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Presidente da Repblica FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Ministro da Educao PAULO RENATO DE SOUZA

Secretria Executiva MARIA HELENA GUIMARES DE CASTRO

CONGRESSO BRASILEIRO DE QUALIDADE NA EDUCAO FORMAO PE PROFESSORES

PAINIS Marilda Almeida Marfan

Organizadora

Volume 2

Brasilia 2002

PRESIDENTES DO CONGRESSO

IARA GLRIA AREIAS PRADO Secretria de Educao Fundamental

MARIA AUXILIADORA ALBERGARIA Chefe de Gabinete

COMISSO ORGANIZADORA Coordenadora: Rosngela Maria Siqueira Barreto

Renata Costa Cabral Fbio Passarinho de Gusmo Lvia Coelho Paes Barreto Sueli Teixeira Mello

COMISSO CIENTFICA Coordenadora: Marilda Almeida Marfan

Ana Rosa Abreu Cleyde de Alencar Tormena Jean Paraizo Alves Leda Maria Seffrin Lucila Pinsard Vianna Nabiha Gebrim de Souza Stella Maris Lagos Oliveira

Edio: Elzira Arantes Projeto Grfico: Alex Furini Editorao: Jos Rodolfo de Seixas

SUMARIO

APRESENTAO Iara Glria Areias Prado

PAINEL 1 DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA LEITORA E ESCRITORA Cntia Fondora Simo - CEEV/SP Mnica Andra Porto Louvem - Escola ligada AracruzJES Brbara Heller - Unicamp/SP - MEC

PAINEL 2 17_ DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA LEITORA E ESCRITORA Clia Maria Manos - PCN em Ao - Itatiaia/RJ Beatriz Cardoso e Regina Scarpa - Cedac/SP

PAINEL 3 33 DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA LEITORA E ESCRITORA DOS PROFESSORES Margareth Aparecida Ballesteros Buzianaro - Escola Estadual SEE/SP Maria Anglica Alves - Colgio de Aplicao/UERJ Marilia Costa - Fundao Projeto Travessia/SP

PAINEL 4 47_ CORRESPONDNCIA ENTRE PROFESSORES COMO ESTRATGIA DE FORMAO CONTINUADA Beatriz Cardoso e Maria Cristina Ribeiro - Cedac/SP Euzi Moraes -RiedIES

PAINEL 5 55 FORMAO DE PROFESSORES NO PROJETO SABER EM MOVIMENTO Caio Martins e Marcelo Barros Silva - Escola Pblica/SantosISP

PAINEL 6 59 ARTICULAO ENTRE FORMAO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES Maria Corra da Silva - SeducJAC Clia Finck Brandi e Sydione Santos - UEPG/PR Lourdes Lcia Goi e Isabel Cristina Auler Pereira - Unitins/Seduc/TO Eliane Gomes Quinonero e Ktia Diniz - SME/So Bernardo do Campo/SP

PAINEL 7 79_ FORMAO DO PROFESSOR NO PROFORMAAO: UNINDO A TEORIA E A PRATICA NO SISTEMA DE EDUCAO A DISTNCIA Bernardete A. Gatti - FCC - PUC/SP Tereza Barros Anutral - Seduc/PE Jandira Medrado - AraguairuvTO

PAINEL 8 91_ ARTICULAO ENTRE FORMAO INICIAL E CONTINUADA DE PROFESSORES - EDUCAO INFANTIL Ftima Regina Teixeira de Salles Dias - UFMG/MG

PAINEL 9 97_

AVALIAO DAS APRENDIZAGENS DOS ALUNOS E A FORMAO DE PROFESSORES Almira Albuquerque Santos - SMEIBatalha/AL Lcia Lins Broivne Rego - Sedic/PE Maria Nilene Badeja - SME/Campo Grande/MS

PAINEL 10 109 ESCOLAS MULTISERIADAS Fernando Ferreira Pizza - Escola Ativa/MEC Francisca das Chagas Souza da Silva - Escola da Floresta/SEE/AC

PAINEL 11 117 ARTICULAO ENTRE FORMAO INICIAL E CONTINUADA - EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS Emanuela Oliveira Carvalho Dourado - SME/lrec/BA Ana Socorro Braga - SME/Vargem Grande/MA Stela C. Bertholo Piconez - USP/SP Leoncio Jos Gomes Soares e Daniela de Carvalho Lemo - UFMG/MG

PAINEL 12 137 AVALIAO DAS APRENDIZAGENS E FORMAO DE PROFESSORES - EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS Cludia Lemos Vvio - Ao Educativa/SP Maria Ambile Mansutti - PCN em Ao/MEC

PAINEL 13 149 0 LIVRO ESCOLAR NO CONTEXTO DA POLTICA EDUCACIONAL Jean Hebrard - Frana Ralph Levinson - Inglaterra Luiz Philippi - Chile Nabiha Gebrim - SEF/MEC

PAINEL 14 173 O REFLEXO DA AO FORMADORA NO PROJETO PEDAGGICO DA INSTITUIO - EDUCAO INFANTIL Sueli A Campos Silva e Valria P. Cortez Corra - Creche/Associao Obra do Bero/SP Ana Maria Mello - Creche Carochinha/USP/SP Stefania Padilha Costa - Escola Municipa/Belo Horizonte/MG Olga Regina Siqueira e Silva - Escola Municipal/NataURN

PAINEL 15 191_ EXPERINCIA DE FORMAO NA AMAZNIA LEGAL Francisca Bezerra da Silva - SEE/AC

PAINEL 16 195 PROJETO PEDAGGICO: POR QU, QUANDO E COMO - EDUCAO INFANTIL Cristina Mara da Silva Corra e Delba Rejania Santos - Creche USP/SP Alessandra Latalisa de S eAna Cristina Coura Cheib - Escola Balo Vermelho/MG Snia Regina da Silva Souza - Associao Verbo Divino/SP

PAINEL 17 209 PROJETO PEDAGGICO: POR QU, QUANDO E COMO - EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS Rosngela Pereira - Projeto Kellog/SP Elizabete Monteiro - Projeto Ax/BA

PAINEL 18 217_ PROJETO PEDAGGICO: POR QU, QUANDO E COMO Ivanete Carvalho e Andra Guida Bisognin - PEQV /Fundao Vale do Rio Doce - Cedac/SP Renata Sanches Silva e Maria Vnia Marques de Carvalho - SMEICaraguatatuba/SP e Fundao Orsa Rosemere da Silva Vieira - SMF/Campo Alegre/ AL

PAINEL 19 227 LEITURA NA ALFABETIZAO Jacinta de Ftima Camargo Barbieri e Luciano de Almeida Santos - SME/Itapetininga/SP Eliane Mingues - PCN em Ao/MEC

PAINEL 20 237_ A EXPERINCIA DO PROGRAMA SALTO PARA O FUTURO NA FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES Rosa Helena Mendona - Seed/MEC

APRESENTAO *

O Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na Educao - Formao

de Professores, promovido pela Secretaria de Educao Fundamental do

Ministrio da Educao (SEF/MEC), foi realizado em Braslia no perodo

de 15 a 19 de outubro de 2001.

O Congresso tratou, em seus simpsios, palestras, painis, oficinas e

atividades paralelas, de uma das principais variveis que interferem na

qualidade do ensino e da aprendizagem: a formao continuada dos pro-

fessores. Buscou propiciar aos educadores e profissionais da rea, tanto

nas oito sries do Ensino Fundamental, quanto na Educao Infantil, na

Educao de Jovens e Adultos, na Educao Especial, na Educao Ind-

gena e na Educao Ambiental, informaes e conhecimentos relevan-

tes para subsidi-los em sua prtica. Promoveu um balano geral dos

principais avanos alcanados nos ltimos anos, com a implantao de

polticas pblicas voltadas para a melhoria da qualidade do ensino, e

enfatizou, de forma especial, os programas de desenvolvimento profis-

sional continuado e de formao de professores alfabetizadores, que fo-

ram debatidos sob diferentes ticas e pontos de vista.

O Congresso envolveu cerca de 3 mil participantes, incluindo, alm das

representaes municipais, um significativo nmero de autoridades, es-

pecialistas nacionais e internacionais e representantes de organizaes

no-governamentais, privilegiando, quantitativamente, os representantes

dos municpios que procuravam desenvolver em seus sistemas de ensino

as polticas de formao continuada propostas pelo MEC, a saber: o Pro-

grama de Desenvolvimento Profissional Continuado - "Parmetros em Ao"

e o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores - PROFA.

Ao promover a organizao desta publicao, a SEF faz um resgate de

todos os textos apresentados e entregues, em tempo hbil, pelos especia-

listas convidados e procura colaborar com aqueles profissionais da rea

que valorizaram o evento e esto em busca de sua memria, ou que, por

diferentes razes, se interessam por reflexes e temas relativos quali-

dade da educao e formao dos professores, tais como: educao para

a mudana, transversalidade e interdisciplinaridade, educao escolar

indgena, livro didtico, incluso digital, alfabetizao, organizao dos

sistemas de ensino, educao inclusiva, escola reflexiva, enfim, compe-

tncia profissional, o desempenho do professor e o sucesso escolar do

aluno, entre outros.

Como o pblico-alvo muito diversificado, o volume de textos apre-

sentados muito grande, e como os principais eixos temticos podem in-

teressar, de forma mais direta, a diferentes segmentos do Ensino Funda-

mental, os resultados do Primeiro Congresso Brasileiro de Qualidade na

Educao - Formao de Professores foram organizados em quatro volu-

mes: os volumes 1 e 2 referem-se a temas mais gerais, relativos Educa-

o Fundamental como um todo, e incluem temas especficos referentes

Educao Infantil, Educao de Jovens e Adultos, Poltica do Livro

Didtico e Educao Especial; o volume 3 trata da Educao Ambiental;

e o volume 4 dedicado Educao Escolar Indgena.

Embora incompleta, pela ausncia de alguns textos, e observando que

em alguns casos s apresenta os resumos dos participantes, a presente

edio reflete a importante contribuio e a competncia de nossos es-

pecialistas, tanto pelas palestras proferidas nos simpsios, quanto pelos

relatos de experincias contidos nos painis, e incorpora 25 textos apre-

sentados por renomados especialistas internacionais.

Ressalta-se ainda que os textos contidos nesta publicao so de in-

teira responsabilidade de seus autores e retratam reflexes e pontos de

vista de cada especialista envolvido.

Com a presente publicao, a SEF/MEC espera que os resultados do

Congresso de Braslia possam ser amplamente divulgados e cheguem ao

alcance dos principais interessados: professores do Ensino Fundamen-

tal, diretores de escolas, institutos de formao de mestres, pesquisado-

res, universidades, enfim, todos aqueles ligados produo, reprodu-

o, ao consumo e transmisso do conhecimento, paladinos da cons-

truo de uma escola de qualidade para todos.

Iara Glria Areias Prado

Secretria de Educao Fundamental

PAINEL 1

DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA LEITORA E ESCRITORA

Cntia Fondora Simo

Mnica Andra Porto Louvem

Brbara Heller

Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

Cntia Fondora Simo

Centro de Estudos da Escola da Vila - CEEV/SP

Resumo

A painelista apresenta resultados do trabalho desenvolvido pelo Centro de Estudos da Escola da Vila a partir do Programa Praticar - Programa de Formao e Atualizao Profissional Permanente, especialmente para atender s demandas espec-ficas do sistema pblico de ensino, com o qual in-tensificou sua parceria em aes de capacitao nos ltimos oito anos.

O painel em questo enfoca apenas aes de registro e leitura do professor, ao longo da realiza-o do Programa Praticar: os Projetos de Refern-cia, que so acompanhados e comentados pelo for-mador antes, durante e aps a realizao destes nas prprias salas de aula dos professores participan-tes; e os Projetos Especiais, etapa do processo de formao cujo objetivo tornar o professor oficial-mente produtor e divulgador da reflexo e da pes-quisa sobre seu cotidiano, por meio de publicaes.

A formao permanente, entendida atual-mente como o modo mais eficaz e produtivo para a construo das competncias docentes, rea-lizada pelo Programa Praticar a partir de um eixo central e organizador do trabalho: os Projetos de Referncia. Neles, os professores participantes so convidados a realizar projetos em suas salas de aula, apoiados por uma srie de aes for-mativas: na presena do formador ou no, em grupo - com sua equipe da escola ou de toda a rede - e individualmente. Dessa forma, a produ-o escrita do professor participante est relaci-onada a uma prtica de registro permanente,

instrumentalizada por suas leituras e seus estu-dos de outras experincias e situaes didticas modelares oferecidas pelo Programa Praticar, ali-mentada e incentivada pelo formador durante toda a produo, compartilhada com a equipe da escola, para que se torne um produto finalizado a cada seqncia de trabalho proposta e que, eventualmente, pode ser socializada em momen-tos especiais, como no caso dos simpsios inter-nos prpria rede.

Escrever, pesquisar, coletar imagens, falar em pblico, sintetizar conceitos, socializar resultados, compartilhar descobertas - tudo isso faz com que, por intermdio dos Projetos Especiais, o profes-sor tenha seu papel ampliado, renovando sua fun-o na perspectiva do comprometimento social que a caracteriza e justifica. Os Projetos Especiais tm uma idia-fora: a interlocuo, pois a pro-duo destinada a um pblico definido e real. Assim, a tarefa e todo o empenho que a acompa-nha ganham sentido e significado. Essa a pro-posta desses encaminhamentos no sentido de a publicao: produzir para ser apreciada, produzir para colaborar com o colega, produzir para reve-lar percursos e criaes de seu grupo, de sua co-munidade. So encaminhamentos que visam a um destino para a produo dos professores, com va-riedade de circunstncias comunicativas e de interlocutores - o que significa diversificar desa-fios, adequar expectativas, ajustar resultados, en-fim, regular criticamente a prpria produo.

PAINEL 1

Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

Desenvolvimento da competncia leitora e escritora Projeto Formar: uma contribuio

continuada de professores Mnica Andra Porto Louvem

Escola ligada Aracruz/ES

Introduo O Formar (Formao em Rede nos Munic-

pios de Atuao da Aracruz Celulose) um pro-jeto financiado pela Aracruz Celulose S.A. e de-senvolvido pela Rede Interdisciplinar de Edu-cao (Ried). Teve incio em setembro de 1997, envolvendo seis municpios capixabas: Aracruz, Joo Neiva, Ibirau, So Mateus, Conceio da Barra e Pedro Canrio.

Trata-se de uma proposta de formao con-tinuada de professores de Bloco nico (l e 2 sries) 4 srie, que opera sobre trs eixos fun-damentais:

desenvolvimento da competncia em leitura e escrita;

associao da teoria prtica da sala de aula;

interdisciplinaridade na prtica escolar.

O desenvolvimento do trabalho d-se em partes, por meio do dilogo permanente em rede, a distncia, entre a equipe de professores-formadores (Ried) e os grupos de estudo.

Quando teve incio, a proposta era de estu-do em grupos de no mnimo cinco e no mxi-mo dez professores. Mas, no decorrer do Proje-to, o nmero de participantes chegou a aproxi-madamente quinze em cada grupo, em razo da grande procura de professores interessados (a adeso ao Projeto voluntria). Dessa for-ma, os participantes potenciais so professores que tenham compromisso com a transforma-o da escola pblica e interesse na atualiza-o de seus conhecimentos tericos e prticos, demonstrando:

1. Preocupao com a continuidade de sua for-mao profissional.

2. Desejo de aperfeioar sua prtica pedaggica.

3. Disposio para trabalhar em grupo, discu-tindo aspectos prticos e tericos da educa-o e redigindo em conjunto textos que re-flitam suas discusses e sua prtica.

4. Inteno de dar sua prtica de sala de aula um enfoque interdisciplinar.

A proposta de trabalho do Formar o estu-do em grupo, em reunies semanais com dura-o mnima de trs horas destinadas reflexo terica e discusso prtica, o que feito cole-tivamente, sob a coordenao de um professor escolhido pelo grupo. O estudo se baseia em textos encaminhados pela equipe de professo-res-formadores, ou sugeridos pelos grupos de estudo. Nessas reunies de estudo, elabora-do, por escrito, coletivamente um relatrio re-flexivo, que deve traduzir a discusso do texto e sua relao com a prtica pedaggica dos par-ticipantes. O grupo escolhe um coordenador para dar encaminhamento s discusses e um relator para registrar e organizar os registros.

Para dar apoio contnuo ao grupo, cada plo, composto por dois ou trs municpios, tem um coordenador regional, que visita freqentemente os grupos, participando das discusses, esclarecendo dvidas e mediando o dilogo entre grupo e professores-formado-res, alm de elaborar relatrios mensais que so enviados Ried.

Minha experincia e meu olhar como coordenadora regional Quando iniciamos o Projeto, em 1997, mui-

tos professores que aderiram ao Formar tinham expectativas de encontrar respostas para as di-ficuldades encontradas no processo de ensino-aprendizagem. A prtica do estudo ainda no fazia parte do dia-a-dia do professor. Estuda-va-se para obter uma graduao - nesse caso eram buscados os cursos em faculdades -, es-tudava-se em capacitaes e treinamentos ofe-recidos pela Secretaria de Educao, em que eram repassados os contedos no perodo de um dia ou, no mximo, cinco dias, sendo essa funo de responsabilidade exclusiva do instru-tor ou palestrante. Sendo assim, o hbito de lei-tura e de escrita do professor ficava cada vez mais restrito s atividades desenvolvidas na es-cola, em geral, limitadas e descontextuaJizadas.

Diante desse quadro, tivemos um incio muito difcil, em que os professores reclama-vam do tamanho dos textos, ou seja, muitas pginas, e das propostas de atividades dos pro-fessores-formadores, que exigiam um estudo reflexivo do texto. Alm disso, no conseguiam colocar no papel, ou seja, registrar, escrever as idias discutidas nos grupos. As propostas de atividades incluam sempre um relato reflexivo e uma sntese do texto.

Em minhas visitas semanais aos grupos de estudo, observava que, para estudar os textos propostos, os professores faziam uma leitura cir-cular - que muitas vezes era a primeira leitura do texto. medida que liam, paravam em algum trecho do texto para discutir. Em geral, as dis-cusses conduziam para as dificuldades da sala de aula e do contexto escolar. Dessa forma, os relatos reflexivos e as snteses dos textos apre-sentavam caractersticas diferentes do que se propunha, pois no se registrava no ato das dis-cusses. Primeiramente, os professores liam e discutiam o texto e, depois, tiravam um tempo para fazer o registro. Ao fazer a sntese, os pro-fessores tinham de recorrer novamente ao texto, e faziam outro recorte dele. Na elaborao do relato reflexivo, ou relatavam a seqncia dos acontecimentos do momento do estudo, como:

"No dia 03/10, iniciamos o estudo lendo o texto O papel do papel, em seguida discutimos os pon-tos principais do texto...", ou elaboravam um texto que no retratava a discusso do grupo.

Tendo como referncia os relatrios elabo-rados nos primeiros meses de existncia do Pro-jeto, a equipe de professores-formadores levan-tou as seguintes observaes:

os contedos dos textos ou no eram levados em conta pelos grupos de leitores, ou sofriam distores, ou no eram absolutamente compreendidos;

os relatrios comprometiam a lgica do pen-samento e da linguagem;

registravam-se erros elementares de linguagem.

Nas devolutivas dos professores-formadores eram colocadas questes que levavam os profes-sores a refletir sobre o que pensaram e o que es-creveram, como tambm sobre a leitura realizada.

Os primeiros meses do Formar causaram uma angstia muito grande nos professores - o que eu chamaria de "angstia necessria". Foi o momento em que os professores perceberam que no eram leitores e escritores competentes.

Eu, coordenadora em formao, tambm de-parei com essa situao. Na primeira devolutiva ao meu relatrio, havia o seguinte comentrio: "Seu relatrio meramente descritivo, no re-flexivo. No deixa, portanto, margem para uma discusso mais aprofundada da sua ao e do de-sempenho do grupo".

medida que entravam em contato com os relatrios dos grupos de estudo e das coorde-nadoras regionais, os professores-formadores observavam dificuldades especficas e envia-vam textos produzidos por eles prprios ou por outros autores, para a discusso de questes especficas. Uma das primeiras intervenes enfocava o saber estudar, ou seja, o saber ler um texto de forma compreensiva. Nessa ocasio, foi enviado um texto que mostrava a importncia de, ao ler, destacar as idias centrais, fazer ano-taes e observaes pessoais, levantar ques-tes e dvidas, registrando-as. E ainda, ao es-crever o relatrio, faz-lo de forma reflexiva e no apenas descritiva. Num outro momento, foram enviados textos sobre snteses e alguns exemplos de snteses produzidas por alguns dos formadores, chamando a ateno dos professo-

PAINEL 1

Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

res para as caractersticas desse tipo de texto. Outra interveno da equipe de professores-

formadores, que considero marcante e positi-va, foi um texto escrito pela professora Euzi Moraes, integrante e coordenadora da equipe de formadores, que propunha uma classifica-o dos textos que, at ento, tinham sido pro-duzidos pelos grupos. Os textos, classificados em uma escala que se inicia com a cpia e cul-mina com o texto-autoria, recebiam a seguinte tipologia:

Texto-cpia: o texto que reproduz lite-ralmente o original, sem aspas e sem entend-lo.

Texto-imitao. aquele que resulta da intro-misso do autor no sistema de lngua escrita sem conhec-lo, gerando um arremedo de es-crita e baixa inteligibilidade.

Texto discurso alienado: o texto que se afas-ta do original, concentrando-se em outros te-mas.

Texto-lamento: o texto que se afasta do ori-ginal e se refugia no sentimento de frustrao profissional.

Texto-colagem: o texto feito de pedaos do original, copiados na ntegra ou disfarados por pequenas alteraes no vocabulrio ou na estrutura das frases sem, contudo, produzir significado.

Texto-colcha-de-retalhos: o texto retalhado em muitos pargrafos curtos e no interliga-dos pelo sentido.

Texto-montagem: o texto feito de pedaos do original, que se articulam de forma a pro-duzir significado.

Texto-autoria: o texto que retrata as idias, o estilo, o tom, em sntese, a identidade do autor ou dos autores.

Ao receber as devolutivas dos professores-formadores, que continham questionamentos e observaes, os professores, como disse an-teriormente, sentiam-se angustiados. Encontra-vam inmeras justificativas para responder s questes colocadas pelos professores-formado-res, do tipo: "Eles esto exigindo muito de ns"; "Ns quase no temos tempo de estudar; as ati-vidades escolares so muitas"; "Eles querem nos comparar a eles, que j estudaram tanto, so

mestres e doutores em educao". Inicialmente, houve uma dificuldade muito

grande para os professores cursistas se coloca-rem no lugar de pesquisadores e estudiosos e, nessa condio, refletirem sobre as colocaes dos professores-formadores. Ento, respondiam aos professores-formadores em desabafo, fala-vam de dificuldades e insatisfaes. Mas, com o dilogo permanente, recebendo orientaes e sugestes da equipe de formadores, os profes-sores gradativamente foram mudando os seus re-gistros, a forma de estudar os textos e tambm a impresso que tinham sobre as devolutivas. Dis-cutiam o foco das questes levantadas pelos pro-fessores-formadores, estudavam os textos, gri-fando e anotando as idias centrais, e registra-vam os pontos principais das discusses, ao mesmo tempo em que elas aconteciam.

No meu acompanhamento, pude observar essas mudanas e esses avanos, e a equipe da Rede Interdisciplinar de Educao pde constat-los por meio dos registros que cons-tam em seus relatrios anuais de atividades.

Esse ir e vir, ou seja, esse dilogo permanen-te vem sendo o ponto central do Formar. A di-ferena entre o Projeto Formar e os "treinamen-tos", "capacitaes" e "reciclagens" tradicionais est exatamente no fato de ser formao conti-nuada, com dilogo permanente e uma rede de interaes, e no aes episdicas ou contatos espordicos em que se discutem temas e ques-tes descontextualizadas.

Outra contribuio evidente do Formar est no fato de o professor repensar sua prtica na sala de aula. As propostas de atividades sempre traziam questes tericas e prticas. No incio, havia uma grande dificuldade para os profes-sores cursistas colocarem em prtica o que se estudava e discutia. Em alguns momentos, o grupo de estudo planejava uma aula em con-junto com base nas orientaes dos professo-res-formadores, e um professor aplicava aque-le planejamento em sua sala de aula. Outros professores participavam da aula observando e registrando a participao dos alunos e as in-tervenes do professor. No estudo seguinte, o grupo discutia o desenvolvimento do planeja-mento e, no momento do relato da aula, ficava clara a distoro em relao s atividades de-

senvolvidas e o que realmente se pretendia . Mais uma vez, a equipe de professores-forma-dores intervinha, levantando quest ionamentos e fazendo observaes nos relatos escritos das aulas desenvolvidas.

No decorrer do Projeto, por meio do dilo-go permanente entre professores e formadores, era possvel, alm de desenvolver a leitura e a escrita, o repensar constante sobre a prtica pedaggica.

Os temas propostos para estudo proporcio-nam aprofundamento de contedos e conheci-mentos indispensveis ao educador. nesse sentido que o Formar vem contribuindo para desenvolver a competncia leitora e escritora

dos professores, alm de promover o compro-misso e a responsabilidade com o estudo, o ho-rrio, os prazos e os retornos, situaes essas que vm sendo esquecidas no contexto da edu-cao pblica. Esse resgate do cumprimento do dever e da necess idade de o professor estar sempre es tudando poderia ser considerado um dos aspectos fundamentais do Formar.

Percebo que a formao cont inuada tem d a d o um resu l t ado mais efetivo do q u e as "capacitaes" e "treinamentos" acontecidos em momentos isolados. Pude constatar esse fato quando ouvi de um grupo o seguinte depoimen-to: "Formvamos alunos, mas no ramos for-mados. O projeto Formar est nos formando".

Histrias e histrias Brbara Heller

Unicamp - MEC

Resumo

Pretendo comentar, ao longo de minha exposi-o, a elaborao do livro Histrias e histrias, que reuniu dez pesquisadores sob a orientao da pro-fessora Dra. Marisa Philbert Lajolo. Trata-se, portan-to, de um trabalho coletivo, cujo resultado - um con-junto de 111 cartas ficcionais, para 111 livros reais -tenta prever os mais diversos tipos de leitores e mo-dalidades de leitura dos livros que o Ministrio da Educao, por meio do Programa Nacional Biblio-teca na Escola (PNBE), distribuiu, nos ltimos dois anos, a 80 a 100 mil escolas pblicas do pas.

Os autores dos livros comentados de forma epistolar so da literatura infantil e infanto-juve-

nil: Lewis Carroll (traduzido por Ana Maria Macha-do), Hans Christian Andersen (com traduo de Toms Rosa Bueno), Joo Carlos Marinho, Mrio Quintana, Pedro Bandeira, Marina Colasanti, Graciliano Ramos, Orgenes Lessa, Marcos Ribei-ro, Bartolomeu Campos de Queiroz, Tommie de Pola, Cora Coralina, Eliardo Frana, para citar ape-nas os nomes de alguns.

Os especialistas da Fundao Nacional do Li-vro Infantil e Juvenil, que selecionaram o acervo adquirido e distribudo pelo MEC, tornaram-se personagens das cartas, por meio da reproduo de trechos de seus pareceres crticos.

Introduo Histrias e histrias o resultado de um traba-

lho coletivo, elaborado por dez pesquisadores, sob a coordenao da professora Dra. Marisa Lajolo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Dez pesquisadores, sim, mas antes de tudo dez leitores, que acreditam nas mais diversas

modalidades de leitura - individual, coletiva, silenciosa, em voz alta, na sala de aula, na bi-blioteca, no nibus, no metr, no toalete - e de textos - livros, jornais, gibis, revistas, quadri-nhos, anncios, ilustraes, catlogos, manu-ais de instruo, sites da Internet etc.

PAINEL 1 Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

Dez pesquisadores espalhados pelo Brasil -So Paulo, Porto Alegre, Campinas, Santos, Re-cife, Rio de Janeiro -, por meio de poucos con-tatos pessoais, mas muitos virtuais, trocaram suas experincias da leitura dos 111 livros que compem o corpus de Histrias e histrias.

Enquanto realizvamos, em 1999, o Hist-rias e histrias, tnhamos noo de que aquilo que cada um produzia (isto , uma carta para cada livro) seria lido pelos professores, cujas escolas receberiam o acervo dos livros adquiri-dos e distribudos pelo Ministrio da Educao (MEC).

A noo, hoje, transformou-se em nmeros bem concretos: ao todo, por intermdio do Pro-grama Nacional Biblioteca na Escola (PNBE/99), foram atendidas 36 mil escolas, cadastradas no Censo Escolar/99, que registraram matrculas em nmero igual ou superior a 150 alunos nas quatro primeiras sries do Ensino Fundamen-tal. Foram adquiridos 4 milhes de livros, ao custo de R$ 21.427.859,77, dos quais R$ 17.447.760,00 para as aquisies e mais R$ 3.980.099,77 para a distribuio.

Embora impressionantes, os nmeros no falam por si. No mximo, revelam a amplitude do projeto, mas no sua gnese nem as premis-sas que ele abriga.

Gnese do projeto Histrias e histrias

Primeira etapa - Seleo do corpus Dos 111 livros que fazem parte do corpus de

Histrias e histrias, 106 foram selecionados pela Fundao Nacional do Livro Infantil e Ju-venil (FNLIJ) e os outros cinco pela Secretaria de Educao Especial (SEESP), do Ministrio da Educao (MEC).

O site , da Fundao Nacional do Livro In-fantil e Juvenil, explica que na seleo dos ttu-los indicados ao PNBE foram observados os se-guintes itens:

adequao e inovao da linguagem (de texto e de imagem);

qualidade grfica;

variedade de gneros, de assuntos, de escrito-res e de ilustradores.

Para cada um dos 106 ttulos selecionados pela FNLIJ, de 43 editoras distintas, foram emi-tidos dois comentrios crticos de diferentes es-pecialistas em literatura infantil e juvenil.

Os dados abaixo mostram a distribuio dos livros selecionados pela FNLIJ: 49 livros de nar-rativas; 15 livros de poesia, 6 livros de imagem (sem texto); 20 de fico e no-fico, compre-endendo os gneros j citados.

Descrevendo com maior riqueza de deta-lhes: so livros que contemplam diversas mo-dalidades de textos, tais como biografias, cls-sicos, poemas, lendas, contos de fadas, do fol-clore etc , de autores nacionais e estrangeiros.

Segunda etapa - Justificando o gnero epistolar

De posse dos 111 exemplares e dos respecti-vos pareceres crticos de especialistas, pusemo-nos a discutir a melhor maneira de instrumenta-lizar o professor que trabalha nas escolas benefi-ciadas pelo PNBE.

No lugar de exerccios voltados interpreta-o, que raramente trabalham a multiplicidade de sentidos de um texto, props-se o gnero epistolar, j que este no s favorece um clima de intimidade entre narrador e destinatrio, como tambm permite criar inmeras situaes ficcionais entre textos e leitores.

Estabelecemos que, em todas as cartas, ha-veria a reproduo de trechos dos pareceres, pois eles expem os critrios por meio dos quais aqueles livros, e no outros, foram seleciona-dos para compor o acervo do PNBE/99.

medida que crivamos em nossos textos epistolares leitores fictcios, que tinham em suas mos livros reais, comunicvamo-nos por meio do correio eletrnico. Assim, a troca das cartas Ficcionais que elaborvamos, anexadas s nos-sas mensagens eletrnicas, permitiu-nos uma vivncia epistolar moderna e contempornea.

Terceira etapa - Elaborando cartas Os emissores das cartas deveriam ser leito-

res e os destinatrios, docentes ou profissionais

http://www.fnlij.org.br/livros/ndice.htmhttp://www.fnlij.org.br/livros/ndice.htm

da leitura. Assim, foram sendo criados os mais diversos tipos de leitores: homens, mulheres, crianas, mes de alunos, educadores; e os mais diferentes professores: jovens, nem to jovens, aposentados, residentes em grandes centros urbanos, em cidades do interior de qualquer estado do Brasil. Alguns lecionam na periferia, outros, na zona rural. H, tambm, os que tra-balham na capital. So homens e mulheres cujas idades, implcitas nas cartas, revelam suas experincias nas salas de aula. H professores de Portugus, de Geografia, de Histria, de Edu-cao Artstica, de Educao Fsica.

A maior parte das cartas destinou-se a pro-fessores, mas algumas previram diferentes des-tinatrios: editores de material didtico, auto-res de livros para crianas, especialistas de lite-ratura infantil e juvenil. Projetamos, portanto, uma comunidade de leitores que, alm de ul-trapassar os limites da escola, prev outros pro-fissionais da leitura. Em outras palavras: o[a] professor [a], principalmente de Portugus, dei-xou de ser o nico responsvel pela divulgao da leitura.

Premissas do Histrias e histrias

1. Em comum, na totalidade das cartas, a idia da mediao do adulto diante das situaes de leitura dos escolares. No se trata de um adulto qualquer, mas de um que tenha vn-culos afetivos com os alunos e, principalmen-te, que goste de ler. Nas escolas, esse papel costuma ser do professor.

2. Sendo o principal mediador entre o texto e seus alunos/leitores, necessrio que o pro-fessor resgate sua histria de leitura. Por isso, importante que ele recupere quais foram os adultos que lhe forneceram, na infncia, os modelos de leitura; de quais livros, textos ou autores gostou (e no gostou); quem lhe contava histrias; onde costumava ouvi-las; quando descobriu que podia ler sozinho; de quais autores passou a gostar menos ou mais medida que foi amadurecendo; que hbi-tos de leitura mantm nos dias de hoje etc.

3. Conhecendo e reconhecendo sua trajetria como leitor, o professor ter maior flexibili-

dade para compreender as escolhas, as resis-tncias e as dificuldades do aluno que ainda no pode ser considerado leitor maduro.

4. Por meio do resgate de sua histria de leitu-ra, o professor poder compartilh-la com os alunos e, assim, ajud-los a construir a deles. Pode perguntar se gostam de ouvir histrias, de quais autores j ouviram falar, quais os hbitos de leitura da famlia, as his-trias preferidas etc. Se as crianas j forem alfabetizadas, pode questionar quem so os autores preferidos, os livros mais marcantes, em que momento do dia (ou da noite) cos-tumam ler, se gostam de ler em voz alta para os outros, se lem revistas, jornais etc. Nes-se momento, o professor pode esclarecer que est sendo construda a histria de lei-tura de cada um.

5. Uma vez que tambm se l nos espaos p-blicos - parques, nibus, metr, nas ban-cas de jornal etc. -, o professor poder mos-trar que a leitura permite uma grande va-riedade de suportes (jornais, revistas, folhe-tos, livros escolares, bulas de remdio, pres-cries mdicas, avisos, textos literrios, de auto-ajuda etc.) e que, portanto, a leitura uma prtica social.

6. Observar o que e como os outros lem nos-sa volta uma excelente oportunidade para se formar a noo de comunidades de lei-tores. Na escola, no so apenas professo-res e alunos que lem; funcionrios, biblio-tecrios, orientadores, coordenadores tam-bm devem ser reconhecidos como leito-res, cada qual com sua histria de leitura. Por isso, toda a comunidade escolar deve se envolver com as atividades de leitura, promovendo feira de livros, idas bibliote-ca, comentrios sobre determinados textos de livros ou de jornais etc.

7. Ao envolver os mais variados profissionais da escola em atividades de leitura, o aluno passa a vivenci-las como sendo uma prtica cole-tiva, em que todos trocam experincias, livros, modos de trabalhar os textos na aula e fora dela. Quanto mais rica for essa troca, mais chances o aluno ter de se tornar leitor.

8. A prtica da leitura comea na escola, mas no se esgota nela. Quando a criana tiver se transformado em leitora, ter competncia

PAINEL 1

Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

para ler um texto literrio, uma imagem, um enunciado de um problema de matemtica, um mapa, um bilhete, uma paisagem, onde quer que esteja. Esse leitor no s desconhe-cer o comportamento de que apenas l o qu e quando o professor quer que ele leia, como tambm ser um leitor do mundo.

9. Como ningum l tudo do mesmo jeito, no h uma nica leitura possvel ou a mais au-torizada. Alguns alunos iro se envolver com as emoes do texto, com as cores e formas das ilustraes. Outros, com os valores ti-cos que perpassam as histrias. O professor precisa compartilhar esses diferentes modos de ler dos alunos, sem hierarquiz-los.

10. S se aprende a ler em ambientes nos quais se l. Por isso, o professor deve ser um leitor maduro, que leia com e para a criana, fa-zendo-a familiarizar-se com a atividade da leitura.

Consideraes finais Felizmente, o Programa Nacional Bibliote-

ca na Escola no uma atividade isolada. A pu-blicao de Histrias e histrias vem ao encon-tro de outras iniciativas do governo voltadas ao fomento da leitura, como a campanha Tempo de Leitura, promovida em setembro de 2001.

Com o tema "Vamos fazer do Brasil um

pas de leitores", a campanha teve o reforo de um comercial de tev e de um jingle de r-dio, alm de cartazes e cartilhas feitos por cartunistas famosos.

o prprio MEC que divulga no site a con-cepo de tal campanha: professores, diretores, alunos, artistas, esportistas, contadores de his-trias e comunidade devem, juntos, reforar a importncia do hbito da leitura dentro e fora da sala de aula.

Isso significa que a leitura mediada por adul-tos com diversas competncias, formando uma comunidade de leitores, proposta no Histrias e histrias, encontra-se identificada com os pro-jetos mais recentes do Ministrio da Educao.

A j citada campanha Tempo de Leitura complementa outras aes j implementadas pelo Ministrio da Educao, como os Progra-mas do Livro Didtico e da Biblioteca na Esco-la, Parmetros Curriculares e o Programa de Formao de Professores Alfabetizadores, en-tre outros.

Todas essas iniciativas, se bem-sucedidas, podem comear a destruir uma constatao to divulgada nos meios de comunicao e nas queixas de professores: a de que os jovens de hoje no tm concentrao suficiente para ler obras clssicas, que tm preguia de ler textos longos e cannicos.

http://www.mec.gov.br/acs/acorda/leit.shtm

PAINEL 2

DESENVOLVIMENTO DA COMPETNCIA LEITORA E ESCRITORA

Clia Maria Mattos

Beatriz Cardoso e Regina Scarpa

Valorizao da competncia leitora e escritora na rede de ensino do municpio de Itatiaia/RJ

Clia Maria Mattos

PCN em Ao - Itatiaia/RJ - SEF/MEC

A Secretaria Municipal de Educao e Cul-tura do Municpio de Itatiaia criou um progra-ma tendo como eixo temtico "Construindo a Cidadania Ativa", com o objetivo de nortear os trabalhos das escolas do municpio, para pos-sibilitar o desenvolvimento de habilidades e competncias dos alunos direcionadas a uma leitura contextualizada e interpretao do mundo, tendo como transversalidade a preser-vao dos patrimnios ambiental e turstico, aspectos considerados relevantes na regio.

Assim, fundamentada nos Parmetros Cur-riculares Nacionais (PCN), buscando desenvol-ver a competncia leitora e escritora de seu cor-po docente, a Secretaria Municipal de Educa-o criou o Projeto Flai - Feira de Livros e Artes de Itatiaia -, composta por trabalhos de profes-sores e alunos, apresentados na Semana de Edu-cao e Cultura de Itatiaia (Seci).

O pleno desenvolvimento da competncia leitora e escritora dos docentes um desafio para os formadores, devendo, portanto, ser priorizado. Foi com essa perspectiva que ns, da Secretaria Municipal de Educao de Itatiaia, direcionamos o foco da formao continuada, objetivando a atualizao profissional de nos-sos professores e os possveis reflexos dessas aes nas salas de aula e no dia-a-dia de nossos alunos e da comunidade local.

Tais aes encontraram justificativas na ne-cessidade de preparar a clientela educativa do municpio para a perfeita adequao s carac-tersticas do mundo ps-moderno, pelo desen-volvimento de suas capacidades leitoras, interpretativas e escritoras, atividades funda-mentais nesse mundo globalizado e apoiado na mdia, em todas as reas do conhecimento.

Simultaneamente, tais medidas encontra-ram embasamento no Programa Parmetros

Curriculares Nacionais em Ao, desenvolvido pelo Ministrio da Educao e implantado no municpio desde abril de 2001, programa esse que vem promovendo a capacitao permanen-te de todos os professores da Educao Infantil e do Ensino Fundamental (1a e 2 segmentos).

Esse programa vem possibilitando, ainda, uma preparao mais adequada e atualizada dos professores, bem como um melhor acompanha-mento das atividades escolares, estimulando-os a mudar suas antigas concepes do processo ensino-aprendizagem, substituindo-as por uma nova viso de suas prticas educativas, por meio da construo dos conhecimentos elaborada pelos prprios alunos, na qual novas competn-cias e habilidades so exigidas pelo mundo atu-al, para o pleno desenvolvimento dos educandos.

Com a implementao de tal competncia, pro-curou-se atingir vrios objetivos, considerados de singular importncia, entre os quais destacamos:

estimular as pesquisas de textos e fontes de consultas variadas, tais como jornais, livros, documentos, relatos impressos e outros, pro-curando contextualizar, de maneira efetiva, todas as reas do conhecimento com situaes vivenciadas pelos alunos em seu cotidiano;

promover a interdisciplinaridade entre as mais diversas reas do conhecimento do 1 e 2 seg-mentos do Ensino Fundamental;

introduzir, em todos os ciclos e nveis do En-sino Fundamental, a transversalidade do eixo temtico de "preservao dos patrimnios ambiental e turstico da regio", considerados as principais vocaes do municpio;

estreitar as relaes entre as escolas munici-pais e as comunidades locais, por interm-dio da participao efetiva dos professores e alunos nos problemas encontrados nas reali-dades destes ltimos.

PAINEL 2 Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

Assim, aps a preparao dos formadores dos Parmetros Curriculares Nacionais em Ao, ficou evidenciado que, para garantir a efe-tiva implementao dos PCN, a primeira medi-da a ser desenvolvida seria a formao da com-petncia leitora e escritora dos professores da rede municipal de ensino.

Nos primeiros encontros de formao, veri-ficamos que, entre os profissionais que atuam nos diferentes ciclos e nveis do Ensino Funda-mental, uma parcela significativa de professores j possua tal competncia desenvolvida, eviden-ciada nas avaliaes dos trabalhos propostos.

A heterogeneidade dos grupos de professo-res levou-nos a implementar o desenvolvimen-to da competncia leitora e escritora por meio de um projeto que possibilitasse o envolvimen-to de toda a nossa clientela de docentes, inde-pendentemente de suas experincias anteriores e de suas reas de conhecimento.

O projeto da elaborao de um livro de re-ferncias sobre o Municpio de Itatiaia foi o ponto culminante de idias compartilhadas entre os formadores e os professores, fruto de vrias reflexes e debates, aliado necessidade de uma fonte de consultas que atendesse s expectativas dos professores, alunos, comuni-dade e turistas. Outro fator decisivo foi a inexistncia desse material sobre o municpio, em virtude de sua recente emancipao.

Considerando-se a abrangncia do projeto, novos encontros entre formadores e professo-res foram agendados, com o objetivo de apro-fundar os estudos. As estratgias de leitura -decodificao, seleo, antecipao, inferncia e checagem - foram amplamente vivenciadas por todos os participantes.

Os professores que atuam no 39 e 4a ciclos do Ensino Fundamental, nas reas do conheci-mento de Histria, Geografia, Lnguas, Matem-tica, Cincias, Educao Fsica, Educao Arts-tica e Informtica, juntamente com os profes-sores do l e 2 ciclos, foram organizados em grupos de leitores, aps pesquisa e seleo dos materiais pertinentes.

Algumas transformaes ficaram evidentes a partir desse projeto, entre as quais destacamos:

o envolvimento dos alunos, por meio da sensibilizao dos professores, utilizando as

estratgias de leitura;

freqentes visitas dos envolvidos biblioteca pblica do municpio;

valorizao da produo de conhecimentos pela comunidade local, com citaes de len-das, relatos, poemas, histrias etc;

elevao da auto-estima dos professores e dos alunos mais envolvidos com a comunidade local, ao pesquisarem suas origens;

implementao da temtica "Turismo" nas escolas, objetivando atender a essa importante vocao regional e local;

desenvolvimento de contextualizaes em todas as reas do conhecimento, com os pro-fessores inter-relacionando seus assuntos com o dia-a-dia da comunidade local.

O resultado desse projeto, a edio de um livro sobre o municpio de Itatiaia, abordar aspectos histricos, geogrficos, culturais, po-lticos, ambientais e tursticos, com ilustraes elaboradas pelos alunos, alm de relatos, poe-mas e outros trabalhos da comunidade local.

A manuteno da valorizao da competncia leitora e escritora feita por meio de "oficinas para professores", oferecidas pela Secretaria de Educa-o por uma especialista na Biblioteca Pblica de Itatiaia. Da mesma forma, oferecida a "hora do conto" aos alunos da rede municipal de ensino.

A efetivao desse projeto de valorizao da competncia leitora e escritora aponta para novas perspectivas na educao do municpio.

Verificamos que os reflexos de tal compe-tncia interferiram na viso de nosso professor quanto ao planejamento das aulas, quanto sua auto-avaliao e tambm quanto avaliao dos conhecimentos de seus alunos. Um novo mundo abriu-se sua frente. Novas estratgias foram utilizadas na sala de aula, e seus relatos demonstram uma compreenso mais clara de seu papel como educador.

A participao em uma produo coletiva (li-vro) vem estimulando os professores a desenvol-ver uma nova concepo de sua prtica, o que certamente promover uma nova cultura na edu-cao do municpio mais voltada para a produ-o do que para a reproduo e centrada nos in-teresses e nas necessidades da comunidade, por intermdio dos envolvidos: professores e alunos.

Constituio de uma metodologia de formao: caminhos possveis

Beatriz Cardoso e Regina Scarpa *

Cedac

Apresentao A presente investigao analisou uma expe-

rincia de formao continuada de professores, no contexto do Programa Escola Que Vale (PEQV). O programa consiste em uma srie de aes formativas, articuladas para colaborar de forma sistemtica com a melhoria da qualida-de de ensino e da aprendizagem em 30 escolas que atendem a crianas de redes pblicas de Ensino Fundamental (no Brasil, o equivalente ao segmento de escolaridade que vai dos 7 aos 14 anos). O programa trabalha com 239 profes-sores, 114 diretores e 116 supervisores, contem-plando aproximadamente 8 mil alunos.

Interdependncia entre teoria e prtica Pode-se caracterizar as formas de realizar e

de investigar a formao de professores em pelo menos trs perspectivas. Uma delas defende a formao em termos do ensino da prtica pela prtica, isto , da prtica de maneira indepen-dente da teoria. A outra tendncia caracteriza-se pela subordinao da prtica teoria, ou seja, valoriza a dependncia da prtica ao conheci-mento dos especialistas. A terceira perspectiva apresenta uma viso de interdependncia en-tre teoria e prtica aplicada formao de pro-fessores, como uma relao irredutvel, comple-mentar e indissocivel.

Irredutvel, porque uma no se subordina outra, e refletir sobre a prtica no aqui e agora da sala de aula diferente de tomar a prtica

pedaggica como algo sobre o qual se pode pen-sar com certo distanciamento e com fundamen-tao. Complementar, porque no contexto des-se dilogo ambos os aspectos interagem, coo-peram reciprocamente e completam-se. Indis-socivel, porque na anlise da prtica pedag-gica no possvel separar os fenmenos que se apresentam das teorias implcitas que os ori-entam. Em decorrncia disso, assume-se a idia de que o professor pode desenvolver sua com-petncia profissional no prprio processo de construo e reconstruo de sua prtica refle-xiva e de que a superviso do trabalho do pro-fessor e a tematizao de situaes prticas so estratgias essenciais para a formao, visto que permitem e favorecem o exerccio da interde-pendncia.

A terceira perspectiva, que ser adotada no presente trabalho, uma alternativa fortemen-te influenciada pelas idias de Donald Schn, que se dedicou anlise do desenvolvimento da competncia profissional e relao existen-te entre a capacidade de um profissional tor-nar-se apto para enfrentar situaes novas, to-mando decises apropriadas, alm da oportu-nidade de exercitar a reflexo sobre situaes prticas reais. A partir das proposies de Schn, diversos autores tm aprofundado a questo da epistemologia da prtica na forma-o de professores (Shulman, Elbaz, Clarck, Alarco, Perrenoud, Meirieu, Yinger etc).

Com apoio nos estudos anteriormente men-cionados, se considerarmos como premissa que a aprendizagem proveniente da prtica estruturadora do saber do professor e tem de

* Beatriz Cardoso: coordenadora de projetos do Cedac (Centro de Educao e Documentao para a Ao Comunitria) e professora-doutora pela Faculdade de Educao da USP. Regina Scarpa: coordenadora do Programa Escola Que Vale no Centro de Educao e Documentao para a Ao Comunitria (Cedac) e mestre pela Faculdade de Educao da USP.

PAINEL 2 Desenvolvimento do competncia leitora e escritora

ser valorizada no processo formativo, resta o desafio de investigar como esse elemento deve ser considerado nos programas de formao continuada de professores.

Essa preocupao norteou simultanea-mente a concepo e a definio do conjunto de estratgias formativas do programa, bem como suas linhas de investigao. No caso des-se artigo, o foco estar nas seguintes questes:

Como desenvolver uma metodologia de for-mao continuada de professores que consi-dere a prtica como elemento formativo e que seja capaz de interferir positivamente na aprendizagem dos alunos?

Como realizar uma formao sob tal perspec-tiva, levando em conta a dimenso continen-tal do nosso pas?

Para tanto, descreveremos o campo emp-rico, ou seja, a estrutura e as caractersticas do programa para, em seguida, problematizar as questes enunciadas.

0 contexto emprico: Programa Escola Que Vale (PEQV) O PEQV foi concebido em 1999, ano em que

se estabeleceram as parcerias de trabalho com as Secretarias de Educao e com os profissio-nais das redes pblicas de ensino de seis mu-nicpios selecionados para a implementao da proposta piloto. Atualmente, o programa atua em oito municpios.1 O projeto deve ser desenvolvido em dois anos de trabalhos inten-sos em cada municpio, contando com mais um ano de manuteno. O PEQV tem uma in-tencionalidade clara no sentido de promover a autonomia dos profissionais envolvidos, uma vez que uma interveno externa ao sistema escolar costuma ser provisria e ter um tempo de durao definido. Por essa razo, h uma preocupao explcita em criar mecanismos

para que as aprendizagens se institucionalizem de fato.

O maior desafio do PEQV construir um modelo de projeto que oferea de forma coo-perativa melhores condies de atuao, refle-xo e transformao do trabalho educacional, permitindo a apropriao do processo por par-te de todos os implicados (professores, direto-res e supervisores). Ou seja, o programa tem por objetivo criar uma metodologia" que fa-vorea o desenvolvimento de competncias profissionais, mas que, acima de tudo, promo-va o desenvolvimento da autonomia e a neces-sidade da reflexo permanente sobre as prti-cas institucionais vigentes e sobre a qualidade das situaes pedaggicas que esto sendo oferecidas aos alunos, em contraposio ao modelo calcado na mera transmisso de co-nhecimentos.

As aes desencadeadas pela equipe do programa esto fundamentadas na idia de que a formao do professor se d dentro da unidade escolar como um todo e no apenas na sala de aula. Para que haja ensino de quali-dade, preciso ento que se cuide da gesto do espao, dos materiais e do tempo, da infra-estrutura (melhoria dos ambientes), das rela-es institucionais e, obviamente, do proces-so de ensino e de aprendizagem dos alunos.

O programa procura abranger trs dimen-ses fundamentais no trabalho educativo que ressaltam sua natureza social:

A ao pedaggica: que tem a ver com as fun-es que o professor desempenha dentro de sua sala com o seu grupo de crianas, orien-tadas para conseguir a mxima produtivida-de na relao ensino e aprendizagem.

A dimenso coletiva e institucional: que re-leva a importncia de uma boa infra-estru-tura e de uma equipe de trabalho que asse-gure o intercmbio de idias e espaos de pla-nejamento conjunto. Dentro dessa perspec-tiva, o PEQV desenvolve concomitantemente

Os municpios atendidos atualmente so Marab. Parauapebas. Barcarena e Cana (Par). So Lus e Aailndia (Maranho). Joo Neiva (Espirito Santo) e Catas Altas (Minas Gerais). Essa seleo foi feita depois de visitas aos municpios que pertencem rea de atuao da Companhia Vale do Rio Doce, e depois de entrevistas com seus secretrios de educao e de pesquisa sobre a realidade escolar dessas regies.

J Emprega-se aqui o termo "metodologia" no sentido de implementar uma prtica e analisar as possibilidades das estratgias utilizadas. Nao se trata de formalizar uma proposta fechada, mas de sistematizar o aprendizado alcanado para orientar novas experincias formativas.

diversas aes articuladas: trabalho sistem-tico com diretores e supervisores; criao da Casa do Professor, de um site e de um supor-te para a melhoria da infra-estrutura nas es-colas de cada municpio. O desenvolvimento pessoal e profissional: as dimenses profissional e pessoal so indissociveis. A considerao desse aspecto deu-se na criao de estratgias que visam promover: a ampliao do universo cultural (oficinas de Artes e de Lngua Portuguesa), os processos de autoformao, a reconsiderao de valores e da prpria imagem como pro-fessor, de forma que este encontre sentidos particulares em seus processos de constru-o de conhecimento.

Dessa forma, o programa atua em diferen-tes frentes, concomitantemente, e luta contra a idia de que os problemas da educao se restringem apenas formao dos professores. Neste texto, entretanto, faremos um recorte e discutiremos especificamente a questo da formao continuada de professores.

A constituio de uma metodologia de formao continuada de professores: caminhos possveis Anteriormente, enunciamos alguns dos

princpios e fundamentos que norteiam esta anlise de uma experincia de formao de professores. Para aprofundar a discusso, alm de indicar as grandes linhas de atuao do pro-grama, necessrio apresentar alguns dados que contextualizem o recorte em questo. A seguir, faremos uma breve descrio das aes diretamente ligadas formao de professo-res para, depois, podermos problematizar essa mesma atuao.

A criao do contexto formativo Ampliar os horizontes dos professores a fim

de facilitar o acesso informao e criar um espao de reflexo permanente sobre a prti-

ca pedaggica so os principais desafios a se-rem transpostos.

meta do programa possibilitar o traba-lho dos professores com questes sociais sig-nificativas para alunos e para a comunidade, utilizando a leitura, a escrita e a comunicao oral como instrumentos para a formao da cidadania. Para isso, destaca-se a possibilida-de de uso de recursos tecnolgicos, tais como: computador, mquina fotogrfica, gravador, filmadora, considerados importantes no pro-cesso de aprendizagem e formao do aluno, e que o prprio programa torna disponveis.

O contexto da formao de professores cri-ado pelo programa consiste no trabalho com projetos didticos de leitura e escrita e na su-perviso permanente do desenvolvimento pe-los professores.

Projetos de leitura e escrita: convite para uma aventura pedaggica

Ao iniciar o trabalho, os professores rece-bem um cardpio, com diversos projetos did-ticos de leitura e escrita, e escolhem um deles para realizar em classe. "Pequena enciclop-dia", "As pessoas e as paisagens do lugar onde vivo", "Receitas da minha terra", "Quem canta seus males espanta" so alguns dos projetos apresentados. Todos obedecem a uma estru-tura bsica, com sugestes didticas que se-ro detalhadas e transformadas em seqncias de atividades especficas junto com cada gru-po de professores. O desenvolvimento do pro-jeto detalhado medida que o professor rea-liza as atividades com seus alunos.3

A idia de trabalhar com um cardpio de projetos se baseia na premissa de que no possvel desenvolver um material nico que se adapte a qualquer contexto. A soluo encon-trada diz respeito diversidade presente em cada regio e em cada sala de aula e, ao mes-mo tempo, oferece atividades fundamentais para que o processo de aprendizagem da ln-gua possa ocorrer de fato. Com esse trabalho, os professores aprofundam diversos contedos de leitura e escrita com seus alunos, que, por

'Na estrutura proposta, os professores envolvidos no programa realizam, juntamente com seus alunos, quatro projetos no perodo de dois anos.

PAINEL 2 Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

sua vez, aprendem de forma contextualizada, sabendo o qu, para qu e para quem esto escrevendo.

Uma das vantagens dos projetos que seu desenvolvimento se d em torno da execuo de uma meta clara, como, por exemplo, a con-feco de um livro, de um CD, de um vdeo etc. As situaes didticas oferecidas criam condies de sentido para o aluno. A apren-dizagem se consolida para ele, despertando o seu interesse em permanecer na escola. Mui-tas vezes, embrenhada em sua tarefa, a esco-la se volta para a preparao futura do aluno e deixa em segundo plano o estabelecimento de sentido a cada passo do processo de apren-dizagem.

Alm disso, os projetos se caracterizam por uma tarefa coletiva composta de diversas subtarefas. Para sua execuo, preciso: pla-nejar; prever; dividir responsabilidades; ad-quirir conhecimentos especficos relativos ao tema em questo; desenvolver capacidades e procedimentos determinados; usar recursos tecnolgicos; aprender a trabalhar em grupo, agindo de acordo com normas, valores e ati-tudes esperados; organizar o tempo; dividir e redimensionar as tarefas; e avaliar os resulta-dos em funo do plano inicial. A caracters-tica de partilha do planejamento, inerente ao desenvolvimento do projeto, favorece o ne-cessrio compromisso do sujeito que apren-de com sua prpria aprendizagem, pois ela muito mais produtiva quando o grupo que realiza tal projeto conta com a participao de cada um para alcanar a meta comum.

Os professores participantes so supervi-sionados em seus trabalhos por coordenado-ras regionais (especialistas na rea da educa-o - Cedac) que fazem visitas mensais aos municpios e tambm utilizam estratgias de acompanhamento a distncia. Alm disso, contam com o apoio operacional de coorde-nadoras locais (professoras da rede munici-

pal que so selecionadas para assumir essa funo).

O programa optou por eleger o contedo de Lngua Portuguesa como eixo norteador da formao de professores por ser esse conhe-cimento fundamental e instrumento essencial para a aprendizagem de qualquer outro cam-po de conhecimento.4 Por meio da implemen-tao de projetos, pretende-se criar para o professor um contexto paralelo de desenvol-vimento.5

Nesse contexto ele poder, entre muitas outras coisas, construir conhecimentos peda-ggicos, desenvolver um novo olhar sobre as relaes entre professor e aluno e reformular o que entende a respeito dos processos de en-sino e de aprendizagem. O programa pressu-pe que, medida que se apropria desses no-vos saberes, o professor certamente passar a utiliz-los em outros momentos de seu tra-balho cotidiano em sala de aula.

O contedo a ser ministrado em qualquer programa de formao de professores deve nascer necessariamente da concepo did-tica e do projeto educativo que se tm para o aluno. So os objetivos gerais em relao aprendizagem dos alunos que devem nortear o trabalho com os professores, a fim de lhes favorecer a apropriao do saber e do saber-fazer necessrios para tanto. Por essa razo, torna-se fundamental a explicitao da con-cepo do ensino da Lngua Portuguesa como objeto do conhecimento claramente assumi-do para o aluno, bem como a expectativa de-corrente em termos de sua aprendizagem, o que faremos a seguir.

O PEQV entende que um sujeito prepara-do para atuar na transformao da realidade em que est inserido algum capaz de utili-zar as ferramentas e os conhecimentos de que dispomos hoje. No basta apenas saber ler e escrever, necessrio tambm ser capaz de interagir com a lngua escrita de forma plena.

4 Essa estratgia tambm tem a inteno de colaborar na implementao das idias referendadas nos PCN (Parmetros Curriculares Na-

cionais). que estabelecem uma referncia sobre o que e como se deva ensinar em cada rea do conhecimento.

5 Embora esse espao esteja sendo criado dentro do perodo escola existente, a experincia realizada no horrio destinado na grade curricular s aulas de Lingua Portuguesa. Como j dissemos, os c o n t e u d o trabalhados nos projetos atendem s expectativas estabelecidas pelos PCN.

preciso dominar os recursos tecnolgicos que a cada dia esto mais presentes no cotidi-ano do cidado, alm de desenvolver uma s-rie de valores e atitudes condizentes com uma prtica da cidadania.

Junto com os profissionais com quem atua, o PEQV procura ressignificar o sentido da escola em nossa sociedade, por meio de es-tratgias que integrem, de modo dinmico, a cultura local e a universal. A escola deve ser tratada como lugar privilegiado de insero dos alunos no universo do conhecimento.

O programa atua em regies desfavoreci-das do pas, onde a falta de acesso ao mundo letrado sem dvida um fator de excluso de grande parte da populao. Outro dado determinante para a definio do trabalho nessa rea que este, quando bem-conduzi-do, promove o desenvolvimento de uma s-rie de capacidades cognitivas fundamentais para a formao do cidado. Ler, escrever, ou-vir e falar so as principais habilidades lin-gsticas que permeiam todas as atividades escolares ou extra-escolares, sejam elas de produo ou de compreenso da Lngua Por-tuguesa. Pode-se dizer que as atividades discursivas expressas em textos orais ou es-critos so imprescindveis no ambiente esco-lar, pois todas as aes realizadas individual-mente ou em grupo envolvem essas quatro competncias. No entanto, apesar da impor-tncia da linguagem em nosso cotidiano, na maioria das vezes ela aparece na escola desvinculada dos propsitos que lhe do sen-tido no uso social.

muito comum, na escola, que o aluno te-nha acesso somente ao livro didtico e que as atividades de Lngua Portuguesa acabem sen-do restritas e no apresentem vnculo com si-tuaes reais de uso nem promovam o conhe-cimento de outros registros.

Tornar os alunos experientes no uso da lngua implica necessariamente coloc-los em diversas situaes reais de produo de lei-tura e de produo de texto, como, por exem-plo, preparar um discurso, fazer uma apresen-tao para um programa de televiso, escre-ver um livro de histrias, contar para os cole-gas uma histria que tenha lido ou ouvido, ler

histrias para crianas menores etc. Para pro-piciar aos alunos o domnio no campo da lin-guagem, preciso fazer que essa lngua, a que usamos de fato, "invada" a escola por meio de situaes contextualizadas de leitura e escri-ta, como uma grande campanha em prol do saber ler, escrever, ouvir e falar com compe-tncia.

A realizao dos projetos, como est pro-posta no mbito do PEQV, alm de criar um contexto em que o aluno experimenta de ma-neira significativa as possibilidades de leitu-ra e escrita, favorece a concretizao de as-pectos centrais, anteriormente enunciados, relativos considerao de uma epistemolo-gia da prtica. Com a fundamentao em pro-postas desse tipo possvel criar um contex-to formativo, em que se mobilizem as com-petncias do professor. A realizao de proje-tos sugere problemas concretos, e o formador atua em funo das questes que emergem desse processo de implementao.

O importante, para os professores, com-preender o que eles tm de ensinar e por que ensinar. Se isso que faz sentido para os pro-fessores, torna-se necessrio, ento, concili-ar duas classes de propsitos: a dos que ensi-nam e a dos que aprendem. As situaes pro-fissionais so complexas e os conhecimentos no tm uma aplicao linear. O professor tem de agir em situao, por isso precisa ad-quirir conhecimento disciplinar. Entretanto, essa apenas uma parte do seu conhecimen-to profissional. necessrio tambm que ele se capacite para compreender o que est por trs daquela situao didtica. A construo do conhecimento profissional implica, assim, a construo de um contexto que oferea aos professores, simultaneamente, o acesso aos conhecimentos disciplinares, didtica e ao processo de aprendizagem do aluno. Para isso, imprescindvel que levemos em conta o que pensam os professores, quais so suas "teo-rias", como realizam seu trabalho em sala de aula e as conseqncias desse fazer na apren-dizagem dos alunos (o que sabem, o que des-conhecem e o que precisam aprender).

Os resultados alcanados no PEQV validam a utilizao do cardpio de projetos como um

PAINEL 2 Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

elemento importante na criao de um con-texto formativo com essas intencionalidades.

A superviso: "uma ampliao da viso"

A superviso do trabalho pedaggico carac-teriza-se como espaos presenciais6 e a distn-cia, para que professores e coordenadores (re-gionais e locais) reflitam sobre o que foi pro-posto aos alunos e planejem as prximas eta-pas do projeto.

Essa superviso constitui um dos grandes diferenciais que o PEQV oferece. Esse traba-lho realizado por um profissional com mais experincia, que atualmente formador, mas j foi professor e, portanto, tem experincia de sala de aula. Seu encontro sistemtico com o professor, o diretor e o supervisor possibili-ta que os problemas advindos da prtica em sala de aula sejam nomeados, interpretados e transformados. Nessa interlocuo, o pro-fessor ajudado, tanto do ponto de vista da implementao de uma prtica, quanto da compreenso da teoria que a sustenta. A con-figurao de um espao de troca e aprendiza-gem dessa natureza muito comum em di-versas profisses e em muitas escolas que ofe-recem um ensino de qualidade. Para quase todos os profissionais, seu desenvolvimento conta com a possibilidade de dilogo entre pares, pois estimula a troca de saberes. O fato de configurar uma arquitetura de funciona-mento do programa apoiada na idia de que a possibilidade de troca, a reflexo comparti-lhada e o acesso informao devam ser pi-lares do processo tem feito que as respostas e o nvel de compreenso dos professores en-volvidos nessa experincia sejam surpreen-dentemente rpidos.

Isso representa um enorme avano, porque permite superar a situao habitual de solido em que se encontram os professores, e cria uma interlocuo que o motor do crescimen-to profissional. Aos poucos, os professores vo se dando conta de inmeros aspectos da pr-tica pedaggica que no eram observveis, e

buscam, a partir da reflexo sobre a ao, iden-tificar problemas, conhecer os processos de aprendizagem dos alunos, pensar sobre suas interferncias e, portanto, adequar cada vez mais o dilogo entre o ensino e a aprendiza-gem.

O PEQV atua baseado na prtica e na teorizao da prtica, com o intuito de ajudar os profissionais envolvidos a aprender a "fa-zer", a compreender esse "fazer", adequando-o e transformando-o de acordo com uma situ-ao concreta. Portanto, a estratgia de apre-sentao de um cardpio com propostas de di-ferentes projetos a serem realizados ganha outra fora, na medida em que se oferece uma condio material e conceituai para o seu de-senvolvimento.

As principais estratgias formativas utiliza-das nos momentos de superviso so:

A observao de sala de aula e o registro em vdeo da atuao do professor

Por sua prpria especificidade, a observa-o em sala de aula a estratgia que mais da-dos nos fornece para a reflexo com os profes-sores em processo de formao, pois nela no se verifica o desenvolvimento do trabalho ex-clusivamente no plano do discurso falado ou escrito, mas essencialmente no plano em que ocorrem interaes, atitudes, valores, objeti-vos e intervenes, tendo, por isso, um papel fundamental no processo de transformao das prticas.

Os encontros de tematizao de situaes prticas, que foram diretamente observadas pelo formador ou gravadas em vdeo, tm por objetivo criar nos professores a disposio para refletir criticamente sobre as prprias atua-es, buscando as prprias solues nas ques-tes que essas prticas apresentam. Essa es-tratgia ajuda os professores a identificar pro-blemas e a pensar estratgias de resoluo des-tes, a investigar, a ver sob outras perspectivas, a problematiz-las, a levantar hipteses, a identificar e a nomear as dificuldades para

6 Os encontros presenciais consistem em reunies organizadas entre professores e coordenadores, que somam um total de sete horas de trabalho por ms.

buscar alternativas de ao, a elaborar propos-tas de interveno didtica, a refletir e a dis-cutir a adequao das mesmas.

No primeiro ano do programa, foram mais freqentes as situaes de observao de au-las de outros professores realizadas em outros contextos (vdeos de acervos particulares ou direcionados formao de professores), a fim de garantir o distanciamento necessrio para a anlise de questes especficas sobre o ensi-no e/ou a aprendizagem e a progressiva cons-truo de uma atitude profissional de reflexo, compartilhada com a prtica. No segundo ano de trabalho, quando o vnculo de confiana en-tre professores e formadores estava estabele-cido, a observao de aulas realizadas pelos prprios professores ganhou maior espao, dada a importncia dessa real proximidade com a prtica pedaggica em todo e qualquer programa de formao.

As pautas de todas as supervises desse tipo so planejadas de forma que favoream a anlise de contextos muito familiares para todos os professores (a atividade discutida realizada por todos os professores do grupo de superviso), com a ateno voltada para no transformar a observao das aulas gra-vadas numa situao de avaliao externa de "erros" e "acertos". Para tanto, tomam-se al-guns cuidados:

Elabora-se coletivamente o planejamento da atividade que ser gravada (o formador se co-responsabiliza pela realizao da atividade, fornecendo ajuda "antes").

Realiza-se um encontro com o professor da classe, antes da gravao, com a finalidade de planejar, antecipar possveis problemas e dis-cutir os aspectos que estaro sendo focaliza-dos na superviso com todo o grupo.

Aps as gravaes, realiza-se, junto com o professor, uma anlise da aula, selecionam-se trechos dos vdeos e elaboram-se as estra-tgias para sua apresentao (esclarecimen-tos sobre os propsitos da observao, con-signas7 que guiaro a observao feita pelos professores, comentrios sobre a aula etc).

Na superviso, a anlise feita a partir da ob-servao da aula guiada por uma consigna clara, geralmente questes problematizadoras relacionadas com o propsito da observao, recortada por comentrios dos professores do grupo sobre situaes ou passagens (simila-res ou no) ocorridas em suas salas de aula.

Cada professor tem de se remeter prpria aula para ampliar os aspectos observados. Dessa forma, portanto, samos de uma situa-o isolada (a aula do professor X) e vamos para outros contextos (as vivncias de cada professor participante da superviso). Isso re-sulta na criao de uma situao-problema: se a atividade a mesma, o que faz que os resultados observados tenham caractersticas to diferentes?

O fato de se criar essa situao de observa-o, mesmo que cercada por todos esses cui-dados, no garante a apropriao imediata da idia de reflexo sobre a ao, como meio para a auto-observao e auto-avaliao dos profes-sores em superviso. Esse um movimento gradativo, que depende de atitudes a serem construdas e que esto relacionadas com o aprendizado de ouvir outras opinies, consi-derar outras alternativas, admitir possibilida-des de erros, reconhecer as conseqncias de suas diferentes atuaes sobre o desempenho dos alunos.

O desafio que essa prtica coloca para o formador o de identificar e isolar determi-nado aspecto que seja relevante diante das competncias do grupo, da etapa do projeto, do que se quer destacar das aprendizagens dos alunos. Dessa seleo, surge a necessida-de de se pensar as melhores estratgias de tematizao dos contedos envolvidos para a superviso: esclarecimentos sobre os prop-sitos da observao, questes que nortearo a discusso, pausas para comentrios sobre a aula, necessidade de aprofundamento teri-co etc. A superviso potencializa, assim, dis-cusses significativas sobre determinados as-pectos da situao de ensino ou da situao de aprendizagem.

'Consigna a instruo dada para a realizao de determinada tarefa.

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Aps a anlise de resultados que represen-tam diferentes nveis de reflexo, podemos avaliar que as situaes que trazem mais de-safios aos professores e que esto no mbito das supervises so aquelas que demandam a utilizao de competncias relacionadas, em menor ou maior grau:

organizao do discurso sobre a prpria prtica;

a um nvel de reflexo que passa pela inter-pretao de episdios da prpria prtica;

a um nvel de reflexo que leva reconstru-o e alterao da prtica.

Modelos de boas situaes didticas

A criao de contextos de aprendizagem que sejam similares aos que os professores iro realizar com os alunos uma estratgia impor-tante para se trabalhar com situaes que pro-duzam boas aprendizagens para as crianas e a partir das quais se possam compreender seus fundamentos.

No so atividades idnticas s que os professores vo realizar com os alunos, mas atividades que contenham os mesmos prin-cpios didticos e, por isso, possam servir de parmetro. O objetivo dessa situao dis-cutir o "por qu" e o "para qu" de cada pro-posta e o que queremos que os alunos apren-dam com ela.

Donald Schn tem uma posio clara a respeito da imitao, que por muitos anos teve m reputao na esfera educacional. Para ele, muitas das aprendizagens de novas com-petncias passam pela imitao, que no uma simples repetio ou cpia fiel do mo-delo; trata-se de um processo ativo, por meio do qual os professores precisam interpretar o que h de essencial na atividade, de modo que ela possa ser interiorizada de forma prpria e compreensiva.

A teoria tem um papel insubstituvel nesse processo, pois, para que se aprenda com a ex-perincia, preciso conceitualiz-la, o quer di-zer teorizar, sistematizar e validar o que se aprendeu com a reflexo sobre a experincia, estabelecendo relaes entre os conceitos, para que a teorizao da prtica sirva como

referencial para resolver outros problemas pro-fissionais.

No trabalho com bons modelos de situa-es didticas, os contedos apresentam-se de forma contextualizada, isto , procura-se lidar com situaes que dem sentido aos co-nhecimentos que devem ser ensinados, seja na atuao do formador com o grupo de pro-fessores, seja no modelo de atividades presen-tes nos vdeos que so analisados. Em funo disso, as situaes de descontextualizao desses conhecimentos so fundamentais, pois enquanto os professores participam das situ-aes propostas no sabem que esses mesmos conhecimentos podero ser utilizados em outras ocasies. Assim, a criao de uma si-tuao-problema para que os professores co-loquem em jogo o que aprenderam e plane-jem atividades futuras um momento que deve ser garantido na formao, para que os professores, com a ajuda do formador, pos-sam reconhecer o saber que produziram como algo que pode ser transferido para outras si-tuaes.

Temos observado que, quando um conhe-cimento contextualizado e o professor no recebe ajuda para construir um projeto de descontextualizao - ou seja, um projeto no qual ele se questione a respeito do possvel uso desse conhecimento em outra situao -, esse conhecimento pode ficar circunscrito ao con-texto especfico no qual foi inicialmente traba-lhado. Assim, o formador ajuda os professores no planejamento de futuras aes, a partir do que aprenderam, e faz o acompanhamento des-sas aprendizagens: os contedos tratados so rediscutidos e reavaliados nos prximos encon-tros de superviso (por meio de filmagens, re-gistros da prtica e produes das crianas), aps terem sido colocados em prtica. Com isso, criam-se as condies para que os profes-sores faam aproximaes sucessivas com os contedos em questo num nvel de complexi-dade crescente.

Experincia e anlise de situaes homolgicas

No caso de situaes homolgicas, explo-ra-se na situao formativa o paralelismo com

a situao da prtica profissional, e isso eqi-vale a dizer que a didtica utilizada pelo for-mador procura ser coerente com os mesmos conceitos e princpios assumidos para o tra-balho do professor com as crianas.

Sendo assim, nessa modalidade, os pr-prios contextos formativos e a relao entre formador e professor so tomados como si-tuaes exemplificativas de modelos didti-cos, atitudes e modos de organizao que se pretende que venham a ser desempenhados na prtica pedaggica com as crianas, de modo que os mesmos sejam continuamente analisados com olhares de proximidade e distanciamento, alternando entre o vivido e a reflexo sobre o vivido, entre o observado e a reflexo sobre o observado. Dessa forma, o professor compreende, por meio do olhar do formador, o que acontece e quais so as formas e os fundamentos daquilo que ele prope.

Estratgias de formao a distncia

Como j foi dito, um dos principais desa-fios do programa foi a criao de estratgias de formao a distncia, dadas a localizao de cada municpio participante e a necessida-de de acompanhar o desenvolvimento dos pro-jetos e o percurso dos professores em forma-o. Para isso, o programa viabilizou em cada municpio a criao da Casa do Professor,8 um espao dedicado convivncia, formao e ao desenvolvimento pessoal e profissional de todos os professores. A Casa do Professor re-presenta, em cada municpio, um lugar para encontros culturais, reunies pedaggicas, ses-ses coletivas de vdeo com debate, oficinas de arte, centro de documentao, consultas bi-blioteca, acesso a recursos tecnolgicos e informtica, o que permitiu a utilizao do correio eletrnico como importante meio de interlocuo a distncia.

Todo ms, aps os encontros presenciais da coordenadora regional em cada municpio, v-rios so os encaminhamentos realizados com

o objetivo de assegurar a continuidade do acompanhamento do trabalho pedaggico dos professores. Nessa comunicao a distncia, a coordenadora local de cada municpio tem um importante papel, pois ela quem viabilizar a realizao das aes combinadas e o envio de materiais para a coordenadora regional, tais como:

as fitas de vdeo com filmagens de situaes de sala de aula, acompanhadas de registros escritos pelas professoras e das produes das crianas da sala;

seus prprios relatrios das reunies de su-perviso semanais realizadas com os profes-sores;

os relatrios de observaes em sala de aula elaborados pelas supervisoras que acompa-nham o trabalho.

A leitura e a anlise de todo esse material so realizadas pela coordenadora regional vi-sando escrita de retorno, que far, via e-mail para a coordenadora local, e ao planejamento das prximas reunies de superviso presen-ciais, uma vez que, com a anlise das necessi-dades formativas dos professores e das dificul-dades com que deparam para o desenvolvi-mento dos projetos, ela pode antecipar ques-tes que precisaro ser tratadas, selecionar textos para fundamentao terica a partir das reais necessidades dos professores e planejar estratgias mais adequadas para as prximas supervises presenciais.

Reflexes decorrentes dessa prtica A experincia anteriormente descrita per-

mite problematizar as questes enunciadas no incio deste texto e identificar alguns aspectos que nos parecem centrais na constituio des-sa metodologia de formao continuada de professores.

O contexto formativo criado pelo PEQV va-loriza como eixo central da formao a mobi-lizao de competncias profissionais. A hip-

6 A Casa do Professor fruto da parceria com as Secretarias Municipais de Educao e gerida por grupos de professores e representantes das equipes tcnicas dessas secretarias.

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Desenvolvimento da competncia leitora e escritora

tese que est por trs dessa experincia a de que o professor pode desenvolver sua compe-tncia profissional no prprio processo de construo e reconstruo de sua prtica re-flexiva.

Todo o contexto, anteriormente descrito, propicia a anlise de diversos aspectos ligados ao processo de aprendizagem dos professores. A constituio e a implementao de uma metodologia de formao de professores, que tem como objetivo interferir positivamente na aprendizagem dos alunos no campo da leitura e da escrita, implicam a considerao de de-terminados pressupostos e, conseqentemen-te, a validao de certas estratgias. A forma-o de professores est apoiada em trs eixos, a saber:

Assim, na articulao e na ao simult-nea dos mesmos eixos que se pode compreen-der os processos dos professores e garantir, ao mesmo tempo, um impacto positivo sobre a aprendizagem dos alunos.

Uma real ajuda na formao do professor significa criar condies para que ele de fato amplie seus conhecimentos profissionais, en-tendendo por conhecimento profissional a trade:

a reconceitualizao dos contedos de ensi-no;

a concepo de aprendizagem da criana;

a concepo didtica.

Com essa perspectiva, preciso desenvol-ver, no processo de formao, estratgias com a inteno clara de permitir que o professor

aprofunde seus conhecimentos sobre o con-tedo que ser ensinado, articulando-o com o "como" ensin-lo e "para quem" ensin-lo. s com base nesse tipo de conhecimento que o professor poder atuar de maneira pertinen-te na formulao, no encaminhamento e na avaliao de situaes didticas. Para isso, o professor precisa saber como a criana pensa e aprende, e a teorizao de situaes prticas pode ajudar na construo de novos observ-veis sobre o processo de aprendizagem da cri-ana, oferecendo-lhe condies de anlise cr-tica de diferentes concepes didticas.

Entretanto, o grande desafio que esse aprendizado no ocorre de maneira descon-textualizada, desvinculada da prtica, e, por-tanto, no pode ser tratado como conheci-mentos tericos a serem simplesmente trans-mitidos aos professores. necessrio desen-volver estratgias formativas que permitam o contato com esses aspectos a partir da prti-ca pedaggica e da reflexo fundamentada sobre ela.

O professor um profissional, e preciso estimular o dilogo com ele a partir de situa-es nas quais se sinta capaz de avanar e pro-duzir conhecimentos. O desafio est em en-contrar situaes que criem condies para a manifestao da competncia e do desejo de estabelecer um vnculo novo com o conheci-mento e com o seu processo de aprendizagem.

O professor no tratado como um tcni-co ou um mero aplicador de decises alheias, que recebe instrues e coloca-as em prtica. Seu desempenho profissional possui dimen-ses muito mais sofisticadas, pois depende de uma constante reconstruo do que est pla-nejado. Ele tampouco um terico, pois seu trabalho possui tambm uma dimenso con-creta que lhe apresenta desafios de ordem pr-tica a serem enfrentados. Ele um profissio-nal da aprendizagem e precisa encontrar es-paos para construir sua verdadeira identida-de.9 A elaborao de atividades adequadas o terreno de criao do professor e essa possibi-lidade se baseia em capacidades muito carac-

'Esse conceito foi tomado emprestado de Philippe Meirieu.

tersticas, que tm de ser desenvolvidas por quem assume tal funo: a capacidade de ob-servar, analisar, mobilizar conhecimentos re-levantes, avaliar e criar vnculos com o aluno. Quem efetivamente determina a qualidade do trabalho em sala de aula o professor.

A atividade docente demanda a construo de uma srie de conhecimentos e competn-cias por parte do profissional. Exige uma pos-tura reflexiva para que possa: compreender as questes envolvidas no trabalho e desenvolver competncias para identific-las e resolv-las; ter autonomia para tomar decises; assumir a responsabilidade pelas opes feitas. Requer tambm que o profissional saiba avaliar criti-camente seu desempenho e o contexto em que atua, interagindo de forma cooperativa com a equipe qual pertence.

As competncias que esse profissional constri esto relacionadas com sua capacida-de de utilizar mltiplos recursos - entre os quais esto os conhecimentos tericos que possui e suas experincias profissionais e pes-soais, para responder s diferentes demandas das situaes de trabalho. Trata-se de compe-tncias que se traduzem em atos. num saber agir que necessita ser reconhecido pelos pares e pelos outros, e cuja constituio pode e deve ser promovida em termos coletivos. Um exem-plo disso seria desenvolver a competncia de organizar a aprendizagem dos alunos, ou seja, saber fazer uma programao, saber elaborar boas situaes de aprendizagem, saber anali-sar os erros dos alunos, saber individualizar uma resposta etc. No se trata de instituir um modelo nico de competncia. H muitas ma-neiras de ser um bom professor, e isso implica a construo de um estilo prprio e envolvi-mento pessoal. necessrio promover o de-senvolvimento de competncias que permitam ao profissional uma relao de autonomia no trabalho, criando propostas de interveno pedaggica, lanando mo de recursos e co-nhecimentos pessoais e disponveis no contex-to, integrando saberes, sensibilidade e inten-cionalidade para responder a situaes reais, complexas e diferenciadas.

Essa experincia mostra-nos que o foco da formao continuada de professores deve ser

o de buscar meios de interferir positivamente em sua atitude perante o trabalho, criando condies para que possam, cada vez mais, assumir a responsabilidade de ensinar.

Uma proposta de melhoria da qualidade da aprendizagem nas escolas deve necessaria-mente criar espaos de formao em que os professores possam vivenciar experincias concretas e se apropriar de procedimentos que lhes permitam transformar seu fazer pedag-gico. Para que isso ocorra, necessrio: confi-gurar espaos que promovam o trabalho cole-tivo; fazer o intercmbio entre pares, propici-ando momentos de ajuda e troca; estimular o intercmbio entre professor e algum agente externo qualificado, que permita a identifica-o de aspectos que ficam "invisveis" para quem est fazendo - tudo isso com a perspec-tiva de ir constituindo gradativamente uma equipe colaborativa de trabalho.

Um projeto de formao de professores deve investir na constituio da escola como um espao de formao em que se cria e se recria, e onde se identificam problemas e se elaboram conjuntamente estratgias para solucion-los.

Entretanto, apenas criar um clima favor-vel e fomentar o trabalho em equipe no su-ficiente para transformar a condio didtica do professor. primordial que, associado a isso, sejam dadas ao professor as condies e as possibilidades de aprender a fazer, fazen-do. Mais do que criar mecanismos normativos de explicao sobre o que se deve fazer, a for-mao continuada tem de ajud-lo a compre-ender o que faz e por que faz, medida que v tendo a oportunidade de atuar e de inter-pretar de forma fundamentada o que foi rea-lizado.

E nesse espao do fazer pedaggico que se articularo o papel e a ao do formador com a do professor. A interveno do forma-dor s tem sentido se estiver em sintonia com a possibilidade de compreenso e com as ques-tes do professor. nessa interlocuo pauta-da pela prtica que ser possvel a construo de novos sentidos. O trabalho de formao tem de gerar situaes que propiciem ao professor: organizar o discurso sobre a prtica; adquirir

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um nvel de reflexo que passe pela interpre-tao de episdios da prtica; teorizar sobre o ocorrido, a fim de a promover uma reconstru-o e a alterao da prtica sempre que se faa necessrio.

Vale ressaltar, ainda, que uma prtica de formao continuada deve considerar que o desenvolvimento profissional implica um pro-cesso no qual o professor vai construindo seus conhecimentos a partir da prpria experin-cia e das aprendizagens conquistadas a cada etapa do trabalho. um processo gradual em que, a cada passo, os conhecimentos adquiri-dos permitiro interpretar, em outras perspec-tivas, experincias e questes que antes no eram observveis. A formao deve ser pensa-da a partir de uma concepo de nveis de co-nhecimentos que se vo desenvolvendo por meio de processos construtivos de ao-refle-xo-ao, numa espiral.

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