Lógica e consciência - Olavo de Carvalho
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7/30/2019 Lgica e conscincia - Olavo de Carvalho
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Apostilas doSeminrio de Filosofia - 24
Lgica e conscincia
Nota para uma das prximas aulas doSeminrio de
Filosofia
A coeso de raciocnio lgico ou a suprema expresso da
continuidade de conscincia de uma personalidade bem
integrada ou um formalismo aprendido, oco e sem vida.
Dessa diferena depende a eficcia ou ineficcia do discurso
lgico em "apreender a realidade". Mas, para complicar as
coisas, essa no uma diferena que ressalte das simples
qualidades formais do discurso, as quais podem ser as mesmas
num caso e no outro. Para apreend-la, necessrio uma
recapitulao no s dos atos intuitivos pelos quais a mente
apreendeu os objetos dos conceitos correspondentes, mas
tambm daqueles pelos quais a unidade dos nexos lgicos entre
esses conceitos se tornou visvel como unidade entre os objetos
e suas propriedades reveladas intuio; e necessrio que
esta dupla recapitulao mesma no se esgote na pura anlise,
mas reconquiste a unidade do ato intuitivo nico
correspondente apreenso da tripla unidade do discurso, do
objeto e da estrutura discursiva imanente ao objeto.
Como a maior parte das pessoas no capaz de fazer nada
disso, o discurso lgico lhes parece mero formalismo
precisamente porque o seu discurso lgico mero formalismo;
e, de certo modo, a construo desse formalismo j lhes to
dificultosa que lhes parece inconcebvel que algum consiga
efetuar anloga construo no com meros signos, mas com
percepes e coisas. Tal operao lhes parece to impossvelcomo alterar um objeto real mediante simples modificaes no
seu desenho rabiscado num papel. No entanto, nessa
aparente "mgica" que reside o poder do pensamento eficaz,
que essas pessoas contemplam sem compreender e sem mesmo
chegar a admitir que exista, e para cujos efeitos visveis tm de
encontrar ento algum tipo de explicao realmente mgica e
irracional.
Nesse tipo de mentalidade, que pode se considerar dominante
entre os autodenominados "homens comuns" -- um ttulo que
lhes parece credor de honras especiais --, a "impresso de
realidade" se esfuma e se desfaz medida que eles se afastam
das percepes imediatas e dos sentimentos mais intensos e se
aventuram nos domnios do pensamento abstrato. A abstrao,
neles, efetiva separao, e no aquela simples duplicao dos
nveis de ateno que para o filsofo experimentado operao
corriqueira.
A causa dessa dificuldade reside, segundo me parece, num
insuficiente domnio da imaginao, a funo mediadora que
permite ir e vir entre as representaes sensveis e os conceitos
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abstratos. A diferena entre a mente apta e a inapta para a
filosofia reside sobretudo em que a primeira possui um mundo
imaginrio mais organizado e integrado mais estetizado, de
certa maneira. Atravs dos graus sucessivos de formalizao
esttica, a mente transita mais facilmente da experincia direta
reflexo verbal e vice-versa, enquanto a imaginao
desordenada bloqueia a passagem mediante a interposio de
uma massa de imagens disformes e inconexas, carregadas de
apelos inconciliveis.
Mas, por caridade, no confundam essa qualidade imaginativa
com alguma espcie de talento artstico, "criatividade" ou coisa
assim. Aquilo a que estou me referindo nada tem a ver com a
criao de produtos artsticos, pois no uma estetizao de
determinadas formas em particular, com a finalidade de
transform-las em obras, em quadros, em poemas e em
msicas, mas sim uma estetizao global do campo de
experincia individual tomado como um todo e, portanto, no
objetivvel artisticamente j que toda objetivao pressupe o
estreitamento do campo de ateno at o limite da
singularidade de um s objeto.
A reflexo filosfica exige, assim, uma expcie de apreenso
esttica da vida mesma, e ela comea, precisamente, no ponto
em que essa apreenso, ao defrontar-se com aquilo que na
realidade absolutamente inestetizvel, encontra o seu prprio
limite e requer a entrada em cena de uma superior estratgia
cognitiva.
O uso do termo "esttico" tambm no deve induzir ao erro de
supor que se trate de uma apreenso meramente
contemplativa, objetivante e "desinteressada", pois ela inclui
necessariamente a autoconscincia do sujeito enquanto
inseparavelmente cognoscente, agente e paciente no drama
universal a apreendido. Talvez coubesse falar em "sentimento
do mundo", se a palavra sentimento no tivesse conotaes to
mesquinhas hoje em dia.
Admito que o conceito que estou procurando expressar,
embora claro no seu contedo prprio e interno, no ntido o
bastante, isto , suficientemente distinto de outros conceitos
em torno, e por isto ainda preciso recorrer a imagens e smiles
para sua exposio, provisria portanto, mas suficiente para o
momento.
Enfim, sem uma certa integrao esttica da viso pessoal do
mundo, o acesso filosofia est bloqueado. Mas, como a
imaginao diretamente condicionada pelos sentimentos e
desejos, uma certa limpidez psquica ao mesmo tempo uma
conscincia clara dos prprios sentimentos e desejos e um
senso aguado da responsabilidade pessoal de harmoniz-los
numa totalidade pessoal capaz de projetar-se numa ao
coerente sobre o exterior e compor ao longo do tempo uma
"unidade biogrfica" a condio moral sine qua non doaprendizado filosfico. A filosofia no para as almas toscas,
mal arranjadas, provisrias e meio submergidas no
"inconsciente". A filosofia pressupe a maturidade, num
sentido muito mais exigente do que a mera adaptao ao
entorno imediato que esse termo usualmente designa. A
filosofia responde a perguntas que s o indivduo amadurecido
pode fazer a si mesmo e, nesse sentido, ela, radicalmente, no
coisa para crianas, seja no sentido etrio do termo, seja no
sentido daquele resduo de puerilismo que parece irremovvel
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da alma da quase totalidade dos nossos contemporneos.
Olavo de Carvalho
10/05/00
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