Livro POSITIVISMO JURÍDICO

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Livro Positivismo Jurídico de Norberto Bobbio

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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Bobbio, Norberto, 1909 O Positivismo Jurdico: Lies de filosofia do direito / Norberto Bobbio; compiladas por Nello Morra; traduo e notas Mrcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. So Paulo: cone, 1995.ISBN 85-274-0328-51. Direito 2. Direito Filosofia 3. Positivismo I. Morra, Nello, II.Ttulo.95-0422CDU-340.12ndices para catlogo sistemtico:340.12Positivismo jurdico: Direito: FilosofiaNORBERTO BOBBIOO POSITIVISMO JURDICOLIES DE FILOSOFIA DO DIREITOcompiladas pelo Dr. NELLO MORRATraduo e notasMrcio Pugliesi, da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.Edson Bini, da Faculdade de Filosofia da Universidade de So Paulo.Carlos E. Rodrigues, da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.AconeeditoraG. Giapichelli Editore S.R.I.Torino - Itlia.Direitos Reservados para lngua portuguesa cone Editora Ltda, 1999.Coleo Elementos de DireitoCoordenao TcnicaCarlos E. Rodrigues Mrcio PugliesiProduo e CapaAnzio de OliveiraDiagramaoRosicler Freitas TeodoroRevisoRosa Maria Cury CardosoProibida a reproduo total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrnico, mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, sem permisso expressa do editor (Lei na 5.988,14/12/1973).Todos os direitos reservados pela CONE EDITORA LTDA.Rua das Palmeiras, 213 Sta. Ceclia CEP 01226-010 So Paulo SP Tels./Fax.: (011)3666-309589NDICEPrefcio nova edio11Parte IAS ORIGENS HISTRICAS DO POSITIVISMO JURDICO INTRODUODireito natural e direito positivo no pensamento clssico15Direito natural e direito positivo no pensamento medieval19Direito natural e direito positivo no pensamento dos jusnaturalistas dos sculos XVII e XVIII20Critrios de distino entre direito natural e direito positivo22Captulo I OS PRESSUPOSTOS HISTRICOSRelaes entre direito natural e direito positivo25O contexto histrico do positivismo jurdico.A posio do juiz quanto formao do direitoantes e depois do surgimento do Estado moderno26Os eventos histricos do direito romano30Common law e statute law na Inglaterra:sir Edward Coke e Thomas Hobbes32A monopolizao do direito por parte do legislador na concepo absolutista e na liberal. Montesquieu e Beccaria37A sobrevivncia do direito natural nas concepes jusfilosficas do racionalismo no sculo XVIII.As lacunas do direito42Captulo II AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURDICO NA ALEMANHAA Escola histrica do direito como predecessorado positivismo jurdico. Gustavo Hugo45As caractersticas do historicismo.De Maistre, Burke, Mser47A escola histrica do direito. C. F. Savigny51O movimento pela codificao do direito. Thibaut53A polmica entre Thibaut e Savigny sobre a codificaodo direito na Alemanha57Captulo III O CDIGO DE NAPOLEO E AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURDICO NA FRANAO significado histrico do Cdigo de Napoleo.A codificao Justiniana e a napolenica63As concepes filosfico-jurdicas do iluminismo inspiradoras da codificao francesa.As declaraes programticas das Assemblias revolucionrias64Os projetos de codificao de inspirao jusnaturalista: Cambacrs67A elaborao e a aprovao do projeto definitivo: Portalis .... 71As relaes entre o juiz e a lei segundo o art. 42 do Cdigo Civil. O discurso preliminar de Portalis73A escola da exegese: as causas histricas do seu advento78A escola da exegese: seus maiores expoentes e suas caractersticas fundamentais83Captulo IV AS ORIGENS DO POSITIVISMO JURDICO NA INGLATERRA: BENTHAM E AUSTINBentham: traos biogrficos. A inspirao iluminista desua tica utilitarista91Bentham: a crtica common law e a teoria da codificao.... 96Austin: a tentativa de mediao entre a escola histricaalem e o utilitarismo ingls101Austin: sua concepo do direito positivo105Austin: a distino entre direito legislativo e direito judicirio; a crtica ao direito judicirio109Austin: o problema da codificao111CONCLUSO DA PARTE HISTRICAO fato histrico da produo legislativa do direito o fundamento do positivismo jurdico; o significado da legislao ..119A codificao inexistente na Alemanha: a funo histrica do direito cientfico121Jhering: o mtodo da cincia jurdica122Parte IIA DOUTRINA DO POSITIVISMO JURDICO INTRODUOOs pontos fundamentais da doutrina juspositivista131Captulo I O POSITIVISMO JURDICO COMOABORDAGEM AVALORATIVA DO DIREITOO positivismo jurdico como postura cientficafrente ao direito: juzo de validade e juzo de valor135Cincia do direito e filosofia do direito: definies avalorativas e definies valorativas138Positivismo jurdico e realismo jurdico: a definiodo direito como norma vlida ou como norma eficaz142O formalismo como caracterstica da definio juspositivista do direito144Captulo II A DEFINIO DO DIREITO EM FUNO DA COAOAs origens histricas da concepo coercitiva do direito: Thomasius147A teorizao da concepo coercitiva: Kant e Jhering.Objees a essa teoria151A moderna formulao da teoria da coao:Kelsen e Ross155Captulo III A TEORIA DAS FONTES DO DIREITO: A LEI COMO NICA FONTE DE QUALIFICAOO significado tcnico da expresso fontes do direito161Condies necessrias para que num ordenamento jurdico exista uma fonte predominante162Fontes de qualificao jurdica; fontes de conhecimento jurdico (fontes reconhecidas e fontes delegadas)164O costume como fonte de direito na histria do pensamento jurdico e na histria das instituies positivas166A deciso do juiz como fonte de direito. A eqidade171A chamada natureza das coisas como fonte de direito175Captulo IV A TEORIA IMPERATIVISTA DA NORMA JURDICAA concepo da norma jurdica como comando.Distino entre comando e conselho. Austin e Thon181A construo imperativista das normas permissivas186A caracterizao do imperativo jurdico:tentativas insatisfatrias189A caracterizao do imperativo jurdico: o direito como imperativo hipottico191Captulo V A TEORIA DO ORDENAMENTO JURDICOA teoria do ordenamento jurdico como contribuiooriginal do positivismo jurdico teoria geral do direito197A unidade do ordenamento jurdico. A teoria kelsenianada norma fundamental199Relaes entre coerncia e completitude do ordenamento jurdico202A coerncia do ordenamento jurdico. Os critrios para eliminar as antinomias203A completitude do ordenamento jurdico.O problema das lacunas da lei207Captulo VI A FUNO INTERPRETATIVA DA JURISPRUDNCIAO papel da jurisprudncia. A noo de interpretao211Os meios hermenuticos do positivismo jurdico:a interpretao declarativa; a interpretao integrativa (a analogia)214A concepo juspositivista da cincia jurdica:o formalismo cientfico220Captulo VII O POSITIVISMO JURDICO COMO IDEOLOGIA DO DIREITOTeoria e ideologia. O aspecto ideolgico do positivismo jurdico. Crtica teoria e ideologia do juspositivismo223O contedo e o significado da verso extremista da ideologia juspositivista: as suas vrias justificaes histrico-filosficas225A verso moderada do positivismo tico: a ordem comovalor prprio do direito229CONCLUSO GERALOs trs aspectos fundamentais do positivismo jurdico:nossa avaliao:233APNDICE239liPREFCIO NOVA EDIOEstas lies sobre o positivismo jurdico, publicadas primeiramente sob forma de fascculos pela Cooperativa Libraria Universitaria Torinese, h muito tempo esgotados, foram desenvolvidas por mim no ano acadmico de 1960-1961. Sua publicao foi possvel pela diligncia e pela percia com que foram compiladas pelo doutor Nello Morra a quem, apesar de tantos anos passados, expresso a mais viva gratido.Foram concebidas como comentrio histrico e como sntese terica de dois cursos precedentes sobre a Teoria da norma jurdica(N.T.) A ser publicado por esta editora. e sobre a Teoria do ordenamento jurdico (N.T.) Ed. Polis/EDUSP., desenvolvidos respectivamente nos anos acadmicos de 1957-1958 e 1959-1960, publicados pelo editor Giappichelli e, diferentemente das presentes aulas, permanentemente reeditados. Seguiram-se a tais cursos alguns outros sobre direito natural, dos quais alguns traos podem ser lobrigados no volume de fascculos, Locke e o direito natural, editado pelo mesmo Giappichelli em 1963.O problema da natureza e do significado histrico do positivismo jurdico estava na ordem do dia naqueles anos, particularmente depois do ensaio que H. L. A. Hart havia escrito em defesa do positivismo jurdico em sua polmica com Lon L. Fuller, Positivism and Separation of Law and Morals, na Harvard Law Review, vol. 71, 1958, pp. 593- 630 ( traduzido ao italiano na coletnea de escritos de Hart, Contributi all analisi del diritto, sob coordenao de Vittorio Frosini, Milo, Giuffr, 1964, pp. 107-166). No mesmo ano foi editada a principal obra de Alf Ross, On Law and Justice, Londres, Steve & Sons (traduo italiana por Giacomo Gavazzi, Einaudi, Turim, 1965). Em 1961, o ano da primeira edio destes fascculos, foi editada a obra principal de Hart, The Concept of Law, Oxford, Clarendon Press (traduo italiana a cargo de Mario A. Cattaneo, tambm pela Einaudi, Turim, 1965 (N.T.) Edio portuguesa cm traduo de Armindo Ribeiro Mendes, Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1086.). No ano anterior havia sido editada a obra conclusiva de Hans Kelsen, a nova edio de Reine Rechtslehre, Viena, Franz Deuticke (traduo italiana a cargo de Mario Losano, Einaudi, 1966 (N.T.) Edio portuguesa por Joo Baptista Machado, Armnio Amado-Editor, Coimbra, 1979; h, ainda, edio brasileira publicada pela Freitas Bastos.). No vero de 1960, Alessandro Passerin dEntrves e eu, com a colaborao de Renato Treves, convidamos os professores Hart e Ross com alguns de seus alunos e outros jovens estudiosos italianos para um seminrio sobre o positivismo jurdico, com cerca de duas semanas de durao, na Villa Serbelloni di Bellagio, sob os auspcios da Rockefeller Foundation. Foi sobretudo deste seminrio que obtive inspirao, e alm da inspirao muito material, para desenvolver todo um curso sobre o assunto. A idia que o embasa e justifica sua articulao foi exposta por mim em um artigo, Sul positivismo giuridico, publicado na Revista di Filosofia, no primeiro fascculo de 1961 (pp. 14-34).Em sua primeira edio este curso teve a honra de ser douta e intensamente apreciado, no sem algumas justas observaes crticas, na Revista trimestrale di diritto e procedura civile (ano XV, 1961, pp. 1476-1480) por Guido Fass, cujo precoce desaparecimento constituiu grave perda para o meio estudioso. Dedico esta reimpresso sua cara memria.E intil dizer que o curso se ressente do tempo em que foi escrito e de um debate que no mais se desenvolve nos termos de ento. Mas no o revisei, nem o atualizei. Apesar de toda gua que passou sob as pontes do positivismo jurdico, os pilares centrais resistiram. A presente reimpresso reproduz exatamente a primeira edio, salvo algumas pequenas correes formais.Norberto Bobbio#13PARTE IAS ORIGENS HISTRICAS DO POSITIVISMO JURDICO2021INTRODUODireito natural e direito positivo no pensamento clssico.O curso a ser ministrado este ano dedicado ao positivismo jurdico e dividir-se- em duas partes, a primeira dedicada a problemas histricos e a segunda a problemas tericos.A expresso positivismo j urdico no deriva daquela de positivismo em sentido filosfico, embora no sculo passado tenha havido uma certa ligao entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurdicos eram tambm positivistas em sentido filosfico: mas em suas origens (que se encontram no incio do sculo XIX) nada tem a ver com o positivismo filosfico tanto verdade que, enquanto o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na Frana. A expresso positivismo jurdico deriva da locuo direito positivo contraposta quela de direito natural. Para com-preender o significado do positivismo jurdico, portanto, necessrio esclarecer o sentido da expresso direito positivo.Toda a tradio do pensamento jurdico ocidental dominada pela distino entre direito positivo e direito natural, distino que, quanto ao contedo conceituai, j se encontra no pensamento grego e latino; o uso da expresso direito positivo , entretanto, relativamente recente, de vez que se encontra apenas nos textos latinos medievais.No latim da poca romana, o uso do termo positivus em sentido anlogo quele a ser assumido na expresso direito positivo encontrado em apenas um texto. Trata-se de uma passagem das NottiAttiche de Aulo Gellio, onde se diz:Quod P. Nigidus argutissime docuit nomina non positiva esse, sed naturalia.Como se v, nesta passagem a contraposio entre positivo e natural feita relativamente natureza no do direito mas da linguagem: esta traz a si o problema (que j encontramos nas disputas entre Scrates e os sofistas) da distino entre aquilo que por natureza (physis) e aquilo que por conveno ou posto pelos homens (thsis). O problema que se pe pela linguagem, isto , se algo natural ou convencional, pe-se analogamente tambm para o direito. A primeira vez que se encontra no latim ps-clssico a expresso positivus referida ao direito numa passagem do Commento de Calcidio ao Timeu de Plato*'(N.T.) H edio brasileira do Timcu^ traduo de Norberto de Paula Uma, Timeu cCrtias, Hemus Editora, So Paulo, s/data. (esta obra de Calcidio, um neoplatnico ou comentador de Plato, foi durante um longo tempo at o sculo XII a nica fonte do conhecimento medieval de Plato). Diz-se nele:Ex quo adparet in hoc libro [zso , no Timeu] principaliter id agi, contemplationem considerationemque institui nonpositivae, sednatura- lis illius justitiae atque aequitatis, quae inscripta instituendis legibus describendisque formulis tribuit ex genuina moderatione substantiam.Aqui o termo positivorefere-se justia: a passagem pretende expressar precisamente que o Timeu trata da justia natural (isto , das leis naturais que regem o cosmos, e, portanto, a cosmologia, a criao e a constituio do universo) e no da justia positiva (isto , das leis reguladoras da vida social).Como dissemos, a distino conceituai entre direito natural e direito positivo j se encontra em Plato e em Aristteles. Este ltimo inicia deste modo o captulo VII do livro V de sua tica a Nicmaco:Da justia civil uma parte de origem natural, outra se funda em a lei. Natural aquela justia que mantm em toda parte o mesmo efeito e no depende do fato de que parea boa a algum ou no; fundada na lei aquela, ao contrrio, de que no importa.se suas origens so estas ou aquelas, mas sim como , uma vez sancionada. (Da traduo de A. Plebe, ed. Laterza, pp. 144-145.) (N.T.) A traduo de Leonel VallandroeGerd Bornheim a partir daquela inglesa de W.D. Ros e publicada na coleo Os Pensadores, vol. 4, Abril S/A Cultural e Industrial, 1973, nos diz:Dci justia poltica, uma parte c natural c outra parte legal: natural aquela que tem a mesma fora onde quer que seja e no existe cm razo de pensarem os homens deste ou daquele modo; legal, a que de incio indiferente, mas deixa de s-lo depois que foi estabelecida . . . (p. 331).Neste texto o direito positivo chamado direito legal (nomikn dkaion) e o natural dito physikn: observamos que imprprio traduzir o termo dkaion pela palavra direito (ainda que o faamos assim por motivos prticos) uma vez que o grego dkaion (bem como o latino jus) tem um significado dual indicando ao mesmo tempo a idia de justia e de direito. Dois so os critrios pelos quais Aristteles distingue o direito natural e o positivo:o direito natural aquele que tem em toda parte (pantacho) a mesma eficcia (o filsofo emprega o exemplo do fogo que queima em qualquer parte), enquanto o direito positivo tem eficcia apenas nas comunidades polticas singulares em que posto;o direito natural prescreve aes cujo valor no depende do juzo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe independentemente do fato de parecerem boas a alguns ou ms a outros. Prescreve, pois, aes cuja bondade objetiva (aes que so boas em si mesmas, diriam os escolsticos medievais). O direito positivo, ao contrrio, aquele que estabelece aes que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um modo ou de outro mas, uma vez reguladas pela lei, importa (isto : correto e necessrio) que sejam desempenhadas do modo prescrito pela lei. Aristteles d este exemplo: antes da existncia de uma lei ritual indiferente sacrificar a uma divindade um ovelha ou duas cabras; mas uma vez existente uma lei que ordena sacrificar uma ovelha, isto se torna obrigatrio; correto sacrificar uma ovelha e no duas cabras no porque esta ao seja boa por sua natureza, mas porque conforme a uma lei que dispe desta maneira.Esta dicotomia, tambm encontrada no direito romano, onde formulada como distino entre direito natural (e preciso notar que tambm o jus gentium muitas vezes includo neste) tjus civile (no em sentido estrito contraposto a o jus honorarium mas em sentido latocontraposto ao jus gentium ou ao jus naturale). Assiim, no incio das Instituies se encontra a trplice distino entre jus naturale, jus gentium e jus civile., A primeira categoria (jus naturale) definida como quod natura omnia animalia docuit no nos interessa porque estamos examinando a categoria do jus gentium que corresponde ao conceito de direita natural, bem como o de jus civile corresponde ao nosso conceito de direito positivo. Formula-se a distino entre jus gentium e jus civile nestes termos:Jus naturale est quod natura omnia animalia docuit... Jus autem civile ve.l gentium ita dividitur: omnespopuli qui legibus et moribus reguntur, partim suo proprio, partim communi omnium hominum jure utentur; nam quod quisque populus ipse sibi jus constituit, id ipsius proprium civitatis est vocaturque jus civile, quasi jus proprium ipsius civitatis: quod vero naturalis ratio inter omnes homines constituit, id apud omnes populos peraeque custoditur vocaturque jus gentium, quasi quo jure omnes gentes utuntur (1,1, 2, 1).(N.T.) O direito natural aquele que a natureza ensina a todos os animais ... O direito civil e o direito das gentes devem ser distinguidos: todos os povos que so regidos por leis e pelos costumes tm um direito que lhes prprio em parte e em parte comum a todos os homens. Com efeito, o direito que cada povo cstabclcce para si mesmo o direito prprio cidade: chama-se direito civil porque o direito especial da cidade. Mas o direito que u razo natural estabeleceu entre os homens, que igualmente observado entre todos os povos, chama-se direito das gentes, isto e, direito de todas as naes.O jus gentium e o jus civile correspondem nossa distino entre direito natural e direito positivo, visto que o primeiro se refere natureza (naturalis rati) e o segundo s estatuies do populus. Das distines ora apresentadas temos que so dois os critrios para distinguir o direito positivo (jus civile) do direito natural (jus gentium):o primeiro limita-se a um determinado povo, ao passo que o segundo no tem limites;o primeiro posto pelo povo (isto , por uma entidade social criada pelos homens), enquanto o segundo posto pela naturalis ratio.Numa passagem posterior introduzido um terceiro critrio distintivo:Sed naturalia quidemjura, quae apud omnes gentes peraeque servantur, divina quadam providentia constitua semper firma atque immutabilia permanent: ea vero, quae ipsa sibi quaeque civitas constituit, saepe mutari solent vel tacito consensupopuli vel aliapostea lege lata (1,1,2, 11).-=Enquanto, pois, o direito natural permanece imutvel no tempo, o positivo muda (assim como no espao) tambm no tempo, uma norma pode ser anulada ou mudada seja por costume (costume ab-rogativ) seja por efeito de uma outra lei.Uma outra definio clebre encontrada num fragmento de Paulo e apresentada no Digesto:Jus pluribus modis dicitur: uno modo, cum id quod semper aequum ac bonum estjus dicitur, ut est jus naturale altero modo, quod omnibus aut pluribus in quaque civitate utile est, ut estjus civile (D. 1, 1, 11).Dois so os critrios sobre os quais se baseia a distino de Paulo entre direito natural e direito civil:o direito natural universal e imutyel (semper) enquantOLOchdL particular (no tempo e no espao);o direito natural estabelece aquilo que bom (bonum etaequum), enquanto o civil estabelece aquilo que til: o juzo correspondente ao primeiro funda-se num critrio moral, ao passo que o relativo ao segundo baseia-se num critrio econmico ou utilitrio.Direito natural e direito positivo no pensamento medieval.De acordo com os resultados obtidos por Kuttner, em suas pesquisas, o, primeiro uso da frmula jus positivum se encontra num filsofo medieval,pm fins do sculo XI, e precisamente, em Abelardo (segundo investigaes anteriores de Kantarowicz, ao contrrio, acreditava-se que o primeiro uso de tal termo adviesse de Damaso, no sculo XII; e provvel que pesquisas mais acuradas permitissem remontar tal uso ainda anteriormente a Abelardo). Este ltimo autor assim escreve em seu Dialogus inter philosophum, judaeum et christianum:Opor te t autem in his quae ad justitiam pertinent, non solum naturalis, verum etiampositivae justitiae tramitem non excedere. Jus quippe aliud naturale, aliud positivum dicitur. . .Depois de haver definido o direito natural, o nosso filsofo prossegue definindo o direito positivo:Positivae autem justitiae illud est quod ab hominibus institutum, ad utilitatem scii vel honestatem tutius muniendum, aut sola consuetudine aut scripti nititur auctoritate (Patr. lat., 178, p. 1656).Segundo Abelardo, ento, o direito positiva illud est quod ab hominibus institutum: isto , a sua caracterstica a de ser posto pelos homens, em contraste com o direito natural que no posto por esses,mas por algo (ou algum) que est alm desses, como a natureza (ou o prprio Deus).Essa distino entre direito natural e direito positivo se encontra em todos os escritores medievais: telogos, filsofos, canonistas. Na Summa theologica (I, a II. ae, q. 90) de Santo Toms, por exemplo, h uma extensssima dissertao relativa aos diferentes tipos de lei. O autor distingue quatroT a saber: a lex aeterna, a lex naturalis, a lex humana e alex divina. Esquecendo-nos da primeira e da quarta destas categorias (a lex aeterna e a lex divina) que no nos interessam aqui, consideremos a lex naturalis e a lex humana: tais leis correspondem distino entre direito natural e direito positivo; em verdade, Santo Toms no chama positiva a lex humana apenas porque tambm a lex divina positiva.A lex naturalis definida pelo filsofo como:Partecipatio legis aeternae in rationali creatura.A lex humana, continua ele, deriva da natural por obra do legislador que a pe e a faz valer, mas tal derivao pode ocorrer segundo dois diferentes modos, ou seja,per conclusionem ou per determinationem.tem-se derivao per conclusionem quando a lei positiva deriva daquela natural segundo um processo lgico necessrio (como se fosse a concluso de um silogismo): por exemplo, a norma positiva impeditiva do falso testemunho deduz-se da lei natural segundo a qual preciso dizer a verdade;tem-se a derivao per determinationem quando a lei natural muito geral (e genrica), correspondendo ao direito positivo determinar o modo concreto segundo o qual essa lei deva ser aplicada: por exemplo, a lei natural estabelece que os delitos devem ser punidos, mas a determinao da medida e do modo da punio feita pela lei humana. essencialmente em relao a esta segunda categoria que Santo Toms afirma ter a lei humana vigor apenas por fora do legislador que a pe (vigorem legis ex sola lege humana).Direito natural e direito positivo no pensamento dos jusnaturalistas dos sculos XVII e XVIII.A mais clebre distino entre direito natural e direito positivo no pensamento moderno devida a Grcio (considerado o pai do direito internacional) que em seu De jure belli acpacis (1, 10) formula tal distino em termos de jus naturale e jus voluntarium:O direito natural um ditame da justa razo destinado a mostrar que um ato moralmente torpe ou moralmente necessrio segundo seja ou no conforme prpria natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato., em conseqncia disto vetado ou comandado por Deus, enquanto autor da natureza.E acrescenta:Os atos relativamente aos quais existe um tal ditame da justa razo so obrigatrios ou ilcitos por si mesmos.O direito civil aquele derivado do poder civil, e designa por poder civil aquele que compete ao Estado, por Estado a associao perptua de homens livres, reunidos em conjunto com o fito de gozar os prprios direitos e buscar a utilidade comum.Nesta ltima afirmao encontramos uma interessante indicao acerca da origem do direito positivo, podendo afirmar-se que este posto pelo Estado. Observamos, porm, que segundo Grcio o Estado apenas uma das trs instituies que podem pr o direito voluntrio; as outras duas so, a primeira, inferior ao Estado, a famlia, que enseja o direito familiar ou paterno (tambm Aristteles falava do dispotikn dkaion, que se poderia traduzir como direito patronal, enquanto direito posto pelo chefe da comunidade familiar); a outra instituio, superior ao Estado, a comunidade internacional que pe o jus gentium, entendido no no sentido (que vimos anteriormente) de direito comum a todas as pessoas, mas no sentido de jus inter gentes (isto , direito que regula as relaes entre os povos ou os Estados).Para dar um ltimo exemplo da distino entre direito natural e direito positivo, iremos escolh-lo no limiar da poca em que nasce o positivismo jurdico, isto , aos fins do sculo XVIII, em Glck, que em seu Commentario alie Pandette (Milo, 1888, vol. 1, pp. 61-62) diz:O direito se distingue, segundo o modo pelo qual advm nossa conscincia, em natural epositivo. Chama-se direito natural o conjunto, de todas as leis, que por meio da razo fizeram-se conhecer tanto pela natureza, quanto por aquelas coisas que a natureza humana requer como condies e meios de consecuo dos prprios objetivos .. . Chama-se direito positivo, ao contrrio, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador g_qne. por aqneln dgcjara- o, vm a ser conhecidas.Um outro critrio distintivo parece surgir aqui, critrio que no mais se refere fonte, isto , ao modo pelo qual um ou outro direito posto, mas ao modo pelo qual os destinatrios vm a conhecer as normas: o direito natural aquele de que obtemos conhecimento atravs da razo, de vez que esta deriva da natureza das coisas; o direito positivo aquele que vimos a conhecer atravs de uma declarao de vontade do legislador. Glck apresenta como exemplo de direito positivo o usucapio, porque no Hp.rivn da natnrey? HaS njsas mas determinado pelor, e, como exemplo de direito natural, o princpio pacta suntservanda e o dever do comprador de pagar ao vendedor o preo avenado.Pode-se, ento, assinalar com toda evidncia o limite entre direito natural e direito positivo dizendo: a esfera do direito natural limita-se quilo que se demonstra a priori; aquela do direito positivo comea, ao contrrio, onde a deciso sobre se uma coisa constitui, ou no, direito depende da vontade de um legislador.Critrios de distino entre direito natural e direito positivo.Tratemos, agora, de extrair das vrias definies anteriormente examinadas um rol, tanto quanto possvel completo, das caractersticas distintivas dos dois direitos.Podemos destacar seis critrios de distino:o primeiro se baseia na anttese universalidade/particularidade e contrape o direito natural, que vide em toda parte, ao positivo, que vale apenas em_algups lugares (Aristteles, Inst. Ia definio);o segundo se baseia na anttese imutabilidade/mutabilidade: o direito natural imutvel no tempo, o pnsitivn rrmHa (Inst. 2~ definio , Paulo); esta caracterstica nem sempre foi reconhecida: Aristteles, por exemplo, sublinha a universalidade no espao, mas no acolhe a imutabilidade no tempo, sustentando que tambm o direito natural pode mudar no tempo;o terceiro critrio de distino, um dos mais importantes, refere- se fonte do direito e funda-se na anttese natura-potestaspopulus (Inst.Ia definio , Grcio);o quarto critrio se refere ao modo pelo qual o direito conhecido, o modo pelo qual chega a ns (isto , os destinatrios), elastreia-se na anttese ratio-voluntas (Glck): o direito natural aquele que conhecemos atravs, de nossa-razo. (Este critrio liga-se a uma concepo racionalista da tica, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos racionalmente, e, de um modo mais geral, por uma concepo racionalista da filosofia.) O direito, positivcu-ao contrrio, conhecido atravs de uma declarao de. vontad alheia (promulgao);o quinto critrio concem^Bjetdsdoisdireitos, isto, aos comportamentos regulados por estes: os comportamentos regulados pelo direito natural so bons ou maus por si-mesmos. enquanto aqueles regulados pelo direito positivo so por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificao apenas porque~le~^epois"que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo ( justo aquilo que ordenado, injusto o que vetado) (Aristteles, Grcio);a ltima distino refere-se ao critrio de valorao das aes e enunciado por Paulo: o direito natural-estabelece aquilo que bom, o direito pQSijyo estabelece aquilo que jtil.2422CAPTULO IOS PRESSUPOSTOS HISTRICOSRelaes entre direito natural e direito positivo.A partir do breve panorama histrico que apresentamos constata- se que at o final do sculo XVIII o direito foi definido individualizando-se duas espcies de direito, o natural e o positivo. Estas duas espcies de direito no so consideradas diferentes relativamente sua qualidade ou qualificao: se uma diferena indicada entre ambos refere-se apenas ao seu grau (ou gradao) no sentido de que uma espcie de direito considerada superior outra, isto , so postas em planos diferentes.O exame das diversas concepes sobre a diversidade de planos em que se colocam o direito natural e o positivo nos levaria muito longe. Limitando-nos a algumas indicaes a respeito diremos que na poca clssica o direito natural no era considerado superior ao positivo: de fato o direito natural era concebido como direito comum (koins nmos conforme o designa Aristteles) e o positivo como direito especial ou particular de uma dada civitas; assim, baseando-se no princpio pelo qual o direito particular prevalece sobre o geral (lex specialis derogat generali), o direito positivo prevalecia sobre o natural sempre que entre ambos ocorresse um conflito (basta lembrar o caso da Antgona, em que o direito positivo o decreto de Creonte prevalece sobre o direito natural o direito no escrito posto pelos prprios deuses, a quem a protagonista da tragdia apela).Na Idade Mdia, ao contrrio, a relao entre as duas espcies de direito se inverte; o direito natural considerado superior ao positivo, posto seja o primeiro visto no mais como simples direito comum, mas como norma fundada na prpria vontade de Deus e por este participada razo humana ou, como diz So Paulo, como a lei escrita por Deus no corao dos homens. Esta concepo do direito natural encontra sua consagrao oficial na definio que lhe dada no Decretum Gratiani (que a primeira grande recenso de direito cannico, e que constituir posteriormente a primeira parte do Corpus juris canonici).Jus naturale est quod in Lege et in Evangelio continetur(isto , o direito natural aquele contido na lei mosaica do Velho Testamento e no Evangelho). Desta concepo do direito natural como direito de inspirao crist derivou a tendncia permanente no pensamento jusnaturalista de considerar tal direito como superior ao positivo. Esta superioridade afirmada no prprio Decretum Gratiani, logo depois da passagem citada:Dignitate vero jus naturale praeponitur legibus ac constitutionibus ac consuetudinibus.Mas, como dissemos, esta distino de grau no implicava uma diversidade de qualificao: direito natural e direito positivo eram ambos qualificados como direito na mesma acepo do termo.Voltando ao assunto de nosso curso, o positivismo jurdico uma concepo do direito que nasce quando direito positivo e direito natural no mais so considerados direito no mesmo sentido, mas o direito positivo passa a ser considerado como direito em sentido prprio. Por obra do positivismo jurdico ocorre a reduo de todo o direito a .direito positivo, e o direito natural excludo da categoria do direito: o direito positivo direito, o direito natural no direito. A partir deste momento o acrscimo do adjetivo positivo ao termo direito torna-se um pleonasmo mesmo porque, se quisermos usar uma frmula sinttica,f o positivismo jurdico aquela doutrina segundo a qual no existe outro direito seno o positivo.O contexto histrico do positivismo jurdico. A posio do juiz quanto formao do direito antes e depois do surgimento do Estado modernoEntramos, assim, no tema de nosso curso: trata-se de estabelecer por que, como e quando QCorreiiSla passagemda concepo jusnaturalista posi ti vista que dominou todo o sculo passado e que domina em grande parte at agora. A origem desta concepo ligada formao do Estado moderno que surge com a dissoluo da sociedade medieval.A sociedade medieval era uma sociedade pluralista, posto ser constituda por uma pluralidade de agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurdico prprio: o direito a se apresentava como um fenmeno social, produzido no pelo Estado, mas pela sociedade civil. Com a formao do Estado moderno, ao contrrio, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: no se contenta em concorrer para esta criao, mas quer ser o nico a estabelecer o direito, ou diretamente atravs da lei, ou indiretamente atravs do reconhecimento e controle das normas de formao consuetudinria. Assiste-se, assim, quilo que em outro curso chamamos de processo de monopolizao da produo jurdica por parte do Estado.A esta passagem no modo de formao do direito corresponde uma mudana no modo de conceber as categorias do prprio direito. Estamos atualmente to habituados a considerar Direito e Estado como a mesma coisa que temos uma certa dificuldade em conceber o direito posto no pelo Estado mas pela sociedade civil. E, contudo, originariamente e por um longo tempo o direito no era posto pelo Estado: basta pensar nas jnormas consuetudinrias e em seu modo de formao, devido a um tipo /de consenso manifestado pelo povo atravs de um certo comportamento constante e uniforme acompanhado da assim chamada opinio juris ac necessitatis.O Estado primitivo em geral no se preocupa em produzir normas jurdicas mas deixa a sua formao a cargo do desenvolvimento da sociedade, e eventualmente aquele que deve dirimir as controvrsias, o juiz, tem a incumbncia de fixar, de quando em quando, a regra a ser aplicada. Falamos do juiz porque seguindo as modificaes de sua posio e de sua funo social que colhemos a passagem do direito no- estatal ao estatal e a passagem, ligada a esta, da concepo dualista do direito (direito natural, direito positivo) monista (apenas o direito positivo).Podemos, de fato, definir o direito como um conjunto de regras que so consideradas (ou sentidas) como obrigatrias em uma determinada sociedade porque sua violao dar, provavelmente, lugar interveno de um terceiro (magistrado ou eventualmente rbitro) que dirimir a controvrsia emanando uma deciso seguida de uma sano ao que violou a norma. (A aplicao de tal sano confiada, num | primeiro momento, parte adversria e, em um desenvolvimento posterior, ao prprio Estado.) Falamos, ento, de direito quando, surgindo um conflito entie dois sujeitos, intervm um terceiro (juiz nomeado pelo Estado ou rbitro escolhido pelas partes) que estabelece uma regra (que provavelmente se tornar um precedente, isto , ser aplicada tambm em outros casos) segundo a qual a controvrsia ser resolvida. Se, em uma dada sociedade, no h a interveno deste terceiro, no se pode falar de direito em senso estrito: dir-se- que aquela sociedade vive segundo usos, costumes (mores) etc. ( por isto que se foi levado a considerar como verdadeiro e real direito o ordenamento internacional, ou pelo menos enquanto este no apresentava rgos internacionais, como os que atualmente se consolidam, diante dos quais so discutidas as controvrsias, mas valia apenas como regra de conduta entre os Estados.)Se definimos, ento, o ordenamento jurdico como o conjunto de regras acolhidas (ou que tm a possibilidade de serem acolhidas) por um juiz, e mantemos presente este esquema conceituai, compreendemos por que em certa poca se falava de direito natural e de direito positivo, enquanto agora se fala apenas de direito positivo. Antes da formao do Estado moderno, de fato, o juiz ao resolver as controvrsias no estava vinculado a escolher exclusivamente normas emanadas do rgo legislativo do Estado, mas tinha uma certa liberdade de escolha na determinao da norma a aplicar; podia deduzi-la das regras do costume, ou ainda daquelas elaboradas pelos juristas ou, ainda, podia resolver o caso baseando-se em critrios eqitativos, extraindo a regra do prprio caso em questo segundo princpios da razo natural. Todas estas regras estavam no mesmo nvel, de todas podia o juiz obter normas a aplicar e, portanto, todas, na mesma proporo, constituam fontes do direito. O que permitia aos juristas falarem de duas espcies de direito, natural e positivo, e o juiz podia obter a norma a aplicar tanto de regras preexistentes na sociedade (direito positivo) quanto de princpios eqitativos e de razo (direito natural).Todavia, com a formao do Estado moderno o juiz de livre rgo da sociedade torna-se rgo do Estado, um verdadeiro e autntico funcionrio do Estado. De acordo com a anlise histrica feita por Ehrlich em sua obra La logica dei giuristi, este fato transforma o juiz no titular de um dos poderes estatais, o judicirio, subordinado ao legislativo; e impe ao prprio juiz a resoluo das controvrsias sobretudo segundo regras emanadas do rgo legislativo ou que, de qualquer modo (tratan- 7. Os eventos histricos do direito romano.2827dose de normas consuetudinrias ou de- direita natural), possam ser submetidas a um reconhecimento por parte do Estado. As demais regras so descartadas e no mais aplicadas nos juzos: eis por que, com a formao do Estado moderno, o direito natural e o positivo no mais so considerados de mesmo nvel; eis por que sobretudo o direito positivo (o direito posto e aprovado pelo Estado) tido como o nico verdadeiro direito: este o nico a encontrar, doravante, aplicao nos tribunais.Recapitulando: quando identificamos o direito com as normas postas pelo Estado, no damos uma definio geral do direito, mas uma definio obtida de uma determinada situao histrica, aquela em que vivemos. Enquanto, de fato, num perodo primitivo, o Estado se limitava a nomear o juiz que dirimia as controvrsias entre os particulares, buscando a norma a aplicar ao caso sob exame tanto nos costumes quanto em critrios de eqidade, e a seguir, adicionando funo judiciria aquela coativa, providenciando a execuo das decises do juiz, com a formao do Estado moderno subtrada ao juiz a faculdade de obter as normas a aplicar na resoluo das controvrsias por normas sociais e se lhe impe a obrigao de aplicar apenas as normas postas pelo Estado, que se torna, assim, o nico criador do direito.Encontramos um reflexo desse estado de coisas na concepo dos jusnaturalistas que admitiam a existncia de um estado de natureza, isto , uma sociedade em que existiam apenas relaes intersubjetivas entre os homens, sem um poder poltico organizado. Nesse estado, que teria precedido a instaurao da sociedade poltica (ou Estado), admitiamji existncia de um direito que era, exatamente, o direito natural. Nessa sociedade, os homens cultivavam a terra e escambavam os produtos, constituam famlias e o chefe de famlia tinha servos sua disposio; com a morte do pai os seus haveres se transmitiam a seus descendentes. Todas estas relaes sociais eram reguladas por normas jurdicas (tinha- se, assim, os direitos reais, o direito das obrigaes, o direito de famlia e aquele das sucesses). Segundo os jusnaturalistas a interveno da Estado limita-se a tornar estveis tais relaes jurdicas. Por exemplo, segundo Kant, o direito privado j existe no estado de natureza e a constituio do Estado determina apenas o surgimento do direito pblico; contrape o modo de ser do direito privado no estado de natureza quele caracterstico do mesmo direito na sociedade poltica, afirmando que no primeiro momento tem-se um direito provisrio (isto , precrio) e no segundo momento um direito peremptrio (isto , definitivamente afirmado graas ao poder do Estado).O processo de monopolizao da produo jurdica por parte dos Estados modernos encontra um grande precedente na compilao de Justiniano. O direito romano era tipicamente um direito de formao social, constituindo-se gradualmente atravs de um desenvolvimento secular segundo os mores, a jurisdio pretoriana (cujos resultados foram consagrados no Edictum perpetuum) e sobretudo segundo a elaborao dos jurisprudentes. Todo este complexo de normas foi recolhido, por iniciativa de Justiniano, no Corpus juris civilis, de modo que tais normas perderam seu carter de direito de origem social para assumir aquele de direito que encontra o fundamento de sua validade na vontade do prncipe, segundo a frmula do Codex (que uma das quatro partes do Corpus), segundo o qual quod principi placuit legis habet vigorem, em que se inspira a outra frmula, mais explcita ainda, segundo a qual solus princeps potest facere leges. E no desenvolvimento histrico sucessivo considera-se o direito romano como um direito imposto pelo Estado (ou, mais precisamente, pelo Imperador Justiniano).O direito romano se eclipsou na Europa Ocidental durante a alta Idade Mdia, substitudo pelos costumes locais e pelo novo direito prprio das populaes germnicas (ou brbaras). Mas depois do obumbramento ocorrido em tal perodo obumbramento comum, de resto, quele de toda a cultura ressurgiu no primeiro milnio com o aparecimento da Escola jurdica de Bolonha e difundiu-se no apenas nos territrios sobre os quais j se havia estendido o Imprio Romano, mas tambm sobre outros territrios jamais dominados por este: sobretudo na Alemanha, onde ocorreu no incio da Idade Moderna o fenmeno da recepo, graas ao qual o direito romano penetrou profundamente na sociedade alem (basta pensar que ainda no fim do sculo XIX antes das grandes codificaes ocorridas no incio do sculo XX aplicava-se nos tribunais germnicos o direito do Corpus juris naturalmente modernizado e adaptado s diferentes exigncias sociaissob o nome de usus modernus Pandecta-rumo direito romano difundiu-se, por outro lado, tambm nos Pases Baixos, nos escandinavos e, ainda que em medida muito mais limitada, na prpria Inglaterra.Sobre quais bases ocorre esta difuso? Os juristas medievais justificavam formalmente a validade do direito romano ponderando que esse era o direito do Imprio Romano que tinha sido reconstitudo por Carlos Magno com o nome de Sacro Imprio Romano: este raciocnio no levava em conta a soluo de continuidade que se havia verificado entre o Imprio Romano do Oriente (bizantino) e o Imprio Romano do Ocidente (germnico). Mas o verdadeiro fundamento da validade do direito romano era outro: decorria de considerar tal direito como ratio scripta, isto , como um conjunto de regras racionalmente fundadas, exprimindo a prpria essncia da razo jurdica (Juristenrecht), e como tais capazes de serem usadas para resolver todas as possveis controvrsias, mediante, claro, uma sbia manipulao das prprias normas por obra dos intrpretes, mediante o recurso aplicao analgica e s outras tcnicas hermenuticas que permitem aplicar as normas estabelecidas para um caso a casos distintos. Os juristas medievais, na sua ingnua e ilimitada admirao pelo direito romano como de resto por tudo aquilo que era romano: basta lembrar o Virglio de Dante pensavam que a sabedoria jurdica romana no tivesse elaborado simplesmente um direito prprio de uma determina civitas, mas tivesse enunciado normas jurdicas fundadas na natureza e na razo; assumiam, assim, o direito romano como uma espcie de direito natural que, nos confrontos do direito natural, assim como geralmente entendido, apresentava a grande vantagem de ser escrito e codificado em uma seleta legislativa.De fato, na Idade Mdia o direito romano difundiu-se com o nome de direito comum (jus commune): tal frmula se conecta definio de direito natural dada pelos gregos (koini nmoi, segundo a expresso aristotlica) e pelos romanos (jus gentium), como direito comum a todos os povos. Tal conexo inconsciente mas no casual, na medida em que o direito romano, na Idade Mdia, tem precisamente _yalor de direito comum a todos os povos, sendo consideradxpresso da prpria razo. ErtkrmesmoTnS^ue na antiguidade clssica o jus gentium se contrape ao jus civile, na Idade Mdia o jus commune se contrape ao jus proprium, isto , ao direito prprio das diversas instituies sociais. A sociedade medieval era, como dissemos, uma sociedade pluralista e, assim, cada grupo social tinha seu prprio direito: havia o direito feudal, o direito das corporaes, o direito das comunas ou civitates (dito direito estatutrio, porque os atos que o constituam chamavam-se estatutos), o direito dos reinos. Todos estes direitos eram, em geral, subordinados ao romano, assim como todas as organizaes sociais eram subordinadas ao Imprio. Mas, pouco a pouco, inicialmente os reinos 3839(em particular o reino da Frana), depois os civitates (as comunas) proclamaram a sua autonomia e independncia do Imprio, declararam-se jurisdictionem habentes (isto , dotados do poder de criar o direito), definiram-se como civitates (ou reinos) sibi prncipes (para significar que eram independentes do prncipe por antonomsia, o Imperador).Cria-se, agora, um conflito entre o jus commune e o jusproprium e neste conflito o direito posto pelo ente poltico organizado (comuna ou reino, isto , Estado) pouco a pouco prevalece sobre o primeiro (aquele que evoca formalmente a autoridade do Imprio), at a afirmao final segundo a qual o direito comum tem vigor e aplicvel apenas com a permissione principis, isto , apenas quando seja aprovado pelo soberano: neste estgio, todo o direito reduz-se a direito do Estado. Tal processo ocorre lentamente, mas j no sculo XIV um comentador dos estatutos comunais, o jurista Alberico da Rosato, afirmava:Ubi cessat statutum habet locum jus civileSe consideramos a maneira pela qual se chega afirmao do direito como posto pelo Estado, seja no Imprio bizantino, seja na monarquia do sculo XVII, notamos que este processo de monopolizao da produo jurdica estreitamente conexo formao do Estado absoluto (daquele Estado em que, como diz a frmula justiniana principes legibus solutus [est]).O termo final do contraste entre direito comum e direito estatal representado pelas codificaes ( final do sculo XVIII /princpio do sculo XIX) atravs das quais o direito comum foi absorvido totalmente pelo direito estatal. Da codificao comea a histria do positivismo jurdico verdadeira e propriamente dito.Common law e statute law na Inglaterra: sir Edward Coke e Thomas Hobbes.Para esclarecer as origens do positivismo jurdico interessante ver tambm (ainda que por breves indicaes) o desenvolvimento do direito na Inglaterra. Este pas sofreu pouca influncia do direito comum romano; porm mesmo nele encontramos (como no mundo romano e1 Para esta e outras informaes sobre a formao, desenvolvimento e decadncia do direito comum na Europa, remeto obra de F. Calasso Introduzione al diritto comune, Milo, 1951.como na Europa continental medieval) o contraste entre um jusconuuune e um jus particulare (o que faz compreender como tal distino no se coloca m realidade como distino entre direito natural e direito positivo, mas como distino entre duas formas de direito positivo'): o contraste se coloca na Inglaterra entre a common law (direito comum ou consuetudinrio') e a statute law (direito estatutrio ou legislativo). common law no o direito comum de origem romana, do qual falamos no pargrafo anterior, mas um direito consuetudinrio tipicamente anglo-saxnico que surge diretamente das relaes sociais e acolhido pelos juizes nomeados pelo Rei; numa segunda fase, ele se torna um direito de elaborao judiciria, visto que constitudo por regras adotadas pelos juizes para resolver controvrsias individuais (regras que se tornam obrigatrias para os sucessivos juizes, segundo o sistema do precedente obrigatrio). O direito estatutrio se contrape common law, sendo ele posto pelo poder soberano (isto , o Rei e, num segundo momento, pelo Rei juntamente com o Parlamento).O desenvolvimento das relaes entre estes dois direitos diferente daquele que houve na Europa continental entre jus commune e jus proprium. Enquanto, realmente, entre ns o segundo toma a primazia sobre o primeiro, se no o incorpora, isto no ocorre (ou ocorre muito mais lentamente e em medida muito inferior) na Inglaterra, onde permanece o primado do direito comum mesmo quando a monarquia se refora e se transforma de monarquia medieval em monarquia moderna. Na Inglaterra permaneceu sempre nominalmente em vigor o princpio segundo o qual o direito estatutrio vale enquanto no contrariar o direito comum. O poder do Rei e do Parlamento devia ser limitado pela common law. Conforme uma distino constitucional da Inglaterra medieval, o poder do soberano se distingue, de fato, em gubernaculum (poder de governo) e jurisdictio (poder de aplicao das leis). Ora, o Rei, ao exercer o jurisdictio (atravs de seus juizes) era obrigado a aplicar a common law, esta ltima portanto limitava o poder do soberano. Isto explica por que a monarquia inglesa nunca detinha um poder ilimitado (diferentemente das monarquias absolutas continentais), porque na Inglaterra fora desenvolvida a separao dos poderes (transferida depois na Europa graas teorizao executada por Montesquieu) e porque tal pas a ptria do liberalismo (entendido como a doutrina dos limites jurdicos do poder do Estado).Dado este contraste entre direito comum e direito do Estado, as tendncias autoritrias e absolutistas tiveram na Inglaterra uma das suas tpicas manifestaes na polmica contra a common law. O soberanos absolutistas, como Jaime I e Carlos I, tentaram fazer valer a preeminncia absoluta do direito estatutrio, negando aos juizes o poder de resolver as controvrsias com base no direito comum; encontraram, porm, uma firme oposio, da qual o porta-voz e expoente mximo foi sir Edward Coke (autor dns Instituies do direito ingls, trabalho considerado como a summa da common law).No plano doutrinal, um dos aspectos da polmica a crtica de Thomas Hobbes, terico do poder absoluto e fundador da primeira teoria do Estado moderno, movida contra Coke. Hobbes combate a common law e afirma o poder exclusivo do soberano de pr o direito, visto que isto indispensvel para assegurar o poder absoluto do Estado; a polmica deste autor contra a common law apenas um aspecto particular e de segundo plano (e por isto mesmo pouco notado, embora muito interessante) da sua polmica contra tudo o que limita o poder do Estado, primeiramente contra o poder eclesistico.Aquilo que Hobbes diz para justificar sua posio contra o direito comum muito importante, tanto que pode ser considerado como o direto precursor do positivismo jurdico. Como bom jusnaturalista (como o eram todos os escritores polticos e jurdicos do sculo XVII), ele estuda a formao do Estado e de suas leis considerando a passagem do estado de natureza para o estado civil. No estado de natureza, segundo Hobbes, existem leis (direito natural); mas, ele se indaga, so tais leis obrigatrias? Sua resposta digna de ser sublinhada, visto que constitui um raciocnio paradigmtico para todos os juspositivistas. Segundo Hobbes, o homem levado a respeit-las em conscincia (isto , diante de si mesmo e, se cr em Deus, diante de Deus), mas tem ele uma obrigao diante dos outros? Diante do outro, afirma o filsofo, sou levado a respeitar as leis naturais somente se e nos limites nos quais o outro as respeita nos meus confrontos. Tomemos, por exemplo, a norma pacta sunt servanda, ou aquela, mais fundamental, no matar: que sentido teria eu manter os pactos estipulados em relao ao outro se o outro no os mantivesse no confronto comigo? Ou que eu no matasse o outro se este desejasse matar-me? Este comportamento seria razovel, isto , conforme finalidade para a qual as leis foram estabelecidas? (Notemos como Hobbes coloca o problema em termos de tica utilitarista, referindo-se assim ao clculo do prprio interesse.) O autor responde que tal comportamento no seria razovel, porque externamente sou obrigado a no matar o outro s se ele no me mata; portanto, se sustento que o outro quer matar-me, o que razovel no mais o no mat-lo, mas eu mat- lo antes que ele possa me matar. ( quase nestes termos que se coloca, ou melhor, se colocava antes da recente constituio de organismos internacionais permanentes, o problema do direito internacional e da sua observncia nas relaes entre os Estados: o Estado agressor no diz jamais que viola o dever de no agredir; pelo contrrio, que se defende prevenindo uma agresso por parte do outro Estado.)Portanto, continua Hobbes, nesse estado de natureza, no qual todos os homens so iguais, e no qual cada um tem o direito de usar a fora necessria para defender seus prprios interesses, no existe jamais a certeza de que a lei ser respeitada por todos e assim a prpria lei perde toda eficcia. O estado de natureza constitui um estado de anarquia permanente, no qual todo homem luta contra os outros, no qual segundo a frmula hobbesiana existe um bellum omnium contra omnes. Para sair desta condio, preciso criar o Estado, preciso, portanto, atribuir toda a fora a uma s instituio: o soberano/Em tal caso, com efeito, eu posso (e devo) respeitar os pactos, no matar etc., em geral obedecer s leis naturais, porque sei que tambm o outro as respeitar, visto que h algum a quem no se pode opor, cuja fora indiscutvel e irresistvel (o Estado), que o constrangeria a respeit-las se no o quisesse fazer espontaneamente. Mas esta monopolizao do poder coercitivo por parte do Estado comporta uma correspondente monopolizao do poder normativo. De fato, por um lado o Estado possui o poder de pr normas regulamentadoras das relaes sociais porque surgiu para esta finalidade; por outro lado,_somente as normas postas pelo Estado so normas jurdicas porque so as nicas que so respeitadas graas coao do Estado. A partir do momento em que se constitui o Estado, deixa portanto de ter valor o direito natural (que na realidade no era respeitado tampouco antes, no estado de natureza) e o nico direito que vale o civil ou do Estado.Com base nesta concepo Hobbes nega a legitimidade da common law, isto , de um direito preexistente ao Estado e independente deste (seria quase uma espcie de direito natural). J na sua velhice avanada, o autor dedicou uma obra a essa polmica contra a common law intitulada Dilogo entre um filsofo e um estudioso do direito comum da Inglaterra, no qual o filsofo (que o prprio Hobbes) combate a common law e o jurisconsulto (que um discpulo de Sir Edward Coke) a defende.Nesta obra Hobbes coloca na boca do filsofo a seguinte afirmao explcita:No a sapincia mas sim a autoridade que cria a lei.1Esta proposio toma nitidamente partido entre as duas tpicas concepes do direito, aquela que considera o direito como fruto da razo e aquela que o considera obra da vontade (neste sentido os medievais contrapunham, com um expressivo jogo de palavras, o direito que vale imprio rationis e o que vale ratione imperii); para Hobbes o direito expresso de quem tem o poder e por isto ele nega o valor common law, que o produto da sapincia dos juizes. O filsofo prossegue, efetivamente:O autor [leia-se Coke] quer dizer que aquela summa ratio e o direito verdadeiro e prprio no so seno a razo do juiz, ou de todos os juizes juntos, independentemente do rei; tal coisa eu nego porque somente pode fazer leis aquele ao qual atribudo o poder legislativo. Que o direito seja elaborado por indivduos doutos e ponderados, ou seja, pelos jurisconsultos, evidentemente falso; pois que foram os reis da Inglaterra que fizeram todas as leis do pas, em consulta com a nobreza e os comuns reunidos em parlamento; e destas pessoas nem sequer um em vinte era um douto homem de leis.Pouco depois destas afirmaes encontramos no mesmo Dilogo uma definio do direito dada pelo filsofo, a qual podemos considerar como tpica da concepo positivista:Direito o que aquele ou aqueles que detm o poder soberano ordenam aos seus sditos, proclamando em pblico e em claras palavras que coisas eles podem fazer e quais no podem.Nesta definio encontramos dois caracteres tpicos da concepo positivista do direito, a saber, o formalismo e o imperativismo:formalismo. Como se v, na definio no se faz referncia nem ao contedo, nem ao fim do direito: no se define o direito nem com referncia s aes que esto disciplinadas ao contedo de tal disciplina (no se diz, por exemplo, que o direito regulamenta as relaes externas, ou as intersubjetivas), nem com referncia aos resultados que o direito deseja conseguir (no se diz que ele constitudo pelas normas postas' Citao do volume: T. Hobbes, Obras Polticas, Turim, 1959, vol. I, p. 417,para realizar a paz, ou a justia, ou o bonum commun). Vice-versa, a definio do direito dada apenas com base na autoridade que pe as normas, e portanto com base num elemento puramente formal.MPERATivisMO. O direito definido como o conjunto de normas com as quais o soberano ordena ou probe dados comportamentos aos seus sditos. O direito, portanto, um comando. Tambm para Hobbes se verifica aquilo que observamos anteriormente, segundo o que a concepo positivista do direito est estreitamente ligada concepo absolutista do Estado.Como se explica a defesa dessa concepo por parte de Hobbes? Pretendemos investigar no tanto uma j ustif icao moral ou poltica, mas sim uma justificao em bases histricas. Ora, deste ponto de vista, o processo de formao do Estado absoluto se explica como reao e resposta ao estado quase permanente de anarquia no qual incidiam naqueles tempos a Inglaterrae a Europa em geraldevido s guerras de religio. Quando Hobbes descreve o estado de natureza no pensa numa condio hipottica ou, de qualquer maneira, pr-histrica da humanidade, mas tem diante de sua prpria mente o estado de guerra civil, quando o poder central se dissolve e, devido s lutas intestinas, acabam por faltar a ordem e a paz. A guerra civil para Hobbes um retomo ao estado de natureza. Pois bem, ele, para reagir a tal estado, escreve as suas obras com a inteno de contribuir para devolver a paz e a ordem ao seu pas e Europa.A monopolizao do direito por parte do legislador na concepo absolutista e na liberal. Montesquieu e Beccaria.Hobbes, ao reagir anarquia provocada pelas guerras de religio, se conduziu ao extremo oposto. Ele prope eliminar o conflito entre as vrias igrejas ou confisses eliminando a causa mais profunda do conflito, isto , a distino entre o poder do Estado e o poder da Igreja. Ele quer, na verdade, que no haja outro poder a no ser o do Estado e que a religio seja reduzida a um servio.Alm desta, era possvel uma outra resposta, a liberal (que teria exigido maior maturao e um processo mais longo e mais lento). A resposta liberal se baseia no conceito de tolerncia religiosa: o Estado liberal no elimina as partes em conflito e sim deixa que o prprio embate se desenvolva entre os limites do ordenamento jurdico posto pelo prprio Estado. Uma situao anloga quela do sculo XVII encontramos nos nossos dias em que o Estado se acha diante de um conflito no mais entre confisses religiosas, mas entre classes sociais. Tambm aqui o Estado pode assumir duas posies: ou eliminar o conflito social identificando-se com uma das duas partes em luta (e nesta soluo que se inspira o conceito de ditadura do proletariado), ou deixar que o conflito se desenvolva no interior do ordenamento jurdico do Estado que o controla e o disciplina. Naturalmente tambm neste caso a escolha entre as duas solues no pode ser feita por capricho, mas ser condicionada pelas circunstncias histricas; numa sociedade, na qual os conflitos de classe so profundos e violentos, provvel que no haja outra soluo a no ser a da ditadura.Fizemos este paralelo entre concepo absolutista e a liberal porque a passagem de uma para a outra no implica num conflito to drstico, como comumente se sustenta, relativamente ao problema que aqui nos interessa. Na verdade, a concepo liberal acolhe a soluo dada pela concepo absolutista ao problema das relaes entre legislador e juiz, a saber, o assim dito dogma da onipotncia do legislador (a teoria da monopolizao da produo jurdica por parte do legislador); as codificaes, que representam o mximo triunfo celebrado por este dogma, no so um produtq_do absolutismo, mas do ilunjinismo e da concepo liberal do Estado. Como ocorre esta passagem da concepo absolutista para a liberal da teoria da onipotncia do legislador? Para compreend-lo devemos observar que a teoria em questo apresenta dois aspectos, duas faces, uma absolutista e uma liberal. Por um lado, de fato, tal teoria elimina os poderes intermedirios e atribui um poder pleno, exclusivo e ilimitado ao legislador, que o aspecto absolutista. Mas tal eliminao dos poderes intermedirios possui tambm um aspecto liberal, porque garante o cidado contra as arbitrariedades de tais poderes: a liberdade do juiz de pr normas extraindo-as do seu prprio senso da eqidade ou da vida social pode dar lugar a arbitrariedades nos confrontos entre os cidados, enquanto que o legislador, pondo normas iguais para todos, representa um impedimento para a arbitrariedade do poder judicirio.Resta naturalmente o problema de garantir o cidado contra as arbitrariedades do prprio poder legislativo, arbitrariedades que podem ser muito mais graves e perigosas porque, se o juiz abusa do seu poder, s se ressentiro disto as partes cuja controvrsia ele est resolvendo; mas se o legislador abusa de seu poder, toda a sociedade se ressentir disto. Para impedir as arbitrariedades do legislador, o pensamento liberal investigou alguns expedientes constitucionais, dos quais os principais so dois:a separao dos poderes, pela qual o poder legislativo no atribudo ao prncipe (isto , ao poder executivo), mas a um colegiado que age junto a ele, com a conseqncia de que o governo fica subordinado lei;a representatividade, pela qual o poder legislativo no mais expresso de uma restrita oligarquia, mas da nao inteira, mediante a tcnica da representao poltica: sendo assim o poder exercido por todo o povo (ainda que no seja diretamente, mas atravs de seus representantes), provvel que seja tambm exercitado no arbitrariamente, mas para o bem do prprio povo. Este segundo expediente representa a passagem da concepo estritamente liberal para a democrtica. Esta ltima, tal como foi elaborada por Rousseau (teoria da vontade geral), no difere da absolutista (de Hobbes) enquanto diz respeito definio do poder do Estado e afirmao da sua ilimitao. As diferenas entre as duas concepes se referem individualizao do prprio detentor do poder e ao modo de seu exerccio.A relao estreita entre concepo absolutista e concepo liberal relativamente teoria da monopolizao do direito por parte do Estado (e, portanto, com vistas doutrina do positivismo jurdico) pode ser demonstrada pelo fato de que freqentemente os antipositivistas modernos conduzem sua polmica no tanto contra os tericos do absolutismo quanto nos confrontos de pensadores tipicamente liberais. Assim, por exemplo, Ehrlich (na sua obra j citada, A Lgica dos Juristas) considera responsveis pela estatizao do direito Montesquieu e Beccaria, que esto entre os maiores expoentes das concepes poltico-jurdicas de inspirao iluminista e que exerceram enorme influncia nos ambientes poltico-culturais liberais. Como se pode notar, Montesquieu o terico da separao dos poderes e Beccaria o precursor de uma concepo liberal do direito (especialmente no que diz respeito ao direito penal). Por que estes dois autores so considerados responsveis pela monopolizao do direito por parte do legislador?Montesquieu assim se exprime com referncia s relaes entre poder judicirio e poder legislativo em seu L'Esprit des lois (1748), livro XI (no qual expe a sua teoria da separao dos poderes, ilustrando aConstituio inglesaum pouco idealizada que considera como uma constituio perfeita por garantir a liberdade, bem supremo dos cidados):Se os tribunais no devem ser fixos, as sentenas devem s-lo a ponto de no serem outra coisa seno um texto preciso da lei1.Assim, segundo Montesquieu, a deciso do juiz deve ser uma reproduo fiel da lei: ao juiz no deve ser deixada qualquer liberdade de exercer sua fantasia legislativa, porque se ele pudesse modificar as leis com base em critrios equitativos ou outros, o princpio da separao dos poderes seria negado pela presena de dois legisladores: o verdadeiro e prprio e o juiz que poria sub-repticiamente suas normas, tornando assim vs as do legislador. Prossegue, de fato, Montesquieu:Se os juzos fossem o veculo das opinies particulares dos juizes viveramos numa sociedade sem saber com preciso que obrigaes assumir.A subordinao dos juizes lei tende a garantir um valor muito importante: a segurana do direito, de modo que o cidado saiba com certeza se o prprio comportamento ou no conforme lei.Estes conceitos so retomados por Beccaria na sua clebre obra Dos delitos e das penas (1764). Trad. brasileira de Torrieri Guimares, Hemus Editora Ltda., So Paulo, 1983). Uma das passagens mais clebres e freqentemente citadas na polmica antipositivista acha-se no pargrafo 3:A primeira conseqncia destes princpios que somente as leis podem decretar as penas sobre os delitos e esta autoridade s pode residir junto ao legislador, que representa a sociedade unida por um contrato social. [Aqui Beccaria apela para a concepo contratualista para demonstrar que o poder do legislador no arbitrrio mas se funda na sociedade e feito para a sociedade.] Nenhum magistrado, que parte da sociedade, pode com justia infligir penas contra um outro membro da mesma sociedade. Mas uma pena acrescida alm do limite fixado pelas leis a pena justa, mais uma outra pena; portanto, no pode um magistrado, sob qualquer pretexto de zelo, ou bem pblico, acrescer a pena estabelecida a um cidado delinqente.Beccaria enuncia aqui o princpio dito de estrita legalidade do direito penal, que se exprime na mxima: nullum crimen, nullapoena sine lege No pargrafo 4, insiste, ademais, em suas afirmaes sobre as relaes entre o juiz e a lei. O juiz no s no pode irrogar penas a no ser nos casos e nos limites previstos pela lei, como tambm no pode interpretar a norma jurdica, porque a interpretao d lei um sentido diverso daquele que lhe foi dado pelo legislador (uma posio extremista que hoje nem mesmo o mais obstinado positivista estaria disposto a aceitar):Quarta conseqncia: tampouco a autoridade de interpretar as leis penais pode ser atributo dos juizes criminais, pela razo de no serem legisladores. Os juizes no receberam as leis de nossos antepassados como uma tradio domstica e um testamento que no deixasse aos psteros seno o cuidado de obedecer; receberam-na, sim, da sociedade viva, ou do soberano representante dela, como legtimo depositrio do efetivo resultado da vontade de todos; receberam-na no como obrigaes de um antigo juramento, nulo porque legava vontade no existente, inquo porque reduzia os homens do estado de sociedade ao estado de rebanho, mas como efeitos de um tcito ou expresso juramento que as vontades reunidas dos sditos vivos fizeram ao soberano, como vnculos necessrios para frear e reger o fermento intestino dos interesses particulares. (. . .)Quem ser ento o legtimo intrprete da lei? O soberano, isto , o depositrio das efetivas vontades de todos, ou o juiz cujo ofcio somente examinar se o tal homem havia cometido ou no uma ao contrria s leis?Em todo delito deve fazer o juiz um silogismo perfeito: a maior deve ser a lei geral; a menor, a ao conforme ou no lei; a conseqncia, a liberdade ou a pena. Quando o juiz for constrangido ou desejar fazer tambm dois silogismos somente, abrir-se- a porta incerteza.No h coisa mais perigosa do que aquele axioma comum: preciso consultar o esprito da lei. uma barragem rompida frente torrente das opinies.^Aqui Beccaria expe a teoria do silogismo, bem conhecida pelos juristas, segundo a qual o juiz ao aplicar as leis deve fazer como aquele que deduz a concluso de um silogismo. Assim fazendo ele no cria nada de novo, apenas torna explcito aquilo que j est implcito na premissa maior. Beccaria quer, sem mais, que o silogismo seja perfeito: no seria assim aquele raciocnio do jurista que se fundasse numa interpretar o analgica de uma norma jurdica (neste caso, de fato, o silogismo logicamente imperfeito).A sobrevivncia do direito natural nas concepes jusfilosficas do racionalismo no sculo XVIII. As lacunas do direito.Vimos que os escritores racionalistas do sculo XVIII teorizaram sobre a onipotncia do legislador. Com eles, entretanto, ainda no chegamos ao positivismo jurdico propriamente dito. preciso lembrar que nesse sculo o direito natural ainda est vivo e tem um dos seus florescimentos mais intensos, no s no plano doutrinrio como tambm no prtico. Basta recordar a influncia que o pensamento jusnaturalista teve na formao da Constituio americana e das Constituies da Revoluo Francesa. No pensamento do sculo XVIII tm ainda pleno valor os conceitos-base da filosofia jusnaturalista, tais como o estado de natureza, a lei natural (concebida como um complexo de normas que se coloca ao lado ou melhor, acima do ordenamento positivo), o contrato social. No contexto da realidade do Estado ainda domina o direito natural. O Estado, realmente, se constitui com base no estado de natureza, como conseqncia do contrato social, e mesmo na organizao do Estado os homens conservam ainda certos direitos naturais fundamentais.As conseqncias desta concepo se manifestam particularmente num caso muito importante e interessante, que indica o limite da onipotncia do legislador o caso no qual o prprio legislador deixou de regulamentar determinadas relaes ou situaes, isto , para usar a frmula tpica, o caso da lacuna da lei. Enquanto os juspositivistas, para serem coerentes at o fim, excluindo o recurso ao direito natural, negaram a prpria existncia das lacunas, os escritores do sculo XVII e do sculo XVIII no a negam absolutamente e afirmam, ao contrrio, que em tal caso o j uiz deve resolver a controvrsia aplicando o direito natural. Esta soluo perfeitamente lgica para quem admite que o direito positivo se funda (atravs do Estado e do contrato social que faz surgir este ltimo do estado de natureza) no direito natural: vindo, alis, a faltar o primeiro, evidente que deve ser aplicado o segundo. Para usar imagens, diremos que o direito positivo no destri, mas sim recobre, ou submerge o direito natural; se, portanto, h um buraco no direito positivo, atravs deste se v aflorar o direito natural; ou, se se preferir, a submerso do direito natural no total, porque, acima do nvel do direito positivo, algumas ilhotas ainda afloram.A funo sub-rogatria do direito natural, no caso das lacunas do direito positivo, uma concepo to difundida entre os escritores do sculo XVII e do sculo XVIII que podemos verdadeiramente consider- la como uma communis opinio. Veja-se, por exemplo, o que diz Hobbes, que consideramos um precursor do juspositivismo; na realidade, ele, se foi um positivista nos seus tempos, ainda um jusnaturalista diante do positivismo jurdico strictu sensu. Afirma, ento, Hobbes no De eive, cap. XIV, 14:Uma vez que impossvel promulgar leis gerais com as quais se possa prever todas as controvrsias a surgir, e so infinitas, evidencia-se que, em todo caso no contemplado pelas leis escritas, se deve seguir a lei da eqidade natural, que ordena atribuir a pessoas iguais coisas iguais; o que se cumpre por fora da lei civil, que pune tambm os transgressores materiais das leis naturais, quando a transgresso aconteceu consciente e voluntariamente (ed. cit., pp. 276-77).(Hobbes v, portanto, um limite para a onipotncia do legislador humano no fato de este, no sendo Deus, no poder prever todas as circunstncias.) Uma afirmao similar feita por Leibniz num seu trabalho que assinala uma mudana de direo no estudo sistemtico do direito, a Nova methodus discendae doeendaeque jurisprudentiae. Falando da jurisprudncia polmica (isto , daquela que serve para resolver as controvrsias), ele declara:In iis casibus, de quibus lexse non declaravit, secundumjus naturae esse judicandum ( 71).A mesma soluo dada num tratado escolstico de direito natural, intitulado Jus naturae in usum auditorum (7a ed., 1774), de Achenwall. Segundo este autor, o direito natural vigora particularmente em trs campos:o direito natural se aplica principaliter (isto , em via normal) nas relaes entre os Estados;aplica-se tambm principaliter nas relaes entre prncipe e sditos (no Estado absoluto, sendo o prncipe livre das leis positivas legibus solutas suas relaes com os sditos no podem ser reguladas pelo direito positivo, mas somente pelo natural, isto , em concreto, pelas normas de natureza moral);enfim, o direito natural se aplica subsidiarie (em via subsidiria) no caso de lacunas do direito positivo (portanto, igualmente nos confrontos daqueles que so submetidos ao poder do Estado);4241140Vero ad dijudicandas actiones et terminandas lites etiam allorum omnium qui certo juri humano subsunt, uti hoc humanum scil. jusplane dficit, quippe tum, si opus fuerit, adjus naturale est recurrendum.Esta concepo do direito natural como instrumento para colmatar as lacunas do direito positivo sobrevive at o perodo das codificaes, e mais, tem uma extrema propagao na prpria codificao. No art. 7 do Cdigo austraco de 1811 estabelece-se que sempre que um caso no puder ser decidido com base numa disposio precisa de lei, nem recorrendo aplicao analgica, dever-se- decidir segundo os princpios do direito natural. (Diferente , em contrapartida, como veremos, a soluo do Cdigo de Napoleo, de que teve origem o mais rigoroso positivismo jurdico.)CAPTULO IIAS ORIGENS DO POSITIVISMO JURDICO NA ALEMANHAA Escola histrica do direito como predecessora do positivismo jurdico. Gustavo Hugo.Para que o direito natural perca terreno necessrio um outro passo, preciso que a filosofia jusnaturalista seja criticada a fundo e que as concepes ou, ainda, os mitos jusnaturalistas (estado de natureza, lei natural, contrato social...) desapaream da conscincia dos doutos. Esses mitos estavam ligados a uma concepo filosfica racionalista (a filosofia iluminista, cuja matriz se encontrava no pensamento cartesiano). Ora, foi precisamente no quadro geral da polmica anti-racionalista, conduzida na primeira metade do sculo XIX pelo historicismo (movimento filosfico-cultural de que falaremos no prximo pargrafo), que acontece a dessacralizao do direito natural.O surgimento do positivismo jurdico teve de passar por essa polmica acontecida no clima do romantismo. Esta passagem foi magistralmente descrita por Meinecke na sua obra sobre As origens do historicismo (que logo teremos oportunidade de citar novamente). No campo filosfico-jurdico, o historicismo teve, de fato, sua origem com a escola histrica do direito, que surgiu e se difundiu particularmente na Alemanha entre o fim do sculo XVIII e o comeo do sculo XIX, sendo o seu maior expoente Savigny. Note-se bem que escola histrica e positivismo jurdico no so a mesma coisa; contudo, a primeira preparou o segundo atravs de sua crtica radical do direito natural.Efetivamente, a primeira obra que se pode considerar expresso (ou, talvez melhor, antecipao) da escola histrica um escrito de Gustavo Hugo (ele tambm alemo, como Savigny, embora seus nomes sejam de origem francesa) de 1798, cujo ttulo to sintomtico quanto interessante: Tratado do direito natural como filosofia do direito positivo (Lehrbuch des Naturrechts ais einer Philosophie des positiven Rechts, 3a ed., Berlim, 1809). O que quer dizer tal ttulo? Significa que o direito natural no mais concebido como um sistema normativo auto-suficiente, como um conjunto de regras distinto e separado do sistema do direito positivo, mas sim como um conjunto de consideraes filosficas sobre o prprio direito positivo. Alis, Hugo define assim a filosofia do direito positivo logo no incio de sua obra:A filosofia do direito positivo ou da jurisprudncia o conhecimento racional por meio de conceitos daquilo que pode ser direito no Estado (P- 1).O autor, entendendo o direito natural como filosofia do direito positivo, o resolve num conjunto de conceitos jurdicos gerais elaborados com base no direito positivo (no no direito positivo de um Estado especfico, mas naquele que existe, ou pode existir, em qualquer Estado). Usando uma terminologia moderna, podemos dizer que Hugo elabora, mais que uma filosofia do direito, uma teoria geral do direito. Com a reduo do direito natural e filosofia do direito positivo, a tradio jusnaturalista esgotada (mesmo que ela, naturalmente v ressurgir por outras vias). A obra de Hugo assinala a passagem da filosofia jusnaturalista para a juspositivista (lato sensu).Hugo indica como exemplos precedentes de filosofia do direito positivo o pensamento de Montesquieu (com uma perspectiva de dois sculos, a obra do autor francs parece bem diferente daquela do autor alemo e se afigura difcil encontrar um ponto de contato entre os dois, visto que o Esprito das leis constitui aquilo que hoje chamaramos de um estudo de sociologia jurdica). De qualquer maneira, Hugo evoca Montesquieu porque a obra deste no se refere absolutamente ao direito natural, mas sim s experincias jurdicas concretas dos vrios povos, da poca brbara civil. Trata-se de um estudo comparado das legislaes, feito com a finalidade de conhecer o esprito das leis, isto , com a finalidade de individualizar a funo do direito, as suas relaes com a sociedade, as leis histricas que regulam sua evoluo.Hugo se pergunta o que exatamente o direito positivo e responde que o direito posto pelo Estado. Portanto, o direito internacional, como direito entre os Estados (e no posto pelo Estado) no direito propriamente dito, mas uma espcie de norma moral (o autor antecipa deste modo a concepo de direito internacional que ser desenvolvida tambm por Austin). Notemos porm que, para Hugo, direito posto peloEstado no significa necessria e exclusivamente direito posto pelo legislador (como sustentar o positivismo jurdico no sentido estrito e estreito do termo). O autor, no pargrafo 134 da sua obra (dedicado s fontes do direito), se indaga:Devem todas as normas jurdicas repousar sobre a vontade expressa, ou, pelo menos, na vontade tcita do legislador, ou h, alm desta, tambm uma outra fonte do direito positivo, assim como para a lngua e os costumes de um povo, o que portanto aqui podemos chamar de direito consuetudinrio, doutrina cientfica ou jurisprudncia?Hugo no responde em termos afirmativos, mas problemticos, formulando duas concepes:Seja nos Estados que tendem para o despotismo, seja l... onde se antepe a certeza do direito a qualquer outra coisa, responde-se freqentemente de modo afirmativo primeira alternativa; vice-versa, a favor da outra opinio coloca-se no apenas a histria natural da constituio de todo direito positivo, e o exemplo de todos os povos civilizados, como tambm a maior probabilidade de que um direito livremente aceito pelo prprio povo seja aplicvel e adequado, e at mesmo a absoluta impossibilidade de abarcar todos os casos com leis expressas (p. 135).Pelos termos usados parece que Hugo propende para a segunda soluo formulada.A obra aqui examinada importante, mais do que pelo seu valor intrnseco, pelo seu novo modo de considerar o direito, que exercer uma notvel influncia no pensamento de John Austin, considerado o fundador do positivismo jurdico propriamente dito. Alis, este estudioso ingls dar como segundo ttulo de sua obra fundamental (de 1832) o mesmo ttulo do livro de Hugo (ao qual faz expressa referncia), isto , Filosofia do direito positivo.As caractersticas do historicismo. De Maistre, Burke, Mser.Para compreender o que o historicismo no h nada melhor do que ler algumas pginas de Meinecke, contidas no Prefcio a A origens do historicismo (trad. it., Sansoni, Florena, 1954), nas quais, entre outras, encontramos uma clebre definio do significado e da funo do jusnaturalismo:4645143Dizemos aqui brevemente o que o essencial ... O primeiro princpio do historicismo consiste em substituir uma considerao generalizante e abstrata das foras histrico-humanas por uma considerao de seu carter individual... Acreditava-se [bem entendido, os jusnaturalistas] que o homem com sua razo e suas dores, com suas virtudes e seus vcios tivesse permanecido em todos os tempos substancialmente o mesmo. Esta opinio contm, sim, um germe de verdade, mas no compreende as profundas transformaes que a vida moral e espiritual do indivduo e da comunidade sofre e assume, no obstante permanea inalterada quanto s qualidades humanas fundamentais. A postura jusnaturalista do pensamento, predominante desde a antiguidade, inculcava a f na imutabilidade da natureza humana, antes, da razo humana . . .Esse jusnaturalismo .. . tem sido a estrela polar em meio a todas as tempestades da histria e constitudo para o homem pensante um ponto fixo na vida, tanto mais forte se sustentado pela f na Revelao (Pref., pp. X-XI).O que caracteriza, portanto, o historicismo o fato de ele considerar o homem na sua individualidade e em todas as variedades que tal individualidade comporta, em oposio ao racionalismo (um tanto quanto estilizado por comodidade no modo pelo qual os historicistas o representam) que considera a humanidade abstrata. Procuremos determinar algumas caractersticas fundamentais do historicismo.O sentido da variedade da histria devida variedade do prprio homem\ no existe o Homem (com H maisculo) com certos caracteres fundamentais sempre iguais e imutveis, como pensavam os jusnaturalistas; existem homens, diversos entre si conforme a raa, o clima, o perodo histrico... De Maistre (considerado um predecessor do historicismo), defensor do Ancien Rgime e opositor da Revoluo Francesa, num panfleto anti-revolucionrio, ConsidrationssurlaFrance, falando da Constituio francesa de 1795, que foi difundida pelos franceses em toda a Europa invadida pelas tropas da Revoluo, apresenta uma afirmao que exprime causticamente essa atitude dos historicistas polemizando com os racionalistas:A Constituio de 1795 feita pelo homem. Ora, no existem homens no mundo. Tenho visto, na minha vida, franceses, italianos, russos etc.; e sei tambm, graas a Montesquieu, que podem existir persas; mas, quanto ao homem, declaro jamais t-lo encontrado na minha vida; e se existe, por certo com meu desconhecimento interessante ler, a respeito deste tipo de argumento, cohen, Felix E! mtodo funcional en el derccho, Abeledo-Perrol, Buenos Aires, 1%1.' Este trecho c citado por Mcincckc, pp. 227-228..O sentido do irracional na histria, contraposto interpretao racionalista da histria prpria dos iluministas: a mola fundamental da histria no a razo, o clculo, a avaliao racional, mas sim a no- razo, o elemento passional e emotivo do homem, o impuIsTTpai^o, 'sntimento (de tal modo o historicismo se torna romaijtl&mo, que exalta qnto de misterioso, de obscuro, de turvo existe na alma humana). Os historicistas escarnecem assim das concepes jusnaturalistas, tais como a idia de que o Estado tenha surgido aps uma deciso racionalmente ponderada de dar origem a uma organizao poltica que corrigisse os inconvenientes do estado de natureza. Nos confrontos desta concepo historicista, que torna protagonista da histria no a razo, mas sim o irracional, o marxista hngaro Lukcs falou polemicamente de destruio da razo.Estreitamente ligada idia da irracionalidade da histria est a idia da sua tragicidade (pessimismo mitrnpnlnoimy enquanto o iluminista fundamentalmente otimista porque acredita que o homem com sua razo possa melhorar a sociedade e transformar o mundo. o historicista pessimista porque no compartilha dessa crena, no cr nos magnficos destinos e progressos da humanidade. Esta postura bem ilustrada por uma afirmao de Burke, o mais lcido desses pensadores (que geralmente tinham posturas mentais mistificantes), o qual, em sua obra Reflexes sobre a Revoluo Francesa, critica precisamente o desmedido desejo dos revolucionrios de alterar o estado de coisas existente:A histria consiste em grande parte em misria, que a soberba, a ambio, a avareza, a vingana, a lascvia, a revolta, a hipocrisia, a avidez descontrolada e as paixes desenfreadas espalharam pelo mundo... Tais vcios so a causa dessas tempestades. Religio, moral, leis, privilgios, liberdade, direitos do homem so os pretextos dos quais se servem os poderosos para poder governar a massa humana mobilizando e jogando com suas paixes1.Nestas poucas palavras est gravada a postura profundamente pessimista dos historicistas: a histria . lima mntrma tragdia. (A aluso feita por Burke aos direitos do homem, considerados como um simples pretexto, pe em evidncia a matriz ideolgica e social do historicismo, que estreitamente ligado a interesses e uma mentalidade conservadores; no por acaso que se desenvolva principalmente na Alemanha, o pas da Restaurao.)Um outro carter do historicismo o elogio e o amor pelo passado: no havendo crena no melhoramento futurQ-dahurnanidade, os histofcstas tm, em compensao, grande admirao pelo passado que no pode mais voltar e que aos seus olhos parece idealizado. Por isto eles se interessam pelas origens da civilizao e pelas sociedades primitivas. Tambm este ponto de vista est em ntido contraste com os iluministas, os quais, ao contrrio, desprezam o passado e zombam da ingenuidade e da ignorncia dos antigos, exaltando, em contrapartida, as luzes da Idade racionalista. Tal contraste entre racionalistas e historicistas se acende principalmente em referncia ao medieval, considerado pelos primeiros uma Idade obscura e brbara e avaliada pelos segundos como a poca na qual se realizou uma civilizao profundamente humana que exprime o esprito do povo e a fora dos sentimentos mais elevados.Esta temtica particularmente desenvolvida por Justus Mser: trata-se de um obscuro estudioso da segunda metade do sculo XVIII, amigo de Goethe, o qual o cita freqentemente nos seus Colquios, posteriormente descoberto e avaliado pela historiografia da Escola histrica (Savigny o cita, ao lado de Hugo, como precursor de suas idias). Mser era um tpico estudioso provinciano, que vivia num ambiente social fechado e isolado das correntes da cultura contempornea. Dedi- cou-se ao estudo da histria da sua terra (Osnabrck). Suas obras principais, Histria osnabruckense (Osnabrkische Geschichte, 1768) e Fantasias patriticas (Patriotische Phantasien, 1764) representam o fruto de suas escavaes e de sua investigao da histria de sua provncia, visando destacar certos caracteres negligenciados pela historiografia oficial. E os resultados a que chega so estes: a verdadeira civilizao germnica representada pela antiga liberdade saxnica, destruda pela conquista carolngia. A partir de Carlos Magno nada mais ocorreu de bom e vlido na histria do seu pas; mister se faz, portanto, retornar ao passado para reencontrar na floresta e ao longo dos rios da Alemanha a essncia da civilizao alem, a liberdade dos antigos saxes.Nesta ordem de idias o mais importante representante do primeiro historicismo alemo foi Herder, cujas obras principais so: Ainda uma filosofia da histria pela educao da humanidade e Idias pela filosofia da histria da humanidade.Um trao ulterior do historicismo o amor pela tradio, isto , pelas instituies e os costumes existentes na sociedade e formados atravs de um desenvolvimento lento, secular. Esta idia expressa seja por Herder, seja por Burke, sendo que este ltimo elabora o conceito de prescrio histrica: como o exerccio de fato de um direito por um longo perodo de tempo faz adquirir tal direito mesmo se originariamente o seu exerccio no se fundasse num ttulo jurdico vlido; assim para todas as instituies sociais: vale aquilo que formado no curso da histria, aquilo que foi consagrado pelo tempo, pelo nico fato de existir h muito tempo. O tempo sana as feridas da histria. Assim, com referncia s revolues ocorridas na Frana, Burke defende o princpio de legitimidade e a hereditariedade dos cargos.Tambm esta posio historicista antittica dos iluministas, os quais desprezavam a tradio. Para estes era suspeito aquilo que os homens repetiam mecanicamente, pela simples fora da inrcia, e desejavam que o homem aplicasse o seu esprito inovador para reformar as instituies e os costumes sociais adequando-os s exigncias da razo (basta recordar a polmica de Voltaire contra as supersties).A escola histrica do direito. C. F. Savigny.Se tomarmos os traos bsicos do historicismo, que foram enunciados no pargrafo anterior, e os aplicarmos ao estudo dos problemas jurdicos, poderemos fazer uma idia bastante exata da doutrina da escola histrica do direito, da qual o maior expoente foi Carlos Frederico von Savigny:Individualidade e variedade do homem. Aplicando este princpio ao direito, o resultado a afirmao segundo a qual no existe um direito nico, igual para todos os tempos e para todos os lugares. O direito no uma idia da razo, mas sim um produto da histria. Nasce e se desenvolve na histria, como todos os fenmenos sociais, e portanto varia no tempo e no espao.Irracionalidade das foras histricas. O direito no fruto de uma avaliao e de um clculo racional, nascendo imediatamente do sentimento da justia. H um sentimento do justo e do injusto, gravado no corao do homem e que se exprime diretamente atravs das formas jurdicas primitivas, populares, as quais se encontram nas origens da sociedade, por baixo das incrustaes artificiais sobre o direito criadas pelo Estado moderno.5455Pessimismo antropolgico. A descrena na possibilidade do progresso humano e na eficcia das reformas induz a afirmar que, tambm no campo do direito, preciso conservar os ordenamentos existentes e desconfiar das novas instituies e das inovaes jurdicas que se queiram impor sociedade, porque por trs delas se escondem somente improvisaes nocivas. Assim a escola histrica se ope, como veremos melhor a seguir, ao projeto