Portanto haacute que se levar em conta natildeo soacute a ldquoformardquo mas se possiacutevel tambeacutem a

ldquoformatividaderdquo isto eacute a relaccedilatildeo que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da

produccedilatildeo da pintura aumenta os subsiacutedios para o entendimento da obra na sua totalidade

Como foi possiacutevel no caso da obra de Richter pois aleacutem de se vislumbrar a obra acabada haacute a

246

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoSu questo punto invece si sono pesantemente addensati i piugrave di versi equivoci che

conformemente allantitesi su citata si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte da un lato vegrave chi afferma

che il valore dellimmagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtagrave dallaltro cegrave chi afferma che il

rapporto dellimmagine artistica con la realtagrave non ha alcuna rilevanza nellarterdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p263 )

247

Ibidem op cit p69 ldquoMa per laltro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtagrave

non determina il valore dellarte esso egrave irrilevante Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici

pittorici o poetici o musicali che siano ma non egrave indifferente chessa sia il risultato duna raffigurazione o

dunidealizzazione o duninvenzione o duna pura creazione A seconda di questi diversi caratteri essa ha da

esser letta diversamente e diversamente interpretata Su questo punto lestetica ha i l compito di elaborare i

concetti che a seconda delle diverse poetiche possono spiegare il diverso rapporto fra limmagine artistica e la

realtagrave naturalerdquo (Ibidem opcit p264)

136

contribuiccedilatildeo dos relatos escritos do artista como ainda tambeacutem haacute as imagens dos rastros do

processo da produccedilatildeo da obra como os esboccedilos e fotos referenciais (Atlas) que permitem que

entendamos as escolhas e opccedilotildees do artista e parte da trilha por ele percorrida na

formatividade da obra tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para

interpretaccedilatildeo da obra como tantas vezes Pareyson apontou

Entretanto trecircs pontos devem ser esclarecidos aqui o primeiro eacute que o estudo da

ldquoformatividaderdquo natildeo eacute o estudo da suposta intenccedilatildeo do artista pois a intenccedilatildeo na maioria das

vezes nem mesmo o artista em questatildeo tem necessariamente consciecircncia e este pode ser um

campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulaccedilatildeo sem que se chegue a

fornecer elementos consistentes o bastante para a anaacutelise da obra propriamente dita isto eacute o

estudo da ldquoformatividaderdquo eacute o estudo dos rastros do que de fato foi executado e natildeo daquilo

que se quis executar

E em segundo lugar a interpretaccedilatildeo da obra de arte entendida sob a oacutetica

pareysoniana tambeacutem natildeo eacute um simples juiacutezo de valor pois as escolhas e posiccedilotildees do artista

perante a realidade natildeo desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou

ruim bem sucedida ou natildeo pertinente ou natildeo mas a identificam e a definem sendo chaves

importantes para o acesso ao significado da obra enquanto ldquoformardquo e mais ainda enquanto

ldquopessoardquo pois revela a sua personaliacutessima visatildeo de mundo atraveacutes da ldquoforma formadardquo

Sobre esta particularidade Pareyson discorre no trecho a seguir

Assim na pintura a obra muda de significado mesmo natildeo mudando de

valor segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata Eacute evidente

que o valor artiacutestico de um retrato natildeo depende de um confronto externo da

imagem com o original confronto para o qual de resto natildeo pode haver

regras fixas sendo o conceito de ldquosemelhanccedilardquo extremamente complexo e

difiacutecil sobretudo quando estaacute em jogo o resto da pessoa viva isto eacute uma

realidade dinacircmica e espiritual justamente na sua delineaccedilatildeo fiacutesica248

248

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquoCosigrave nella pittura lopera cambia di significato pur non cambiando di valore a

seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta Egrave evidente che il valore artistico dun ritratto non

dipende da un confronto esterno dellimmagine con loriginale confronto che del resto non puograve avere regole

fisse essendo il concetto di laquosomiglianzaraquo estremamente complesso e difficile soprattutto quando sia in gioco i l

volto duna persona vivente cioegrave una realtagrave quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

137

E o terceiro ponto eacute que embora se admita a multiplicidade e ateacute a inexauribilidade da

interpretaccedilatildeo da obra essa multiplicidade natildeo eacute extensiva agrave proacutepria obra que permanece a

mesma nas palavras de Pareyson

[] em primeiro lugar que a unidade eacute da obra e natildeo da interpretaccedilatildeo

enquanto a multiplicidade eacute da interpretaccedilatildeo e natildeo da obra uma vez que a

obra permanece idecircntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas

interpretaccedilotildees e em segundo lugar que a originalidade e a novidade da

interpretaccedilatildeo natildeo satildeo um programa mas um resultado no sentido de que o

inteacuterprete as consegue espontaneamente quanto maior for o seu esforccedilo

pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade []249

47 O estatuto ontoloacutegico

E ainda um uacuteltimo ponto do pensamento do pintor alematildeo que chama a atenccedilatildeo

atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade isto eacute a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da obra de arte operada por Pareyson diz Richter

A invenccedilatildeo do readymade me atenta como tendo sido a invenccedilatildeo da

realidade isto eacute a descoberta incisiva de que a realidade em contraste com a

imagem da vida eacute a uacutenica coisa de relevacircncia Desde entatildeo a pintura jaacute natildeo

retrata a realidade mas eacute a proacutepria realidade em si (que apresenta a si

mesma) E em algum momento vai voltar a ser uma questatildeo de recusar-se a

creditar esta realidade com qualquer valor a fim de produzir imagens de um

mundo melhor (como era antes) 250

fisica[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p264)

249

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p172 ldquo[] anzitutto che lunicitagrave egrave dellopera e non dellinterpretazione mentre la

molteplicitagrave egrave dellinterpretazione e non dellopera giaccheacute lopera rimane identica ed eguale a se stessa nella

molteplicitagrave delle sue interpretazioni e in secondo luogo che loriginalitagrave e la novitagrave dellinterpretazione non

sono un programma ma un risultato nel senso che linterprete le consegue spontaneamente quanto maggiore egrave

stato il suo sforzo personale di coglier lopera nella sua vera realtagrave []rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p354)

250

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe invention of the readymade strikes me as being the invention of reality that is to say

the incisive discovery that reality in contrast to the picture of life is the only thing of relevance Since then

138

Ou seja na passagem acima fica evidente que mais do que a obra de Duchamp ou o

que ele tenha querido propor mas sim o que estaacute em jogo aqui satildeo as inuacutemeras decorrecircncias

e desdobramentos que suas proposiccedilotildees geraram em outros artistas como no caso de Gerhard

Richter Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre o movimento entre o moderno

e o contemporacircneo

A crisaacutelida vira borboleta sofre metamorfose mas ainda eacute o mesmo ser

vivo Houve ruptura ou continuidade [] a modernidade cria algumas

questotildees e depois saturando-as leva agrave inversatildeo de ecircnfases que poderiam

indicar ruptura marcando o poacutes-moderno Mas de fato houve quebra Eacute por

isso que considero crisaacutelida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado

contemporaneidade251

Nesse sentido por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte

do seacuteculo XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar sua produccedilatildeo eacute

outra e eacute a mesma com relaccedilatildeo ao passado recente assim como ocorre igualmente com a

relaccedilatildeo da imagem imitativa ela eacute ao mesmo tempo referente e outra

Por isso independente das primeiras eou ldquooriginaisrdquo intenccedilotildees de Duchamp e de

outros artistas de sua geraccedilatildeo que propuseram natildeo soacute os ready-mades mas as assemblages

de Picasso tambeacutem os objets-trouveacutes dos dadaiacutestas e surrealistas o que se verifica em

Richter eacute uma assertiva de que as obras de arte em geral incluindo as imagens pictoacutericas e

fotograacuteficas tecircm um estatuto ontoloacutegico e uma autonomia como propotildee Pareyson sendo elas

imitativas ou natildeo mecacircnicas ou manuais e esta autonomia se daacute natildeo soacute com relaccedilatildeo ao

artista mas sobretudo com relaccedilatildeo ao modelo e com relaccedilatildeo ao espectador

Nesse sentido pode-se verificar que a despeito de todos os esforccedilos ocorridos no

seacuteculo passado para ampliar os limites da pintura entretanto Richter natildeo precisou expandir a

pintura para a tridimensionalidade da escultura e nem para o espaccedilo das instalaccedilotildees e

painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself) And at some point it will again be a

matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better worldrdquo (as it once

was) (Gerhard Richter 1990) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr

Moderne Kunst 1996 p22)

251

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p13

139

arquiteturas e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados

que natildeo a proacutepria tinta e o suporte plano para mostrar que as pinturas enquanto ldquoformasrdquo se

constituem como coisas entre coisas e tecircm estatuto ontoloacutegico embora tambeacutem possam ser

representaccedilotildees de ideias como ele tambeacutem mostrou

Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele tambeacutem natildeo precisou se

restringir agrave imagem como pura imaginaccedilatildeo e invenccedilatildeo nem como pura imitaccedilatildeo para afirmar

sua autonomia isto eacute Richter pocircde continuar a propor a pintura como miacutemesis entendida aqui

nas diversas acepccedilotildees encontradas tanto nos textos platocircnicos como aristoteacutelicos E portanto

a pintura de Gerhard Richter como miacutemesis eacute imitaccedilatildeo sem que isso a transforme em mera

coacutepia antagocircnica e incompatiacutevel com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve

proporcionar sem que isso retire dela a sua dignidade ontoloacutegica e sobretudo a sua

autonomia

140

CONCLUSAtildeO

A proposta de intersecccedilotildees entre os pensamentos de Luigi Pareyson Aristoacuteteles e

Platatildeo possibilitaram pensar a ldquoformardquo enquanto organismo como fruto da poiacuteesis

[produccedilatildeo] que como ldquoteacutekhne poietikoacutesrdquo [arte poeacutetica] estabelece uma simbioacutetica relaccedilatildeo

com a phyacutesis [natureza] relaccedilatildeo esta entendida como miacutemesis

Miacutemesis natildeo na acepccedilatildeo de simples imitaccedilatildeo mas como uma leitura pessoal da

realidade por isso a ldquoarte-formardquo eacute entendida como a introduccedilatildeo do sempre novo pois a

ldquoformatividaderdquo geratriz da miacutemesis eacute sempre uacutenica e pessoal por ser produto da visatildeo de

mundo da ldquopessoa ndash artistardquo Nesse sentido pode-se afirmar que eacute a ldquopessoardquo do artista que

faz com que a formatividade sempre seja ldquocarregadardquo de invenccedilatildeo seja qual for o grau de

fidelidade da imitaccedilatildeo

Sendo assim sem deixar de ser miacutemesis a ldquoarte-formardquo eacute tambeacutem phantasiacutea na

acepccedilatildeo presente no Sofista de Platatildeo pois a imagem que eacute derivada da phantasiacutea eacute fruto da

imaginaccedilatildeo e da invenccedilatildeo do artista que modifica o que vecirc Por conseguinte tal como Richter

discorre em tantas de suas entrevistas e notas eacute a ldquoinabilidaderdquo do artista - ao natildeo conseguir

copiar tal como vecirc ou natildeo querer copiar o que vecirc - que daacute agrave imagem pictoacuterica a possibilidade

de ser sempre produto novo que ldquoacrescentardquo ou que ldquocompletardquo a natureza [phyacutesis] tal

como Aristoacuteteles discorre na Fiacutesica I

Ademais a ldquoarte-formardquo eacute igualmente imaginaccedilatildeo na acepccedilatildeo aristoteacutelica de

phantasiacutea presente tanto no Da Alma como no De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo uma vez que

como propotildee Aristoacuteteles em De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo a imagem eacute presenccedila mesmo se eacute

lembranccedila pensamento e estaacute em noacutes logo phantasiacutea aqui eacute imaginaccedilatildeo no sentido de

apariccedilatildeo isto eacute de imagem que advem da memoacuteria do ausente tornado presenccedila na apariccedilatildeo

Entretanto ao contraacuterio da memoacuteria propriamente dita que natildeo se externaliza do pensamento

a ldquoimagemrdquo produzida pela arte se externaliza descolando-se de um pensamento singular e se

definindo como presenccedila em si mesma portanto se ontologiza como ldquoformardquo ldquoforma-

formanterdquo e ldquoforma-formadardquo

141

Sendo assim pode-se concluir que a obra de arte independente de sua materialidade

ou natildeo de sua perenidade ou natildeo de ser imitaccedilatildeo fiel ou natildeo abstraccedilatildeo ou natildeo ao ser

produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista ao deixar de ser mero

pensamento ou ldquopotecircncia de arterdquo para concretizar-se como coisa entre coisas enfim ao se

ldquopresentificarrdquo pode ser chamada de ldquoformardquo

E ainda como phantasiacutea na acepccedilatildeo dos textos aristoteacutelicos acima citados a arte eacute

tambeacutem representaccedilatildeo natildeo soacute no sentido de representaccedilatildeo como presenccedila de um ausente mas

tambeacutem como produto do pensamento que se concretiza na ldquoformardquo E portanto a ldquoformardquo

tambeacutem natildeo eacute apenas presenccedila de um ausente que eacute representado tonando-o novamente

presente mas a ldquoformardquo eacute igualmente autocircnoma com relaccedilatildeo ao representado na medida em

que eacute uma totalidade pois depois de formada a ldquoformardquo eacute tambeacutem presenccedila em si mesma

E ainda na medida em que a ldquoformardquo eacute fato novo tem autonomia ontoloacutegica pois

constitui uma alteridade e portanto eacute autocircnoma natildeo soacute do artista que a forjou mas tambeacutem

do representado e mesmo com relaccedilatildeo ao fruidor

Portanto a ldquoformardquo enquanto um ldquooutrordquo eacute como um espelho que reflete a alteridade

ao mesmo tempo em que reflete o proacuteprio espectador da obra Uma vez que eacute na fruiccedilatildeo da

obra de ldquoarte - formardquo que a visatildeo de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura

com a visatildeo de mundo pessoal contida na obra daiacute a ldquoinexauribilidade da interpretaccedilatildeordquo da

obra de arte definida por Pareyson daiacute o organismo vivo e irrepetiacutevel e em constante

movimento com que o filoacutesofo italiano define o conceito de obra de arte como ldquoformardquo

Ademais vale ressaltar que a autonomia da ldquoformardquo eacute independente de sua

materialidade e de sua temporalidade pois a ldquopresenccedilardquo que concretiza a sua autonomia

ontoloacutegica se daacute sobretudo no espaccedilo-tempo da fruiccedilatildeo e natildeo necessariamente na sua

perenidade temporal ou na sua concretude material enquanto coisa Pois nem a falta de

concretude nem a falta de perenidade muda a sua caracteriacutestica de ser uma visatildeo de mundo

pessoal de um artista e portanto fruto dessa relaccedilatildeo ldquopessoa-forma-formanterdquo

142

Nesse sentido o entendimento da dimensatildeo natildeo material da ldquoformardquo se faz necessaacuterio

sobretudo nos dias de hoje quando o acesso agraves obras de arte pode ser virtual ou a partir de

coacutepias mecacircnicas ou ateacute mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir

como no caso de instalaccedilotildees e performances pois independente da concretude material da

obra de arte a ldquoformardquo na alteridade do pensamento permanece na fruiccedilatildeo do outro E se

por um lado eacute possiacutevel identificar que a produccedilatildeo artiacutestica na atualidade ao reivindicar um

estatuto ontoloacutegico para a obra de arte estabelece a obra como coisa entretanto por outro

lado a produccedilatildeo nos dias de hoje tambeacutem permite que a arte se desmaterialize pois ao tomar

a arte como fruto da imaginaccedilatildeo a ldquoformardquo enquanto pensamento na alteridade pode existir

como puro pensamento sem que seja necessaacuteria a sua materializaccedilatildeo ou seja para que ela se

concretize e possa ser identificada como ldquoformardquo basta que ela esteja fora do pensamento

singular de uma soacute pessoa

Por isso no acircmbito das manifestaccedilotildees artiacutesticas nos dias de hoje embora a proacutepria

materialidade da arte foi e eacute questionada e a possibilidade da virtualidade da obra eacute fato

consumado a ldquoformardquo tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana ainda parece

ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte jaacute que autonomamente em relaccedilatildeo a

sua materialidade a ldquoformardquo eacute alteridade do pensamento

Concluindo a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diaacutelogo com

determinados conceitos das filosofias de Platatildeo e de Aristoacuteteles estudos que posteriormente

instrumentalizaram a leitura da experiecircncia pessoal do pintor alematildeo Gerhard Richter

conclui-se que haacute trecircs maneiras distintas poreacutem concomitantes em que a obra de arte em

particular a pintura se presentifica como ldquoformardquo a primeira eacute aquela pela qual a pintura eacute

imagem mimeacutetica ou seja a imagem advinda de um processo de imitaccedilatildeo e que mesmo

perante o maior esforccedilo de fidelidade ao modelo eacute sempre acrescida da imaginaccedilatildeo do artista

que interpreta modifica e ldquocompletardquo o modelo

O segundo modo de presentificaccedilatildeo da pintura como ldquoformardquo eacute a imagem

representativa ou seja aquele pelo qual a imagem substitui a ausecircncia de outra coisa imagem

ou pensamento isto eacute a pintura como representaccedilatildeo de uma ideia Contudo aqui tambeacutem a

imaginaccedilatildeo participa do processo de formatividade pois a representaccedilatildeo eacute sempre intervenccedilatildeo

143

ldquoinventivardquo do artista Portanto a pintura se daacute como outra presenccedila da ausecircncia e tambeacutem

muitas vezes como visibilidade do invisiacutevel

E finalmente a terceira presentificaccedilatildeo da imagem pictoacuterica enquanto ldquoformardquo eacute o

modo em que a imagem da pintura eacute ela mesma ou seja natildeo imita nem representa nada aleacutem

daquilo que apresenta E eacute nesse jogo entre essas trecircs co-possobilidades (miacutemesis

representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo) que a pintura eacute coisa entre coisas inclusive passiacutevel de vir a ser

paradigma para outra pintura

Sendo assim ao analisar algumas obras pictoacutericas dizeres e escritos de Gerhard

Richter no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um

aspecto mais pontual pocircde-se concluir que as obras do artista alematildeo satildeo exemplos de

pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como miacutemesis e phantasiacutea isto eacute como

imitaccedilatildeo imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo Ademais as obras Richter mostram ainda que natildeo se

precisa escolher entre umas e outras pois natildeo haacute contradiccedilatildeo natildeo haacute antiacutetese pode haver

convivecircncia e complementaridade entre a miacutemesis imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo e estatuto

ontoloacutegico da ldquoformardquo pois a pintura pode ser ao mesmo tempo conforme pudemos atestar

durante a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo imagem de outra coisa imagem de si mesma e coisa

autocircnoma

144

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Luigi Pareyson

PAREYSON Luigi Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 (Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete -

Vol 10)

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Nery Garcez e Sylvia Mendes Carneiro Satildeo Paulo Edusp 2012

______ Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez e Sandra Neves

Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005

______ Problemi dellrsquoesteacutetica II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore

2000 (Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 11)

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Martins Fontes 1989

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______ Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

______Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di

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Page 5: Lucia Ferraz Nogueira de Souza Dantas

5

RESUMO

O presente estudo pretende analisar a relaccedilatildeo que o artista estabelece com a realidade

durante a produccedilatildeo da obra de arte sobretudo da pintura levando em conta que a obra de arte

antes de ser representaccedilatildeo eacute apresentaccedilatildeo em si mesma isto eacute depois de acabada tem

autonomia e estatuto ontoloacutegico eacute coisa entre coisas Ou seja pretende-se investigar como

nos tempos atuais se vecirc e se lida com o pressuposto de que a produccedilatildeo da arte eacute imitaccedilatildeo e ao

mesmo tempo invenccedilatildeo que funda uma nova realidade Para tanto acreditamos que a Teoria

da Formatividade de Luigi Pareyson fornece algumas chaves fundamentais para se pensar

estas problemaacuteticas que se destacam na arte contemporacircnea em especial na pintura com o

foco na produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter E partindo da premissa de que a implicaccedilatildeo

da arte como imitaccedilatildeo e consequentemente sua pertinecircncia inicia-se nos primoacuterdios do

pensamento sobre arte na Greacutecia Antiga (em especial as contribuiccedilotildees de Platatildeo e de

Aristoacuteteles) e considerando que o proacuteprio Pareyson mostra como ambos sobretudo

Aristoacuteteles ainda satildeo fundamentais mesmo quando se trata de focar o olhar para uma teoria

da arte atual bem como para a produccedilatildeo artiacutestica contemporacircnea a presente pesquisa estuda a

intersecccedilatildeo de pontos centrais advindos dos filoacutesofos gregos citados com os pontos centrais

do pensamento pareysoniano sobre Arte A proposta eacute construir uma ponte de intersecccedilatildeo

entre os pensamentos de Pareyson Aristoacuteteles e Platatildeo e ancorando-a nos conceitos

cunhados na Teoria da Formatividade expor como o filoacutesofo italiano relecirc as problemaacuteticas

colocadas pelos filoacutesofos gregos antigos e de que maneira esta interseccedilatildeo de pensamentos e

conceitos contribuem para a reflexatildeo sobre Arte na atualidade e em particular para a anaacutelise

da produccedilatildeo pictoacuterica de Gerhard Richter

Palavras ndash Chave

Teoria da Formatividade Gerhard Richter miacutemesis representaccedilatildeo pintura

6

ABSTRACT

The present study intends to analyze the relationship the artist establishes with (the)

reality during the production of the work of art especially in painting considering that the

work or art prior to its representation is a presentation of itself That is after completed it has

autonomy and ontological status it is a thing among things Thus how at present the pre-

supposition that the production of art is an imitation and at the same time an invention

which uncovers a new reality is seen and dealt with is the subject of the investigation

Therefore we believe that Luigi Pareysonacutes Theory of Formativity provides some

fundamental keys to consider these issues which stand out in contemporary art especially in

painting and will thus also focus on Gerhard Richteracutes pictorial production Beginning with

the premise of the concept that art is imitation - and therefore that its consequent pertinence

starts with ancient Greek thought (especially Platoacutes and Aristotleacutes contributions) and

considering that Pareyson shows that both but especially Aristotle are still fundamental even

when the outlook is directed towards a current art theory and a contemporary artistic

production this research studies the intersection of the central points of the above Greek

philosophers with those of Pareysonian thinking on Art The proposal is to build an

intersectional bridge of Pareysonacutes Aristotleacutes and Platoacutes thinking grounding them in the

concepts of the Theory of Formativity and to discuss how the Italian philosopher re-reads the

problems raised by the ancient Greek philosophers and this intersection of thoughts and

concepts contributes to todayacutes art reflections and in particular for the analysis of Gerhard

Richteracutes pictorial production

Key - Words

Theory of Formativity Gerhard Richter miacutemesis representation painting

7

SUMAacuteRIO

INTRODUCcedilAtildeO 9

CAPIacuteTULO I Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson 13

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo da

Teoria da Formatividade 13

12 Teacutekhne como saber-fazer 19

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia 21

14 Teacutekhne e ldquoinspiraccedilatildeordquo 23

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai 27

16 Teacutekhne e phyacutesis [natureza- entes naturais] 31

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo 33

18 Teacutekhne poietikoacutes 35

19 Poiacuteesis versus praacutexis 36

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars 38

111 Arte como ecircxito 39

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade 42

CAPIacuteTULO II Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson 43

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade 43

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo 44

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo apartir de Aristoacuteteles 46

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade 55

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte 58

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo 61

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson 68

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade 74

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo 74

222 Correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo 76

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade 78

224 Legalidade da ldquoformardquo e a noccedilatildeo de intuiccedilatildeo na Teoria da Formativida 79

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade 83

8

CAPIacuteTULO III Arte como miacutemesis e a autononia da obra de arte na Teoria da

Formatividade 87

31 O conceito de miacutemesis sob a oacutetica da Teoria da Formatividade 87

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo 88

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo 92

34 A ldquopositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles 100

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles 107

36 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson 110

CAPIacuteTULO IV Autonomia da obra de arte e miacutemesis na produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard

Richter agrave luz da Teoria da Formatividade 115

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista 115

42 ldquoFormardquoe ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter 117

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 118

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter 122

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo 124

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo 127

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo 132

47 O estatuto ontoloacutegico 137

CONCLUSAtildeO 140

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 144

9

INTRODUCcedilAtildeO

O estudo sobre a histoacuteria da produccedilatildeo artiacutestica no Ocidente sobretudo a pictoacuterica

revela um movimento pendular acerca do posicionamento de teoacutericos e artistas com relaccedilatildeo agrave

aceitaccedilatildeo da pintura ora como imitaccedilatildeo da realidade ora como afirmaccedilatildeo de si mesma

enquanto coisa no mundo Isto eacute o questionamento da pintura como representaccedilatildeo tem sido

retomado na forma de outro (ou novo) movimento artiacutestico de orientaccedilatildeo figurativa eou

abstrata E ainda esse vai e vem de assertivas e oposiccedilotildees para com a arte como

representaccedilatildeo fortalece o lugar comum da ldquomorte da pinturardquo 1 que em uacuteltima anaacutelise

questiona a pertinecircncia da proacutepria existecircncia da pintura se natildeo da proacutepria arte como um todo

Todavia apesar das controveacutersias eacute possiacutevel constatar que parte do meio artiacutestico da

atualidade reabilitou a pintura e estaacute relendo a problemaacutetica do jogo entre imitaccedilatildeo e realidade

na arte pictoacuterica E mais ainda a produccedilatildeo de arte contemporacircnea2 e em especial a produccedilatildeo

pictoacuterica de Gerhard Richter (Dresden 1932) possibilitam pensar que as dicotomias entre

figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo e entre imagem e objeto podem ser

questionadas Ao reconhecer o ressurgimento da pintura figurativa de certa maneira artistas e

teoacutericos negaram os pressupostos de que a pintura deveria se libertar da imitaccedilatildeo ou ateacute

mesmo deixar de existir Contudo ao reabilitar a retomada da pintura natildeo excluiacuteram outras

formas de arte que negam a imitaccedilatildeo ou que trazem novas formas de construccedilatildeo de imagens

inclusive pondo em cheque a proacutepria materialidade da arte

Nesse sentido pode-se afirmar que essas hipoacuteteses direcionam um estudo para uma

investigaccedilatildeo acerca da problematizaccedilatildeo da arte e da pintura enquanto imitaccedilatildeo da realidade 1 Eacute possiacutevel identificar nesta expressatildeo uma relaccedilatildeo agrave ideia de ldquomorte da arterdquo cunhada por Hegel em seus

Cursos de Esteacutetica que foram compilados e publicados ainda no iniacutecio do seacuteculo XIX proposiccedilatildeo esta

amplamente discutida por vaacuterios pensadores desde entatildeo e que indubitavelmente muito influencia o pensamento

sobre arte ainda hoje Entretanto nossa colocaccedilatildeo natildeo diz respeito exatamente agrave consciente filiaccedilatildeo agraves ideias de

Hegel e sim a um movimento aceacutefalo e pouco ciente de suas antecedecircncias Ou seja diz respeito a um locus que

se formou entre artistas professores de arte e criacuteticos que usam as expressotildees ldquomorte da arterdquo e sobretudo

ldquomorte da pinturardquo de maneira ateacute muitas vezes ingecircnua e inconsequente em ambientes de cursos de arte ateliecircs

e em textos de cataacutelogos de exposiccedilatildeo e afins

2 A despeito das controveacutersias inerentes aos roacutetulos utilizados para as classificaccedilotildees de periacuteodos estilos e

movimentos artiacutesticos neste contexto a palavra ldquoarte contemporacircneardquo deve ser entendida na sua acepccedilatildeo de uso

corrente da palavra contemporacircneo isto eacute diz respeito agrave produccedilatildeo de arte vigente nos dias de hoje de todo e

qualquer artista que estaacute em produccedilatildeo Entretanto uma vez que os artistas produzem suas obras no decorrer das

deacutecadas correspondentes as suas proacuteprias vidas logo a produccedilatildeo de arte contemporacircnea igualmente pode

corresponder agrave produccedilatildeo das uacuteltimas deacutecadas Portanto neste contexto ldquoarte contemporacircneardquo natildeo determina um

exato limite temporal de iniacutecio ou teacutermino nem faz distinccedilatildeo de grupos ou geraccedilotildees de artistas natildeo se refere a

um movimento em particular mas sim agrave atualidade com todas as suas idiossincrasias

10

que culmina na intricada relaccedilatildeo do artista para com a apreensatildeo do mundo e a consequente

negaccedilatildeo da possibilidade dessa relaccedilatildeo ateacute o questionamento da pertinecircncia da proacutepria

existecircncia da pintura eou da arte

Eacute possiacutevel constatar que estas problemaacuteticas remontam agrave antiguidade grega e se

estendem por toda a histoacuteria da pintura podendo ser resumidas no embate entre realidade e

arte Neste sentido surge a necessidade de recorrer aos textos dos filoacutesofos antigos

sobretudo os de Platatildeo e Aristoacuteteles a fim de identificar a origem das questotildees descritas

acima e que ateacute hoje estatildeo no nuacutecleo da reflexatildeo sobre a arte sobretudo pictoacuterica

Uma chave para esse diaacutelogo entre o pensamento da Greacutecia antiga e o pensamento da

atualidade no campo da investigaccedilatildeo esteacutetica pode ser encontrada no pensamento de Luigi

Pareyson (1918-1991) que recorre principalmente a Aristoacuteteles para a construccedilatildeo da sua

teoria sobre arte

Portanto tendo em conta este embasamento teoacuterico a presente pesquisa revisita a

discussatildeo da intrincada relaccedilatildeo entre arte e realidade isto eacute retoma os questionamentos que

envolvem a proposiccedilatildeo de que a arte em especial a pintura eacute representaccedilatildeo embora tambeacutem

seja definida como apresentaccedilatildeo de si mesma visto que por meio das leituras dos textos de

Pareyson e em especial os que diretamente versam sobre a Teoria da Formatividade

constata-se a reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte como realidade em si mesma ou

seja da arte e em especial da arte pictoacuterica como necessariamente invenccedilatildeo de nova

visualidade e sobretudo de nova realidade

Vale assinalar que o presente enfoque filosoacutefico sobre a arte se daacute preferencialmente

acerca do processo de elaboraccedilatildeo da obra levando em conta que na Teoria da Formatividade

Luigi Pareyson propotildee um modo de abordagem esteacutetica sob a oacutetica da produccedilatildeo artiacutestica ldquoEra

mais que tempo na arte de por a ecircnfase no fazer mais que no simplesmente contemplarrdquo 3

Embora o filoacutesofo reconheccedila e coloque em destaque a importacircncia da experiecircncia

artiacutestica para o embasamento do estudo filosoacutefico sobre a arte ele natildeo deixa de levar em conta

a necessaacuteria investigaccedilatildeo conceitual que a reflexatildeo filosoacutefica pressupotildee Desse modo o

3 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

11

proacuteprio Pareyson explicita alguns pontos que devem ser considerados para o estudo da

Filosofia da Arte que antes de tudo eacute sobretudo Filosofia ldquoUrge pois reconhecer que a

esteacutetica eacute filosofia e somente sob a condiccedilatildeo de ser filosofia justifica a proacutepria pesquisa e

manteacutem sua autonomia []rdquo4 Em outra passagem ele destaca que a filosofia da arte eacute

[] uma anaacutelise da experiecircncia esteacutetica natildeo uma definiccedilatildeo da arte

considerada abstratamente em si mesma mas um estudo do homem

enquanto autor da arte e no ato de fazer arte Em siacutentese reflexatildeo filosoacutefica

sobre a experiecircncia esteacutetica e no intuito de problematizaacute-la no seu conjunto

de mostrar-lhe a possibilidade estabelecer-lhe o acircmbito e os limites [] 5

Nesse sentido partindo dos proacuteprios apontamentos do filoacutesofo constata-se que se faz

necessaacuterio um embasamento conceitual preliminar para o estudo da experiecircncia artiacutestica

incluindo a pictoacuterica Igualmente a partir das afirmaccedilotildees do proacuteprio Pareyson parece seguro

afirmar que a Teoria da Formatividade teve nos pensamentos filosoacuteficos de Platatildeo e

sobretudo de Aristoacuteteles importantes pontos de apoio e de diaacutelogo para a construccedilatildeo de seus

conceitos centrais

Portanto na primeira etapa da pesquisa propotildee-se uma demarcaccedilatildeo terminoloacutegica de

alguns pontos importantes advindos do pensamento filosoacutefico grego em especial dos textos

de Platatildeo e Aristoacuteteles que dialogam com a concepccedilatildeo particular da filosofia de Pareyson

sobretudo relacionada com a sua concepccedilatildeo de arte servindo como ponto de apoio para o

embasamento conceitual e teoacuterico da Teoria da Formatividade

O segundo momento trata das ideias centrais da Teoria da Formatividade

relacionando-a com o campo mais abrangente do pensamento filosoacutefico de Pareyson E

novamente haacute uma delimitaccedilatildeo dos aportes que embasam a conceituaccedilatildeo pareysoniana

sobretudo os advindos de definiccedilotildees aristoteacutelicas (embora tais definiccedilotildees natildeo sejam

necessariamente relacionadas exclusivamente agraves questotildees sobre arte que o estagirita discutiu)

4 PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p19 ldquoBisogna dunque ricoscere Che lrsquoestetica egrave filosofia e solo a patto drsquoesser filosofia

giustifica la proacutepria ricerca e mantiene la proacutepria autonomiardquo [] (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

5 Ibidem op cit p11 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Embasada pelas demarcaccedilotildees das definiccedilotildees conceituais elaboradas nos capiacutetulos

anteriores a terceira etapa deste percurso investigativo discorre sobre as diferentes

conceitualizaccedilotildees sobre imitaccedilatildeo intenccedilatildeo imaginaccedilatildeo bem como representaccedilatildeo no campo

da arte sobretudo da arte pictoacuterica advindas dos pensamentos de Platatildeo de Aristoacuteteles em

contraponto com os conceitos centrais advindos da Teoria da Formatividade

A quarta etapa desta pesquisa discorre sobre as obras do pintor alematildeo Gerhard

Richter para investigar as relaccedilotildees do artista com a realidade enquanto imitador desta bem

como enquanto criador de uma novaoutra visualidade e realidade na contemporaneidade E

consequentemente a possibilidade da obra de arte em especial a pintura como apresentaccedilatildeo

de si mesma isto eacute como coisa entre coisas sem que isso faccedila com que a imagem deixe

tambeacutem de fazer referecircncia a um modelo Vale ressaltar que toda esta reflexatildeo traz natildeo soacute a

questatildeo da arte como imitaccedilatildeo ao mesmo tempo mas tambeacutem como coisa nova e original

Em suma este estudo discorre a respeito das problemaacuteticas especiacuteficas da arte

sobretudo da pintura na atualidade tendo como base a teoria da arte pareysoniana em diaacutelogo

com os pensamentos de Platatildeo e de Aristoacuteteles Esses aportes teoacutericos visam agrave compreensatildeo

do fenocircmeno artiacutestico com ecircnfase no pictoacuterico entendendo a arte como produccedilatildeo formante

que imita e representa ao mesmo tempo em que eacute invenccedilatildeo de coisa autocircnoma Isto eacute esta

pesquisa visa investigar como o estatuto ontoloacutegico da obra de arte ou seja a dignidade de

autonomia da arte que Pareyson reivindica influencia na leitura sobre a problemaacutetica da

questatildeo da arte enquanto imitaccedilatildeo Logo a proposta eacute mostrar como o reconhecimento destas

trecircs dimensotildees inseparaacuteveis da arte enquanto produccedilatildeo imitaccedilatildeo e invenccedilatildeo possibilita uma

leitura dos desdobramentos da produccedilatildeo artiacutestica pictoacuterica no seacuteculo XXI tomando como

ponto de investigaccedilatildeo especiacutefica a obra pictoacuterica de Gerhard Richter

13

CAPIacuteTULO I

Teacutekhne e Poiacuteesis nos pensamentos de Platatildeo Aristoacuteteles e Pareyson

A ideia de que a esteacutetica eacute uma disciplina moderna eacute pouco

mais do que um lugar comum mas que pode degenerar em um

erro se se chegar ao ponto de rejeitar o mundo antigo como

uma fonte de inspiraccedilatildeo para o estudo da arte

Luigi Pareyson 1966 6

11 Conceitos filosoacuteficos platocircnicos e aristoteacutelicos como recursos para a fundamentaccedilatildeo

da Teoria da Formatividade

Conforme foi exposto na Introduccedilatildeo um retorno agraves origens das definiccedilotildees e

entendimentos sobre as questotildees centrais que permeiam o pensamento sobre a arte e a arte

pictoacuterica se faz necessaacuterio para que o pensamento de Luigi Pareyson7 possa ser localizado no

campo do pensamento sobre arte Ele mesmo estabelece os limites desse diaacutelogo ao citar

frequentemente o pensamento da antiguidade grega situando-a como ponto de partida para a

conceituaccedilatildeo das problemaacuteticas artiacutesticas pertinentes ainda hoje Nas palavras dele sobre a

questatildeo das definiccedilotildees de arte

6 (Traduccedilatildeo nossa da traduccedilatildeo em espanhol) ldquoLa idea de que la esteacutetica es una disciplina moderna es poco

menos que un lugar comuacuten pero puede degenerar en un error si se llega hasta el punto de rechazar el mundo

antiguo como fuente de inspiracioacuten para el estudio del arterdquo (PAREYSON Luigi Forma organismo y

abstraccioacuten In ______ Conversaciones de esteacutetica Trad de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

7 Italiano nasceu em 1918 faleceu em 1991 Formou-se em filosofia em 1939 na cidade de Turim e em 1943

passou a ser professor de filosofia na Universidade de Turim ficando na mesma instituiccedilatildeo ateacute 1988 Dirigiu a

revista de esteacutetica (Rivista di Esteacutetica) da citada instituiccedilatildeo por mais de 25 anos As primeiras interlocuccedilotildees

filosoacuteficas de Pareyson se deram com os filoacutesofos alematildees com destaque para ensaios realizados sobre as obras

de pensadores como Kant Schelling Schiller Fichte Kierkegaard e Goethe sem deixar de mencionar o

destaque ao estudo da obra de Karl Jasper Aleacutem dos alematildees ele desenvolveu importantes ensaios sobre os

pensamentos de Aristoacuteteles Vico e Valegravery Contudo ainda estabeleceu interlocuccedilotildees com pensadores

contemporacircneos a ele como Heidegger Gadamer Dewey Focillon e Gilson Ainda saindo do foco da

interlocuccedilotildees e diaacutelogos com outros filoacutesofos como siacutentese do percurso filosoacutefico de Pareyson Sarto discorre

ldquoDotado de una profunda curiosidad cientiacutefica y de una notable erudicioacuten Pareyson fue capaz de elaborar una

siacutentesis original un pensamiento que parte del existencialismo pasa por el personalismo la esteacutetica y la

hermeneacuteutica para acabar en la lsquoontologiacutea de la libertadrsquo []rdquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar

el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi PareysonPamplona EUNSA 1998 p21) Ver tambeacutem ECO

Umberto A esteacutetica da formatividade e o conceito de interpretaccedilatildeo p14-15 In _____ A definiccedilatildeo da arte

Traduccedilatildeo de Joseacute Mendes Ferreira Lisboa Ed 70 2008

14

As definiccedilotildees mais conhecidas da arte recorrentes na histoacuteria do

pensamento podem ser reduzidas a trecircs ora a arte como um fazer ora como

um conhecer ora como um exprimir [] Na Antiguidade prevaleceu a

primeira a arte foi entendida como teacutekhne como um fazer em que era

expliacutecita ou implicitamente acentuado o aspecto executivo fabril manual 8

Embora como diz Pareyson ldquoEssas diversas concepccedilotildees ora se contrapotildeem ora se

excluem umas agraves outras ora pelo contraacuterio aliam-se e se combinam de vaacuterias maneirasrdquo

(1989 p29) 9 o presente estudo volta-se para o entendimento da arte como fazer e suas

nuances partindo da interpretaccedilatildeo das variantes dos significados dos termos teacutekhne 10 e

poiacuteesis visto que o aspecto fabril da obra de arte bem como as definiccedilotildees advindas da

filosofia grega sobretudo de alguns textos de Aristoacuteteles satildeo chaves capitais para o

entendimento da Teoria da Formatividade11

do filoacutesofo de Turim

8 PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes1989 p29 ldquoLe definizioni piugrave famose dellrsquoarte si possono ridurre a tre ricorrenti nella storia

de pensiero lrsquoarte egrave concepita ora come un fare ora come un conoscere ora come un esprimere

[]Nellrsquoantichitagrave prevalse la prima lrsquoarte fu intesa come τέχνη come un fare in cui era esplicitamente o

implicitamente accentuato lrsquoaspetto esecutivo fabrile manuale[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

9 Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes1989 p29 ldquoQueste diverse concezioni ora si contrappongono e si escludono fra loro ora invece si

alleano e si combinano variamente ma in definitiva rimangono le tre definizioni principali dellrsquoarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p229)

10

Optou-se por transliterar todos os termos em grego para os caracteres latinos Os paracircmetros para a

transliteraccedilatildeo do alfabeto grego para o alfabeto latino seguiram os mesmos utilizados por GOBRY Ivan

Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Cf Op cit p 5 a

8) Esses paracircmetros soacute natildeo foram usados nas citaccedilotildees onde os autores optaram por paracircmetros diversos dos

seguidos por Gobry nesses casos a grafia do texto original citado foi mantida

11

A obra de Luigi Pareyson percorre desde textos de cunho historiograacutefico estudos e comentaacuterios sobre as obras

e outros filoacutesofos ateacute textos teoacutericos autocircnomos como os dois livros especiacuteficos de Esteacutetica que serviram como

base central para a presente dissertaccedilatildeo isto eacute Estetica Teoria della formativitagrave publicado pela primeira vez em

1954 e traduzido para o portuguecircs em 1993 e ainda o livro I problemi dellestetica com a primeira ediccedilatildeo

italiana de 1966 e publicado no Brasil em 1984 Segue uma lista das obras de Luigi Pareyson consideradas mais

significativas estatildeo dispostas por ordem cronoloacutegica a partir da primeira publicaccedilatildeo em italiano de cada obra La

filosofia dellesistenza e Karl Jaspers (1939) Studi sullesistenzialismo (1943) Corso di estetica (1946) Etica

ed estetica in Schiller (1949) Lestetica di Kant (1949) Etica ed estetica in Schiller (1949) Fichte Il sistema

della libertagrave (1950) Esistenza e persona (1950) Esistenza e persona (1950) Lestetica di Fichte (1950)

Lestetica dellidealismo tedesco (1950) Unitaacute della Filosofia (1952) Estetica Teoria della formativitagrave (1954)

Teoria dellarte (1965) I problemi dellestetica(1966) Conversazioni di estetica (1966) Il pensiero etico di

Dostoevskij (1967) Veritagrave e interpretazione (1971) Lesperienza artistica (1974) Schelling(1975) Rettifiche

sullrsquoesistenzialismo (1975) Dostoevskij filosofia romanzo ed esperienza religiosa (1976) LacuteEacutetica e esteacutetica

em Schiller (1983) Filosofia della libertagrave (1989) Ontologia della libertagrave Il male e la sofferenza (1995 -

poacutestuma) entre outros livros e artigos publicados em revistas e anais Atualmente sob a rubrica de Opere

completerdquo os livros de Pareyson estatildeo sendo republicados pelo Centro Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi

15

As diferentes acepccedilotildees utilizadas para as palavras teacutekhne e poiacuteesis satildeo por si soacute um

empecilho para a leitura atenta dos diversos textos natildeo soacute de Platatildeo e Aristoacuteteles mas

tambeacutem dos textos de outros autores antigos As dificuldades iniciam sobretudo no

entendimento de como esses autores pensavam as vaacuterias dimensotildees da atividade artiacutestica da

produccedilatildeo agrave fruiccedilatildeo Portanto faz-se necessaacuteria uma breve demarcaccedilatildeo terminoloacutegica a fim de

evitarmos imprecisotildees jaacute que os termos em grego ainda povoam os textos atuais sobre arte

A palavra teacutekhne eacute comumente natildeo traduzida em muitos textos sobre arte ainda hoje

Mas quando o eacute eacute usualmente traduzida por arte para o portuguecircs Como em portuguecircs a

palavra que utilizamos eacute de origem latina [ars ou artis] e natildeo existe nenhuma palavra em

grego que abarque todos os complexos significados e delimitaccedilotildees que o vocaacutebulo foi

ganhando no decorrer dos seacuteculos muitos textos atuais acabam por aceitar que teacutekhne

signifique simplesmente arte

Entretanto a acepccedilatildeo da palavra ldquoarterdquo que um grande grupo de pessoas tem em mente

atualmente costuma vir acompanhada de qualidades como subjetividade expressividade e

beleza Notadamente porque a definiccedilatildeo de arte acrescida das noccedilotildees de subjetividade

expressividade e beleza diz respeito a um entendimento alicerccedilado na tradiccedilatildeo do pensamento

sobre arte que se cristalizou a partir do seacuteculo XVIII nos meios que de modo geral se

identificam pelo pensamento idealista e romacircntico Ideias que natildeo estariam inteiramente

presentes nas acepccedilotildees gregas de teacutekhne e que natildeo correspondem mais a grande parte das

concepccedilotildees de arte mais amplamente aceitas nos dias de hoje e sobretudo natildeo vatildeo de

encontro com o que Pareyson propotildee para a Teoria da Formatividade O filoacutesofo italiano faz

esta distinccedilatildeo pontualmente ldquoDe um lado a arte como teacutekhne saber fazer perfeiccedilatildeo formal

de outro a arte como inspiraccedilatildeo e paixatildeordquo 12

Pareyson da Universidade de Turim Por isso muitos tiacutetulos originais bem como a organizaccedilatildeo interna dos

textos publicados foram reorganizados sob uma nova ordem Cf em RAVERA Marco Premessa del Curatore

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p5-9 (Centro

Studi Filosofico ndash Religiosi Luigi Pareyson Opere Complete - Vol 10)

11

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

12

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p71 ldquoDa un lato lrsquoarte come τέχνη saper fare perfezione formale dallrsquoaltro lrsquoarte come inspirazione e

passionerdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p266)

16

Portanto Pareyson chama a atenccedilatildeo sobre a importacircncia de se pensar a arte como

saber-fazer [teacutekhne] concepccedilatildeo natildeo soacute presentes nos pensamentos de ambos os filoacutesofos

gregos supracitados mas central nos textos da Greacutecia Antiga em geral Parece claro que o

professor de Turim o faz no intuito de retomar as definiccedilotildees primeiras de arte como fica

evidente na introduccedilatildeo do livro Esteacutetica Teoria da Formatividade quando ele expotildee que

quer ldquo[] entrar imediatamente no tema propondo ao inveacutes dos princiacutepios croceanos13

da

intuiccedilatildeo e da expressatildeo uma esteacutetica da produccedilatildeo e da formatividaderdquo 14

Por isso um olhar mais proacuteximo das especificidades dos diversos significados dos

termos gregos presentes nos textos antigos e repetidos nos textos atuais pretende ajudar a

desfazer as imprecisotildees que ocorrem por falta de uma distinccedilatildeo criteriosa que respeite as

variaccedilotildees conceituais de cada eacutepoca

Em suma nem para Platatildeo tatildeo pouco para Aristoacuteteles teacutekhne e poiacuteesis tecircm um

significado particular e sobretudo natildeo coincidem com as acepccedilotildees de arte que costumamos

utilizar no portuguecircs corrente Contudo Pareyson resgata uma seacuterie desses sentidos presentes

nos textos dos filoacutesofos gregos para compor os conceitos que embasam a sua esteacutetica Nesse

intuito foram elencados os principais sentidos de teacutekhne poiacuteesis e outros termos e conceitos

correlatos presentes nos primeiros escritos sobre arte na Antiguidade Grega com ecircnfase nos

pensamentos de Platatildeo e Aristoacuteteles Assim como algumas definiccedilotildees relevantes de ars

advindas da tradiccedilatildeo latina mereceram atenccedilatildeo

No entanto a proposta desta revisatildeo terminoloacutegica natildeo eacute de fazer uma extensa revisatildeo

histoacuterica que proponha abarcar todo o pensamento sobre arte de Platatildeo agrave Pareyson Foram

destacados sobretudo aqueles significados e pontos de conjunccedilatildeo das acepccedilotildees

13

Referente agraves ideias de Benedetto Croce (Pescasseroli 1866 - Naacutepoles 1952) filoacutesofo italiano amplamente

influente na Itaacutelia na eacutepoca de Pareyson Croce com uma esteacutetica baseada em aportes teoacutericos sobretudo

advindos do idealismo romacircntico foi um importante contraponto no discurso esteacutetico pareysoniano entretanto

nota-se que Pareyson faz menccedilatildeo agraves ideias crocianas na maioria das vezes para marcar as diferenccedilas entre estas

e a Teoria da Formatividade pontuando a necessidade de uma revisatildeo na reflexatildeo filosoacutefica sobre arte

Portanto embora Croce seja por uns apontado como o contraponto principal de Pareyson pautados

provavelmente nas inuacutemeras menccedilotildees a Croce recorrentes no textos de Pareyson todavia em geral estas

menccedilotildees satildeo com o intuito de criacutetica e oposiccedilatildeo

14

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p9 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

17

terminoloacutegicas relacionados agraves problemaacuteticas contidas na Teoria da Formatividade e que se

encontram em alguns outros pensadores sobretudo Platatildeo e Aristoacuteteles

Antes de analisar algumas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis separadamente vale lembrar

que tanto Platatildeo quanto Aristoacuteteles cotejam as diferentes modalidades de arte tais como a

pintura a poesia o teatro escultura utilizando paracircmetros e definiccedilotildees gerais que abrigam

qualquer linguagem artiacutestica Isso permite que as definiccedilotildees cunhadas por Platatildeo e Aristoacuteteles

sejam natildeo apenas aplicadas agrave atividade teatral e agrave poesia textual em si mas que se estendam agrave

produccedilatildeo da obra de arte de maneira geral incluindo a da pintura e assim por diante

Por exemplo apesar de um diaacutelogo como o Iacuteon de Platatildeo ter como foco principal a

apresentaccedilatildeo de poesia homeacuterica orquestrada por um rapsodo15

Soacutecrates - enquanto um dos

personagens do diaacutelogo - relaciona as atividades de Homero e de Iacuteon agraves do pintor e do

escultor Como quando Soacutecrates cita um caso o caso da pintura para exemplificar seu

argumento sobre o pouco alcance do ldquoconhecimento teacutecnico- racionalrdquo de Iacuteon que soacute fala de

Homero e natildeo de todos os poetas (532 d ndash 533 a)16

Tambeacutem assim como na Repuacuteblica

Platatildeo ao discorrer sobre a distacircncia que a poesia traacutegica estaacute para com a verdade ie trecircs

15

Espeacutecie de cantor-ator ou declamador profissional que ornado com belas vestes e segurando um bastatildeo o

raacutebdos daiacute o nome rapsodo recita a poesia de outros poetas No caso de Iacuteon ele eacute um especialista em Homero

Iacuteon natildeo soacute recita mas explica o conteuacutedo da poesia a interpreta acumulando portanto a accedilatildeo de artista e de

uma espeacutecie de criacutetico- professor de arte A sua especialidade em recitar somente Homero eacute um dos argumentos

usados por Soacutecrates para desmerecer um suposto conhecimento teacutecnico adquirido por Iacuteon para exercer o seu

ofiacutecio Cf PLATAtildeO Iacuteon 530c

16

PLATAtildeO Iacuteon 532 d- 533a ldquo- Soacutec []Partamos desse raciociacutenio existe uma arte pictoacuterica que eacute um

conjunto - Iacuteon Sim - Soacutec Portanto tambeacutem na pintura haacute e houve muitos pintores bons e muitos mediacuteocres

- Iacuteon Perfeitamente - Soacutec Entatildeo jaacute viste algueacutem que eacute capaz de discorrer sobre Polignoto filho de

Aglaofonte demonstrando ser perito sobre o que ele desenha bem e sobre o que natildeo desenha e seja incapaz de

fazer o mesmo sobre os outros pintores E quando algueacutem aponta para as obras dos outros pintores ele

adormece fica embaraccedilado e natildeo tem o que se conjecturar mas quando eacute sobre Polignoto ou algum outro que

queiras havendo necessidade de demonstrar conhecimento de apenas um dos desenhos desperta e presta

atenccedilatildeo e bem transita no que diz- Iacuteon Natildeo por Zeus certamente natildeordquo (Traduccedilatildeo de Andreacute Malta Porto

Alegre LampPM Pocket 2007)

[532d] ΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν ἐπειδὰν λάβῃ τις καὶ ἄλλην τέχνην ἡντινοῦν ὅλην ὁ αὐτὸς τρόπος τῆς σκέψεως

ἔσται περὶ ἁπασῶν τῶν τεχνῶν Πῶς τοῦτο λέγω δέῃ τί μου ἀκοῦσαι ὦ Ἴων ΙΩΝΝαὶ μὰ τὸν Δία ὦ Σώκρατες

ἔγωγε χαίρω γὰρ ἀκούων ὑμῶν τῶν σοφῶν ΣΩΚΡΑΤΗΣΒουλοίμην ἄν σε ἀληθῆ λέγειν ὦ Ἴων ἀλλὰ σοφοὶ

μέν πού ἐστε ὑμεῖς οἱ ῥαψῳδοὶ καὶ ὑποκριταὶ καὶ ὧν ὑμεῖς ᾄδετε τὰ ποιήματα ἐγὼ δὲ οὐδὲν ἄλλο ἢ τἀληθῆ

λέγω [532e] οἷον εἰκὸς ἰδιώτην ἄνθρωπον Ἐπεὶ καὶ περὶ τούτου οὗ νῦν ἠρόμην σε θέασαι ὡς φαῦλον καὶ

ἰδιωτικόν ἐστι καὶ παντὸς ἀνδρὸς γνῶναι ὃ ἔλεγον τὴν αὐτὴν εἶναι σκέψιν ἐπειδάν τις ὅλην τέχνην λάβῃ

Λάβωμεν γὰρ τῷ λόγῳ γραφικὴ γάρ τίς ἐστι τέχνη τὸ ὅλον ΙΩΝΝαίΣΩΚΡΑΤΗΣΟὐκοῦν καὶ γραφῆς πολλοὶ

καὶ εἰσὶ καὶ γεγόνασιν ἀγαθοὶ καὶ φαῦλοι ΙΩΝΠάνυ γε ΣΩΚΡΑΤΗΣἬδη οὖν τινα εἶδες ὅστις περὶ μὲν

Πολυγνώτου τοῦ Ἀγλαοφῶντος δεινός ἐστιν ἀποφαίνειν ἃ εὖ τε γράφει καὶ ἃ μή περὶ δὲ τῶν ἄλλων γραφέων

[533a] ἀδύνατος Καὶ ἐπειδὰν μέν τις τὰ τῶν ἄλλων ζωγράφων ἔργα ἐπιδεικνύῃ νυστάζει τε καὶ ἀπορεῖ καὶ οὐκ

ἔχει ὅτι συμβάληται ἐπειδὰν δὲ περὶ Πολυγνώτου ἢ ἄλλου ὅτου βούλει τῶν γραφέων ἑνὸς μόνου δέῃ

ἀποφήνασθαι γνώμην ἐγρήγορέν τε καὶ προσέχει τὸν νοῦν καὶ εὐπορεῖ ὅτι εἴπῃ ΙΩΝΟὐ μὰ τὸν Δία οὐ δῆτα

18

vezes distante desta ele afirma que tambeacutem a pintura eacute uma imitaccedilatildeo trecircs graus distante da

verdade (Livro X 597 d) 17

Aristoacuteteles igualmente recorre agrave pintura para tratar de questotildees de poesia como na

passagem do Capiacutetulo VI da Poeacutetica quando ele coteja a construccedilatildeo e especificidades da

trageacutedia com a pintura da eacutepoca citando Zecircuxis e Polignoto (1450a 22 -30) 18

Mais adiante

a comparaccedilatildeo entre poesia traacutegica e pintura se repete

[] o mito eacute o princiacutepio e como que a alma da trageacutedia soacute depois vecircm os

caracteres Algo semelhante se verifica na pintura se algueacutem aplicasse

confusamente as mais belas cores a sua obra natildeo nos comprazeria tanto

como se apenas houvesse esboccedilado uma figura em branco (Ibidem 1450b

1-5) 19

Portanto eacute a partir do paracircmetro de que tanto Platatildeo como Aristoacuteteles usavam a

pintura e a escultura para falar de teatro eou poesia e vice e versa sem discriminar

inteiramente os mecanismos gerais de cada modalidade artiacutestica que as referecircncias e

interpretaccedilotildees dos conceitos correlatos agraves questotildees da arte utilizados e cunhados por eles seratildeo

analisadas neste presente estudo

17

ldquoSoacutec Ora exatamente como ele (pintor) encontra-se o poeta traacutegico por estar como imitador trecircs degraus

abaixo do rei da verdade o que aliaacutes se daacute com todos os imitadoresrdquo (PLATAtildeO Repuacuteblica Trad de Carlos

Alberto Nunes 3ordf Ed Beleacutem EDUFPA 2000)

Ταῦτα δὴ οἶμαι εἰδὼς ὁ θεός βουλόμενος εἶναι ὄντως κλίνης ποιητὴς ὄντως οὔσης ἀλλὰ μὴ κλίνης τινὸς μηδὲ

κλινοποιός τις μίαν φύσει αὐτὴν ἔφυσεν

18

ldquoSem accedilatildeo natildeo poderia haver trageacutedia mas poderia havecirc-la sem caracteres As trageacutedias da maior parte dos

modernos natildeo tecircm caracteres e em geral haacute muitos poetas desta espeacutecie Tambeacutem entre os pintores assim eacute

Zecircuxis comparado com Polignoto porque Polignoto eacute excelente pintor de caracteres e a pintura de Zecircuxis natildeo

apresenta caraacuteter nenhumrdquo (ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973 p 448)

Ἔτι ἄνευ μὲν πράξεως οὐκ ἂν γένοιτο τραγῳδία ἄνευ δὲ ἠθῶν γέ [25] νοιτ᾽ ἄνmiddot αἱ γὰρ τῶν νέων τῶν πλείστων

ἀήθεις τραγῳδίαι εἰσίν καὶ ὅλως ποιηταὶ πολλοὶ τοιοῦτοι οἷον καὶ τῶν γραφέων Ζεῦξις πρὸςΠολύγνωτον

πέπονθενmiddot ὁ μὲν γὰρ Πολύγνωτος ἀγαθὸς ἠθογράφος ἡ δὲ Ζεύξιδος γραφὴ οὐδὲν ἔχει ἦθος

19

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p 449

[1] εἰ γάρ τις ἐναλείψειε τοῖς καλλίστοις φαρμάκοις χύδην οὐκ ἂν ὁμοίως εὐφράνειεν καὶ λευκογραφήσας

εἰκόνα)middot ἔστιν τε μίμησις πράξεως καὶ διὰ ταύτην μάλιστα τῶν πραττόντων Τρίτον δὲ ἡ διάνοιαmiddot τοῦτο δέ [5]

ἐστιν τὸ λέγειν δύνασθαι τὰ ἐνόντα καὶ τὰ ἁρμόττοντα ὅπερ ἐπὶ τῶν λόγων τῆς πολιτικῆς καὶ ῥητορικῆς ἔργον

ἐστίνmiddot οἱ μὲν γὰρ ἀρχαῖοι πολιτικῶς ἐποίουν λέγοντας οἱ δὲ νῦν ῥητορικῶς Ἔστιν δὲ ἦθος μὲν τὸ τοιοῦτον ὃ

δηλοῖ τὴν προαίρεσιν ὁποία τις [ἐν οἷς οὐκ ἔστι δῆλον ἢ [10] προαιρεῖται ἢ φεύγει]

19

12 Teacutekhne como saber-fazer

Notadamente para Platatildeo em muitos de seus diaacutelogos teacutekhne tem um sentido mais

amplo e por vezes ateacute antagocircnico para com algumas definiccedilotildees de arte atuais A primeira

diferenccedila significativa entre teacutekhne e arte eacute a distinccedilatildeo que fazemos atualmente entre arte e

teacutecnica de onde podem surgir vaacuterias possiacuteveis interpretaccedilotildees errocircneas Como lembra

Pareyson ldquo[] O pensamento antigo pouco se preocupou em teorizar a distinccedilatildeo entre a arte

propriamente dita e o ofiacutecio ou a teacutecnica do artesatildeordquo 20

Para o disciacutepulo de Soacutecrates teacutekhne costumar ter um sentido de teacutecnica na acepccedilatildeo

simples do termo ou seja habilidade no fazer destreza na profissatildeo E ainda pode ser

considerada como sinocircnimo de ciecircncia e sobretudo abarca todo tipo de atividade humana21

Assim como Platatildeo Aristoacuteteles frequentemente usa a palavra teacutekhne no sentido amplo

do saber-fazer E tambeacutem em ambos os pensadores teacutekhne eacute por vezes encontrada como

sinocircnimo ou em paralelo agrave ciecircncia [episteacuteme]22

Entenda-se episteme aqui no sentido mais lato

e primaacuterio do termo isto eacute todo e qualquer conhecimento verdadeiro e racional do

universal23

Como explica Giovanni Reali nos comentaacuterios de sua traduccedilatildeo da Metafiacutesica de

Aristoacuteteles ldquo[] ldquoArterdquo [teacutekhne] eacute algo muito proacuteximo da ciecircncia enquanto implica

20

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p29 ldquo[]ma il pensiero antico poco si preoccupograve di teorizzare la distinzione fra lrsquoarte

propriamente detta e il mestiere o la teacutecnica dellartigiano[]rdquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p229)

21

Platatildeo natildeo utiliza o termo teacutekhne de maneira uniforme em seus diaacutelogos Entretanto eacute possiacutevel afirmar que

diante de variadas acepccedilotildees persiste ao menos um aspecto semacircntico comum correspondente ao entendimento

de que teacutekhne diz respeito a qualquer atividade humana que exige racionalidade e destreza como por exemplo

no diaacutelogo Iacuteon (538-541) onde Soacutecrates discorre sobre vaacuterias atividades que precisam da teacutekhne para serem

ldquobem executadasrdquo como as do general do barqueiro do navegador da fiandeira do meacutedico e tambeacutem da

atividade dele mesmo Sobre as variantes do sentido de tegravekhne nos diversos diaacutelogos de Platatildeo ver tambeacutem em

BRISSON L PRADEAU J-F Vocabulaacuterio de Platatildeo Trad de Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins

Fontes 2010 p 70 -71

22

Cf PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes

2010 (verbete ltciecircncia ndash episteacutemegt p 21- 22) e GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad

Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 (Verbete ltteacutekhnegt p 142-143)

23ldquoO termoldquoepistecircmerdquo pode ser entendido em dois sentidos Haacute um estrito de ldquoepistecircmerdquo definido nos Segundos

analiacuteticos uma disciplina particular confinada por um gecircnero particular a respeito do qual prova por

demonstraccedilotildees seus atributos per se [] Pode-se entender ldquoepistecircmerdquo em sentido mais lato como ato

cognitivo pelo qual apreendemos cientificamente determinada coisa por exemplo como conhecimento de uma

determinada conclusatildeo []rdquo(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio

traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 234-235)

20

justamente conhecimento dos universais Na linguagem moderna a palavra ldquoarterdquo natildeo tem

mais o antigo sentido e portanto existe o risco de equiacutevocos []rdquo 24

Portanto a teacutekhne grega configura com um conhecimento que se situa em oposiccedilatildeo agrave

natureza agrave irracionalidade e ao acaso como por exemplo no sentido explicitado neste trecho

da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles ldquoNatildeo obstante hatildeo de concordar que o homem que

deseja tornar-se mestre numa arte [teacutekhne] ou ciecircncia deve buscar o universal e procurar

conhececirc-lo tatildeo bem quanto possiacutevel []rdquo (X 1180b 20) 25

Todavia nem sempre Aristoacuteteles entende teacutekhne e ciecircncia como sinocircnimas como

quando ele faz distinccedilotildees importantes entre teacutekhne praacutexis e theoria distinccedilotildees que seratildeo

comentadas mais adiante26

Portanto a traduccedilatildeo simplificada de teacutekhne como arte no que diz respeito aos textos

que tratam da arte no seu sentido estrito pode natildeo ser a melhor escolha Muitas vezes a

melhor escolha poderia ser a palavra teacutecnica no sentido de saber adquirido e voltado ao fazer

ou ateacute mesmo ciecircncia no sentido do saber racional e verdadeiro Esse cuidado na traduccedilatildeo eacute

particularmente importante especialmente nos casos dos textos sobre arte para que teacutekhne

natildeo se confunda com os diversos conceitos que a palavra ldquoarterdquo abarca nos dias de hoje

Angioni esclarece mais alguns pontos sobre essa questatildeo nos comentaacuterios da sua traduccedilatildeo da

Fiacutesica I-II de Aristoacuteteles

[] outra traduccedilatildeo para technecirc eacute ldquoarterdquo Em Eacutetica a Nicocircmaco 1140 a 10 a

technecirc eacute definida como ldquohabilitaccedilatildeo (ou disposiccedilatildeo) produtiva com discurso

verdadeirordquo (hexis meta logou alecircthou poiecirctikecirc) Trata-se da capacidade de

produzir de modo racional ldquoalguma coisa que admite ser e natildeo serrdquo (algo

24

REALI Comentaacuterios e notas (Metafiacutesica 981 a 7-12) In ARISTOacuteTELES Metafiacutesica Vol III traduccedilatildeo de

Giovanni Reali e Trad de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ed Loyola 2002 p 8-9

25

ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W

D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo V IV) p 434

(20) ἐπαρκέσαι Οὐδὲν δ ἧττον ἴσως τῷ γε βουλομένῳ τεχνικῷ γενέσθαι καὶ θεωρητικῷ ἐπὶ τὸ καθόλου

βαδιστέον εἶναι δόξειεν ἄν κἀκεῖνο γνωριστέον ὡς ἐνδέχεται εἴρηται γὰρ ὅτι περὶ τοῦθ αἱ ἐπιστῆμαι Τάχα δὲ

καὶ τῷ βουλομένῳ δι ἐπιμελείας βελτίους ποιεῖν εἴτε πολλοὺς εἴτ ὀλίγους νομοθετικῷ πειρατέον (25)

γενέσθαι εἰ διὰ νόμων ἀγαθοὶ γενοίμεθ ἄν

26

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 (verbete episteacuteme p56-57)

21

contingente) ldquoe cujo princiacutepio estaacute no produtor natildeo naquilo que se produzrdquo

(1140 a 12-4) Em expressotildees como ldquoa arte da medicinardquo ldquoa arte do

timoneirordquo etc temos perfeitamente o sentido pretendido por Aristoacuteteles

Mas quando o termo ldquotechnecircrdquo eacute usado sem complementos parece-nos mais

adequado vertecirc-lo por ldquoteacutecnicardquo [] 27

Veremos no decorrer deste capiacutetulo como essa acepccedilatildeo de teacutekhne como ldquosaber-fazerrdquo

utilizada tanto por Platatildeo como por Aristoacuteteles e acrescida de todas as nuanccedilas que dela

derivam serviu como paracircmetro para a teoria sobre a arte que Pareyson desenvolve

13 Teacutekhne como fruto da experiecircncia

A noccedilatildeo de teacutekhne como fruto da experiecircncia eacute outro aspecto da definiccedilatildeo de teacutekhne que

ajuda a entender como funciona esse mecanismo do saber que se configura em fazer nos

meandros do processo artiacutestico que o professor de Turim explicita em sua teoria da arte

Tambeacutem como Platatildeo Aristoacuteteles identifica a experiecircncia como origem da teacutekhne

Mas enquanto Platatildeo opotildee ciecircncia [episteacuteme] e experiecircncia [emperiacutea] sobretudo por

desacreditaacute-la como meio de obter conhecimento Aristoacuteteles situa a experiecircncia como

conhecimento individual que precisa da teacutekhne e da episteacuteme para tornaacute-la universal28

Nesses

trechos da Metafiacutesica Aristoacuteteles explica como se daacute o conhecimento da teacutekhne a partir da

experiecircncia

A experiecircncia parece um pouco semelhante agrave ciecircncia e agrave arte A experiecircncia

como diz Polo produz a arte enquanto a inexperiecircncia produz o acaso A

arte se produz quando de muitas observaccedilotildees da experiecircncia forma-se um

27

ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p363

28ldquoTal como foi definida em Aristoacuteteles (Eth Nich VI 1140a) a teacutekhne eacute uma caracteriacutestica (hexis) mais

dirigida agrave produccedilatildeo (poietike) do que agrave accedilatildeo (praktike) Emerge da experiecircncia (empeiria) de casos individuais

e passa da experiecircncia agrave teacutekhne quando as experiecircncias individuais satildeo generalizadas num conhecimento de

causas[]rdquo(ltverbete teacutechnegravegt) (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz

Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 225- 226)

22

juiacutezo geral e uacutenico passiacutevel de ser referido a todos os casos semelhantes (A

981a) 29

Ou seja as teacutekhnai como explica Aristoacuteteles estatildeo no campo do saber-fazer teacutecnico

habilidades do fazer adquiridas atraveacutes da sensaccedilatildeo [aiacutesthesis] e da experiecircncia [emperiacutea] 30

podendo ser ensinadas e possibilitando a produccedilatildeo humana das coisas no mundo atraveacutes da

competecircncia adquirida

Esta eacute outra distinccedilatildeo fundamental que estaacute presente na base do entendimento dos

mecanismos da arte que Pareyson propocircs estudar Ou seja diferente dos pensadores gregos

para o filoacutesofo italiano o saber-fazer e sobretudo o artiacutestico eacute adquirido num fazer

inventivo e simultacircneo agrave produccedilatildeo da obra Como Pareyson define

A arte eacute uma atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo [invenzione] procedem

pari passu inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de

um valor original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo

encontra-se a regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem

eacute pensaacutevel projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou

cantando eacute que eacute encontrada e eacute concebida e eacute inventada 31

Esta eacute uma das especificaccedilotildees fundamentais da fabricaccedilatildeo da arte sob a oacutetica da Teoria

da Formatividade ou seja a teacutecnica da arte estaacute constantemente em processo de se reinventar

No entanto apesar de Pareyson indicar no nuacutecleo da Teoria da Formatividade que na arte o

saber eacute adquiro no momento de fazer natildeo depois nem mesmo antes ldquoEla (arte) eacute um tal

29

Aristoacuteteles Metafiacutesica Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo

Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p3 Καὶ δοκεῖ σχεδὸν ἐπιστήμῃ καὶ τέχνῃ ὅμοιον εἶναι καὶ ἐμπειρία

ἀποβαίνει δ ἐπιστήμη καὶ τέχνη διὰ τῆς ἐμπειρίας τοῖς ἀνθρώποις ἡ μὲν γὰρ ἐμπειρία τέχνην ἐποίησεν ὡς φησὶ

Πῶλος ἡ [5] δ ἀπειρία τύχην Γίγνεται δὲ τέχνη ὅταν ἐκ πολλῶν τῆς ἐμπειρίας ἐννοημάτων μία καθόλου

γένηται περὶ τῶν ὁμοίων ὑπόληψις

30

Cf GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes

2007 p53 e p143

31

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoLarte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo

simultanee e inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si

concepisce eseguendo si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave

finita neacute egrave pensabile di progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si

concepisce e la sinventardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p232)

23

fazer que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazerrdquo32

Ele esclarece que esse

fazer que inventa o modo de fazer natildeo eacute um mero acaso ou seja a experiecircncia adquirida

participa e ajuda a ldquoorganizarrdquo o aparente caos do fazer artiacutestico Nas palavras dele

Tudo isto eacute contraacuterio agrave experiecircncia dos artistas os quais embora arrastados

pelo estro de veia faacutecil e abundante conhecem todavia o inflexiacutevel rigor e a

severa legalidade que preside ao ecircxito das suas obras e natildeo estatildeo facilmente

dispostos a conceder que a sua arte se reduza ao resultado de uma

espontaneidade cega e incontrolada 33

14 Teacutekhne e inspiraccedilatildeo

Nesse sentido outro aspecto importante a ser destacado sobre os significados de

teacutekhne sobretudo em Platatildeo pode ser visto a partir da leitura atenta de um dos diaacutelogos do

disciacutepulo de Soacutecrates Iacuteon

Nesse diaacutelogo Soacutecrates afirma que o poeta natildeo tem arte [teacutekhne] transformando a fala

do filoacutesofo em algo estranho para natildeo dizer contraditoacuterio aos leitores desavisados de hoje

Ou seja Soacutecrates diz que o artista natildeo tem o conhecimento de uma arte [teacutekhne] faz o que faz

por meio de uma forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] 34

e eacute essa forccedila que lhe daacute a habilidade de

recitar Homero e encantar o puacuteblico e natildeo um saber fazer adquirido racionalmente Segundo

este texto35

o rapsodo estaacute fora de si no momento da produccedilatildeo [poiacuteesis] ou seja estaacute

possuiacutedo pela Musa daiacute o caraacuteter irracional da arte que eacute apontado no diaacutelogo sobre a Iliacuteada

32

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32 ldquo[]essa (Larte) un tal fare che mentre fa inventa il da farsi e il modo di farerdquo

(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

33

Ibidem op cit p138 ldquoTutto ciograve egrave contrario allesperienza degli artisti i quali per quanto trascinati

dallestro e di vena facile e abbondante conoscono tuttavia linflessibile rigore e la severa legalitagrave che presiede

alla riuscita delle loro opere e non sono facilmente disposti a concedere che la loro arte si riduca al risultato

duna spontaneitagrave cieca e incontrollatardquo (Ibidem op cit p324)

34

Cf PLATAtildeO Iacuteon 533 d- 534

35

Ibidem 532c Soacutec Natildeo eacute difiacutecil imaginar isso companheiro mas a todos eacute evidente que com teacutecnica e

ciecircncia eacutes incapaz de falar sobre Homero Pois se tu fosses capaz de falar por teacutecnica serias capaz de falar

tambeacutem de todos os outros poetas pois que haacute uma arte poeacutetica como um todo natildeo haacuterdquo (Traduccedilatildeo de Andreacute

Malta Porto Alegre LampPM Pocket 2007) ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οὐ χαλεπὸν τοῦτό γε εἰκάσαι ὦ ἑταῖρε ἀλλὰ παντὶ

24

Outro diaacutelogo que o assunto da inspiraccedilatildeo no artista eacute mencionado eacute o Fedro36

aqui a

ideia de inspiraccedilatildeo eacute examinada sob a oacutetica da loucura divina isto eacute do deliacuterio [maniacutea]

Portanto a partir dessas leituras entende-se que a concepccedilatildeo platocircnica de teacutekhne pode

ser entendida em alguns momentos como antagocircnica agrave produccedilatildeo artiacutestica tais como a

pintura poesia e muacutesica Essas atividades teriam a inspiraccedilatildeo [enthousiasmos] na forma de

forccedila divina [theiacutea dyacutenamis] como propulsoras da produccedilatildeo [poiacuteesis] da obra Uma inspiraccedilatildeo

que se configura como uma espeacutecie de loucura poreacutem de ordem divina e portanto beneacutefica

δῆλον ὅτι τέχνῃ καὶ ἐπιστήμῃ περὶ Ὁμήρου λέγειν ἀδύνατος εἶ εἰ γὰρ τέχνῃ οἷός τε ἦσθα καὶ περὶ τῶν ἄλλων

ποιητῶν ἁπάντων λέγειν οἷός τ ἂν ἦσθα ποιητικὴ γάρ πού ἐστιν τὸ ὅλον Ἢ οὔ

Noutro trecho Iacuteon 542 a-b ldquoSoacutec []Assim se vocecirc natildeo possui arte (aquilo que eu dizia agora pouco)

depois de me prometer uma demonstraccedilatildeo sobre Homero fica agora me enganando vocecirc faz mal mas se vocecirc

natildeo possui arte e por porccedilatildeo divina estando tomado por Homero e nada sabendo diz muitas e belas coisas

sobre o poeta ( conforme eu disse a seu respeito) vocecirc natildeo faz nada de mal Escolha entatildeo como vocecirc prefere

ser considerado por noacutes homem malfeitor ou divino - Iacuteon Haacute muita diferenccedila Soacutecrates Pois eacute mais belo ser

considerado divino- Soacutec para noacutes entatildeo algo mais belo lhe pertence Iacuteon ser divino e de Homero um louvador

sem arte]rdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ[]Εἰ μὲν οὖν τεχνικὸς ὤν ὅπερ νυνδὴ ἔλεγον περὶ Ὁμήρου ὑποσχόμενος ἐπιδείξειν ἐξαπατᾷς με

ἄδικος εἶ εἰ δὲ μὴ τεχνικὸς εἶ ἀλλὰ θείᾳ μοίρᾳ κατεχόμενος ἐξ Ὁμήρου μηδὲν εἰδὼς πολλὰ καὶ καλὰ λέγεις περὶ

τοῦ ποιητοῦ ὥσπερ ἐγὼ εἶπον περὶ σοῦ οὐδὲν ἀδικεῖς Ἑλοῦ οὖν πότερα βούλει νομίζεσθαι ὑπὸ ἡμῶν ἄδικος

ἀνὴρ εἶναι ἢ θεῖος [542b] ΙΩΝ Πολὺ διαφέρει ὦ Σώκρατες πολὺ γὰρ κάλλιον τὸ θεῖον νομίζεσθαι

ΣΩΚΡΑΤΗΣΤοῦτο τοίνυν τὸ κάλλιον ὑπάρχει σοι παρ ἡμῖν ὦ Ἴων θεῖον εἶναι καὶ μὴ τεχνικὸν περὶ Ὁμήρου

ἐπαινέτην

36

Idem Fedro 244 a ldquoSoacutecrates [] Isto seria verdade se a loucura fosse apenas um mal mas na verdade

poreacutem obtemos grandes bens de uma loucura inspirada pelos deuses []rdquo (Traduccedilatildeo de Jorge Paleikat Rio de

Janeiro Porto Alegre Ed Globo s data)

Σωκράτης []Εἰ μὲν γὰρ ἦν ἁπλοῦν τὸ μανίαν κακὸν εἶναι καλῶς ἂν ἐλέγετο νῦν δὲ τὰ μέγιστα τῶν ἀγαθῶν

ἡμῖν γίγνεται διὰ μανίας θείᾳ μέντοι δόσει διδομένης []

Ainda noutro trecho Ibidem 244d ndash 245a ldquoSoacutecrates [] Haacute ainda uma terceira espeacutecie de deliacuterio eacute

aquele inspirado pelas Musas Quando ele atinge uma alma virgem e pura transporta-a para um mundo novo e

inspira-lhe odes e outros poemas que celebram as gestas dos antigos e que servem de ensinamentos agraves novas

geraccedilotildeesrdquo (Traduccedilatildeo Ibidem)

Σωκράτης[] Ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν

γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα οἷς ἔδει ἀπαλλαγὴν ηὕρετο καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ

λατρείας ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα

καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη

E mais no diaacutelogo Fedro 265 ldquoSoacutecrates Em seguida classificamos o deliacuterio divino em quatro espeacutecies

um era o sopro profeacutetico de Apolo outro a inspiraccedilatildeo miacutestica de Dioniacutesio o terceiro o deliacuterio poeacutetico

inspirado pelas Musas e finalmente a quarta espeacutecie de deliacuterio devia-se agrave influecircncia de Afrodite e de Eros

Afirmamos que o deliacuterio causado pelo amor eacute o melhor de todos Natildeo soacute como noacutes que tambeacutem somos atingidos

pelo sopro do deus do amor afastando e aproximando-nos da verdade ao fazer um discurso ao qual natildeo faltava

sentido - pudemos compor um hino mitoloacutegico ao amor o deus dos jovens o teu o meu deusrdquo (Traduccedilatildeo

Ibidem) Σωκράτης Τῆς δὲ θείας τεττάρων θεῶν τέτταρα μέρη διελόμενοι μαντικὴν μὲν ἐπίπνοιαν Ἀπόλλωνος

θέντες Διονύσου δὲ τελεστικήν Μουσῶν δ᾽ αὖ ποιητικήν τετάρτην δὲ ἀφροδίτης καὶ Ἔρωτος ἐρωτικὴν

μανίαν ἐφήσαμέν τε ἀρίστην εἶναι καὶ οὐκ οἶδ᾽ ὅπῃ τὸ ἐρωτικὸν πάθος ἀπεικάζοντες ἴσως μὲν ἀληθοῦς τινος

ἐφαπτόμενοι τάχα δ᾽ ἂν καὶ ἄλλοσε παραφερόμενοι κεράσαντες οὐ παντάπασιν ἀπίθανον λόγον μυθικόν τινα

ὕμνον προσεπαίσαμεν μετρίως τε καὶ εὐφήμως τὸν ἐμόν τε καὶ σὸν δεσπότην ἔρωτα ὦ Φαῖδρε καλῶν παίδων

ἔφορον

25

Isto eacute o seu caraacuteter de loucura evidencia o descontrole e a irracionalidade distanciando

ainda mais o saber artiacutestico do cientiacutefico que eacute racional e controlado pelo homem proacuteprios

daqueles que possuem um saber-fazer uma teacutekhne Conclui-se entatildeo que Platatildeo opotildee arte

[teacutekhne] e inspiraccedilatildeo A teacutekhne sendo proacutepria das ciecircncias incluindo a sua atividade de

filoacutesofo e a inspiraccedilatildeo como proacutepria daquilo que hoje chamamos de arte de maneira geral

incluindo a atividade do pintor

O entendimento do descontrole humano no fazer artiacutestico que eacute visto em alguns

diaacutelogos platocircnicos como conflitante e oposto agrave racionalidade advinda da teacutekhne entendida

nesse contexto como saber-fazer racional por vezes sobrecai no estudo do fazer artiacutestico

velando o olhar agraves zonas intermediaacuterias do fazer da obra de arte Lugar onde eacute possiacutevel

encontrar certa irracionalidade e certa racionalidade concomitantemente

Descortinar as zonas cinzentas da operosidade da obra de arte eacute fundamental para que se

possa entender a Teoria da Formatividade que Pareyson propotildee ele natildeo usa a palavra

irracional propriamente dita nem mesmo inspiraccedilatildeo para falar do processo de produccedilatildeo da

obra de arte Mas tampouco situa o processo artiacutestico como um saber-fazer totalmente

controlado e sabido previamente e completamente racional Sobre os meandros do processo

artiacutestico Pareyson explica

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa co-possibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma37

37

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

26

Seguindo esse raciociacutenio natildeo seria absurdo relacionar esta obediecircncia agrave obra de arte que

Pareyson repetidamente invoca no processo de fabricaccedilatildeo artiacutestico a uma forccedila externa agrave

vontade do artista presente no fazer artiacutestico que tantos pensadores entre eles e pioneiramente

Platatildeo identificam Nas palavras de Pareyson ldquoEis aiacute o misteacuterio da arte a obra de arte se faz

por si mesma e no entanto eacute o artista que a fazrdquo38

Portanto aqui vemos um ponto onde Pareyson traz uma soluccedilatildeo entre as duas visotildees

divergentes dos dois filoacutesofos gregos ele traz a ideia que na arte o saber-fazer eacute adquirido no

momento do fazer por um inventar que segue a dinacircmica da proacutepria obra formante Isto eacute

para Pareyson o processo artiacutestico natildeo eacute completamente premeditado e controlado como

fruto de uma experiecircncia preacutevia que foi racionalizada como Aristoacuteteles descreve tampouco eacute

fruto de uma forccedila divina incontrolada pelo artista como se vecirc em alguns diaacutelogos de Platatildeo

Em suma se por um lado Aristoacuteteles entende as artes como racionais e passiacuteveis de

serem aprendidas atraveacutes da racionalizaccedilatildeo da experiecircncia por outro lado Platatildeo identifica as

artes como inspiradas e portanto traz a ideia de que a arte natildeo pode ser aprendida e nem

sequer ser produzida por meios racionais pois natildeo haveria esse sentido especiacutefico de teacutekhne

presente na atividade do artista

Esse entendimento de Platatildeo ajuda a explicar porque o fundador da Academia natildeo

costuma incluir as atividades do poeta do pintor e de outros artistas como similares agraves teacutekhnai

em geral como seraacute mostrado a seguir

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e indipendente da imporsi al suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della crealivitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p329)

38

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p78 ldquoCheacute questo egrave il grande misterio dellrsquoarte lrsquoopera drsquoarte si fa da seacute eppure la fa lrsquoartistardquo (Idem Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p61)

27

15 Teacutekhne como operosidade humana e arte como parte das teacutekhnai

Outro ponto de divergecircncia entre Aristoacuteteles e seu predecessor a respeito dos conceitos

correlatos a teacutekhne eacute como foi sugerido acima a relaccedilatildeo das artes com outras teacutecnicas

humanas ou melhor outras atividades tecnoloacutegicas humanas Diferente de Platatildeo Aristoacuteteles

frequentemente inclui as atividades artiacutesticas como uma das teacutekhnai39

Isto eacute o estagirita

entende a atividade artiacutestica paralelamente em conjunto com todas as outras atividades e

saberes humanos de forma anaacuteloga

O fato de Aristoacuteteles ter escrito a Poeacutetica texto dedicado a discorrer exclusivamente

sobre as questotildees concernentes agrave ldquopoietikeacute teacutekhnerdquo - expressatildeo que neste contexto pode ser

definida por ldquoarte poeacuteticardquo mesmo de poesia no sentido estrito do termo - comprova por si soacute

que ele incluiu as artes (na acepccedilatildeo que entendemos hoje) no acircmbito do conjunto das teacutekhnai

E natildeo como Platatildeo normalmente indicava em oposiccedilatildeo para com as atividades racionais que

satildeo acompanhadas de conhecimentos teacutecnicos tal como a atividade do meacutedico ou do

marceneiro

Ou seja tal como foi mostrado no item anterior pode-se supor que Platatildeo costumava

isolar as artes tal como as entendemos hoje ie a pintura escultura teatro muacutesica situando-

as separadas das atividades racionais e teacutecnicas atividades estas que em vaacuterios de seus

diaacutelogos aparecem circunscritas como atividades guiadas pelas Musas enfatizando assim um

caraacuteter divino e irracional

Esse aspecto do conceito das teacutekhnai em Aristoacuteteles que inclui as atividades artiacutesticas

tal como as entendemos hoje no acircmbito de todas as outras atividades e saberes humanos eacute

fundamental para o entendimento do pensamento de Pareyson que tambeacutem natildeo separa a

atividade do artista das outras atividades humanas Diz ele que a formatividade natildeo eacute

exclusividade da arte mas sim de qualquer atividade produtiva humana ldquo[] O aspecto

39

Cf Verbete ltarte-teacutekhnegt In PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo

Paulo Ed Martins Fontes 2010 p11-12

28

essencial da arte eacute o produtivo realizativo executivo Mas tambeacutem aqui eacute preciso natildeo

esquecer que todas as atividades humanas tecircm um lado executivo e realizativo []rdquo 40

Esse raciociacutenio sobre a relaccedilatildeo entre arte e as outras atividades humanas embasa a

Teoria da Formatividade de forma central como fica expliacutecito nesse trecho do prefaacutecio da

ediccedilatildeo de 1988 do livro homocircnimo

O livro estuda a formatividade em todo o acircmbito da formatividade humana

indicando em cada operaccedilatildeo do homem aquele caraacuteter formativo pelo qual

ela eacute ao mesmo tempo produccedilatildeo e invenccedilatildeo no sentido esclarecido Mas

demora-se mais a considerar sobretudo que caracteriacutesticas essa

formatividade assume uma vez que se especifica na arte no sentido

propriamente dito 41

Ainda nas palavras dele retiradas do livro Os Problemas da Esteacutetica ldquoMas a

especificaccedilatildeo da arte natildeo deve isolaacute-la do resto ela soacute tem sentido se considerada sobre o

fundo da extensatildeo da arte sobre toda a operosidade humanardquo 42

Mais adiante ele completa

ldquoA arte verdadeira e propriamente dita natildeo teria mais lugar se toda a operosidade humana

natildeo tivesse jaacute um caraacuteter ldquoartiacutesticordquo que ela prolonga aprimora e exaltardquo 43

Nesses trechos acima citados fica evidente que a colocaccedilatildeo de Pareyson natildeo eacute apenas

uma questatildeo de equivalecircncia isto eacute pensar as artes no conjunto das outras atividades sem

discriminaacute-las ou isolaacute-las como dos outros fazeres Mas eacute sobretudo uma questatildeo de natildeo

separaccedilatildeo das operosidades humanas como um todo

40

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p31 ldquo[] che laspetto essenziale dellarte egrave quello produttivo realizzativo esecutivo

Ma anche qui non bisogna dimenticare che tutte le attivitagrave umane hanno un lato esecutivo e realizzativo

[]rdquo(Idem Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p231)

41

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 (Prefaacutecio do autor da ediccedilatildeo de 1988)

42

Idem Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p37 ldquoMa la specificazione dellarte non deve isolare larte dal resto essa ha senso solo se accampata

sullo sfondo dellestensione dellarte allintera operositagrave umanardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235)

43

Ibidem op cit p38 ldquo Larte vera e propria non avrebbe mai luogo se lintera operositagrave umana non avesse

giagrave un carattere laquoartisticoraquo chessa prolunga raffina ed esaltardquo (Ibidem op cit p235)

29

Todavia esse entendimento de conexatildeo indissoluacutevel entre o saber produtivo da arte e

os outros campos dos saberes produtivos humanos natildeo desqualifica ou nivela a arte que claro

tem muitas especificidades especificidades estas minuciosamente estudadas pelo professor de

Turim

Vale ressaltar que essa relaccedilatildeo da atividade artiacutestica para com as outras atividades

humanas eacute uma das questotildees mais complexas para se pensar sobre a arte Uma compreensatildeo

apressada sobre essa relaccedilatildeo pode acarretar distorccedilotildees sobre as reais diferenccedilas e

similaridades entre a produccedilatildeo da arte e de qualquer outra atividade como Pareyson alerta

Eis o problema das relaccedilotildees da arte com as outras atividades humanas que eacute

dos mais importantes da esteacutetica e tambeacutem dos mais complexos dada a

variedade dos liames que mais ou menos estreita a inextricavelmente

instituem-se entre as atividades do homem 44

Uma destas distinccedilotildees que natildeo se localiza no interior do processo artiacutestico

propriamente dito corresponde agrave eterna celeuma da relaccedilatildeo arte-artesanato Que por um lado

pode identificar a atividade artiacutestica como um mero fazer ldquomecacircnicordquo no sentido braccedilal

reduzindo a arte agrave mera teacutecnica sem que se verifique que arte natildeo eacute e natildeo pode ser reduzida agrave

tecnicidade da produccedilatildeo de uma obra pois eacute necessaacuterio que se leve em conta todo o processo

de elaboraccedilatildeo intelectual e imaginativa do artista

No entanto por outro lado a desvalorizaccedilatildeo do aspecto tecnicista e fabril da

elaboraccedilatildeo de uma obra de arte pode ainda enveredar para uma noccedilatildeo de arte isolada de

tudo45

localizando-a no acircmbito de um fazer inexplicaacutevel e inserida-a numa categoria do

irracional ou ateacute mesmo no campo do divino como por vezes Platatildeo o fez 46

44

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p38 ldquoEcco il problema dei rapporti dellarte con le altre attivitagrave chegrave uno dei piugrave importanti

dellestetica e anche dei piugrave complessi data la varietagrave dei legami che piugrave o meno strettamente e

inestricabilmente sistituiscono fra le attivitagrave delluomordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p236)

45

Cf Ibidem op cit p41-42

46

Cf Iacuteon e Fedro de Platatildeo

30

Ou ainda e sobretudo na contemporaneidade por parte de algumas linhas de

raciociacutenio haacute alguns que enveredaram por transformar em artiacutestica toda e qualquer atividade

como se tudo fosse embebido de arte numa tentativa de inserir a arte em tudo e

transformando todos em artistas ignorando assim as vaacuterias especificidades da atividade

artiacutestica e seus meandros Isso ateacute que pode ser beneacutefico se for feito consciente das

especificidades da operosidade artiacutestica e sua relaccedilatildeo simbioacutetica com a operosidade humana

Contudo essa problemaacutetica geralmente envereda para um esvaziamento da arte em si

e para a perda do entendimento das especificidades que a operosidade artiacutestica pode trazer agrave

vida como se tudo fosse especial o tempo todo nesse sentido o especial da arte perde sua

razatildeo de ser Sobre esta questatildeo nas palavras de Pareyson

[] hoje natildeo faltam aqueles que reparando precisamente em como haacute um

caraacuteter artiacutestico inerente a toda e qualquer atividade humana intervindo em

qualquer lugar onde se alcance um ecircxito seja em que campo for

preocupam-se pouco depois com distinguir a arte verdadeira e propriamente

dita desta artisticidade geneacuterica Disso resulta que natildeo se garante

suficientemente a especificidade da arte e que natildeo se lhe oferece um reino

proacuteprio ainda que estreitamente unido com todo o resto (1989 p35) 47

47

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p35 ldquo[] non mancano oggi coloro che giustamente rilevando come un carattere

artistico inerisce a tutta intera lattivitagrave umana intervenendo ovunque si raggiunga la riuscita in qualsiasi

campo si preoccupano poco in seguito di distinguere da questa generica artisticitagrave larte vera e propria col

risultato di non garantire sufficientemente la specificazione del arte e di non offrirle un regno proprio anche se

strettamente congiunto con tutto il restordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash

a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p233)

31

16 Teacutekhne e phyacutesis48

[natureza - entes naturais]

Outro ponto importante que vale ser destacado sobre como Aristoacuteteles define as teacutekhnai

eacute a relaccedilatildeo simeacutetrica entre estas como domiacutenio dos conhecimentos e atividades humanos e o

domiacutenio do conhecimento e atividade da phyacutesis [natureza] que serve como paradigma para a

primeira49

Esta simbioacutetica relaccedilatildeo pode ser verificada na leitura da tatildeo citada frase do filoacutesofo

grego ldquohe teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesinrdquo isto eacute [arte [teacutekhne] imita [mimeicirctai] a natureza

[phyacutesis]] (Fiacutesica II 194a) 50

nesta breve sentenccedila identifica-se os termos desta relaccedilatildeo ou

seja o entendimento de teacutekhne em Aristoacuteteles estaacute intimamente conectado com o conceito de

phyacutesis51

Relaccedilatildeo que define e fundamenta o conceito de teacutekhne [arte] como imitaccedilatildeo outra

definiccedilatildeo que eacute central no pensamento do estagirita

No entanto a definiccedilatildeo de arte como imitaccedilatildeo da natureza natildeo pode ser pensada como

mera coacutepia servil pois a relaccedilatildeo entre arte e natureza que se pode fazer a partir da leitura de

Aristoacuteteles propotildee a ideia da natureza como paradigma da teacutecnica ou seja propotildee uma

correlaccedilatildeo e um paralelismo entre teacutekhne e phyacutesis que culmina no entendimento de que as

teacutekhnai por vezes completam a natureza fazendo aquilo que ela (a natureza) natildeo faz Outro

ponto importante que esse binocircmio teacutekhnai-phyacutesis traz eacute a ideia de e que as coisas fabricadas

48

Phyacutesis no contexto da frase deve ser entendida como natureza como os ldquoentes naturaisrdquo e natildeo

necessariamente como a natureza no sentido de ldquomatildee naturezardquo Como explica Lucas Angioni ldquoAo leitor

contemporacircneo talvez seja estranho o uso que Aristoacuteteles faz do termo natureza (physis) Eacute preciso delimitar

sob qual sentido precisamente tal termo designa o objeto de interesse do livro II da Fiacutesica Em Metafiacutesica V 4

Aristoacuteteles distingue vaacuterios sentidos de physis (i) physis no sentido de processo pelo qual algo nasce

(1014b 16-8 c f 193b 12-3) (ii) physis como princiacutepio de onde se daacute o movimento primeiro em cada ente

natural em si mesmo enquanto ele eacute ele mesmo (1014b 18-20 cf 192b 20-3) ( iii) physis no sentido de coisa

ou substacircncia a que atribuiacutemos propriedades (1015 11 -3 c f 193 32-3) e de modo mais geral realidade

subjacente ao discurso (cf Metafiacutesica 1003a 27 l053b 13 As partes dos animais 639a 10) Eacute raro no

vocabulaacuterio aristoteacutelico o sentido de natureza que para noacutes eacute o mais corriqueiro a matildee-natureza o

conjunto de todos os seres naturais o ambiente terrestre em seu todo enquanto conjunto de seres naturaisrdquo

(ANGIONI Lucas Comentaacuterios In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas

Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p195) Tambeacutem cf Em PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de

Aristoacuteteles Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p 46-47 e PETERS FE Termos

filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian

1977 p 189-190

49

Esta passagem que inicia o Livro II da Fiacutesica eacute bastante exclarecedora sobre como Aristoacuteteles entende os

entes naturais e a relaccedilatildeo da teacutecnica com eles Cf BITTAR Eduardo CB Curso de Filosofia Aristoteacutelica ndash

leitura e interpretaccedilatildeo do pensamento aristoteacutelico Barueri Ed Manole 2003 p 382-385

50

Em grego transliterado he teacutekhneacute mimeicirctai tegraven phyacutesin (ARISTOacuteTELES Fiacutesica II 2 194 a) As problemaacuteticas

concernentes agraves definiccedilotildees de miacutemesis seratildeo abordadas no capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo

51

GORBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p119

32

pela teacutekhne tecircm mecanismos anaacutelogos agraves coisas fabricadas pela natureza52

Nas palavras de

Aristoacuteteles

Em geral a teacutecnica perfaz certas coisas que a natureza eacute incapaz de elaborar

e a imita Assim se as coisas que satildeo conforme lsquoa teacutecnicarsquo satildeo em vista de

algo evidentemente tambeacutem o satildeo as coisas conforme lsquoa naturezarsquo pois os

itens posteriores e os itens anteriores comportam-se entre si de maneira

semelhante nas coisas que resultam da teacutecnica e nas coisas que resultam da

natureza (Fiacutesica II 199a 8- 20) 53

E assim como o estagirita Pareyson faz uma correlaccedilatildeo entre os entes naturais e as

obras de arte esse paralelismo se configura como a base da noccedilatildeo de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo que o filoacutesofo de Turim cunha Nas palavras dele ldquoComo as coisas da natureza

assim tambeacutem as obras de arte possuem o traccedilo de serem puras existecircncias que se datildeo

inteiramente em sua presenccedila fiacutesica []rdquo 54

Tanto o destaque que Pareyson faz da relaccedilatildeo arte-natureza como as diferenccedilas e

similaridades para com a relaccedilatildeo que Aristoacuteteles faz entre teacutekhne e phyacutesis satildeo aspectos

fundamentais para entender o raciociacutenio sobre a ontologia e da autonomia da obra de arte no

pensamento do filoacutesofo italiano que por sua vez eacute um dos pilares do conceito de arte como

ldquoformardquo

Essa questatildeo acerca do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo a partir do estudo da

filosofia aristoteacutelica seraacute amplamente estudada no capiacutetulo II desta dissertaccedilatildeo Pois embora

este tambeacutem possa ser considerado um ponto de intersecccedilatildeo entre os pensamentos de

Aristoacuteteles e Pareyson a maneira como Pareyson ldquotomardquo os conceitos aristoteacutelicos ultrapassa

52

Ver mais nos comentaacuterios de Angioni In ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de

Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp 2009 p 214-215

53

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p58 Ἕνεκα ἄρα θατέρου θάτερον Ὅλως δὲ ἡ τέχνη τὰ μὲν ἐπιτελεῖ ἃ ἡ φύσις ἀδυνατεῖ ἀπεργάσασθαι τὰ δὲ

μιμεῖται Εἰ οὖν τὰ κατὰ τέχνην ἕνεκά του δῆλον ὅτι καὶ τὰ κατὰ φύσιν ὁμοίως γὰρ ἔχει πρὸς ἄλληλα ἐν τοῖς κατὰ

τέχνην καὶ ἐν τοῖς κατὰ φύσιν τὰ ὕστερα πρὸς τὰ πρότερα

54

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquoCome le cose della natura cosigrave le opere dellarte hanno il carattere desser pure esistenze

che si danno interamente nella loro presenza fisica[]rdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

33

o sentido de diaacutelogo e de interpretaccedilatildeo se configurando mesmo como uma apropriaccedilatildeo que

Pareyson fez de certos pontos da filosofia aristoteacutelica para assim construir uma das chaves

fundamentais e centrais da sua Teoria da Formatividade isto eacute o conceito de ldquoformardquo

Outro ponto apenas esboccedilado aqui ou seja as problemaacuteticas concernentes em torno

das noccedilotildees Platocircnica e Aristoteacutelica de miacutemesis tambeacutem seratildeo esmiuccediladas mais adiante no

capiacutetulo III desta dissertaccedilatildeo Pois tambeacutem embora sejam intersecccedilotildees entre Platatildeo

Aristoacuteteles e Pareyson as possibilidades de abordagem deste assunto prescindem ainda das

definiccedilotildees de ldquoformardquo e ldquoformatividaderdquo pareysonianas que seratildeo assunto do capiacutetulo II

17 Poiacuteesis como produccedilatildeo

Poiacuteesis eacute outra palavra que natildeo corresponde nem ao ars latino muito menos aos

muitos significados de arte empregados hoje Algumas sutis poreacutem esclarecedoras diferenccedilas

valem ser ressaltadas

Tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles poiacuteesis pode ser entendida como sinocircnimo de

criaccedilatildeo fabricaccedilatildeo confecccedilatildeo fazer produccedilatildeo isto eacute a accedilatildeo de produzir alguma coisa

Contudo ambos os filoacutesofos tambeacutem utilizam a palavra poiacuteesis para se referir agrave poesia no

sentido estrito do termo Essa acepccedilatildeo corresponde a um dos sentidos de poesia que se usa

ainda hoje ie poesia como a poesia mesma eg a poesia de Homero podendo ser escrita

falada cantada

Jaacute o termo utilizado por eles no sentido lato difere consideravelmente do entendimento

de poesia que muitas vezes se lecirc em textos atuais ie o sentido de poeacutetico como ldquoartiacutesticordquo

ligado agraves noccedilotildees de sensibilidade e de expressividade Pois no caso de Platatildeo e ateacute mesmo em

Aristoacuteteles poiacuteesis eacute mais utilizada no sentido de produzir mesmo o de produzir qualquer

coisa natildeo necessariamente uma obra artiacutestica ou poeacutetica (poesia mesma) e principalmente

sem o caraacuteter de expressividade subjetiva que por vezes o termo carrega atualmente

34

Todavia eacute a ideia de poiacuteesis na acepccedilatildeo lata do termo que os gregos usualmente

utilizavam isto eacute o sentido de produccedilatildeo eacute essa acepccedilatildeo que interessa aqui no momento

como nessa passagem de Aristoacuteteles

[1140a 6] Dado que a arte de edificar eacute certa teacutecnica e precisamente certa

habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e dado que natildeo haacute teacutecnica alguma

que natildeo seja habilitaccedilatildeo [hexis] racional para produzir e natildeo haacute nenhuma

habilitaccedilatildeo [hexis] desse tipo que natildeo seja teacutecnica equivalem ao mesma

ldquoteacutecnicardquo e ldquohabilitaccedilatildeo [hexis] para produzir por raciociacutenio verdadeirordquo

[1140a10] Toda teacutecnica diz respeito ao vir a ser isto eacute a empreender e

examinar como se engendra algo que pode ser e natildeo ser e cujo princiacutepio

reside no produtor natildeo na coisa produzida [] (Eacutetica a Nicocircmaco 1140a 6-

10) 55

Entendam-se aqui as palavras teacutecnica e arte como traduccedilatildeo de teacutekhne e produzir como

traduccedilatildeo de poiacuteesis Pois parecer ser claramente essa a definiccedilatildeo de poiacuteesis anaacuteloga ao

sentido de teacutekhne que foi retomada por Pareyson na base da Teoria da Formatividade como

fica expliacutecito nesse trecho de seu livro homocircnimo ldquoOcioso seria insistir no evidente aspecto

realizativo executivo e ldquopoieacuteticordquo da formatividade formar significa antes de mais nada

ldquofazerrdquo poien em gregordquo56

55

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011 ἐπεὶ δ᾽ ἡ οἰκοδομικὴ τέχνη τίς ἐστι καὶ ὅπερ ἕξις

τις μετὰ λόγουποιητική καὶ οὐδεμία οὔτε τέχνη ἐστὶν ἥτις οὐ μετὰ λόγου ποιητικὴ ἕξις ἐστίν οὔτετοιαύτη ἣ οὐ

τέχνη ταὐτὸν [10] ἂν εἴη τέχνη καὶ ἕξις μετὰ λόγου ἀληθοῦς ποιητική ἔστι δὲ τέχνη πᾶσα περὶ γένεσινκαὶ τὸ

τεχνάζειν καὶ θεωρεῖν ὅπως ἂν γένηταί τι τῶν ἐνδεχομένων καὶ εἶναι καὶ μὴεἶναι καὶ ὧν ἡ ἀρχὴ ἐν τῷ ποιοῦντι

ἀλλὰ μὴ ἐν τῷ ποιουμένῳ οὔτε γὰρ τῶν ἐξἀνάγκης ὄντων ἢ γινομένων ἡ

Outra traduccedilatildeo do trecho acima disponiacutevel em portuguecircs ldquoOra como a arquitetura eacute uma arte sendo

essencialmente uma capacidade raciocinada de produzir e nem existe arte alguma que natildeo seja uma

capacidade desta espeacutecie nem capacidade desta espeacutecie que natildeo seja uma arte segue-se que a arte eacute idecircntica a

uma capacidade de produzir que envolve o reto raciociacuteniordquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de

Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross In ______ Os Pensadores IV- 1ordf Ed Satildeo

Paulo Ed Abril Cultural 1973 p343)

56

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p59 ldquoInutile insistire sullrsquoevidente aspetto realizativo esecutivo e poeacutetico della formativitagrave

formare significa anziutto lsquofarersquo poiecircnrdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p43)

35

18 Teacutekhne poietikoacutes

Na Metafiacutesica Aristoacuteteles divide as ciecircncias [epistecircme] 57

em trecircs grupos pratike

(praacutexis) poietike (teacutekhne poietike) e theoretike (theoria) 58

e o grupo que diz respeito agraves artes

eacute o das ldquociecircncias produtivasrdquo ou ldquoartes poeacuteticasrdquo [teacutekhnai poietikoacutes] 59

Pensadas como sinocircnimos em algumas passagens do filoacutesofo estagirita e traduzidas

como tal por alguns especialistas a relaccedilatildeo entre teacutekhne e poiacuteesis em Aristoacuteteles eacute

fundamental para a demarcaccedilatildeo e entendimento da sutil poreacutem fundamental distinccedilatildeo entre a

produccedilatildeo de uma obra e o saber que envolve este fazer produtivo e que possibilita a realizaccedilatildeo

da obra em si A relaccedilatildeo do saber-fazer com o fazer produtivo eacute uma das chaves para entender

como Aristoacuteteles pensava a atividade artiacutestica uma atividade que inclui um saber necessaacuterio

para a possibilidade de um fazer produtivo

Partindo do conceito duplo de teacutekhne poietikoacutes cunhado por Aristoacuteteles60

Pareyson vai

ainda mais longe para explicar a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o saber e o produzir da obra de arte

isto eacute ele traz agrave tona que o saber-fazer da arte eacute adquirido no momento do fazer propriamente

57

ldquoAristoacuteteles emprega com frequecircncia como os outros filoacutesofos e cientistas gregos os termos episteacuteme e teacutekhne

(ldquoarterdquo) como sinocircnimos Contudo a ciecircncia natildeo tem como finalidade a produccedilatildeo exceto as ldquociecircncias

poeacuteticasrdquo A ciecircncia tambeacutem se distingue da percepccedilatildeo e da experiecircncia na medida em que se move na esfera

do universalrdquo (Verbete CIEcircNCIA - episteacuteme) (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles Trad Claudia

Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p21-23)

58ldquoAristoacuteteles distingue trecircs tipos de ciecircncia (Cf Metafiacutesica E 1) As ciecircncias teoreacuteticas ndash isto eacute contemplativas

ndash cujo objeto deve ser necessaacuterio e eterno Satildeo elas que satisfazem mais completamente as condiccedilotildees da ciecircncia

Aristoacuteteles distingue trecircs grandes teoreacuteticas cada uma das quais pode ser subdividida a matemaacutetica a fiacutesica e

a teologia Quanto agraves ciecircncias praacuteticas elas tratam do que concerne agraves accedilotildees humanas satildeo elas a eacutetica o

econocircmico e a poliacutetica que eacute na ordem praacutetica a ciecircncia suprema (cf Cidade) As ldquociecircncias poieacuteticasrdquo satildeo na

verdade artesrdquo PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa

Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p 78-79

59

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica E 1 1025b 20-25 Pois bem eacute evidente que a fiacutesica natildeo eacute ciecircncia praacutetica nem

produtiva de fato o princiacutepio das produccedilotildees estaacute naquele que produz seja no intelecto seja na arte ou noutra

faculdade e o princiacutepio das accedilotildees praacuteticas estaacute no agente na voliccedilatildeo enquanto coincidem com o objeto da

accedilatildeo praacutetica e da voliccedilatildeo Portanto se todo conhecimento racional eacute ou praacutetico ou produtivo ou teoreacutetico

[]]rdquo (ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volume II Traduccedilatildeo de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de

Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p270-271 Tambeacutem ver a explicaccedilatildeo sobre trecho em

REALI Comentaacuterios In Idem Metafiacutesica - volume III traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo

Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p305) περὶ [20] γὰρ τὴν τοιαύτην ἐστὶν οὐσίαν ἐν ᾗ ἡ ἀρχὴ τῆς κινήσεως καὶ

στάσεως ἐν αὐτῇ) δῆλον ὅτι οὔτε πρακτική ἐστιν οὔτε ποιητική (τῶν μὲν γὰρ ποιητῶν ἐν τῷ ποιοῦντι ἡ ἀρχή ἢ νοῦς

ἢ τέχνη ἢ δύναμίς τις τῶν δὲ πρακτῶν ἐν τῷ πράττοντι ἡ προαίρεσις middot τὸ αὐτὸ γὰρ τὸ πρακτὸν καὶ προαιρετόν)

[25] ὥστε εἰ πᾶσα διάνοια ἢ πρακτικὴ ἢ ποιητικὴ ἢ θεωρητική ἡ φυσικὴ θεωρητική τις ἂν εἴη []

60

Por exemplo como na passagem op cit da Eacutetica agrave Nicocircmaco VI 1140 a

36

dito daiacute a diferenccedila entre o saber teacutecnico da arte e o das outras atividades humanas

Entretanto isto natildeo significa que a arte natildeo prescinda de um conhecimento teacutecnico ou de

regras apenas marca que essas teacutecnicas e regras se configuram conjuntamente com o produzir

e natildeo previamente como fica explicitado nesses dois trechos do livro Os Problemas da

Esteacutetica

Analisando bem nada pode fazer-se sem regra nem mesmo uma obra de

arte o fato eacute que enquanto nas outras atividades a regra se inspira em leis de

caraacuteter geral na arte pelo contraacuterio natildeo haacute outra lei senatildeo a regra

individual [] E o fato de que a regra seja inventada pelo artista no ato de

fazer a obra natildeo elimina que a legalidade da arte seja rigorosa e muito

severa a operaccedilatildeo artiacutestica consiste precisamente no instaurar com livre

inventividade uma necessidade feacuterrea e inviolaacutevel uma vez que a obra falha

se o artista natildeo faz o que ela proacutepria quer que ele faccedila 61

19 Poiacuteesis versus praacutexis

E por fim para Aristoacuteteles poiacuteesis62

tambeacutem ganha uma distinccedilatildeo importante com

relaccedilatildeo a outro conceito o de praacutexis63

A primeira visando agrave produccedilatildeo de uma obra - coisa e a

segunda caracterizada como a accedilatildeo propriamente dita sem resultar numa obra em si ie 61

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 130 ldquoA ben vedere nulla si puograve fare senza regola nemmeno unopera darte il fatto egrave

che mentre nelle altre attivitagrave la regola sispira a leggi di carattere generale invece nellrsquoarte non cegrave altra

legge che la regola individuale [] E il fatto che la regola sia inventata dallrsquoartista nellrsquoatto di fare lrsquoopera non

toglie che la legalitagrave dellrsquoarte sia rigorosa e severissima lrsquooperazione artistica consiste precisamente

nellinstaurare con libera inventivitagrave una necessitagrave ferrea e inviolabile giaccheacute lopera fallisce se lartista non fa

ciograve chessa stessa vuole chegli facciardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p317-318 )

62

ldquoPoiacuteesis Operaccedilatildeo fabricaccedilatildeo em oposiccedilatildeo agrave accedilatildeo imanente Aristoacuteteles mostra alternadamente a reflexatildeo

que preside agrave pracircxis e agrave poiacuteesis (Et Nic VI I 4-5) e depois insiste em marcaacute-las como duas atividades distintas

(ibid VI IV 5)rdquo (GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins

Fontes 2007 p119)

63

ldquoPracircxis Accedilatildeo oposta agrave atividade fabricadora (poiacuteesis) eacute assim que a moral se distingue da arte (teacutekhne)rdquo

GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007

p12 Embora como explica Lucas Angioni deva se tomar cuidado com esta distinccedilatildeo nas palavras de Angioni

ldquoEm Eacutetica agrave Nicomaco1140a1-6 Aristoacuteteles introduz uma distinccedilatildeo entre accedilatildeo ndash aquilo que noacutes fazemos

racionalmente (sem envolver necessariamente o engendramento de um produto distinto da accedilatildeo) ndash e produccedilatildeo ndash

um conjunto de operaccedilotildees racionais que conduzimos para engendrar um produto distinto da accedilatildeoEssa

distinccedilatildeo deve ser avaliada com ponderaccedilatildeordquo (ANGIONI Lucas Phronesis e Virtude do Caraacuteter em

Aristoacuteteles Comentaacuterios a Eacutetica a Nicocircmaco VI Dissertatio nordm34 (p303 ndash 345) - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) p316 Campinas 2011)

37

praacutexis se configura mormente como um termo mais usado no sentido moral e eacutetico Como

fica claro nessa passagem da Eacutetica a Nicocircmaco

Entre as coisas que podem ser de outro modo haacute aquilo que se pode produzir

e aquilo que podemos fazer Satildeo coisas distintas a produccedilatildeo e a accedilatildeo (a

respeito desse assunto fiamo-nos tambeacutem nas obras divulgadas)

Consequentemente tambeacutem satildeo coisas distintas a habilitaccedilatildeo racional para

agir e a habilitaccedilatildeo racional para produzir Por isso essas coisas natildeo estatildeo

contidas uma na outra nem a accedilatildeo eacute produccedilatildeo nem a produccedilatildeo eacute accedilatildeo

(1140 a 1-5) 64

Portanto a partir dessa breve anaacutelise pode-se concluir que em Aristoacuteteles a poeacutetica

tem o sentido muito claro ligado agrave produccedilatildeo de uma obra e natildeo apenas num fazer somente e

mais ainda num fazer que produzisse coisas Eacute a partir desses entendimentos de poiacuteesis tanto

no sentido estrito do termo como no lato que Aristoacuteteles escreve a Poietikeacute ndash Peri Poietikes

[Do poeacutetico]

A Poeacutetica eacute sobretudo o estudo de um saber-fazer da produccedilatildeo poeacutetica [teacutekhne

poietikoacutes] que pode ser estudado minuciosamente O tratado que apenas parcialmente chegou

ateacute noacutes eacute uma espeacutecie de texto normativo sobre o fazer artiacutestico de produccedilatildeo de coisas no

caso ali da obra teatral a parte que conhecemos enfatiza as questotildees da Trageacutedia e da

Epopeia embora discorra sobre vaacuterias outras artes inclusive a pintura 65

64

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia (Universidade

Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τοῦ δ᾽ ἐνδεχομένου ἄλλως ἔχειν ἔστι τι καὶ ποιητὸν καὶ πρακτόν ἕτερον δ᾽ ἐστὶποίησις καὶ πρᾶξι(πιστεύομεν

δὲ περὶ αὐτῶν καὶ τοῖς ἐξωτερικοῖς λόγοις) ὥστεκαὶ ἡ μετὰ λόγου ἕξις πρακτικὴ ἕτερόν ἐστι τῆς μετὰ λόγου

ποιητικῆς ἕξεως διὸ οὐδὲ περιέχεται ὑπ᾽ ἀλλήλων οὔτε γὰρ ἡ πρᾶξις ποίησις οὔτε ἡ ποίησιςπρᾶξίς ἐστιν

Outra traduccedilatildeo do trecho acima ldquoNa classe do variaacutevel incluem-se tanto coisas produzidas como coisas

praticadas Haacute uma diferenccedila entre produzir e agir (quanto agrave natureza de ambos consideramos como assente o

que temos dito mesmo fora de nossa escola) de sorte que a capacidade raciocinada de agir difere da

capacidade raciocinada de produzir Daiacute tambeacutem o natildeo se incluiacuterem uma na outra porque nem agir eacute

produzir nem produzir eacute agirrdquo (Ibidem Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versatildeo inglesa de

W D Ross In ARISTOacuteTELES 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 (Coleccedilatildeo ldquoOs Pensadoresrdquo v IV)

p343)

65

Cf CARCHIA Gianni e DrsquoANGELO Paolo (direccedilatildeo) Dicionaacuterio de Esteacutetica Traduccedilatildeo Abilio Queiroacutes e

Joseacute Correia Serra Lisboa Ediccedilotildees 70 1999 p 283-284

38

Aqui se destaca outro aspecto fundamental sobre o recurso aos conceitos gregos que

Pareyson utiliza a importacircncia da obra de arte como resultado necessaacuterio Ou seja a arte eacute

um tipo de fazer que visa agrave produccedilatildeo de uma obra isto eacute sem obra sem resultado e mais

sem produto natildeo haacute fazer natildeo haacute arte Esse tambeacutem eacute um dos pontos essenciais da esteacutetica

do filoacutesofo de Turim

Esse destaque agrave importacircncia da obra fabricada da coisa mesma como central ao proacuteprio

fazer artiacutestico leva a outro conceito de Aristoacuteteles que Pareyson destaca como fundamental

aos estudos de arte que satildeo formulados por ele na Teoria da Formatividade o de

ldquoorganismordquo Como fica explicitado nesse trecho de Pareyson

Primeiro a concepccedilatildeo antiga de arte como poieicircn como ldquofazerrdquo na qual

todavia permaneceraacute agrave sombra a distinccedilatildeo entre arte no sentido verdadeiro e

proacuteprio e a arte mera teacutecnica e em segundo lugar o conceito natildeo menos

antigo de organismo como foi admiravelmente definido e entregue agrave

discussatildeo de toda a histoacuteria da Filosofia por Platatildeo e sobretudo Aristoacuteteles

Mas essa dupla tradiccedilatildeo deveria ser considerada nos seus desenvolvimentos

modernos66

110 Apontamentos sobre definiccedilotildees de ars

Feita a breve revisatildeo dos principais sentidos dos termos gregos poiacuteesis e teacutekhne vale

retomar a origem do termo arte em portuguecircs que vem natildeo do grego mas do ars latino Em

latim o termo tambeacutem aparece com definiccedilotildees similares agraves apontadas para poiacuteesis e teacutekhne

unindo num soacute termo as acepccedilotildees mais recorrentes das duas palavras em grego como explica

Umberto Eco

[] a opiniatildeo dos medievais sobre a ars de facto salvo numerosas e tiacutepicas

flutuaccedilotildees que uma anaacutelise minuciosa conseguiria explicar manteve-se

quase unacircnime e ancorada numa doutrina claacutessica e intelectualista do fazer

humano [] As definiccedilotildees citadas implicam dois elementos basilares um

66

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p10 ( Pressaacuterio do autor agrave ediccedilatildeo de 1988)

39

cognitivo (ratio cogitare) e o outro produtivo (faciendi factibilium) e nesses

pressupostos baseiam-se a doutrina da arte 67

Isto eacute dentre os vaacuterios significados em que ars aparece em textos latinos na maioria

das vezes o mais recorrente eacute o sentido de ofiacutecio de habilidade adquirida pelo estudo praacutetica

Nas palavras de Eco ldquoA arte eacute um conhecimento de regras atraveacutes do qual podem ser

produzidas coisasrdquo 68

E mais adiante ele atenta ldquoA arte inscreve-se no domiacutenio do fazer natildeo

do agirrdquo 69

retomando assim a distinccedilatildeo entre poieicircn (fazer-produzir) e praacutexis (agir) que

Aristoacuteteles estabeleceu

111 Arte como ecircxito

No entanto um olhar para a etimologia da palavra em latim leva a outro sentido

particular e com uma leve diferenccedila entre os significados de teacutekhne em grego e do ars em

latim Do ponto de vista lexical ars tem uma ligaccedilatildeo com o termo artus [estreito] cujo

sentido primitivo eacute tambeacutem ldquobem ajustadordquo ldquobem adaptadordquo levando agrave noccedilatildeo de ajuste

harmonia destreza maestria ie acepccedilotildees que a palavra ars carrega consigo ainda hoje

entre outros significados 70

Umberto Eco tambeacutem chama a atenccedilatildeo para esse sentido particular de ars como

destreza Ele cita uma suposta origem etimoloacutegica que Cassiodoro e Isidoro de Sevilha

atentaram ldquoarsrdquo como tendo vindo do grego areteacutes (virtude) correlato ao latim virtus

[virtude]71

Embora alguns dicionaacuterios de latim indiquem essa origem etimoloacutegica de ars

advindo do grego areteacutes eacute provaacutevel que ela diga mais respeito ao sentido que o conceito ars

67

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

68

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126

69

Ibidem p127

70

Cf LOMBARDO Giovanni A Esteacutetica na Antiguidade Claacutessica Traduccedilatildeo de Isabel Tereza Santos Lisboa

Ed Estampa 2003 p33

71

ECO Umberto Arte e Beleza na Esteacutetica Medieval Traduccedilatildeo de Antocircnio Guerreiro 2ordf ed Lisboa Editorial

Presenccedila 2000 p126-127

40

vinha adquirindo no decorrer dos seacuteculos V VI VII da nossa era Isso pode explicar porque

como cita Eco Cassiodo e Isidoro de Sevilha teriam feito a ligaccedilatildeo entre ars e areteacutes sem que

necessariamente se possa comprovar propriamente essa suposta origem grega que a palavra

latina teria

O fato eacute que isso revela um aspecto importante do sentido que ars foi adquirindo com o

tempo e que eacute um dos importantes e mais recorrentes significados que a palavra ldquoarterdquo traz

nos dias de hoje ou seja o sentido de perfeiccedilatildeo de ecircxito de completude E aqui perfeiccedilatildeo

entendida como o resultado de uma destreza da habilidade que resulta em alguma coisa

excepcional acima do padratildeo do simplesmente bom

Natildeo que teacutekhne deixe de ter essa noccedilatildeo de bem-sucedido do bem feito sem duacutevida a

ideia de saber-fazer de habilidade traz impliacutecita a noccedilatildeo de coisa bem feita Como eacute possiacutevel

verificar nesta passagem da Eacutetica a Nicocircmaco de Aristoacuteteles (1141 a 9)

Nas teacutecnicas atribuiacutemos sabedoria aos que satildeo mais apurados na

competecircncia teacutecnica por exemplo dizemos que Fiacutedias eacute um saacutebio escultor e

que Policleto eacute um saacutebio produtor de estaacutetuas Nesse caso nada mais

queremos dizer senatildeo que a sabedoria eacute a excelecircncia da teacutecnica [] 72

Contudo a valorizaccedilatildeo dessa noccedilatildeo ligada agrave ideia de arte como um saber-fazer

produtor melhor do que um simples fazer parece mesmo ser posterior e nascida no processo

de traduccedilatildeo da teacutekhne grega para o ars latino

Embora natildeo evoque a origem etimoloacutegica do termo latino Pareyson em vaacuterias

passagens de seus muitos textos sobre arte valoriza o aspecto da obra de arte que tem como

uma de suas premissas o ecircxito e a perfeiccedilatildeo em si mesma perfeiccedilatildeo aqui entendida como

72

Traduccedilatildeo de Lucas Angioni In Eacutetica agrave Nicomaco Livro VI In Dissertatio nordm34 - Revista de filosofia

(Universidade Estadual de CampinasCNPq) Campinas 2011

τὴν δὲ σοφίαν ἔν τε ταῖς τέχναις τοῖς ἀκριβεστάτοις τὰς τέχνας ἀποδίδομεν οἷον Φειδίαν λιθουργὸν σοφὸν καὶ

Πολύκλειτον ἀνδριαντοποιόν ἐνταῦθα μὲν οὖν οὐθὲν ἄλλο σημαίνοντες τὴν σοφίαν ἢ ὅτι ἀρετὴ τέχνης ἐστίν

εἶναι δέ τινας σοφοὺς οἰόμεθα ὅλως οὐ κατὰ μέρος οὐδ᾽ ἄλλο τι σοφούς ὥσπερ Ὅμηρός φησιν ἐν τῷ Μαργίτῃ

Em outra traduccedilatildeo ldquoA sabedoria nas artes eacute atribuiacuteda aos seus mais perfeitos expoentes por exemplo a

Fiacutedias como escultor e a Policleto como retratista em pedra e por sabedoria aqui natildeo entendemos outra coisa

senatildeo a excelecircncia na arterdquo (ARISTOacuteTELES Eacutetica a Nicocircmaco Traduccedilatildeo de Leonel Vallandro e Gerd

Bornheim da versatildeo inglesa de W D Ross 1ordf Ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 p345)

41

completude esse aspecto eacute um dos pontos centrais da definiccedilatildeo de arte que embasa a Teoria

da Formatividade Nas palavras dele

[] A obra de arte consiste precisamente nisto no natildeo querer ter outra

justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma forma que vive de per si uma

inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto de realidade alguma coisa que

primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero uma realizaccedilatildeo primeira e

absoluta73

Nesse sentido pode-se concluir que a indagaccedilatildeo e explicaccedilatildeo do que significa uma

obra ser bem sucedida bem como o entendimento do espectador com relaccedilatildeo a esse ecircxito e

sobretudo esse entendimento relacionado ao conhecimento dos meandros do processo da

criaccedilatildeo de uma obra de arte em si compotildeem parte da Teoria da Formatividade como essa

passagem indica

[] a arte eacute um facere (fazer) que eacute perficere (aperfeiccediloar) e a obra revela a

proacutepria insubstituiacutevel perfeiccedilatildeo somente a quem souber captaacute-la no processo

que se adequa consigo mesma Somente entatildeo a obra se mostra imodificaacutevel

no seu caraacuteter de ldquocompletuderdquo e fecunda em sua ldquoexemplaridaderdquo e se vecirc

como eacute absurdo aprisionaacute-la em uma pretensa insularidade esquecendo-se

das etapas do processo que ela encerra e ao mesmo tempo inclui e

esquecendo-se daquele tecido que une as diversas obras em continuidade de

estilos de escolas e tradiccedilotildees E soacute entatildeo se pode verdadeiramente ldquolerrdquo e

ldquojulgarrdquo a obra Porque por um lado ler significa executar e executar

significa dar vida e fazer a obra viver como obra tal qual eacute com aquilo que

ela mesma pretendia ser E tanto uma coisa como outra soacute satildeo possiacuteveis

quando se compreende a obra como lei para si mesma 74

73

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 37 ldquoLopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra

giustificazione che desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un

incremento imprevisto della realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una

realizzazione prima e assolutardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p235

74

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p13- 14 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

42

Em suma a obra formada deve ser ldquobem sucedidardquo para ser considerada arte E o

ecircxito da obra formada eacute pressuposto necessaacuterio para o entendimento e o estudo do fazer

artiacutestico e seus meandros

112 Intersecccedilotildees entre teacutekhne poiacuteesis e ars na Teoria da Formatividade

Apoacutes sucinta revisatildeo das principais acepccedilotildees de teacutekhne poiacuteesis e ars e as

consequentes implicaccedilotildees desses sentidos no pensamento de Pareyson pode-se resumir da

seguinte maneira

Poiacuteesis tem como principal acepccedilatildeo a accedilatildeo produtiva em si isto eacute pressupotildee um fazer

que produza alguma coisa Teacutekhne mais comumente diz respeito ao conhecimento necessaacuterio

para a realizaccedilatildeo dessa accedilatildeo o saber-fazer para um fazer-produtor No caso de Platatildeo teacutekhne

costuma aparecer como o saber-fazer o conhecimento teacutecnico habilidade adquiridos por

meio da razatildeo Enquanto que em Aristoacuteteles o que mais prevalece eacute a acepccedilatildeo de teacutekhne

como habilidade e conhecimento adquiridos por meio da sensaccedilatildeo e da experiecircncia e

sintetizados pela razatildeo Em Pareyson o saber-fazer [teacutekhne] eacute inventivo e contemporacircneo ao

proacuteprio ato de produccedilatildeo da obra [poiacuteesis]

Outro aspecto importante que a revisatildeo dos termos em grego suscita sobretudo em

Aristoacuteteles eacute a relaccedilatildeo simbioacutetica entre teacutekhne ndash phyacutesis que transforma o saber-fazer teacutecnico

como anaacutelogo aos processos da natureza [phyacutesis] bem como a relaccedilatildeo intriacutenseca entre o

saber-fazer produtivo ligado agrave atividade artiacutestica e sua simetria entre os saberes-fazeres da

operosidade humana como um todo ideias igualmente presentes e importantes no pensamento

do autor da Teoria da Formatividade

Enquanto os sentidos mais recorrentes do ars latino provavelmente cristalizados no

decorrer dos seacuteculos da nossa era podem ser resumidos como o saber-fazer produtivo

acrescido da ideia da produccedilatildeo com domiacutenio de habilidade de excelecircncia resultando na obra

de arte como puro ecircxito

43

CAPIacuteTULO II

Forma e Formatividade no pensamento de Pareyson

ldquoEacute certo que na filosofia antiga e medieval falta precisamente

uma esteacutetica natildeo tendo ali um nexo que relacione diretamente

agrave poeacutetica e a retoacuterica com a metafiacutesica do belo mas seria

absurdo duvidar da fecundidade que tecircm alguns conceitos

antigos no campo da esteacutetica mesmo que originariamente natildeo

referidos agrave arte pelo menos segundo entendemos hojerdquo

Pareyson 1966 75

21 Definiccedilotildees de ldquoformardquo na Teoria da Formatividade

O capiacutetulo anterior dedicou-se a examinar os diferentes sentidos dos conceitos de

teacutekhne e poiacuteesis Enquanto neste capiacutetulo o primeiro passo seraacute o de esmiuccedilar as nuances do

conceito pareysoniano de ldquoformardquo para entatildeo investigar as fundamentaccedilotildees do conceito da

ldquoformatividaderdquo propriamente dita

Pois antes de adentrar mais ainda nos meandros da Teoria da Formatividade e

estudar como esta teoria localiza o fazer artiacutestico faz-se necessaacuterio discorrer sobre o conceito

de ldquoformardquo em Pareyson E assim como arte [teacutekhne] e poesia [poiacuteesis] ldquoformardquo que

costuma ser traduccedilatildeo de eidos mas que tambeacutem pode ser traduccedilatildeo de morpheacute para citar dois

exemplos de traduccedilotildees possiacuteveis eacute outra palavra que acarreta interpretaccedilotildees diversas jaacute que

ldquoformardquo eacute um termo que recepciona variadas significaccedilotildees nos campos da filosofia e dos

estudos sobre arte

75

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoEs muy cierto que en la filosofiacutea antigua y medieval falta precisamente un esteacutetica no

habiendo alliacute un nexo que relacione directamente la poeacutetica y la retoacuterica con la metafiacutesica de lo bello pero

seriacutea absurdo olvidar la fecundidad que en el campo de la esteacutetica tienen algunos conceptos originariamente no

referidos al arte al menos seguacuten lo entendemos hoyrdquo (PAREYSON Luigi Conversaciones de esteacutetica

Traduccioacuten de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid Visor 1988 p85)

44

211 Polissemias da expressatildeo ldquoformardquo

Como apontado acima a primeira demarcaccedilatildeo necessaacuteria diz repeito a uma possiacutevel

confusatildeo terminoloacutegica consideravelmente capciosa pois algumas palavras gregas

amplamente recorrentes nos textos antigos podem ser traduzidas para o portuguecircs como

ldquoformardquo Como foi dito certos termos recorrentes e significativos nos campos da filosofia e

das teorias da arte tais como eidos76

seu cognato Ideacutea77

e morpheacute78

entre outros podem ser

encontrados em diversos textos tanto antigos como atuais Tambeacutem satildeo vistos por vezes

como sinocircnimos outras vezes trazendo sentidos antagocircnicos pois se observa que estas

palavras podem aparecer com significados bastante distintos tanto em textos de um mesmo

pensador como quando por exemplo se compara as peculiaridades da filosofia de Platatildeo

para com a de Aristoacuteteles ganhando assim inuacutemeras acepccedilotildees e sentidos

Eacute o caso do termo eidos por exemplo que pode ser traduzido por ideia aparecircncia

espeacutecie essecircncia e claro forma entre outras palavras contudo essas simples traduccedilotildees para

o portuguecircs natildeo chegam nem perto de dar conta das nuances e complexidades dos conceitos

que esse termo pode carregar sobretudo quando se pretende distinguir os diversos usos e

concepccedilotildees dentre Platatildeo e Aristoacuteteles

Como algumas das acepccedilotildees conceituais destes termos sobretudo as advindas do

fundador da Academia mas tambeacutem outras com origem no pensamento aristoteacutelico povoam

76

O termo ldquoeidosrdquo parace ter sua origem num verbo arcaico lsquoeiacutedomairsquo quer dizer apareccedilo ser visto de onde

deriva um dos sentidos de ldquoeidosrdquo como aprarecircncia e aspecto mas com o tempo ldquoeidosrdquo ganhou um sentido de

aspecto espeacutecie utilizado por Aristoacuteteles entre outros textos na Metafiacutesica No entanto o sentido do termo

varia desde a noccedilatildeo de ldquoessecircnciardquo encontrado em laguns texto de Platatildeo como no Fedro e como sinocircnimo de

Ideacutea ainda em textos platocircnicoscomo na Repuacuteblica VII ligado Aristoacuteteles em vaacuterios textos como na

Metafiacutesica e na Fiacutesica tambeacutem usa a palavra eidos na acepccedilatildeo simples de forma mesmo como sinocircnimo de

morpheacute Entre outros significados em outros autores e em outros textos Cf em GOBRY Ivan Vocabulaacuterio

Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 sobre eidos - ideacutea p 49 50 79

sobre morpheacute p95

77

ldquoEiacutedos aparecircncia natureza constitutiva forma tipo espeacutecie ideiardquo Cf verdete ldquoeidosrdquo In PETERS FE

Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste

Gulbekian 1977 p62 - 67

78

ldquoVaacuterias palavras empregadas por Aristoacuteteles podem ser traduzidas por forma O termo mais amplo para

designar forma em grego parece ser lsquomorpheacutersquo Fundamentalmente essa palavra designa o aspecto de uma coisa

e mais precisamente seu aspecto belo agradaacutevel [] A forma como lsquoeidosrsquo pretende revelar por traacutes do que eacute

visiacutevelo que constitui a verdadeira natureza das coisasrdquo (PELLEGRIN Pierre Vocabulaacuterio de Aristoacuteteles

Trad Claudia Berliner Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2010 p32-33) Outra palavra de possiacutevel traduccedilatildeo como

forma eacute lsquoschemarsquo poreacutem mais especiacuteficae sobretudo usada como sinocircnimo de sinal como letras e nuacutemeros

Ver em Peters ldquoScheacutema Aparecircncia forma - aisthesis stoicheionrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos-

um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p212)

45

as discussotildees filosoacuteficas sobre arte ainda hoje sendo encontradas em inuacutemeros textos sobre

do seacuteculo XX 79

sendo assim surge uma possibilidade de se pensar que Pareyson estaria

igualmente fazendo uso dessas tradiccedilotildees o que natildeo eacute o caso aqui Todavia por hora natildeo

parece ser necessaacuterio discorrer mais sobre os inuacutemeros significados e conceitos correlatos agraves

palavras gregas acima citadas pois o importante eacute alertar que essas palavras e as suas

respectivas e inuacutemeras acepccedilotildees correlatas natildeo satildeo a origem do conceito pareysoniano de

ldquoformardquo Mas sim o conceito de ldquoorganismordquo advindo dos subsiacutedios da leitura de alguns

textos da filosofia aristoteacutelica como seraacute mostrado a seguir

Ademais o conceito de ldquoformardquo eacute central para Pareyson e soacute natildeo deu nome agrave sua

teoria exatamente por conta da quantidade de significados distintos que recepciona o que

poderia acarretar interpretaccedilotildees equivocadas sob uma leitura apressada80

Aleacutem disso o

filoacutesofo italiano usa o termo de modo bem especiacutefico como ele mesmo define no iniacutecio do

seu livro Esteacutetica Teoria da Formatividade Segue a siacutentese da definiccedilatildeo do conceito de

ldquoformardquo cunhado por Pareyson

[] aqui se compreende a forma como organismo que goza de vida proacutepria

e tem sua proacutepria legalidade intriacutenseca totalidade irrepetiacutevel na sua

singularidade independente em sua autonomia exemplar em seu valor

fechada e aberta ao mesmo tempo finita e ao mesmo tempo encerrando um

infinito perfeita na harmonia e unidade de sua lei de coerecircncia inteira na

adequaccedilatildeo reciacuteproca entre as partes e o todo 81

Portanto seraacute a partir do entendimento da noccedilatildeo de ldquoorganismordquo no especiacutefico

contexto pareysoniano que se buscaraacute definir e delinear o conceito de ldquoformardquo

79

Como por exemplo nos textos de Erwin Panofsky eg cf PANOFSKY Erwin Idea A evoluccedilatildeo do

conceito de belo Trad Paulo Neves Satildeo Paulo Martins Fontes 1994 p23-25 Bem como eg nos textos de

Artur Danto Cf DANTO Artur C A transfiguraccedilatildeo do Lugar Comum Trad de Vera Pereira Satildeo Paulo Cosac

amp Naify 2006p47

80

Cf PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 199 p9 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

81

Ibidem p9-10 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

46

212 ldquoFormardquo como ldquoorganismordquo a partir de Aristoacuteteles

Assim como foi feito um movimento em direccedilatildeo aos pensamentos de Platatildeo e

Aristoacuteteles para analisar alguns conceitos basilares do pensamento de Pareyson sobre arte

atraveacutes da anaacutelise das diversas definiccedilotildees de teacutekhne e poiacuteesis tambeacutem agora o caminho

continua a seguir no diaacutelogo entre Pareyson e a filosofia antiga

Inicialmente algumas diferenccedilas precisam ser demarcadas A primeira distinccedilatildeo eacute que

enquanto no caso da revisatildeo de definiccedilotildees concernentes agrave teacutekhne e poiacuteesis o percurso se

voltou para os diversos significados obtidos das leituras tanto de Aristoacuteteles como de Platatildeo

No caso que concernem as definiccedilotildees relacionadas agrave noccedilatildeo pareysoniana de ldquoformardquo como

ldquoorganismordquo a revisatildeo eacute exclusivamente a partir da leitura de Aristoacuteteles

Pois como o proacuteprio Pareyson bem localiza o sentido adotado por ele para definir

ldquoformardquo adveacutem principalmente dos aportes do que ele chama de conceito de ldquoorganismordquo

encontrado nos textos de Aristoacuteteles nas palavras de Pareyson

[] os conceitos de teacutechne e organismo que hoje satildeo decisivos para uma

compreensatildeo adequada da arte e que foi Aristoacuteteles o primeiro a expor Sem

duacutevida a relevacircncia esteacutetica desses dois conceitos reside em sua uniatildeo

embora Aristoacuteteles natildeo os tenha estudado em funccedilatildeo da arte nem tenha nem

previsto nem intuiacutedo a sua possiacutevel relaccedilatildeo mas todavia a anaacutelise que ele

fez ainda eacute o ponto de partida necessaacuterio para qualquer estudo que possa

empreender e eacute ao mesmo tempo fonte de novas e criativas sugestotildees 82

Um ponto importante sobre os conceitos advindos das filosofias de Platatildeo e de

Aristoacuteteles e destacados por Pareyson eacute que como jaacute foi mostrado a respeito da teacutekhne que

este natildeo eacute um conceito exclusivamente relacionado agraves problemaacuteticas concernentes agrave arte

tampouco eacute o conceito de ldquoorganismordquo Embora teacutekhne ainda seja mais relacionada agrave arte tal

82

(Traduccedilatildeo nossa) ldquo[hellip] por ejemplo de los conceptos de teacutechne y de ldquoorganismordquo que hoy son decisivos

para una adecuada comprensioacuten del arte y que fue Aristoacuteteles el primero en exponer Sin duda la relevancia

esteacutetica de estos dos conceptos reside en su unioacuten aunque Aristoacuteteles no habieacutendolos estudiando en funcioacuten del

arte ni previoacute ni intuyoacute su posible relacioacuten pero el anaacutelisis que le hizo es todaviacutea el necesario punto de partida

de cualquier estudio que se pueda emprender y es al mismo tiempo fuente de sugerencias nuevas y creativasrdquo

(PAREYSON Luigi Forma organismo y abstraccioacuten (PAREYSON Conversaciones de esteacutetica Traduccioacuten

de Zoacutesimo Gonzaacuteles Madrid La Bolsa de la Medusa - Visor 1988 p85) (Cf op cit p88-89)

47

como eacute comumente definidas nos das de hoje e pode ateacute mesmo ser traduzida enquanto tal

Contudo como tambeacutem jaacute foi abordada no capiacutetulo anterior essa possibilidade de se traduzir

teacutekhne por ldquoarterdquo por vezes pode natildeo ser a melhor opccedilatildeo sobretudo pela distacircncia que haacute

nas definiccedilotildees usuais de arte entre o contexto particular da filosofia grega sobretudo em

Platatildeo e Aristoacuteteles e o contexto da atualidade

Por conseguinte no caso da definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo a distacircncia desse conceito com

relaccedilatildeo agraves discussotildees mais aceitas e mais comuns sobre arte eacute ainda mais acentuada Ateacute

mesmo o proacuteprio termo ldquoorganismordquo natildeo eacute exatamente um termo que pode ser facilmente

encontrado em Aristoacuteteles embora o conceito que se relaciona com ele permeie toda a

filosofia do estagirita E assim como no caso de teacutekhne outros conceitos correlatos presentes

no pensamento de Aristoacuteteles satildeo fundamentais para um entendimento completo do recurso

que Pareyson faz desta ideia buscada na filosofia aristoteacutelica

A definiccedilatildeo do conceito de cunho aristoteacutelico que Pareyson nomeia como ldquoorganismordquo

pode ser encontrada na passagem abaixo citada da Poeacutetica

[] Aleacutem disto o belo mdash ser vivente ou o que quer que se componha de

partes mdash natildeo soacute deve ter essas partes ordenadas mas tambeacutem uma grandeza

que natildeo seja qualquer Porque o belo consiste na grandeza e na ordem e

portanto um organismo vivente pequeniacutessimo natildeo poderia ser belo (pois a

visatildeo eacute confusa quando se olha por tempo quase imperceptiacutevel) e tambeacutem

natildeo seria belo grandiacutessimo (porque faltaria a visatildeo do conjunto escapando agrave

vista dos espectadores a unidade e a totalidade imagine-se por exemplo um

animal de dez mil estaacutedios) Pelo que tal como os corpos e organismos

viventes devem possuir uma grandeza e esta bem perceptiacutevel como um todo

assim tambeacutem os mitos devem ter uma extensatildeo bem apreensiacutevel pela

memoacuteria (VII 1450b 34 ndash 1451a 1-6) 83

83

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed

Abril Cultural 1973

Ἔτι δ᾽ ἐπεὶ τὸ καλὸν καὶ ζῷον καὶ ἅπαν πρᾶγμα ὃ συνέστηκεν ἐκ τινῶν οὐ μόνον ταῦτα τεταγμένα δεῖ ἔχειν

ἀλλὰ καὶ μέγεθος ὑπάρχειν μὴ τὸ τυχόνmiddot τὸ γὰρ καλὸν ἐν μεγέθει καὶ τάξει ἐστίν διὸ οὔτε πάμμικρον ἄν τι

γένοιτο καλὸν ζῷον (συγχεῖται γὰρ ἡ θεωρία ἐγγὺς τοῦ ἀναισθήτου χρόνου γινομένη) οὔτε παμμέγεθες

[1451a][1] (οὐ γὰρ ἅμα ἡ θεωρία γίνεται ἀλλ᾽ οἴχεται τοῖς θεωροῦσι τὸ ἓν καὶ τὸ ὅλον ἐκ τῆς θεωρίας) οἷον εἰ

μυρίων σταδίων εἴη ζῷονmiddot ὥστε δεῖ καθάπερ ἐπὶ τῶν σωμάτων καὶ ἐπὶ τῶν ζῴων ἔχειν μὲν μέγεθος τοῦτο δὲ

εὐσύνοπτον εἶναι οὕτω [5] καὶ ἐπὶ τῶν μύθων ἔχειν μὲν μῆκος τοῦτο δὲ εὐμνημόνευτον εἶναι

Outra traduccedilatildeo ldquoAleacutem disso uma coisa bela ndash seja um animal seja toda uma accedilatildeo ndash sendo composta de

algumas partes precisaraacute natildeo somente de as ter ordenadas mas tambeacutem de ter uma dimensatildeo que natildeo seja ao

48

No entanto o uso do conceito de ldquoorganismordquo se encontra principalmente nos textos

de ldquoFilosofia da Naturezardquo sobretudo no livro intitulado na tradiccedilatildeo latina por ldquoDe Partibus

Animaliumrdquo [As partes dos animais] quando Aristoacuteteles tece definiccedilotildees de organismo vivo

para tratar sobretudo dos estudos dos animais e suas causas como tambeacutem tece correlaccedilotildees

entre os ldquoentes naturaisrdquo e as ldquocoisas fabricadasrdquo como nesta passagem

E eacute preciso que tambeacutem natildeo seja negligenciada a questatildeo de saber se

conveacutem se pronunciar tal como os que antes efetuavam a investigaccedilatildeo mdash de

que modo cada ente naturalmente vem a ser mais do que de que modo eacute

Pois a diferenccedila entre isto e aquilo natildeo eacute pequena Mas afigura-se que se

deve comeccedilar a partir deste ponto (tal como inclusive anteriormente

dissemos) primeiramente deve-se recolher aquilo que parece ser o caso a

respeito de cada gecircnero e em seguida deve-se tentar enunciar as causas disto

mdash e tambeacutem no que concerne ao vir a ser Pois tambeacutem no caso da

construccedilatildeo de casa tais e tais coisas sucedem uma vez que a casa eacute de tal e

tal qualidade e natildeo eacute porque vem a ser assim que a casa eacute de tal e tal

qualidade Pois o vir a ser eacute em vista da essecircncia e natildeo eacute a essecircncia que eacute em

vista do vir a ser (De Part An I 640 a 1) 84

Gianni Vattimo85

define de maneira precisa e sucinta o conceito de organismo em

Aristoacuteteles aquele usado com paralelismo para a definiccedilatildeo de obra de arte em algumas teorias

da arte atuais principalmente em Pareyson

acaso a beleza reside na dimensatildeo e na ordem e por isso um animal belo natildeo poderaacute ser nem demasiado

pequeno( pois a visatildeo confunde-se quando dura um espaccedilo imperceptiacutevel do tempo) nem demasiado grande (a

vista natildeo abrange tudo e assim escapa agrave observaccedilatildeo d quem vecirc a unidade e a totalidade)rdquo (Ibidem Traduccedilatildeo

Ana Maria Valente 4ordf ed Lisboa Fundaccedilatildeo Galouste Gulbekian 2011 p51-51)

84 ARISTOacuteTELES As partes dos Animais Livro I traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni in Cadernos de

Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia seacuterie 3 v9 n especial 1999 Campinas Centro de Loacutegica Epistemologia e

Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

Πρὸς δὲ τούτοις ἐπεὶ πλείους ὁρῶμεν αἰτίας περὶ τὴν γένεσιν τὴν φυσικήν οἷον τήν τε οὗ ἕνεκα καὶ τὴν ὅθεν ἡ

ἀρχὴ τῆς κινήσεως διοριστέον καὶ περὶ τούτων ποία πρώτη καὶ δευτέρα πέφυκεν Φαίνεται δὲ πρώτη ἣν

λέγομεν ἕνεκά τινος λόγος γὰρ οὗτος ἀρχὴ δacute ὁ λόγος ὁμοίως ἔν τε τοῖς κατὰ τέχνην καὶ ἐν τοῖς φύσει

συνεστηκόσιν Ἢ γὰρ τῇ διανοίᾳ ἢ τῇ αἰσθήσει ὁρισάμενος ὁ μὲν ἰατρὸς τὴν ὑγίειαν ὁ δacute οἰκοδόμος τὴν οἰκίαν

ἀποδιδόασι τοὺς λόγους καὶ τὰς αἰτίας οὗ ποιοῦσιν ἑκάστου καὶ διότι ποιητέον οὕτως

(Ver tambeacutem em ARISTOacuteTELES De Part An 640b 29 641a 5 645a 30 e 645 b 14 )

85

Filoacutesofo italiano e professor da Universidade de Turim Foi aluno e orientando aleacutem de ser disciacutepulo

assumido de Pareyson Escreveu vaacuterios textos sobre Aristoacuteteles um com supervisatildeo direta de Pareyson que foi

seu orientador para a sua tese acadecircmica Il Concetto di fare in Aristotele publicada em livro homocircnimo em

1961

49

Haacute um conceito aristoteacutelico que eacute proacuteprio do mundo natural e precisamente

da natureza vivente que eacute o de organismo (conceito que natildeo corresponde a

uma uacutenica palavra em Aristoacuteteles - organismo a tiacutetulo pleno eacute animal mas

tambeacutem uma planta - mas que ainda eacute bem reconheciacutevel e presente em seu

pensamento chamamos de organismo no sentido proacuteprio de ser vivente

organizado) O qual eacute hoje muito utilizado pelos teoacutericos da esteacutetica a fim

definir as obras de arte 86

Isto eacute entre outras acepccedilotildees Pareyson usa a noccedilatildeo de organismo aristoteacutelico no

sentido de ser vivo Portanto organismo aqui configura como um conjunto dos oacutergatildeos daiacute o

nome ldquoorganismordquo mas natildeo qualquer organismo o de organismo vivente que carrega consigo

tudo aquilo que Aristoacuteteles pensava como ente dotado de vida isto eacute as ideias de geraccedilatildeo

crescimento morte movimento finalidade E em especial para o presente estudo a ideia de

conjunto de partes que constituem um todo que culminam nas ideias de totalidade e unidade

das partes no todo

Por isso o conceito de ldquoorganismordquo em Pareyson aparece acrescido da ideia de

ldquototalidaderdquo que gera ldquounidaderdquo e portanto a acepccedilatildeo metafiacutesica encontrada nos textos de

Aristoacuteteles tambeacutem se faz presente atraveacutes desses dois termos amplamente usados pelo

estagirita Isto eacute o que realmente explica o entendimento aristoteacutelico de ldquoorganismordquo que

Pareyson recorre eacute a iacutentima relaccedilatildeo deste conceito com certas acepccedilotildees especiacuteficas dos

conceitos aristoteacutelicos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten]87

Gobry explica88

que

Aristoacuteteles89

teria quatro sentidos para a palavra heacuten ldquocontiacutenuordquo ldquounidade-formardquo ldquounidade-

86

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoCrsquoegrave un concetto aristotelico che egrave proprio del mondo naturale e precisamente dellla

natura vivente quello di organismo ( concetto cui non corrisponde una parola unica in Aristotele ndash organismo a

titolo pieno egrave lrsquoanimale ma anche la pianta agrave tale ndash ma che egrave comunque bem riconoscibile e presente nel sue

pensiero chiamiamo organismo in senso proprio lrsquoessere vivente organizzato) il quale egrave oggi molto utilizzato

dai teorici dellrsquoestetica per caratterizzare lrsquoopere drsquoarterdquo (VATTIMO Gianni Il prodoto come organismo p

147 In ______ Opere Complete Ermeneutica Tomo I Roma Ed Meltemi 2001 p 147-174 Para maiores

explicaccedilotildees tambeacutem ver em Idem Opera drsquoarte e organimo in Aristotele In ______ Opere Complete I-

Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 223-226)

87

Cf verbete lthoacutelon todo organismo universo nordm7gt In PETERS FE Termos filosoacuteficos gregos- um leacutexico

histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977 p107

88

Cf verbete ltheacuten o Unogt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo

Paulo Martins Fontes 2007 p70

89

Cf ARISTOacuteTELES Metafiacutesica I 1 In ______ Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni

Reali traduccedilatildeo para o portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p436-437

50

indiviacuteduordquo ldquounidade-universalidaderdquo e o sentido que se relaciona com a acepccedilatildeo de

ldquoorganismordquo para Aristoacuteteles eacute o de ldquounidade-formardquo Portanto neste contexto sendo ldquoo

hoacutelon (aqui entendido como totalidade) isto eacute aquilo que constitui a unidade [heacuten] das

coisasrdquo 90

Pode-se constatar a clara a ligaccedilatildeo que Pareyson faz entre a noccedilatildeo de unidade da obra

enquanto ldquoformardquo e unidade de organismo nesta passagem ldquo[] eacute essencial agrave arte o princiacutepio

de unidade da obra tal qual foi teorizado por Aristoacutetelesrdquo91

E o uso do subsiacutedio conceitual

aristoteacutelico por Pareyson eacute ainda mais expliacutecito neste trecho escrito no livro Esteacutetica Teoria

da Formatividade

Esse caraacuteter dinacircmico da unitotalidade da obra de arte pode explicar as

relaccedilotildees nela existentes entre as partes e o ldquotodordquo Na obra de arte as partes

manteacutem um duplo gecircnero de relaccedilotildees de cada parte com as outras e de cada

uma com o todo Todas as partes estatildeo ligadas entre si numa indissoluacutevel

unidade de sorte que cada parte eacute essencial e indispensaacutevel [] As partes

assim ligadas e unidas entre si constituem e delineiam o todo a integridade

da obra resulta da conexatildeo das partes entre si 92

Pode-se notar nas palavras acima citadas a evidente ligaccedilatildeo do significado de

ldquoformardquo com o significado aristoteacutelico de ldquototalidaderdquo na ldquounidaderdquo ou melhor usando o

termo utilizado por Pareyson ldquounitotalidaderdquo [unitotalitagrave]

Por exemplo outro ponto de diaacutelogo entre Pareyson e Aristoacuteteles se verifica atraveacutes da

anaacutelise de uma passagem da Metafiacutesica onde Aristoacuteteles explica essa especial relaccedilatildeo isto eacute

90

Verbete lthoacutelongt In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo

Martins Fontes 2007 p74

91

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins

Fontes 1998 p26 ldquo[] e cioegrave essenziale allrsquoarte egrave il principio dellrsquounitagrave dellrsquoopera qual egrave teorizzato da

Aristotele[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p227)

92

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p102 ldquoQuesto carattere dinamico dellunitotalitagrave dellopera darte puograve spiegare i rapporti che in

essa sussistono fra le parti e i l tutto Nellopera darte le parti intrattengono un doppio genere di rapporti di

ciascuna con le altre e di ciascuna col tutto Tutte le parti sono connesse fra loro in unindissolubile unitagrave si che

ciascuna egrave essenziale e indispensabile []Le parti cosi connesse e congiunte fra loro costituiscono e delineano

il tutto lintegritagrave dellopera risulta dalla connessione delle parti fra lorordquo(Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p86)

51

de um ldquotodordquo que natildeo pode perder as partes pois deixa de ser a unidade - totalidade que o

define perdendo a sua essecircncia essa concepccedilatildeo de ldquoorganismo-todordquo cunhada pelo estagirita

parece ser um acesso fundamental para o entendimento da definiccedilatildeo de obra de arte que

Pareyson trabalha Segue o trecho da Metafiacutesica de Aristoacuteteles

O que eacute composto de alguma coisa de modo que o todo constitua uma

unidade natildeo eacute semelhante a um amontoado mas a uma siacutelaba E a siacutelaba natildeo

eacute soacute as letras das quais eacute formada nem BA eacute idecircntico a B e A nem carne eacute

simplesmente fogo mais terra de fato uma vez que os compostos isto eacute

carne e siacutelaba se tenham dissolvido natildeo existem mais enquanto as letras o

fogo e a terra continuam existindo Portanto a siacutelaba eacute algo irredutiacutevel soacute agraves

letras ou seja agraves vogais e agraves consoantes mas eacute algo diferente delas (Z 17

1041 b 10-18) 93

Portanto a ideia de unidade como um todo de partes que constituem uma totalidade

em si mesma eacute uma das definiccedilotildees da ldquoformardquo pareysoniana isso define a ideia de

completude da obra de arte como ldquoforma formadardquo resultando no ecircxito da ldquoforma acabadardquo

que Pareyson propotildee na sua teoria da arte Como ele explica nestas passagens

Unitotalidade da obra como totalidade do processo de sua formaccedilatildeo

Quanto ao segundo problema se a perfeiccedilatildeo da obra de arte eacute apenas o levar

a bom termo a sua formaccedilatildeo o seu duplo caraacuteter ou seja por um lado a

unidade a harmonia e a proporccedilatildeo e por outro a totalidade a integridade e

a completude natildeo pode ter outro fundamento senatildeo aquele ldquotodordquo em que o

processo se ldquoarredondardquo quando chega ao termo 94 ldquo[] a obra de arte eacute

93

ARISTOacuteTELES Metafiacutesica - volumes II Traduccedilatildeo e comentaacuterios de Giovanni Reali traduccedilatildeo para o

portuguecircs de Marcelo Perine Satildeo Paulo Ediccedilotildees Loyola 2002 p363

Ἐπεὶ δὲ τὸ ἔκ τινος σύνθετον οὕτως ὥστε ἓν εἶναι τὸ πᾶν [ἂν] μὴ ὡς σωρὸς ἀλλ ὡς ἡ συλλαβή - ἡ δὲ συλλαβὴ

οὐκ ἔστι τὰ στοιχεῖα οὐδὲ τῷ ταὐτὸ τὸ καὶ (οὐδ ἡ σὰρξ πῦρ καὶ γῆ) διαλυθέντων γὰρ τὰ μὲν οὐκέτι ἔστιν [15]

οἷον ἡ σὰρξ καὶ ἡ συλλαβή τὰ δὲ στοιχεῖα ἔστι καὶ τὸ πῦρ καὶ ἡ γῆ ἔστιν ἄρα τι ἡ συλλαβή οὐ μόνον τὰ

στοιχεῖα τὸ φωνῆεν καὶ ἄφωνον ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι καὶ ἡ σὰρξ οὐ μόνον πῦρ καὶ γῆ ἢ τὸ θερμὸν καὶ ψυχρὸν

ἀλλὰ καὶ ἕτερόν τι

94

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p101 ldquoUnitotalitagrave dellopera come totalitagrave del processo della sua jormazione - Quanto al

secondo problema se la perfezione dellopera darte non egrave altro che i l compimento della sua formazione il suo

duplice carattere e cioegrave per un verso lunitagrave larmonia e la proporzione e per laltro la totalitagrave lintegritagrave e la

completezza non puograve aver altro fondamento che quel laquo tuttto raquo in cui i l processo si laquo arrotonda raquo quando

giunge ai proprio compimentordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p86-87)

52

expressiva enquanto eacute forma isto eacute organismo que vive por conta proacutepria e

conteacutem tudo que deve conterrdquo95

Ainda neste contexto entenda-se organismo como bioloacutegico e correlacionado agraves leis

da phyacutesis [natureza] Portanto vale recordar que natildeo pode ficar de fora dessa discussatildeo do

entendimento do conceito de forma enquanto organismo a relaccedilatildeo jaacute mencionada entre teacutekhne

e phyacutesis Pois quando Pareyson toma ldquoorganismordquo como paradigma do seu conceito de

ldquoformardquo e aqui justamente ldquoformardquo como princiacutepio da definiccedilatildeo de obra de arte Logo o

filoacutesofo italiano assimila a ideia da obra de arte como ldquoser viventerdquo fazendo com que a obra

carregue toda a legalidade de um ente natural E desse modo Pareyson toma a concepccedilatildeo

proposta por Aristoacuteteles na Fiacutesica que situa a produccedilatildeo das coisas ldquofeitas por teacutecnicardquo

(artificiais) em paralelo agraves coisas ldquofeitas pela naturezardquo (entes naturais ou a natureza

simplesmente) Todavia sem que isso tire as especificidades e diferenccedilas dos ldquoentes naturaisrdquo

e dos ldquoentes artificiaisrdquo essas similaridades e distinccedilotildees ficam claras nesta passagem da

Fiacutesica II

Entre os entes uns satildeo por natureza outros satildeo por outras causas por

natureza satildeo os animais e suas partes bem como as plantas e os corpos

simples isto eacute terra fogo ar e aacutegua (de fato dizemos que essas e tais coisas

satildeo por natureza) e todos eles se manifestam diferentes em comparaccedilatildeo com

os que natildeo se constituem por natureza pois cada um deles tem em si mesmo

princiacutepio de movimento e repouso ndash uns de movimento local outros de

crescimento e definhamento outros de alteraccedilatildeo por outro lado cama e

veste bem como qualquer outro gecircnero desse tipo na medida em que

encontram suas respectivas designaccedilotildees isto eacute enquanto lhes suceder ser de

pedra de terra ou misturados eles o tecircm por esses elementos e nessa exata

medida ndash pois eacute natureza (192 b 8) 96

95

Idem Os problemas da esteacutetica Trad de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo Martins Fontes 1998

p30 ldquo[]lopera darte egrave espressiva in quanto egrave lsquoformarsquo cioegrave organismo che vive per conto suo e contiene

tutto ciograve che deve avere[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di

Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p230)

96

ARISTOacuteTELES Fiacutesica I ndashII Prefaacutecio traduccedilatildeo e comentaacuterios de Lucas Angioni Campinas Ed Unicamp

2009 p43

(sectI) Τῶν ὄντων τὰ μέν ἐστι φύσει τὰ δὲ δι ἄλλας αἰτίας (sect2) Φύσει μὲν τά τε ζῷα καὶ τὰ μέρη αὐτῶν καὶ τὰ

φυτὰ καὶ τὰ ἁπλᾶ τῶν σωμάτων οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ἀὴρ καὶ ὕδωρ (ταῦτα γὰρ εἶναι καὶ τὰ τοιαῦτα φύσει

φαμέν) (sect3) Πάντα δὲ ταῦτα φαίνεται διαφέροντα πρὸς τὰ μὴ φύσει συνεστῶταΤούτων μὲν γὰρ ἕκαστον ἐν

ἑαυτῷ ἀρχὴν ἔχει κινήσεως καὶ στάσεως τὰ μὲν κατὰ τόπον τὰ δὲ κατ αὔξησιν καὶ φθίσιν τὰ δὲ κατ ἀλλοίωσιν

53

Por conseguinte assim como Aristoacuteteles Pareyson reivindica a similaridade entre as

coisas da natureza e as obras de arte enquanto ldquoformasrdquo como se constata no texto abaixo

Pode-se no entanto dizer que tanto as coisas da natureza como as obras

artiacutesticas satildeo formas o que atesta o poder do espiacuterito humano o qual capaz

de fazer com que haja produtos orgacircnicos e realidades vivas pode tambeacutem

estender os confins do reino das formas acrescentando sem soluccedilatildeo de

continuidade agraves formas naturais as inventadas pelo proacuteprio homem E desta

sorte existe entre as coisas da natureza e as obras de arte uma semelhanccedila

profunda e soacute ela pode explicar os casos em que elas se unem em uma feliz

e admiraacutevel solidariedade 97

Portanto quando se diz do conceito de obra de arte como organismo vivente se traz

implicado todo um aspecto metafiacutesico do conceito de vida aristoteacutelico contido tanto na Fiacutesica

quanto na Metafiacutesica logo em Pareyson a proacutepria obra de arte ganha um status de ser vivo

pois a relaccedilatildeo teacutekhne e phyacutesis fundamenta essa implicaccedilatildeo ao trazer um paralelismo e uma

complementaridade entre os seres vivos e as coisas artificiais incluindo as obras de arte

Como se constatou a ligaccedilatildeo do conceito de forma pareysoniano como organismo

advindo dos aportes teoacutericos da filosofia aristoteacutelica eacute assinalada pelo proacuteprio Pareyson No

entanto a abordagem acima proposta ligando a definiccedilatildeo de organismo aos conceitos

correlatos de ldquototalidaderdquo [hoacutelon] e ldquounidaderdquo [heacuten] natildeo eacute inteiramente explicitada pelo autor

embora seja sugerida em diversas passagens de seu texto como foi demonstrado nas citaccedilotildees

acima

Todavia a definiccedilatildeo de ldquoorganismordquo como ldquounitotalidaderdquo eacute o destaque que aqui se

escolheu dar para localizar o conceito de organismo advindo de Aristoacuteteles como aporte para

κλίνη δὲ καὶ ἱμάτιον καὶ εἴ τι τοιοῦτον ἄλλο γένος ἐστίν ᾗ μὲν τετύχηκε τῆς κατηγορίας ἑκάστης καὶ καθ ὅσον

ἐστὶν ἀπὸ τέχνης οὐδεμίαν ὁρμὴν ἔχει μεταβολῆς ἔμφυτον ᾗ δὲ συμβέβηκεν αὐτοῖς εἶναι λιθίνοις ἢ γηΐνοις ἢ

μικτοῖς ἐκ τούτων ἔχει καὶ κατὰ τοσοῦτον

97

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p117 ldquo[] ma intanto si puograve dire che sia le cose della natura che le opere dellarte sono forme il

che attesta la potenza dello spirito umano il quale capace di far essere prodotti organici e realtagrave viventi egrave i n

grado di estendere i confini del regno delle forme aggiungendo senza soluzione di continuitagrave alle forme naturali

quelle inventate da l u i si che v egrave fra le cose della natura e le opere dellarte una somiglianza profonda che

sola puograve spiegare i casi i n cui esse si congiungono i n una felice e mirabile solidarietagraverdquo (Idem Estetica Teoria

della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p100)

54

a conceituaccedilatildeo de ldquoformardquo para a Teoria da Formatividade de Pareyson Pois parece que eacute a

partir da definiccedilatildeo de ldquoformardquo que Pareyson tece que se encontra a principal chave para

decifrar como o filoacutesofo italiano entende por conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

Sendo assim a partir dessas nuances trazidas do conceito de ldquoorganismordquo e seus

correlatos cunhados por Aristoacuteteles eacute que Pareyson constroacutei a base da Teoria da

Formatividade a partir do conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismo viventerdquo dotada de uma

ldquototalidaderdquo advinda da sua singular ldquounidaderdquo de onde entende-se que foi gerado o conceito

pareysoniano de ldquounitotalidaderdquo da obra de arte enquanto ldquoformardquo

Vattimo tambeacutem mostra como o conceito de ldquoorganismordquo permeia toda obra de

Aristoacuteteles bem como estaacute interligado aos conceitos de phyacutesis hoacutelon e teacutekhne entre outros

correlatos98

Portanto a anaacutelise de Vattimo sobre o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles

como subsiacutedio para uma definiccedilatildeo de obra de arte corrobora com a leitura que propusemos ao

estudar como Pareyson utiliza um amplo aporte aristoteacutelico para definir a obra de arte como

ldquoformardquo E que a leitura que o professor de Vattimo faz do conceito aristoteacutelico de

ldquoorganismordquo ultrapassa uma anaacutelise unilateral do texto da Poeacutetica de Aristoacuteteles e ateacute

mesmo dos tratados de ldquoCiecircncias da Naturezardquo chegando assim aos textos que tratam das

questotildees metafiacutesicas pois embora a definiccedilatildeo de ldquoformardquo pareysoniana parta da noccedilatildeo de

organismo vivo natildeo se resume a ela99

Ademais Vattimo ainda explica que o conceito de organismo tem dois aspectos

fundamentais e inseparaacuteveis o de totalidade e unidade entre as partes (que ele denomina de

ldquoformaisrdquo) e o outro o de ser vivente e dotado de uma alma100

e que a comparaccedilatildeo entre

obra de arte e organismo deve considerar as duas definiccedilotildees Como ele explica nesse trecho

98

VATTIMO Gianni Opera drsquoarte e organismo in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica -

Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008 p 218

99

Ver mais em Idem Il concetto di fare in Aristotele In______ Opere complete vol I tomo 1 Roma Ed

Meltemi 2007 p 19-180

100

Segundo Peters Psykheacute (alma em latim anima) pode ter muitas acepccedilotildees e bastante complexas e variantes

de filoacutesofo para filoacutesofo soacute no contexto grego Entretanto e sobretudo no acircmbito aristoteacutelico de organismo

alma aqui pode ser definida como ldquorespiraccedilatildeo de vidardquo e ldquoprinciacutepio vitalrdquo (PETERS FE Termos filosoacuteficos

gregos- um leacutexico histoacuterico Trad Beatriz Rodriguez Barbosa Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbekian 1977

p14) E segundo Gobry Aristoacuteteles adota uma noccedilatildeo de alma natildeo apenas para os seres humanos mas para

todos os seres Ver mais no verbete Psykheacute alma Latim anima In GOBRY Ivan Vocabulaacuterio Grego de

Filosofia Trad Ivone C Benedetti Satildeo Paulo Martins Fontes 2007 p123-124

55

Se como nos parece esses dois significados estatildeo intimamente relacionados

e de fato o primeiro depende do segundo a aplicaccedilatildeo do conceito de

organismo agrave obra de arte natildeo pode ser resolvida simplesmente aplicando-lhe

os conceitos formais de unidade inteireza perfeiccedilatildeo ordem etc mas eacute

necessaacuterio verificar em que sentido a obra pode dizer-se um instrumento de

uma alma ou seja viva 101

O argumento de Vattimo traz um aspecto fundamental da filosofia de Aristoacuteteles que

eacute a relaccedilatildeo intriacutenseca e inseparaacutevel entre o ldquosensiacutevelrdquo e o ldquointeligiacutevelrdquo aspecto que aparece na

Teoria da Formatividade sobretudo quando a obra de arte eacute dita como tenho ldquofisicalidaderdquo e

ldquoespiritualidaderdquo inseparaacuteveis (esse ponto seraacute abordado mais adiantes nesse mesmo

capiacutetulo)

213 ldquoFormardquo como ecircxito na Teoria da Formatividade

Outro sentido de ldquoformardquo que aparece no conceito cunhado por Pareyson eacute que

ldquoformardquo eacute organismo enquanto perfeito em si mesmo e por isso autossuficiente daiacute deriva a

proacutepria ideia de totalidade da obra como completude em si mesma e de perfeiccedilatildeo enquanto

ldquoserrdquo uacutenico Ou seja ldquoformardquo eacute a obra de arte enquanto finalizada eacute o como da Arte que se

mostra e se realiza Assim sendo sem essas prerrogativas natildeo haacute arte sob a oacutetica

pareysoniana Essa concepccedilatildeo de ldquoarte-formardquo fica clara nessa passagem

E aquilo por que a arte se distingue das outras atividades eacute a elaboraccedilatildeo

destes conteuacutedos natildeo tanto o ldquoquecircrdquo mas antes o ldquocomordquo isto eacute

precisamente a forma como quer que esta seja entendida o estado final e

conclusivo da arte a elegacircncia da representaccedilatildeo ou da expressatildeo a perfeiccedilatildeo

da imagem o ecircxito do processo artiacutestico a autossuficiecircncia da obra102

101

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoSe como a noi pare questi due significati sono strettamente legati e anzi il primo dipende

dal secondo lrsquoapplicazione del concetto di organismo allrsquoopera drsquoarte non si potragrave risolvere semplicemente

applicando a essa il concetti formali di unitagrave interezza perfezione ordine ecc mas bisogneragrave vedere in che

senso lopera possa dirsi strumento di unrsquoanima cioegrave viventerdquo (VATTIMO Gianne Opera drsquoarte e organismo

in Aristotele In ______ Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma EdMeltemi 2008 p 211-212)

102

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p53 ldquoE ciograve per cui larte si distingue dalle altre attivitagrave egrave lelaborazione di questi

contenuti non tanto il laquoche cosaraquo quanto piuttosto i l laquocomeraquo cioegrave appunto la forma comunque questa

sintenda lo stato finale e conclusivo dellarte la compiutezza della rappresentazione o dellespressione la

56

Logo a noccedilatildeo de ldquoformardquo ligada agrave ideia do ecircxito artiacutestico se aplica a um dos sentidos

de Arte discutidos no capiacutetulo anterior Isto eacute a definiccedilatildeo do termo ars latino trazendo a ideia

de obra bem sucedida que exprime uma espeacutecie de perfeiccedilatildeo em si mesma que a ldquoformardquo

acabada demanda

A ideia aqui eacute de completude mas natildeo soacute da ldquoforma-formadardquo e sim no todo do

processo de ldquoformatividaderdquo da ldquoformardquo E completude que se explica no sentido da relaccedilatildeo

totalidade-unidade advinda dos aportes do pensamento aristoteacutelico Como fica evidente nesta

passagem ldquoA perfeiccedilatildeo da obra de arte consiste portanto na totalidade do processo que a

formou no sentido de sua unidade e sua totalidade dependerem respectivamente da

univocidade e da improsseguibilidade do processo de sua formaccedilatildeordquo 103

Portanto a perfeiccedilatildeo da obra acabada tem uma relaccedilatildeo embrionaacuteria e intriacutenseca com o

fazer artiacutestico que neste sentido se configura paralelamente a um processo orgacircnico proacuteprio

do ser vivo Aqui novamente retoma-se a definiccedilatildeo aristoteacutelica de organismo no sentido de

vida que carrega implicitamente as noccedilotildees de geraccedilatildeo e finalidade Desse modo o

entendimento desta relaccedilatildeo natildeo soacute eacute fundamental para a proacutepria compreensatildeo do processo

formativo da obra em si ou seja no acircmbito do estudo do fazer artiacutestico propriamente dito

mas eacute igualmente precioso e necessaacuterio para a leitura da obra de arte pelo espectador Sobre a

importacircncia do estudo do processo artiacutestico para acessar a obra acabada Pareyson discorre

Haacute quem considere inessencial o processo artiacutestico no sentido que ele natildeo

interessa em nada o expectador da obra de arte o qual deve fixar o olhar

sobre aquela perfeiccedilatildeo doravante imoacutevel e definitiva [] A primeira

concepccedilatildeo [acima descrita] eacute justa quando afirma que o processo artiacutestico

natildeo interessa de per si porque o que interessa eacute a obra na sua perfeiccedilatildeo mas

arrisca natildeo entender a proacutepria perfeiccedilatildeo da obra quando a vecirc na sua inerte e

perfezione ellimmagine la riuscita del processo artistico la sufficienza dellopera in se stessardquo(Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p249)

103

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p101 ldquoLa perfezione dellopera darte consiste dunque nella totalitagrave del processo che lrsquoha formata nel senso

che la sua unitagrave e la sua totalitagrave dipendono rispettivamente dall univocitagrave e dall improseguibilitagrave del processo

della sua formazionerdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960

p85)

57

imoacutevel estaticidade e natildeo como conclusatildeo de um movimento que chegou ao

seu acabamento natural e ao ponto preciso de sua maturaccedilatildeo104

E mais adiante ele completa [] A obra no seu acabamento [compiutezza] 105

natildeo eacute

portanto separaacutevel do processo da sua formaccedilatildeo porque eacute antes este mesmo processo visto

no seu acabamento 106

Pois nesse ponto parece residir uma das originalidades da Teoria da Formatividade

para com as outras teorias que igualmente evocam a importacircncia do estudo do processo

artiacutestico Isto eacute uma coisa eacute estudar a formaccedilatildeo da arte enquanto parte do oficio do artista

para entender o processo criativo Outra coisa bem diferente eacute estudar o processo de

produccedilatildeo da obra de arte para entender a obra em si suas especificidades e acima de tudo

para reconhecer suas qualidades intriacutensecas e os limites da sua perfeiccedilatildeo enquanto ldquoarte-

formardquo bem sucedida e completa em si mesma ou seja como ldquoobra-de-arte- formardquo acabada

conforme seus proacuteprios criteacuterios internos

Daiacute sai o outro ponto fundamental que estaacute no centro da ideia pareysoniana de arte

como ecircxito que eacute a ideia de legalidade interna da obra Pois o ecircxito a ser perseguido eacute a

proacutepria ldquoformardquo acabada que conduz a ldquoformatividaderdquo em si isto eacute o nuacutecleo do processo

criativo nas palavras de Pareyson

104

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p146ldquoCegrave chi considera inessenziale il processo artistico nel senso chesso non interessa

per nulla lo spettatore dellopera darte il quale deve fissare lo sguardo su quella perfezione ormai immobile e

definitiva[] La prima concezione egrave nel giusto quando afferma che il processo artistico non interessa di per seacute

percheacute ciograve che interessa egrave lopera nella sua perfezione ma rischia di non intendere la stessa perfezione

dellopera quando la vede nella sua inerte e immobile staticitagrave e non come conclusione dun movimento giunto

al suo naturale compimento e al preciso punto della sua maturazionerdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p331-332)

105

Compiutezza embora na traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez esteja traduzida como ldquoacabamentordquo

ldquocompiutezzardquo tambeacutem poderia ser traduzida por ldquocompletuderdquo ou ateacute mesmo por ldquoteacuterminordquo no sentido de algo

que estaacute terminado completo e natildeo por ldquoacabamentordquo pois acabamento pode dar um sentido equivocado de

perfeiccedilatildeo meramente formal o que reduziria a complexidade proacutepria definiccedilatildeo de forma pareysoniana que eacute

muito mais dinacircmica e metafiacutesica do que a ideia de forma no sentido usual de configuraccedilatildeo

106

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p147 Ver tambeacutem em Ibidem p32 -33

ldquoLopera nella sua compiutezza non egrave dunque separabile dal processo della sua formazione percheacute anzi egrave

questo stesso processo visto nel suo compimentordquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I

Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p332)

58

[] a arte propriamente dita eacute a especificaccedilatildeo da formatividade exercitada

natildeo mais tendo em vista outros fins mas por si mesma O artista natildeo tem em

mira uma obra que para ser obra deva ser tambeacutem forma (isto eacute um ecircxito

especulativo moral teacutecnico) mas uma obra que presume e aceita valer soacute

como forma (isto eacute como mero ecircxito) A obra de arte consiste precisamente

nisto no natildeo querer ter outra justificaccedilatildeo que a de ser um puro ecircxito uma

forma que vive de per si uma inovaccedilatildeo radical e um incremento imprevisto

de realidade alguma coisa que primeiro natildeo era e que eacute uacutenica no seu gecircnero

uma realizaccedilatildeo primeira e absoluta107

Assim sendo a Teoria da formatividade traz consigo a noccedilatildeo de inseparabilidade e

simultaneidade dos ldquomomentosrdquo da formandashobra isto eacute todos os ldquotemposrdquo da obra participam

da obra acabada e existem por e para ela Neste sentido projetar produzir executar

contemplar a ldquoformardquo ou seja o processo de produccedilatildeo como um todo eacute uma coisa soacute E tudo

isso define e se define pela completude da forma - obra acabada como ecircxito em si mesma

Aqui parece possiacutevel entender que a ldquoformardquo eacute a proacutepria ldquofinalidaderdquo da obra e

portanto a formatividade se configura enquanto processo artiacutestico como um movimento

teleoloacutegico da obra de arte Nota-se que novamente a ldquoformatividaderdquo pareysoniana

encontra-se em paralelismo ao processo orgacircnico108

214 Autonomia da ldquoformardquo o estatuto ontoloacutegico da obra de arte

Nesse sentido a produccedilatildeo a ldquoforma-obrardquo eacute a produccedilatildeo de uma coisa que estaacute entre

coisas que tem vida proacutepria e que constitui o conjunto da realidade das coisas Esse raciociacutenio

leva a outra importante indagaccedilatildeo diante da ldquoforma-obra-de-arterdquo Assim sendo antes de se

107

PAREYSON L Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p37 ldquoLartista non ha di mira unopera che per esser opera devessere anche forma (cioegrave

una riuscita speculativa morale tecnica) ma unopera che presume e accetta di valere solo come forma (cioegrave

come mera riuscita) Lopera darte consiste precisamente in ciograve nel non voler avere altra giustificazione che

desser una pura riuscita una forma che vive di per seacute uninnovazione radicale e un incremento imprevisto della

realtagrave un qualcosa che prima non cera e chegrave unico nel suo genere una realizzazione prima e assolutardquo (Idem

I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p235)

108

Em especial aquele que se mistura ao conceito de organismo aristoteacutelico visto que nos textos do estagirita um

dos pilares para a definiccedilatildeo de ser vivo (organismo) eacute a ideia e finalidade proacutepria pois eacute a finalidade de cada ser

que determina a organizaccedilatildeo das partes que constituem a totalidade na unidade

59

perguntar o e ela quer dizer vale perguntar o que ela eacute Essa indagaccedilatildeo possibilita a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte que eacute possiacutevel justamente a partir da definiccedilatildeo

de arte como ldquoformardquo e desse modo se configura como organismo autocircnomo dotado de

existecircncia proacutepria Pareyson diz

Mas a arte eacute produccedilatildeo e realizaccedilatildeo em sentido intensivo eminente absoluto

a tal ponto que com frequecircncia foi na verdade chamada criaccedilatildeo enquanto

eacute natildeo soacute produccedilatildeo de organismos que como os da natureza satildeo autocircnomos

independentes e vivem por conta proacutepria mas tambeacutem alcanccedila ser produccedilatildeo

de objetos radicalmente novos verdadeiro e proacuteprio incremento da realidade

inovaccedilatildeo ontoloacutegica 109

Como descrito no texto acima a partir da noccedilatildeo de ldquoformardquo com organismo a obra de

arte eacute realidade em si mesma Isso traz agrave tona a noccedilatildeo de fisicalidade de arte como ldquoobjetordquo

sensiacutevel Portanto a proacutepria fisicalidade da obra de arte a relaccedilatildeo ldquoforma ndash mateacuteriardquo toma um

lugar importante e a define como coisa entre coisas no mundo Como Pareyson completa

Isto significa recordar que a obra de arte eacute antes de tudo um objeto sensiacutevel

fiacutesico e material e que fazer arte quer dizer antes de qualquer outra coisa

produzir um objeto que exista como coisa entre coisas exteriorizado numa

realidade sonora e visiva 110

A implicaccedilatildeo desse entendimento de obra de arte como ldquoforma-obrardquo traz por sua

vez a ideia de organismo vivo acarretando a emancipaccedilatildeo ontoloacutegica da obra de arte

deixando de ser vista apenas como significado numa ldquoformardquo ldquovaziardquo que eacute ldquopreenchidardquo por

um ldquoconteuacutedordquo alheio e externo a sua existecircncia fiacutesica Logo questiona- se a proacutepria noccedilatildeo de

que a obra de arte eacute sempre referente e subordinada a um suposto ldquoenterdquo externo seja ele um

109

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 ldquoMa larte egrave produzione e realizzazione in senso intensivo eminente assoluto al

punto che spesso egrave stata chiamata addirittura creazione in quanto non solo egrave produzione di organismi che

come quelli della natura sono autonomi e indipendenti e vivono per conto proprio ma giunge ad esser

produzione di oggetti radicalmente nuovi vero e proprio incremento della realtagrave innovazione ontologicardquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p231)

110

Ibidem op cit p55 ldquoCiograve significa ricordale elle lopera darte egrave anzitutto un oggetto sensibile fisico e

materiale e che far arte vuol dire prima dogni altra cosa produrre un oggetto che esista come cosa fra cose

estrinsecato in una realtagrave sonora e visivardquo (Ibidem op cit p251)

60

modelo representado ou o artista ou um espectador e que estes sim seriam dotados de

estatuto ontoloacutegico prenhes de significado em si mesmos dotados de existecircncia e

independentes de um referente eou modelo Dito isto se pode afirmar que ldquoA forma

portanto eacute antes de mais nada expressatildeo de si mesma porque conteacutem tudo aquilo que

declara e declara tudo aquilo que eacuterdquo 111

Por isso vale retomar a relaccedilatildeo simbioacutetica que Pareyson reivindica entre arte-forma e

as coisas da natureza pois essa premissa cela o estatuto ontoloacutegico da arte e o seu status de

coisa entre coisas Sendo assim esse pressuposto leva a outra discussatildeo que estaacute no

nuacutecleo da histoacuteria do pensamento sobre arte a do entendimento da representaccedilatildeo como sendo

mecanismo inerente e necessaacuterio agrave arte Isto eacute o estatuto ontoloacutegico da arte culmina na

conclusatildeo de que a obra de arte eacute sobretudo presenccedila em si mesma Como sintetiza

Pareyson ldquo[] o corpo da obra de arte eacute toda a realidade dela A pintura natildeo eacute nada diverso

de uma superfiacutecie colorida a estaacutetua nada diversa de bronze fundido a poesia nada diversa de

uma seacuterie de palavras []rdquo 112

Outra passagem do texto de Pareyson completa esse raciociacutenio e esclarece como a

ontologizaccedilatildeo da arte no interior da Teoria da Formatividade conduz e direciona a discussatildeo

sobre a relaccedilatildeo entre obra de arte e a realidade no que diz repeito agrave implicaccedilatildeo da arte como

imitaccedilatildeo

A arte eacute imitaccedilatildeo da natureza natildeo enquanto representa a realidade mas

enquanto a inova isto eacute enquanto incrementa o real seja porque acrescenta

ao mundo natural um mundo imaginaacuterio ou hetero-coacutesmico seja porque no

111

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p272 ldquoLa forma dunque egrave anzitutto espressiva di seacute stessa percheacute contiene tutto ciograve chessa dichiara e

dichiara tutto ciograve chessa egraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p247)

112

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquo[] il corpo dellopera darte egrave tutta la realtagrave di essa Il dipinto non egrave nientaltro che una

superficie colorata e la statua nientaltro che bronzo fuso e la poesia nientaltro che una serie di

parole[]rdquo(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p307)

61

mundo natural acrescenta agraves formas que jaacute existem formas novas que

propriamente constituem um verdadeiro aumento da realidade 113

Em suma muito se fala da arte como representaccedilatildeo no entanto natildeo podemos deixar

de lembrar que antes de ser representaccedilatildeo ela eacute apresentaccedilatildeo de si mesma ela eacute coisa entre

coisas e esse entendimento eacute tambeacutem fundamental para entender a arte enquanto teacutekhne e

poiacuteesis quando entendidas nas acepccedilotildees aristoteacutelicas anteriormente discutidas Por

conseguinte esse eacute o assunto central do proacuteximo capiacutetulo pois ainda haacute mais a se dizer a

repeito desse ponto esboccedilado aqui isto eacute a intrincada questatildeo da arte como imitaccedilatildeo eou

como representaccedilatildeo que leva agrave outra questatildeo que eacute o delicado equiliacutebrio da simultaneidade na

arte enquanto representaccedilatildeo de outro e apresentaccedilatildeo de si mesma

215 Obra de arte como ldquoformardquo e ldquomundordquo

Embora a Teoria da Formatividade decirc ecircnfase agrave definiccedilatildeo de arte como ldquoformardquo

teacutekhne e poiacuteesis a esteacutetica pareysoniana natildeo perde de vista a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo ou

ldquoexpressatildeordquo que estatildeo contidas na obra de arte E portanto chama agrave atenccedilatildeo outro

fundamental equiliacutebrio de simultaneidade na obra de arte isto eacute a relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquomundordquo que tambeacutem poderia se configurar por exemplo numa possiacutevel relaccedilatildeo entre

ldquointernordquo e ldquoexternordquo Como se constata nessa passagem do livro Esteacutetica ndash Teoria da

Formatividade

[] o espiacuterito da obra natildeo eacute algo diferente do seu corpo como se na obra

fosse possiacutevel distinguir interno e externo vida imanente e manifestaccedilatildeo

visiacutevel alma interior e invoacutelucro exterior pura espiritualidade e

intermediaacuterio fiacutesico114

113

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez 2ordf ed Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 70 ldquoLarte egrave imitazione della natura non in quanto rappresenti la realtagrave ma in quanto

la innova cioegrave in quanto incrementa il reale sia che aggiunga al mondo naturale un mondo immaginario o

eterocosmico sia che nel mondo naturale aggiunga alle forme che giagrave ci sono delle forme nuove che sono un

vero e proprio aumento della realtagraverdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264-265)

114

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p113-114 ldquo[] lo spirito dellopera non egrave qualcosa di diverso dal suo corpo come se nellopera si potesse

distinguere interno ed esterno vita immanente e manifestazione visibile anima interiore e involucro esteriore

pura spiritualitagrave e intermediario fisicordquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli

2ordf Edizione 1960 p97)

62

Ou seja ainda que para Pareyson ldquoformardquo seja coisa concreta no mundo e portanto

tenha fisicalidade e materialidade sendo assim objeto sensiacutevel isso natildeo torna a sua teoria

num mero ldquoformalismordquo versus ldquoconteudismordquo Pois ele natildeo exclui da noccedilatildeo de ldquoformardquo

outros aspectos impliacutecitos da Arte como a ideia de espiritualidade Por isso natildeo reduz o

problema da obra de arte num simples jogo entre forma versus conteuacutedo que por sua vez

segundo Pareyson natildeo satildeo separaacuteveis ou seja conteuacutedo e forma satildeo intriacutensecos e um eacute

necessaacuterio para que o outro exista

Portanto antes de qualquer coisa eacute imprescindiacutevel demarcar o que Pareyson entende

por ldquoconteuacutedordquo da obra de arte que para o filoacutesofo italiano se aproxima mais de uma noccedilatildeo

de ldquoestilordquo do que propriamente como sinocircnimo de ldquotemardquo Abaixo seguem dois trechos que

esclarecem bem esse peculiar entendimento pareysoniano de ldquoconteuacutedordquo

Dizer conteuacutedo de uma obra de arte portanto significa dizer caraacuteter pessoal

e espiritual do estilo considerado como espiritualidade que se tornou

totalmente modo de formar O conteuacutedo entatildeo eacute algo diferente daquilo que

se costuma denominar tema argumento ou assunto pois a obra natildeo precisa

a rigor procurar o proacuteprio conteuacutedo em um argumento ou tema quando o

estilo eacute jaacute espiritualidade concreta que se tornou energia formante 115

E mais adiante noutro trecho Pareyson acrescenta ldquo[] estilo eacute proacuteprio conteuacutedo

isto eacute a espiritualidade que aiacute se faz modo de formarrdquo 116

Ou seja para explicar essa simultaneidade e inseparabilidade entre ldquoformardquo e conteuacutedo

na arte Pareyson traz a ideia de ldquoestilordquo que eacute sobretudo definido como a ldquoespiritualidaderdquo

do artista contida na obra

115

PAREYSON L Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ

Vozes 1993 p 38 ldquoDire contenuto dell opera d arte dunque non significa altro che dire carattere personale

e spirituale dello stile considerato come spiritualitagrave che si egrave fatta tutta modo di formare Il contenuto allora egrave

qualcosa di diverso da ciograve che si suol chiamare tema argomento o laquo soggetto raquo poicheacute lopera non ha bisogno

a rigore di cercare il proprio contenuto in un argomento o in un tema quando lo stile egrave giagrave spiritualitagrave concreta

diventata energia formanterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione

1960 p22-23)

116

Ibidem op cit 1993 p 39 ldquo[]lo stile egrave la stessa spiritualitagrave dellartista fattasi modo di formarerdquo (Idem

opcit 1960 p24)

63

Mas antes ainda diante desta relaccedilatildeo seria oportuno definir melhor o que significa

para Pareyson ldquoespiacuteritordquo [spirito] 117

da obra de arte bem como ldquoespiritualidade da obra de

arterdquo eis aqui algumas delimitaccedilotildees importantes a respeito dessa consideraccedilatildeo nas palavras

de Pareyson ldquoO espiacuterito da obra eacute a organizaccedilatildeo unitaacuteria de seu corpo a totalidade indivisiacutevel

de suas partes sensiacuteveis a coerecircncia indissoluacutevel de sua realidade fiacutesicardquo 118

Logo vale ressaltar que neste contexto do pensamento pareysoniano ldquoespiacuteritordquo e

ldquoformardquo coincidem e para entender melhor como se daacute essa coincidecircncia eacute necessaacuterio

discorrer sobre a noccedilatildeo de ldquoespiritualidaderdquo em Pareyson e sobretudo mais especificamente

ldquoespiritualidade do artistardquo Ou seja neste contexto do texto pareysoniano sobre Arte as

acepccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo coincidem na maioria das vezes com o que o autor chama de

ldquomundo do artistardquo contido na obra Que todavia natildeo se confunde com o que seria o tema da

obra mas sim se encontra com a ideia pareysoniana de conteuacutedo delimitado nas acepccedilotildees

anaacutelogas agraves noccedilotildees de ldquoespiritualidaderdquo e ldquoestilordquo bem como de ldquosignificado humanordquo Nas

palavras de Pareyson

Quando se conseguiu iluminar o substrato material e o aspecto sensiacutevel da

obra de arte a forma foi entendida como o resultado da formaccedilatildeo de uma

mateacuteria da produccedilatildeo de um objeto fiacutesico como mateacuteria formada isto eacute

como uma configuraccedilatildeo conseguida de palavras sons cores pedras ou

qualquer outra coisa E paralelamente reparando no fato de que nem sempre

as obras de arte representam objetos ou exprimem sentimentos porque

nenhum objeto real ou possiacutevel e nenhum sentimento determinado estatildeo

contidos num arabesco numa muacutesica abstrata numa obra arquitetocircnica que

117

Importante ressaltar que ldquoespiacuteritordquo aqui natildeo corresponde agrave ideia de ldquoespiacuterito absolutordquo que se encontra por

exemplo sobretudo em alguns textos sob a influecircncia da filosofia hegeliana Pois em Pareyson a noccedilatildeo de

espiacuterito estaacute ligada agrave noccedilatildeo de pessoa outro conceito fundamental na filosofia do professor de Turim Nesse

trecho Pareyson faz menccedilatildeo agrave distinccedilatildeo das acepccedilotildees de ldquoespiacuteritordquo ldquoSoacute uma filosofia da pessoa tem condiccedilotildees

para resolver o problema da unidade e distinccedilatildeo das atividades por explicar com base na indivisibilidade e na

iniciativa da pessoa como eacute que toda operaccedilatildeo exige sempre simultaneamente a especificaccedilatildeo de uma atividade

e a concentraccedilatildeo de todas as outras Se o operar fosse do espiacuterito absoluto natildeo haveria motivo para distinccedilatildeo

entre as atividades e todas se reduziriam a umardquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25)

ldquoSolo una filosofia della persona egrave in grado di risolvere il problema dellunitagrave e distinzione delle attivitagrave poicheacute

spiega in base allindivisibilitagrave e alliniziativa della persona come ogni operazione richieda sempre insieme la

specificazione dunattivitagrave e la concentrazione di tutte le altre se loperare fosse dello spirito assoluto non vi

sarebbe ragione di distinzione fra le attivitagrave e tutte si ridurrebbero a unardquo (Idem Estetica Teoria della

Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p10)

118

Ibidem Op cit p114 ldquoLo spirito dellopera egrave lorganizzazione unitaria del suo corpo la totalitagrave indivisibile

delle sue parti sensibili la coerenza indissolubile della sua realtagrave fisica []rdquo (Idem Op cit p97)

64

natildeo obstante tecircm um significado humano e uma ressonacircncia espiritual

procurou-se o conteuacutedo em um niacutevel mais profundo e num campo mais vasto

encontrou-se o ldquomundordquo do artista o seu modo de pensar viver sentir a sua

concepccedilatildeo do mundo e seu posicionamento frente agrave vida a sua

Weltanschauung e o seu ethos as ideias os pensamentos os juiacutezos que

formulam na sua mente os sentimentos os ideais as aspiraccedilotildees que nutrem

no seu coraccedilatildeo as experiecircncias as escolhas as crenccedilas de que informa a sua

vida em suma a sua personalidade concreta toda a sua espiritualidade119

Isto eacute a noccedilatildeo de ldquomundordquo utilizada aqui por Pareyson segue o conceito de

Weltanschauung120

logo advindo do contexto dos estudos de filosofia alematilde que para os

aportes utilizados no texto sobre arte de Pareyson pode ser resumido como ldquointuiccedilatildeo do

mundordquo ldquovisatildeo de mundordquo ou ldquocosmovisatildeordquo contudo acrescido do conceito de ldquopessoardquo

pareysoniano isto eacute para Pareyson Weltanschauung eacute uma ldquovisatildeo de mundo pessoalrdquo que

estaacute diretamente ligada ao conteuacutedo da ldquoformardquo enquanto obra de arte como ele mesmo

explica

Um mundo eacute a realidade universal tal qual vista por uma pessoa eacute um

sentido pessoal do universo uma visatildeo pessoal da realidade uma concepccedilatildeo

119

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p54-55 ldquoQuando si giunse a mettere in luce il sostrato materiale e laspetto sensibile

dellopera darte la forma fu intesa come il risultato della formazione duna materia della produzione dun

oggetto fisico come materia formata cioegrave come una configurazione riuscita di parole suoni colori pietre o

altro che sia E parallelamente badando al fatto che non sempre le opere darte rappresentano oggetti o

esprimono sentimenti percheacute nessun oggetto reale o possibile e nessun sentimento determinato egrave contenuto in

un arabesco in una musica astratta in unopera architettonica che pure hanno un significato umano e una

risonanza spirituale si cercograve il contenuto a un livello piugrave profondo e su un campo piugrave vasto e si trovograve il

laquomondoraquo dellartista il suo modo di pensare vivere e sentire la sua concezione del mondo e il suo

atteggiamento di fronte alla vita la sua Weltanschauung e il suo ethos le idee i pensieri i giudizi che formula

nella sua mente i sentimenti glideali le aspirazioni che nutre nel suo cuore le esperienze le scelte le credenze di

cui informa la sua vita insomma la sua personalitagrave concreta lintera sua spiritualitagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p250)

120

Natildeo haacute exatamente um consenso sobre a origem de ldquoWeltanschauungrdquo como conceito em textos filosoacuteficos

Termo que tambeacutem pode ter vaacuterias acepccedilotildees dependendo do aporte e do contexto em que estaacute empregado No

entanto uma referecircncia segura eacute que eacute uma expressatildeo que faz parte do contexto dos estudos filosoacuteficos e

artiacutesticos alematildees abrangendo autores desde Kant a Goethe Eacute provaacutevel que no caso de Pareyson que a acepccedilatildeo

seja advinda da filosofia de Karl Jaspers jaacute que ele dedicou uma parte importante de seus estudos sobre este

autor E que tenha uma acepccedilatildeo advinda de aportes da filosofia com veia existencialista por isso parece que em

Pareyson eacute possiacutevel vincular o conceito de Weltanschauung ao um conceito simples de espiritualidade singular

seja pessoal ou de um grupo de pessoas Ver tambeacutem verbete ltldquoIntuiccedilatildeo do Mundordquogt In ABBAGNANO

Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti Satildeo Paulo Ed WMF

Martins Fontes 2012 p 672

65

pessoal da vida [] uma Weltanschauung e um ethos eacute um modo

tipicamente pessoal de interpretar o mundo [] Um mundo eacute isto sim uma

visatildeo do universo que se torne carne e sangue de uma pessoa que seja a

proacutepria pessoa em sua realidade viva [] 121

E portanto ldquoespiritualidade do artistardquo neste contexto coincide com a ideia de

intuiccedilatildeo pessoal e de personalidade do artista como um conjunto transposto na obra de arte

como Pareyson explica nas linhas transcritas abaixo

[] na obra fisicalidade e espiritualidade significado e existecircncia

coincidem na obra de arte ser e dizer corpo e espiacuterito satildeo a mesma coisa A

obra natildeo diz senatildeo o que ela eacute e o seu proacuteprio ser eacute um dizer soacute a sua

presenccedila eacute um significado [] 122

Em suma os conceitos de ldquoespiritualidaderdquo e de ldquovisatildeo de mundordquo se conjugam e se

misturam para explicar que embora a obra de arte enquanto ldquoformardquo seja a realidade sensiacutevel

da obra e que seja o tudo que a obra de arte eacute natildeo basta para defini-la completamente Sendo

assim eacute necessaacuterio recorrer agrave coexistecircncia entre fisicalidade e espiritualidade para chegar ao

conceito de ldquoformardquo enquanto unitotalidade em si mesma Ou seja para Pareyson a obra estaacute

no mundo mas ela tambeacutem eacute mundo como se constata nos trechos abaixo

Se a obra de arte natildeo aceita valer senatildeo como forma isto natildeo significa que

nela se reduz a ser somente forma ela eacute ao mesmo tempo uma forma e um

mundo uma forma que natildeo exige valer senatildeo como pura forma e um mundo

espiritual que eacute um modo pessoal de ver o universo 123

121

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p 273 ldquoUn mondo egrave la realtagrave universale qualegrave vista da una persona egrave un senso personale

delluniverso una visione personale della realtagrave una concezione personale della vita o come ho detto altra

volta Weltanschauung ed ethos e un personalissimo modo dinterpretare il mondo[] Un mondo egrave una visione

delluniverso che diventi carne e sangue duna persona che sia la persona stessa nella sua realtagrave vivente[]rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

122

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p59 ldquo[] nellopera fisicitagrave e spiritualitagrave significato ed esistenza coincidono nellopera darte essere e

dire corpo e spirito sono la stessa cosa Lopera non dice se non ciograve chessa egrave e il suo stesso essere egrave un dire la

sua sola presenza egrave un significatordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p250)

123

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p45 ldquoSe lopera darte non accetta di valere se non come forma ciograve non significa chessa

66

A relaccedilatildeo ldquoformandashmundordquo contida na teoria de arte pareysoniana eacute tatildeo simbioacutetica

como todos os outros binocircmios descritos acima e que estatildeo no nuacutecleo da formatividade da

arte Isto eacute um se explica pelo outro e um natildeo existe sem o outro como Pareyson mostra

nessa passagem

Quando entatildeo se afirma que a obra artiacutestica exprime o mundo do artista e

certamente se pode e deve falar deste modo importa natildeo esquecer que esta

expressatildeo ocorre somente enquanto a obra artiacutestica eacute ao mesmo tempo um

mundo e uma forma E se eacute verdade que ela natildeo pode ser uma forma sem

ser um mundo natildeo eacute menos verdade que tambeacutem natildeo pode ser um mundo

sem ser uma forma 124

Sendo assim constata-se que Pareyson trabalha com vaacuterios conceitos correlatos que

explicam como a arte pode ser coisa fiacutesica e material e ao mesmo tempo ter outras

caracteriacutesticas que a definem como algo tatildeo extraordinaacuterio e uacutenico Ou seja essa rede de

conceitos interligados que datildeo conta de explicar as vicissitudes do conceito de obra de arte

como ldquoformardquo pode ser sintetizada como as relaccedilotildees entre ldquoconteuacutedo - formardquo

ldquoespiritualidade da formardquo ndash ldquofisicalidade da formardquo e finalmente ldquomundo-formardquo Como

descrito nas linhas a seguir

Natildeo obstante as obras de arte satildeo figuras espirituais imagens que tecircm um

significado humano que falam agrave mente e ao coraccedilatildeo que transmitem

sentidos interiores e profundos Mas o aspecto espiritual e interior das obras

de arte natildeo eacute alguma coisa que transcenda o seu aspecto sensiacutevel e a sua

realidade fiacutesica porque antes coincide imediatamente com eles [] Dizer

que na obra de arte o corpo eacute tudo natildeo significa negar-lhe a espiritualidade

si riduca ad essere solo forma essa egrave al tempo stesso una forma e un mondo una forma che non esige di valere

che come pura forma e un mondo spirituale chegrave un modo personale di vedere luniversordquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p242)

124

Idem Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p 273 ldquoQuando perciograve si dice che lopera darte laquo esprime raquo il mondo dellartista e certo si puograve e si deve dir

cosi non bisogna dimenticare che questa laquo espressione raquo avviene solo i n quanto lopera darte egrave insieme un

mondo e una forma e se egrave vero chessa non puograve essere una forma senza essere un mondo non egrave men vero che

non puograve essere un mondo senza essere una formardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p248)

67

mas apenas afirmar que esta espiritualidade deve ser vista no seu mesmo

aspecto fiacutesico 125

Ou seja novamente a noccedilatildeo de simultaneidade eacute ressaltada na proacutepria relaccedilatildeo

fisicalidade - espiritualidade que Pareyson marca de maneira eloquente nesta passagem a

seguir

A magia da obra de arte natildeo eacute a convergecircncia ou a copresenccedila ou a

mediaccedilatildeo da sua espiritualidade e da sua fisicalidade mas a coincidecircncia

destes dois termos o fato de na obra natildeo existir nada de fiacutesico que natildeo seja

significado espiritual nem nada de espiritual que natildeo seja presenccedila fiacutesica126

Esse equiliacutebrio natildeo dualista e natildeo oposicionista entre ldquofisicalidaderdquo e ldquoespiritualidaderdquo

e consequentemente entre ldquoformardquo e ldquoconteuacutedordquo destaca-se e permeia toda a Teoria da

Formatividade127

e desse modo estaacute na chave do entendimento do possiacutevel equiliacutebrio entre

as noccedilotildees de representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo para a interpretaccedilatildeo das problemaacuteticas

concernentes agraves especificidades das artes visuais e em particular da arte pictoacuterica

125

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p119 ldquoEppure le opere darte sono figure spirituali immagini che hanno un significato umano che

parlano alla mente e al cuore che trasmettono sensi interiori e profondi Laspetto spirituale e interiore delle

opere darte non egrave qualcosa che trascenda il loro aspetto sensibile e la loro realtagrave fisica percheacute jiuttosto

coincide immediatamente con essi [] Dire che nellopera darte il corpo egrave tutto non significa negarne la

spiritualitagrave ma solo affermare che questa spiritualitagrave devessere vista nel suo stesso aspetto fisicordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p308)

126

Ibidem op cit p120 ldquoLa magia dellopera darte non egrave la convergenza o la compresenza o la mediazione

del la sua spiritualitagrave e della sua fisicitagrave ma la coincidenza di questi due termini il fatto che nellopera non cegrave

nulla di fisico che non sia significato spirituali neacute nulla di spirituale che non sia presenza fisicardquo (Ibidem Op

cit p308)

127

Como sintetiza Pablo Sarto ldquo[] la nocioacuten de forma que propone nuestro filoacutesofo ofrece varias

posibilidades En primer lugar proporciona una articulacioacuten entre el mundo la naturaleza el arte y las

actividades humanas que recuerda algunas afirmaciones tanto de la esteacutetica claacutesica como de la romaacutentica y

contemporaacutenea Por otro lado permite tener en cuenta tanto los aspectos materiales como los espirituales de la

realidad sin caer en dualismos o en los extremos del espiritualismo y del materialismo [hellip]rdquo (SARTO Pablo

Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson Pamplona EUNSA1998

p302)

Sobre a relaccedilatildeo entre existecircncia e transcendecircncia em Pareyson tambeacutem discorre Giovanni ForneroldquoO

ponto focal do Existencialismo de Pareyson que insiste na ontologicidade constitutiva do homem e na

inseparabilidade de existecircncia e transcendecircncia eacute a interpretaccedilatildeo do nexo existencial como coincidecircncia de

auto-relaccedilatildeo e heterorrelaccedilatildeo de relaccedilatildeo consigo e relaccedilatildeo com o ser []rdquo(FORNERO Giovanni Verbete lt

Existencialismogt In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho

Benedetti 6ordf ed Satildeo Paulo Ed WMF Martins Fontes 2012 p471)

68

216 Relaccedilatildeo entre os conceitos de ldquoformardquo e ldquopessoardquo em Pareyson

E por fim outro conceito que participa dessa cadeia acima descrita de relaccedilotildees

inseparaacuteveis e correlatas eacute o conceito de ldquopessoardquo e que por sua vez se estabelece como

ponto de partida para os binocircmios ldquopessoa - formardquo e ldquopessoa - formatividaderdquo

A noccedilatildeo de ldquopessoardquo eacute formulaccedilatildeo basilar presente na filosofia de Pareyson como um

todo pensamento que muitas vezes eacute chamado de ldquopersonalismordquo128

E igualmente permeia

todo o pensamento especiacutefico sobre Arte que Pareyson formula Como ele mesmo explica

O estudo da interpretaccedilatildeo da obra de arte explicita o incindiacutevel nexo que

subsiste entre uma filosofia da forma e uma filosofia da pessoa e revela

dentre outros a congenialidade que eacute uma das leis fundamentais do espiacuterito

humano e pode trazer agrave esteacutetica e agrave criacutetica uma fundamental contribuiccedilatildeo

onde quer que se apresente cooperaccedilatildeo dos homens troca de ideias e difusatildeo

de civilizaccedilatildeo129

Natildeo parece requerido discorrer sobre todas as complexidades e riquezas de como o

conceito de pessoa se configura no pensamento filosoacutefico pareysoniano pois este seria por si

soacute um assunto rico e vasto o bastante para um estudo inteiro130

Entretanto se faz necessaacuterio

um delineamento do conceito de ldquopessoardquo para o entendimento da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo fundamental para vislumbrar todas as dimensotildees do conceito de ldquoformardquo

128

Pareyson costuma ser identificado como figura expoente do existencialismo italiano e eacute igualmente

conhecido como um filoacutesofo que desenvolveu um pensamento existencialista personalista que muitas vezes eacute

chamado de personalismo ontoloacutegico representado em especial pelo livro ldquoEsistencia e Personardquo (1950) O

filoacutesofo italiano tambeacutem eacute identificado com o desenvolvimento de uma filosofia hermenecircutica representada

sobretudo pelo seu livro de ensaios ldquoVeritagrave e Interpretazionerdquo (1971) e por seus inuacutemeros livros sobre Esteacutetica

Cf SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi Pareyson

Pamplona EUNSA 1998 p16-17 e p28-34 Ver tambeacutem lsquoVerbete Existencialismorsquo de GF [Giovanni Forner]

- In ABBAGNANO Nicola Dicionaacuterio de Filosofia 6ordf ed Revisatildeo e traduccedilatildeo de Ivone Castilho Benedetti

Satildeo Paulo Ed Martins Fontes 2012 p471

129

PAREYSON Luigi Lrsquointerpretazione dellrsquoopera drsquoarte - Atti del III Congresso Internazionale di Estetica

1956 Traduccedilatildeo de Francesco Napoli p 114 a 120 In NAPOLI Francesco Luigi Pareyson e a esteacutetica da

formatividade um estudo de sua aplicabilidade agrave poeacutetica do ready-made 2008 (121 p) Dissertaccedilatildeo (Mestrado

em Filosofia) Ouro Preto Instituto de Filosofia Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto

130

Ver mais em PAREYSON Luigi Sobre el concepto de persona - Actas del Primer Congreso Nacional de

Filosofiacutea Mendoza Argentina marzo-abril 1949 Universidad Nacional de Cuyo Buenos Aires 1950 tomo II

p 1079-1083 (Sesiones III Filosofiacutea de la existencia)

69

pareysoniano Nas palavras dele como se daacute essa sutura dos conceitos de ldquoformardquo

espiritualidade e ldquopessoardquo

A forma eacute ao mesmo tempo fiacutesica e espiritual porque se a mateacuteria eacute formada

eacute fiacutesica o modo de formaacute-la eacute espiritual eis a conjunccedilatildeo de espiacuterito e

mateacuteria na obra de arte e natildeo se poderaacute dizer somente ldquoexprimardquo a pessoa

do artista pois ela eacute de certo modo inteira e indivisiacutevel a pessoa do artista

feita objeto material fiacutesico e existente sem que isso se oponha

naturalmente agrave evidente transcendecircncia reciacuteproca de obra e pessoa131

Desse modo a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo em Pareyson por vezes coincide com a de

ldquoformardquo isto eacute se alinhando ao conceito de ldquoespiritualidaderdquo a noccedilatildeo de ldquopessoardquo se

encontra com a definiccedilatildeo metafiacutesica de ldquoorganismordquo sobretudo no sentido de totalidade

trazida dos aportes aristoteacutelicos e que embasam o entendimento de obra de arte como

ldquoformardquo Nas palavras de Pareyson

Com efeito como totalidade a pessoa eacute obra e como desenvolvimento a

pessoa eacute operar atividade que culmina em obras E a obra por sua vez eacute

forma uma definiccedilatildeo que eacute ao mesmo tempo total e em si mesma completa

singular e irrepetiacutevel universalmente vaacutelida e por todos reconheciacutevel dotada

de coerecircncia e legalidade interna vida para si mesma e lei para si mesma

autocircnoma e independente exemplar e paradigmaacutetica132

Ou seja a noccedilatildeo de totalidade contida no conceito de ldquoformardquo tambeacutem participa da

definiccedilatildeo de ldquopessoardquo daiacute a correspondecircncia que Pareyson estabelece entre ldquoformardquo e

ldquopessoardquo De fato em vaacuterias passagens dos inuacutemeros textos sobre arte Pareyson chega a

131

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p57 ldquoLa forma egrave insieme fisica e spirituale percheacute se la materia formata egrave fisica il modo di

formarla egrave spirituale ecco la congiunzione di spirito e materia nellopera darte la quale non si puograve dire che

soltanto laquo esprima raquo la persona dellartista percheacute piuttosto essa in certo modo egrave intera e indivisibile la

persona dellartista fattasi tutta oggetto materiale fisico ed esistente senza che ciograve contravvenga naturalmente

allevidente trascendenza reciproca di opera e personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha

Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p41)

132

Ibidem op cit p176 ldquoInfatti come totalitagrave la persona egrave opera e come sviluppo la persona egrave operare

attivitagrave che culmina in opere e lopera egrave una forma cioegrave a dire una definitezza chegrave al tempo stesso totale e in seacute

conclusa singolare e irripetibile universalmente valida e onniriconoscibile dotata di coerenza e legalitagrave

interna vita a seacute stessa e legge a seacute stessa autonoma e indipendente esemplare e paradigmaticardquo (Ibidem op

cit p156)

70

afirmar que ldquoformardquo e ldquopessoardquo coincidem como neste exemplo ldquoPor isso se a pessoa eacute

forma e se todo operar humano eacute sempre pessoal o operar humano tem sempre um duplo

caraacuteter por um lado tende a executar formas e pelo outro exprime a totalidade da

pessoardquo133

Contudo antes de prosseguir na descriccedilatildeo da relaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo vale

definir brevemente o conceito de ldquopessoardquo por si soacute para Pareyson no trecho abaixo haacute uma

siacutentese do entendimento do filoacutesofo italiano sobre a concepccedilatildeo de ldquopessoardquo utilizada por ele

Na pessoa se podem encontrar dois aspectos a totalidade e o

desenvolvimento Por um lado com efeito a pessoa eacute em cada um de seus

instantes uma totalidade infinita e definida fixa em uma forma

singulariacutessima e inconfundiacutevel dotada de uma validade concluiacuteda e

reconheciacutevel e por outro eacute um variar contiacutenuo aberto agrave possibilidade de

contestaccedilotildees e reelaboraccedilotildees de revisotildees e enriquecimentos de repeticcedilotildees

de velhos motivos e novos atos De um lado eacute a obra definida e concluiacuteda a

cada instante e do outro eacute obra de desenvolvimento aberta e exigindo

sempre novos atos e novos desenvolvimentos134

Ademais embora haja uma reconhecida influecircncia das correntes de pensamento

rotuladas sob as rubricas ldquoromantismordquo e ldquoidealismordquo que podem ser detectadas permeando o

pensamento de Pareyson visto que ele cita frequentemente autores como Goethe e Schelling

natildeo se pode confundir a ideia de ldquopessoardquo com a noccedilatildeo de ldquosujeitordquo como ele mesmo explica

nesta passagem

133

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p177 Texto em italiano ldquoPerciograve se la persona egrave forma e se ogni operare umano egrave sempre

personale loperare umano ha sempre un doppio carattere per un verso tende a por capo a forme e per l altro

esprime la totalitagrave della personardquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf

Edizione 1960 p157)

134

Ibidem Op cit p176 Texto em italiano ldquoNella persona si possono rinvenire due aspetti la totalitagrave e lo

sviluppo Per un verso infatti la persona egrave fn ciascuno dei suoi istanti una totalitagrave infinita e definita fissata in

una forma singolarissima e inconfondibile dotata duna validitagrave conclusa e riconoscibile e per laltro egrave variare

continuo aperto alla possibilitagrave di contestazioni e rielaborazioni di revisioni e arricchimenti di riprese di

vecchi motivi e di nuovi atti Da un lato la perssona egrave lopera che io faccio di me stesso conclusa e definita in

ogni istante e dallaltro egrave opera i n sviluppo aperta a richiedere ed esigere nuovi atti e nuovi svolgimentirdquo

(Ibidem Op cit p155-156)

71

Uma vez que a pessoa significa singularmente irrepetiacutevel inconfundiacutevel

original mas natildeo tem nada a ver com o ldquosujeitordquo que reduz a pura

intimidade e atividade subjetiva tudo aquilo com que entra em relaccedilatildeo a

pessoa eacute aberta comunicativa social de modo que toda a atividade humana

e por isso tambeacutem a arte tem sempre um caraacuteter pessoal e social a um soacute

tempo [] 135

Portanto eacute diante da relaccedilatildeo entre unidade singular e totalidade que o conceito de

ldquopessoardquo se distingue da acepccedilatildeo de sujeito mais comumente utilizada a partir de aportes

advindos dos pensadores e artistas romacircnticos

Logo eacute na dupla definiccedilatildeo de ldquopessoardquo como ldquototalidaderdquo e ldquodesenvolvimentordquo que

ela se encontra com a definiccedilatildeo de ldquoformardquo (como totalidade) e de ldquoformatividaderdquo (como

desenvolvimento) Logo chega-se a outro aspecto fundamental que eacute acrescido nessa

discussatildeo o sentido de desenvolvimento e que estaacute presente nas definiccedilotildees tanto de ldquopessoardquo

como de ldquoformardquo (enquanto fruto da ldquoformatividaderdquo)

Sendo assim o conceito de ldquopessoardquo para Pareyson se configura natildeo soacute como base do

conceito de ldquoformardquo mas mormente como a base do conceito de ldquoformatividaderdquo pois traz

em si a noccedilatildeo de movimento desenvolvimento e a ideia de dinamismo presente na

operosidade humana como um todo e da qual a operosidade artiacutestica faz parte

Por conseguinte aqui a ldquoformardquo tambeacutem se encontra com os conceitos de teacutekhne e

poiacuteesis para se definir como resultado da ldquoformatividaderdquo e desse modo e a arte eacute entatildeo

definida como produccedilatildeo [poiacuteesis] da forma pela forma na forma isto eacute a ldquoarte eacute pura

formatividaderdquo 136 Porque eacute exatamente no ato de ldquoformarrdquo a obra que a ldquopessoardquo do artista

135

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p91 ldquo[] giaccheacute persona significa sigrave singolaritagrave irripetibile inconfondibile

originalissima ma non ha nulla a che fare col laquosoggettoraquo che riduce a pura intimitagrave e attivitagrave soggettiva tutto

ciograve con cui entra in rapporto la persona egrave aperta comunicativa sociale sigrave che ogni aiti vita umana e quindi

anche larte ha sempre un carattere personale e sociale a un tempo[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p284)

136ldquoA operaccedilatildeo artiacutestica eacute um processo de invenccedilatildeo e produccedilatildeo exercido natildeo para realizar obras especulativas

ou praacuteticas ou seja laacute quais forem mas soacute por si mesmo formar por formar formar perseguindo somente a

forma por si mesma a arte eacute pura formatividaderdquo (PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade

Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p 26) ldquoLoperazione artistica egrave un

processo dinvenzione e produzione esercitato non per realizzare opere speculative o pratiche o altre che siano

72

se ldquoexprimerdquo e ldquoemprestardquo para a ldquoformardquo a sua ldquoespiritualidaderdquo e portanto a sua ldquovisatildeo de

mundo pessoalrdquo Pareyson explica essas intersecccedilotildees nessa passagem

Na obra de arte portanto mundo e forma natildeo satildeo coisas diversas e

alcanccedilaacuteveis somente em diversos niacuteveis a forma justamente em sua

existecircncia fiacutesica eacute o seu mundo e este eacute o sentido em que a expressividade

da arte se reduz agrave sua formatividade E este eacute justamente o aspecto que faz

da arte algo extraordinaacuterio estamos aqui diante de uma ldquocoisardquo e esta nos

remete a um ldquomundordquo 137

Entretanto a partir daiacute a forma se torna ela mesma ldquomundordquo descolando-se da

ldquopessoardquo 138

por isso eacute importante ressaltar que a Teoria da Formatividade evoca que a obra

enquanto autocircnoma e detentora de um estatuto ontoloacutegico por isso natildeo se confunde com o

autor embora tenha sido formada participando da espiritualidade da pessoa do autor e por

isso carrega consigo algo da ldquopessoardquo mas ainda assim eacute independente e tem existecircncia

proacutepria Nas palavras de Pareyson

A forma eacute expressatildeo de si mesma e do autor ao mesmo tempo pessoal em

duplo sentido pessoal enquanto revela o autor e pessoal enquanto dotada de

uma proacutepria e independente personalidade Uma coisa tambeacutem natildeo se acha

separada da outra pois a forma soacute tem uma personalidade proacutepria se uma

pessoa eacute o seu autor e tanto mais consegue revelar seu autor quanto mais

consegue ter sua autocircnoma personalidade Pois a expressatildeo do autor se acha

presente no esforccedilo formativo deste e nele se resolve e assim a forma eacute

ma solo per seacute stesso formare per formare formare perseguendo unicamente la forma per seacute stessa larte egrave

pura formativitagraverdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p

11)

137

Ibidem Op cit p274 ldquoNellopera darte dunque mondo e forma non sono cose diverse o attingibili a

diversi livelli la forma proprio nella sua esistenza fisica egrave il suo mondo e questo egrave il senso in cui lespressivitagrave

dellarte si riduce alla sua formativitagrave Ed egrave ben questa la cosa straordinaria dellarte trova davanti a una laquo

cosa raquo e vi si rinviene un laquo mondo raquordquo (Ibidem Op cit p249-250)

138

Cf PAREYSON lsquoA arte como formatividade pura especiacutefica e intencionalrsquo In Idem Esteacutetica Teoria da

Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993 p25-26 ldquoLrsquoarte come

formativitagrave pura specifica e intenzionalerdquo In Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore

Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 10-12

73

retrato completo de quem a fez porque eacute a expressatildeo completa de si

mesma139

Ademais Pareyson ainda vai mais longe nessa ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo

estabelecida por meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina

como ldquoformatividaderdquo quando ele evoca a importacircncia desse binocircmio para discorrer sobre a

questatildeo da interpretaccedilatildeo da obra de arte Ou seja quando ele discorre sobre a relaccedilatildeo da

ldquoforma ndash espectadorrdquo que se daacute a partir da relaccedilatildeo ldquoforma-pessoardquo entendida duplamente

tanto na ldquopessoardquo do artista como na ldquopessoardquo do espectador Nas palavras dele

Este insuprimiacutevel caraacuteter pessoal da arte prolonga-se ainda na caracteriacutestica

comunicabilidade da forma que eacute universal somente enquanto eacute pessoal e

vice-versa porque fala a todos mas fala a cada um no seu modo De fato

natildeo se tem acesso agrave obra de arte senatildeo pessoalmente no sentido de que a

obra de arte exige interpretaccedilatildeo isto eacute por si mesma uma leitura multiacuteplice

ou melhor infinita como infinitas e sempre diversas satildeo as pessoas dos

inteacuterpretes e dos leitores 140

Por conseguinte eacute essa intersecccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo encontrada no interior da

Teoria da Formatividade que corresponde ao terceiro componente do tripeacute que pode ser

identificado no pensamento pareysoniano como um todo141

Isto eacute a ldquofilosofia da pessoardquo a

ldquofilosofia da formardquo e a ldquofilosofia da interpretaccedilatildeordquo 142

139

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p272 ldquoLa forma egrave espressiva di seacute e del suo autore insieme personale in duplice senso

poicheacute egrave personale in quanto rivela lautore e personale in quanto dotata duna propria e indipendente

personalitagrave neacute luna cosa egrave disgiunta dallaltra percheacute la forma ha una sua personalitagrave solo se persona egrave il suo

autore e tanto piugrave riesce a rivelare il suo autore quanto piugrave giunge ad avere la sua autonoma personalitagrave che

lespressione dellautore egrave presente nello sforzo formativo di costui e vi si risolve e cosigrave la forma egrave ritratto

compiuto di chi lha fatta percheacute egrave espressione compiuta di seacuterdquo (Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave

Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p 247)

140

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p86-87 ldquoQuesto insopprimibile carattere personale dellarte si prolunga ancora nella

caratteristica comunicabilitagrave della forma la quale egrave universale solo in quanto personale e viceversa percheacute

parla a tutti ma a ciascuno parla nel suo modo Infatti non si accede allopera darte se non personalmente nel

senso che lopera drsquoarte esige interpretazione cioegrave suscita di seacute una lettura molteplice anzi infinita come

infinite e sempre diversi sono le persone glrsquointerpreti e dei lettorirdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p280)

141

Sarto acentua a relaccedilatildeo entre as lsquopartesrdquo da filosofia paresyoniana da seguinte maneira ldquoVemos pues aquiacute

nuevo los viacutenculos que existen entre el lsquopersonalismo ontoloacutegicorsquo la lsquometafisica da formarsquo y esta lsquognoseologiacutea

de la interpretacioacutenrsquo y casi sin darnos cuenta hemos pasado del concepto de lsquoformatividadersquo al de

74

22 Os meandros da ldquoformatividaderdquo na Teoria da Formatividade

Partindo do contorno jaacute estabelecido de significado de ldquoformardquo vaacuterios aspectos

fundamentais podem ser identificados no interior dos mecanismos do processo artiacutestico

portanto os meandros da ldquoformatividaderdquo O primeiro ponto a ser destacado eacute o entendimento

de que como jaacute foi dito eacute a busca pela ldquoformardquo que move todo o processo de

ldquoformatividaderdquo

221 A cadeia produtiva da obra de arte ldquoformardquo ldquopessoardquo e ldquoformatividaderdquo

Por isso um dos pontos de apoio da teoria esteacutetica de Pareyson eacute a premissa

fundamental de que durante o percurso da produccedilatildeo da obra exista necessariamente um

objetivo muito claro voltado agrave formaccedilatildeo da coisa concreta (ldquoobra-de-arte-formardquo) Daiacute a

importacircncia do sentido de arte como fazer produtivo e natildeo de um simples fazer Isto eacute a arte

eacute produccedilatildeo [poiacuteen] que resulta numa ldquoobra-formardquo

Sem essas demarcaccedilotildees e entendimentos natildeo se pode concluir que na arte o saber-

fazer se daacute ao mesmo tempo da produccedilatildeo Pois eacute exatamente por conta da busca pela ldquoformardquo

que o saber se configura na hora do ldquoformarrdquo e natildeo antes nem mesmo depois pois esse saber-

fazer estaacute subordinado agrave ldquoformardquo e ao ecircxito da formaccedilatildeo desta natildeo o contraacuterio

lsquointerpretacioacutenrsquo (SARTO Pablo Blanco Hacer arte interpretar el arte Esteacutetica y hermeneacuteutica en Luigi

Pareyson Pamplona EUNSA1998 p34)

142

Esta parte da filosofia pareysoniana pode ser conferida em portuguecircs no livro ldquoVerdade e Interpretaccedilatildeordquo que

constitui uma coletacircnea de ensaios do fim dos anos 1960 e dos anos 1970 Ainda no prefaacutecio desta coletacircnea

Pareyson delimita o conceito de interpretaccedilatildeo que segundo ele teve no campo da esteacutetica um apronfudamento

fundamental Nas palavras dele ldquoO ponto central do pensamento que proponho eacute aquela solidariedade

originaacuteria entre pessoa e verdade na qual consiste a essecircncia genuiacutena do conceito de interpretaccedilatildeo Ao estudo

do conceito de interpretaccedilatildeo jaacute me dedico a mais de vinte anos mais precisamente a partir de quando me pus a

refletir sobre o problema da unidade da filosofia e da multiplicidade das filosofias e sobre a possiblidade de um

diaacutelogo entre diversas perspectivas pessoais desde que finalmente se abandone a concepccedilatildeo objetiva de

verdade No conceito de interpretaccedilatildeo tal como resultou daquela reflexatildeo e tal como foi apronfundado nas

aplicaccedilotildees que dele fiz em outros campos sobretudo no campo esteacutetico permito-me indicar aquela nota

hermenecircutica e portanto ontoloacutegica do personalismo que me distingue de qualquer forma de espiritualismo de

origem idealista ou de derivaccedilatildeo intimistardquo (PAREYSON Luigi Verdade e Interpretaccedilatildeo Traduccedilatildeo de Maria

Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo Satildeo Paulo Martins Fontes 2005 p5)

75

Sendo a ldquoformardquo a geratriz das necessidades e das direccedilotildees de determinada produccedilatildeo

que complete e decirc conta da realizaccedilatildeo da obra de arte acabada Nesse intuito Pareyson clama

por

[] colocar em evidecircncia o caraacuteter dinacircmico da forma agrave qual eacute essencial ser

um resultado ou melhor a resultante de um ldquoprocessordquo de formaccedilatildeo pois a

forma natildeo pode ser vista como tal se natildeo se vecirc no ato de concluir e ao

mesmo tempo incluir o movimento de produccedilatildeo que lhe daacute nascimento e aiacute

encontra o proacuteprio sucesso143

A partir do texto acima eacute possiacutevel afirmar que ldquoformardquo e o processo operativo desta

satildeo inseparaacuteveis no acircmbito da produccedilatildeo da obra de arte e eacute isso que entatildeo Pareyson denomina

como sendo ldquoformatividaderdquo Isto eacute um determina o outro e vice e versa e por conta dessa

relaccedilatildeo simbioacutetica eacute que se conclui que o saber-fazer e o produzir na arte satildeo concomitantes e

indissociaacuteveis

Outro aspecto da ldquoformatividaderdquo que jaacute foi mencionado quando se discorreu sobre a

ldquoformardquo eacute o papel da ldquopessoardquo na ldquoformatividaderdquo e eacute exatamente esse papel que define a

ligaccedilatildeo simbioacutetica entre ldquoforma-pessoardquo Pareyson define a ldquo[] arte como atividade

formativa isto eacute inventiva original criadora e consiste numa presenccedila ao mesmo tempo

triacuteplice e uacutenica da pessoa na arte como energia formante como modo de formar como obra

formadardquo 144 E ainda mais adiante Pareyson completa

[] E se no operar artiacutestico a pessoa do autor tornou-se ela mesma o seu

proacuteprio e insubstituiacutevel modo de formar e se a arte natildeo tem outro conteuacutedo

que natildeo a proacutepria pessoa que eacute a sua energia formante bem se pode dizer

que a obra a que ao processo artiacutestico leva a cabo eacute a proacutepria pessoa do

143

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p10 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

144

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p86 ldquo[] allarte come attivitagrave formativa cioegrave inventiva originale creatrice e consiste in una triplice e

insieme unica presenza della persona nellarte come energia formante come modo di formare come opera

formatardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p280)

76

artista encarnada completamente num objeto fiacutesico e real que eacute justamente

a obra formada 145

Pareyson entatildeo explica que a ligaccedilatildeo entre ldquoformardquo e ldquopessoardquo eacute estabelecida por

meio da especificidade do processo produtivo da arte que ele denomina como

ldquoformatividaderdquo Portanto eacute o modo de formar que se estabelece durante a formatividade da

obra de arte e que tem um caraacuteter uacutenico exatamente pelo caraacuteter uacutenico da ldquopessoardquo que

inventa o modo de formar ao mesmo tempo em que executa a produccedilatildeo da obra que liga agrave

pessoa agrave forma formada

222 A relaccedilatildeo entre forma formante e forma formada

Essa hipoacutetese de que o fazer-produzir e o saber-fazer estatildeo interligados levam a

necessidade de examinar mais de perto o processo de produccedilatildeo da obra arte

Por longos seacuteculos o processo de formaccedilatildeo da obra de arte natildeo foi objeto de

consideraccedilatildeo filosoacutefica permanecendo quando muito no acircmbito das poeacuteticas

e abandonando as regras da retoacuterica [precettistica] 146

Comeccedilou a interessar

agrave meditaccedilatildeo filosoacutefica quando os proacuteprios artistas principiaram a meditar

sobre o assunto principalmente sob o estiacutemulo de poeacuteticas que queriam o

artista consciente das proacuteprias operaccedilotildees 147

Estas frases de Pareyson acima citadas datildeo o tom de sua preocupaccedilatildeo em teorizar o

processo do fazer artiacutestico e recolocar a ecircnfase da reflexatildeo filosoacutefica sobre a definiccedilatildeo de arte

145

Ibidem Op cit p86 ldquo[] lintera persona diventa gesto del fare modo di formare stile E se nelloperare

artistico la persona de lautore egrave diventata essa stessa il suo proprio e insostituibile modo di formare e se larte

non ha altro contenuto che la persona stessa che ne egrave lenergia formante si p u ograve ben dire che lopera cui mette

capo il processo artistico egrave la stessa persona dellartista incarnatasi completamente in un oggetto fisico e reale

qual egrave appunto lopera formatardquo (Ibidem op cit p280-281)

146

Aqui talvez a melhor traduccedilatildeo fosse ldquopreceptivardquo ou ldquodoutrinardquo

147

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p139 ldquoPer lunghi secoli il processo di formazione dellopera darte non fu oggetto di

considerazione filosofica rimanendo tuttal piugrave nellambito delle poetiche e abbandonato alle regole della

precettistica Cominciograve a interessare la meditazione filosofica quando gli artisti stessi presero a meditarci su

soprattutto sotto lo stimolo di poetiche che volevano lartista consapevole delle proprie operazionirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p325)

77

como saber- fazer produtivo [teacutekhne ndash poiacuteetikoacutes] por isso o esforccedilo no resgate das definiccedilotildees

gregas e suas relaccedilotildees com as ideias centrais do filoacutesofo italiano

A partir das variantes dos sentidos de arte apontados no item anterior e partindo da

ideia de que um dos aspectos fundamentais para se pensar a arte eacute a ideia da arte como fazer

[poieicircn] Mas natildeo um simples fazer eacute um saber-fazer [teacutekhne] mas natildeo qualquer saber-fazer

e sim um saber-fazer adquirido no ato do fazer-produzir (teoria da formatividade) e que tem

particularidades muito proacuteprias Como expotildee Pareyson

E eacute justamente esta a condiccedilatildeo do processo artiacutestico guiado por uma espeacutecie

de antecipaccedilatildeo e de pressentimento do ecircxito pelo qual a proacutepria obra age

antes ainda de existir se eacute verdade que a forma existe somente quando o

processo estaacute acabado como resultado de uma atividade que a inventa no

proacuteprio ato que a executa eacute tambeacutem verdade que a forma age como

formante antes ainda de existir como formada oferecendo-se agrave adivinhaccedilatildeo

do artista e por isso solicitando seus eficazes pressaacutegios e dirigindo as suas

operaccedilotildees 148

Como descrito acima uma das particularidades do processo produtivo da arte eacute

conforme apontado previamente a simultaneidade do saber-fazer e do produzir Isso se deve

ao fato de que o processo criativo da arte estaacute subordinado agrave ldquoformardquo No entanto a ldquoformardquo

natildeo existe antes do processo por isso esse percurso do artista ao produzir a obra se

configura num vai e vem dinacircmico entre o ldquovir a serrdquo da ldquoobra-formardquo e a ldquoformardquo da obra

intuiacuteda previamente mas que ainda natildeo eacute ldquoforma formadardquo

148

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142 ldquoEd egrave appunto questa la condizione del processo artistico guidato da una specie

di anticipazione e di presentimento della riuscita per cui lopera stessa agisce prima ancora di esistere se egrave

vero che la forma esiste solamente a processo compiuto come risultato dunattivitagrave che linventa nellatto stesso

che la esegue egrave anche vero che la forma agisce come formante prima ancora di esistere come formata

offrendosi alla divinazione dellartista e quindi sollecitandone gli efficaci presagi e dirigendone le operazionirdquo

(Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia

Editore 2009 p327)

78

223 A inseparabilidade do fazer e da invenccedilatildeo da obra de arte na Teoria da

Formatividade

A correlaccedilatildeo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo central no percurso de

fabricaccedilatildeo da obra de arte tem como motor a invenccedilatildeo que indissociaacutevel da produccedilatildeo gera a

ldquoformatividaderdquo resultando no ecircxito da ldquoformardquo

Portanto eis um conceito chave para o entendimento do processo artiacutestico como um

todo invenccedilatildeo [invenzione] 149 Isto eacute a ideia de invenccedilatildeo como componente central da

ldquoformatividaderdquo que Pareyson indica na sua teoria abaixo segue uma siacutentese central do

processo artiacutestico visto agrave luz da teoria esteacutetica pareysoniana

O conceito central eacute a formatividade entendida esta como a uniatildeo

inseparaacutevel de produccedilatildeo e invenccedilatildeo ldquoFormarrdquo significa aqui ldquofazerrdquo

inventando ao mesmo tempo o ldquomodo de fazerrdquo ou seja ldquorealizarrdquo soacute

procedendo por ensaio em direccedilatildeo ao resultado e produzindo desde modo

obras que satildeo ldquoformasrdquo 150

Mas natildeo eacute qualquer invenccedilatildeo assim como o saber-fazer da arte ocorre

simultaneamente ao fazer-produzir a invenccedilatildeo ocorre junto agrave produccedilatildeo completando um

ciacuterculo contiacutenuo da produccedilatildeo da obra arte que envolve a invenccedilatildeo do modo de fazer e a

execuccedilatildeo propriamente dita ateacute a conclusatildeo da ldquoformardquo Nas palavras dele

O fato eacute que a arte natildeo eacute somente executar produzir realizar e o simples

ldquofazerrdquo natildeo basta para definir sua essecircncia A arte tambeacutem eacute invenccedilatildeo

[invenzione] Ela natildeo eacute execuccedilatildeo de qualquer coisa jaacute ideada realizaccedilatildeo de

um projeto produccedilatildeo segundo regras dadas ou predispostas Ela eacute um fazer

que enquanto faz inventa o por fazer e o modo de fazer A arte eacute uma

atividade na qual a execuccedilatildeo e invenccedilatildeo procedem pari passu simultacircneas e

inseparaacuteveis na qual incremento de realidade eacute constituiccedilatildeo de um valor

149

Entenda-se neste contexto ldquoinvenccedilatildeordquo nos sentidos de criatividade imaginaccedilatildeo e originalidade como

contraponto de coacutepia Ademais correntemente Pareyson utiliza tanto invenccedilatildeo como criaccedilatildeo como sinocircnimas e

em oposiccedilatildeo agrave imitaccedilatildeo Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena

Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p137-139

150

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p12-13 ( Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

79

original Nela concebe-se executando projeta-se fazendo encontra-se a

regra operando jaacute que a obra existe soacute quando eacute acabada nem eacute pensaacutevel

projetaacute-la antes de fazecirc-la e soacute escrevendo ou pintando ou cantando eacute que eacute

encontrada e eacute concebida e eacute inventada 151

Em suma a simultaneidade do saber-fazer e do fazer-produzir se daacute sob duas

condiccedilotildees a primeira como jaacute foi demonstrada se daacute pelo condicionamento do fazer artiacutestico

em busca do ecircxito da ldquoformardquo que estabelece o jogo entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma

formadardquo A segunda se daacute por conta da dinacircmica da ldquoformatividaderdquo que se define pela

contemporaneidade entre a invenccedilatildeo e a produccedilatildeo - execuccedilatildeo da arte Eis portanto a

definiccedilatildeo capital da Teoria da Formatividade cunhada por Pareyson

224 A legalidade interna da ldquoformardquo e a intuiccedilatildeo na Teoria da Formatividade

Ainda Pareyson aponta para uma dinacircmica que envolve o processo de formaccedilatildeo da

arte ldquoCom base nesta lsquodialeacutetica de forma formante e forma formadarsquo a obra de arte tem a

misteriosa prerrogativa de ser ao mesmo tempo lei e resultado da sua formaccedilatildeo isto eacute de

existir como conclusatildeo de um processo estimulado promovido e dirigido por elardquo 152

Eacute exatamente nesse aspecto do processo de fabricaccedilatildeo da arte que se detecta a

presenccedila de descontrole aparente do ldquopessoa-artistardquo Ou seja aqui haacute certa nebulosidade que

dificulta a identificaccedilatildeo da origem e das prerrogativas de determinadas escolhas do artista

levando a conclusatildeo de que uma forccedila externa ou distinta da razatildeo ou da vontade do artista

estaacute agindo Como Pareyson descreve no texto abaixo

151

IdemOs problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p32 ldquoIl fatto egrave che larte non egrave solamente eseguire produrre realizzare e il semplice laquofareraquo non basta a

definirne lessenza larte egrave anche lsquoinvenzionersquo Essa non egrave esecuzione di qualcosa di giagrave ideato realizazione

drsquoun progetto produzione secondo regole date o predisposte lsquoessa egrave un tal fare che mentre fa inventa il da

farsi e il modo di farersquo Larte egrave unattivitagrave in cui esecuzione e invenzione procedono di pari passo simultanee e

inscindibili e in cui lincremento di realtagrave egrave costituzione dun valore originale in essa si concepisce eseguendo

si progetta facendo si trova la regola operando giaccheacute lopera esiste solo quanclegrave finita neacute egrave pensabile di

progettarla prima di farla e solo scrivendo o dipingendo o cantando la si trova e la si concepisce e la

sinventardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p231-232)

152

Ibidem Op Cit p142 ldquoIn base a questa dialettica di forma formante e forma formata lopera darte ha la

misteriosa prerogativa dessere al tempo stesso legge e risultato della sua formazione cioegrave di esistere come

conclusione dun processo da lei stessa stimolato promosso e direttordquo (Ibidem Op cit p327)

80

De fato eacute verdade por um lado que o artista eacute o uacutenico autor da sua obra e

que a diferenccedila entre as condiccedilotildees e o resultado entre os materiais coletados

e o de combustatildeo eacute tal que permite falar de uma verdadeira e proacutepria criaccedilatildeo

original da qual natildeo temos de agradecer a outros senatildeo ao artista Mas por

outro lado eacute preciso tambeacutem reconhecer que a obra tem uma independecircncia

e uma geraccedilatildeo inteira pela qual o artista mal a concebeu natildeo eacute mais livre

de fazer aquilo que quer mas deve seguir a finalidade interna da mesma obra

que ele ideou quase como se fosse um germe que tende a se desenvolver em

fruto maduro 153

Esse raciociacutenio levou vaacuterios pensadores e artistas a atribuiacuterem a origem do fazer

artiacutestico ou do saber-fazer artiacutestico agraves forccedilas divinas ou agrave intuiccedilatildeo Como foi previamente

demonstrado no primeiro capiacutetulo (Sentido de teacutekhne relacionado ao sentido de inspiraccedilatildeo)

Pareyson natildeo nega o misteacuterio que envolve o processo artiacutestico no entanto natildeo o

entende como sendo algo externo ao processo em si e principalmente como sendo externo

ao artista Muito pelo contraacuterio esse aparente descontrole eacute fruto da dinacircmica da busca pela

forma formada que se daacute atraveacutes da forma formante E o misteacuterio se desfaz assim que se tem a

forma acabada isto eacute o ecircxito explica as escolhas e o percurso do artista e mostra a legalidade

interna da ldquoformardquo que eacute constituiacuteda exatamente no momento formativo Portanto a

finalidade e as escolhas decorrentes e guiadas pela forma podem ser detectados ao final do

processo na proacutepria forma formada Nas palavras dele

Eacute a proacutepria obra que se forma desenvolvendo-se daquele primeiro embriatildeo

grado e incubado na mente do artista e tendendo para o termo natural da

proacutepria finalidade a ponto de que se a atividade do artista natildeo consistir no

individual e no seguir este desenvolvimento natural a obra aborta e falha

Que este caminho seja uniacutevoco eacute coisa que soacute aparece quando a obra estaacute

acabada o artista o ignora no curso da produccedilatildeo e eacute por isso que ele procede

153

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p142-143 Texto em italiano ldquoInfatti egrave vero per un verso che lartista egrave lunico autore

della sua opera e che la differenza fra le condizioni e il risultato fra i materiali raccolti e latto di combustione

egrave tale da far parlare di una vera e propria creazione originale di cui non abbiamo da ringraziare altri che

lartista Ma per laltro verso bisogna pure riconoscere che lopera ha una sua indipendenza e una sua interna

generazione per cui lartista non appena lha concepita non egrave piugrave libero di fare quel che vuole ma deve

seguire la finalitagrave interna dellopera stessa chegli ha ideato quasi che fosse un germe il quale tende a

svilupparsi verso il frutto maturordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura

di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p328)

81

tentando e excluindo pouco a pouco as possibilidades escolhidas e postas agrave

prova mas quando a obra eacute conseguida refazendo o caminho agraves avessas e

rememorando a aventura ele compreende que soacute podia fazer a obra daquele

modo 154

Nesse sentido a intuiccedilatildeo pode ser entendida como parte do processo de produccedilatildeo da

obra e como a proacutepria necessidade advinda da ldquoformardquo como uma espeacutecie de lei interna que

determina certa finalidade e que conduz o artista no decorrer do caminho de formaccedilatildeo da arte

Como Pareyson discorre nesta passagem abaixo

[] os problemas apresentados pelo complexo e aventuroso itineraacuterio atraveacutes

do qual o artista tentando e corrigindo e refazendo produz a obra a

inspiraccedilatildeo o exerciacutecio a improvisaccedilatildeo o diaacutelogo com a mateacuteria e o domiacutenio

sobre ela conseguindo justamente atraveacutes da obediecircncia que ela reclama a

teacutecnica e a linguagem da arte e o aspecto herdado desde o ldquotemardquo ou

ldquoassuntordquo ateacute ao ldquoesboccedilordquo e agrave obra terminada155

Em suma discernindo aquilo que a obra pede satisfazendo essa lei interna da proacutepria

obra respeitando aqueles ditames que a obra mesma estabelece mas que paradoxalmente satildeo

advindas das proacuteprias escolhas do artista a obra dita sua necessidade e revela a sua finalidade

ao artista Por isso a ldquoformardquo eacute formante e eacute formada ao mesmo tempo e desta maneira o

artista segue o rastro da forma como se ela lhe ldquodissesserdquo o que ele (artista) ldquodeverdquo fazer

Nesse sentido pode-se afirmar que essa parece ser uma maneira de entender aquilo

que tantos pensadores desde Platatildeo a Pareyson se preocuparam em definir a intuiccedilatildeo do

artista ao produzir a obra de arte E eacute essa parte misteriosa e exposta por muitos como

inexplicaacutevel poreacutem tatildeo palpaacutevel do processo artiacutestico que a teoria de Pareyson explicita na

154

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p143-144 ldquoEgrave lopera stessa che si forma sviluppandosi da quel primo embrione generato

e incubato dalla mente dellartista e tendendo verso il termine naturale della propria finalitagrave al punto che se

lattivitagrave dellartista non consiste nellindividuare e nel seguire questo naturale sviluppo lopera abortisce e

fallisce Che questo cammino sia univoco egrave cosa che appare solo a opera compiuta lartista lo ignora nel corso

della produzione egrave per questo chegli procede tentando ed escludendo via via le possibihtagrave scelte e messe a

prova ma ad opera riuscita rifacendo a ritroso il cammino e rimemorando lavventura egli capisce che solo in

quel modo egli poteva fare loperardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p329)

155

Idem Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis RJ Vozes 1993

p14-15 (Prefaacutecio do autor para a ediccedilatildeo de 1988)

82

fundamental relaccedilatildeo que se estabelece entre ldquoforma formanterdquo e ldquoforma formadardquo no interior

da ldquoformatividaderdquo Sem deixar de ressaltar que nada disso seria possiacutevel sem outra cadeia de

relaccedilotildees que se configura na base da produccedilatildeo do artista isto eacute a simbiose entre ldquoformardquo

ldquopessoardquo e ldquomundordquo

E por fim nas palavras de Pareyson toda complexidade de copossibilidades e

coexistecircncias que definem a ldquoformardquo e consequentemente a ldquoformatividaderdquo

Eis como o processo artiacutestico pode ser ao mesmo tempo criaccedilatildeo e

descoberta liberdade e obediecircncia tentativa e organizaccedilatildeo escolha e

coadjuvaccedilatildeo construccedilatildeo e desenvolvimento composiccedilatildeo e crescimento

fabricaccedilatildeo e maturaccedilatildeo O que caracteriza o processo artiacutestico eacute

precisamente esta misteriosa e complexa copossibilidade que no fundo

consiste numa dialeacutetica entre a livre iniciativa do artista e a teleologia

interna do ecircxito donde se pode dizer que nunca o homem eacute tatildeo criador como

quando daacute vida a uma forma tatildeo robusta vital e independente de impor-se a

seu proacuteprio autor e que o artista eacute tanto mais livre quanto mais obedece agrave

obra que ele vai fazendo ante o maacuteximo de criatividade humana consiste

precisamente nesta uniatildeo de fazer e obedecer pela qual na livre atividade do

artista age a vontade autocircnoma da forma 156

Em siacutentese pode-se resumir a Teoria da Formatividade da seguinte maneira no

processo artiacutestico enquanto ldquoformatividaderdquo coexistem a liberdade inventiva e a lei interna da

ldquoformardquo advinda de uma legalidade e de uma finalidade intriacutenseca a ela isto eacute a

formatividade se constitui na inventividade e na construccedilatildeo de um saber-fazer subordinado ao

ecircxito da produccedilatildeo de uma ldquoobra-de-arte-formardquo E durante o processo dialoacutegico entre ldquoforma

formanterdquo e ldquoforma formadardquo que decorre na relaccedilatildeo ldquoformatividaderdquo e ldquopessoardquo e na

156

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p144 ldquoEcco come il processo artistico puograve essere al tempo stesso creazione e scoperta

libertagrave e obbedienza tentativo e organizzazione scelta e assecondamento costruzione e sviluppo composizione

e crescita fabbricazione e maturazione Ciograve che caratterizza il processo artistico egrave appunto questa misteriosa e

complessa compossibilitagrave che consiste in fondo in una lsquodialettica fra la libera iniziativa dellartista e la

teleologia interna della riuscitarsquo per cui si puograve dire che mai luomo egrave tanto creatore come quando dagrave vita a una

forma cosigrave robusta e vitale e intlipendente da imporsi tal suo stesso autore e che lartista egrave tanto piugrave libero

quanto piugrave obbedisce allopera chegli va facendo anzi il massimo della creativitagrave umana consiste appunto in

questa unione di fare e obbedire per cui nella libera attivitagrave dellartista agisce la volontagrave autonoma della

formardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 p329)

83

simultaneidade da obra de arte enquanto ldquoformardquo e ldquopessoardquo coexistem a fisicalidade da

existecircncia da coisa como organismo vivo e autocircnomo e a espiritualidade da pessoa que

imprime todo o seu ldquomundordquo

23 Outros aportes para a Teoria da Formatividade

Eacute bom lembrar que aleacutem dos jaacute demonstrados aportes advindos de textos de Platatildeo e

de Aristoacuteteles para os conceitos de teacutekhne e poiacuteesis como tambeacutem o conceito de ldquoorganismordquo

Aristoteacutelico que Pareyson relaciona agrave Teoria da Formatividade o proacuteprio Pareyson demarca

pontualmente alguns outros diaacutelogos que contribuiacuteram para a sua definiccedilatildeo de arte como

ldquoformardquo e consequentemente para a sua definiccedilatildeo da atividade artiacutestica como

ldquoformatividaderdquo Como se pode constatar no trecho abaixo

Os conceitos de forma e de formatividade parecem portanto os mais

adequados para qualificar respectivamente a arte e a atividade artiacutestica Para

a atualidade desta concepccedilatildeo contribuiacuteram alguns desenvolvimentos do

pensamento moderno que provindo de pontos de partida diversos mostram

uma convergecircncia significativa de conclusotildees Sobre o caraacuteter formativo da

atividade artiacutestica Goethe atento teorizador das relaccedilotildees entre arte e

natureza escreveu paacuteginas memoraacuteveis e atualiacutessimas sobre analogia entre

obra de arte e organismos da natureza Schelling chamou a atenccedilatildeo Focillon

falou da vida das formas e grande parte da esteacutetica francesa contemporacircnea

insistiu sobre a contemporaneidade da invenccedilatildeo e execuccedilatildeo a psicologia da

forma convidou a meditar sobre os conceitos de totalidade e de estrutura

Whitehead renovou a problemaacutetica do conceito de organizaccedilatildeo e

organicidade Dewey insistiu sobre os conceitos de ldquoacabamentordquo

[compimento] e de ldquoecircxitordquo [riuscita] na Itaacutelia Augusto Guzzo mostrou

como na atividade humana se nucleiam formas que pelo seu exemplar

sucesso datildeo lugar a estilos [] 157

157

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p 32-33 I concetti di forma e di formativitagrave sembrano dunque piugrave adatti a qualificare

rispettivamente larte e lattivitagrave artistica Allattualitagrave di questa concezione hanno contribuito alcuni sviluppi del

pensiero moderno che muovendo da punti di partenza diversi mostrano una significativa convergenza di

conclusioni Sul carattere formativo dellattivitagrave artistica ha scritto pagine memorabili e attualissime Goethe

attento teorizzatore dei rapporti fra arte e natura sullanalogia fra opere darte e organismi della natura ha

84

Assim sendo a partir da leitura desta breve siacutentese que Pareyson formulou fica clara

a abrangecircncia de multiplicidade de diaacutelogos que ele estabeleceu com as diversas correntes e

pensadores contemporacircneos

Ademais Pareyson cita Dewey para explicar como ele entende todas as

particularidades que o conceito de ldquoformardquo como ldquoorganismordquo e sua respectiva formaccedilatildeo

anaacuteloga ao ser vivente traz consigo

A filosofia de Dewey pelo contraacuterio que eacute uma filosofia da operosidade

humana vista no seu aspecto de busca de tentativa de precariedade insiste

muito no processo pelo qual em geral o homem chega agraves suas realizaccedilotildees e

em particular quando o artista acaba as suas obras ele fala do processo

artiacutestico como de um processo orgacircnico que atraveacutes de uma trajetoacuteria de

gestaccedilatildeo incubaccedilatildeo nascimento crescimento maturaccedilatildeo chega agrave obra

como de uma seacuterie de atos reativos que se acumulam em direccedilatildeo de um

cumprimento e de atos seletivos que contribuem para a interpretaccedilatildeo de

todos os fatores numa totalidade 158

Ora curioso que parte dessa descriccedilatildeo tambeacutem poderia ser dita como sendo a proacutepria

noccedilatildeo de ldquoorganicidaderdquo retirada da filosofia aristoteacutelica Assim sendo consequentemente

volta-se novamente a identificar a forte presenccedila de um diaacutelogo com o estagirita em toda a

Teoria da Formatividade Visto que em outra passagem Pareyson liga a ldquoformatividaderdquo a

um processo orgacircnico poreacutem neste caso evidenciando a noccedilatildeo de ldquofinalidaderdquo como motor

da ldquoformatividaderdquo Citando Pareyson

attirato lattenzione Schelling Focillon ha parlato della vita delle forme e gran parte dellestetica francese

contemporanea ha insistito sulla contemporaneitagrave di invenzione ed esecuzione la psicologia della forma ha

invitato a meditare sui concetti di totalitagrave e di struttura Whitehead ha rinnovato la problematica del concetto di

organizzazione e organicitagrave Dewey ha insistito sui concetti dilaquocompimentoraquo e di laquoriuscitaraquo in Italia Augusto

Guzzo ha mostrato come nellattivitagrave umana si nucleano forme che per la loro esemplare riuscita danno luogo a

stili chi scrive queste pagine ha cercato di teorizzare unestetica della laquoformativitagraveraquo che concepisce le opere

darte come organismi viventi di vita propria e dotati di legalitagrave interna e che propone una concezione dinamica

della bellezza artistica (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p232)

158

Ibidem Op cit p140 ldquoInvece la filosofia di Dewey chegrave una filosofia delloperositagrave umana vista nel suo

aspetto di ricerca di tentativo di precarietagrave insiste molto sul processo con cui in generale luomo giunge alle

sue riuscite e in particolare artista compie le sue opere egli parla del processo artistico come dun processo

organico che attraverso una vicenda di gestazione incubazione nascita crescita maturazione giunge allopera

e cioegrave come duna serie di atti reattivi che si accumulano in direzione dun compimento e di atti selettivi che

contribuiscono allinterpretazione di tutti fattori in una totalitagraverdquo (Ibidem Op cit p326)

85

ldquoDizer que no processo artiacutestico a forma eacute ao mesmo tempo formada e

formante natildeo significa interpretaacute-la com desenvolvimento orgacircnico

Tambeacutem num processo orgacircnico o produto eacute ao mesmo tempo produtor E

a escolha e seleccedilatildeo das diversas possibilidades satildeo reguladas por uma

finalidade intriacutenseca que eacute a proacutepria forma futura []rdquo 159

Vale lembrar o quanto a ideia de ldquofinalidaderdquo eacute fundamental para a definiccedilatildeo de

ldquoorganismordquo na filosofia de Aristoacuteteles

E ainda considerando que em Pareyson haacute uma clara indistinccedilatildeo entre a operosidade

artiacutestica e as outras operosidades incluindo a da natureza logo conduz-se a discussatildeo sobre o

fazer artiacutestico num campo de estudo muito mais abrangente do que apenas o campo da arte

gerando implicaccedilotildees importantes para se pensar a relaccedilatildeo entre arte-mundo mundo-artista

mundo-realidade durante o processo de produccedilatildeo e operosidade pois a discussatildeo transborda o

fazer especiacutefico da arte

Ademais Vattimo num texto intitulado Opera drsquoarte e organismo in Aristotele

tambeacutem concorda que o conceito de ldquoorganismordquo em Aristoacuteteles contribui e permeia as

teorias de arte atuais natildeo soacute a pareysoniana Nas palavras dele

Em muitos estudiosos da esteacutetica de vaacuterias inspiraccedilotildees hoje eacute possiacutevel

verificar a ampla utilizaccedilatildeo do termo e do conceito de organismo para

descrever o produto artiacutestico Tanto o conceito como a sua utilizaccedilatildeo

esteacutetica remontam a Aristoacuteteles e eacute portanto uacutetil natildeo soacute para um interesse

filoloacutegico mas para enriquecer e esclarecer agraves temaacuteticas proacuteprias da esteacutetica

atual [] 160

159

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da FormatividadeTraduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p76 ldquoDire che nel processo artistico la forma egrave insieme formata e formante non significa

interpretarlo come uno sviluppo organico Anche i n un processo organico i l prodotto egrave insieme producente e

la scelta e selezione delle varie possibilitagrave egrave regolata da una finalitagrave interna c h egrave la stessa forma futura []rdquo

(Idem Estetica Teoria della Formitivitagrave Bolonha Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960p60)

160

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoPresso molti studiosi di esteacutetica di varia ispirazione egrave possiblie oggi trovare largamente

impiegato il termine e il concetto di organismo per descrivere il prodotto artistico Sia il concetto che il suo uso

estetico risalgono ad Aristotele ed egrave dunque utile non solo per un interesse filologico ma per arricchire e

precisare la stessa tematica estetica attuale[]rdquo (VATTIMO GianneldquoOpera drsquoarte e organimo in Aristotelerdquo

p 211 In VATTIMO Gianne Opere Complete I- Ermeneutica - Tomo 2 Roma Ed Meltemi 2008)

86

Nesse sentido pode-se dizer que a abrangecircncia de diaacutelogos que permeiam o

pensamento pareysoniano esboccedilada acima natildeo invalida a hipoacutetese de que Pareyson valoriza

os conceitos de ldquoteacutekhnerdquo e ldquopoiacuteesisrdquo advindos do pensamento de Platatildeo e sobretudo do

pensamento de Aristoacuteteles acompanhados de suas variantes e conceitos correlatos e tambeacutem

o conceito de ldquoorganismordquo aristoteacutelico inclusive para uma reflexatildeo sobre as especificidades

da Arte ainda hoje Como tambeacutem utiliza como subsiacutedio para definir seu conceito chave isto

eacute ldquoformardquo o conceito de ldquoorganismordquo presente o pensamento de Aristoacuteteles Portanto o

estudo desses conceitos advindos das leituras tanto de Platatildeo como de Aristoacuteteles se

configuram como chaves de leitura importantes para o entendimento dos meandros e

especificidades da Teoria da Formatividade

87

CAPIacuteTULO III

Arte como miacutemesis e a autonomia da obra de arte

na Teoria da Formatividade

O problema da arte representativa e da arte abstrata reclama

o problema mais vasto das relaccedilotildees entre arte e natureza

Tambeacutem aqui se apresenta a antiacutetese entre a mimese e a

abstraccedilatildeo a imagem artiacutestica eacute de um lado signo ndash isto eacute

figuraccedilatildeo do real ndash de outro lado eacute autocircnoma ndash isto eacute

criaccedilatildeolsquoex novorsquo

Pareyson 1966 161

Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [φάος]

porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver

Aristoacuteteles162

31 O conceito de miacutemesis e a Teoria da Formatividade

Como foi demonstrado nos capiacutetulos I e II Pareyson toma como ponto de partida para

delinear o seu pensamento sobre as problemaacuteticas da Arte dois conceitos correlatos advindos

do pensamento grego teacutekhne e poiacuteesis Com efeito esses conceitos acrescidos ao que

Pareyson chama de conceito aristoteacutelico de lsquoorganismorsquo datildeo suporte fundamental para a

161

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Trad de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins

Fontes 1989 p67 ldquoIl problema dellarte rappresentativa e dellarte astratta richiama il problema piugrave vasto dei

rapporti fra arte e natura Anche qui si presenta lantitesi fra la mimesi e lastrazione limmagine artistica da

un lato egrave segno cioegrave raffigurazione del reale dallaltro egrave autonoma cioegrave creazione lsquoex novorsquordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262)

162

ARISTOacuteTELES De Anima 428b 30 - 429a 1-4 ldquoa imaginaccedilatildeo [429a] seraacute um movimento gerado pela accedilatildeo

da percepccedilatildeo sensorial em atividade Ora uma vez que a visatildeo eacute o sentido por excelecircncia a palavra

laquoimaginaccedilatildeoraquo [Φαντασία] deriva da palavra laquoluzraquo [Φάος] porque sem luz natildeo eacute possiacutevel ver E por ltas

imagensgt permanecerem e serem semelhantes agraves sensaccedilotildees os animais fazem muitas coisas graccedilas a elasrdquo

(ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010)

ἢ φαντασία [429ordf] (τοῦτο δ ἐστὶ τὸ λεχθέν) ἡ φαντασία ἂν εἴη κίνησις ὑπὸ τῆς αἰσθήσεως τῆς κατ ἐνέργειαν

γιγνομένη Ἐπεὶ δ ἡ ὄψις μάλιστα αἴσθησίς ἐστι καὶ τὸ ὄνομα ἀπὸ τοῦ φάους εἴληφεν ὅτι ἄνευ φωτὸς οὐκ ἔστιν

ἰδεῖν

88

construccedilatildeo da definiccedilatildeo de lsquoformarsquo e consequentemente de lsquoformatividadersquo no interior da

Teoria da Formatividade pareysoniana

Por sua vez a Teoria da Formatividade ao definir a obra de arte como organismo

vivo reivindicou tanto um estatuto ontoloacutegico como uma autonomia da ldquoformardquo seja com

relaccedilatildeo ao artista seja com relaccedilatildeo ao espectador que a interpreta

Entretanto esta autonomia da ldquoformardquo com relaccedilatildeo a um provaacutevel modelo

demonstrada por Pareyson pode ser verificada nos meandros e fundamentos dos conceitos de

miacutemesis isto eacute nos significados e definiccedilotildees de arte como miacutemesis encontrados tanto em

alguns textos platocircnicos como aristoteacutelicos como seraacute demonstrado a seguir

32 A ldquonegatividaderdquo da miacutemesis em Platatildeo

Retomando a questatildeo da identificaccedilatildeo da atividade da arte em especial da pictoacuterica

como miacutemesis - conforme brevemente esboccedilado nos capiacutetulos I e II - constata-se que esta eacute

uma definiccedilatildeo primaz da arte incluindo a arte pictoacuterica abordada tanto em textos de Platatildeo

como nos de Aristoacuteteles

No Livro X da Repuacuteblica de Platatildeo haacute uma passagem dedicada a discorrer sobre a

miacutemesis com destaque para a sua relaccedilatildeo com a pintura Esse trecho se inicia com a

pergunta ldquoPoderia vocecirc me dizer o que eacute em geral a imitaccedilatildeordquo [miacutemesin hoacuteloshoacute ti

porsquoestiacuten] (Repuacuteblica X 595 c 7)163

E a partir deste ponto enceta-se um longo diaacutelogo sobre o assunto tendo como

exemplo central a atividade do pintor para finalizar com a criacutetica agrave miacutemesis como atividade

distante da verdade e enganadora com a consequente expulsatildeo da cidade dos que praticam

esta atividade isto eacute tanto o pintor quanto o poeta (Repuacuteblica X 605 a-c) 164

163

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012 ldquoΜίμησιν ὅλως ἔχοις ἄν μοι εἰπεῖν ὅτι ποτrsquo ἐστίνrdquo

164

ldquo- Podemos pois com justiccedila censuraacute-lo (poeta) e consideraacute-lo como o par do pintor assemelha-se a ele

por produzir apenas obras sem valor do [b] com o elemento inferior da alma e natildeo com o melhor Assim eis-

nos bem fundamentados para natildeo recebecirc-lo em uma cidade que deve ser regida por leis saacutebias jaacute que desperta

89

Muito se fala sobre a condenaccedilatildeo platocircnica agraves artes que hoje se identificam como

pictoacutericas e poeacuteticas contudo o que interessa refletir aqui natildeo eacute acerca da condenaccedilatildeo

propriamente dita porque eacute claro natildeo compartilhamos desta posiccedilatildeo embora esta discussatildeo

natildeo deixe de ser instigante com vaacuterios desdobramentos 165O que de fato interessa discorrer

sobre o citado diaacutelogo eacute como se constroacutei o argumento que acarreta a condenaccedilatildeo e mais

ainda o que estaacute na base deste argumento proposto por Platatildeo e quais as definiccedilotildees que

foram propostas para se pensar os meandros da produccedilatildeo da pintura

Isto eacute a reflexatildeo que se propotildee a partir da leitura desta longa passagem em primeiro

lugar eacute a definiccedilatildeo da pintura como aparecircncia como fica evidente neste trecho

-Natildeo eacute complicada - respondi - eacute posta em praacutetica amiuacutede e rapidamente

muito rapidamente mesmo se quiseres apanhar um espelho e levaacute-lo contigo

por toda a parte num aacutetimo faraacutes o sol e os astros do ceacuteu em menos tempo

ainda a terra e menos ainda a ti mesmo e os outros seres vivos e os moacuteveis

e as plantas e tudo quanto mencionamos haacute pouco - Sim - disse ele - mas

seratildeo meras aparecircncias e natildeo realidades - Bem - disse eu - chegas ao ponto

pretendido pelo discurso pois dentre os artesatildeos deste gecircnero imagino que

se deva incluir o pintor natildeo eacute - Como natildeo - Mas tu me diraacutes penso que o

que ele faz natildeo tem a menor realidade no entanto de certo modo o pintor

nutre e fortalece o mau elemento da alma e arruiacutena destarte o elemento racional como acontece numa cidade

que eacute entregue aos perversos ao se lhes permitir que fiquem fortes e ao fazer que pereccedilam os homens mais

estimaacuteveis do mesmo modo do poeta imitador diremos que introduz um mau governo na alma de cada

indiviacuteduo lisonjeando o que haacute nela de irracional que eacute incapaz de distinguir o maior do menor que ao

contraacuterio encara os mesmos objetos ora como grandes ora como pequenos que produz apenas fantasmas e se

encontra a uma distacircncia infinita da verdade ndash Certamenterdquo (PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J

Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 2012)

Οὐκοῦν δικαίως ἂν αὐτοῦ ἤδη ἐπιλαμβανοίμεθα καὶ τιθεῖμεν ἀντίστροφον αὐτὸν τῷ ζωγράφῳ καὶ γὰρ τῷ

φαῦλα ποιεῖν πρὸς ἀλήθειαν ἔοικεν αὐτῷ καὶ τῷ πρὸς ἕτερον τοιοῦτον [605b] ὁμιλεῖν τῆς ψυχῆς ἀλλὰ μὴ πρὸς

τὸ βέλτιστον καὶ ταύτῃ ὡμοίωται Καὶ οὕτως ἤδη ἂν ἐν δίκῃ οὐ παραδεχοίμεθα εἰς μέλλουσαν εὐνομεῖσθαι

πόλιν ὅτι τοῦτο ἐγείρει τῆς ψυχῆς καὶ τρέφει καὶ ἰσχυρὸν ποιῶν ἀπόλλυσι τὸ λογιστικόν ὥσπερ ἐν πόλει ὅταν

τις μοχθηροὺς ἐγκρατεῖς ποιῶν παραδιδῷ τὴν πόλιν τοὺς δὲ χαριεστέρους φθείρῃ ταὐτὸν καὶ τὸν μιμητικὸν

ποιητὴν φήσομεν κακὴν πολιτείαν ἰδίᾳ ἑκάστου τῇ ψυχῇ ἐμποιεῖν τῷ ἀνοήτῳ αὐτῆς [605c] χαριζόμενον καὶ

οὔτε τὰ μείζω οὔτε τὰ ἐλάττω διαγιγνώσκοντι ἀλλὰ τὰ αὐτὰ τοτὲ μὲν μεγάλα ἡγουμένῳ τοτὲ δὲ σμικρά εἴδωλα

εἰδωλοποιοῦντα τοῦ δὲ ἀληθοῦς πόρρω πάνυ ἀφεστῶτα - Πάνυ μὲν οὖν

165

Como por exemplo expotildee Pierre-Maxime Schuhl ldquoSe Platatildeo se mostra tatildeo severo com as artes eacute

seguramente porque lhes reconhece ndash por tecirc-las sem duacutevida experimentado ndash a influecircncia irracional que lhes

atribuiacutea Goacutergias mais que qualquer outro ele devia ser sensiacutevel a isso contra ela recorreu ao idealismo

moral e matemaacutetico contra os artifiacutecios dos ilusionistas agrave medida ao nuacutemerordquo (SCHUHL P-M Platatildeo e arte

do seu tempo Trad de Adriano Machado Ribeiro Satildeo Paulo Discurso Editorial Editora Barcarolla 2010 p

63)

90

tambeacutem faz uma cama Ou natildeo - Sim - redarguiu - ao menos uma cama

aparente (Repuacuteblica X 596 d-e) 166

Dito que a pintura eacute aparecircncia o segundo ponto levantado e longamente analisado no

diaacutelogo eacute a distacircncia da miacutemesis incluindo a pintura para com a verdade e

consequentemente o perigo do engano que a pintura poderia acarretar como fica claro nesta

passagem

- Agora considera este ponto qual desses dois objetivos se propotildee a pintura

relativamente a cada objeto o de representar o que eacute tal como eacute ou o que

parece tal como parece Eacute ela imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade - Da

aparecircncia - disse ele - A imitaccedilatildeo estaacute portanto longe do verdadeiro e se

ela modela todos os objetos eacute segundo parece porque toca apenas uma

pequena parte de cada um a qual natildeo eacute aliaacutes senatildeo uma imagem

(eiacutedolon)167

O pintor diremos noacutes por exemplo nos representaraacute um

166

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo

Paulo Perspectiva 2012

Οὐ χαλεπός ἦν δrsquo ἐγώ ἀλλὰ πολλαχῇ καὶ ταχὺ δημιουργούμενος τάχιστα δέ που εἰ rsquoθέλεις λαβὼν κάτοπτρον

[596e] περιφέρειν πανταχῇ ταχὺ μὲν ἥλιον ποιήσεις καὶ τὰ ἐν τῷ οὐρανῷ ταχὺ δὲ γῆν ταχὺ δὲ σαυτόν τε καὶ

τἆλλα ζῷα καὶ σκεύη καὶ φυτὰ καὶ πάντα ὅσα νυνδὴ ἐλέγετο - Ναί ἔφη φαινόμενα οὐ μέντοι ὄντα γέ που τῇ

ἀληθείᾳ - Καλῶς ἦν δrsquo ἐγώ καὶ εἰς δέον ἔρχῃ τῷ λόγῳ Τῶν τοιούτων γὰρ οἶμαι δημιουργῶν καὶ ὁ ζωγράφος

ἐστίν Ἦ γάρ -Πῶς γὰρ οὔ -Ἀλλὰ φήσεις οὐκ ἀληθῆ οἶμαι αὐτὸν ποιεῖν ἃ ποιεῖ Καίτοι τρόπῳ γέ τινι καὶ ὁ

ζωγράφος κλίνην ποιεῖ ἢ οὔ -Ναί ἔφη φαινομένην γε καὶ οὗτος

Outra traduccedilatildeo ldquondashSe pegares um espelho e o mostrares em todas as direccedilotildees em um instante faraacutes o sol

e os astros do ceacuteu em um instante a terra em um instante vocecirc mesmo e os outros animais e os moacuteveis e as

plantas e todos os objetos dos quais falamos ainda haacute pouco ndash Sim ele diz mas natildeo satildeo objetos aparentes

(phainoacutemena) desprovidos de existecircncia real ndash atingistes perfeitamente o ponto que eu precisava para o meu

argumento Com efeito entre esses artiacutefices conta tambeacutem julgo eu o pintor Natildeo eacute assim- Eacutendash E de certo

modo o pintor tambeacutem faz uma cama ou natildeo ndash Sim ele diz uma cama aparente (phainomeacutenen) ela tambeacutemrdquo

(VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens traduccedilatildeo de Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees p 55-56 In

COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoSi tu veux prendre un miroir et le preacutesenter de tous cocircteacutes en moins de rien tu feras le soleil et les astres du

ciel en moins de rien la terre en moins de rien toi-mecircme et les autres animaux et les meubles et les plantes et

tous les objets dont on parlait tout agrave lheure mdash Oui dit-il des objets apparents (phainomena) mais sans aucune

reacutealiteacute veacuteritable [] mdash Et dune certaine faccedilon le peintre aussi fait un lit nest-ce pas mdash Oui dit-il un lit

apparent (phainomenecircn) lui aussi (Reacutep 596 d-e) rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____

Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 108-109)]

167

A palavra em grego εἴδωλον [eiacutedolon] foi traduzida por J Guinsburg por ldquosimulacrordquo entretanto no cotejo

das vaacuterias traduccedilotildees consultadas optou-se por traduzir por ldquoimagemrdquo tal como estaacute em Vernant (Nascimento

das Imagens p60) pois pareceu mais apropriado e preciso jaacute que simulacro eacute um termo que pode acarretar

possiacuteveis interpretaccedilotildees carregadas de significados natildeo correspondentes a contextualizaccedilatildeo do texto platocircnico

Segue o trecho referido acima da Repuacuteblica de Platatildeo (X 598 b-c)ldquo- Relativamente a cada objeto qual a

finalidade da pintura Eacute de representar a realidade como ela realmente eacute ou a aparecircncia como ela aparece

(tograve phainoacutemenon hos phaiacutenetai) Eacute imitaccedilatildeo da aparecircncia ou da realidade ndash Da aparecircncia diz ele - A arte de

imitar (he mimetikeacute) estaacute portanto bem distante do verdadeiro se pode tudo realizar eacute porque atinge apenas

uma pequena parte de cada coisa sendo que esta parte natildeo eacute mais que uma imagem (eiacutedolon)rdquo (Traduccedilatildeo de

91

sapateiro um carpinteiro ou outro artesatildeo qualquer sem ter nenhum

conhecimento do ofiacutecio (c) deles entretanto se for bom pintor tendo

representado um carpinteiro e mostrando-o de longe enganaraacute as crianccedilas e

os homens privados de razatildeo porque teraacute dado agrave sua pintura a aparecircncia de

um autecircntico carpinteiro (Repuacuteblica X 598b-c) 168

Continuando mais adiante o diaacutelogo evolui para a conclusatildeo de que a pintura eacute como

uma ilusatildeo isto eacute Platatildeo descreve os efeitos da ilusatildeo que a imagem visual pode provocar

usando mais este ponto como mais um argumento contra a arte pictoacuterica

- Do seguinte a mesma grandeza encarada de perto ou de longe natildeo parece

igual - Natildeo por certo - E os mesmos objetos parecem quebrados ou retos

conforme os olhemos dentro ou fora da aacutegua ou cocircncavos e convexos

devido agrave ilusatildeo visual produzida pelas cores e eacute evidente que tudo isso lanccedila

a perturbaccedilatildeo em nossa alma Ora dirigindo-se a essa disposiccedilatildeo de nossa

natureza a pintura sombreada natildeo deixa sem emprego nenhum processo de

magia como tambeacutem eacute o caso da arte do charlatatildeo e de muitas outras

invenccedilotildees do gecircnero - Eacute verdade - Ora natildeo descobriu na medida no

caacutelculo e na pesagem excelentes preventivos contra tais ilusotildees de tal modo

que o que prevalece em noacutes natildeo eacute a aparecircncia de grandeza ou de pequeneza

de quantidade ou de peso mas antes o julgamento de quem contou mediu e

pesou - Como natildeo (Repuacuteblica X 602 c-d) 169

Joseacute Otaacutevio Nogueira Guimaratildees da traduccedilatildeo para o francecircs de Jean- Pierre Vernant InVERNANT Jean-

Pierre Nascimento de Imagens p 60 In COSTA LIMA Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio

de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquoQuel but se propose la peinture relativement agrave chaque objet Est-ce de repreacutesenter ce qui est tel quil est ou

ce qui paraicirct tel quil paraicirct (to phainomenon hocircs phainetai) Est-ce limitation de lapparence ou de la reacutealiteacute

mdash De lapparence dit-il mdash Lart dimiter (hecirc mimecirctikecirc) est donc bien eacuteloigneacute du vrai et sil peut tout exeacutecuter

cest quil ne touche quune petite partie de chaque chose et cette partie nest quimage (eidocirclon)(Reacutep 598 b-

c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In _____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois

Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112-113)] 168

Traduccedilatildeo PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo

Satildeo Paulo Perspectiva 2012

Τοῦτο δὴ αὐτὸ σκόπει πρὸς πότερον ἡ γραφικὴ πεποίηται περὶ ἕκαστον πότερα πρὸς τὸ ὄν ὡς ἔχει

μιμήσασθαι ἢ πρὸς τὸ φαινόμενον ὡς φαίνεται φαντάσματος ἢ ἀληθείας οὖσα μίμησις - Φαντάσματος ἔφη

- Πόρρω ἄρα που τοῦ ἀληθοῦς ἡ μιμητική ἐστιν καί ὡς ἔοικεν διὰ τοῦτο πάντα ἀπεργάζεται ὅτι σμικρόν τι

ἑκάστου ἐφάπτεται καὶ τοῦτο εἴδωλον Οἷον ὁ ζωγράφος φαμέν ζωγραφήσει ἡμῖν σκυτοτόμον τέκτονα τοὺς

ἄλλους δημιουργούς [598c] περὶ οὐδενὸς τούτων ἐπαΐων τῶν τεχνῶν ἀλλrsquo ὅμως παῖδάς γε καὶ ἄφρονας

ἀνθρώπους εἰ ἀγαθὸς εἴη ζωγράφος γράψας ἂν τέκτονα καὶ πόρρωθεν ἐπιδεικνὺς ἐξαπατῷ ἂν τῷ δοκεῖν ὡς

ἀληθῶς τέκτονα εἶναι

169

PLATAtildeO A repuacuteblica de Platatildeo Traduccedilatildeo de J Guinsburg (org) 1ordf ed de 2006 2ordf reimpressatildeo Satildeo Paulo

Perspectiva 2012

92

Portanto apesar de outras passagens do diaacutelogo A Repuacuteblica como no livro III (373 b

44-8) que discorrem sobre a pintura como sendo produto da miacutemesis eacute no Livro X que Platatildeo

discorre longamente sobre o problema da pintura levantando dois pontos o primeiro eacute a

definiccedilatildeo de pintura como aparecircncia afirmando que a pintura natildeo imita a realidade mas sim

imita a aparecircncia de realidade O segundo ponto decorre do primeiro se a pintura eacute aparecircncia

se o pintor natildeo conhece verdadeiramente o que imita estaacute longe da verdade170

e a pintura

logo eacute ilusatildeo eacute engano

Logo o que fica claro a partir da leitura dos trechos da Repuacuteblica destacados acima eacute

que Platatildeo natildeo entende a miacutemesis como uma servil duplicaccedilatildeo da realidade tampouco a

pintura enquanto decorrente da miacutemesis

33 Miacutemesis e phantasiacutea em Platatildeo

O conceito de phantasia - em correspondecircncia ao conceito de miacutemesis - tal como se

encontra no diaacutelogo platocircnico O Sofista eacute outro ponto chave para o estudo do papel da

imitaccedilatildeo e sua relaccedilatildeo com o estatuto ontoloacutegico da pintura proposto pela Teoria da

Formatividade Ademais a proposiccedilatildeo acerca da correlaccedilatildeo entre miacutemesis e phantasiacutea

formulada por Platatildeo no Sofista fica ainda mais evidente quando se estuda outro de seu

diaacutelogo o Craacutetilo Portanto haacute que se recorrer agrave leitura destes outros diaacutelogos para entender

como Platatildeo pensava a problemaacutetica da pintura relacionada agrave miacutemesis

Ou seja tambeacutem no Sofista Platatildeo discorreu sobre a ideia de miacutemesis no entanto

aqui neste diaacutelogo ele propotildee o entendimento da miacutemesis como um tipo de produccedilatildeo

Τοῦ τοιοῦδε ταὐτόν που ἡμῖν μέγεθος ἐγγύθεν τε καὶ πόρρωθεν διὰ τῆς ὄψεως οὐκ ἴσον φαίνεται - Οὐ γάρ -

Καὶ ταὐτὰ καμπύλα τε καὶ εὐθέα ἐν ὕδατί τε θεωμένοις καὶ ἔξω καὶ κοῖλά τε δὴ καὶ ἐξέχοντα διὰ τὴν περὶ τὰ

χρώματα αὖ πλάνην τῆς ὄψεως καὶ πᾶσά τις ταραχὴ δήλη [602d] ἡμῖν ἐνοῦσα αὕτη ἐν τῇ ψυχῇ ᾧ δὴ ἡμῶν τῷ

παθήματι τῆς φύσεως ἡ σκιαγραφία ἐπιθεμένη γοητείας οὐδὲν ἀπολείπει καὶ ἡ θαυματοποιία καὶ αἱ ἄλλαι

πολλαὶ τοιαῦται μηχαναί - Ἀληθῆ -῏Αρrsquo οὖν οὐ τὸ μετρεῖν καὶ ἀριθμεῖν καὶ ἱστάναι βοήθειαι χαριέσταται πρὸς

αὐτὰ ἐφάνησαν ὥστε μὴ ἄρχειν ἐν ἡμῖν τὸ φαινόμενον μεῖζον ἢ ἔλαττον ἢ πλέον ἢ βαρύτερον ἀλλὰ τὸ

λογισάμενον καὶ μετρῆσαν ἢ καὶ στῆσαν - Πῶς γὰρ οὔ

170

Trecircs vezes longe da verdade quando se expotildee a distinccedilatildeo entre a cama como modelo primeiro isto eacute a ideia

de cama a segunda seria a cama fabricada e a terceira a pintura da cama para mostrar o quanto a imagem

pictoacuterica estaria longe da verdade no entendimento de Platatildeo e seria portanto uma ilusatildeo enganadora (Cf

Repuacuteblica X 597 a ndash 598)

93

(poiacuteesis) de imagens (eiacutedola) e incluiu a pintura como parte desta produccedilatildeo de imagens que

seriam ldquosegundos objetos iguaisrdquo

E ainda Platatildeo definiu a imagem (eiacutedolon) distinguindo-a em dois tipos um eacute a

imagem do tipo eiacutekones (coacutepias- iacutecones) e o outro eacute a imagem do tipo fanthaacutesmata

(simulacros-fantasmas) 171

Ou seja nos escritos de Platatildeo haacute uma passagem do Sofista onde

Platatildeo faz uma distinccedilatildeo entre os dois tipos de ldquoproduccedilatildeo de imagensrdquo [eiacutedocirclopoiikeacutes] uma

seria a ldquoarte da coacutepiardquo [eἰkastikeacuten] quando a imagem eacute fruto da imitaccedilatildeo do modelo tal como

ele eacute e portanto esta seria uma imitaccedilatildeo fidedigna E a outra que Platatildeo chamou de ldquoarte da

fantasiardquo [fantastikeacuten] perante a qual a produccedilatildeo da imagem natildeo eacute servil ao modelo mas sim

agrave aparecircncia do modelo que ateacute mesmo distorce as medidas reais em favor da aparecircncia para

produzir uma ilusatildeo e enganar o espectador fazendo com que a imagem pareccedila aquilo que

natildeo eacute mas apenas parece ser Platatildeo O Sofista (236 b-c-d)

Estrangeiro mdash Ora natildeo eacute neste caso que se encontra uma grande parte da

pintura e da mimeacutetica em seu todo Teeteto mdash Sem duacutevida Estrangeiro mdash

Mas agrave arte que em lugar de uma coacutepia produz um simulacro natildeo caberia

perfeitamente o nome de arte do simulacroTeeteto-mdash Sim perfeitamente

Estrangeiro-mdash Aiacute estatildeo as duas formas que te anunciei da arte que produz

imagens a arte da coacutepia e a arte do simulacro Teetetomdash Isso mesmo 172

171

Seguindo aqui os termos equivalentes portuguecircsndashgrego a partir das traduccedilotildees propostas por Vernant como

neste texto ldquo[] a distinccedilatildeo que opera o Sofista entre duas formas de mimeacutetica ou de fabricaccedilatildeo de imagens

(eidolopoiikeacute) ndash a primeira produzindo coacutepias-iacutecones (eikoacutenes) semelhantes a seus modelos dos quais

reproduzem as proporccedilotildees reais a segunda produzindo ao contraacuterio simulacros-fantasmas (phantaacutesmata) que

sacrificam as proporccedilotildees exatas para substituiacute-las com suas figuras por aquelas que provocam ilusatildeo aos

olhos dos espectadores []rdquo (VERNANT Jean- Pierre Nascimento de Imagens p 59-60 In COSTA LIMA

Luiz (org) Miacutemesis e a reflexatildeo contemporacircnea Rio de Janeiro Ed UERJ 2010)

[ldquo[] la distinction quopegravere Le Sophiste entre deux formes de mimeacutetique ou de fabrication dimages

(eidocirclopoiikecirc) la premiegravere produisant des copies-icocircnes (eikones) ressemblant agrave leurs modegraveles dont elles

reproduisent les proportions reacuteelles la seconde produisant au contraire des simulacres-fantasmes

(phantasmata) em sacrifiant les proportions exactes pour y substituer dans leurs figures celles qui feront

illusion aux yeux des spectateurs []rdquo(Sophiste 235 e 236 c)rdquo (VERNANT Jean Pierre Naissance drsquoimages In

_____ Religions histoires raisons Paris Franccedilois Maspero 1979 (PCM Petit Collection Maspero) p 112)]

172

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991

Ξένος - Οὐκοῦν πάμπολυ καὶ κατὰ τὴν ζωγραφίαν τοῦτο τὸ [236c] μέρος ἐστὶ καὶ κατὰ σύμπασαν μιμητικήν

Θεαίτητος - Πῶς δ οὔ Ξένος -Τὴν δὴ φάντασμα ἀλλ οὐκ εἰκόνα ἀπεργαζομένην τέχνην ἆρ οὐ φανταστικὴν

ὀρθότατ ἂν προσαγορεύοιμεν Θεαίτητος -Πολύ γε Ξένος - Τούτω τοίνυν τὼ δύο ἔλεγον εἴδη τῆς

εἰδωλοποιικῆς εἰκαστικὴν καὶ φανταστικήν Θεαίτητος - Ὀρθῶς

94

Portanto na citada passagem fica claro que haacute um entendimento que a produccedilatildeo de

imagens incluindo a pictoacuterica natildeo se resume a um mero exerciacutecio de coacutepia servil e fiel a um

suposto modelo pois o filoacutesofo grego pressupotildee uma produccedilatildeo de imagem natildeo fidedigna ao

modelo e ainda diz ser esta a praacutetica comum Segue uma reflexatildeo de Pareyson sobre o

assunto

Se portanto a arte mimeacutetica eacute a arte de produzir imagens (eidocircla) que eacute

imitaccedilatildeo (mimeacutemata) e semelhanccedila (homoiocircmata) de um modelo haacute duas

espeacutecies de imagens a coacutepia (eikoacuten) assim chamada porque copia

exatamente (eacuteoike) e a aparecircncia (phaacutentasma) assim chamada porque

parece (phaiacutenetai) que copia Platatildeo acrescenta que a arte fantaacutestica eacute muito

mais ampla que a arte icaacutestica sobretudo na pintura e em geral em todas as

artes mimeacuteticas A imagem em quanto natildeo ser eacute falsidade o problema da

imitaccedilatildeo se reconecta com o do erro 173

Portanto Platatildeo ao marcar que estas imagens satildeo apenas as aparecircncias das coisas e natildeo

as coisas mesmas admite que as imagens estejam num ldquoestranho jogordquo entre o ldquoserrdquo e o ldquonatildeo

serrdquo como tambeacutem identifica as imagens como falsidades Abaixo segue outro trecho do

citado diaacutelogo

Estrangeiro mdash O que haacute de comum entre todos esses objetos que tu dizes

serem muacuteltiplos mas que honras por um uacutenico nome que eacute o nome de

imagem e que entendes como uma unidade sobre todos eles Fala agora e

sem permitir-lhe vantagem alguma repele o adversaacuterio Teeteto mdash Que

outra definiccedilatildeo dariacuteamos agrave imagem estrangeiro se natildeo a de um segundo

objeto igual copiado do verdadeiro Estrangeiro mdash Teu segundo objeto

igual significa um objeto verdadeiro ou entatildeo que queres dizer com esse

igual Teeteto mdash De forma alguma um verdadeiro certamente mas um

que com ele se pareccedila Estrangeiro mdash Mas por verdadeiro tu entendes um

173

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoSe dunque larte mimetica egrave larte di produrre immagini (εἰδωλα) che sono imitazioni (μιμήματα) e

somiglianza (ὁμοιώματα) dun modello vi saranno due specie dimmagini la copia (εἰκών) cosigrave detta percheacute

copia esattamente (ἔοικε) e la parvenza (φάντασμα) cosigrave detta percheacute pare (φαίνεται) che copi Platone

aggiunge che larte fantastica egrave molto piugrave estesa dellicastica soprattutto nella pittura e in genere in tutte le arti

mimetiche Limmagine in quanto pare senza essere egrave falsitagrave il problema dellimitazione si ricollega con quello

dellerrorerdquo

95

ser real Teeteto mdashCertamente Estrangeiro mdash Entatildeo Por natildeo-verdadeiro

tu entendes o contraacuterio do verdadeiro Teeteto mdash Certamente Estrangeiro

mdash O que parece eacute pois para ti um natildeo-ser irreal pois o afirmas natildeo

verdadeiro Teetetomdash Entretanto haacute algum ser Estrangeiro mdash Em todo o

caso natildeo um ser verdadeiro eacute o que dizes Teeteto mdash Certamente natildeo

ainda que ser por semelhanccedila seja real Estrangeiro mdashAssim pois o que

chamamos semelhanccedila eacute realmente um natildeo-ser irreal Teeteto mdash Temo que

em tal entrelaccedilamento que o ser se enlace ao natildeo-ser de maneira a mais

estranha (Sofista 240 a)174

Pareyson explica este aspecto presente no pensamento de Platatildeo

A imagem portanto consiste em ser e natildeo ser eacute enquanto eacute em si mesma e

natildeo eacute enquanto natildeo eacute o objeto imitado A imagem isto eacute traz em si mesma

a alteridade e a identidade eacute outra do objeto imitado embora natildeo seja

totalmente diferente se assimila ao objeto imitado mesmo natildeo sendo

totalmente igual ou seja idecircntica a ele A semelhanccedila portanto consiste em

uma siacutentese de alteridade e identidade O fundamento da alteridade eacute a

mateacuteria qual se representa o objeto imitado o fundamento da identidade eacute o

ato de assimilaccedilatildeo que impede a imagem de ser diversa ainda que seja outra

do modelo175

174

PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute Ameacuterico Motta Pessanha traduccedilatildeo e notas de Joseacute

Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa mdash 5 ed mdash Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τὸ διὰ πάντων τούτων ἃ πολλὰ εἰπὼν ἠξίωσας ἑνὶ προσειπεῖν ὀνόματι φθεγξάμενος εἴδωλον ἐπὶ πᾶσιν ὡς

ἓν ὄν λέγε οὖν καὶ ἀμύνου μηδὲν ὑποχωρῶν τὸν ἄνδρα Θεαίτητος Τί δῆτα ὦ ξένε εἴδωλον ἂν φαῖμεν εἶναι

πλήν γε τὸ πρὸς τἀληθινὸν ἀφωμοιωμένον ἕτερον τοιοῦτον Ξένος Ἕτερον δὲ λέγεις τοιοῦτον ἀληθινόν ἢ ἐπὶ

τίνι τὸ [240b] τοιοῦτον εἶπες Θεαίτητος Οὐδαμῶς ἀληθινόν γε ἀλλ ἐοικὸς μέν Ξένος Ἆρα τὸ ἀληθινὸν ὄντως

ὂν λέγων Θεαίτητος Οὕτως Ξένος Τί δέ Τὸ μὴ ἀληθινὸν ἆρ ἐναντίον ἀληθοῦς Θεαίτητος Τί μήν Ξένος

Οὐκ ὄντως [οὐκ] ὂν ἄρα λέγεις τὸ ἐοικός εἴπερ αὐτό γε μὴ ἀληθινὸν ἐρεῖς Θεαίτητος Ἀλλ ἔστι γε μήν πως

Ξένος Οὔκουν ἀληθῶς γε φῄς Θεαίτητος Οὐ γὰρ οὖν πλήν γ εἰκὼν ὄντως Ξένος Οὐκ ὂν ἄρα [οὐκ] ὄντως

ἐστὶν ὄντως ἣν λέγομεν εἰκόνα [240c] Θεαίτητος Κινδυνεύει τοιαύτην τινὰ πεπλέχθαι συμπλοκὴν τὸ μὴ ὂν τῷ

ὄντι καὶ μάλα ἄτοπον

175

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 33

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLimmagine perciograve consta di essere e non essere egrave in quanto egrave se stessa non egrave in quanto non egrave loggetto

imitato Limmagine cioegrave reca in seacute lalteritagrave e lidentitagrave egrave altra dalloggetto imitato pur non essendone del

tutto diversa si assimila alloggetto imitato pur non essendogli del tutto eguale e cioegrave identica con esso La

somiglianza dunque consiste in una sintesi di alteritagrave e identitagrave Il fondamento dellalteritagrave egrave la materia nella

quale si rappresenta loggetto imitato il fondamento dellidentitagrave egrave latto di assimilazione che impedisce

allimmagine dessere diversa pur essendo altra dal modellordquo

96

Na passagem acima Pareyson discorre acerca do problema da semelhanccedila e da

subordinaccedilatildeo da imagem para com seu modelo e ao mesmo tempo levanta a questatildeo de que a

imagem mesmo parecida com o modelo nunca seraacute o modelo pois sempre haveraacute um

aspecto de alteridade na imagem E eacute exatamente esta aparente contradiccedilatildeo que a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da arte na Teoria da Formatividade pretende resolver

pois mesmo sendo coacutepia a imagem tem autonomia com relaccedilatildeo ao modelo inclusive a

imagem pictoacuterica como explica Pareyson

Evidentemente o problema natildeo eacute o de corroborar se a imagem artiacutestica tem

ou natildeo relaccedilotildees com a natureza [] o essencial eacute que a imagem artiacutestica seja

acabada na sua estrutura autocircnoma Que a arte copie ou transfigure o

essencial eacute que ela ldquofigurerdquo que a arte deforme ou transforme o essencial eacute

que ela ldquoformerdquo176

Ademais Platatildeo disse ainda que as imagens produzidas pelos pintores seriam como

um sonho acordado como um reflexo (Sofista 239 c-d177

e 266c178

) reiterando esse

entendimento da imagem pictoacuterica como um ldquonatildeo serrdquo e como uma ilusatildeo

176

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoIl problema evidentemente non egrave di assodare se limmagine artistica abbia o non

abbia rapporti con la natura Sul piano della poetica si potragrave discutere se larte debba copiare o deformare e

sul piano della critica si potragrave caratterizzare in tali modi una determinata forma darte ma sul piano

dellestetica lessenziale egrave che limmagine artistica sia compiuta nella sua autonoma struttura Che larte

raffiguri o trasfiguri lessenziale egrave chessa laquofiguriraquo che larte deformi o trasformi lessenziale egrave chessa

laquoformiraquordquo (PAREYSON Luigi I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco

Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

177

ldquoEstrangeiro mdash Em consequecircncia se afirmamos que ele possui uma arte de simulacro o emprego de tais

foacutermulas lhe tornaria faacutecil a resposta Facilmente ele voltaria contra noacutes as nossas foacutermulas e quando o

chamaacutessemos de produtor de imagens ele nos perguntaria o que afinal de contas chamamos de imagens

Devemos pois procurar Teeteto o que se poderia responder com acerto a este espertalhatildeo Teeteto- mdash

Evidentemente que responderemos lembrando as imagens das aacuteguas e dos espelhos as imagens pintadas ou

gravadas e todas as demais da mesma espeacutecierdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

Ξένος Τοιγαροῦν εἴ τινα φήσομεν αὐτὸν ἔχειν φανταστικὴν [239d] τέχνην ῥᾳδίως ἐκ ταύτης τῆς χρείας τῶν

λόγων ἀντιλαμβανόμενος ἡμῶν εἰς τοὐναντίον ἀποστρέψει τοὺς λόγους ὅταν εἰδωλοποιὸν αὐτὸν καλῶμεν

ἀνερωτῶν τί ποτε τὸ παράπαν εἴδωλον λέγομεν Σκοπεῖν οὖν ὦ Θεαίτητε χρὴ τί τις τῷ νεανίᾳ πρὸς τὸ

ἐρωτώμενον ἀποκρινεῖται Θεαίτητος Δῆλον ὅτι φήσομεν τά τε ἐν τοῖς ὕδασι καὶ κατόπτροις εἴδωλα ἔτι καὶ τὰ

γεγραμμένα καὶ τὰ τετυπωμένα καὶ τἆλλα ὅσα που τοιαῦτ ἔσθ ἕτερα

178

PLATAtildeO Sofista 266c ldquoEstrangeiromdash Mas que diremos de nossa arte humana Natildeo afirmaremos que

pela arte do arquiteto se cria uma casa real e pela arte do pintor uma outra casa espeacutecie de sonho

apresentado pela matildeo do homem a olhos despertosrdquo (PLATAtildeO Diaacutelogos Platatildeo seleccedilatildeo de textos de Joseacute

Ameacuterico Motta Pessanha Traduccedilatildeo e notas de Joseacute Cavalcante de Souza Jorge Paleikat e Joatildeo Cruz Costa 5ordf

ed Satildeo Paulo Nova Cultural 1991)

97

E por fim no Craacutetilo Platatildeo tambeacutem disserta sobre a imagem pictoacuterica repetindo tal

como no Sofista o entendimento que haacute uma distacircncia e uma diferenccedila entre a imagem

produzida pela arte e seu suposto modelo isto eacute ele diz que se se pudesse imitar o modelo tal

como ele realmente eacute na sua totalidade natildeo seria uma imagem mas sim a coisa mesma

Soacutecrates - [] Vecirc se tenho razatildeo Se fossem postos juntos dois objetos

diferentes Craacutetilo e a imagem de Craacutetilo e uma divindade natildeo imitasse

apenas a tua figura e tua cor como fazem os pintores mas formasse todas as

entranhas iguais agraves tuas emprestando-lhes o mesmo grau de ductibilidade e

calor aleacutem de movimento alma e raciociacutenio tal como haacute em ti em uma

palavra tudo exatamente como eacutes e colocasse ao teu lado essa duplicata de

ti mesmo tratar-se-ia de Craacutetilo e uma imagem de Craacutetilo ou de dois

Craacutetilos Craacutetilo - Quer parecer-me Soacutecrates que seriam dois Craacutetilos

(Craacutetilo 432 b-c) 179

Pareyson analisando algumas passagens do citado diaacutelogo conclui

Reconectando o problema da imitaccedilatildeo com o problema do erro Platatildeo

retoma do Sofista o problema no Craacutetilo [] Consequentemente o

semelhante natildeo eacute nem o totalmente outro isto eacute o diverso nem eacute totalmente

igual isto eacute idecircntico [] 180

Portanto pode-se concluir que tanto no Sofista no Craacutetilo quanto na Repuacuteblica

Platatildeo aponta para a relaccedilatildeo entre modelo miacutemesis [imitaccedilatildeo] imagem distinguindo de um

Ξένος Τί δὲ τὴν ἡμετέραν τέχνην ἆρ οὐκ αὐτὴν μὲν οἰκίαν οἰκοδομικῇ φήσομεν ποιεῖν γραφικῇ δέ τιν ἑτέραν

οἷον ὄναρ ἀνθρώπινον ἐγρηγορόσιν ἀπειργασμένην [266d] Θεαίτητος Πάνυ μὲν οὖν

179

Traduccedilatildeo PLATAtildeO Teeteto e Craacutetilo Traduccedilatildeo de Carlos Alberto Nunes 3ordfed Beleacutem EDUFPA 2001

Σωκράτης - [] τοῦ δὲ ποιοῦ τινος καὶ συμπάσης εἰκόνος μὴ οὐχ αὕθ ltᾖgt ἡ ὀρθόθς ἀλλὰ τὸ ἐναντίον οὐδὲ τὸ

παράπαν δέῃ πάντα ἀποδοῦναι οἷόν ἐστιν ᾧ εἰκάζει εἰ μέλλει εἰκὼν εἶναι Σκόπει δὲ εἰ τὶ λέγω Ἆρ᾽ ἂν δύο

πράγματα εἴη τοιάδε οἷον Κρατύλος καὶ Κρατύλου εἰκών εἴ τις θεῶν μὴ μόνον τὸ σὸν χρῶμα καὶ σχῆμα

ἀπεικάσειεν ὥσπερ οἱ ζωγράφοι ἀλλὰ καὶ τὰ ἐντὸς πάντα τοιαῦτα ποιήσειεν οἷάπερ τὰ σά καὶ μαλακόθτας

[432c] καὶ θερμόθτας τὰς αὐτὰς ἀποδοίη καὶ κίνησιν καὶ ψυχὴν καὶ φρόνησιν οἵαπερ ἡ παρὰ σοὶ ἐνθείη αὐτοῖς

καὶ ἑνὶ λόγῳ πάντα ἅπερ σὺ ἔχεις τοιαῦτα ἕτερα καταστήσειεν πλησίον σου πότερον Κρατύλος ἂν καὶ εἰκὼν

Κρατύλου τότ᾽ εἴη τὸ τοιοῦτον ἢ δύο Κρατύλοι Κρατύλος - Δύο ἔμοιγε δοκοῦσιν ὦ Σώκρατες Κρατύλοι

180

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

32 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoRicollegando il problema dellimitazione col problema dellerrore Platone riprende nel Sofista il problema

del Cratilo []Quindi il simile non egrave neacute il totalmente altro e cioegrave il diverso neacute il totalmente eguale cioegrave

lidentico[]rdquo

98

lado a coisa e de outro a pintura Entretanto como a imagem natildeo eacute um duplo do modelo

esta pressupotildee um espectador que a apreenda que a identifique e que a julgue Como expotildee

Pareyson

A imitaccedilatildeo implica trecircs elementos o objeto imitado que eacute o modelo em

relaccedilatildeo ao qual se julga a imitaccedilatildeo uma mateacuteria que eacute o meio no qual se

concebe e se representa o objeto imitado um ato de assimilaccedilatildeo isto eacute o

que torna a imagem aproximada ao objeto imitado 181

Portanto pode-se dizer que eacute por isso que Platatildeo idenfica o perigo que imagem pode

acarretar pois o espectador poderia incorrer no erro de natildeo entender que a imagem eacute ilusatildeo e

apenas aparecircncia da coisa e natildeo a coisa mesma Nesse sentido eacute esta relaccedilatildeo triacuteplice que

define a pintura enquanto imagem e natildeo apenas a relaccedilatildeo dupla imitaccedilatildeo-modelo pois o

espectador eacute quem identifica e interpreta a imagem mesmo que este espectador seja o proacuteprio

artiacutefice da obra Interessante que esta identificaccedilatildeo do espectador como o terceiro veacutertice da

cadeia produtiva da obra de arte estaacute igualmente presente em outro diaacutelogo de Platatildeo o Iacuteon

(535d -536a) 182

o que demonstra o quanto Platatildeo se preocupou com a questatildeo de como a

imagem eacute recepcionada e interpretada

E ainda a partir das leituras dos trechos tanto da Repuacuteblica como nas passagens do

Sofista e do Craacutetilo citados anterioremente tambeacutem se pode afirmar que Platatildeo mostra que a

imagem pictoacuterica tem uma significativa diferenccedila com relaccedilatildeo ao modelo ganhando uma

autonomia que Platatildeo via de maneira negativa pois nunca eacute uma imitaccedilatildeo fiel da coisa

181

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

33 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLimitazione

implica tre elementi loggetto imitato che egrave il modello in rapporto al quale si giudica dellimitazione una

materia chegrave il mezzo nel quale si rende e si rappresenta loggetto imitato un atto dassimilazione chegrave ciograve che

rende limmagine vicina alloggetto imitatordquo

182

Soacutec Sabes entatildeo que o proacuteprio espectador eacute o uacuteltimo dos aneacuteis de que eu falava a receber o poder que

sob o efeito da pedra de Heacutercules (536) passa de um para o outro O do meio eacutes tu rapsodo e o ator e o

primeiro eacute o proacuteprio poeta O Deus atraveacutes de todos eles dirige a alma dos homens para onde quiser fazendo

passar o poder de uns para os outros[]rdquo (Traduccedilatildeo PLATAtildeO Sobre a inspiraccedilatildeo poeacutetica (Iacuteon) e sobre a

mentira (Hiacutepias Menor) Trad de Porto Alegre LampPM Pocket 2007)

ΣΩΚΡΑΤΗΣ Οἶσθα οὖν ὅτι οὗτός ἐστιν ὁ θεατὴς τῶν δακτυλίων ὁ ἔσχατος ὧν ἐγὼ ἔλεγον ὑπὸ τῆς

Ἡρακλειώτιδος λίθου ἀπ ἀλλήλων τὴν δύναμιν λαμβάνειν ὁ δὲ μέσος σὺ ὁ [536a] ῥαψῳδὸς καὶ ὑποκριτής ὁ δὲ

πρῶτος αὐτὸς ὁ ποιητής ὁ δὲ θεὸς διὰ πάντων τούτων ἕλκει τὴν ψυχὴν ὅποι ἂν βούληται τῶν ἀνθρώπων

ἀνακρεμαννὺς ἐξ ἀλλήλων τὴν δύναμιν[]

99

sempre se configura como outro mas que tanto Aristoacuteteles como Pareyson veratildeo de maneira

positiva como discorre Pareyson

Platatildeo reconhece que este mundo da arte eacute ldquooutrordquo do objeto imitado

todavia tal ldquoalteridaderdquo eacute na compreensatildeo dele ldquoinferioridaderdquo derivada de

uma transposiccedilatildeo de ldquomateacuteriardquo diversa e natildeo como criaccedilatildeo de um mundo

novo devido agrave originalidade do artista183

Embora Platatildeo entenda que isto faccedila da pintura uma falsidade uma ilusatildeo atribuindo agrave

produccedilatildeo de imagens pictoacutericas uma ldquonegatividaderdquo e condenando-as como por exemplo se

vecirc na Repuacuteblica E apesar da condenaccedilatildeo da imagem pictoacuterica contida em alguns diaacutelogos de

Platatildeo o reconhecimento de que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica nunca eacute fiel ao modelo abre

a discussatildeo sobre o significado da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo nestes diaacutelogos mostrando que

esta eacute uma questatildeo latente em Platatildeo e continua fundamental ateacute hoje como expotildee Pareyson

[] uma primeira referecircncia agrave atividade positiva do artista pode-se encontrar

na arte ldquofantaacutesticardquo a semelhanccedila produzida da arte fantaacutestica eacute aparecircncia

que altera o objeto em vista da exigecircncia do espectador Trata-se sim de

uma falsificaccedilatildeo do real e de um engano em que se atrai o espectador e este

eacute o lado negativo da concepccedilatildeo platocircnica mas se trata ainda de uma

elaboraccedilatildeo intencional da realidade e este eacute o primeiro aceno positivo de um

princiacutepio de abstraccedilatildeo com relaccedilatildeo ao objeto representado Vecirc-se portanto

em Platatildeo um primeiro reconhecimento da ldquoautonomiardquo do mundo da arte

mesmo que essa tal autonomia venha a ser entendida como ldquoalteridaderdquo e

que seja ldquodegeneraccedilatildeordquo devido agrave presenccedila da ldquomateacuteriardquo e seja um

ldquoenganordquo184

183

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 34

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoPlatone riconosce che il mondo dellarte egrave laquoaltroraquo dalloggetto imitato senoncheacute tale laquoalteritagraveraquo egrave intesa da lui

come laquoinferioritagraveraquo derivante da una trasposizione di una laquomateriaraquo diversa e non come creazione di un mondo

nuovo dovuto alloriginalitagrave dellartistardquo

184

(Traduccedilatildeo nossa) Ibidem p 34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano

Mursia Editore 2009 ldquoUn primo accenno allattivitagrave positiva dellartista si puograve invece rinvenire nellarte

fantastica la somiglianza prodotta dallarte fantastica egrave parvenza che altera loggetto in vista dellesigenza

dello spettatore Si tratta sigrave duna falsificazione del reale e di un inganno in cui si attira lo spettatore e questo

egrave il lato negativo della concezione platonica ma si tratta anche duna elaborazione intenzionale della realtagrave e

questo egrave il primo accenno positivo a un principio di astrazione rispetto alloggetto rappresentato Vegrave dunque in

Platone un primo riconoscimento dellrsquolaquoautonomiaraquo del mondo dellarte anche se tale autonomia viene intesa

come laquoalteritagraveraquo chegrave laquodegenerazioneraquo dovuta alla presenza della laquomateriaraquo e a un laquoingannoraquordquo

100

Outro ponto que se pode identificar a partir da leitura do Craacutetilo eacute a demarcaccedilatildeo da

diferenccedila entre os conceitos ainda hoje pertinentes imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois se de um

lado a imitaccedilatildeo pode ser identificada com o conceito de miacutemesis e para Platatildeo quanto mais

fiel ao modelo melhor por outro lado o conceito de imaginaccedilatildeo pode ser identificado com o

conceito de phantasiacutea jaacute que a produccedilatildeo da imagem pictoacuterica parte de uma interpretaccedilatildeo de

um suposto modelo e natildeo soacute do artista mas tambeacutem como propotildee Platatildeo resulta numa

interpretaccedilatildeo do proacuteprio espectador

Logo Platatildeo no Craacutetilo e no Sofista ao propor uma ligaccedilatildeo quase indissociaacutevel entre

imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo pois ambos estariam abarcados no proacuteprio conceito de miacutemesis que

neste caso natildeo pode ser entendida como imitaccedilatildeo no sentido de mera coacutepia define o conceito

de arte como representaccedilatildeo no sentido de phantasiacutea como produto da interpretaccedilatildeo do

modelo pelo artista e natildeo apenas a arte como mera imitaccedilatildeo Sobre esta tese Pareyson

discorre

A arte como interpretaccedilatildeo da realidade para representar [rappresentare] eacute

conceito que se apresenta em todo o curso da histoacuteria da esteacutetica e Platatildeo

nos daacute neste ponto um primeiro vislumbre Com tal conceito se derruba a

concepccedilatildeo de arte como semelhanccedila [somiglianza] esteacutetica e passiva a

semelhanccedila mesma torna-se esforccedilo de assimilaccedilatildeo e assim implica o

artista numa atividade original comprometida em penetrar no modelo para

apreender a sua natureza iacutentima185

34 ldquoPositividaderdquo da miacutemesis em Aristoacuteteles

No capiacutetulo I discorreu-se sobre uma passagem da Fiacutesica de Aristoacuteteles onde estaacute

explicitado que a teacutekhne [arte] eacute imitaccedilatildeo [miacutemesis] da phyacutesis [natureza] usando aqui os

termos advindos destas leituras No cap II refletiu-se que a partir do conceito de ldquoorganismordquo

que Pareyson identifica em vaacuterios textos aristoteacutelicos concluiu-se que a arte eacute imitaccedilatildeo da

185

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

34 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 ldquoLarte come

interpretazione della realtagrave da rappresentare egrave concetto che si presenta in tutto il corso della storia dellestetica

e Platone ne dagrave a questo punto un primo accenno Con tal concetto si rovesceragrave la concezione dellarte come

somiglianza statica e passiva la somiglianza stessa diventa sforzo dassimilazione e quindi implica nellartista

unattivitagrave originale intesa a penetrare il modello per coglierne lintima naturardquo

101

natureza mas natildeo enquanto coacutepia fiel e sim como complemento e preenchimento do que a

natureza natildeo produz trazendo assim o novo Nas palavras de Pareyson

Sendo assim as coisas o verdadeiro significado da concepccedilatildeo tradicional de

arte como imitaccedilatildeo da natureza eacute aquele jaacute muitas vezes emergido da

esteacutetica pelo qual a arte opera como a natureza isto eacute produz objetos com

uma estrutura unitaacuteria coisa entre coisas organismos autocircnomos formas

vivas 186

Isto eacute a partir dessa constataccedilatildeo que a arte mimeacutetica eacute pensada como incremento da

natureza e a renova logo pode-se afirmar que a arte eacute preenchimento do que falta eacute a

presenccedila da ausecircncia Neste sentido a arte enquanto miacutemesis eacute a presenccedila do ausente (outro)

e natildeo a repeticcedilatildeo de outro presente (modelo) portanto mesmo que haja um modelo o produto

advindo da teacutecnica-arte eacute sempre outro sempre novo podendo reivindicar autonomia

ontoloacutegica com relaccedilatildeo ao suposto objeto referente E como completa Pareyson ldquoFazer arte

significa em primeiro lugar realizar eacute soacute secundariamente que ela eacute significaccedilatildeo ou

imitaccedilatildeo ou qualquer outra coisardquo 187

Todavia como se mostrou anteriormente quando Aristoacuteteles discorre sobre Arte natildeo

diz das Artes em strictu sensu como definimos hoje mas de toda e qualquer produccedilatildeo

humana incluindo as Artes em geral Entretanto na Poeacutetica Aristoacuteteles discorre

especialmente sobre o que entendemos por Arte atualmente e diferente de Platatildeo expotildee a

atividade da miacutemesis de forma positiva

Para discorrer e explicar o que significa arte enquanto miacutemesis Aristoacuteteles elenca dois

argumentos a favor da miacutemesis um que a miacutemesis eacute congecircnita ao homem e faz parte de sua

natureza e o outro que a miacutemesis gera prazer justamente por ser congecircnita e mais ainda por

proporcionar o aprendizado nas palavras dele da Poeacutetica

186

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p70 ldquoCosigrave stando le cose il vero significato della concezione tradizionale dellarte come

imitazione della natura egrave quello giagrave spesso emerso nella storia dellestetica per cui larte opera come la natura

cioegrave produce oggetti con una struttura unitaria cose fra cose organismi autonomi forme viventirdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p264 )

187

Ibidem Op cit p69 ldquoFar arte significa anzitutto realizzare solo secondariamente essa egrave signilicazione o

espressione o raffigurazione o altro che siardquo(Ibidem Op cit p264 )

102

Ao que parece duas causas e ambas naturais geraram a poesia O imitar eacute

congecircnito no homem (e nisso difere dos outros viventes pois de todos eacute ele

o mais imitador e por imitaccedilatildeo aprende as primeiras noccedilotildees) e os homens

se comprazem no imitado Sinal disto eacute o que acontece na experiecircncia noacutes

contemplamos com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas

que olhamos com repugnacircncia por exemplo [as representaccedilotildees de] animais

ferozes e [de] cadaacuteveres Causa eacute que o aprender natildeo soacute muito apraz aos

filoacutesofos mas tambeacutem igualmente aos demais homens se bem que menos

participem dele Efetivamente tal eacute o motivo por que se deleitam perante as

imagens olhando-as aprendem e discorrem sobre o que seja cada Uma

delas [e diratildeo] por exemplo este eacute tal Porque se suceder que algueacutem natildeo

tenha visto o original nenhum prazer lhe adviraacute da imagem como imitada

mas tatildeo-somente da execuccedilatildeo da cor ou qualquer outra causa da mesma

espeacutecie (Poeacutetica 1448 b 4-19) 188

Outro aspecto da imitaccedilatildeo que eacute repetido natildeo soacute na Poeacutetica mas tambeacutem em outros

textos eacute que o que gera prazer natildeo eacute a miacutemesis apenas enquanto imitaccedilatildeo pois a miacutemesis natildeo

eacute imitaccedilatildeo de outro igual mas e sobretudo eacute complemento do que falta Portanto Aristoacuteteles

aponta que o proporciona prazer estaacute no ldquobem fazerrdquo da teacutekhne [arte] como fica claro nesta

passagem da Retoacuterica

188

Traduccedilatildeo ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural

1973 1450 a ou sect33 p 448

Ἐοίκασι δὲ γεννῆσαι μὲν ὅλως τὴν ποιητικὴν αἰτίαι [5] δύο τινὲς καὶ αὗται φυσικαί Τό τε γὰρ μιμεῖσθαι

σύμφυτον τοῖς ἀνθρώποις ἐκ παίδων ἐστὶ καὶ τούτῳ διαφέρουσι τῶν ἄλλων ζῴων ὅτι μιμητικώτατόν ἐστι καὶ τὰς

μαθήσεις ποιεῖται διὰ μιμήσεως τὰς πρώτας καὶ τὸ χαίρειν τοῖς μιμήμασι πάντας Σημεῖον δὲ τούτου τὸ

συμβαῖνον [10] ἐπὶ τῶν ἔργωνmiddot ἃ γὰρ αὐτὰ λυπηρῶς ὁρῶμεν τούτων τὰς εἰκόνας τὰς μάλιστα ἠκριβωμένας

χαίρομεν θεωροῦντες οἷον θηρίων τε μορφὰς τῶν ἀτιμοτάτων καὶ νεκρῶν Αἴτιον δὲ καὶ τούτου ὅτι μανθάνειν

οὐ μόνον τοῖς φιλοσόφοις ἥδιστον ἀλλὰ καὶ τοῖς ἄλλοις ὁμοίως ἀλλ᾽ ἐπὶ βραχὺ [15] κοινωνοῦσιν αὐτοῦ Διὰ

γὰρ τοῦτο χαίρουσι τὰς εἰκόνας ὁρῶντες ὅτι συμβαίνει θεωροῦντας μανθάνειν καὶ συλλογίζεσθαι τί ἕκαστον

οἷον ὅτι οὗτος ἐκεῖνοςmiddot ἐπεὶ ἐὰν μὴ τύχῃ προεωρακώς οὐχ ᾗ μίμημα ποιήσει τὴν ἡδονὴν ἀλλὰ διὰ τὴν

ἀπεργασίαν ἢ τὴν χροιὰν ἢ διὰ τοιαύτην τινὰ ἄλλην αἰτίαν[20]

Outra traduccedilatildeo ldquoDas coisas que por elas proacuteprias vemos de maneira dolorosa destas provamos prazer

ao contemplar (θεωροῦντες) as imagens (είκονας) mais cuidadas como por exemplo configuraccedilotildees (μορφάς)

dos bichos mais despreziacuteveis e dos cadaacuteveres A causa disso eacute o fato de que aprender [ou compreender]

(μανθάνειν) eacute coisa prazerosiacutessima natildeo soacute para os que se deleitam com o saber (φιλοσόφοις ) mas de maneira

semelhante tambeacutem para os outros ainda que participem disso por breve tempo Por isso com efeito gostam de

ver as imagens (είκόνας) jaacute que acontece que contemplando (θεωροῦντας ) aprendam [ou compreendam] e

raciocinem (συλλογίζεσθαι) o que eacute cada coisa (τί ἓκαστον ) como por exemplo que este eacute aquele (οὗτος

ἑκεῖνος) Porque caso aconteccedila nunca o ter visto antes (μὴ τύχη προεωρακώ) natildeo uma imitaccedilatildeo (οὐχὶ μίμημα)

[sem a emendatio de Hermann [1802] (p 105) (οὐχ ᾗ μίμημα) natildeo enquanto imitaccedilatildeo presente em muitas

ediccedilotildees] produziraacute o prazer e sim por causa da execuccedilatildeo ou da cor ou de uma outra causa parecida (Poeacutetica

4 1448b 10-19) (ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de

Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro

de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 96)

103

E como aprender e admirar eacute agradaacutevel necessaacuterio eacute tambeacutem que o sejam as

coisas que possuem estas qualidades por exemplo as imitaccedilotildees como as da

pintura da escultura da poesia e em geral todas as boas imitaccedilotildees mesmo

que o original natildeo seja em si mesmo agradaacutevel pois natildeo eacute o objeto retratado

que causa prazer mas o raciociacutenio de que ambos satildeo idecircnticos de sorte que

o resultado eacute que aprendemos alguma coisa (Retoacuterica 1371 b 4) 189

Essa questatildeo apontada na passagem acima por Aristoacuteteles de que o prazer ao ver uma

pintura natildeo eacute necessariamente o prazer de identificar o modelo mas sim o prazer de

identificar a imagem mesma enquanto imagem retomando assim o entendimento da

definiccedilatildeo de Arte como produccedilatildeo [poiacuteesis]

E a partir deste ponto encontra-se outra chave para o diaacutelogo que Pareyson

estabeleceu com a filosofia aristoteacutelica e que se relaciona com a distinccedilatildeo entre modelo e

ldquoformardquo proposta na Teoria da Formatividade ldquoformardquo aqui identificada com a imagem

pictoacuterica e escultoacuterica Nas palavras de Pareyson

Sem insistir agora sobre o caraacuteter intelectualiacutestico que seria de tal modo

atribuiacutedo ao prazer esteacutetico eacute indubitaacutevel que esta distinccedilatildeo aristoteacutelica entre

o objeto imitado e a imitaccedilatildeo bem feita eacute uma primeira menccedilatildeo agrave teoria

moderna da indiferenccedila ao conteuacutedo e da relevacircncia esteacutetica da

representaccedilatildeo em si mesma Colocar ecircnfase sobre a representaccedilatildeo ao inveacutes

do conteuacutedo eacute um convite para considerar a obra de arte em si mesma como

um mundo em si que eacute autocircnomo em relaccedilatildeo aquele a partir do qual se

extrai a inspiraccedilatildeo para a representaccedilatildeo mesma190

189

ARISTOacuteTELES Obras Completas Retoacuterica Traduccedilatildeo de Manuel Alexandre Junior Paulo Farmhouse

Alberto e Abel do nascimento Pena 3ordf ed Lisboa Centro de Estudos Claacutessicos da Universidade de Lisboa

Lisboa - Imprensa Nacional-Casa da moeda 2006 Livro 1 Cap1123 p138

ἐπεὶ δὲ τὸ μανθάνειν τε ἡδὺ καὶ τὸ θαυμάζειν καὶ τὰ τοιάδε ἀνάγκη ἡδέα εἶναι οἷον τό τε μιμούμενονὥσπερ

γραφικὴ καὶ ἀνδριαντοποιία καὶ ποιητική καὶ πᾶν ὃ ἂν εὖ μεμιμημένον ᾖ κἂνᾖ μὴ ἡδὺ αὐτὸ τὸ μεμιμημένον οὐ

γὰρ ἐπὶ τούτῳ χαίρει ἀλλὰ συλλογισμὸς ἔστινὅτι τοῦτο ἐκεῖνο ὥσε μανθάνειν τι συμβαίνει

190

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009)

ldquoSenza insistere ora sul carattere intellettua listico che verrebbe in tal modo attribuito al piacere estetico egrave

indubitato che questa distinzione aristotelica fra loggetto imitato e limitazione ben fatta egrave un primo accenno

alla teoria moderna dellindifferenza del contenuto e della rilevanza estetica della sola rappresentazione Il

porre laccento sulla rappresentazione anzi che sul contenuto egrave un invito a considerare lopera darte in seacute come

un mondo a seacute chegrave autonomo rispetto a quello da cui si trae lo spunto per la rappresentazione medesimardquo

104

Pois esta descriccedilatildeo da Poeacutetica de que a imagem gera prazer independente do motivo

possibilita a definiccedilatildeo da imagem como autocircnoma com relaccedilatildeo ao modelo e ainda

igualmente autocircnoma da proacutepria noccedilatildeo de identidade e semelhanccedila Outro ponto que a

separaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de arte e de coacutepia permite vislumbrar eacute a proacutepria ideia de

originalidade que a arte carrega desde o romantismo ateacute hoje que Pareyson identifica como

tenho o seu iniacutecio embrionaacuterio aqui mesmo tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles nas

palavras do filoacutesofo italiano

Eacute a primeira menccedilatildeo a uma concepccedilatildeo positiva da autonomia do mundo da

arte autonomia que jaacute havia sido reconhecida por Platatildeo a qual todavia

tinha sido concebida negativamente Trata-se do caminho de reconhecer uma

ampla margem para a atividade original do artista para ir aleacutem do caraacuteter

extriacutenseco da referecircncia da imagem ao modelo A relaccedilatildeo de semelhanccedila eacute

ainda concebida como extriacutenseca a obra de arte mas apoacutes o convite para se

considerar a representaccedilatildeo em si mesma natildeo se tardaraacute a seguinte concepccedilatildeo

da semelhanccedila como esforccedilo subjetivo e original de objetividade e de

fidelidade ao real191

E por fim haacute ainda outra uma passagem da Poeacutetica que expotildee mais um ponto

fundamental para entender como Aristoacuteteles entendia os meandros e complexidades da

miacutemesis onde ele expotildee que a relaccedilatildeo da arte como imitaccedilatildeo estaacute atrelada ao conceito de

verossimilhanccedila ldquoO poeta eacute imitador como o pintor ou qualquer outro imaginaacuterio por isso

sua imitaccedilatildeo incidiraacute num destes trecircs objetos coisas quais eram ou quais satildeo quais os outros

dizem que satildeo ou quais parecem ou quais deveriam serrdquo (Poeacutetica 1460b 8-10) 192

191

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p

35-36 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoEgrave il

primo accenno a una concezione positiva dellautonomia del mondo dellarte autonomia chera giagrave stata

riconosciuta da Platone il quale tuttavia laveva concepita negativamente Si egrave sulla strada di riconoscere un

ampio margine allattivitagrave originale dellartista e di oltrepassare il carattere estrinseco del riferimento

dellimmagine al modello Il rapporto di somiglianza egrave ancora concepito come estrinseco allopera darte ma

dopo linvito a considerare la rappresentazione in se stessa non tarderagrave a seguire la concezione della

somiglianza come sforzo soggettivo e originale di oggettivitagrave e di fedeltagrave al realerdquo

192

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV

161 p468

Ἔπεὶ γάρ ἐστι μιμητὴς ὁ ποιητὴς ὡσπερανεὶ ζωγράφος ἤ τις ἄλλος εἰκονοποιός ἀνάγκη μιμεῖσθαι τριῶν ὄντων

τὸν [10] ἀριθμὸν ἕν τι ἀεί ἢ γὰρ οἷα ἦν ἢ ἔστιν ἢ οἷά φασιν καὶ δοκεῖ ἢ οἷα εἶναι δεῖ

105

Ora o conceito de verossimilhanccedila que eacute normalmente entendido no acircmbito da poesia

pode ser estendido agrave pintura jaacute que o proacuteprio Aristoacuteteles inicia este mesmo periacuteodo do texto

acima citado falando da pintura que assim como a poesia eacute arte imaginaacuteria Ainda outra

passagem da Poeacutetica esmiuacuteccedila o conceito de verossimilhanccedila ldquoPelas precedentes

consideraccedilotildees se manifesta que natildeo eacute ofiacutecio de poeta narrar o que aconteceu eacute sim o de

representar o que poderia acontecer quer dizer o que eacute possiacutevel segundo a verossimilhanccedila e

a necessidaderdquo (Poeacutetica 1451a 36) 193

No caso da imagem pictoacuterica pode-se substituir o

aconteciacutevel pelo possiacutevel como explica Pareyson

Ora o aconteciacutevel pode ser definido com relaccedilatildeo agrave realidade enquanto de

fato natildeo eacute acontecido e no que diz repeito a possibilidade enquanto

logicamente natildeo eacute impossiacutevel de acontecer Aristoacuteteles completa a foacutermula

dizendo ldquoo aconteciacutevel eacute o possiacutevelrdquo (καὶ τὰ δινατά) Portanto a histoacuteria

expotildee o acontecido e a poesia o possiacutevel194

Ou seja a teacutekhne [arte] atraveacutes da proacutepria atividade da miacutemesis novamente eacute

identificada como aquela que complementa e ateacute melhora o que jaacute existe Enquanto a

implicaccedilatildeo de que a arte deveria mostrar o que o deveria acontecer e natildeo o que aconteceu

segundo a verossimilhanccedila deixa claro que a miacutemesis natildeo se refere agrave coacutepia mas agrave

interpretaccedilatildeo e agrave invenccedilatildeo Essa premissa fica clara nesta passagem no final da Poeacutetica de

Aristoacuteteles

Com efeito na poesia eacute de preferir o impossiacutevel que persuade ao possiacutevel

que natildeo persuade Talvez seja impossiacutevel existirem homens quais Zecircuxis os

pintou esses poreacutem correspondem ao melhor e o paradigma deve ser

superado E depois a opiniatildeo comum tambeacutem justifica o irracional aleacutem de

193

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 IX sect50

p 451

Φανερὸν δὲ ἐκ τῶν εἰρημένων καὶ ὅτι οὐ τὸ τὰ γενόμενα λέγειν τοῦτο ποιητοῦ ἔργον ἐστίν ἀλλ᾽ οἷα ἂν γένοιτο

καὶ τὰ δυνατὰ κατὰ τὸ εἰκὸς ἢ τὸ ἀναγκαῖον

194

(traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Il Verisimile Nella Poeacutetica Di Aristotele ______Problemi dellrsquoesteacutetica

II Storia a cura de Marco Ravera Milano Mursia Editore 2000 p95

ldquoOra laccadibile puograve essere definito rispetto alla realtagrave in quanto di fatto non egrave accaduto e rispetto alla

possibilitagrave in quanto logicamente non egrave impossibile che accada Infatti Aristotele completa la formula dicendo laquo

lrsquoaccadibile egrave il possibileraquo (καὶ τὰ δινατά) Dunque la storia espone 1accaduto e la poesia il possibilerdquo

106

que agraves vezes irracional parece o que o natildeo eacute pois verossimilmente

acontecem coisas que inverossiacutemeis parecem (Poeacutetica 1461b) 195

E sobre as especificidades da ideia de arte como miacutemesis tanto em Platatildeo como

Aristoacuteteles Pareyson conclui

A definiccedilatildeo da arte como semelhanccedila em Platatildeo e Aristoacuteteles natildeo se refere agrave

arte de uma miacutemesis fotograacutefica e especular quase como se ao artista natildeo

restasse outra atividade que a aplicaccedilatildeo de suas habilidades teacutecnicas e a arte

natildeo seria mais que imitaccedilatildeo servil e passiva Esta definiccedilatildeo baseia-se na

consciecircncia de que um dos problemas fundamentais da arte consiste em

conciliar a fidelidade agrave realidade que parece ser inerente agrave representaccedilatildeo

com a irreprimiacutevel autonomia do mundo da arte O mundo da arte eacute um

mundo em si mesmo como entatildeo pode existir representaccedilatildeo de uma

realidade A resposta a esta questatildeo natildeo pode ser consistente em uma

concepccedilatildeo que confere um caraacuteter ativo na imitaccedilatildeo mesma mas sim se a

imitaccedilatildeo advenha de um esforccedilo subjetivo e original com o qual o artista

penetra e interpreta essa realidade que filtrada pelo seu subjetivo e original

modo de ver seraacute representada na obra de arte196

A partir da leitura do texto citado acima eacute possiacutevel vislumbrar a soluccedilatildeo da antiacutetese

entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo que Pareyson propotildee isto eacute a questatildeo natildeo eacute ser ou natildeo fiel ao

195

ARISTOacuteTELES Poeacutetica Traduccedilatildeo de Eudoro de Souza 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril Cultural 1973 XXV 36

ou IX sect 177 p 469

Ὅλως δὲ τὸ ἀδύνατον μὲν πρὸς τὴν [10] ποίησιν ἢ πρὸς τὸ βέλτιον ἢ πρὸς τὴν δόξαν δεῖ ἀνάγειν Πρός τε γὰρ

τὴν ποίησιν αἱρετώτερον πιθανὸν ἀδύνατον ἢ ἀπίθανον καὶ δυνατόνmiddot τοιούτους εἶναι οἷον Ζεῦξις ἔγραφεν

ἀλλὰ βέλτιονmiddot τὸ γὰρ παράδειγμα δεῖ ὑπερέχειν Πρὸς ἅ φασιν τἄλογαmiddot οὕτω τε καὶ ὅτι ποτὲ οὐκ ἄλογόν [15]

ἐστινmiddot εἰκὸς γὰρ καὶ παρὰ τὸ εἰκὸς γίνεσθαι Τὰ δ᾽ ὑπεναντίως εἰρημένα οὕτω σκοπεῖν ὥσπερ οἱ ἐν τοῖς λόγοις

ἔλεγχοι εἰ τὸ αὐτὸ καὶ πρὸς τὸ αὐτὸ καὶ ὡσαύτως ὥστε καὶ αὐτὸν ἢ πρὸς ἃ αὐτὸς λέγει ἢ ὃ ἂν φρόνιμος

ὑποθῆται

196

(Traduccedilatildeo nossa) PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo Secondo - Imitazione e Creazione) p 36

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

ldquoLa definizione dellarte come somiglianza presso Platone e Aristotele non riporta larte a una mimesi

fotografica e speculare quasi che allartista non rimanga altra attivitagrave che lapplicazione della propria abilitagrave

tecnica e larte non sia che imitazione servile e passiva Quella definizione si basa sulla consapevolezza che uno

dei fondamentali problemi dellarte consiste nel conciliare la fedeltagrave al reale che sembra inerire alla

rappresentazione con linsopprimibile autonomia del mondo dellarte Il mondo dellarte egrave un mondo a seacute come

dunque puograve esser rappresentazione duna realtagrave La risposta a questa domanda non puograve consistere che in una

concezione che conferisca un carattere attivo alla stessa imitazione sigrave che limitazione divenga lo sforzo

soggettivo e originale con cui lartista penetra e interpreta quella realtagrave che filtrata dal suo soggettivo e

originale modo di vedere saragrave rappresentata nellopera darterdquo

107

modelo mas eacute entender que Arte enquanto eacute miacutemesis eacute tambeacutem interpretaccedilatildeo e ldquoformardquo isto

eacute dotada de estatuto ontoloacutegico e autonomia

E portanto eacute tambeacutem nesse sentido que eacute legiacutetimo afirmar que miacutemesis tanto na

acepccedilatildeo platocircnica como no sentido aristoteacutelico natildeo pode ser definida como simplesmente

imitaccedilatildeo como bem expotildee Luiz Costa Lima

[] embora o Estagirita tenha usado miacutemesis a partir do contexto platocircnico

sua acepccedilatildeo diferiraacute a partir mesmo de sua distinta base ontoloacutegica Assim

como a forma se realiza na concreccedilatildeo da mateacuteria assim a miacutemesis se cumpre

na concreccedilatildeo de um miacutemema Mais do que nunca miacutemesis natildeo pode ser

tomada como imitatio Viacuteramos que isso natildeo seria correto sequer em Platatildeo

pois a imagem natildeo eacute o duplo da coisa a que se refere e porque eacute incapaz de

representar as Ideias A miacutemesis eacute sinocircnimo de um campo fantasmal eacute o

outro da sombra nem sequer a proacutepria sombra pois esta ainda supotildee um

corpo que a projeta Em Aristoacuteteles ao inveacutes a miacutemesis partilha das leis que

governam a physis eacute uma potencialidade (dynamis) que explode em um

produto (ergon) 197

35 Phantasiacutea e a imagem pictoacuterica em Aristoacuteteles

Para finalizar a anaacutelise sobre como Aristoacuteteles definiu a imagem pictoacuterica (pintura e

desenho) e suas especificidades no De Memoria et Reminiscentia [Da lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo] 198

quando discorre sobre a memoacuteria Aristoacuteteles expotildeem a relaccedilatildeo da imagem

pictoacuterica com a imagem imaginaacuteria ou apariccedilatildeo [phantasma] 199 fruto da imaginaccedilatildeo

197

COSTA LIMA Luiz Miacutemesis e modernidade Formas das sombras Rio de Janeiro Ed Graal 1980 p47

198

Segundo livro do Parva Naturalia de Aristoacuteteles

199

Sobre a traduccedilatildeo dos termos gregos e a equivalecircncia com conceitos aqui implicados Claudio Veloso explica

ldquolsquoImagemrsquo eacute a traduccedilatildeo corrente de Φάντασμα mas eu uso esse termo para traduzir εἰκών enquanto Φάντασμα

lembro eacute sempre traduzido por mim com apariccedilatildeo Eacute imprescindiacutevel natildeo confundir as duas noccedilotildees Ao

contraacuterio os comentadores tendem a esquecer que a comparaccedilatildeo sugerida por Aristoacuteteles natildeo eacute entre a

lembranccedila e a pintura - o que faria desta uacuteltima uma artificiosa memoacuteria (Rouveret [1989] p 303 s) O que eacute

comparado agrave pintura tout court eacute a apariccedilatildeo Φάντασμα A lembranccedila eacute comparada propriamente agrave imagem

εἰκώνrdquo Mais adiante sobre a mesma passagem Veloso ainda alerta para outra possiacutevel confusatildeo entre termos e

conceitos advindos da traduccedilatildeo dos textos citados ldquo[] Eacute preciso todavia natildeo confundir εἰκών (lsquoimagemrsquo) e

όμοίωμα (lsquosimulacrorsquo)rdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo449b 30-1 In

108

[phantasiacutea]200

Phantasiacutea entendida aqui como o processo de imaginaccedilatildeo isto eacute como a

formaccedilatildeo de imagens mentais que faz ver mentalmente o que natildeo estaacute diante dos olhos

Sobre a analogia entre apariccedilatildeo e desenho Aristoacuteteles discorre ldquoMas dado que se

falou da representaccedilatildeo [φαντασία] 201

antes nos [livros] sobre a alma tambeacutem [se sabe que]

natildeo eacute possiacutevel pensar sem uma apariccedilatildeo [φάντασμα] [450a] pois no pensar acontece

exatamente a mesma afecccedilatildeo que acontece no traccedilarrdquo (De memoria 449 b ndash 450 a 1) 202

Ademais Aristoacuteteles mostra que um aspecto importante da imagem pictoacuterica acarreta

eacute a correlaccedilatildeo entre ausecircncia-presenccedila sobretudo quando a pintura se propotildee representaccedilatildeo de

uma ideia ou ateacute mesmo quando eacute um retrato de um ausente Sobre a imagem do ausente isto

eacute a lembranccedila Aristoacuteteles discorre

E satildeo coisas lembraacuteveis por si aquelas de que haacute apariccedilatildeo [ὦν έστι

φαντασία] enquanto [satildeo lembraacuteveis] [25] por concomitacircncia todas as que

[o] satildeo natildeo sem uma apariccedilatildeo Algueacutem pode todavia encontrar uma

dificuldade ou seja como estando presente a afecccedilatildeo mas ausente a coisa

eacute lembrado o que natildeo estaacute Eacute evidente com efeito que se deve pensar essa

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p 87)

200

Traduccedilatildeo para o tiacutetulo proposta por Claudio Veloso In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo

Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12

n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash

Unicamp 2002

201

Veloso explica sobre a traduccedilatildeo para o texto ldquoDa Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo ldquo lsquoRepresentaccedilatildeorsquo traduz

φαντασία tradicionalmente traduzido por imaginaccedilatildeo enquanto apariccedilatildeo traduz φάντασμα mas tambeacutem

φαντασία quando usado como equivalente a φάντασμαrdquo (VELOSO Claudio Nota sobre Da Lembranccedila e da

Rememoraccedilatildeo (449b 30-1) In ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e

comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial

janeiro a dezembro de 2002 Campinas Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp

2002 p 80)

202

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28

Περί φαντασίας είπομεν ήδη εν τη περί Ψυχής πραγματεία και ότι άνευ εικόνος της φαντασίας δεν είναι δυνατόν

να νοώμεν Συμβαίνει δηλ εις την νόησιν το αυτό φαινόμενον όπερ και εις την διαγραφήν γεωμετρικού

σχήματος

109

afecccedilatildeo - cuja posse dizemos que eacute uma lembranccedila ie a alma perceptiva]

tem como que uma certa pintura [30] (De memoria 450a 23-30) 203

E por fim nesta outra passagem Aristoacuteteles ao definir a memoacuteria igualmente define a

imagem da pintura eou do desenho

E se em noacutes haacute realmente semelhante a uma marca ou a um desenho por que

a percepccedilatildeo disso seria lembranccedila de outra coisa e natildeo desse mesmo algo

Quem estaacute em atividade com a lembranccedila contempla essa afecccedilatildeo e percebe

isso Como entatildeo lembra o que natildeo estaacute presente Entatildeo tambeacutem seria

possiacutevel ver [20] e ouvir o que natildeo estaacute presente Ou se pode [ver e ouvir o

que natildeo estaacute presente] porque eacute possiacutevel [lembrar o que natildeo estaacute presente] e

isso acontece Por exemplo o animal desenhado em uma taacutebua eacute com

efeito um animal e uma imagem - essa mesma e uacutenica coisa eacute ambos mas o

ser natildeo eacute o mesmo para ambos - e eacute possiacutevel contemplaacute-lo tanto como um

animal quanto como imagem Desse modo eacute preciso supor que [25] apariccedilatildeo

em noacutes eacute ela mesma tambeacutem tanto algo por si quanto apariccedilatildeo de uma outra

coisa (De memoria 450b 15- 26)204

203

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p28-29

Και εκείνα τα πράγματα είναι καθ εαυτά αντικείμενα μνήμης τα οποία είναι αντικείμενα και της φαντασίας

κατά συμβεβηκός δε (εμμέσως) εκείνα όσα δεν δύνανται να υπάρξωσιν άνευ της φαντασίας ύναται τις να

ερωτήση πώς άρά γε ενώ το πάθος μόνον είναι παρόν (εν τη ψυχή) το δε πράγμα είναι απόν όμως

ανακαλείται εις την μνήμην το μη παρόν (πράγμα) Αλλ είναι φανερόν ότι πρέπει να νοήσωμεν ότι το διά της

αισθήσεως γινόμενον εις την ψυχήν πάθος (η εντύπωσις) και εις το μέρος του σώματος όπερ έχει

(αντιλαμβάνεται) αυτήν ης την κατοχήν καλούμεν μνήμην είναι όμοιον με ζωγράφημα

204

ARISTOacuteTELES Da Lembranccedila e da Rememoraccedilatildeo Traduccedilatildeo notas e comentaacuterios de Claacuteudio Veloso In

Cadernos de Histoacuteria e Filosofia da Ciecircncia Seacuterie 3 v 12 n especial janeiro a dezembro de 2002 Campinas

Centro de Loacutegica e Epistemologia e Histoacuteria da Ciecircncia ndash Unicamp 2002 p30-31

Αλλ εάν τοιούτον είναι το συμβαίνον εις την μνήμην ποίον εκ των δύο το πάθος τούτο (την εντύπωσιν)

ενθυμείται η ψυχή ή το αντικείμενον εκ του οποίου έγεινεν Εάν την εντύπωσιν ενθυμώμεθα τότε δεν

ενθυμούμεθα ουδέν εκ των απόντων Εάν ενθυμώμεθα το αντικείμενον πώς ενώ αισθανόμεθα την εντύπωσιν

όμως δυνάμεθα να μνημονεύωμεν εκείνο το οποίον δεν αισθανόμεθα το απόν αντικείμενον 184 και αν η

μνήμη είναι εντός ημών ομοία με τύπον ή με ζωγράφημα 185 πώς ενώ αισθανόμεθα μόνον τούτο όμως

ενθυμούμεθα άλλο και όχι αυτόν τούτον τον τύπον Διότι ο ενεργών διά της μνήμης θεωρεί και αισθάνεται

μόνον την εντύπωσιν ταύτην Πώς λοιπόν ενθυμείται πράγμα όπερ δεν είναι παρόν Τούτο θα ήτο το αυτό ως να

βλέπη και να ακούη το μη παρόν Ή υπάρχει τρόπος καθ ον τούτο είναι δυνατόν και πράγματι συμβαίνει Π χ

το εζωγραφημένον ζώον είναι και ζώον και εικών το αυτό δηλ πράγμα είναι αμφότερα ταύτα συνάμαbull αλλά ο

τρόπος της υπάρξεως αυτών (του ζώου και της εικόνος) δεν είναι ο αυτός και δυνάμεθα να θεωρήσωμεν το

ζωγράφημα και ως ζώον και ως εικόνα Και την εν ημίν λοιπόν εικόνα της φαντασίας δυνάμεθα ομοίως να

υπολάβωμεν και πρέπει να θεωρήσωμεν αυτήν ως τι καθ εαυτό (μίαν παράστασιν) και συνάμα ως εικόνα άλλου

τινός Και καθ όσον μεν θεωρούμεν αυτήν καθ εαυτήν αύτη είναι μία ιδέα ή παράστασις της φαντασίας

(φάντασμα) καθ όσον δε θεωρούμεν αυτήν ως αναφερομένην εις άλλο είναι ως εικών ή μνημόνευμα

110

Logo conclui-se que a pintura pensada como produto da representaccedilatildeo [phantasiacutea] em

De memoria et Reminiscentia natildeo quer dizer miacutemesis no sentido simples de imitaccedilatildeo tal

como se encontra no Sofista de Platatildeo seja ela copiosa ou imaginativa Mas quer dizer

representaccedilatildeo no sentido de substituiccedilatildeo e presentificaccedilatildeo de uma ideia de um pensamento e

portanto estaacute de acordo com a compreensatildeo de miacutemesis tal como vista na Fiacutesica de

Aristoacuteteles isto eacute miacutemesis no sentido de complementaccedilatildeo

Nesse sentido a partir da leitura do De memoria et Reminiscentia de Aristoacuteteles

conclui-se que a pintura como imagem pode ser definida como a apariccedilatildeo que tem

materialidade ou seja transformada em coisa entre coisas no mundo e na alteridade do

pensamento sem contudo deixar de ser tambeacutem pensamento ou seja ideia Como tambeacutem

fica claro nesta passagem do De anima [Da Alma] quando Aristoacuteteles diz que ldquoas imagens

satildeo pois como sensaccedilotildees soacute que sem mateacuteriardquo (432a 9)205

Diante disto a imagem pictoacuterica produzida pode ser entendida ao mesmo tempo

como ideia e coisa como pensamento e mateacuteria como conceito e sensaccedilatildeo Pois o processo

de representaccedilatildeo eou imaginaccedilatildeo eacute anaacutelogo ao processo de fabricaccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

por conseguinte ao processo de assimilaccedilatildeo da imagem pelo espectador que por sua vez se

constitui como parte fundamental do processo de elaboraccedilatildeo do raciociacutenio possibilitando que

a sensaccedilatildeo se transforme em pensamento

3 6 Imitaccedilatildeo e autonomia da obra de arte em Pareyson

Sendo assim Pareyson na Teoria da Formatividade ao mostrar o estatuto ontoloacutegico

da arte e consequentemente da pintura redimensiona o problema da miacutemesis e ainda

identificando tanto em Platatildeo como em Aristoacuteteles o embriatildeo da definiccedilatildeo de autonomia da

arte

Portanto a partir da leitura da intersecccedilatildeo entre Pareyson Platatildeo e Aristoacuteteles

conclui-se que a questatildeo principal natildeo eacute se a pintura eacute imaginativa ou eacute imitativa Pois como

discorre Pareyson o problema da imitaccedilatildeo da Arte acaba sendo muito mais um problema de

205

ARISTOacuteTELES Sobre A Alma Traduccedilatildeo de Ana Maria Loacuteio e Revisatildeo Cientiacutefica de Tomaacutes Calvo Martinez

Lisboa Centro De Filosofia Da Universidade De Lisboa - Imprensa Nacional-Casa Da Moeda 2010 τὰ γὰρ

φαντάσματα ὥσπερ αἰσθήματά ἐστι πλὴν ἄνευ ὕλης

111

ldquoPoeacuteticardquo entendida na acepccedilatildeo pareysoniana como ldquoprograma de arterdquo206

do que um

problema de definiccedilatildeo conceitual de Esteacutetica isto eacute nos termos pareysonianos Filosofia da

Arte207

nas palavras dele

[] na definiccedilatildeo tradicional da arte como imitaccedilatildeo da natureza definiccedilatildeo

que pouco a pouco foi-se concretizando em significados diversos e agraves

vezes opostos da coacutepia mais fiel e fotograacutefica da realidade agrave mais polecircmica

deformaccedilatildeo ou agrave abstraccedilatildeo mais decidida atraveacutes de todos os matizes da

verossimilhanccedila da caracterizaccedilatildeo da idealizaccedilatildeo da estilizaccedilatildeo da

invenccedilatildeo mais livre desenfreada e fantaacutestica [] Mas desembaraccedilamo-nos

facilmente de tais dificuldades se pensamos que na realidade trata-se mais

de ldquopoeacuteticasrdquo do que de esteacuteticas o que estaacute em jogo natildeo eacute uma definiccedilatildeo

geral da arte mas um programa de arte e trata-se sempre de relaccedilotildees da

imagem artiacutestica com a realidade natural mesmo quando tais relaccedilotildees vecircm

206

ldquoA poeacutetica eacute programa de arte declarado num manifesto numa retoacuterica ou mesmo impliacutecito no proacuteprio

exerciacutecio da atividade artiacutestica ela traduz em termos normativos e operativos um determinado gosto que por

sua vez eacute toda a espiritualidade de uma pessoa ou de uma eacutepoca projetada no campo da arterdquo (PAREYSON

Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p21) ldquoLa poetica egrave programma darte dichiarato in un manifesto o in una precettistica oppure implicito

nello stesso esercizio dellattivitagrave artistica essa traduce in termini normativi e operativi un determinato gusto il

quale a sua volta egrave lintera spiritualitagrave duna persona o dunepoca proiettata nel campo dellarterdquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p223)

207

ldquoA esteacutetica pelo contraacuterio natildeo tem um caraacuteter normativo nem valorativo ela natildeo define nem normas para o

artista nem criteacuterios para o criacutetico Como filosofia ela tem um caraacuteter exclusivamente teoacuterico a filosofia

especula natildeo legislardquo (PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery

Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p22) ldquoLestetica invece non ha carattere neacute normativo neacute

valutativo essa non -defigravenisce neacute norme per lartista neacute criteri per il critico Essa come filosofigravea ha un

carattere esclusivamente teorico la filosofigravea specula non legiferardquo (Idem Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p223)

Em outra passagem mais adiante no texto Pareyson discorre pontualmente sobre a necessidade desta

distinccedilatildeo que ele propotildee entre os significados de ldquoEsteacuteticardquo e ldquoPoeacuteticardquo ldquoDo ponto de vista esteacutetico todas as

poeacuteticas satildeo igualmente legiacutetimas natildeo importa que a arte seja compromissada ou evasiva realista ou idealista

naturalista ou liacuterica figurativa ou abstrata pura ou carregada de pensamento douta ou popular espontacircnea ou

refinada e assim poacute diante o essencial eacute que seja arte O esteacutetico como tal natildeo toma posiccedilatildeo em questotildees

poeacuteticas Diante das frequentes batalhas que elas travam entre si ele evita com cuidado transformar em

divergecircncia filosoacutefica aquilo que eacute substancialmente uma polecircmica de gostos Antes ele deveraacute esforccedilar-se o

mais possiacutevel por natildeo fazer intervir seu proacuteprio gosto na sua proacutepria teoria a fim de evitar que esta seja

somente a conceitualizaccedilatildeo de um gosto histoacuterico e nada mais do que uma poeacutetica travestidardquo (Idem Os

problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes 1989 p25)

ldquoDal punto di vista estetico tutte le poetiche sono egualmente legittime non importa che larte sia impegnata o

devasione realistica o idealistica naturalistica o lirica figurativa o astratta pura o pensosa dotta o popolare

spontanea o raffinata e cosigrave via lessenziale egrave che sia arte Lestetico come tale non prende posizione in fatto

di poetiche di fronte alle frequenti battaglie chesse impegnano fra di loro egli evita con cura di trasformare in

di vergenza filosofica quella chegrave in sostanza una polemica di gusti Anzi egli dovragrave sforzarsi quanto possibile di

non far intervenire nella propria teoria il proprio gusto ad evitare chessa non sia che la concettualizzazione

dun gusto storico e nientaltro che una poetica travestita (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p226)

112

negadas como nos casos de deformaccedilatildeo e de abstraccedilatildeo ou de invenccedilatildeo

surrealista onde a relaccedilatildeo natildeo eacute superada mas apenas polemicamente

revirada 208

Nesse sentido pode-se afirmar que independente de ser ou natildeo imitativa de ser ou natildeo

imaginativa a pintura eacute ldquoformardquo ou seja antes eacute coisa ela eacute ldquopresenccedila de si mesmardquo e natildeo

apenas ldquoausecircncia de outrordquo Nas palavras de Pareyson

A arte produz imagens que valem em si e natildeo pela sua relaccedilatildeo (positiva ou

negativa) com a realidade Sobre este ponto afirmar que uma imagem

artiacutestica vale porque imita bem a natureza eacute tese equivalente aquela de quem

afirmasse que uma imagem artiacutestica vale enquanto natildeo se propotildee copiar a

natureza ambas satildeo teses absurdas Mas quem quiser penetrar no significado

de uma imagem artiacutestica deve dar-se conta de seu intento de fidelidade ou

de deformaccedilatildeo ou de revolta ou de negaccedilatildeo com respeito agrave natureza

somente aprofundando esta referecircncia poder-se-aacute penetrar no mundo de uma

obra 209

Todavia pode-se entender que na Teoria da Formatividade a obra de arte enquanto

ldquoformardquo eacute tambeacutem representaccedilatildeo mas natildeo enquanto eacute imitaccedilatildeo de algo mas enquanto eacute

208

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p67

ldquo[] nella definizione tradizionale dellarte come imitazione della natura definizione che si egrave via via

concretata in significati diversissimi e talora opposti dalla copia piugrave fedele e fotografica della realtagrave alla piugrave

polemica deformazione o allastrazione piugrave decisa attraverso tutte le sfumature della verisimiglianza della

caratterizzazione dellidealizzazione della stilizzazione dellinvenzione piugrave libera sbrigliala e fantastica

Questa definizione ha pesato su tutto il corso della storia dellestetica involgendola almeno sino al

romanticismo in una serie di difficoltagrave degne forse di miglior causa Ma di tali difficoltagrave ci si sbarrazza

facilmente non appena si pensi che in realtagrave si tratta piugrave di laquopoeticheraquo che di estetiche ciograve egrave in gioco non egrave una

definizione generale dellarte ma un programma darte e si tratta sempre di rapporti dellimmagine artistica

con la realtagrave naturale anche quando tali rapporti vengono negati come nei casi di deformazione e di astrazione

o di surrealistica invenzione ove il rapporto non egrave superato ma solo polemicamente rovesciatordquo (Idem I

Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore

2009 p262-263)

209

Ibidem Op cit p68 ldquoLarte produce immagini che valgono in seacute e non per il loro rapporto (positivo o

negativo che sia) con la realtagrave ma lindividuazione di tale rapporto egrave indispensabile per comprenderne

esattamente il senso Il valore dellimmagine artistica non dipende affatto dalla maggiore o minore somiglianza

con la realtagrave anzi non dipende per nulla dal suo riferimento positivo o negativo alla realtagrave su questo punto

affermare che unimmagine artistica vale percheacute raffigura bene la natura egrave tesi equivalente a quella di chi

affermasse che unimmagine artistica vale in quanto non si propone di raffigurare la natura entrambe le tesi

sono assurde Ma chi voglia penetrare il significato dunimmagine artistica deve rendersi conto del suo intento

di fedeltagrave o di deformazione o di rivolta o di negazione rispetto alla natura solo approfondendo questo

riferimento si potragrave penetrare il mondo dunoperardquo (Ibidem Op cit p263)

113

imaginaccedilatildeo eacute ideia isto eacute enquanto eacute interpretaccedilatildeo de uma visatildeo pessoal de mundo da

ldquopessoandashartistardquo produtora da ldquoobra-formardquo

Portanto embora a pintura como representaccedilatildeo seja normalmente vista como sendo a

imagem de uma referecircncia externa o significado da pintura estaacute sobretudo contido na forma

por ela mesma e natildeo no modelo ou no referente como explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre a

pintura

A ela natildeo corresponde um significado anterior de que seja apenas o registro

fixado sua virtude natildeo estaacute no seu apagamento enquanto representante para

dar transparecircncia a um representado [] Natildeo eacute representante nem

representada a natildeo ser de si mesma nela significante e significado geram-se

muacutetua e continuamente210

Logo a imitaccedilatildeo e a relaccedilatildeo com um suposto modelo natildeo muda o estatuto da arte como

representativa pois a representaccedilatildeo natildeo estaacute na relaccedilatildeo de identificaccedilatildeo da obra com o

modelo e sim na identificaccedilatildeo da obra como interpretaccedilatildeo isto eacute como fruto da visatildeo de

mundo pessoal contida na proacutepria obra e natildeo fora dela Nesse sentido Pareyson afirma que

ldquo[] para compreender bem o significado da obra seraacute necessaacuterio dar-se conta do esforccedilo de

penetraccedilatildeo que o artista fez com relaccedilatildeo ao objeto real que ele teve de saber olhar e

interpretar para pocircs-se em condiccedilatildeo de revelaacute-lo e de enfrentaacute-lordquo211

E ainda esta ldquoformardquo que foi fruto da representaccedilatildeo de uma ideia de uma visatildeo de

mundo seraacute novamente representaccedilatildeo enquanto for objeto de interpretaccedilatildeo da ldquopessoa-

espectadorrdquo daiacute a multiplicidade da interpretaccedilatildeo da obra de arte E portanto eacute nessa cadeia

tal como a cadeia dos elos das Musas proposta no diaacutelogo Iacuteon de Platatildeo que arte se configura

como representaccedilatildeo de uma ideia ou de infinitas ideias jaacute que as interpretaccedilotildees satildeo

inexauriacuteveis tal qual eacute a infinidade das diferentes ldquopessoasrdquo que interpretarem uma uacutenica

210

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p19-20

211

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquo[]per comprendere bene i l significato dellopera bisogneragrave rendersi conto dello

sforzo di penetrazione che lartista ha fatto rispetto a un oggetto reale chegli ha dovuto saper guardare e

interpretare per mettersi in grado di rivelarlo e renderlordquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p264)

114

obra de arte sendo assim esta cadeia poderia ser definida como pessoa (artista) - visatildeo de

mundo - forma (obra de arte) - pessoa (espectador) Nas palavras de Pareyson

De fato a interpretaccedilatildeo eacute o encontro de uma pessoa com uma forma e se

pensarmos que tanto a pessoa quanto a forma ao satildeo realidade simples mas

natildeo um infinito encerrado em algo definido teremos de pronto a ideia do

quanto eacute positiva a infinidade da interpretaccedilatildeo a ser considerada antes como

inexauriacutevel riqueza do que como reino da imprecisatildeo e arbitrariedade 212

E eacute neste ponto que a obra como ldquoformardquo acabada e realizada torna-se coisa

autocircnoma natildeo soacute com relaccedilatildeo ao modelo mas ao proacuteprio artista que a forjou pois na

alteridade do mundo estaraacute sujeita a sempre novas e possiacuteveis interpretaccedilotildees e movimentos

Contudo sem que esta autonomia descaracterize a obra e retire dela sua ldquoformardquo completada

e pronta fruto da produccedilatildeo proposta e levada a cabo pelo artista embora como coisa entre

coisas estaraacute sujeita ao movimento e a constante transformaccedilatildeo assim como um organismo

vivo

212

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p167 ldquoInfatti lsquolinterpretazione egrave lrsquoincontro duna persona con una formarsquo e se si pensa

che tanto la persona quanto la forma non sono realtagrave semplici ma sono un infinito racchiuso in una definitezza

si avragrave subito lidea di quanto sia positiva linfinitagrave dellinterpretazione da considerarsi piuttosto come

uninesauribile ricchezza che come il regno dellimprecisione e dellarbitrarietagraverdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p346)

115

CAPIacuteTULO IV

Autonomia da arte e miacutemesis na obra de Gerhard Richter

agrave luz da Teoria da Formatividade

O ato do artista entendido como uma reproduccedilatildeo eacute distinto do

objeto reproduzido e da obra produzida e enquanto eacute distinto

do objeto reproduzido eacute um ato de imitaccedilatildeo com qual se

representa se refigura se exprime alguma coisa enquanto eacute

distinto da obra produzida eacute um ato de criaccedilatildeo que eacute um agir

que natildeo se exaure em si mesmo mas coloca em existecircncia

alguma coisa

Luigi Pareyson 1946 213

41 O estudo da ldquoformatividaderdquo no relato da experiecircncia do artista

Partindo do entendimento de que o problema da imitaccedilatildeo e da imaginaccedilatildeo e

consequentemente da abstraccedilatildeo versus a figuraccedilatildeo natildeo eacute um problema de estatuto de arte

mas um problema de escolha e interpretaccedilatildeo ldquopessoalrdquo do artista tomamos esta escolha ou

estas escolhas dos artistas como chaves de interpretaccedilatildeo dos movimentos da ldquoformardquo natildeo

como proposiccedilotildees definitivas mas como interpretaccedilotildees ldquopessoaisrdquo de cada artista no percurso

da ldquoformatividaderdquo de sua obra que uma a uma formam o conjunto de obras que possibilita a

especulaccedilatildeo e reflexatildeo filosoacutefica Portanto a experiecircncia da obra de arte em si e da reflexatildeo e

dos dizeres dos artistas sobre a sua experiecircncia na ldquoformatividaderdquo constituem material

indispensaacutevel a esta pesquisa Sobre a importacircncia do estudo da experiecircncia direta da

ldquoformatividaderdquo para a Filosofia da Arte Pareyson discorre

Eacute bem verdade que o filoacutesofo sozinho natildeo tem condiccedilotildees para formular

uma esteacutetica Deve ele recorrer agrave experiecircncia esteacutetica e os testemunhos mais

213

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoLatto dellartista inteso come un riprodurre vien distinto dalloggetto riprodotto e

dallopera prodotta in quanto egrave distinto dalloggetto riprodotto egrave un atto dimitazione col quale si rappresenta

si raffigura si esprime qualcosa in quanto egrave distinto dallopera prodotta egrave un atto di creazione chegrave un agire

che non si esaurisce in se stesso ma pone in essere qualcosardquo PAREYSON Luigi Corso Di Estetica (Capitolo

Secondo - Imitazione e Creazione) p 28 In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009

116

diretos dessa experiecircncia lhe advecircm ndash natildeo soacute dos contempladores e amantes

o belo natural ou intelectual - mas precisamente dos artistas e dos criacuteticos

cujas declaraccedilotildees lhe satildeo natildeo apenas muito uacuteteis mas ateacute diria

indispensaacuteveis e essenciais visto que o filoacutesofo natildeo consegue discorrer sobre

a arte a natildeo ser prolongando em um plano especulativo o discurso do artista

e do criacutetico214

Isso natildeo quer dizer que a ldquopalavrardquo do artista deva ser entendida como lei ou lida sem

ressalvas pois como o proacuteprio Pareyson chama a atenccedilatildeo em outra passagem ldquo[] nem

sempre os testemunhos dos artistas sobre sua arte satildeo dignos de atenccedilatildeo pelo menos na sua

formulaccedilatildeo literal querem uma peneirada uma escolha um dimensionamento que lhes

restitua o seu exato significado e revele seu possiacutevel alcance no campo da esteacuteticardquo215

E como visto acima a noccedilatildeo de autonomia da Arte proposta na Teoria da

Formatividade e acrescida dos entendimentos dos conceitos de miacutemesis jaacute explicitados

desconstroem a antiacutetese entre imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo bem como podem contribuir para uma

anaacutelise da pintura no tempo presente uma vez que estas ainda satildeo questotildees pertinentes nas

problemaacuteticas propostas sobre a arte na atualidade sobretudo na pintura

Sendo assim ao estudar o conjunto de algumas obras produzidas por artistas nos dias

de hoje a fim de refletir sobre os desdobramentos atuais das problemaacuteticas com relaccedilatildeo agrave

pintura enquanto imitaccedilatildeo e enquanto autocircnoma em si mesma como propotildee a Teoria da

Formatividade buscaram-se artistas que pudessem natildeo apenas enriquecer a presente pesquisa

com o conjunto de suas obras enquanto tais isto eacute nas ldquoformasrdquo nas obras acabadas e postas

como coisas entre coisas mas que tambeacutem pudessem fornecer textos para que a reflexatildeo

214

PAREYSON Luigi Esteacutetica Teoria da Formatividade Traduccedilatildeo de Ephraim Ferreira Alves ndash Petroacutepolis

RJ Vozes 1993 p18 ldquoEgrave verissimo che il filosofo lsquoda solorsquo non egrave in grado di formulare unestetica egli deve

ricorrere allesperienza estetica e le testimonianze piugrave dirette di questa esperienza gli sono fornite mdash oltre che

dai contemplatori e amatori del bello sia naturale che intellettuale mdash precisamente dagli artisti e dai critici le

cui dichiarazioni gli sono non solo utilissime ma direi indispensabili ed essenziali giaccheacute il filosofo non riesce

a parlare dellarte se non prolungando su un piano speculativo il discorso dellartista e del criticordquo (Idem

Estetica Teoria della Formitivitagrave Bologna Editore Zanichelli 2ordf Edizione 1960 p4)

215

Idem Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo Martins Fontes

1989 p19 ldquo[] non sempre le attestazioni degli artisti sulla loro arte sono attendibili almeno nella loro

formulazione letterale ci vuole un vaglio una scelta un proporzionamento che restituisca ad esse il loro esatto

significato e ne sveli la possibile portata nel campo dellesteticardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi

DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p220)

117

acima referida tambeacutem se voltasse para a ldquoformatividaderdquo propriamente dita isto eacute para o

processo de produccedilatildeo da pintura enquanto tal

Nesse intuito encontrou-se um campo de investigaccedilatildeo na obra do artista alematildeo

Gerhard Richter216

cujo conjunto de obras sobretudo das obras pictoacutericas tem sido

produzido por mais de cinco deacutecadas e analisando atentamente o conjunto destas obras pocircde-

se constatar que o axioma imaginaccedilatildeo- imitaccedilatildeo se desfez Aleacutem disso Richter concomitante

agrave produccedilatildeo de sua obra pictoacuterica elaborou um conjunto igualmente ininterrupto de escritos

publicados que compreendem notas cartas e sobretudo entrevistas por ele concedidas a

criacuteticos e outros espectadores atentos a suas obras possibilitando assim natildeo soacute a anaacutelise de

suas obras em si mas tambeacutem a anaacutelise da ldquoformatividaderdquo destas pois boa parte destes

textos diz respeito diretamente aos meandros da ldquoformatividaderdquo em si natildeo a anaacutelises ou

sugestotildees de intenccedilotildees de significaccedilatildeo de sua obra

42 ldquoFormardquo e ldquoformatividaderdquo no Atlas de Gerhard Richter

E ainda aleacutem das obras pictoacutericas e escritos de Richter tem-se disponiacutevel o Atlas Ou

seja em 1962 o pintor alematildeo iniciou suas pinturas a partir de fotografias e desde entatildeo tem

se dedicado natildeo soacute agrave pintura mas tambeacutem agrave coleta e catalogaccedilatildeo destas fotografias (obtidas

desde aacutelbuns da famiacutelia do artista a recortes de revistas e jornais) ademais Richter

igualmente coletou e catalogou seus desenhos e esboccedilos que foram e satildeo ponto de partida para

a sua produccedilatildeo pictoacuterica dando iniacutecio assim aos trabalhos para a formaccedilatildeo do que seria a

monumental obra intitulada Atlas

Portanto o Atlas eacute uma espeacutecie de diaacuterio artiacutestico e inventaacuterio de trabalho que foi

exposto pela primeira vez em 1972 como quadros dispostos lado a lado em paredes exposiccedilatildeo

216

Artista alematildeo nascido em Dresden em 1932 graduou-se em 1956 na Academia de Arte de sua cidade natal

iniciando uma carreira como pintor ldquorealistardquo na entatildeo Alemanha Oriental Em 1961 um pouco antes da

construccedilatildeo do muro de Berlim migrou para a Alemanha Ocidental quando retomou seus estudos sobre arte em

Duumlsseldorf e iniciou suas incursotildees com fotografia e pintura Nas uacuteltimas deacutecadas consolidou-se como um dos

principais expoentes da arte contemporacircnea internacional participando natildeo soacute de grandes exposiccedilotildees coletivas

como Documentas de Kassel Bienais de Veneza e de Satildeo Paulo como tambeacutem fez grandes exposiccedilotildees

retrospectivas de sua obra Sua uacuteltima grande exposiccedilatildeo individual intitulada ldquoPanoramardquo ocorreu entre os anos

de 2011-2012 e viajou pela Inglaterra (Tate Modern Londres) Franccedila (Centre George Pompidou Paris) e

Alemanha (Neue Nationalgalerie Berlin) (Cf GODFREY Mark SEROTA Nicholas RICHTER Gerhard e

outros Gerhard Richter- Panorama Londres Tate Publishing 2011 p10 -13 e p 281-194)

118

esta que foi acompanhada de publicaccedilatildeo anaacuteloga de um livro-cataacutelogo com o total de 315

laudas De laacute para caacute houve inuacutemeras reediccedilotildees tanto da exposiccedilatildeo como do livro na medida

em que paacuteginas e mais paacuteginas foram sendo acrescidas com o desenrolar e formaccedilatildeo da obra

pictoacuterica de Richter a uacuteltima publicaccedilatildeo em 2007 contou 783 quadros - laudas Sendo assim

pode-se dizer que o Atlas ainda estaacute em ldquoformatividaderdquo jaacute que eacute uma espeacutecie de relato e

registro visual em tempo real da produccedilatildeo artiacutestica de Gerhard Richter Assim discorre

Helmut Friedel no prefaacutecio do Atlas da ediccedilatildeo de 2007

Como uma obra de arte total o Atlas eacute um organismo o qual desenvolve e

muda Eacute uma biografia espelhada fatos histoacutericos e artiacutesticos Muitas

consideraccedilotildees que precedem trabalhos de pintura de Gerhard Richter

encontram expressatildeo nas fotografias esboccedilos planos e colagens217

Mais do que um amontoado de imagens por vezes aparentemente desconexas o

trabalho de coleta e catalogaccedilatildeo feito pelo proacuteprio artista prolonga a obra acabada

constituindo material de acesso uacutenico agrave ldquoformatividaderdquo do artista pois permite vislumbres ao

processo de ldquoformatividaderdquo mesmo apoacutes da ldquoformardquo estar concluiacuteda Ademais acrescida agrave

evidente ligaccedilatildeo do Atlas agrave formatividade da pintura de Richter em si natildeo se pode deixar de

lado o fato que o proacuteprio Atlas enquanto livro e obra formulada e publicada pelo artista eacute

forma eacute obra de arte hiacutebrida com certeza mas assim mesmo obra de arte

421 O Atlas e a pintura de Gerhard Richter a imitaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

A tiacutetulo de demonstraccedilatildeo segue uma ldquopaacuteginardquo do Atlas a de nuacutemero [93] (Figura I)

as imagens mostram estudos que podem ser relacionados com a pintura ldquoDetalherdquo (Figura II)

217

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoAs a total art work the Atlas is an organism which develops further and changes In is a

mirrored biographical artistic and historical facts Many considerations which precede Gerhard Richters

painterly works find expression in the photographs sketches plans and collagesrdquo (HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed New York DAPDistributed

Art Publishers 2007 p 17)

119

Figura I

218

Figura II

219

218

Gerhard Richter ldquoAusschnittfotos von Farbprobenrdquo [Detalhes fotograacuteficos de Amostras de Cores] 1970

367 x 517 cm (Paacutegina do ldquoAtlasrdquo nordm 93) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso

em agosto de 2013

219

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (kreutz)rdquo [Detalhe (Kreutz)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 290) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

120

Como pode ser constatado nas imagens acima ficam evidentes as inuacutemeras possibilidades

expostas a respeito do acesso agrave experiecircncia de ldquoformatividaderdquo que o artista proporciona

atraveacutes do Atlas e evidentemente atraveacutes das proacuteprias obras Portanto a observaccedilatildeo da

imagem conjuntamente com a paacutegina do Atlas a ela relacionada deixa claro que o

procedimento desta pintura pertencente ao conjunto das pinturas intituladas ldquoDetalherdquo

(Figura II) pode ser analisado sob uma oacutetica diferente de que se natildeo houvesse o acesso agrave

referecircncia visual utilizada para a elaboraccedilatildeo da pintura Pois apesar destas pinturas nos

remeterem agrave ideia de pura abstraccedilatildeo a pintura aparentemente abstrata de Richter foi feita a

partir de detalhes visuais definidos ou melhor a partir de imagens fotograacuteficas registros

visuais precisos e preacutevios passando assim por um processo anaacutelogo ao processo de imitaccedilatildeo

a um modelo qualquer disponiacutevel isto eacute anaacutelogo agrave construccedilatildeo de uma pintura figurativa tal

como fosse uma imagem reconheciacutevel e que remetesse a uma figura nomeaacutevel

E ainda ao observar a obra o olhar do observador eacute direcionado para as curvas e para

as nuances das passagens de cores e seus sobretons como tambeacutem para uma relaccedilatildeo de claro

e escuro tal como se observaacutessemos um trabalho de panejamento onde se encontram efeitos

ilusoacuterios de profundidade e movimento Inclusive vista ao vivo a pintura citada permite uma

experiecircncia corporal proacutepria da pintura advinda natildeo soacute da dimensatildeo do quadro que tem

quatro metros quadrados bem como da materialidade da obra em si no que diz respeito agrave

escolha da tinta a oacuteleo dando agrave pintura um caracteriacutestico brilho aveludado embora neste

caso sem que a pincelada fique aparente ou se observe textura e espessura corroborando para

o efeito ilusoacuterio de tridimensionalidade que a imagem produz

Logo a experiecircncia a partir da observaccedilatildeo da ldquoformardquo isto eacute da pintura mesma seja

ao vivo ou mesmo atraveacutes da reproduccedilatildeo neste papel acrescida do acesso agrave ldquoformatividaderdquo

atraveacutes do Atlas levam a constataccedilatildeo de uma ambiguidade entre abstraccedilatildeo e ilusatildeo

tridimensional proacutepria da imitaccedilatildeo de uma figura que a obra permite vislumbrar

A despeito da relaccedilatildeo abstraccedilatildeo ndash fotografia que pode ser identificada na observaccedilatildeo

das obras de Richter acima dispostas igualmente seus textos tambeacutem apontam para as

problemaacuteticas que o advento da fotografia possibilitou agrave pintura vislumbrar E ao contraacuterio do

senso comum Richter elucida que a foto natildeo necessariamente se contrapotildee agrave pintura como

imitaccedilatildeo ou ateacute mesmo como coacutepia mas paradoxalmente tambeacutem instaura a possibilidade da

121

abstraccedilatildeo propriamente dita como fruto da observaccedilatildeo e da imitaccedilatildeo isto eacute a relaccedilatildeo ldquopessoa-

forma-mundordquo que o pintor estabelece com o suposto modelo pode levar agrave observaccedilatildeo de um

conteuacutedo vazio do ponto de vista da representaccedilatildeo de ideias mas ainda assim a imitaccedilatildeo da

imagem da aparecircncia continua possiacutevel

Como na passagem de uma nota de Richter abaixo transcrita que deixa claro o

entendimento por parte do artista dessa tecircnue relaccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo que a

imagem pictoacuterica percorre em sua obra sobretudo quando esta imagem tem a possibilidade de

decorrer de uma imagem previamente elaborada e produzida advinda de uma fotografia

Quando eu desenho - uma pessoa um objeto - Eu tenho que me fazer

consciente de proporccedilatildeo da precisatildeo a abstraccedilatildeo ou distorccedilatildeo e assim por

diante Quando eu pinto a partir de uma fotografia o pensamento consciente

eacute eliminado Eu natildeo sei o que estou fazendo O meu trabalho eacute muito mais

proacuteximo do Informal do que de qualquer tipo de realismo A fotografia

tem uma abstraccedilatildeo em si mesma o que natildeo eacute faacutecil de enxergar Eacute o que todo

mundo acredita que nos dias de hoje eacute normal E se isso se torna outro o

efeito eacute muito mais forte do que qualquer distorccedilatildeo do tipo que vocecirc

encontra em figuras de Bacon ou de Dali (Gerhard Richter - Notes 1964-

1965)220

Outra passagem que esclarece novamente a intricada relaccedilatildeo do artista com o modelo

nos meandros da ldquoformatividaderdquo da pintura e de como o advento da fotografia mudou esta

compreensatildeo de que modo se capta a imagem e se constroacutei a pintura propriamente dita bem

como o limite entre abstraccedilatildeo e imitaccedilatildeo que o artista muitas vezes ultrapassa no decorrer da

produccedilatildeo pictoacuterica

E quando eu ignoro o fato de que se entende a fotografia como um pedaccedilo de

papel que tenha sido exposto agrave luz entatildeo eu faccedilo fotos com outros meios

natildeo imagens que de alguma forma se assemelham a uma fotografia E vistas

220

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGerhard Richter - Notes 1964-1965 When I draw - a person an object - I have to make

myself aware of proportion accuracy abstraction or distortion and so forth When I paint from a photograph

conscious thinking is eliminated I dont know what I am doing My work is far closer to the Informel than to any

kind of realism The photograph has an abstraction of its own which is not easy to see through Its what

everyone believes in nowadays its normal And if that then becomes other the effect is far stronger than any

distortion of the sort you find in Dalis figures or Bacons Such a picture can really scare yourdquo (GERHARD

Richter Writings - 1961-2007 New York DAPDistributed Art Publishers 2009 p29)

122

desta forma minhas pinturas que foram feitas sem um modelo de foto

(abstraccedilotildees etc) tambeacutem satildeo fotos (Gerhard Richter em entrevista com

Rolf Schoumln 1972) 221

43 Imaginaccedilatildeo na abstraccedilatildeo a pintura de Gerhard Richter

Contudo as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo natildeo constituem o uacutenico conjunto de obras

que Richter pintou e que podem ser identificadas como abstratas haacute ainda inuacutemeras pinturas

intituladas por ele como ldquoPintura abstratardquo (Figura IV) que foram produzidas todavia

concomitantemente a outros inuacutemeros grupos de pinturas que podem ser identificadas como

sendo figurativas tal como retratos paisagens e composiccedilotildees com variados objetos que

permitem novas e diferentes constataccedilotildees sobre as possiacuteveis relaccedilotildees e variaccedilotildees que os

binocircmios e as aparentes antiacuteteses entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou melhor entre imitaccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo acarretam levando agrave constataccedilatildeo da importacircncia da noccedilatildeo de autonomia da obra

para a definiccedilatildeo da arte como miacutemesis no conjunto de obras de Richter

Isto eacute a diferenccedila entre as pinturas intituladas ldquoDetalherdquo e as intituladas ldquoPintura

abstratardquo (Figura IV) natildeo eacute apenas com respeito ao tiacutetulo que indica claramente a vontade do

artista em direcionar o olhar do espectador a uma imagem natildeo nomeaacutevel e natildeo identificaacutevel

como produto de uma imitaccedilatildeo (embora o tiacutetulo em si possa ser ignorado pelo espectador)

mas tambeacutem o proacuteprio processo de fabricaccedilatildeo tambeacutem natildeo passou pela imitaccedilatildeo de uma foto

como no caso das pinturas do conjunto intitulado como ldquoDetalherdquo (Figuras II e III)

Aleacutem disso ao contraacuterio das primeiras pinturas descritas acima (Figuras II e III) ao

observarmos esta pintura ao vivo (Figura IV) eacute possiacutevel verificar textura e espessura advindas

da tinta a oacuteleo empastada o que nos transporta inevitavelmente agrave materialidade da tinta que

neste caso natildeo gera o mesmo tipo de ilusatildeo de espaccedilo volume e movimento que as obras

intituladas ldquoDetalherdquo (Figura II e Figura III) Portanto no segundo caso a ideia de coisa fica

221

(Traduccedilatildeo Nossa) And when I ignore the fact that one understands photography as a piece of paper that has

been exposed to light then I make photos with other means not images that somehow resemble a photograph

And viewed in this way my paintings which were made without a photo model (abstract etc) are also photos

(Gerhard Richter em entrevista com Rolf Schoumln 1972 In Obrist 1993 p68 apud HELMUT Friedel (editor)

Gerhard Richter - Atlas (Photographs Collages and Sketches 1962-2006) 1ordf ed DAPDistributed Art

Publishers 2007 p 13)

123

mais evidente pois as sensaccedilotildees de textura claro - escuro e profundidade satildeo reais e natildeo

ilusoacuterias

Figura III

222

Figura IV

223

222

Gerhard Richter ldquoAusschnitt (karmin)rdquo [Detalhe (carmim)] 1971 200 x 200cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 289) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

223

Gerhard Richter ldquoAbstraktes Bildrdquo [Pintura Abstrata] 1995 51x71cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute

829-5) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

124

44 Representaccedilatildeo na abstraccedilatildeo

Entretanto o limite entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo eacute novamente posto em contradiccedilatildeo pelo

artista em questatildeo quando se constata que muitas pinturas que aparentemente ldquodeveriamrdquo ser

intituladas como ldquoabstratasrdquo ganham tiacutetulos como a pintura intitulada ldquoHaggadahrdquo (Figura

V) aqui o tiacutetulo sugere ao espectador um entendimento da imagem como representaccedilatildeo de

uma ideia embora natildeo haja indiacutecio de imitaccedilatildeo de figura reconheciacutevel muito menos de

referecircncia direta ao significado proposto pelo tiacutetulo

Tiacutetulo este que poderia remeter a ideia de texto de narrativa para tomar o significado

literal da palavra hebraica que nomeia a pintura mas tambeacutem poderia significar passagem

libertaccedilatildeo jaacute que a narrativa em questatildeo eacute a do ecircxodo biacuteblico narrado tradicionalmente nas

festas do Pessach [Paacutescoa judaica] mas tambeacutem poderia ser referecircncia aos livros iluminados

medievais ou a tantos outros sentidos advindos das possiacuteveis camadas de significados que o

termo pode acarretar isto eacute o tiacutetulo abre para inuacutemeras possibilidades de interpretaccedilatildeo sem

duacutevida

A respeito da questatildeo da relaccedilatildeo nome-pintura Pareyson nos chama agrave atenccedilatildeo para

uma passagem do Toacutepicos de Aristoacuteteles224

onde o estagirita explica que os artistas ldquoantigosrdquo

faziam inscriccedilotildees em suas pinturas para que os espectadores pudessem reconhecer o que elas

representavam (Toacutepicos 140 a 20)225

deixando claro que a imagem em si natildeo

necessariamente tem sempre uma relaccedilatildeo clara e indubitaacutevel com um suposto modelo

sobretudo quando lida como continuaccedilatildeo de outra passagem algumas linhas acima onde o

estagirita afirma que a imagem eacute fruto da miacutemesis (Toacutepicos 140 a 15) 226

224

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoE tatildeo importante eacute a semelhanccedila na arte que os artistas primitivos natildeo conseguindo

retratar bem os aspectos dos objetos figurados eles sentiram a necessidade de escrever o nome sobre o desenho

[] (Topicos 140 a 20)rdquo (PAREYSON Luigi Corso Di Estetica Capiacutetulo II - Imitazione e Creazione p35

In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009) ldquoE cosigrave

importante la somiglianza nellarte che gli artisti primitivi non riuscendo a ritrar bene le sembianze degli

oggetti raffigurati sentivano il bisogno di scriverne il nome sul disegno[](Topici 140 a 20)rdquo

225

ldquo[] nas obras dos pintores antigos se natildeo havia uma inscriccedilatildeo as figuras eram geralmente

irreconheciacuteveisrdquo (Arstoacuteteles Toacutepicos Trad de Eudoro de Souza In Aristoacuteteles 1ordf ed Satildeo Paulo Ed Abril

Cultural 1973 p 105)

[] ἀλλὰ καθάπερ τὰ τῶν ἀρχαίων γραφέων εἰ μή τις ἐπέγραψεν οὐκ ἐγνωρίζετο τί ἐστιν ἕκαστον

226

ldquo[] a imagem eacute uma coisa produzida por imitaccedilatildeo []rdquo(Ibidem p104)

(εἰκὼν γάρ ἐστιν οὗ ἡ γένεσις διὰ μιμήσεως τοῦτο δ οὐχ ὑπάρχει τῷ νόμῳ)

125

Portanto a pintura mesmo enquanto imagem natildeo pode ser sempre entendida como

representaccedilatildeo Principalmente porque a escolha de se fazer a relaccedilatildeo tiacutetulo-nome e imagem eacute

do espectador E aleacutem disto isso se o espectador tomar conhecimento do tiacutetulo e quiser

realmente levar em conta o tiacutetulo

Ademais a importacircncia que um eventual tiacutetulo tenha para o espectador como recurso

para a interpretaccedilatildeo da imagem fica ainda mais evidente no caso da pintura ldquoHaggadahrdquo

(Figura V) pois o tiacutetulo eacute acrescido como fundamento de identificaccedilatildeo da imagem como

representaccedilatildeo se o interpretante tentar achar indiacutecios dos significados referentes ao tiacutetulo nas

marcas de cor e forma presentes na pintura e por conseguinte tirando dessa correlaccedilatildeo

(pintura- tiacutetulo) infinitas leituras Portanto no caso da referida obra o fato eacute que a

representaccedilatildeo estaacute no tiacutetulo e natildeo na imagem por si mesma que por si soacute eacute pura abstraccedilatildeo ou

seja a rigor a pintura abaixo soacute diz de si mesma

Figura V

227

227

Gerhard Richter ldquoHaggadahrdquo 2006 152-152 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 895-10) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

126

Logo em decorrecircncia das anaacutelises destas obras de Richter bem como dos trechos

acima citados do Toacutepicos de Aristoacuteteles eacute possiacutevel entender que o axioma abstraccedilatildeo-

figuraccedilatildeo pode ser uma falsa contradiccedilatildeo construiacuteda muito mais por uma criacutetica disposta a

colocar paracircmetros de anaacutelise do que por uma constataccedilatildeo da necessidade da formaccedilatildeo e da

construccedilatildeo da imagem pictoacuterica pelo artista como se pode constatar claramente nesta nota de

Richter

Quando eu pinto uma pintura abstrata (o problema natildeo eacute diferente com as

outras) eu nem sei de antematildeo o que ela deveraacute parecer nem enquanto estou

pintando sei onde eu quero ir nem o que deveria ser feito para alcanccedilar o

quecirc Eacute por isso que a pintura eacute um esforccedilo desesperado quase cego como o

de algueacutem preso sem recursos em um ambiente incompreensiacutevel - como de

algueacutem que tem uma variedade especiacutefica de ferramentas materiais e

capacidades e o desejo ardente de construir algo significativo uacutetil mas

deseja que natildeo seja nem uma casa nem um banco nem qualquer outro objeto

nomeaacutevel e que por isso comeccedila a construir numa vaga esperanccedila de que

sua acurada especialidade produziraacute algo certo algo significativo (Gerhard

Richter 1985) 228

As palavras acima satildeo significativamente parecidas com a descriccedilatildeo pareysoniana de

ldquoformatividaderdquo isto eacute o fazer artiacutestico eacute um fazer que ldquoinventa o por fazer e o modo de

fazerrdquo na medida do ldquoformarrdquo e que eacute invenccedilatildeo e execuccedilatildeo ldquopari passurdquo 229

228

(Traduccedilatildeo nossa) When I paint an Abstract Painting (the problem is not dissimilar with the others) I neither

know beforehand what it should look like nor whilst painting where I want to go what should be done in order

to achieve what This is why painting is an almost blind desperate effort like that of someone stranded without

means in an incomprehensible environment mdash like that of someone who has a specific assortment of tools

materials and capabilities and the ardent desire to build something meaningful useful but which must be

neither a house nor a stool nor any other nameable object and who therefore starts building in the vague hope

that his accurate specialized doing will produce something right something meaningful (Gerhard Richter 27

121985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996

p28)

229

Cf PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p32 e 33

127

45 Imitaccedilatildeo e imaginaccedilatildeo na figuraccedilatildeo

Todavia o conjunto de obras de Richter ainda levanta outras possibidades de quebra

desta aparente antiacutetese entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo ou seja como foi apontado anteriormente

ele natildeo soacute produziu pinturas aparentemente abstratas mas tambeacutem produziu pinturas

diretamente relacionas a figuras reconheciacuteveis e nomeaacuteveis e por procedimentos imitativos

propriamente ditos e por conseguinte anaacutelogos agraves pinturas sob o tiacutetulo ldquoDetalhesrdquo (Figuras II

e III) sobretudo a partir de fotografias como por exemplo o retrato de ldquoBettyrdquo (Figura VI)

Figura VI 230

A fotografia que foi modelo para a pintura ldquoBettyrdquo encontra-se na paacutegina 445 do Atlas

(Figura VII) disposta junto com fotos de motivos diversos sem nenhum aparente parentesco

temaacutetico ou de procedecircncia entretanto chama a atenccedilatildeo uma foto de uma composiccedilatildeo de

ldquogarrafa com maccedilatilderdquo remetendo aqui agraves composiccedilotildees de naturezas mortas quase tatildeo

230

Gerhard Richter ldquoBettyrdquo [Betty] 1988 102 x 72 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue Raisonneacute 663-5) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

128

tradicionais quando satildeo as pinturas de retratos aleacutem do mais um fato sobre esta foto que

chama agrave atenccedilatildeo eacute que ela gerou mais de uma pintura (Figura VIII e Figura IX) evidenciando

que no caso de Richter a foto eacute o ponto de partida para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica e

natildeo seu paradigma instransponiacutevel

Figura VII 231

Figura VIII

232 Figura IX

233

231

Gerhard Richter ldquoVerschiedene Motiverdquo [Vaacuterios Motivos] 1978 517 x 667 cm (Atlas paacutegina 445) Fonte

Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

232

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 83 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

233

Gerhard Richter ldquoFlasche mit Apfelrdquo [Garrafa com maccedila] 1988 82 cm x 62 cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 663-6) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

129

Ou seja as imagens acima embora remetam a um modelo fotograacutefico natildeo satildeo fieacuteis agraves

fotos pois aleacutem de uma pintura estar mais desfocada que a outra - recurso que o artista utiliza

constantemente - elas trazem coloraccedilotildees diferenciadas sem contar com a textura aveludada

caracteriacutestica da tinha a oacuteleo Pois embora a imitaccedilatildeo a um modelo seja evidente a imitaccedilatildeo

aqui natildeo eacute mera coacutepia principalmente quando se tem o acesso agrave foto ndash modelo que deixa

claro que aqui o procedimento de imitaccedilatildeo presente nestas pinturas estaria muito mais

proacuteximo agraves ideias e nuances dos conceitos de miacutemesis encontradas nos textos de Platatildeo e

sobretudo nos textos analisados de Aristoacuteteles e mais ainda na abordagem da ideia de

imitaccedilatildeo proposta por Pareyson Ampliando assim a questatildeo para aleacutem da particularidade da

obra de Richter levando a problemaacutetica agrave arte pictoacuterica de maneira geral

Ademais nesta outra passagem onde o pintor alematildeo discorre sobre a relaccedilatildeo entre a

pintura abstrata e figurativa fica igualmente claro que o modelo natildeo eacute ponto de referecircncia

fixo para a elaboraccedilatildeo da imagem pictoacuterica em Richter mas o iniacutecio do processo

As pinturas abstratas satildeo natildeo menos arbitraacuterias do que as representaccedilotildees

concretas (que satildeo baseadas em um dos muitos motivos possiacuteveis que podem

tornar-se pinturas) elas diferem apenas no sentido em que o seu ldquomotivordquo eacute

apenas desenvolvido no decorrer da pintura (Gerhard Richter 1985)234

Ainda noutra nota de 1962 Richter diz ldquoA ideia de que a arte copia a natureza eacute um

grande equiacutevoco A arte sempre operou contra a natureza e com razatildeordquo235

Esta frase eacute parte

uma longa nota que poderia ser entendida como uma espeacutecie de diaacutelogo com as refelexotildees

platocircnicas sobre a incapacidade da imagem pictoacuterica em captar a realidade e

consequentemente como sendo meras ilusotildees Tambeacutem pode ser entendida em diaacutelogo com a

posiccedilatildeo aristoteacutelica de que a miacutemesis completa a phyacutesis [natureza] Sobre essas mesmas

questotildees numa outra entrevista Richter discorre

234

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe Abstract Paintings are no less arbitrary than the concrete representations (which are

based on one of many possible motifs which should become paintings) they differ only in the sense that their

motif is only developed during the paintingrdquo (Gerhard Richter 1985) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo

de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr Moderne Kunst 1996 p19)

235

(Traduccedilatildeo nossa) Gerhard Richter Notes 1962 ldquoThe idea that art copies nature is a fatal misconception Art

has always operated against nature and for reasonrdquo (GERHARD Richter Writings - 1961-2007 New York

DAPDistributed Art Publishers 2009 p14-15)

130

Robert Storr Quando vocecirc primeiro se apropriou de fotografias para fazer

pinturas vocecirc estava procurando assumir a objetividade de uma cacircmera

Gerhard Richter As pinturas tecircm a vantagem de que eu ainda posso

adicionar um pouco de alguma coisa porque a noccedilatildeo de neutralidade e

objetividade eacute uma ilusatildeo eacute claro Isso eacute algo impossiacutevel Cada pintura

inclui automaticamente a minha incapacidade minha impotecircncia a minha

relaccedilatildeo com a realidade coisas que satildeo subjetivas Portanto era legiacutetimo que

fosse pintada [cada pintura] Natildeo se tratava sobre a pureza absoluta mas

sobre a maior pureza possiacutevel236

Outro exemplo eacute uma pintura de uma cadeira (Figura XI) que aparentemente traz um

tema mais banal que os das demais pinturas analisadas aqui E novamente quando se

compara a pintura da cadeira com a lauda correspondente do Atlas (nordm 11) (Figura X) que

mostra inuacutemeras imagens diacutespares tanto de imagens particulares como retiradas de jornais

com os mais variados temas fica evidente como os modelos e referecircncias de Richter satildeo

muacuteltiplos e novamente indicando que em sua obra pictoacuterica a suposta contradiccedilatildeo entre

figuraccedilatildeo ndash abstraccedilatildeo eacute substituiacuteda com a possibilidade de convivecircncia entre ambas e natildeo

mais da exclusatildeo eou escolha entre uma e outra Sobre esta pintura (Figura XI) o pintor

discorre

Esta foi uma das cadeiras que eu tive e que eu fotografei Foi parte da minha

pesquisa de objetos banais - uma cadeira em si uma mesa um rolo de papel

higiecircnico Embora a maioria das minhas fotos-pinturas seja derivada de

fotografias de fontes alheias esta eacute uma das fotos que eu tirei

pessoalmente237

236

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoRS When you first appropriated photographs to make paintings were you also assuming

such a cameralike objectivity GR The paintings have the advantage that I can still add a little somethingmdash

because the notion of neutrality and objectivity is an illusion of course That is somehow impossible Every

painting automatically includes my inability my powerlessness my relation to reality things that are subjective

Therefore it was legitimate to be painted It was not about absolute purity but about the greatest possible

purityrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In

STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in painting New York The Museum of Modern Art 2003

p173)

237

(Traduccedilatildeo nossa) This was a chair I owned and photographed It was part of my search for banal objects ndash

the chair itself the table the toilet roll Although the great majority of the photo-paintings are based on photos

which came from outside sources this was one I took myself

(Gerhard Richter Comments on some works 1991 In Gerhard Richter Text Writings Interviews and Letters

1961ndash2007 Thames amp Hudson London 2009 p 261262 apud Disponiacutevel em lthttpwwwgerhard-

richtercomartpaintingsphoto_paintingsdetailphppaintid=5615gt Acesso em 04082013)

131

Figura XI

238

Figura X

239

238

Gerhard Richter ldquoZeitungsfotosrdquo [Imagens de jornais e fotografias (aacutelbum)] 1963 517 x 667 cm Paacutegina do

Atlas nordm 11 Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

239

Gerhard Richter ldquoKuumlchenstuhlrdquo [Cadeira de cozinha] 1965 100 x 80cm oacuteleo sobre tela (Catalogue

Raisonneacute 97) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em agosto de 2013

132

46 Figuraccedilatildeo e abstraccedilatildeo

Mais um conjunto de pinturas onde a relaccedilatildeo entre imitaccedilatildeo e abstraccedilatildeo fica instigante

eacute a que o pintor alematildeo fez a partir da pintura ldquoA Anunciaccedilatildeordquo do pintor veneziano Ticiano

(Figura IX) pois haacute um movimento claro que se inicia de leve desfocamento e se dirige em

direccedilatildeo agrave pura abstraccedilatildeo (Figuras X e XI XII) como se ele quisesse desconstruir a imagem

para chegar ao esqueleto da composiccedilatildeo cromaacutetica

Figura IX

240 Figura X

241

Figura XI

242 Figura XII

243

240

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 125 x 300cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute343-1) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

241Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquo [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-3) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

242

Gerhard Richter ldquoVerkuumlndigung nach Tizianrdquocedil[Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-11) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

243

Gerhard Richter Verkuumlndigung nach Tizian [Anunciaccedilatildeo a partir de Ticiano] 1973 150 x 250 cm oacuteleo

sobre tela (Catalogue Raisonneacute 344-2) Fonte Disponiacutevel em lt httpwwwgerhard-richtercomgt Acesso em

agosto de 2013

133

Ou seja aqui tambeacutem assim como no conjunto das obras do artista como um todo se

verifica a desconstruccedilatildeo entre abstraccedilatildeo e figuraccedilatildeo e por conseguinte a desconstruccedilatildeo da

aparente dicotomia entre imitaccedilatildeo ou imaginaccedilatildeo que podem ser identificadas natildeo soacute na sua

produccedilatildeo pictoacuterica mas tambeacutem lidas nos relatos de Gerhard Richter sobre a produccedilatildeo de

inuacutemeras pinturas Portanto retirando desse modo a nossa anaacutelise da simples suposiccedilatildeo e

vazia especulaccedilatildeo do que o artista teria ou natildeo feito e possibilitando que a interpretaccedilatildeo da

obra se enriqueccedila com o relato da experiecircncia do processo da pintura devido certo acesso do

espectador agrave ldquoformatividaderdquo da obra e natildeo soacute agrave ldquoformardquo acabada propriamente dita Como

na passagem desta entrevista concedida por Richter a Robert Storr onde Richter mostra como

ele se relaciona com a questatildeo da imitaccedilatildeo nos meandros do processo da elaboraccedilatildeo de suas

pinturas

Gerhard Richter Eacute uma realidade que eacute inacessiacutevel Eacute um sonho Acabou

Mas eu sou antiquado o suficiente ou estuacutepido o suficiente para aguentar Eu

ainda quero pintar algo como Vermeer Mas eacute a hora errada e eu natildeo posso

fazecirc-lo Eu sou muito burro Bem eu natildeosou capaz Robert Storr Mas eu

estou pensando mais sobre fenocircmenos visuais que podem ser capturados do

que nos precedentes histoacutericos para capturaacute-los O que acontece quando o

assunto natildeo eacute um Ticiano mas um rolo de papel higiecircnico Isso significa

que a proacutepria realidade fez a realidade cotidiana eacute algo que noacutes perdemos a

capacidade de agarrar em uma foto Gerhard Richter Natildeo isso nunca foi

problema Eu nunca quis captar e apreender a realidade numa pintura Talvez

num momento de fraqueza eu tenha querido mas eu natildeo me lembro

Entretanto isso nunca foi minha intenccedilatildeo Mas eu quero pintar a aparecircncia

da realidade Esse eacute o meu tema ou meu trabalho244

Outro aspecto que deixa a obra de Richter ainda mais significativa para a presente

reflexatildeo eacute quando se verifica que aqui a variaccedilatildeo entre as caracteriacutesticas de sua pintura natildeo eacute

244

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoGR It is a reality that is unreachable It is a dream Its over But I am old-fashioned

enough or stupid enough to hang on I still want to paint something like Vermeer But it is the wrong time and I

cannot do it I am too dumb Well I am not able to RS But I think more about visual phenomena that can be

captured than the historical precedents for capturing it What happens when the subject is not a Titian but a

toilet paper roll Does that mean that reality itself everyday reality is something weve lost the ability to hold

onto in a picture GR No thats never the problem I never wanted to capture and hold reality in a painting

Maybe at a weak moment I did but I dont remember However that was never my intention But I wanted to

paint the appearance of reality That is my theme or my jobrdquo (Entrevista de Robert Storr com Gerhard Richter

concedida em alematildeo e inglecircs em abril de 2001 In STORR Robert Gerhard Richter Doubt and belief in

painting New York The Museum of Modern Art 2003 p172)

134

uma questatildeo de fases como no caso de diversos artistas cujo conjunto da obra sofre inuacutemeras

reviravoltas e mudanccedilas no decorrer de suas vidas mas em Richter natildeo eacute uma questatildeo de

mudanccedila e sim de proposta de copossibilidade daquilo que poderia ser visto como produccedilatildeo

diacutespar ou incoerente ou ateacute mesmo antagocircnica mas que se configura como pluralidade em

harmonia de aparentes contraacuterios como uma proposta artiacutestica verificaacutevel natildeo soacute na

observaccedilatildeo das obras em si e de sua variedade e concomitacircncia cronoloacutegica mas tambeacutem nas

leituras dos textos do artista

Sendo assim interessante notar que as abordagens na possibilidade dessas

multiplicidades e na desconstruccedilatildeo desta aparente antiacutetese entre miacutemesis e imaginaccedilatildeo tanto

em Richter quanto em Pareyson se completam se complementam e se explicam Embora em

Richter - o que soacute poderia ser constatado com o cotejo de todas as fontes de informaccedilatildeo (obra

textos fotos esboccedilos) ndash seja um relato singular de uma experiecircncia de uma ldquoformatividaderdquo

bem como de um programa de arte pautado por uma escolha pessoal e em Pareyson seja

uma anaacutelise de algo inerente a toda e qualquer pintura como Pareyson discorre

Como quer que se conceba a relaccedilatildeo entre imagem artiacutestica e a realidade

natural seja como uma fiel representaccedilatildeo ou uma livre interpretaccedilatildeo ou

uma arbitraacuteria reconstruccedilatildeo ou uma deliberada idealizaccedilatildeo ou uma

voluntaacuteria deformaccedilatildeo ou ateacute uma criaccedilatildeo absoluta ou uma construccedilatildeo

completamente nova ou pura invenccedilatildeo sem pretexto de realidade o

importante eacute que a imagem artiacutestica se sutente apenas pela sua proacutepria

estrutura 245

Mais adiante continuando o trecho acima Pareyson discorre sobre a relaccedilatildeo do artista

com a realidade diante da elaboraccedilatildeo da pintura e aponta para a possibilidade de se confundir

o grau de imitaccedilatildeo da obra com relaccedilatildeo a um modelo como se esse grau indicasse se a pintura

foi ou natildeo de fato bem sucedida

245

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoComunque si concepisca il rapporto fra limmagine artistica e la realtagrave naturale

sia esso una fedele rappresentazione o una libera interpretazione o unarbitraria ricostruzione o una deliberata

idealizzazione o una voluta deformazione oppure una creazione assoluta o una costruzione completamente

nuova o una pura invenzione senzappigli nella realtagrave limportante egrave che limmagine artistica si regga

unicamente sulla propria strutturardquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a

cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p263)

135

Sobre este ponto pelo contraacuterio acumulam-se intensamente diversos

equiacutevocos que de acordo com a antiacutetese supracitada podem ser reduzidos

agraves duas teses seguintes e opostas de um lado haacute quem afirme que o valor da

imagem artiacutestica depende de sua relaccedilatildeo com a realidade de outro lado haacute

quem afirme que a relaccedilatildeo da imagem artiacutestica com a realidade natildeo tem

nenhuma relevacircncia na arte246

Ora se a pintura natildeo se define por seu grau ou natildeo de imitaccedilatildeo ou invenccedilatildeo isto natildeo

quer dizer que a sua relaccedilatildeo com a realidade natildeo seja fundamental para interpretar a obra em

si como explica Pareyson

Mas por outro lado eacute preciso natildeo se exceder a ponto de dizer que se a

referencia agrave realidade natildeo determina o valor da arte ela eacute irrelevante Bem

entendido a figura artiacutestica vale pelos seus valores estiliacutesticos pictoacutericos ou

poeacuteticos ou musicais mas natildeo eacute indiferente que ela seja o resultado de uma

imitaccedilatildeo ou de uma idealizaccedilatildeo ou de uma invenccedilatildeo ou de uma pura

criaccedilatildeo Segundo estes diversos caracteres ela haacute que ser lida diversamente e

diversamente interpretada Sobre este ponto a esteacutetica tem o dever de

elaborar os conceitos que segundo as diversas poeacuteticas podem explicar a

relaccedilatildeo entre a imagem artiacutestica e a realidade natural247

Portanto haacute que se levar em conta natildeo soacute a ldquoformardquo mas se possiacutevel tambeacutem a

ldquoformatividaderdquo isto eacute a relaccedilatildeo que o artista estabeleceu com a realidade no decorrer da

produccedilatildeo da pintura aumenta os subsiacutedios para o entendimento da obra na sua totalidade

Como foi possiacutevel no caso da obra de Richter pois aleacutem de se vislumbrar a obra acabada haacute a

246

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p68 ldquoSu questo punto invece si sono pesantemente addensati i piugrave di versi equivoci che

conformemente allantitesi su citata si possono ridurre alle seguenti due tesi opposte da un lato vegrave chi afferma

che il valore dellimmagine artistica dipende dal suo rapporto con la realtagrave dallaltro cegrave chi afferma che il

rapporto dellimmagine artistica con la realtagrave non ha alcuna rilevanza nellarterdquo (Idem I Problemi

DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009

p263 )

247

Ibidem op cit p69 ldquoMa per laltro verso non bisogna trascorrere a dire che se il riferimento alla realtagrave

non determina il valore dellarte esso egrave irrilevante Beninteso la figura artistica vale per i suoi valori stilistici

pittorici o poetici o musicali che siano ma non egrave indifferente chessa sia il risultato duna raffigurazione o

dunidealizzazione o duninvenzione o duna pura creazione A seconda di questi diversi caratteri essa ha da

esser letta diversamente e diversamente interpretata Su questo punto lestetica ha i l compito di elaborare i

concetti che a seconda delle diverse poetiche possono spiegare il diverso rapporto fra limmagine artistica e la

realtagrave naturalerdquo (Ibidem opcit p264)

136

contribuiccedilatildeo dos relatos escritos do artista como ainda tambeacutem haacute as imagens dos rastros do

processo da produccedilatildeo da obra como os esboccedilos e fotos referenciais (Atlas) que permitem que

entendamos as escolhas e opccedilotildees do artista e parte da trilha por ele percorrida na

formatividade da obra tudo isso pode ser uma porta de entrada fundamental para

interpretaccedilatildeo da obra como tantas vezes Pareyson apontou

Entretanto trecircs pontos devem ser esclarecidos aqui o primeiro eacute que o estudo da

ldquoformatividaderdquo natildeo eacute o estudo da suposta intenccedilatildeo do artista pois a intenccedilatildeo na maioria das

vezes nem mesmo o artista em questatildeo tem necessariamente consciecircncia e este pode ser um

campo minado que muitas vezes envereda para a pura especulaccedilatildeo sem que se chegue a

fornecer elementos consistentes o bastante para a anaacutelise da obra propriamente dita isto eacute o

estudo da ldquoformatividaderdquo eacute o estudo dos rastros do que de fato foi executado e natildeo daquilo

que se quis executar

E em segundo lugar a interpretaccedilatildeo da obra de arte entendida sob a oacutetica

pareysoniana tambeacutem natildeo eacute um simples juiacutezo de valor pois as escolhas e posiccedilotildees do artista

perante a realidade natildeo desvalorizam nem valorizam a pintura enquanto obra de arte boa ou

ruim bem sucedida ou natildeo pertinente ou natildeo mas a identificam e a definem sendo chaves

importantes para o acesso ao significado da obra enquanto ldquoformardquo e mais ainda enquanto

ldquopessoardquo pois revela a sua personaliacutessima visatildeo de mundo atraveacutes da ldquoforma formadardquo

Sobre esta particularidade Pareyson discorre no trecho a seguir

Assim na pintura a obra muda de significado mesmo natildeo mudando de

valor segundo for uma imagem figurativa ou imagem abstrata Eacute evidente

que o valor artiacutestico de um retrato natildeo depende de um confronto externo da

imagem com o original confronto para o qual de resto natildeo pode haver

regras fixas sendo o conceito de ldquosemelhanccedilardquo extremamente complexo e

difiacutecil sobretudo quando estaacute em jogo o resto da pessoa viva isto eacute uma

realidade dinacircmica e espiritual justamente na sua delineaccedilatildeo fiacutesica248

248

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p69 ldquoCosigrave nella pittura lopera cambia di significato pur non cambiando di valore a

seconda che sia immagine raffigurativa o immagine astratta Egrave evidente che il valore artistico dun ritratto non

dipende da un confronto esterno dellimmagine con loriginale confronto che del resto non puograve avere regole

fisse essendo il concetto di laquosomiglianzaraquo estremamente complesso e difficile soprattutto quando sia in gioco i l

volto duna persona vivente cioegrave una realtagrave quanto mai dinamica e spirituale proprio nella sua delineazione

137

E o terceiro ponto eacute que embora se admita a multiplicidade e ateacute a inexauribilidade da

interpretaccedilatildeo da obra essa multiplicidade natildeo eacute extensiva agrave proacutepria obra que permanece a

mesma nas palavras de Pareyson

[] em primeiro lugar que a unidade eacute da obra e natildeo da interpretaccedilatildeo

enquanto a multiplicidade eacute da interpretaccedilatildeo e natildeo da obra uma vez que a

obra permanece idecircntica e igual a si mesma na multiplicidade das suas

interpretaccedilotildees e em segundo lugar que a originalidade e a novidade da

interpretaccedilatildeo natildeo satildeo um programa mas um resultado no sentido de que o

inteacuterprete as consegue espontaneamente quanto maior for o seu esforccedilo

pessoal de colher a obra na sua verdadeira realidade []249

47 O estatuto ontoloacutegico

E ainda um uacuteltimo ponto do pensamento do pintor alematildeo que chama a atenccedilatildeo

atenta para algo que igualmente se verifica na Teoria da Formatividade isto eacute a

reivindicaccedilatildeo do estatuto ontoloacutegico da obra de arte operada por Pareyson diz Richter

A invenccedilatildeo do readymade me atenta como tendo sido a invenccedilatildeo da

realidade isto eacute a descoberta incisiva de que a realidade em contraste com a

imagem da vida eacute a uacutenica coisa de relevacircncia Desde entatildeo a pintura jaacute natildeo

retrata a realidade mas eacute a proacutepria realidade em si (que apresenta a si

mesma) E em algum momento vai voltar a ser uma questatildeo de recusar-se a

creditar esta realidade com qualquer valor a fim de produzir imagens de um

mundo melhor (como era antes) 250

fisica[]rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera

Milano Mursia Editore 2009 p264)

249

PAREYSON Luigi Os problemas da esteacutetica 2ordf ed Traduccedilatildeo de Maria Helena Nery Garcez Satildeo Paulo

Martins Fontes 1989 p172 ldquo[] anzitutto che lunicitagrave egrave dellopera e non dellinterpretazione mentre la

molteplicitagrave egrave dellinterpretazione e non dellopera giaccheacute lopera rimane identica ed eguale a se stessa nella

molteplicitagrave delle sue interpretazioni e in secondo luogo che loriginalitagrave e la novitagrave dellinterpretazione non

sono un programma ma un risultato nel senso che linterprete le consegue spontaneamente quanto maggiore egrave

stato il suo sforzo personale di coglier lopera nella sua vera realtagrave []rdquo (Idem I Problemi DellrsquoEstetica In

Problemi DellrsquoEsteacutetica I Teoria ndash a cura di Marco Ravera Milano Mursia Editore 2009 p354)

250

(Traduccedilatildeo nossa) ldquoThe invention of the readymade strikes me as being the invention of reality that is to say

the incisive discovery that reality in contrast to the picture of life is the only thing of relevance Since then

138

Ou seja na passagem acima fica evidente que mais do que a obra de Duchamp ou o

que ele tenha querido propor mas sim o que estaacute em jogo aqui satildeo as inuacutemeras decorrecircncias

e desdobramentos que suas proposiccedilotildees geraram em outros artistas como no caso de Gerhard

Richter Pois como bem explica Carlos Eduardo Uchocirca sobre o movimento entre o moderno

e o contemporacircneo

A crisaacutelida vira borboleta sofre metamorfose mas ainda eacute o mesmo ser

vivo Houve ruptura ou continuidade [] a modernidade cria algumas

questotildees e depois saturando-as leva agrave inversatildeo de ecircnfases que poderiam

indicar ruptura marcando o poacutes-moderno Mas de fato houve quebra Eacute por

isso que considero crisaacutelida e borboleta como o mesmo ser vivo chamado

contemporaneidade251

Nesse sentido por maior que seja a continuidade e os desdobramentos para com a arte

do seacuteculo XX que Gerhard Richter e outros artistas atuais possam indicar sua produccedilatildeo eacute

outra e eacute a mesma com relaccedilatildeo ao passado recente assim como ocorre igualmente com a

relaccedilatildeo da imagem imitativa ela eacute ao mesmo tempo referente e outra

Por isso independente das primeiras eou ldquooriginaisrdquo intenccedilotildees de Duchamp e de

outros artistas de sua geraccedilatildeo que propuseram natildeo soacute os ready-mades mas as assemblages

de Picasso tambeacutem os objets-trouveacutes dos dadaiacutestas e surrealistas o que se verifica em

Richter eacute uma assertiva de que as obras de arte em geral incluindo as imagens pictoacutericas e

fotograacuteficas tecircm um estatuto ontoloacutegico e uma autonomia como propotildee Pareyson sendo elas

imitativas ou natildeo mecacircnicas ou manuais e esta autonomia se daacute natildeo soacute com relaccedilatildeo ao

artista mas sobretudo com relaccedilatildeo ao modelo e com relaccedilatildeo ao espectador

Nesse sentido pode-se verificar que a despeito de todos os esforccedilos ocorridos no

seacuteculo passado para ampliar os limites da pintura entretanto Richter natildeo precisou expandir a

pintura para a tridimensionalidade da escultura e nem para o espaccedilo das instalaccedilotildees e

painting no longer depicts reality but is reality itself (which presents itself) And at some point it will again be a

matter of refusing to credit this reality with any value in order to produce images of a better worldrdquo (as it once

was) (Gerhard Richter 1990) (Gerhard Richter ndash Paintings (Cataacutelogo de exposiccedilatildeo) Bozen Museum Fuumlr

Moderne Kunst 1996 p22)

251

FAGUNDES Jr Carlos Eduardo Uchocirca O beijo da histoacuteria Picasso como emblema da contemporaneidade

Satildeo Paulo Ed 34 1996 p13

139

arquiteturas e nem precisou transpor para a sua obra coisas alheias ou materiais inusitados

que natildeo a proacutepria tinta e o suporte plano para mostrar que as pinturas enquanto ldquoformasrdquo se

constituem como coisas entre coisas e tecircm estatuto ontoloacutegico embora tambeacutem possam ser

representaccedilotildees de ideias como ele tambeacutem mostrou

Outro aspecto significativo sobre a obra de Richter foi que ele tambeacutem natildeo precisou se

restringir agrave imagem como pura imaginaccedilatildeo e invenccedilatildeo nem como pura imitaccedilatildeo para afirmar

sua autonomia isto eacute Richter pocircde continuar a propor a pintura como miacutemesis entendida aqui

nas diversas acepccedilotildees encontradas tanto nos textos platocircnicos como aristoteacutelicos E portanto

a pintura de Gerhard Richter como miacutemesis eacute imitaccedilatildeo sem que isso a transforme em mera

coacutepia antagocircnica e incompatiacutevel com a inventividade e singularidade que a arte pode e deve

proporcionar sem que isso retire dela a sua dignidade ontoloacutegica e sobretudo a sua

autonomia

140

CONCLUSAtildeO

A proposta de intersecccedilotildees entre os pensamentos de Luigi Pareyson Aristoacuteteles e

Platatildeo possibilitaram pensar a ldquoformardquo enquanto organismo como fruto da poiacuteesis

[produccedilatildeo] que como ldquoteacutekhne poietikoacutesrdquo [arte poeacutetica] estabelece uma simbioacutetica relaccedilatildeo

com a phyacutesis [natureza] relaccedilatildeo esta entendida como miacutemesis

Miacutemesis natildeo na acepccedilatildeo de simples imitaccedilatildeo mas como uma leitura pessoal da

realidade por isso a ldquoarte-formardquo eacute entendida como a introduccedilatildeo do sempre novo pois a

ldquoformatividaderdquo geratriz da miacutemesis eacute sempre uacutenica e pessoal por ser produto da visatildeo de

mundo da ldquopessoa ndash artistardquo Nesse sentido pode-se afirmar que eacute a ldquopessoardquo do artista que

faz com que a formatividade sempre seja ldquocarregadardquo de invenccedilatildeo seja qual for o grau de

fidelidade da imitaccedilatildeo

Sendo assim sem deixar de ser miacutemesis a ldquoarte-formardquo eacute tambeacutem phantasiacutea na

acepccedilatildeo presente no Sofista de Platatildeo pois a imagem que eacute derivada da phantasiacutea eacute fruto da

imaginaccedilatildeo e da invenccedilatildeo do artista que modifica o que vecirc Por conseguinte tal como Richter

discorre em tantas de suas entrevistas e notas eacute a ldquoinabilidaderdquo do artista - ao natildeo conseguir

copiar tal como vecirc ou natildeo querer copiar o que vecirc - que daacute agrave imagem pictoacuterica a possibilidade

de ser sempre produto novo que ldquoacrescentardquo ou que ldquocompletardquo a natureza [phyacutesis] tal

como Aristoacuteteles discorre na Fiacutesica I

Ademais a ldquoarte-formardquo eacute igualmente imaginaccedilatildeo na acepccedilatildeo aristoteacutelica de

phantasiacutea presente tanto no Da Alma como no De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo uma vez que

como propotildee Aristoacuteteles em De Memoacuteria e Rememoraccedilatildeo a imagem eacute presenccedila mesmo se eacute

lembranccedila pensamento e estaacute em noacutes logo phantasiacutea aqui eacute imaginaccedilatildeo no sentido de

apariccedilatildeo isto eacute de imagem que advem da memoacuteria do ausente tornado presenccedila na apariccedilatildeo

Entretanto ao contraacuterio da memoacuteria propriamente dita que natildeo se externaliza do pensamento

a ldquoimagemrdquo produzida pela arte se externaliza descolando-se de um pensamento singular e se

definindo como presenccedila em si mesma portanto se ontologiza como ldquoformardquo ldquoforma-

formanterdquo e ldquoforma-formadardquo

141

Sendo assim pode-se concluir que a obra de arte independente de sua materialidade

ou natildeo de sua perenidade ou natildeo de ser imitaccedilatildeo fiel ou natildeo abstraccedilatildeo ou natildeo ao ser

produzida e registrada de alguma maneira na alteridade do artista ao deixar de ser mero

pensamento ou ldquopotecircncia de arterdquo para concretizar-se como coisa entre coisas enfim ao se

ldquopresentificarrdquo pode ser chamada de ldquoformardquo

E ainda como phantasiacutea na acepccedilatildeo dos textos aristoteacutelicos acima citados a arte eacute

tambeacutem representaccedilatildeo natildeo soacute no sentido de representaccedilatildeo como presenccedila de um ausente mas

tambeacutem como produto do pensamento que se concretiza na ldquoformardquo E portanto a ldquoformardquo

tambeacutem natildeo eacute apenas presenccedila de um ausente que eacute representado tonando-o novamente

presente mas a ldquoformardquo eacute igualmente autocircnoma com relaccedilatildeo ao representado na medida em

que eacute uma totalidade pois depois de formada a ldquoformardquo eacute tambeacutem presenccedila em si mesma

E ainda na medida em que a ldquoformardquo eacute fato novo tem autonomia ontoloacutegica pois

constitui uma alteridade e portanto eacute autocircnoma natildeo soacute do artista que a forjou mas tambeacutem

do representado e mesmo com relaccedilatildeo ao fruidor

Portanto a ldquoformardquo enquanto um ldquooutrordquo eacute como um espelho que reflete a alteridade

ao mesmo tempo em que reflete o proacuteprio espectador da obra Uma vez que eacute na fruiccedilatildeo da

obra de ldquoarte - formardquo que a visatildeo de mundo pessoal do espectador se reflete e se mistura

com a visatildeo de mundo pessoal contida na obra daiacute a ldquoinexauribilidade da interpretaccedilatildeordquo da

obra de arte definida por Pareyson daiacute o organismo vivo e irrepetiacutevel e em constante

movimento com que o filoacutesofo italiano define o conceito de obra de arte como ldquoformardquo

Ademais vale ressaltar que a autonomia da ldquoformardquo eacute independente de sua

materialidade e de sua temporalidade pois a ldquopresenccedilardquo que concretiza a sua autonomia

ontoloacutegica se daacute sobretudo no espaccedilo-tempo da fruiccedilatildeo e natildeo necessariamente na sua

perenidade temporal ou na sua concretude material enquanto coisa Pois nem a falta de

concretude nem a falta de perenidade muda a sua caracteriacutestica de ser uma visatildeo de mundo

pessoal de um artista e portanto fruto dessa relaccedilatildeo ldquopessoa-forma-formanterdquo

142

Nesse sentido o entendimento da dimensatildeo natildeo material da ldquoformardquo se faz necessaacuterio

sobretudo nos dias de hoje quando o acesso agraves obras de arte pode ser virtual ou a partir de

coacutepias mecacircnicas ou ateacute mesmo quando a obras de arte propriamente ditas deixam de existir

como no caso de instalaccedilotildees e performances pois independente da concretude material da

obra de arte a ldquoformardquo na alteridade do pensamento permanece na fruiccedilatildeo do outro E se

por um lado eacute possiacutevel identificar que a produccedilatildeo artiacutestica na atualidade ao reivindicar um

estatuto ontoloacutegico para a obra de arte estabelece a obra como coisa entretanto por outro

lado a produccedilatildeo nos dias de hoje tambeacutem permite que a arte se desmaterialize pois ao tomar

a arte como fruto da imaginaccedilatildeo a ldquoformardquo enquanto pensamento na alteridade pode existir

como puro pensamento sem que seja necessaacuteria a sua materializaccedilatildeo ou seja para que ela se

concretize e possa ser identificada como ldquoformardquo basta que ela esteja fora do pensamento

singular de uma soacute pessoa

Por isso no acircmbito das manifestaccedilotildees artiacutesticas nos dias de hoje embora a proacutepria

materialidade da arte foi e eacute questionada e a possibilidade da virtualidade da obra eacute fato

consumado a ldquoformardquo tal como foi concebida na teoria da arte pareysoniana ainda parece

ser uma maneira adequada de definir uma obra de arte jaacute que autonomamente em relaccedilatildeo a

sua materialidade a ldquoformardquo eacute alteridade do pensamento

Concluindo a partir dos estudos da Teoria da Formatividade em diaacutelogo com

determinados conceitos das filosofias de Platatildeo e de Aristoacuteteles estudos que posteriormente

instrumentalizaram a leitura da experiecircncia pessoal do pintor alematildeo Gerhard Richter

conclui-se que haacute trecircs maneiras distintas poreacutem concomitantes em que a obra de arte em

particular a pintura se presentifica como ldquoformardquo a primeira eacute aquela pela qual a pintura eacute

imagem mimeacutetica ou seja a imagem advinda de um processo de imitaccedilatildeo e que mesmo

perante o maior esforccedilo de fidelidade ao modelo eacute sempre acrescida da imaginaccedilatildeo do artista

que interpreta modifica e ldquocompletardquo o modelo

O segundo modo de presentificaccedilatildeo da pintura como ldquoformardquo eacute a imagem

representativa ou seja aquele pelo qual a imagem substitui a ausecircncia de outra coisa imagem

ou pensamento isto eacute a pintura como representaccedilatildeo de uma ideia Contudo aqui tambeacutem a

imaginaccedilatildeo participa do processo de formatividade pois a representaccedilatildeo eacute sempre intervenccedilatildeo

143

ldquoinventivardquo do artista Portanto a pintura se daacute como outra presenccedila da ausecircncia e tambeacutem

muitas vezes como visibilidade do invisiacutevel

E finalmente a terceira presentificaccedilatildeo da imagem pictoacuterica enquanto ldquoformardquo eacute o

modo em que a imagem da pintura eacute ela mesma ou seja natildeo imita nem representa nada aleacutem

daquilo que apresenta E eacute nesse jogo entre essas trecircs co-possobilidades (miacutemesis

representaccedilatildeo e apresentaccedilatildeo) que a pintura eacute coisa entre coisas inclusive passiacutevel de vir a ser

paradigma para outra pintura

Sendo assim ao analisar algumas obras pictoacutericas dizeres e escritos de Gerhard

Richter no intuito de investigar sobre os desdobramentos da pintura na atualidade sob um

aspecto mais pontual pocircde-se concluir que as obras do artista alematildeo satildeo exemplos de

pinturas que se apresentam ao mesmo tempo como miacutemesis e phantasiacutea isto eacute como

imitaccedilatildeo imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo Ademais as obras Richter mostram ainda que natildeo se

precisa escolher entre umas e outras pois natildeo haacute contradiccedilatildeo natildeo haacute antiacutetese pode haver

convivecircncia e complementaridade entre a miacutemesis imaginaccedilatildeo representaccedilatildeo e estatuto

ontoloacutegico da ldquoformardquo pois a pintura pode ser ao mesmo tempo conforme pudemos atestar

durante a elaboraccedilatildeo desta dissertaccedilatildeo imagem de outra coisa imagem de si mesma e coisa

autocircnoma

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