Livro LP Como 2a Lingua Para Os Surdos
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LLíínngguuaa ppaarraa ooss SSuurrddooss
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CCaammppoo GGrraannddee,, MMSS –– 22001111
3
Caros Acadêmicos,
Primeiramente, é um prazer ministrar essa disciplina a vocês e, também, poder elaborar
esse guia de estudos que irá permear e servir como base primordial para realização das
atividades e discussões da disciplina.
Acredito que aprenderam muito sobre surdez, educação de surdos, estrutura linguística
da Libras e, principalmente, como lidar com o aluno surdo e suas especificidades no ambiente
escolar, tudo isso na disciplina “Língua Brasileira de Sinais”.
Vamos prosseguir nesta nova disciplina intitulada “Língua Portuguesa como Segunda
Língua para os Surdos” com o estudo do aluno surdo, porém, focalizando o ensino da Língua
Portuguesa, que é a segunda Língua (L2) para ele. Para tanto, iremos fazer um percurso por
teorias e métodos de ensino usados na educação de surdos durante toda história, a linguagem e
cognição dos surdos e, finalmente, como se dá a aquisição e o ensino de Língua Portuguesa
para os surdos.
Convido vocês para, juntos, trilharmos esse caminho do conhecimento que é cheio de
indagações e ao mesmo tempo cheio de respostas que nos tornam pessoas desenvolvidas
intelectual e humanamente.
Boa caminhada!
Professora
Ayla Lizandra Campos de Vasconcellos
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Sobre a autora
AYLA LIZANDRA CAMPOS DE VASCONCELLOS
É graduada em Letras - Licenciatura (Português/Espanhol), pela Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, campus de Campo Grande. Durante a graduação participou do Projeto de Extensão “Mãos: falar. Olhos: ouvir”, onde exercia o papel de instrutora e intérprete de
Libras. Atualmente é Professora Tutora do curso Licenciatura em Letras/Libras da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (Polo UFGD); foi professora voluntária em 2010 e no 1º semestre de 2011 da disciplina Língua Brasileira de Sinais no Departamento de
Letras – Centro de Ciências Humanas e Sociais - da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e também ocupa o cargo de vice-presidente da Associação de Profissionais Tradutores e
Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais do Mato Grosso do Sul – APILMS. Participa como aluna especial do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, pela UFMS,
campus de Campo Grande e cursa Especialização em Libras, Braille e Comunicação
Alternativa pela UNIASSELVI/SC. E-mail: [email protected]
IMAGEM DA CAPA
“GOULÃO desenha Dia do SURDO”
Francisco Goulão é pintor e professor surdo português
Setembro, 2010
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SUMÁRIO
Unidade 1 – Teorias da Educação de Surdos
1.1 Teoria tradicional ou moderna
1.2 Teoria crítica
1.3 Teoria cultural e Estudos culturais
1.4 Propostas educacionais seguidas no Brasil
Unidade 2 – Linguagem e cognição
2.1 Aquisição da linguagem
2.2 Estágios de aquisição da língua de sinais
2.3 Aquisição da linguagem em crianças surdas
2.4 Teorias de aquisição da linguagem
2.5 Teoria Inatista
Unidade 3 – Letramentos na Educação Bilíngue para Surdos
3.1 Revendo conceitos importantes
3.2 Características da Língua Brasileira de Sinais
3.3 Aplicações da Teoria Linguística ao Ensino de Línguas
3.4 Ensino de língua Portuguesa como segunda língua
Referências
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“Recuso-me a ser
considerada excepcional, deficiente. Não sou. Sou surda.
Para mim, a língua de sinais
corresponde à minha voz, meus olhos são meus ouvidos.
Sinceramente nada me falta, é a sociedade que me torna
excepcional.”
Emmanuelle Laborrit
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“Na valorização da pedagogia surda enfatiza-se a imersão da filosofia da vida
do Ser Surdo. É a pedagogia que volta e reverbera permanentemente. É a
pedagogia da mesmidade, da identidade linguística dos surdos.”
Wilson Miranda
É, de certa forma produtivo conhecer as diferentes teorias quando se pretende
lançar olhares sobre a Educação de Surdos. E para iniciarmos nosso estudo, vamos entender o conceito de teoria. A teoria é definida como um mecanismo implicado na produção, na invenção, na criação de algo. Ela se move com um objetivo por algo
que ela própria cria e inventa. No caso da educação, ela determina as posições do sujeito que os países ou povos nos diferentes momentos históricos, quiseram
construir.
Partindo disso, apresentarei nesta unidade três campos teóricos da Educação
de Surdos, sendo eles, o tradicional também conhecido como moderno, o crítico e o cultural. São três campos de saberes muito diferentes entre si, mas também importantes para determinarmos o tipo de sujeito surdo a ser educado dentro do foco
histórico do passado, do presente e do futuro.
Espero que você consiga vencer esta etapa e realizar um bom estudo, principalmente num momento em que a importância das diferentes teorias converge para a posição de um discurso acertado na educação dos surdos.
1.1 Teoria tradicional ou moderna
“[...] com a modernidade se inaugura não só um tempo de fabricação da
alteridade deficiente, como também a era da produção do Outro em geral.”
Carlos Skliar
UUnniiddaaddee 11 –– TTeeoorriiaass ddaa EEdduuccaaççããoo ddee SSuurrddooss
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A visão tradicional teve e ainda tem seu papel na história como suporte ao pensamento crítico e ao pensamento cultural. Sendo assim, na teoria moderna o sujeito é direcionado para a objetividade e a descoberta deste sujeito “objetivo” faz
com que seja possível entender a contribuição da modernidade para o aparecimento do sujeito crítico ou cultural.
Neste item pretendo situar a teoria moderna, seu princípio fundamental, seus objetivos, suas práticas e discursos.
Vamos perceber que a visão da teoria moderna em educação é radical e não admite restrições, pois, seu foco principal se define em proporcionar algo que faça
com que todas as coisas, sujeitos e objetivos convirjam para o princípio universal de sujeito que consista no modelo de homem a formar. Um modelo muito conhecido é o
homem branco, europeu, inteligente.
Portanto, os princípios do modernismo consistem no aperfeiçoamento do
sujeito em educação segundo uma imagem, pois, esses princípios mais objetivavam moldar um sujeito do que propriamente permitir que o sujeito se formasse na sua
diferença. E este procedimento também faz parte da educação do surdo.
Segundo Skliar (1998):
Resumindo a definição de Skliar (1998), o objetivo da modernidade é fazer com que o surdo se molde de forma a fazer desaparecer sua diferença. O resultado disso é a presença do modelo ouvinte com sua importância e o ser surdo como a
personificação do ser deficiente.
O que podemos concluir sobre a teoria tradicional na Educação dos Surdos
Como vimos anteriormente, a educação tradicional tem por objetivo principal fazer do surdo um não surdo, percebemos isso, pois essa teoria tem uma visão de instrução, de sala de aula, de aprendizados objetivos, conteúdos uniformizados e,
[...] um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se
que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções que legitimam as práticas terapêuticas
habituais. (p.15)
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acima de tudo, de modelos a serem copiados, mantendo assim uma imparcialidade na aprendizagem que neutraliza as posições de poder, política e cultura surda.
Para Silva (1999), a história está cheia de momentos de sistemas brutais e em livros de história da educação dos surdos vemos a recorrência de instrumentos e práticas utilizadas no sentido de corrigir a audição e a fala. Ele cita alguns
procedimentos que compunham a sala de aula dos surdos, são eles:
Além desses procedimentos, havia a obrigação de ser ouvinte, a proibição de uso de sinais e nada que seja do surdo entrava nesse processo. Era reprimida toda e
qualquer das manifestações citadas, sendo que a desobediência era punida com castigos.
Que pedagogia estaria implicada nessa teoria para o surdo?
Partindo do princípio de Jorge Larrosa que a “pedagogia” é o jeito de ensinar, podemos resumir dizendo que o sistema de ensino para os surdos, sob a teoria
tradicional, está moldado de forma que os pressupostos de uma pedagogia ouvinte sempre ocupassem um papel central, ou seja, a cultura ouvinte sempre esteve presente no jeito de ensinar moderno e arroga a si própria o direito de ensinar os
surdos.
Como já foi dito antes, o foco principal é ensinar os surdos a serem ouvintes.
Não há espaço para construir uma subjetividade surda, muito menos para ser diferente do ouvinte, assim sendo, se exclui a ideia de cultura surda, pois, a
modernidade carrega o conceito único de cultura.
Sistemas de correção que vão desde a obrigação de falar e de escutar.
Fichas com palavras para repetir, instrumentos de fala (espátulas) para
auxiliar a pronúncia correta.
Exposição ao som de forma tátil em algumas partes do corpo bem como a sua percepção pelo ouvido.
O aumento excessivo de som, instrumentos de perfuração, de fones, de microfones, instrumentos para produzir som.
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O que o currículo moderno se preocupou em ensinar?
Como comentado, os conteúdos do currículo eram voltados totalmente a exercícios de audição e fala além dos conteúdos do currículo escolar ser deixado de
lado por se acreditar que os surdos eram incapazes de aprendê-los.
O currículo da teoria tradicional para o surdo é um pré-requisito para juntar-se
à cultura hegemônica, desnudar-se, normalizar-se e despir-se da própria cultura. Fica a concepção do surdo como deficiente e incapacitado.
Como os surdos eram vistos na teoria tradicional?
Os surdos, nesse sentido, são, para a maioria dos ouvintes dotados de perda na comunicação, um protótipo de auto exclusão, de solidão, de silêncio, obscuridade
e isolamento.
1.1.2 Métodos de ensino na teoria moderna
Existe um repertório imenso de métodos criados com base na teoria moderna,
que visavam o desenvolvimento da fala e percepção do som, porém, os mais conhecidos são:
Método oral puro (oralismo): Este método foi o mais praticado. Consistia em
articular corretamente cada som. Usava-se a repetição até conseguir o efeito
desejado e uma estratégia era o uso do tato, ou seja, o uso das mãos sobre o local de articulação do som no aparelho fonador.
Método Polack: Ele se fundamenta na ideia de que o melhor modo de aprender a
fala é pela audição. Daí porque expõe o surdo a linguagem auditiva intensivamente.
Método Sanders: Se concentra na prática de explorar restos auditivos no surdo e
une a ênfase na audição com pistas visuais, isto é, dá informações auditivas e
visuais.
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Método Guberina: Transmite o som da fala diretamente para o corpo do surdo. Tem
como principal objetivo o ensino da fala.
Método Vibra-som: segue o método guberina, mas enfatiza a transmissão do som,
pelo contato com ele.
Método Perdocini: Trabalha com frequências elevadas de som para que a criança
apresente resultados rítmicos na fala.
Concluindo, a teoria moderna tinha um objetivo bastante claro, que era inventar um sujeito para todos. A partir disso foi fixada a ideia de normalidade. Na educação
do surdo, o sujeito normal era o sujeito ouvinte, falante, e afirmavam não existir nada fora desse sujeito.
2.1 Teoria crítica
“Claramente, não há como retornar à teoria crítica que se apoia apenas na dicotomia da ‘alta/boa’ contra ’baixo/má’ cultura”.
Kenneth Thompson
Historicamente, a teoria tradicional começou a ser contestada nos anos de 1970, quando surgiu a teoria crítica. O multiculturalismo é um dos reflexos mais
significativos do fim de uma cultura única.
A teoria crítica diverge muito, ela vai do tradicional ao crítico sempre
prevalecendo diferentes atuações. Os teóricos críticos perseguem quase sempre o mesmo objetivo, que é fortalecer o poder daqueles que não o tem e aceitar diversidades existentes a fim de promover a integração.
Segundo Thompson (2005, p. 34), o culturalismo da teoria crítica se apoia
apenas na simples dicotomia ‘alta/boa’ cultura contra ‘baixa/má’ cultura. Ou seja, para cultura surda, a teoria crítica mantém a cultura ouvinte como superior dominante. A visão geral desta teoria campeia nos espaços culturais surdos, onde
aparece o discurso de que eles são mais fracos.
Nesta teoria, a escola é um espaço de diferenças culturais e os estudantes
conhecem outras culturas, e, com isso, tem facilidade em entender as diferenças. Já que existem várias concepções do multiculturalismo, também deduzimos que existem
várias concepções de educação de surdos. A diferença mínima entre a visão da teoria crítica com relação à teoria tradicional é que ela se posiciona com tolerância diante do que envolve o surdo. Aquilo, que na teoria crítica poderíamos constatar
como tolerância é: cultura surda é boa, mas, a dos ouvintes é melhor e mais completa.
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Constata-se que a teoria crítica é baseada em diversas dicotomias como ouvintes/surdos e português/língua de sinais, têm-se também os reducionismos, ou seja, a linguagem do “menos” atribuída aos surdos e onde a língua de sinais é vista
como inferior, incompleta, o surdo é menos que o ouvinte, eles são uma minoria, são uma comunidade, a cultura surda é inferior a do ouvinte, entre outros.
Como se dá a pedagogia e o currículo de surdos na teoria crítica?
O jeito de ensinar constitui-se na percepção da ausência e presença. É como se a cultura surda fosse inferior. É como dizer: “ser surdo está bom, mas ser ouvinte
é melhor”. Vê-se muito presente a tolerância.
A exposição de uma imagem que admite uma representação do vivido e do não vivido constitui uma característica desse currículo.
O currículo na teoria crítica ensina aos surdos o quanto eles são diferentes da maioria e os mantém como diversidade. Também ensina a fazer da experiência vivida pelo outro, que é o ouvinte, ocupar uma posição supostamente superior e a vivência
do sujeito surdo, uma posição supostamente inferior.
1.1.1 Métodos de ensino na teoria crítica
Entre os métodos que se sobressaem por adotar princípios da teoria crítica, podemos destacar três, são eles:
Método da comunicação total: Muito conhecido, esse método não tem
preocupação central com a fala, mas sim no modo de se comunicar. Visa
desenvolver as habilidades da fala, mediante treino rítmico corporal e articulação ritmada e para isto se serve de qualquer artefato para alcançar seu objetivo.
Método bilíngue: Se diverge com a concepção da posição das línguas, mas nem
sempre se constitui de forma homogênea. Sugere a necessidade dos sujeitos surdos
serem instruídos em duas línguas.
Sistema de inclusão dos surdos nas escolas regulares: Este é atual, ele prima
pela vivência das diferenças, pois, na teoria crítica a integração precede a normalização usando o conceito de “diversidade”.
Concluindo, o discurso da teoria crítica pede o respeito, a tolerância e o reconhecimento aos sujeitos surdos, à sua cultura e língua, sem, no entanto,
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questionar a norma implícita e invisível do ouvintismo e sua tentativa de contenção, acomodação/assimilação da alteridade surda dentro dos modelos ouvintes.
Segundo Skliar (2000):
Para finalizar, essa teoria sempre vai conter métodos que mantém a atitude de
superioridade ouvinte.
2.2 Teoria cultural e Estudos culturais
“De certa maneira podemos dizer que os Estudos Culturais em Educação
constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo
pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e da política
representada passa a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena
pedagógica.”
Marisa Voraber Costa
Enfim vamos conhecer nossa última e mais recente teoria, a teoria cultural,
porém, não há como desvencilhar essa teoria dos Estudos Culturais, já que um não caminha sem o outro. Essa teoria é totalmente diferente das duas estudadas
anteriormente, pois, ela traz consigo como característica principal a aparição dos surdos em suas diferenças culturais, ou seja, nela é respeitado o jeito surdo de ser.
Os espaços da teoria cultural surgem como uma possibilidade de estarmos concebendo a cultura em seu caráter produtivo e construtivo. É o espaço onde
traduzimos, reescrevemos e entendemos sob a teoria cultural, as histórias contadas no espaço da teoria moderna e repetidas na teoria crítica.
Na teoria cultural os surdos deixam de ser os “condenados da terra” (Fanon). Desse modo, a linguagem que eles usam é importante, pois, é tratada em outras dimensões. Trata-se de usar uma linguagem cultural, tanto de diferença quanto de
produção.
[...] nesse discurso a diferença passa a ser definida como
diversidade que é entendida quase sempre como a/s variante/s
aceitáveis e respeitáveis do projeto hegemônico da
normalidade. (p.8)
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É a enunciação do discurso da diferença cultural e da interpelação legítima do surdo enquanto sujeito cultural.
Os Estudos Surdos, com aproximação aos Estudos Culturais, invertem aquilo que a teoria moderna denomina como deficientes, e a teoria crítica enfatiza como sendo um espaço de posições dominantes onde o surdo fica em posição de indivíduo
inferior. Nestas teorias o surdo sempre é visto como o “problema”. Nas salas de aula das teorias citadas, que se distanciam dos Estudos Surdos, aprendemos como eles
foram os “perdedores”, tratados como deficientes, menos validos, excluídos, direcionando sobre eles práticas colonialistas e uma infinidade de outras ferramentas excludentes que estão por aí circulando.
Os Estudos Culturais foram descobertos por um grupo de estudiosos na
Inglaterra, em 1960, no momento em que pesquisavam o desaparecimento de uma cultura com valores importantes que era coberta por outra cultura, e cujos valores deixavam a desejar.
Como deve ser o educador na teoria cultural?
Nesta teoria, o educador tem uma nova linguagem, um novo jeito de ensinar.
Não há mais aquela obrigação de ensinar o surdo a ser do jeito ouvinte, nem a obrigação de fazer com que ele se sinta subalterno, mas sim, fazer presente a necessidade deles serem sujeitos construtivos, ou seja, sujeitos que constroem a
história, que contribuem para o desenvolvimento dela.
Então, a educação dos surdos na visão da teoria cultural, simplesmente procura fixar a identidade, a diferença e a alteridade como processos de produção social.
A teoria cultural nos volta, agora, para a produção das identidades e
subjetividades que devem acompanhar a pedagogia cultural. É importante situar o sujeito cultural na educação e descoloniza-la. Um documento importante que dá subsídio à teoria cultural e intitulado “A educação que nós surdos queremos”
elaborado a partir do pré-congresso ao V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos, e realizado em Porto Alegre/RS em abril de 1999, coloca lado a lado duas construções discursivas sobre o surdo. De um lado, o surdo dependente
dos ouvintes porque é deficiente, necessitado de cura, inventado pelos discursos da medicina e da educação especial. De outro, o surdo como sujeito cultural, como
participante nas relações de poder.
O documento citado contém temas como: políticas e práticas educacionais
para surdos; cultura e identidade e formação do profissional surdo. Desse modo, este
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documento foi um marco para a pedagogia cultural e para identificação deles enquanto surdos.
Neste documento podemos encontrar alguns pontos distintivos para a educação de surdos em relação à teoria dos Estudos Culturais, são eles:
Este momento de distanciamento estratégico das teorias moderna e crítica, a
presença da teoria cultural e o discurso narrativo surdo deixam transparecer o produzir constante da política pedagógica cultural surda, um produzir do jeito surdo
aproximado à teoria cultural.
2.3 Propostas educacionais seguidas no Brasil
Estudamos no decorrer da terceira unidade as teorias aplicadas na educação de surdos mundialmente, e dentro dessas teorias, conhecemos alguns métodos de ensino também chamados de propostas educacionais.
No Brasil, podemos destacar três propostas educacionais adotadas na
educação dos surdos, todas elas em consonância com movimentos e congressos mundiais sobre educação.
Atualmente a proposta educacional para o aluno surdo, no Brasil, é o bilinguismo, mas, antes dela ser adotada, o aluno surdo vivenciou outras duas
propostas. Tratam-se do oralismo e da comunicação total.
1.4.1 Oralismo
O princípio desta proposta era que o surdo desenvolvesse a fala ou linguagem oral a todo custo e era proibida a comunicação através de gestos e sinais, tudo isso
1. A possibilidade de vir a ser sujeito está atrelada a cultura. O uso da identidade cultural é um dos requisitos do currículo dos surdos.
2. Introdução de estudos da cultura surda no currículo dos surdos.
3. A cultura surda é ao mesmo tempo local de ação e de prática política no currículo.
4. Distinção no currículo para o que não se conhece e o que é conhecido.
5. Espaço para o que é do ouvinte, valores culturais subjacentes, por ex. língua oral, português como segunda língua e estratégias de ação para a interculturalidade.
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para habilitar o surdo a conviver em sociedade, se tornando um cidadão dito “normal”, por isso, para obter uma boa comunicação era necessário que o surdo oralize bem.
Como já estudado na disciplina Libras, especificamente na História da Educação dos Surdos, dois congressos importantes para a educação de surdos
mundial ditaram as propostas educacionais que deveriam ser adotadas pelos países, ambas são influenciadas por educadores oralistas e ocorreram, respectivamente, em
Paris e Milão.
O II Congresso Internacional, ocorrido em Milão no ano de 1880, foi
organizado por uma maioria oralista e o objetivo desse Congresso era transformar as discussões em leis que direcionassem a educação de surdos com ênfase na
oralização. A única delegação que não votou neste método foi a americana, porém, a maioria dos participantes votaram pela aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista e a proibição da Língua de Sinais.
Segundo Lacerda (1998), as resoluções do Congresso foram determinantes
no mundo todo, especialmente na Europa e América Latina. A linguagem gestual passa a ser banida como forma de comunicação e, portanto, não poderia mais ser utilizada nos espaços educacionais. Ainda, conforme Lacerda (1998), com o
Congresso de Milão, termina uma época de convivência tolerada na educação dos surdos entre a linguagem falada e a gestual e desaparece a figura do professor
surdo. Essa abordagem não foi questionada durante quase um século. No entanto, os resultados não foram nada bons, pois a maioria dos surdos profundos não desenvolveu a fala como os ouvintes. Além disso, sobrevieram muitas dificuldades
ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita pelos surdos.
Na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre as Línguas de Sinais,
que apontaram a linguística da língua, presente em qualquer língua oral. Dessa forma, o descontentamento com o método oral e os estudos sobre as Línguas de
Sinais deram origem a novas propostas educacionais em relação ao surdo, e a tendência que ganhou impulso nos anos 70 foi a chamada comunicação total.
1.4.2 Comunicação Total
A Comunicação Total inclui uma gama de instrumentos linguísticos, alguns
deles são a língua de sinais, a língua oral, gestos, leitura labial, alfabeto manual, leitura da escrita, ritmo, dança, além de outras práticas utilizadas em sala de aula.
Ela visa desenvolver as habilidades da fala, mediante treino rítmico corporal e articulação ritmada, se servindo de qualquer artefato, inclusive a língua de sinais.
Desenvolvida nos anos de 1960, a Comunicação Total substitui o oralismo, que em presença da teria crítica perde sua atitude tradicional, e admite o
afrouxamento dos controles rígidos do modernismo. Sendo assim, começaram a
17
ponderar a mistura entre o oralismo e a língua de sinais, bem como instrumentos que permitissem colher simultaneamente pedagogias como alternativas de comunicação.
Essa modalidade mista produziu um problema que é contestado até hoje pelos surdos, que é a mistura de duas línguas, língua portuguesa com língua de sinais, resultando numa terceira modalidade que é o “português sinalizado”. Essa prática é
denominada bimodalismo e estimula o uso simultâneo da língua de sinais e do português, fato que é inadmissível já que a estrutura de ambas é diferente e se torna
impossível obter uma prática equilibrada.
Assim, Lacerda (1998) enfatiza que os surdos atendidos seguindo essa
proposta, comunicam-se precariamente. Todavia, a autora destaca que a comunicação total favoreceu o contato com os sinais, que era proibido pelo oralismo,
e esse contato propiciou a aprendizagem da Língua de Sinais pelos surdos, externamente ao trabalho escolar. Num paralelo ao desenvolvimento das propostas da comunicação total, outros estudos foram apontando para novas alternativas
educacionais, orientando a proposta chamada de bilinguismo.
1.4.3 Bilinguismo
A proposta de educação bilíngue contrapõe-se ao modelo oralista, pois, considera o canal visual/gestual importantíssimo para a aquisição da linguagem do
surdo, da mesma maneira, se contrapõe ao modelo da comunicação total por defender o espaço efetivo da Língua de Sinais e a não mistura das duas línguas.
A educação bilíngue é uma proposta de ensino surgida nas escolas de surdos nos anos de 1970. Nascida da teoria crítica, porém, criando novas identidades para o
sujeito surdo que não é mais visto como deficiente e sim como sujeito portador de uma cultura. Essa proposta sugere a necessidade dos sujeitos surdos serem instruídos em duas línguas, considerando a língua de sinais como primeira língua, e
a partir desse pressuposto se passa para o ensino da segunda língua que, no caso do Brasil, é a Língua Portuguesa que pode ser ensinada na modalidade oral ou
escrita.
O Bilinguismo tem como pressuposto básico o dever do surdo ser bilíngue,
sendo assim, ele deve adquirir como língua materna (L1) a língua de sinais, que é considerada a sua língua natural e, como segunda língua (L2), a língua oficial de seu
país. Conforme Lacerda (1998):
Ao sinalizar, a criança desenvolve sua capacidade e sua competência linguística, numa língua que lhe servirá depois
para aprender a língua falada, do grupo majoritário, como segunda língua, tornando-se bilíngue, numa modalidade de
bilinguismo sucessivo. (p. 77)
18
Os mentores do bilinguismo enxergam as necessidades de instrução do surdo
de forma bastante diferente dos mentores oralistas e da comunicação total. O
bilinguismo evoluiu no decorrer do tempo. Se inicialmente tínhamos um bilinguismo que se aproximava da teoria tradicional, com o tempo ele foi se transformando até
adquirir a ideia de bilinguismo crítico onde há um espaço para o surdo se sentir um sujeito diferente.
Abaixo, segue uma ilustração que apresenta o percurso das três propostas durante a história e sua significação para o surdo.
Fonte: Kojima e Segala (2003)
19
Diante dessa realidade e das consequências históricas, percebemos que o
bilinguismo é de fato a melhor opção para a educação de surdos. Todavia, uma
proposta bilíngue não se efetiva de forma rápida e simples.
Fernandes (2006) destaca alguns aspectos que, em sua opinião, dificultam a implementação da proposta bilíngue. São eles:
Essas questões desencadeiam inúmeros problemas no processo de
letramento da criança surda, tendo em vista que o aprendizado da L2 (Língua
Portuguesa) se dá sem que a maioria dos surdos tenha tido acesso à aquisição da L1 ( Língua de Sinais).
Iremos retomar alguns conceitos trabalhados nessa unidade quando
estudarmos o Ensino da Língua Portuguesa como Segunda Língua (L2) para o Surdo
mais adiante. Por enquanto, o conteúdo que estudamos até aqui é um subsídio básico para que vocês entendam como se dá a linguagem e cognição para o surdo,
tema que será abordado na próxima unidade do nosso Guia de Estudos.
Desconhecimento da LIBRAS pelos pais (em sua maioria, ouvintes);
Propostas curriculares que não contemplam a pluralidade linguística de grupos minoritários;
Falta de professores bilíngues nas escolas onde todo o ensino é oferecido em Língua Portuguesa, sem adequações que levem em consideração a
singularidade linguística do aluno surdo;
Dificuldades para a identificação da surdez, precocemente, retardando o
processo de desenvolvimento da Língua de Sinais e da Língua Portuguesa.
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Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:
Assista ao Filme: Filhos do Silêncio, dirigido por Randa Haines, no ano de 1986.
Sinopse:
Um dos filmes mais aclamados pela crítica na
década de 80, Filhos do Silêncio recebeu quatro indicações para o Oscar da Academia e
ganhou o de Melhor Atriz para Marlee Matlin. Baseado no sucesso da Broadway, conta a história de amor de John Leeds (William Hurt),
um idealista professor de deficientes e uma decidida moça surda, chamada Sarah (Marlee Matlin). No início, Leeds vê Sarah como desafio à
sua didática. Mas logo o relacionamento dos dois transforma-se num romance tão passional, que rompe a barreira do silêncio que os separa.
21
“As maiores coisas
do mundo e as mais belas não podem ser vistas e nem sequer
tocadas. Devem ser sentidas
com o coração.”
Helen Keller
22
“As primeiras palavras proferidas por um bebê - ou os primeiros gestos, no
caso dos bebês surdos -, quando este aprende a falar, são normalmente motivo de muito orgulho para pais e avós, que reconhecem o importante evento como
um marco fundamental no desenvolvimento cognitivo e social da criança. Ao proferir sua primeira palavra com significado, seja ela “mama”, “papa” ou “au-au”, a criança dá os primeiros passos no sentido de se tornar membro ativo de
uma sociedade que atribui enorme valor à linguagem como instrumento de expressão do pensamento e de comunicação”.
Ronice Müller de Quadros
Nesta unidade, como citado anteriormente, iremos conhecer os estudos sobre aquisição da linguagem de modo geral, abordando teorias da aquisição inclusive à
luz da linguística e reconhecendo os estágios de linguagem nos ouvintes e surdos. Atualmente há vários estudos sobre aquisição da linguagem, sobretudo no
âmbito linguístico. A natureza do desenvolvimento linguístico da criança tem sido motivo de interesse dos estudiosos da linguagem e cognição humana há bastante
tempo. Os primeiros estudos realizados de forma mais sistemática de que se tem notícia - os chamados “estudos de diários” ou “biografias de bebês” - caracterizavam-se por registros detalhados em diários, normalmente realizados pelos pais, de
modificações na fala da criança ao longo de um determinado período de tempo (INGRAM, 1989).
Embora esses estudos tivessem o foco central de analisar o desenvolvimento cognitivo da criança, os denominados “estudos de diários” constituem um grande
avanço para as pesquisas em aquisição da linguagem, pois, formam um banco de dados do desenvolvimento da linguagem nas crianças em períodos longitudinais, podendo servir, atualmente, para orientar estudos e complementar pesquisas na
área.
2.1 Aquisição da linguagem
UUnniiddaaddee 22 –– LLiinngguuaaggeemm ee CCooggnniiççããoo
23
Neste primeiro item, discutiremos o que é aquisição da linguagem e como esse fenômeno ocorre nas crianças, logo, como as crianças adquirem uma língua. Para começar, podemos observar que todas as crianças adquirem (pelo menos) uma
língua, seja ela oral ou gestual. Além disso, é interessante perceber que isso ocorre quando elas ainda são muito novinhas, numa fase em que elas mal conseguem
amarrar os sapatos. Pensando nisso, pode-se afirmar que o processo de aquisição da linguagem, além de ser universal, é também rápido, uma vez que, por volta dos quatro anos de idade, quase toda complexidade de uma língua é aprendida.
Refletiremos, ainda, sobre essa questão e apresentaremos uma teoria que se
propõe a explicar este processo de aquisição, postulando que parte do conhecimento linguístico é geneticamente determinado. Também consideraremos outras teorias que foram propostas ao longo dos anos e discutiremos porque elas não são capazes
de explicar tal processo.
Como já mencionado, toda criança normal adquire uma língua natural, sem treinamento especial e sem um input linguístico sequenciado, resumindo, não se tem a preocupação com a ordem em que as sentenças são faladas às crianças. Essa
propriedade da aquisição da linguagem, explicada anteriormente, é denominada universalidade da linguagem (Crain e Lillo - Martin, 1999).
IMPORTANTE:
Para explicar o processo de aquisição da linguagem, uma teoria linguística precisa dar conta dessa universalidade da linguagem e responder o que é especial
sobre ela e sobre as crianças, isso garante com que elas dominem um sistema de regras rico e complexo num período em que elas estão apenas entrando em idade escolar.
Outra observação importante se relaciona com os dados linguísticos primários,
que é a experiência linguística da criança e pela qual ela adquire a linguagem. Apesar de diferentes experiências linguísticas, em todos os casos, as crianças adquirem a língua da sua comunidade.
Essas considerações nos levam a outra característica da aquisição da
linguagem, a uniformidade. Assim, crianças numa mesma comunidade têm
experiências linguísticas bastante diversas (com inputs diferentes) e os dados linguísticos primários que cada uma recebe são diferentes do que as outras
recebem, porém, todas elas acabam aprendendo a língua.
Outro ponto a ressaltar é que a língua dos pais não determina que língua a criança falará; o que determina a língua da criança é a língua falada ou sinalizada ao
Input designa o que a criança ouve ao seu redor, ou seja, as sentenças da língua que está
adquirindo.
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seu redor. Sendo assim, toda criança exposta ao inglês falará inglês, toda criança exposta à Língua de Sinais Brasileira sinalizará essa mesma língua e assim por diante.
Além de ser universal e uniforme, o processo de aquisição da linguagem é
muito rápido também. Um exemplo disso é que por volta dos quatro anos de idade, as crianças já dominam quase todos os tipos de estruturas usadas na sua língua.
Finalmente, a última propriedade que notaremos é a sequência de estágios pelos quais as crianças passam ao adquirir uma língua. Quando elas aprendem uma
língua, seguem um padrão quase idêntico, progridem da mesma forma pelos estágios de aquisição e na mesma ordem, a única variação que pode ocorrer é com relação à rapidez com que a criança muda de um estágio para outro.
Portanto, o melhor indicador sobre o nível de desenvolvimento linguístico de
uma criança é o estágio em que ela se encontra e não a sua idade. No item a seguir, apresentaremos, de forma geral, os estágios de aquisição com maior detalhe.
2.1.1 Estágios da Aquisição da linguagem
Observaremos nesse item, os estágios pelos quais as crianças passam em
seu desenvolvimento linguístico de forma resumida. Esses estágios foram
observados em crianças e gravados periodicamente por meses ou anos (como no estudo apresentado em Brown, 1973).
Por isso, os dados aqui reportados são chamados de dados longitudinais. Tais dados também são chamados de espontâneos, já que as crianças eram livres
para dizer o que quisessem e como quisessem, sem nenhuma orientação específica. A idade em que tais estágios ocorrem varia de uma criança para outra, portanto, as idades mencionadas abaixo são apenas as mais comumente observadas.
PRIMEIROS MESES DE VIDA
Nos primeiros meses, a criança chora e começa a balbuciar, emitindo sons
que não tem nenhum significado. Diversos estudos com bebês muito novos (desde
recém-nascidos até bebês com 12 meses) indicam que desde os primeiros dias de vida os bebês mostram uma sensibilidade impressionante às propriedades e
estruturas da fonologia das línguas naturais. Por exemplo, com quatro dias de vida, eles conseguem descriminar uma grande variedade de línguas, algumas que nunca ouviram, ao se basear em seu ritmo. SEIS MESES
Por volta dos seis meses de vida, as crianças balbuciam um maior número de
sons. Eles produzem várias sílabas diferentes, que são repetidas à exaustão, como
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ba, ba, ba, bi, bi, bi. Crianças adquirindo línguas diferentes apresentam o mesmo tipo de balbucio, até mesmo crianças surdas, segundo Karnopp, 1999.
A partir desta idade, os bebês começam a separar as palavras no fluxo
contínuo dos enunciados. DEZ MESES
Aos 10 meses, o balbucio das crianças muda e elas começam a balbuciar
somente os sons que ouvem. As crianças também usam o acento e contornos intoacionais de sua língua. Nesta idade a criança surda deixa de balbuciar (Petitto e
Marentelle, 1991). UM ANO
Ao completar um ano de idade, a habilidade de descriminar sons de línguas
estrangeiras decai. Os bebês começam como potencialmente falantes de qualquer língua chamada humana e sua capacidade para linguagem pode se adaptar a qualquer input linguístico.
Nesta idade, a criança, além de balbuciar, também começa a produzir suas
primeiras palavras (Elbers, 1982, Vihman e Miller, 1988). Elas geralmente usam palavras que nomeiam objetos em seu ambiente, como “mamãe”, “papai”, “auau”, etc. Os enunciados das crianças são compostos por apenas uma palavra, mas,
geralmente tem o significado de uma sentença completa. Neste estágio, as crianças surdas também começam a produzir seus primeiros sinais. UM ANO E SEIS MESES
Por volta de um ano e meio, as crianças começam a combinar duas palavras isoladas, por exemplo, “auau...água”. Nesta idade, o vocabulário aumenta rapidamente, pois, as crianças aprendem várias palavras novas a cada dia.
Nesta idade, a criança surda também passa pelo período de dois sinais
(Newport e Meier, 1985). As duas palavras enunciadas estão numa relação semântica, em uma mesma ordem. DOIS ANOS
Aos dois anos de idade, a criança tem um vocabulário de aproximadamente 400 palavras e já produz sentenças simples com mais de duas palavras. Entre 2 e 3 anos, a criança tem um vocabulário de aproximadamente 900 palavras e começa a
usar palavras gramaticais como artigos e pronomes.
Nesta fase, a criança apresenta “erros”, como as formas de passado “eu fazi” e “eu trazi”, produzidas por crianças adquirindo o português. O importante é notar que as crianças detectam regularidades em seu input e vão além delas, produzindo
formas novas, que elas nunca ouviram antes e que são regidas por regras.
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MAIS DE TRÊS ANOS
Entre 3 e 3 anos e meio, o vocabulário da criança gira em torno de 1200 palavras. Preposições e outras palavras gramaticais continuam a ser adquiridas.
Entre 3 anos e meio e 4, as crianças começam a usar sentenças com mais de uma oração, como as relativas e as coordenadas. Por volta dos 4 e 5 anos de idade, as crianças tem um vocabulário de mais ou menos 1900 palavras e já usam orações
subordinadas com termos temporais, tais como “antes” e “depois”.
É importante observar que por volta dos 5 anos de idade, as crianças já adquiriram a grande maioria das construções encontradas em sua língua materna. Ela adquire não uma lista de sentenças, mas um conjunto de regras que permite
gerar sentenças novas, que ela nunca ouviu antes.
Levando em conta todo o conteúdo exposto, concluímos que uma teoria de aquisição da linguagem deve explicar não só a universalidade da linguagem, como também sua uniformidade, rapidez, os estágios observados no processo de
aquisição e o fato das crianças serem capazes de produzir um número infinito de sentenças, mesmo tendo ouvido apenas um número finito delas.
2.2 Estágios da aquisição da Língua de Sinais
Considerando a universalidade da linguagem, é natural que crianças surdas,
expostas a língua de sinais, apresentem um paralelo em relação aos estágios de aquisição das línguas orais. Crianças surdas inicialmente balbuciam com as mãos. Depois, começam a produzir enunciados com um único sinal, passando mais tarde
para a fase de enunciados com dois sinais e, em seguida, combinam sinais formando sentenças simples, exatamente como as crianças ouvintes em relação às palavras
(Lillo-Martin, 1999 e Newport e Meier, 1985). Quadros (1997) apresenta uma síntese dos estudos que identificaram os
estágios da aquisição da língua de sinais. Foram identificados padrões manuais de balbucio, estágio de produção de um sinal, estágio de combinação de dois sinais e o
estágio de múltiplas combinações. Os primeiros sinais produzidos pelos bebês surdos acontecem em período análogo à produção das primeiras palavras faladas nos bebês ouvintes adquirindo uma língua falada. Assim acontece sucessivamente
até ser completado o processo de aquisição da linguagem com as últimas estruturas, as mais complexas.
A seguir, apresento-lhes a síntese de Quadros (1997) organizada para o
material do Curso de Graduação a Distância de Educação Especial em Quadros
(2005), são 5 estágios de aquisição da linguagem por crianças surdas organizado em 8 tópicos divididos por faixa etária.
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Período pré-linguístico - o balbucio
• Fenômeno que ocorre com todos os bebês: ouvintes ou surdos; • Em bebês surdos e ouvintes = mesmo período;
• Manifestado por sons e por meio de sinais.
Crianças com input nas duas línguas, com seus pais surdos na língua de sinais e
com seus parentes e amigos ouvintes na língua portuguesa, crescem bi língues.
Estágio de um sinal - por volta dos 12 meses até 2 anos
A criança:
• Para referir-se aos objetos: aponta-os, segura-os, olha-os, toca-os;
• Comunica-se com os brinquedos, luzes, objetos, animais e alimentos; • Utiliza uma linguagem não verbal para chamar atenção a necessidades
pessoais e para expressar suas reações;
• Varia seu olhar entre o objeto e a pessoa que a ajuda a pegar o objeto; • Imita sinais produzidos pelos outros, apesar de apresentar CM e Movimentos
imperfeitos; • Pode usar alguns sinais com significado consistente; • Produz formas congeladas da produção adulta, usa uma palavra com um
significado mais amplo; Ex.: o sinal PASSEAR é usado para significar:
‘eu quero passear’
‘papai saiu’ ‘eu quero sair’
• Produz, inicialmente, sinais diretamente relacionados com ela mesma. Ex.: LEITE, COMER, MAMÃE, PAPAI.
Obs.: As crianças surdas usam gestos assim como as crianças ouvintes para pedir colo, para pedir algo para comer, para pedir algo, por exemplo.
Estágio das primeiras combinações - por volta dos 2 anos
A criança:
• Produz palavras isoladas ou sinais para falar sobre coisas e ações ao redor dela;
• Usa a linguagem para chamar a atenção das pessoas, fazer pedidos e para
reclamar; • Usa a linguagem quando as coisas estão presentes, quando se vão ou
quando voltam; • Comunica mais do que ela é capaz de produzir explicitamente. Aponta, olha,
toca, identifica as coisas sobre as quais está falando. Além disso, ela
possibilita aos outros entenderem o que ela deixou de dizer;
28
• Começa a combinar dois sinais observando as restrições que se aplicam ao padrão do adulto. No caso das crianças surdas adquirindo a língua de sinais brasileira, elas já privilegiam a ordenação sujeito-verbo ou verbo-objeto, por
exemplo, elas sinalizam: EU QUERER ou QUERER ÁGUA; • Começa a usar o sistema pronominal, mas de forma inconsistente;
• Apesar da aparente relação entre forma e significado da apontação, o ato de apontar que representa os pronomes na língua de sinais brasileira, a compreensão dos pronomes não é óbvia para a criança dentro do sistema
linguístico. A aparente transparência da apontação é anulada diante das múltiplas funções linguísticas que apresenta. Se as crianças não entenderem
a relação indicativa entre a forma apontada e o seu referente, a plurificação da apontação pode tornar-se uma dificuldade na aquisição dos mecanismos gramaticais. A ideia de que a gesticulação pode funcionar linguisticamente é
tão forte, que anula a transparência indicativa da apontação.
Estágio de múltiplas combinações - por volta dos 2 anos e meio e 3 anos
de idade
A criança:
• Produz muitas palavras; • Comunica muito mais do que produz em forma de palavras, porém há mais
informação que na fase anterior; • Usa frases curtas e sentenças; • Fala sobre o que ela está fazendo e pode solicitar diferentes coisas;
• Identifica coisas em figuras e livros; • Descreve pessoas e objetos por meio de suas características;
• Fala sobre onde estão as coisas, onde as pessoas estão indo e sobre quem vem a ela;
• Produz distinções derivacionais;
Exemplo: diferenciação entre CADEIRA e SENTAR. • Ainda não usa os pronomes identificados espacialmente para referir-se às
pessoas e aos objetos presentes; • Usa substantivos não associados com pontos no espaço; • Quando apresenta tentativa de identificação de pontos no espaço, apresenta
falhas de correspondência entre a pessoa e o ponto espacial; • Uso consistente do sistema pronominal para referentes presentes no discurso
e indicações espaciais.
Estágio de múltiplas combinações - 3 anos em diante
A criança:
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• Fala sobre as coisas no seu ambiente imediato, sobre o que está fazendo ou planeja fazer;
• Fala sobre o que as outras pessoas estão fazendo, mesmo que elas não
tenham nenhuma relação com ela; • Compreende facilmente os familiares e amigos;
• Facilmente se faz entender; • Usa o sistema pronominal com referentes não presentes no contexto do
discurso, mas ainda apresenta erros;
Estágio de múltiplas combinações - 5 anos e meio a 6 anos e meio
A criança:
• Conta estórias complicadas sobre fatos acontecidos no passado ou que
podem acontecer; • Usa a linguagem para descobrir o que está acontecendo, quem está fazendo
o quê, qual o estado das coisas, o que as pessoas estão fazendo e por quê;
• Pode manter uma longa conversa. Ela interrompe a conversa e fala bastante sobre sua experiência relacionada ao que a pessoa está falando durante a
conversa; • Usa a concordância verbal de forma consistente; • Usa sujeitos e objetos nulos;
• Usa verbos de concordância com sujeitos pronunciados para tornar mais clara a identidade do referente estabelecido em um ponto no espaço, assim como ocorre na linguagem adulta.
Estágio de múltiplas combinações - entre 6 e 7 anos
A criança:
• Comunica-se com qualquer pessoa sobre o que tem feito e sua experiência;
• Mantém longas conversas, inclusive, com estranhos; • Começa a acompanhar as conversações em grupo mantendo uma
conversação clara para os demais. Ela usa a linguagem para influenciar o
pensamento das pessoas, suas opiniões e atitudes; • A criança expõe alternativa e o que ela e os outros poderiam fazer em
diferentes situações; • Por volta dos sete anos, as crianças atingem a maturidade sobre o sistema
referencial da sintaxe da Língua de Sinais.
Estágio de maturidade do sistema referencial da sintaxe - 7 anos
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O uso linguístico do espaço inclui:
• Informação sobre as diferenças generalizadas no local de sinalização;
• Estabelecimento explícito dos nomes em pontos espaciais diferentes; • Identificação do local espacial de forma consciente;
• Utilização do local espacial em frases e no discurso.
2.3 Aquisição da linguagem em crianças surdas
As primeiras pesquisas em torno desse assunto foram realizadas nos Estados
Unidos, portanto, no decorrer deste item vamos mencionar os estudos relacionados à Língua de Sinais Americana (ASL), pois, pesquisas sobre crianças surdas brasileiras
e desenvolvimento da Libras ainda são escassos.
Todas as pesquisas realizadas sobre a aquisição da ASL nos últimos anos mostram que essa pode se comparar à aquisição das línguas orais em vários aspectos. Essas pesquisas, normalmente analisam as produções de crianças surdas,
filhas de pais surdos porque elas apresentam um input linguístico garantido para as possíveis análises do processo de aquisição. Mas, é importante ressaltar que esse grupo representa apenas 5% a 10% das crianças surdas, sendo que 90% são
representados por crianças surdas nascidas em um lar ouvinte.
Ainda sobre a aquisição da língua de sinais por crianças surdas, vejamos uma reflexão apresentada por Rodrigues (1993). Ele realiza sua análise de um ponto de vista biológico e chega às seguintes conclusões:
Se a língua de sinais é organizada no cérebro da mesma forma que as
línguas orais (conforme vem sendo demonstrado através de pesquisas), então as línguas de sinais são línguas naturais;
Se as línguas de sinais são línguas naturais, então seu aprendizado tem período crítico (período ideal para a aquisição da linguagem), após esse
período a aquisição é deficiente e, dependendo do caso, impossível (Lenneberg, 1967);
Se as línguas de sinais tem período crítico, então as crianças surdas estão iniciando tarde o seu aprendizado;
Se a natureza compensa parcialmente a falta de audição, aumentando a capacidade visual dos surdos (conforme pesquisas realizadas há uma
competição entre os estímulos acústicos e visuais), então, está sendo ignorada a maior habilidade dos surdos quando lhes é imposta uma língua oral, em vez da língua de sinais.
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Veremos no item a seguir, em quais contextos a criança surda pode estar inserida no período de aquisição da linguagem e como esse fato pode influenciar no processo.
2.3.1 Diferentes contextos de aquisição da criança surda
As crianças surdas podem apresentar diferentes contextos de aquisição da
linguagem relacionados com o meio em que estão inseridas. O primeiro e principal é o lar, onde seus pais podem ser ouvintes que usam a língua de siais ou não; ser
surdos ou apenas um deles ser; ter familiares surdos ou não; ter relações com outros surdos ou não, etc. O segundo contexto possível é o da escola, que pode oferecer um ambiente linguístico na língua de sinais por meio de surdos adultos, por meio de
profissionais fluentes na língua e, até mesmo, garantir o contato com pares surdos. Por outro lado, segundo Quadros (2011), há possibilidade de a criança estar em uma
escola em que o único modelo de língua de sinais seja o intérprete, se houver. Um terceiro contexto possível é o clínico, no qual a criança pode ter
atendimento especializado antes de ingressar ou paralelamente à escola, caso a abordagem seja exclusivamente oral. Há também atendimentos clínicos que
apresentam uma abordagem bilíngue, considerando a Língua de Sinais como primeira língua e o Português Escrito e/ou Oral como segunda língua. São esses alguns dos ambientes linguísticos em que a criança surda pode estar inserida e
dependendo das suas experiências nesses diferentes contextos, elas apresentarão implicações no processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem.
Porém, além desta questão, o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem pode ser influenciado, também, pelo período no qual foi realizado o
diagnóstico da surdez. Geralmente, o processo de aquisição e desenvolvimento linguístico de uma
criança é observado pelos seus pais, familiares e pessoas ouvintes que a rodeiam todos os dias e a língua materna do filho, normalmente é a mesma dos seus pais,
por isso, a estimulação de sua linguagem ocorre naturalmente. Quando ocorre algum tipo de alteração nesse processo, por exemplo, atraso
em aparecer a fala ou mesmo fala inteligível, os pais ou pessoas que convivem com a criança, conseguem detectar essa diferença no seu desenvolvimento. Muitos pais
relatam ter buscado auxílio médico quando observaram ausência de emissão de palavras em seu filho e/ou dificuldade em reagir a sons.
No entanto, uma questão a ser considerada é em qual idade a surdez é diagnosticada.
32
Como já vimos antes, a criança surda passa por estágios de aquisição, e, nessa faixa etária, ela já estaria no estágio de múltiplas combinações, ou seja, já
estaria produzindo sentenças com mais de duas palavras, narrando fatos, compreendendo histórias, fazendo perguntas, formulando respostas por meio de uma língua, porém, tudo isso se tivesse iniciado, desde o nascimento, o processo de
aquisição da língua de sinais. Segundo Quadros (2011), se a criança surda é diagnosticada nessa fase, haverá um atraso no seu desenvolvimento linguístico pela
falta de acesso à língua de sinais, que lhe permitiria compreender e produzir no nível referido.
O que ocorre ainda hoje é que várias crianças tem acesso tardio à língua de sinais, ou seja, após essa fase citada, especificamente em idade escolar, iniciando
assim a aquisição da linguagem de forma tardia e após o período crítico de aquisição, apresentando consequentemente, um atraso significativo no seu desenvolvimento linguístico e possíveis dificuldades emocionais e na aprendizagem.
Contudo, o que muitos pais não sabem, é que o diagnóstico precoce é
possível e realizado por meio de exames audiológicos em bebês. Atualmente, com o
advento da tecnologia, há exames que detectam perdas auditivas, determinam o seu tipo e o seu grau e investigam até as causas da surdez, possibilitando que os pais
busquem intervenção precoce e selecionem uma abordagem terapêutica adequada às necessidades de cada criança. Após esse diagnóstico, a forma de comunicação entre os pais e o filho surdo pode ou não modificar.
Segundo Quadros (2011, p. 28), alguns dos fatores que podem exercer
grande influência no processo de aquisição da linguagem da criança surda são:
O acesso às informações sobre a surdez e o desenvolvimento da
criança surda;
A conscientização da necessidade de a criança adquirir uma língua de sinais (visuoespacial);
O reconhecimento da importância em aprender a língua de sinais para se comunicar com a criança;
O conhecimento e a troca de experiências com pais de crianças
“No Brasil, a idade média do diagnóstico de Deficiência Auditiva (DA) está em torno de 3 a 4 anos (SILVEIRA, 1992), podendo levar até dois anos para ser concluído e, dessa forma, acarretar danos irreparáveis para a criança e onerar custos para a Sociedade. Em 1994, num trabalho de tese desenvolvido por Nóbrega (1994), foi concluído que a confirmação diagnóstica de DA até os 2 anos ocorreu apenas em 13% dos pacientes estudados, embora 56% tenham sido suspeitado nesta fase. Assim, havia um tempo perdido de mais de dois anos entre a suspeita clínica e a confirmação de DA (Nóbrega,
1994; Nóbrega, Weckx, Juliano, Novo, 1998; Nóbrega, 2004; Pádua, 2005, p. 192)”.
33
Além de exercerem grande influência, esses fatores também contribuem para
que a criança tenha um processo de aquisição normal ou alterado.
Assim, após o diagnóstico de surdez, deve ser escolhida uma intervenção
terapêutica adequada a cada caso. Essa intervenção é realizada pelos
fonoaudiólogos, que, junto aos médicos especialistas, podem indicar diferentes dispositivos auditivos e abordagens terapêuticas à criança surda.
Quanto à abordagem terapêutica, que é realizada pelos fonoaudiólogos, a
mais comumente indicada ainda é a oral, que privilegia a aquisição exclusiva da
língua oral e o uso de dispositivos auditivos.
Todavia, o que se sabe é que o uso de aparelhos auditivos, dependendo do grau de perda auditiva, detectam apenas sons do ambiente, por isso, a voz humana em alguns casos não é detectada nem há a descriminação dos sons recebidos e
esse fato ocorre na maioria dos casos.
Um dos fatores para o uso frequente da abordagem oral pelos fonoaudiólogos, possivelmente esteja relacionado com a formação desse profissional no Brasil, que ainda não apresenta uma abordagem linguística em língua de sinais.
Voltando à questão da criança surda, conforme apresentado neste item, as
crianças observadas nas pesquisas que resultam em hipóteses e soluções aqui apresentadas, eram filhas de pais surdos, proficientes na língua de sinais, e portanto, se encontravam desde o nascimento diante de um ambiente linguisticamente
adequado assim como ocorre com crianças ouvintes. Por outro lado, as crianças surdas filhas de pais ouvintes, iniciam a aquisição da língua de sinais em diferentes
contextos e períodos e, como vimos, em muitos casos somente após os 4 anos. Muitas dessas crianças iniciam a aquisição da língua de sinais apenas na
escola de surdos, com colegas surdos ou em clínicas com profissionais bilíngues e na mesma época, alguns pais também iniciam a aprendizagem da língua de sinais.
Por isso, há uma visível diferença no nível de desenvolvimento linguístico entre uma criança surda filha de pais ouvintes, e a de uma criança surda filha de pais surdos.
Como foi citado anteriormente, existe um período crítico para aquisição da linguagem e tendo como pressuposto a ideia de que a linguagem é inata, Lenneberg
surdas que utilizam língua de sinais;
A possibilidade de receber apoio emocional;
A abordagem terapêutica indicada pela fonoaudióloga (oral ou bilíngue);
A indicação de aparelhos auditivos e a indicação de implante coclear.
34
(1967) propõe a real existência desse período e diz que o período crítico se iniciaria por volta dos 2 anos e se encerraria por volta da puberdade. Esse período é chamado assim, porque seria aquele mais sensível à aquisição da linguagem. Caso
a criança não adquira a linguagem nesse período, seu desenvolvimento linguístico será prejudicado. Para finalizar esse assunto, vejamos o que foi observado por
Quadros (1997, p. 79):
Por outro lado, a abordagem bilíngue, como vimos, considera a língua de sinais como sendo a primeira língua da criança surda, e, atentando aos resultados das pesquisas em aquisição, percebemos que o acesso à língua de sinais permite o
desenvolvimento da linguagem de forma natural e espontânea. Também podemos considerar que, se a aquisição da primeira língua ocorrer de forma consistente e em
um período considerado normal, esse fato oferecerá uma base linguística consolidada para a aquisição de uma segunda língua, assim como observado em outros contextos bilíngues (Cummins, 2000; 2003).
2.4 Teorias de Aquisição da linguagem
Algumas teorias que discutiremos a seguir são um tanto intuitivas, mas, depois de examinadas mais detalhadamente, veremos que elas não são capazes de dar
conta dos fatos discutidos no item 2.1. Tentativa e erro
A primeira hipótese a ser considerada é que a criança adquire a linguagem
num processo de tentativa e erro. Um fato que depõe contra essa hipótese é de as crianças passarem por estágios similares de aquisição da linguagem. Porque essa aquisição se desse realmente por tentativa e erro, não esperaríamos que as crianças
“Nesse sentido, o período crítico pode ser entendido como o ‘pico’ do processo de aquisição da linguagem. Isso não significa que não possa haver aquisição em outros períodos da vida. As evidencias para a existência desse período vêm de crianças que, por alguma razão, foram impedidas de acessar a linguagem durante esse período. Essas crianças apresentaram dificuldades (e impossibilidade) de aquisição da linguagem, especialmente da sintaxe (em nível de estrutura). Também há evidências de crianças surdas, filhas de pais ouvintes (Siangleton e Newport, 1994), que foram expostas à língua de sinais americana depois dos 12 anos. Essas crianças, comparadas àquelas expostas desde a mais tenra idade, apresentaram dificuldades em relação a alguns tipos de construção. Dados de aquisição de segunda língua também indicam que as crianças expostas à língua estrangeira atingem melhor competência do que pessoas que adquirem línguas depois do período crítico. Adquirir uma língua (nativa ou estrangeira) depende de um processo de aquisição que é natural à criança.”
35
passassem pelos mesmos estágios, fazendo as mesmas tentativas e os mesmos erros na mesma ordem. Além disso, o fato de crianças que recebem inputs muito diferentes dentro da mesma comunidade e, mesmo assim, passarem pelos mesmos
estágios, traz mais um argumento contra essa hipótese. Correção dos adultos
Esta teoria ou hipótese diz que as crianças assimilam a linguagem porque os
adultos as corrigem quando elas erram. Um dos problemas enfrentados por esta hipótese é que ela não explica como as crianças adquirem conhecimento sobre um
número infinito de sentenças, mesmo sem nunca a terem ouvido antes, e para as quais nenhuma correção pode ter sido feita.
Outro problema para esta hipótese é que, se as crianças não produzem alguns tipos de erros, os pais não podem corrigi-las e, também, percebe-se que os
pais prestam atenção no que as crianças falam, mas não em como falam. Ou seja, eles as corrigem sobre a adequação do conteúdo das suas falas relativas à situação discursiva e não sobre a forma gramatical das expressões.
Um argumento que depõe contra esta hipótese decorre do fato que, mesmo
quando os pais corrigem as crianças, elas não prestam atenção a esta correção. Imitação dos adultos
Esta hipótese sobre a aquisição propõe que as crianças aprendem uma língua
imitando o que os adultos dizem, tentando repetir o que ouvem. Existem vários
problemas com relação a essa hipótese, apontarei dois deles:
Primeiro, estudos sobre a linguagem usada pelos adultos com as crianças mostram que não há influência no estilo de linguagem adulta para as crianças.
Segundo, que as crianças produzem estruturas que nunca ouviram antes,
portanto, elas produzem “erros”, como as formas de passado “trazi” e “fazi”, que não são produzidas por adultos e, por isso, não podem ser imitações.
Por esses fatos, podemos afirmar que a imitação não tem uma importância
central no processo de aquisição de linguagem e isso por si só não pode explicar tal
processo. Simplificação da linguagem pelo adulto
Enfim, a última teoria que discutiremos propõe que os pais simplificam a sua
fala quando se dirigirem às crianças. Os pais usariam essas formas no início do processo de aquisição e iriam gradualmente deixando seus enunciados mais
complexos para estar no mesmo nível do desenvolvimento da criança. Quando falam com crianças pequenas, os adultos usam sentenças curtas e um padrão de entonação diferente. No entanto, Newport e Gleitman (1977), em um estudo
comparativo realizado com crianças cujos pais usavam o método maternês e pais
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que não usavam, eles descobriram que não havia diferença no desenvolvimento da linguagem das crianças. Logo, o maternês não parece ser o método pelo qual as crianças adquirem a linguagem.
Concluindo, as crianças obtêm uma linguagem independente da qualidade
interativa e cultura. Sendo assim, basta que sejam expostas a uma língua para que elas a adquiram.
2.4.1 Teorias de Aquisição à luz da linguística
Existem alguns linguistas famosos que realizaram pesquisas sobre a aquisição da linguagem sob a ótica de vertentes linguísticas, criando algumas teorias
diferentes das que vimos anteriormente, e que serão explicadas resumidamente a seguir.
Na apresentação de seu livro “Teorias de Aquisição da Linguagem” de 2008, as autoras Finger e Quadros fazem um breve resumo das teorias abordadas no livro a partir de correntes linguísticas diversas, vejamos as mais importantes:
o A aquisição da linguagem na perspectiva behaviorista
Skinner (1957) e seus antecessores viam a aprendizagem da linguagem como um processo passivo de imitação da fala que as crianças ouvem dos adultos,
acompanhado de reforço positivo quando existe acerto e de reforço negativo sempre que houver erro. O ambiente desempenha um papel fundamental no processo de aquisição, já que a criança, por ela mesma, não é considerada capaz de
desenvolver a linguagem, dependendo assim de fatores externos para que esse desenvolvimento aconteça.
o Paradigma gerativista de aquisição da linguagem
Essa teoria se baseia em pesquisas gerativistas criadas por Chomsky (1957; 1981; 1986) e outros teóricos.
Segundo essa abordagem, os seres humanos são dotados, desde o seu nascimento, de uma disposição inata, específica para a linguagem, denominada Gramática Universal, que consiste basicamente em um conjunto de restrições
linguísticas capazes de determinar as formas que as línguas humanas podem possuir, responsável então por guiar a aquisição de uma ou mais línguas pela
criança, através de sua interação com o ambiente linguístico no qual está inserida. De acordo com essa visão, a existência de tal mecanismo explica o fato de a
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criança, com base em pouca evidência, ser capaz de adquirir uma língua altamente complexa de forma tão rápida.
o Epistemologia genética e a aquisição da linguagem
Piaget tem exercido influência importante no estudo do desenvolvimento da linguagem. Embora tenha falecido em 1980, suas propostas continuam ainda hoje a estimular grande quantidade de pesquisas interessantes sobre a relação entre
linguagem e pensamento nas crianças. Nessa visão, a linguagem é mais um dos muitos desafios que a criança enfrenta e resolve à medida que cresce, devendo,
portanto, ser estudado no contexto do seu desenvolvimento social e intelectual.
o Abordagem conexionista da aquisição da linguagem
Partindo do fato de que o cérebro humano processa informações através de
redes neuronais, os conexionistas postulam que a língua é aprendida através dos mesmos mecanismos-procedimentos de aprendizagem que se aplicariam a todos os domínios da cognição humana. Segundo esse modelo, não existe qualquer tipo de
conhecimento inato pré-determinado das estruturas que compõem as línguas humanas, e a aprendizagem ocorre como resultado de mudanças graduais na força
de conexões das redes, através da experiência.
Essas são só algumas das teorias da aquisição da linguagem estudadas à partir da linguística, são as mais conhecidas. Porém, vamos nos deter na visão
gerativista proposta por Chomsky, que será tratada profundamente no próximo item do nosso guia.
2.5 Teoria Inatista
A teoria que estudaremos nesse último item propõe que as crianças possuem
um conhecimento linguístico inato que as guia no processo para adquirir uma língua. Em outras palavras, as crianças já nascem “equipadas” com vários aspectos das
línguas humanas, que são geneticamente determinados.
Essa teoria parte das ideias de Noam Chomsky, um professor do Instituto de Tecnologia Massachusetts, nos EUA.
Segundo essa teoria, a linguagem humana não é um objeto concreto no mundo, mas algo que existe em nosso cérebro.
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É importante diferenciar aqui o termo “gramática descritiva” de “gramática prescritiva”. A gramática prescritiva é um livro com regras de como devemos falar, por exemplo, “use próclise obrigatoriamente quando houver uma palavra negativa
antes do verbo”. Já a gramática descritiva (que mais nos interessa) é um conjunto de regras que caracterizam as sentenças da língua que nós, como falantes, somos
capazes de produzir e entender, ela apenas descreve o conhecimento dos falantes. Um exemplo sobre o conhecimento que a criança traz para a tarefa de
aquisição da linguagem pode ser ilustrado com o se. Quando temos o se anafórico,
este pronome exige a presença, na mesma oração, de um nome do qual possa retirar seu valor referencial. Em (12) abaixo, se tem como antecedente o nome “as
atrizes” (dados retirados de Raposo, 1992 p. 44):
(12) As atrizes insultaram-se
Essa sentença significa que as atrizes insultaram as atrizes. No entanto, nas sentenças abaixo, se não pode tomar “as atrizes” como seu antecedente:
(13) As amigas das atrizes insultaram-se. (14) As atrizes disseram que as amigas se tinham insultado.
Podemos nos perguntar como é que as crianças irão aprender essas distinções sobre os valores referenciais possíveis ou impossíveis para se em
sentenças como as acima. Mesmo quando ouvem sentenças do tipo das que foram apresentadas anteriormente, a criança não é instruída pelos pais sobre o que ela pode significar e o que não pode.
Concluímos então, que são os princípios inatos, geneticamente determinados,
que informam a criança. A falta de instruções sobre propriedades das línguas naturais tem sido
observada por linguistas e pesquisadores que apontam para uma disparidade entre o que os falantes sabem de sua língua e o input que eles recebem quando estão
adquirindo a língua. Dada a limitação da experiência da criança, os linguistas argumentam que deve haver algum conhecimento linguístico inato para dar conta do conhecimento final da gramática a que o adulto chega, e esse argumento é chamado
“argumento da pobreza de estímulo”.
O conhecimento linguístico inato com o qual as crianças nascem é chamado de “Dispositivo de Aquisição de Linguagem – DAL”. O DAL inclui princípios que são comuns a todas as línguas humanas. Tais princípios são chamados de Gramática
Universal (GU). Em outras palavras, a GU é caracterizada como a soma dos princípios linguísticos geneticamente determinados, específicos à espécie humana e
uniforme através da espécie. Já que esses princípios são inatos, eles não precisam ser aprendidos.
Portanto, a GU se desenvolve na criança como um órgão biológico. O resultado
39
desse desenvolvimento é a gramática final, que é o conhecimento linguístico do adulto. Nessa visão, a aquisição da linguagem consiste em aprender aquilo que varia de uma língua para outra, como, por exemplo, as palavras.
Outras teorias de aquisição da linguagem de linha gerativista que podem ser
citadas ainda são:
A teoria de Princípios e Parâmetros – proposta por Chomsky e chamada de
TPP, ela propõe que existe um estado inicial, chamado de So, que é comum a todas as crianças. Este estado inicial é a Gramática Universal (GU) que é
constituída por dois tipos de princípios abstratos.
Maturacionismo – essa hipótese (HM) tem como ideia fundamental que a GU
é sujeita a um processo maturacional determinado biologicamente, que faz os princípios emergirem numa ordem temporal específica (Borer e Wexler, 1987);
(Felex, 1992).
Continuista – por outro lado, essa hipótese (HC) assume que os princípios da
GU estão completamente disponíveis e ativos desde o começo do processo de aquisição e que a gramática da criança é restringida pela GU e não viola
seus princípios em nenhum momento.
Espero que tenham aprendido sobre aquisição e coloquem em prática os conceitos e teorias apresentadas nessa unidade, pois, nossa última unidade retomará o que já trabalhamos até agora e, enfim, abordará o assunto que dá nome
à nossa disciplina. Nossa próxima unidade intitula-se Ensino de Língua Portuguesa como segunda língua e trata desde aspectos legais até atividades práticas para que
vocês estejam preparados para atuar com o aluno surdo. Preparados? Vamos lá!
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Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:
Assista ao Filme: E seu nome é Jonas (And Your Name is Jonah), uma série transmitida no EUA, em 1979.
Sinopse:
Pais descobrem que criança que tinha sido diagnosticada como retardada na verdade é
surda. O menino vivia numa instituição e retorna então para casa, mas a família se
desestrutura com a dificuldade de lidar com o filho. O pai acaba saindo de casa e a mãe sem conseguir se comunicar com o filho, começa
a questionar qual o melhor caminho, se mantê-lo na escola que 'força' o menino a se
comunicar pela fala, ou, pela linguagem de sinais.
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Despertar do silêncio
Sabe... Quantas vezes cheguei perto para falar e não consegui. Quantas vezes meus olhos falaram e você nem ligou.
Quantas vezes minhas mãos chamaram e você nem se importou. Minha vontade de contar coisas bonitas ia morrendo...
Meus olhos iam se apagando... Minhas mãos iam silenciando... E eu me sentia só, num mundo que não era meu...
Aos poucos fui nascendo novamente... Aceitando seu mundo...
E descobrindo nele coisas maravilhosas: A existência do som, das palavras, das cores... Só não consegui identificar a sua voz...
Aprendi que as folhas falam quando o vento sopra... Aprendi que a água canta quando cai...
Sozinha, nunca liguei o ruído á fonte sonora, Só descobri tudo isso quando alguém me contou... Que maravilha!
Mas... Sinto muito por quem:
Nunca teve tempo Nunca olhou para uma criança para ver algo diferente... Não percebe que ela precisa:
Da sua atenção, da sua palavra, da sua compreensão e do seu AMOR.
Shirley Vilhalva
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“O princípio fundamental do bilinguismo é oferecer à criança um ambiente
linguístico, em que seus interlocutores se comuniquem com ela de forma natural, como acontece com a criança ouvinte pela modalidade oral. A criança surda tem
a possibilidade, assim, de adquirir a língua de sinais como primeira língua, não como uma língua ensinada, mas aprendida dentro de contextos significativos para ela”.
Maria Cristina da Cunha Pereira
Enfim, chegamos à nossa última unidade onde abordaremos em geral como se dá o ensino da língua portuguesa como segunda língua para os surdos a partir da proposta bilíngue de educação, perpassando por vários aspectos relevantes e
interligados ao tema da unidade.
Para começar, vamos rever alguns conceitos já expostos anteriormente, como a
proposta bilíngue, questões sobre aquisição de L1 e L2 para o surdo e ainda como se dá o processo de letramento para esse indivíduo.
3.1 Revendo conceitos...
Bilinguismo
Como vimos na unidade 1, atualmente, o bilinguismo é apontado como a metodologia que se propõe a ensinar ao surdo as duas línguas no contexto escolar
(Quadros, 1997). Com isso, pode-se apontar essa proposta como a mais adequada, pois considera a língua de sinais como língua natural do surdo e parte dela para o ensino da língua portuguesa na modalidade escrita. Dessa forma, essa proposta dá
direito ao surdo de ser ensinado em sua língua natural.
Lacerda (1998) defende que o objetivo da proposta bilíngue é permitir ao surdo
um desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao do ouvinte, tendo acesso às duas línguas, considerando a língua de sinais como formadora enquanto sujeito surdo, e a língua oral majoritária como forma de relação com o ouvinte.
UUnniiddaaddee 33 -- LLeettrraammeennttooss nnaa eedduuccaaççããoo bbiillíínngguuee ppaarraa ssuurrddooss
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Além disso, devemos pensar que o bilinguismo é uma proposta recente, o que exige alguns cuidados especiais, tais como, profissionais qualificados, envolvimento de
outras instituições, participação ativa do surdo, etc.
No cenário nacional, o bilinguismo propõe que a segunda língua (Língua
Portuguesa) seja obrigatória apenas na modalidade escrita. Portanto, a educação bilíngue deixa acessível aos surdos as duas línguas (sinalizada e oral/escrita), priorizando a seguinte ordem:
Sinais;
Leitura;
Escrita;
Fala (opcional).
Ou seja, a Língua de Sinais deve ser aprendida primeiro e o ideal é que isso aconteça no ambiente familiar, antes da chegada da criança na escola, para que sua linguagem já esteja num nível de desenvolvimento adequado, pois, com essa base
linguística, seria mais fácil a aprendizagem do Português ensinado a partir de metodologias pertinentes ao ensino de segundas línguas, às quais serão estudadas
profundamente mais à frente.
Para comprovar a importância do reconhecimento da língua natural do surdo nesse processo, vejamos o que diz Nantes (2010):
Pensando no bilinguismo de forma geral, tanto para o surdo quanto em relação à educação desse aluno, Quadros (2008) comenta, primeiramente, que se não fosse a
diferença na modalidade, todos teriam tranquilidade em reconhecer as pessoas surdas como bilíngues e que vários aspectos devem ser considerados no caso específico dos
surdos, são eles:
A) a modalidade das línguas: visual-espacial e oral-auditiva;
B) surdos filhos de pais ouvinte: os pais não conhecem a língua de sinais brasileira;
C) o contexto de aquisição da língua de sinais: um contexto atípico, uma vez que a língua é adquirida tardiamente, mas mesmo assim tem status de L1;
D) a língua portuguesa representa uma ameaça para os surdos;
“Essa proposta acredita que através da língua de sinais, o surdo pode desenvolver integralmente todas as suas possibilidades, permitindo sua integração na sociedade. Nem todos poderão desenvolver a língua oral de forma completa, mas poderá adquiri-la perfeitamente na forma escrita, tornando-se um individuo bilíngue. Para isso é necessário que esse ensino seja realizado de forma adequada na modalidade de
segunda língua”. (p. 45)
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E) a idealização institucional do status bilíngue para os surdos: as políticas públicas determinam que os surdos “devem” aprender português;
F) os surdos querem aprender “na” língua de sinais;
G) revisão do status do português pelos próprios surdos: reconstrução de um significado social a partir dos próprios surdos.
E termina dizendo que pensar no “bi” do bilinguismo na educação de surdos requer, minimamente, pensar nas considerações apresentadas.
Pensando para além da questão da língua, portanto, o bilinguismo na educação de surdos pode representar também questões políticas, sociais e culturais. Por isso, a
educação de surdos nessa perspectiva, deve ter um currículo organizado em uma perspectiva visual-espacial para garantir o acesso a todos os conteúdos escolares na própria língua da criança, a língua brasileira de sinais. Segundo Quadros (2008) é a
proposição da inversão, assim está se reconhecendo a diferença.
Como se dá a educação bilíngue nas escolas brasileiras?
O livro “Ideias para ensinar português para alunos surdos” produzido pelo MEC, 2000, comenta como se dá a efetivação da educação bilíngue nas escolas e mostra algumas realidades educacionais diferentes enfrentadas pelos surdos no Brasil.
Primeiro, é preciso entender que as diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngue a uma criança na escola dependem de decisões político-
pedagógicas. Se a escola optar por oferecer uma educação bilíngue, ela precisa assumir uma política linguística onde duas línguas coexistirão no espaço escolar, além disso, é necessário definir qual será a primeira e segunda língua, bem como as funções
que cada uma irá representar no ambiente escolar. As línguas podem estar permeando as atividades escolares ou serem objetos de estudo e horários específicos,
dependendo da proposta da escola.
No Brasil, a educação bilíngue pode apresentar diferentes contextos, pois dependem das ações de cada município ou estado brasileiro, vejamos alguns contextos
possíveis:
* Há escolas bilíngues para surdos em que a língua de instrução é a língua de sinais e a língua portuguesa é ensinada como segunda língua.
*Há também escolas onde a Libras é língua de instrução e o português é ensinado
como segunda língua nas salas de aula das séries iniciais do ensino fundamental e nas demais séries, a língua portuguesa é a língua de instrução, mas há a presença do
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intérprete de Libras na sala de aula e o ensino de LP, como segunda língua, realiza-se na sala de recursos.
*Outra realidade possível é onde o intérprete de Libras está presente desde o início da
escolarização. Nesse contexto, nas séries iniciais, os intérpretes acabam assumindo a função de professores, utilizando a língua de sinais como língua de instrução.
*Por último, há estados em que professores desconhecem a Libras e a escola não tem estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à comunicação e à informação.
Independente do contexto de cada estado, a educação bilíngue depende da
presença de professores bilíngues. Assim, pensar em ensinar uma segunda língua, pressupõe a existência de uma primeira língua e o professor que assumir esta tarefa, estará imbuído da necessidade de aprender a Língua Brasileira de Sinais.
Para concluir esse assunto, apresentamos a fala de Quadros (2008) sobre a educação de surdos nessa perspectiva, vejamos:
Letramento na educação de surdos e a relação entre aquisição de L1 e L2
O que é letramento?
Letramento é o estado daquele que não só sabe ler e escrever, mas que também faz uso competente e frequente da leitura e da escrita, e que, ao tornar-se letrado,
muda seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura (Soares, 1998: 36-37). Portanto, o letramento nas crianças surdas enquanto processo
faz sentido se significado por meio da Língua Brasileira de Sinais, sendo a língua usada na escola para aquisição das línguas. A Língua Portuguesa, portanto, será a segunda língua da criança surda sendo significada por ela na modalidade escrita com as funções
sociais representadas no contexto brasileiro.
“Assim, a educação de surdos na perspectiva bilíngue toma uma forma que transcende as questões puramente linguísticas. Para além da língua de sinais e do português, esta educação situa-se no contexto de garantia de acesso e permanência na escola. Essa escola está sendo definida pelos próprios movimentos surdos: marca fundamental da consolidação de uma educação de surdos em um país que se entende equivocadamente monolíngue. O confronto se faz necessário para que se constitua uma educação verdadeira: multilíngue e multicultural. Assim, no Brasil, o “bi” do bilinguismo apresenta outras dimensões.” (p. 35)
46
Também é importante relembrarmos como ocorre o processo de aquisição da linguagem e pensarmos como isso pode contribuir para nós educadores, isso é
comentado por Nantes (2010):
Pensando no ensino da língua materna na perspectiva do letramento na educação de surdos, algumas observações podem ser feitas.
Primeiramente, é importante que o surdo tenha acesso ao aprendizado de sua língua materna na escola, isso se dá através da presença do professor bilíngue ou do
intérprete de Libras e devemos pensa que é pela sua língua, que o surdo terá acesso ao conhecimento, à cultura, fará a interação em sociedade, constrói sua identidade e exerce a sua cidadania.
As habilidades adquiridas no processo de aquisição do conhecimento, da cultura e no exercício da cidadania são chamadas de competências linguísticas, por meio de
práticas e de exercícios mediados pelo professor, ele deve propiciar aos alunos oportunidades de desenvolver tais competências.
Analisando a relação da língua escrita para os surdos, Nantes (2010) diz:
Devemos lembrar que a língua de sinais é considerada a língua materna do
surdo e deveria ser a primeira língua que ele adquirisse. Existem dois documentos oficiais que reconhecem a Libras como língua materna do surdo, a Lei Federal
10.436/02 e o decreto 5.626/05.
Em segundo lugar, a língua é considerada como uma unidade de identidade, grupos se formam em torno da identidade linguística e pensando que o português não é
“O conhecimento de como se dá a aquisição da linguagem em crianças surdas irá contribuir na concepção do educador sobre a importância da mesma na produção do conhecimento dessas crianças, considerando a língua de sinais como sua primeira língua, tornando-se a base para o aprendizado da segunda língua – o português, podendo planejar suas aulas de forma que atenda essas especificidades.” (p. 19)
“A língua escrita tem um papel fundamental para o acesso a todas as informações e conhecimentos produzidos pela sociedade, principalmente, em tempos de avanços tecnológicos. Nesse contexto que denominamos o letramento como um conjunto de habilidades para codificar e decodificar, escrever e ler com proficiência/competência”.
(p. 73)
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a língua materna dos surdos, por isso, os valores sociais, históricos e culturais associados ao português não são os mesmos do universo surdo.
Por último, é importante que o professor conheça alguns pressupostos teóricos
importantes para planejar suas atividades no ensino da língua materna. No nosso caso, veremos apenas o primeiro pressuposto que já se apresenta de forma geral sobre os
outros. São as concepções de linguagem, língua e de que forma essa concepções podem influenciar no ensino da língua materna. Segundo Nantes, 2010:
Quanto ao ensino da língua portuguesa para os surdos, estudaremos
profundamente em tópico específico mais adiante, por se tratar de um conteúdo muito importante para o curso de Letras.
Para finalizar esse item, vamos relembrar algumas características da aquisição
da linguagem e perceber como ocorre a relação entre a aquisição da língua materna (L1) e a segunda língua (L2) para os surdos.
Conforme estudado no capítulo 2, existem três propriedades que se manifestam na aquisição de língua materna (ou L1), são eles:
• a universalidade, que corresponde ao fato de que, em condições normais, todas
as crianças adquirem uma língua natural;
• a uniformidade, que se refere às semelhanças no processo de aquisição a
despeito das consideráveis diferenças nos estímulos do ambiente;
• a rapidez, que se define em comparação com a manifestação de outras
habilidades como o raciocínio com números, entre outras.
As três propriedades sugerem que a aquisição da linguagem não é um
processo de tentativa e erro, ou de imitação, mas antes a manifestação de um conhecimento linguístico inato - a faculdade da linguagem - em face da exposição a
dados linguísticos primários.
Com relação à aquisição de segunda língua (ou L2), uma possibilidade seria
supor que se assemelha à aquisição de habilidades como dirigir carros, tocar violão, que são aprendidas por meio de algum tipo de instrução, de estratégias de resolução
de problemas e não em função de capacidades de domínio específico, como na aquisição de L1.
Para finalizar, Salles (2004) comenta sobre essa questão, vejamos:
“Pode–se dizer que há três grandes modelos teóricos de interpretação da linguagem humana: a língua como atividade mental, a língua como uma estrutura e a língua como atividade social. A língua como uma estrutura dispõe de um sistema composto pelo nível fonológico, gramatical e também o nível discursivo. A língua como atividade social é o meio pelo qual veiculamos as informações, externamos nossos sentimentos e agimos
sobre o outro.” (p.74)
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3.2 Características da Língua Brasileira de Sinais – Libras
“As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente,
compartilham uma série de características que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas de comunicação, por exemplo, produtividade ilimitada, criatividade, multiplicidade de funções [...] As línguas de sinais são,
portanto, consideradas pela linguística como línguas naturais ou como um sistema linguístico legitimo, e não como um problema do surdo ou como uma
patologia da linguagem. Stokoe, em 1960, percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína, no léxico, na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças.”
Ronice Müller de Quadros e Lodenir Karnopp
Como já foram estudadas de forma aprofundada as características linguísticas da Língua Brasileira de Sinais, na disciplina Estudo de Libras, este item abordará
apenas de forma geral, suas características mais pertinentes que, ademais, se constitui como a língua materna do surdo.
Com relação à caracterização das línguas de sinais, o primeiro aspecto a se considerar é que, a Libras é a língua natural do surdo (L1), ela constitui uma forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico é de natureza visual-motora,
com estrutura própria que consegue transmitir ideais e fatos, oriundos das comunidades surdas do Brasil.
Como salienta Lucinda Ferreira Brito (1995 -11), linguista brasileira pioneira no estudo da Língua Brasileira de Sinais, ‘o canal viso espacial pode não ser o preferido pela maioria dos seres humanos para o desenvolvimento da linguagem, posto que a
maioria das línguas naturais são orais-auditivas, porém é uma alternativa que revela de imediato a força e a importância da manifestação da faculdade da linguagem nas
pessoas.’
Outra característica das línguas de sinais é que muitos sinais tem forte motivação icônica. E, por fim, Salles, 2004 salienta que:
“Sabe-se que, na investigação das diferenças na aquisição de L1 e L2, são relevantes fatores como personalidade, socialização, motivação e outros aspectos afetivos e psicossociais. Isso, porém, não exclui a hipótese de que exista um sistema mental de domínio específico, a faculdade da linguagem, que determina a aquisição de L2.” (p. 74)
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Para simplificar e esclarecer a questão dos contrastes entre a Libras e a Língua Portuguesa, apresentamos abaixo uma tabela ilustrando as principais diferenças.
3.2.1 Aspectos legais relacionados ao ensino de L1 e L2
Em nosso país, uma política linguística para a língua brasileira de sinais foi instaurada por meio legal através da Lei 10.436 de 2002, que reconhece o estatuto
linguístico da língua de sinais e, ao mesmo tempo assinala que ela não pode substituir o português. A recomendação do MEC/SEESP é de que, em função da Língua
Portuguesa ser, pela Constituição Federal, a língua oficial do Brasil, portanto língua
LIBRAS
Língua Portuguesa
Visual-espacial Oral-auditiva
Baseada nas experiências visuais Baseada nos sons
Apresenta uma sintaxe espacial incluindo os chamados “classificadores”
Usa uma sintaxe linear, utilizando a descrição para captar o uso de
“classificadores”
Utiliza referências através de pontos estabelecidos no espaço que exclui ambiguidades
Utiliza referências, mas algumas frases apresentam ambiguidades
Não tem marcação de gênero O gênero é marcado a ponto de ser
redundante
Atribui um valor gramatical às expressões faciais
Esse fator não é considerado como relevante
A escrita não é alfabética A escrita é alfabética
“A despeito dos contrastes, sobressai-se o fato de que os universais linguísticos encontrados nas línguas orais são também identificados nas línguas de sinais, a que se associam características sociolinguísticas e funções pragmáticas e discursivas semelhantes, o que vem confirmar que as línguas que utilizam a modalidade visuoespacial são manifestações da faculdade de linguagem tanto quanto as que utilizam a modalidade oral-auditiva”. (p. 85)
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cartorial em que se registram os compromissos, os bens, a identificação das pessoas e o próprio ensino, determina-se o uso dessa língua obrigatório nas relações sociais, culturais, econômicas, jurídicas e nas instituições de ensino.
É importante que vocês, como futuros professores, conheçam essa legislação e saibam que na perspectiva apresentada anteriormente, o ensino de língua portuguesa,
como segunda língua para os surdos, baseia-se no fato de que eles são cidadãos brasileiros, tem o direito de utilizar e aprender esta língua oficial que é tão importante para o exercício de sua cidadania. E as estratégias de ensino e aprendizagem são de
responsabilidade do professor de Língua Portuguesa, formado pelo curso de Letras, para tanto, vocês já tiveram o primeiro contato com essa realidade e conheceram o
sujeito surdo na disciplina de Língua Brasileira de Sinais e, todavia, estamos nos aprofundando no aspecto linguístico e cognitivo do aluno surdo e alcançando mais subsídios para trabalhar nessa perspectiva.
Continuando esse assunto, o decreto 5626 de 2005 assinala que a educação de surdos no Brasil deve ser bilíngue, garantindo o acesso por meio da língua de sinais e o
ensino da língua portuguesa escrita como segunda língua.
Para comprovar e concluir tudo que foi explicitado nesse subitem, é relevante o conhecimento da legislação que ampara a Libras e os surdos no Brasil, e, para isso,
disponibilizaremos como material complementar no ambiente virtual o decreto 5.626/2005 na íntegra, para se realizar uma leitura obrigatória.
3.3 Aplicações da Teoria Linguística ao Ensino de Línguas
Este item apresentará de modo sucinto, os pontos fundamentais das principais
abordagens e métodos utilizados, neste século, no ensino da segunda língua/língua estrangeira (L2), apontando-se ainda as vantagens da abordagem interacionista no ensino da Língua Portuguesa para surdos.
Antes da descrição dos movimentos históricos predominantes deste século
ligados ao ensino de uma L2, é importante definir os termos que delimitam as concepções metodológicas envolvidas.
De acordo com Richards & Rodgers,1986, Anthony identifica três níveis conceptuais, ordenados de forma hierárquica: abordagem, método e técnica.
A. Abordagem: conjunto de suposições teóricas acerca da natureza da língua, da
natureza da aprendizagem de uma língua, e da aplicabilidade de ambas no contexto
pedagógico. A abordagem é axiomática, ela descreve a natureza do assunto a ser ensinado.
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B. Método: conjunto de especificações gerais que visa a apresentação ordenada do
material linguístico e que segue uma determinada abordagem. O método é procedural. Uma abordagem pode gerar inúmeros métodos.
C. Técnica: qualquer variedade de exercícios, atividades, estratégias ou recursos
usados para a realização de um objetivo imediato. As técnicas devem estar de acordo com o método e, consequentemente, em harmonia com a abordagem. A técnica é implementacional, é o que acontece na sala de aula.
De acordo com as definições acima, a abordagem diz respeito as concepções
teóricas e ao método, à implementação dessas concepções no ensino por meio de técnicas especificas.
Segundo Salles (2004), podem-se nomear três abordagens associadas a correntes linguísticas que fundamentaram os métodos desenvolvidos neste século: a
estruturalista (anos 50 e 60), a funcionalista (anos 70) e a interacionista (anos 80 até os dias de hoje). Embora cada uma possua concepções de língua e aprendizagem distintas, o rompimento maior em termos teóricos ocorreu entre as duas primeiras.
Quanto à interacionista, pode-se dizer que ela enfatiza alguns aspectos da comunicação já apontados pelo funcionalismo.
3.3.1 Abordagem de base estruturalista e funcionalista
ABORDAGEM ESTRUTURALISTA
Concepção de língua - A língua é concebida como um sistema de elementos
relacionados estruturalmente, usados para a codificação e decodificação do
significado. Natureza da aprendizagem - O objetivo da aprendizagem de uma língua, nesse
caso, é o domínio dos elementos desse sistema, definidos em termos de unidades fonológicas, unidades gramaticais, operações gramaticais e itens lexicais.
Exemplo de aplicação - Dentro dessa abordagem, uma das aplicações que mais
teve êxito foi o Método Audiolingual, no inicio dos anos 50. Esse método não reflete
somente os pressupostos teóricos do estruturalismo linguístico, com maior ênfase nas estruturas da língua, mas também nas ideias da psicologia behaviorista, que
defende os modelos de condicionamento, reforço positivo e formação de hábito como base para a aprendizagem. Os procedimentos de ensino se apoiam na memorização de estruturas por repetições e exercícios mecânicos (Richards & Rodgers, 1986:17;
Brown, 1994:70).
52
ABORDAGEM FUNCIONALISTA
Concepção de língua - A língua é concebida como um meio para a expressão de
significados funcionais. Para Hymes, o conhecimento de uma língua implica não
somente os princípios organizacionais (estruturas e itens lexicais), mas inclui também regras pragmáticas e sociais da língua. Natureza da linguagem - Enfatizam-se as dimensões semântica e comunicativa, o
que leva a uma especificação e organização do conteúdo a ser ensinado com base
em categorias de significados e funções, em vez de elementos estruturais e gramaticais (Richards & Rodgers, 1986:17, Brown, 1994:70). Exemplo de aplicação - Uma primeira aplicação ao ensino dessa nova concepção
de aprendizagem encontra-se no Programa Nocional-funcional, de Wilkins (1976),
que é uma espécie de inicio do que viria a ser mais tarde a Abordagem Comunicativa. A organização desse programa tem base em funções comunicativas, tais como, identificar, relatar, negar, recusar um convite, pedir permissão, desculpar-
se, etc.
3.3.2 O Ensino Audiolingual e o Comunicativo
As diferenças entre a antiga aplicação, o Método Audiolingual e a nova Abordagem Comunicativa não são poucas. Essas duas vertentes contrastam sobretudo em relação aos seguintes pontos (adaptação de Finocchiaro & Brumfit,
1983:91-93):
Ensino Audiolingual
Ensino Comunicativo
Aprender uma língua é aprender
estruturas, sons e palavras.
Aprender uma língua é aprender a
comunicar.
Exige a memorização dos diálogos baseados em estruturas.
Os diálogos centralizam-se nas funções comunicativas e normalmente não são
memorizados.
Os itens da língua não se encontram necessariamente contextualizados.
Contextualização é uma premissa básica.
A técnica básica é o exercício
mecânico.
O exercício mecânico pode ser usado,
porém somente de modo periférico.
É proibido usar a língua materna do
aluno.
O uso criterioso da língua materna é
aceito onde for viável.
53
Salles (2004) complementa dizendo:
3.3.3 Abordagem interacionista
Concepção de língua - A língua é concebida como um meio para a realização de
relações interpessoais e para o desempenho de transações sociais entre indivíduos.
Ela é vista como um instrumento para a criação e manutenção das relações sociais (Richards & Rodgers, 1986:17).
A leitura e a escrita só são introduzidas
depois que a fala é dominada.
A leitura e a escrita podem ser
introduzidas desde o primeiro dia.
Reconhecem-se as variedades da
língua, mas elas não são enfatizadas. A variação linguística é um conceito
central nos materiais e na metodologia.
A sequência das unidades é determinada, exclusivamente, pela complexidade linguística.
O sequenciamento é determinado por considerações sobre o conteúdo, a função ou significado que seja de
interesse.
O professor controla o aluno, impedindo-o de fazer qualquer coisa
que entre em conflito com a teoria.
O professor ajuda os alunos de todas as formas possíveis, motivando-os a
trabalhar com a língua.
'A língua é um hábito', logo os erros
dever ser evitados a qualquer custo.
A língua é criada pelo indivíduo, muitas
vezes através de tentativas e erros.
Um dos objetivos básicos é a precisão da forma.
O objetivo básico é uma língua fluente e aceitável: a precisão não é julgada
em termos abstratos, mas sim em contextos.
“Esses temas apontam para um movimento em direção à concepção de língua como um instrumento de comunicação. O ensino de uma segunda língua deixa
de ser um processo de explicitação e domínio rígido de estruturas e passa a ser um processo dinâmico que concebe ao aluno como um usuário da língua, que
deverá ser capaz de se comunicar em diferentes situações e contextos.” (p.102)
54
Natureza da aprendizagem - A ideia central nessa abordagem é a de que a
aprendizagem se dá por meio do exercício comunicativo de interagir, por meio da
construção do discurso. Não se trata, portanto, de considerar as funções comunicativas da língua como possibilidades que o aluno poderá exercitar em
futuras situações, mas sim, fazer com que o aluno vivencie a interação em sala, transformando esse ambiente em realidade discursiva e aproximando-o, dentro do possível, à realidade ‘lá fora’.
Exemplo de aplicação - Como a abordagem interacional é uma espécie de
ramificação da comunicativa, muitos dos métodos de ensino atuais se intitulam comunicativo-interacionais (Salles, 2007).
Há duas vertentes teóricas principais que fundamentam a abordagem interacionista: a Hipótese de Interação e a Teoria Sociocultural.
Um pequeno contraste entre essas duas vertentes teóricas do interacionismo
pode nos dar uma noção dos pontos principais de cada uma (Ellis, 1999:21).
3.3.4 O Ensino sob a ótica interativa
Como vimos, a abordagem interacionista, nas duas vertentes, rompe com os pressupostos ditados no método audiolingual e ao mesmo tempo incorpora conceitos
próprios da abordagem comunicativa, como a competência comunicativa, a contextualização, entre outras, todavia, redirecionando o foco da aprendizagem para o processo interativo. Pensando na ideia de que o ato de interagir é requisito
Hipótese da Interação
Teoria Sociocultural
1. Interação social.
Interação social e particular.
2. Um tipo de interação: a negociação
de significado.
Interação como um todo, apesar de
sugerir formas específicas: conversas instrucionais, interação como uma
prática social.
3. Interação corno auxílio à aquisição; satisfaz as necessidades de informação do aprendiz.
Interação modela e constrói o aprendizado.
4. Interação facilita, mas não é necessária nem suficiente para a
aprendizagem.
Lugar real do aprendizado, é vista como fundamental e suficiente.
55
fundamental para o domínio de L2, surge a necessidade da interação em sala de aula ser enfatizada, tentando assim, aproximar o ambiente de aprendizagem das situações naturais.
Assim sendo, uma sala de aula interativa deverá ter as seguintes
características (Brown, 1994:81):
Analisando as características acima descritas, podemos perceber que elas
possuem traços nítidos de associação com o mundo fora da sala de aula e essa é a proposta interacionista. Para finalizar, ainda, sobre o ensino nesse viés, Salles,
2007, diz:
3.4 Ensino de Língua Portuguesa como segunda língua
“Alunos que aprendem os conceitos acadêmicos e as habilidades de letramento em sua língua nativa podem mais pronta e rapidamente transferir
aquelas habilidades para uma segunda língua, porque o conhecimento está embasado na língua e esquema que eles compreendem.”
Cummings
Para iniciarmos o estudo do nosso último item, nada melhor que entender qual a situação de aprendizagem dos surdos na perspectiva da segunda língua
atualmente.
a) Realização de uma quantidade razoável de trabalhos em grupo ou em pares;
b) Fornecimento de informações autênticas em contextos do mundo real; c) Produção visando a uma verdadeira comunicação;
d) Realização de tarefas que preparem os alunos para o uso autêntico da língua ‘no mundo lá fora’;
e) Prática de comunicação oral por meio de negociação e da espontaneidade
de conversas reais; f) Produção escrita visando a um público real, não um público inventado.
“Vivenciar situações comunicativas em sala, certamente o ajudará a (re)
vivenciar situações comunicativas fora dela.” (p. 108)
56
A partir da aprendizagem do português como uma nova língua, no Brasil, o aprendiz pode adquirir essa língua de duas formas distintas, português como segunda língua ou como língua estrangeira.
No caso do aprendiz surdo, bem como índios e imigrantes, que não tem o
português como primeira língua, mas sim outra língua (oral ou gestual), ele aprenderá o português como segunda língua. Portanto, a situação em que se encontra o aprendiz surdo possui algumas características especiais, como pensar
que a segunda língua aprendida por ele, no caso o português, não se dá por um processo de aquisição natural, como também ocorre com sua L1, a Libras, utilizando,
por exemplo, construção de diálogos espontâneos, de aprendizagem formal na escola.
Deve-se saber que o modo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa, será então o português na modalidade escrita, respeitando as particularidades de
acesso e produção pelo aluno surdo.
Salles, 2004, comenta que diante da ausência de trocas orais, fica claro que o
texto escrito não pode se restringir a transmitir informações estruturais e lexicais, mas caberá a ele assumir o papel de contextualizador, trazendo aspectos
pragmáticos, sociolinguísticos e culturais. Ela ainda explicita através de tópicos como os textos selecionados pelo professor precisam ser, veja:
Essas características dos textos a serem usados para o ensino/aprendizagem
de português na modalidade escrita para surdos estão ligados à concepção interacionista, que, como explicado anteriormente, é a mais adequada para essa
situação.
Além do texto, outro recurso que deve ser usado no ensino/aprendizagem de
português para surdos é a internet.
Pensando agora na questão da aquisição da segunda língua (L2), Quadros (1997), faz uma relação entre a aquisição da Libras como língua natural e a sua contribuição para a aquisição da L2 para o surdo, vejamos conforme citado abaixo:
Ser autênticos, sempre que possível; Conter temas relacionados à experiência dos aprendizes, levando a um
maior envolvimento pessoal e provocando reações e manifestações;
Estar associados a imagens - a boa opção seria artigos de revistas e jornais, que costumam estar ilustrados, bem como propagandas.
57
Há alguns aspectos que podem dificultar o processo de aquisição da segunda língua, sendo de ordem variada e envolvendo um complexo número de fatores
pessoais, sociais, culturais e políticos. O sucesso desse processo, segundo Quadros (1997), requer habilidades especificas e intuições que diferem do processo com adultos. Brown apresenta cinco categorias que podem auxiliar no ensino de crianças:
a) Desenvolvimento intelectual
b) Fixação da atenção c) Input sensorial d) Fatores afetivos
e) Linguagem autêntica e significativa
É preciso ter claro, ainda, que os contextos de aprendizado da Língua Portuguesa se dão de formas diferentes para alunos surdos e ouvintes. Apesar de ‘decodificarem’ a Língua Portuguesa, os surdos apresentam muita dificuldade na
leitura e compreensão dos textos. Isso pode ser comprovado por causa das práticas de letramento a que foram submetidos, que não davam valor a leitura, mas sim a pratica da fala.
No entanto, acredita-se que os surdos tem capacidade de imergirem no mundo
da leitura e da escrita, porém, para trilhar esse caminho é necessário se apossar de processos visuais significativos, que tem na língua de sinais seu principal elemento fundador. Fernandes (2006) destaca que:
Essa mesma autora nos apresenta o seguinte quadro para refletirmos sobre o
processo de alfabetização para alunos surdos:
“A Libras é adquirida pelos surdos brasileiros de forma natural mediante contato com sinalizadores, sem ser ensinada, consequentemente deve ser sua primeira
língua. A aquisição dessa língua precisa ser assegurada para realizar um trabalho sistemático com a L2, considerando a realidade do ensino formal. A
necessidade formal do ensino da Língua Portuguesa evidencia que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda.” (p.84)
“Aprender o português decorrerá do significado que essa língua assume nas praticas sociais (com destaque às escolares) para as crianças e jovens surdos. E
esse valor só poderá ser conhecido por meio da língua de sinais. O letramento, na língua portuguesa, portanto, é dependente da constituição de seu sentido na
língua de sinais.” (p. 06)
58
Portanto, percebemos o quão complexo é acreditar que as estratégias usadas
na alfabetização de ouvintes sejam as mesmas usadas para alcançar a alfabetização
do surdo.
Considera-se importantíssimo a criança surda interagir com a escrita alfabética para o seu processo de alfabetização em português acontecer de forma eficiente. Todavia, é preciso alertar aqui que esse processo ocorreria de forma mais
eficaz se a criança fosse alfabetizada na sua própria língua (Cummins, 2000).
Infelizmente a realidade no Brasil não é essa, é como se a criança surda brasileira pulasse de um lado para o outro do rio sem ter uma ponte. Ou seja, a criança é alfabetizada na Língua Portuguesa sem ter sido ‘alfabetizada’ na língua de
sinais, que é a sua língua materna. Concluindo esse assunto, Quadros (2000) diz:
Procedimentos adotados na alfabetização
Implicações para a aprendizagem de alunos surdos
Parte-se do conhecimento prévio da criança sobre a língua portuguesa,
explorando-se a oralidade: narrativas, parlendas, trava-línguas, rimas etc.;
Não há conhecimento prévio internalizado; a criança não estrutura
narrativas orais e desconhece o universo “folclórico” da oralidade;
O alfabeto é introduzido relacionando-
se letras e palavras do universo da criança: nomes, objetos da sala de aula, brinquedos, frutas etc.; Ex.: A da
abelha, B da bola, O do ovo...
Impossibilidade de estabelecer relações
letra x som; a criança desconhece o léxico (vocabulário) da língua portuguesa, já que no ambiente familiar
sua comunicação restringe-se a gestos naturais ou caseiros (na ausência da
língua de sinais).
As sílabas iniciais ou finais das palavras são destacadas para a
constituição da consciência fonológica e percepção que a palavra tem uma reorganização interna (letras e
sílabas).
A percepção de sílabas não ocorre já que a palavra é percebida por suas
propriedades visuais (ortográficas) e não auditivas.
A leitura se processa de forma linear e sintética (da parte para o todo); ao
pronunciar sequências silábicas a criança busca a relação entre as imagens acústicas internalizadas e as
unidades de significado (palavras).
A leitura se processa de forma simultânea e analítica (do todo para o
todo); a palavra é vista como uma unidade compacta; na ausência de imagens acústicas que lhes confiram
significado, as palavras são memorizadas mecanicamente, sem
sentido.
59
3.4.1 Língua Portuguesa como segunda língua: Leitura e Escrita
“Por muito tempo a apropriação da escrita pelos surdos foi abordada no ponto de vista da reabilitação da audição e da fala através de professores-terapeutas que acreditavam que se reproduzissem o processo de aquisição da linguagem
de ouvintes, através da terapia e treinamento da fala e leitura labial associada ao uso de próteses e implante coclear, poderiam adquirir o conhecimento
fonológico da língua o suficiente para o aprendizado da escrita.”
Sueli Fernandes
As atividades de leitura e de produção de um texto implicam-se mutuamente
no ensino de qualquer língua. No caso do surdo com relação a sua produção escrita, quanto mais ao professor inserir o aprendiz na situação em que se enquadra a proposta de atividade, quanto mais ‘insumos’, ou seja, contextos linguísticos e
situações extralinguísticas forem apresentados pelo professor ao aluno, melhor será o resultado.
Para maior esclarecimento, Salles (2004, vol. 2) comenta:
Em seu livro “Libras? Que língua é essa?”, a autora Audrei Gesser (2009, p 56-57) comenta sobre o mito de que o surdo tem dificuldade de escrever por não
saber falar a língua oral, sobre esse mito, ela faz algumas reflexões interessantes que nos farão entender como se configura a Língua Portuguesa para o surdo.
“Para diminuir os impactos deste contexto, sugere-se investir na leitura da própria língua de sinais. Ler os sinais vai dar subsídios linguísticos e cognitivos para ler a
palavra escrita em português. As oportunidades que as crianças têm de expressar suas ideias, pensamentos e hipóteses sobre suas experiências com o
mundo são fundamentais para o processo de aquisição da leitura e escrita da Língua Portuguesa.” (p. 30)
“A aquisição/aprendizagem da escrita, sobretudo quando se trata da elaboração
de textos, pressupõe, portanto, uma tarefa imprescindível: o ato de ler, que, para o aprendiz ouvinte, se processa tanto oral como silenciosamente, já, para o
surdo, a leitura silenciosa é certamente a técnica mais recorrente. Acrescenta-se que, nesse caso, os recursos gráficos e visuais constituem um instrumento auxiliar de excelência.” (p.18)
60
A primeira questão apontada por ela passa fundamentalmente pelo ensino. A escrita é uma habilidade cognitiva que demanda esforço de todos (surdos, ouvintes, ricos, pobres, etc.) e geralmente é desenvolvida quando se recebe instrução formal.
Entretanto, o fato de a escrita ter uma relação fônica com a língua oral pode e de fato estabelece outro desafio para o surdo: reconhecer uma realidade fônica que não lhe
é familiar acusticamente.
A segunda questão diz respeito a um fator emocional carregado pelo surdo.
Na Língua Portuguesa, esse fator emocional, se relaciona a uma memória muito negativa retratada a partir da experiência de vários surdos alfabetizados. A
imposição do português a todo custo na escolarização dos surdos tem vários significados, sendo o mais grave deles a negação da língua de sinais na alfabetização. Com isso, era mesmo de se esperar que a experiência com a escrita
da Língua Portuguesa tivesse relações diretas com o sentimento de impotência, baixa autoestima e aversão ao idioma.
A terceira e última questão se propõe a responder sobre a dificuldade de
escrever do surdo. Tanto o português escrito como o oral de que o surdo faz uso são
estigmatizados, já que não atingem os ideais de língua impostos por uma maioria de ouvintes (Gesser, 2006). Ainda que o surdo não vocalizasse uma palavra da língua
oral, ele poderia escrever bem o português como fazem os falantes de outras línguas estrangeiras, por exemplo. Por isso, é na sala de aula, durante a escolarização, que é preciso rever essa relação entre língua falada e escrita.
Fernandes (2006) assevera que o primeiro passo é não esquecermos que a
constituição de sentidos na escrita pelas crianças surdas decorre de processos
simbólicos visuais e não auditivos. E, ainda em seu processo de letramento, ela passará de uma língua não alfabética (Libras) para uma alfabética (Língua
Portuguesa). Considerando ainda o ensino da Língua Portuguesa escrita para crianças
surdas, numa modalidade de segunda língua, Quadros (2000) destaca que há dois recursos a serem usados em sala de aula: o relato de estórias e a produção de
literatura infantil em sinais. Infelizmente, não existem muitos materiais de literatura infantil disponibilizados em Libras, mas podemos destacar que é uma área que precisa se desenvolver, pois, quando o aluno visualiza o sinal e a escrita em
português, fica muito mais fácil para ele significar e fazer a ligação com a palavra.
Conforme Quadros e Schmiedt (2006), as oportunidades que as crianças tem de expressar suas ideias, pensamentos e hipóteses sobre suas experiências com o mundo são fundamentais para o processo de aquisição da leitura e escrita da Língua
Portuguesa.
Quadros (2000) explicita uma lista interessante de aspectos que precisam ser explorados no processo educacional. Listaremos alguns abaixo:
61
Estabelecimento do olhar.
Exploração das configurações de mãos.
Exploração dos movimentos dos sinais.
Uso de expressões não manuais gramaticalizadas.
Utilização de “classificadores” com configurações de mãos apropriadas.
Exploração do Alfabeto Manual.
Exploração da orientação da mão.
Especificação do tipo de ação, duração, intensidade e repetição.
Jogos de perguntas e respostas observando o uso dos itens lexicais e
expressões não manuais correspondentes.
Estabelecimento de referentes presentes e não presentes no discurso.
Exploração da produção artística em sinais usando todos os recursos sintáticos, morfológicos, fonológicos e semânticos próprios da LIBRAS.
Os exemplos acima demonstram que a proposta é a de tornar rica e lúdica a exploração da Libras. Quadros (2000) lembra que é através da Língua de Sinais que as
crianças discutem e pensam sobre o mundo, estabelecem relações e organizam o pensamento.
Voltando nosso foco para a produção escrita do surdo, vamos refletir sobre como ocorre esse processo, pois, é muito importante conhecer essa produção para saber como avaliar e que estratégias de aprendizagem utilizar com esse aluno, sabendo que
a modalidade escrita da Língua Portuguesa é reconhecida por lei como a segunda língua para o surdo.
Taglieber (1988, p. 245) cita um trabalho de Rivers e Temperley (1978) em
que é apresentada uma sequência de seis estágios para o desenvolvimento da
habilidade de leitura em L2. Esses estágios estão transcritos a seguir: 1º) e 2º) introdução à leitura e familiarização; 3º) aquisição de técnicas de leitura; 4º) prática de leitura;
5º) expansão; 6º) autonomia.
Esses seis estágios podem variar de acordo com o grupo de alunos. No caso da criança surda, ela deverá ter contato com a língua escrita através de estórias, de textos,
de registros das suas atividades em sala de aula.
62
Sendo assim, a criança surda precisa sentir-se capaz de realizar a tarefa da leitura através de oportunidades de “ler” tais registros citados, fazendo disso um hábito do cotidiano escolar.
O papel do professor é estar atento ao processo para, se preciso, indicar pistas que possam ajuda-la na compreensão. Taglieber observa que é muito importante que o
texto não seja muito difícil para não desencorajar o aluno e que, por outro lado, não seja muito simples, não apresentando nenhum desafio para o leitor.
Sobre as condições para a realização da leitura, devemos pensar,
primeiramente, que a leitura cumpre várias funções que vão desde a tarefa de divertir até aquelas que exigem processos mentais mais elaborados do leitor. Estão envolvidos,
nesse conhecimento, a língua, os gêneros e os tipos textuais, que apresentam determinadas condições para uma leitura eficaz. Eis aqui algumas delas, segundo Garcez (2001:24):
• decodificação de signos;
• seleção e hierarquização de ideias;
• associação com informações anteriores;
• antecipação de informações;
• elaboração de hipóteses,
• construção de inferências;
• construção de pressupostos;
• controle de velocidade;
• focalização da atenção;
• avaliação do processo realizado;
• reorientação dos próprios procedimentos mentais.
A leitura deve ser um aspecto de preocupação central no ensino de português como segunda língua para os surdos, visto que constitui uma etapa fundamental para
aprendizagem da escrita. É recomendável que, ao conduzir o aluno surdo à língua dos ouvintes, o professor precisa situá-lo dentro do contexto utilizando a sua língua materna
(L1), que no caso do Brasil, é a Libras.
Segundo Garcez (2001:24), no caso do surdo, alguns procedimentos são imprescindíveis, e o professor deve sempre estar atento para conduzir o seu aluno a
cumprir etapas, que envolvem aspectos macroestruturais: gênero, tipologia, pragmática e semântica (textuais e discursivos) e microestruturais: gramaticais, lexicais,
morfossintáticos e semânticos (lexicais e sentenciais), como as que seguem:
63
Aspectos macroestruturais
• analisar e compreender todas as pistas que acompanhem o texto escrito: figuras,
desenhos, pinturas, enfim, todas as ilustrações;
• identificar, sempre que possível nome do autor, lugares, referências temporais e
espaciais internas ao texto;
• situar o texto, sempre que possível, temporal e espacialmente;
• observar, relacionando com o texto, título e subtítulo;
• explorar exaustivamente a capa de um livro, inclusive as personagens, antes
mesmo da leitura;
• elaborar, sempre que possível, uma sinopse antes da leitura do texto;
• reconhecer elementos paratextuais importantes, tais como: parágrafos, negritos,
sublinhados, travessões, legendas, maiúsculas e minúsculas, bem como outros que
concorram para o entendimento do que está sendo lido;
• estabelecer correlações com outras leituras, outros conhecimentos que venham
auxiliar na compreensão;
• construir paráfrases em LIBRAS ou em português (caso já tenha certo domínio);
• identificar o gênero textual;
• observar a importância sociocultural e discursiva, portanto pragmática, do gênero
textual;
• identificar a tipologia textual;
• ativar e utilizar conhecimentos prévios;
• tomar notas de acordo com os objetivos;
Aspectos microestruturais
• reconhecer e sublinhar palavras-chave;
• tentar entender, se for o caso, cada parte do texto, correlacionando-as entre si:
expressões, frases, períodos, parágrafos, versos, estrofes;
• identificar e sublinhar ou marcar na margem fragmentos significativos;
• relacionar, quando possível, esses fragmentos a outros;
64
• observar a importância do uso do dicionário;
• decidir se deve consultar o dicionário imediatamente ou tentar entender o
significado de certas palavras e expressões observando o contexto, estabelecendo
relações com outras palavras, expressões ou construções maiores;
• substituir itens lexicais complexos por outros familiares;
• observar a lógica das relações lexicais, morfológicas e sintáticas;
• detectar erros no processo de decodificação e interpretação;
• recuperar a ideia geral de forma resumida.
Para concluir, Nantes (2010:77) salienta que os textos selecionados pelo professor de português como segunda língua, devem refletir a realidade, uma
interação comunicativa real e não apenas recheado de normas e regras gramaticais sem relação com as atividades cotidianas.
Muitos são os desafios que permeiam o acesso à língua escrita pelo surdo, tornando-os estrangeiros em seu próprio país, onde sua língua visual ainda é
desconhecida e desprestigiada em detrimento da língua nacional. Por fim, queremos apontar alguns problemas emergentes na educação de
surdos, trazidos por Quadros (2000), que contribuem para nossa reflexão:
Inexistência de profissionais surdos atuando nas escolas.
Professores que desconhecem a Libras ou usam sistemas distorcidos de comunicação.
Desconhecimento da escrita da Língua de Sinais.
Inexistência de literatura em Sinais registrada em vídeo e escrita de
Sinais.
Falta de planejamento, avaliação e reflexão constante do processo
educacional com a participação efetiva de profissionais surdos.
Necessidade de elaboração de um currículo educacional com base na
Libras.
Necessidade de elaboração de um currículo para o ensino de Libras.
3.4.2 Um olhar sobre o texto surdo
65
“Ninguém esperaria que uma criança ouvinte adquirisse uma língua com base apenas em fragmentos indefinidos dessa língua. Então, por que deveríamos esperar que uma criança surda o fizesse quando a fala é considerada obrigatória
para o aprendizado de uma língua oral? E ninguém esperaria que uma criança ouvinte aprendesse uma língua com alguém que mistura fragmentos de duas
línguas totalmente diferentes, usando algumas palavras de uma língua em estruturas frasais pinçadas de outra língua. Então, por que deveríamos esperar que uma criança surda aprendesse uma língua desse modo, quando tipos
diferentes de sistemas inventados de fala e sinais são utilizados?”
Svartholm
O texto apresentado a seguir é uma redação escrita por um jovem surdo, estudante da Escola Normal de Taguatinga – DF, realizada após assistir um vídeo, no
qual um surdo conta uma piada em Libras.
Eu caminha sozinha na estrada, Ele ver carro carona passar, Ele anda de novo ver caminhão, ele esta de novo carona motorista parou. Surdo entre caminhão ir dirigir. - motorista disse
- surdo falou: eu não ouvinte. - motorista o entender.
- motorista pergunta: Você tem carteira de motorista. - Eu tenho carteira.
motorista dirigir demora longe, começa e tá sono e cansado.
Motorista ideia pergunta, você quer motorista surdo aceita troca homem dormir. Surdo vai faz motorista, ele vontade caminhão rápido e velocidade.
O homem surpresa não pode rápido tempo polícia vai preso. Surdo não acredito. Polícia [?] caminhão rápido, ele (?) vai parar caminhão.
Polícia falou, ele não ouvinte.
Polícia falou gesto, você não rápido caminhão. Surdo ta bom! Surdo dirigir começa sono esta cansado, troca motorista ele dormir.
Motorista pensa como surdo. Motorista faz rápido caminhão. Polícia viu moto ir com caminhão.
Motorista viu com polícia esta caminhão parar. Polícia falar, motorista não ouvinte.
Polícia saber sinais, motorista não saber sinais. Motorista chamar surdo. Motorista perdeu
Se, por um lado encontramos uma linguagem telegráfica, o uso do discurso direto, a inadequação no uso de conectivos, entre outros, como recursos utilizados no
início da aquisição por muitos aprendizes de segunda língua (ouvintes ou surdos), por
66
outro lado, a língua de sinais parece contribuir para que isso ocorra no texto de alunos surdos, pelas características de sua estruturação sintática. Esses fatos são discutidos por Lemle (2002):
Salles (2004) tece um comentário importante sobre os textos dos surdos,
vejamos:
Considerações finais...
As questões apontadas aqui sobre aquisição do português escrito por surdos
expõem uma situação que requer ações específicas e especializadas. De um lado, estão presentes os fenômenos típicos da aquisição de segunda língua, e por outro lado,
observamos que as especificidades da situação de aquisição da modalidade escrita (língua oral) pelo surdo, são inegáveis de fato, o que torna imprescindível o oferecimento de condições adequadas ao seu desenvolvimento acadêmico e
intelectual.
Se por um lado, a produção textual dos surdos em língua portuguesa é a
princípio desconcertante, por outro, é também fascinante reconhecer a manifestação da
[Na] língua de sinais, as narrativas e diálogos são basicamente constituídos
de coordenações de sentenças cuja estrutura interna é predominantemente segmentável como ([tópico] [tópico] [argumento - predicado]].
Com o expediente do discurso direto, muito usado nas narrativas, o
enunciador do discurso prescinde da subordinação que seria necessária para estruturar o discurso indireto.
Com as perguntas retóricas, utilizadas em alta frequência, se efetua a extração de uma unidade que seria um complemento ou adjunto na tradução em língua falada.
“Além desses aspectos, identifica-se nos textos examinados, como na maioria dos textos escritos por surdos, a predominância de verbos no infinitivo e,
havendo formas flexionadas, o uso das mesmas no presente e no pretérito perfeito. Assim, apesar de, na língua de sinais, o tempo ser codificado por marcadores não-verbais, diferentemente da língua portuguesa, que utiliza afixos
anexados à raiz, marcas de tempo no verbo podem ocorrer, ainda que de forma incipiente. Marcas flexionais de concordância são encontradas, embora sua
ocorrência seja frequentemente não convergente com a língua portuguesa. Cabe lembrar que os aprendizes de línguas orais, no início da aquisição, também adotam o uso do infinitivo na falta de domínio da flexão.” (p. 129)
67
faculdade da linguagem, que aponta para a possibilidade de êxito na aquisição, mesmo com as dificuldades encontradas durante o processo.
Para aprofundamento... SUGESTÃO DE FILME:
Assista ao Filme: A Música e o silêncio, de 1996, dirigido por Caroline King.
Sinopse:
Drama sensível, que narra os passos de Lara, garota de
8 anos que é o elo de comunicação entre seus pais,
ambos deficientes auditivos, e o mundo exterior.
Acostumada a comunicar-se só por meio de sinais, ela,
um dia, aventura-se a tocar clarineta, por influência de
uma tia. A sua separação dos pais é inevitável, criando a
expectativa entre ficar no mundo do silêncio ou partir
para a vida musical.
68
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