Lorraine Heath - Os Órfãos do Saint James 03 - O Nobre e a Plebéia
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Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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O Nobre e a Plebéia
Surrender To The Devil
Lorraine Heath
Londres, 1851.
Um duque sedutor.
Frannie Darling foi uma menina de rua que cresceu rodeada de ladrões, delinquentes e marginais
perigosos. Mas embora tenha sobrevivido a esses tempos difíceis de infância e adolescência, e tenha se
tornado uma mulher de incomparável beleza. Frannie não quer envolvimento com os homens que se
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interessam por ela, os cavalheiros que frequentam a casa de jogos onde ela trabalha. Frannie é
perfeitamente capaz de tomar conta de si mesma e sabe se cuidar... isto é, até ela retornar ao submundo
onde cresceu, e descobrir que, de fato, é um lugar muito perigoso...
Diversão sim, casamento não.
É assim que pensa Sterling Mabry, o duque de Greystone. Frannie, porém, abomina aristocratas
arrogantes e egoístas que só pensam em seu próprio prazer. Mas então por que o simples pensamento de
um encontro ilícito com o atraente duque a deixa trêmula do desejo? E por que seu solitário coração
anseia por se entregar para sempre àquele homem?
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Querida leitora,
Frannie Darling cresceu nas ruas de Londres, onde aprendeu a sobreviver. Quando ela fica
conhecendo Sterling Mabry, ela lhe rouba o coração com a mesma facilidade com que lhe rouba a carteira,
e tudo o que arrogante lorde deseja é possuir aquela mulher. A atração de Sterling é correspondida, e á
medida que ele e Frannie se apaixonam, os dois são dragados para o sombrio submundo londrino. Isto, por
si só, representa um enorme perigo, mas Sterling guarda um segredo que o coloca num perigo maior ainda...
Leonice Pompônio Editora
Copyright © 2009 by Lorraine Heath
Originalmente publicado em 2009 pela HarperCollins Publishers
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARPERCOLLINS PUBLISHERS.
NY.NY — USA
Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá
sido mera coincidência.
TÍTULO ORIGINAL: SURRENDER TO THE DEVIL
EDITORA
Leonice Pomponio
ASSISTENTES EDITORIAIS
Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: Sulamita Pen
ARTE
Mônica Maldonado
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi
PAGINAÇÃO
Ana Beatriz Pádua
Copyright© 2011 Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Texas, 111, sl. 20A, Jardim Rancho Alegre, Santana do Parnaíba - SP
www.novacultural.com.br
Impressão e acabamento: Prol Editora Gráfica
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Prólogo
Trecho do diário de Frannie Darling.
Minha memória mais remota é Feagan dizendo, com
seu sotaque do bairro do extremo leste londrino:
— Frannie querida, venha sentar-se no meu colo.
Para ele eu era sempre "Frannie querida".
Frannie querida, pegue o gim.
Frannie querida, esfregue meus pés cansados.
Frannie querida, eu lhe contarei uma história.
Todos me conheciam por Frannie Darling, ou seja,
Frannie querida.
Eu morava em um quarto com Feagan e seu notório
bando de crianças conhecidas pelas mãos leves. Não me
lembro de uma época em que Feagan não estivesse em
minha vida. Algumas vezes eu imaginava que ele era meu
verdadeiro pai. Os cabelos dele eram vermelhos e rebeldes
como os meus. Mas ele nunca me chamou de filha. Eu era
uma de suas crianças, aquela que se sentava em seu colo e
o ajudava a contar os lenços e as moedas que os outros
traziam.
Eu removia cuidadosamente da seda os monogramas
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bordados. Aprendi muitas letras com essa tarefa tediosa,
pois os volteios rebuscados me fascinavam. Eu sempre
perguntava a Feagan o significado das letras antes de
começar a apagar todas as evidências de que elas haviam
existido. Pensando nessa época, eu me surpreendia ao
entender que um pedaço de pano tivesse tanto valor. E
tinha.
Suponho que Feagan poderia ter sido um professor em
sua juventude, lecionando letras e números, e admirado
por seus alunos. Ou talvez, se ele fosse meu pai, eu
gostaria que ele fosse mais do que um criminoso.
Ele não falava em seu passado e eu nunca lhe perguntei
do meu.
Eu simplesmente aceitava minha vida no triste cortiço
como algo que me fosse devido. Os meninos de Feagan
tratavam-me como se eu fosse especial, talvez por eu
remendar-lhes as roupas e aconchegar-me neles quando ia
dormir. Quando fiquei mais velha, cozinhava para eles e
cuidava de seus ferimentos. E algumas vezes eu os ajudava
a furtar.
Mas nada disso havia me preparado para o medo ou o
horror quando, aos doze anos, fui raptada e vendida para
um bordel. Luke e Jack, na época os meninos mais velhos
de Feagan, salvaram-me do pesadelo.
Mas não a tempo. Luke matou o homem que tão
cruelmente roubara minha inocência.
Enquanto ele esperava o julgamento, recebeu a visita
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do pai do morto, o conde de Claybourne, que reconheceu
Luke como seu neto há muito tempo sumido e nossas vidas
tiveram uma reviravolta drástica. A coroa perdoou Luke,
devolveu-o aos cuidados de seu avô que me levou junto.
O conde estava determinado a dar-nos as
oportunidades que nunca havíamos tido. Ele contratou
tutores, e eu aprendi rapidamente a ler, a escrever e a
fazer cálculos complicados. Aprendi etiqueta e bom
comportamento, mas sempre me senti constrangida na
residência de St. James.
Luke começou a freqüentar o universo da aristocracia,
e eu comecei a sentir-me desajeitada a seu lado. Eu ficava
muito mais à vontade na companhia de Jack. Quando a
sorte lhe sorriu e ele abriu um clube para cavalheiros,
ofereceu-me um belo salário para cuidar da contabilidade.
Agradeci ao conde tudo o que ele havia feito por mim e,
mesmo sabendo que minha vida melhorara em todos os
aspectos devido a seus esforços, foi com certo alívio que
deixei a mansão da St. James.
No íntimo eu estava convicta de que não merecia aque-
la vida. Eu não fazia parte da aristocracia, onde um lugar
raramente era conseguido por meio de esforço ou realiza-
ção, e sim por descendência, o que não era meu caso. Fiquei
satisfeita por não ter de suportar os olhares, os falatórios
e as especulações sussurradas.
Convenci-me de que seria feliz se não tivesse mais de
conviver com os lordes e as damas da aristocracia, e aboli-
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os de minha vida.
Trabalhei duro para criar um porto seguro onde eu me
sentisse contente e feliz. Eu sabia ter conseguido o que
desejava e não almejava mais nada.
Então, ele entrou em meu mundo pequeno e seguro...
que, mais uma vez, tornou-se um lugar muito perigoso.
Capítulo I
Londres, 1851.
Sterling Mabry, o oitavo duque de Greystone, não
soube dizer por que a notara.
Mais tarde ele refletiria se não tinha sido atraído pelo
vermelho vibrante de seus cabelos. Ou talvez fosse o fato
de ela encontrar-se no altar ao lado de Catherine, irmã
dele, que se casava com Lucian Langdon, conde de
Claybourne. Ou talvez, quem sabe, fosse a maneira súbita
— durante a recepção na residência recém-adquirida do
cunhado — com que três homens se aproximaram dela,
cada um reivindicando seu território, da mesma maneira
como acontecia entre os leões da África que ele vira.
Surpreendeu-o nenhum deles ter rugido.
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Ao lado da janela da sala de estar, com a taça de
champanhe na mão e à espera do brinde obrigatório que
liberaria sua volta para casa, Sterling observou o sorriso
tímido com que ela conversava e a maneira como inclinava
a cabeça de lado, como se partilhasse de um segredo
escandaloso. Ele desejou saber do que se tratava e mesmo
sem escutá-la pela distância que se encontrava, imaginou
se a voz seria doce como a de um anjo ou se ela cantava
como uma sereia, pois os três pareciam hipnotizados pela
jovem.
Era óbvio que eles tinham em comum algo de muito
especial, pois foi possível ver a afeição que ela
demonstrava, em um seu rosto adorável e expressivo, por
cada um deles.
Sterling pouco se interessou por aqueles homens,
exceto pelo papel que deveriam desempenhar na vida dela.
O primeiro ele conhecia muito bem. Tratava-se de Jack
Dodger, proprietário do notório clube masculino aonde
Sterling ia com frequência desde sua volta a Londres. O
segundo, o mais alto e corpulento dos três, era uma
criatura que ele não gostaria de encontrar em uma viela à
noite... nem durante o dia. O terceiro cavalheiro era
William Graves, o médico que Luke Claybourne mandara
quando Catherine desmaiara no recente velório do pai de
ambos.
Sterling notou com interesse a aproximação de Luke e
a maneira como o pequeno grupo o saudou, com sorrisos
largos, tapinhas nas costas, apertos de mão e uma leve
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zombaria. Nenhum abraço da dama, apenas um sorriso
caloroso que falava por si. Ela o admirava, ficava feliz por
ele, desejava-lhe as melhores coisas e, sobretudo, o amava.
Os cinco estavam juntos de novo, todos, sem dúvida,
provenientes das ruas. Ladrões, batedores de carteiras,
assassinos e sabe-se lá mais quais outras ligações entre
eles. Esse entendimento deveria ter posto um fim ao
interesse de Sterling pela jovem, mas, ao contrário, a
atração só fez aumentar.
Ele escutou os passos leves e conhecidos, e se virou no
momento exato em que Catherine chegava perto dele. Com
os cabelos louros presos no alto da cabeça, ela estava
corada pela excitação do casamento e seus olhos azuis
brilhavam como joias.
— Fascinado por eles? — ela caçoou.
Ele se deu conta de que seu olhar fixo poderia ter sido
não apenas rude, mas também óbvio, embora tivesse
certeza de que outros convidados também notavam o
grupo.
Sterling não deveria surpreender-se com a presença
de tantos membros da aristocracia. A notícia do
casamento apressado entre o Conde Diabólico e Catherine
corria por toda Londres. A curiosidade da elite lotara a
pequena capela e no momento eram muito bem recebidos
na casa de Luke. Até mesmo Marcus Langdon, o antigo
herdeiro ao título de conde de Claybourne, comparecera.
Parecia que ele aceitara seu destino de ex-sucessor. Sem
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dúvida, todos estavam intrigados e o escândalo era
murmurado de boca em boca.
— Eu estava apenas curioso, só isso — ele foi lacônico.
— Eles não fazem parte de nosso meio. Quem é a mulher
estava ao seu lado no altar?
— Frannie. Nós nos tornamos amigas. Se o senhor meu
irmão tivesse vindo ao jantar comemorativo que
oferecemos ontem à noite, ou chegado à igreja mais cedo,
eu poderia ter feito as apresentações.
Sterling ignorou a admoestação — ele não se sentiria
bem no jantar, assim como ela não se sentiria à vontade ao
lado dele, quando tudo fora dito e feito — e fixou-se no
nome. Frannie. Esperava algo mais exótico e, no entanto, o
nome combinava com ela.
— Ela se veste com muita simplicidade.
O traje azul de tecido grosso que ela usava não estava
de acordo com o ambiente. Sterling imaginou-a com um
vestido de seda escarlate ou violeta para destacar as
curvas e os pés descalços.
— Ultimamente aprendi a não julgar pelas aparências
— Catherine censurou-o.
Sterling julgava as pessoas pela aparência e pelo
status. Ele separava a elite daqueles com quem só mantinha
uma associação se fosse absolutamente necessário. Nunca
tivera razão nem desejo de reunir-se com antigos
criminosos.
— Eles a sustentam? — ele perguntou.
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— Como é?
— Os homens que a rodeiam são parentes dela? Do que
ela vive?
— Está fazendo perguntas indiscretas, meu irmão.
— Ela é amante de algum deles? — Ele a fitou com
seriedade.
Sterling não podia imaginar Catherine relacionando-se
com eles, muito menos ela incluir em sua festa de
casamento uma mulher de moral questionável, mas se a
outra fosse amiga de Luke do tempo em que perambulavam
pelas ruas...
— Quem lhe disse isso? — Catherine escarneceu. —
Ela é guarda-livros do Dodger’s, o clube masculino de jogo.
Um nome respeitável para um clube de cavalheiros
nem tanto, o que deveria ser importante, Sterling supôs.
— Estranho.
— Acho admirável. Nem todas as mulheres têm um pai
que as sustente.
— Encolha as garras, Catherine, não estou insultando
a jovem, mas admita que as mulheres costumam se ocupar
com a casa e não com negócios.
Ela tocou-lhe o braço.
— Perdão, mas eu não gosto que critiquem os amigos
de Claybourne. Na sua ausência, Sterling, eles me
ajudaram várias vezes.
Então sua longa viagem forçara a irmã a procurar
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patifes conhecidos? O fato deve ter agradado o pai deles
e dado mais um motivo para ele ficar desapontado com o
herdeiro, a quem considerava um perdulário.
Sterling admitia que vivera como esbanjador, visando
os próprios prazeres acima de tudo. Muitas vezes discutira
com o pai sobre as escolhas que fazia, mas o pai fora
incapaz de compreender o que representava não estar no
controle da própria vida e o que era ter medo de enfrentar
um futuro sombrio e solitário.
— Eu deveria tê-lo apresentado. — Catherine procurou
animar Sterling, percebendo que os pensamentos do irmão
trilhavam caminhos áridos.
— Não é necessário. — Ele não achava que sua
aproximação fosse apreciada.
— Uma pena que tenha mudado tanto, Sterling.
— Já a escutei comentar isso antes. Todos mudam,
Catherine, e eu poderia dizer o mesmo a seu respeito.
— Não dessa maneira. Tenho a impressão de que o
cinismo tomou conta de suas ideias.
— Apenas me tornei realista. Procure seu marido, pois
quero fazer o brinde e terminar com minha obrigação.
Os olhos azuis de Catherine, semelhantes ao do irmão,
não esconderam o pesar, e Sterling segurou-a pelo braço
antes de ela se afastar.
— Perdoe-me. Eu lhe desejo felicidades mais do que
merecidas. Como fiquei afastado durante um período e
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passei a maior parte desse tempo ao ar livre, não me sinto
bem confinado em um salão cheio de gente.
Mover-se em meio a tamanha confusão sem colidir com
ninguém se tornara uma tarefa desagradável. Se ele
soubesse que o número de convidados de Catherine e Luke
era excessivo, teria se despedido na igreja.
— Por isso não saiu de perto da janela, como se
quisesse pular daí a qualquer momento?
— No meio da tempestade? — Sterling olhou a chuva
batendo na vidraça. As nuvens negras faziam a manhã
parecer noite, e a noite se tornara sua inimiga. — O dia
hoje está melancólico.
— Discordo. Este é o dia mais maravilhoso de minha
vida. Sterling reconheceu a própria grosseria e resolveu
corrigir-se.
— Posso lhe garantir que será o primeiro de muitos
dias maravilhosos de sua vida, minha querida.
— Sei que não conto com sua aprovação na minha esco-
lha para um marido, pois, como a maioria dos lordes, você
só enxerga que o passado está contra ele. Mas tenho a
esperança de que o tempo se encarregará de fazê-lo
apreciar as melhores qualidades de Claybourne.
Provavelmente não, mas Sterling não queria ofuscar a
alegria da irmã com a negativa.
— Sterling, suponho que depois de tanto tempo
despendido nas viagens pelo mundo sua atenção se
concentrará na busca de uma esposa.
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— Posteriormente. Estamos de luto e até por isso eu
não esperava que este evento fosse tão exuberante.
— Pois não foi nem um pouco exagerado. Talvez
tenhamos um pouco mais de convidados do que seria
apropriado, mas eles facilitarão o caminho de Claybourne
em meio à aristocracia, depois de anos andando à margem
dela. Além disso, os homens não se prendem tão
rigorosamente ao luto quanto as mulheres. Se quiser
dançar esta noite, ninguém o repreenderá.
— Ah, esse é o poder que vem com o ducado.
— Por acaso alguém ocupou seus pensamentos
enquanto esteve fora? — Catherine interessou-se.
— Fazendo o papel de casamenteira? Será melhor
pensar em sua viagem de núpcias.
— Não poderemos viajar. Temos alguns assuntos para
resolver em Londres.
— Mesmo assim suponho que seu marido estará
contando com sua atenção completa por uns tempos. Sou
perfeitamente capaz de procurar uma esposa sem
perturbá-la.
— Isso não seria perturbação, mas um prazer — Ela
apertou-lhe o braço. — Senti sua falta, Sterling, e estou
muito feliz com sua presença. Agora, se me der licença,
vou procurar Claybourne, para que você possa fazer seu
brinde.
Catherine afastou-se e ele abafou a culpa que as
palavras dela provocaram. Sterling gostaria de estar em
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qualquer outro lugar, menos ali. Ele bebeu o champanhe,
chamou um criado e pediu outra taça. Será que a festa não
terminaria nunca?
Catherine aproximou-se do marido e Sterling notou
que ele a fitava com adoração. Por que não adorá-la? Ela
era a filha de um duque, e sua linhagem era o melhor que a
aristocracia britânica tinha para oferecer. Catherine
entendia seu lugar no mundo e ajustava-se perfeitamente
dentro dele. Sterling já não podia afirmar isso sobre si
mesmo. A urgência de escapar dali rugia em sua mente e
ele estava no limite de sua paciência. Então os murmúrios
no salão cessaram e ele aproveitou para erguer a taça.
— À minha irmã, Catherine, a nova condessa de
Claybourne e a seu afortunado marido. Minha querida, que
o sol sempre a ilumine, mesmo durante o mais escuro dos
dias.
Ele tomou o líquido borbulhante enquanto uma roda de
aplausos e vivas ecoavam pelo salão. Luke e Catherine
beberam o champanhe e beijaram-se. Os presentes riram,
aplaudiram e desejaram felicidades ao casal.
Sterling tomou mais uma taça de champanhe. Talvez
se bebesse além do usual, pudesse afogar a dor de saber
que jamais poderia alcançar o que o jovem casal alcançara.
A felicidade de um amor verdadeiro.
***
Ele era o aristocrata mais perigoso da recepção.
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Frannie Darling entendeu que dava um crédito
excessivo ao homem que estava em pé junto à janela, tendo
em vista estar rodeada por pessoas que não tinham
escrúpulos em infringir a lei se isso lhes fosse conveniente.
Mas enquanto seus amigos eram perigosos para todos,
exceto para ela, aquele homem representava perigo apenas
para ela.
Sabia disso da mesma forma que intuía quais eram os
bolsos mais recheados para ali meter a mão, ou da mesma
forma que sabia quando uma lista de número fora
registrada de forma incorreta antes de fazer a soma ou
também como a certeza que naquele recinto coalhado de
gente, seus amigos eram apenas Jack, Jim e Bill.
Havia pouco tempo descobrira que Luke sempre
duvidara de que fosse o verdadeiro conde de Claybourne,
mas os últimos acontecimentos convenceram-no da
verdade, e ele não mais questionara a herança do título.
Confiante, ele circulava por entre os convidados, sem
temer que estivesse vivendo na pele de outro.
Frannie não podia admitir sentir-se tão à vontade em
um mundo enorme, importante e que não lhe pertencia.
Apesar de seu pequeno universo sumir na comparação, era
onde se sentia satisfeita. Era possível que o desagrado
com os circuns-tantes a tivesse feito notar o homem que
estava junto à janela e que parecia querer fugir dali como
ela. Sabia de quem se tratava. Era o irmão de Catherine, o
recém-sagrado duque de Greystone.
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Pensou tê-lo visto olhar para ela e observou-o
sorrateiramente. Tinha pele bronzeada, como se
trabalhasse ao ar livre. Não havia um fio fora do lugar dos
cabelos louro-escuros que tinham sido penteados para a
ocasião, mas Frannie não pôde deixar de imaginá-los soltos
ao vento enquanto ele galopava pelos mesmos caminhos
explorados por Marco Polo. Greystone era um aventureiro
destemido. Havia pouco quando falava com os demais, ele
demonstrava polidez, uma certa tolerância, como se
desejasse outra fonte de entretenimento.
— Acha que eles serão felizes? — Jack perguntou e
ofereceu-lhe outra taça de champanhe, forçando-a a
desviar a atenção do homem que a fascinava.
Ele superava a importância da vida e, por regra geral,
ela preferia o pequeno e o rotineiro.
— Tenho certeza disso. Catherine e Luke combinam.
— O que acha do irmão dela?
Ele era tão poderoso quanto a tempestade que
inundava a cidade. Alguma mulher certamente descobriria
em seus braços prazeres para ela desconhecidos. O calor
a invadiu e ela teve de mentir.
— Não sei.
— Ele nos observava — Jim afirmou.
— Muitos convidados estão fazendo a mesma coisa —
Bill murmurou.
— Sem perder de vista os próprios bolsos — Jack
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acrescentou. — Sinto-me tentado a circular por aí e furtar
algumas coisas.
Frannie franziu o cenho. O avô de Luke os livrara dos
cortiços, mas não fora capaz de tirar completamente os
cortiços de dentro deles.
— Não faça nada que possa embaraçar Luke. Ele
finalmente foi aceito por seus pares e convidar-nos me faz
pensar em um pouco de rebelião.
Eles eram os patifes de sua juventude que nunca
tinham sido abandonados. O passado deles forjara um
liame inquebrantável.
— Ainda à espreita dele? — Jack perguntou.
— Assim como eu espreito todos vocês e vocês fazem
o mesmo comigo.
Havia ocasiões em que a observação deles era muito
íntima e superprotetora. Frannie os amava muito, mas às
vezes ela desejava algo que não podia identificar. Talvez
esse fosse o motivo de ela ter vontade de encenar uma
rebelião. Espiou o cavalheiro parado junto à janela.
— Creio que vou me apresentar.
— Ele é um miserável duque — Jack lembrou-a.
— Sei disso — Frannie murmurou antes de entregar a
ele a taça, suspirar e atravessar o recinto.
Como princípio, ela costumava evitar os nobres, pois
eles a lembravam de sua origem humilde, mas algo naquele
homem despertava sua atenção e a fazia almejar por um
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momento de imprudência. Durante toda sua vida ela
procurara isolar-se de tudo que a fizesse sofrer, o que
tornara sua existência monótona, mas nada aquele homem
lembrava monotonia.
Frannie sentiu-se observada pelos presentes e
poderia ter se aborrecido, mas teve uma sensação de
carícia ao notar que ele a analisava e por pouco não
tropeçou. Os rapazes de Feagan nunca a olhavam com
desejo. E talvez por esse fato, Greystone fosse tão
perigoso para ela. Com apenas um olhar, ele a fazia
experimentar a transformação de menina desajeitada em
uma mulher tentadora capaz de atrair um homem para o
pecado.
O mais surpreendente era a atração que sentia por
ele. Ela jamais encontrara um homem que lhe despertasse
paixão ou que a fizesse desejar ser beijada e acariciada.
Derrotou a vontade de voltar a seu porto seguro e
parou diante dele. Os olhos azuis de Greystone a
lembraram de uma safira que adornava uma corrente por
ela roubada de uma rica mulher. Feagan ficara tão feliz
com a peça que lhe comprara um morango. Àquela altura
ela não conseguia comer a fruta sem lembrar-se de que a
mesma representava a recompensa por seu
comportamento depravado. Uma noite com Greystone
resultaria em comer uma tigela inteira de morangos
deliciosos.
— Creio que nós ainda não fomos apresentados. Sou
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Frannie Darling.
— A guarda-livros do Dodger’s.
Frannie arregalou os olhos. Ela raramente entrava no
recinto de jogos e poucas pessoas tinham a chave para
acesso em seu local de trabalho.
— Eu me recordo de que o senhor é um dos membros
do clube.
— E eu me lembro de que seus amigos — ele apontou
Jack, Jim e Bill que esperavam ansiosos a volta da parceira
— são gatunos.
Desapontada, Frannie concluiu que ele fazia parte do
grupo que desacreditava na ascensão social, o mesmo grupo
que a fizera sofrer enquanto morara com o conde de
Claybourne. Ela deveria tê-lo deixado entregue à sua
mesquinhez, mas sentiu-se compelida a ficar. Talvez
quisesse dar a ele a oportunidade de se redimir.
— Suponho que tenha desaprovado a lista de
convidados, mesmo que seja costume após as núpcias
oferecer um café da manhã na casa da família da noiva.
— Pense o que quiser, mas eu valorizo minha
propriedade e prefiro não ter mãos leves circulando por
aqui.
— Entendo.
Frannie sabia julgar como ninguém o caráter das
pessoas, mas o dele não se revelava. Os mendigos eram os
melhores atores do mundo. Com um olhar para a vítima,
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eles conquistavam corações e simpatia, e podiam fazer uma
pessoa doar sua última moeda. Ao que parecia, Greystone
fingia uma atuação que lhe garantia não ter de
recompensar ninguém. Ela imaginou quais seriam os
motivos.
— Ele a fará feliz? — Ele perscrutou a multidão.
— Luke?
— Claybourne.
Pelo menos ele reconhecia o título de Luke e
importava-se com a felicidade da irmã.
— Imensamente.
Ele anuiu com brusquidão.
— Então isso é tudo o que importa. Se me der licença...
Ele deu alguns passos e Frannie o chamou.
— Vossa Graça?
Sterling virou-se e Frannie sorriu com malícia, sem
saber se pretendia irritá-lo, embora ele o merecesse. Ela
não pretendia deixar sem resposta o insulto a seus amigos
e tinha sua própria declaração para fazer. Eles não eram
os únicos ladrões presentes. Frannie levantou a mão e em
seus dedos estava pendurado um relógio de ouro preso a
uma grossa corrente.
— Milorde esqueceu seu relógio.
Sterling olhou para o colete, apalpou-o sem acreditar
e voltou para Frannie um olhar ameaçador, estendendo a
mão. Ela deixou a peça valiosa na palma da mão dele e não
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teve como se livrar do aperto em seu pulso.
— Cuidado, srta. Darling — ele a avisou com rispidez.
— Fiquei fora muito tempo e agora sou muito menos
civilizado do que era antes de minha partida.
Frannie não duvidou da afirmativa e teve a impressão
de que seria devorada. Seu coração disparou e as pernas
amoleceram.
Com uma mesura brusca, Sterling soltou-a e afastou-
se. Frannie observou-o sair pela porta e surpreendeu-se
como o feitiço se virara contra o feiticeiro. Não esperava
ser deixada sem fôlego pelo encontro, nem muito menos se
aborrecer por isso. Um sentimento incomum e poderoso a
impediu de desejar que ele partisse.
Sterling queria sair logo dali, mas moderou os passos
para não colidir com as pessoas e conseguiu deixar o
recinto com facilidade. Sua expressão sombria não animou
ninguém a detê-lo para uma conversa.
Admitia que seu comportamento com a srta. Darling
fora odioso, mas ele não contava com a própria reação
diante da proximidade dela. Ela não tinha voz angelical,
mas sim um tom que despertava paixões dentro de quatro
paredes. Quente, sensual e de tirar o fôlego, como se eles
já houvessem feito amor e ela desejasse repetir a dose.
Ele quase gemeu ao lembrar-se dos olhos dela, verdes
e fulgurantes. O que mais o atraíra fora a diferença com
as outras jovens. O olhar dela não era inocente, mas sim
de quem aprendera com a vida. Ela vira muito e
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provavelmente agira de maneira que faria as outras
desmaiar.
Sterling perdia o controle em raras ocasiões, mas
entendeu que se não se afastasse dela, provavelmente a
tomaria nos braços, independentemente de onde
estivesse.
E ainda por cima não a sentira surrupiar seu relógio de
bolso. O que era uma pena, pois ele gostaria de sentir seu
toque. Por isso tratou de afastar-se a passos largos.
O encontro com Sterling Mabry, o oitavo duque de
Greystone, deixara Frannie inquieta.
Os meninos de Feagan — ela sempre pensava neles
como meninos apesar de adultos — não lhe fizeram
perguntas. Ela precisava de um pouco de solidão para se
recompor. Como a chuva não permitia um passeio pelos
jardins, ela teria de contentar-se com a imensa residência
dos Claybourne. Como os criados a conheciam, não a
impediriam de andar pelos corredores e salas onde
convidados não teriam acesso. Desde que se mudara
daquela casa, viera visitar o conde de Claybourne apenas
uma vez. Embora não se sentisse muito à vontade ali, havia
um dos recintos que ela tinha uma grata lembrança.
Sem hesitar, abriu a porta da grande biblioteca e
entrou. Fechou os olhos por um instante e inalou a
maravilhosa fragrância dos livros. Livros razão não tinham
esse cheiro agradável. Fechou a porta e caminhou por
entre as poltronas e pequenas mesas que formavam áreas
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
25
de leitura individual, passou pelas estantes lotadas de
livros e deslizou os dedos pelas lombadas dos muitos
volumes que o antigo conde de Claybourne colecionara
durante anos. Ele havia sido um leitor voraz e apresentara
a ela os trabalhos de Jane Austen e Charles Dickens, entre
outros. Dentro desse recinto, ela viajara pelo mundo.
Isso a fez lembrar-se de Sterling. Por intermédio de
Catherine, soubera que ele explorara o mundo e as
maravilhas que ele relatara. Era difícil imaginar a coragem
necessária para tal empenho. Viajar de navio pela
imensidão do oceano e ter a certeza de chegar ao destino.
O que afinal ele fizera para tornar-se tão amargo e menos
civilizado? E por que ela não podia parar de pensar nele,
apesar da rudeza com que fora tratada? E por que achava
que ele temia algo?
Ao descobrir que ela levara seu relógio, o medo
reluzira por milésimos de segundo em seu olhar antes de
brilhar perigosamente. Ela conhecera muitas almas
amedrontadas, inclusive a própria. Podia entender a reação
de raiva, mas por que o incomodara não ter percebido o
furto? Ou ela estaria fazendo uma interpretação errônea
do caso? O que não aconteceria se Sterling fosse um livro.
Recriminou a si mesma por haver se apossado do
relógio dele. Ela já havia superado suas origens e se
irritara com o fato de ele trazê-las de volta. Por que
sentira a necessidade de provar que era uma ladra
experiente?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
26
Na verdade, não havia motivos para se importar com a
opinião dele a respeito de seus amigos ou de si mesma.
Sterling era arrogante, rude e representava a aristocracia
que ela desprezava. Mesmo o avô de Luke, apesar de toda
a bondade que demonstrava, olhava com altivez para os
infelizes a quem o neto chamava de amigos. Ainda assim,
Frannie não podia deixar de pensar nele com carinho.
Foi até a escrivaninha e sentou-se. Passou a mão sobre
a superfície polida da mesa e recordou-se da figura
imponente do conde de Claybourne que ali se sentava. Até
o dia em que ela descobrira a fraqueza dele por balas de
limão e a partir de então ele se tornara humano a seus
olhos, principalmente quando lhe oferecera uma. Abriu a
gaveta onde o velho lorde guardava seus doces.
— Planejando furtar alguma coisa?
Frannie deu um pequeno grito e pressionou a mão no
peito. Com o coração aos saltos, virou-se para encarar o
acusador.
Sterling estava encostado na parede de um canto
escuro, de braços cruzados, e Frannie não entendeu por
que não o notara antes. Os trovões ribombavam e a chuva
parecia ter aumentado de intensidade.
— Vossa Graça assustou-me.
Ela sempre havia pensado que Luke e Jack possuíam
uma presença dominadora, mas tinha de admitir que eles
sumiam se comparados ao duque de Greystone. Ele não era
um homem acostumado a ser ignorado e a atração que por
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
27
ele sentira no salão tornava a se manifestar, contudo ela
se recusava a ceder. Não permitiria que o duque zombasse
de sua ternura pelos amigos, mas não cometeria a
infantilidade de espernear.
Engoliu em seco, determinada a enfrentá-lo.
— Ele costumava esconder nesta gaveta as balas de
que tanto gostava — ela respondeu ao silêncio pesado que
se seguiu. — O antigo conde — explicou. — O avô de Luke.
Diante do mutismo de Sterling, Frannie fechou a
gaveta e levantou-se da poltrona, recusando-se a se
acovardar. Com o coração batendo quase tão forte quanto
os trovões, foi até a janela e olhou para fora.
— Quando eu morava aqui, milorde sentava-se nesta
poltrona — ela apontou a cadeira estofada de verde
próxima da janela — e fazia com que eu lesse para ele
todas as tardes. Estranho. Quando menina, morei com um
jovem que eu estava certa de ter matado alguém, mas eu
não o temia. Porém o velho conde me aterrorizava.
— Por quê?
Finalmente ele falava. Frannie encarou-o, surpresa ao
descobrir que estavam muito próximos e suspeitou que a
pergunta havia sido feita para impedi-la de escapar. Por
que razão a ideia de ele querer que ela ficasse a deixava
tão excitada?
— Talvez por ele ser tão grande. — Frannie sacudiu a
cabeça, frustrada pela inabilidade de descrever o avô de
Luke. Ela era mais experiente no uso de número do que com
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
28
palavras. — Não fisicamente, é claro. Ele era alto como
Luke, porém bem mais magro e curvado pela idade, mas ele
era imponente e tudo o que o rodeava era grande. As casas
nas quais vivia, tanto na cidade como no campo, ou o coche
onde viajava. Quando eu o acompanhava em alguma visita
em Londres, notava a deferência como era tratada, o que
me dava a certeza de que ele era um homem muito
poderoso... assim como Vossa Graça.
— Homens poderosos a assustam?
— Causam-me uma certa hesitação, mas não sou mais
criança para ser intimidada por eles. Eu diria que a idade
traz uma tendência a não se importar muito com que os
outros pensam.
Sterling ergueu um dos cantos da boca, e Frannie teve
uma vontade absurda de fazê-lo rir, mesmo que ele
houvesse desconfiado da mentira. Não podia negar que a
incomodava a opinião degradante da aristocracia a seu
respeito e também de seus amigos. Cada um deles, à sua
maneira, ajudava os menos favorecidos e todos eram muito
leais, capazes de dar a vida um pelo outro. E a incomodava
profundamente o fato de pessoas menosprezarem essas
boas qualidades e esperarem sempre o pior.
— A senhorita fala como se fosse uma anciã.
— Tenho quase trinta anos.
Frannie se sentiu compelida a revelar a idade, talvez
para assegurá-lo de que não se tratava de nenhuma jovem
inocente, mas sim de uma mulher de opinião própria... pelo
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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menos até aproximar-se dele. Naquele instante não tinha
certeza se queria que ele chegasse mais perto ou se
afastasse antes de a situação escapar de seu controle. E
com ele, ela não garantia um controle completo. Teve
vontade de desmanchar-lhe os cabelos e deixar vir à tona
o aspecto não civilizado a que ele se referira.
— Idade suficiente para estar casada e ter filhos.
— Ah, eu tenho filhos. — Frannie notou a reprimenda
em sua expressão e irritou-se por ele pensar o pior a seu
respeito. Teve vontade de não explicar nada e deixá-lo
imaginar o que quisesse. Por um lado, queria que ele tivesse
uma má impressão, mas, por outro, que a achasse
merecedora... de algo inexplicável. — Quero dizer...
recolho órfãos ou o farei uma vez que a casa de minhas
crianças esteja terminada.
— Ah, uma reformista.
— Vejo que desaprova. Vossa Graça não crê em boas
ações?
— Elas têm seu lugar, mas trabalhar com órfãos
parece-me um desperdício para uma mulher tão adorável.
Frannie sentiu um calor percorrer seu corpo dos pés à
cabeça. Ela sempre se considerara comum e a agradava que
assim fosse. Não queria favores masculinos e fazia o
possível para não parecer atraente. Até o vestido que ela
usava para aquela ocasião especial fora escolhido para não
chamar a atenção, contudo não adiantara.
— Não tenho certeza se devo me sentir insultada ou
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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elogiada.
— Elogiada, eu lhe asseguro. Creio que nós tivemos um
início infeliz com nossa apresentação ou talvez pela falta
dela. Vim até aqui em busca de solidão para pensar na
melhor maneira de me redimir. Em geral não sou tão
descortês. — Sterling olhou pela janela. — Quem era o
cavalheiro de casaco marrom com quem a senhorita falava
há pouco?
Ela se surpreendeu com a mudança súbita de assunto.
— James Swindler, um inspetor da Scotland Yard.
Frannie poderia jurar que o duque segurava o riso.
— Não me referi à ocupação dele, mas o que ele é seu.
Frannie achou a declaração estranha. O que mais ele
poderia ser?
— Um amigo. Vossa Graça deseja uma apresentação?
Sterling deixou escapar uma risada antes de sacudir a
cabeça e comprimir os lábios um contra o outro.
— Não. Mas ele agia como seu protetor.
— Todos eles são muito protetores.
— Todos?
— Os meninos de Feagan
— E Feagan é...
— O pai de rua que nos acolheu e criou.
— O que os ensinou a roubar?
— Entre outras coisas.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— A senhorita deve ter sido uma aluna aplicada, pois
nem mesmo senti a ação de seus dedos. O problema é que
eu gostaria muito de conhecer seu contato.
Sem pressa, Sterling tornou a fitá-la como quem fazia
um convite e uma promessa. Como responder a isso?
Admitir que também gostaria de sentir o toque dele? Aos
doze anos Frannie perdera a inocência, porém nunca tivera
interesse sexual por homens. Não que os temesse.
Aprendera com os meninos de Feagan que nem todos os
homens eram brutos. Ainda assim, não se sentira atraída
por nenhum, nem queria atraí-los. Nunca sentira aquela
estranha agitação no estômago ao olhar para um homem,
nunca sentira o coração disparar daquela maneira pela
proximidade masculina, nem encontrara dificuldade para
respirar ao analisar o contorno de lábios masculinos.
— Nenhuma resposta, nem ao menos para negar que
esteja curiosa para saber como eu poderia tocá-la?
— Não tenho habilidade nesses jogos de flerte.
Frannie novamente revelava segredos de sua
intimidade. Ela sempre colaborava com os meninos quando
o assunto era furto, encontrar um estratagema ou espoliar
alguém. Eles sempre buscavam sua opinião nos negócios.
Mas isso tudo era muito distante do que acontecia ali. Ela
se sentia como uma exploradora iniciante viajando sem
mapa.
— Não se trata de um jogo, srta. Darling — Sterling
disse num tom de voz baixo, que repercutiu dentro dela e
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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se alojou nas proximidades do coração.
— E por tocá-la, Vossa Graça quer dizer...
— Simplesmente tocar.
Frannie, que sempre se dera conta do ambiente e de
quem a cercava, julgando o melhor momento para tomar ou
sair, não percebera a aproximação maior de Sterling com
olhos escurecidos de desejo. Com extrema delicadeza, ele
passou a ponta dos dedos na face, na testa e no queixo
dela.
— Tão suave — ele sussurrou, acariciando-lhe o lábio
com a ponta do polegar, seguindo os próprios movimentos
com o olhar, como se nunca tivesse visto nada tão
fascinante ou como se ela fosse uma criatura rara. —
Algum dos cavalheiros que a acompanham... é seu amante?
— Não! — Insultada, ela teria recuado se não
estivesse presa pela carícia do polegar sob o lábio.
— A senhorita tem um amante?
— Isso não é de sua conta.
— Tem? — ele insistiu.
— Não.
— Ótimo.
Sterling não tirava os olhos dela e o fogo neles contido
intensificou-se e pareceu queimá-la. Frannie pensou que
entraria em ebulição e teve uma vontade ridícula de abrir
alguns botões do corpete e deixar que o duque assoprasse
sua pele.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Por que isso é ótimo? — Ela quase não reconheceu a
própria voz, de tão ardente.
— Porque eu gostaria muito de beijá-la, srta. Darling,
e ao contrário de seu costume, não tenho o hábito de tomar
o que pertence a outrem.
Sterling segurou o rosto de Frannie e aproximou-se
devagar, dando-lhe a oportunidade de recuar ou recusar.
Mas Frannie inclinou-se na direção dele, cerrando os olhos.
E Sterling beijou-a.
Ela já havia recebido beijos forçados e castiços, mas
nenhum homem tocara seus lábios com tanta ternura e
determinação, abrindo-os para permitir sua entrada.
Também ela nunca quisera tanto corresponder. Sterling
tinha sabor de champanhe e de desejo.
Ele a abraçou e Frannie jamais experimentara estar
tão próxima de um homem, nem tivera o busto apertado
por um peito sólido ou inalara tão profundamente o
perfume masculino. Nunca tivera dentro de sua boca a
língua de um homem, nem correspondera àquela dança
sensual. E, sobretudo, desejava com desespero o que não
conhecia e que deveria amedrontá-la.
Sterling não lhe causava receio. Frannie abraçou-o
pelo pescoço e ficou na ponta dos pés para facilitar o
acesso do que ela tanto desejava. Com um gemido surdo,
ele mudou o ângulo do beijo, aprofundou-o e explorou cada
centímetro da boca desconhecida. O calor aumentou e
Frannie supôs que poderia derreter. A paixão e as
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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sensações arrebatadoras permitiriam que os dois se
tornassem um só?
Ele se afastou ligeiramente e fitou-a com intensidade.
— Como a senhorita não tem um amante, eu gostaria
de oferecer-lhe meus serviços. Pelo visto, nós somos
compatíveis.
Capítulo II
— Você está bem? Na volta ao Dodger's no coche
emprestado por Luke, Frannie, que olhava a chuva pela
janela, voltou-se para Jack.
— Claro, por que a pergunta?
— Você parece preocupada.
Era verdade. Ela pensava na proposta escandalosa de
Sterling e em sua resposta ainda mais indecente.
— Pensarei em sua oferta.
Estaria ela considerando a hipótese ou apenas não
soubera o que responder? Se negasse, ele insistiria na
pergunta? Ela o veria novamente? Se aceitasse, mudaria
de idéia mais tarde? Teria remorso?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Oh, céus, eram tantas as suas dúvidas!
Frannie tirou uma luva e passou os dedos na face que
Sterling acariciara. A sensação nada representava em
comparação à sensualidade despertada por ele. Um calor
incrível serpenteara em seu ventre e a envolvera até ela
se sentir como cera derretida. Passou com traços
irregulares a ponta dos dedos nos lábios e novamente a
impressão não se comparou à doce pressão da boca de
Sterling na sua, forçando seus lábios a se abrirem.
Uma vez Luke a beijara com a leveza de uma borboleta
na pétala de uma flor. O beijo de Sterling não fora leve,
mas também não tinha sido rude. Fora como se apenas ela
pudesse matar a avidez de um homem famélico. De onde
provinham esses pensamentos insanos? Seria um reflexo
de seus próprios desejos e de sua vontade de
experimentar tudo o que ele tinha a oferecer?
— Jack, você já teve alguma amante? — Frannie
perguntou, olhando novamente pela janela.
— Depende.
Ela se voltou para o amigo. A pergunta fora simples.
Ele tivera ou não tivera. O que poderia ser acrescentado?
— Depende do quê?
— Se considerarmos ou não uma mulher paga como
amante. — Jack cruzou os braços na altura do peito e
fixou-se no teto do coche. — Para mim, uma amante teria
de ficar comigo por vontade própria, sem intenção de
ganhar uma recompensa. Sob essa perspectiva, nunca tive
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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uma amante. — Ele a fitou.
— Parece-me uma questão estranha partindo de você.
Pela primeira vez na vida, ela não se sentia à vontade
com Jack. Não poderia contar-lhe que o encontro ardente
com Sterling provocara sua indagação e que se desse
ouvidos aos próprios anseios, iria à procura do duque nessa
noite.
— Simples curiosidade. Não sei quais são as
expectativas para uma amante e o que a situação acarreta
na verdade. Um amante... ama sua parceira e vice-versa?
— Por deus, Frannie, o amor não está envolvido no fato.
Trata-se apenas de uma maneira cortês de explicar que um
cavalheiro deseja o que está sob as saias de uma dama.
Ela anuiu e tornou a observar a janela. Certamente
isso era tudo o que Sterling desejava. Frannie Darling
servia para a cama, mas não para esposa. Ele a enxergava
como uma meretriz e usava a boca depravada como moeda.
E ela quase pensara em aceitar a proposta dele.
— Desculpe-me, Frannie, eu não deveria ter sido tão
rude. — Jack inclinou-se para a frente e apoiou os
cotovelos nas coxas. — Por que a súbita curiosidade?
Frannie sentiu no rosto o calor do constrangimento...
ou seria vergonha?... e ficou satisfeita que o tempo
obscuro impedisse a visão de suas faces coradas. A
infância forjara uma união que lhes permitia compartilhar
os pensamentos mais íntimos, sem fiscalização ou
cobrança. Ela o fitou e abaixou o olhar.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Tive uma proposta.
— De que tipo?
Frannie reuniu coragem para responder:
— Alguém deseja ser meu amante.
Jack estreitou os olhos por um segundo e ela percebeu
que já tinha visto aquela expressão que precedia uma
tempestade.
— Quem é o patife?
Frannie admitiu que nada deveria ter dito, mas Jack
era um de seus melhores amigos. De repente entendeu que
havia fatos que não deveriam ser compartilhados, mas ela
não tinha mais ninguém a quem procurar. Certamente não
poderia fazer o comentário com Catherine, uma vez que o
irmão dela fora o causador do dilema.
— Não vou dizer. Esqueça o que eu perguntei. Jack
recostou-se no assento com força.
— Foi o infeliz do Greystone.
— O quê? Oh, não! Por que pensou nele?
Jack tornou a inclinar-se para a frente e segurou as
mãos de Frannie.
— Frannie, minha querida, sou um homem e notei a
maneira como ele a olhava. Como se você fosse uma
guloseima apetitosa para satisfazer a fome masculina. Ele
sumiu por um tempo e você também. Parece-me que ele se
aproveitou da oportunidade e durante o momento
clandestino lhe fez a proposta indecente.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Não foi o que lhe parecera. Pelo contrário, ela se
sentira lisonjeada, embora estivesse zonza e perdida em
uma névoa de paixão quando ele a beijara. Espantava-se
com a maneira de Jack descrever o olhar de Sterling. Já
vira homens a fitarem de soslaio ou mais diretamente, mas
sempre como se ela fosse um cristal delicado que poderia
quebrar-se e jamais com fome. Era estimulante e ela
apertou os dedos de Jack.
— Acha que seria tão ruim acalentar a idéia de ser
amante de alguém? Fui ladra, prostituta...
— Não por sua escolha, Frannie.
— Um homem pagou por mim, Jack. Chame isso como
quiser, embora eu nunca tenha me entregado por vontade
própria a um cavalheiro. Estou com quase trinta anos,
muito além da idade em que a maioria das jovens se casa.
Até Luke pedir minha mão em casamento, eu não havia
pensado em ser uma esposa. Não me vejo casada.
— Por que não? Jim a desposaria em um piscar de
olhos. E eu também, por falar nisso, se eu não achasse que
você merecia coisa melhor.
Frannie deu um sorriso torto.
— Jack Dodger casado? Não posso acreditar nisso.
— Ele é um duque — Jack lembrou-a, favorecendo a
argumentação.
Jack sabia o mal-estar que ela experimentava diante
da aristocracia. Todos eles eram da mesma opinião e por
isso a tinham rodeado na festa.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Isso seria um problema se eu pensasse em me casar
com ele, mas não é esse o caso. Amantes fazem parte de
um pecado secreto, não é? Eu não teria de me imiscuir no
mundo dele.
— A resposta a sua pergunta anterior é "não". Não
existe amor entre amantes. Você provavelmente sofreria
muito e eu me sentiria responsável por você ter uma visão
errônea do mundo pelo fato de trabalhar no Dodger's. Eu
providencio um lugar seguro para homens se envolverem no
pecado, mas não quero que façam isso com você. Além
disso, qualquer homem decente ficaria feliz em tê-la como
esposa. Nada menos do que isso.
Frannie anuiu, desvencilhou as mãos e recostou-se no
assento.
— Suponho que ele não tenha me feito um elogio.
— Não fez.
— Talvez eu devesse ter lhe dado uma bofetada.
— Certamente.
Frannie suspirou e mais uma vez fixou o olhar para
fora. O problema todo era ela desejar beijá-lo novamente.
Estar tão perto de um homem era uma experiência
estimulante. Uma pena que ela não parava de pensar nisso
e, quanto mais pensava, mais desejava.
Sterling sabia que se aproximava a hora em que
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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perderia tudo o que estivera em seu alcance.
Sentado na sua biblioteca, bebia conhaque, escutava o
tique-taque incessante do relógio sobre o consolo da
lareira e impedia a fúria de emergir. Raiva requeria uma
energia que ele não podia desperdiçar no momento. Talvez
mais tarde, quando não tivesse nada melhor para fazer do
que refletir em como a vida poderia ter sido melhor se...
Sempre estivera determinado a não se entristecer,
mesmo que a tristeza o ameaçasse. Também pensaria nisso
mais tarde.
No entanto, preocupava-se em preencher seu
reservatório de lembranças. E tinha mais uma que desejava
muito adicionar à sua coleção de tesouros. Uma noite com
ela poderia muito bem ser a coroação gloriosa, o último
prazer, sua última travessura antes de voltar a atenção
para o dever. Duvidava de que ela valesse a pena adiar o
rumo inevitável de sua vida.
Frannie Darling.
Ela era esguia, mas tinha uma certa imponência de
quem lutara contra os desapontamentos da vida e saíra
vitoriosa. Por ser uma plebéia, um aristocrata como ele não
cogitaria em tomá-la como esposa. Mas ele supunha que ela
seria uma amante a contento.
Fechou os olhos e trouxe à mente imagens do encontro
deles na biblioteca. Os dedos que se entrelaçaram em seus
cabelos, a boca que respondera às suas carícias e o
perfume delicado de rosas que ainda não sumira de suas
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
41
roupas. Ele queria aquela fragrância em sua cama. Havia
muito tempo não ansiava tanto por uma mulher e ela não o
desapontara.
Não podia acreditar na proposta que fizera para se
tornarem amantes e a resposta corajosa o espantara.
— Pensarei em sua oferta.
Frannie estaria falando a sério ou apenas caçoava
dele? Eles se empenhavam em um jogo estranho. Ela era o
demônio fantasiado de mulher sedutora ou pelo menos era
uma feiticeira por tê-lo envolvido em um encanto do qual
ele era incapaz de escapar. Estava obcecado pela maciez
da pele de Frannie, por seus olhos verdes e pelo vermelho
radiante de seus cabelos. Desejava beijá-la novamente e
tirar-lhe as roupas aos poucos para revelar os tesouros
escondidos. Tivera muitas aventuras em suas viagens, mas
nada que se comparasse ao interesse que Frannie lhe
despertava. A resposta dela seria positiva? Ela não ousaria
recusar um duque.
Chegaria uma época em que seu título de nada valeria
e ela não se interessaria por ele, assim como outras
mulheres o rejeitariam. Seu pai não gritara a verdade em
uma altura suficiente?
Por esse motivo seu pai se opusera às suas viagens pelo
mundo e insistira que ele deveria se casar antes de tudo.
Mas ele não poderia explorar o mundo... e as mulheres...
com uma esposa a tiracolo. Sterling tinha intenções de
permanecer fiel à esposa, embora duvidasse de que ela
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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teria a mesma consideração quando soubesse da verdade.
E ele aprendera pelo caminho mais difícil que seria melhor
manter sua deficiência em segredo por mais tempo
possível. Lady Angelina zombara dele e o ensinara que o
amor era uma ilusão facilmente destrutível pela verdade.
Não cometeria novamente o mesmo engano. Guardaria
seu segredo até depois do casamento. Mas antes de pensar
em uma esposa, queria uma noite de paixão sem freios. E,
para isso, apenas uma mulher serviria.
Frannie Darling.
Ainda podia sentir o gosto de seus lábios. Ansiava por
desabotoar o corpete que o impedira de ver a pele de
alabastro. Baseado na face sedosa, não duvidava de que a
cútis dela sob as roupas fosse uma perfeição. Os seios
caberiam dentro de suas palmas e os mamilos
endureceriam sob a provocação suave de sua língua. Queria
passar os lábios sobre...
— Mais conhaque, sir?
Letárgico por não esquecer a srta. Darling nem por um
minuto e pelo consumo excessivo de bebida, Sterling não
se assustou com a interrupção. Sentia-se flutuar e sabia
que deveria recusar a oferta, pois nem ouvira o criado
entrar, o que também não era incomum. Seus criados
esmeravam-se no decoro e deslizavam no maior silêncio,
como se os pés não tocassem o chão.
Sterling levantou a taça, sem se preocupar com a
embriaguez que lhe permitiria afastar Frannie de sua
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
43
mente para conseguir pegar no sono. Ou talvez fosse
melhor seduzi-la em seus sonhos, onde o desejo dela seria
equivalente ao dele.
O conhaque derramou-se sobre sua coxa e sua camisa.
— Cuidado, homem!
Ele se levantou da poltrona e virou-se...
Para descobrir que nenhum criado entrara em seu
santuário, mas que Jack Dodger e James Jim Swindler
estavam ali dentro. Supôs que devesse agradecer por
serem apenas dois e não quatro rufiões em sua biblioteca.
Jim deixou a garrafa na mesa com uma delicadeza
surpreendente para um homem daquele tamanho.
— Como foi que entraram? — Sterling indagou,
desejando não estar com a fala tão arrastada.
Ele encontrava dificuldade em focalizar seu mundo
naturalmente sombreado. Por que não acendera mais
lamparinas ou não bebera menos?
— Não importa — Jack respondeu. — O principal é
entender que você nada poderá fazer para impedir-nos de
ficar fora quando desejamos estar dentro.
— Eu poderia chamar um guarda, mas suponho que nin-
guém me dará atenção se souberem que um inspetor
invadiu minha residência.
— Tem razão, Vossa Graça. — O tom de zombaria de
Jim deixava claro o quanto desprezava o título e o próprio
Sterling, considerando-os de pouca serventia.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Posso oferecer um drinque aos senhores?
— Fique afastado de Frannie — Jim foi direto ao
assunto. Eles não aceitavam a bebida.
— Ou então? — Sterling perguntou.
— Eu o farei sumir.
Nada como uma ameaça direta para esclarecer o
assunto. Infelizmente, Sterling não era muito amigo de
ameaças que apenas serviam para torná-lo ainda mais
teimoso e determinado a fazer o que desejava.
— Verdade? E seus superiores têm conhecimento
dessa destreza incomum que o senhor parece cultivar?
— Greystone, Frannie é uma pessoa muito especial
para nós — Jack afirmou — e não temos a menor intenção
de vê-la sofrer.
— Bem, isso me inclui no trio, pois também não tenho
intenções de causar-lhe sofrimento.
— Milorde pode não pretender, mas o resultado será
trágico se fizer dela sua amante.
Sterling estreitou os olhos. Teria ele sido tão
transparente?
— Ela nos contou — Jack respondeu à pergunta não
formulada. — Imagine que a inocência de Frannie chega a
esse ponto.
— Ela não beija como uma jovem inocente.
Jim avançou com as mãos grandes fechadas em punho,
mas Jack agarrou-o pelo paletó.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Calma, Swindler.
Jim obedeceu à voz autoritária, mesmo sem gostar da
interferência que, no entanto, agradou a Sterling. O
homenzarrão parecia acostumado a brigar e a vencer, o que
daria poucas chances a Sterling, por mais que ele se
empenhasse.
Jack deu um passo adiante e interpôs-se entre Jim e
Sterling, porém Jim era bem mais alto, e Sterling pôde ver
a fúria nos olhos verdes. Dos dois, ele era sem dúvida o
mais perigoso, ainda que Sterling não fosse tolo para
subestimar Jack Dodger.
— Greystone, o caso é que Swindler, Graves,
Claybourne e eu nos consideramos como irmãos de Frannie
e cada um de nós subiria ao patíbulo por ela — Jack
afirmou.
— Ouvi contar que você é muito zeloso do que é seu.
— Acertou e por isso serei obrigado a destituí-lo como
membro do Dodger's. Você terá de procurar seus prazeres
em outro local.
— Cavalheiros, se eu realmente quiser alguma coisa, os
senhores não terão poder para impedir-me de obter o que
desejo.
A dor que ricocheteou no rosto de Sterling foi tão
intensa quanto a de sua cabeça ao atingir o chão. Ele não
vira o movimento de Jim e muito menos o punho dele vir
pela lateral no que era seu calcanhar de Aquiles. Jim
ajoelhou-se a seu lado e, com a mão do tamanho de uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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pata de elefante, agarrou-o pela camisa e sentou-o.
— Se a fizer sofrer, eu o matarei.
Jim soltou-o e Sterling bateu novamente com a cabeça
no chão. Jim levantou-se, saiu da biblioteca e os passos
pesados reverberaram pelo chão.
Jack ajoelhou-se ao lado de Sterling.
— Greystone, nunca se esqueça de que viemos das
ruas. Quando Frannie era pequena, não podíamos impedir
que a fizessem sofrer e nós quatro fizemos um juramento.
Nós morreremos antes de deixar mais alguém magoá-la e
esse é um voto que manteremos a qualquer custo.
Sterling continuou deitado muito tempo após a saída
de Jack e entendeu ter acertado em uma coisa. Eles a
amavam.
O que não o confortou, mas o fez ainda mais
determinado em possuí-la.
Após fazer a última anotação no livro caixa, Frannie
assoprou a tinta para secá-la mais depressa. Os números
eram atordoantes. Empregada no Dodger's havia dez anos
e parceira de Jack fazia cinco, deveria estar acostumada
ao montante de dinheiro desperdiçado pelos homens no
jogo.
— Frannie, a casa sempre acaba ganhando — Jack
Dodger lhe dissera quando ela inicialmente questionara o
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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empenho dele em abrir uma casa de jogos — e, no final, é
isso o que importa.
Suspirou e deixou na mesa a caneta com ponta de ouro
— um presente de Jack que gostava de objetos finos e
sabia que ela não gastaria em supérfluos — e fechou com
cuidado o volume. Jack gostava de tudo muito limpo e
arrumado, e nisso eles combinavam. Na certa era por
terem crescido na imundície.
O escritório era decorado com simplicidade. Uma
escrivaninha, duas poltronas, um sofá onde ela às vezes
descansava e prateleiras onde estavam enfileirados os
livros de contabilidade que forneciam a história do
estabelecimento.
Eram quase duas da manhã. Embora estivesse cansada,
gostava de trabalhar à noite. Fazer a contabilidade em
horários tardios a deixava com tempo livre para planejar o
lar das crianças que pretendia abrir em breve. A mobília
chegaria no começo da semana seguinte e ela precisava
contratar empregados. Resolveu deixar a tarefa para o dia
seguinte, pois ainda tinha assuntos pendentes.
Abriu o volume onde havia inscrito a contabilidade dos
sócios e começou a fazer anotações quanto aos membros
devedores. Quando as costas começaram a latejar,
endireitou-as, bocejou, espreguiçou-se e...
Uma silhueta grandalhona assomou à porta.
Ela riu e assumiu uma posição mais decorosa.
— Não deixe de relaxar por minha causa — Jim
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Swindler disse ao entrar.
O paletó marrom dele não era bonito, mas combinava
com seu comportamento modesto. Tinha cabelos castanhos
espessos, olhos verdes e não aparentava ser ameaçador em
sua simplicidade. Na verdade, ela o considerava o mais
inteligente e perigoso de todos.
— Eu fazia um intervalo antes de estudar as contas
dos fregueses — ela explicou.
— Você faz isso em horários esquisitos.
— Não mais do que você. Está trabalhando agora, Jim?
— Jack pediu-me para fazer averiguações de caráter
pessoal em relação à herança que recebeu. Eu apresentei
um relatório do que descobri e aproveitei para ver como
você estava passando.
— Eu vou bem, Jim.
Ele anuiu, pôs as mãos nos bolsos do paletó e tirou-as.
— Alguém a tem aborrecido?
Uma pergunta estranha.
— Está se referindo a alguém em particular?
— Não, simples curiosidade. — Ele adiantou-se e
depois recuou como se temesse assustá-la. — Quero que
saiba que estarei disponível caso precise de alguma coisa.
— Talvez eu necessite de sua ajuda para reunir os
órfãos quando chegar a hora.
— Isso nem se discute. Estou guardando uma lista de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
49
meninos que foram para a prisão e o tempo em que ficarão
detidos. Cuidarei dos mais jovens, os que podem ser
recuperados e os trarei para você.
Frannie sorriu.
— Para mim isso significa muito, Jim. A mobília
chegará na próxima semana, você estará livre para ajudar?
— Pode contar comigo.
— Obrigada. Eu me sinto culpada por ainda não ter
resolvido o assunto de como abrigar as crianças
abandonadas nas ruas, embora tenha os meios para isso.
— Você está trabalhando muito nisso, Frannie.
— Porque essa é uma coisa que desejo demais. Há
muito tempo venho pensando, planejando e finalmente a
meta está para ser concretizada. Mandarei avisá-lo assim
que chegar a hora.
— Esplêndido. — Jim deu um sorriso brilhante, o que
raramente fazia. — Estou ansioso para ajudá-la. — Ele fez
menção de tocar no chapéu, mas como não o estava usando,
fez uma mesura desajeitada. — Eu a verei em breve.
Ele saiu com uma rapidez que a espantou. Frannie não
entendia por que Jim era desajeitado com ela e não com os
outros. Talvez por ser dois anos mais moço e ela ter
cuidado mais dele do que dos demais. Lembrava-se do dia
em que Jack e Luke o tinham trazido para a casa de
Feagan, logo após o enforcamento do pai de Jim. Ele se
conservara tão quieto que ela temeu por um mutismo
permanente pelo choque. Naquela noite, depois de todos
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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terem ido para a cama, ela escutara choramingos e deixara
o conforto dos braços de Luke e fora segurar Jim
enquanto o menino dormitava. Ela entendia a dor da perda.
As crianças que moravam com Feagan haviam perdido
algo de muito valor que alguns ainda procuravam. Não era
o caso de Luke. Ela sorriu. Nunca o vira tão feliz como no
casamento.
E pensando em Catherine, lembrou-se do irmão dela.
Passara pouco mais de uma semana após o casamento,
ela não podia esquecer Sterling. Por uma escada posterior
a que os fregueses não tinham acesso, ela e Jack podiam
chegar a um balcão pouco iluminado de onde podiam
observar o movimento do salão sem serem vistos. Nas duas
vezes em que procurara por Sterling, não o vira. Mesmo
sem saber o que faria se o visse, sentiu-se desapontada
por sua ausência. Seria ele tão bonito quanto sua
lembrança? Ou seria muito perigoso?
Sterling estaria ansioso por uma resposta dela? Ele
desconfiaria que a mesma seria negativa? Deveria dizer
pessoalmente a ele caso o visse? Ou seria melhor mandar
uma carta? Talvez o silêncio fosse a melhor solução.
Frannie refletia sobre os métodos com a mesma
freqüência como pensava na resposta. Jack estava certo e
ela teria de retrucar com uma sonora negativa, mas
Sterling a intrigava. Não havia explicação lógica para o
fato. Os dois pertenciam a mundos opostos. Mas por que
ele fora o único que atraíra sua atenção em meio a tantos
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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convidados que lotavam o salão de Luke? E o mais
importante. Por que fora notada, apesar de todos seus
esforços em contrário?
Por que os homens podiam procurar os prazeres com
várias mulheres e elas tinham de conhecer apenas um?
Porém na região de Londres onde ela e os amigos haviam
crescido, as garotas ficavam com um rapaz por algum
tempo e depois se envolviam com outro. Sua amiga Nancy
fizera isso e não fora repudiada. Frannie supôs que o preço
para ser aceita na sociedade fosse seguir as regras de boa
conduta e que as damas deveriam preservar sua castidade,
o que para ela seria impossível.
Ela fora violada fazia dezoito anos. Ao longo do tempo,
os pesadelos sobre aquela noite terrível haviam diminuído,
mas a lembrança ainda não se apagara. No entanto ela não
temia os homens e conhecia a paixão e a ternura que
acontecia entre homens e mulheres.
Jim fizera questão de mostrar a ela, alguns anos
atrás. O Dodger's tinha uma sala de observação onde os
homens que desejavam demonstrar suas proezas atuavam
com uma dama de sua escolha enquanto clientes
observavam escondidos em cantos escuros ou através de
discretos olhos-mágicos. Jim a convidara a espiar
enquanto ele fazia amor com uma jovem.. Fazer amor fora
o termo que ele empregara para explicar como poderia ser
o relacionamento. Aquela noite ele lhe dera um presente
espantoso.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Frannie sempre soubera que sua experiência aos doze
anos não fora normal e depois de observar Jim com
Prudence, perdera sua relutância em relação aos homens.
Ainda assim, não conhecera nenhum homem com quem
desejasse fazer amor. Até conhecer Sterling Mabry, um
duque, e o último homem que ela deveria desejar.
Seria o toque do proibido que a atraía ou haveria algo
mais?
Céus, ela acabaria louca de tanto pensar nisso e seria
mais sensato verificar os registros de devedores!
Nesse momento, percebeu uma anotação feita com a
letra quase indecifrável de Jack. Então era isso!
Frannie pegou o volume, saiu de sua sala e entrou na
de Jack, que também trabalhava até tarde. Ele estava
sentado atrás da escrivaninha, fazendo contas.
— O que significa isso? — ela indagou, brusca, e
levantando a brochura.
— O que? — Ele franziu a testa. Ela largou o livro em
cima do dele.
— Aqui diz que Greystone foi excluído do quadro de
associados.
Jack virou-se para trás, pegou uma das garrafas e
encheu o copo que estava em cima da mesa.
— Não gosto dele.
— Jack...
— Frannie. — Ele bebeu o uísque e fez menção de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
53
servir-se novamente, mas Frannie agarrou o copo.
— Mas que droga, Frannie! — Jack recuou, pegou um
pedaço de papel e enxugou as gotas espalhadas. — Este é
meu melhor uísque, por que desperdiçá-lo?
— Todas as suas bebidas são as melhores. Eu o aviso
de que vou reintegrá-lo na lista dos freqüentadores.
— Eu desfarei tudo. — Ele a fitou com raiva.
— Você não pode cancelar o registro de cada homem
que se interessa por mim. — Nenhum manifestara vontade
de conhecê-la melhor até o momento, mas ela precisava
dar importância à frase.
— Ele fez mais do que demonstrar interesse.
— Sei que está tentando proteger-me e eu o amo por
isso, mas você está errado. Sei como me defender.
Jack fitou-a por um momento e Frannie sabia que ele
desejava prosseguir a discussão.
— Devolva-me o copo.
Frannie obedeceu. Jack jamais admitiria seu erro,
porém o fato de mudar de assunto significava uma vitória
para ela. Além disso, Jack tinha assuntos importantes para
resolver. Um de seus clientes, o duque de Lovingdon,
deixara para Jack todas as propriedades não vinculadas
aos bens inalienáveis. E Jack, desconfiado como sempre,
suspeitou de sua boa sorte e pretendia analisar cada
aspecto do legado.
— Você mandará uma mensagem a Greystone ou eu
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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mesma terei de fazê-lo?
Jack não respondeu, mantendo o olhar feroz.
— Suponho que eu terei de tomar a iniciativa.
Greystone será incapaz de decifrar sua letra. Você não fez
nada com ele, fez?
— Não fiz.
— Jure.
— Por Deus, Frannie, eu disse que não. — Ele a fitou.
— Você ainda carrega o punhal que lhe dei?
Frannie bateu no quadril onde uma bainha estava
escondida sob a saia.
— Sempre.
— Faz muito tempo que não nos exercitamos.
Poderíamos fazê-lo amanhã, para ter certeza de que você
não esqueceu como usar a arma.
— Sei como usá-la.
— Lembre-se, o objetivo não é ferir, mas matar. Não
se preocupe pelo fato de ele ser um maldito nobre. Jim
dará um jeito nas investigações.
Jack sugeria que ela matasse Sterling? Uma sugestão
primorosa.
— Se Greystone pretendia aproveitar-se, ele o teria
feito na biblioteca quando... — Frannie deu-se conta de ter
falado demais.
— O que ele fez na biblioteca de Luke?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Conversou.
— O que ele disse?
— Que eu era interessante. — Ela pegou seu livro e
apertou-o junto ao peito. — Devo interrogá-lo a respeito
de seu encontro com a jovem duquesa de Lovingdon?
— Isso é diferente. A viúva não está tentando tirar
vantagem de mim.
Frannie anuiu. Por mais estranho que pudesse parecer,
ela não tivera a impressão de que Sterling quisesse
aproveitar-se dela. Ele queria dar e receber algo que
poderia ser agradável para os dois.
— Boa noite, Jack. — Ela se virou e...
— Frannie, meu coração está no lugar certo. Era muito
difícil ficar com raiva dos meninos.
— Eu sei.
Frannie voltou à sua sala e escreveu oito cartas
endereçadas a Sterling até finalmente encontrar os
termos certos que não fossem exagerados nem pouco
ilustrativos, e que não denunciassem seus próprios
sentimentos sobre a situação. Aquela era uma questão de
negócios.
Ela levantou-se da cadeira e atravessou a sala. Pegou
a capa que estava pendurada perto da porta, jogou-a sobre
os ombros, saiu do escritório e foi para o vestíbulo que
nunca permanecia muito sossegado. As atividades
exuberantes do salão de jogos que tinham lugar atrás da
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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porta fechada dos fundos ecoavam pelo prédio. Ela já se
acostumara com os ruídos e mal os escutava. Do lado
oposto do saguão ficava a porta que dava para fora.
Ela a destrancou e foi para a varanda onde a lamparina
acesa lançava uma luz fantasmagórica na alameda escura.
Trancou a porta e, sem pegar a lamparina, atravessou o
caminho que conhecia como a palma da mão. Seu quarto
ficava à esquerda, subindo a escada. Usou outra chave para
abrir a porta e entrou. O apartamento de Jack era
contíguo ao dela, mas ele não ficava ali desde que herdara
a bela residência de St. James.
Ela fechou e trancou a porta, foi até a mesa que ficava
a um canto do cômodo e acendeu uma lamparina. Com um
suspiro, pendurou o manto e começou a tirar a roupa
enquanto caminhava para o local onde dormia. O recinto
era pequeno e simplesmente mobiliado como seu escritório.
Havia um sofá, uma cama, uma penteadeira, algumas
cadeiras e duas mesas pequenas. Ela não precisava de
muito para ser feliz.
Frannie se lavou, vestiu a camisola, sentou-se junto à
penteadeira e começou a escovar os cabelos. Detestava
aquela cor e o excesso de cachos que os tornavam
rebeldes. Imaginou se Sterling os considerara sem graça.
Inclinou-se em direção do espelho. Os olhos verdes eram
o que tinha de melhor. Lembrou-se da freqüência com que
Sterling os fitara. Poderia ele perder-se naquele olhar? O
que ela teria de fazer para que isso acontecesse?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Contudo não queria que ele se perdesse apenas no
olhar, e sim nela, o que era um desejo perigoso.
Ela gemeu, levantou-se e levou a lamparina até a mesa
de cabeceira. Deitou-se sob os lençóis, apagou o pavio e
olhou a escuridão acima de sua cabeça. Logo lhe veio a
imagem de Sterling vindo por cima dela, despido e exibindo
a pele bronzeada.
Com mais um gemido, ela se virou de lado. Quando
conseguiu adormecer, sonhou que mandara para ele uma
carta diferente da que escrevera. Uma onde estava
escrita apenas uma palavra.
Sim.
Capítulo III
Catherine encontrava-se sentada na biblioteca que
fora de seu pai e agora então pertencia a Sterling, e
reparava nas mudanças de seu irmão que estava em pé
junto à janela bebendo conhaque e olhando o sol do
entardecer. Os cabelos dourados dele haviam escurecido,
o que o fazia parecer mais velho do que seus vinte e oito
anos. Os ombros estavam mais largos como se ele houvesse
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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enfrentado trabalhos pesados nas viagens pelos
continentes. Havia uma pequena cicatriz abaixo do olho
esquerdo e Sterling perdera a capacidade de sorrir.
De todas as mudanças que haviam ocorrido durante os
anos em que ele se ausentara, a última cortava-lhe o
coração.
— Então você tratará disso? — ela perguntou ao irmão.
Assim que ela fizera o pedido, ele se levantara da
poltrona que ficava atrás da escrivaninha, servira-se de
uma dose de conhaque e fora até a janela.
Ele se virou e fitou-a, como se duvidasse da sanidade
dela.
— Deixe-me ver se entendi. Você pretende que eu
tome providências para que as duzentas libras mensais
estipuladas por nosso pai em testamento para serem dadas
a você sejam transferidas para a srta. Frannie Darling.
— Exatamente.
— Ela a está chantageando?
— Não seja tolo, Sterling, é para o orfanato dela!
Entendo que eu poderia dar a ela o dinheiro, mas dessa
maneira parece mais eficiente, e ela saberá que pode
contar com a quantia todo dia primeiro de cada mês.
O pedido dela servia como desculpa para visitá-lo e
talvez para atraí-lo de volta à sociedade. O fato de
Catherine precisar de uma desculpa para ver o irmão era
um atestado da tensão existente no relacionamento de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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ambos. Afinal, ele era seu irmão e ela não o vira nem uma
vez nas duas semanas que se seguiram ao casamento. Na
verdade, ela não vira mais ninguém.
— Papai queria que você tivesse dinheiro para manter
sua independência — Sterling afirmou.
— Estou casada com um dos lordes mais ricos da
Inglaterra...
— O que não garante sua independência.
Era uma verdade irrefutável. O desejo dela em ajudar
a duquesa de Avendale a escapar de um casamento
horrendo levara Catherine à porta de Luke Claybourne.
— Sinto muito, Catherine, mas não posso alterar a
vontade de papai, mesmo a seu pedido. Poderá chegar uma
época em que você precisará ter seus próprios meios de
sobrevivência. Enquanto isso, mande a quantia desejada
para a srta. Darling, se não precisa do dinheiro.
— Por que você é tão teimoso? O dinheiro é meu e
posso fazer com ele o que eu quiser.
— Como seu irmão, estou encarregado de assistir ao
seu bem estar e impedi-la de agir erroneamente.
— Não mais, Sterling, lembre-se de que estou casada.
E quanto ao amor por mim ou por outra pessoa? Eu soube
que você esteve em Londres por no mínimo quatro meses e
mesmo assim não visitou nosso pai. Não era segredo que
ele estava doente e você sabia disso.
— Mandou fazer verificações?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Não propositadamente. Mas desde que seus amigos
mais recentes conheciam o lado obscuro de Londres, ela
contava com informações úteis algumas vezes.
— Estou tentando entender o que aconteceu com o
irmão que me deu de presente uma pedra mágica para
proteger-me dos pesadelos quando eu acordava chorando
como uma criança depois da morte de mamãe. Não tenho
certeza se ainda o conheço.
— Pois dê graças a Deus.
— O que está querendo dizer com isso?
Ele foi até o aparador e tornou a encher a taça.
— Assunto encerrado? Não pela metade.
Catherine levantou-se da poltrona com graça e decidiu
usar uma tática diferente. O título de Sterling era um dos
mais poderosos da Inglaterra, o que acarretava influência
e valor. O pai deles ficaria muito desapontado se Sterling
vivesse à margem de seu potencial.
— Você não gostaria de fazer-nos companhia amanhã?
Claybourne e eu vamos ao orfanato ajudar Frannie a
receber a mobília. Um par de mãos extras será bem-vindo.
— Você não está sugerindo que eu me rebaixe a ponto
de me engajar em um trabalho manual, está?
— Estou sugerindo que se envolva em uma obra
benemérita. Frannie pretende estabelecer um lar para cem
crianças.
— Não sei o que tenho a ver com isso.
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— Se você não entende, certamente não poderei lhe
explicar. — Decidida a não recuar diante do tom de enfado,
ela rodeou a mesa, abriu uma gaveta e tirou uma folha de
papel.
— O que está fazendo?
Ah, finalmente uma ponta de interesse. Talvez nem
tudo estivesse perdido.
— Vou escrever o endereço com esperança de que você
mudará de idéia e virá nos ajudar. Descobri, Sterling, que
se envolver nesse tipo de trabalho pode mudar a
perspectiva de vida.
— Não preciso mudar nada.
Catherine estava certa de que se tratava de um
engano. Ela escreveu o endereço, deixou a caneta de lado
e aproximou-se do irmão.
— Eu gostaria de saber a respeito do que você e papai
discutiram.
Catherine acreditava que a atual atitude de Sterling
estava de alguma forma relacionada com o que acontecera
antes de ele partir. Ele e o pai haviam se envolvido em uma
forte discussão em uma noite. Ela escutara o ódio ecoar
pelas paredes, mas não entendera as palavras. Na manhã
seguinte recebera uma carta de Sterling pedindo para ela
não se preocupar, mas que ele decidira viajar pelo mundo.
Ela não o vira mais até depois da morte do pai. Sterling
desviou o olhar.
— Como eu lhe disse antes, Catherine, isso não é de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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sua conta.
— Por quê? — Ela viu o músculo do queixo dele se
mover. Tocou no braço dele e sentiu-o retesar-se.
— Eu o amo, Sterling. Se eu puder fazer alguma coisa...
— Deixe-me em paz.
— Então você não está em paz? Sterling suspirou.
— Você se tornou uma jovem irritante.
Ela sorriu com esperança de tocar o local onde antes
existira um coração.
— Você não tem idéia do quanto.
— Mais um motivo para eu não atender a seu pedido e
não permitir que seu dinheiro seja desviado. Claybourne se
cansará de você em pouco tempo.
Ela riu.
— Ele gosta que eu seja voluntariosa e determinada.
Eu gostaria que você o conhecesse melhor.
— O conde diabólico? Ele é um, assassino, Catherine.
— Sim, ele matou um homem...
— O tio dele.
— ...por um bom motivo — continuou ela. — Não há nada
que eu não admire em meu marido. Acho que os dois se
dariam muito bem, se você lhe desse uma chance.
— Pelo contrário, acho que ele não gostaria de mim,
assim como seus amigos me detestam.
Ela franziu a testa.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
63
— Por que tem essa impressão dos amigos dele?
Sem comentários, Sterling voltou até a janela, com a
taça novamente cheia.
— Se precisar de mim, mande me avisar. — Catherine
pegou a pequena bolsa da mesa ao lado da poltrona onde
estivera sentada.
— Cuide de sua vida, Catherine, não preciso de você.
— Nós sempre precisamos uns dos outros, Sterling.
— Pois eu espero que tal coisa não aconteça comigo.
Sim, seu irmão precisava de algo ou de alguém, pensou
Catherine com amargura antes de sair.
Frannie Darling.
No momento era que Catherine mencionara aquele
nome, Sterling desejou que a irmã fosse embora. Ele
saboreou as imagens de Frannie que vieram à sua mente e
apesar das ameaças que recebera, não estava disposto a
desistir de tornar-se íntimo dela.
Depois da saída de Catherine — felizmente ela não
viera antes das marcas do encontro desagradável com Jim
desaparecerem — Sterling trocou o conhaque refinado por
uma garrafa de uísque e foi para o jardim.
Frannie Darling.
O nome desencadeava em sua mente as poucas
memórias dela que estavam guardadas.
Uma noite com ela era tudo o que ele desejava. O que
era essa loucura que o atingira desde que a conhecera? Os
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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cabelos de Frannie eram rebeldes como se ela estivesse na
cama, os olhos verdes como a primavera, os lábios carnudos
e maduros prontos para serem saboreados. O sabor dela
cedera lugar ao conhaque que vinha bebendo em um
esforço para calcar a impaciência enquanto ela analisava a
proposta dele.
Havia poucos dias recebera uma mensagem de Frannie
e uma ansiedade fora do comum o acometera. Até abrir a
carta.
Caro Duque de Greystone,
Sua adesão como membro do clube Dodgers foi
restabelecida.
Sem mais para o momento, Frannie Darling.
Extremamente formal. Nem uma indicação referente
à sua proposta. Desde então, não conseguia esquecê-la.
Largou-se no banco nos fundos do jardim e levou a gar-
rafa aos lábios. Uma maneira nada civilizada de beber, mas
ultimamente ele se sentia à margem da civilização.
Sterling passara aquelas duas semanas dentro de casa
esperando que sumissem os hematomas do olho e da face.
Por seu status, não precisava despertar suspeitas nem
boatos sobre o envolvimento em alguma briga, ainda mais
com o aspecto de um perdedor. Bom Deus, ele por pouco
não fora atacado por um gorila na África e fora atacado
por um tigre na Índia, mas nenhuma dessas criaturas
parecera tão perigosa quanto Jim Swindler.
Se ao menos ele tivesse percebido a aproximação do
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
65
golpe, poderia ter se desviado ou se defendido, mas nada
pudera fazer. O que o levou a refletir que no final de sua
adolescência, sua visão começara a dar sinais de cansaço.
No começo parecera um fato sem importância e ele tivera
dificuldade para enxergar à noite. Os óculos de nada
adiantaram e a visão periférica começara a desgastar-se
até ele ter a impressão de usar antolhos permanentes.
Testara seus limites durante suas viagens de maneira que
não poderia fazer em Londres ou em suas propriedades
rurais. Aquela altura, tinha dificuldade em admitir que não
podia mais controlar alguns aspectos de sua vida.
Talvez fosse esse o motivo por ter se oposto ao pedido
de Catherine. Ele não queria que a adorável Frannie
ganhasse independência financeira e rejeitasse sua
proposta. Ela teria de precisar muito da ajuda dele, assim
como ele desejava ficar com ela. O dinheiro era um forte
incentivo. Se fosse ao orfanato, teria oportunidade de
relembrá-la da oferta. Poderia até sugerir uma ajuda aos
órfãos...
Frannie encararia a atitude como um insulto? Ela
imaginaria que a aceitação de um presente dele seria uma
troca para uma noite de prazer em seus braços? Talvez
devesse esperar um pouco mais de tempo do que o
planejado, mas acabaria por seduzi-la. No futuro, não
poderia ter tudo o que quisesse, mas esse tempo ainda não
havia chegado.
Satisfeito com os rumos de seu plano, tomou o
restante do uísque e recostou-se no banco. Teve um
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
66
momento de pânico ao notar a escuridão. Fora uma tolice
sair tão perto do anoitecer. Ficara tão absorto ao pensar
em Frannie que não notara a luminosidade diminuir.
Levantou-se e focalizou as luzes das janelas de sua
casa, mas teve dificuldade em visualizá-las. A noite era
sempre mais difícil de se locomover, mas se fosse
devagar...
Parecia que ele ia mais devagar à medida que o tempo
passava. Não fora uma extravagância a ânsia por Frannie.
Ele precisava se casar enquanto ainda podia dar a
impressão de não ter problemas de visão. O que significava
que precisava provar com urgência as delícias de todos os
detalhes sensuais de Frannie Darling.
Sterling não esperava a longa fila de carroças dos
quais seu cocheiro teve de desviar-se para atravessar os
portões do orfanato. Também não poderia supor que esse
lar para crianças nas cercanias de Londres fosse tão
grande e exibisse tão bela arquitetura. Como não imaginara
que houvesse tantas pessoas carregando mobília para
dentro.
O cocheiro parou a carruagem e Sterling desejou não
ter vindo. Por sua visão prejudicada, multidões haviam se
tornado a maldição de sua existência.
Um criado abriu a portinhola e Sterling não chegou a
pedir ao homem que ordenasse ao cocheiro a volta para
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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casa. Ele viu Catherine e ela também o viu. A alegria da
irmã somente aumentou sua inquietação.
— Oh, Sterling, você veio!
Ela se aproximou correndo e Sterling entendeu que
não havia escolha. Teria de agüentar por alguns momentos
todas aquelas pessoas e a agitação barulhenta. Apeou com
agilidade e virou a cabeça para ver se os criados já haviam
desembarcado da carruagem e estavam aguardando
ordens. Refletiu que Frannie ficaria satisfeita pela
generosidade dele em oferecer a ajuda de sua criadagem...
Estupidez. Por que sentia essa necessidade absurda
de impressionar uma mulher das ruas? Seria suficiente
desejá-la. A maioria das mulheres se sentiriam lisonjeadas
com sua atenção e nada mais exigiriam.
Catherine parou diante dele. Ela usava luto pela morte
do pai e o vestido dela mais parecia o de uma criada. Ela
estava com o nariz e uma das faces sujos, e os cabelos
pareciam a ponto de despencar dos grampos. Entretanto
ele nunca a vira mais feliz.
— Eu trouxe criados para ajudar — Sterling disse com
rispidez.
— Percebe-se. Frannie vai adorar. Vamos entrar,
quero que ela veja que você está aqui.
— Você disse a ela para me esperar? — Se ele mudasse
de idéia, ela certamente ficaria desapontada.
— Claro que não, mas ela é guarda-livros e tem por
costume anotar tudo. Por isso ela vai querer saber que você
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
68
veio ajudar.
Enquanto o conduzia para a entrada, Catherine
tagarelava sobre o trabalho que precisava ser feito.
Sterling entendeu por que Catherine queria que seu
dinheiro fosse para esse empreendimento. O custo de
manutenção seria imenso e Frannie certamente precisaria
de financiamento para a obra. O salário dos guarda-livros
não era tão grande.
Enquanto eles entravam no prédio, Luke Claybourne
que se preparava para sair, parou.
— Vossa Graça, que surpresa inesperada.
— Por sua própria natureza, as surpresas são
inesperadas — Sterling afirmou, aborrecido por Luke
parecer tão à vontade nesse meio, enquanto ele se sentia
tão fora de seu elemento.
— Se quiser, deixe seu paletó no canto do escritório,
arregace as mangas e...
— Eu trouxe alguns criados.
— Frannie ficará contente com mais pessoas para
trabalhar.
— Onde ela está? — Catherine perguntou.
— Acho que está lá em cima, mas vai descer logo.
— Quero que ela saiba da presença de Sterling.
— Milorde sabe que ela é muito preciosa para nós —
Luke disse com olhar estreitado.
Outro aviso? Ele não sabe que já recebi um?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Assim como Catherine é para mim — Sterling
respondeu.
Catherine suspirou.
— Não sei por que os dois sempre têm de desconfiar
um do outro.
Talvez por eles conhecerem o pensamento masculino.
Sterling, aborrecido pelo encontro, resolveu ir embora,
mas de repente tudo mudou. Ele olhou na direção da escada
e viu Frannie em um dos degraus do meio. Jim Swindler,
que vinha na frente, parou e olhou para trás.
A memória de Sterling não fizera justiça a Frannie.
Pessoalmente os cabelos dela eram de um vermelho intenso
e seu olhar era ainda mais verde. O vestido, abotoado até
o queixo, deixava tudo para a imaginação de um homem,
fazendo-o refletir se tudo em que pensava existiria na
verdade sob as camadas de tecido. Nada seria mais
satisfatório do que abrir cada um daqueles botões e
descobrir os tesouros ali ocultos.
Jim olhou para Sterling, disse qualquer coisa para
Frannie que fitou o amigo e sorriu. O movimento vagaroso
dos lábios de Frannie deixou Sterling com vontade de
ajoelhar-se. O que haveria de errado com ele? Frannie nem
se preocupava em derramar seu charme e assim mesmo ele
estava encantado.
Frannie recomeçou a descer os degraus acompanhada
por Jim que, atento, tentava descobrir o estranho elo que
parecia unir Sterling a Frannie. Sterling sabia não contar
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
70
com a aprovação dele e deu-se por satisfeito que os
hematomas houvessem sumido.
— Vossa Graça — Frannie cumprimentou Sterling com
uma leve mesura e parou diante dele.
Como Catherine, ela estava com uma mancha na face,
e Sterling levou as mãos às costas para não ser tentado a
limpar a sujeira que aumentava ainda mais o encanto dela.
Sterling fez uma reverência.
— Srta. Darling, eu trouxe seis criados para ajudá-la
em sua tarefa.
— Muita bondade sua. — Frannie virou-se ligeiramen-
te. — Vossa Graça já foi apresentado ao inspetor Swindler
da Scotland Yard?
— Já nos conhecemos — Sterling respondeu, seco.
Frannie franziu a testa ao fitar com suspeita os dois
homens.
— Entendo. Milorde gostaria de ver o que estamos
fazendo?
— Nada me agradaria mais, obrigado. — Talvez eles
pudessem dispensar algumas formalidades.
— Jim, por favor, você poderia dar instruções aos
criados de milorde?
— Seria melhor eu ficar com você. — Embora falasse
com Frannie, ele continuava a analisar criticamente
Sterling.
— Estaremos bem, não se preocupe. Quanto mais
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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pessoas trabalharem, mais cedo a arrumação será
concluída e eu poderei cuidar da internação dos órfãos. —
Ela tocou no braço de Jim e Sterling teve uma necessidade
irracional de impedir o gesto. Não queria que ela
encostasse em outros, mas apenas nele. — Por favor.
Jim anuiu.
— Não posso recusar-lhe nada, sabe disso.
Ele se afastou, mas apertou o ombro de Sterling na
passagem. Embora devesse ter antecipado que uma
demonstração dessas aconteceria, Sterling continuou
impávido como se preferisse ignorar o aviso implícito.
— Vamos voltar ao trabalho. — Catherine passou o
braço no de Luke e afastou-se com ele.
Sterling ainda não tivera tempo de julgar o
relacionamento da irmã com o marido, mas pelo visto ela
não se constrangia de dar algumas ordens e seu cunhado
não se importava em segui-las.
— Lá em cima ficam os dormitórios e será enfadonho
visitá-los — Frannie explicou assim que os amigos se
afastaram.
— Nunca achei dormitórios enfadonhos.
Frannie corou, olhando o chão, e Sterling desejou ter
mordido a língua antes de falar. Ele a deixara
envergonhada. Trabalhar no Dodger's, onde era muito
comum mulheres fazerem companhia aos homens, na certa
a deixava ciente do que acontecia entre os casais. Ela ainda
se lembraria da proposta dele?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Suponho que eles devem ser parecidos uns com os
outros.
Frannie franziu o cenho e Sterling imaginou que ela
estivesse tentando decifrar se ele se referia à
familiaridade dela ou dele com dormitórios.
— Por onde a senhorita sugere que comecemos?
— Se quiser me acompanhar. — Ela o conduziu a um
vestíbulo e abriu uma porta que dava para um recinto com
prateleiras na parede.
— Deve ser a biblioteca — ele disse. — Adoro
bibliotecas.
Frannie tornou a corar e foi até uma janela grande por
onde se divisava um jardim com vários homens cuidando da
terra. Pelo visto Frannie estava determinada a deixar o
orfanato o mais parecido possível com um lar. Sterling
pensou em fechar a porta, mas depois dos avisos que
recebera seria melhor tomar cuidado para não ofender
ninguém nem causar má impressão. Além disso, se fechasse
a porta, poderia ser tentado a não agir como um cavalheiro,
pois na presença dela seu desejo se exacerbava.
— Estou surpresa com seu comparecimento — ela
falou em voz baixa e olhou-o. — Suponho que milorde veio
para ter uma resposta.
— Para falar a verdade, não sei por que vim. — Ele se
aproximou da janela e fitou Frannie. — Isso é mentira, sei
por que vim. Eu queria vê-la novamente.
— Estou todas as noites na casa de Jack Dodger e
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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cuido da contabilidade dele, como deve saber.
— Creio que se eu tentasse percorrer os corredores
barrados aos fregueses, encontraria resistência. Diga-me,
srta. Darling, onde mora?
— Tenho um apartamento nos fundos do Dodger's.
Sterling ouvira contar que Jack providenciava
acomodações para alguns de seus empregados. Na certa
ela gastava cada centavo de sua remuneração com o asilo.
Sterling observou os jardineiros cavando e plantando.
— Eu não esperava nada tão... esmerado. O terreno, o
prédio... não podem ter custado barato. Como pensa mantê-
los?
— Temos benfeitores. Luke, em particular, é muito
generoso. Vossa Graça não se interessaria em fazer uma
doação?
O verde do olhar travesso de Frannie adquiriu um
brilho ainda maior. O sol, que estivera ausente da outra
vez em que os dois estavam junto a uma janela, derramava-
se sobre seu rosto. Algumas sardas salpicavam o nariz
levemente arrebitado. Sterling pensou em desabotoar os
dois primeiros botões da blusa só para ver o pescoço dela.
Ansiava por uma noite com Frannie sem problemas de
horário.
— O quanto lhe agradaria, srta. Darling?
Frannie passou a língua nos lábios que ele desejava
experimentar novamente,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
74
— Estamos falando sobre uma contribuição para o
orfanato, não é?
— Sim.
— Isso viria sem condições nem expectativas de
receber algo em troca?
— Quem sabe um sorriso serviria como pagamento.
Quanto vale um sorriso para a senhorita?
Frannie não pôde esconder o desapontamento e
Sterling ensimesmou se a ofendera.
— É errado estabelecer um valor para coisas que não
devem ter preço.
— Tudo tem seu preço, srta. Darling. A senhorita devia
estar ciente disso, pela maneira como a foi criada.
— É muita presunção de sua parte, Vossa Graça,
acreditar que sabe a maneira como fui educada.
Sterling pensou em uma imprecação. Frannie estava
certa, ele nada sabia sobre a realidade da vida dela.
— Acho que consegui ofendê-la.
— Nós tivemos origem em mundos diversos. Vossa
Graça nunca se desfez de nada pelo simples prazer de
doar?
— Mesmo assim é possível haver uma permuta. Pode-
se doar alguma coisa e em troca receber alegria.
— Por esta noção, ver o sorriso poderia ser a única
recompensa e não deveria requerer pagamento.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— A senhorita é muito inteligente. Muito bem, doarei
quinhentas libras para sua causa.
— Obrigada, Vossa Graça, e por isso eu deverei sorrir
de coração.
Um sorriso radiante iluminou o rosto de Frannie.
Sterling gastaria dez vezes mais para não apagar aquele
sorriso, mas desconfiava de que o dinheiro não era a chave
para o coração de Frannie. Ele se assustou. Não era o
coração dela que o interessava, mas sim as curvas, a pele,
o calor...
Antes de convencer-se para não agir com insensatez,
ele a beijou e não foi surpresa descobrir que os lábios de
ambos se ajustavam perfeitamente. Havia duas semanas
sonhava com esse momento. Frannie tinha gosto de limão e
açúcar. Podia apostar que o antigo conde de Claybourne não
era o único a gostar de balas. Com um gemido surdo,
Frannie abriu a boca para Sterling e ele esqueceu de tudo
exceto da maravilha de tê-la novamente nos braços.
Frannie ajustava-se de encontro a ele como nenhuma
antes o fizera e como se lhe pertencesse. Sterling
recriminou-se por não ter fechado a porta antes.
Ela o abraçou pelo pescoço e entrelaçou os dedos em
seus cabelos. Sterling sentiu o desejo invadi-lo com uma
ferocidade cega; precisava conhecer a paixão de Frannie
em toda plenitude.
Arfante, Frannie afastou-se e ele só pensava em
abraçá-la e carregá-la até o coche. Ele precisava levá-la
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
76
para a cama e possuí-la aos poucos. O fogo da paixão do
olhar dela aumentava as chamas do próprio desejo.
Estivera com mulheres em todos os países por onde
viajara, mas não se lembrava de querer nenhuma mais do
que a ela.
— Venha comigo. — Sterling mal reconheceu como sua
a voz baixa e rouca.
Frannie sacudiu a cabeça.
— Não posso. Tenho responsabilidades aqui. — Ela
tocou o queixo dele como se quisesse outro beijo, mas
deixou cair a mão.
Sterling acariciou-lhe a face.
— Acho que menti sem intenção. Parece que vim para
saber sua resposta e agora a tive.
Ela abriu a boca para responder...
— Frannie?
Ela assustou-se com a voz de Jim. O inspetor estava
na entrada e flexionava as mãos.
— Temos algumas poltronas que não sabemos onde
deixar.
— Verei isso pessoalmente. — Apesar das palavras de
dispensa, Jim continuou no mesmo lugar, e Frannie voltou
a atenção para Sterling. — Se me der licença, preciso
tratar de alguns assuntos.
Sterling gostaria de impedi-la de afastar-se.
— Sim, claro.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Por favor, sinta-se à vontade para visitar nossas
dependências. — Frannie admirou-se pela calma que
demonstrava. Deu um passo adiante e olhou para trás. —
Encontre-me no jardim em dez minutos e terá sua
resposta.
Sterling observou-a afastar-se no vestido simples
que, por algum motivo, já não parecia tão simples. Ela tocou
no braço de Jim e o carinho entre os dois foi evidente.
Sterling flexionou os dedos e pensou que poderia derrubar
o inspetor com apenas um soco. Ele se tornara possessivo
como jamais ocorrera.
Jim fitou Sterling com raiva e seguiu Frannie até o
saguão. Sterling voltou a observar o jardim e pressionou a
palma na janela fria, porém seu sangue não parou de
ferver. Apenas um fato resolveria a situação: uma noite
com Frannie Darling.
Frannie encomendara a mobília, planejando
exatamente onde colocar cada peça e naquele momento ela
fitava a poltrona amarela de plush, sem saber se a mesma
fora destinada à sala de estar, à biblioteca ou a algum
escritório. Ela não conseguia raciocinar.
Vira nos olhos de Sterling que ele pretendia beijá-la e
em vez de desencorajá-lo ou escapar, ela ficara onde
estava e recebeu com prazer a boca que devastara a sua.
Ainda podia sentir o gosto, o cheiro e a pele de Sterling.
Ela queria estar com ele no jardim e desejava coisas
que não poderia ter.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
78
Escutou uma tossidela e virou-se. Jim esperava por
uma resposta e a analisava com desconfiança.
— Na biblioteca — ela decidiu depressa, pensando que
poderia mudá-la de lugar mais tarde. — Com licença...
Frannie não chegou a dar dois passos e Jim se pôs
diante dela, sem esconder a preocupação. O que não era
exatamente uma novidade, pois ele sempre a olhava como
se ela fosse um cristal pronto a se romper.
— Ele não é um dos nossos — Jim afirmou em voz
baixa.
— Catherine também não é, mas ela e Luke se dão mui-
to bem.
— Porque ele é um deles.
Frannie não podia recriminá-lo, porque pensara a
mesma coisa durante o casamento. Ela entendia e
agradecia a preocupação dos amigos, mas havia momentos
em que desejava liberdade absoluta, embora na única vez
em que procurara liberdade o final fora um desastre.
Provavelmente, a situação com Sterling acabaria da mesma
maneira: com tristeza.
— É tão óbvio o que Greystone deseja ou Jack lhe
deixou escapar algum indício?
Ele contraiu o maxilar e ficou vermelho, e Frannie
pensou na animosidade que ela sentira entre os dois
homens.
— Você conversou com Greystone? — ela o provocou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
79
— Enviei uma mensagem.
— De Jack.
— De nós dois.
Frannie os amava, mas eles tinham de entender que ela
era uma mulher adulta capaz de tomar suas próprias
decisões.
— Diga-me, por favor, qual foi a mensagem?
— Para ficar afastado de você.
O fato de ele ter obedecido até aquela data
despertou-lhe uma suspeita.
— O que foi que fizeram com ele?
Ele cerrou os dentes e olhou por cima da cabeça dela.
Frannie sentiu um misto de raiva, pavor e desapontamento.
— Você o machucou?
Jim jamais mentiria para ela.
— Não tanto como eu poderia ter feito — ele a fitou
—, nem tanto como eu gostaria.
Eles haviam enfrentado juntos uma infância difícil,
mas algumas vezes ela se cansava deles.
— Você confia em mim, Jim?
— Com a minha vida.
— Então acredite que saberei resolver o assunto.
— Não quero que você sofra. Ela sorriu com doçura.
— Também não quero sofrer.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
80
— Greystone não gostará do que você está fazendo.
Um dos meninos que trarei para cá esteve três meses na
prisão por roubar uma coroa. O pior é que ele não sabe a
diferença entre um xelim e uma coroa. Meus companheiros
de trabalho acham que estarão pondo um fim no crime ao
prender essas crianças por ninharias como roubar uma
maçã. Você deveria perguntar a seu duque quantas maçãs
ele roubou.
— Ele não é meu duque e por que ele haveria de
roubar?
— Pergunte a ele.
— Na biblioteca. — Frannie apontou a poltrona. Ele
anuiu e ela teve certeza de que era a contragosto.
— Obrigada, Jim, por se importar comigo.
Frannie encontrou Sterling no pátio, olhando o
trabalho dos jardineiros e teve a impressão de que ele
desejava dar-lhes conselhos. Por que os homens eram tão
implicantes?
Ela se aproximou, mas Sterling, absorto na tarefa dos
homens que cavavam o solo; não percebeu sua presença,
dando a ela a oportunidade de observá-lo. Ele tinha traços
bem definidos, nariz aquilino e queixo forte. E uma pequena
cicatriz na face, da qual ela não se lembrava. Seria uma
conseqüência da visita de Jim Swindler?
Os cílios era mais escuros do que os cabelos e ela
refletiu se os cabelos escureceriam com o tempo. Eles se
tornariam grisalhos ou brancos? A cor grisalha era mais
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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distinta. Afinal ele viajara pelo mundo e assumiria seu
lugar na Câmara dos Lordes. Sterling era um homem que
faria toda a diferença se ele se empenhasse. Sua
determinação era evidente pelo interesse com que
verificava uma tarefa tão simples como cavar a terra,
excluindo todo o restante.
— Não creio que essas flores terão um perfume tão
inebriante quanto o seu — ele disse em voz baixa.
Sterling tinha o poder de fazer o coração de Frannie
disparar, sem encostar nela.
— Eu pensei que nem houvesse notado minha presença.
Ele virou ligeiramente a cabeça para ela e sorriu.
— Estou sempre consciente de sua proximidade.
Frannie gostaria de ter mais experiência com flertes
para jogar no mesmo nível.
— Nosso pequeno jardim deve empalidecer se
comparado com todas as plantas exóticas que milorde viu
em suas viagens.
— Nada é mais bonito do que um jardim inglês... exceto
a mulher que está dentro dele.
A satisfação aqueceu as faces de Frannie, mas ela
crescera em um mundo onde cada palavra, ato ou proeza
era um estratagema para ganhar alguma coisa a que não se
tinha direito.
— Vossa Graça, eu nunca me deixei impressionar por
falsas lisonjas.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Eu me entristeço por entender que a senhorita
rotula minhas palavras como não verdadeiras. Isso me leva
a crer que não está ciente de sua atratividade. Eu lhe
asseguro, srta. Darling, que a acho adorável. — Ele se
inclinou para sussurrar: — Não tenho por hábito beijar
bruxas.
Frannie evitou dar risada, procurou não se deixar
seduzir e sentiu-se corar.
Sterling deu-se conta da proximidade dos jardineiros
e conduziu Frannie para um local onde não pudessem ser
ouvidos.
— A senhorita tem um belo pedaço de terra.
— Meus planos incluem um bom espaço. — Frannie se
sentiu mais à vontade falando sobre seu trabalho. — Quer
conhecer a área?
Ela desejava afastar-se dos camaradas, por intuir que
a conversa se tornaria muito pessoal. Sterling ofereceu-
lhe o braço e ela não se surpreendeu com a firmeza do
mesmo. Sentira a energia dos braços dele quando ele a
enlaçara. Ah, como ela gostaria que o fato se repetisse!
— Vossa Graça está em boa forma — ela afirmou
quando começaram a andar.
— Eu escalei uma montanha, srta. Darling
— Verdade? Ele sorriu.
— Bem, pelo menos era uma colina muito alta.
— Nem posso imaginar as coisas que Vossa Graça já
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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viu.
— Elas foram realmente notáveis, mas de novo, não
tanto como a senhorita.
Frannie tornou a corar.
— Perdoe-me, srta. Darling, mas gosto de vê-la
enrubescer. Não imaginava que uma pessoa criada nas ruas
pudesse corar com tanta facilidade.
— Eu era bem jovem quando deixei as ruas.
— Mas elas nunca a abandonaram completamente, não
é? — Sterling fez um gesto largo para encampar as terras
que a ela pertenciam. — Esse seu trabalho diz tudo.
Frannie ficou impressionada com a sensibilidade de
Sterling que entendia a importância de seus planos.
— Tem razão, um lar para os meninos é apenas o
começo.
— Ela apontou o oeste. —Ali planejo construir um
dormitório para meninas. E com o aumento das crianças,
construiremos uma enfermaria e uma escola. No momento,
teremos de usar recintos do prédio atual para essas
finalidades, mas acabaremos ficando com espaço pequeno,
o que não me deixa satisfeita. Eu preferia que não
houvesse órfãos nem crianças perdidas.
— E por que fez deles a sua causa?
Frannie não sabia se Sterling se interessava
verdadeiramente pelo assunto ou se pretendia apenas
prolongar o passeio. Mas ela aprendera a nunca perder uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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oportunidade e se pudesse fazer um duque se interessar
por sua causa, estaria um passo adiante rumo à vitória.
Afinal ele, como Luke, ocupariam um lugar na Câmara dos
Lordes. Seus órfãos seriam defendidos, pelo menos, por
duas vozes.
— Meus amigos mais queridos são órfãos e se não
fosse por Feagan, eles teriam vivido ou provavelmente
morrido nas ruas.
— A senhorita não é órfã?
Como responder a isso? Seria melhor ter sido
abandonada ou ter um pai desonroso? Por que se importava
com a opinião de Sterling sobre ela ou sua família? Talvez
por ele saber quem eram seus pais, avós e ancestrais
durante várias gerações. Assim como Luke tinha dentro de
casa retratos de seus antepassados, Sterling também
deveria ter.
— Não sei se eu era órfã ou se fui roubada. Isso
também acontece, sabia? Homens roubam crianças para
servir a seus propósitos nefandos. Mesmo Feagan, que nos
deu casa e comida, ficou conosco pelo que poderíamos
fazer por ele. Quando não se faz parte das ruas, não se
pode saber quantas crianças perdidas vagam por elas.
Mesmo os que não são órfãos, têm pais horríveis. Aquele é
um mundo de medo e de imundície, e uma criança não tem
condições de escapar dele. Elas acreditam em promessas
que jamais serão cumpridas e acabam na prisão. São
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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transportadas para colônias penais. Com meu empreendi-
mento, poderei ajudar mudar o destino de algumas
crianças e não posso deixar de acreditar que a Inglaterra
será melhor por isso.
Como de costume, Frannie se inflamava tanto com o
assunto a ponto de ficar sem ar. Eles pararam de andar e
Sterling postou-se à frente dela. Frannie lembrou-se de
que eleja fizera isso antes para poder encará-la. Era uma
atitude que a agradava. Sterling não desviava o olhar
quando conversava.
— A senhorita vem fazendo um trabalho admirável.
— Não faço isso para receber elogios. Não me importo
nem um pouco se o crédito de minha obra for para outra
pessoa. Eu me preocupo apenas com as crianças.
— E eu receio estar competindo com outros homens
por sua atenção. O inspetor Swindler, por exemplo.
— Jim e eu somos apenas amigos.
— Não sei se essa é a opinião dele.
Claro que era. Ou não? Mas Jim não era o motivo de
ela finalmente ter decidido qual resposta daria ao duque.
— Minha resposta à sua proposta é "não". Sabe a que...
— Sei exatamente qual foi minha pergunta e a
senhorita foi a única a quem propus isso. — Ele não pareceu
ter raiva, mas sim desapontamento. — Terá de perdoar-
me, srta. Darling, mas não sei por que uma noite em meus
braços roubará algo que pretenda completar com bom
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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êxito.
— Uma garota nas ruas não dá importância a deitar-se
com um homem. Vim das ruas, mas gosto de pensar que não
estou mais lá.
Sterling anuiu.
— Eu a ofendi com minha proposta.
— Não, por mais estranho que possa parecer. Sinto-
me lisonjeada, mas quando eu me deitar com um homem,
prefiro que ele me queira por mais de uma noite.
— Isso poderá ser arranjado.
Frannie não podia explicar por que ele a atraía ou por
que ela achava deliciosa aquelas palavras depravadas. Até
mesmo Luke, que já lhe propusera casamento, nunca
deixara transparecer que a desejava. Sterling a desejava,
mas não a amava. Talvez não tivesse nenhum tipo de
afeição por ela. Mas a desejava e ser desejada era uma
experiência nova para ela.
— Vossa Graça é encantador, mas não creio que
combinemos.
— Se Claybourne não estivesse vindo para cá, eu
poderia tentar convencê-la do contrário com outro beijo.
Mas como eu insisti para que ele se casasse com Catherine
depois de vê-los aos beijos, suspeito de que ele possa não
compreender uma paixão que eu não possa controlar.
Fosse ou não verdade, Sterling acabava de confirmar
que casamento jamais seria uma opção para eles. Ele queria
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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seu corpo, mas não seu coração e, no entanto, ela não se
sentia insultada. Frannie era realista e não uma sonhadora.
Entendia que eles vinham de esferas diferentes.
Sterling ergueu-lhe a mão e beijou-lhe os dedos.
— Se mudar de idéia...
Frannie viu o olhar escurecido e teve uma resposta
sobre a qual matutara. Ela recusara, mas ele voltaria a
insistir.
Capítulo IV
Desapontado com a resposta de Frannie, Sterling
decidiu prosseguir com sua vida e resolver assuntos mais
importantes. Por esse motivo aproveitou para ir ao baile
daquela noite, pois a temporada estava próxima de
terminar. Queria verificar o que se passava com as jovens
aristocratas que ainda estavam no mercado matrimonial.
Essas festas eram destinadas a exibir a última safra das
donzelas em idade de se casar.
Considerando o que ele tinha para oferecer, achava
que não devia sonhar muito alto. Mas sob outra
perspectiva, sua esposa seria a mãe de seu herdeiro e sua
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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companheira. E, se fosse o caso, ainda poderiam ter mais
um filho. Como desprezava o primo que ficaria o título se
não houvesse herdeiro legítimo, Sterling pensava em uma
mulher de boa cepa.
Observou os casais que circulavam numa pista de
dança e considerou que desposar uma jovem sem atrativos
seria um erro, pois elas sempre pareciam agradecidas
demais. Precisava de uma jovem segura que desse valor a
si mesma. Era imperativo que não exigisse amor e que não
se apaixonasse por ele. Amá-lo seria um caminho certo
para o desastre.
Embora não pudesse ver quem se aproximava, a
fragrância exagerada anunciou bem antes a chegada.
— Vossa Graça?
Sterling virou-se e sorriu para a anfitriã.
— Lady Chesney.
A dama sorridente igualava o marido em volume
corporal, o que não era para se surpreender. A residência
dos Chesney tinha a melhor cozinha de Londres.
— Sentir-me-ei honrada em apresentar-lhe algumas
damas que estão precisando de parceiros para dançar.
— Agradeço sua oferta, mas tenho as pernas
enferrujadas. Prefiro observar o baile.
— Ah, Vossa Graça, lembro-me de como era arrojado
nas pistas de dança. Não se pode esquecer os dons
naturais.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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— Lady Chesney, esta é a primeira recepção a que
compareço desde meu retorno a Londres. Prefiro voltar
sem pressa à vida social.
— Mas este é um baile, Vossa Graça. Lady Charlotte é
uma ótima dançarina. Tenho certeza de que milorde
apreciará rodar com ela...
— Não quero dançar — Sterling retrucou com certa
rudeza, sabendo que seria incapaz de movimentar-se com
elegância.
Lady Chesney levou a cabeça para trás, arregalou os
olhos e Sterling fez uma mesura.
— Peço-lhe perdão, mas ainda estou de luto pela morte
de meu pai. Eu não me sentiria bem se me divertisse
dançando.
— Claro, desculpe-me. Eu não pensei nisso.
— Tenho certeza de que algumas pessoas devem estar
estranhando minha presença, sendo que meu pai faleceu há
pouco mais de um mês, porém — ele olhou em volta e
inclinou-se para a dama como se fosse lhe contar um
segredo — estou pensando em casar-me e não quero
esperar a próxima temporada para fazer a escolha.
Os olhos dela brilharam de alegria.
— Não se preocupe, Vossa Graça. Os homens são
perdoados por não levarem o luto tão a sério quanto as
mulheres.
— Para mim o luto é muito importante, mas tenho um
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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dever com meu título e meu pai esperava que eu o honrasse.
— Ninguém ousará questionar sua dedicação ao dever
e se correr a notícia de que Vossa Graça pretende casar-
se, não faltarão interessadas. Agora se me der licença,
preciso cuidar de meus outros convidados.
E espalhar o boato de que ele procurava por uma
esposa. Ótimo. Como Catherine estava honrando o período
de luto, ela pouco poderia ajudá-lo. Nesse caso não lhe
restava alternativa a não ser apelar para outros, pois
necessitava encontrar uma esposa com urgência.
Seu pai, o infeliz, estivera certo. Procurar prazeres e
viajar pelos continentes o deixara em uma posição
delicada, mas ele não se arrependia.
Voltou sua atenção para a pista de dança, decidido a
escolher uma mulher bonita. Afinal, teria de deitar-se com
ela. Seria preciso que ela fosse segura, pois teria
necessidade de energia no futuro. De preferência que
confiasse em si mesma, para desprezá-lo quando a verdade
viesse à tona, resolvida a continuar com a própria vida.
Nada de culpa. Ele a deixaria em Londres e se mudaria
para o campo. Ele e o pai haviam discutido sobre isso
também. Seu lugar será na Câmara dos Lordes — ele
dissera.
Ou no inferno.
Viu lorde Canton e lorde Milner caminharem em sua
direção e anuiu. Gostava dos dois. Freqüentara o colégio
com eles e muitas vezes os acompanhava em jogos de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
91
cartas no Dodger's.
— Greystone, velho amigo — Canton falou. — Será que
ouvi bem? Está procurando por uma esposa?
Lady Chesney não perdera tempo.
— Não deveria ter anunciado isso, meu caro — Milner
declarou. — As mamães vão esperar o mesmo de nós.
— A temporada está quase no final e não tenho muito
tempo. Pensei que a franqueza aceleraria o processo.
— Por Deus, Greystone, essa não é uma conversa para
um homem de vinte e oito anos. E é muito jovem para ficar
atado à mesma mulher todas as noites — Canton avaliou.
— Cavalheiros, aprendi uma coisa nas minhas viagens.
A vida é muito instável e não pretendo deixar o ducado cair
nas mãos de meu maldito primo.
— Tem toda razão — Canton murmurou. — Wilson
Mabry é um canalha.
— Essa afirmativa é generosa demais. — Wilson
personificava os sete pecados capitais.
Canton e Milner voltaram a atenção para a pista de
dança.
— Minha irmã ainda não está comprometida — Canton
alegou. — Tenho certeza de que meu pai não se oporia se
você lhe fizesse a corte.
— Gosto de sua irmã, Canton, mas ela não consta de
minha lista de prováveis noivas.
Canton virou a cabeça e fitou Sterling com olhar
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
92
interrogador. Sterling deu de ombros.
— Eu me conheço e sei que me faltam qualidades para
marido. Suponho que sua irmã vai querer no mínimo afeição,
se não amor de verdade, no casamento e eu seria incapaz
de suprir essa fantasia. Procuro uma mulher que se
contente em cumprir com seus deveres sem se queixar,
nem espere mais do que poderei dar.
— Lady Annabelle Lawrence se enquadra em seus
requisitos — Milner afirmou, estremecendo. — Pelo que
ouvi contar, ela é fria como gelo e quer um marido que não
interfira em sua vida.
— Onde está ela?
— Ali — Milner apontou. — Dançando com Deerfield.
Sterling olhou o casal. O semblante de lady Annabelle não
deixava dúvidas quanto à sua alta classe, o que seria muito
útil no caso de herdeiros, mas até lá a vida seria miserável.
Ela era bonita, tinha cabelos negros...
Um clarão vermelho passou diante de seus olhos e a
dama atraente foi esquecida enquanto ele perscrutava a
multidão com desespero...
Recriminou-se. Ela não estaria ali. Frannie não
freqüentava esses círculos sociais, embora uma vez ele
tivesse convivido com o dela.
— Quer que o apresente? — Canton perguntou.
— Agora não, agradecido. Vou sair um pouco para
tomar ar.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
93
Assim que ele chegou ao terraço, entendeu a tolice de
estar ali. No escuro, era mais difícil enxergar. Com
cuidado, caminhou até a beira da varanda, apoiou os dedos
na parte superior da grade de proteção e suspirou,
Ninguém tinha cabelos vermelhos tão vibrantes como
os de Frannie, a única a quem desejava com ardor, embora
pudesse escolher qualquer mulher em Londres. Frannie não
só lhe aparecia em sonhos, como também em plena luz do
dia.
Naquela noite viera à residência dos Chesney para
distrair-se e esquecer a necessidade feroz de vê-la, mas
um relance de vermelho a trouxera de volta à sua mente.
O mais estranho era pensar não apenas no prazer que
desfrutaria, mas no que poderia dar a ela. Ele usaria as
mãos e a boca para despertar-lhe a paixão, faria com que
o desejo a queimasse para ela gritar o nome dele.
Aquilo era uma insanidade. Se pudesse vê-la e beijá-la
mais uma vez, talvez pudesse continuar com sua vida.
— Aqui! Ela está aqui!
Frannie apressou o passo para acompanhar o menino
que agarrara sua mão na rua e a puxava para a travessa.
Ela quase terminava sua ronda noturna pelos cortiços,
procurando por crianças que precisavam do que ela tinha a
oferecer, quando o menino se aproximara dela.
— A senhora é o anjo vermelho que leva os meninos
para um lugar melhor?
Frannie costumava usar os cabelos soltos quando vinha
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
94
para aquela região de Londres, para se distinguir dos
outros. Ficava satisfeita de ser conhecida como aquela que
ajudava as crianças. Àquela altura ela já recolhera oito,
mas sua fama certamente se espalhava.
— Sou, você quer vir comigo?
— Não, mas Mick... acho que ele está morrendo.
Frannie acompanhou-o e logo chegaram perto de Mick. Ela
se ajoelhou ao lado do menino que estava deitado de lado
e enrolado como um caracol. O garoto tremia de febre e
apresentava contusões e hematomas, e ela temeu que o
primeiro menino estivesse certo.
— A senhora pode ajudá-lo? — o amigo perguntou.
— Sim.
Ou pelo menos William Graves poderia. Como se
sentiriam os pobres e indigentes se soubessem que o
homem que curava suas doenças e não aceitava pagamento
também era médico da rainha? Frannie virou-se e segurou
o braço do mais velho.
— Eu ajudarei seu amigo se você vier comigo.
— Não posso fazer isso, Sykes me mataria.
Ela não se surpreendeu ao descobrir que Sykes era o
pai de rua deles. Os dois meninos preenchiam os requisitos
exigidos por ele. Eram pequenos e magros. Ela também
reconheceu as marcas de espancamento que ele deixava
nas crianças.
— O que seu amigo fez de errado? O menino mexeu-
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
95
se, constrangido.
— Ele não roubou lenços suficientes.
Na certa o menino não atingira a quota exigida. Sykes
provavelmente o acusara de ser preguiçoso e decidira
matá-lo para dar um exemplo aos outros. Ele não dava valor
à vida das crianças. Aliás, não dava valor à vida de ninguém,
exceto a sua própria.
— Juro que não deixarei Sykes machucá-lo.
O menino sacudiu a cabeça, desvencilhou-se e sumiu na
escuridão sem que Frannie pudesse detê-lo. Com muito
cuidado, ela ergueu nos braços o garoto ferido. Com a
ajuda de Bill, ela o salvaria.
Mais tarde ela voltou às ruas infectas à procura de
mais meninos, principalmente os que trabalhavam para
Sykes. Como não podia impedir a brutalidade dele, tiraria
de sua proteção o maior número possível de garotos.
Na semana seguinte ao baile, Sterling perdeu uma
quantidade razoável de dinheiro nas mesas de jogos, com
esperança de ver Frannie. Não teve sorte. Não a viu nem
recuperou as apostas perdidas.
Aquela noite não era exceção. Sterling comprara as
fichas a crédito, mas nesse ponto o estabelecimento era
civilizado. No final do mês era mandada uma conta para os
devedores. Considerando-se a reputação de Jack Dodger,
Sterling duvidava de que alguém se negasse a pagar a
dívida. Caso isso acontecesse, ele imaginou se Frannie, por
ser guarda-livros, cobraria a conta pessoalmente. Isso
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
96
daria a ele a oportunidade de vê-la, pois ficar ali jogando
não adiantara. Ele não se concentrava no jogo e seu
estoque de fichas definhava.
Por sua visão limitada, talvez nem a visse passar e,
quando a visse, seria tarde demais. Várias vezes ele
considerara a hipótese de entrar nos escritórios, mas vira
Dodger abrir a porta com uma chave que tirara do bolso, o
que lhe dava a certeza de que ela permanecia trancada.
Sabia que a escada externa dava acesso ao apartamento
de Frannie e pensara em esperá-la na viela, mas ela já lhe
dera a resposta. Devia respeitar a decisão e preocupar-se
mais com seus assuntos.
Contudo o fervor com que ela falara dos órfãos o
atormentava. Haveria algo na vida com que ele se
envolvesse tão apaixonadamente? Claro que seu título era
importante e suas propriedades eram fontes de orgulho.
Mas nada o consumia com ardor semelhante ao que Frannie
empregava para ajudar os órfãos.
Sterling estava acostumado com damas que discutiam
assuntos corriqueiros como modistas ou chapéus. Supunha
que Frannie não tivesse tempo nem paciência para
frivolidades. Ela era apaixonada por tudo que fosse
importante em relação a seu trabalho
Ele queria ser importante para ela.
Havia deixado os criados trabalhando no asilo até que
toda mobília fosse colocada no lugar certo, de acordo com
o gosto de Frannie. Ela mandara uma mensagem cortês em
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
97
agradecimento por ele ter-lhe cedido, como empréstimo,
empregados tão eficientes.
Ele enviara para Frannie quinhentas libras e ela
escrevera prometendo fazer bom uso do dinheiro.
As cartas eram precisas, sem emoção, indicando que
ele prosseguia com sua vida, como deveria ser.
Uma sensação estranha o invadira várias vezes.
— No Dodger's há olhos-mágicos? — Sterling
perguntou sem tirar os olhos das cartas.
— Eles estão por toda parte — o conde de Chesney
respondeu.
— Também aqui no salão de jogos?
— Sim, nas galerias de cima com cortinas. Pelo que ouvi
contar, a área é acessível somente pelos fundos e para
Dodger.
E para sua guarda-livros.
Sterling mirou uma parte da galeria situada nos
fundos e na sombra. Como não notara aquilo antes? Apesar
da distância e da obscuridade...
Frannie deu um pulo para trás da pequena abertura
pela qual vinha espiando. Estava quase certa de que
Sterling a vira espreitando. Sentira o olhar dele como se
estivessem juntos na galeria, ele passando o dedo no
pescoço dela.
Naquela noite ele estava muito elegante. Vestia casaco
verde-escuro, colete preto e calça cinza-claro. Teria ele
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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passado a noite em companhia de uma dama antes, de vir
jogar? Não lhe agradava imaginar que Sterling pudesse
estar na companhia de outra mulher, o que era uma tolice
de sua parte. Afinal, ele era um duque, acabaria se casando
com uma aristocrata e apenas desejava uma noite de
prazer. Ela, por outro lado, tinha poucas dúvidas de que
passaria horas plena de ternura, com palavras
encantadoras, toques sensuais e beijos loucos. Seria uma
noite que a deixaria com vontade de ter outras iguais.
Seria melhor ter uma noite e sempre desejar outra ou
imaginar a vida inteira como poderia ter sido aquele
encontro?
Ela conhecera muitos meninos de Feagan, mas nenhum
deles lhe causara o desejo que se enovelava dentro dela.
Quando dera a resposta para Sterling, pensara que
poderia afastar-se e nunca mais pensar nele. Em vez disso,
via-se imaginando se não cometera um engano.
Se fosse esse o caso, teria coragem de admitir o erro
para si mesma e para ele?
O barulho no pub era estridente, mas Feagan, sentado
no canto escuro tomando gim, apreciava as arruaças e as
atividades turbulentas. Sentia cada vez mais solidão em
sua morada tranqüila depois que suas crianças o haviam
abandonado, no entanto ele não pensava em substituí-las.
Transformá-las em gatunos eficientes demandava muito
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
99
trabalho. Ele conseguia manter-se trabalhando sozinho.
Precisava de pouco para viver. Um pouco de gim ou rum
quando a situação permitia, um bom tabaco para seu
cachimbo, roupas para agasalhar do frio os ossos
doloridos, um ensopado quente de vez em quando e um teto
para se abrigar da chuva. Na verdade, ele se considerava
um homem afortunado.
Uma sombra grande e desajeitada bloqueou a pouca
luminosidade, e ele ergueu o olhar. A única coisa que
Feagan temia era o homem diante dele.
— Olá Sykes, a que devo o prazer de sua visita?
Sykes puxou uma cadeira, sentou-se e inclinou-se para
a frente.
— Você precisa falar com sua menina. Ela está
interferindo em meus negócios.
— Frannie?
— Sim, ela vem percorrendo os cortiços e levando
meus aprendizes. Você sabe muito bem quanto trabalho
está envolvido em treinar um garoto.
Feagan tomou um gole de gim. Sua Frannie sempre
tivera bom coração. Suspeitava de que os meninos tinham
ficado com ele por causa de Frannie e que muitos o haviam
abandonado depois de ela ter ido embora.
— Não sei como poderei ajudá-lo. Eu não a vejo desde
que ela partiu com aquele maldito lorde.
— Você sabe tudo sobre todo mundo. Sabe onde ela
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
100
está ou pelo menos como lhe mandar um aviso. Diga a ela
para deixar meus meninos em paz. Ela que pegue outros,
mas não os meus.
Feagan passou a mão áspera sobre os lábios rachados.
— Direi a ela.
— Faça isso. Eu odiaria que algo desagradável
acontecesse com ela.
Sykes foi embora antes que Feagan pudesse
responder com outro aviso.
— Frannie, Frannie... — Ele espiou para dentro do copo.
— Em que tipo de encrenca você se meteu agora?
Frannie andava pelas ruas de sua infância com o capuz
do manto sobre a cabeça. Era cedo para os mais atrevidos
aparecerem e tarde para os gatunos e prostitutas agirem.
Imaginou o que Sterling pensaria se ela o trouxesse até ali
e mostrasse de onde ela viera.
— Que tal uma rapidinha na viela? — um homem
perguntou, bloqueando sua passagem.
— Não, obrigada. — Ela tocou no punhal escondido e
empurrou o camarada com o ombro para passar.
— Você não é daqui. — Ele tornou a impedi-la de andar.
— Na verdade sou.
— Pois mais parece uma dama da nobreza.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
101
— Vou me encontrar com um homenzarrão de mãos
grandes que adora apertar o pescoço das pessoas.
Portanto acho melhor deixar-me passar.
— Eu não o vi, mas ficarei feliz se...
— Ah, ali está ele. Com licença.
Frannie correu, mas o homem não a seguiu nem havia
nenhum sujeito enorme à sua espera. O maior homem que
ela conhecia era Bob Sykes e ela certamente não tinha
vontade de se encontrar com ele.
Passou por meio da multidão e permaneceu alerta,
sempre consciente dos ladrões de bolsa, embora não
carregasse nada de valor quando vinha àquela parte de
Londres.
Ela sentiu dedos magros e fortes que a puxavam para
a travessa e puxou o punhal, mas logo reconheceu de quem
se tratava.
— Feagan.
— Olá, Frannie querida.
— Você me assustou. O que está fazendo aqui?
— Tenho algo para você. — Ele empurrou um menino
pequeno e esquálido para a frente. — Charles Byerly.
Fazia dezessete anos que ela não via Feagan. Os
cabelos vermelhos dele haviam perdido o viço e seu rosto
estava mais enrugado. De alguma forma esperava que ele
permanecesse da mesma forma. Recriminou-se por não
haver confiado nele. O olhar poderia ter mudado, mas o
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
102
caráter fora esculpido em pedra e nunca se alterara.
— Como é que você sabia que eu estava à procura de
órfãos?
— Escuto coisas.
Frannie agachou-se na frente do menino.
— Olá, Charley, eu sou Frannie e lhe darei um lar.
— Não preciso de lares. Feagan bateu na cabeça do
menino.
— O que eu lhe disse, garoto? Tenha modos. Charley
fitou Feagan com obstinação.
— Você tem pai ou mãe? — Frannie quis saber.
— Se ele tivesse, eu não o teria trazido — Feagan
protestou.
— Charley? — Frannie insistiu.
— Não tenho ninguém e não preciso de ninguém.
Frannie segurou a mão do garoto. Não queria ficar naquele
local por mais tempo.
— Quanto lhe devo, Feagan?
— Frannie querida, por que estragar nosso encontro?
Por que acha que eu espero uma recompensa?
— Porque com você sempre há uma forma de
pagamento. Você não tem natureza caritativa.
— Mas que jovem decidida. Frannie procurou no bolso
oculto.
— Tenho somente uma coroa.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
103
— Ora, mas isso é muito bom, obrigado. Ela deixou a
moeda na mão estendida.
— Gaste com consciência, Feagan.
— É o que sempre faço.
Ela se virou para ir embora, mas ele a segurou pelo
braço.
— Sykes veio me procurar — Feagan cochichou. —
Será melhor deixar os meninos dele em paz.
— Eu pego os garotos onde os encontro e não pergunto
a quem eles pertencem.
— Frannie querida, não seja tola em meter-se com
Sykes. Ele se tornou mais desprezível com o passar do
tempo. Esqueça o grupo dele.
Mesmo na escuridão da travessa, Frannie viu a
preocupação nos olhos verdes de Feagan tão parecidos com
os seus. Ela se inclinou e beijou-lhe a testa.
— Não o provocarei de propósito.
— Boa menina. — Ele deu um sorriso torto.
Enquanto se afastava com Charley, ela jurou para si
mesma que não deixaria de acolher um menino só porque
ele tivera o azar de cair sob o jugo de Sykes.
Sterling se enganara. Apesar de muitos de seus pares
terem ido para o campo após o término da temporada, a
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
104
Grande Exposição ainda estava lotada. Durante o verão ele
ouvira contar sobre o número espantoso de pessoas que
haviam visitado o local. Por sua visão diminuída, não se
sentia bem no meio de aglomerações, por isso imaginara
que aquela ocasião seria mais favorável. Fora um
julgamento errôneo.
Como era teimoso não ordenou ao cocheiro que
voltasse para casa, mesmo ao ver a fila de pessoas que se
acotovelavam para entrar no Palácio de Cristal. Uma coisa
era confrontar-se com o inimigo, outra bem diferente era
recuar depois da confrontação feita. Sua vista ainda não
estava tão ruim a ponto de ele desistir e fugir com o rabo
entre as pernas.
Portanto, enfrentou a multidão e caminhou devagar
pelos corredores, que, felizmente, eram bem largos. Se
colidia com alguém, desculpava-se afirmando que estava
enfeitiçado pelas maravilhas diante dele.
Mesmo para quem vira o Taj Mahal como ele, era
fascinante observar a estrutura de metal e vidro onde
estavam expostas culturas representativas do mundo
inteiro. Ele pensou tratar-se de algo mais majestoso do
que todo o conteúdo. A mais pura ingenuidade inglesa.
Sterling olhou ao redor para decidir que direção
tomar e concluiu que era uma maravilha estar vivo. Dentro
daquela construção magnificente, o homem mais simples
teria uma pequena visão do que era o mundo além das
fronteiras inglesas. Observou com satisfação a surpresa
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
105
das pessoas que se extasiavam, assim como ele.
Sentiu um movimento no paletó e pensou em quem
teria batido. Virou-se. Ninguém estava perto dele, mas viu
um menino sair correndo. Enfiou a mão no bolso... vazio.
— Você aí. Pegue o ladrão.
O menino continuou a correr e Sterling disparou atrás
dele. Era apenas um lenço e Sterling tinha dúzias deles,
mas sentiu-se revoltado pelo princípio do ato.
— Peguem o menino! Polícia! É um ladrão!
Muitas pessoas olhavam ao redor, confusas e as que
tentavam pegar o garoto, agarravam o vazio, pois o menino
era muito rápido.
Se Sterling não houvesse perambulado pelos
continentes, carregando um rifle pesado ou suprimentos
indispensáveis, teria ficado tonto enquanto perseguia o
pequeno gatuno irritante. Porém o menino tinha uma
vantagem. Desviava-se das pessoas com eficiência,
enquanto Sterling julgava mal a proximidade delas,
tropeçava e escutava gemidos espantados quando elas
recuavam. No íntimo, sabia que a perseguição seria inútil,
mas estava determinado a não deixar escapar o menino
esperto que precisava de uma lição.
Sem saber como, o duque venceu as dificuldades e
agarrou o pequeno marginal no momento em que ele se
escondia atrás de uma saia escura. Com muita raiva,
Sterling agarrou-o por trás do colarinho, puxou-o pelo
peito magro e ergueu-o.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
106
— Solte-me! Solte-me!
— Seu pequeno malandro, eu o levarei para a prisão. —
Sterling deu meia-volta e viu-se de frente com os olhos
verdes que atormentavam seus sonhos.
— Vossa Graça. — Frannie sorriu com delicadeza,
obviamente encantada em vê-lo, assim como ele também se
encantava.
— Srta. Darling.
O menino lutava para desvencilhar-se, mas não
conseguia virar-se para causar algum malefício a seu
captor. Sterling viu-se tentado a soltar o diabinho, só para
poder beijar a mão de Frannie e cumprimentá-la da
maneira correta. Quanta ironia. Passara tantas noites no
Dodger's, esperando vê-la nem que fosse de relance e
acabara por encontrá-la na exposição.
— O que foi que Charley fez agora?
Sterling olhou o menino, examinou os circunstantes e
notou que mais três garotos do mesmo tamanho estavam
ao redor das saias delas.
— Ele é seu?
Frannie anuiu, constrangida.
— O que você fez, Charley?
— Nada. — Charley parou de lutar e pendeu a cabeça
como se estivesse sem forças.
— O que você fez, Charley? — Frannie repetiu. — Se
Sua Graça tiver de me contar, você passará o resto da
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
107
tarde na carruagem com o sr. Donner.
— Oh, não. Com ele não.
— Charley. — A voz séria e desapontada de Frannie
fez Sterling ter vontade de confessar alguma coisa só
para vê-la sorrir de novo..
— Peguei um lenço — Charley resmungou. Frannie
estendeu a mão.
— Tudo bem por aqui?
Sterling virou-se depressa ao ouvir a voz grossa. No
meio de tantas pessoas, ele não ouvira a aproximação de
um guarda, por quem ele procurara havia poucos minutos.
O oficial poderia prender, o garoto, levá-lo para a prisão e
puni-lo por seus delitos.
— Está tudo em ordem, policial. Apenas um dos
meninos ficou um pouco mais exaltado no meio de tanta
gente, mas eu já dei um jeito nele. — Sterling decidiu não
denunciar o garoto para cair nas boas graças de Frannie.
— Muito bem. — No alto de sua importância, o policial
se afastou.
Sterling virou-se para Frannie que o fitava com
gratidão.
Ele não queria agradecimento, mas sim paixão, fogo,
desejo.
— Vossa Graça, o senhor pode largar Charley, seu
braço já deve estar cansado.
— Sou muito mais forte do que pareço, srta. Darling.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
108
— E rápido também — Charley murmurou.
— Ele fugirá, se eu o soltar? — Sterling perguntou.
— Não. Você não fará isso, não é, Charley? Se o fizer,
ficarei muito desapontada.
Charley sacudiu a cabeça e, para surpresa de Sterling,
ele não saiu do lugar quando foi deixado com os pés no
chão. Frannie estendeu a mão de novo.
— Devolva o lenço, Charley.
O menino devolveu o que antes era um lenço imaculado
e agora não passava de um pedaço de pano amassado.
Sterling esperava não precisar do lenço antes de voltar
para casa.
— Vossa Graça, eu o lavarei e passarei antes de
devolvê-lo.
— Está certo. — Sterling analisou os garotos que se
esfregavam nas saias dela. Um era mais alto do que os
outros, dois tinham cabelos negros e Charley ostentava
cabelos castanhos.
— Essas são suas crianças?
— Sim, do meu orfanato. Sempre que tenho tempo,
trago alguns para verem a exposição. Nós íamos almoçar
quando perdi Charley de vista. Eu agradeço por tê-lo
trazido de volta. — Frannie relanceou um olhar ao redor
como se fosse pedir-lhe que roubasse o diamante Koh-i-
noor que estava na mostra.
— Nós vamos fazer um piquenique e eu gostaria de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
109
convidá-lo para desfazer a má impressão do problema que
Charley lhe causou. Vossa Graça aceitaria?
Sterling fez uma mesura.
— Eu adoraria, srta. Darling.
Sentada na manta que estendera sobre o gramado,
Frannie mal podia acreditar que Sterling aceitara o convite
e que estava deitado de lado a meio metro de distância.
Ele desabotoara o paletó bege, deixando à mostra o colete
amarelo-claro e a gravata verde combinava muito bem com
sua tez bronzeada.
Donner, o cocheiro de Luke e o criado, vigiavam os
meninos que corriam pelo parque para gastar energia.
Frannie reconhecia que era difícil para os meninos ter um
bom comportamento, confinados dentro da exposição. Eles
eram recém-saídos das ruas, acostumados a correr para
todos os cantos sem a supervisão de adultos e muito
amadurecidos para a idade.
— Tenho de me desculpar de novo. Sinto muito por
Charley ter levado seu lenço.
Sterling mordeu um pedaço de queijo.
— Eu, não. A senhorita tem idéia de quanto dinheiro
gastei jogando no Dodger's, na esperança de vê-la por um
instante?
— Cinco mil libras.
Ele arregalou os olhos e ela deu um sorriso travesso.
— Eu sou a guarda-livros.
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110
A risada profunda de Sterling envolveu-a como se ele
a tivesse abraçado. Logo ele ficou sério e a encarou.
— Confesso que estou intrigado, srta. Darling. A
senhorita deve ter algum interesse em mim ou não teria se
lembrado de quando dinheiro eu perdi, não é?
— Eu nunca disse que não me interessava por Vossa
Graça. Na verdade, se considerarmos nossos encontros, é
fácil deduzir que expressei meu interesse por milorde.
Ele se apoiou no cotovelo e veio para mais perto dela.
— Diga-me uma coisa, a senhorita esteve me
espionando durante minhas visitas ao clube?
Frannie teve vontade de segurar o rosto dele entre as
mãos e beijá-lo. Seria uma atitude decorosa para uma
dama? Ele a julgaria mal ou ficaria satisfeito como ela
ficara?
— Por que milorde pensou nisso?
Sterling passou a ponta de um dedo na palma de
Frannie e subiu até o pulso. Ela imaginou se ele podia sentir
os batimentos acelerados.
— Algumas vezes tive a impressão de que a senhorita
me observava.
Frannie refletiu se apertara demais o espartilho, pois
a respiração se tornava difícil.
— Eu tive curiosidade em saber se Vossa Graça
retornaria ao Dodger's após o incidente desagradável de
sua suspensão do quadro de associados. Só isso.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
111
Sterling ergueu-lhe a mão e beijou-a no centro da
palma.
— Imaginei que uma criança das ruas fosse uma
mentirosa de gabarito.
Em geral ela era, quando podia se concentrar, o que
não acontecia na presença de Sterling.
— Não é muito cavalheiresco acusar diretamente uma
mulher de mentirosa.
Sterling passou a língua na pele de Frannie,
saboreando-a.
— A senhorita me parece não se importar com o que
dizem às suas costas, e prefere que a desfeita venha pela
frente.
Frannie sentiu o rosto em fogo e para retomar o equilí-
brio, procurou desvencilhar-se. Escutou a risada profunda
e observou os meninos que se divertiam em desabalada
carreira. Ela conseguira trazer, de volta a alegria deles,
ajudada pelo próprio sofrimento.
— Milorde não está se comportando como um
cavalheiro.
— A senhorita prefere que eu seja um? — Sterling
sentou-se e os ombros deles quase se tocaram. — O que a
senhorita desejava quando me espiava pelo olho-mágico?
— Era através da cortina.
— De uma galeria oculta?
— Não tão oculta quando se sabe. Costumamos
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
112
observar por ali os trapaceiros e os desordeiros.
— Em qual categoria eu me encaixo?
Frannie fitou-o e surpreendeu-se ao notar que ele se
divertia.
— Está caçoando de mim?
Sterling inclinou-se por cima dela, arrancou uma flor
amarela e roçou as pétalas no queixo delicado.
— Sinto-me lisonjeado pelo fato de a senhorita achar
que valia a pena observar-me. Talvez agora, possa
reconsiderar minha proposta.
Ela segurou a flor antes que ficasse louca de desejo
por imaginar as cadeias que ele seria capaz de fazer.
— Continuo com a mesma opinião.
— Uma pena. — Ele não pareceu desapontado, mas sim
descrente.
Frannie lembrou-se de quando podia mentir com
maestria. Estaria perdendo o jeito ou ele era capaz de ler
seus pensamentos?
— A carruagem é sua? — Sterling perguntou com o
pulso apoiado na perna erguida.
Frannie adorou a mudança de assunto.
— É de Claybourne e ele me empresta quando preciso.
Ainda não tive dinheiro para comprar uma e, além disso, há
o problema dos cavalos.
— A senhorita não gosta de cavalos?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
113
— Não me agrada gastar dinheiro para cuidar deles.
Prefiro gastar com as crianças.
— A senhoria devia ter seus próprios filhos.
Ela riu, procurando ignorar o desapontamento que
sentia havia anos. Era uma tolice, pois ela sabia que
qualquer um dos meninos de Feagan ficaria feliz em ter um
filho com ela. Mas Frannie queria mais. Ela pensava em uma
família construída com amor.
— Eu já passei da idade de pensar em casamento. —
Ela observou os garotos brincarem de pegador. — Londres
tem muitas crianças que precisam de auxílio e minhas
intenções vão além de alfabetizá-los, pois quero dar a eles
condições de conseguir um bom emprego. A pobreza é
terrível. — Ela sacudiu a cabeça. — Perdoe-me, mas creio
que a reforma social é necessária, por isso me inflamo e
acabo falando coisas que talvez não lhe interessem.
— Srta. Darling, tudo a seu respeito me interessa.
— Tenho de avisá-lo de que não me encanto facilmente
com palavras. Prefiro ações.
O olhar de Sterling escureceu e Frannie entendeu que
escolhera muito mal as palavras quando ele falou em voz
baixa e sensual:
— Estou de pleno acordo. Talvez mais tarde...
— Vossa Graça é um nobre e eu sou uma plebéia. Nem
mesmo tenho certeza se amizade entre nós seria
permitida.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
114
— A senhorita é amiga de Claybourne.
— Isso é diferente, ele já foi um de nós. Não se dá as
costas a quem se deve muito.
— Então terei de encontrar uma maneira de a
senhorita tornar-se minha devedora.
Frannie esperara que eles se despedissem depois do
lanche, mas ele não foi embora e ajudou-a a agrupar os
meninos quando eles ficaram impacientes. A paciência dele
com os garotos a surpreendia.
Eles foram ver um elefante empalhado e Sterling
ajoelhou-se ao lado dos meninos para contar que já
montara em um. Eles ficaram boquiabertos e de olhar
arregalado.
— Milorde teve medo? — Charley perguntou.
— Nem um pouco. Ele é muito grande, mas aprendemos
na floresta que nem sempre o maior é o mais perigoso.
Existe um que é o mais astucioso, inteligente esperto.
— Quem poderia ser. Sterling sorriu.
— Eu, é claro.
Os meninos gargalharam e Frannie riu. Sterling
levantou-se e estendeu o braço que Frannie não hesitou em
aceitar.
— Então milorde é a fera mais perigosa da floresta.
— Isso sem contar que eu carregava um rifle. Eles
retomaram o passeio.
— Milorde realmente não teve medo?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
115
— Algumas vezes eu ficava aterrorizado, mas esse era
o objetivo.
— Vossa Graça procurava ficar com medo? — Ela não
podia imaginar que alguém se pusesse deliberadamente em
risco.
— Eu pretendia testar minha coragem e minha
determinação. Foi uma viagem de descobertas,
principalmente as que fiz em relação a meu íntimo. O que
me foi revelado do mundo foi simplesmente um bônus.
— E o que descobriu acerca de si mesmo?
— Que não sou tão fraco como eu acreditava que fosse
nem tão forte como eu esperava ser. Montei um elefante,
mas não quis enfrentar o tigre. — Ele parecia desapontado
consigo mesmo.
— O que prova que milorde era na verdade o animal
mais, inteligente e perigoso da selva.
Ele sorriu.
— Não creio que eu tenha pensado no assunto nesses
termos. Suponho que teria sido uma tolice acabar como
jantar deles.
— Fico feliz que isso não tenha acontecido. — Frannie
também sorriu.
— Eu também, srta. Darling, ou eu teria perdido esses
preciosos momentos a seu lado.
Eles chegaram à mostra do Egito, onde Sterling
discorreu a respeito das pirâmides e das esfinges, com a
Comentado [Senira1]:
Comentado [Senira2]:
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
116
excitação costumeira com que se referia às suas viagens,
e Frannie ficou fascinada com tudo o que ele vira e fizera.
Finalmente eles deixaram o recinto da Grande
Exposição e chegaram à carruagem onde Donner os
aguardava.
— Vossa Graça teve uma vida fascinante.
— Haverá algum sentido em ter outra espécie de vida?
— Sempre ouvi dizer que Vossa Graça era um homem
que priorizava os próprios prazeres.
— É bom saber que os boatos nem sempre estão
errados. E por falar em meus próprios prazeres... embora
o piquenique tenha sido adorável, isso não reparou o mal do
pequeno patife ter roubado meu lenço.
Enquanto os meninos subiam na carruagem, Frannie
admoestou-se por estar antecipando outra proposta não
apropriada.
— E o que repararia o erro de ele ter surrupiado um
pedacinho de seda, Vossa Graça?
— A ópera.
— Como é?
— Venha comigo à ópera esta noite e poderemos
jantar mais tarde. Caso contrário, serei obrigado a mandar
um policial ao orfanato para prender Charley.
— Milorde não faria isso. Ele deu de ombros.
— A senhorita está querendo arriscar o acerto quanto
à natureza do meu caráter?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
117
— E eu que já estava começando a gostar de milorde.
— Frannie virou-se.
— Mandarei meu coche buscá-la no Dodger's às sete.
Ele era mesmo arrogante. Com a ajuda do criado,
Frannie pôs o pé no degrau e olhou por sobre o ombro.
— Sete e meia.
Sterling deu um sorriso vitorioso que a deixou zonza
pela antecipação. Frannie recostou-se no assento, sem se
recordar da última vez em que estivera tão alegre.
— Srta. Frannie, por que está sorrindo feito uma tola?
— Charley indagou.
Porque estava descobrindo que adorava atenções
masculinas, ainda mais quando elas provinham do duque de
Greystone.
Frannie vestia-se com simplicidade e não contava com
a ajuda de criadas. Mas naquela noite, pediu a colaboração
de uma das meninas de Jack.
Sentada em um banco, segurava o espelho revestido
de prata, presente de Luke, e avaliava a habilidade de
Prudence em domar seus cabelos vermelhos. Um coque
simples na nuca não era o que ela queria para essa noite.
Frannie não duvidava para onde aquele encontro a
levaria. A lugar nenhum. Ele era um duque e ela... Frannie
Darling. Porém teve de admitir que existia uma atração
entre ambos jamais experimentada por ela. A maneira
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
118
como Sterling a olhava — como se quisesse devorá-la — de
início a assustara, mas naquela altura a deliciava. Gostava
de escutar as histórias que ele contava, ficava fascinada
com os cuidados que ele dispensava aos meninos e
encantava-se com o brilho demoníaco de seu olhar quando
a tocava de maneira ousada. O piquenique fora uma das
experiências mais sensuais de sua vida e tudo o que ele
fizera fora dar atenção à palma de sua mão. Ela queria
atenções semelhantes por toda parte.
Era uma libertação descobrir-se desejando atenções
masculinas. Mesmo que não passassem de um beijo, pela
primeira vez ela desejava partilhar com um homem as inti-
midades de sua vida. Era estranho ter crescido rodeada
pelos meninos de Feagan e nunca ter sentido aquele
despertar da feminilidade. Os risos, as provocações e os
olhares deles não incitavam a nenhuma das emoções
turbulentas desencadeadas por Sterling. Mesmo quando
ele não a tocava, era como se o fizesse. Não entendia por
que ele era tão diferente dos outros homens de sua vida
nem por que ansiava pela afeição dele.
Frannie sempre preferira vestidos que não chamassem
a atenção, mas que fossem confortáveis. E naquela noite,
Deus que a perdoasse, ela não queria parecer uma jovem
comum.
Havia um ano, Jack — que gostava de cores vibrantes
— a presenteara com um vestido verde-esmeralda. Uma
vez, sozinha no quarto, experimentara o traje e rodopiara,
fingindo ser o que não era: uma dama. Era um vestido que
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
119
acentuava suas curvas e ela sentiu calor ao imaginar a mão
grande de dedos esguios percorrendo as linhas de seu
corpo.
— Quem é o cavalheiro que conquistou sua
preferência? — Prudence perguntou.
Espantada por sua fantasia — jamais as tivera
envolvendo homens —, Frannie não quis responder para não
ouvir a outra dizer que o conhecia, que ele era ótimo de
cama e que na semana anterior se deitara com ele.
— Vamos lá, sabe que eu guardarei segredo.
Frannie olhou para o espelho que estava em seu colo e
passou a ponta do dedo nos desenhos intrincados de seu
dorso.
— Greystone.
— Não o conheço.
O alívio envolveu Frannie. Prudence supervisionava
todas as meninas. Se ela não o conhecia, as outras
provavelmente também não haviam estado com ele.
— Ele é cliente?
— Sim, é. — Frannie virou-se na banqueta e olhou para
Prudence. — Não diga nada para Jack.
Prudence fez bico com os lábios polpudos que
certamente haviam beijado muitos homens.
— Eu já afirmei que não direi nada.
— Eu sei. Era só para enfatizar, pois Jack não
aprovaria.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
120
— Então ele deve ser um nobre. Jack não gosta de
cavalheiros com título.
— Ele é um duque. — Frannie sentiu-se compelida a
confessar.
— Deus do céu!
Frannie levantou-se e começou a andar de um lado a
outro, nervosa.
— Prudence, será que estou cometendo um grave
erro?
— Depende de sua expectativa. É como digo para
minhas meninas, não esperem casamento e você sabe disso.
Frannie inspirou fundo, tentando acalmar as batidas
desordenadas do coração.
— Eu sei.
Encostou-se na penteadeira e analisou Prudence. A
outra era dois anos mais jovem do que ela, mas seu rosto
revelava a dureza da vida que enfrentara antes de vir para
o Dodger's. Os cabelos loiros caíam pelas costas e ela
sempre usava seda que ondulava a seu redor e que poderia
facilmente deslizar por seu corpo com um movimento de
ombros.
— Prudence, você já esteve com um homem sem ser a
pagamento?
— Sim.
— Você se sentiu suja depois?
Prudence atirou a cabeça para trás e deu a risada
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
121
rouca e gutural pela qual era conhecida.
— Claro que não! Foi maravilhoso. Ele foi deportado
para a Austrália. Algumas vezes eu sonho que ele voltará
para mim. As jovens sempre sonham. — Ela olhou para
Frannie e bateu a escova na palma da mão. — Quer algumas
dicas para não engravidar?
Frannie riu com a idéia de levar aquilo até o ponto de
se arriscar a uma gravidez, sacudiu a cabeça, mas anuiu em
seguida. Feagan lhe dera conhecimentos, afirmando que
talvez nunca os utilizassem, mas o saber sempre tinha suas
vantagens.
— Provavelmente não precisarei de nenhum
preventivo, mas eu só penso em Greystone e imagino o que
será se ele fizer mais do que beijar.
— Ah, ele já a beijou, não é?
Frannie se sentia dez anos mais jovem, livre e sem pre-
ocupações. Teve uma vontade absurda de rir como vira uma
jovem fazer enquanto passeava de braços dados com seu
amado, um perdido no olhar do outro. Ah, que tolice
experimentar tal estouvamento nessa idade!
— Não ouse contar para Jack.
— Nem sonhe com isso. Vamos, agora queira sentar-se
para eu terminar de penteá-la e eu lhe direi o que sei.
O que ela sabia, envolvia a colaboração de um homem.
Frannie não podia imaginar-se discutindo temas tão
íntimos com Sterling, mas se ela não tocasse no assunto,
provavelmente não faria nada com o duque.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
122
Então por que se preocupar tanto? O penteado alto
estava lindo, com fitas verdes entrelaçadas. Prudence
conseguira encontrar — sabe-se lá onde — tiras da mesma
cor do vestido que deixava exposta boa parte dos ombros.
Sterling sentiria vontade de beijá-los? Ela gostaria disso?
Chamou a si mesma de covarde e pegou um xale de seda.
Calçou as luvas brancas de pelica que lhe haviam sido dadas
pelo avô de Luke anos atrás. Precisava de algo mais. O que
seria?
Lembrou-se do presente que Feagan lhe dera na
despedida. Ela e os outros estavam de mudança para a
residência urbana de Claybourne, abandonando Feagan. Ela
não quisera ir, mas ele havia insistido.
— Você terá uma vida melhor, Frannie Darling. E não
lhe ensinei sempre que se deve procurar a bolsa maior em
vez de a pequena?
Abriu a pequena caixa de madeira entalhada e dali
tirou um colar de pérolas.
— Uma pequena lembrança para você não se esquecer
de mim.
Além da roupa do corpo, fora a única coisa que ela
trouxera do cortiço. Seu vestido fora queimado naquela
noite, depois da sujeira ter sido escovada de seu corpo. Ela
nunca usara as pérolas, por temer que estas tivessem sido
roubadas por Feagan e que pudessem ser reconhecidas.
Tolice, pérolas não tinham marcas de identificação. Ela
estava nervosa e precisava de algo que a recordasse de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
123
Feagan.
— Você é tão boa como qualquer outra — ele lhe
dissera certa vez.
Frannie suspirou e guardou o sentimento junto com as
outras memórias preciosas.
Já escurecia quando ela pegou a pequena bolsa, deixou
o apartamento e fechou a porta.
Ela não se sentia tão apavorada, nem tão excitada
desde o dia em que ela, Luke e Jack haviam saído da casa
de Feagan ao amanhecer para ir a uma feira. Ele não teria
se incomodado se houvesse sido avisado. Feagan poderia
pensar que eles pensavam em roubar bolsos. Na noite
anterior, enquanto contavam moedas, Frannie separara um
coroa para eles se divertirem sem medo de serem presos.
Em vez de roubar, haviam comprado comida. Apesar da
alegria, temera que Feagan descobrisse a moeda que
faltava e ficasse desapontado com ela. Uma coisa era
roubar de estranhos, outra bem diferente, roubar dele.
Era como se sentia agora. Excitada pelo que a
aguardava e apavorada. Não queria desapontar os meninos
de Feagan caso eles descobrissem seus planos, pois
certamente não os aprovariam quando soubessem que nada
resultaria daquele encontro. Ela representava uma
pequena diversão para um nobre inglês. Mesmo que ele a
tratasse como uma dama no começo, ela acabaria como uma
vaga memória, se tanto.
Frannie estava no meio da escada quando viu Sterling,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
124
iluminado pelo lampião pendurado na porta dos fundos do
Dodger's. Apesar da pouca iluminação foi possível
reconhecê-lo pela largura dos ombros, quadris estreitos e
a elegância usual.
Como ela se atrevia a sair com um homem desses?
— Srta. Darling. — Ele fez uma reverência e estendeu
a mão para ajudá-la a descer os últimos degraus.
Frannie sentiu os dedos longos e fortes, e seu coração
deu um solavanco, apesar dos dois usarem luvas. No último
degrau, ela pôde fitá-lo, olhos nos olhos.
— A senhorita está linda — Sterling falou em voz
baixa e sensual.
— Qualquer um fica bonito nas sombras. — Por que ela
estava sem ar, como se houvesse descido a escada
correndo?
Sterling sorriu e seus dentes brancos brilharam
apesar da obscuridade da rua. Teria suposto que ela
poderia desmaiar devido ao nervosismo?
— Meu coche está à espera.
Frannie desceu o degrau, mas Sterling a impediu de
continuar.
— Relaxe, srta. Darling. Esta noite será apenas a ópera
e o jantar.
— Estou sabendo disso e não tenho planos para mais
nada.
Dessa vez o sorriso de Sterling pareceu chamá-la de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
125
mentirosa, mas ela não o desafiou. Apesar da insegurança,
pusera na bolsa o preservativo que Prudence lhe dera... por
precaução.
Não saberia dizer se sentia alívio ou se ficava
desapontada ao pressupor que o mesmo não seria usado.
Dentro do coche, eles se sentaram em lados opostos
enquanto percorriam as ruas de Londres. Ele não afastava
dela o olhar e ela teve de desviar o seu, pois se sentia
acalorada. Não experimentara essa mudança inexplicável
em seu corpo com nenhum dos meninos de Feagan, nem
mesmo quando eram pequenos e dormiam no mesmo catre.
Essa consciência da atração masculina só acontecia na
presença de Sterling.
Era apavorante e a intrigava.
— Vossa Graça sabia que Luke pediu-me em
casamento? — Frannie procurou distrair a mente. — Foi
como ele e Catherine se conheceram. Ela teria de ensinar-
me o comportamento de uma dama da nobreza.
— Eu não sabia disso. E por que não se casou com
Claybourne?
— Estou bem consciente de que não pertenço à
aristocracia.
— No entanto está aqui, com um aristocrata.
— Nós dois sabemos, Vossa Graça, que casamento não
é o que lhe passa pela mente.
O olhar de Sterling escureceu e ele a fitou desde os
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
126
cabelos presos no alto da cabeça até o bico dos sapatos
recém-engraxados.
— Não, o casamento não é o que tenho em mente.
Sem querer, Frannie anuiu, sem saber com o que
concordava e sem se ofender com a sinceridade de
Sterling. Pelo menos ela sabia em que terreno pisava.
Mas nada indicava que tivesse a chave para a solução
do problema.
Foi um milagre Sterling ser capaz de andar sem
tropeços até o coche, depois de perder o fôlego ao ver
Frannie descer a escada. Fora somente no caminho para
casa, depois de ter feito o convite, que lhe ocorrera que
ela poderia não ter um traje apropriado para ir ao teatro.
Pensara em pedir a Catherine um vestido emprestado — as
duas tinha porte físico semelhante —, mas seria um risco
Luke descobrir do que se tratava e Sterling acabar com
outro olho roxo. Decidira que seria uma delícia andar com
ela de braço dado, independentemente do que estivesse
vestindo.
Em vez disso, descobrira que Frannie era uma beldade
estonteante. Felizmente a lamparina do coche permitia que
ele se deslumbrasse com tanta beleza.
Frannie se calara após a confirmação de que um matri-
mônio não estava nos planos dele, mas ele pretendera
apenas ser honesto. Nunca usara de falsas promessas para
atrair uma dama e não pretendia começar com Frannie. Ela
merecia muita consideração. Na verdade, merecia muito
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
127
mais.
— Vossa Graça nunca viu uma mulher em trajes de
noite?
— É evidente que sim, mas eu a estou admirando.
Nunca a vi vestida de maneira tão provocante. Por que não
usou esse vestido no casamento de minha irmã?
— Era o dia de Catherine e ninguém mais deveria cha-
mar a atenção. Além disso, ele é um pouco audacioso para
tais ocasiões.
— Gosto de audácia em mulheres.
Frannie deu um sorriso leve, um som surpreendente e
bem mais adorável do que a melhor orquestra que ele j;í
vira.
— Vossa Graça deveria medir as palavras ou poderei
tomá-las ao pé da letra.
— Pois eu adoraria, srta. Darling.
— Parece que Vossa Graça está flertando comigo, mas
não se esqueça de que vim esta noite somente por sua
ameaça de mandar prender um de meus órfãos.
— Apenas parece? Então deverei esforçar-me mais
para que não haja dúvida.
— Pois eu preferia que não se esforçasse tanto.
— Muitas mulheres ficariam lisonjeadas por ter um
duque para levá-las à ópera.
— Por que não convidou uma delas?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
128
— Nenhuma me intriga tanto quanto a senhorita.
— A paixão tem vida curta.
— Pelo contrário, conheço homens que tem a mesma
amante durante anos.
Frannie olhou pela janela e Sterling analisou seu perfil
e a curva elegante do nariz. Ele gostaria de sentar-se ao
lado dela, beijá-la do ombro até o ponto sensível atrás da
orelha e sentir nos lábios a circulação acelerada. Porém ele
temia apressar-se, assustá-la e perder a recompensa
máxima, pois Frannie poderia fugir tão depressa como
Charley fizera.
Por outro lado, queria apreciar com ela a ópera e o
jantar. Sem dúvida desejava Frannie em sua cama, mas não
era só isso. Ele almejava mais. Queria guardar lembranças
dela que nunca procurara em outra mulher.
— Por que acha que mulheres se submetem a ser
amantes em vez de esposas? — Frannie indagou em voz
baixa.
— Algumas vezes essa é a única maneira de ter alguém
na vida, quando as circunstâncias prescrevem que o
casamento deve ser por causas diversas do amor.
Frannie voltou-se para Sterling.
— Milorde já amou alguém?
— A senhorita deve estar se referindo a algo
diferente do amor fraterno que sinto por Catherine. — Foi
a vez de ele olhar pela janela. — Uma vez pensei amar uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
129
mulher, mas o sentimento se transformou tão depressa em
aversão, que nem tenho certeza que se tratou de amor.
— O que aconteceu?
— Eu disse a ela a verdade.
— Sobre o quê?
Sterling virou-se para fitar Frannie.
— Sobre mim, srta. Darling. Apesar de meu status e
de minha riqueza, não serei um marido adequado.
Considere-se feliz por não haver esperança de casamento
entre nós.
— Qual é o problema? — Ela franziu a testa.
— Srta. Darling, tenho intenção de seduzi-la e minha
experiência assegura de que contar a verdade não c o
melhor caminho para seduzir uma mulher.
— Pois prefiro ser sincera e revelar que não tenho a
menor intenção de ser seduzida.
— Adoro um desafio, srta. Darling.
— Não esquecerei, Vossa Graça.
— A senhorita está nervosa por jantar em minha
residência mais tarde?
Frannie sacudiu a cabeça e o encarou.
— Não.
— Não conheço nenhuma mulher que sustente meu
olhar com tanta freqüência.
— O olhar de um homem é muito significativo. Pode
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
130
denunciar raiva, vingança ou orgulho. Os orgulhosos são os
mais fáceis de serem despojados.
— Pensei que fossem os mais difíceis.
— Em geral eles não contam que tiveram seus bolsos
saqueados, por temer que isso os faria parecerem tolos.
Então eles simplesmente repõem o que foi furtado.
— A senhorita diz isso com orgulho, como se
acreditasse que furtar é honroso.
— Não posso negar que sempre tive uma certa
satisfação em ser perita no que eu fazia. Eu fui a única das
crianças de Feagan que não teve ameaça de prisão.
— Devem ser seus olhos. Desconfio de que mesmo se
fosse presa, a senhorita poderia convencer um juiz a soltá-
la.
— Já me disseram que os olhos são meu melhor
atributo físico.
— A senhorita não tem espelho?
— Eu o uso muito pouco.
Fascinante. Sterling jamais conhecera uma mulher que
não ficasse horas diante de um espelho.
— Qual a causa dessa aversão?
— No espelho vejo meus olhos e neles está refletido
meu passado onde há muitas passagens que prefiro
esquecer.
— E é o passado que faz da senhorita uma mulher
fascinante.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
131
Sterling se encantava com cada aspecto de Frannie.
Era provável que retardasse a ocasião de levá-la para a
cama para desfrutar de mais momentos como aquele. Ao
mesmo tempo em que pensava nessa estratégia, ele a
desejava demais e não poderia esperar muito tempo para
possuí-la.
O coche parou diante da Ópera Royal Italian. Quando
ele deixara a Inglaterra, o espaço chamava-se Teatro
Covent Garden. Nada permanecera igual durante esse
período. O criado abriu a porta, Sterling desceu e
estendeu a mão para Frannie.
— Já esteve em uma ópera antes? — ele perguntou.
— O antigo conde de Claybourne me trouxe uma vez.
Fiquei atônita com os figurinos, com os atores e cantores.
Foi inacreditável.
— Fico feliz em ouvir isso. — Ele a conduziu até o
saguão, imaginando por que não se lembrara da multidão
que esperava para ocupar os lugares e lamentou a perda de
tempo em concentrar-se nos arredores. — Detesto ópera.
Frannie parou de andar e Sterling teve de fazer o
mesmo. Com alguma sorte poderiam ficar ali até que a
maioria das pessoas fosse em busca de seus assentos.
— Então por que viemos?
— Foi a única possibilidade que me ocorreu para que a
senhorita concordasse com o convite.
Sterling não soube dizer se ela se sentia lisonjeada ou
se estava com raiva.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
132
— O avô de Luke também não ficou até o fim e saímos
no meio do espetáculo. Não tenho certeza se deverei fazê-
lo ficar — ela afirmou com um sorriso atrevido.
— Se lhe agradar, aceitarei minha punição sem queixas
e até aplaudirei no final, mas devo confessar que tê-la ao
meu lado fará tudo suportável.
— Milorde tem muita prática em lisonjear uma dama.
— Devo admitir que me destaco nessa arte, mas não
cometa o erro de pensar que falo o que não penso.
— Vossa Graça deve querer... querer muito o que
deseja para assistir à ópera até o fim.
— Para ser honesto, srta. Darling, desde que voltei
para Londres, os melhores momentos que passei foram no
piquenique dessa tarde. Pensei em prolongar as horas
agradáveis e por isso estamos aqui.
Sterling não soube se a havia agradado, porque algo ao
longe chamou a atenção de Frannie e ela sorriu. Sterling
virou a cabeça e viu Marcus Langdon — primo de Luke e
anteriormente herdeiro do título — caminhando na direção
deles acompanhado de lady Charlotte Somner, filha do
conde de Millbank. Marcus não se parecia com Luke, talvez
pela infância totalmente diversa que haviam tido.
Sorridente, Langdon fez uma mesura. -
— Vossa Graça.
— Sr. Langdon... lady Charlotte.
— Vossa Graça. — Charlotte derreteu-se em um
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
133
sorriso.
— Srta. Darling. — Langdon beijou a mão de Frannie.
— Que prazer em vê-los. — Ele se virou para a dama a seu
lado. — Lady Charlotte, permita-me apresentar-lhe a srta.
Frannie Darling.
Charlotte, embevecida em contemplar Sterling, não
tomou conhecimento da apresentação.
— Vossa Graça não pode imaginar minha satisfação em
encontrá-lo. Venha jantar conosco uma noite dessas para
nos encantar com histórias de suas viagens.
Langdon pareceu desconcertado com o
comportamento rude de Charlotte.
— Lady Charlotte, a srta. Darling é uma das amigas
mais queridas de meu primo, o conde de Claybourne.
— Ah, então ela é uma daquelas pessoas?
— E que pessoas são essas, lady Charlotte? — Frannie
não permitiu que Sterling a defendesse. — As pessoas que
se preocupam com os pobres e indigentes de nossa
sociedade? As que vêem o sistema judiciário e penal como
injusto?
— São as que carregam sujeira das ruas em suas
roupas. Se me der licença, preciso ir à sala das damas.
Ficar aqui me fez sentir impura. — Charlotte se virou e
afastou-se.
— Ah, Senhor — Langdon gaguejou. — Srta. Darling,
minhas desculpas mais sinceras. Vossa Graça, eu não podia
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
134
imaginar...
Frannie tocou-lhe o braço.
— Não se preocupe, sr. Langdon. É uma pena que alguns
tenham essa péssima opinião a meu respeito, mas posso
assegurar-lhe de que não perco o sono por isso.
— Mesmo assim, meu primo...
— Nada direi a ele.
Langdon suspirou, aliviado e Sterling entendeu que ele
deveria ter receio de enfrentar a cólera de Luke
Claybourne. Não o culpava, pois ele mesmo recebera a
visita de Jack Dodger e Jim Swindler.
— A senhorita é muito bondosa — Langdon afirmou.
— Nada disso. Não se pode ser responsável pelas
ações alheias. Aproveite a ópera.
— A senhorita também. — Ele anuiu para Sterling. —
Vossa Graça.
Langdon afastou-se para ir ao encontro de Charlotte
com quem decerto se desiludira. Uma pena para ela, na
opinião de Sterling, pois ouvira dizer que Langdon fora
empregado por seu primo com um salário muito vantajoso.
— Isso costuma acontecer com freqüência? —
Sterling perguntou a Frannie.
— Não, porque eu me mantenho afastada da
aristocracia o mais possível.
— Não nos comportamos de maneira tão abominável.
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135
— Não todos, mas a grande maioria. Vamos procurar
nossos lugares?
— A senhorita não preferia ir embora?
— De jeito nenhum. Posso estar ferida, mas não me
nego a carregar a espada.
— A senhorita é notável. Sinto-me honrado em estar
a seu lado esta noite. — Ele estendeu o braço e adorou
sentir o dela que nele se apoiava.
— Vamos ver como se sentirá amanhã, quando os
boatos se espalharem.
— A senhorita é céptica quando se trata da
aristocracia.
— Apenas realista.
As palavras dela o abalaram. Afinal não dissera a
mesma coisa para Catherine?
Sterling conduziu Frannie até a escada e descobriu
que era mais fácil se mover com ela a seu lado.
— No casamento de minha irmã, quando seus amigos a
rodearam, eles na certa procuravam protegê-la dos
comentários maldosos dos convidados.
Eles caminharam até o camarote de Sterling onde se
sentaram.
— Quando eu era bem mais jovem e morava na
residência dos Claybourne, o avô de Luke organizou um chá
da tarde nos jardins com algumas meninas da minha idade.
Elas eram lindas e chegavam em coches e carruagens. As
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risadas delas eram doces e suaves, bem diferentes das
risadas ásperas que se ouvia nos cortiços. E por isso achei
que gostaria de todas. Elas não encostaram em mim e
ensinaram-me que palavras podiam ferir como facas. Elas
queriam saber como era a vida nos cortiços e cometi o erro
de contar que eu dormira com Luke, Jack e Jim, e que
algumas vezes eu ainda dormia com Luke. Elas trans-
formaram o fato em algo hediondo e eu era inocente.
Dormir nos braços de alguém pode ser muito gostoso, mas
eu não tornei a repetir a situação sem, no entanto, contar
a eles o motivo. Deixei que as meninas tolhessem minha
naturalidade.
Frannie contava os fatos sem demonstrar emoção, mas
Sterling sabia que ela devia ter sofrido muito. Frannie
possuía uma bondade que excedia a de qualquer pessoa que
ele conhecia. Não podia imaginá-la trazendo
intencionalmente sofrimento a alguém. Teve vergonha de
admitir que poderia conhecer muitas que zombariam dela.
— Diga-me quem são e eu tratarei de adverti-las.
Frannie sorriu.
— Isso foi há muito tempo, Vossa Graça, e eu não
guardo rancor, mesmo admitindo que às vezes eu gostaria
de ter alguém dormindo comigo.
Sterling passou o dedo enluvado no braço descoberto
de Frannie.
— Podemos remediar isso, até esta noite, se quiser.
— Tenho a impressão, Vossa Graça, de que pretende
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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fazer muito mais do que dormir.
— A senhorita deveria encarar isso como um
cumprimento. Desde que voltei para a Inglaterra, não fiz
essa proposta a nenhuma dama.
— Admirável, em princípio. — Ela deu um sorriso mali-
cioso. — Porém suspeito que milorde não considera todas
as mulheres como damas.
— Muito poucas, de fato.
As luzes foram apagadas e Sterling amaldiçoou a
escuridão. Nem as luzes que iluminavam o palco diminuíram
a escuridão do camarote. Ele não podia ver Frannie com
clareza. Podia apenas sentir a fragrância doce, memorizar
o contorno de sua silhueta e sentir o calor do corpo ao lado
do seu.
Ele se inclinou para o lado.
— Fique descansada, eu a considero uma dama — ele
cochichou.
— Uma que milorde deseja levar para a cama.
Sterling tirou a luva e passou o dedo no ombro exposto
pelo xale que deslizara um pouco.
— Isso não é um insulto, sou muito exigente.
Sterling estava perto o suficiente para ouvi-la engolir
em seco.
— Eu também sou, Vossa Graça.
Sterling cessou a carícia e recostou-se na poltrona.
Frannie não cederia com facilidade, mas ele gostava de um
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138
desafio.
Capítulo VI
No intervalo da ópera, Frannie resolveu ser
misericordiosa e sugeriu .que fossem embora. Ela queria
evitar a aglomeração das pessoas e não era capaz de
apreciar o espetáculo com Sterling olhando para ela e não
para o palco. Não se aborrecia por ele não afastar o olhar.
Na verdade, o fato a agradava, mas ela encontrava
dificuldade em descontrair-se, imaginando aonde o jantar
os levaria.
O coche chegou a uma curva larga e Frannie teve a
primeira visão da residência Greystone. Ela sempre
considerara magnífica a mansão dos Claybourne, mas a de
Sterling era muito maior e mais elegante. À porta do coche
foi aberta e Sterling saiu antes de estender a mão para
ela. Decidida, Frannie pôs a mão na dele e permitiu que ele
a ajudasse a descer do veículo. Impressionada pela
magnificência da habitação, ela o seguiu pelos degraus
largos e lembrou-se de que Catherine havia vivido ali.
Poderia considerar que estava visitando a casa de uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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amiga que tinha um irmão encantador e perigoso.
No interior da residência, Sterling a levou por
corredores e ela procurou não parecer pasma diante dos
retratos dos antepassados que guardavam grande
semelhança com ele. Deveria ser maravilhoso conhecer
suas origens, enquanto ela só tinha conhecimento da
própria existência. Quem seria sua mãe? Uma mulher
casada, uma criada, uma dama? Alguém a teria amado? Ou
era o que Frannie temia. Ser o resultado de um encontro
violento que sua mãe não desejara e ninguém quisera a
criança?
Sterling a levou até uma sala pequena que parecia
deslocada em uma residência de amplas dimensões. Dentro
havia poltronas estofadas e um sofá. Na lareira o fogo
crepi-tava e ao lado havia uma mesa redonda com uma
toalha de renda. A luz das velas estrategicamente
dispostas deixava a maior parte do recinto nas sombras,
exceto a área onde deveriam jantar. Pelas cortinas
abertas podia-se ver um jardim iluminado por lampiões. A
um canto da sala, um homem estava em pé, segurando um
violino. O coração de Frannie bateu em descompasso. Ela
não sabia exatamente o que esperar. Enquanto ela havia
morado com os Claybourne, o jantar era em geral servido
formalmente em uma sala grande. Ela não antecipara um
clima tão romântico. Estava consciente de que Sterling a
desejava na cama, mas o cenário sugeria muito mais do que
uma cópula rápida.
Frannie assustou-se quando Sterling encostou em seu
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ombro para tirar-lhe o xale. Ele deveria ter feito um sinal,
pois o som suave do violino começou a ecoar pela sala.
— Calma, srta. Darling — ele sussurrou por trás e
junto ao ouvido dela. — Nós vamos apenas jantar.
Frannie anuiu e olhou para Sterling. Os preparativos a
deixaram nervosa por recear haver se enganado quanto às
intenções dele. Se Sterling a envolvesse em romantismo,
ela seria capaz de afastar-se da cama dele sem um
sentimento grande de perda?
— Vossa Graça teve muito trabalho.
— Não tive nenhum. — Ele deu um sorriso malicioso. —
Meus criados, sim. Presumo que a senhorita aprovou os
esforços deles.
— Tudo é adorável em demasia.
— Fico satisfeito que tenha gostado. — Sterling
levantou a mão dela e começou a tirar-lhe a luva.
— Posso fazer isso — Frannie alegou, sem ar.
— Eu preferia fazê-lo, se a senhorita não tivesse
objeções.
Frannie negou com um gesto de cabeça e a pulsação
acelerada ao sentir os dedos cálidos tocarem sua pele.
Nem mesmo notara quando ele tirara as luvas. Parecia que
ele também tinha dedos leves. Embora ainda não
lamentasse a decisão de aceitar o jantar, tinha certeza de
que ele poderia ser mais perigoso do que qualquer um dos
homens que pudesse encontrar na rua em sua peregrinação
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atrás dos órfãos.
Depois de tirar uma luva, ele beijou-lhe a ponta dos
dedos antes de se voltar para a outra mão. Ela o imaginou
tirando seu vestido e beijando cada lugar que era revelado.
Sterling tirou a segunda luva e deixou-as sobre o xale,
levou Frannie até a mesa e puxou uma cadeira de onde ela
poderia ver o jardim.
— A música dá um toque agradável — Frannie afirmou
ao sentar-se, sem conseguir aparentar a indiferença que
pretendia para dar sofisticação a si mesma.
— Não gosto de silêncio. Na selva é um sinal de perigo.
— Ele fez um sinal com a cabeça e de repente o vinho foi
vertido nas taças e a refeição começou a ser servida.
— Como é a selva?
— É quente. Muitas árvores e vegetação, trepadeiras,
gritos dos macacos e cricrilar de insetos. De repente tudo
fica quieto e sabe-se que um predador está por perto.
— Milorde ficava apavorado?
— Na verdade, fortalecido. Era desafiador, tanto
física como mentalmente. Apesar de termos guias, lorde
Wexford, meu companheiro de viagem, e eu muitas vezes
atacávamos por nossa conta. E quase fomos mortos uma ou
duas vezes. Mesmo assim foi excitante.
— Vossa Graça ficava excitado com a possibilidade de
ser morto?
— Sei que parece uma tolice ou talvez uma
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imprudência, mas nós nos sentíamos como se estivéssemos
reduzidos a mais elementar luta pela sobrevivência. A
vitória é embriagadora.
— Milorde andou mesmo em cima de um elefante?
— Sim e sobre um camelo que sacudia demais. Pensei
que fosse perder todos os meus dentes.
Frannie riu.
— Nem posso imaginar como isso deve ser diferente
do que temos aqui.
— Tenho alguns desenhos de minhas viagens. Se
quiser, posso mostrar-lhe depois do jantar.
Frannie mal percebeu um criado tornar a encher sua
taça com vinho, o prato sendo removido e outro sendo
trazido.
— Não imaginei que Vossa Graça fosse um artista —
ela disse, enquanto provava a carne.
— Amador, eu lhe asseguro. Wexford entende de
fotografia, mas ele teve dificuldade em fazer criaturas
selvagens ficarem quietas. No entanto, captou a imagem
de belas paisagens. Bem, chega de falar de mim, srta.
Darling. — Ele a fitou por cima da borda do cálice, enquanto
bebia o vinho. — Estou interessado em escutar suas
histórias.
— Depois de tantas viagens, milorde vai achar
enfadonho o que tenho para contar.
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— Pois eu lhe digo que nunca fiquei tão intrigado a res-
peito de uma mulher. Os malandrinhos que a acompanhavam
hoje, em particular Charley, tem um pouco de maldade
dentro deles. Como vieram parar sob seus cuidados?
— Se uma criança é presa e Jim acredita que ela pode
se modificar, ele a traz para mim. Os quatro de hoje
estiveram em uma prisão e quero que eles vejam que a vida
é bem melhor do que o cortiço.
Sterling roçou-lhe as costas da mão com o polegar e
Frannie admitiu que era um conforto hipnótico fitar os
olhos sérios dele.
— Tenho interesse por crianças que foram levadas ao
crime, pois são as mais vulneráveis. Se forem apanhadas,
as punições podem ser severas, mesmo que os crimes
cometidos sejam ínfimos. — Ela se lembrou do comentário
de Jim. — Vossa Graça já roubou uma maçã?
Ele continuou os movimentos vagarosos com o polegar,
enquanto tomava mais um gole de vinho.
— Sim, por que a pergunta?
— Milorde não acha isso errado?
— Eu devia ter uns oito anos e... tratava-se de um jogo.
— As últimas palavras foram ditas em tom mais baixo como
se um entendimento o atingisse. — Suas crianças
criminosas acreditam estar fazendo um jogo.
— Na maioria dos casos. Quando uma criança é muito
pequena, ela acha que deve fazer o que lhe é ensinado, por
exemplo o bolso se destina a guardar objetos que devem
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ser furtados. Da mesma forma como o estabelecimento do
merceeiro poderia ser destinado para diversão: pegar uma
maçã e apostar que o merceeiro não o pegará. Se ninguém
diz à criança que isso é errado, como ela poderá saber?
— Mas se o objeto não lhe pertence...
— Uma criança não tem posses e não entende de
propriedade. Quando é apanhada, vai para a prisão ou é
deportada por roubar uma maçã ou uma bobagem qualquer
que não vale nem meio xelim. As punições são sempre
severas e execráveis quando se trata de crianças, e eu fui
criada nesse mundo. Felizmente o homem que ficou comigo
não batia em crianças, embora tenha nos ensinado a roubar
e usava nossas habilidades para encher os bolsos com
moedas. — Frannie sacudiu a cabeça. — É difícil quando se
ama uma pessoa que é reconhecidamente corrompida.
Sterling passou os nós dos dedos na face de Frannie.
— Estraguei uma noite que prometia ser agradável.
— Não, fui eu quem estragou tudo. As crianças são a
minha paixão e eu me empolgo quando falo nelas.
— Essa sua paixão que me intriga — Sterling afirmou,
sério. — Quer dar um passeio no jardim antes de eu levar
para casa?
Então ele pretendia apenas levá-la à ópera e para
jantar. Frannie deveria sentir-se aliviada, mas temeu que
ele pretendesse atraí-la para a cama sem parecer muito
óbvio. Certamente não seria naquela noite.
— Posso ver antes seus desenhos?
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145
Sterling ordenou que se limpasse a mesa, dispensou o
violinista, pegou os desenhos e dois cálices de conhaque.
Ele nunca oferecera conhaque a uma mulher, mas Frannie
aceitou sem hesitar o que o fez supor que ela bebesse
ocasionalmente. Afinal ela trabalhava em um
estabelecimento onde se vendiam bebidas alcoólicas em
abundância.
Eles se sentaram no pequeno sofá. A arte de sedução
de Sterling não tivera o efeito esperado. Àquela hora
Frannie já deveria estar nos braços dele, mas era
impossível negar que havia muito ele não passava uma noite
mais agradável.
— Um leão — Sterling afirmou ao mostrar o primeiro
desenho.
— Ele parece tão... régio — Frannie comentou.
Agradou-o Frannie perceber o que ele tentara capturar: a
essência do animal.
— Por isso o chamam de rei da selva. Quando ele ruge,
um frio lhe percorre a espinha, independentemente de
quem seja. E quando se olha para ele... tem-se a impressão
de que existe muito orgulho imbuído nele.
— Pensei a mesma coisa de milorde quando o vi na
recepção do casamento. — Frannie corou e olhou-o de lado.
— Vossa Graça se comporta com grande dose de uma
confiança que Luke apenas agora começa a demonstrar.
Milorde não questiona a deferência que lhe é devida.
— Não a mim, mas a meu título.
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— Mas Vossa Graça representa o título, não é?
Sterling anuiu com gesto de cabeça. Ele nunca
questionara que um dia ficaria com o título, mas então
imaginou se ela seria mais receptiva se ele não fosse um
duque.
— Vossa Graça sabe quem é sua família e de onde ela
vem há gerações. Também deve apreciar o legado que lhe
foi entregue. Quanto a mim, é como se antes não houvesse
ninguém.
Sterling não podia conceber como seria não conhecer
os ancestrais. Devia ser um vazio imenso saber que se
brotou do nada.
— Deve existir uma família Darling a quem você pode
pertencer. Seu amigo inspetor pode fazer averiguações.
O riso que sugeria um menosprezo a si própria tocou o
coração de Sterling. Ela era encantadora em sua
sinceridade e falta de arrogância.
— Não tenho a menor idéia de quem eu seja. Sempre
fui chamada de Frannie Darling e supus que esse fosse meu
nome. É muito fácil uma pessoa mudar de localização em
Londres e assumir uma identidade diferente. Feagan
sempre mudava o nome de uma criança que ele recolhia,
como forma de proteção e permitir a ela um recomeço.
Sterling pôs a braço no encosto do sofá e passou o
dedo na pele alva do ombro desnudo, e teve uma idéia dos
tesouros que a roupa escondia.
— Então a senhorita realmente nada sabe a respeito
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
147
de seus ancestrais?
— Nada. Nem mesmo se isso é uma bênção ou uma pra-
ga. Luke pertence à nobreza, o pai de Jim foi enforcado e
Jack foi vendido pela mãe. Meus pais teriam sido de alta
classe e eu fui roubada ou eles pertenciam à escória da
sociedade? Não sei.
Se Sterling estivesse pensando em um compromisso
permanente com Frannie, o que seria improvável, o relato
dela o teria feito reconsiderar. Os nobres se casavam com
nobres, com uma pessoa que tivesse uma herança em
comum, com entendimento e apreciação pelo status
ocupado. Ele não se considerava melhor do que ninguém,
mas carregava a responsabilidade pelos que o haviam
precedido e assegurado a ele privilégios especiais,
requerendo certos deveres e comportamento, com não
poucas expectativas.
— A senhorita gostaria de saber? — ele perguntou.
— Suponho que depende da resposta.
— E qual delas seria de sua preferência?
— Não tenho certeza. As duas deixam muito a desejar.
Frannie queria desviar-se do assunto de seu passado.
Virou a página do bloco e deparou-se com um macaco
pequeno.
Sterling achava aborrecido falar de suas viagens; que-
ria falar de Frannie e conhecer todos os aspectos de sua
vida. Mais do que isso, queria vê-la sorrir de novo. Com esse
intuito aceitou mudar o assunto para um terreno mais
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148
seguro e menos excitante.
— Esse pequeno animal nos adotou e vez por outra,
vinha para meu ombro.
— Milorde é talentoso para capturar imagens.
Ele sempre observava o mundo à sua volta e gostava
de desenhar o que via. Supunha que esse passatempo fora
um dos motivos que o fizera notar uma mudança gradual
em sua vida. Foi quando se dera conta da diminuição de seu
campo visual.
— Sempre gostei de desenhar. — Sterling passou a
ponta do dedo pela clavícula de Frannie. — Eu teria um
grande prazer em retratá-la.
— Não sei se me agradaria posar.
— Talvez eu consiga convencê-la do contrário, durante
meu objetivo de fazê-la aceitar outras coisas.
Sterling segurou-lhe o pescoço e Frannie arregalou os
olhos verdes antes de estreitá-los em provocação. Ele
prometera comportar-se naquela noite, mas parecia
impossível manter a palavra. Embora julgasse que Frannie
perdera a inocência, a cada momento captava sinais da mais
pura ingenuidade em um sorriso ou em um flerte inseguro.
Ela era uma combinação de sobrevivência e bondade,
ousando e inventando suas próprias regras quando as
existentes não lhe convinham. Com o polegar, ele acariciou
a pele suave sob o queixo e sentiu a pulsação dela se
acelerar.
— Srta. Darling, eu gostaria de refazer nossos planos
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
149
para esta noite.
— Ah?
Frannie ficou arfante e seus batimentos triplicaram
de ritmo. No olhar dela, nenhum medo, apenas a
antecipação que o encorajava a continuar.
— A ópera, o jantar... e um beijo.
O leve gesto de anuência de Frannie passaria
despercebido para outro homem, mas Sterling estava
acostumado a esmiuçar o mundo ao seu redor, a reunir os
menores detalhes para o dia em que as minúcias ficassem
perdidas para ele.
Sterling pretendia ser gentil, mas o vestido sedutor
causara imagens provocantes e o beijo não pôde ser
contido. O mais estranho foi seu coração disparar quando
ela o acolheu. Durante suas viagens, tivera centenas de
mulheres em seus braços. Mulheres de todos os países e
muitas delas, exóticas. No entanto nenhuma despertara
seu desejo com tanta ferocidade como acontecia com
Frannie. Ele varreu a boca de Frannie com a língua e
refletiu que apenas uma lhe parecera tão doce e tão
quente. Afastou-se da boca e deslizou os lábios pelo pes-
coço lânguido. Ouviu-a gemer e notou que ela atirava a
cabeça para trás a fim de facilitar o acesso. Depois ele
mordiscou-lhe a ponta da orelha.
— Quero soltar seus cabelos.
A anuência veio em forma de um suspiro.
Sterling soltou os grampos que prendiam os cabelos
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
150
sedosos e, com habilidade, afrouxou as fitas que foram
atiradas no chão. Ele segurou, as mechas que despencavam,
deslizou uma parte sobre um dos ombros e os cabelos se
aninharam no colo de Frannie.
— Gloriosos — ele murmurou.
— São rebeldes.
— Eu gosto de rebeldia. — Ele sorriu.
Faminto, ele tornou a beijar-lhe os lábios,
desconfiando de que ela não fosse inocente. Ninguém podia
conservar a ingenuidade trabalhando em uma casa como o
Dodger's. No entanto ele sentiu uma hesitação nos
movimentos de Frannie como se ela receasse tocar nos
dentes dele com a língua ou explorar-lhe a boca como ele
fazia com a dela. Ele teve vontade de dizer que não
encontraria falha no que ela fizesse, mas não ousou
quebrar o encanto do momento. Sterling ergueu a mão,
aconchegou o seio dela em sua palma e deliciou-se com o
peso. Roçou o polegar sobre o mamilo, sentiu-o endurecer
e desejou deslizar a língua nele. Fez uma trilha úmida de
beijos pelo pescoço de Frannie, passou a língua na cavidade
de sua base antes de descer, deslizar o dedo para dentro
do corpete e abaixá-lo, expondo o busto alvo e o mamilo
róseo.
Arfando, Frannie deixou pender a cabeça para trás,
perdida em bem-aventurança.
Com facilidade, Sterling virou-a, deitou-a de costas no
sofá, ajoelhou-se a seu lado e recriminou-se. Não queria
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
151
que seu relacionamento com Frannie se assemelhasse às
centenas de casos que tivera antes. Não queria que nada
fosse fácil. Sua Frannie Darling era diferente em aspectos
que ele não podia compreender, mas que desejava explorar
a seu bel-prazer.
Frannie segurou o rosto de Sterling e beijou-lhe a
boca com intensidade voraz. Sua resistência o fizera
duvidar de que ela o desejava com o mesmo fervor que o
inundava. Mas ali estavam a paixão, o desespero, a
necessidade de ser tocada.
Sterling interrompeu o beijo, mordiscou-lhe o queixo
antes de dar atenção ao seio exposto.
— Perfeito — ele sussurrou antes de sugá-lo.
Frannie olhou para Sterling e agarrou-se nos ombros
dele. Ela era indomada como os animais selvagens que ele
vira na selva. Não se assemelhava a uma jovem decorosa.
Nada a impedia de passar os dedos nos cabelos dele e no
peito sob o colete. Era como se desejasse tocá-lo por
inteiro e estivesse frustrada por encontrar tão pouca
cútis exposta. No entanto Sterling tinha certeza de que
não se deteria, se tirasse as roupas. Ele romperia a
promessa. Ele a possuiria ali mesmo e que se danassem as
conseqüências. Não convencido de que Frannie desejava
tudo o que ele poderia lhe dar, Sterling deslizou a mão por
baixo da saia dela e acariciou-lhe a perna.
Frannie fez um movimento brusco e choramingou
quando ele alcançou o centro doce de sua feminilidade e
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
152
ele a acalmou, beijando-lhe o rosto. Ela estava úmida,
quente e pronta para receber o que ele não poderia dar
sem remorso. Sterling nunca hesitara com uma mulher,
nem questionara seus atos, muito menos quisera que uma
delas iniciasse o que ele alegremente terminaria. Frannie
estava perdida de paixão, fervente de desejo, mas
Sterling não desejava que ela tivesse remorsos nem que
fosse além do que ela esperava.
Frannie colou-se em Sterling, contorcendo-se de
encontro a ele, enquanto ele usava os dedos e a boca para
aumentar-lhe a satisfação. Ela arqueou as costas, prendeu
a respiração e Sterling beijou-a, engolindo o gemido de
prazer, ciente de que o corpo dela pulsava de encontro a
seus dedos, o que arrancou dele um gemido profundo de
aprazimento.
Sterling nunca dera prazer sem nada receber em
troca, mas naquela noite parecia imperativo não tomar
posse completa, mesmo que isso o deixasse com uma ânsia
insuportável. Ao recuar, ele viu o assombro e as lágrimas,
e ela virou o rosto.
— Não me evite — ele pediu.
— Você disse que seria apenas um beijo.
Sterling segurou-lhe o rosto, virou-a para ele e deu um
sorriso torto.
— Eu me entusiasmei com a vontade de lhe dar prazer.
Frannie apertou os olhos e uma lágrima deslizou por
seu rosto. Sterling abaixou-se e limpou-a com um beijo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
153
— Não há motivo para chorar, doçura.
— Eu nunca... eu não sei... — a voz de Frannie fazia
supor que ela estivesse contendo o choro.
— Ninguém lhe deu prazer antes? — Sterling indagou,
atônito.
Frannie meneou a cabeça. Ele fitou as pernas que
apareciam sob a saia erguida.
Ela seria virgem? Como poderia ser, se ela trabalhava
no Dodger's?
Como guarda-livros e não como meretriz, idiota!
— O que há com você? — ela perguntou em voz baixa.
— Como é?
— Você não... não quis... — O rubor das faces de
Frannie escondia as sardas.
— Eu prometi que não passaria de um beijo, e mantive
a promessa. — Sterling beijou-lhe as pontas dos dedos.
Não era para admirar que os outros estivessem tão
empenhados em protegê-la.
Dentro do coche, Sterling a segurava como se odiasse
a próxima separação. Frannie não esperava por aquilo, mas
nada a respeito do duque correspondia às suas
expectativas.
— Quero vê-la de novo — Sterling afirmou.
— Creio que não seria conveniente. Pertencemos a
mundos diferentes. No seu eu viverei apenas uma noite, e
no meu milorde será destinado às lembranças.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
154
— Pensei que depois do que houve entre nós, você
poderia me chamar de Sterling.
— Nós não somos iguais — ela declarou com um aperto
no coração.
Eles fizeram o restante do trajeto em silêncio, o que
a fez acreditar que estava certa. Independentemente dos
sentimentos que florescessem entre eles, a posição na
sociedade determinada pelo nascimento haveria de
separá-los.
Por fim, chegaram ao Dodger's e Sterling
acompanhou-a até o apartamento.
— Srta. Darling, agradeço por aceitar meu convite
para esta noite. Seu pequeno diabrete não será preso.
Frannie tirou a chave da pequena bolsa, destrancou a
porta e olhou por sobre o ombro.
— Para ser franca, Vossa Graça, desconfio de que ele
sempre esteve a salvo desse destino.
Sterling não teve tempo de negar ou confirmar a
veracidade das palavras de Frannie. Ela entrou, fechou a
porta e trancou-a. Depois de um longo momento, ela
escutou-o descer a escada. Teve vontade de abrir a porta
e convidá-lo a entrar.
Aquela noite ele a brindara com um presente
extraordinário. Seus sentimentos a respeito de Sterling
haviam se aprofundado. Se nada acontecera, não sabia
como tivera coragem de fechar a porta para ele.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
155
Sentiu a pele sensível ao se preparar para dormir.
Tirou do bolso do vestido que usara na exposição, o lenço
que teria de lavar e passar. Entrou na cama, apagou a
lamparina e virou-se de lado, pressionando o lenço no nariz
e inalando o cheiro de Sterling. O que acontecera seria o
máximo que teria do duque.
E apesar de ser confortante, era uma triste verdade.
— Vossa Graça, que prazer receber sua visita — lorde
Millbank disse ao entrar na sala de estar onde Sterling
aguardava enquanto era anunciado.
— Milorde.
— Eu estava ansioso para encontrá-lo e escutar os
relatos de suas viagens. Por favor, sente-se, fique à
vontade e conte-me tudo. Pedirei um chá...
— Esta não é uma visita social.
Millbank alisou para trás os poucos fios de cabelo de
sua careca.
— Não?
— Não. Fui à ópera a noite passada.
— Programa horrível. Acredito que a ópera foi criada
pelas mulheres para atormentar os homens.
— Independentemente disso, sua filha também estava
lá.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
156
— Qual delas? — Ele estreitou os olhos, duvidando de
que Sterling conhecesse todas.
— Lady Charlotte.
— Ah, sem dúvida ela estava com o sr. Marcus
Langdon. Creio que ele gosta de minha filha, mas se o
senhor tem interesse — ele piscou —, ela estará de volta
logo depois das visitas matinais. A mãe dela ficará
encantada em acompanhá-los a uma caminhada ao jardim.
— Meu interesse em sua filha se origina no fato de ela
ter insultado uma dama que estava em minha companhia, o
que não é muito diferente de ter me ofendido. Eu não gosto
de insultos.
O homem arregalou os olhos.
— É evidente que não. Nem sei onde Charlotte estava
com a cabeça.
— Por favor, queira informá-la de que não se aproxime
de mim, caso nossos caminhos voltem a se cruzar.
— Esteja certo de falarei com ela. Obrigado por me
avisar.
— Tenha um bom dia, Millbank.
Sterling deu três passos em direção da porta antes de
Millbank perguntar.
— Posso perguntar quem era a dama?
— O mais importante foi ela ser minha dama —
Sterling respondeu sem se virar.
O que, ele refletiu pouco depois no coche na volta para
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
157
casa, eram palavras corajosas, considerando-se que
Frannie insinuara que ele não deveria procurá-la mais.
Seria preciso fazer o que fosse possível para mudar a
opinião dela sobre o assunto, porque ele pretendia
terminar o que começara naquela noite.
Sterling chegou em casa e foi surpreendido ao
encontrar Catherine e o marido esperando por ele na
biblioteca. E pela seriedade de ambos, era evidente que
não se tratava de uma visita corriqueira. Luke estava perto
da janela, com os braços cruzados, como se pretendesse
apoiar Catherine em suas reivindicações. Ela estava em pé
diante da escrivaninha e, conforme seu estilo, foi direto
ao assunto.
— Sterling, ouvi um boato de que esteve
acompanhando Frannie à ópera a noite passada.
Sterling sentou-se na poltrona atrás da escrivaninha
com pose de pouco-caso e olhou para Catherine, o que
resultou em perder Luke de vista. Terrível. Sem mudar de
posição, não podia manter os dois no mesmo ângulo de visão
e distanciar-se pareceria estranho. Tinha certeza de que
o pai jamais dissera a Catherine a respeito da condição que
rotulara de vergonhosa e uma desgraça para a herança da
família, como se Sterling perdesse propositadamente a
visão aos poucos.
— Não deveria estar no campo, Catherine?
— Houve um incêndio na casa da herdade e até que os
reparos sejam efetuados, ficaremos em Londres.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
158
— Está certo. — Sterling virou-se para Luke. —
Lembro-me de que Avendale morreu nesse incêndio, mas
não entendi por que ele os visitava. Ele não fazia segredo
em sua descrença de que você fosse o herdeiro ao título
Claybourne e advogava que o mesmo fosse dado a Marcus
Langdon.
— Não estamos aqui para falar sobre Avendale — Luke
afirmou. — Viemos tratar do boato que envolve Frannie.
Sterling fitou-o com olhar contundente e revirou os
olhos para a irmã.
— O caso proveio de alguém confiável?
— Lady Charlotte — ela respondeu.
Sterling deveria ter imaginado. Visitas matinais.
Apesar do adiantado da hora, deveria ter falado com
Millbank depois de deixar Frannie em casa.
— Espero que aquela mulher detestável seja sua
amiga.
— Então é verdade? Estão correndo rumores que
Frannie é sua amante, por terem ido ao teatro sem
acompanhante.
Embora fosse previsível, Sterling suspeitava de que o
boato se espalhara mais pela diferença social entre eles
do que pela falta de dama de companhia. Seria preciso
encontrar uma maneira de abafar os comentários. Ele
desejava Frannie, mas não à custa de prejuízos à
reputação dela, embora nada revelasse à irmã nem ao
cunhado.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
159
— No meu entender, ela tem quase trinta anos, idade
em que uma acompanhante se torna desnecessária.
Na verdade, essa tola regra de etiqueta existia.
— Sterling, os seus vinte e oito anos...
— Então sou eu quem precisa de acompanhante?
— Não seja tolo, estou me referindo ao fato de
Frannie ser mais velha.
— Não entendo qual o problema.
— Em geral os homens não procuram mulheres mais
velhas para se casar e aí reside mais um motivo para
boatos.
Outra bobagem. Embora homens procurassem sempre
mulheres mais jovens, não se tratava de uma regra impos-
ta. Sterling ouviu o tilintar de cristais e virou-se. Luke
servia uísque em dois copos.
— Sinta-se em casa — Sterling ironizou.
Luke foi até a escrivaninha lembrando a Sterling uma
pantera que vira certa vez pronta para o ataque. Luke
segurou um copo, deixou o outro diante de Sterling e
sentou-se na beira da mesa.
— Beba. Vossa Graça vai precisar disso.
Sterling não experimentara a dura existência das
ruas, mas vivera momentos cruciais em suas viagens e
chegara perto da morte algumas vezes. Isso fazia uma
pessoa desenvolver um entendimento aguçado de seus
limites e um profundo respeito por sua resistência.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
160
— Por acaso envenenou o uísque? Asseguro-lhe de que
a ameaça é desnecessária. Já recebi aviso de Dodger e
Swindler.
Luke bateu o copo no de Sterling e tomou o uísque.
Onde se encontrava, Sterling podia ver a irmã e o cunhado.
Catherine, que parecia tentada a interferir, deu as costas
e saiu de seu campo de visão. O que agradou a Sterling que
queria concentrar-se em Luke. O casamento com
Catherine, porém, não o tornara confiável.
Luke inclinou-se para a frente e apoiou o antebraço na
coxa.
— Vossa Graça quer saber por que matei o segundo
filho do conde de Claybourne, um homem que, à época, eu
não sabia tratar-se de meu tio, e que agora nem quero
reconhecer como tal?
Então era isso. A confirmação para o que a maioria dos
londrinos acreditava ser verdade. Mas como Luke nunca
enfrentara um julgamento nem fora condenado, alguns se
prevaleciam da dúvida. Como se poderia receber com
satisfação um assassino nas fileiras da mais alta
aristocracia?
— É mais fácil roubar de um morto.
— Ele estuprou brutalmente Frannie.
As palavras tiveram o impacto de um soco no estômago
de Sterling e ele sentiu a vista escurecer.
— Ela estava com doze anos — Luke continuou,
ocultando a fúria sob a voz uniforme — e foi vendida a uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
161
casa de má reputação especializada em virgens. Ele foi o
primeiro e, que eu saiba, o único. Assim, nós a cercamos
como se faria com uma borboleta ferida, jamais a tocando
por medo de machucá-la ainda mais, esperando que um dia
ela voltasse a voar. Se você ousar fazê-la sofrer, por
menor que seja o motivo, terá de se haver conosco. Mesmo
que Graves não tenha vindo para dar sua advertência, não
o desdenhe. Ele tem um bisturi que pode alcançar o
coração sem que a vítima perceba.
— Nunca tive intenção de fazê-la sofrer — ele repetiu
o que dissera a Jack e Jim.
— Muitas vezes causamos sofrimento sem intenção,
portanto esteja avisado. Ela é mais preciosa para nós do
que as jóias da coroa para a rainha.
Luke levantou-se e andou rumo à saída.
— Claybourne! — Sterling chamou e ficou em pé
enquanto Luke parou e virou-se. — Em minhas viagens pelo
mundo encontrei muitas espécies de borboletas, criaturas
delicadas, mas que não devem ser subestimadas.
Observando-as aprendi uma lição valiosa. Muitas vezes se
rodearmos uma borboleta muito de perto, nós a impedimos
de voar.
Luke analisou-o por um momento como se procurasse
um argumento convincente. Acabou por anuir com
brusquidão e esperou por Catherine que se aproximara de
Sterling. O recinto era bem grande e onde os irmãos se
encontravam, Luke não ouviria o que falassem.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
162
— Sterling, ela não é da nobreza.
— Sei disso, Catherine, não se preocupe. Tenho muitas
restrições em relação a uma esposa e a srta. Darling não
se adequaria ao posto.
Para o bem dele. Sterling não queria testemunhar o
mesmo desapontamento nos belos olhos verdes que vira
nos de Angelina quando ela soubera da verdadeira condição
de seu sentido de vista. Não, ele precisava de uma esposa
que não lhe despertasse nenhum sentimento se ela
resolvesse se divertir.
— Não quero vê-los sofrer... — Catherine espiou o
marido — Claybourne pediu a mão de Frannie em casamento
e ela recusou. Um de seus motivos foi ela não querer fazer
parte da aristocracia.
Sterling estreitou os olhos.
— Não pense jamais que foi esse o motivo por ele se
decidir para seu lado, Catherine. Ele a adora.
Catherine deu um sorriso radiante e apertou-lhe o
braço.
— Sei disso, Sterling, eu apenas quis contar o que eu
sabia. Mesmo que não esteja pensando nela como esposa,
algumas vezes os sentimentos podem sobrepujar a razão.
Tenho grande apreço por Frannie, mas também acredito
que se você pensa em qualquer relacionamento com ela que
não seja platônico, ambos sofrerão.
— Sua preocupação foi convenientemente anotada.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
163
Catherine ficou na ponta dos pés e beijou-o na face
antes de ir ao encontro do marido. Assim que eles saíram,
Sterling duvidou de que eles houvessem expressado essa
mesma preocupação para Frannie. A mensagem era só para
ele e fora clara.
Pare de persegui-la ou...
Sterling sentou-se em sua poltrona e, com mão
trêmula, pegou o copo de uísque que Luke lhe servira.
Tomou tudo de um só gole. Recostou-se, fechou os olhos e
lutou para controlar os tremores que o invadiam. Não pelas
ameaças que Luke fizera, mas pela revelação a respeito do
homem que ele assassinara e pelo que o lorde fizera com
Frannie.
Ela era uma criança!
Sterling saiu da poltrona com tanta força que por
pouco não a derrubou e procurou um lugar para bater o
punho. Acabou por pegar um vaso que trouxera da China e
jogou-o na lareira.
— Oh, Deus. — Ele se largou em uma cadeira e
escondeu o rosto entre as mãos. —Ah, Frannie, minha doce
Frannie.
Ele queria abraçá-la. Ela tivera a inocência roubada.
Pensou no espanto nos olhos dela, nas lágrimas quando lhe
dera prazer...
Gostaria de mudar o passado de Frannie, mas ao mes-
mo tempo refletiu que fora o passado que a transformara
na mulher que o fascinava. Doçura e determinação férrea.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
164
Mesmo aceitando que não poderia ter uma noite com ela,
desejava milhares.
Capítulo VII
Uma semana após a ópera, Sterling passou um bom
tempo sentado na biblioteca iluminada apenas pelas
chamas da lareira. Mandara flores para Frannie, sem
incluir cartão. Não saberia o que dizer. Ela crescera em um
espaço violento que ele não podia compreender. Embora ele
também enfrentasse problemas, não havia termo de
comparação entre a vida deles.
O mais sensato seria deixar Londres e ir para o campo,
cuidar de suas propriedades, freqüentar festas, conhecer
algumas jovens...
Levantou-se. Passava da meia-noite. Iria para o
Dodger's, perder algum dinheiro e pensar que Frannie o
contaria.
Foi para o saguão e parou. De quem fora a idéia de
apagar as lamparinas? Pensou em voltar para a biblioteca
onde tocaria a campainha para acordar o mordomo. Pediria
que iluminasse a casa e aprontasse uma carruagem. Nesse
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
165
instante, escutou alguém se mover furtivamente.
Sabendo que o vestíbulo ficaria mais claro à medida
que se aproximasse do centro, caminhou sem fazer ruído
naquela direção e os sons ficaram mais fortes quando
cruzou um canto...
— Droga!
Pelo tamanho e pelo timbre de voz, tratava-se de uma
criança cujos contornos apareciam por causa de uma
lamparina coberta em três lados e a luz em direção única.
Com uma velocidade incomum que o lembrou a de Charley,
o diabrete saiu correndo e Sterling foi atrás dele.
— Pare, garoto! Wedgeworth! Um ladrão entrou em
casa!
O pequeno malandro abaixou a luminária e apagou a
chama, mas a luz fraca que vinha da cozinha evitava a
escuridão total. A cozinheira, felizmente, devia ter
escutado o grito de Sterling e a comoção que se seguiu foi
geral. Ela apareceu carregando uma lamparina e um pau de
macarrão, e sua silhueta avantajada ocupou a entrada.
O menino gritou, virou-se e começou a correr de um
lado a outro para evitar ser agarrado. Sterling, por sua
vez, conseguiu agarrar as costas do casaco do garoto, mas
logo descobriu que ficara na mão apenas com a roupa.
Patife astucioso!
Sterling correu atrás dele, disposto a não deixá-lo
escapar.
— Vossa Graça, Jenkins o agarrou! —A voz de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
166
Wedgeworth ecoou pela residência.
A cozinheira iluminou o recinto e Sterling apressou-se
na direção de onde Wedgeworth chamara. Encontrou-o no
hall em direção à biblioteca. Um criado vestindo apenas
calça e com o cabelo desgrenhado segurava o garoto que
esperneava.
— Mandaremos buscar um policial — Wedgeworth
disse.
— Não — Sterling retrucou. — Tenho algo em mente
para o pequeno gatuno.
Srta. Frannie,
Creio estar em posse de algo que lhe pertence. Meu
coche está à sua disposição. Greystone.
Frannie, sentada à escrivaninha de sua sala no
Dodger's, leu a mensagem e olhou o relógio de bolso em
ouro que viera junto. Ela reconheceu o brasão, embora não
estivesse familiarizada com o escudo de armas das
famílias nobres. Fora o que ela tirara do colete de Sterling
durante a festa de casamento.
Por que ele teria mandado a peça para ela? Por que ele
não a trouxera pessoalmente em vez de insinuar que ela
deveria ir à casa dele? Sabia o que ele desejava e também
o significado oculto atrás do envio do relógio. Ela teria de
devolvê-lo para recuperar o que estava em mãos dele.
Uma permuta.
Ela fechou o relógio dentro da palma e imaginou poder
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
167
sentir o calor da peça que estivera dentro de um bolso.
Absurdo. Fazia tempo que Sterling o mandara.
Por que isso acontecia justo quando ela finalmente
conseguira sonhar menos com ele, quase não espiava o salão
de jogos à sua procura, nem pensava nos prazeres que
desfrutaria se entrasse na casa e na cama dele à meia-
noite? Em virtude de algumas palavras escritas, ela se
recordava de tudo o que lutava para esquecer e queria
rever Sterling com um desespero que a apavorava.
Aquela hora da noite ninguém a veria subir no coche
que portava o escudo de armas do ducado. E se a vissem, o
que importava? Damas de companhia, etiqueta e
comportamento apropriado eram tão estranhos para uma
egressa das ruas quanto muito dinheiro.
Frannie fitou o rapazinho de olhar arregalado que
trouxera a missiva. Thomas Lark estava no Dodger's havia
poucos meses e era outro órfão trazido por Jack que
sempre providenciava emprego para garotos promissores.
Para Thomas, ele conseguira um local para se esconder.
— O cavalheiro que deu isso a você veio pela porta da
frente?
— Sim, senhora.
— Alguém mais sabe sobre isso?
— Não, senhora.
Então ninguém interferiria. Ela anuiu, tomando uma
decisão.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
168
— Diga a ele para trazer o coche até a saída dos
fundos.
Ele concordou com um gesto de cabeça e saiu correndo
para executar o pedido, sempre ansioso para agradar.
Frannie fechou o livro contábil no qual estivera
trabalhando. O restante das contas poderia esperar até o
dia seguinte. Por enquanto estava ansiosa para descobrir o
que Sterling planejava.
Ou pelo menos era a desculpa que pretendia dar a ela
mesma. Não queria admitir a ansiedade que a invadira.
Desde a noite que ele a apresentara às maravilhas da
paixão, esquecendo as próprias necessidades, Sterling não
voltara ao Dodger's. Mandara flores e nada mais. Não a
pressionara para tornar-se sua amante. Não podia negar o
desapontamento que sentira ao supor que ele desistira de
possuí-la.
Estava consciente de que um casamento entre eles
seria inviável. Um nobre jamais ofereceria casamento a
uma mulher das ruas ou a uma guarda-livros de um
estabelecimento de jogos. E mesmo se ele demonstrasse
desejo de se casar com ela, não a agradaria viver em meio
à nobreza.
Mas a intimidade por apenas uma noite, deitar-se nos
braços dele, sufocar-se em seus beijos, tocar na pele
bronzeada enquanto ele acariciava a sua, dar-lhe tanto
prazer como o que ele lhe proporcionara...
E era no que ela refletia todas as noites, agarrada no
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
169
lenço dele como se o pedaço de seda tivesse o poder de
trazê-lo de volta.
Decidida, levantou-se, atravessou a sala, pegou o man-
to pendurado ao lado da porta, colocou-o sobre os ombros,
abriu a porta, foi até o saguão e saiu. Do lado de fora,
ergueu a barra das saias e foi até o coche onde um criado
a esperava ao lado da porta fechada que exibia o brasão
ducal. Sem dizer nada, ele abriu a portinhola e ajudou-a a
subir.
Frannie sentou-se, desapontada por não ver Sterling.
Na certa o serviçal entregara a mensagem. No piso do
veículo havia um tijolo quente, o que a deixou mais animada.
Sterling pensara em seu conforto.
Com um cambaleio, o coche partiu. De repente, Frannie
lembrou-se de que deveria ter se arrumado um pouco,
trocado de roupa ou prendido os cabelos. Sem escova, nada
poderia fazer com as mechas rebeldes. E por que se
importar com a impressão causada em Sterling?
Contudo ela queria que ele a visse como uma mulher
desejável, não como os meninos de Feagan a viam.
Frannie tinha certeza de que até mesmo Luke, que a
pedira em casamento, jamais imaginara deitar-se com ela.
Ou Jim, que vez por outra deixava cair a armadura e
demonstrava o quanto a amava, a enxergava como um
animalzinho de estimação que precisava ser cuidado.
Jamais para compartilhar sofrimentos, adversidades e
alegrias. E certamente não para se perder em um selvagem
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
170
abandono sexual.
Nenhum deles jamais a fitara como Sterling, que
sempre parecia despi-la com o olhar. E ela imaginava os
prazeres ainda maiores que ele poderia proporcionar-lhe
com as mãos e a boca que ela tão bem conhecera.
Pensando que tudo aconteceria com os dois desnudos,
Frannie sentiu muito calor e encostou a face na vidraça
fria. Não queria chegar afogueada e, de repente, preferia
voltar. Por que não tinha energia para resistir a Sterling?
Tarde demais. O coche parou e Frannie percebeu que
se tratava da entrada principal e não a dos criados para
manter o caso em segredo. Seria por respeito ou Sterling
nem ao menos se importava com a reputação dela se a
vissem chegar ali bem depois da meia-noite?
A porta do coche foi aberta e o criado estendeu a mão
para ajudá-la a descer. Ele abriu a porta principal da
residência e Frannie precedeu-o, notando que o mordomo
a aguardava.
— Srta. Darling. — Ele fez uma leve mesura. — Sua
Graça a aguarda na biblioteca. Por favor, queira
acompanhar-me.
Frannie, surpresa com o número de criados que
estavam acordados àquela hora, seguiu-o pelo grande
saguão e um criado abriu a porta da biblioteca. Um
movimento junto à janela dos fundos chamou-lhe a
atenção. Era Sterling.
Por um segundo, enquanto se aproximava, ela pensou
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
171
ter visto um lampejo de satisfação no olhar dele que logo
se apagou. Ela deu-se ao luxo de observá-lo. Nunca o vira
sem casaco nem colete. Sterling tinha ombros largos,
mesmo sem a ajuda de camadas de tecido. Frannie
lembrou-se de ter se agarrado neles nos arroubos de
paixão e de como lhe pareceram poderosos. Os cabelos
desalinhados o deixavam mais jovem e ela, em um súbito
acesso de ciúme, desejou que ele os houvesse des-
manchado e não uma mulher.
— A senhorita deseja beber alguma coisa? — A
formalidade de Sterling deixou-a confusa.
Seria ele o mesmo homem que engolira seus gemidos
de prazer?
— Não, obrigada. — Ela bebera com os meninos várias
vezes, mas queria manter o raciocínio perfeito. Algo entre
eles mudara e não na direção que ela esperava. — Seu
bilhete dizia...
— Falaremos sobre isso em um minuto. Por favor,
sente-se.
Sterling indicou duas poltronas próximas à janela, sem
dúvida mais seguras do que um sofá, mas Frannie não
estava certa de que desejasse segurança. Ela sentou-se
em uma e ele logo ocupou a outra.
— Como tem passado? Presumo que, por ter chegado
tão depressa, eles a tenham encontrado no Dodger's.
Frannie procurou não demonstrar frustração pelo tom
imparcial que se usava entre estranhos.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
172
— Sim, eu estava trabalhando. Em geral vou ao
orfanato durante o dia e tenho empregados que ficam lá o
tempo inteiro. — Por que se ater a assuntos
insignificantes? — Não o tenho visto no Dodger's
ultimamente.
— Achei que seria melhor afastar-me.
Frannie teve vontade de perguntar-lhe o motivo, mas
a naturalidade existente entre eles já não existia e fora
substituída por uma cortesia rígida.
— Recebi suas flores.
— Não me lembro de ter mandado um cartão.
— Não mandou, mas quem me enviaria flores?
— Espero que tenha gostado delas.
— Muito. Obrigada. — Por que o constrangimento e a
formalidade? — Ah, seu relógio. — Frannie tirou-o do bolso
e estendeu a mão.
Sterling segurou o relógio e balançou-o diante do
rosto.
— Era de meu pai e creio que foi um presente de minha
mãe. Pelo que me lembro, ela gostava muito de ser uma
duquesa.
— Não posso imaginar.
— Ser um a duquesa? — Sterling fitou-a.
— Gostar dessa condição social. Para falar a verdade,
não invejo os nobres. Não posso imaginar nada pior do que
viver a sua vida.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
173
— E eu não posso imaginar nada pior do que viver a sua.
Por que Sterling a fitava como se procurasse alguma
evidência?
Oh, Deus! Sterling passara a olhar para ela como se
fosse um dos meninos de Feagan que não a tocavam com
receio de que ela se quebrasse. E pior. Ela tinha certeza
de que ele lamentava o tempo que haviam passado juntos e
a intimidade que haviam partilhado.
— Claybourne lhe contou — ela falou em voz baixa,
sabendo que ele fora o mais afetado pelo horror que ela
enfrentara — a respeito do incidente infeliz de minha
juventude.
— Incidente infeliz? É como você se refere...
Sterling levantou-se da poltrona, agarrou uma
estatueta de porcelana, foi até a lareira e atirou a peça no
fogo. O ruído da porcelana que se espedaçava ecoou de
maneira pavorosa no silêncio da noite. De cabeça baixa e
agarrado ao consolo da lareira, Sterling contemplou a
destruição.
Frannie ficou em pé e aproximou-se dele.
— Sterling, está tudo bem.
Ele se virou e o coração de Frannie confrangeu-se ao
ver a angústia estampada em sua face.
— Tudo bem? Juro por Deus que se o infeliz não
estivesse morto, eu o mataria.
Trêmula pela evidência daquela emoção crua e
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
174
legítima, Frannie acariciou-lhe a face hirsuta. Sterling pôs
a mão sobre a dela e beijou-lhe a palma.
— Sim, o caso ocorreu há muito tempo.
— Você era uma criança.
— Não sou mais.
— Se tivesse me contado, eu teria sido mais
cuidadoso. Frannie sacudiu a cabeça.
— Você foi o primeiro a olhar para mim como se eu
fosse desejável. Por que eu haveria de perder isso?
Próximo ao desespero, Sterling tomou-a nos braços e
beijou-a com sofreguidão. Frannie sentiu o gosto de uísque
e grande excitação. Pelos movimentos da língua, pelos
gemidos que ecoavam no peito de Sterling e pela pressão
das mãos em suas costas, era evidente que ele ainda a
desejava. A ansiedade de Frannie era imensa e ela nem se
importava se ele não a desejasse para sempre.
Ela passou as mãos pelos ombros dele, sentindo a
energia dos músculos que se agrupavam no esforço de não
deixá-la escapar. Desejava Sterling e tudo o que ele fazia.
Sterling recuou, arfante e encostou a testa na de
Frannie.
— Essa não foi a razão por que a mandei chamar.
Ele olhou para a porta, decidindo se a pegava no colo
para sair dali e Frannie entendeu, atônita, que não se
rebelaria. No olhar do duque, ela leu a indecisão. Ou ele
permaneceria um cavalheiro ou aproveitaria a situação.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
175
Frannie precisou o momento em que a nobreza de
caráter foi vitoriosa. Um traço de lamento e perda passou
pelo olhar de Sterling antes da aceitação do correto, e ele
fitou-a.
— Não se engane, Frannie, eu ainda a desejo como
jamais desejei outra. Mas agora não é o momento certo.
— Sua mensagem dizia que você estava em posse de
algo que me pertencia. — Frannie procurou ocultar o
desapontamento com a decisão dele.
Sterling passou o dedo nos contornos do rosto de
Frannie como se quisesse memorizar os traços.
— Creio que sim. Venha comigo e eu lhe mostrarei.
Ele ofereceu-lhe o braço e conduziu-a para fora da
biblioteca. Atravessaram vários corredores até chegarem
à cozinha. Junto à mesa dos criados, um menino muito
magro comia um pedaço de torta de carne.
— Oh!
Sterling observou Frannie correr e abaixar-se ao lado
do garoto. Ele não podia imaginar a força de vontade que
fora necessária para Frannie deixar o passado para trás.
Certo que tudo ocorrera havia muito tempo, mas ela
vivenciara um fato terrível. Quanto mais tempo passava na
presença de Frannie, mais ele se sentia humilhado. Alguma
vez ela chegara a priorizar a si mesma em vez de pensar
nos outros?
Ela passou os dedos nos cabelos longos e escuros do
menino como se não estivessem infestados de piolhos.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
176
Alguém, a cozinheira ou Jenkins, limpara o rosto dele que
era rosado e pálido.
Frannie voltou-se para o duque com olhar
interrogativo.
— Ele invadiu minha casa — Sterling comentou. Ela se
virou para o garoto.
— Como é seu nome?
Ele enfiou mais um pedaço de torta na boca e Sterling
perguntou-se como a bochecha não estourava.
— Pobrezinho — a cozinheira comentou. — Ele está
comendo assim desde que passei a alimentá-lo. Esse é o
terceiro pedaço de torta.
— Mastigue a refeição e responda a pergunta da dama
— Sterling ordenou.
O garoto engoliu e Sterling admirou-se por ele não
engasgar.
— Jimmy — ele resmungou e pôs mais comida na boca.
— Quem é seu pai de rua? O menino sacudiu a cabeça.
— Sei que você não planejou este roubo sozinho. Ele
sacudiu de novo a cabeça.
— Você conhece Feagan? — ela perguntou. Ele
balançou a cabeça mais uma vez.
— Fiz parte do bando dele. Sou Frannie Darling. O
menino arregalou os olhos, horrorizado.
— Sykes disse que a senhora era um demônio.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
177
Sterling observou o queixo de Frannie contrair-se e
supôs que ela conhecesse o tal de Sykes e não gostasse
dele, ou não a agradara ser comparada ao diabo. Ainda que,
Deus o ajudasse, Sterling pensava a mesma coisa, mas de
modo bem mais lisonjeiro. Ela estava vestida com
simplicidade e os cabelos não estavam bem presos,
ameaçando soltar-se a qualquer hora. Ele rezava para que
isso acontecesse; assim poderia enterrar os dedos nas
mechas sedosas.
Queria abrir os botões do punho de Frannie, beijar a
cútis pálida que ali encontrara e sentir nos lábios a
pulsação acelerar-se. Gostaria que ela fosse tão carinhosa
com ele como era com o garoto, e queria inundá-la de
carícias.
Frannie levantou-se e caminhou até Sterling, sem
esconder a preocupação.
— O que pretende fazer com ele?
— Suponho que entregá-lo à senhorita.
Pelo alívio e gratidão que viu no olhar de Frannie, o
duque esperava descobrir milhares de garotos em sua
residência.
— Eu gostaria de levá-lo para o orfanato. Vossa Graça
me permitiria usar seu coche?
— Farei melhor do que isso, eu a acompanharei.
Enquanto o coche se dirigia para os arredores de
Londres, Sterling refletiu sobre a inutilidade de prolongar
sua permanência ao lado de Frannie. Os pensamentos dela
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
178
concentravam-se no menino estendido no assento que
estava com a cabeça em seu colo, enquanto ela passava a
mão nos cabelos sujos. O garoto lembrava um filhote de
cão sem raça, imundo e mal-cuidado. Ele comera e viera
comendo até alcançar a carruagem. Sterling queria
acreditar que o menino fosse um pequeno meliante, mas
era visível que o pobrezinho estava esfomeado. Seus
braços pareciam duas varetas e Sterling não podia
imaginar que ele pudesse carregar o mata-borrão para
fora da casa, mas os bolsos dele diziam o contrário.
— Foi muita bondade sua não mandar prendê-lo —
Frannie disse em voz baixa.
Sterling pedira para o criado acender a luminária do
coche para assegurar-se de que Frannie ficaria mais à
vontade e que o garoto não pudesse achar um meio de fuga,
no que ele certamente era artista. Além disso, a luz lhe
dava a oportunidade de vê-la mais claramente, ainda que
as sombras trabalhassem contra ele.
— De que adiantaria eu agir dessa forma se seu amigo
da Scotland Yard o libertaria e lhe entregaria?
Frannie sorriu, dando razão a ele em acreditar
naquelas palavras e olhou para o menino que parecia
adormecido.
— Então ele faz parte do bando de Sykes? — Sterling
perguntou.
Frannie não respondeu à pergunta.
— Quantos anos acha que ele tem?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
179
— Talvez uns cinco.
— Eu diria oito, talvez nove. — Frannie parecia
confiante na dedução.
— Ele é muito pequeno.
— Mas é assim que Sykes gosta que eles sejam.
Frannie levantou o olhar onde Sterling leu tristeza
profunda e fúria. Ela era uma mulher capaz de sentir
paixões discrepantes e de senti-las simultaneamente.
Conhecendo seu passado, ele seria tão canalha a ponto de
ainda desejá-la na cama? Sabendo que não poderia casar-
se com ela, ele seria um patife de querê-la em sua vida.
— Ele vasculha as ruas para encontrar os menores
meninos e batalha para mantê-los pequenos. Ele os
alimenta apenas para que sobrevivam. Acho que esse
entrou na sua casa pela chaminé ou por alguma janela que
raramente é fechada por ser considerada muito pequena
para permitir a entrada de alguém. Esse é o motivo por que
Sykes trabalha com afinco para eles ficarem sempre
pequenos.
Enquanto falava, Frannie não deixava de acariciar os
cabelos do menino.
— Ele os aterroriza para que cumpram suas ordens.
Eles não conhecem o carinho nem a bondade. Se adoecem,
não recebem conforto nem comida, por não estarem
trabalhando para o próprio sustento.
— E ele se refere a você como um demônio?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
180
Frannie deu um sorriso largo, e Sterling deduziu que
era do agrado dela saber que incomodava Sykes.
— O demônio pode assumir as mais variadas formas —
ela afirmou.
— Você o apunhala.
— Dou um lar e um porto seguro a seus meninos quando
posso encontrá-los.
— Ele parece uma pessoa detestável e não haverá de
apreciar o que você vem fazendo.
Com semblante determinado, ela ergueu o queixo.
— Sei o que é temer pela vida e não me acovardarei
diante do caminho correto.
— Mesmo se isso puser em risco sua vida?
— Não seja melodramático. Há muitas crianças
abandonadas e Sykes sempre encontrará outra. — Frannie
fitou o menino adormecido em seu colo. — Este me
pertence.
— Acha que poderá modificá-lo?
— Ele ainda é muito novo e sua alma não está perdida.
Os mais velhos, que já conheceram a prisão, são mais
difíceis de alcançar.
— Conheço as ruas de Londres e há centenas de
crianças perambulando por elas. Não é possível salvar a
todas.
— Não, mas se eu puder salvar esta, por enquanto será
suficiente.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
181
E quanto à Frannie Darling?, ele quis perguntar. Quem
a salvará?
Frannie se entregava aos outros. Sterling gostaria que
ela pensasse primeiro nos próprios prazeres, como ele.
Sterling olhou pela janela quando o coche fez a curva
e passou pelos portões do orfanato. Os lampiões a gás
iluminavam o caminho ascendente de pedras arredondadas.
Quando o veículo parou, o menino se mexeu.
— Eu o levarei — Sterling ofereceu-se quando a porta
foi aberta e ele desceu.
Virou-se e pegou o garoto que se agarrou nele
instintivamente com as mãos no pescoço e as pernas ao
redor da cintura. Sterling ficou parado, atônito de ver que
a criança não pesava quase nada. Ele era magro, mas dessa
forma... Na certa não tinha oito anos.
— Sterling? — Frannie indicou o caminho para a porta
bem iluminada.
— Espero que ele não tenha pulgas ou piolhos.
— Pode ficar descansado, não notei nenhum desses.
Frannie tirou uma chave do bolso e abriu a porta. Entrando,
Sterling espantou-se com a mudança ocorrida. O
ambiente era aconchegante, com plantas no chão e quadros
nas paredes. Lamparinas com chamas baixas estavam
espalhadas ao redor. Um homenzarrão com mãos enormes
levantou-se de uma poltrona como se saísse das
profundezas do inferno.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
182
— Srta. Frannie.
— Boa noite, sr. Bates. Como estão as coisas?
— Tudo em ordem. A senhora está trazendo mais um...
— Sim, estou. — Frannie virou-se para Sterling. — O
sr. Bates é o guardião noturno.
Como Cérbero guardando os portões de Hades,
Sterling pensou, ainda que ali eles estivessem mais
próximos do paraíso. Frannie tocou no braço de Sterling.
— Nós o deixaremos em um quarto aqui em baixo.
Amanhã, quando tivermos oportunidade de dar-lhe um
banho e conversar, ele será transferido para um quarto
com outro garoto.
Ela caminhou, seguida por Sterling, até um quarto com
uma cama e uma poltrona confortável. Acendeu a lamparina
da mesa de cabeceira e Sterling deitou com cuidado o
menino que pretendera roubá-lo, pensando na ironia do
fato.
Sterling recuou e observou Frannie tirar os sapatos
surrados muito grandes para os pequenos pés sujos. Como
se lesse os pensamentos do duque, ela pegou um sapato e
tirou de dentro um bolo de jornal amassado. Frannie
estremeceu. Pelo menos ele tinha sapatos.
Ela não tirou a roupa dele e cobriu-o com uma manta.
Tocou nos cabelos do garoto, inclinou-se e beijou
levemente sua testa.
— Bons sonhos.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
183
O menino murmurou qualquer coisa ininteligível e
começou a ressonar.
Frannie acenou com um gesto de cabeça e eles
voltaram ao corredor.
— Sempre que venho aqui à noite, dou uma volta pelos
quartos. Eu gostaria muito que você me acompanhasse.
Como isso prolongaria o tempo ao lado dela, ele anuiu.
Frannie pegou uma lamparina de uma mesa próxima e
conduziu-o até a escada.
— Você vem aqui todas as noites? — Sterling
perguntou, enquanto subiam os degraus.
— Nem sempre. Depende da hora que termino meu
trabalho no Dodger's. Em geral fico no meu apartamento e
venho para cá durante o dia para ver o que está
acontecendo, ficar com as crianças — ela o fitou por sobre
o ombro — e para verificar a contabilidade, como parece
ser meu destino.
No pavimento superior, todas as portas estavam
abertas e ela entrou no primeiro quarto. Dois meninos
dormiam em camas separadas. Duas pequenas arcas, na
certa com os pertences deles, estavam aos pés de cada
cama. Frannie se abaixou e beijou um e depois o outro.
Nenhum se mexeu e Sterling imaginou que deviam estar
acostumados a receber beijos angelicais enquanto
dormiam.
Em todos os quartos, ela cumpriu o mesmo ritual.
Sterling acabou se sentindo inútil e segurou a lamparina
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
184
para contribuir de alguma forma com a ronda. Dessa
maneira ele podia direcionar a luz mais para Frannie do que
para as crianças, permitindo vê-la melhor. Frannie não
fingia. Ela gostava daqueles meninos de verdade e
procurava dar-lhes uma vida melhor. Quanto mais ela
amaria os próprios filhos? Seria infinita sua capacidade de
amar?
Sterling espantou-se com o número de meninos.
— Onde os descobriu? — ele perguntou depois de ela
dar o último beijo e eles começarem a descer a escada.
— A maioria me encontrou. Enquanto Sykes me chama
de demônio, outros se referem a mim como um anjo. Nas
ruas eles ficam sabendo que aqui acharão um santuário
onde ninguém mais os fará sofrer. Alguns não acreditam
nisso e outros acham que não têm mais nada a perder. E
Jim também fica sabendo quem foi preso. Ele trás para cá
as crianças depois de elas terem sido castigadas.
Claro. O inspetor da Scotland Yard. Sterling nunca
pensara que chegasse a ponto de competir com um plebeu
pela afeição de... Deus o ajudasse!... Uma plebéia. E isso em
nada denegria a imagem de Frannie.
Ele deixou a lamparina na mesa junto à entrada e saiu,
feliz por Frannie acompanhá-lo. Cada momento com ela o
fazia desejar mais.
— Não vi Charley, onde ele está? — Sterling
perguntou. Frannie sorriu com simpatia.
— Consegui encontrar uma família decente para ficar
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
185
com Charley Byerly.
— Deus os ajude.
— Ele não é tão mau. Há poucos dias eu os visitei e ele
está se ajustando muito bem.
— Então além de tudo o que você faz, ainda procura
encontrar lares para os meninos?
— Sim.
— Você é extraordinária. Posso levá-la de volta ao
Dodger's?
— Não, mas eu agradeço. Farei companhia a Jimmy ou
ele ficará assustado ao acordar em um local estranho.
Sterling achou melhor não insistir.
— Então me perdoe por um prazer.
Frannie não teve tempo de compreender o significado
da frase. Sterling abraçou-a e beijou-a. Frannie deu um
gemido baixo, mas não se opôs. O beijo foi mais carinhoso,
diferente do que acontecera na biblioteca, quando
Sterling estava desesperado. Ele queria mais de Frannie
do que podia ter e mais do que merecia. Frannie queria que
ele a desejasse e isso acontecia com uma força que o
aterrorizava.
Sterling afastou o rosto e segurou-lhe o queixo.
— Muita coisa permanece sem solução entre nós, mas
jamais pense que não a desejo. Durma bem, Frannie.
Logo depois, recostado no assento do coche, Sterling
pôs o polegar no bolso do colete e sorriu. Q relógio não
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
186
estava lá. Frannie o tirara em um convite que ele pensava
aceitar.
Frannie sentou-se ao lado da cama, com a luz baixa, à
espera de Jimmy acordar. Ela conhecia o terror dos
meninos pelo castigo prometido por Sykes caso eles não
voltassem. Quando adolescente, Sykes fora um valentão.
Adulto, transformara-se em monstro que só pensava em si
mesmo. Ela não o via desde os doze anos, mas ouvia falar
muito nele e em suas andanças pelos cortiços à procura de
órfãos.
Enfiou a mão no bolso e tirou o relógio de Sterling.
Queria vê-lo de novo e tinha fé de que ele entendesse a
mensagem.
O duque jamais poderia entender como ela se
comovera por ele ter mandado chamá-la em vez de
recorrer a um policial. Se ao menos ela pudesse convencer
outros a fazerem o mesmo. Se essas crianças jamais
tivessem a experiência da prisão ou do castigo... e seu o
seu trabalho pudesse fazer a diferença.
Sem perceber, adormeceu. Acordou com o pescoço
doendo e o sol entrando no quarto. Jimmy ainda dormia.
— Srta. Darling?
Frannie sorriu e olhou a entrada onde se encontrava a
sra. Prosser, diretora do orfanato.
— Bom dia.
A sra. Prosser fez uma mesura. Frannie não conseguira
convencê-la de que ela não merecia nenhuma reverência.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
187
— Perdoe-me incomodá-la, mas um cavalheiro deseja
falar-lhe.
O sorriso de Frannie aumentou. Sterling não perdera
tempo, viera buscar o relógio e talvez tomasse o café da
manhã com ela. Mas quando entrou no saguão, ficou
desapontada. Um homem de baixa estatura, grosseiro e
careca a aguardava, apertando o chapéu nas mãos
rachadas.
— O que deseja, senhor?
— Sou um sapateiro e estou aqui para ajudá-la,
senhora. Sua Graça, o duque de Greystone, contratou-me
para fazer calçados para os meninos.
Frannie sentiu lágrimas umedecerem seus olhos diante
de mais uma amostra da generosidade de Sterling.
— Verdade?
— Sim, senhora. Sempre que um menino precisar de
um par de sapatos, a senhora mandará me avisar e virei
aqui para tirar as medidas. Sua Graça pagará por todos os
calçados que a senhora precisar.
— É muita bondade dele.
— Sim, senhora. Eu trouxe muitas folhas de papel e se
a senhora chamar os garotos, começarei a tirar as medidas
e voltarei ao trabalho em minha loja.
Frannie pediu a alguns empregados para reunir as
crianças e voltou ao quarto onde Jimmy dormia, e
descobriu que ele não se encontrava lá.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
188
— Sra. Prosser?
A diretora entrou no quarto.
— Pois não, senhora.
— A senhora viu o garoto que estava neste quarto?
Alguém foi dar banho nele ou coisa parecida?
— Não, senhora. Quando saí, ele estava dormindo.
Mesmo antecipando que de nada adiantaria, Frannie
mandou o pessoal à procura dele no prédio e nas
redondezas por mais de uma hora. Ninguém viu sinal do
garoto. Ela sentiu que desapontara não apenas Jimmy, mas
também Sterling.
Capítulo VIII
Na travessa escura, Sterling pôs instintivamente a
mão no bolso do colete, antes de lembrar-se que a falta do
relógio era o motivo para ele estar ali no momento. Tinha
como hábito tirar o objeto, abrir a tampa e verificar as
horas, mesmo que o escuro impedisse de vê-las claramente.
Instruíra o cocheiro para deixar o veículo na rua, no final
da viela. Não queria que o avistassem, caso Jim ou Jack
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
189
estivessem por perto. Havia também a possibilidade de ele
ter interpretado mal o fato de Frannie pegar um objeto
seu. Talvez ela pretendesse vendê-lo para comprar comida
para o pequeno marginal que invadira sua casa.
Ou, como esperava que fosse, era possível que se
tratasse de um convite. Ele entrara no Dodger's e
interrogara um dos rapazes que por ali circulava. O
funcionário confirmara que Frannie estava trabalhando.
Com um pouco de sorte, ela terminaria logo e ele a
convidaria para jantar em sua casa ou para um passeio de
coche. Ela insinuara esse encontro e ele se alegrara com a
iniciativa.
Desde a visita de Luke, Sterling ficara indeciso quanto
a seus sentimentos. Tendo em conta o passado de Frannie,
seduzi-la pensando no próprio prazer parecia um erro. Não
podia negar que ainda a desejava, mas reconhecia que não
a queria apenas por uma noite. Gostaria de fazê-la
esquecer o horror do passado e apresentá-la aos prazeres
sensuais que ela deveria ter conhecido.
Poderia torná-la sua amante, prover fundos para o
orfanato, tirá-lo do Dodger's. Durante anos encontrariam
uma felicidade satisfatória. Era provável que ele teria de
casar-se com a filha de algum nobre, mas era de
conhecimento público que muitos homens tinham esposa e
amante. Assim era a vida. Ainda havia o problema de
atrelá-la a um cego, negar-lhe o casamento que ela merecia
e também filhos que a mereceriam. Não, fazê-la sua
amante não era o caminho certo. Seria muito egoísmo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
190
Mesmo que sempre pensasse primeiro nos próprios
prazeres, quando se tratava de Frannie, os interesses dela
se sobrepunham aos dele.
A porta foi aberta e Frannie saiu na varanda. Depois
de trancar a porta, pôs na cabeça o capuz do manto. Uma
iniciativa estranha sendo que o apartamento dela era tão
próximo. A noite era fria, mas...
Ela correu pela alameda e passou pela escada que
conduzia à sua habitação. Para onde ela iria?
Sterling não tinha o costume de investigar a vida
alheia, mas Frannie parecia não desejar ser descoberta.
Ele recriminou-se pela interferência e foi atrás dela.
Poderia tratar-se de uma coincidência, pois seu coche
estava bem na esquina.
Frannie apressara-se para terminar o trabalho.
Queria visitar os cortiços enquanto as crianças ainda
estavam em pé, os homens não se encontravam
completamente bêbados e as mulheres não haviam levado
seus últimos clientes para a cama. Passara o dia tentando
localizar Jimmy, sem sucesso. Mas à noite a atmosfera era
diferente. Por vezes Feagan também circulava pelas ruas.
Se pudesse encontrá-lo, certamente o convenceria a
ajudá-la. Ele conhecia todos os cantos e embora seu corpo
já estivesse curvado pela idade, ainda era um homem
inteligente.
Ao chegar no final da travessa, seu coração acelerou-
se. Alugaria um cabriolé e...
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
191
Alguém a puxou por trás e jogou-a contra a parede.
Frannie não teve tempo de se defender. O homem
pressionou o corpo contra o dela, prendeu-a no lugar e com
uma das mãos levantou-lhe a saia.
— Tenho um recado de Bob Sykes — o homem falou,
exalando um forte hálito de bebida e dentes estragados.
— Deixe os garotos em paz.
— Solte-me! — Frannie procurou afastá-lo.
Ele comprimiu violentamente o joelho no meio das
pernas dela.
— Não até eu ter a recompensa por estar entregando
a mensagem. Sempre tive vontade de experimentar uma
mulher bonita.
Ele segurou-lhe o queixo e tentou beijá-la, enquanto a
tocava com a outra mão...
Não, não, não!
De repente, Frannie estava novamente com doze anos
e lutava, lutava...
Tudo aconteceu em segundos. Ela debateu-se contra o
abismo escuro no qual desejava cair, puxou a faca e atacou-
o.
O sujeito gritou e largou-a. Ela escutou um ruído surdo
quando a faca atingiu algo duro e o impacto repercutiu em
seu braço.
Soou um gemido.
Ela ouviu a respiração difícil e sentiu que lhe
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192
seguravam o ombro. Sob a luz pálida de um distante
lampião a gás, viu-se diante de Sterling que apertava as
costelas, enquanto o sangue escoava por seus dedos.
Frannie percebeu que alguém se mexia e que o outro
homem fugia.
— Isso ainda não terminou, Frannie Darling — o
atacante gritou antes de desaparecer na escuridão ao
redor do prédio.
Frannie soltou a faca e apertou a mão de Sterling. Ele
murmurou uma imprecação e ela sentiu o sangue quente que
escorria. Muito sangue.
— Santo Deus! Está muito ferido! Será que conseguirá
subir a escada? Preciso ver o ferimento e...
Sterling abraçou-a pelo pescoço e puxou-a para perto
dele.
— Se eu tiver de morrer — ele disse com voz rouca —
, quero que seja com o gosto de seus lábios.
Sem a cortesia usual, Sterling beijou-a e Frannie
refletiu que ele não poderia estar mortalmente ferido se
ele a segurava com força e o beijo revelava tanta paixão.
Por um capricho do destino, Sterling puxara o marginal
de cima dela no momento em que ela se preparava para
enfiar a faca na ilharga do camarada. Sterling, por seu
heroísmo, estava sangrando e muito.
Frannie empurrou-o.
— Seu tolo, vai sangrar até morrer.
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193
— É apenas um arranhão.
— Então é um tolo ainda maior por deixar-me
preocupada. Acha que consegue subir a escada?
— Sim.
Frannie pôs um dos braços nas costas de Sterling que
se apoiou no ombro dela. Eles cambalearam em direção da
escada. O peso de Sterling aumentava a cada passo, como
se ele estivesse perdendo as forças junto com a
hemorragia. Não era um simples arranhão. Se fosse, a mão
de Frannie não estaria encharcada de sangue. No meio da
escada, ele caiu de joelhos,
— Acho que me enganei — ele murmurou.
— Seria indigno para milorde morrer aqui. Ele riu
baixo.
— Eu não seria nada se não fosse digno.
— Ainda bem que você acha graça.
— Não de todo.
Sterling agarrou-se no corrimão para subir e eles
bordejaram para cima. Quem os visse pensaria que
estavam embriagados. Eles chegaram ao alto e Sterling
recostou-se na parede enquanto Frannie tirava a chave do
bolso e abria a porta.
Ela o ajudou a entrar em seu apartamento.
Da mesma forma que o escritório, o local era pouco
mobiliado. Ela pensou no sofá, mas decidiu-se pela cama.
Seria mais confortável e ele poderia deitar-se. Sterling
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sentou-se na beira da cama e Frannie afastou-se para
pegar toalhas. Ao voltar ajoelhou-se diante dele. A roupa
de Sterling estava ensopada. Muito sangue. Era no que ela
conseguia pensar enquanto procurava estancar o
sangramento.
— Isso não me dá boa impressão.
— Foi só um corte, embora esteja doendo demais.
Terei de lembrar-me de... nunca mais tentar salvá-la.
— Não posso acreditar que você se aproximou no
momento em que eu investia. Eu não o vi.
— Estamos quites, pois também não vi a faca. De
forma nenhuma.
— Posso... desabotoar seu colete e erguer a camisa?
Sterling concordou, empalidecendo à medida que o
tempo passava. Com cuidado, ela agiu depressa. O corte
dava má impressão, era longo, profundo e atingira a ilharga.
Por sorte, não se via outra coisa a não ser o sangue.
— Deite-se. Mandarei alguém chamar Bill.
— Bill? — Sterling arfava de dor e com um gemido
surdo, esticou-se na cama de Frannie.
— William Graves. Ele é médico.
— Ah, eu sei. Ele cuidou de Catherine.
— Esse mesmo. Espere aqui enquanto tentamos
localizá-lo. Sterling teve vontade de rir com a ordem, pois
não poderia se mexer, mesmo se quisesse.
Frannie deu um passo e virou-se.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
195
— O que você estava fazendo aqui?
— Vim buscar meu relógio. Achei que pegá-lo... fosse
um convite.
Frannie havia esquecido do caso. Tirou o relógio do
bolso onde a peça estivera guardada durante todo o dia,
deixou-o na palma de Sterling e fechou-lhe os dedos sobre
o mesmo.
— Era — ela sussurrou e beijou-lhe a testa. Mas não
certamente para o que ocorrera.
Frannie enviou um empregado à procura de Bill e foi
até o escritório de Jack onde ele se encontrava ao lado de
Jim. Eles a acompanharam na volta ao apartamento.
Apavorada, ela continuou a pressionar toalhas no
ferimento e estas continuavam a se encharcar de sangue.
Sterling, com dificuldade para respirar, fazia caretas
e arfava. O queixo cerrado com força fez Frannie temer
pela ruptura de algum dente. Seria mais fácil não sentir
culpa, se ele não a olhasse tão fixamente. O olhar azul
demonstrava o sofrimento.
— Sinto muito — ela disse, pesarosa.
— O que você sente? — Jack perguntou, de braços
cruzados ao pé da cama. — Você estava tentando se
proteger e não é sua culpa ele estar no caminho.
Um canto da boca de Sterling tremeu e Frannie
imaginou se ele queria rir. Ela apostava que no futuro o
duque não acharia engraçado o acidente, caso
sobrevivesse.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
196
— Você prefere que eu segure a toalha no ferimento?
— Jim perguntou a Frannie.
Sterling fitou-a com intensidade e agarrou-lhe o pulso
para não deixá-la sair, como se ela pretendesse abandoná-
lo.
— Não, eu sou responsável por isso. Cuidarei dele.
Frannie gostaria de passar as mãos pelos cabelos dele,
acariciar-lhe o rosto, encostar a testa na sua e desculpar-
se novamente. Mas seria inútil ele sobreviver e ser atacado
por Jack e Jim.
— Onde está Bill?
Foi como tê-lo atraído e Bill entrou no quarto.
— O que está acontecendo? Disseram-me que Frannie
estava ferida.
— Não se trata de Frannie — Jack disse e virou-se
para ela. — Oh, Deus, você está ferida? Nem me ocorreu
perguntar.
— Estou bem.
Exceto por alguns hematomas e arranhões que Frannie
não quis citar para não desviar a atenção de Sterling que
precisava de assistência imediata. Ela se virou para Bill e
explicou o que ocorrera. Seu movimento sacudiu a cama e
Sterling gemeu, embora não quisesse demonstrar a
extensão de sua dor.
— Deixe-me ver, Frannie. — Bill aproximou-se.
— Está sangrando demais.
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197
— Às vezes o mais raso dos ferimentos dá a impressão
de ser muito grave. Posso examiná-lo?
Frannie anuiu e recuou, deixando de fazer pressão
com a toalha. Afastou-se, foi abraçada por Jim e escondeu
o rosto no ombro dele, sentindo-se confortada. Ele
procurou afastá-la da cama, mas Frannie não podia nem
pensar em sair dali.
— Tenho de ficar por perto, Jim. — Ela se soltou e
voltou para a cama. — Bill, você precisa de mais luz?
— Sim, por favor.
Frannie ergueu a lamparina da mesa de cabeceira e
segurou-a sobre Sterling para que Bill pudesse enxergar
melhor.
— Viu como está horrível? — ela falou com o médico.
— Não creio que esteja tão ruim. — Bill pressionou o
peito de Sterling e ele prendeu a respiração. — Está
doendo, Vossa Graça?
Sterling fitou-o com olhar feroz.
— É, vejo que sim, foi tolice minha perguntar. Deve ter
afetado um pouco as costelas. Você o pegou de jeito,
Frannie.
— Eu tentava matá-lo. — Ela fez uma careta. — Bem,
não Greystone, mas o homem que me atacou.
— E quem era ele? — Jack quis saber.
— Não sei.
— Como não sabe? Você conhece todos os
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198
freqüentadores do clube.
— Ele não era um de nossos clientes.
— O que ele queria?
— O que um homem quer quando atira uma mulher
contra a parede?
— Você o reconheceria se o visse novamente?
— Não podemos deixar o interrogatório para depois?
— Ela fitou Jack com raiva.
— Quanto antes sairmos à procura dele, será maior a
possibilidade de o encontrarmos para uma conversa séria.
Frannie olhou para Jim. Ele era da Scotland Yard e
deveria estar fazendo as perguntas.
— Não importa quando teremos as questões respondi-
das — Jim falou com calma. — Eu o encontrarei e tomarei
conta dele.
— Não faça nenhuma tolice.
— Tente lembrar-se da aparência do camarada.
— Sei apenas que era moreno, mas o instinto de
sobrevivência não me permitiu ver detalhes.
— Talvez o duque tenha reparado.
— Não, estava muito escuro. — Sterling deu um
assobio por causa dos procedimentos de Bill.
— Vossa Graça, procure ficar imóvel — Bill avisou-o.
— Vou ter de tirar suas roupas, depois dar alguns pontos e
enfaixar as costelas.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
199
Sterling anuiu.
Com a ajuda de Jim, Bill tirou o casaco, o colete e a
camisa de Sterling, todos de confecção fina. Frannie,
preocupada com o ferimento, nem ficou envergonhada ao
ver Sterling de peito nu e apenas refletiu que a estrutura
física dele era tão perfeita quanto seu traje.
— Mas o que é isso? — Jack perguntou.
Frannie deu a volta para ver do que se tratava. Nas
costas de Sterling havia uma pintura. Era uma criatura
incomum que lançava fogo pela boca e estava com as asas
abertas.
— É uma tatuagem — Sterling explicou e deitou-se de
costas.
— Nunca vi nada parecido.
— Vá ao Japão. — Sterling arqueou uma sobrancelha
como se Jack não soubesse onde estava situado o Japão.
— Do outro lado do mundo.
— Frannie, aproxime mais a lamparina — Bill pediu,
atraindo a atenção de todos para o problema mais
premente.
— Ah, sim, desculpe.
Ela se ajoelhou ao lado da cama, segurando a
iluminação de maneira mais adequada e sentiu-se enjoada
ao ver o que Bill estava fazendo. Ela desviou a vista e deu
com o olhar sofredor de Sterling. Gostaria de desculpar-
se novamente, mas temeu aborrecê-lo. Para segurar a mão
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
200
de Sterling, teria de rodear Bill ou ir para o outro lado da
cama. O fato de Jack e Jim estarem observando deixou-a
inibida e ela imaginou que poderia deixar escapar. Ela não
podia esquecer que Sterling era um duque. Não se casara
com Luke por ele ser um conde e no caso de Sterling era
ainda pior. Além de ser um duque, ele fora educado e
treinado para assumir sua posição. Ele transpirava sangue
azul na maneira como se comportava, na postura e nos
movimentos. Mesmo naquela altura, ele suportava a dor
apenas fazendo caretas.
— Vossa Graça, vamos tentar sentá-lo — Bill avisou. —
Por precaução, prefiro enfaixar-lhe as costelas.
Frannie afastou-se para que ele pudesse jogar as
pernas para fora da cama. Teve a impressão de que sua
cama diminuíra com Sterling deitado nela. Assim que se
sentou, ele voltou a fitá-la, como se ela tivesse o poder de
aliviar o sofrimento dele.
Bill terminou os procedimentos e deu um pouco de
láudano para Sterling.
— Sei que Vossa Graça passou por um grande
desconforto. O medicamento deverá acalmar sua dor no
caminho para casa.
— Quer dizer que ele está em condições de ir embora?
— Frannie perguntou.
— Tenho certeza de que ele tem um coche com boas
molas. O trajeto será suportável.
— Eu preferia que Greystone ficasse aqui para eu
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
201
poder cuidar dele.
— Frannie, ele não corre risco de morte. Admito que o
ferimento poderá infeccionar, mas...
— É meu dever. Eu deveria cuidar dele, apenas por
algumas horas.
— Não tenho objeções — Sterling declarou.
Frannie ficou encantada, embora a voz de Sterling
denunciasse sofrimento.
— Então está combinado — ela disse.
— Não sei se é uma boa idéia — Jim declarou. — Sua
reputação...
— Por acaso você vai percorrer Londres para espalhar
boatos?
— Não, Frannie, mas...
— Oh, Deus, Jim, agora não — ela pediu. — Ajude-me
a trocar a roupa de cama.
Quando eles terminaram, Sterling deitou-se de costas
e fechou os olhos. A respiração dele não estava tão difícil,
mas ele continuava pálido. Depois de argumentar e insistir,
Frannie conseguiu convencer Jack e Bill a saírem.
Agradava-lhe a preocupação dos amigos com ela, mas não
queria que eles a pajeassem como se ela fosse uma menina
pequena. Jim foi um pouco mais persistente.
— Tem certeza de que não está machucada? — Jim
olhou-a de cima a baixo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
202
Frannie olhou o vestido manchado de sangue.
— Por favor, fique um pouco com ele. Vou me lavar e
trocar de roupa.
Frannie não se incomodava em lavar-se e trocar de
vestido perto de Jim, separada dele apenas por um biombo.
Eles haviam dormido no mesmo quarto e tomado banho
junto quando eram crianças. E Sterling adormecera.
Sterling abriu os olhos e não viu os amigos de Frannie.
Na certa tinham ido embora. Ele apenas viu a silhueta de
Frannie atrás de um biombo. Ela ergueu um braço acima da
cabeça e passou a outra mão nele. Deduziu que ela se
lavava. Mesmo vendo apenas sua sombra, entendeu que ela
estava despida. De imediato, sentiu o corpo enrijecer-se
dolorosamente, mas não perto do ferimento, quando ela
moveu as mãos pelos ombros e abaixou-as...
— No lugar de Vossa Graça, eu tornaria a fechar os
olhos. Sterling virou a cabeça para descobrir que seu pior
pesadelo estava sentado a seu lado. Jim não tirava os olhos
dele.
— Seria uma infelicidade se Graves houvesse se
enganado a respeito da gravidade de seu ferimento e
Vossa Graça de repente morresse. Frannie ficaria muito
desapontada — Jim comentou.
— E você não gostaria de vê-la desapontada.
— Esse é o único motivo por Vossa Graça ainda estar
respirando.
— Para alguém que deve sustentar a lei, suas ameaças
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
203
são um tanto desordenadas.
— Quando se trata de Frannie, tenho minhas próprias
leis.
— Como eu já afirmei antes, não tenho intenção de
fazê-la sofrer. Esta noite eu poderia ter salvado a vida
dela e espero apenas uma ponta de reconhecimento.
— Essa é a diferença entre nós, Vossa Graça. Se eu
salvasse a vida de Frannie, jamais esperaria
agradecimentos, nem mesmo os desejaria.
Frustrado, Sterling sacudiu a cabeça.
— Não importa o que eu faça, Swindler, você sempre
achará errado. Vá para o inferno.
Jim riu baixo.
— Eu o levarei comigo.
— Já estou lá, Swindler.
Jim pareceu surpreso e estreitou os olhos.
— Não achei que o ferimento fosse tão sério.
— Isto — Sterling espiou as ataduras ao redor do
peito — não é nada. Você se vangloria em pensar que o
demônio visita apenas os pobres e os destituídos.
Honestamente, inspetor, começo a me aborrecer com sua
visão farisaica de que apenas você sabe o que é o inferno.
Jim não chegou a responder. Frannie saiu de trás do
biombo, vestida de preto, como se Sterling já tivesse
morrido e ela estivesse pronta para o funeral. Sterling
desejava vê-la vestida de verde ou de preferência sem
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
204
nada.
— Vossa Graça já acordou.
— Acabei de abrir os olhos. Frannie sorriu para Jim.
— Obrigada por cuidar dele enquanto eu me arrumava.
Agora já pode ir, está dispensado.
— Frannie, não creio que seja sensato deixá-la
sozinha...
— Jim, estou com meu punhal. — Ela bateu no quadril.
— Ele já está consciente que sei como usar a arma. Além
disso, ele arriscou a vida e por isso merece um pouco de
confiança.
Antes de se levantar, Jim destinou a Sterling um
último olhar rancoroso capaz de matar um incauto. Foi até
a porta e parou para tocar na face de Frannie.
— Cuide-se.
Frannie seguiu-o até a porta, sorriu e empurrou-o
delicadamente até a varanda. Entrou e trancou a porta. O
seguidor de Sykes fugira, mas não custava prevenir-se
caso ele retornasse. Com um suspiro de cansaço, ela foi até
a cama, observada por Sterling.
— Esse inspetor... a ama — Sterling afirmou.
— Assim como os demais meninos de Feagan. —
Frannie fez pouco-caso das palavras dele e sentou-se.
— Não como ele.
— Somos amigos, nada mais.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
205
— Por que mentiu para eles? — Sterling jogou os pés
para o lado da cama e sentou-se. — Você sabe quem a
atacou e também não ignora o que ele queria.
— Não o conheci e eles se preocupariam à toa.
— Eu não estava tão perto para escutar tudo, mas ouvi
o nome Sykes. Ele tem algo a ver com o garoto?
— É possível. Jimmy fugiu. Passei o dia todo nos
cortiços à procura dele e vim embora com quatro meninos,
mas sem Jimmy. Presumo que Sykes estivesse do lado de
fora de sua residência ontem à noite e provavelmente viu
quando nós levamos o menino para o orfanato. Ele pode ter
me visto entrar em sua casa e ter me reconhecido. Não sei.
Talvez Jimmy tenha dito alguma coisa.
— Por que não explica isso para Swindler? Ele poderia
prender esse tal de Sykes.
— Não é contra a lei fazer ameaças.
— Ele mandou alguém para machucá-la.
— Não tenho prova de que Sykes está por trás disso.
Não vi direito o assecla dele, portanto não há testemunhas.
Mesmo se eu soubesse quem me atacou e Jim o localizasse
— Frannie meneou a cabeça — ninguém testemunharia
contra Sykes. Ele é a encarnação do demônio.
Frannie não gostou da maneira como Sterling a
analisava, como se pudesse ler seus pensamentos.
— Você nada contou a eles por saber que tentariam
resolver o problema.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
206
— E por isso correrão riscos. E porque...
— Por quê?
— Quais deles o ameaçaram?
Frannie viu um músculo do queixo de Sterling pular.
Homens! Sempre orgulhosos. Eles queriam resolver os pró-
prios problemas, não demonstrar fraqueza, não pedir
ajuda. Por que não entendiam que, às vezes, uma mulher
sentia necessidade da mesma consideração?
— Todos — Frannie disse com convicção.
— Não é verdade. Frannie anuiu, pensativa.
— Bill não faria isso, por ser médico. Ele não pode ver
ninguém sofrer. Mas os outros... Eu amo os rapazes e
sempre os amei. Mas às vezes sinto como se eles me
sufocassem.
— A ajuda deles é necessária.
Frannie sabia disso, mas ela também queria sua
independência.
Sterling segurou-lhe a mão e passou o polegar sobre
os nós dos dedos de Frannie.-Ele procurava qualquer
desculpa para tocá-la, como se a proximidade agradasse
tanto a ele como a ela.
— Venha ficar na minha casa por alguns dias.
— E ir para sua cama?
— Não, a menos que seja essa sua vontade. — Sterling
gemeu, pegou a camisa e começou a vesti-la. — Depois de
ser atacada esta noite, tudo poderá ficar... mais difícil.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
207
Frannie piscou para afastar as lágrimas. De certa
forma não fora como antes, mas assim mesmo as memórias
terríveis haviam voltado.
— Você quase me matou, o que poderia ser trágico.
Frannie sorriu.
Como ele podia fazê-la rir e chorar ao mesmo tempo?
— Sei que se sentirá culpada por isso e ainda terá de
se preocupar com esse tal de Sykes. Como poderá
raciocinar com clareza, Frannie? Ele não ousará procurá-la
em minha casa. Mesmo que ele a tenha visto a noite
passada, não imaginará que eu a convidei para voltar.
— Meus órfãos...
— Sobreviverão alguns dias sem a sua presença e os
empregados cuidarão deles. Além do mais, preciso de uma
enfermeira para ajudar-me na recuperação e você será a
pessoa ideal. Quando foi a última vez que teve alguns dias
sem se preocupar com nada?
Ficar na casa dele acarretaria outro conjunto de
preocupações. Poderia ficar ao lado dele e não o desejar?
— Meu coche está esperando no final da rua.
— Pobre cocheiro...
— Ele está acostumado a esperar até a madrugada
quando é necessário e eu o pago muito bem por isso. — Ele
enrolou na mão o colete e o casaco. — Venha comigo, senão
terei de ficar aqui. Não se ofenda, mas aqui falta
comodidade. Dodger está se aproveitando de sua bondade
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
208
e precisa elevar seu salário. Posso mandar meu advogado
discutir o assunto com ele.
— Não tenho queixas em relação a meu pagamento. —
Pela primeira vez, viu as próprias acomodações pelo olhar
de Sterling. Eram bastante... depressivas. — Meu dinheiro
tem um destino melhor no orfanato.
— Mas sacrificar tudo...
— Não sacrifico o que eu realmente desejo. — Exceto
Sterling.
Ela estava argumentando para não ir, quando era isso
o que ela mais desejava.
— Venha comigo. Meus criados e eu a encheremos de
mimos.
— Vossa Graça é quem deve ser cuidado. Sterling
sorriu. Frannie caíra na armadilha dele.
— Ótimo. Permitirei que cuide de mim.
— Eu o levarei até sua casa — ela concedeu.
— E ficará.
— Até a madrugada, só para ter certeza que você está
bem. O sorriso de Sterling era de quem conseguira o que
queria.
Quando chegaram à residência dele, ele ajudou
Frannie a descer do coche e afirmou em voz baixa e
sensual.
— Felizmente você não especificou qual madrugada.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
209
Eram quase duas da manhã, mas o mordomo de
Sterling saudou-os na entrada do saguão. Pegou o agasalho
de Frannie, além do colete e do casaco amassados. A
camisa suja de sangue não foi tirada e o pobre homem
assustou-se.
— Por Deus, Vossa Graça. Mandarei buscar seu médico
imediatamente.
— Não há necessidade, Wedgeworth. Já fui atendido
e não há nada mais com que se preocupar. A srta. Darling
ficará esta noite nos aposentos de lady Catherine. Peça a
uma das criadas que a atenda no que for necessário.
— Sim, Vossa Graça.
Parecia estranho, mas Frannie não se sentiu
constrangida quando Sterling a conduziu escadaria acima
rumo ao pavimento onde se encontravam os quartos de
dormir. Pensou na última vez em que estivera ali e no que
acontecera. Ele podia dizer que nada esperava dela, mas
era mentira, o que também não a aborrecia. A sinceridade
com ela mesma a fez admitir que estava ali porque nada
poderia recusar a Sterling.
— Eu mencionei o quanto estou feliz por tê-la aqui? Ela
o fitou e sorriu.
— Não creio tê-lo ouvido comentar isso.
— E quero que se alegre por ter voltado à minha casa.
No alto da escadaria havia um corredor tão largo que,
apesar de mesas e cadeiras alinhadas nas paredes,
permitia livre trânsito de pessoas. Frannie imaginou que,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
210
durante os bailes, as damas ali trocassem confidencias
enquanto retocavam a toalete.
— É este o aposento — ele a conduzira até uma porta
aberta.
Ela espiou o forro artístico, a grande cama de dossel,
um luxo que ela não tinha desde que deixara a residência
dos Claybourne.
— É magnífico.
— Mesmo sem ser de seu gosto?
— Sim, mas eu me adapto.
Com o canto do olho, Frannie viu uma mulher caminhar
com calma pelo corredor depois de subir pela escada dos
fundos que era a de serviço. Frannie surpreendeu-se por
Sterling não se virar diante da aproximação da jovem.
— Vossa Graça. — A moça fez uma reverência
respeitosa. Foi então que Sterling tomou conhecimento
dela.
— Agnes, quero que atenda às necessidades da srta.
Darling enquanto ela estiver aqui.
— Pois não, Vossa Graça.
— A srta. Darling fará uso do guarda-roupa de lady
Catherine.
— Isso não será necessário — Frannie protestou.
— Fique à vontade, mas saiba que Catherine deixou
roupas que não voltará a usar. Os trajes dela, assim como
tudo nessa casa, poderão ser utilizados a seu bel-prazer.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
211
— Sterling deu um passo à frente, tomou-lhe a mão e
beijou-a. — Frannie, agora vou me recolher e deixá-la
fazer o mesmo.
Sterling parecia exausto e ela entendeu que o
sangramento devia tê-lo enfraquecido.
— Eu tomarei conta de milorde.
— Será melhor dormir primeiro. Swindler me matará
se a senhorita adoecer. Além disso, preciso me lavar e
tirar as roupas sujas de sangue.
Frannie anuiu e viu Sterling dirigir-se a um quarto do
outro lado. Ela planejara ficar até a madrugada e não
pensara em dormir ali. Escutou um ruído, virou-se e viu
Agnes tirando uma camisola de uma gaveta aberta.
— A senhora gostaria que eu mandasse preparar um
banho? — Agnes deu um sorriso tímido.
— Ah, é muito tarde para se preocupar com isso.
— Se a senhora quiser, não será incômodo nenhum.
Frannie pegou a camisola e surpreendeu-se com a maciez
do tecido.
— Volte para a cama, eu mesma me trocarei.
— Mas Sua Graça...
— Ele não ficará sabendo. Agnes fez uma pequena
cortesia.
— Sim, senhora. Obrigada, senhora.
Frannie trocou-se, escovou os cabelos e foi para a
cama. Depois de olhar por alguns minutos o sobrecéu,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
212
virou-se de lado e observou a luz que entrava pela janela.
Seria do luar ou de um lampião? E o que isso importava? Se
ficasse na residência de Sterling até a madrugada,
certamente o sol não entraria no quarto.
Afastou as cobertas para um lado, saiu da cama, foi
até o corredor e encostou a palma na porta dos aposentos
de Sterling. Pensou como ele distraíra os meninos com suas
histórias na exposição, em como mandara chamá-la em vez
de um policial, quando descobrira o menino em sua casa.
Sterling também lhe dera muito prazer na noite da ópera
e se arriscara naquela noite.
Sterling a deixara confiante como mulher e, mesmo
que não se casasse com ela, outro poderia fazê-lo. Mas a
vida era precária e oportunidades nem sempre apareciam.
Sterling era um homem de quem ela gostava muito. Talvez
o pouco fosse suficiente para ela.
Frannie abriu a porta e entrou. Sterling fitou-a
imediatamente, o que a fez supor que não o acordara.
— Vim ver como está passando. — Ela foi até a cama.
— Está com muita dor?
Ele negou com um gesto de cabeça.
— Meu criado de quarto deu-me um pouco de láudano.
— Então você não deveria estar com problema de
insônia.
— E quanto a você?
— Estou ótima, ainda mais com a certeza de que está
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
213
tudo bem com você.
— Você me disse uma vez que acha confortante
dormir, e apenas dormir, com alguém. Se quiser, estou de
calça... — Sterling levantou as cobertas à guisa de convite.
— Desconfiava que eu viria.
— Eu tinha esperança que o fizesse.
Frannie deixou a lamparina na mesa, deitou-se na cama
ao lado dele, pôs a cabeça em seu ombro e Sterling
abraçou-a.
— Viu só? Eu lhe disse que ficaria mais confortável
aqui — Ele arrastou as palavras por efeito do
medicamento. — Quero conhecê-la de verdade, Frannie.
Apesar de ter agido como se o ataque de hoje afetasse só
a mim, sei que deve ter-se sentido apavorada com isso.
Frannie acariciou-lhe o peito.
— Creio que eu estava furiosa. Sempre tomo muito
cuidado quando vou até os cortiços e assim mesma fui
surpreendida. E tive vontade de acabar com ele diante da
menção a Sykes.
— Essas visitas aos cortiços são sempre feitas à
noite? Teria de mentir para ele.
— Frannie? — Sterling cutucou-a no braço.
— Algumas vezes.
— Sozinha?
— Mas que insensatez, Frannie, por acaso não sabe o
perigo que isso representa?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
214
— As crianças não se aproximarão de mim se eu não
estiver sozinha.
— Eles não são mais importantes do que você. Contrate
uma pessoa que possa perscrutar a área sem ser visto, mas
que não a perca de vista.
— Você está se tornando tão opressor quanto os
meninos de Feagan.
— Por que você está se tornando muito preciosa para
mim. — Sterling beijou-a no alto da cabeça. — Por favor
não ande mais sozinha por lá.
Frannie anuiu. Era mais fácil quebrar promessas
quando eram mudas.
— O que é o desenho das suas costas? — Frannie
mudou de assunto.
— Um dragão.
— Por acaso o viu em suas viagens? Eles existem?
— Pelo que eu saiba, só em lendas. Segundo uma delas,
São Jorge matou um dragão.
— Não sei nada a respeito.
— Talvez eu lhe conte a história algum dia.
— A tatuagem vai desaparecer?
— Não.
— Então por que permitiu que fizessem o desenho?
— Pelo que eu me lembro, eu estava bêbado e achei
que seria uma boa idéia.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
215
— E por que um dragão?
— Simbologia. Todos nós temos de enfrentar um
dragão vez por outra.
— Então não se trata de uma coisa boa.
— Depende se o derrotarmos e tudo fazia sentido
quando eu estava embriagado.
— Você matou o seu?
— Na época, pensei que sim.
Sterling acariciava-lhe o braço enquanto falava, e
Frannie desejou que seu vestido não tivesse mangas.
Deitar-se ao lado do duque era diferente do que se deitar
com os meninos quando era criança. O corpo e a fragrância
eram de um homem.
— Eu podia tê-lo matado — ela considerou de repente.
Sterling ficou imóvel. Depois a abraçou com força.
— Mas não matou e mesmo que o houvesse feito, não
teria sido sua culpa.
— De qualquer forma eu poderia ser executada por
matar um lorde.
— Swindler não teria deixado isso acontecer.
Era verdade, Jim a protegeria, como fazia com tantos
outros.
— Não me agradaria se você tivesse morrido.
— Eu também não gostaria de morrer.
Frannie sentiu o peito dele erguer-se como se
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
216
estivesse no meio de um suspiro e parar de repente pela
dor do ferimento.
— Não sei se eu diria o mesmo há um ano — Sterling
acrescentou.
Frannie ergueu-se em um cotovelo e fitou-lhe as
pálpebras pesadas.
— É estranho ouvir isso. Nas piores fases de minha
vida, nunca desejei a morte.
— Como pode ser tão otimista, mesmo vendo coisas tão
terríveis?
— Feagan costumava dizer: Frannie querida, não
importa quão ruim esteja a situação, ela sempre pode
piorar ou melhorar. Esperar o pior não a desapontará e
esperar o melhor sempre a deixará na expectativa. Prefiro
esperar o melhor.
— Onde você se escondia quando eu era um jovem
raivoso?
— Provavelmente na mansão dos Claybourne,
usufruindo o que havia de melhor, sem que isso me
agradasse. Eu tinha saudades de Feagan e Claybourne
proibia que o visitássemos. — Frannie ajeitou-se
novamente no calor do ombro de Sterling. — Contudo tenho
certeza de que isso não impedia Jack de voltar lá. Ele não
gostava de receber ordens.
— Aposto nisso.
— Ouviu falar que ele se casou recentemente?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
217
— Não. Quem haveria de querê-lo? Frannie riu.
— Eu o aconselho a ter melhor opinião a respeito de
meus amigos.
— Talvez eu o faça quando eles pararem de me
ameaçar.
— Eles continuam a ameaçá-lo?
— Ultimamente, não. E quem é a infeliz dama?
— A viúva de Lovingdon.
— Olívia? Mas que surpresa.
— Nem me fale, mas parece que são muito felizes.
— A felicidade dos outros a delicia.
— Sem dúvida e não é como deve ser?
— Pois eu nunca me preocupei muito com isso. Frannie
desenhou círculos no peito de Sterling.
— Eu deveria deixá-lo dormir. Sterling segurou mão
de Frannie.
— Fique comigo.
A respiração de Sterling ficou mais lenta e uniforme.
Frannie entendeu que se ele acordasse primeiro, não se
aproveitaria dela. Luke garantira isso revelando a Sterling
o passado dela, mas esse conhecimento talvez nem fosse
necessário. Embora ele fosse um lorde e acostumado ao
poder, era também um cavalheiro.
Assim, ela adormeceu pensando que Sterling era seu
cavalheiro.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
218
Sterling acordou deitado na parte sadia do corpo,
abraçando Frannie e com a mão no busto dela de forma
inocente, em uma posição que jamais estivera com outra
mulher. Sempre tocara em uma mulher com desejo e
propósitos. Admitiu que gostaria de tocá-la novamente
dessa maneira. Mas teria de ser no compasso de Frannie,
quando ela estivesse pronta. Frannie estava de costas,
aconchegada em seu corpo e a reação dele não era tão
inocente. Ele se afastou um pouco, pois não desejava que
ela acordasse e se sentisse importunada pela ereção.
Com um suspiro, Frannie tornou a se aconchegar.
Que situação. Ele tentava ser um cavalheiro e ela o
provocava. Ele concentrou-se no som da chuva batendo na
vidraça, o que o fez pensar em água, no banho que Frannie
tomara, em como vira a silhueta dela atrás do biombo e
sentiu-se ainda mais excitado. Começou mentalmente a
catalogar todos os tesouros que trouxera de suas viagens:
vasos, estatuetas, cerâmicas e jóias. Seu corpo começou a
responder à falta de imagens excitantes. Lembrou-se das
sacudidelas da viagem sobre o camelo. Pensou no medo que
o invadira quando fora atacado por um tigre e Wexford o
matara. Se houvesse morrido, teria perdido a sensação
maravilhosa de estar deitado com Frannie nos braços,
sentindo a fragrância dela, o corpo separado do dela
apenas por uma fina camada de tecido.
Sterling disse uma imprecação quando a dor retornou.
— Você sempre acorda de mau humor? — Frannie
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
219
perguntou.
— Há quanto tempo está acordada?
— Não muito.
Frannie afastou-se dele e saiu da cama. As cortinas
estavam fechadas, mas a lamparina acesa permitiu-o vê-la
claramente.
— A despeito do que aconteceu na minha adolescência,
não receio intimidades. Tenho medo de falta de
honestidade. Seja sempre honesto comigo.
Sterling fitou-a de alto a baixo.
— Eu a desejo... desesperadamente. Frannie sorriu
com malícia.
— Eu sei. Infelizmente para você, estou com vontade
de tomar o desjejum.
Sterling deitou-se de costas, começou a rir e
amaldiçoou a reação infeliz que lhe causava dor nas
costelas.
— Ou talvez fosse felizmente. Ele a fitou.
— Não me faça rir.
— Ficarei até a madrugada de amanhã.
Frannie saiu do quarto, Sterling fitou o dossel púrpura
e planejou a recuperação mais rápida de que se tivera
notícia.
Sterling prometera mimá-la e por isso pediu para que
o café da manhã fosse servido na cama, mesmo que fosse
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
220
na dele e com a bandeja de comida entre eles. Frannie
estava sentada aos pés da cama, usando um dos vestidos
mais simples de Catherine, enquanto ele estava recostado
nas almofadas na cabeceira. O criado trocara suas
ataduras e o ajudara a vestir calça limpa e uma camisa
folgada que o deixava à vontade.
— Suponho que por trabalhar no Dodger's, deve estar
familiarizada com os comportamentos mais inadequados —
Sterling afirmou, espalhando geleia na torrada.
— Também fiz um juramento para manter segredo
sobre o que eu via. Jack sempre fez questão de garantir a
privacidade de nossos clientes.
— Uma pena. Imaginei que você conhecesse histórias
fascinantes.
— Bem... creio que poderei lhe contar uma. — Frannie
sorriu, matreira.
— Diga. — Sterling endireitou-se.
— Uma noite, por volta da meia-noite... — Frannie
sacudiu a cabeça — não sei se devo contar-lhe.
— Nada direi a ninguém.
— Promete?
— Prometo.
— Está bem. — Frannie ficou séria, o que aumentou a
ansiedade de Sterling. — Foi uma vergonha. Lancei no livro
uma coluna errada de números, Jack descobriu e fiquei
mortificada.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
221
— Números...
— Sou a guarda-livros e, em regra geral, os números
não se comportam tão mal.
— Então você mantém-se absorta na contabilidade e
nunca espiou pelos olhos-mágicos?
— As pessoas têm direito à privacidade e a ter
segredos.
— Isso é desanimador. Tenho visto mulheres dançando
quase sem roupas.
Foi a vez de Frannie endireitar-se.
— Verdade?
Sterling anuiu e mordeu um pedaço de torrada.
— Elas são capazes de ondular os ventres como se
fossem cobras. Muito interessante. Você deveria pensar
em convidá-las para trabalhar no Dodger's. Acredito que
os cavalheiros nem pensariam em sair.
— Uma sugestão pertinente. — Frannie deixou o prato
de lado, levantou os joelhos e abraçou-os. —Nem posso
imaginar tudo o que você já viu.
— Foi realmente maravilhoso. Meu pai não concordou
com minha decisão de partir e discutimos muito sobre isso.
Ele afirmou que se eu partisse, nunca mais desejaria me
ver. Ele achou que eu estivesse priorizando minhas
vontades, esquecido de meus deveres, com o que de certa
maneira eu até poderia concordar. Ele não me entendia e
garantiu que eu poderia conhecer o mundo mais tarde.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
222
— Com certeza ele não falava sério quanto a não vê-lo
mais.
— Voltei para a Inglaterra quatro meses antes de ele
morrer. Vim visitá-lo e Catherine não se encontrava em
casa. Meu pai estava enfermo e não falava, mas a
enfermeira disse que ele se comunicava com os olhos.
Porém, como dissera antes, ele se recusou a olhar para
mim.
Sterling não pretendia contar a Frannie que o pai se
envergonhava pelas limitações do filho. Talvez ele mesmo
se envergonhasse. Frannie trabalhava na ruas sombrias de
Londres e ali ele também poderia ser cego-a despeito de
todo bem que sua visão limitada lhe impunha.
— Pelo menos você conheceu seu pai.
— Sim e suponho que haja consolo nisso. Frannie
encostou o queixo nos joelhos.
— E por ter voltado, você se ocupará com seus
deveres.
— Exatamente. Terei uma vida tediosa, mas não filhos
que possam aborrecer-me.
O riso de Frannie foi forçado e Sterling compreendeu
que, devido às circunstâncias, não deveria conversar com
ela a respeito da mulher com quem deveria casar-se, mas
ela pedira honestidade.
— Frannie, eu não sou o marido ideal.
— Está se subestimando, embora eu nada espere de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
223
você. Pode ficar descansado. Nunca sonhei em tornar-me
duquesa.
— Pensei que todas as jovens sonhassem em casar-se
com um duque.
— Oh, não. Eu preferia um rei — ela caçoou,
— Creio que Ana Bolegna pensava o mesmo. Frannie riu
e Sterling adorava ouvi-la rir.
— Ah, você é impossível. Sorrindo, Sterling deu de
ombros.
— Está certo, rainha Frannie.
— Ah, que tolice! Na verdade, não me vejo casada.
— Seus órfãos preencherão sua vida?
— Acredito que sim. — Frannie olhou pela janela. — Eu
deveria estar procurando outras crianças.
— Nesse tempo horroroso? Na certa elas deverão
estar dentro de casa.
— Se tiverem lugar para ir. — Frannie suspirou. — É
bom ler o tempo, não é? Você lê muitos livros?
— Não tantos como eu costumava. Ultimamente e
leitura têm-me deixado com dor de cabeça.
— Óculos poderiam ajudar.
Sterling não queria negar o fato.
— Vou pensar nisso.
— Você gosta de Dickens?
— Achou as histórias dele bastante tristes.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
224
— Creio que ele escreve sobre o que sabe. Talvez eu
leia para você hoje à tarde.
— Eu gostaria muito.
Frannie saiu da cama e reuniu os pratos vazios.
— Chame um criado — Sterling disse.
— Posso fazer isso sozinha. Ele segurou-lhe o pulso.
— Frannie, por que insiste em lembrar-me das
diferenças que existem entre nós?
— Estou lembrando a mim mesma para permanecer
honesta com você a respeito do que e de quem eu sou. Eu
só fingia ser o que não era quando queria enganar alguém
para conseguir o que eu queria. Você sabe que há pessoas
que bondosamente acolhiam um soldado abandonado pela
sorte? O soldado e sua pequena filha. E enquanto a família
generosa estava dormindo, juntávamos o que eles tinham
de valor e nos esgueirávamos noite adentro. Nunca se
esqueça que já fui um dos gatunos que você prefere
manter longe de sua casa.
— E eu fui um jovem que priorizava seus próprios
prazeres em detrimento dos deveres. Nós todos mudamos,
Frannie, e recompensamos nossas falhas passadas. Você
roubava e eu desapontei meu pai. Agora você faz boas
obras e eu honrarei minhas responsabilidades e meu título.
A sua feição atual é que me intriga e desperta meu
interesse de forma incomum.
— Não quero aparentar algo que não sou nem seria
capaz de ser. Não quero enganá-lo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
225
— Você faz tão pouco de mim a ponto de acreditar que
posso ser facilmente enganado? Fui desencorajado várias
vezes e assim mesmo você acabou na minha cama. E a meu
convite, segundo me recordo.
— Isso poderia fazer parte de meu plano bem
concebido. É como trabalhamos. Nós fazemos a pessoa
acreditar no que precisamos para poder tirar vantagem.
Sterling soltou-lhe o pulso, recostou-se nos
travesseiros e abriu os braços.
— Pode tirar quantas vantagens quiser.
Frannie olhou-o por inteira e o corpo de Sterling
reagiu no mesmo instante. Ele a observou engolir em seco
e passar a língua nos lábios. Depois ela pegou a bandeja e
piscou.
— Está vendo? Agora você não está em posição de
impedir-me de tirar os pratos e era isso o que eu desejava.
Sterling riu. Ele não acreditava nela, mas se era esse
o jogo, ele concederia a derrota para sair vitorioso mais
tarde.
— Descanse agora, milorde, para recuperar suas
forças.
Sterling observou-a sair do quarto e fechou os olhos.
Frannie estava certa. Ele precisava recuperar
rapidamente as forças. Os minutos se escoavam e uma vez
que ela fosse embora, seria muito difícil fazê-la voltar.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
226
Capítulo IX
Enquanto Sterling descansava, Frannie foi para sala
que se projetava para o jardim com três paredes de
janelas e um telhado de vidro onde a chuva batia e
reverberava. Ela desejava fugir não apenas dele, mas,
sobretudo, de si mesma. Poderia ela olhar-se no espelho
depois de se entregar a um homem que jamais a desposaria
e com o qual ela não pretendia se casar? Seria tão errado
querer saber o que era ser desejada ao menos uma vez na
vida?
Sterling era um homem de paixões, de aventuras e a
desejava. Isso havia sido mais do que evidente quando ela
acordara naquela manhã e sentira a pressão nas nádegas.
A proximidade de Sterling a entusiasmava.
Sterling não se importava com o passado dela, nem que
ela tivesse sido uma gatuna. Frannie jamais gostara dos
tempos em que Feagan fingia ser um soldado, quando as
pessoas eram bondosas com eles e, como retribuição, elas
ficavam sem seus pertences. Mesmo sabendo por instinto
que cometiam erros, ela fazia tudo para agradar Feagan.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
227
Ela usava a desculpa que o avô de Luke proibia as crian-
ças de visitarem Feagan para explicar por que nunca mais
o vira. Na verdade ela se envergonhava das coisas que
Feagan lhe pedira para fazer. Em parte esse era o motivo
por ela gastar tão pouco com si mesma e ter tão poucas
coisas. Quando era menina, apossara-se do que não lhe
pertencia e naquela altura, tentava redimir-se. Se pudesse
ensinar crianças a não violarem a lei, se pudesse provê-los
com bons exemplos a serem seguidos, se pudesse desfazer
as lições que haviam aprendido...
Talvez não se sentisse tão manchada pelo passado e
pela associação com Feagan.
— Eu gostaria de um dia de sol para fazermos um
piquenique no jardim — Sterling disse ao sentar-se ao lado
de Frannie.
— Gosto de chuva. — Ela sorriu. — Devo ser a única
pessoa da Inglaterra a ter essa predileção.
— Acho o mau tempo melancólico.
— Prefiro pensar nele como um período destinado à
reflexão.
— Você é uma eterna otimista. E sobre o que estava
refletindo?
— Nada importante. Como está se sentindo agora?
— Um pouco dolorido, mas confiante que a
sobrevivência será meu futuro.
Pelo olhar estreitado e pela testa franzida, Frannie
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
228
deduziu que a dor não o abandonara. Por que os homens
sempre davam a impressão de serem fortes?
— Quero agradecê-lo novamente por mandar o
sapateiro.
— Isso melhorou sua opinião a meu respeito?
— Sim.
— Então valeu a despesa.
— Estive pensando em fazer placa com o nome de
nossos beneméritos para pendurar na parede. Seria um
bom gesto de reconhecimento, não acha?
— Prefiro ficar no anonimato. Fiz isso por sua causa e
não pela glória.
— E eu que pensei que você houvesse tomado essa
atitude pelos meninos.
Sterling mirou a chuva e corou ligeiramente, mas
Frannie suspeitou que isso nada tivesse a ver com o
ferimento. Sterling fizera isso por ela, para agradá-la e
conseguir seus favores. Outro ramalhete de flores não
teria o mesmo efeito. Para ela significava muito ele
entender o que era importante para ela e o que não era;
— Gostaria de vestir-se para jantar esta noite?
— Sim. Encontrei um vestido de Catherine que me
servirá perfeitamente.
Ele a fitou.
— Fico feliz com isso. Pedirei à cozinheira para fazer
algo especial. Existe algo que não a agrade?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
229
— Pela infância que eu tive, fico agradecida por
qualquer tipo de refeição.
— Vejo que não é difícil agradá-la.
Frannie tentou se lembrar de que ele era um duque,
mas com a chuva que os impedia de sair, era como se o
mundo real não os rodeasse. Por algumas horas poderiam
fingir que pertenciam ao mesmo universo.
— Temos algum tempo antes do jantar — alegou. —
Quer que eu leia para você?
— Somente se nos sentarmos no sofá para que eu
possa esfregar seus pés enquanto estiver lendo.
Frannie sorriu.
— Sterling, nós fizemos um trato.
O jantar foi servido no mesmo cenário íntimo de
antes, mas sem música. Menos velas foram acesas, pouco
se falou e parecia que não se respirava. Frannie imaginou
se o corpete um pouco apertado a fazia perder o fôlego,
mas desconfiava de que o motivo era a maneira de Sterling
a olhar, como se ela fosse uma sobremesa apetitosa.
Ele se vestira com a mesma formalidade usada na
ópera, atraente como sempre. Por cima da borda da taça
de vinho ele a analisava com langor, o que fazia brilhar e
escurecer o azul de seu olhar. Era uma combinação
estranha e inebriante saber que ela o afetava daquela
maneira.
Frannie tomara banho antes e experimentara todos os
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
230
perfumes dos frascos que enfeitavam a penteadeira de
Catherine até encontrar um que a fizesse lembrar-se de
ninfas brincando em um jardim. Preferia fragrâncias leves,
talvez porque em sua infância tivera de usar perfumes
fortes que mascaravam o cheiro fétido dos cortiços.
Naquela altura, ela procurava comportar-se de maneira
oposta ao que fora acostumada a fazer antes.
Mesmo assim, sentia-se mal preparada para o
momento.
— Relaxe, Frannie — Sterling aconselhou-a com voz
calma que teve o poder de tranquilizar o coração
disparado. — Nada acontecerá esta noite contra sua
vontade.
— E se não acontecerem coisas que você deseja?
— Ficarei desapontado, mas sou capaz de suportar um
desapontamento. Você não terá de conviver com a noção
de que foi forçada a agir contra sua vontade. — Sterling
compreendia o significado do que dissera. — Nada será
como antes.
— Eu não estaria aqui se essa não fosse minha
expectativa. Sterling bateu a taça de vinho contra o dela
que permanecia ao lado do prato.
— Eu lhe agradeço por estar preocupada com a minha
recuperação.
— E eu estou satisfeita por seu ferimento não ser tão
severo como eu imaginava.
— Sou duplamente agradecido. Suponho que Swindler
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
231
deve estar procurando pelo culpado.
— Provavelmente. Mesmo sem uma descrição
detalhada ele conseguirá descobrir o assaltante. Ele é um
perito nesse assunto.
— Você o admira. Frannie ficou séria.
— Admiro todos os meninos de Feagan.
— Eu acho que eles parecem mais os meninos de
Claybourne do que os de Feagan. Claybourne acolheu todos,
não foi?
— Sim, mas Feagan ensinou-nos sozinho e Claybourne
contratou tutores. É muito fácil realizar alguma coisa
quando se tem meios para comprar o necessário.
— Você também admira Feagan.
— Não sei se admirar seria a palavra certa. — Frannie
pensou no assunto. Alguns aspectos de Feagan a
desapontavam, mas não podia negar que ele cuidava das
crianças que levava para casa. — Suponho que seja. Ele nos
ensinou artes questionáveis, mas de certa forma nos deu
um lar. Tenho pensado em dar o nome dele ao orfanato.
— Lar das Crianças Feagan? Ele merece essa honra?
Frannie tomou dois goles de vinho. Embora soubesse
que Sterling desejava apenas uma noite de amor, sentiu-se
na obrigação de perguntar.
— Sua consideração por mim diminuiria se soubesse
que eu acredito na possibilidade de ser filha dele?
Sterling pensou, girando a taça de vinho.
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232
— Posso acreditar que uma pessoa eleve seu status na
sociedade baseando-se em seus ancestrais, mas
ultimamente aprendi a julgar o indivíduo por seus méritos
e realizações.
Frannie sorriu.
— Um ponto de vista incomum, bastante raro eu diria.
— Se ele fosse seu pai, não lhe teria dito nada?
— Foi o que imaginei e uma vez perguntei para Jack
que sabe de muitos segredos.
— O que ele disse?
— Evitou responder e não tenho certeza se foi por
achar que eu me desapontaria com uma resposta, qualquer
que ela fosse ou se estava tentando me proteger.
— Os segredos sempre acabam descobertos.
— Você também tem segredos, Sterling?
— Todos nós temos segredos.
Frannie não podia imaginar que os dele fossem quase
tão sombrios quanto os dela.
Sentada diante do toucador e vestida com uma das
camisolas de Catherine, Frannie escovava os cabelos. Cem
escovadelas. Essa fora uma das regras de Feagan. Ela
sempre se perguntava se alguma mulher escovara os
cabelos diante ele. Feagan a amara e fora amado por ela.
Ele, porém, nada revelara sobre o passado. Mas naquela
noite ela não queria refletir sobre suas origens. Estava
interessada apenas no presente.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
233
Sterling se despedira dela na porta do quarto, dando
a impressão que não viria procurá-la.
Ele nunca se casaria com ela e, portanto, deixara a
decisão de passarem ou não uma noite juntos ao encargo
dela. Frannie olhou-se no espelho. Procurar por vontade
própria um homem que não faria dela uma mulher honesta...
Porém não seria mais desonesto negar a si mesma o
prazer que desejava tanto? Depois da ópera, Sterling a
fizera experimentar uma pitada do prazer que ela
encontraria nos braços dele.
Havia dezoito anos um homem a deflorara e ela
trancara em um canto escuro de sua mente a repugnância
daquelas mãos rechonchudas beliscando e puxando, o corpo
que se cravava no dela, a dor, do sangue, o eco dos próprios
gritos e das risadas hediondas dele...
Então as lembranças retornavam, esperando serem
substituídas por algo forte que as destruísse.
Sentado em uma poltrona ao lado da lareira de seus
aposentos, Sterling olhava as chamas que diminuíam como
sua visão. Além dessa pouca luminosidade, apenas uma
lamparina acesa ao lado de sua cabeceira. Vestia calça e as
ataduras de seu ferimento ao redor do peito.
Desde o momento em que beijara Frannie na biblioteca
de Claybourne, pensara em seduzi-la, em levá-la para a
cama. No entanto ele fora o seduzido para tornar-se um
homem melhor. Decidira deixá-la ir, sem ter o gosto de
uma apreciação plena. Ela o rebaixara além da conta com
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
234
Dickens, com os órfãos, e com sua habilidade de deslindar
intenções nobres mesmo naqueles com passado criminoso.
No mundo da aristocracia, havia o certo e o errado, o bem
e o mal. O universo de Frannie não admitia o absoluto; era
o mundo cinzento como o dele estava se tornando. A ironia
não escapou a Sterling. A noite, nada era claro. As linhas
ficavam borradas e as sombras removiam definições.
Os sonhos de Frannie levavam-na às partes mais
escuras de Londres onde ele não podia segui-la nem mantê-
la em segurança. Os sonhos de Sterling haviam deixado de
existir havia muito. Cumpriria seus deveres e assumiria
suas responsabilidades, mas não poderia levar Frannie com
ele. Mesmo se desejasse incluí-la, Frannie não desejava a
vida de um aristocrata. Ele não podia ignorar o legado que
recebera. Para honrar seu título, pagara um preço muito
mais alto que seu pai poderia ter imaginado.
Escutou o clique da porta sendo aberta e uma onda de
satisfação atingiu-o. Mesmo se Frannie estivesse ali
apenas para dormir em seus braços, ele se contentaria com
isso. Adotaria a tendência de encontrar alegria nos
pequenos prazeres. Dormir com ela aninhada a seu lado era
a maior das doçuras.
Sterling deixou a taça de conhaque sobre uma pequena
mesa, ficou em pé e virou-se. Frannie estava ao pé da cama,
abraçada em uma das colunas. Descalço, ele caminhou em
cima do tapete grosso e aproximou-se dela.
Frannie olhou-o sem. apreensão ou dúvida.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
235
— Quero uma noite com você — ela sussurrou.
Sterling não estava preparado para a força daquelas
palavras que o atingiram no coração. Até aquele momento
estivera enganando a si mesmo por acreditar que poderia
viver sem Frannie porque nunca esperara possuí-la. E ali
estava ela, uma mistura de inocência e coragem que o
encantava como nenhuma outra.
— Então você terá uma noite.
Ele não podia negar a ela mais do que podia negar a si
mesmo. Enlaçou-a, abaixou a cabeça e beijou-a.
Frannie acolheu-o como o ar que respirava ou o sol que
a aquecia. O sabor do conhaque era um afrodisíaco que
incendiava as chamas do desejo que se espalharam por seu
corpo, aquecendo-a no íntimo e lambendo a ponta de seus
dedos. Ela deslizou-os pelos braços desnudos de Sterling
e sentiu os músculos ondularem. A energia de Sterling era
palpável e sua determinação, evidente. O beijo dele foi
mais agressivo do que os anteriores, como se com a
rendição de Frannie, a fera que estivera aguardando,
deslanchava.
Com a respiração ofegante, Sterling fez uma trilha de
beijos quentes pelo pescoço de Frannie, lambendo e
mordiscando.
— Diga-me para parar se eu a estiver assustando, e
saiba que não a farei sofrer, mas também não poderei agir
com gentileza. Eu a desejo demais e fui muito paciente.
Sterling uma vez a advertira não ser mais civilizado.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
236
Então Frannie entendeu ao que ele se referia, quando o
tecido que os separava foi rasgado e caiu a seus pés antes
de ela se dar conta do que ele pretendia. E com a fera
satisfeita, ele a tocou com mãos gentis que acariciaram
suas curvas. O mais estranho era ela não se sentir exposta
nem ter vontade de cobrir-se. Em vez disso, preferia
acender mais velas para revelar a ele o que tinha a
oferecer. Se antes se envergonhava de sua feminilidade,
agora a glorificava.
— Meu Deus, você é tão linda como imaginei. —
Sterling fitou-a. — Diga-me o que não quer.
— Não quero que me trate como se eu fosse vulnerável
ou pudesse quebrar. Quero ser como qualquer outra
mulher que você tenha conhecido.
— Você é completamente diferente delas. Jamais
cometa o engano de achar que é igual a elas ou que poderia
ser.
Sterling tornou a beijá-la profundamente e o busto de
Frannie achatou-se de encontro ao peito dele. Ela deslizou
as mãos por suas coxas e entre elas até encontrar, através
da calça, o que a estivera pressionando pela manhã.
Sterling deu um gemido grave, interrompeu o beijo e ficou
imóvel para dar a ela a liberdade de explorar e fazer o que
quisesse.
Frannie passou a língua pelos lábios e, com a boca seca,
olhou para o volume rijo embaixo da calça. Nem por um
segundo teve dúvida do poder que se escondia atrás da
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
237
braguilha deformada e admirou-se que os botões ainda
estivessem no lugar.
— Eu não lhe causarei sofrimento — Sterling disse
com voz rouca enquanto a beijava na testa.
— Eu sei.
Frannie estava consciente da tensão muscular de
Sterling, das gotas de suor que lhe cobriam o pescoço e
ele segurou o primeiro botão...
— Farei isso — ela o interrompeu, afastou a mão dele
e com um simples movimento os botões pipocaram, gratos
pela liberdade.
Frannie notou que ele nada usava sob a calça, mas não
se assustou. Apressou-se em revelar o que o tecido
escondera. Sterling tirou a calça e ficou em pé diante dela,
ereto, orgulhoso e magnífico.
— Você também é lindo. — Frannie fitou-o.
A preocupação que ela vira no olhar de Sterling
desaparecera. Rindo, ele a ergueu nos braços.
— Vamos passar horas maravilhosas, Frannie — ele
afirmou ao deitá-las nos lençóis frios de cetim.
Frannie era mais bela do que Sterling imaginara e mais
corajosa do que ele ousara esperar. Ela não viera para a
cama carregando as experiências dolorosas do passado.
Frannie era tímida, mas não o evitava com falsa vergonha.
Ela o recebeu como se fosse a cortesã mais refinada, com
um sorriso sedutor e braços abertos.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
238
Frannie viera não pelo dinheiro que ele poderia lhe
fornecer, mas sim pelo prazer que cada um poderia dar ao
outro. Sterling jamais desejara tanto uma mulher e seu
corpo ardia pela necessidade de possuí-la, mas sem pressa.
Seria apenas uma noite, mas poderia durar a vida inteira.
Ele nunca encontraria outra mulher mais corajosa,
determinada e fascinante do que Frannie. Os momentos
passados na ausência dela eram vazios. Deitou-se ao lado
dela e enquanto se acariciavam, ele procurou não pensar na
perspectiva do vácuo sem fim que o aguardava.
— Imagino o que aconteceria com sua pele clara se
fosse submetida ao sol do deserto — murmurou.
— Quer dizer tirando a roupa? E por acaso você fez
isso?
— Uma ou duas vezes. — Ele deu um sorriso malicioso.
Frannie acariciou-lhe a coxa, os quadris e se deteve,
fazendo cócegas.
— O que é isso? — Frannie sentou-se e olhou as
nádegas de Sterling.
Com cuidado, ela passou os dedos sobre cinco
cicatrizes desiguais que marcavam o quadril em sentido
descendente.
— Foi um tigre — Sterling respondeu. — Eu só o vi
quando ele estava por cima de mim. Felizmente lorde
Wexford é um exímio atirador.
— Você poderia ter sido morto.
— Em vez disso, uma pele de tigre está enfeitando o
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
239
piso do gabinete de Wexford. Pensei que mulheres
gostassem de cicatrizes.
— Não me importo com a aparência delas, mas não me
agrada saber que você foi ferido com gravidade.
A afirmativa de uma jovem que trazia cicatrizes inter-
nas. Sterling segurou-lhe o pescoço e voltou-a de novo para
o travesseiro.
— Como você pode ter tanta bondade e nenhuma
amargura?
Frannie não respondeu e Sterling beijou-a. Ele
conhecera intimamente muitas mulheres durante suas
viagens, mas não desejara nenhuma com essa intensidade.
As outras tinham sido fantasias passageiras e Frannie era
muito mais do que isso. Frannie era o motivo por ele se
esconder pelas vielas e alimentar os ladrõezinhos. Ela o
fizera entender o que levava um homem a matar.
Antes dela, suas emoções haviam permanecido
adormecidas. Ele jamais conhecera com tanta intensidade
a raiva, o ciúmes, a alegria... e o amor.
Os pensamentos dele vacilaram. Não era amor o que
sentia. Podia ser estima, paixão, mas não amor. Nenhum
vínculo tão permanente. Frannie iria embora e não levaria
seu coração. Mas enquanto ela estivesse em sua cama, ele
faria de tudo para proporcionar-lhe lembranças
inesquecíveis.
Frannie deduzira que Sterling fosse um homem sujeito
a paixões, mas ela não esperava aquela maneira de acariciá-
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
240
la. Ele era incansável e não apenas com as mãos, mas
também com a boca.
Sterling rodeou o mamilo com a língua até endurecê-lo
e depois o sugou gulosamente. Frannie passou os dedos nos
cabelos de Sterling, enfiou as unhas nos ombros dele e
passou a sola de um pé na sua panturrilha. O prazer refluía
até ela pensar que ficaria louca pela vontade de realização.
Sterling, paciente, se deteve no outro seio. Ela, egressa
das ruas, jamais conhecera tanta reverência,
especialmente de um homem que estava tão acima da ralé.
Na cama de Sterling, Frannie encontrou o inesperado.
Receber e doar-se sem egoísmo, e um senso de igualdade
difícil de explicar. Ele conhecia o passado dela, mas por
nada haver testemunhado não havia a obsessão da culpa do
que não fora capaz de impedir. Sterling não a tratava como
uma porcelana delicada. Ele apertava, bajulava e a beijava
no colo, no quadril e na coxa.
Sterling levantou a cabeça e sorriu com malícia
irresistível que prometia aventuras, delícias e beijos do
sol. Cutucou-lhe a coxa com gentileza e Frannie abriu-se
para ele. Sterling movimentou-se e não deixou de beijá-la
até ficar acomodado entre as pernas dela. Depois se
abaixou devagar.
Frannie pensou que ficaria com receio ou pelo menos
precavida, mas entendeu com surpreendente clareza que
confiava em Sterling e que ele nunca a faria sofrer. Jamais
lhe causaria desconforto, nem trairia esses sentimentos
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241
ternos que a haviam trazido até aquela cama, sendo que ela
jamais faria o mesmo com outro homem.
Então Sterling acariciou-a intimamente com a língua.
Frannie suspirou de prazer, arqueou as costas e levantou
os quadris. Ela imaginou que seu corpo fosse o mundo e que
Sterling estivesse viajando por ele, experimentando-o em
toda sua extensão. Se fizesse o mesmo com ele, Sterling
a acusaria de devassa?
Ah, e o que importava isso se ele fazia o corpo dela
cantar em uma progressão tornando sua respiração
desarmônica e rápida? Os seios de Frannie ficaram ainda
mais firmes e o ventre retesou-se. Sterling criava, com a
boca e as mãos, sensações mais vividas das que
experimentara no sofá. Onde estaria o duque egoísta que
só pensava nos próprios prazeres? Ele estaria se
comprazendo tanto quanto ela?
O prazer aumentou e as perguntas perderam o
sentido.
— Oh, Deus, você deveria parar agora. — Frannie
enterrou os dedos nos ombros dele.
Sterling riu e sua respiração fez cócegas nela, antes
de retornar onde estivera. Frannie queria chorar e rir ao
mesmo tempo... o cataclisma atingiu-a e ela começou a
gritar. Gritava para ele parar e para prosseguir. Gritava o
nome dele enquanto o prazer a atingia.
Frannie voltou a si, trêmula. Sterling lambeu-a de
baixo para cima até chegar à boca que beijou vorazmente,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
242
como se quisesse provar o que ela acabara de
experimentar.
Ele beijou-lhe as faces e os lóbulos das orelhas.
— Adoro os sons que você faz — afirmou, na certa
achando deliciosos os gritos dela.
Sterling mexeu-se para fitá-la nos olhos e Frannie viu
neles a mais absoluta alegria de quem se doara sem nada
exigir. O pescoço e os ombros dele brilhavam de suor.
Frannie passou as mãos nas costas de Sterling e sentiu a
tensão de seus músculos.
— Isso não é tudo... — ela disse, arfante.
— Não é, mas será se você assim o desejar.
Frannie procurou compreender o sentido daquelas
palavras. Sterling garantiria o prazer dela em detrimento
de si mesmo? As palavras que ele dissera na biblioteca
assumiam um novo significado. Ele lhe pedira para ser
amante dele. Doar-se sem nenhuma expectativa de
receber?
Frannie sacudiu a cabeça.
— Eu quero tudo. Eu quero você.
— Então você terá. — Um sorriso triunfante iluminou
o rosto de Sterling.
Ele mudou de posição e inclinou-se na direção da mesa
de cabeceira. Frannie escutou uma gaveta sendo aberta e
Sterling puxou algo de dentro...
Frannie entendeu que se tratava de um preservativo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
243
Era um momento estranho para se sentir desapontada,
mas admitiu a sensatez do gesto. Ela chegou a apreciar o
esforço para protegê-la do escândalo, embora não pudesse
negar um desejo súbito de trazer ao mundo um filho de
Sterling.
Fascinada, ela o observou cobrir-se. Os dois se
entreolharam quando Sterling se ergueu sobre ela e iniciou
uma penetração vagarosa. A rigidez não provocou
desconforto, mas sim uma sensação de prazer à medida
que ele se aprofundava. Essa satisfação e essa posse eram
a demonstração do homem que desejava partilhar seu
corpo.
— Eu a estou machucando? — Sterling perguntou com
olhar semicerrado.
Frannie meneou a cabeça.
— Não.
— Quero ouvi-la gritar novamente meu nome, mas de
prazer e não de agonia.
— De novo?
— Sim, de novo. — Ele sorriu.
Saciada, Frannie não se julgava capaz de fazer nada
além de acariciar-lhe as costas, enquanto Sterling se
impelia de encontro a ela. Mas os movimentos dele
despertaram-na novamente e a surpresa a deixou arfante.
Sterling aumentou o ritmo e o poder de suas investidas até
a cama bater na parede. Frannie agarrou-se nas nádegas
dele, sentido a força e o poder de sua masculinidade.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
244
Os movimentos de ambos continham selvageria e com
essa incivilidade, ele a levou novamente às alturas e ela
tornou a gritar o nome dele.
Quase ao mesmo tempo ele a chamou em um grunhido,
atirando a cabeça para trás, o corpo arqueado investindo,
tremendo e se sacudindo.
Sterling largou-se sobre Frannie e escondeu a face na
curva do ombro dela. Frannie ouviu a respiração difícil,
sentiu os tremores que se sucediam e o próprio corpo que
estremecia mais do que na vez anterior. Ela imaginou se
uma pessoa poderia morrer de tanto prazer.
Frannie adorou o peso do corpo sobre o seu e passou
os dedos com leveza nas costas de Sterling.
— Está fazendo cócegas — ele murmurou.
Maliciosa, Frannie passou os dedos pelas costelas e
Sterling deu um pulo.
— Você é uma feiticeira. Espere um pouco.
Ela teria rido se não estivesse tão exausta. Sterling
saiu de cima dela e foi até o quarto contíguo. Voltou com
uma toalha e, com carinho, limpou o suor do corpo de
Frannie. Depois veio para a cama e puxou as cobertas por
cima deles.
Frannie deitou-se sobre o braço de Sterling e escutou
as batidas fortes do coração do amado. Quando a
respiração dele se normalizou, ela ergueu a cabeça e fitou-
lhe o rosto. Ele adormecera e as linhas de preocupação
haviam sumido. Ela sentiu lágrimas nos olhos ao entender
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
245
que cometera um grande engano ao procurar Sterling.
Naquele momento, Frannie temeu ter se apaixonado
pelo duque de Greystone.
Frannie não teve noção da hora quando acordou,
deitada de bruços e espalhada na cama de Sterling que não
se encontrava ao seu lado. Mesmo de olhos fechados,
sentiu a ausência dele. Estaria tudo terminado entre eles?
— Não se mexa.
Frannie abriu os olhos. Sterling estava sentado em
uma cadeira próximo à cama, de pernas cruzadas que
serviam de apoio para sua prancha de desenho.
— O que está fazendo?
— Eu a estou desenhando.
— Você desenha toda mulher com quem se deita?
Sterling levantou a cabeça, como se algo lhe ocorresse.
— Na verdade, não. Você é a primeira que eu pretendo
me lembrar.
As palavras a encantaram e tornaram ainda mais difícil
não se mover, sendo que desejava sentar-se em seu colo e
beijá-lo ruidosamente.
— Por mais quanto tempo terei de ficar imóvel?
— Mais um pouco e depois lhe mostrarei o que fiz.
— Você não mostrará a ninguém mais, não é?
— De jeito nenhum. Estes vão para minha coleção
particular.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
246
— Estes?
— Você me proporcionou uma noite de prazer e eu não
pretendia passar a maior parte dela dormindo.
Frannie abafou a vontade de rir e ficou quieta. Jamais
conhecera nenhuma pessoa que a fizesse sentir-se tão
apreciada. Os meninos de Feagan gostavam do que ela
fazia, mas não se lembrava de ter encolhido os dedos dos
pés quando eles a fitavam.
— Você é capaz de pintar um auto-retrato? — ela
perguntou,
— Não. E para que eu haveria de querer isso?
— Você poderia dá-lo para mim. Sterling sorriu.
— Tenho certeza de que encontraremos algo que a
satisfaça.
— Todas as pinturas daqui são tão grandes que se
tornaria difícil guardá-la em uma coleção particular.
Sterling piscou para Frannie e ela teve a impressão de
que se transformava em uma bola de prazer.
— Encontraremos alguma coisa — ele insistiu.
Frannie surpreendeu-se com os desenhos, quando
Sterling deitou-se na cama para mostrá-los. Eles se
recostaram nos travesseiros, enquanto ele mostrava um
por um.
Seus pés, um cruzado sobre o outro.
— Você esfrega seus pés enquanto dorme — ele
afirmou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
247
— Deve ser um hábito. Quando eu era menina, passava
frio. O carvão era uma raridade na casa de Feagan.
— Se eles esfriarem antes de você sair da minha cama,
encoste-os em mim e isso os aquecerá.
O lençol enrolado sobre suas costas, um ombro
exposto.
— Você tem ombros lindos. — Sterling se inclinou e
beijou um deles.
— Você é um ótimo artista.
— Eu pratico bastante. Meus desenhos jamais serão
expostos em um museu, mas eles ajudam-me a relaxar.
— E você precisa relaxar depois do que fizemos antes?
Sterling enrolou no dedo os cabelos de Frannie.
— Não, eu estava literalmente derretido na cama. A
mão dela dobrada sob o queixo.
— Este é meu favorito — Sterling afirmou. — Um
misto de inocência e sensualidade. Imagino com o que
estaria sonhando.
— Provavelmente com você.
— Não se lembra exatamente?
— Eu raramente me lembro dos sonhos.
Sterling brindou-a com um olhar engraçado antes de
atirar os papéis no chão e puxá-la para debaixo dele.
— Você disse uma noite, mas ela ainda não terminou.
Ainda não. Frannie deu um suspiro e Sterling beijou-a.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
248
Frannie planejara sair de madrugada, mas antes de o
sol se erguer no horizonte, Sterling fazia amor com ela
novamente e sem pressa. Por ser a última vez, os dois
saboreavam cada toque e cada beijo. Frannie deixou a
cama de Sterling quando o café da manhã já estava pronto.
Eles se vestiram e desceram juntos para a sala de
almoço. Ele contou suas peripécias de como aprendera a
montar um camelo. Frannie riu tão alto que não conseguiu
comer. Ela adorava o sorriso de Sterling e a alegria que
iluminava seu olhar. Ela amava...
— Vossa Graça, sinto perturbá-lo, mas o inspetor
Swindler da Scotland Yard está aqui — o mordomo
anunciou.
Frannie sentiu um nó no estômago. Seu mundo mágico
se despedaçava com a realidade.
— Mande-o entrar — Sterling ordenou e apertou a mão
de Frannie. — Tudo dará certo.
Frannie anuiu e ficou em pé junto com Sterling. Jim
entrou na sala e parou de repente ao vê-la. Ela viu o
desapontamento da expressão de Jim e calculou que não
era preciso ser um gênio para descobrir o que ali
acontecera. Estaria evidente no corar dela, impossível de
esconder?
— Inspetor, não gostaria de tomar o desjejum
conosco? — Sterling perguntou.
— Não. Eu apenas... nós estávamos preocupados a seu
respeito, Frannie. Não sabíamos...
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
249
— Deixei um recado na mesa de Jack. — Ela escrevera
que sairia para cuidar de Sterling, o que indicava seu
paradeiro.
Não havia motivo para preocupação... exceto que ela
prometera voltar na véspera. Jim anuiu.
— Então você está bem?
— Muito bem, obrigada.
— Perdão por haver perturbado sua manhã. — Jim se
virou e saiu da sala.
— Jim! — Frannie jogou o guardanapo sobre a mesa e
correu atrás dele.
— Frannie! — Sterling chamou-a, mas ela não lhe deu
atenção.
Frannie correu pelo corredor, alcançou Jim no saguão
e segurou o braço dele.
— Jim.
Ele a fitou e Frannie notou preocupação e sofrimento
nos olhos verdes. E raiva também, como se ele não
soubesse exatamente o que sentir, assim como ela.
— Frannie, ele não se casará com você.
— Estou consciente disso.
Jim olhou o chão, sem querer fitá-la e Frannie teve
certeza de que ele lutava com as próprias emoções. Apesar
da vontade de confortá-lo de alguma forma, estava certa
de que isso não o agradaria no momento. Ele a fitou, com
todo amor que sempre sentira por ela.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
250
— Mesmo se o filho dele estiver crescendo em seu
ventre, eu me casarei com você.
Jim foi até a porta que o criado abriu e foi embora
sem se virar para trás.
Oh, Deus, o que ela fizera? Por que nunca vira isso
antes, por que não reconhecera a profundidade de seus
sentimentos?
— Está tudo bem com você? — Sterling chegou por
trás e pôs as mãos em seus ombros.
— Agora preciso ir — Frannie disse com lágrimas nos
olhos.
— Mandarei aprontar o coche.
Frannie anuiu refletindo sobre o que haviam feito e
sobre o que teriam de fazer. Sterling virou-a devagar e
abraçou-a. Ela inalou a fragrância dele e absorveu sua
energia. Levantou a cabeça e Sterling abaixou a dele para...
— Obrigada, Vossa Graça.
Sterling engoliu em seco e soltou-a devagar.
— O prazer foi meu, srta. Darling.
Frannie deixou-o em pé no hall de entrada e subiu para
trocar-se. Vestiria as próprias roupas e voltaria para seu
mundo. Seu coração doía tanto que dava a impressão de
que se romperia a qualquer instante. Choraria mais tarde
no seu apartamento onde ninguém pudesse ouvi-la e rezou
para que suas lágrimas um dia secassem.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
251
Capítulo X
Frannie suspirou, apoiando o cotovelo na mesa e o
queixo na palma. Em vez de fazer a contabilidade, estivera
escrevendo Greystone, Sterling, duque em um pedaço de
papel. Escrevera até duquesa, mas rasurara a palavra.
Jamais seria a duquesa de Greystone.
Havia duas noites, desde que voltara da residência de
Sterling, fora um sem-número de vezes até a galeria oculta
para ver se ele se encontrava nas mesas de jogo. Como não
o vira presumia que ele também poderia estar escondido.
Jack nada lhe perguntara sobre o motivo de sua
ausência. Ele se tornara menos crítico e passara a aceitar
mais a nobreza desde o casamento. Jim não aparecera.
Frannie esfregou a testa. Receava o encontro com ele, se
é que o mesmo aconteceria. Ele deveria estar constrangido
por ter revelado os sentimentos. E, por mais que ela
quisesse, não poderia retribuir essa espécie de afeição.
Pensou em falar com Luke. Embora ele a houvesse
pedido em casamento, ele não a amava verdadeiramente.
Fora um entusiasmo de juventude e, felizmente, Catherine
entrara na vida de Luke que passou a entender o erro que
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
252
cometeria.
Considerou também a hipótese de conversar com
Catherine. Afinal, Sterling era seu irmão, mas Frannie
desconfiava de que a intimidade entre eles diminuíra.
Sentiu-se cansada. Não dormia bem por causa dos
sonhos com Sterling que a atormentavam. Neles, Sterling
repetia os jogos eróticos em que ela acabava gritando o
nome dele. Em alguns sonhos, ela se entregava à devassidão
e era Sterling quem gritava o nome dela.
Frannie levantou-se da cadeira e deu uma última
olhada ao redor do escritório arrumado e simples. Na
certa acabaria levando os livros contábeis para o orfanato
onde poderia trabalhar e ficar com as crianças todas as
noites, em vez de visitá-los durante o dia. O local de
trabalho não importava, contanto que desempenhasse as
tarefas.
Foi até o saguão, endireitou o punhal sob a saia, pegou
no bolso a chave da porta e destrancou-a. Não se
acovardaria diante dos capangas de Sykes. Se alguém a
atacasse, ela revidaria.
Nos degraus do lado de fora pouco iluminados pela
lamparina, ela fechou e trancou a porta. Esperou um pouco
para a vista acostumar-se à obscuridade e à neblina:
— Frannie?
Ela escutou o sussurro quase desesperado de quem
não sabia se desejava ser ouvido. Virou-se, pegou a
lamparina e levantou-a. Embora houvesse reconhecido a
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
253
voz, a cautela era necessária.
— Nancy?
Uma mulher saiu das sombras. Apesar de ser apenas
dois anos mais velha do que Frannie tinha o rosto e os olhos
encovados, e manchas de ferimentos nas faces.
— Como vai você?
Elas tinham sido amigas nas ruas, mesmo estando sob
a proteção de diferentes pais de rua. Quando Nancy fizera
doze anos, havia ido morar com um garoto três anos mais
velho, Bob Sykes. Não era incomum as meninas se juntarem
a meninos pouco mais velhos do que elas e que poderiam
oferecer-lhes proteção. Para os meninos, ter uma amante
era um símbolo de realização. Frannie sempre soubera
quem eram os garotos que tinham uma namorada fixa, pois
eles andavam com arrogância e o conceito deles crescia
entre os colegas pela demonstração de masculinidade.
Frannie não vira Nancy desde que fora raptada e
vendida como prostituta. Ela e Nancy haviam planejado
entrar em um teatro às escondidas para assistir a uma
peça muito comentada por Nancy. E aí começara a
desgraça. Nancy conseguira escapar e Frannie fora levada
para um inferno.
— Estou bem, Nancy, e você, ainda com Sykes?
— Ah, sim. Ele não é uma pessoa que aceita
desistência, não é? Você continua trabalhando para
Dodger?
Nancy estava abaixada, com receio da luz e Frannie
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
254
recuou. Ela sabia o que era não querer ser vista. As roupas
de Nancy estavam em mau estado, mas tinham sido
passadas para dar boa impressão. E embora fosse noite,
Nancy usava um chapéu que estava torto sobre os cabelos
presos para cima.
— Sim, ainda estou com Dodger — Frannie respondeu.
— Temos uma cozinheira que prepara comida toda a noite,
o que faz os cavalheiros continuarem jogando nas mesas.
Vamos para a cozinha e verei o que há para comer.
— Não, obrigada, não se preocupe. Aquele lorde idoso
que a levou ensinou-a a falar muito bem.
— Ele me ensinou muitas coisas.
— Então não foi tão ruim o que aconteceu naquela
noite. Frannie havia sido brutalizada. E dizer que isso não
fora tão ruim era o mesmo que comparar uma facada no
coração com a picada de um alfinete no dedo.
— Eu sobrevivi. — Frannie olhou ao redor. — Está
muito úmido aqui fora por causa do fog. Pelo menos vamos
nos abrigar em meu apartamento.
— Ouvi falar que você está recolhendo órfãos —
Nancy apressou-se em falar.
— Sim, eu...
— Então leve este. — Nancy literalmente jogou nas
pernas de Frannie um menino que estivera escondido nas
sombras.
— Ele é um dos meninos de Sykes e se você ficar com
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
255
ele, posso trazer mais.
— Nancy...
— Por favor, ele também é meu filho e quero algo
diferente do que a rua para ele. Ele se chama Peter e é um
bom menino.
Frannie abraçou o garoto e, apesar de ele usar um
casaco, foi possível perceber que era somente pele e ossos.
Sykes se empenhava em manter os meninos pequenos e
desnutridos para poderem entrar nas casas por pequenos
espaços e abrir a porta da frente para ele.
— Venha conosco, Nancy. Providenciarei um porto
seguro para você e o menino.
— Imagine, estou com Sykes desde os doze anos e ele
não me deixará ir embora tão facilmente.
— Posso arrumar-lhe um emprego no campo... —
Frannie fitou o rosto enrugado de Nancy.
— Você sempre foi tão linda. — Nancy disse em tom
de penitência. — Por favor, acredite, eu não queria fazer
aquilo.
— Aquilo o quê?
— A culpa foi de Sykes. Ele me garantiu que faríamos
um bom dinheiro vendendo você para aquela velha e nunca
vi um centavo daquilo.
Frannie sentiu-se congelar. A velha de cabelos
grisalhos que dirigia o prostíbulo para onde ela fora
levada? Ela se agarrou ao menino para manter-se em pé.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
256
— Você parece assustada, Frannie. Não sabia? Frannie
sacudiu a cabeça.
— Não.
— Você sempre foi tão esperta que calculei que
soubesse. Não use isso contra meu menino.
— Eu jamais descontaria os pecados da mãe em uma
criança. Você sabe o que fizeram comigo, Nancy?
— Posso imaginar.
— Não, não pode.
— Suponho que deve ser bem parecido ao que Sykes
faz comigo todas as noites. Ele é um animal, um cão. Alguém
deveria matá-lo. Se puder, eu lhe trarei mais garotos.
Frannie não chegou a responder. Nancy eclipsou-se na
escuridão e os passos rápidos se perderam no nevoeiro
espesso. Frannie abaixou a lamparina e olhou o menino.
Era Jimmy.
O pequeno gatuno estava de novo na cozinha de
Sterling, sentado à mesa dos criados, comendo
vorazmente.
O fato de Frannie tê-lo trazido para ali em vez de
levá-lo para o orfanato era sintomático. Infelizmente ela
não dissera quase nada e Sterling sentiu que a preocupação
de Frannie era muito mais angustiante do que haver
descoberto quem eram os pais do menino.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
257
— Então ele é filho de Sykes? — Sterling repetiu.
— Sim, de acordo com Nancy.
— Isso explica por que ele não gostou da tentativa de
ficar com o garoto.
— Desculpe-me tê-lo trazido para cá, mas se eu o
levasse para o orfanato, Sykes poderia ir buscá-lo.
Sterling fitou-a e viu no olhar de Frannie a confiança
absoluta de que ele seria a solução adequada.
— Se ele ficar aqui e dormir em uma de minhas camas,
terá de tomar banho primeiro. Não me importa a hora.
O sorriso de Frannie aqueceu o coração de Sterling.
Incrível. Haveria alguma coisa que poderia negar a ela? Ele
já a deixara partir uma vez e não sabia se poderia fazer
aquilo de novo. Observá-la afastar-se fora a pior coisa que
já lhe acontecera.
— Acho que a senhorita deveria ficar aqui esta noite.
A Sterling não agradava a idéia de ela sair sozinha.
Além disso, ela seria capaz de ir ao cortiço para tirar
satisfações de Sykes. Por mais que ele não gostasse dos
amigos dela, pensava em alertá-los a respeito do ocorrido.
Não, Frannie veria isso como uma traição. Ele deveria
contratar guardas para acompanhá-la.
— Se Vossa Graça não se incomodar...
— Eu não teria oferecido se me incomodasse. Outra
coisa, trabalhar no Dodger's é muito arriscado, pois Sykes
sabe onde encontrá-la.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
258
Ela sorriu.
— O Dodger's me proporciona os meios para minha
obra com os órfãos. — Ela olhou para Peter. — Não
deveríamos deixá-lo comer tanto esta noite.
— Concordo. Uma torta é tudo que ele vai conseguir.
Frannie apertou a mão de Sterling e foi o mesmo que aper-
tar o coração dele.
— Sei que não lhe agrada ter gatunos em sua casa, mas
eu darei um jeito ele não roubar nada. Sterling acariciou-
lhe a face.
— Ele a trouxe de volta e por isso pode levar o que
quiser.
O riso doce afastou um pouco as preocupações de
Frannie, mas elas voltaram logo e com força. Sterling notou
o fato e admitiu que teria de descobrir do que se tratava.
Ele acordou o mais novo de seus criados e mandou-o
preparar o banho para o garoto. Enquanto Frannie
esfregava o visitante, Sterling foi até seu quarto de
infância pegar uma camisola. A roupa ficaria larga, mas não
importava.
Quando voltou para baixo e entrou na cozinha, o
menino estava fora da água e Frannie o enxugava.
— Calma! A senhora está tirando minha pele!
— Pare de se queixar — Sterling respondeu por
Frannie. — Saiba que já paguei muito dinheiro para belas
damas me enxugarem.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
259
Frannie, corada, virou a cabeça para fitá-lo e ele
sorriu.
— Alguns países têm costumes adoráveis. — Sterling
ergueu o traje de dormir. — Ele poderá vestir esta. — Com
a ponta do sapato ele cutucou os trapos. — Essas
provavelmente serão queimadas.
— Sem dúvida. — Ao pegar a roupa entregue por
Sterling, Frannie deixou cair a toalha.
Sterling não pretendia demonstrar espanto, mas por
Deus...
— Ele é esquelético...
— É.
Sterling viu algumas marcas na ilharga e no ombro, e
virou o menino.
— O que é agora? — o pequeno gritou.
Sterling ignorou-o e avaliou as cicatrizes que se
entrecruzavam nas costas do menino.
— Quem o chicoteou?
Frannie mandou-o erguer os braços e enfiou o
camisolão sobre sua cabeça.
— As autoridades — ela respondeu em voz baixa. —
Parece que ele foi preso por roubar meio xelim. Em vez de
mandá-lo para a prisão, açoitaram-no.
— Mas... ele é uma criança.
— Alguns cavalheiros apreciam mais os xelins.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
260
— O que tem isso? — O garoto cruzou os braços
magros sobre o peito fundo. — Eu não chorei.
— Quantos anos você tem?
— Não lhe direi nada, maldito nobre.
— Ele tem oito — Frannie respondeu. — Podemos
ajeitá-lo em uma cama?
— Sim, claro.
O quarto escolhido por Sterling ficava no pavimento
inferior, na direção do seu, o que facilitaria para Frannie
verificar o estado do garoto quando quisesse. Além disso,
um criado ficaria dentro do quarto para impedir o menino
de sair.
Sterling fitou o garoto que parecia ainda menor
naquela cama enorme e a maneira carinhosa de Frannie
passar os dedos nos cabelos escuros.
— Peter, você tem de ficar aqui, pois é o que sua mãe
deseja. Amanhã tomaremos um belo café da manhã e
arrumaremos algumas roupas apropriadas. Tudo vai dar
certo. Não é preciso ter medo.
— Não tenho medo de nada.
— E não fuja de novo, está bem?
O menino deu de ombros, anuiu e virou-se, tudo ao
mesmo tempo. Frannie levantou-se e sorriu para Sterling.
— Isso não foi bem uma promessa, foi? — Sterling
perguntou.
Frannie negou com um gesto de cabeça antes de sair
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
261
e Sterling parou ao lado do criado.
— Na certa haverá problemas — ele disse em voz
baixa.
— Sim, Vossa Graça — o serviçal anuiu.
— Mande me avisar diante de qualquer anormalidade.
— Sim, Vossa Graça.
Sterling entrou nos seus aposentos e encontrou
Frannie sentada no sofá diante da lareira onde o fogo
baixo crepitava. Os pés descalços estavam sobre o assento
e ela esfregava os braços como se estivesse com frio. Ele
foi até a mesa onde ficava o conhaque, serviu duas doses
generosas e sentou-se no sofá.
Frannie aceitou uma das taças e bebeu antes de
segurá-la com as duas mãos sobre a coxa, com olhar
longínquo.
— Diga-me o que há de errado — Sterling pediu.
— Não acha que Peter merece que se preocupem com
ele? Sterling passou a ponta do polegar entre as
sobrancelhas cerradas.
— Sei que outra coisa a preocupa. Por que não me diz
do que se trata?
Frannie sacudiu a cabeça.
— Nada que eu fique sabendo poderá alterar... a
afeição que sinto por você.
— Você sente afeição por mim, Sterling?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
262
Na verdade era muito mais do que isso, mas admitir o
fato os levaria a uma barreira intransponível e tornaria
tudo mais difícil.
— Eu me preocupo muito com você, Frannie e não
gostaria de vê-la infeliz. O menino tomou banho,
alimentou-se, está em uma cama decente e voltou aos seus
cuidados. Isso deveria ser um motivo de alegria. Frannie,
minha querida, por que está tão triste?
Frannie apertou os olhos, tomou mais um gole de
conhaque e virou-se para Sterling.
— Nancy era minha... amiga e não uma das crianças de
Feagan. Mas ela estava nas ruas e era uma de nós. Ela era
dois anos mais velha do que eu e aos doze ela foi morar
com Sykes. As meninas de rua fazem isso como uma
maneira de sobrevivência. Mas nós éramos amigas.
Amigas.
A palavra pareceu engasgá-la.
— Vocês eram amigas. Por acaso brincavam juntas?
Frannie riu e sacudiu a cabeça.
— Na verdade, tratava-se de uma maneira de
conseguir algumas moedas. Eu tinha duas caixas de
fósforos que oferecia aos pedestres. Todos me ignoravam
por eu ser uma pedinte. Eu batia em uma pessoa ao acaso
e deixava as caixas cair na terra. Eu começava a chorar e
Nancy, a gritar que nossa mãe me mataria. O camarada em
que eu batia logo nos pagava condignamente para acalmar-
nos. Nós representávamos muito bem.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
263
— E por isso você se achou na obrigação de ajudar o
filho dela?
Sterling limpou a lágrima que deslizava pela face de
Frannie e acariciou-lhe o pescoço.
— Frannie...
— Um dia ela me falou sobre uma apresentação teatral
e disse que conhecia um sujeito que permitiria nossa
entrada no teatro pela porta dos fundos. Feagan sempre
me dizia que a noite era perigosa e para eu sempre voltar
antes do escurecer. Mas eu queria ver a peça e fiquei com
Nancy até a noite. Enquanto andávamos por uma travessa,
alguém pulou diante de nós, pôs um saco em minha cabeça
e eu gritei para Nancy correr...
Frannie soluçou e mais lágrimas deslizaram por sua
face. Sterling tirou a taça das mãos dela e deixou-a na
mesa ao lado da sua. Cedeu à vontade de confortá-la, por
saber que o relato não terminara. Ah, como ele gostaria de
afastar o sofrimento que via naqueles olhos, mas até não
saber o motivo...
— Durante todos esses anos, Sterling, pensei merecer
o que aconteceu comigo.
— Ninguém merece uma coisa dessas. Frannie meneou
a cabeça.
— Não obedeci a Feagan e fiquei na rua até a noite.
Quando me levaram, achei que fosse um castigo. Quando
Luke matou Geoffrey Langdon e foi preso, pensei que
fossem enforcá-lo por minha causa. Você nem pode
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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imaginar como eu me sentia culpada.
— Frannie, você não tem de se culpar por coisa
nenhuma. Frannie limpou as lágrimas com as costas da mão.
— Esta noite, Nancy me disse que ela e Sykes
tramaram tudo para que me pegassem.
— Santo Deus, Frannie. — Sterling levou-a para o colo
dele e embalou-a enquanto ela chorava.
— Eles sabiam o que aconteceria e fizeram tudo
propositadamente.
Sterling controlou a fúria que o acometia. O momento
não era para desatinos, era preciso cuidar de sua preciosa
Frannie e consolá-la.
— Não sei para onde fui levada. Tiraram minhas roupas
e amarraram-me a uma cama. Aquele homem horrível ria e
me examinava. Eu tinha de ser virgem, pois virgens não têm
doenças. Alguns homens só aceitam deitar-se com
donzelas.
As lágrimas de Frannie ensopavam a camisa de
Sterling.
— Pensei que eu já havia afastado de mim todo o
horror, mas é muito mais triste saber que alguém planejou
isso contra você.
— Se algum dia eu encontrar Sykes, eu o matarei.
Frannie se afastou para fitá-lo.
— Eles o enforcarão e ele não vale isso. Ajude-me a
esquecer, Sterling. Ajude-me a enterrar de vez essas
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memórias horríveis. Dê-me algo belo para lembrar.
Frannie encostou os lábios nos dele. Sterling duvidou
do acerto da idéia, mas não teve coragem de negar-lhe o
pedido. Levantou-se do sofá, ergueu-a nos braços e levou-
a até a cama.
Sterling não poderia ter sido mais terno. Da outra vez
quando haviam se deitado juntos, não houvera
interferência de sombras do passado. Nessa noite ele se
esmerava em apagá-las com leveza, embora com maestria.
Sem pressa, ele lhe tirou as roupas e beijou cada
ponto de pele que ficava exposta. Seu olhar era um misto
de carinho e desejo. Frannie percebeu que Sterling ainda
a desejava, apesar de tudo o que ela revelara. Esquecido
das próprias ânsias, ele usava as mãos e a boca com
adoração..
Frannie o tocou com cuidado semelhante, embora ele
não fosse frágil, mas aquela noite requeria algo diferente
do que eles haviam compartilhado antes.
Sterling sabia exatamente quando provocar, beijar ou
murmurar palavras doces junto ao ouvido de Frannie. Eles
estavam em sintonia perfeita, sem necessidade de rapidez
ou desespero.
Sterling deitou-a de bruços e beijou-a ao longo da
espinha. Friccionou-lhe as costas, apertou-lhe as nádegas,
beijou-a atrás dos joelhos. Massageou-lhe os pés, as
panturrilhas, as coxas... até ela se descontrair a ponto de
imaginar que não poderia mais ficar em pé. Puxou-a para
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cima dele e Frannie montou-o, envolvendo-os com a cortina
de cabelos. Sterling entrelaçou os dedos nas mechas,
abaixou a cabeça de Frannie e beijou-a com paixão, mas
ainda sem pressa. Frannie não pensava em nada, exceto em
Sterling, em seus afagos reverentes e a maneira como a
fazia esquecer do mundo.
Eles se encontravam em um mundo particular, onde
somente eles existiam. Não havia nobreza, nem menina de
rua. Eram apenas Frannie e Sterling. Nenhuma diferença e
apenas um objetivo comum: dar e receber prazer.
Sterling levantou-a pelos quadris e abaixou-a até ser
envolvido por ela e preenchê-la. Frannie sorriu, beijou-lhe
o peito e sentiu a vibração nos lábios quando Sterling
ronronou como o leão que desenhara.
Frannie cavalgou-o, observou o prazer do rosto dele e
experimentou a força dos dedos nos quadris. O prazer
aumentou e tornou-se quase insuportável. Ela escondeu a
face no pescoço dele para camuflar os gritos de abandono.
Segurando-a, Sterling investia e movia-se aos solavancos
debaixo dela.
Pouco depois, ela não conseguiu entender onde ele
encontrava forças para acariciar-lhe as costas. Frannie
adormeceu sentindo os carinhos de Sterling e ouvindo as
palavras apaziguadoras que ele murmurava em seus sonhos.
Sterling viu Frannie abrir os olhos quando o sol
começava a espiar por entre as cortinas.
— Bom dia. — Ele passou a mão nos seios de Frannie.
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— Bom dia. — Ela suspirou e espreguiçou-se.
Sterling deitou-se por cima de Frannie e penetrou-a,
aninhando o rosto no pescoço dela.
— Você é deliciosa.
Ele se balançou de encontro a ela, observando o
sorriso de contentamento.
— Esta é uma bela maneira de saudar a manhã —
Sterling sussurrou.
Frannie acariciou-lhe as costas e apalpou-lhe as
nádegas.
— Adoro quando você está dentro de mim. — Ela
gemeu e virou a cabeça para o lado. Arregalou os olhos,
enrijeceu-se, gritou e enterrou as unhas na pele de
Sterling.
Ele também virou a cabeça para o lado.
— O que é isso nas suas costas? — Peter perguntou.
— Não é de sua conta. Mas o que está fazendo aqui,
pirralho?
— Estou com fome.
— E o sujeito que está em seu quarto? O menino
ergueu os ombros ossudos.
— Ele continua dormindo. Sabe que o senhor não está
fazendo nada certo?
— Como é? — Sterling espantou-se.
— O senhor deveria fazê-la gritar. Minha mãe sempre
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grita.
— Bem, não estou surpreso com sua revelação, mas
estou fazendo amor com a srta. Darling, o que requer certa
fineza que certamente seu pai não possui.
Frannie começou a rir e o que prometia ser a manhã
mais adorável que Sterling já experimentara morreu na
praia. Agarrou o lençol para cobrir Frannie, saiu de cima
dela e sentou-se, amarrando outra ponta do lençol nos
quadris.
— Não está horrorizada? — ele perguntou. Frannie fez
um gesto negativo com a cabeça.
— Nos cortiços, as crianças costumam dormir com os
pais e às vezes na mesma cama.
Era para admirar-se que eles tivessem mais filhos
depois do primeiro.
— Peter, vá para a cozinha e procure algo para comer.
E não ouse fugir. Se você fizer isso, mandarei esse
monstro das minhas costas buscá-lo.
O garoto arregalou os olhos.
— Ele é de verdade?
— Apenas lembre-se do que eu disse.
— Posso conhecê-lo?
— Depende se você ainda estiver aqui quando eu
descer para tomar o café da manhã.
— Estarei, prometo.
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O menino saiu correndo com as pernas finas.
— Onde é que vai encontrar um dragão? — Frannie
perguntou.
— Eu me preocuparei com isso mais tarde. Pelo menos
por enquanto, ele não fugirá.
Frannie passou os dedos nas costas de Sterling.
— Você estava fazendo amor comigo de verdade?
Sterling deitou-se de novo sobre ela.
— Se você teve de perguntar, sem dúvida não fiz a
coisa certa. Deixe-me tentar com mais empenho antes de
ir atrás de um dragão.
Sterling fez amor verdadeiro com Frannie duas vezes.
Depois ela foi ao quarto de Catherine para se arrumar.
Encontrou um banho preparado e ensaboou-se devagar.
Ela não queria pensar em Sykes, mas preocupou-se
com uma possível retaliação se ele descobrisse o paradeiro
do filho. Quanto a Nancy, a moça enfrentava o que
merecia. Mas logo mudou de idéia. Ninguém merecia Sykes.
Apesar da rebeldia de Peter, Frannie acreditava que o
menino poderia ser redimido, mas o que a surpreendia era
a comunicação que começava a se desenvolver entre Peter
e Sterling. Para um homem que proclamava desprezar os
ladrãozinhos, ele parecia ter se afeiçoado ao garoto.
Depois do banho, Agnes ajudou-a a pentear os cabelos
e escolheu um dos vestidos de Catherine para uso
doméstico. Era azul-marinho, recatado, mas provocante.
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Frannie refletiu que Sterling na certa se arrumara mais
depressa do que ela.
Surpreendeu-se ao não encontrá-lo na sala de almoço.
— Sua Graça já tomou o café da manhã? — ela
perguntou a um dos criados.
— Sim, senhora.
— Por favor, onde poderei encontrá-lo?
— Não sei, senhora. O sr. Wedgeworth deve saber.
— E onde ele está?
— Creio que deve estar falando com a cozinheira a
respeito do almoço.
De fato, Frannie encontrou-o na cozinha.
— Srta. Darling, o desjejum não a agradou? — ele
inquiriu, preocupado.
— Estava ótimo, obrigada. — Embora não houvesse
comido, estava ansiosa para falar com Sterling. — O
senhor sabe onde posso encontrar o duque?
— No ateliê. Quer que a acompanhe até lá?
— Sim, por favor.
O ateliê ficava na parte de cima de uma das alas que
ela não conhecia. As paredes externas eram de vidro e os
raios de sol criavam um halo ao redor de Sterling que
estava sentado atrás de Peter. O menino usava calça, mas
uma camisa que alguém arrumara para ele estava
amarrotada no chão.
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Sterling, segurando uma paleta, pintava um dragão nas
costas do garoto.
— Ele precisa de muito fogo — Peter anunciou.
— Sim, mas terá de se satisfazer com o que eu lhe der
e ainda agradecer — Sterling respondeu.
— Por favor, sir?
Sterling tremeu os lábios como quem se divertia,
satisfeito por ter conseguido um pouco de cortesia do
garoto.
— O fogo pelo ombro será suficiente?
— Sim.
Frannie atravessou a sala e parou ao lado de Sterling.
— O que está fazendo?
— Acabo de iniciar Peter na Ordem do Dragão. Ele fez
um juramento para ficar onde a srta. Darling, que é a
rainha da ordem, determine que ele fique.
— Espero que eu possa ficar aqui. — Peter virou a
cabeça para trás.
— Fique quieto, rapaz — Sterling repreendeu-o,
adiando a resposta.
Frannie comoveu-se. Ficar ali não era uma das opções.
— Terei de revisar minha contabilidade — ela
anunciou, evitando desapontar Peter. — É um dragão
espetacular. Eu não sabia que milorde também pintava a
óleo. — Ela olhou as paredes. — São seus trabalhos?
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— São. — Sterling deixou a paleta sobre uma mesa. —
Fique sentado, Peter, enquanto a tinta seca.
— Sim, senhor. Sterling levantou-se.
— É surpreendente o que a dignidade de cavaleiro faz
em prol da cortesia.
— Ele é um bom menino que não teve oportunidade de
demonstrar seu caráter.
— E quem o ensinará como agir?
— Eu tentarei.
— Ótimo. Frannie, se quiser, pode olhar meus
trabalhos.
Frannie começou a andar ao redor da sala e Sterling,
que parecia preferir paisagens, seguiu-a. Ela parou ao lado
de uma pintura que retratava montanhas, árvores e um lago
em primeiro plano. Não parecia um local de civilização, mas
tinha um toque especial.
— É lindo.
— É a primeira propriedade de meus ancestrais.
Frannie foi até o quadro seguinte que exibia o mesmo
cenário.
— Essa é sua vista favorita?
— Está vendo este salgueiro? — Ele indicou um
arbusto do outro lado do lago. — Papai plantou-o depois da
morte de mamãe. Sempre pensei nele como a árvore de
minha mãe e a cada ano eu registrava seu crescimento.
Sempre no aniversário de sua morte, eu montava o cavalete
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e pintava o local.
Frannie observou as pinturas alinhadas em ordem.
— Gostei de seu trabalho — ela afirmou ao chegar à
última tela.
— É mesmo?
— Nas primeiras pinturas foi retratado o cenário
global do campo. Com o passar dos anos, a árvore passou a
ter maior destaque, à medida que ela crescia.
— Genial, não é? — ele perguntou, sem entusiasmo.
Frannie virou-se para encará-lo, para ver se era uma
ironia.
— É, sim. Imagino deve ter começado a pintar muito
jovem. Vejo mais de doze telas.
— Bem mais e acho que está certa. Minha perspectiva
do mundo mudou nesse tempo. — Sterling virou-se. —
Vamos ver o estado do dragão.
— Preciso voltar ao orfanato.
— Iremos juntos. — Sterling fitou-a por sobre o
ombro. — Prefiro que não vá sozinha a lugar nenhum.
Frannie não tinha intenção de tornar-se prisioneira,
mas só por um dia não lhe faria mal.
Mais tarde naquela noite, Frannie fechou as brochuras
contábeis. Os números se juntavam uns aos outros, talvez
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pelo cansaço excessivo. Se não fosse pela grande
quantidade de dinheiro envolvido, ela poderia deixar os
lançamentos se acumularem, mas se não os mantivesse em
dia, ficaria sempre atrasada. Chegou a considerar a
possibilidade de entregar a incumbência para outra
pessoa, mas era imprescindível que o menor número de
pessoas soubesse quais eram os valores que mudavam de
mãos no Dodger's.
Ela passara a maior parte do dia no orfanato ao lado
de Sterling e Peter.
— Se o forçar a ficar aqui — Sterling comentou —,
acabará transformando o local em uma prisão para ele.
— Concordo, mas prometi a Nancy que cuidaria dele.
— Talvez ele possa ficar na minha casa até você
encontrar quem queira adotá-lo.
Frannie ficara sensibilizada com a oferta. Olhou no
pequeno relógio de cima de sua mesa. Era quase meia-noite.
Quando Sterling a deixara — com relutância — no
Dodger's, ela prometera que estaria em casa àquela hora.
O coche que ele mandaria já estava esperando na travessa.
Em casa. Não era sua casa, mas seria um abrigo para
Peter até o menino perder o pavor e acostumar-se ao
orfanato enquanto ela não achasse uma pessoa para ficar
com ele.
Com o canto do olho notou um movimento, fixou-se na
entrada e levou um susto. Inspirou fundo para se acalmar,
afastou a cadeira e levantou-se.
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— Olá, Jim. Há quanto tempo está aí?
Frannie não o via desde a manhã em que ele
interrompera o desjejum na residência de Sterling. Jim
estava com péssima aparência, como se não houvesse
dormido desde aquele dia.
— Há alguns minutos. Não conheço ninguém que se con-
centre tanto no trabalho quanto você.
— Pois eu estava pensando exatamente na minha falta
de concentração. Como tem passado?
Jim ergueu os ombros largos.
— Sinto muito, Frannie, pelo que eu disse outro dia.
— Não se desculpe. — Frannie parou em frente da
escrivaninha. — Sei que você teve boa vontade e apreciei
sua vontade de casar-se comigo caso eu me encontrasse
em dificuldade.
— Mesmo se não for por isso. — Jim sorriu. — Eu
sempre a amei, Frannie. Você foi a razão de eu ter ficado
com Feagan, mas eu sabia que você amava mais Luke e Jack
do que a mim.
— Não seja tolo, eu amo vocês todos... como irmãos.
— Não penso em você como uma irmã e também sinto
por isso, mas não se pode mandar no coração. Você o ama?
Não foi necessário perguntar a quem ele estava se
referindo. Frannie pressionou a mão na boca e sentiu as
lágrimas se formarem.
— Deus me ajude, Jim, mas eu o amo mesmo sabendo
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que ele não se casará comigo. Você estava certo. E, por
favor, não adiantará interferir. Eu não me casaria com
Greystone, mesmo se ele pedisse. Ele é um duque e não
quero ser uma duquesa. Continue sendo meu amigo, Jim,
pois tenho pressentimento de que precisarei de meus
amigos.
— Eu jamais a abandonaria. Sé você pensar o
contrário, estará me ofendendo.
Frannie aproximou-se dele, ficou na ponta dos pés e
beijou-lhe a face.
— Obrigada.
O constrangimento dos dois fez Frannie entender que
eles nunca mais poderiam desfrutar de uma amizade
espontânea.
— Bem, é tarde, e preciso ir embora.
— Certo, eu o verei outro dia.
Jim virou-se para sair, e Frannie pegou o manto.
— Ah — Jim disse, já na porta. — Lembra-se de Nancy
que conhecíamos desde pequenos?
Frannie parou, segurando a capa de encontro ao peito.
— A Nancy que morava com Sykes?
— Ela mesma. Nós a encontramos boiando no Tâmisa.
— Morta?
Jim anuiu com seriedade.
— A julgar pelos ferimentos ao redor do pescoço, é
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provável que tenha sido estrangulada.
Capítulo XI
Jack nem chegou a adormecer depois de ter feito um
amor apaixonado com a esposa Livy. Escutou um assobio e
retesou-se. Ela, que estava aconchegada nele e lhe cobria
peito com os cabelos castanho-avermelhados, percebeu o
movimento e mexeu-se.
— O que foi? — ela murmurou.
— Preciso verificar uma coisa. — Jack beijou-lhe o
alto da cabeça e saiu debaixo dela. — Continue dormindo.
— Jack?
— Fique quietinha — ele sussurrou no ouvido de Livy.
— Tenho certeza de que não é nada.
Jack vestiu a calça e uma camisa antes de sair do
quarto e descer. Mesmo após alguns meses de ter recebido
como legado aquela mansão em St. James, ele custava a
acreditar que tivesse a felicidade de ter Livy como sua
esposa. Ao alcançar o grande vestíbulo, pensou em abrir a
porta da frente e verificar do lado de fora a origem do
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assobio, mas suspeitava de que o autor da façanha já
estivesse dentro da casa.
Fechaduras nunca tinham sido empecilhos para
Feagan. Jack o conhecia muito bem e supôs que o
encontraria na biblioteca onde ficavam guardadas as
bebidas.
Encontrou o antigo, protetor servindo-se de uísque,
vestido com o capote que conhecera melhores dias e com
o chapéu de feltro de copa alta que ele usava mesmo
dentro de casa.
— Feagan.
— Ah, meu Dodger, não vou me demorar. Espero não
ter perturbado o que poderia ter sido uma noite agradável.
— Feagan olhou ao redor. — Você conseguiu uma bela casa.
— Que o senhor certamente já visitou na minha
ausência. Portanto, seu velho malandro, o que está fazendo
aqui? — Jack aceitou o copo de uísque que Feagan lhe
oferecia.
— Estou preocupado com minha querida Frannie. —
Feagan completou outro copo com a bebida. — Sykes
espalhou a notícia de que pagará bem pela morte dela.
— Mas por que cargas d'água Sykes pretende que a
matem?
— Frannie está interferindo nos negócios dele,
tirando os meninos da rua.
— Pois então você mande dizer por aí que se alguém
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tocar em um só fio de cabelo dela... droga, ela foi atacada
outra noite. Cheguei a concordar com Frannie que se
tratava de um acaso, um ataque de algum ladrão.
— Ela deve ter dito isso pelo sentimento de culpa por
Luke ter matado um lorde. Na certa não queria vê-los
metidos em encrencas que os levassem à forca.
Jack praguejou. Devia ter desconfiado de que ela
quisesse proteger a todos, menos a ela mesma.
— Torne público que seus rapazes farão dos cortiços
um inferno se tocarem nela.
— Já fiz isso, mas desconfio de que não adiantará.
Vocês saíram do cortiço, mas Sykes continua no mesmo
local. Meus novos meninos não o conhecem, mas sabem que
Sykes é um demônio.
Jack tornou a praguejar. Independentemente do que
fizessem, do degrau que haviam escalado, do sucesso que
houvessem atingido, os cortiços sempre os puxavam para
trás.
— Está bem, reunirei todos, apareceremos no seu bar
preferido amanhã à noite e faremos com que os novos
meninos tenham uma idéia do que somos capazes.
— Para falar a verdade, tenho receio de que seja
tarde demais.
Jack sentiu um aperto no estômago.
— Feagan, o que você ficou sabendo?
— Que pretendem matá-la esta noite.
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* * *
Frannie admitiu que deveria ter contado a Jim que
Sykes na certa matara Nancy, mas havia assuntos mais
prementes para resolver. Precisava tirar Peter e as outras
crianças de Londres. E para isso teria de pedir ajuda a
Sterling e não a Jim.
Além disso, se Jim soubesse o que ela suspeitava,
faria perguntas e tentaria protegê-la, mas não havia tempo
para isso. As crianças tinham prioridade sobre todo o
restante.
Abriu a porta dos fundos e deu um grito ao ver um
homem alto e moreno parado. À sua espera.
— Perdão, querida, mas eu não pretendia assustá-la. —
Sterling abraçou-a.
— Eu não o esperava.
— Eu a avisei de que não a deixaria andar sozinha. Você
está bem? Parece trêmula.
— Sykes matou Nancy.
— O quê? Frannie anuiu.
— Jim contou-me. Acharam o corpo dela no rio Tâmisa,
mas tenho certeza que foi Sykes. Eu não deveria tê-la
deixado voltar, deveria ter insistido...
— Frannie, querida, você não é responsável por todas
as maldades que são cometidas contra os outros.
— Eu sei, mas fiquei tão furiosa com ela...
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— Por um motivo justo.
— Ela não merecia isso. Onde está Peter?
— Estava dormindo quando saí.
— Deixou alguém tomando conta dele?
— Não, ele prometeu não sair.
— Ah, Sterling, uma criança não sabe o que é
prometer.
— Então vamos para casa, ver como ele está.
O coche transitava com rapidez e Sterling abraçava
Frannie.
— Sterling, sei que é pedir muito, mas não poderíamos
levá-lo para sua propriedade rural?
— Acha mesmo isso necessário? Por que Sykes
pensaria que o garoto está conosco?
— Nancy pode ter dito a ele, não sei. Apenas acho que
Peter não está seguro em Londres.
— Então o levaremos para o campo. Frannie apertou a
mão de Sterling.
— Eu gostaria de levar também as outras crianças.
— Quantas são?
— Trinta e seis. Sei que são muitas, mas pode ter
certeza de que elas não roubarão nada.
— Frannie, eu não me preocupo com isso, estou pensan-
do em acomodações. Tenho mais duas carruagens que
poderão levar o pessoal que trabalha no orfanato. Temos
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um carroção usado para transportar nossos pertences
para a temporada de Londres e levar tudo de volta. Creio
que esse veículo acomodará as crianças. Será
desconfortável para eles se chover, mas será apenas um
dia de viagem, se sairmos cedo.
Frannie abraçou-o com força pela cintura.
— Não imagina o quanto lhe sou grata.
— Por acaso imaginou que eu me omitiria?
— Eu sabia que poderia contar com você.
Dois meses antes, Sterling não teria feito isso. Antes
disso, só se preocupava com os próprios prazeres e não
dava importância aos órfãos da rua. Ele tinha de admitir,
havia sido um homem bem egoísta e vazio.
Quando chegaram à residência de Sterling, Frannie
subiu a escada correndo, enquanto o duque falava com
Wedgeworth sobre os preparativos para a viagem com o
carroção e as carruagens.
— Sterling!
Ele olhou para cima e ao ver Frannie, imaginou o que
acontecera.
— Ele foi embora.
Eles procuraram por toda parte e até no ateliê onde
Sterling deixara o menino pintar com carvão antes de
dormir.
Por um momento Frannie analisou a figura do desenho
de Peter. Linhas duras, olhos redondos e negros, dentes
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pontudos.
— Deve ser algo que lhe aparece em pesadelos —
Sterling comentou, tão constrangido como ficara ao ver o
desenho pela primeira vez.
Que tipos de pensamentos sombrios passam pela
cabeça de Peter?
Frannie deu um sorriso triste.
— É Sykes. — Ela se virou, rumo à porta. — Preciso ver
o que se passa no orfanato.
— Posso imaginar que ele vá atrás do filho — Sterling
admitiu enquanto a seguia escada abaixo —, mas os
outros...
— Você não entende Sykes. Quando eu tinha doze anos
ele me disse que me desejava para ser sua garota e tentou
me beijar. Acertei nele um pontapé e afirmei que preferia
morrer. Sykes garantiu que havia coisas piores do que a
morte e suponho ser esse o motivo por ele ter arranjado
minha pequena jornada ao inferno.
— Você não me contou sobre isso.
— Lembrei-me do fato esta noite quando soube da
morte de Nancy.
— Cada vez gosto menos desse sujeito. Talvez
Swindler possa dar um jeito nele.
— Não sem provas. Sykes se esconde nas sombras e é
muito difícil de encontrar.
O que dava a ele uma vantagem sobre Sterling.
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Eles saíram e desceram os degraus. O coche estava
esperando, mas Sterling não viu o cocheiro nem o criado.
Deviam estar tomando chá na cozinha.
— Tenho de avisar o cocheiro.
Frannie chegou ao final da escada antes de Sterling e
ele notou que dois lampiões de gás não estavam acesos.
Onde estava Frannie? Ela estava no campo de visão
dele e de repente desaparecera atrás da cerca viva.
— Wedgeworth! — Sterling gritou a plenos pulmões e
desceu correndo a escada.
Ele amaldiçoou a escuridão que a engolira, viu a sombra
se mover... e um gemido feminino.
— Frannie!
Escutou passos rápidos que vinham da mansão.
— Vossa Graça!
Mais luz vinha em sua direção e ele pôde distinguir as
formas. Dois homens estavam curvados sobre alguém...
— Frannie!
Os dois homens saíram correndo.
— Peguem os canalhas! — Sterling gritou para seus
criados, enquanto se ajoelhava ao lado da mulher ferida.
— Santo Deus, é a srta. Darling — Wedgeworth disse,
segurando a lamparina no alto.
Sterling não pôde responder por causa das lágrimas
que lhe tolhiam a garganta. Pegou Frannie no colo com
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285
cuidado, levantou-se e engoliu o medo.
— Quando Catherine desmaiou, Claybourne mandou um
dos criados chamar o dr. Bill Graves.
— Sim, Vossa Graça. Deve ter sido Jessup.
— Mande-o imediatamente à procura de Graves.
A imobilidade de Frannie assustou Sterling e ele
mantinha os dedos pressionados na leve pulsação do
pescoço para certificar-se de que ela estava viva. Frannie
apresentava um grave ferimento na cabeça. Uma das
criadas o ajudara a pôr nela uma camisola para deixá-la
mais confortável. Pelos hematomas era evidente que
haviam batido nela. Ah, se ao menos os tivesse visto e se
não houvesse parado na escada! Se ao menos sua visão
fosse melhor à noite. Se...
Mandar o criado chamar Bill foi como avisar todos por
telegrama. Luke, Catherine e Jim chegaram logo depois,
seguidos rapidamente por Jack que trouxe com ele um
homem que Sterling considerou de aparência suspeita e
que foi apresentado como sendo Feagan. O homem idoso,
apoiado na bengala, observou Frannie que estava com os
cabelos espalhados no travesseiro. Aquele era o sujeito
que Frannie pensava ser seu pai. A julgar pela maneira
como a fitava, como se perdê-la acabaria por matá-lo, era
possível que ela tivesse razão.
— Frannie levou uma pancada violenta na cabeça. — Bill
inclinou-se sobre ela e abriu uma pálpebra fechada de cada
vez. Endireitou-se e olhou em volta. — Quero que todos,
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exceto Catherine, saiam para que eu possa fazer um bom
exame.
Várias bocas se abriram...
— Os senhores o ouviram — Catherine protestou com
energia. — Vão embora e depressa. Uma demora poderá
prejudicá-la. Quando soubermos de mais alguma coisa, nós
os encontraremos na biblioteca.
Sterling escutou os outros se afastarem, mas
continuou ao lado da cama, fitando Frannie.
— Sterling, você também precisa sair. — Catherine
tocou seu braço.
— Deixe-nos a sós por um momento. Ela anuiu e levou
Bill até a sala de estar.
Sterling curvou-se e murmurou junto à orelha de
Frannie.
— Por favor, minha doce Frannie, não permita que
Sykes a leve. Juro que jamais deixarei que ele torne a
machucá-la.
Ele a beijou na testa. Não foi o suficiente, mas era
tudo o que tinha para oferecer.
— Não vi ninguém rondando a casa — Sterling disse
pela enésima vez.
Ele não estava acostumado a defender seus atos e
procurou ser amável, convidando a todos para tomar uísque
e o que mais desejassem na sua biblioteca. Parecia que
todos desejavam determinar sua responsabilidade na
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
287
tragédia.
— Como isso é possível? — Jim perguntou com raiva
aparente depois de um interrogatório tedioso.
— Chega! — Jack gritou. — O que aconteceu não tem
volta. De agora em diante teremos de protegê-la melhor.
— Sykes provavelmente não a perdoou — Feagan disse.
— Só há uma maneira de evitar que ele nunca mais volte a
atacá-la.
— E qual é? — Sterling perguntou.
Jim fitou-o como se ele tivesse perdido o juízo.
— Nós o mataremos — Feagan disse com simplicidade.
— E como faremos isso? — Sterling não acreditou na
própria pergunta.
— Primeiro teremos de encontrá-lo — Luke afirmou.
— Não se pode ir até a casa dele e esperar por ele nas
sombras como ele fez com Frannie? — Sterling indagou.
— Alguém como Sykes não costuma divulgar o
endereço — Jim disse. — Ele trabalha em segredo e
contrata sequazes para fazer o serviço sujo, a menos que
seja muito pessoal. Nesse caso ele mesmo pode resolver o
assunto, mas ninguém ousa trair Satã, pois sua vingança é
cruel.
— Precisamos atrair Sykes em uma emboscada — Jack
argumentou. — O problema é ele nos conhecer e saber de
nossa afeição por Frannie. Não confiará em nós se
pedirmos um encontro.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
288
— Ele não me conhece — Sterling falou e seguiu-se um
silêncio total na sala.
— Pode dar certo — Feagan disse após alguns
instantes, coçando a barba.
Sterling esperava que ali não houvesse piolhos, mas
não se importaria de enfrentá-los se isso significasse não
perder Frannie.
— Como assim? — Jim indagou, impaciente.
— Sykes não é apenas um ladrão, mas fornece garotos
para outros no negócio. Certo? Certo. Por isso
espalharemos um boato que um tal de senhor... — Feagan
olhou para Sterling como se estivesse avaliando seu valor
— Knight? Acho que dará certo. Um tal de sr. Knight está
precisando de um menino experiente em entradas furtivas
e gostaria de falar com o sr. Sykes.
— Sykes não se encontrará com ele sem antes fazer
uma verificação — Luke interveio.
— Claro que não. Ele não é nenhum tolo. Nós ficaremos
escondidos observando tudo. Sykes acabará aparecendo
porque o sr. Knight insistirá em fazer o negócio
pessoalmente com ele. Quando ele aparecer, tomaremos
conta dele.
Carrancudo, Jim fitou Sterling.
— Precisamos ter certeza se Vossa Graça
compreendeu perfeitamente o que estamos propondo.
— Posso assegura-lhes de que não sou o tolo que os
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
289
senhores pensam que sou. Servirei de isca e quando a presa
a engolir, os senhores o matarão. E quero crer, inspetor,
que por suas investigações, o senhor concluirá que se
tratou de um acidente.
— Ou defesa própria. — Jim deu de ombros.
Luke, sentado na beira da mesa, inclinou-se para a
frente.
— Greystone, é preciso entender que não é fácil
conviver com a responsabilidade da morte de um homem na
consciência. Essa não é uma decisão que deve ser tomada
com rapidez nem com raiva.
Sterling fitou Feagan.
— Pode espalhar o boato.
Sentado ao lado da cama, Sterling segurava a mão de
Frannie e com o polegar acariciava-lhe os nós dos dedos.
Segundo Bill, ela acabaria acordando. Frannie saíra do
episódio com duas costelas quebradas, várias escoriações,
mas sem graves ferimentos internos. Bill creditou a
Sterling o fato de tê-la encontrado em tempo.
Mas todos na biblioteca haviam reconhecido a
desesperada tentativa de Bill de culpar um camarada sem
nome e sem rosto pela condição terrível em que Frannie se
encontrava, sendo que todos sabiam quem era o criminoso.
Um homem que não via sua mão se a estendesse para o lado.
Um homem para quem o escuro era o maior inimigo. Claro
que eles não sabiam dessas particularidades que Sterling
também não pensava esclarecer. Ele não teria de ver Sykes
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
290
uma vez que conseguisse atraí-lo, a menos que Sykes
pretendesse atirar nele, o que era uma possibilidade.
Muitas vezes usara rifles na África, mas também chegara
a usar uma pistola que era mais fácil de esconder.
Algumas vezes um dos homens vinha substituí-lo ou
entrava para dizer que nada se ouvira falar sobre Sykes.
Na certa um encontro demoraria de vinte e quatro a
quarenta e oito horas para ser marcado.
Sterling reconhecia a imprudência de envolver-se, mas
ele não protegera Frannie quando deveria tê-lo feito. E
faria o impossível para que ela fosse resguardada para
sempre, independentemente do preço a pagar.
Escutou passos leves, olhou por sobre o ombro e viu
Catherine. Ela puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dele.
— Como ela está?
— Ainda está dormindo.
— Mas ela acordará. — Catherine apertou-lhe a mão.
— Pode confiar neles, Sterling.
— Não creio nisso. Eu não ficaria surpreso se Swindler
usasse a oportunidade para que eu fosse enforcado. Ele
tem uma péssima opinião a meu respeito.
— Eles a amam.
— É muito fácil gostar de Frannie.
— Você a ama, Sterling? Ele anuiu.
— Ela é tão bondosa, Catherine. Jamais conheci
ninguém tão altruísta. Seria preferível ela pensar mais um
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
291
pouco em si mesma e eu poderia ensiná-la a ser mais
egoísta.
— Era por isso que você e papai brigaram?
— Em parte. Catherine, quando voltei para Londres,
vim vê-lo, mas ele não me recebeu.
— Por que você não veio falar comigo?
— Porque você estava se saindo muito bem sem a minha
presença e eu só complicaria o assunto.
Catherine acariciou o braço do irmão.
— Está certo, acredito no que está me dizendo.
Eles ficaram em silêncio por algum tempo. Sterling
pensava em escovar os cabelos de Frannie, em deitar-se a
seu lado e abraçá-la... uma última vez. Depois que o assunto
Sykes fosse resolvido, tudo mudaria. Ele sabia o que teria
de- fazer, mesmo contra sua vontade. O estranho era
Frannie tê-lo modificado a ponto de torná-lo o homem que
seu pai idealizara.
— Sterling, sei o que pretende fazer, mas há muitos
perigos envolvidos. Se algo acontecer a você, não haverá
herdeiros.
— Temos nosso primo.
— Wilson? Você não o tolera.
Sterling ficou em silêncio. Nada, nem mesmo seu título
era mais importante do que a mulher que estava em sua
cama. Catherine abraçou-o e encostou a cabeça em seu
ombro.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
292
— Sterling, para mim parece que você finalmente
voltou para casa.
Sterling teve de admitir que parecia mesmo um
facínora. Não dormira, nem se barbeara, o que o deixava
com aspecto grosseiro. Não se barbear fora idéia de Jack
e a falta de sono resultará das horas passadas ao lado da
cama olhando para Frannie. Queria demais vê-la acordada,
mas assim pelo menos não teria de mentir para ela. Frannie
não aprovaria o que ele se preparava para fazer, porém era
preciso agir dessa forma para o bem dela e talvez um pouco
por si mesmo.
Nada perguntara sobre a procedência das roupas
sujas que Jim trouxera e que lhe provocavam coceiras.
Mesmo assim não parecia um mendigo, mas também não
com o homem que se vestia com um dos mais exclusivos
alfaiates londrinos.
Feagan mandara avisar que o sr. Knight deveria ocupar
uma mesa de canto no bar às dez da noite. Alguém o
encontraria lá.
— Provavelmente não será Sykes — Jack explicou
quando ele, Jack, Luke e Feagan aguardavam na travessa
escura a aproximação do horário. — Deverá ser um dos
lacaios dele e Vossa Graça terá de insistir que deseja falar
pessoalmente com Sykes. Procure falar sem muita fineza.
— Eu planejava imitá-lo.
— Na verdade, milorde terá de ser um pouco mais rude
— Jack disse. — Lembre-se, nós todos tivemos um certo
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
293
nível de educação.
— Posso falar do jeito que for necessário — Sterling
respondeu, arrastando as palavras.
Jack sorriu.
— Nada mau. Faremos que se torne um dos meninos de
Feagan.
— Não, obrigado. Esta é uma performance de uma
noite. — Sterling olhou para Jim. — Por falar nisso, Frannie
está convencida de que Sykes matou Nancy. Ela entregou
o filho para Frannie cuidar.
— Maldição.
— O menino esteve em minha casa, mas acabou
fugindo. O nome dele é Peter, mas diz chamar-se Jimmy,
Deus sabe lá o motivo. Quando resolvermos o caso de
Sykes, seria melhor procurá-lo. Frannie ficará muito feliz
se o encontrarem.
— Por que Vossa Graça não o procura?
— Não planejo encontrar-me com Frannie depois
deste caso encerrado.
Jim agarrou Sterling pelo casaco emprestado e
afastou-o dos outros.
— Ela o ama — Jim afirmou com o rosto a centímetros
de Sterling.
— Sim, e essa é uma infelicidade para ela. Pelo que me
lembro, você garantiu que se casaria com ela e você é um
homem honrado. Tome conta de Frannie e faça o que
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
294
estiver ao seu alcance para fazê-la feliz. — Sterling
passou por Jim e quase o derrubou. Tratou de sair da
travessa antes que os outros pudessem reagir.
Ele acabara de representar o papel mais difícil da
noite. Fingir que Frannie nada significava para ele. O resto
seria bem mais fácil.
Frannie sentiu forte dor de cabeça e apesar da luz que
machucava seus olhos, reconheceu a cama de dossel de
Sterling. Por que estava tão dolorida?
Escutou alguém dizer suavemente que ela havia
acordado e viu Catherine curvar-se sobre ela.
— Olá, Frannie, como está se sentindo?
— Parece que fui moída.
— Lembra-se do que houve? — Bill perguntou,
aproximou uma lamparina de seu rosto. Frannie tentou
virar a cabeça, mas ele segurou-a pelo queixo. — Fique
quietinha e responda.
— Eu... — ela procurou lembrar-se. — Estávamos
procurando Jimmy... Peter.
— A última coisa de que se recorda é estar no
orfanato?
— Não. Estávamos aqui.
— Aqui onde?
— Você não sabe onde estamos? Bill sorriu.
— Eu sei, mas você levou uma pancada na cabeça e
quero ter certeza de sua percepção.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
295
— Estamos na casa de Sterling. Onde ele está?
Bill deu uma tossidela e deixou a lamparina na mesa.
— Você está dormindo há quase vinte e quatro horas
e eu gostaria que tentasse tomar um pouco de caldo
quente. Catherine, providencie isso para nós.
— Volto em instantes. — Ela saiu do quarto. Frannie
assustou-se.
— Onde está Sterling?
Bill sentou-se na beira da cama.
— Frannie, está lembrada do que houve?
Ela sentou-se depressa e precisou agarrar mão de Bill,
pois teve a impressão de que sua cabeça se partiria ao
meio.
— Ele está morto? Oh, não, meu Deus! Não!
— Ele está bem, Frannie. — Bill apertou-lhe a mão, pôs
alguns travesseiros atrás da cabeça dela e deitou-a. —
Você se lembra de terem sido atacados?
— Não.
— Lembra-se de Sykes?
— Quem poderia esquecer aquele monstro?
— Ele quer assassiná-la, Frannie.
— Ele matou Nancy. — De repente a recordação
apareceu muito nítida.
— Não posso afirmar nada, mas sei que ele jurou matar
você. Por isso os outros estão tentando atraí-lo para uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
296
cilada.
— Outros? — Frannie apertou os olhos, tentando
lembrar-se dos nomes. Como pudera esquecê-los? — Luke,
Jack e Jim. — Anuiu e abriu os olhos. Eram três, embora
chegasse a pensar que Luke não fazia mais parte do grupo.
Fora um engano. Sempre que um estivesse em apuros, os
outros largavam tudo para ajudar. — Mas onde está
Sterling?
— Com os outros.
Aquilo não fazia sentido.
— E onde estão os outros?
— Já lhe disse, procurando Sykes.
— Nas ruas, nos cortiços?
— Sim.
— Não. — Frannie tentou sair da cama, mas Bill a
impediu.
— Cuidado, Frannie. Vai se machucar.
— Ele não é um dos nossos. Ele nunca...
— Por isso ele é uma isca perfeita. Sykes não o
conhecerá. Frannie bateu o punho fechado no ombro de Bill
que se levantou e recuou.
— Você melhorou depressa, querida.
— O que foi planejado?
— Frannie...
— Diga logo.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
297
Frannie horrorizou-se ao escutar a explicação.
Sterling não era como eles. Se houvesse uma pequena
falha, ele poderia ser morto.
Sentado em um canto escuro, Sterling olhava para
fora. Nessa posição poderia ver quem se aproximasse de
lado e, quando o camarada se sentasse, ficaria em seu
ângulo de visão.
O salão estava lotado e o bar recém-polido que se
estendia pela largura do recinto parecia novo. Sterling
tomava a cerveja devagar para não chamar a atenção e
para manter o raciocínio perfeito. Trazia uma pistola no
bolso do casaco. Ocorrera-lhe que se Sykes fosse o
primeiro a aparecer, ele poderia simplesmente atirar no
sujeito. Mas como havia muitas pessoas no recinto, não
poderia arriscar a vida de inocentes, embora duvidasse de
que naquele ambiente de mau gosto houvesse muitos
inocentes.
Recriminou-se por esse pensamento de mente estreita
que também considerara o casamento de Catherine como
um desastre. Em vez disso, ela se unira a um homem que
não se importava com o custo pessoal ao distribuir as
inúmeras recompensas. Rotulara os três e Luke como
sujeitos pouco acima de marginais e estava descobrindo o
que Catherine já sabia. Eram pessoas extremamente leais.
Wexford também faria o necessário para proteger
Sterling? Ou ele só agiria como lhe fosse conveniente?
Sabia que era injusto julgar Wexford pelos padrões
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
298
estabelecidos pelos amigos de Frannie. A vida dele nunca
estivera exposta aos mesmos perigos. Dera a volta ao
mundo à procura de excitação, mas seu coração nunca
batera tão forte como naquele momento.
— Sr. Knight?
Sterling levantou o olhar. Não era Sykes, era um
homem loiro.
— Quem é você?
— Um assistente do sr. Sykes. — O homem puxou uma
cadeira e sentou-se.
— Está perdendo seu tempo, não falo com assistentes
— Sterling esmerava-se no sotaque das ruas.
— O sr. Sykes não fala com camaradas que não
conhece.
— Ele virá se estiver interessado em ganhar dez mil.
— É muito dinheiro.
Sterling deu um sorriso arrogante e tomou um gole de
cerveja.
— Qual é o negócio? — o homem perguntou
— Seu nome é sr. Sykes? O homem olhou ao redor.
— Volte amanhã.
— Não.
O homem o fitava como se estivesse com uma pistola
apontada no peito e Sterling deu de ombros.
— Preciso do garoto hoje, tenho um compromisso.
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299
— Não parece que tenha planejado bem o encontro.
— Planejei tudo muito bem e com rapidez. Assim as
chances de sermos descobertos são menores.
— É um homem cauteloso, sr. Knight.
— E muito perto de tornar-me rico. O sujeito anuiu e
cocou a barba rala.
— Está certo. Encontre-me na travessa atrás do bar
em dez minutos. Eu o levarei ao sr. Sykes.
O sujeito foi embora e Sterling tomou o restante de
cerveja. Como de hábito, procurou o relógio para conferir
a hora e lembrou-se de que não o havia trazido. O brasão
poderia tê-lo denunciado. Poderia dizer que o roubara, mas
resolvera não arriscar. Se sobrevivesse, queria entregá-lo
ao filho e, se não o tivesse, deixaria em sua mesa com um
recado para Frannie.
E ela só saberia o quanto fora amada, depois da morte
dele. Calculou que haviam se passado dez minutos e saiu
pela porta da frente. Ficou parado por alguns segundos
como quem se orientava e levantou a gola do casaco para
evitar o frio da noite. Era o sinal que o contato havia sido
feito e que o encontro fora arranjado.
Foi até a esquina e entrou na travessa. Não chegou a
dar dois passos. Foi agarrado e encostado no muro, de
costas para quem o pegara.
— Calma, sr. Knight. — Era a voz do homem loiro. —
Estamos procurando suas armas.
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300
— Tenho uma.
Ele foi virado e defrontou-se com um gigante. Aquilo
não era uma maravilha?
— Você não acha que eu viria desarmado a esta região
londrina, não é? Espero que me considerem um pouco mais
esperto.
O homem apontou com a cabeça.
— Por aqui.
Sterling seguiu-o pela travessa até uma escada onde
estava sentado um homenzarrão vestido de preto e com os
cabelos negros caídos nos olhos. A semelhança do desenho
de Peter era notável. Ali estava o pusilânime Sykes.
— Dê-me a arma, Tiny.
O gigante entregou a pistola para Sykes. Sykes virou
a arma de um lado a outro, examinando-a sob a pouca
luminosidade da lamparina que estava acima dele.
— Muito boa.
Sykes olhou para Sterling e deu um sorriso maldoso.
— Tire o chapéu, sr. Knight.
— Por quê? — Sterling estreitou os olhos.
— Porque gosto de ver a cara do homem com quem vou
negociar.
Sterling deu de ombros, como se isso pouco o
incomodasse, e tirou o chapéu.
— Jimmy! — Sykes gritou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
301
Um menino raquítico saiu de trás da escada onde se
ocultava nas sombras. Era Peter.
Sterling acreditou que não poderia haver melhor
coincidência para o ardil.
Assim que Peter se aproximou, Sykes puxou-o de
encontro a sua perna.
— Já o viu antes, garoto?
Peter olhou para cima e analisou Sterling de vários
ângulos.
— Não, senhor.
Sterling procurou não demonstrar alívio. Por seus
trajes, o garoto não o teria reconhecido?
— Posso ir embora? — Peter perguntou.
— Vá. — Sykes não pareceu contente com a resposta
do menino.
Peter passou correndo e Sterling pediu a Deus para
que Jim o visse e o agarrasse.
— Meu filho. Eu o chamo de Jimmy e sua mãe deu-lhe
o nome de Peter, mesmo sabendo que eu não gostava do
nome. O que fazer com uma mulher que não faz o que a
gente quer?
— Matá-la — Tiny afirmou e deu uma risadinha ridícula
para um homem daquele tamanho.
— Cale a boca, Tiny, ou eu o matarei também — Sykes
respondeu antes de voltar a falar com Sterling: — Sr.
Knight, já deve ter percebido que não sou homem com quem
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
302
se deve indispor. Conte-me sobre o assalto que está
planejando.
Sterling gostaria de poder enxergar nas sombras para
saber se os outros estavam por perto.
— Já ouviu falar no diamante Koh-i-noor que está
exposto no Palácio de Cristal? É o maior diamante do
mundo.
— Claro. — Sykes levantou-se com um sorriso largo. —
O senhor planeja furtá-lo?
— Exatamente.
— Então vamos.
— Mande esses dois embora. Sykes pareceu hesitar.
— Se quiser, pode apontar a pistola para mim, sr.
Sykes. Sykes anuiu.
— Vocês dois, podem entrar. Sterling escutou os
passos se afastarem,
— Bem? — Sykes provocou-o.
— É muito simples. Você irá direto para o inferno.
Sterling sentiu o calor antes de escutar o estampido.
Não que isso importasse. Ele se jogara sobre Sykes e o
derrubara. O primeiro soco no queixo de Sykes devia tê-lo
entorpecido, pois ele mal se mexeu.
Sterling não soube quantas vezes atingiu Sykes antes
de alguém puxá-lo para trás.
— Espere, ele não está morto! — Sterling protestou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
303
— Você não tem de matá-lo — Luke ajoelhou-se a seu
lado. — O que ele disse será suficiente para enforcá-lo,
segundo Swindler.
Sterling sacudiu a cabeça.
— Não será preciso acabar com Sykes se a lei pode
fazer isso por nós — Luke afirmou com calma. — Confie em
mim, Greystone. — Se não tiver de matá-lo, não terá
vontade de fazê-lo.
— Ele machucou Frannie.
— Ela vai se recuperar. Frannie nunca mais olhou para
mim do mesmo jeito depois que matei Geoffrey Langdon.
Ela também se acha culpada.
Sterling anuiu. Se fosse melhor para ela... De repente
ele sentiu uma dor violenta que ameaçava derrubá-lo.
— Onde está Swindler?
— Aqui. — Jim ajoelhou-se ao lado de Sterling.:—
Levamos o menino.
Sterling agarrou a camisa de Jim, disse uma
imprecação e caiu para trás levando Jim com ele.
— Nunca a faça chorar.
Ele não soube se Jim anuiu, porque mergulhou na
escuridão.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
304
Capítulo XII
Sterling acordou com o ombro latejando e a cabeça
doendo. A primeira pessoa que viu foi Jim que, aos pés da
cama e com os braços cruzados na altura do peito, fitava-
o sem a habitual desconfiança.
— Como está Frannie? — Sterling resmungou.
— Por que não pergunta diretamente? — uma voz suave
retrucou.
Sterling virou a cabeça para o lado. Frannie estava
sentada na lateral da cabeceira, em uma poltrona onde um
homem com visão normal poderia tê-la percebido antes.
Frannie acariciou os cabelos dele, assim como fazia com os
órfãos por quem daria a vida. Ela segurou a mão de
Sterling, ergueu-a junto aos lábios e beijou-a, sem se
importar com as lágrimas que molhavam os dedos dele.
— Não chore, Frannie.
— Você poderia ter sido assassinado, seu tolo. — Ela
entrelaçou os dedos nos cabelos dele e virou a cabeça para
falar com Jim. — Quer trazê-lo?
Jim saiu.
— Quem? — Sterling perguntou.
— Peter. Ele tem se preocupado muito com você. —
Frannie afofou alguns travesseiros atrás de Sterling e
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
305
ajudou-o a sentar-se.
— Há quanto tempo estou dormindo?
— Três dias e sua febre somente cedeu ontem à noite.
Foi muita sorte, pois houve uma hemorragia no local onde
a bala atravessou seu ombro, mas Bill deu um jeito em tudo.
Sterling anuiu, exausto. Frannie apoiou no braço a
cabeça dele e segurou um copo de água para que ele
pudesse beber. O menino apareceu e Frannie segurou-o
antes de ele pular na cama.
— O senhor vai ficar bom? — Peter indagou. Sterling
anuiu.
— Por que você mentiu para Sykes?
— Ele não é um dragão. — Peter balançou a cabeça.
Sterling achou graça.
— Não é, e você não devia ter fugido.
— Eu não queria ir embora, mas eles vieram me buscar.
— Eles não farão mais isso, não é, Swindler?
Jim postou-se de novo aos pés da cama.
— Não. Sykes está preso e não vai sair mais.
Sterling não duvidou da determinação daquela voz.
Mesmo se o tribunal não julgasse Sykes culpado, Jim daria
um jeito para ele jamais sair da prisão. Se ele não o
fizesse, o duque de Greystone o faria. Esperava nunca vir
a arrepender-se de não ter matado Sykes quando tivera a
oportunidade.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
306
Frannie abraçou Peter.
— Agora diga até logo para o duque.
— Até logo, sir.
— Comporte-se, Peter.
— Jim, por favor, leve-o — Frannie pediu.
Jim anuiu, virou-se, mas tornou a olhar para Sterling.
— Você não é tão ruim para um camarada que não foi
criado nas ruas. Tive muita honra de lutar a seu lado.
Sterling não chegou a retribuir o cumprimento. Jim
levou Peter para fora do quarto e fechou a porta.
Sterling virou-se para Frannie, sempre bela, e desejou
poder acreditar que ela não correria mais perigo. Mas era
de se prever que ela continuasse a peregrinação pelos
becos de Londres.
— Você continuará as visitas aos cortiços, não é?
Frannie olhou para as mãos entrelaçadas e fez um gesto
positivo de cabeça, antes de fitar Sterling.
— É onde as crianças se encontram.
E onde ele não poderia protegê-la. Tivera sorte com
Sykes, mas sua experiência com o carteado do Dodger's
afirmava que a sorte era uma amante volúvel.
Sterling se recuperava aos poucos e os dias
transcorriam com felicidade. Frannie trazia as refeições,
dava banho em Sterling e todas as noites eles dormiam
abraçados.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
307
Quando se sentiu mais forte, ele começou a andar pela
residência e mais tarde pelo jardim, onde Peter costumava
encontrá-lo.
Eles pouco conversavam, mas havia se formado uma
camaradagem inexplicável entre os dois. Sterling sentiria
falta quando o menino fosse embora, e isso aconteceria
bem antes do que ele gostaria.
Sentada no terraço, Frannie observava Sterling, sem-
pre atraente, e o menino abandonado passearem pelo
jardim. Era curioso como se formara um laço de união
entre duas pessoas tão diferentes.
O tempo da plebéia com o duque também se esgotava.
Não faziam amor desde o encontro dele com Sykes, e
Frannie podia sentir que ele recuava. Por sua vez, ela lutava
para proteger o coração, temendo que fosse tarde demais.
Desde o começo, soubera que Sterling seria um
acréscimo temporário em sua vida e passara a aceitar o
inevitável. Algumas vezes, à noite, no escuro, morria de
vontade de revelar que se apaixonara por ele, mas isso
faria a despedida muito mais difícil.
— Preciso voltar aos cortiços — Frannie disse para
Sterling durante o jantar daquela noite. — E eu gostaria
que você viesse comigo.
— Creio ter provado que não sirvo como protetor.
— Você provou que arriscaria sua vida por mim e isso
não é irrelevante.
Sterling meneou a cabeça e fitou o alimento do prato.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
308
— Você deveria pedir a Swindler para acompanhá-la.
— Tenho de conversar com Feagan e estou certa de
que o encontrarei em seu pub favorito. —Frannie queria
Sterling a seu lado. — Não me demorarei por lá e eu
gostaria muito de ter sua companhia.
Sterling concordou, como se intuísse a importância do
assunto.
— Mandarei aprontar o coche.
O trajeto foi tão calmo como o transcorrer dos dias,
mas pelo menos Sterling a abraçava. Como sempre, ele
sentia quando ela precisava de conforto.
Depois de muitos tropeços, paradas e reinícios, o
cocheiro manobrou o veículo pelas ruas mal conservadas
até chegar ao local onde Frannie esperava encontrar
Feagan. Tudo havia se deteriorado desde o tempo em que
ela estivera ali, acompanhando Feagan para todos os lados,
pois ele alegava que não queria perdê-la de vista. Frannie
não demorou em localizá-lo, por conhecer a mesa preferida
dele. Ela sentiu um aperto no coração ao ver sozinho a um
canto um homem que fora rodeado por crianças.
Ele levantou o olhar e deu um sorriso torto.
— Frannie, querida, a que devo esse prazer?
Sterling puxou uma cadeira e ela sentou-se ao lado de
Feagan.
— Vossa Graça, o senhor me pagaria um drinque? —
Feagan perguntou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
309
Sterling fitou Frannie e ela concordou.
— Um excelente cavalheiro — Feagan disse assim que
Sterling se afastou — e gosta de você.
— Você quase o matou.
— Não me culpe, a idéia não foi minha, foi dele.
Feagan nunca assumia responsabilidade. Quando um
dos meninos era preso, a culpa era sempre do garoto por
ter sido imprudente, não de Feagan que o enviara para o
perigo.
Sterling voltou, deixou um caneco diante de Feagan e
sentou-se ao lado de Frannie. Sob a mesa, segurou a mão
de Frannie para dar-lhe forças.
Frannie engoliu em seco e deu um longo suspiro.
— Feagan, você é meu pai?
Feagan deu uma risadinha e esfregou a mão na boca.
— Frannie, querida, de onde você tirou uma idéia tola
como essa?
— Eu sempre pensei... que você fosse meu pai.
— Não, você é muito fina e não poderia ter sido gerada
por um sujeito como eu. Eu a encontrei em um cesto na
entrada de uma varanda e a levei. Você sabe como sou.
Quando vejo algo fácil de surrupiar, não hesito.
Frannie não sabia se estava desapontada ou aliviada.
— Eu o amo de qualquer maneira — ela declarou com
um sorriso terno.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
310
— Eu também a amo, minha doce menina. — Feagan
piscou para ela, ergueu o caneco e tomou a cerveja.
O encontro estava terminado. Sterling levantou-se e
puxou a cadeira de Frannie.
Do lado de fora, Frannie comprazeu-se com o ar frio
da noite.
— Você acredita nele? — Sterling perguntou.
— E você? — Frannie fitou-o.
— Não sei.
Frannie inspirou fundo.
— Não importa. Será como ele quer me fazer
acreditar.
— Frannie?
Ela pressentiu o que viria pelo tom de voz de Sterling.
— Amanhã partirei para o campo.
— Esse é um adeus? — ela perguntou.
— Sim.
— E Peter?
— Ele ficará com você. Afinal você é a rainha dos
dragões. Sterling se esforçava para suavizar algo que
partia o coração dela.
— Ele se tornou muito apegado a você. Ele foi avisado
sobre a separação?
— Peter sabe e entende.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
311
Então o garoto era mais inteligente do que ela.
Naquela noite eles fizeram amor e houve uma certa
rudeza, como se ambos quisessem agarrar-se a uma coisa
que jamais poderiam segurar.
Mais tarde, um nos braços do outro, a ocasião foi
agridoce. Frannie sempre temera o momento em que não
poderia mais fazer parte da vida de Sterling, mas não
esperava que isso a fizesse sofrer tanto.
Sterling acordou na manhã seguinte e não encontrou
Frannie na cama. Seria inútil procurá-la. Ela tinha ido
embora e levara Peter. A ausência deles o fazia
experimentar um grande vazio na alma.
Deu um berro de desespero e sua angústia ecoou pelo
quarto, sem trazer-lhe conforto.
Frannie fechou o volume contábil com um suspiro de
cansaço. Sterling partira havia um mês para o campo.
Naquele dia não pensava nele pelo menos durante meia
hora. A cada dia acrescentava um minuto até que não se
lembrasse mais dele.
Peter se adaptara à vida do orfanato, o que a alegrava.
Não imaginava como faria se não tivesse o amor do garoto.
Percebeu que havia alguém na entrada. Levantou a
cabeça, viu que era Jim e levantou-se da cadeira.
— Você sabe que não precisa levar-me até o orfanato
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
312
todas as noites.
— Mas eu gosto de andar na sua carruagem elegante.
O veículo chegara uma semana depois que ela deixara
a casa de Sterling. Ela não suportaria despedir-se dele e
por isso se afastara sem dizer adeus.
Ela recebera uma mensagem simples trazida pelo
cocheiro.
Para que você possa sempre viajar com segurança. Não
se preocupe, eu providenciarei a manutenção dos cavalos.
Greystone.
Jim ajudou-a a pôr o manto sobre os ombros.
— Teve notícias dele, Frannie?
— Não e eu nem as esperava, pois Sterling foi para o
campo. Você sabe que a nobreza não suporta Londres no
inverno.
— Nunca me dei conta disso. Frannie riu.
— Faz tempo que não a ouço rir — Jim comentou.
— Então deveria frequentar mais o orfanato. As
crianças são uns amores e me divirto muito com elas.
Quando chegaram ao orfanato, um criado ajudou-a a
descer. Frannie caminhou em direção ao prédio e ao chegar
mais perto, apressou-se. Era sempre bom voltar para casa.
O conde e a condessa de Claybourne têm o prazer de
convidá-lo para uma palestra do sr. Charles Dickens a
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
313
realizar-se no dia 15 de dezembro de 1851.
Após o evento haverá recepção e baile, teremos
satisfação de receber sua doação em forma de brinquedo
que será encaminhado ao Lar das Crianças Feagan na manhã
de Natal.
A pequena temporada ocorria em dezembro, quando os
lordes retornavam a Londres para uma rápida sessão no
Parlamento. Sterling divertia-se ao saber que Catherine,
com um pequeno empurrão de Frannie, planejava
aproveitar a oportunidade para praticar uma obra
benemérita. Ele não sabia se tomava o convite que
recebera como um presente ou uma punição.
Sterling se recuperara do ferimento e fora para o
campo assim que seu estado de saúde permitira. Pensara
que se afastar de Londres o ajudaria esquecer Frannie,
mas lembrava-se dela o tempo inteiro, mesmo quando
caminhava pela propriedade até a exaustão.
Por meio de Charles Beckwith, o advogado da família,
mandara elaborar um documento assinado por Catherine,
autorizando-o a enviar mensalmente uma quantia para o
orfanato como ela pedira. As doações pessoais de Sterling
eram anônimas, exceto pelos calçados providenciados pelo
sapateiro que recebia imediatamente após cada remessa
de serviço. Com a chegada do inverno, pelo menos os pés
das crianças ficariam aquecidos.
Em Londres, quando dormia em sua cama, Sterling
tinha a impressão de sentir no travesseiro o perfume de
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
314
Frannie. Ela fora mais um presente em sua vida pelo qual
não sabia se deveria agradecer, pois a falta que sentia dela
era imensa.
Ele calçou as luvas brancas no saguão, enquanto os
criados carregavam os cem conjuntos de aquarela que ele
havia comprado para as crianças. Depois de ler o convite
inúmeras vezes, pensara em não comparecer, mas sua
ausência não seria bem interpretada. Em primeiro lugar
não se ignorava o convite de uma irmã e, além disso, quando
se ostentava um título tão respeitado como o seu, era
importante apoiar eventos de caridade. Essa seria uma
declaração que obras sociais valiam seu tempo e davam-lhe
créditos. Como ele e Luke vinham delineando uma legislação
que protegiam as crianças, era realmente imperativo
tornar-se público que ele acreditava no próprio trabalho.
E haveria melhor maneira de divulgar isso do que
comparecer ao evento?
Tudo daria certo e ele não ficaria por muito tempo na
recepção. Falaria alguns minutos com Frannie, perguntaria
por Peter e sairia.
Frannie, ao lado de Catherine, saudava os convidados,
todos em trajes de noite. Ela usava um vestido roxo que
mandara fazer para a ocasião, pois ela queria que o lar das
crianças se orgulhasse dela. Seu nervosismo, porém, nada
tinha a ver com a grande quantidade de nobres ali
presentes, mas sim com o temor de que Sterling viesse e
ela fosse incapaz esconder a falta que sentia dele.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
315
Catherine lhe dissera que Sterling estava muito bem
no campo, mas não dera detalhes. Frannie não ficara
sabendo se ele encontrara outra pessoa e se estava feliz,
o que a deixaria mais satisfeita. Acima de tudo ela
desejava a felicidade de Sterling.
Os convidados chegavam, entregavam os brinquedos
que eram levados pelos serviçais a outro recinto e
acompanhavam Frannie até o salão onde cadeiras haviam
sido dispostas em fileiras e um atril fora colocado à frente
de todos.
Ela viu um rosto na multidão que entrava e sorriu.
— Sr. Dickens, é muito bom vê-lo.
— Srta. Darling, está adorável como sempre.
— Bondade sua, sr. Dickens. Permita-me pegar seu
chapéu e seu casaco. — Ela o conduziu para longe da
aglomeração e entregou os pertences dele ao mordomo.
— Sr. Dickens, nem sei como lhe agradecer por aceitar
o convite desta noite. Veja quantas pessoas vieram para
escutá-lo — Frannie comentou.
— Fico muito contente em ajudar sua causa. — Dickens
olhou por sobre o ombro de Frannie e deu um sorriso largo.
— Sr. Dodger, pensei que já houvesse sido deportado.
Jack deu risada ao lado da esposa e de Henry, o
enteado de cinco anos.
— Ah, sr. Dickens, o senhor sempre subestimou minha
habilidade de sair de um aperto. Por favor, lady Olívia,
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
316
permita-me apresentar-lhe o sr. Charles Dickens.
— Sinto-me honrada, senhor — Livy disse.
— E meu enteado, o duque de Lovingdon. Sr. Charles
Dickens.
Dickens fez uma mesura.
— Vossa Graça.
— Sei que crianças não foram convidadas, mas como
Henry é apaixonado por sua obra, sr. Dickens, implorei a
Catherine que fizesse uma exceção — Jack explicou.
— Então gosta de minhas histórias, Vossa Graça?
Henry anuiu.
— Posso fazer-lhe uma pergunta? — o menino indagou.
— Sem dúvida, Vossa Graça. Henry apontou para Jack.
— Ele é o Artful Dodger? Dickens abaixou-se.
— Vossa Graça, escrevo ficção. Os personagens de
meus livros não existem, mas se existissem — ele piscou —
acredito que ele poderia ser Artful Dodger.
— Eu sabia!
— Está vendo aquele cavalheiro?
— Lorde Claybourne? Dickens anuiu.
— Ele seria Oliver.
— E a srta. Frannie?
— Ela seria cada uma das ternas jovens que aparecem
na história.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
317
Henry deu boas risadas e Frannie desejou que as
crianças de seu orfanato também chegassem a rir com
tanto abandono.
— Sinto interrompê-los — Catherine aproximou-se —,
mas creio que está na hora de começarmos.
Frannie apertou a mão de Dickens.
— Vou apresentá-lo à platéia.
— Será ótimo.
Frannie foi até o salão na companhia de Catherine.
— Seu irmão...
— Não veio, sinto muito. Eu esperava...
— Ele deve estar muito ocupado.
— Ou talvez ele tenha voltado ao campo
— Claro. — Era onde ele preferia morar.
Eles foram até o atril e Catherine bateu palmas,
pedindo a atenção da platéia.
— Eu e meu marido, lorde Claybourne, agradecemos a
todos pela presença e esperamos que aproveitem a noite.
Como patrocinadores entusiasmados do Lar das Crianças
Feagan, levaremos os brinquedos trazidos esta noite para
as crianças na manhã de Natal. Para muitos deles será a
primeira vez que receberão um presente. Agora eu
gostaria de apresentar-lhe a srta. Frannie Darling, que é a
proprietária e a administradora do Lar.
Os presentes aplaudiram e Frannie desejou que não o
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
318
houvessem feito. Ela ficava muito nervosa quando as
atenções se concentravam nela, mas sua intenção era
deixar as crianças orgulhosas.
— Obrigada. — Frannie teve a impressão de que sua
voz soava como o coaxar de um sapo e deu uma tossidela...
Foi então que ela o viu em pé nos fundos do salão, ao
lado da porta. Sterling estava muito elegante e Frannie
pensou que se acalmaria se falasse apenas para ele...
— Eu me criei nas ruas de Londres e fui uma órfã que
não conheceu os pais. Feagan foi o pai de rua que me deu
um lar em troca do que eu conseguisse com furtos e
mentiras. Talvez pareça estranho eu ter dado o nome de
um fora da lei a um orfanato, mas ele não foi um criminoso
para mim, pois eu não conhecia outra coisa. Ele me
alimentou, me vestiu e deu-me um lugar para dormir.
Quando eu tinha doze anos, o antigo conde de Claybourne
me acolheu e foi só então que aprendi que roubar era
errado. O atual conde de Claybourne não sabe disso, mas
recentemente eu comprei terras onde pretendo construir
outro lar para crianças e a este darei o nome em
homenagem ao seu avô.
Frannie foi novamente aplaudida e Luke, que estava
nos fundos do salão, ergueu a taça de champanhe em
homenagem a ela com fisionomia de satisfação.
— As crianças da rua não somente são pobres de
posses, mas também de espírito. Tenho esperança de que
esses lares deem a eles o que cada criança merece: um
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
319
lugar aprazível para viver. Assim, a condessa de
Claybourne e eu agradecemos pelos brinquedos que foram
trazidos e pela alegria que eles proporcionarão. E agora,
para a alegria de todos, apresento-lhes o sr. Charles
Dickens.
Novamente espocaram aplausos. Dickens aproximou-
se e beijou Frannie no rosto. Ela ouvira falar que Dickens,
como ela, também não gostava da nobreza. Por isso, o fato
de ele ter vindo tinha muita importância. Quando o
conhecera, ela era uma menina e ele, um jovem que
percorria os cortiços à procura de histórias.
Beirando a parede, ela caminhou até os fundos do
salão. Ao chegar perto de Luke, ele a puxou e abraçou-a.
— Meu avô teria gostado disso — ele sussurrou para
não incomodar a palestra sobre Contos de Natal que
Dickens iniciara.
Frannie anuiu e relanceou um olhar pelo salão.
— Ele veio e já foi embora — Luke afirmou. Frannie
sorriu para esconder o desapontamento.
— Vou até o salão de baile, verificar se tudo está
pronto.
Entretanto ela não fez o que disse, mas sim
atravessou o corredor rumo à biblioteca. Hesitou diante
da porta por causa das memórias do encontro com Sterling
naquele dia chuvoso. Porém, queria lembrar-se de tudo e
dele.
Abriu a porta, entrou sem fazer ruído e fechou-a.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
320
Várias lamparinas estavam acesas, assim como os lampiões
a gás do jardim. As cortinas estavam abertas e Sterling
olhava para fora, com as mãos às costas. Ele a fitou por
sobre o ombro e ensaiou um sorriso.
Frannie temeu que ele escutasse as batidas fortes de
seu coração. Com a maior calma possível para o momento,
ela se aproximou de Sterling que tornou a mirar o gramado
sobre o qual a neve caía em flocos.
— Começou a nevar. Nós paramos para ajudar um
cocheiro que estava com a carruagem atolada. Por isso
cheguei tarde.
— Fico feliz que tenha vindo. Eu estava nervosa até
que o vi.
— Nem posso acreditar que você conseguiu trazer
Charles Dickens aqui para dar uma palestra. Você o
conheceu por intermédio do conde de Claybourne?
— Não. Na verdade foi Feagan quem nos apresentou.
O sr. Dickens fazia uma pesquisa sobre a vida nos cortiços
e por isso nos entrevistou. Segundo ele, fomos retratados
em suas histórias, mas eu não vejo as semelhanças.
— Não as li. Talvez eu contrate alguém para ler os
contos.
— Ler ainda o deixa com dor de cabeça?
— Elas pioraram. Bom, mas como está Peter?
Encontrou uma família para ele?
— Não e decidi que ele ficará comigo. Prometi a Nancy
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
321
cuidar dele e manterei a promessa. Atualmente ele e eu
moramos no orfanato, mas mandarei construir um pequeno
chalé para nós. Ele será o filho que eu nunca tive.
— Certamente Swindler lhe dará filhos.
— Não me casarei com Jim.
— Ele não lhe fez uma proposta?
— Não, pois ele sabe qual será a resposta. Eu não o
amo como marido e aceitar seria injusto para ele. —
Frannie resistiu à vontade de abraçá-lo e suspirou. — Como
tem passado?
Finalmente Sterling a fitou e Frannie contemplou os
belos olhos azuis que a perseguiam nos sonhos.
— Estive pensando sobre o dia do casamento de
Catherine e na facilidade com que você levou meu relógio
— Sterling comentou.
— Por Deus, não me lembre disso. Nem sei por que
tomei aquela atitude. Sinto-me envergonhada...
Sterling tocou os lábios dela com a ponta do dedo, pois
nenhuma lembrança de Frannie era desagradável.
— Você conseguiu fazer o mesmo com meu coração,
não é, Frannie? Você o roubou e eu não percebi o que
acontecia.
As emoções fortes que se desenhavam na fisionomia
de Sterling levaram lágrimas aos olhos de Frannie e
deixaram seu coração com a esperança de que pudesse
existir um sentimento maior e verdadeiro entre eles.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
322
— Oh, Sterling, eu...
Antes que Frannie pudesse confessar seu amor por
ele, Sterling pressionou novamente o dedo nos lábios dela.
— Eu imaginei que, mantendo distância, meu coração
voltaria a me pertencer.
Frannie meneou a cabeça.
— Enquanto eu estiver em posse dele, não o devolverei.
— Mas terá de fazê-lo.
Ele se voltou novamente para o jardim e Frannie
pensou que ficaria despedaçada se perdesse Sterling. Ela
jamais havia conhecido tanta solidão como depois que ele
fora para o campo. Os sonhos de ajudar os órfãos perdiam
importância em comparação ao sonho de tê-lo de volta à
sua vida. Frannie queria poder falar com Sterling a
qualquer hora do dia ou da noite. Gostaria de ter novos
projetos para dividir com ele. Necessitava vê-lo e sentir-
se observada por ele. Desejava adormecer e acordar ao
lado dele.
— Sterling...
— Frannie, eu ficarei cego.
Ela sentiu uma forte dor no peito, sem entender
direito ao que Sterling se referia.
— Agora não posso vê-la. Você está observando o
jardim?
— Não, estou olhando para você.
— Olhe para o jardim.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
323
Frannie obedeceu, embora quisesse continuar a fitá-
lo.
— Pode me ver? — ele indagou.
— Sim, com o canto do olho. — Ela se virou e viu-o
olhando para ela.
— Assim eu posso vê-la — Sterling afirmou com um
sorriso de autodesvalorização. — Mas não a enxergo com o
canto dos olhos, isto é, não vejo os lados. E no escuro,
perco ainda mais a visão.
— O que houve? Isso aconteceu por causa do encontro
com Sykes? — Ela ficou horrorizada ao pensar...
— Não. Isso vem acontecendo já há algum tempo. Você
se lembra de minhas pinturas do salgueiro?
— Sim, e como passou a focalizar apenas a árvore.
— Afinal, não sou um artista tão talentoso. Quando eu
estava com vinte e um anos, notei que eu não desenhava as
paisagens como antes, embora estivesse sempre no mesmo
local. Comparei os últimos trabalhos aos anteriores e vi que
as diferenças entre eles eram sutis, mas em relação ao
primeiro e ao último... Envergonho-me de admitir que a
primeira reação foi de puro medo.
Frannie ergueu a mão para acariciar-lhe o rosto ou os
cabelos, mas abaixou-a por não saber se seria bem
acolhida.
— Não se pode culpá-lo por isso. Você já consultou um
médico?
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
324
— Muitos em diferentes cidades da Grã-Bretanha e
nos vários países do mundo. Não há esperança de cura.
Minha visão diminuirá até desaparecer totalmente.
— Em quanto tempo?
— Não sei, pode levar anos.
— Por isso você foi contra os desejos de seu pai e
resolveu viajar pelo mundo.
— Sim. Eu não sabia por quanto tempo minha autono-
mia de oportunidades permaneceria íntegra, pois a janela
de minha visão se fechava aos poucos.
— Catherine sabe disso?
— Não. Estou quase certo de que meu pai carregou
para o túmulo a vergonha de minha imperfeição.
— Ele não poderia se envergonhar de algo sobre o qual
você não tinha controle.
Sterling fitou a neve que caía.
— É onde você está enganada. Na verdade ele afirmou
preferir que seu segundo filho tivesse sobrevivido e o
primeiro, morrido. Eu nunca disse nada a Catherine. Ela
adorava meu pai e achava que ele não tinha defeitos. Ele
também a adorava e eu seria incapaz de manchar as
memórias de minha irmã.
E ele se dizia um homem que via apenas os próprios
interesses?
— Você me contou que pensava ter amado uma mulher,
mas que ela descobriu sua deficiência.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
325
— Foi Angelina e eu a cortejava. Ela adorava dançar e
para mim era muito difícil conduzir uma dama pelo salão de
baile por causa da visão estreita. Ela começou a ficar
ofendida porque eu não dançava e quando expliquei o
motivo, ela começou a interessar-se por outro. Felizmente
ela não espalhou a notícia e por isso tenho de agradecê-la.
— Ela não o merecia.
A risada de Sterling foi dura.
— Nenhuma mulher merece.
— Isso não é verdade.
Sterling fixou o olhar em Frannie e segurou-lhe o
rosto.
— Na noite em que fomos atrás de Sykes, deixei uma
carta para você ficar sabendo que havia roubado meu
coração com a mesma facilidade com que roubara meu
relógio. E nessas semanas em que estive no campo, pensei
na injustiça de não lhe contar o quanto eu estava
apaixonado por você.
Frannie pôs a mão sobre a de Sterling, virou o rosto
na palma e beijou-a no centro.
— Sterling, eu também o amo muito.
— E por isso, minha querida, eu não posso me casar
com você. Não quero tornar-me um peso no futuro.
— Mas que absurdo! Você se tornará um duque
poderoso, um marido e um excelente...
Sterling tornou a impedi-la de falar com o dedo em
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
326
seus lábios.
— Frannie, você se expõe a perigos para ajudar os
órfãos e eu nem mesmo posso ver se alguém pretende
atacá-la. O escuro, doçura, é meu inimigo.
— Então não irei mais a lugares perigosos.
— Com o tempo, você se ressentirá comigo.
— Nunca. Contratarei uma pessoa para fazer a busca
por mim e encontrarei solução para qualquer empecilho.
— Você não gosta da aristocracia.
— No entanto esta noite falei com várias damas que
foram muito amáveis, bem diferentes das jovens tolas que
encontramos por aí.
— Se formos a bailes como os de hoje, terei de
contentar-me em observá-la dançar com outros homens,
sabendo que jamais poderei conduzi-la pelo salão.
— Não diga bobagens, claro que você pode dançar.
— Você não escutou o que eu disse? Dançar comigo
será tropeçar nas pessoas...
— Então eu conduzirei. — Frannie estendeu o braço
para ele. — Podemos fazer isso, Sterling.
Ele olhou a mão estendida.
— Eu o amo, Sterling, com todo meu coração. Ele
voltou a fitar Frannie.
— Angelina também me amava.
— Se ela o amasse, ela não o teria abandonado por uma
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
327
bobagem como dançar. Vamos fazer uma tentativa esta
noite e se não der certo, não dançaremos mais. Eu posso
viver sem dançar, mas não poderia viver sem você.
Sterling considerou o assunto por alguns instantes,
suspirou, para em seguida fazer uma mesura.
— Srta. Darling, queira conceder-me a honra da
próxima valsa.
Frannie sorriu.
— A honra, Vossa Graça, é toda minha.
Sterling não estivera preparado para o impacto de
tornar a ver Frannie. Os cabelos dela haviam sido presos
para cima, o vestido era vaporoso e ela estava bem à
vontade. Mesmo que Frannie não se importasse em dançar,
ele gostaria de tentar.
Os acordes da valsa começaram e Sterling conduziu-a
até a pista de dança.
— Sterling, mantenha os olhos fixos nos meus — ela
recomendou.
— O que não será difícil, pois você está deslumbrante
esta noite.
— Mandei fazer esse vestido com esperança de
chamar sua atenção, caso você resolvesse vir até aqui.
— Mesmo vestida com simplicidade, você chamou
minha atenção no casamento de Catherine. — Apesar da
estranheza de deixar-se conduzir por Frannie, Sterling
não achou errado.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
328
— Deve ter sido por causa de meus cabelos. Jamais
gostei da cor deles.
— Pois eles me encantam. E não é que você sabe
conduzir muito bem?
— É por que sou boa no jogo de truques.
— Como assim?
— Quando se apresenta uma ocasião para um furto,
em geral se usa um parceiro. É preciso aprender a ler a
situação rapidamente e saber o que seu parceiro irá fazer.
Não queira jamais fazer um jogo quando Luke e Jack
estiverem presentes. Eles sempre sabem o que o outro
está pensando. De qualquer forma, dançar é como um
truque. Você segue seu parceiro ou deixa que seu parceiro
o siga.
— Vejo por cima de seus ombros que há muitas pessoas
dançando.
Frannie deu um sorriso brilhante.
— Sim, e não tropeçamos em ninguém.
— Creio que isso vai mudar.
Frannie ficou surpresa quando Sterling parou de
repente, sentindo uma pessoa esbarrar nele. Os casais se
afastaram, Sterling ajoelhou-se em uma das pernas e
Frannie arregalou os olhos.
Sterling percebeu que as pessoas paravam de dançar,
que a música foi interrompida e que a expectativa tomou
conta de todos. Solene, ele segurou a mão de Frannie.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
329
— Srta. Frannie Darling, poderia conceder-me a honra
de tornar-se minha esposa, minha duquesa e meu amor?
A respiração entrecortada de Frannie não foi a única
que ele ouviu, mas era a que importava.
— Sim! Sim! — Frannie respondeu, radiante e com
lágrimas nos olhos.
Sterling ficou em pé, tomou-a nos braços e beijou-a.
Sem a presença de Frannie, os últimos meses tinham
sido um verdadeiro tormento. Sterling viajara pelo mundo
em busca de algo que nem podia identificar. E, naquela
noite, pela primeira vez, entendeu o estivera procurando.
A mulher que estava dentro do círculo de seus braços.
No dia seguinte, Sterling recebeu um pedido para
encontrar-se com Luke e chegou à casa dele no horário
combinado. Na biblioteca, ele não esperava encontrar
Luke, Dodger e Beckwith, o advogado de sua família que
parecia trabalhar também para algum dos cavalheiros.
Frannie estava presente e parecia um pouco exausta.
— Suponho que o motivo desse encontro seja para
advertir-me sobre o comportamento de um bom marido ou
algo parecido, mas não entendo a necessidade de um
advogado.
— Precisamos fechar um acordo sobre o legado —
Luke explicou.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
330
— Os senhores estão pensando em dote? Pois eu lhes
asseguro que o mesmo é desnecessário. Não há o menor
problema se Frannie não trouxer nada para o casamento.
— Viram? Eu não disse? — Frannie interveio. — Avisei-
os que de isso não seria necessário.
Luke suspirou.
— Frannie, isso é imprescindível, pois você não poderá
casar-se sem nada.
— Espere um pouco — Jack falou, descruzou os braços
e descontraiu-se. — Vossa Graça acha que ela iria ao seu
encontro sem nada?
— Além do salário desprezível que você vem lhe
pagando para ela fazer a contabilidade. Sei que Frannie
pratica a caridade com essa quantia. Qualquer que seja o
salário, eu estabelecerei um subsídio no mesmo valor para
Frannie gastar como lhe aprouver. Podemos fazer um
contrato por escrito, se você quiser. E se ela ainda não o
fez, deverá avisar-lhe que não mais cuidará de seus livros
contábeis.
Frannie deu um passo adiante e pôs a mão em seu
braço.
— Sterling, não sou paga para fazer o serviço contábil,
pois ele é de minha responsabilidade.
Sterling fitou Jack com raiva.
— Seu canalha. Durante todo esse tempo aproveitou-
se...
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
331
— Não, Sterling. — Frannie apertou-lhe o braço até
ele tornar a fitá-la.
— Nós três somos sócios em vários empreendimentos.
Na verdade, cuido da contabilidade que trata da minha
empresa, da nossa empresa. Tenho bastante dinheiro.
— Que se tornará de Vossa Graça uma vez que se
casar com ela, a menos que definirmos um acordo — Luke
declarou.
— Estou recomendando que as finanças atuais de
Frannie, assim como o dinheiro futuro que receberá dos
negócios, sejam aplicados em um depósito que será
administrado por ela — Beckwith afirmou.
Sterling deu de ombros.
— Para mim tanto faz, não estou casando com Frannie
por causa do dinheiro dela. — Beijou a mão de Frannie, —
Vou me casar com ela porque a amo.
Frannie deu um sorriso irresistível.
— Em todo caso, seria justo você conhecer a quantia.
— Frannie ficou na ponta dos pés e cochichou um número
que o abalou.
— Dois milhões? — Sterling perguntou com voz rouca.
— Com erro provável de duas libras para mais ou para
menos.
— Se isso se tornasse de domínio público, todos os
lordes disponíveis da Inglaterra cairiam a seus pés.
— Por isso mantivemos o segredo — Jack disse. —
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Assim evitamos os caça-dotes.
— De pleno acordo. Agora me mostre onde devo
assinar — Sterling piscou para Frannie —, embora eu não
possa dar-lhe a mesada inicialmente planejada.
Frannie abraçou-o pelo pescoço.
— Prometo que jamais deixarei de amá-lo.
— Enquanto eu puder, lhe darei tudo o que você
desejar.
Na carruagem aberta de Luke, Frannie e ele
atravessaram as ruas de Londres rumo à igreja onde ela se
casaria. Frannie usava um vestido branco, véu e grinalda de
flores de laranjeira. Catherine seguia adiante em outra
carruagem, mas o filho deles nascido na primavera ficara
em casa com a babá.
Frannie e Sterling haviam seguido a etiqueta
recomendável, esperando para casar-se em junho. Não
houve necessidade de licença especial nem de arranjos
apressados. Nenhum rumor ou escândalo. Nenhum filho
chegaria antes da hora, mas se dependesse de Frannie, o
rebento viria exatamente nove meses após o dia do
casamento. Fora uma tortura não dormir com Sterling
durante tantos meses.
— Frannie, você está linda — Luke assegurou.
Na falta de um pai, Luke a levaria ao altar, o que
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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parecia estranhamente apropriado, embora ele houvesse
sido o primeiro a pedir-lhe a mão em casamento. Era difícil
acreditar que o motivo da recusa fora ela temer a solidão
de entrar no mundo da aristocracia.
— Você também está muito atraente, embora um
pouco cansado — ela o provocou.
— Meu filho não é de muito dormir à noite e eu acordo
toda vez que ele chora.
— Daqui a alguns anos as andanças noturnas
continuarão a mantê-lo acordado.
— Você tem razão. Catherine advertiu-me que ele tem
jeito de malandro.
— Jack me disse que não deixará a filha sair de casa
até os quarenta anos. — Emily, que tinha o nome da avó
paterna, nascera no final da primavera e com apenas alguns
momentos de vida conseguira dominar o pai.
Luke deu risada.
— Você o viu alguma vez tão encantado? Ele deve
pensar que é o único pai do mundo a ter uma filha.
Frannie não comentou que Luke agia como se fosse o
único homem a ter um filho.
— Ele dispensou todas as moças do Dodger's —
Frannie comentou. — Ele sempre fez questão de pagar-
lhes bem para que não precisassem recorrer a outros
expedientes para se sustentar. Elas vão trabalhar no
orfanato, mas continuarão a receber dele os salários.
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— Para um homem que apenas se preocupava em
ganhar dinheiro, ele certamente mudou muito.
— Ele pode permitir-se isso, Luke. Nós todos podemos
e temos uma boa vida, em conjunto.
— Estou de pleno acordo.
Por mais que sua vida houvesse prosperado, Frannie
antecipava que a mesma se tornaria muito melhor e com
muito mais alegria ao ser compartilhada com Sterling.
Ficaria com ele dia e noite, conversariam muito e fariam
amor. Dariam longos passeios, ela veria o mundo através
dos olhos de Sterling e o ajudaria a ver através dos dela
quando chegasse o momento.
Ao se aproximaram da igreja, Frannie apertou a mão
de Luke e inspirou fundo. Havia muitas carruagens na rua
e uma multidão no gramado.
— A igreja já deve estar lotada — Luke comentou.
A lei não permitia cerimônias religiosas privativas.
Qualquer um, mesmo sem ser convidado, poderia
comparecer. E o casamento de um duque atraía muitos
curiosos.
— Você não tem de suportar isso, Frannie. Podemos
seguir adiante e vocês se casarão no campo.
Frannie fitou-o e sorriu, com lágrimas nos olhos.
— Sterling convidaria o mundo inteiro, se pudesse. É a
sua maneira de confirmar que não há dúvida de que sou a
esposa que ele deseja. Ele é um duque e escolheu a mim. Eu
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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o amo demais e atravessaria o inferno por ele. — Ela
inspirou fundo. — O que são centenas de pessoas
comparadas a isso?
— Nada, na verdade. — Luke abraçou-a pelos ombros.
Parcialmente escondido atrás de um olmeiro, Feagan
sorriu com malícia. A elite sempre atraía uma multidão.
Seus dedos ansiavam para esvaziar os bolsos alheios mais
próximos, mas ele agarrou a bengala, inclinou-se para a
frente e maldisse os olhos embaçados. Não queria admitir
que a umidade neles fosse por ver Frannie saudando as
pessoas com confiança ao lado de Luke.
Frannie aproximou-se dos degraus da igreja e Feagan
viu que ela usava o colar de pérolas que pertencera ao amor
de sua vida.
Ele espiou o céu claro e sem nuvens.
— Você está vendo, Mags, a nossa menina? Está
maravilhosa e vai ser uma duquesa. — Ele sacudiu a cabeça,
assombrado. — Eu lhe prometi que tomaria conta dela e
talvez eu tenha feito a coisa certa.
Quando o casal entrou na igreja, Feagan foi embora
claudicando, em direção aos cortiços.
— Tenho muitas saudades suas, Mags, minha querida.
Acho que não vai demorar muito para nos encontrarmos.
Mas até lá... bem, sempre havia um bolso pedindo para
ser depenado.
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* * *
Frannie estava em pé na proa da embarcação que
singrava os mares, com os cabelos ao vento. Sterling e ela
passariam alguns dias no sul da França. Ela nem acreditava
que estivesse em um navio sobre as águas.
Sterling soltara-lhe os cabelos e estes flutuavam
livremente ao redor de seu rosto. A cada momento,
Frannie voltava-os ao lugar e eles tornavam a esvoaçar.
— Está gostando? — Sterling acariciou-lhe o pescoço.
— É maravilhoso.
Após a cerimônia de casamento, houve uma recepção
na residência de Luke com a presença de muitas pessoas.
Até lady Charlotte comparecera, embora Marcus Langdon
aparentemente tivesse desistido dela.
O momento mais difícil fora aceitar os cumprimentos
de Jim, que não escondia a tristeza.
— Jim, eu não seria a pessoa certa para você. Tenho
certeza de que acabará encontrando sua metade da
laranja. — Frannie percebera que ele não acreditava na
afirmativa.
Finda a recepção, Sterling a levara até o navio.
— Você ficará encantada quando a noite chegar — ele
afirmou. — Teremos lua cheia e muitas estrelas.
— Não sei nadar.
— Felizmente não terá de fazê-lo. Quando voltarmos
para casa, eu a ensinarei a nadar.
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Eles permaneceram no deque durante uma hora antes
de ir para a cabina onde passariam a noite. Após tantos
meses de ansiedade, as roupas foram jogadas no chão
depois de ser rapidamente tiradas. Em seguida eles se
largaram na cama estreita em um emaranhado de braços e
pernas.
— Teremos acomodações muito mais adequadas na
França — Sterling garantiu, beijando-lhe o pescoço.
— Nada me importa, contanto que eu esteja a seu lado,
Sterling.
— Você deve saber que, como minha esposa, deverá
comprar uma grande quantidade de roupas.
— Já mandei fazer cinqüenta trajes.
Ele beliscou a lateral do busto de Frannie.
— Não é para os órfãos e sim para você.
Frannie segurou o rosto dele com as mãos em concha.
— Eu não comprava roupas porque não havia ninguém
que eu pretendesse impressionar. Mas fique tranqüilo,
daqui por diante tenho intenção de deixá-lo de queixo
caído.
— Ótimo, embora eu sempre vá preferi-la sem nada.
Sterling beijou-a carinhosamente enquanto eles se
apalpavam e acariciavam para recordar os contornos já
conhecidos. Frannie inclinou-se para beijar a longa cicatriz
por ela causada na ilharga de Sterling e depois beijou a
marca deixada pelo tiro. Sterling beijou a cicatriz na testa
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de Frannie, mas nenhuma das mudanças alterava os
sentimentos deles... ou melhor, apenas os aprofundava.
Eles haviam sobrevivido e sempre sobreviveriam.
Quando Sterling a possuiu, o calor de ambos foi
idêntico e os uniu ainda mais.
— Você é deliciosa — ele murmurou junto à orelha de
Frannie. — Quente, úmida e macia. É a primeira vez que
tenho um relacionamento sem proteção e devo dizer-lhe
que gostei muito, muito. Posso afirmar ainda, minha
duquesa, que vamos ter muitos filhos.
Frannie riu e abraçou-o com as pernas, apertando o
corpo até Sterling gemer de prazer. Duquesa. Ela não
poderia imaginar que lhe agradaria ouvir a palavra aplicada
a si mesma. E o que mais a encantava era a idéia de ter
filhos de Sterling.
— Espero que eles se pareçam com o pai,
— E eu, que se assemelhem à mãe.
— Mal posso esperar, Sterling, para dar-lhe um filho.
— Terá de esperar nove meses no mínimo.
— Apenas nove meses. Deus, eu sou muito feliz e o amo
demais.
— Eu a amo com todo meu coração.
Sterling começou a se impulsionar de encontro a
Frannie e as sensações explodiram em uma realização
gloriosa.
Lorraine Heath - Os Orfãos de Saint James 03_O Nobre e a Plebéia
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Epílogo
Extraído do diário de Frannie Mabry, duquesa de
Greystone.
Minha lembrança mais preciosa é de Sterling, com
lágrimas nos belos olhos azuis, segurando nosso primeiro
filho instantes após o nascimento. Sterling insistiu em
ficar perto de mim durante o parto, apesar de a atitude
não ser considerada elegante. Ele não quis deixar de
testemunhar nenhuma parte da vida enquanto ainda podia
enxergar sua glória.
Sterling também viu o nascimento de nosso segundo
filho e de nossa única filha. Dançou com ela na noite em
que a jovem foi apresentada à sociedade e no dia em que
ela se casou com o duque de Lovingdon. Embora sua visão
houvesse diminuído consideravelmente quando nosso
primeiro neto nasceu, Sterling ainda foi capaz de
contemplar o rostinho enrugado e rir com felicidade.
Nossos problemas diminuíram após a prisão de Bob
Sykes. O julgamento não lhe foi favorável, pois uma das
principais testemunhas contra ele foi um duque
pertencente a uma linhagem antiga e influente, e cujo
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título estava entre ao mais poderosos da Grã-Bretanha. A
outra testemunha foi um inspetor da Scotland Yard muito
respeitado e que tinha a misteriosa habilidade de decifrar
assassinatos com o mínimo de indícios.
Jim sempre me dizia que eu não deveria assistir a um
enforcamento, mas como estes ainda eram públicos em
1852, quando Sykes ficou pendurado ao vento, Sterling e
eu observamos, de um quarto alugado de onde se avistava
a prisão de Newgate, a justiça ser feita. Talvez tenha sido
uma falta de generosidade de minha parte ter grande
satisfação ao ver um homem tão desprezível balbuciando
incongruências entre soluços e lágrimas, e se sujando
antes de o laço ser posto em seu pescoço. Nunca mais
presenciei um enforcamento. Jim estava certo. É uma coi-
sa horrível de ser vista, mas eu dormi melhor à noite por
saber que pessoas como Bob Sykes jamais ameaçariam
nossas vidas nem as das crianças órfãs.
Sterling e eu adotamos o filho de Nancy. Nunca pensei
em Peter como filho de Sykes e o menino nunca
demonstrou a maldade que caracterizava seu pai. Eu lhe
contei muitas histórias bonitas sobre sua mãe e ele só
ficou sabendo que o pai tivera um fim prematuro e trágico.
Peter trouxe muitas alegrias a nossas vidas e éramos muito
gratos por tê-lo conosco.
Durante muito tempo, nossa família viajou pelo mundo.
Sterling e eu construímos mais dois orfanatos e um lar
para mães desamparadas. Nossas obras de caridade foram
muitas e entre elas incluímos o legado de Feagan que dera
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uma casa para crianças abandonadas. Permaneceu um
mistério se ele era ou não meu pai, mas embora ele sempre
negasse o fato, não acreditei muito nele. O mundo dele era
de decepções e artimanhas. Mas mesmo se ele não fosse
meu pai de acordo com a lei, ele foi meu pai de coração.
Jim, ou sir James como ele passou a ser conhecido
depois de receber a comenda de cavaleiro, continuou a ter
um lugar muito especial em meus afetos. Uma vez, quando
nos encontramos, ele afirmou que a melhor coisa que eu
havia feito foi não me casar com ele. Talvez tivesse dito
isso por estar apaixonado por uma mulher que o adorava
como ele merecia.
Sterling perdeu completamente a visão quando
estávamos já idosos e nos contentávamos em ficar,
sentados em nosso jardim, refletindo sobre o que havíamos
feito de maravilhoso e excitante em nossas vidas. Ele não
viu meus cabelos ficarem grisalhos. Para Sterling, eles
continuavam a ser de um vermelho brilhante. Eu o vi
envelhecer com graça e dignidade. Ele se apoiava em mim,
muito mais em mim do que na bengala, o que era muito
justo, porque quando mais precisei, ele sempre me
protegeu. Todos os dias, eu pensava que não poderia amá-
lo mais do que já amava, mas no dia seguinte eu sempre
comprovava meu erro, pois eu acordava amando-o sempre
um pouco mais.
Eu nunca tive vontade de fazer parte da aristocracia,
mas não posso negar que, com Sterling a meu lado, eu me
sentia feliz.
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— A vida é uma viagem, Frannie querida — Feagan me
dissera uma vez. — Escolha bem aqueles com quem irá
viajar.
Como sempre, tenho seguido os conselhos de Feagan.