LOURENÇO, A.L.. Rádios Comunitárias, Participação Democrática e Soberania Popular

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745 Grupo de Trabalho: Políticas de comunicação RÁDIOS COMUNITÁRIAS, PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E SOBERANIA POPULAR André Luís Lourenço 1 Resumo: O presente artigo descreve as dificuldades de participação popular em democracias representativas, em países socialmente desiguais. Neste contexto, aponta a necessidade de se pensar em veículos populares de comunicação, em especial as rádios comunitárias, para o fortalecimento do debate político na esfera pública, a promoção da educação política e da transparência democrática, como condições fundamentais para a consolidação de um regime verdadeiramente democrático, no qual o povo é soberano. Palavras-chave: rádios comunitárias; transparência democrática; soberania popular. A noção moderna de uma sociedade democrática, segundo Chauí (2000, p. 559), engloba, além de eleições periódicas, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, a instituição de direitos para os cidadãos. Tal como é praticada e entendida atualmente, a democracia moderna difere daquela democracia ateniense – modelo que, por muitas vezes, serve de exemplo em discursos idealistas. A principal diferenciação vem da forma como as decisões são tomadas pelo governante. Para a autora (Ibid, p. 485-486), Evidentemente, não devemos cair em anacronismos, supondo que gregos e romanos instituíram uma sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos. Em primeiro 1 É jornalista. Mestrando em Comunicação Midiática, pertencente à linha de pesquisa “Gestão e Política da Comunicação, informação e Construção de Conhecimento”, pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Unesp-Bauru. Cursou “Tópicos especiais de Filosofia Política”, como aluno especial, no IFCH-Unicamp.

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O presente artigo descreve as dificuldades de participação popular em democracias representativas, em países socialmente desiguais. Neste contexto, aponta a necessidade de se pensar em veículos populares de comunicação, em especial as rádios comunitárias, para o fortalecimento do debate político na esfera pública, a promoção da educação política e da transparência democrática, como condições fundamentais para a consolidação de um regime verdadeiramente democrático, noqual o povo é soberano.

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Grupo de Trabalho: Políticas de comunicação

RÁDIOS COMUNITÁRIAS, PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA E SOBERANIA POPULAR

André Luís Lourenço1

Resumo: O presente artigo descreve as dificuldades de participação popular em democracias

representativas, em países socialmente desiguais. Neste contexto, aponta a necessidade de se pensar em

veículos populares de comunicação, em especial as rádios comunitárias, para o fortalecimento do

debate político na esfera pública, a promoção da educação política e da transparência democrática,

como condições fundamentais para a consolidação de um regime verdadeiramente democrático, no

qual o povo é soberano.

Palavras-chave: rádios comunitárias; transparência democrática; soberania popular.

A noção moderna de uma sociedade democrática, segundo Chauí (2000, p. 559), engloba, além

de eleições periódicas, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da

maioria e das minorias, algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, a instituição de

direitos para os cidadãos.

Tal como é praticada e entendida atualmente, a democracia moderna difere daquela democracia

ateniense – modelo que, por muitas vezes, serve de exemplo em discursos idealistas. A principal

diferenciação vem da forma como as decisões são tomadas pelo governante.

Para a autora (Ibid, p. 485-486),

Evidentemente, não devemos cair em anacronismos, supondo que gregos e romanos instituíram

uma sociedade e uma política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos. Em primeiro

1 É jornalista. Mestrando em Comunicação Midiática, pertencente à linha de pesquisa “Gestão e Política da Comunicação, informação e Construção de Conhecimento”, pela Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação Unesp-Bauru. Cursou “Tópicos especiais de Filosofia Política”, como aluno especial, no IFCH-Unicamp.

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lugar, a economia era agrária e escravista, de sorte que uma parte da sociedade – os escravos –

estava excluída dos direitos políticos e da vida política. Em segundo lugar, a sociedade era

patriarcal e, conseqüentemente, as mulheres também estavam excluídas da cidadania e da vida

pública. A exclusão atingia também os estrangeiros e os miseráveis.

Neste contexto, a cidadania era exercida apenas por homens adultos livres nascidos no território

da polis, pertencentes a diferentes classes sociais. Porém, mesmo que os pobres tivessem direitos

políticos, alguns cargos públicos tinham como critério de escolha o poder econômico do cidadão.

Contudo, a decisão sobre a ‘coisa pública’ ficava a cargo dos próprios cidadãos – os que eram

reconhecidos como tal – em grandes assembléias e contendas populares. O regime político nesse molde

era possível devido ao fato de ser aplicado em pequenas cidades, e por não existir um Estado

centralizador do poder.

A participação popular na vida política da polis, então, era direta e ativa. Daí a definição de

‘democracia direta’. Para Sartori (1994b, p.37), “a democracia direta permite a participação contínua

do povo no exercício direto do poder, ao passo que a democracia indireta consiste, em grande parte,

num sistema de limitação e controle do poder”. Ou seja, a participação popular tornou-se indireta

através da transferência do poder de decisão.

Numa democracia indireta, embora sejam os representantes eleitos que tomam as decisões no

Executivo e no Legislativo nacionais, é por meio das eleições que o conceito de democracia chega mais

próximo de seu significado: governo do povo. Porém, o fato de serem democracias governadas não as

diminui enquanto democracias, pois o poder eleitoral ainda é efetivo.

Segundo Sartori (1994a, p.124), “as eleições verificam o consenso e descartam o consenso

presumido ou fraudulento”. Entretanto, o autor lembra que esse processo é descontínuo, isso porque

durante o mandato dos representantes, o poder de decisão do povo é suprimido. Assim, pode-se dizer

que os políticos eleitos são as vozes daqueles que neles confiaram seu poder de decisão.

Para que os agentes políticos cheguem aos cargos parlamentares, primeiro, é preciso ultrapassar a

disputa entre seus concorrentes no evento eleitoral, no qual apresentarão seus ideais e propostas, ou

seja, suas plataformas eleitorais.

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Essa disputa, em princípio, é uma corrida à formação de opinião em massa. Isso quer dizer que,

chegará ao poder, ou se manterá, aquele que mais cidadãos conseguir alinhar às suas premissas

políticas.

A opinião pública é livre, assim como o voto. Entretanto, é necessário que se entenda o conceito

de opinião pública sob dois aspectos: ‘opinião do público’ e ‘opinião pública’.

Para Sartori (1994a, p. 125), “na expressão opinião pública o termo ‘pública’ não indica apenas o

sujeito [da opinião], mas também a natureza e o domínio das opiniões em questão”. Já no segundo

sentido, a palavra ‘pública’ remete à defesa de que o cidadão está a par dos acontecimentos públicos –

no caso deste estudo os ocorridos no âmbito administrativo e legislativo federais – e, sendo assim,

possui uma opinião definida ou concreta – ou então, minimamente embasada.

O autor salienta que “em seu sentido primário, uma opinião é considerada pública não apenas por

ser difundida entre os públicos, como também por dizer respeito a ‘coisa pública’, à res publica. Em

síntese, a opinião pública é antes de tudo um conceito político”.

Segundo Sartori (1994a), a opinião pode ser definida, também, pelas interações entre a

população, de modo a promover o debate e o fluxo de informações. Isso, como já é lugar comum,

facilita e fortalece os argumentos e avaliações por parte da sociedade acerca de um determinado tema.

A opinião pública sofre influência de diversos fatores sociais e pessoais, como as necessidades e

aspirações, crenças, além do mais importante mecanismo de divulgação e debate político atual: a

imprensa. E esta última, como defende o autor, determinou a consolidação da opinião pública numa

democracia representativa, considerando que a tecnologia aproximou os acontecimentos políticos dos

eleitores.

De acordo com Sartori (1994a, p.126), “grupos especiais como a mídia, grupos de interesses

econômicos e grupos aglutinados em torno de idéias, expressam opiniões o tempo todo e, com certeza,

de maneira mais persuasiva que o eleitorado”.

Isso significa, considerando a credibilidade depositada na mídia, que os meios de comunicação de

massa exercem tal influência quanto os núcleos sociais em que o indivíduo está inserido.

Contudo, a opinião pública não é consolidada de cima para baixo, embora sofra grande influência

de agentes de interesses. Em sociedades democráticas, nas quais existe certo grau de liberdade de

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opinião e expressão, os indivíduos inseridos tendem a compor uma estrutura dialógica em torno dos

assuntos de interesse comum. Isso, segundo Habermas (1984), configura um espaço de discussão social

chamado de Esfera Pública. Espaço esse que pode combater a ingenuidade da sociedade em relação às

informações oriundas do Estado e dos grupos hegemônicos de comunicação através da troca de

informações interpessoais.

Habermas (1984, p. 42) define a Esfera Pública “(...) como a esfera de pessoas privadas reunidas

em um público (...) [que] reivindicam esta Esfera Pública regulamentada pela autoridade, mas

diretamente contra a própria autoridade”. Esse espaço se formou no contexto mercantilista (pré-

capitalista), como instrumento da burguesia – classe social caracterizada por ser a primeira que não

possui seu poder alicerçado no Estado – em contraposição aos mecanismos coercitivos estatais, em

governos absolutistas.

O autor (Ibid, pp. 152-153) aponta que a esfera pública surgiu historicamente no contexto de uma

sociedade separada do Estado:

(...) o ‘social’ podia constituir-se numa esfera própria à medida que a reprodução da vida assumia,

por um lado, formas privadas, mas por outro, como setor privado em seu conjunto, passou a ter

relevância pública. As leis do intercâmbio das pessoas privadas entre si tornaram-se agora uma

questão pública.

Com isso, ainda segundo o autor (Ibidem), “as pessoas privadas reunidas num público

transformaram publicamente em tema a sanção da sociedade como uma esfera privada”.

Vale lembrar, neste momento, que, segundo Chauí (2000, p.556), “no centro do discurso político

capitalista encontra-se a defesa da democracia”. Isso porque, no Estado democrático-capitalista, o

poder torna-se menos centralizado, separando definitivamente o público do privado – o que transfere

parte do poder de decisão à população, principalmente àquela parcela detentora de um maior poder

econômico e de influência social.

Dessa forma, pode-se concluir que os grupos mais vulneráveis socialmente teriam dificuldade em

participar da vida política nos âmbitos administrativo e legislativo federais por não possuírem

representação social e participação ativa no processo político e na esfera pública.

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A prática dialógica em torno da res publica, em tese, manteria o governo vigente sob constantes

pressões vindas das camadas mais abaixo socialmente.

A esfera pública democraticamente revolucionada, ‘que quer substituir a sociedade real pela

sociedade civil burguesa fictícia, aquela do poder legislativo’, torna-se daí fundamentalmente uma

esfera de deliberação e de decisão pública sobre a condução e administração de todos os

processos necessários à reprodução da sociedade. (HABERMAS, 1984, p. 153)

Mas é preciso levar em consideração que a consolidação da esfera pública latino-americana

possui particularidades. Como apontam Avritzer & Costa (2004, p. 718), diferentemente do contexto

europeu, as sociedades da América Latina seriam caracterizadas pela inexistência histórica do espaço

público de discussão. Para os autores, “são os meios de comunicação que ocupariam, desde os

primórdios da constituição de uma sociedade urbana na América Latina, o lugar das mediações sociais,

estabelecendo ‘uma nova diagramação de espaços e intercâmbios culturais’”. Assim, é preciso que se

reflita com mais cuidado a importância da educação para a leitura da mídia e sua relação com a

formação de um regime democrático.

Neste contexto, Habermas (1992) aponta que para estabelecer uma esfera pública autônoma os

seus participantes precisam dispor de algum grau de capacitação educacional e de estabilidade

financeira. A educação formal, por essa razão, também aparece como condição para o funcionamento

de um regime verdadeiramente democrático.

Para Sartori (1994a), uma participação política mais engajada e embasada quanto aos seus ideais

depende da quantidade de informação que o indivíduo possui, somado ao seu nível de instrução. O

autor aponta (Ibid, p. 150) que “a instrução em geral provavelmente não cria um aumento significativo

do público politicamente instruído (...) [podendo-se definir] ‘politicamente educado’ não apenas como

bem-informado, mas também como um estado de competência cognitiva”.

Neste contexto, Serra (1999, p. 07) pondera que “num mundo caracterizado pelo ‘excesso de

informação’, mais importante do que procurar e coleccionar informação é a tarefa de a reduzir, a tarefa

de seleccionar e interpretar a informação relevante – e, assim, transformá-la em conhecimento”.

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Esse processo de entendimento de mensagens deve ser feito por cada indivíduo no ato do

recebimento da informação. Contudo, é necessário levar em consideração que em países com

deficiências gravíssimas no sistema educacional público – como é o caso brasileiro –, aqueles que não

possuem certo grau de letramento podem estar sujeitos, mais que outros, a mensagens inflamadas de

ideologias e apropriarem-se de assertivas descontextualizadas de suas realidades. O que destaca a

relevância da sociedade civil organizada como mediadora no processo de divulgação de informação

política.

Assim, Hallin (1985, p. 143) salienta que a participação política nas sociedades capitalistas deve

ser estimulada por iniciativas independentes às instituições que dominam a esfera pública – como visto

acima, a mídia e o Estado. As organizações da sociedade civil podem constituir representatividade

social a despeito do controle centralizado dos canais de comunicação política.

Numa democracia representativa, então, é necessário que se legitime a definição ‘governo do

povo’ através do incentivo à conscientização da população para uma participação contínua nos debates.

Ou seja, por deixar uma lacuna entre eleições sem a participação direta da sociedade, para o bom

funcionamento do regime, é possível apontar que a compreensão da sociedade em relação ao tema

‘política’ tem de ser aguçada suficientemente para que seja entendido como assunto de relevância

pública contínua, sem ser reduzido a um evento sazonal de escolha de agentes políticos.

Dessa forma, chega-se, até este momento, à conclusão de que a educação formal, a educação para

a leitura da mídia e a educação para a política, através das instituições escolares e as interações

interpessoais na esfera pública, são condições fundamentais para o bom funcionamento da democracia

representativa.

Entretanto, isso não basta para que o regime salvaguarde o direito de decisão e opinião do

público. É necessário, então, que se pense na questão da transparência dos agentes políticos eleitos.

Como definido acima, a democracia moderna se caracteriza pela instituição de direitos aos

cidadãos. Neste contexto, citando Robespierre, Roberto Romano (2001, p. 74) destaca que toda a nação

tem o direito de conhecer a conduta de seus mandatários. Segundo ele, o ideal seria que a Assembléia

Legislativa fosse um grande espaço que abrigasse um bom número de membros da sociedade civil, de

modo a monitorar e prevenir a corrupção e intriga, afastando a vontade particular para a prevalência do

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interesse público. Contudo, no contexto de um país continental como o Brasil – com grande

diversidade étnica –, a impossibilidade de estarem representados em uma mesma Assembléia decisória

setores dos diferentes grupos culturais e classes da sociedade determina a criação de espaços

organizados de discussão. Espaços estes que, necessariamente, têm de ser independentes das forças

econômicas hegemônicas e do poder do Estado para serem legítimos.

De acordo com Serra (1999, p. 02), “desde o Iluminismo que elegemos a transparência como a 

condição necessária (ainda que não suficiente) da democracia”. O autor aponta que a transparência, por

essa ótica, tem um sentido muito preciso:

(...) ela refere-se à “publicidade das decisões e actuações políticas” feita através dos media. A

transparência não envolve apenas um direito (passivo) – o “direito à informação” – mas também

um dever (activo): o dever de cada um dos Cidadãos exigir, a quem governa a coisa pública (seja

qual for o nível e o domínio em que esse governo se exerce), que explique as suas acções e

omissões. (SERRA, 1999, p. 02)

Para Romano (2001, p. 47), a transparência é uma noção dificílima no campo axiológico.

Em nosso tempo não podemos esquecer de um paradoxo: os países onde mais se luta em prol da

livre informação e ao livre acesso aos textos e documentos oficiais são terras onde se percebe um

acentuado segredo no trato das coisas públicas, seguido de intensa manipulação dos particulares,

por meio da mídia.

O autor (Ibid, p. 52) destaca que o Brasil sempre sofreu com a falta absoluta de transparência.

No Brasil, o poder nunca foi desvelado ao olhar público. Mas tivemos na prática política a máxima

penetração visual da sociedade pelos governantes. Da forma imposta por Vargas ao país, por meio

da polícia de F. Müller, até as ações do Cenimar, do SNI e de outros mecanismos de espionagem

e repressão social, como a existente Abin, que se ocupa hoje em seguir os passos de

procuradores da república e de governantes adversários do poder central, aprendemos a ser

observados pelos instrumentos ópticos dos governos. Na frágil democracia que vivenciamos, a

mentira ideológica, a propaganda dos líderes, expõe a pátria à falta de liberdade efetiva.

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É possível, assim, destacar que o segredo e a dissimulação são elementos presentes não apenas

em governos despóticos, como nas sociedades democráticas.

Francis Bacon descreve em seu texto “Da simulação e da dissimulação” que o governo precisa

usar das práticas do segredo, da dissimulação e da simulação como instrumentos para manter o controle

do aparato Estatal de modo a afastar os perigos de golpe por parte da sociedade. Essa visão, é claro, se

refere às práticas políticas do exercício do poder em governos centralizadores ou despóticos, pela ótica

do governante. Neste contexto, Bacon (1972, p. 52) aponta que a dissimulação “não é senão uma pálida

espécie de delicadeza e de sabedoria”.

Dessa forma, é definido o segredo como necessidade do Estado para manter a soberania, a

dissimulação como instrumento para detalhamento das características da sociedade e a simulação como

subterfúgio para o abrandamento de crises.

Bacon (1972, p. 56) completa sua exposição apontando que para o governo manter a soberania o

ideal, para o exercício prudente do poder, é o de “temperar para ter fama e reputação de franqueza; ter

por hábito a discrição [através da prática do segredo]; dissimular moderadamente; usar do talento de

simular quando não houver outro remédio”.

Esses três elementos constituintes de uma determinada práxis de governar servem à Razão de

Estado, enfatizam o interesse do governante e compõem um quadro detalhado do outro (governado)

como instrumento de coerção; ou seja, estabelecem condições para o governante arrecadar um máximo

de informações sobre seus governados, instituindo a dominação. Ou seja, neste modelo de governança

a participação popular é totalmente descartada, ou então mascarada, não efetiva.

Assim, Romano (2001, p. 48) afirma que “exigir que o espaço social seja visível, sem a recíproca,

a mais ampla visibilidade dos governantes, laicos ou religiosos, significa desarmar a cidadania, sem

que esta possa defender a sua força somática ou anímica”.

De acordo com Habermas (1984, p. 123), “o exercício do poder público, por estar ‘sujeito a uma

série de tentações’, necessita do controle permanente da opinião pública; a publicidade das negociações

parlamentares assegura uma ‘supervisão do público’”.

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O autor (Ibid, p. 124) aponta que “numa Assembléia escolhida pelo povo de tempos em tempos, a

publicidade dos fatos é absolutamente necessária para dar aos eleitores a possibilidade de procederem

com conhecimentos de causa”.

Essa é a razão de a sociedade precisar manter-se em constante vigilância acerca da rotina de

trabalho dos representantes políticos. Ou seja, para que a população institua uma real democracia, é

necessário que existam mecanismos eficazes e eficientes de informação que dificultem o exercício do

poder isolado do conhecimento profundo da sociedade governada.

Historicamente, os governos democráticos e tirânicos utilizam o mecanismo da publicidade

oficial como forma de doutrinação social e para abrandamento de crises. Isso significa que a mídia,

desde sua popularização, em especial com o rádio e anteriormente com os panfletos e jornais, é

encarada tanto como mecanismo de divulgação de informação e ideais políticos quanto instrumento

coercitivo de massa.

Neste contexto, é necessário que existam meios independentes de debate e divulgação de

informação – nos quais os próprios interessados sejam produtores de conhecimento –, voltados às

necessidades locais, a fim de que sejam discutidas as especificidades dos diferentes grupos envolvidos

no contexto brasileiro e que, de outra forma, não estariam representados ou ativos no debate político.

É verdade que a grande mídia, especialmente nos dias atuais, tem aproximado o eleitor da rotina

de seus representantes eleitos e dos acontecimentos políticos na esfera administrativa e legislativa

federais. Contudo, num sistema econômico bastante definido na busca pelo lucro, os meios de

comunicação podem servir a interesses privados – de instituições de caráter econômico e/ou político –

e distorcer a realidade, de modo a promover o serviço contrário.

Neste contexto, Strieder (2004, p. 09) destaca que “nos últimos tempos, diversos casos ocultos,

invisíveis e acobertados por autoridades foram trazidos à luz pela imprensa investigativa”. Porém, o

autor também salienta que “por outro lado, é necessário estar consciente de que grande parte de nossa

mídia trabalha como concessão oficial, sobrevive com a publicidade pública [propaganda do Estado],

tem como donos políticos ou empresários, que se pautam apenas por seus interesses corporativistas”.

Assim, Nunes (2004, p. 66) salienta que, “se a informação é poder, então a tarefa dos meios de

comunicação democráticos é respeitar o direito à informação do povo em que reside a soberania”.

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De acordo com Romano (2001, pp. 69-70), Denis Diderot desenvolveu a tese da soberania

popular, afirmando que não existe “verdadeiro soberano a não ser a nação; [e] não pode existir

legislador verdadeiro a não ser o povo”. “Diderot pensa que a soberania real, com transparência, só

pode ser conseguida se o povo for educado em massa para a vigília cívica, o controle dos governantes”.

Esse controle dos governantes tem de ser promovido de baixo para cima, ou seja, por grupos civis

organizados que mantenham a parcela da população, excluída do conhecimento dos acontecimentos

políticos ocorridos na esfera administrativa e legislativa nacionais, informada e participativa no debate

das questões públicas.

Hoje há iniciativas como a organização ‘Transparência Brasil’, que acompanha a rotina dos

representantes eleitos tanto em relação aos seus desempenhos na função política quanto aos seus

entraves judiciais. Organizações desse tipo, independentes e autônomas, são determinantes para a

vigilância da classe política no âmbito nacional.

Também o próprio governo federal tem colaborado, ainda que discretamente. Em 2004 foi

lançado um site na rede mundial de computadores que divulga as contas públicas, o ‘Portal

Transparência’; nele são publicados os balanços financeiros mensais e o destino de cargas

orçamentárias – tanto as utilizadas pela União quantos os repasses para as Unidades Federativas e

Municípios. Em tese, esse serviço diminuiria o segredo público e combateria a corrupção.

Porém essas iniciativas não são garantias de que as diferentes camadas sociais tenham acesso às

informações – ainda que prestem um serviço valioso – e nem que elas as compreendam em sua

importância e possam se mobilizar e cobrar mudanças significativas na gestão da carga orçamentária,

por exemplo.

Falta, neste sentido, um sistema efetivo de divulgação dessas informações que possa

constantemente levar ao conhecimento da população e as contextualizarem de acordo com as

especificidades de cada região ou grupo social.

É verdade que as associações de caráter civil e religioso, por exemplo, podem ser os agentes

divulgadores nesse processo de comunicação. Entretanto é preciso que essa exposição seja maximizada

e, por conseqüência, o debate seja amplificado. É aí que aumenta-se a importância das mídias

comunitárias, em especial as rádios comunitárias, como elo entre as informações disponíveis na grande

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mídia e nos canais de informação governamentais e a população, por um lado, e a aproximação entre as

reivindicações não presentes nos meios de comunicação convencionais e o poder público.

De acordo com Nunes (2004, p. 65-66),

Na sociedade atual, em que a tecnologia e a velocidade colocam-se em evidência nas dinâmicas

sociais, faz-se necessário pensar a comunicação que se pode realizar nos meios populares. Mais

do que as deficiências, até mesmo estruturais, em áreas como educação, saúde, moradia, trabalho

e lazer, com que as camadas populares são obrigadas a conviver cotidianamente, a exclusão na

produção social de informação e, logo, de comunicação destitui esses grupos do direito de

decisão, participação e exercício da cidadania.

Segundo a autora (Ibid, p. 61), as rádios comunitárias são “herdeiras das experiências das rádios

livres na Europa e das experiências do Movimento de Educação de Base (MEB) e das radiadoras

populares no Brasil, as rádios comunitárias mesclam-se aos movimentos sociais e comunitários”.

Para Nunes (2004, p. 61), “são comunitárias as rádios que asseguram a participação plural de

amplos segmentos sociais de todos os matizes que compõem uma comunidade, entendida como grupo

social, agregado por interesses”. Esses grupos participariam de maneira organizada e decidiriam

coletivamente em todos os processos administrativos e com relação ao conteúdo veiculado por tais

mecanismos de informação.

De acordo com Leal (2005, p. 06), “nesse sentido a história do movimento das rádios livres francesas nos mostra tentativas importantes de constituição de um lugar para uma interação social pelo viés da comunicação diferenciada daquela exposta pela mídia oficial”.

A experiência das rádios comunitárias, chamadas de associativas na França por possuírem um

caráter diferenciado com relação à legislação vigente, mostra que a democratização da informação, a

partir de veículos elaborados em todo o processo de produção pela própria população local, tem

contribuído para a autonomia da opinião pública em relação à propaganda oficial e às informações

difundidas pelos grupos hegemônicos de comunicação, além do fortalecimento da identidade do grupo.

Leal (2006, p. 14) coloca que “é importante também não perder de vista que o amplo movimento

de expansão das rádios comunitárias que assistimos hoje no Brasil é um fenômeno social significativo

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por apontar para um certo processo de descentralização dos meios de comunicação no país”. Segundo a

autora, “essas rádios se constituem, potencialmente, em porta-vozes das informações, opiniões,

necessidades e debates de cidadãos que podem contar com um veículo de atuação local para

interagirem com a sua realidade objetiva. Embora saibamos que tem havido um desvirtuamento da

finalidade original”.

Neste contexto, como aponta Nunes (2004) o exercício da cidadania é prejudicado pela utilização

comercial e política da maioria dos veículos de radiodifusão comunitários.

Peruzzo (1998, p. 13) reforça essa distorção de função da rádio comunitária.

No contexto da radiodifusão comunitária existem muitos limites e problemas. Em períodos pré-

eleitorais, por exemplo, é comum a tentativa de manipulação dos canais em função de interesses

de alguns candidatos a cargos eletivos no Poder Legislativo ou Executivo. Afinal é um bom meio

do candidato falar diretamente para seus eleitores. Contudo, quanto mais organizada a

comunidade, mais ela conseguirá assegurar sua autonomia. Por outro lado, muito se tem a crescer

em qualidade participativa na programação e na gestão de veículos de radiodifusão comunitária.

Mesmo porque somos um povo sem tradições participativas e culturalmente impregnado de viéses

de conformismo e tendência a transferir aos governantes a responsabilidade pela solução dos

problemas sociais.

Considerações finais

As rádios comunitárias, quando bem geridas podem ser caracterizadas como uma espécie de

propaganda oficial da população. Em tese, esses veículos populares de comunicação possibilitam o

rompimento com as práticas discursivas que impõem hegemonia de opiniões – resultado do monopólio

sobre os mecanismos de informação de massa exercido pelo governo e pelos grandes grupos

empresariais de comunicação. Seria, então, a possibilidade de indicar novas formas de construção da

agenda pública.

O fato de o cidadão ser o ator da comunicação pode ser determinante na conscientização tanto da

relevância do tema ‘política’ quanto da necessidade de participação ativa nos moldes da democracia

representativa.

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Vale lembrar que a educação política também é conseqüência do engajamento do público nas

questões políticas. Assim, um canal direto de comunicação popular pode fortalecer a interação social,

pivô das organizações populares de cobrança e vigília dos representantes eleitos.

Ou seja, com a expansão do número de rádios comunitárias – e mídias populares em geral –

contribuindo para a informação e educação da população, aumenta-se a possibilidade de os ‘segredos’

do Estado serem desvelados à sociedade.

Porém, o simples aumento no número de rádios comunitárias não garante que uma informação de

qualidade chegue à população e nem que a integração de grupos menos favorecidos no processo de

comunicação seja consolidada. Tampouco determina a criação de uma esfera pública autônoma.

É aí que a intervenção do Estado se torna fundamental, proporcionando uma estrutura de

funcionamento que garanta às comunidades a possibilidade de interagirem-se através de mídias

maximizadoras do debate acerca da ‘coisa pública’.

É preciso que se tenham mecanismos atuantes de fiscalização que mantenham os veículos

populares independentes de forças econômicas e políticas que possam deturpar seu caráter comunitário.

Ou seja, faz-se necessário repensar desde a manutenção financeira do veículo, que hoje não conta com

publicidade externa e nem verbas públicas, mas apenas apoios culturais, até compromissos mais

definidos em relação ao conteúdo veiculado – programação plural, educação, cultura regional, leitura

da mídia, política etc.

Assim, não se pode deixar de lado, também, o fato de a educação formal ser de grande

importância para a consolidação de uma opinião pública autêntica e independente. Esta seria, inclusive,

a condição sine qua non da constituição de uma participação consciente da população na vida política

nacional.

Entretanto, como salienta Romano (2001, p. 77), se “persistir inalterada a doutrina rousseuniana

de que o mais importante é a educação para os valores (como a virtude, a luta contra a corrupção

isolada da luta pela ciência)”, seria impossível estabelecer, no Brasil, um regime verdadeiramente

democrático.

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Além do crescimento de iniciativas populares de comunicação – independentes dos poderes

políticos e econômicos –, é necessário, segundo o autor (Ibidem) que se pense em um projeto de mídias

comunitárias que contemple a “educação científica e tecnológica à altura dos nossos dias”.

É imprescindível, também, que o governo, a grande mídia e as organizações civis aumentem as

iniciativas de controle da corrupção e combate ao segredo público – tais como o ‘Portal Transparência’

do governo federal, a prática do jornalismo investigativo na grande mídia e a organização

‘Transparência Brasil’, respectivamente.

Nessa perspectiva, as rádios comunitárias serviriam de divulgadores e debatedores dessas

informações para aqueles que não as têm acesso, como os iletrados, os que não dispõem de acesso à

rede mundial de computadores etc. Ou seja, o acesso às informações disponibilizadas seria dinamizado

e democratizado, uma vez que agentes sociais trariam tais informações para o debate na esfera pública

de modo contextualizado. Tal rede de comunicação independente das forças que dominam a esfera

pública potencializaria a transparência dos agentes políticos eleitos e suas realizações no âmbito

nacional. Dessa forma, uma reflexão importante é a da necessidade, ou não, de programas de

qualificação do comunicador popular.

Como afiança Romano, (2001, p. 77) “com a transparência da res publica, aponta-se para um

caminho a mais que pode trazer de volta o regime em que o povo é soberano”. Ou seja, com a

instrução da população de modo inversamente proporcional aos saberes integrados pelos governos,

parte-se para a possibilidade de armar a cidadania contra a ingenuidade e ignorância – é claro, desde

que o Estado proporcione uma estrutura básica de educação e comunicação popular..

Para concluir, à luz dos argumentos acima expostos, as mídias comunitárias seriam um

mecanismo de combate ao segredo governamental – base da Razão de Estado –, na medida em que

poderiam exercer contínua vigilância sobre os representantes e progressiva educação política para a

cidadania. Uma iniciativa popular contra a Razão de Estado em governos centralizadores.

Também seriam, esses veículos, incentivadores e catalisadores dos debates na esfera pública que,

por conseqüência, levaria à consolidação de uma opinião pública mais embasada. Com a compreensão

da população em relação à necessidade de participação no debate político sobre a ‘coisa pública’, os

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veículos populares se tornariam suportes de movimentos sociais de cobrança acerca da atuação dos

agentes políticos e a distribuição de cargas orçamentárias.

Uma rede comunicativa popular poderia combater a afasia política da sociedade e fazer com que

as comunidades menos favorecidas ganhassem corpo e representatividade na esfera pública e

participação efetiva na vida política, mesmo no contexto de uma democracia representativa.

Por essas razões, as rádios comunitárias (e mídias comunitárias em geral) se tornam elemento

fundamental no fortalecimento do Estado democrático brasileiro, como esperança de consolidação e

retorno à soberania popular.

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