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Livro didático: é preciso ficar atento/a! Atuação do Coletivo da Igualdade Racial da APP e Acnap junto ao Ministério Público do Paraná garante mudança em conteúdo de livro didático O Coletivo Estadual de Promoção da Igual- dade Racial na Educação da APP-Sindicato e a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap) mudaram conteúdo negativo sobre a participação do povo negro na história do Bra- sil. O novo conteúdo do livro didático público "Coleção Conversando sobre História - 3ª série", de Francisco Coelho Sampaio, foi apresentado pela gerente editorial de livros e periódicos da Editora Positivo, Valéria Rodrigues e Silva, du- rante reunião na sede do Ministério Público do Paraná (MPPR) com representantes do coletivo, da Acnap e do promotor de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Educação, Clayton Maranhão. Alterações: Publicado pela Editora Positivo, o livro não atendia aos preceitos da Lei Federal 10.639 e do Parecer 04/06 do Conselho Esta- dual de Educação do Paraná (CEE/PR). Com a denúncia do coletivo e a interferência do MPPR, o novo conteúdo valoriza a riqueza sociocultural e econômica do continente africano, desfazendo- se de visões estereotipadas e depreciativas. As modificações em 19 páginas da unidade 3 da Coleção incluem substituições de ilustrações que denotavam mais explicitamente a intolerân- cia racial, a exclusão da obra “Cana”, de Cândido Portinari, e do título que abre o capítulo 3. As alterações contemplaram a reivindicação do Coletivo de Igualdade Racial da APP-Sindicato. Com o novo conteúdo inicia-se um processo de valorização sobre a contribuição do povo negro na sociedade brasileira, impossibilitando que o estudante negro venha ficar com a estima re- baixada. Por fazer parte do Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação (PNLD/MEC), os livros só estarão disponíveis em 2009. Denúncia – Meses antes da conquista, representantes do Coletivo Racial da APP e da Acnap se reuniram com o promotor da justiça para que fosse acolhida a carta-denúncia pro- tocolada pelo professor e ativista do movimento negro, Edmundo Silva Novais, no MP de Londrina. Em março de 2007, Novais pediu a retirada de circulação do livro, por entender que descumpria as legislações vigentes. A obra, que não atende a vigência da Lei 10.639 e do Parecer 04/06, integra o PNLD/MEC e é adotado na rede pública de Londrina. Trechos da carta - "O que inicialmente cha- mou a nossa atenção é o exagerado número de imagens (reproduções de telas, fotografias e ilustrações) em que pessoas negras apare- cem em situação degradantes, de submissão, humilhação e maus tratos. Em 25 imagens aparecem pessoas negras. Em 14 delas essas pessoas aparecem em situações degradantes, de submissão, humilhação, violência e maus tratos. Dez imagens mostram pessoas negras apanhando ou sendo oprimidas por pessoas brancas. Entre essas imagens estão pinturas clássicas e, em particular, a que nos chocou, chama a atenção por ser uma ilustração em que crianças estão acorrentadas pelo pescoço, demonstrando desespero e agonia.(...) Qualquer Os/as educadores/as que identificarem livros ou materiais que descumpram a legislação vigente sobre as relações étnico-raciais poderão comunicar o Co- letivo Racial da APP através do e-mail: [email protected]. desavisado pode perceber que há, nesse livro, um exagero no número de vezes em que é repetido a terminologia "escravo/a". Contamos, rapidamente, 73 vezes. Entre essas repetições, intercalam-se algumas vezes os termos "negros" e "africanos", o que pode fazer com que as crianças acreditem que "negros", "africanos" e "escravos" são sinônimos". O professor também encaminhou o docu- mento para o MEC, Secretaria de Estado da Educação (Seed-PR), Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR), Editora Positivo e escola estadual Carlos Dietz. Rompendo silêncios - O Coletivo da Pro- moção da Igualdade Racial da APP criou uma comissão especial para o acompanhamento de livros e materiais didáticos. Os/as professo- res/as Maria Moreira, Romeu Miranda, Celso Santos, Luiz Paixão, Edmundo Novaes, Raquel Costa, Idalina Vieira e Onasayo Figueiredo estão desenvolvendo critérios para auxiliar os/as edu- cadores/as na avaliação da qualidade dos livros ou de materiais didáticos que descumprem a legislação vigente sobre as questões raciais. O coletivo analisa criticamente, no momento, os livros didáticos das editoras Moderna, Positivo, Saraiva, Scipione, Ática, FTD e Formato, doados pelo promotor Clayton Maranhão. São livros ofi- ciais de história que integram o PNLD/MEC. Desde 2003, o Coletivo Estadual da Promo- ção da Igualdade Racial da APP vem debatendo relações étnico-raciais, classe e educação. Atualmente, o coletivo de professores/as tem priorizado a implementação da Lei 10.639 nas escolas. Novo conteúdo valoriza a riqueza sociocultural e econômica do continente africano. Na foto, comércio no Cairo (Egito) The Mansell Collection, Londres

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Livro didático: é preciso ficar atento/a!Atuação do Coletivo da Igualdade Racial da APP e Acnap junto ao

Ministério Público do Paraná garante mudança em conteúdo de livro didático

O Coletivo Estadual de Promoção da Igual-dade Racial na Educação da APP-Sindicato e a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap) mudaram conteúdo negativo sobre a participação do povo negro na história do Bra-sil. O novo conteúdo do livro didático público "Coleção Conversando sobre História - 3ª série", de Francisco Coelho Sampaio, foi apresentado pela gerente editorial de livros e periódicos da Editora Positivo, Valéria Rodrigues e Silva, du-rante reunião na sede do Ministério Público do Paraná (MPPR) com representantes do coletivo, da Acnap e do promotor de justiça e coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Educação, Clayton Maranhão.

Alterações: Publicado pela Editora Positivo, o livro não atendia aos preceitos da Lei Federal 10.639 e do Parecer 04/06 do Conselho Esta-dual de Educação do Paraná (CEE/PR). Com a denúncia do coletivo e a interferência do MPPR, o novo conteúdo valoriza a riqueza sociocultural e econômica do continente africano, desfazendo-se de visões estereotipadas e depreciativas. As modificações em 19 páginas da unidade 3 da Coleção incluem substituições de ilustrações que denotavam mais explicitamente a intolerân-cia racial, a exclusão da obra “Cana”, de Cândido Portinari, e do título que abre o capítulo 3.

As alterações contemplaram a reivindicação do Coletivo de Igualdade Racial da APP-Sindicato. Com o novo conteúdo inicia-se um processo de valorização sobre a contribuição do povo negro na sociedade brasileira, impossibilitando que o estudante negro venha ficar com a estima re-baixada. Por fazer parte do Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação (PNLD/MEC), os livros só estarão disponíveis em 2009.

Denúncia – Meses antes da conquista, representantes do Coletivo Racial da APP e da Acnap se reuniram com o promotor da justiça para que fosse acolhida a carta-denúncia pro-tocolada pelo professor e ativista do movimento

negro, Edmundo Silva Novais, no MP de Londrina. Em março de 2007, Novais pediu a retirada de circulação do livro, por entender que descumpria as legislações vigentes. A obra, que não atende a vigência da Lei 10.639 e do Parecer 04/06, integra o PNLD/MEC e é adotado na rede pública de Londrina.

Trechos da carta - "O que inicialmente cha-mou a nossa atenção é o exagerado número de imagens (reproduções de telas, fotografias e ilustrações) em que pessoas negras apare-cem em situação degradantes, de submissão, humilhação e maus tratos. Em 25 imagens aparecem pessoas negras. Em 14 delas essas pessoas aparecem em situações degradantes, de submissão, humilhação, violência e maus tratos. Dez imagens mostram pessoas negras apanhando ou sendo oprimidas por pessoas brancas. Entre essas imagens estão pinturas clássicas e, em particular, a que nos chocou, chama a atenção por ser uma ilustração em que crianças estão acorrentadas pelo pescoço, demonstrando desespero e agonia.(...) Qualquer

Os/as educadores/as que identificarem livros ou materiais que descumpram a legislação vigente sobre as relações étnico-raciais poderão comunicar o Co-letivo Racial da APP através do e-mail: [email protected].

desavisado pode perceber que há, nesse livro, um exagero no número de vezes em que é repetido a terminologia "escravo/a". Contamos, rapidamente, 73 vezes. Entre essas repetições, intercalam-se algumas vezes os termos "negros" e "africanos", o que pode fazer com que as crianças acreditem que "negros", "africanos" e "escravos" são sinônimos".

O professor também encaminhou o docu-mento para o MEC, Secretaria de Estado da Educação (Seed-PR), Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE/PR), Editora Positivo e escola estadual Carlos Dietz.

Rompendo silêncios - O Coletivo da Pro-moção da Igualdade Racial da APP criou uma comissão especial para o acompanhamento de livros e materiais didáticos. Os/as professo-res/as Maria Moreira, Romeu Miranda, Celso Santos, Luiz Paixão, Edmundo Novaes, Raquel Costa, Idalina Vieira e Onasayo Figueiredo estão desenvolvendo critérios para auxiliar os/as edu-cadores/as na avaliação da qualidade dos livros ou de materiais didáticos que descumprem a legislação vigente sobre as questões raciais. O coletivo analisa criticamente, no momento, os livros didáticos das editoras Moderna, Positivo, Saraiva, Scipione, Ática, FTD e Formato, doados pelo promotor Clayton Maranhão. São livros ofi-ciais de história que integram o PNLD/MEC.

Desde 2003, o Coletivo Estadual da Promo-ção da Igualdade Racial da APP vem debatendo relações étnico-raciais, classe e educação. Atualmente, o coletivo de professores/as tem priorizado a implementação da Lei 10.639 nas escolas.

Novo conteúdo valoriza a riqueza sociocultural e econômica do continente africano. Na foto, comércio no Cairo (Egito)

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Educação com Raça e Classe

Coletivo Estadual de Promoção da Igualdade Racial da APP-Sindicato Agosto 2008

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Imagine andar, a pé, cerca de 30 quilômetros carregando uma pessoa nas costas. Era assim que os ascendentes de dona Vani Rodrigues (66), moradora da comunidade Faxinal de São João, localizada na serra do Apon, 65 quilômetros do município de Castro, eram levados para o destino último. “Carregava o defunto nas costas o dia inteiro, com sol quente, chuva, passando fome”, relembra dona Vani ao falar dos parentes que retornam a sua memória para contar a saga dos hoje quilombolas da região.

Enterrados no distrito de Socavão, a 40 quilôme-tros de Castro, os/as negros/as rebeldes da região ainda continuam vivos e com muitas histórias para contar por meio dos seus descendentes. E precisam contar, já que durante a reportagem, numa visita ao museu da cidade, estranhamente não há referências sobre eles.

A historiografia local e os próprios historiado-res da região que resgataram a saga dos rebeldes da Fazenda Capão Alto reconhecem que eles têm muito para falar. As pesquisas da professora Laura Marques, a tese de doutorado do professor doutor em História, Eduardo Spiller Pena, resgatam a vida destes/as negros/as.

Segundo a professora Laura, a história dos/as negros/as de Castro pode ser contada a partir da Fazenda Capão Alto, mas olhando para os de baixo, os que moravam na senzala.

Em 1854, a fazendo foi vendida pelos padres carmelitas para os paulistas. Enquanto os novos

proprietários não chegavam, os escravos conside-rados ‘livres’ que lá viviam, alternavam a direção da fazenda de tempos em tempos. A chefia geral era entregue à Nossa Senhora do Carmo, a “Sinhara”, a quem eram devotos. Quando os paulistas chegaram, quiseram levar os/as negros/as para trabalhar nas lavouras de café, mas estes resistiram. É aqui que começa a verdadeira história que não quer ser con-

tada, a da existência dos quilombolas de Castro.O espaço que guarda a memória da região nega

a existência de quilombos. Ignora as mais de 100 famílias de escravos fugidos da fazenda Capão Alto e que até hoje moram em casa de chão batido, sem água encanada e praticando agricultura de subsis-tência para sobreviver.

Hoje eles se juntam as 1.249 comunidades que já receberam certificação de reconhecimento de terra quilombola pela Fundação Cultural Palmares e ao programa Brasil Quilombola, que já mapeou mais de 4,5 mil quilombos no país. A professora Laura explica como se formaram os quilombos. "Apenas 24 escravos foram transferidos para São Paulo, os demais fugiram. Os adultos receberam uma ordem da santa protetora deles, doaram os filhos para as famílias de Castro e fugiram. Hoje eles são três.

Educação quilombola:

Anda-se mais de 60 quilômetros de carro para avistar o primeiro quilombo, o da Serra do Apon, mas, ‘oficialmente’, há outros dois na região: Mamans e Limitão. O quilombo da Serra do Apon, composto hoje por 31 famílias, divide-se nas comunidades Paiol do Meio, Faxinal de São João, Santa Quitéria e Lagoa dos Alves. Mamans possui 25 famílias e o Limitão, 28. Ao todo, segundo dados do Grupo de trabalho Clóvis Moura, que trata da questão quilom-bola no Estado, são 73 famílias na região de Castro, totalizando 294 pessoas.

Ser quilombola não é motivo de orgulho, mas hoje representa muito para as famílias da Serra do Apon, que tiveram, no dia 14 de julho de 2005, a certidão de reconhecimento da Fundação Palmares. E criaram, no mesmo ano, a Associação das Comu-nidades Rurais Negras de Castro. A partir da certifi-cação, as comunidades podem buscar no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) o direito de obter a posse definitiva de suas terras, melhores condições de vida e garantir o acesso aos seus direitos.

Em duas horas de carro, em meio à geografia do local, composta de serras, capões, grutas e en-frentando uma estrada estreita e esburacada, muita poeira e falta de sinalização, chega-se à comunidade Faxinal de São João. Foi para lá que parte dos/as

Comunidade Faxinal de São João / Serra do Apon

para os que vivem e para os que nascemnas comunidades remanescentes de quilombos

A equipe de reportagemda APP visitou o museu da cidade e,estranhamente, não viu referências

sobre os quilombolas.

Quilombos do Estado - No Paraná, das 73 comunidades com as características quilombolas, 36 delas já foram certificadas. Há ainda 6 não certificadas, 28 com indicativos e 3 em situação especial. Acima, registro do cotidiano da Comunidade Faxinal de São João. No centro, professora Laura Marques com os quilombolas.

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negros/as da fazenda Capão Alto foram e ficaram. Na chegada ao local, duas mulheres retornam com vasilhas de água que foram buscar para o consumo. A água encanada ainda não chegou, mas os canos foram levados pela prefeitura municipal depois que uma matéria foi exibida na TV local.

Dona Vani recebeu a reportagem da APP-Sindi-cato e começou a contar a história dos antes dela. Contou a dos muitos antes e dos mais recentes, seus pais. Segundo ela, em 1942, a resistência do pai o livrou de perder a vida e a terra onde hoje ela mora. “Quando eu tinha 8 anos, o meu pai estava jurado de morte. Trinta homens queriam matar ele para tomar a terra. Por causa desses grileiros meu pai ficou fugido durante 6 meses”, recorda.

Mas as terras também foram tomadas de ou-tras formas. Hoje ela vive em uma das seis casas numa área de meio alqueire que, além de fatos, guarda objetos históricos utilizados nas atividades domésticas.

Conta dona Vani que lá se vive da cultura da subsistência. “A gente planta só pra comer”. Cul-tivam milho, feijão, mandioca, batata-doce. Criam galinhas, porcos, vacas para o leite das crianças e dois cavalos para o trabalho na lavoura. Muitos trabalham de bóia-fria e também arrendam terras.

A condição de vida tem melhorado, mas não muito. A energia elétrica chegou há 3 anos, mas o projeto de uma horta comunitária levado pela Emater está estacionado há meses.

Educação quilombola - A falta de óculos não impedia que os mais velhos estudassem. As aulas do Programa Paraná Alfabetizado eram dadas pela educadora Valdicléia Marcondes, na casa da dona Vani. O quadro negro, a lousa e o giz foram levados pela coordenadora do projeto, a professora Laura Marques, que explicou como funcionava a ‘sala de aula’. “No Paraná Alfabetizado usamos o sistema de coordenação, professor e alunos. Como aqui não tem igreja e escola própria e eles queriam que a ‘es-cola’ fosse dentro dos quilombos, improvisávamos este espaço. Trouxemos os materiais necessários e a professora, que era quilombola, vinha para cá de ônibus, três vezes por semana”, aponta.

Laura conta que o projeto durou apenas seis meses por desistência de alguns e porque outros tiveram de trabalhar, mas lembra que eles têm interesse em continuar. “Tem que ter um incentivo para a escola voltar novamente a funcionar, porque depois do programa eles têm chances de fazer a Educação para Jovens e Adultos (EJA)”, incentiva.

Dos adultos que não aprenderam quando crian-ça, porque o professor os desqualificavam, poucos saber ler e escrever, conta Valdinéia Rodrigues dos Santos, filha de dona Vani. “Muitos daqui não sabem ler direito. O nosso professor nos maltratava, xingava de negro, quebrava régua na gente. Era um professor sem educação. Quando eu estudei na Serra (escola

rural) eu não sabia nada. Fui aprender na cidade. Ele dizia que nós não aprendíamos porque tínhamos a cabeça ruim”, revolta-se.

“E esses adultos vão continuar distante da educação caso não seja construído um local para eles estudarem e não se atinja o mínimo de sete alunos para poder dar continuidade ao projeto”, destaca Laura.

Mesmo sem estudar, dona Vani reconhece a importância da educação e de conhecer mais sobre a nova identidade quilombola. “Eu não sabia que a gente era quilombola. Sabia que nós éramos negros, mas não que a gente tinha tanto valor; que existíamos no mundo. Porque o negro de primeiro não era gente; era escravo. Na escola não ensinava o povo moreno, judiava e colocava de castigo, mas os brancos não”, relembra.

Serão os mais novos, as crianças e adolescen-tes, que terão contatos com os livros que ficam na ‘biblioteca local’, uma estante com quatro pratelei-ras que guardam os livros do Programa de Bibliote-cas Rurais Arca das Letras. Criado em 2003 pela Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, serve para incentivar a leitura e facilitar o acesso aos livros em assenta-mentos, comunidades de agricultura familiar e de remanescentes de quilombos.

Elas são atendidas na escola municipal rural Serra do Apon. Segundo a coordenadora das es-colas municipais rurais da secretaria municipal de educação de Castro, Ana Karina Sens, a escola tem 60 alunos no ensino fundamental de 1ª a 4ª série e conta com três professores. No distrito de Socavão os estudantes cursam da 5ª a 8ª série e o ensino

Denúncias - Em julho, no município de Doutor Ulysses - Vale do Ribeira, divisa do Paraná com São Paulo -, três casas da Comunidade Quilom-bola do Varzeão foram incendiadas. Durante o atentado, cerca de vinte pessoas que estavam no local, onde vivem 56 pessoas numa área de 800 alqueires, viram-se obrigadas a se refugiar dentro da mata e ficaram escondidas durante várias horas. Para saber mais sobre este fato leia este artigo na seção “Coletivos” no portal da APP-Sindicato: Milicianos armados acobertados pela polícia civil aterrorizam comunidade quilombola.

médio. No Limitão, região de acesso mais difícil, há uma escola nuclearizada rural municipal chamada São Luis dos Machados, que também atende 60 crianças.

Os poucos adolescentes pretendem avançar nos estudos. Giovane Rodrigues da Silva cursa o ensino médio e quer ser professor de história ou geografia. O colégio Estadual Fabiana Pimentel poderia ser um caminho para a profissão, porém ainda não oferece curso de magistério. Outra opção seria incentivar os/as adolescentes a desenvolver uma habilidade profissional no colégio agrícola, no entanto, também não há prioridades para se atender alunos quilombolas.

Enquanto Giovane não se torna um professor de história, a solução é ouvir e aprender cada vez mais sobre suas raízes. E também fazer como dona Vani: contar a história dos que se foram para os que vivem e para os que nascem.

Quem são os quilombolas? - Quilombolas são descendentes de escravos ou ocupantes de comuni-dades remanescentes de quilombos, que hoje lutam pela titulação das terras ocupadas, direito garanti-do pela Constituição de 1988, no artigo 68: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos".

O referido artigo ganhou força com o governo do presidente Lula, quando foi publicado o decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos.

Há 20 anos, a instituição vem constantemente lutando pelo reconhecimento e valorização dos povos negros, pela preservação da cultura afro-brasileira, escondida por anos devido ao preconceito e à discriminação racial. Desde 2004 realiza um trabalho de mapeamento e registro de comunidades quilombolas em territórios brasileiros.

Colaboração:Jane Marcia Madureira Arruda - Secretaria de Imprensa e Divulgação do NS Curitiba Norte.

1749 – Neste ano, a fazenda foi levada a leilão e arrematada por José do Goes Moraes.1754 – Muito religioso, Moraes a transfere aos padres de Nossa Senhora do Carmo (SP). Todo o trabalho era executado pelos escravos rebeldes das fazendas, doados pelos seus donos para os carmelitas os disciplinarem com trabalho e oração. 1770 – Os carmelitas saem do Paraná e deixam a fazenda sob os cuidados dos escravos. Estes entregaram a chefia para nossa senhora do Carmo, a “Sinhara”, de quem eram devotos. Eram cerca de 300 escravos.1864 – Os negros são vendidos pelos carmelitas para a casa Comercial Bernardo Gavião Ribeiro & Gavião de SP. Muitos se recusaram a sair da fazenda e organizaram um levante. Também fugiram com aqueles que eram agregados. A fazenda foi cercada, os cativos levados ao terreiro, e ao final 23 escravos foram transferidos para São Paulo.

Cronologia – Fazenda Capão Alto

Educação quilombola no Paraná inclui adultos no processo de alfabetização

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Coletivo Estadual de Promoção da Igualdade Racial da APP-Sindicato Agosto 2008

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O Coletivo Estadual de Promoção da Igualdade Racial da APP-Sindicato participou no início do mês passado da elaboração do Plano Nacional para a implementação da Lei e das Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Étnico-Raciais. A atividade organizada pela Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade (MEC/SECAD), em Brasília, teve por objetivo acelerar o rit-mo da implementação da Lei 10.639/03. A expectativa é de que o Plano Nacional seja apresentado ao ministro da Educa-ção, Fernando Haddad, ainda este mês, como relatou o coordenador do coletivo e secretário de Imprensa e Divulgação da APP-Sindicato, o professor Luiz Car-los Paixão da Rocha, que participou da atividade.

O objetivo do plano é garantir a institucionalização da Lei 10.639/2003 no âmbito de todo o MEC e nas gestões municipais e estaduais de educação, em condições adequadas para seu pleno desenvolvimento como política de Estado. Para a definição do Plano, os presentes de-bateram os seguintes eixos estratégicos: fortalecimento do marco legal, política de formação para gestores e profissionais de

APP participa de Encontro do MEC sobre a Lei 10.639/03Encontro destacou a necessidade de investimento na formação dos/as educadores/as sobre a cultura africana

educação, política de material didático e para-didático, gestão democrática e mecanismos de participação social, con-dições institucionais – financiamento, sensibilização e comunicação, pesquisa, equipes e regime de colaboração e ava-liação e monitoramento.

Segundo o professor Paixão, o Plano

A Comissão da Articulação de Educa-dores/as Negros/as realizou no final de maio, em Curitiba, o I Encontro Regional de Educadores/as e Articuladores/as Negros/as do Paraná. O evento reuniu cerca de 70 educadores de Curitiba, região metropoli-tana e litoral, e debateu temas que estarão presentes neste V Encontro de Educado-res Negros e Negras do Paraná.

Uma das coordenadoras da atividade foi a especialista em História e Cultura Africana e Afro-brasileira, Educação e Ações Afirmativas no Brasil e integrante do Coletivo Racial da APP, a professora Jane Márcia Madureira Arruda. Segundo ela, o evento objetivou ainda observar como está sendo realizada, em escala regional, a abordagem da temática racial no ambiente escolar.

Curitiba sedia Encontro Regional dos/as Educadores/as Negros/asEvento sobre educação incluiu também o debate sobre cultura e religiosidade

Cultura e religião afro - A pedagoga Dirléia Mathias, do Yaô do Ilé Asè Ojubo Ogum, apresentou a palestra “Educação, Cultura e Religiosidade”. Os temas ainda sofrem muito preconceito e resistência por parte dos/as educadores/as. No en-tanto, segundo Dirléia, são pertinentes, pois há uma relação entre eles. "Não há como trabalhar a cosmovisão africana, ou seja, a religião, no ambiente escolar, sem incluir a cultura, já que os dois temas estão interligados”, defendeu.

Para ela, a questão do ensino religio-so no Brasil é antiga, mas as discussões sobre as religiões de matrizes africanas se ampliaram a partir da aprovação da Lei 10.639 que, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), tornou obrigatório o ensino da história e cultura

representa um avanço no reconhecimento da cultura africana como uma das prin-cipais matrizes da cultura brasileira. No entanto, há poucos materiais didáticos e professores/as preparados para o ensino de história e cultura afro-brasileiras para que a lei seja implementada nas salas de aula. "Uma das preocupações importantes

presentes no encontro foi o da necessida-de de investimento na formação dos/as educadores/as sobre o tema pelo poder público e pelas universidades", declarou.

Além da APP-Sindicato, represen-taram o Paraná a Secretaria Estadual da Educação, a Secretaria Municipal de Educação de Curitiba, o Sindicato do Ma-gistério Municipal de Curitiba (Sismmac), a Associação Cultural de Negritude e Ação Social (Acnap), o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB-UFPR) e o Fórum Estadual de Diversidade e Educação Étnico-Racial.

O evento contou com a participação de cerca de 160 pessoas de todo o país. Professores/as, gestores, conselhos de educação, sindicatos, militantes do movi-mento negro e representantes do minis-tério público e universidades debateram durante dois dias propostas construídas nos seis "Diálogos Regionais sobre a Implementação da Lei 10.639" ocorridos pelo país de abril a junho deste ano. O diálogo regional da região sul aconteceu em Curitiba, nos dias 15 e 16 de maio, e reuniu representantes dos dez municípios mais populosos da região sul.

Jornal do Coletivo de Promoção de Igualdade Racial da APP-Sindicato Nº 5 - agosto 2008 - APP-Sindicato - Filiada à CUT e à CNTE - Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná - Rua Voluntários da Pátria, 475, 14º andar, CEP 80.020-926, Curitiba, Paraná - Fone (41) 3026-9822, Fax (41) 3222-5261 www.app.com.br • Coordenação: Luiz Carlos Paixão da Rocha - Sec. Imprensa e Divulgação | Silvana Prestes - Secretaria de Políticas Sociais. Coordenação: Luiz Carlos Paixão da Rocha, Romeu Gomes de Miranda, Edmundo Novaes, Celso José dos Santos, Jane Marcia e Amélia Fernandes.

Gestão Independência, Democracia e Luta | 2005 - 2008José Rodrigues Lemos - Presidente • Idemar Vanderlei Beki- Secretaria Geral • Saionara Cristina Bocalon - Secretaria de Finanças • Janeslei A. Albuquerque- Secretaria Educacional • José Valdivino de Moraes - Secretaria de Funcionários • Miguel Angel Alvarenga Baez -Secretaria de Políticas Sindicais • Élide Bueno - Sec. Adm. e Patrimônio• Edilson Aparecido de Paula - Secretaria de Municipais • Luiz Carlos Paixão da Rocha - Sec. Imprensa e Divulgação • Sérgio Marson - Secretaria de Assuntos Jurídicos • Sabina da Silva Turbay - Secretaria de Aposentados • Silvana Prestes Rodacoswiski - Secretaria de Políticas Sociais • Marlei Fernandes de Carvalho - Secretaria de Organização • Maria Madalena Ames - Sec. de Formação Sindical • José Ueldes Camilo - Secretaria de Sindicalizados | Jornalistas: Andréa Rosendo (4962-PR), Edianês Vieira (7704-RS) e Valnísia Mangueira (893-SE) - Projeto Gráfico: Rodrigo Augusto Romani - Impressão: Gráfica World Laser - Tiragem: 5 mil exemplares.

EXPEDIENTE

Paranaenses na elaboração do Plano Nacional para implementação da Lei 10.639

afro-brasileira nas escolas da rede pública e privada.

“Com a LDB, o ensino religio-so tornou-se obrigatório no ensino fundamental da rede pública. Dessa forma, os/as professores/as que abordarão a temática não precisam ser especialistas, mas devem ter um conhecimento não preconceituoso de uma gama de religiões praticadas no Brasil. A Lei 10.639 traz uma nova concep-ção da cultura afro para as salas de aula e as religiões de origem africana entram nesse contexto. No entanto, a compreensão que as pessoas têm - ou que falam sobre o Candomblé, por exemplo -, é muito equivo-cada. A maioria desconhece a religião e o

que se reproduz é o que está presente no imaginário do senso comum”, finalizou.

Coletivo de Promoção da Igualdade Racial da APP-Sindicato

O Coletivo de Promoção da Igualdade Racial da APP-Sindicato participa do Coletivo Nacional Anti-Racismo “Dalvani Lellis” da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e da Comissão Nacional Contra Discriminação Racial (CNCDR) da CUT. Atualmente a APP tem coletivos regionais em funcionamento em vários núcleos sindicais.

Veja alguns contatos do Coletivo no Estado:APP - Estadual • Luiz Carlos Paixão e Silvana Prestes | Cons. Est. de Educação • Romeu Miranda e Osvaldo Araújo | NS Arapongas • Maria Idalina | NS Apucarana • Neuza Aparecida e Maria de Lourdes VerollaNS de Assis Chateaubriand • Marlete Ferreira | NS Campo Mourão • Neide Rodrigues e Lucia | NS Curitiba Norte • Jane Marcia e Ronaldo Tomaz | NS Curitiba Sul • Tânia Lopes | NS Cascavel • Jomar Vieira Rocha e Rosani Reis | NS Francisco Beltrão • Pedro Ferreira Almeida | NS Guarapuava • Terezinha Daiprai e Pedro Galdino | NS Ivaiporã • Adriana CustódioNS Londrina • Edmundo Novaes | NS Maringá • Aracy Adorno, Cleusa Batista e Vilma | NS/Ctba Metropolitano Norte • Wilma Santos, Marlete Liocinio e Jair Rafael | NS Paranaguá • Ezequias ToledoNS Paranavaí • Celso Santos | NS Ponta Grossa • Vera Rosi, Marisa Camargo e Gledis | NS Toledo • Iracema, João Batista | NS Umuarama • Marisa Braga

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Educadores debatem a abordagem da temáti-ca racial na educação em escola regional

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