Lógica e consciência - Olavo de Carvalho

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    Apostilas doSeminrio de Filosofia - 24

    Lgica e conscincia

    Nota para uma das prximas aulas doSeminrio de

    Filosofia

    A coeso de raciocnio lgico ou a suprema expresso da

    continuidade de conscincia de uma personalidade bem

    integrada ou um formalismo aprendido, oco e sem vida.

    Dessa diferena depende a eficcia ou ineficcia do discurso

    lgico em "apreender a realidade". Mas, para complicar as

    coisas, essa no uma diferena que ressalte das simples

    qualidades formais do discurso, as quais podem ser as mesmas

    num caso e no outro. Para apreend-la, necessrio uma

    recapitulao no s dos atos intuitivos pelos quais a mente

    apreendeu os objetos dos conceitos correspondentes, mas

    tambm daqueles pelos quais a unidade dos nexos lgicos entre

    esses conceitos se tornou visvel como unidade entre os objetos

    e suas propriedades reveladas intuio; e necessrio que

    esta dupla recapitulao mesma no se esgote na pura anlise,

    mas reconquiste a unidade do ato intuitivo nico

    correspondente apreenso da tripla unidade do discurso, do

    objeto e da estrutura discursiva imanente ao objeto.

    Como a maior parte das pessoas no capaz de fazer nada

    disso, o discurso lgico lhes parece mero formalismo

    precisamente porque o seu discurso lgico mero formalismo;

    e, de certo modo, a construo desse formalismo j lhes to

    dificultosa que lhes parece inconcebvel que algum consiga

    efetuar anloga construo no com meros signos, mas com

    percepes e coisas. Tal operao lhes parece to impossvelcomo alterar um objeto real mediante simples modificaes no

    seu desenho rabiscado num papel. No entanto, nessa

    aparente "mgica" que reside o poder do pensamento eficaz,

    que essas pessoas contemplam sem compreender e sem mesmo

    chegar a admitir que exista, e para cujos efeitos visveis tm de

    encontrar ento algum tipo de explicao realmente mgica e

    irracional.

    Nesse tipo de mentalidade, que pode se considerar dominante

    entre os autodenominados "homens comuns" -- um ttulo que

    lhes parece credor de honras especiais --, a "impresso de

    realidade" se esfuma e se desfaz medida que eles se afastam

    das percepes imediatas e dos sentimentos mais intensos e se

    aventuram nos domnios do pensamento abstrato. A abstrao,

    neles, efetiva separao, e no aquela simples duplicao dos

    nveis de ateno que para o filsofo experimentado operao

    corriqueira.

    A causa dessa dificuldade reside, segundo me parece, num

    insuficiente domnio da imaginao, a funo mediadora que

    permite ir e vir entre as representaes sensveis e os conceitos

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    abstratos. A diferena entre a mente apta e a inapta para a

    filosofia reside sobretudo em que a primeira possui um mundo

    imaginrio mais organizado e integrado mais estetizado, de

    certa maneira. Atravs dos graus sucessivos de formalizao

    esttica, a mente transita mais facilmente da experincia direta

    reflexo verbal e vice-versa, enquanto a imaginao

    desordenada bloqueia a passagem mediante a interposio de

    uma massa de imagens disformes e inconexas, carregadas de

    apelos inconciliveis.

    Mas, por caridade, no confundam essa qualidade imaginativa

    com alguma espcie de talento artstico, "criatividade" ou coisa

    assim. Aquilo a que estou me referindo nada tem a ver com a

    criao de produtos artsticos, pois no uma estetizao de

    determinadas formas em particular, com a finalidade de

    transform-las em obras, em quadros, em poemas e em

    msicas, mas sim uma estetizao global do campo de

    experincia individual tomado como um todo e, portanto, no

    objetivvel artisticamente j que toda objetivao pressupe o

    estreitamento do campo de ateno at o limite da

    singularidade de um s objeto.

    A reflexo filosfica exige, assim, uma expcie de apreenso

    esttica da vida mesma, e ela comea, precisamente, no ponto

    em que essa apreenso, ao defrontar-se com aquilo que na

    realidade absolutamente inestetizvel, encontra o seu prprio

    limite e requer a entrada em cena de uma superior estratgia

    cognitiva.

    O uso do termo "esttico" tambm no deve induzir ao erro de

    supor que se trate de uma apreenso meramente

    contemplativa, objetivante e "desinteressada", pois ela inclui

    necessariamente a autoconscincia do sujeito enquanto

    inseparavelmente cognoscente, agente e paciente no drama

    universal a apreendido. Talvez coubesse falar em "sentimento

    do mundo", se a palavra sentimento no tivesse conotaes to

    mesquinhas hoje em dia.

    Admito que o conceito que estou procurando expressar,

    embora claro no seu contedo prprio e interno, no ntido o

    bastante, isto , suficientemente distinto de outros conceitos

    em torno, e por isto ainda preciso recorrer a imagens e smiles

    para sua exposio, provisria portanto, mas suficiente para o

    momento.

    Enfim, sem uma certa integrao esttica da viso pessoal do

    mundo, o acesso filosofia est bloqueado. Mas, como a

    imaginao diretamente condicionada pelos sentimentos e

    desejos, uma certa limpidez psquica ao mesmo tempo uma

    conscincia clara dos prprios sentimentos e desejos e um

    senso aguado da responsabilidade pessoal de harmoniz-los

    numa totalidade pessoal capaz de projetar-se numa ao

    coerente sobre o exterior e compor ao longo do tempo uma

    "unidade biogrfica" a condio moral sine qua non doaprendizado filosfico. A filosofia no para as almas toscas,

    mal arranjadas, provisrias e meio submergidas no

    "inconsciente". A filosofia pressupe a maturidade, num

    sentido muito mais exigente do que a mera adaptao ao

    entorno imediato que esse termo usualmente designa. A

    filosofia responde a perguntas que s o indivduo amadurecido

    pode fazer a si mesmo e, nesse sentido, ela, radicalmente, no

    coisa para crianas, seja no sentido etrio do termo, seja no

    sentido daquele resduo de puerilismo que parece irremovvel

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    da alma da quase totalidade dos nossos contemporneos.

    Olavo de Carvalho

    10/05/00

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