Livro Engrenagens Em Movimento

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ENGRENAGENS EM MOVIMENTOCULTURA E SOCIEDADE NO SUL DO PAÍS

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ENGRENAGENS EM MOVIMENTOCULTURA E SOCIEDADE NO SUL DO PAÍS

Frank MarconEveline Andrade

Carla Juliane Vijagran

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Copyright © 2009, by Frank Marcon, Eveline Andrade e Carla Juliane Vijagran

Capa, projeto gráfico e editoração eletrônica

Fábio Brüggemann

Fotografia da capa

Acervo da família Scherer

Revisão

A. R. Lima

Conselho editorial

Anísio Garcez Homem

Daniel Mayer

Fábio Brüggemann

Joca Wolff

Péricles Prade

Agenciamento Cultural: Casa Amarela Gestão de Idéias

Primeira reimpressão

ISBN 978-85-7662-048-8

Todos os direitos reservados àLETRAS CONTEMPORÂNEAS OFICINA EDITORIAL LTDA.www.letrascontemporaneas.com.br

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Para Alcides, Mafalda

e Nilton Marcon

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o automóvel dorme

com seus olhos de farol

no porto de laguna

transeuntes cor de abutres ficam

do outro lado da cidade

nesse paradoxo há homens

que detestam o mar

e outros não detestam

se em laguna há trens

aqui tem também

um aeroporto com aviões

que não carregam homens

mas transportam outros automóveis

Fábio Brüggemann

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Sumário

Apresentação ........................................................................................................................................................... ......................................... 13

I PARTE

A Era dos Veículos Automotores na Região Sul ...................................................................................................................................................................... 23

1. Rotas, conexões e dinâmicas sociais ...................................................................................................................................................................... 25

2. Transporte, economia e sociedade no limiar da mecanização .................................................................................................... 29

3. Rodas, rodagem e as dinâmicas de transformação .................................................................................................. 36

II PARTE

Sociedade e cultura automobilística no Planalto Catarinense .................................................................................................. 41

1. Iniciativas, atores e setores .................................................................................................................................................................................................... 44

2. Cotidiano, trabalho e sociedade ......................................................................................................................................................................... 58

3. Sociabilidades, cultura e entretenimento ............................................................................................................................... ................................ 69

Considerações Finais .................................................................................................. .................................................................................................. 79

Referências Bibliográficas .................................................................................................................. .................................................................................. 81

Notas ....................................................................................................................................................................................................................................................................... .............. 83

Entrevistas ........................................................................................................................................................................................................................................................................................... 84

Fontes ............................................................................................................................................................................................................................................................................ 85

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Apresentação

A proposta deste livro é contribuir com os registros sobre memórias da região Sul do Brasil, mais

especificamente sobre a relação de algumas das suas especificidades culturais com a história do

desenvolvimento do transporte rodoviário, da era a motor e da proliferação das atividades soci-

ais em torno da mecânica e das autopeças.

A era automobilística na região, a partir dos anos vinte, do século vinte, trouxe novas dinâmicas para a

constituição de algumas cidades e para o desenvolvimento de outras. O trânsito de pessoas, mercadorias,

informações, arte e cultura intensificaram a movimentação entre as pequenas cidades do interior dos estados

de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul com as suas respectivas capitais ou mesmo com outras grandes

cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro.

No Brasil, em meados do século vinte, com a emergência das indústrias automobilísticas, começou a

surgir uma rede estruturada de estradas rodoviárias, que sedimentou com maior velocidade o desenvolvimen-

to daquelas cidades que passaram a fazer parte de rotas ou percursos rodoviários. No decorrer do século vinte,

algumas cidades e suas populações estiveram invariavelmente implicadas pelo desenvolvimento de culturas

dinamizadas pela motorização dos transportes e pelos insumos acondicionados a ela. Cidades como Curitiba,

Maringá, Londrina e Cascavel, no Paraná, ou como Lages, Florianópolis, Joinville e Joaçaba, em Santa Catarina,

ou como Caxias do Sul, Porto Alegre e Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, tornaram-se polos regionais de

desenvolvimento urbano e regional, por se localizarem em entroncamentos ou proximidades estratégicas de

algumas das principais estradas do país.

Todas estas cidades estiveram profundamente influenciadas pela construção e melhoramento de estra-

das, pelo desenvolvimento do transporte, da mecânica e das tecnologias automobilísticas. Algumas destas

áreas, localizadas no interior de toda a região Sul, pareciam estar fadadas ao ostracismo, pois, por algum

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tempo, permaneceram herméticas em seus contextos sócioeconômicos, pelas restritas condições de infra-

estrutura das estradas e vias de comunicação comercial com os grandes centros. Foi o caso de algumas cidades

de origem colonial europeia, localizadas em áreas de acesso sinuoso, ou daquelas caracterizadas pela vida

sertaneja, fortemente influenciada pela sua formação cultural dos tempos dos bandeirantes e da escravidão,

que, por outros motivos, também estiveram marcadas por relativo isolamento.

Mapa estilizado daregião Sul do Brasil

De qualquer modo, a era do desenvolvimento automobilístico influenciou profundamente as especificidades

locais destas populações, pois dinamizou seu desenvolvimento e seu contato com a costa brasileira e com mundo.

Em algumas destas cidades, desenvolveu-se toda uma estrutura de sustentação do grande número e fluxo progres-

sivo de automóveis e caminhões. Surgiram os postos de abastecimento e de serviços, bem como as revendas de

veículos e de autopeças foram se tornando comuns nas principais cidades do interior da região.

As nascentes indústrias automobilísticas e de insumos localizadas no eixo São Paulo e Rio de Janeiro, e,

posteriormente, em Curitiba e Porto Alegre, passaram a abastecer o potencial comércio varejista e atacadista

do Sul. Cidades do interior, como Lages, foram se transformando, em algumas décadas, em grandes entrepostos

comerciais, envolvendo centenas de pessoas no processo de comercialização de autopeças e combustíveis, bem

como de prestação de serviço de mecânica para o interior. Este setor tornou-se assim ativo na dinamização de

economias locais, acabando por envolver as mentalidades e as práticas das populações em torno dos

automotores.

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Ônibus intermunicipal daUnião da Serra. AcervoEliziário. Clube do ônibus(www.memoriagaucha.com.br)

Este livro conta parte da história sociocultural da região Sul do Brasil, a partir do surgimento do trans-

porte rodoviário e da sua dinamização recíproca pelo fortalecimento do setor rodoviário-mecânico e de

autopeças. Para tanto, investigamos quais as relações entre o desenvolvimento do transporte rodoviário e do

setor de autopeças com o desenvolvimento social, econômico e cultural das principais cidades do Sul do Brasil,

focando mais especificamente na cidade de Lages, polo do Planalto Serrano de Santa Catarina, como espaço

privilegiado de articulação da ampla rede conexões e interesses representativos da região Sul do País, num

período em que a cidade ocupou destaque político e econômico, coincidindo com as primeiras décadas da

dinamização dos transportes rodoviários na região.

Amigos e automóvel,no início do século XX.

Acervo MTC.

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Anúncio veiculado no jornalCorreio Lageano, em 1958. Acervo MTC.

Através de um recorte analítico e assentado em documental histórico, iconográfico e nos depoimentos

de algumas pessoas envolvidas com o tema, procuramos perceber o desenvolvimento do transporte rodoviá-

rio e da infraestrutura que o sustentou. Procuramos identificar os grupos sociais, e demonstrar de que forma

e com qual intensidade o segmento econômico de serviço e comércio ligados à mecanização do transporte

rodoviário esteve vinculado ao desenvolvimento das estradas e da comunicação social na região. Ao focarmos

a observação em Lages, percebermos a centralidade geográfica e estratégica da cidade para o desenvolvimento

desse segmento econômico, que esteve também associado ao desenvolvimento das rodovias e estradas, mas

correlacionadas às atividades econômicas específicas da região.

Foi a partir de meados do século vinte que se consolidou a presença do caminhão, do trator, do

automóvel, das motocicletas; dos postos de combustíveis, das oficinas mecânicas, das borracharias, das re-

vendas de peças e veículos; da atividade dos taxistas, dos transportes coletivos, dos transportes de mercado-

rias; além da infraestrutura das ruas e estradas de roda-

gem. Tudo isto se tornou parte do cotidiano das pessoas

e das iniciativas públicas e privadas de intervenção soci-

al, política e econômica. Sem a pretensão de esgotarmos

qualquer tema ou enfoque, nosso objetivo é trazer parte

destas histórias ao conhecimento público, mesmo que

esta seja uma análise muito particularizada pelos nossos

critérios de imersão no assunto.

Para tanto, dividimos esta narrativa em duas partes.

Na primeira parte, chamamos a atenção para a

recorrência no discurso alegórico otimista de progresso e

de modernização, elaborado ou reproduzido pelos meios

jornalísticos do período. Discursos que, desde o início,

insistem que a dinamização do setor rodoviário, através

da abertura de estradas, construção de pontes, da inaugu-

ração de postos de combustíveis ou de pontos de revenda

de veículos e insumos significava o desenvolvimento eco-

nômico, social e cultural da região. Analisamos certa emer-

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Posto Nossa Senhora Aparecida. Anos 50. Acervo Aluísio Sens

gência e consolidação de uma mentalidade coletiva de longa duração no processo de mecanização e

individualização do movimento econômico e social nas cidades, através da incorporação cotidiana de valores

de agilidade, conforto e felicidade vinculados a presença dos objetos automotores, da mecanização dos trans-

portes rodoviários e de seus usos. Na pesquisa em jornais, estivemos atentos a disposição das informações,

procurando perceber os momentos cronológicos de maior destaque dados a mecanização dos transportes

rodoviários, bem como à dinamização da vida social e econômica em torno do consumo de objetos automotores,

dos transportes e dos seus usos cotidianos em tal contexto.

Na segunda parte, entram em cena os atores sociais, as articulações de pessoas e grupos, que passaram a

investir em atividades ligadas ao desenvolvimento da mecanização dos transportes rodoviários. Neste caso,

demonstramos o viés da constituição do pequeno, do médio ou do grande empreendimento de serviço, co-

mércio e indústria, mobilizados por diferentes pessoas. Descrevemos a configuração de articulações no setor

econômico automobilístico, as dinâmicas regionais e suas características, as formas de organização do traba-

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lho, as relações sociais e familiares diretamente envolvidas por tal contexto, bem como analisamos as peculia-

ridades das transformações do cotidiano da vida social, a partir das experiências dos empreendedores, dos

trabalhadores e dos consumidores, frente ao envolvimento pleno dos veículos automotores na sociedade do

século vinte.

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I PARTEA era dos veículos

automotores na região Sul

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Os veículos automotores são como estes objetos que desde muito cedo se globalizaram, podendo

ser encontrados em todo canto do mundo a partir das primeiras décadas do século vinte. Eles

não apenas surgiram num período muito específico da história da humanidade, como também

se integraram num curto espaço de tempo, direta ou indiretamente, ao cotidiano das pessoas.

Para o antropólogo José Reginaldo Gonçalves (2005), na medida em que os objetos materiais circulam

recorrentemente na vida social, torna-se importante acompanhar analiticamente o seu deslocamento e suas

transformações (ou reclassificações) através dos diversos contextos sociais e simbólicos em que os mesmos estão

inseridos, ou seja, importa buscarmos compreender os deslocamentos dos objetos a partir da sua presença nas

dinâmicas da vida social e cultural, assim como a sua presença nas subjetividades individuais e coletivas.

Viagem de veículos de tração animal. Acervo MTC

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Os veículos automotores são objetos que participaram da vida global, alterando modos de vida, mas

também de maneira particular têm diferentes inserções locais e temporais. Para o caso da região Sul, a partir

da bibliografia pesquisada, das entrevistas realizadas, e das pesquisas em jornais e documentos, destacamos

quatro grandes fases da presença dos veículos automotores na vida social, que em boa parte coincidem com

sua presença no Brasil.

A primeira vai da invenção dos veículos motorizados até o surgimento das primeiras linhas de monta-

gem no Brasil, coincidindo com a preocupação de ampliação das estradas e com a urbanização das cidades.

Corresponde ao período da última década do século dezenove até os anos vinte do século vinte. A segunda

fase vai dos anos vinte até os anos cinquenta. Fase de comedida popularização do uso dos veículos automotores,

envolvida pelos anos nascentes da industrialização no Brasil, mas também de recessão do período entre guer-

ras mundiais e do Pós-Guerra, bem como do quase exclusivo investimento estrangeiro no setor. A terceira

fase, dos anos cinquenta ao final dos anos oitenta, que, podemos dizer, é o período mais dinâmico da propaga-

ção automobilística, envolvendo um processo de forte nacionalização da produção de veículos, de grandes

investimentos em infraestrutura e da crescente interiorização da sua presença no País. A quarta e última fase,

do início dos anos noventa até os dias de hoje, é caracterizada pela massificação da produção e do uso dos

veículos automotores, pela difusão total de sua necessidade, pelos problemas gerados pelo excessivo número

de veículos, bem como pela maior fluidez comercial, multiplicando-se diversificadamente as indústrias instala-

das no País, com a ingerência menos rigorosa do Estado.

Trânsito de veículos emLages, no início dos anos80. Acervo MTC.

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Estas fases estarão conectadas aqui pela relação entre os atores, seus discursos e suas práticas na região,

envolvendo relações sociais, comportamentos, comércios, estradas, transportes e veículos. A partir da pesqui-

sa bibliográfica, documental e em jornais, trataremos mais especificamente das três primeiras fases,

contextualizando alguns antecedentes e caracterizando aspectos regionais.

1. Rotas, conexões e dinâmicas sociais

Lages, localizada no altiplano catarinense, foi, durante parte dos séculos dezenove e vinte, uma das

principais economias do interior da região do Sul do Brasil. Boa parte dos principais caminhos e estradas de

ligação do sul para o norte, e do litoral para o oeste de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande Sul, ou

vice-versa, passavam por Lages.

A cidade não esteve sozinha neste contexto, dividindo a centralidade econômica e política com algumas

cidades de destaque em fins do século dezenove e início do século vinte, tais como Curitiba, Florianópolis,

Blumenau, Joinville, Caxias do Sul, Porto Alegre, entre outras. A principal característica, no entanto, foi a sua

centralidade geográfica, como ponto estratégico de passagem e paragem de viajantes e comerciantes com

destino ou origem para o interior, ou entre as localidades citadas acima.

Bar e Sorveteria São Paulo, no bairro Coral, Lages, anos 60,ponto de viajantes e trabalhadores. Acervo Maria Elisa Ferreira

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Para além dos interesses da economia local, focada primeiramente na pecuária e posteriormente na

extração e beneficiamento da madeira, Lages tornou-se ponto de encontro, de abastecimento e de descanso

de muitos viajantes. Os primeiros importantes caminhos ou trilhas de longa distância que passaram pela

cidade datam do século dezoito. O mais antigo e importante deles foi o que ligou Sorocaba, em São Paulo, a

Viamão, no Rio Grande do Sul. Logo em seguida abriu-se o caminho ligando Lages a Laguna, no litoral sul.

Um pouco mais tarde, a capital do estado de Santa Catarina também foi ligada a Lages. Em todas estas

estradas transitavam viajantes e comerciantes com gado bovino, muares e produtos de comércio variados.

Posteriormente, no século dezenove, foram abertos também outros caminhos, como o de Blumenau para

Lages, subindo a Serra do Serril, e interiorizaram-se alguns caminhos abertos na direção do oeste de Santa

Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, continuando-se para o interior com o comércio de gado e o de secos e

molhados. Estes caminhos foram, por exemplo, os principais responsáveis pela dinamização de comércio da

produção agrícola das primeiras colônias de imigrantes europeus localizadas nas regiões do vale do Rio Itajaí

Açu e do sul do estado para o interior, formando uma rede de estradas de comércio e comunicação com as

áreas coloniais do oeste de Santa Catarina, a exemplo da ligação com Joaçaba, Videira e Chapecó, mas tendo

Lages como entroncamento.

Praça do Mercado Velho, em Lages, ponto de abastecimento do interior de SC. Acervo do MTC.

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No século vinte, progressivamente, os caminhos cederam lugar às estradas de rodagem. Muitas colônias

de imigrantes e descendentes, no oeste do rio Grande do Sul e de Santa Catarina, tiveram as estradas que

corriam para Lages como passagem obrigatória para outros centros urbanos. A produção agrícola e pecuária

dos minifúndios, de muitas das áreas coloniais dos vários pontos da Região Sul, transitavam pelas estradas que

chegavam à cidade do Planalto ou em seu entorno, abastecendo os viajantes que ali chegavam de outros

gêneros da produção local ou de gêneros advindos de centros maiores, através do intenso fluxo comercial,

com São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

No entanto, até as primeiras décadas do século vinte, prevaleceu a atividade do tropeiro, que fora até

então o principal ator social destas conexões comerciais. Para Licurgo Costa (1982, p, 154), o tipo predomi-

nante de comércio era o realizado pelos tropeiros, como condutores de bois de corte, muares e cargueiros de

mantimentos. Foi assim que o tropeirismo tornou-se um importante dinamizador da ocupação econômica,

política e social do Sul do Brasil, assim como permitiu o surgimento das primeiras bases estruturais da malha

de caminhos de ligação, comunicação e transportes na região1. As principais rotas da época do tropeirismo

convergiam para Lages, que era ligada a Sorocaba, Viamão, Desterro, Laguna, Blumenau e Joinville por

alguns destes trajetos.

Mapa aerorodoferroviário,anos 70. Costa, 1982.

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Dos caminhos de tropas surgiram às principais estradas abertas no século dezenove, algumas já caracteri-

zadas como estradas de rodagem e que passavam pelo interior do estado de Santa Catarina conectando luga-

res distantes privilegiados por critérios econômicos e geográficos. Dos lugares de passagem e de entroncamen-

to das estradas surgiram e cresceram algumas cidades em importância. Mais significativo, foi o surgimento das

estradas de rodagem, mais largas e planas, através das quais era possível transitar com veículos de rodas puxa-

dos por animais, como já acontecia em fins do século dezenove.

Carro de molas. Acervo MTC.

No fim da década de 1880 deu-se início à implantação da estrada de rodagem ligando Desterro a Lages. Foram construídos

os primeiros 50 quilômetros até Teresópolis, no vale do Cubatão, por ordem do então Governador Augusto Fausto de Sousa. [...] Em

1894, a estrada foi retomada pelo governador Hercílio Pedro da Luz, recebendo retificações em vários segmentos.2

A dinâmica dos fluxos de gentes, de animais, de cargueiros, de carroças e de mercadorias, possibilitou

que em fins do século dezenove a cidade de Lages vivenciasse certo papel de importância como referência não

só econômica, mas também política e cultural na região Sul. As novidades tecnológicas que corriam o mundo

não demoravam a chegar à cidade, como, por exemplo, a imprensa, a fotografia e o cinema. No início do

século vinte, com a chegada das estradas de rodagem, Lages passa por alterações importantes em suas dinâmi-

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Loja Carlos Hoepcke S.A. Lages. Comércio de gêneros gerais, inclusive insumos para veículos. Acervo MTC.

cas sociais. A reorganização do espaço urbano, o aparecimento de novas atividades comerciais, de novas neces-

sidades humanas e atividades de prestações de serviços, próprias de um contexto em que os objetos de consu-

mo mecânicos e industrializados passaram progressivamente a fazer parte do cotidiano das pessoas, alteraram

percepções e hábitos.

A abertura de caminhos, estradas e pontes, sob o argumento de garantir o fluxo de trânsito dos andantes e

veículos, esteve presente em diferentes momentos da história da região. Salvo as especificidades de cada momento,

a preocupação inicial era a de garantir a possibilidade de ir e vir. O que esteve latente nos projetos políticos munici-

pais, conforme registros contidos nas atas da Câmara Municipal de Lages e dos relatórios dos agentes fiscais da

mesma corporação. Se em fins do século dezenove entre as décadas de 1870 e 18903 a preocupação com a manuten-

ção e abertura de estradas estavam associadas ao argumento da necessidade básica de deslocamento (uma vez que as

extensões territoriais entre a sede administrativa do município e suas freguesias compreendiam longas distâncias),

outros sentidos e necessidades passam a ser esboçados no decorrer do século vinte.

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Estrada aplainada.Primeira ponte de acesso

à Coxilha Rica. Acervo MTC.

Construção de pontesobre o Rio Carahá.Acervo MTC.

Num primeiro momento, as estradas garantiam domínio de território e elegiam o estatuto do controle

administrativo para o poder público municipal, garantindo a ele autoridade para cobrança de impostos e

gerência das formas e meios de circulação de veículos. Já nos primeiros anos do século vinte, as estradas são

representativas de desenvolvimento, conforme foi possível percebermos nos discursos dos diferentes jornais

do período. As estradas aplainadas e com infraestrutura adequada possibilitaram a chegada dos veículos

automotores às cidades. O enfoque dos jornais registrava tal característica como que avançando no ideal de

modernidade e sintonizada aos anseios de progresso, que passaram a ser propagados em escala nacional e

estadual.

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2. Transporte, economia e sociedade no limiar da mecanização

O primeiro automóvel de aluguel trazido para Lages, no ano de 1919, foi um Ford Bigode. Ano em que

existiam poucos veículos particulares, como afirma Licurgo Costa (p. 931, 1982). Já em 1927, havia 27 automó-

veis de praça e 83 particulares, entre o município e os distritos de Lages (Costa, p. 987, 1982). Fato importan-

te, ocorrido no ano de 1928, foi a notícia veiculada no jornal Correio Lageano, como acontecimento solene,

anunciando a instalação da primeira bomba de gasolina na cidade, na esquina da rua Cel. Córdova com a

praça Vidal Ramos Sênior, no centro de Lages (Correio Lageano, 20 de junho de 1928), tornando-se um

estímulo ao surgimento de novos veículos.

A partir dos anos vinte já trafegavam alguns caminhões por Lages. O primeiro deles teria sido “importa-

do da Alemanha (por volta dos anos vinte), pelo sr. Pedro Werner” e era utilizado “no transporte de madeira”

e tijolos (Costa, p. 923, 1982). Importante mencionar é que, nos anos trinta, os veículos motorizados convivi-

am com o transporte de mercadorias e de pessoas. O transporte era realizado em animais ou carros de bois,

carroças e carretas, mas também em alguns automóveis e caminhões, caracterizando o limiar das mudanças de

estilo de vida urbana e das dinâmicas de mobilidade, como podemos observar na imagem que segue.

Carruagens e automotores dividem espaço no centro de Lages, em 1925. Acervo MTC.

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Para termos idéia do momento de transição que se vivenciou no estado de Santa Catarina, entre os anos

de 1936 e 1939, enquanto o número de veículos automotores em circulação aumentou em mais de 75%, os

veículos de tração animal tiveram um acréscimo de pouco mais de 35%.

Tabela de Veículos de Tração Animal no Estado de Santa Catarina 1936-19394

Tabela de Veículos de Autopropulsão no Estado de Santa Catarina 1936-19395

Em Lages, nas décadas de trinta e quarenta, o número de veículos, a construção de estradas urbanas e

interurbanas, a proliferação dos setores de serviços e do comércio de automóveis, caminhões e insumos dina-

mizava-se e era noticiado como acontecimento social de extrema relevância. Os jornais davam um enfoque

sempre elogioso a tais acontecimentos, associando aos mesmos os sinônimos de progresso, de modernização,

de racionalidade técnica, de embelezamento e de melhoramento da vida social.

VEÍCULOS DE TRAÇÃO ANIMAL

ANO 1936

ANO 1937

ANO 1938

ANO 1939

Aranhas

598

980

1.192

1.252

Bicicletas

8.372

11.299

14.558

15.718

Carretas, Carretões e Carroças

26.852

27.914

28.991

31.853

Carros de Molas para Passageiros

606

620

626

595

Total

36.423

40.813

45.367

49.418

VEÍCULOS DE AUTOPROPULSÃO

ANO 1936

ANO 1937

ANO 1938

ANO 1939

Automóveis

1.467

1.596

1.657

1.882

Auto-ônibus

648

1.013

1.202

1.302

Caminhões

237

647

868

974

Total

2.462

3.399

3.917

4.355

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A predominância deste discurso pode ser observada na notícia “A Cidade”, publicada no ano de 1940,

pelo jornal Correio Lageano:

O progresso que se vae verificando diariamente em nossa urbs é devido a vários fatores. Um dos principaes, – as ótimas

estradas de rodagem, – muito tem concorrido para a prosperidade urbana, pois essas estradas tornam facil o transito de veículos

e a condução de matérias e de todos os artigos indispensaveis ao melhoramento da vida local.

Os autos caminhões que, diariamente, chegam á cidade, trazem, nunca menos, cada um de 4.000ks de cargas. Esses

caminhões, vindos de todos os pontos do Estado e do Rio G. Sul, dão á cidade movimento que bem denota o seu progresso.

Os inúmeros autos onibus, regorgitando de passageiros de muitas procedencias, enchem a cidade de animação.

E essa animação só diminue ao entardecer, quando a hora para a cessação das lides diárias sôa no alto das torres da

catedarl ou o comercio inicia o fechamento de suas portas.

Lages, não obstante os longos anos de estado letárgico em que permaneceu, não ficou inutilisada para o progresso. (...)

Rua central de Lages, meados do século vinte. Acervo MTC.

Em 1934, o então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto 24224, criou o Dia Nacional do Auto-

móvel e da Estrada de Rodagem, no dia 13 de maio, alegando ser esta uma data comemorativa da implanta-

ção da primeira estrada de rodagem do Brasil, concluída no ano de 1926. Para Vargas, “essa obra concorreu

grandemente para demonstrar a importância das estradas de rodagem como vias de comunicação de interesse

nacional”. Marcando o discurso oficial do governo federal com o tom do que viria a ser o interesse na difusão

do plano rodoviário para o País.

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Veículos de tração animal socorrendo os automotores nas estradas de terra. Acervo MTC.

Os organismos de notícias foram intensos na propagação da correlação entre os veículos automotores e

a imagem de uma cidade moderna e bem desenvolvida, enquanto o poder público, representado pelo poder

municipal, estadual e federal, se colocava na vanguarda da ação do desenvolvimento do setor rodoviário e

automobilístico, conforme podemos verificar na notícia de 21 de Outubro de 1939, no Correio Lageano:

As pessoas que ultimamente têm visitado a nossa cidade, em geral, tecem longos comentários sobre o desenvolvimento

que ela e o município vão tendo nos últimos anos. Fatores vários têm contribuído para esse progresso. Entre estes se destacam o

concurso do 2º Batalhão Rodoviário, as estradas e os prédios mandados construir pelo Governo do Estado, a solicitude com que

a Prefeitura, na medida de suas possibilidades financeiras, atende as necessidades mais urgentes da administração publica (...).

Os governos do presidente Getúlio Vargas e do interventor estadual em Santa Catarina, o governador Nereu

Ramos, dinamizaram o aparato administrativo e legislativo concorrendo para a consolidação de uma mentalidade

voltada para ideais de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que, na prática, investiam na abertura de estradas e

infraestrutura, bem como legislavam com um pendor nacionalista, integrador e dinamizador do setor viário.

No ano de 1937, foi lançado o Plano do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER — criado

pela Lei 467/37), no qual se propunha a construção de duas grandes rodovias longitudinais. No interior do Estado

de Santa Catarina, nas primeiras décadas do século, o traçado aproximado do que foi a Estrada Real ou Caminho

das Tropas, foi transformado em BR 2, adquirindo estatuto de estrada de rodagem, a partir dos anos trinta.

Na década de cinquenta, inicia-se a era do asfalto na região Sul. A BR 2 foi projetada para interligar por

rodovia pavimentada a cidade de Lages à Mafra, Porto União e Curitiba, ao norte, e à cidade de Caxias do Sul

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e Porto Alegre, na direção sul, conectando o sul do País às regiões Sudeste e Nordeste. Por mais de dez anos,

entre o final dos anos cinquenta e o fim dos anos sessenta, Lages se tornou a principal cidade catarinense na

única rota pavimentada entre Porto Alegre e São Paulo.

BR 116. Trecho recémasfaltado nos anos 50.Acervo DER Paraná.

Outra rodovia longitudinal, a BR 54, que mais tarde se tornaria a BR 101, foi projetada para tornar-se a

ligação entre Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre pelo litoral. Em 1964, no início do governo militar, foi

criado, pela Lei 4592, que aprovava o Plano de Viação, um novo projeto de traçado para a via litorânea. Em

1970, com a conclusão da pavimentação do trecho catarinense de mais quatrocentos quilômetros da BR 101,

os dois principais traçados pavimentados da Região Sul cruzavam paralelamente a região no sentido norte-sul.

Vários autores, como Nunes, por exemplo, consideram que:

(...) a rodovia BR-101 teve um papel importante para o desenvolvimento do Estado de Santa Catarina, permitindo

assim a integração da região da capital com o restante das outras regiões, pois até que a rodovia fosse implantada, a sua capital

Florianópolis, permanecia um tanto isolada de comunicação com o restante do Estado por via terrestre. (Nunes, p. 27, 2006).

A mesma importância da BR 101 para a região de Florianópolis pode ser atribuída a BR 116 para a

região de Lages, em sua articulação com o Planalto Serrano e todo o oeste do estado. Ambas as cidades

passaram a polarizar em dois extremos, respectivamente o litoral e o interior, o movimento de veículos

automotores.

Com a melhoria das condições viárias, os veículos motorizados tornaram-se um importante mecanis-

mo de trabalho, que exigia novas qualificações aos trabalhadores, com habilidades de motorista e conheci-

mentos básicos de mecânica. O tropeiro e suas habilidades de trabalho, que gozavam desde o século dezoito

de grande prestígio, estavam com os dias contados, assim como os cargueiros de animais foram dando lugar

aos veículos automotores e as antigas estradas e caminhos foram dando lugar às estradas de rodagem e

Page 34: Livro Engrenagens Em Movimento

34

asfalto. Ciclos econômicos, referências de tempo e es-

paço e tipos sociais e humanos predominantes na re-

gião começaram a ceder lugar a outros.

Notícia sobre a BR 282,veiculada no jornal CorreioLageano, em 1971. Acervo MTC.

Mesmo assim, a atividade econômica de comércio de gado sobreviveu, embora cada vez com menos vigor.

Como diz Costa (1982) “este tipo de tropeiro a cavalo foi pouco a pouco sendo substituído pelo tropeiro motorizado,

que surgiu por volta de 1950” (p. 154). Ou seja, “depois da construção da BR 116 e da BR 470, que liga à BR 101, os

grandes caminhões tomaram conta de todo o transporte de gado gordo para o litoral” (Costa, p. 154, 1982). Os

principais motivos da progressiva substituição foi a rapidez da entrega, a relação custo benefício para o transporte e

a economia de peso dos animais que não emagreciam como antes, por caminharem longos percursos.

No caso da região de Lages, de uma economia onde o gado era a principal fonte de movimentação de

riquezas, em meados do século vinte, a madeira passa a ocupar o principal papel na economia. Isto se deu ao

mesmo tempo em que os veículos rodoviários motorizados ganharam espaço e prestígio como transporte de

cargas e de passageiros.

Page 35: Livro Engrenagens Em Movimento

35

Entre as décadas de 1940 e 1970, que foi o período forte da comercialização da madeira e da estruturação

das vias de circulação viária na região, Lages e o interior catarinense vivenciaram um momento de intenso

crescimento econômico, que também esteve correlacionado ao desenvolvimento do setor rodoviário e auto-

mobilístico. De acordo com os estudos realizados pela socióloga Zilma Isabel Peixer (2002), ao analisar o

particular processo de constituição do espaço urbano de Lages, esse período também pode ser caracterizado

como de crescimento físico da cidade, de intensificação demográfica, de aumento de infraestrutura urbana,

bem como de expansão das atividades comerciais.

Motorista Alcides Marcon,com caminhão, nos anoscinquenta do século passado.

Num contexto mais amplo, contemplando o estado de Santa Catarina, foram surgindo setores subsi-

diários ao dos veículos automotores. Para Nunes (2006), nos períodos entre 1945 e 1962, surgiram novos

setores na economia, como os de pasta mecânica e metal-mecânico, além de papel, papelão, plástico, mate-

riais elétricos e os produtos industriais ligados ao setor de transportes. Diferentes regiões do estado passa-

ram a ter, a partir daí, maiores ou menores destaques em tais atividades. Lages passou a destacar-se no setor

de extração e beneficiamento de madeira, no comércio de autopeças e lubrificantes, no setor de serviços

mecânicos e transportes de mercadorias.

Page 36: Livro Engrenagens Em Movimento

36

Vista aérea da cidadede Lages nos anos 60.Acervo MTC.

3. Rodas, rodagem e as dinâmicas de transformação

Passada a fase crítica do Pós-Guerra, a partir de meados dos anos cinquenta, ocorre uma dinamização do

uso dos veículos automotores e do investimento na infra-estrutura necessária a sua proliferação. Estudos esta-

tísticos demonstram que, a partir dos anos cinquenta, mais de 65 % do transporte de passageiros passaram a

ser realizados pelo transporte rodoviário. Índice que cresceu sucessivamente, chegando a superar os 94 % em

meados dos anos oitenta. Enquanto isto, o transporte rodoviário de mercadorias nunca ficou abaixo dos 53%,

desde a mesma época, chegando a representar 69,6% do transporte de mercadorias nos anos setenta6. Além

disto, a frota de veículos no Brasil, que era de 1.046.275 veículos automotores registrados no ano de 1960,

passou para 10.826.198, no ano de 19807.

Page 37: Livro Engrenagens Em Movimento

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Para percebermos ainda mais a dinâmica do desenvolvimento dos transportes rodoviários, mais especifi-

camente na Região Sul, “em 1965, a rede asfaltada se compunha de 2.608 km, sendo 2.032 km federais e 576

km estaduais. Em 1974, a Região contará com 13.800 km asfaltados, sendo 8.100 km em estradas federais e

5.700 em estradas estaduais, o que corresponderá a um acréscimo de 529% no período.” (Resende, 1973, p.

48). Ou seja, mais de 10.000 km de estradas asfaltadas em dez anos.

Sede do Departamento de Estradas e Rodagem, em Lages. Acervo MTC.

Em 1956, o presidente da república, Juscelino Kubitschek, aprova, por meio do DNER, o Plano

Quinquenal de Obras Rodoviárias (1956/1960). A partir de 27 de dezembro de 1956, sob a Lei nº 2.975, as

estradas federais passam a receber o prefixo BR acrescido de uma numeração correspondente a denominação

classificatória da rodovia. As ações do governo de JK em vários sentidos marcaram a opção definitiva pela

dinamização dos transportes rodoviários e o investimento em infraestrutura para o setor.

Um pouco mais tarde, a Lei 4592/64 define uma nova nomenclatura para as rodovias brasileiras, crian-

do novas rodovias, redefinindo suas extensões, trechos e classificações. Assim como o governo de JK definiu

suas prioridades de abertura, conservação e asfaltamento das rodovias, também o governo dos militares a

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Serraria nos anos 40. Acervo Mafalda Ida Marcon.

partir de 1964 o fez. Por ordem cronológica, os primeiros asfaltos de rodovias federais concluídos no sul do

Brasil foram a BR 116 (BR 2), a BR 101 (BR 59), a BR 470, a BR 153 (BR 14) e a BR 282 (BR 36).

No período que vai dos anos cinquenta aos anos oitenta, as estradas de Lages se tornam privilegiadas nas

rotas de ligação sul-norte e litoral-oeste. A importância econômica da madeira, a proeminência política da

região e a rede de infraestrutura de estradas convergindo para Lages configuraram a cidade como um polo de

abastecimento, de insumos e de serviços em diversos setores, particularmente no setor automobilístico e de

transportes rodoviários.

Nos arredores da cidade, alguns pontos de paragem tornaram-se os elos de conexões importantes com o

litoral (Florianópolis, Blumenau, Joinville e Tubarão), com a região oeste (Chapecó, Joaçaba e Videira) ou em

direção ao norte (Curitiba e São Paulo) e ao sul (Caxias do Sul e Porto Alegre). Nem sempre, se iniciava e

terminava uma viagem por cima do asfalto. Por exemplo, a “Encruzilhada”, localizada na sede do que é hoje

município Otacílio Costa, nos anos cinquenta e sessenta, foi um ponto de ligação do planalto catarinense com

o porto marítimo de Itajaí, por onde se escoava a maior parte da produção de madeira. Localidades como a

“Encruzilhada” se tornaram postos de manutenção e abastecimento para os veículos de transportes e a seme-

lhança deste exemplo só viram chegar o asfalto nos oitenta ou depois, o que mudou o destino do desenvolvi-

mento destas localidades.

Page 39: Livro Engrenagens Em Movimento

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Com o correr dos anos, os veículos foram gradativamente se tornando objetos de convivência diária nas

estradas da região e nas cidades. Objetos que foram tomando parte da vida cotidiana das pessoas, não apenas

pelo viés utilitário, mas incorporando valores simbólicos que ultrapassavam o seu estatuto de simples objeto,

para adquirirem outras relevâncias no contexto social. A mentalidade modernizadora foi se consolidando

cada vez mais, difundindo-se através dos jornais, através dos modelos de administração pública e das iniciativas

privadas de negócios ligados ao setor. Os discursos de modernização, desenvolvimento, praticidade, rapidez e

felicidade são postos em evidência e relacionados à dinamização das economias locais.

Carregamento de madeira para exportaçãono Porto de Itajaí, 1948. Acervo do Porto de Itajaí.

Anúncio de veículo e apromessa de mudança de

vida, anos 60. CorreioLageano. Acervo MTC.

Page 40: Livro Engrenagens Em Movimento

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Uma sucessão de acontecimentos ligados à industrialização do País, estimulados pela articulação do gover-

no JK, entre consolidar a infraestrutura de rodagem e interiorização, ao mesmo tempo em que estimulava a

fabricação de veículos no Brasil, trouxe um alto índice de investimentos econômicos ao setor e, com eles,

alguns planos públicos e privados de estímulos ao consumo de veículos. Em 1956, nasce o Grupo Executivo da

Indústria Automobilística, do governo JK, em grande parte responsável por organizar e planejar o desenvolvi-

mento de indústrias no setor.

Em 1958, foi inaugurada a fábrica de motores a gasolina da Willys Overland, em São Paulo, e, com ela,

reforçava-se discurso de dinamização, desenvolvimento e autonomia da economia nacional, ligada ao desen-

volvimento de rodovias e da exploração do petróleo. A proposta era tornar o País cada vez mais autônomo na

Anúncio de produtoWillys. Acervo MTC.

produção de veículos. Objetivos ao qual se

deu continuidade nos anos posteriores, tan-

to que, em 1963, nasceu o Aero Willys

2600, primeiro carro de projeto inteira-

mente nacional. A partir daí, a indústria

de veículos e autopeças se tornou cada vez

mais estimulada pelo investimento próprio.

Esta relação entre autonomia nacional e

desenvolvimento se tornou um elemento

estimulante de incorporação e aceitação

corriqueira e popular dos veículos motori-

zados.

Page 41: Livro Engrenagens Em Movimento

41

II PARTESociedade e cultura automobilística

no Planalto Catarinense

Page 42: Livro Engrenagens Em Movimento

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Page 43: Livro Engrenagens Em Movimento

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A partir dos jornais e da memória oral, analisamos a participação de alguns atores sociais que

tiveram algum tipo de envolvimento duradouro com o setor econômico e social dos veículos

automotores. Procuramos articular algumas das biografias às informações sobre o cotidiano da

era automobilística na região Sul, com ênfase no Planalto Catarinense, analisando o surgimento de novas

atividades sociais e econômicas, bem como de novas estratégias de articulação entre trajetórias de vida, rela-

ções de trabalho e laços afetivos.

O comércio de veículos, de peças e os serviços ligados ao setor foram tornando-se cada vez mais amplos

nas cidades, nas estradas e mesmo em contextos rurais, ocupando novos espaços e popularizando-se como

atividades de necessidades básicas na convivência cada vez mais íntima da sociedade contemporânea com os

veículos automotores.

Veículo a serviço dos Correios. Acervo MTC.

Page 44: Livro Engrenagens Em Movimento

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Várias atividades profissionais surgiram como subsidiárias das atividades de revenda, de insumos, de manu-

tenção e de operacionalização de veículos, além daquelas ligadas a abertura de estradas rodoviárias, fiscalização de

trânsito, atividades desportivas, sociais e culturais. Também surgiram contextos sociais em que os veículos torna-

ram-se objetos de sociabilidades e outros em que as diferentes atividades profissionais do setor propiciaram laços

profissionais e de amizade, temporários ou duradouros. Alguns espaços sociais foram importantes para o desen-

volvimento de tais relações, principalmente no próprio âmbito do comércio e serviços, mas também em mo-

mentos eventuais de sociabilidades festivas tanto nos espaços públicos quanto nos privados.

1. Iniciativas, atores e setores

Postos de serviço, postos de combustíveis, oficinas mecânicas, revendas de veículos leves e pesados, servi-

ços de transportes de carga e de transportes de passageiros foram atividades comerciais que surgiram no

decorrer do século vinte como atividades subsidiárias do desenvolvimento dos transportes rodoviários. Na

maior parte dos casos, tais atividades surgiam nos percursos das estradas que aos poucos recebiam maior infra-

estrutura e tornavam-se as principais rotas de transporte rodoviário do País ou da região.

Nos entroncamentos de tais estradas, a concentração de serviços e comércio automotivos foi ainda maior.

Vale lembrar que a cidade de Lages também foi se consolidando como ponto de parada para abastecimento,

descanso e manutenção dos veículos de passagem pela região Sul em direção sul-norte-sul do país ou oeste-litoral-

oeste. Parte de tal movimento também cresceu com a própria urbanização da cidade e através da atividade

econômica de extração e beneficiamento da madeira em toda a região do planalto ao oeste de Santa Catarina.

Em Lages, as atividades de comércio e serviço ligadas ao setor dos automotores surgem inicialmente junto

ao comércio de gêneros em geral. Empresários que atuavam no ramo comercial, principalmente vinculados ao

ramo de importações e exportações em geral, foram os pioneiros no comércio e serviços do setor, já que os

veículos e as peças de reposição eram todos importados até os anos cinquenta. Outra forma de iniciativa foi a de

alguns práticos em mecânica que atuavam na informalidade e montavam oficinas de pequeno porte, muitas

vezes sem ter espaço próprio e atuando nas laterais de ruas e estradas. A modalidade de iniciativa que ganhou

maior notoriedade a partir dos anos cinquenta, e foi se tornando cada vez mais corriqueira, foi aquela ligada as

atividades de comerciantes, ex-motoristas, ex-vendedores de estrada e ex-mecânicos que passaram a criar empre-

sas específicas de transportes, de postos de serviço, de revendas de veículos, e de comércio de insumos, como

peças de reposição e manutenção, pneus e combustíveis.

Page 45: Livro Engrenagens Em Movimento

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Inauguração do posto Tito Ramos & Pucci. Acervo MTC.

Nos anos quarenta, a Casa Ozy Rodrigues atuava no comércio geral, e, na sua inauguração, noticiava

que: “em seu grande estoque, o novo estabelecimento venderá peças e acessórios para automóveis de todos os

tipos, material para construção tintas, vernizes, fogões, ferragens, maquinas, motores, etc.” (Correio Lageano,

1948). Também a empresa J. Wolff e Cia, que vendia cerveja e outros gêneros além “de Automóveis, cami-

nhões, caminhonetes, peças e acessórios, refrigerações, seguros gerais, representações, consignações, conta

própria, etc.” (Correio Lageano, 17 de janeiro de 1948). Ambas trabalhavam com exportação e importação

em geral.

Entre os primeiros postos de abastecimento de combustíveis em Lages, destacamos o da empresa Tito

Ramos & Pucci, localizado no centro da cidade, na esquina da rua Aristiliano Ramos com a rua Belizário

Ramos, inaugurado em 1941. Os proprietários chamavam a atenção para a ideia de modernização dos servi-

ços nos postos de abastecimento, dizendo que a sua empresa incorporava a prestação de serviços mecânicos

automobilísticos como algo inovador (Correio Lageano, 1 de março de 1941).

Page 46: Livro Engrenagens Em Movimento

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Foi nos anos quarenta que surgiu também a Companhia Rosário de Abastecimento Ltda, que atuava as

margens do traçado da antiga BR 2, hoje av. Luiz de Camões, esquina com a av. Presidente Vargas, no bairro

Coral. Foi a partir da sigla formada pelas primeiras letras do nome dessa empresa que se deu nome ao bairro,

em fins dos anos quarenta. Naquele momento, o bairro Coral, que já havia se tornado espaço de referência

para instalação de várias empresas no setor madeireiro, começou a tornar-se também espaço de referência

privilegiado de iniciativas de empresas na área dos serviços de mecânica, revenda de combustíveis e autopeças,

principalmente para veículos pesados.

CORAL – Companhia Rosário de Abastecimento Ltda. Acervo MTC.

Em 9 de janeiro de 1957, o jornal Correio Lageano, em notícia denominada “Surge um novo e moderno

Posto de Serviço Esso”, destacava:

Acontecimento este que honra o espírito empreendedor do povo de Lajes - Dia 12 será inaugurado nessa cidade, na

Avenida 3 de Outubro, (esquina com a estrada Federal - Coral) o Posto de Serviço Esso da firma abastecedora Bleyer Ltda. Este

acontecimento apresenta, sem dúvidas, um índice do progresso da cidade de Lajes, e revela o espírito empreendedor de seus

habitantes, que se esforçam para dotá- la de estabelecimentos a altura do seu desenvolvimento comercial e social. O Posto Esso da

Abastecedora Bleyer Ltda, será excelentemente aparelhado - e suas modernas instalações atestam o esforço dos componentes da

firma, no sentido de oferecer bons serviços, e acessórios em geral, aos automobilistas, proporcionando- lhes também conforto,

segurança e presteza (...).

Page 47: Livro Engrenagens Em Movimento

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No ano de 1958, Aluísio Sens, que atuava no ramo de secos e molhados desde o ano de 1950, vende seu

negócio e compra o Auto Posto Nossa Senhora Aparecida, no Bairro Coral. Pouco tempo depois, em 1960, o

mesmo inaugura outro posto na esquina mais movimentada do bairro, o Posto Sens, tendo o irmão Antônio

como sócio. Na época, já existia certa estrutura de serviços no Coral, que já contava com o restaurante Pegorinni,

o Hotel Elite, o Auto Peças Posto Coral, o Posto de Molas Piccoli, a Casa do Carburador e a loja de peças de

Fidelis D’Agostino, entre outros estabelecimentos, se tornando também um lugar privilegiado de paragem

para viajantes.

Aluísio Sens

Filho de agricultores, descendentes de alemães, nasceu em Angelina, aprendeu o ofício de fotógrafo, atuandocomo tal em várias localidades de Santa Catarina. Recebeu convite de seu irmão Pedro Sens para atuar notransporte e comércio de gêneros alimentícios para Lages. Chegando em Lages, resolveu investir sozinho no comér-cio de secos e molhados, no ano de 1950. Em 1958, convidou o irmão Antônio Sens, para comprarem o AutoPosto Nossa Senhora Aparecida e em seguida compraram um caminhão Ford, com tanque, para transportarcombustíveis. O irmão tornou-se o motorista e levava madeira de Lages (prestando serviços para madeireira Batistella,Sibisa e Paese) para Itajaí e voltava de lá carregado de combustíveis. Um pouco mais tarde, eles inauguraram o AutoPosto Sens, na principal esquina do Coral. Em 1964, tinham 16 caminhões, entre FNM, Mercedes Benz, Scania,sempre atuando no carregamento de madeira e combustíveis. A madeira ia para o Porto de Itajaí, para o Rio deJaneiro, para São Paulo e para Brasília. Em 1963, comprou uma empresa de transportes urbanos, a Auto ViaçãoLageana S/A. Em 1965, a prefeitura abriu nova licitação e na concorrência surge o consórcio de uma novaempresa, a Lages Transportes Urbanos S/A, formada por nove sócios,entre eles Andreazza, Casarin, Rocca e o Valdir, que ganham a concor-rência e compram a frota de ônibus circulares de Aluísio Sens, quedeixa o ramo. Em seguida deixou a sociedade com o irmão Antônio,comprou uma madeireira e logo depois voltou ao negócio dos combus-tíveis, com o Auto Posto Sens, abrindo em seguida mais quatro postosna cidade e na estrada, priorizando o comércio na BR 116, que setornara a estrada de maior movimento na época. Em 1972, Aluísioinveste no atacado de lubrificantes automotivos e industriais, criando aLubrilages.

Outro tipo de iniciativa com postos de combustíveis, e que teve desdobramentos interessantes para

entendermos o desenvolvimento das empresas do gênero e sua relação com a região, foi a de Clélio José

Miola, Graciano Miola, Ambrósio Finardi, Walmor Finardi e Gentil Tortelli. Em 1959, eles criam, em Lages,

a empresa Auto Peças Posto Coral Ltda, com serviço de abastecimento de combustíveis, revenda de autopeças

e serviços mecânicos, tornando-se uma das mais completas empresas da região no ramo de insumos e serviços

para veículos automotores. Antes de se instalar em Lages, a empresa atuava como mecânica na localidade

Pastagem, em Rio do Sul. Foi lá que Clélio José Miola, representante comercial de uma empresa importadora

e exportadora de autopeças de Porto Alegre, propôs a Ambrósio Finardi uma sociedade, com a transferência

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de ferramentas, estoques e recursos humanos para Lages. Segundo Marcon (2008), Clélio acreditava na

centralidade geográfica da cidade, como potencializadora econômica de toda a Região Sul e trouxera inclusive

a instalação mecânica e os mecânicos da antiga empresa de Rio do Sul para o novo empreendimento, com-

prando o espaço da Companhia Rosário de Abastecimento Ltda.

Frota de caminhões de Aluísio Sens, na movimentada esquina do Bairro Coral, anos 60. Acervo Aluísio Sens.

Interessante observar que, no início dos anos sessenta, três postos concorriam no mesmo entroncamen-

to da av. Pres. Vargas com av. Luís de Camões, no Bairro Coral. Cada qual como distribuidor e representante

de uma diferente bandeira de combustíveis e com diferentes propostas de oferta de insumos e serviços. Tais

atividades potencializaram os negócios no bairro, que fez confluir cada vez mais para aquela área o movimen-

to de veículos pesados e leves, de serviços e de passeio.

Em 1968, os sócios da Auto Peças Posto Coral criaram, então, outra empresa, a Engrenaco Coral Ltda,

investindo na especialidade de comércio varejista de autopeças, vendendo a oficina para os mecânicos Dionísio

Luciani, Vitório Andrade e Clóvis Nava, que antes eram funcionários. A empresa encerrou com a atividade de

oficina mecânica, mas ampliou o investimento em postos de combustíveis, tanto na cidade de Lages quanto ao

longo da BR 116, como também fizera Aluísio Sens. Em 1970, os sócios da Engrenaco fundiram a empresa Auto

Peças Posto Coral e a Engrenaco Coral Ltda numa única empresa, com nova razão social. Surgia a Autopeças

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Engrenaco Coral Ltda, que investiu noutra iniciativa, a do comércio atacadista de autopeças. No percurso destas

mudanças institucionais, a sociedade da empresa foi sendo reestruturada, e, no início dos anos setenta, incorpo-

rou como acionistas os ex-funcionários Nelo Cunha, Nilton José Marcon e Rogério Aze (Marcon, 2008).

Nilton José Marcon

Nasceu em São José do Cerrito (SC), no ano de 1950,filho de Alcides Ludovico Marcon e Mafalda Ida Marcon,vindos da região de Garibaldi (RS) para Videira (SC). Co-meçou a trabalhar em serviços gerais no Auto Peças PostoCoral, depois Engrenaco, no ano de 1962. Em 25 anos deempresa passou pelas atividades de caixa, controle de esto-que, atendente de balcão e comprador, tornando-se sócioda empresa no ano de 1970. Naquele período, segundo aopinião de boa parte das pessoas ligadas ao ramo, aEngrenaco tornou-se a maior distribuidora de autopeças do

Sul do Brasil. Marcon (2008) conta que no início de suas atividades de comprador, nos anos setenta,viajava de ônibus até Porto Alegre ou São Paulo, onde fazia as compras e retornava com parte delas,sendo que a outra parte era despachada através de transportadoras. Depois de 25 anos de empresa,no ano de 1985, Marcon retira-se da sociedade e cria o seu próprio negócio, a Marcon AutopeçasLtda, que nos anos noventa se tornou um dos atacados mais importantes da região. Com o sóciocriaram mais duas empresas no ramo: a Disauto Distribuidora de Autopeças Ltda e a Frasa AutopeçasLtda, ambas atuando também no varejo. Em 2002, vende o estoque e a carteira de clientes à SchererS/A, que nos últimos anos se tornou uma das empresas mais dinâmicas do setor. A Marcon Autopeçasfoi mantida, com uma composição social familiar, atuando como distribuidora de um segmentoespecífico, o de embreagens.

No setor dos transportes coletivos também houve importantes transformações nos anos cinquenta, prin-

cipalmente com relação às iniciativas de investimentos privados, que marcaram a ampliação de frotas e a

popularização dos transportes rodoviários de passageiros e de mercadorias na região Sul.

Acelino Alves, que já atuava nos anos quarenta com ônibus urbanos em Lages, se associou, em 1949, a

Lauro Freitas Goes, dono de uma construtora imobiliária na cidade, fundando a empresa Auto-Viação Lageana

S/A. O empreendimento foi noticiado nos jornais como necessário para o progresso da cidade por ampliar a

frota disponível à população, cobrindo os bairros mais longínquos e por atuar também no transporte em

áreas suburbanas, ou seja, nas proximidades rurais. (Correio Lageano, 17 de dezembro de 1949). Em 16 de

junho de 1965, foi fundada outra empresa de ônibus, com nove sócios e vinte empregados, a Translages

(Lages Transportes Urbanos Ltda)8, que atuou até 1969, quando foi substituída pela Transportes Urbanos

Nossa Senhora dos Prazeres, depois Transul.

Page 50: Livro Engrenagens Em Movimento

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Na área de transportes coletivos, surgem ainda as primeiras empresas de transportes interurbanos com

concessão oficial. A “Empreza Auto Viação Catharinense” iniciou suas atividades no ano de 1928, fazendo a

linha Blumenau até Florianópolis, duas vezes por semana9. Nos anos quarenta, a empresa Expresso Graziottin

de Transportes Ltda e a Empresa Rodoviária Sul Brasil operavam com ônibus na linha entre Lages e Porto

Alegre, esta última realizava o trecho em 12 horas (Correio Lageano, 3 de junho de 1944). Em 1949, Selvino

Caramori criou a Reunidas, com sede em Caçador, empresa que fazia o transporte entre Lages e Caçador,

duas vezes por semana. Selvino ampliou suas concessões10 ao adquirir outra empresa pioneira em transportes

coletivos na região, a União da Serra, sediada em Porto União, que fazia o planalto e o meio-oeste catarinense.

Nos anos setenta, além da Reunidas, cobrindo o planalto para o oeste de Santa Catarina, saindo de Lages, a

empresa Rex, de Valdevino Vieira de Souza, fazia o Vale do Rio Itajaí, Joinville e Jaraguá do Sul.

Transportes interurbanos depassageiros. Linha Lages –

Caxias do Sul. Acervo MTC.

Page 51: Livro Engrenagens Em Movimento

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Sobre os transportes coletivos intermunicipais e suas transformações, algumas curiosidades remetem as

percepções do controle e da intervenção pública relacionadas às percepções e iniciativas privadas. Em finais de

1939, por exemplo, encontramos registros nos jornais sobre linhas de “auto-caminhões mistos” realizando o

transporte de passageiros, juntamente com o de cargas variadas. O sr. Alcides Rebello, agente da linha Lages –

Anita Garibaldi – Capinzal, anunciava que em breve a empresa teria “modernos ônibus” para o transporte dos

passageiros (Correio Lageano, 21 de outubro de 1939). Outras empresas também ofereciam serviços semelhan-

tes. No entanto, em 25 de novembro de 1939, o Correio Lageano publica nota chamando a atenção destes

empresários e também dos passageiros para o Decreto nº. 14, daquele ano, que proibia o transporte misto, sob

pena de multa.

Motorista e caminhão Scania da Transportadora Perin.Publicada no Correio Lageano, em 1973. Acervo MTC.

Também em nota publicada no Correio Lageano, de 27 de setembro de 1940, o sr. Alcides continuava

oferecendo os serviços de auto-caminhão misto. As intenções do governo de por em prática uma regulamen-

tação mais sistemática no setor dos transportes rodoviários e do trânsito dos automotores, através da denomi-

nada Inspetoria de Veículos, só se efetivou com o passar dos anos, a partir do aumento do número de veículos

nas estradas e da consequente preocupação com questões de segurança e eficiência dos transportes. Tais crité-

rios se tornaram também motivos de anúncios publicitários de empresas que se adaptavam às regras dos

transportes e divulgavam, através dos jornais, o oferecimento de serviços qualificados. Por exemplo, as empre-

sas passaram a propagar que seus veículos eram sinônimos de modernidade e conforto, como anunciava,

entre outras, a empresa de Celso Batalha, que transportava passageiros entre Lages e Caçador.

Page 52: Livro Engrenagens Em Movimento

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Este movimento de veículos em toda a região estimulou o desenvolvimento do mercado de veículos. Em

fins da década de cinquenta, as principais marcas de veículos existentes no Brasil, também estiveram representa-

das em Lages, através de concessionárias e distribuidoras. A Ford (com a João Buatim S/A), a Chevrolet (com a

Casa Carl Hoepcke), a Volkswagen (com a Lages S/A.), a Mercedes Benz (com a Mercantil Della Rocca &

Broering S/A), a Vemag (com a Geral de Peças e Máquinas) e a Willys (com a Agência Marítima e Comercial

Samarco) atuavam todas no comércio de veículos, autopeças e serviços mecânicos especializados. Naquele mo-

mento, as relações entre a atividade madeireira e os veículos automotores foi tão significativa que, no início dos

anos sessenta, a Indústria e Comércio de Madeireiras Batistella investiu também no ramo de veículos, inaugu-

rando suas atividades no comércio de caminhões, através de uma nova empresa denominada Eletro Diesel

Batistella, ou simplesmente Ediba, e que se tornou a maior rede concessionária Scania do sul do Brasil, com

filiais em várias cidades. Na mesma década, foram também inauguradas em Lages as revendas de caminhões

FNM (Rodo Pinho S/A) e Mercedes-Benz (Corema - Companhia Revendedora de Motores e Automóveis).

Anúncio da revendedora Simca,em 1961. Jornal CorreioLageano. Acervo MTC.

No transporte de mercadorias, já a partir dos anos cinquenta, algumas empresas transportadoras, como:

Perin, Araldi e Rodolages foram as primeiras a se dedicarem integralmente ao ramo. Muitas das iniciativas

que surgiram em meados do século vinte e depois, estiveram ligadas ao transporte da madeira. Também

algumas empresas madeireiras tinham seus caminhões de transporte ou faziam parcerias com particulares,

como foi o caso da Indústria de Madeiras Batistella, que além dos contratos com autônomos e outras empresas

detinha uma frota própria de caminhões, para seu uso próprio no transporte madeireiro. Os principais per-

cursos eram São Paulo, Porto Alegre, o porto de Itajaí e Brasília, esta última mais especificamente na época da

construção da Capital Federal.

Page 53: Livro Engrenagens Em Movimento

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Algumas Empresas do Setor - Cidade de Lages – Anos sessenta11

Nome da Empresa

Desde

Atividades

Fundadores

Carlos Hoepcke 1944 Revenda de automóveis, peças e serviços da linha Chevrolet

Aderbal Ramos da Silva

Automóveis João Buatim

1946 Revenda de automóveis, peças e serviços para linha Ford

João Buatim

Distribuidora e Comercial Lageana

1949 Comércio atacadista em geral incluindo pneus

Werner Hoeschl e Walter Hoeschl

Lages S.A Automóveis

1951 Revenda de automóveis, peças e serviços Volkswagen

Gerson Vieira Lucena, Juvêncio Muniz e Antonio Gil Lucena

Pocai & Cia 1954 Oficina de serviços de retífica de motores e revenda de autopeças

Orlando Pocai, Emílio Secchi e Neri Pocai

Molas Piccoli 1956 Posto de serviço de molas e fábrica de molas

Cláudio Piccoli e Hélio Figueiredo

Tyresoles Lageana 1956 Posto de serviço de pneus: recauchutagem, montagem, etc

Willy Siwvertt

Casa do Carburador Moreira & Chiocca

1957 Posto de serviço mecânico de carburadores e comércio de peças

Júlio Moreira e Antídio Felice Chiocca

Autopeças Engrenaco Coral

1959 Posto de serviços mecânicos, comércio de combustíveis e revendedor de autopeças no varejo e atacado

Gentil Tortelli, Ambrósio Finardi, Walmor Finardi, Clélio Miola, Graciano Miola

Eletro Diesel Batistella

1961 Revenda de caminhões, peças e serviços Scania

Emílio Batistella e Ênio Marin

Corema 1963 Revenda de caminhões e motores Mercedes Benz

Bernardino Gevaerd e Wilmar Della Rocca

Minusa Tratorpeças 1967 Comércio e indústria de peças para tratores

Alexandre Kracik Rosa

Page 54: Livro Engrenagens Em Movimento

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Anúncio de veículos para otransporte pesado. Correio Lageano,

em 1959. Acervo MTC.

Para tentarmos acompanhar a dimensão do aumen-

to de tais demandas, é interessante trazermos o registro de

um levantamento feito por Licurgo Costa. Segundo ele,

no início dos anos oitenta, havia 42 de postos de combus-

tíveis de diesel, gasolina e álcool em Lages, 26 transporta-

doras de cargas, 6 transportadoras intermunicipais de pas-

sageiros e duas de transportes coletivos urbanos, além de

116 táxis, distribuídos em 11 pontos. (Costa, 1982, p. 921).

Tais números demonstram que houve entre os anos

cinquenta e oitenta um crescimento significativo da utili-

zação de serviços de transporte e do investimento privado

em atividades de serviços associadas aos veículos

automotores.

Blumenau, Joinville e Joaçaba foram cidades que tam-

bém se destacaram naquele momento de interiorização

do comércio e das iniciativas no setor econômico automobilístico, em Santa Catarina. Joaçaba, por exemplo,

se tornou o importante entreposto mais ao oeste do estado, consolidando-se como um ponto de ligação

fundamental entre os núcleos das colônias de migração italianas e alemãs de toda a região oeste, a partir da

estrada de ferro São Paulo – Rio Grande Sul, que desde os anos vinte atravessava a região Sul do Brasil no

sentido norte–sul.

Nos anos cinquenta, sessenta e setenta, houve intensa mobilização de diferentes setores sociais daquela

região por melhoramentos na ligação rodoviária entre Joaçaba e a área colonial do Vale do Rio Itajaí. Jaime

Scherer (2008), que foi representante de Joaçaba na comissão Pró-BR 282 asfaltada, afirma que foram inten-

sas as mobilizações pelo asfaltamento da estrada de ligação entre a BR 116 e a BR 153, no sentido leste-oeste,

passando por Joaçaba (hoje BR 470 e BR 282).

O mesmo Jaime Scherer (2008), empresário do setor de autopeças, conta que as atividades comerciais da

família começaram ainda no Rio Grande do Sul, com secos e molhados. No ano de 1942, o pai João Arnaldo

Scherer comprou, juntamente com o sogro, um pinhal na região de Joaçaba, estabelecendo-se na cidade. Em

seguida vendeu a serraria e associou-se com Albino Sganzerla, criando a empresa Sganzerla & Scherer para

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trabalhar na venda de caminhões e automóveis Dodge, no ano de 1948, tornando-se seu distribuidor para a

região do planalto, meio-oeste e oeste de Santa Catarina. Além dos veículos, comercializavam peças de repo-

sição de várias marcas e pneus e baterias Pirelli. Em 1959, investiram em outro segmento e criaram a Impor-

tadora Catarinense, extinguindo a oficina e a revenda de veículos, retomando a atividade comercial de gêne-

ros variados, secos e molhados. Em 1963, faleceu João Arnaldo Scherer, o pai de Jaime Scherer, que re-

estruturou seu ramo de atividades e criou a Sganzerla, Scherer & Cia, especialmente no ramo de comércio de

autopeças, entendendo que das atividades comerciais já experimentadas pela família, esta era a que se mostra-

va mais lucrativa e promissora.

João Arnaldo Scherer com a família,na travessia do rio Chapecó em balsa,

Termas de Chapecó, 1952.Acervo Jaime Scherer.

Page 56: Livro Engrenagens Em Movimento

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Jayme Scherer afirma que o movimento do comércio de peças na região de Joaçaba era fundamental-

mente aquele proporcionado pelos caminhões envolvidos nas atividades econômicas de transportes de madei-

ras e suínos, com destino para várias cidades da região e para capitais como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre.

Dez anos depois, em 1974, juntamente com os sócios, ampliou as atividades da área de varejo do comércio de

peças para o atacado, iniciando com vendedores externos, que viajavam a região do meio-oeste e oeste de

Santa Catarina, atendendo parte do Rio Grande do Sul e do Paraná.

Jayme Scherer

Jayme Scherer (2008) nasceu em Carazinho (RS), no ano de1936. Em 1948, o seu pai criou em sociedade com Albino Sganzerla,a empresa Sganzerla & Scherer, revenda de automóveis e cami-nhões Dodge, depois FNM e Alfa Romeo, na cidade de Joaçaba.Em 1959, foram desativando os negócios de revenda de veículos ecriaram a Importadora Catarinense S.A no setor de importaçãode gêneros variados. Em 1963, já a frente dos negócios, re-estruturouseu ramo de atividades e criou a Sganzerla, Scherer & Cia, especial-mente no ramo de comércio de autopeças e acessórios para auto-

móveis e caminhões multimarcas, juntamente com os sócios Albino Sganzerla e Armandio Rech. Em1974, juntamente com os sócios, ampliou as atividades na área do comércio de peças para o atacadoe iniciaram as atividades com vendedores externos, que viajavam a região do meio-oeste e oeste deSanta Catarina, atendendo parte do Rio Grande do Sul e do Paraná. Em 1976, reformularam asociedade, ficando Albino Sganzerla com a Importadora Catarinense, e Jaime Scherer, mais RuyKeller e suas respectivas esposas, Mildre Scherer e Leni Scherer Keller, como sócios da Scherer & Cia.Em 1984, a empresa foi transformada em Scherer S/A Comércio de Autopeças, ampliando oquadro social. Tornaram-se acionistas da empresa, os ex-funcionários Luiz Bee e Assir De Lucca,mais os filhos de Jayme: Carlos Alberto Scherer, Maria Cristina Scherer e Jacqueline SchererCaporrino. Em 1986, criaram a primeira filial, em Florianópolis, ampliando a participação nocomércio atacadista de autopeças em toda a Região Sul do Brasil. Em 1999, instalaram outra filialem Chapecó. Em 2002, compraram o estoque e a carteira comercial da empresa Marcon AutopeçasLtda, com sede em Lages e Joinville, ampliando o número de filiais, com o foco na ampliação doatacado e do varejo. Em 2004, instalaram outras duas filiais, uma em Criciúma e outra em Concór-dia. Em 2005, inauguraram mais uma filial, desta vez em Francisco Beltrão (PR), e no ano seguintemais outra em Santo Ângelo (RS).

No início dos anos setenta, surgem os primeiros empreendimentos atacadistas do setor de autopeças e de

lubrificantes em Lages e em Joaçaba. A Autopeças Engrenaco Coral cria, em 1969, o primeiro atacado de

peças da região, seguido por Jayme Scherer, que, em 1974, cria o atacado da Scherer S/A, em Joaçaba, e por

Aluísio Sens, que cria a Lubrilages, em 1974, atuando no atacado de lubrificantes para veículos automotores e

máquinas. Estas iniciativas interiorizaram no planalto e meio-oeste catarinense a distribuição de insumos para

veículos.

Page 57: Livro Engrenagens Em Movimento

57

Comércio atacado delubrificantes, nos anos70. Acervo Aluísio Sens.

Num contexto favorável pelo entroncamento de estradas, pela chegada do asfal-

to, pela economia da madeira e pelas iniciativas do setor, Lages tornou-se um impor-

tante centro interiorano de referência de comércio e serviços automobilísticos. Além

disto, com a conclusão da ferrovia Mafra – Lages – Roca Salles (RS), no ano de 1969,

foi criado em Lages um terminal de combustíveis representando o interesse de várias

companhias distribuidoras existentes no país, que passaram a entregar seus combustí-

veis a partir de Lages para todo o interior da região Sul. A carga chegava por trem e

era redistribuída aos postos de combustíveis do planalto e do oeste a partir dos reserva-

tórios de Lages. Esta atividade se tornou imprescindível para que os combustíveis che-

gassem à maioria das cidades mais distantes, em que o acesso por rodovias era sinuoso

e lento.

O terminal de combustíveis atuou até meados dos anos noventa, quando foi

desativado. A desativação do terminal parece ter prenunciado a crise de prestígio de

Lages, como ponto de paragem e polo de comércio e de serviços automotores. Du-

rante os anos noventa, a expansão da malha viária asfaltada foi altamente interiorizada

por toda a região, tornando mais acessível não só o transporte rodoviário dos com-

bustíveis, a partir dos terminais dos grandes centros, localizados nos estados de Rio

de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, mas que dinamizou e reconfigurou a

malha de transportes coletivos e de outras mercadorias, bem como o uso de veículos

nas estradas e nas cidades.

Page 58: Livro Engrenagens Em Movimento

58

De qualquer modo, a era automobilística já se difundira completamente em toda a região Sul. Os

automóveis, os caminhões, os tratores, as motocicletas, bem como as ruas, os sinais de trânsito e as rodovias

já estavam culturalmente impregnados nos modos de sociabilidade ou nas práticas cotidianas, bem como

nos imaginários coletivos e nas percepções das pessoas.

2. Cotidiano, trabalho e sociedade

Atividades profissionais como a de motorista, mecânico, vendedor, entre outras, dependeram, muitas

vezes, de conhecimentos práticos peculiares adquiridos no percurso de distintas trajetórias de vida. Tais ativi-

dades se tornaram fundamentais na era automobilística, entretanto, os variados atores sociais aí envolvidos,

as vivenciaram em diferentes circunstâncias.

Motorista e caminhão FNM com a carga fechada. Acervo Aluísio Sens.

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Anúncio de revenda deveículos, em 1971. CorreioLageano. Acervo MTC.

Lages foi se formando, tornando a cidade um polo de

referência de toda a Região Sul quando o assunto era servi-

ços ou comércio de insumos para veículos, a partir da déca-

da de cinquenta até os anos noventa.

Algumas atividades subsidiárias geraram novas formas

de comportamento, novas necessidades sociais, novas ativi-

dades de trabalho e novas relações sociais, que aconteciam

concomitantes a abertura e a ampliação de novas estradas

de rodagem, da infraestrutura de pontes e asfaltos e do cres-

cimento do número de veículos.

Este conjunto de mudanças alterou profundamente o

cotidiano e as mentalidades coletivas, fazendo com que os

veículos motores e a infraestrutura necessária para sua exis-

tência e mobilidade, cada vez mais fizessem parte das neces-

sidades, dos desejos e da vida das pessoas e das famílias, in-

fluenciado nas atividades econômicas e nas relações sociais.

A partir dos anos cinquenta, os serviços de transportes

de mercadorias, principalmente de madeira e de gado, fize-

ram crescer o número de veículos na região. As habilidades

de motorista, de serviços mecânicos e de vendedores de

autopeças passaram a fazer parte das necessidades cotidia-

nas fundamentais para o uso dos veículos. As atividades pro-

fissionais ligadas ao setor dos automotores se tornaram es-

pecialidades em que algumas habilidades mínimas eram

necessárias.

Antes da proliferação das revendas autorizadas, os ser-

viços mecânicos eram realizados nos anexos dos comércios

genéricos de importação e exportação que distribuíam pe-

ças de reposição para veículos, como também nos auto pos-

Page 60: Livro Engrenagens Em Movimento

60

tos de combustíveis, ou ainda na beira de ruas e estradas, como relata Valdir Casa (2009), sobre o início de sua

experiência com mecânica, em 1967, no Bairro Coral. “O serviço era feito na rua, em frente da loja. Às vezes

tinha que puxar uma lona para poder trabalhar protegido da chuva”.

Oficina especializada emelétrica automotiva. Iníciodos anos setenta, em Lages.

A atividade de mecânica para caminhões, nas especialidades de molas, freios, elétricas, caixas, diferenci-

ais e motores se desenvolveu amplamente no Bairro Coral e arredores, deslocando para lá todo o setor de

serviços mecânicos, antes localizados no centro da cidade. Eliseu Marcon (2009), que nasceu em 1949, em São

José do Cerrito, conta que em 1963, ele e seu primo Ulisses Marcon começaram como aprendizes na oficina

mecânica Eletro Telli, de Darci Telli (Cabeludo), com quem aprenderam o serviço de autoelétrica, enquanto

o seu irmão Elvo Marcon, empregara-se no mesmo ano e ramo na oficina Eletro Picinini, ambas no Coral.

Valmor Valcanaia (2009), nascido em 1939, na cidade de Rodeio, de família de agricultores de fumo,

café e outros alimentos, começou trabalhando com oficina mecânica em 1954. Foi para Lages em 1959, para

trabalhar na oficina da Auto Peças Posto Coral Ltda. Em 1966, Valmor abriu sua própria oficina. Em 1978,

deixou o negócio próprio, trabalhando de empregado na Retífica de Motores Pedrinho. Mais tarde, em 1987,

montou novamente oficina própria, exclusivamente na área de motores diesel.

Alguns mecânicos começaram como aprendizes, e com a prática se tornavam hábeis conhecedores de

mecânica geral, tornando-se requisitados por várias oficinas de serviços especializados. Outros investiram em

negócio próprio, apenas com a experiência adquirida na prática e contando com a demanda do enorme

movimento dos caminhões de transportes que circulavam por aquela área.

Page 61: Livro Engrenagens Em Movimento

61

Valdomiro Pontes, nascido em 1945, chegou à Lages, vindo da localidade rural de Vargem (SC), em

1972, decidido a tornar-se mecânico, depois de ter feito curso por correspondência, através do Instituto Uni-

versal Brasileiro. Trabalhou primeiro na oficina da Casa do Carburador de Moreira & Chiocca e, em seguida,

tornou-se mecânico na oficina de freios Lambari, onde continua em atividade.

Nos anos cinquenta e sessenta, o bairro Coral se consolidou como um centro de referência na área de

comércio de combustíveis, prestação de serviços mecânicos e de manutenção, mas também na área de reven-

da de autopeças. Algumas empresas, como a Auto Peças Posto Coral atuavam em vários segmentos do setor,

que iam desde a revenda de combustíveis, passando pelos serviços de mecânica até a revenda de peças. Outras

atuavam em mecânica e revenda e muitas somente com mecânica ou com revenda de peças ou com revendas

de combustíveis. O número de empresas no setor aumentou consideravelmente no período, e muitas pessoas

que viviam no bairro trabalhavam de alguma forma no ramo, como vendedores, mecânicos, motoristas,

funcionários de escritório e de limpeza, entre outras atividades formais e informais de trabalho.

Anúncio de revendedorde autopeças, no jornalCorreio Lageano, em1962. Acervo MTC.

Entre as mais diferentes atividades, a de vende-

dor tornou-se muito requisitada, sendo exercida por

vendedores experientes ou por aprendizes. Antídio Ne-

ves Souza (2009), nascido em Urubici, em 1943, conta

que, a partir de 1962, trabalhou em Lages como ven-

dedor de autopeças para veículos Chevrolet, na loja de

Carlos Hoepeck, até 1968. Conta que naquela época

os principais compradores de veículos e peças já era o

pessoal que trabalhava com madeira. Com o fechamen-

to da revenda Chevrolet, foi trabalhar na revenda Ford,

de João Buatim, gerenciada por Jorge Chediak, locali-

zada na estrada que ligava o Centro ao bairro Coral.

Entre 1971 e 1974, foi para Tubarão com a família tra-

balhar numa revenda Chevrolet. Em 1975, tornou-se

vendedor da loja Autopeças Engrenaco Coral e, mais

tarde, em 1984, passou a trabalhar na sessão de peças

da loja e oficina Freios Lambari, onde está até hoje.

Page 62: Livro Engrenagens Em Movimento

62

Alguns dos mais experientes vendedores de autopeças, em conhecimento técnico e no trato com os

clientes, eram disputados por diferentes empresas, ou migravam de atividade para chefias de seção, ou para as

atividades de vendedor externo, ou eram realocados em outras funções importantes, ou ainda passavam a ter

remunerações maiores que os vendedores mais novos, como estratégia de distinção e manutenção dos bons

vendedores nas empresas. Antes do surgimento das lojas exclusivas de autopeças, as atividades de vendedores

especializados eram exercidas por viajantes, ou representantes comerciais de grandes empresas localizadas em

São Paulo e Porto Alegre, ou ainda pelos primeiros funcionários treinados das revendedoras autorizadas de

veículos e peças que se instalaram na cidade.

Pessoal da empresaEngrenaco, em excursão,nos anos 70. Acervo NiltonJosé Marcon.

A empresa Autopeças Engrenaco Coral, de Lages, e a Scherer S/A, de Joaçaba, quando iniciaram com o

comércio de autopeças no atacado, transformaram os seus melhores vendedores de balcão em vendedores de

estrada. João Érico Esteves de Carvalho foi vendedor balconista da Engrenaco até o ano de 1969, quando

passou a viajar com uma Kombi carregada com peças miúdas, para venda a pronta entrega em cidades da

redondeza, como São Joaquim, Urubici, Anita Garibaldi e outras (Marcon, 2008). Por tal iniciativa, ocorria

naquele momento um processo de redinamização do setor, que passava da venda receptiva para uma estraté-

gia de mercado considerada mais agressiva, porque passava a buscar o cliente nas áreas mais longínquas do

interior dos estados da região Sul, principalmente onde não havia estradas asfaltadas ou os trajetos estavam

fora dos principais corredores do movimento rodoviário.

Lages, localizada a meio caminho entre Curitiba e Porto Alegre, foi novamente privilegiada pelo contex-

to de investimentos em infraestrutura rodoviária asfáltica, que reforçava a condição da cidade como lugar de

convergência de muitos caminhos, de paragem, de abastecimento e de passagem. Principalmente pela rapidez

Page 63: Livro Engrenagens Em Movimento

63

com que as empresas localizadas ali podiam receber as peças dos grandes centros produtores, prestando servi-

ço de manutenção quase que imediato ou estocando peças para fazê-las chegar com maior rapidez às oficinas

e lojas de outras cidades. Os acionistas da empresa Autopeças Engrenaco Coral, por exemplo, perceberam o

contexto e tornaram a empresa pioneira no atacado e uma das maiores distribuidoras de peças do Sul do País,

durante os anos setenta e oitenta (Marcon, 2008). Isto fez com que a qualificação profissional no setor se

desenvolvesse cada vez mais na região. A partir daí, surgiram muitas outras empresas no ramo automobilístico

e um grande, diversificado e experiente quadro de profissionais.

Nos anos setenta, surgiu a Tortelli Autopeças, formada por um ex-sócio da Engrenaco, também foi

criada a Autobor e a Distribuidora de Freios Coral, entre outras, formadas por ex-vendedores da Engrenaco.

Além disto, a partir da iniciativa de outros ex-vendedores de peças ou de ex-empregados de diferentes empre-

sas do ramo, surgiram outras empresas especializadas, como: Real Acessórios, Eletricar, Rolauto, Lampauto,

Fran-lu, Marcon Autopeças, Codipeças, entre tantas outras12. Houve uma explosão do ramo de comércio de

autopeças no bairro Coral, provocado pelo dinamismo do contexto automobilístico na região, que tornou a

cidade um dos mais importantes centros deste comércio, até o início dos anos noventa.

Mesmo com a progressiva queda do setor madeireiro, com o esgotamento dos pinhais nativos, o fato de

estar localizada numa das poucas conexões asfaltadas da região do País, até o início dos anos setenta, fez com

que o movimento intenso de veículos de cargas e automóveis permanecesse passando pela cidade até início

dos anos noventa. Outro fator importante para movimento do setor de autopeças, mecânica e combustíveis

fora o período em que o 20 Batalhão Rodoviário, o Departamento de Estradas e Rodagens e as empresas

Profissionais em curso decapacitação. Anos

setenta. Acervo NiltonJosé Marcon.

Page 64: Livro Engrenagens Em Movimento

64

construtoras de estradas, estiveram no interior de Santa Catarina realizando obras que dependiam do merca-

do de manutenção e abastecimento dos seus veículos automotores e máquinas.

Apenas nos anos oitenta, quando se proliferam rapidamente várias conexões menores entre outras

cidades, diminuindo o percurso que muitos motoristas faziam para alcançarem outros centros, Lages passou a

ficar de fora de muitas rotas, o que se deu de maneira ainda mais forte nos anos em que se seguiram até os dias

de hoje, com a ampliação da malha viária asfáltica. Além do mais, o mercado foi se modificando com o

advento de novas tecnologias de comunicação e a facilidade de acesso aos grandes centros foi aproximando as

cidades do interior. As atividades de trabalho foram sofrendo alterações em seu grau de importância. E ainda,

os grandes clientes, como as empreiteiras, o Exército e o Departamento de Estradas e Rodagens, que estavam

instalados na região, foram, a partir de então, deslocando suas atividades para lugares mais distantes.

Percebemos que as atividades no setor automobilístico foram masculinas por excelência e, que no caso de

Lages, mas também no caso de outros exemplos, alguns descendentes de imigrantes estiveram envolvidos em

tais iniciativas. Muitos deles chegavam a Lages quase sempre movidos pelas possibilidades de oportunidades

econômicas propagadas pela exploração da madeira, como foi o caso de Alcides e Aroldo Marcon, provenien-

tes de Videira, Antônio Sens (2008), oriundo de Angelina, Clélio José Miola, de Erechim, e Valdir Antônio

Casa (2009), de Tapejara, e ainda como no caso de Jaime Scherer (2008), que saiu de Carazinho, RS, para

Joaçaba, SC.

Alcides e Mafalda Marcon,com automóvel de serviçotáxi, entre os anos 60 e 70.Acervo pessoal.

Page 65: Livro Engrenagens Em Movimento

65

Um exemplo significativo de tal envolvimento é o da trajetória de Alcides Ludovico Marcon, nascido em

1928, em Bento Gonçalves, RS. Alcides migrou cedo com os pais para Videira, SC, onde a família montou uma

serraria. Lá casou com Mafalda e foi para São José do Cerrito, onde seu pai comprou um pinhal, e continuaram

no ramo de serraria, e onde aprendeu a dirigir. Com o fim da serraria, voltou com a família para Videira e

começou a trabalhar terceirizado com caminhão de transportes, levando madeira de Lages para Brasília e para

o porto de Itajaí. Depois, instalou-se no bairro Coral, onde construiu casa própria. De Videira, vieram também

os seus irmãos Antônio Marcon e Aroldo Marcon. Pouco tempo depois, Alcides vendeu o caminhão e comprou

um automóvel para trabalhar como taxista na área mais movimentada do bairro, a esquina da avenida Luiz de

Camões com a Presidente Vargas, seguido, posteriormente, pelo irmão Aroldo. Em 1976, Alcides acabou ven-

dendo o táxi e investiu, juntamente com os filhos, que já trabalhavam no ramo de autopeças, e mais outros

sócios, no negócio de comércio especializado em borrachas para automóveis e caminhões, a Autobor.

O motorista Waldemar Benthien Filho. Acervo MTC.

A atividade de motorista de caminhão, ônibus ou táxi, tornou-se profissão de vários práticos, que, muitas

vezes, aprendiam a dirigir na área rural e iam conhecendo veículos agrícolas, caminhões de vários tipos e

automóveis, aprendendo os princípios mais básicos do funcionamento dos automotores, bem como funda-

mentos de manutenção básica, assim como também adquiriam experiências no conhecimento das estradas e

de mobilidade em diferentes cidades e regiões. Alguns destes profissionais, depois de tornarem-se motoristas,

Page 66: Livro Engrenagens Em Movimento

66

acabaram por atuar na mesma atividade por toda a vida, mesmo que se alternando no tipo de transporte.

Outros ainda continuaram envolvidos com atividades relacionadas a veículos, mesmo que em outros ramos,

como o caso de Alcides Marcon.

Ciro Rodrigues Figueiredo (2009), nascido em Jaborá, SC, em 1949, conta que foi para Joaçaba com a

família, no ano de 1966. Em 1969, começou a trabalhar como motorista de caminhão na Construtora CR

Almeida, que atuava na área de estradas de rodagem. De Curitiba, transportava materiais utilizados na cons-

trução da BR 153 e da BR 282, nos trechos do meio oeste de Santa Catarina. Na mesma empresa, trabalha-

vam como motorista mais dois irmãos, Walmir e Mair Figueiredo. Concluídos os asfaltamentos sob responsa-

bilidade da empreiteira, em 1974, a empresa deixou a região, e Ciro foi transferido para Belo Horizonte, lá

permanecendo entre 1975 e 1976. Por falta de adaptação da família, retornou a Joaçaba. Em 1977, Ciro foi

trabalhar como motorista para a empresa Transportes Ratt, levando papel da Celulose Irani e grãos da região

de Joaçaba para o sudeste e o nordeste do País, trazendo betonite e cimento para Santa Catarina. Em 1980,

tornou-se motorista de ônibus da empresa Reunidas, fazendo a linha Joaçaba – São Paulo, através do percurso

que ia pela BR 116 até BR 153, depois Porto União, Curitiba e São Paulo. Em 1982, candidatou-se a uma vaga

como motorista do antigo Departamento de Estradas e Rodagens de Santa Catarina, e tornou-se motorista

responsável pelo deslocamento da chefia.

Motorista Ciro Figueiredo, nos anos de 1970. Acervo pessoal.

Page 67: Livro Engrenagens Em Movimento

67

A trajetória de vida de Jonas Hoefling, contada por Terezinha Hoefling (2009), também é marcada por

um envolvimento peculiar entre a profissão de motorista e as estradas. Terezinha conta que conheceu Jonas

em Ponte Alta, na década de cinquenta, e que naquele período ele já trabalhava como motorista. Como

outros jovens da mesma faixa etária, Jonas serviu no Exército, e foi lá que adquiriu conhecimento sobre

Jonas Hoefling na garagem doDepartamento Nacional de Estradas

e Rodagens. Acervo Pessoal.

mecânica e condução de veículos. Expirado o

prazo de reservista, passou a trabalhar para o

Batalhão13 como motorista. Na década de ses-

senta, junto com outros funcionários, Jonas

começou a trabalhar para o Departamento

Nacional de Estradas e Rodagens (16º Distri-

to Rodoviário Federal – Lages, SC). Até 1972,

Terezinha e Jonas residiram nas Companhi-

as de Vista Alegre e Monte Cristo, quando fixaram residência em Lages, no Bairro Coral. Jonas permaneceu

trabalhando para o DNER como motorista, conduzindo as professoras e alunos que residiam na Companhia

de Vista Alegre. Antes de se aposentar, em 1989, Jonas trabalhou como motorista dos engenheiros do DNER,

levando-os para acompanhar e fiscalizar as obras de reparos e melhoramento das estradas.

A família de Jonas Hoefling viveu com ele a experiência da itinerância, num contexto em que as rodovi-

as eram abertas e asfaltadas na região. De acordo com Terezinha Hoefling (2009), quando era determinada a

abertura de alguma estrada, era necessário fazer o deslocamento para as áreas de trabalho. Desta forma, os

caminhões e caçambas levavam as famílias dos trabalhadores das estradas para um local próximo da área de

serviço e ali montavam um acampamento. As casas eram de madeira e montadas e desmontadas a cada

mudança. Assim, conforme os trabalhos das estradas avançavam, mais pessoas eram alocadas nos acampa-

mentos. No espaço de dois a três anos se formavam pequenas vilas com igreja, armazém, escola, área de lazer,

oficina mecânica, farmácia, etc.

Page 68: Livro Engrenagens Em Movimento

68

O cotidiano nas Companhias era regrado pelo trabalho desenvolvido nas estradas. No início do dia os

homens saiam para o local de trabalho e as esposas e filhos permaneciam no acampamento. Ali realizavam as

atividades domésticas, cuidavam dos filhos e preparavam as refeições. Hoefling (2008) comenta que quem

olhava aquele “mato todo” não diria que depois de alguns anos estaria ali uma estrada com asfalto pronta para

ser usada conforme o desenho do engenheiro:

primeiro eles iam abrindo caminho cortando os matos, depois vinha as máquinas para tirar os tocos e galhos e limpa o

local (...) quando já tinha aberto aquele espaço iam arrumando as beiradas onde montavam casinhas para guardar as ferramentas e

materiais que usavam para montar a estrada (...) quando um já ia terminando um pedaço já vinha outro atrás fazendo o acabamento

(...) as vezes demorava ficar pronto porque se chovia não dava de esticar o asfalto (...) então se chovia tinha que fica parado.

Construção de pontesobre o rio Caveiras.

Acervo MTC.

Ônibus para condução das professoras.Acervo Terezinha Hoefling.

Page 69: Livro Engrenagens Em Movimento

69

Entre manobras, desenhos, ferramentas, máquinas e suor, os traçados das estradas tomavam forma,

pelas mãos daqueles trabalhadores e a companhia de suas famílias. Passando a maior parte do dia nas beiras

das estradas e dos caminhos a serem contornados, estas pessoas foram tomando parte no processo de amplia-

ção e melhoramento das estradas que dinamizaram os transportes rodoviários na região.

A presença marcante e cada vez maior dos veículos automotores como objetos comuns à sociedade do

século vinte, bem como o envolvimento de algumas pessoas com atividades profissionais direta ou indiretamente

implicadas pela construção de estradas e pelo movimento destes veículos, possibilitou o surgimento de experiên-

cias singulares e ao mesmo tempo compartilhadas por diferentes pessoas. O que fica evidenciado pelo contexto

do surgimento de distintas possibilidades econômicas de subsistência familiar, e de formas de relacionamentos

sociais, bem como pelas circunstâncias de novos estilos de vida, gostos, desejos e escolhas.

3. Sociabilidades, cultura e entretenimento

No contexto da era dos veículos automotores, as sociabilidades foram caracterizadas pela circulação de

amizades, de atividades sociais extraeconômicas, de eventos festivos de alta ou baixa amplitude, articulando

solidariedades e tensões entre as pessoas. Eventos políticos de inaugurações de obras públicas de infraestrutura,

como inaugurações de novas rodovias, de pontes e de trechos asfaltados, foram e são muito comuns até hoje.

Tais eventos tiveram a presença de políticos, autoridades eclesiásticas e militares, bem como de uma popula-

ção bastante diversificada.

Inauguração da pontesobre o rio Lavatudo.

Acervo MTC.

Page 70: Livro Engrenagens Em Movimento

70

Outras modalidades de eventos foram os promovidos pela iniciativa privada. Encontros festivos anuais para

comemoração do dia dos motoristas, promovido por representantes católicos e por empresas. Eventos esportivos

automobilísticos, como as corridas de rua – depois de autódromo – que aconteceram a partir dos anos quarenta.

Inaugurações de casas comerciais no ramo de combustíveis, de revendas de veículos e de autopeças. Realização de

eventos festivos por parte das empresas – para promoção de produtos, para premiações de vendedores, para

comemorações sociais do dia trabalhador, de aniversários ou de encerramento de ano letivo. Estes eventos

sociais propiciavam o encontro e a convivência entre pessoas envolvidas diretamente ou não com o circuito

econômico da era automobilística. As pessoas passaram a conviver com os objetos automotores incorporando

sua presença rotineira às suas motivações de encontro e de convívio, bem como aos seus desejos e aspirações.

Evento da Cofap, com a presença de autoridades municipais, anos 70.Acervo Nilton José Marcon.

Tais eventos estiveram permeados por sentidos de compartilhamento de visões de mundo, que não

necessariamente interagiam a partir da influência direta dos objetos automobilísticos, mas muito provavel-

mente a partir do que tais objetos significavam em um dado ambiente de entretenimento e de relações

sociais. Prestígio social, questões econômicas, laços hierárquicos e afetos estiveram em jogo. Além disto, os

eventos também se tornaram momentos onde os objetos automobilísticos podiam ser considerados protago-

nistas ou coadjuvantes dos mesmos, funcionando sempre a partir de sentidos simbólicos que estes foram

adquirindo em suas situações de uso social.

Page 71: Livro Engrenagens Em Movimento

71

As inaugurações de ruas, pontes, estradas abertas ou asfaltadas e outras obras de infraestrutura rodoviá-

ria, como eventos organizados pelo poder público, movimentaram – e movimentam – intensamente as pesso-

as das cidades em vários pontos da Região. Os eventos eram celebrados como sucessivos adventos da

“modernidade”, associando as obras à idéia de futuro promissor. No caso de Lages e seu entorno, as inaugura-

ções foram motivos para notícias elogiosas aos governos e para participação de autoridades públicas, políticos,

empresários, trabalhadores, mulheres e crianças, motivados pelos apelos públicos da relevância social desta ou

daquela obra. De qualquer modo, quando analisamos as fotografias ou a exposição de matérias nos noticiári-

os, percebemos que a ordem social do dia a dia se reproduzia nos papéis que cada um ocupava em tais circuns-

tâncias. As autoridades buscavam sempre alguma forma de capitalizar prestígio nas cerimônias.

Não muito diferente, foram os eventos que passaram a ser promovidos por empresas, tais como inaugu-

rações de novos empreendimentos, comemorações alusivas às datas sociais consideradas importantes ou às

premiações de melhores vendedores e funcionários. Ambas procuravam, no âmbito de uma dada atividade

comercial, atingir a ressonância dos eventos promovidos pelo poder público. O objetivo poderia ser o respal-

do social da atividade comercial ou o envolvimento coletivo das pessoas direta ou indiretamente ligadas pela

atividade da empresa, ou, ainda, o estímulo mais agressivo à venda de produtos. De qualquer modo, tais

estratégias acabavam por envolver muitas pessoas em torno da reprodução dos valores de consumo sobre os

objetos automotores.

Vendedores de autopeçasrecebendo premiação.Acervo Nilton José Marcon.

Page 72: Livro Engrenagens Em Movimento

72

A era dos automotores não alterou apenas discursos, mas uma série de outras formas de expressões e

práticas coletivas, sempre pautadas por noções de modernidade e progresso. As rodovias interligando áreas,

veículos transportando todos os gêneros de matérias, alimentos e pessoas, novas habilidades de trabalho,

outros conhecimentos de geografia, rotas e funções mecânicas incluídas na bagagem de quem circulava longas

distâncias, foram compondo constantemente o cotidiano da vida social das pessoas envolvidas nesse processo.

A expansão e a proliferação de veículos e rodovias, bem como as atividades que subsidiaram o processo de seu

desenvolvimento, da organização à sua consolidação, incluem-se num movimento irreversível.

Automóvel e amigos,na lateral do Hospital Nossa Senhora dos Prazeres,

no ano de 1919, em Lages. Acervo MTC.

O aumento da possibilidade de trânsito, a velocidade dos deslocamentos e as condições de realização

desses transportes foram, gradativamente, associados a novos valores e diferentes perspectivas de vida, traba-

lho e lazer. O desenvolvimento do transporte rodoviário, muito além de representar a forma geral de um

importante segmento econômico e político, também se tornou indicativo das alterações nas relações sociais e

no desenvolvimento cultural dessas cidades. Pelas estradas não circulavam apenas mercadorias, cargas e pesso-

Page 73: Livro Engrenagens Em Movimento

73

as, mas também idéias, informações e notícias de diferentes localidades que eram socializadas nos pontos de

paradas, nos destinos de viagem e nos eventos sociais.

Além disso, criou-se uma rede de relações de parentesco e amizade que se consolidou no desenvolvimen-

to desta atividade econômica. Tais relações caracterizaram as formas de sociabilidades emergentes daquele

contexto. Das inaugurações de postos de serviços às comemorações de confraternização entre os trabalhado-

res e empregadores, formoram-se redes sociais estabelecidas e estrategicamente fomentadas entre as partes

que estavam diretamente envolvidas no comércio e serviços do gênero.

Experiências, estratégias, solidariedades, modos de vida e relações de parentescos são características de

contextos econômicos em que os aspectos sociais, culturais e políticos precisam ser considerados. Como bem

salienta João Fragoso (2002, p. 4) “... trata-se de perceber esses fenômenos em meio à sociedade que os gerou;

um dos segredos para alcançar tal resultado seria acompanhar os agentes sociais; mediante seus nomes, nas

diferentes relações que compartilhavam”. Como vimos anteriormente, algumas pessoas e famílias estiveram

plenamente envolvidas em diversas atividades comuns. Através de registros orais, fotografias e jornais, perce-

bemos ainda a formação de sociabilidades nas confraternizações, inaugurações e outros eventos, assim como

nas relações de amizade e parentesco, também como parte fundamental das relações que permeavam um

amplo contexto social da era automobilística.

Churrasco de fim de ano comfuncionários. À esquerda,

João Arnaldo Scherer,e à direita seu sócio, Albino

Sganzerla, 1958. Acervofamília Scherer.

Page 74: Livro Engrenagens Em Movimento

74

Nos anos sessenta, mais precisamente no ano de 1963, foi noticiado com certo entusiasmo no Jornal

Correio Lageano (19 de junho de 1963), a inauguração das novas instalações da oficina mecânica do Comér-

cio de Automóveis João Buatim S/A, concessionária da Ford. Além do caráter efusivo, aliado aos argumentos

sobre as dimensões modernas e práticas da nova oficina, como sendo “dignas de um município progressista

como é Lages”, três questões apontadas textualmente na notícia sobre o evento chamaram a atenção: as

concepções de trabalho, os saberes constituídos e as relações sociais destacadas. Segue parte da notícia:

A inauguração das novas instalações mecânicas desta importante organização comercial de ramo automobilístico é

motivo de justo orgulho para os seus diretores, funcionários e operários, e também para seus inúmeros clientes e amigos que se

servem diariamente daquela firma. Modernamente instalada, com maquinários de primeira qualidade e com profissionais compe-

tentes, a Comércio de Automóveis João Buatim S/A está perfeitamente apta a bem servir seus amáveis fregueses dentro da

proverbial atenção e competência que lhe é peculiar. (...) enviamos nossos efusivos cumprimentos ao seu diretor Jorge Chediac, que

dentro do seu tradicional dinamismo e solicitude, bem asses-

sorados por seus abnegados colegas de diretoria, funcionários

e operários, tem sabido elevar bem alto o conceito do Comér-

cio de Automóveis João Buatim S/A, como uma das

propugnadoras do progresso econômico do nosso município

e da região. (Correio Lageano, 19 de junho de 1963).

Salvo o pouco modesto registro sobre o

brilhantismo da inauguração, expresso pela linguagem

jornalística da descrição sobre o evento, é possível no-

tar ainda a vinculação à idéia de um otimismo particu-

lar que se estende da diretoria aos funcionários e ope-

rários, incluindo os serviços e os produtos denomina-

dos de modernos e de alta qualidade. Serviços presta-

dos e produtos comercializados que aparecem associa-

dos à destreza ou competência. Assim como, o desta-

que das retóricas sobre as redes de relações, dizendo

que as novidades se destinam aos amigos e clientes, fa-

zendo analogias de estreitamento entre os vínculos

afetivos e comerciais.

As relações sociais estabelecidas nesse contexto não

se efetivaram apenas nas reuniões de confraternização,

nas festividades comemorativas, inaugurações e momen-

Evento da Vemag,noticiado no CorreioLageano, em 1963.

Page 75: Livro Engrenagens Em Movimento

75

tos de lazer, como apontamos anteriormente. Elas também se manifestaram na própria organização da estru-

tura do trabalho, no processo de aprendizagem das especialidades exigidas no ramo e na própria criação e

fundação de empresas do setor. Junto à perspectiva econômica, que atentava para um mercado – o de veículos

e o de autopeças, por exemplo – considerado promissor, emergiam várias alternativas de trabalho que se

tornaram características daquele contexto em que as redes de solidariedade pautadas no nível de parentesco e

na relação de amizade e confiança foram, muitas vezes, os fatores determinantes.

As relações familiares, bem como as relações de afetividade e confiança não se davam apenas em termos

institucionais, mas, sobretudo na dinâmica do ofício. Além das sociedades comerciais formadas na constitui-

ção de empresas do setor, identificamos também redes de trocas de saberes que permitiam a circulação de

conhecimentos acerca dos serviços e dos negócios, possibilitando um aprimoramento profissional pautado no

modo de fazer e na convivência entre familiares e amigos.

Os irmãos Eliseu, Elvo, Edemar e Edemir,ao lado do primeiro automóvel fusca adquirido.

Todos se tornaram especialistas práticos em autoelétrica.

Page 76: Livro Engrenagens Em Movimento

76

As reuniões sociais entre amigos de convívio e das relações de trabalho, como jantares, encontros festivos

e atividades desportivas, também foram características dos entretenimentos comuns, que reuniam vendedo-

res, mecânicos, motoristas, donos de empresas e seus funcionários, além dos familiares de todos eles. Tais

relações ultrapassaram as esferas das obrigações comerciais para o plano das relações afetivas. Mas elas não

foram necessariamente descomprometidas, e no seu horizonte, para além do entretenimento, a manutenção

dos laços comerciais e de trabalho reforçavam movimentos recíprocos de afetos e de hierarquias.

As corridas automobilísticas também atraíram grande público, e elas envolviam mecânicos, motoristas e

vendedores de veículos e autopeças. Mendes & Rosa (s/d) estudaram o assunto e destacam que, nos anos

quarenta, Lages já estava envolvida em provas automobilísticas de rua, representada por pilotos da própria

cidade. Segundo Mendes & Rosa (s/d), em 1940 os pilotos Iberê Corrêa e Ernesto Ranzolin participaram do

“Grande Prêmio Bi-Centenário de Porto Alegre”, num percurso de 2076 km, que saiu do Rio de Janeiro,

passando por São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Lages, com destino a Porto Alegre. Algumas imagens foto-

gráficas e textos de jornais enfatizam a presença do público e a importância social deste tipo de evento na

cidade. Ainda em 1940, a Auto Geral, revendedora de automóveis e peças, organizara a “I Prova Automobilís-

tica Cidade de Lages”.

Prova realizada em Lages. Acervo Júlio Mendes.

Page 77: Livro Engrenagens Em Movimento

77

Nos anos sessenta, o automobilismo continuava sendo um atrativo social de grandes públicos e foi

institucionalizado com a criação do Automóvel Clube de Santa Catarina, que, juntamente com o Automóvel

Clube de Lages, tornaram as corridas de rua mais frequentes. Várias provas foram disputadas na época. Entre

elas as “500 km de Lages”, as “3 horas de Lages” e as “6 horas de Lages”, sempre com a presença de homens

e mulheres de diversos grupos etários e sociais.

Prova 12 horas de Lages, em 1966. Acervo Júlio Mendes.

No regulamento da primeira prova “6 horas de Lages” encontramos um dos principais argumentos para

a realização de eventos do gênero. Diz o regulamento que “tendo em vista o desenvolvimento da indústria

automobilística e de autopeças e o divertimento público (...)”, o Automóvel Clube de Lages organiza a prova

denominada “Celso Ramos” (Mendes & Rosa, s/d).

Isto demonstra o quanto, nos anos sessenta, os automotores já estavam impregnados no cotidiano, prin-

cipalmente fazendo parte das horas de lazer e entretenimento, longe das finalidades exclusivamente utilitárias

do transporte de pessoas ou mercadorias. O fascínio exercido pelos objetos automotores popularizou o consu-

mo de caminhões, automóveis e motocicletas. Em meio à vibração, pela passagem dos carros, namoros inici-

avam, familiares se divertiam e crianças se encantavam.

Page 78: Livro Engrenagens Em Movimento

78

Os veículos se tornaram, assim, comuns em todo tipo de evento social, como no caso de acontecimentos

íntimos como os casamentos, onde o convidado que tivesse o automóvel considerado mais elegante e robusto

geralmente se tornava padrinho e ao mesmo tempo ocupava a tarefa prestigiosa de ser o motorista que

chegava ou que saia com os noivos da cerimônia. Os veículos automotores definitivamente passaram a estar

presentes nos mais distintos eventos sociais, passando a ocupar diferentes espaços e a expressar as funções mais

variadas, tanto simbólicas quanto utilitárias.

Em eventos íntimos, como casamentos, batizados e encontros de familiares e de amigos, reuniam-se

pessoas ligadas pelos vínculos afetivos do contato diário ou pelo envolvimento no universo comercial e lúdico

do contexto da era automobilística. Tais envolvimentos podiam expressar afetividades constituídas no percur-

so da relação de trabalho ou de negócio, mas também estratégias pela manutenção de vínculos de favores

mútuos.

Noivos e automóvel, no casamentodo mecânico Valmor Valcanaia eMaria Elisa Ferreira, nos anos 60.Acervo pessoal.

Page 79: Livro Engrenagens Em Movimento

79

Considerações finais

Talvez a região Sul do Brasil tenha lá suas peculiaridades com relação às características de como os

veículos automotores, as estradas de rodagem e o sistema rodoviário de transportes ingressaram na

vida das pessoas e constituíram representações e práticas econômicas, sociais e culturais. O certo é

que muitas outras regiões do Brasil e de outros países e continentes também agregaram a seu modo a presença

rotineira destes objetos, ao longo das décadas do século vinte.

Se foi possível pensarmos nas peculiaridades da Região,

precisamos salientar que este também foi um exercício pelo

balizamento de um tema que é muitíssimo amplo e que não

pretendemos esgotar sequer em termos regionais. Cabe di-

zermos, por exemplo, que muitos protagonistas ficaram de

fora, pois priorizamos uma contextualização a partir dos exem-

plos de algumas trajetórias de vida, fotografias, fragmentos

de jornais e documentos, com o intuito de priorizarmos a

realização de análises do contexto cultural da era dos

automotores, bem como de seus processos de intervenções

local.

Deixamos de lado, por exemplo, nomes e fatos diversos,

bem como as iniciativas na área da indústria de autopeças na

região e principalmente todo período que vai dos anos oiten-

ta em diante. Mais precisamente sobre este último, conside-

Vendedor de estrada,meados do século vinte.Acervo MTC.

Page 80: Livro Engrenagens Em Movimento

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ramos que os anos oitenta mereceriam uma análise particular, por conta das mudanças ocorridas no mercado

automobilístico, ao mesmo tempo em que a dinamização da infraestrutura viária e urbana cresce vertiginosa-

mente se comparada com a de outros períodos, bem como as redes e os processos de comunicação se alteram

profundamente com a chegada e popularização dos microcomputadores e em seguida do fax e da internet,

que se tornam novos objetos presentes na vida das pessoas.

De antemão, e para finalizarmos, podemos dizer que as décadas anteriores constituem o processo de

consolidação da vida social e cultural entre os automotores na Região. Vimos como Lages passou a ocupar um

espaço privilegiado em determinado contexto, assim como estudos sobre as décadas posteriores poderiam

refletir sobre as atuais características do envolvimento social das pessoas com os automotores, as novas dinâ-

micas econômicas e o papel da região na sua relação com o setor, bem como as representações e práticas sociais

existentes nestes novos tempos da ampla difusão do consumo de veículos e da hegemonia da sociedade rodo-

viária.

Page 81: Livro Engrenagens Em Movimento

81

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Page 83: Livro Engrenagens Em Movimento

83

Notas

1 Sobre o tropeiro e o tropeirismo ver HELKE, Cyro. A conquista do planalto catarinense. Rio de Janei-

ro: Laudes, 1973.

2 Toni Vidal Jochem in: http://www.tonijochem.com.br/livro_caminhos_integracao. htm

3 Atas da Câmara Municipal da cidade de Lages e dos Relatórios dos Agentes Fiscais da mesma corporação

disponíveis no Arquivo do Museu Histórico Thiago de Castro – Lages/SC.

4 Dados e denominações literalmente retiradas de tabela publicada no Jornal Correio Lageano em 25 e

Janeiro de 1940.

5 Dados e denominações literalmente retiradas de tabela publicada no Jornal Correio Lageano em 25 e

Janeiro de 1940.

6 Ver IBGE, 1990 - Estatísticas Históricas do Brasil de 1550 a 1988.

7 Ver IBGE, 1990 - Estatísticas Históricas do Brasil de 1550 a 1988.

8 Informações retiradas de Licurgo Costa (1982).

9 Informações retiradas da página oficial da empresa na rede internacional de computadores:

www.catarinense.net

10 http://www.reunidas.com.br/reunidas/sobre/historia.html

11 Este quadro foi elaborado a partir de informações obtidas através de entrevistas, de pesquisas nos

jornais Correio Lageano dos anos quarenta em diante, bem como do livro de Licurgo Costa (1982).

12 A empresa Real Acessórios já existia no centro de Lages, como Pamplona. Fidelis D’Agostini comprou-

a em 1964 e vendeu para Oneide Dambrós, em 1966, e a transformou em atacado, nos anos 80. O mesmo

Fidelis D’Agostini, antes disto, teve loja e oficina para automóveis e caminhões já em 1954, em Lages, criando

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a Dival Distribuidora de Veículos, no ano de 1960, na movimentada esquina do bairro Coral. A Rolauto foi

criada por Hildo Córdova, ex Real Acessórios, em 1980, e atuou como atacado de peças elétricas até 1993. No

início dos anos 80, o ex-sócio da Engrenaco, Nelo Cunha, comprou a Coremma , na cidade de Blumenau,

criando outra empresa importante na área de autopeças, parafusos e ferragens.

13 Nesse período estava instalado o 1º Batalhão Ferroviário que na década de 1970 passa para 10º Bata-

lhão de Engenharia e Construção – Lages-SC.

Page 85: Livro Engrenagens Em Movimento

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Entrevistas

ANDRADE, José Osmar de Andrade. Realizada por Eveline Andrade, em Lages, 2009.

ANDRADE, Maria Luizabel Andrade. Realizada por Eveline Andrade, em Lages, 2009.

CASA, Valdir. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

FIGUEIREDO, Ciro. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

HOEFLING, Terezinha Aparecida Borba Ribeiro. Realizada por Eveline Andrade, em Lages, 2009.

MARCON, Eliseu. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

MARCON, Mafalda Ida. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

MARCON, Nilton José. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2008.

POLICARPO, Gerônimo Leriano. Realizada por Eveline Andrade, em Lages, 2009.

SCHERER, Jayme. Realizada por Frank Marcon, 2008.

SENS, Aluísio. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2008.

SOUZA, Antídio Neves. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

VALCANAIA, Valmor. Realizada por Frank Marcon, em Lages, 2009.

Page 86: Livro Engrenagens Em Movimento

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Fontes

Documentos – Acervo do Museu Histórico Thiago de Castro (MTC).

Jornal Correio Lageano – 1939 a 1979.

Livros Atas da Câmara de Lages – 1870 a 1900.

Livros Atas da Câmara de Lages – 1905 a 1910.

Relatórios do Município de Lages – 1870 a 1890.

Page 87: Livro Engrenagens Em Movimento

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Page 88: Livro Engrenagens Em Movimento

Este livro foi com-

posto no estúdio da Le-

tras Contemporâneas,

em Florianópolis, com a

fonte Goudy, e impresso

na gráfica Nova Letra,

em Blumenau, em outu-

bro de 2009.