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140 livros recebidos AGAMBEN, Giorgio O reino e a glória São Paulo: Boitempo Editorial, 2011, 328 p. Com O reino e a glória, a investigação sobre a genealogia do poder iniciada pelo filósofo italiano Giorgio Agamben há treze anos com a obra Homo sacer chega a uma encruzilhada decisiva. Em seus novos estudos, Agamben desvenda qual é a relação que liga tão intimamente o poder à glória e a todo o aparato cerimonial e litúrgico que o acompanha desde o início. Revela que, nos primeiros séculos da história da Igreja, a doutrina da Trindade (o Pai, o Filho e o Espírito Santo) é introduzida sob a forma de uma “economia” da vida divina, como um problema de gestão e de governo da “casa” celeste e do mundo, aparecendo inesperadamente na origem de muitas categorias fundamentais da política moderna, desde a teoria democrática da divisão dos poderes até a doutrina estratégica dos “efeitos colaterais”, desde a “mão invisível” do liberalismo smithiano até as ideias de ordem e segurança. As investigações de O reino e a glória remetem a uma ciência dedicada à história dos aspectos cerimoniais do poder e do direito, uma espécie de arqueologia política da liturgia e do protocolo, que poderia ser chamada provisoriamente de “arqueologia da glória”. Tais estudos situam-se no rastro das pesquisas de Michael Foucault sobre a genealogia da governabilidade e alcançam os primeiros séculos da teologia cristã, em que a doutrina trinitária serve como forma mais clara de revelar o funcionamento e a articulação da máquina governamental. Por meio de uma fascinante análise das aclamações litúrgicas e dos símbolos cerimoniais do poder, do trono à coroa, da púrpura ao feixe de varas carregado pelos litores (que se tornou símbolo do fascismo), Agamben constrói uma genealogia inédita que mostra como elementos considerados resíduos do passado continuam constituindo a base do poder ocidental. É nesse percurso intelectual que o filósofo italiano identifica um importante paralelo entre as aclamações (gestos coletivos de louvor ou desaprovação) e a chamada “opinião pública“, e vai além com a constatação de que a esfera da glória não desaparece nas democracias modernas, mas desloca-se para novos terrenos, como a mídia. “A democracia contemporânea é uma democracia inteiramente fundada na glória, ou seja, na eficácia da aclamação, multiplicada e disseminada pela mídia além do que se possa imaginar (que o termo grego para glória – doxa – seja o mesmo que designa hoje a opinião pública é, desse ponto de vista, mais que mera coincidência).” E, como reforça o autor, é a partir disso que o problema hoje tão debatido da função política da mídia assume novos significados e nova urgência. Com tradução de Selvino J. Assmann, O reino e a glória integra a coleção Estado de Sítio, da Boitempo, coordenada por Paulo Arantes.

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    livros recebidos

    AGAMBEN, Giorgio

    O reino e a glria

    So Paulo: Boitempo Editorial, 2011, 328 p.

    Com O reino e a glria, a investigao sobre a genealogia do poder iniciada pelo filsofo italiano Giorgio Agamben h treze anos com a obra Homo sacer chega a uma encruzilhada decisiva. Em seus novos estudos, Agamben desvenda qual a relao que liga to intimamente o poder glria e a todo o aparato cerimonial e litrgico que o acompanha desde o incio. Revela que, nos primeiros sculos da histria da Igreja, a doutrina da Trindade (o Pai, o Filho e o Esprito Santo) introduzida sob a forma de uma economia da vida divina, como um problema de gesto e de governo da casa celeste e do mundo, aparecendo inesperadamente na origem de muitas categorias fundamentais da poltica moderna, desde a teoria democrtica da diviso dos poderes at a doutrina estratgica dos efeitos colaterais, desde a mo invisvel do liberalismo smithiano at as ideias de ordem e segurana.

    As investigaes de O reino e a glria remetem a uma cincia dedicada histria dos aspectos cerimoniais do poder e do direito, uma espcie de arqueologia poltica da liturgia e do protocolo, que poderia ser chamada provisoriamente de arqueologia da glria. Tais estudos situam-se no rastro das pesquisas de Michael Foucault sobre a genealogia da governabilidade e alcanam os primeiros sculos da teologia crist, em que a doutrina trinitria serve como forma mais clara de revelar o funcionamento e a

    articulao da mquina governamental. Por meio de uma fascinante anlise das aclamaes litrgicas e dos smbolos cerimoniais do poder, do trono coroa, da prpura ao feixe de varas carregado pelos litores (que se tornou smbolo do fascismo), Agamben constri uma genealogia indita que mostra como elementos considerados resduos do passado continuam constituindo a base do poder ocidental.

    nesse percurso intelectual que o filsofo italiano identifica um importante paralelo entre as aclamaes (gestos coletivos de louvor ou desaprovao) e a chamada opinio pblica, e vai alm com a constatao de que a esfera da glria no desaparece nas democracias modernas, mas desloca-se para novos terrenos, como a mdia. A democracia contempornea

    uma democracia inteiramente fundada na glria, ou seja, na eficcia da aclamao, multiplicada e disseminada pela mdia alm do que se possa imaginar (que o termo grego para glria doxa seja o mesmo que designa hoje a opinio pblica , desse ponto de vista, mais que mera coincidncia). E, como refora o autor, a partir disso que o problema hoje to debatido da funo poltica da mdia assume novos significados e nova urgncia.

    Com traduo de Selvino J. Assmann, O reino e a glria integra a coleo Estado de Stio, da Boitempo, coordenada por Paulo Arantes.

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    Trecho do livro

    Contudo, mais do que registrar tais correspondncias, interessa-nos compreender sua funo. De que maneira a liturgia faz o poder? E se a mquina governamental dupla (Reino e Governo), que funo a glria desempenha nela? Para os socilogos e os antroplogos sempre possvel recorrer magia, esfera que, confinando com a racionalidade e precedendo-a imediatamente, permite explicar, em ltima anlise, como um resqucio mgico aquilo que no conseguimos compreender a respeito da sociedade em que vivemos. No acreditamos em um poder mgico das aclamaes e da liturgia e estamos convencidos de que nem mesmo os telogos e os imperadores tenham alguma vez acreditado nisso. Se a glria to importante na teologia, porque permite manter juntas, na mquina governamental, trindade imanente e trindade econmica, o ser de Deus e sua prxis, o Reino e o Governo. Ao definir o Reino e a essncia, ela determina tambm o sentido da economia e do Governo. Permite, portanto, soldar a fratura entre teologia e economia da qual a doutrina trinitria nunca conseguiu dar cabo completamente e que s na figura deslumbrante da glria parece encontrar uma possvel conciliao.

    Sobre o autor

    Giorgio Agamben nasceu em Roma em 1942. um dos principais intelectuais de sua gerao, autor de muitos livros e responsvel pela edio italiana das obras de Walter Benjamin. Deu cursos em vrias universidades europeias e norte-americanas, recusando-se a prosseguir lecionando na New York University em protesto poltica de segurana dos Estados Unidos. Foi diretor de programa no Collge International de Philosophie de Paris. Mais recentemente ministrou aulas de Iconologia no Istituto Universitario di Architettura di Venezia (Iuav), afastando-se da carreira docente no final de 2009. Sua obra, influenciada por Michel Foucault e Hannah Arendt, centra-se nas relaes entre filosofia, literatura, poesia e, fundamentalmente, poltica. Entre seus principais livros destacam-se Homo sacer (2005), Estado de exceo (2005), Profanaes (2007) e O que resta de Auschwitz (2008), os trs ltimos pela Boitempo.

    Sobre a coleo Estado de Stio

    Sob a inspirao de Walter Benjamin "A tradio dos oprimidos nos ensina que o estado de exceo em que vivemos na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de histria que corresponda a essa verdade" , a coleo trata de temas centrais do nosso tempo: o crescente autoritarismo do Estado, o terrorismo, o fundamentalismo e o imprio, as relaes da televiso e do cinema com o poder, a guerra e os conflitos globais.

    Fonte: http://www.boitempo.com/livro_completo.php?isbn=978-85-7559-141-3