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  • 1A Engenharia

    em Gois

    CONFEAConselho Federal de Engenharia

    e Agronomia

  • 2

  • 3Goinia, 2013

  • 4Fotos da capa:

    Centro de Goinia Fonte: Arquivo Crea-GO

    Usina Corumb IVFonte: Corumb Concesses

    Barragem do Joo LeiteFonte: Saneago

    Estdio Serra DouradaFonte: Agel

    Minerao de AmiantoFonte: Gabinete de Gesto da Minerao

    Ponte Afonso PenaFonte: Prefeitura de Itumbiara

  • 5APRESENTAO

    Quando os portugueses vieram para o interior do Brasil, trouxeram com eles os

    engenheiros para traar os caminhos, construir fortificaes e depois prdios pblicos.

    Foram as primeiras participaes de uma categoria que estaria presente em todas as

    etapas do desenvolvimento do Estado.

    A Histria de Gois marcada por duas decises polticas marcantes: a cons-

    truo de Goinia e de Braslia. A participao da engenharia foi decisiva em ambas,

    permitindo a execuo de projetos que teriam ampla repercusso no futuro do Estado e

    do Pas. Para viabilizar a mudana da sua capital, Gois teve que criar a infraestrutura

    que ainda no existia e deu grande contribuio anos depois, na construo de Bras-

    lia. O primeiro engenheiro de Braslia, Joffre Mozart Parada, que demarcou o traado

    do Plano Piloto, era goiano de Vianpolis e Bernardo Sayo, smbolo do arrojo e do

    ritmo alucinante da construo, era vice-governador de Gois. A maior parte do mate-

    rial de construo foi transportada atravs dos terminais ferrovirios de Anpolis e de

    Vianpolis.

    Registramos tambm a participao decisiva do Clube de Engenharia de Gois

    em momentos importantes como a iniciativa de fundar uma Escola de Engenharia e a

    criao do Crea-GO.

    A minerao, importante na origem de Gois, retornou na era moderna dissemina-

    da por todo o Estado, com alto nvel tcnico e explorando uma grande diversidade de

    minrios com resultados interessantes para a economia que incluem alguns elementos

    qumicos estratgicos para a fabricao de equipamentos eletrnicos de alta tecnolo-

    gia.

    A engenharia est presente no dia-a-dia de todas as pessoas e o Crea-GO preten-

    de, com este trabalho, mostrar um pouco do que os engenheiros vieram fazendo desde

    a colonizao de Gois.

    Eng. Civil Gerson de Almeida Taguatinga

    Presidente do Crea-GO

  • 6

  • 71. Capitania e Provncia

    2. Transportes

    2.1 Navegao do Araguaia / Estrada de Ferro Tocantins

    2.2 Estrada de Ferro Gois

    2.3 Malha Rodoviria

    3. Construo de Goinia

    4. Escola de Engenharia

    5. Clube de Engenharia de Gois

    6. Crea-GO

    7. Gois na Construo de Braslia

    8. Energia Eltrica

    9. Outras Obras

    10. Minerao

    11. Anexos

    11.1 Relatrio Armando Godi

    11.2 Relatrio Atlio Corra Lima

    11.3 Contrato Coimbra Bueno para a Construo de Edifcios

    11.4 Contrato Coimbra Bueno para a Direo Geral das Obras

    11.5 Relatrio Eurico Vianna sobre Fornecimento de gua

    11.6 Relatrio Coimbra Bueno sobre o Andamento das Obras

    9

    31

    31

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    131

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    185

    195

    197

    207

    215

    A ENGENHARIA EM GOIS

  • 8

  • 9Batalho, o coletivo dos primeiros engenheiros brasileiros

    O termo engenheiro passou a ser usado na lngua portuguesa por volta do scu-

    lo 17 para denominar os profissionais habilitados para a construo de fortificaes

    e armamento blico. Muitos dos engenheiros militares enviados de Portugal para o

    Brasil no perodo colonial eram designados por termos como engenheiro-arquiteto ou

    arquiteto-mor. Os engenheiros militares eram chamados, dentro do exrcito, de oficiais

    de engenheiros, pois tinham sob seu comando diversos homens responsveis pela

    execuo das construes e engenhos; ou seja, os soldados que exerciam a funo de

    pedreiros eram indistintamente denominados como engenheiros.

    Os batalhes de engenheiros do exrcito portugus passaram a existir somente a

    partir de 1763, durante o reinado de D. Jos I, sob a gesto do Marqus de Pombal,

    responsvel por promover uma srie de mudanas administrativas em Portugal e nas

    colnias, tornando a explorao dos territrios coloniais mais eficiente. A utilizao dos

    batalhes de engenharia, promovendo uma empresa colonial racionalizada e planejada,

    foi uma das medidas tomadas nesse contexto. Mesmo aps a independncia estes ba-

    talhes permaneceram ativos. As mudanas na estrutura e na forma de funcionamento

    dos batalhes comearam a partir do incio do sculo 20, com a profissionalizao do

    exrcito nacional j que durante um longo perodo ele se manteve como uma guarda

    nacional. Somente no sculo 20 o corpo tcnico militar seria novamente requisitado

    pela Histria de Gois como protagonista, na construo da ferrovia ligando Braslia

    malha ferroviria nacional.

    Conhecer, mapear, construir e proteger o novo territrio compunham a misso dos

    batalhes de engenheiros militares. Essas eram as atividades exercidas pelos destaca-

    mentos portugueses que chegavam s terras brasileiras.

    No que se refere construo, havia tambm outros responsveis pela execuo

    das edificaes que no eram engenheiros, conhecidos como mestres pedreiros ou,

    ainda, mestres de risco, chamados construtores, profissionais do ofcio de construir.

    No existia a figura do arquiteto, que s surgiria no final do sculo 19.

    CAPTULO 1 - Capitania e Provncia

  • 10

    Em Gois, estes batalhes marcharam serto adentro, fizeram estradas, construram

    fortes, pontes, igrejas, prdios, elaboraram mapas e relatrios, registrando para sempre

    seu olhar e sua percepo sobre a realidade da poca. Foram os primeiros tcnicos que

    estiveram em Gois. Deixaram como herana para a engenharia contempornea a cora-

    gem, a determinao e a persistncia no grande empreendimento do senhorio sobre a

    paisagem dos sertes no corao do Brasil.

    Sculo 18 De entradas e bandeiras aos presdios: a ati-vidade da engenharia na conquista do serto dos goyazes.

    O sentido da evoluo da engenharia em Gois durante o sculo 18.

    A engenharia em Gois esteve presente desde o incio da construo da histria da

    capitania, no sculo 17. Da aventura das primeiras expedies dos militares enviadas pela

    Coroa Lusa s regies dos chapades, at as construes, a conquista do cerrado brasi-

    leiro teve a participao importante da engenharia que veio das terras alm-mar.

    O engenheiro Militar era um funcionrio do governo, subordinado ao Conselho Ul-

    tramarino. Participava das misses oficiais de responsabilidade do exrcito portugus e

    tambm de empreendimentos privados, como as bandeiras. Com a engenharia Militar

    portuguesa, vieram para o Brasil os primeiros conhecimentos tcnicos em cartografia,

    geologia e construes.

    Durante o estabelecimento da economia de extrao de ouro e pedras preciosas, a en-

    genharia e suas obras contriburam estrategicamente para a formao do territrio goiano

    e suas fronteiras atravs da produo de mapas e para a integrao das regies das minas

    atravs das estradas, sendo a mais importante a Estrada Real. Houve tambm construes

    dos mais diversos tipos nos povoados e arraiais. Todos estes elementos contriburam para

    a criao da identidade, da cultura e da economia em Gois.

    A engenharia era uma atividade exercida por oficiais que participavam da estruturao

    do Plano de Colonizao da Coroa Portuguesa. At a metade do sculo 19, em 1852, com

    a contratao do engenheiro Civil Ernesto Valle, os engenheiros militares atuaram ampla-

    mente em tudo que dizia respeito s construes oficiais: estradas, pontes e edificaes, e

    tambm na produo cartogrfica.

    A linha mestra que ligava os eventos histricos dos sculos anteriores chegada da

  • 11

    Os lugares assinalados em vermelho so Paracatu, Vila Boa, Cuiab e Vila BelaFonte: www.ibsweb.com.br

    Coroa Portuguesa em terras brasileiras, sendo o principal desses eventos a navegao,

    imps engenharia um carter desbravador, leal a um plano maior da metrpole lusitana

    nos novos territrios. A colonizao foi um processo amplo que ocorreu no sculo 16,

    culminando na integrao de mundos diferentes, integrao na qual a engenharia seria um

    dos elos.

    Naval e blica, a engenharia portuguesa chegou s terras brasileiras com a misso de

    reconhecer, legitimar e proteger o novo territrio portugus. Ela se estruturou e evoluiu

    em sintonia com acontecimentos que mudaram o sentido da histria de Portugal no final

    do sculo 16. O pas avanou suas fronteiras europeias e se lanou ao mar. Tornar-se uma

    potncia martima exigiu investimentos intensos no desenvolvimento das cincias, fazen-

    do com que estas dessem um salto tecnolgico, num surto de progresso.

    A necessidade de conhecimentos tcnicos fomentou a fundao de centros de es-

    tudos para a formao em engenharia. O Colgio de Santo Anto, dos padres jesutas,

    a partir do sculo 16 foi uma dessas instituies. A escola tinha o ensino fundamentado

    no aprendizado de diversos conhecimentos, entre os quais se destacavam a geometria, a

    cartografia, a cincia dos materiais, o estudo das estruturas, da hidrulica, da hidrologia e

    da geologia, alm de matemtica, astronomia e qumica, aplicadas construo de fortifi-

    caes, vias e produo de mapas.

    Nesta escola foi instalado, em 1739, um dos melhores observatrios astronmicos

  • 12

    da Europa, que contribuiu para o ensino e formao dos engenheiros com o que havia de

    melhor em termos de tecnologia na poca.

    Aliado s estratgias militares, este conhecimento tcnico fazia com que o corpo de

    engenheiros militares mantido por Portugal tivesse destacamentos eficientes, compostos

    por formaes que variavam entre 25 e 40 homens, constitudos por praas (soldados e

    cabos, militares sem patente e que no eram engenheiros) e oficiais engenheiros.

    Esses profissionais foram os responsveis por tarefas como a produo de mapas,

    construo de fortificaes (obras de defesa no litoral e no interior do territrio), pontes,

    estradas e aquedutos, fornecendo a infraestrutura que tornou possvel o sucesso do em-

    preendimento portugus no Brasil. Em Gois, destacou-se a cartografia, de cujo servio

    tcnico dependia o povoamento e o estabelecimento da colnia e suas fronteiras no sculo

    18.

    O governo necessitava dispor de informaes precisas e confiveis. Dados sobre o

    relevo e a vegetao, a distncia entre as cidades, formaes geolgicas, gua potvel,

    locais adequados para a construo de edificaes, postos de controle e instalaes mi-

    litares; de todos esses elementos dependia o sucesso do empreendimento portugus. A

    produo dessas informaes era uma das misses designadas ao exrcito portugus, que

    destacava engenheiros militares para a execuo da tarefa.

    medida que o Estado Portugus entendia que ocupar somente o litoral no bastava

    ao Plano Colonial, comeava a epopeia de desbravamento dos sertes. Determinada a am-

    pliar seu domnio sobre o territrio, descobrir novas riquezas e legitimar sua posse sobre

    a colnia, a metrpole mandou seus destacamentos se embrenharem matas adentro. Par-

    tiram da capital da colnia os pioneiros nos territrios bravios. Do olhar dos engenheiros

    seriam conhecidas as primeiras paisagens do corao do Brasil.

    Os mapas militares: as bandeiras no caminho do ouro de GoisAs bandeiras se aproveitavam dos mapas produzidos pelas expedies militares que

    as antecederam para a execuo de seus empreendimentos privados, que acabavam ga-

    rantindo a realizao dos objetivos centrais de Portugal em seus esforos coloniais duran-

    te o sculo 18. Assim, suas viagens garantiram, a um s tempo, a legtima posse da coroa

    portuguesa sobre o serto brasileiro e a explorao, com sucesso, dos recursos naturais

  • 13

    dessa regio.

    As expedies dos bandeirantes custavam caro, pois contavam com muitos homens,

    escravos, mantimentos, alguns animais de carga e, obviamente, enormes riscos. Os recur-

    sos para que fossem empreendidas as viagens eram levantados mais ou menos da mesma

    forma como os das sociedades por aes. Assim, diversos investidores contribuam com

    algum valor, recebendo os lucros (caso houvessem) de forma proporcional quantia ini-

    cialmente investida.

    Nesses empreendimentos que pisaram em solo goiano vieram engenheiros militares.

    O primeiro registro de 1722: a participao do oficial e engenheiro Militar Manuel de

    Barros na bandeira liderada por Bartolomeu Bueno da Silva Filho. Sua presena teve gran-

    de influncia no andamento da expedio e na posterior identificao dos veios de ouro.

    Os conhecimentos tcnicos do engenheiro Barros indicaram o norte da expedio do

    Anhanguera filho possibilitando, a partir das informaes contidas nos mapas advindos

    do ofcio da engenharia, o reconhecimento de padres geolgicos que levaram Bartolomeu

    Bueno e seus scios at as margens do Rio Vermelho. L, convicto de ter encontrado uma

    mina de ouro produtiva, Bartolomeu fundou as povoaes de SantAnna (que mais tarde

    se tornaria a cidade de Gois), Ferreiro, Barra e Ouro Fino.

    A estrada dourada dos sertesA economia de explorao do ouro foi requisito fundamental para a ocupao do pla-

    nalto central. Todo o processo de explorao do ouro requereu infraestrutura das estradas

    para que a riqueza chegasse ao destino final, que era a metrpole.

    As Estradas Reais tambm foram estratgicas para assegurar a fixao da populao

    na regio das minas do centro-oeste da colnia durante todo o sculo 18 e incio do sculo

    19. Eram obras ligadas ao centro do governo da Coroa Portuguesa no litoral, inicialmente

    em Salvador e depois no Rio de Janeiro.

    A participao da engenharia Militar portuguesa na economia da minerao dos ser-

    tes dos goyazes teve na Estrada Colonial, cuja execuo foi de total responsabilidade do

    exrcito lusitano, um marco primeiro da interveno tcnica na cadeia produtiva do ouro.

    O propsito desta obra era estabelecer e oficializar o trajeto do ouro entre os povoados, por

    onde toda a produo deveria ser escoada. O projeto contemplava a diminuio dos riscos

  • 14

    de roubos, uma vez que a Estrada Colonial era toda patrulhada, e o que fosse transportado

    fora dela poderia ser caracterizado como contrabando.

    A Estrada Colonial ou Estrada Geral do Serto foi aberta em 1736, por ordem do rei

    de Portugal. Seu traado percorria 3.000 quilmetros pelos chapades (regio que vai de

    Mato Grosso, passando por Gois, ao Oeste da Bahia). Seu incio, no extremo oeste do

    Pas, ficava s margens do Rio Guapor, onde mais tarde, em 1752, foi fundada Vila Bela

    da Santssima Trindade, e o final no Oceano Atlntico, em Salvador, Bahia.

    Em Gois, o trajeto passava pelas povoaes mais estabelecidas: Vila Boa, Meia

    Ponte, Santa Cruz, Pilar e Cavalcante. Mais tarde foram includas tambm Santa Luzia

    (Luzinia), Traras, Arraias e Natividade, atravessando todo o planalto central (onde hoje

    est localizada Braslia). Alm do ouro, a Estrada Geral era o meio utilizado pelas comu-

    nicaes oficiais, trnsito de mantimentos e gneros fundamentais, e viagens at a capital

    da colnia poca, Salvador.

    Essa estrada vinha de Vila Bela, na divisa com a Bolvia e passava por Cuiab e Vila

    Boa. Pirenpolis (Meia Ponte) era o centro de convergncia das estradas que iam para

    o Norte (Cavalcante, Arraias, Natividade); para a Bahia, atravs de Formoso, em Minas,

    passando por Planaltina e Formosa; para o Rio de Janeiro, passando por Luzinia e Para-

    catu; e para So Paulo, passando por Silvnia, Santa Cruz e Catalo. O mapa mostra que a

    situao muito semelhante das rodovias radiais que convergem para Braslia.

    De 1726 a 1752, perodo do incio da minerao, ainda no haviam sido estabeleci-

    das as fronteiras das capitanias. As primeiras referncias cartogrficas sobre o territrio

    goiano s comearam a ser elaboradas em meados de 1750, no governo de dom Marcos

    de Noronha, o conde dos Arcos. Tudo era a imensido dos sertes, regidos pela capitania

    de So Paulo. A estrada foi a primeira estrutura oficial do governo luso que deu a esta

    regio a condio de pertena Coroa Portuguesa. Os conhecimentos tcnicos aplicados

    pela engenharia Militar do sculo 18 a faziam completamente distinta dos caminhos aber-

    tos pelo mato, das picadas e atalhos na mata.

    Foram observados nesta obra cuidados com a drenagem, o encabeamento de pon-

    tes, a construo de cortes e arrimos, o assentamento de pedras. Estes procedimentos da

    engenharia a caracterizavam como um feito tcnico e aumentavam o tempo til das condi-

  • 15

    es de trafegabilidade, alm da

    segurana.

    O historiador Paulo Bertran

    (2000), ao estudar a ocupao

    dos cerrados brasileiros, ressal-

    tou a importncia das estradas

    coloniais em Gois, e como,

    coincidentemente, elas iriam se

    encontrar na regio do quadril-

    tero de Cruls, local que viria a

    ser escolhido para a capital fe-

    deral moderna, Braslia.

    Como que prenunciando

    o futuro, entroncavam-se no

    Distrito Federal, h dois sculos

    e meio, duas das mais impor-

    tantes estradas da histria da

    colonizao brasileira, autnti-

    cas vigas mestras soldando por

    dentro a unio do pas, e curio-

    samente ligando Braslia as ca-

    pitais que a antecederam: Salvador e Rio de Janeiro. (BERTRAN, 2000,p.139)

    Pelos caminhos do ouro, viajantes, aventureiros, comerciantes e oficiais puderam

    contemplar as paisagens do serto. Por esta obra de engenharia, caminharam ideias, ri-

    quezas, notcias. Foi o incio da integrao de Gois ao territrio do Brasil Colnia.

  • 16

    De madeira, adobe e taipa de pilo: a construo da capitania do serto

    Depois da descoberta das riquezas minerais, houve migrao intensa para os sertes

    dos chapades e ocupao das terras dos goyazes, medida que se ia penetrando em

    direo ao Tocantins.

    Inmeros povoados surgiram entre 1727 e 1740. Nesses locais, a comunidade se es-

    truturou para a sobrevivncia durante a explorao do ouro. Foram desenvolvidas ativida-

    des como agricultura rudimentar, criao de animais domsticos e manufaturas de objetos

    essenciais, tais como ferramentas e utenslios domsticos, alm da estrutura religiosa que

    acompanhou a colonizao brasileira.

    Nesse perodo a paisagem foi modificada rapidamente, com a formao dos primeiros

    aglomerados urbanos. A necessidade de se construir casas para abrigar a nova sociedade

    que ia se estabelecendo nas regies das minas fez surgir intensamente conhecimentos

    construtivos que tornassem possvel edificar com rapidez, atendendo s condies dos

    terrenos e aproveitando os materiais disponveis.

    Entre 1727 e 1732 surgiram diversos arraiais, alm de Santanna (posteriormente

    Vila Boa de Gois), em consequncia das exploraes aurferas ou da localizao na rota

    de Minas para Gois. Nas proximidades de Santanna surgiram os arraiais de Anta e Ouro

    Fino; mais para o norte, Santa Rita, Guarinos e gua Quente. Na poro sudeste, Nossa

    Senhora do Rosrio da Meia Ponte (atual Pirenpolis) e Santa Cruz.

    Outras povoaes surgidas na primeira metade do sculo 18 foram: Jaragu, Corum-

    b e o Arraial dos Couros (atual Formosa), na rota de ligaes de Santanna e Pirenpolis a

    Minas Gerais. Ao longo dos caminhos que demandavam a Bahia, mais ao norte, na bacia

    do Tocantins, localizaram-se diversos ncleos populacionais, como So Jos do Tocan-

    tins (Niquelndia), Traras, Cachoeira, Flores, So Flix, Arraias, Natividade, Chapada e

    Muqum.

    Na dcada de 1740 a poro mais povoada de Gois era o Sul, mas a expanso rumo

    ao setentrio prosseguia, com a implantao dos arraiais do Carmo, Conceio, So Do-

    mingos, So Jos do Duro, Amaro Leite, Cavalcante, Palma (Paran) e Pilar de Gois.(O Dossi de Gois,1996)

  • 17

    No sculo 18, em Gois, nos primeiros ncleos urbanos podiam-se identificar os

    seguintes tipos de edificao: construes militares, igrejas e os Prprios Nacionais, (edi-

    fcios destinados ao poder pblico), alm das residncias e comrcios.

    No incio do processo de ocupao do territrio goiano, as construes dos povoados

    usavam tcnicas idnticas ao mtodo primitivo dos indgenas: casas de pau a pique ou de

    taipa, cobertas de palha, usando os materiais disponveis no local. Depois das primeiras

    dcadas do sculo 18, com a intensificao da minerao, comearam a surgir nos centros

    urbanos novos tipos de construo, mais elaborados e confortveis do que as choupanas

    construdas inicialmente.

    A taipa de pilo era o principal mtodo construtivo conhecido pelos bandeirantes e

    engenheiros militares portugueses. Segundo Neiva (2007), com o aumento da ocupao

    do territrio em Gois, no sculo 18, houve a necessidade de adaptao das tcnicas de

    construo aos elementos da regio, de modo a atender as exigncias das condies

    Planta e sistema construtivo de casa tpica de Vila Boa Bico de pena de Hlder Rocha Lima Fonte: LIMA, Helder Rocha Guia Afetivo da Cidade de Gois. Braslia: IPHAN, 2008

  • 18

    locais. Surgiu, portanto, uma arquitetura herdeira das caractersticas das construes por-

    tuguesas, mas com elementos brasileiros.

    Inmeros construtores foram os responsveis pelas obras. A atuao dos profissio-

    nais era pertinente demanda de servios e regida por contratos de mo de obra. Eram

    artesos, mestres de ofcio, pedreiros e engenheiros militares, sendo estes os nicos a ter

    os conhecimentos tcnicos necessrios para o planejamento e a construo.

    Este detalhe acabou por influenciar a arquitetura das edificaes, que tiveram seus

    desenhos muito prximos aos das construes militares de ento: fortes e quartis. Nas

    plantas das residncias possvel perceber o recorte de quartel, onde se tem um conjunto

    de alcovas separadas por um corredor, ou sala praa, que vai da entrada ao final da casa.

    A cozinha e o depsito eram um anexo, parte da planta principal. A adaptao deste

    projeto acrescentou as varandas ou alpendres como rea social da famlia. A impregnao

    das tcnicas militares deu arquitetura das construes coloniais um discreto carter de

    padronizao, que pode ser observado nas igrejas do sculo 18, cujo p direito era alto,

    com um campanrio, que servia tambm como observatrio de segurana. A arquitetura

    de fortes ainda permanecia na construo civil.

    As construes residenciais e comerciais do sculo 18 eram comumente executadas

    com fundaes de pedra, sobre as quais se erguia uma estrutura de madeira, chamada de

    gaiola. As paredes eram de meia-vez, de alvenaria de taipa ou adobe, com revestimento de

    argamassa de cal. A cobertura era de telhas de argila cozida, o que conferia s construes

    certo conforto trmico. Nos pisos das edificaes, que no incio eram de cho batido, j

    na metade do sculo 18 comearam a ser usadas tbuas de madeira-de-lei. Outro material

    utilizado para piso foi o lajeado ou tijoleira, empregado largamente em construes reli-

    giosas.

    Alm das construes para abrigar a populao, e dos quartis e fortes para acomo-

    dar a segurana da colnia, foram edificados os prdios oficiais, chamados de Prprios

    Nacionais, que sediariam o poder pblico estabelecido na Capitania de Gois. Eram cons-

    trues austeras e simples, que legitimaram a identidade do governo dentro da unidade

    territorial da colnia portuguesa. Nelas o poder habitou at a mudana da capital no sculo

    20.

  • 19

    Os Prprios Nacionais: O Governo da Capitania em casa

    O termo Prprio Nacional empregado pela Fazenda Nacional no sculo 19 para

    identificar os prdios pblicos onde funcionavam as atividades referentes ao Governo, na

    antiga Vila Boa. Em 13 de junho de 1890, Jos Joaquim de Souza, representante da Fazen-

    da Nacional, solicitou ao Juiz de Direito dos Feitos da Fazenda Nacional a contratao de

    dois engenheiros civis, Pedro Dias Paes e Joo Jos de Campos Curado, para fazer uma

    avaliao dos prdios pblicos, alguns dos quais - justamente os que abrigaram a estrutu-

    ra de governo colonial e imperial sobre Gois - j tinham mais de 100 anos de construo.

    Os Prprios Nacionais eram os seguintes edifcios, listados nesse documento:

    - O Palcio do Governo;

    - O Quartel do 20;

    - A Casa da Fundio;

    - A Casa de Intendncia;

    - O Depsito de Artigos Blicos;

    - O Lyceu;

    - O Quartel dos Aprendizes Artfices;

    - O Seminrio Episcopal;

    - A Tesouraria da Fazenda.

    Destes, foram construdos no sculo 18 o Palcio do Governo, o Quartel do 20, a

    Casa de Fundio e a Casa da Intendncia. O nico prdio oficial que est fora dessa lista

    a Casa de Cmara e Cadeia, que tambm um Prprio Nacional. A histria da construo

    destes prdios, em especial, confunde-se com a criao da Capitania de Gois e com o

    estabelecimento do governo em Vila Boa.

    Nesse documento, pode-se tambm resgatar a descrio das construes onde fun-

    cionaram o governo da Capitania e o governo da Provncia. O relatrio descreve as estru-

    turas e, no final, apresenta o parecer dos engenheiros sobre as condies das edificaes

    e o valor de cada imvel em contos de ris. Era preciso avaliar se, em prdios to velhos,

    caberiam as jovens aspiraes da Primeira Repblica.

    A criao da Capitania de Gois e a escolha de Vila Boa como sua capital data de

    1748, quando dom Marcos de Noronha, Conde dos Arcos, designado como seu primeiro

  • 20

    governador. A implantao do governo autnomo exigiu a instalao de diversos servios

    destinados administrao, fiscalizao e proteo dos negcios da coroa portuguesa.

    Entretanto, em concorrncia com a fora da mo de obra ocupada nas minas, o governador

    obrigado a adquirir imveis de terceiros e adapt-los aos fins requeridos.

    As fachadas das edificaes oficiais so sbrias, com linhas retas e simples. O ma-

    terial empregado nas construes no difere do que foi usado largamente no sculo 18: a

    alvenaria de taipa de pilo ou adobe com estrutura de madeira de lei, em gaiola.

    O primeiro deles foi o quartel do XX Destacamento Militar, em 1748. Em 20 de dezem-

    bro, dom Marcos atendeu ao requerimento do capito da Companhia de Drages de Gois,

    Antnio de S Pereira, que havia solicitado o pagamento dos aluguis das casas que ser-

    viam como instalaes militares provisrias. O comandante aproveitou para indagar sobre

    a possibilidade da aquisio das mesmas, a fim de que fossem feitas as adaptaes para

    torn-las adequadas s demandas militares. Depois deste fato, mediante a possibilidade

    de construo, as casas foram compradas e demolidas, e em seu lugar foi edificado o

    prdio do quartel.

    Esta obra foi o primeiro prdio oficial da Capitania. Suas caractersticas construtivas

    remetem s tcnicas de construo dos fortes do sculo 18: fundao de base larga, em

    pedra de mo, com dimetros variando entre 50 e 80 cm, paredes externas em taipa de

    pilo, paredes internas em tijolos de adobe assentados em argamassa de cal. Tesouras da

    cobertura em madeiras-de-lei, jatob e ip, precisamente posicionadas para dar estabili-

    dade ao telhado. A cobertura era de telhas de cermica cozidas em forno, que possibilita-

    vam o conforto trmico nas edificaes.

    Assim como o quartel foi uma obra de reforma de muitas casas, tambm a edificao

    do Palcio do Governo, ou Casa do Governador, e a da Casa de Fundio foram resultado

    da aquisio e reforma de imveis residenciais.

    A promulgao da lei real das Casas de Fundio (dezembro de 1750) substituindo

    a capitao, antigo sistema de coleta do quinto, obrigou o governador a providenciar a

    rpida instalao da Casa da Fundio de Ouro em Gois.

    Dom Marcos de Noronha, governador da Capitania, quando chegou a Vila Boa, em

    1748, alugou uma casa de Domingos Lopes Fogaa. Esta casa, mais quatro que estavam

    conjugadas (uma ao lado da outra), foram objeto de uma importante negociao para o

  • 21

    estabelecimento de dois prdios que se tornariam dois Prprios Nacionais: o Palcio do

    Governo e a Casa de Fundio de Vila Boa.

    A compra destas casas foi um processo minucioso, que se iniciou em vinte de julho

    de 1751. Para que se efetivasse a compra pela Fazenda Real foi providenciada uma avalia-

    o dos imveis, realizada pelos mestres carpinteiros (tambm conhecidos como mestres

    de ofcio) Manoel de Souza, Manoel Fernandes Lima, Matheus da Sylva, Geraldo Fernan-

    des de Oliveira e Antnio Matheus.

    Um detalhe importante deste procedimento oficial o juramento sobre os Santos

    Evangelhos. A necessidade reflete a condio de no tcnicos, e para remediar a situao

    e tornar fidedigna a informao gerada pelos leigos, este juramento d um carter de

    credibilidade avaliao que ir abalizar o negcio da Fazenda Real. Por este trabalho os

    mestres de carpinteiros receberam a quantia de seis mil e oitocentas e trinta e duas oitavas

    de ouro, e vinte e quatro gros; uma pequena fortuna poca, como se pode observar no

    trecho transcrito da comunicao oficial do Conde dos Arcos.

    Termo de declarao e avaliao do que se contem no termo antecedente

    Aos vinte dias do ms de Julho do anno de mil e settecentos e sincoenta e hum nes-

    tas cazas da Real Intendencia de Villa Boa de Goyz donde se achava o Illmo. e Exm Snr.

    Conde dos Arcos Governador e Capito General desta Capitania e o Doutor Agostinho

    Luis Ribeyro Vieyra do Dezembargo de Sua Magestade Seo Ouvidor Geral e Corregedor

    desta Comarca que Serve de Intendente do Ouro, e Provedor da Real Fazenda, e os mais

    officiais da Intendencia, e Provedoria, Comigo Escrivo della, e sendo ahy apparecero

    prezentes, Manoel de Souza [...], Manoel Fernandes Lima, e Matheus da Sylva, Geraldo

    Fernandes de Oliveira, Antonio Matheus, Mestres, Carpinteyros, de obras, e por elles foi

    ditto que havendo ido tres medir, e avaliar as sinco moradas de Cazas de que se trata no

    termo antecedente, e os acrescimos, e concertos que de novo nas mesmas se precizo

    fazer para servirem para a fabrica da Fundio, e nas mesmas poder abitar o Illmo. e Exm

    Snr. Conde dos Arcos, Como Governador, e Capito General destas minas, feita a Conta

    pello [...], tudo avaliaro em seis mil oitocentos, e trinta e duas oitavas de Ouro, e Vinte e

    quatro graons; em cuja quantia com effeyto fario a ditta avaliao: e que assim declararo

  • 22

    A antiga Casa da Cmara e Cadeia hoje o Museu das BandeirasFonte: Fernando Estankuns in caliandra do cerradogo.blogspot.com.br

    debaixo de juramento que recebido tinho para effeyto de fazerem a ditta avaliao: do que

    tudo fiz este termo em que com o ditto Illmo. e Exm Snr. Conde dos Arcos Governador, e

    Capito General desta Capitania, e Sobreditto Minystro, e mais officiais desta Intendencia

    assignaro e eu Francisco Angelo Xavier de Aguirre Escrivo da Real Intendencia que o

    escrevi.

    Mas, sem dvida o prdio mais importante e imponente da Capitania foi a Casa de

    Cmara e Cadeia de Vila Boa. Solicitada ao rei Dom Joo V em 1746, esta edificao foi

    realizada durante o governo de Joo Manoel de Mello.

    Em 1765, demoliu-se o prdio da antiga priso. Os alicerces foram preservados. Todo

    o projeto da nova cadeia foi pensado para se resolver, de maneira eficiente, questes rela-

    tivas segurana, acomodao dos presos e agilidade nos julgamentos. Sua construo

    foi em taipa com madeiramento em aroeira, inclusive para a escada de acesso ao piso

    superior; cobertura em telha cozida, paredes com largura de 1,10 metros e p direito de

    3,5 metros.

    Para a Coroa era imprescindvel uma nova estrutura, prova de fugas, o que restitua

    sociedade a imagem de um poder real austero e justo, no qual se cumpria o que se es-

    tabelecia em lei.

  • 23

    Uma das estratgias do projeto, que denota a particularidade da obra e que remete

    a essa necessidade da Coroa, a posio dos crceres (embaixo, no primeiro piso) com

    acesso pelo andar de cima atravs de um calabouo, pelo qual se descia por meio de uma

    escada mvel, que ficava fixada ao teto, com uma articulao que permita moviment-la

    para se adentrar o piso inferior e depois suspend-la novamente. O p direito da enxovia

    foi executado com aproximadamente quatro metros o que tornava o acesso ao alapo

    impossvel para quem estava preso.

    O estado de desordem era to grave que, durante as obras, criminosos considerados

    autores de crimes graves foram mantidos em casas alugadas at que ficasse pronto o pri-

    meiro cmodo da Casa, a casa forte ou enxovia, destinada ao confinamento destes presos.

    A Casa da Cmara e Cadeia obedecia funo social desse tipo de obra e s carac-

    tersticas comuns neste tipo de projeto: piso trreo destinado s celas e o funcionamento

    do judicirio no andar superior. No Plano Baxo, esto localizadas a entrada do edifcio e,

    esquerda, uma escada de aroeira com espelhos de 20cm, que d acesso ao segundo

    pavimento. Ainda no primeiro pavimento, tem-se duas entradas: direita a Cadea das

    Mulheres, mais ao fundo duas celas especiais: a do carcereiro e a Prizao Particullar, ambas

    para presos com delitos leves, sendo a do carcereiro usada na maior parte do tempo como

    alcova do funcionrio da Cadeia.

    No pavimento superior, o Plano Alto, esto projetadas as salas de audincia. Havia

    neste andar tambm a previso para uma cela temporria onde os presos aguardariam

    julgamento, a Salla Livre, onde os presos de qualificao ficavam, e a cela para mulheres.

    Havia tambm a Salla de Entrada e a Salla de Espera. E ainda o Oratrio, ao qual se enca-

    minhavam os condenados forca para que tivessem seus ltimos momentos amparados

    pelo conforto religioso.

    O prdio foi concludo em 18 de julho de 1766, conforme comunicao oficial do

    Ouvidor Geral de Gois, o desembargador Antnio Jos de Arajo.

    O governador de Gois, Joo Manoel de Mello, pretendia a todo custo restabelecer

    a ordem na capitania em meio retomada da minerao e a consolidao dos ncleos

    urbanos. Fez uma reforma importante nos destacamentos militares, suspendendo postos

    e patentes e criando um novo regimento de cavalaria auxiliar. Estas medidas, mais a cons-

    truo do prdio novo da cadeia, estavam subscritas no projeto reformista das colnias

  • 24

    portuguesas empreendido pelo marqus de Pombal, que entendia a necessidade da ex-

    tenso territorial e o fortalecimento das estruturas administrativas, judicial e militar, com o

    propsito de se garantir o poder absoluto da monarquia.

    As fontes, os tubos de pedra sabo e a sede de Vila Boa

    Encravada em meio Serra Dourada, Vila Boa pagou um alto preo pela proximidade

    das minas de ouro: a contaminao de seus mananciais. O mercrio envenenou no s o

    rio Vermelho, mas toda a sua frgil bacia. Como a minerao em todo o territrio era de

    ouro de aluvio, toneladas de mercrio foram despejadas nos rios. Foi um flagelo. Matar

    a sede era um feito e tanto para o goiano. As guas das cisternas eram salobras ou con-

    taminadas por fossas negras. E para agravar ainda mais a situao, uma grande estiagem

    castigou a populao com total falta de gua nas dcadas de 1760 e 1770. A soluo para

    se resolver a questo da disponibilidade de gua boa para o consumo foi a construo de

    fontes urbanas.

    Em Vila Boa, a primeira fonte inicialmente foi chamada de Cambaba, e depois teria

    o nome de Carioca. Foram eleitas as guas das propriedades de Jos Moreira e Anna da

    Costa, que resistiram grande seca de 1772. A Cmara decidiu edificar a fonte no cercado

    de Anna da Costa, mandando construir uma fonte pblica, sendo o encarregado da em-

    preitada o pedreiro Loureno da Cruz Leal.

    Em fevereiro de 1778, foi definida a construo da segunda fonte, chamada de Boa

    Morte, localizada no largo da Praa da Casa de Cmara e Cadeia.

    A escolha pela construo de fontes que servissem gua potvel populao foi uma

    medida de engenharia, adotada ainda no sculo 18, sendo o engenheiro Tomaz de Souza

    um dos responsveis pela investigao de possveis fontes, uma vez que o arraial no

    dispunha de fartura de gua de boa qualidade. Nos outros arraiais, esta dificuldade se

    apresentava de maneira menos grave, e as principais fontes de abastecimento para a popu-

    lao eram cisternas e pequenos audes, muitas vezes construdos por mestres de ofcio.

    A construo das fontes em Vila Boa requisitou uma srie de solues tcnicas, em

    especial para o material das tubulaes. Com um oramento apertado, e uma demanda

    emergencial, empregar tubulaes e conexes de cobre (carssimas poca) inviabiliza-

  • 25

    riam a obra. A opo foi usar um material abundante na regio: a pedra-sabo. Mas este

    material tinha um inconveniente: a baixa resistncia ao aumento da presso, comum na

    poca das chuvas. Foram executados inmeros reparos, sendo mantido o material original

    at o inicio do sculo 20.

    As fontes de abastecimento sofreram numerosas runas e reformas. Estas obras de

    reconstruo foram providenciadas medida que o abastecimento ficava comprometido.

    Trabalharam nestas obras diversos profissionais: mestres de risco, engenheiros militares,

    pedreiros. A contratao do executor destas obras dependia essencialmente da disponibi-

    lidade de mo de obra qualificada e dos oramentos para contratao.

    A produo cartogrfica Definio dos limites da Capitania

    O mapa uma construo social que no neutra, e atravs de seu estudo possvel

    descrever o mundo, considerando relaes de poder e prticas culturais, preferncias e

    prioridades. (HARLEY, 2001)

    Mapas so representaes sociais. E foram elementos importantes na construo da

    identidade da capitania de Gois e na legitimao da estrutura de poder. Para compreender

    a importncia da contribuio da engenharia para a histria de Gois, necessrio olhar

    para o mapa e o que emerge de sua iconografia: uma representao da relao da paisa-

    gem com a sociedade.

    As representaes do mundo social assim construdas, embora aspirem universa-

    lidade de um diagnstico fundado na razo, so sempre determinadas pelos interesses do

    grupo que as forja.

    (CHARTIER, 2004)

    A primeira Carta da Capitania de Goyaz, de 1749, foi elaborada pelo secretrio da

    Capitania de So Paulo, Antnio Cardozo. O desenho identificou os caminhos de Vila Boa

  • 26

    para os arraiais, para Cuyab, notificou com pontilhados os acessos entre os stios, com

    indicao das lguas marcando as distncias. Assim como todos os caminhos levavam a

    Roma no imprio antigo, todos os caminhos dos sertes partiam do arraial de Vila Boa.

    Esta representao reflete o interesse poltico de um discurso, que oportunamente, ilustrou

    o arraial como centro poltico e econmico em detrimento de outros, como Jaragu e, prin-

    cipalmente, Meia Ponte. A carta apresentou uma percepo social, uma estratgia e uma

    prtica que contriburam para a estruturao do poder da Coroa nas terras dos chapades.

    Em 1751, outro mapa apresentado ao governo da Coroa. O cartgrafo Francisco

    Tosi Colombina, engenheiro Militar italiano, foi contratado por dom Marcos para elaborar

    a carta. Este documento uma compilao do elaborado em 1749, com o acrscimo das

    rotas fluviais. Neste mapa, quarenta e nove localidades so apresentadas: vilas, arraiais

    com freguesia, arraiais

    sem freguesia, stios e Vila

    Boa. As apresentaes do

    primeiro e segundo planos

    da perspectiva remetem

    ideia de civilizao que

    Dom Marcos empreendia

    poca de estruturao da

    capitania. Para o projeto

    de colnia ser bem suce-

    dido, apropriar-se do ter-

    ritrio era um paradigma

    fundamental. Evidenci-lo

    em produes cartogrfi-

    cas fortalecia o discurso

    de poder que se estabele-

    cia na recm-fundada ca-

    pitania.

    Com Tosi Colom-

    bina, a engenharia, cuja

    Mapa elaborado por Tosi Colombina em 1751

  • 27

    contribuio para a Histria de Gois at ento era essencialmente tcnica, comeou a

    atuar tambm na construo da identidade e do territrio goianos.

    Em 4 de agosto de 1772, o governador capito-general, Baro de Mossmedes, re-

    latou a necessidade de se contratar um engenheiro para uma produo cartogrfica que

    estabelecesse os limites da capitania. Segundo Jos de Almeida, o extravio de ouro pelas

    fronteiras, as disputas por minas nas regies do Mato Grosso, nas margens do Araguaia,

    e com Minas Gerais, nas cabeceiras do Paranaba, davam muitos prejuzos a Gois.

    Em 1774 o governador da Capitania de Gois, Jos de Vasconcellos Almeida, redigiu

    um ofcio solicitando a contratao de um oficial engenheiro, cujo objetivo seria estudar

    os limites da capitania e apresent-los ao governo. Este governador havia tomado posse

    em 26 de julho de 1773, com plenos poderes da Coroa para inclusive renegociar e perdoar

    as dvidas dos mineiros. A situao estava tensa, e as intrigas e disputas das fronteiras,

    intensificadas. Os veios aurferos se exauriram e a capitania mergulhou em um empobreci-

    mento veloz. As minas ainda produtivas eram disputadas ferozmente pelos governadores,

    e estabelecer limites era uma prioridade para o governo de Gois.

    Foi nomeado o engenheiro do Corpo de Engenheiros Auxiliares, o capito Tomaz

    de Souza, que mais tarde receberia a patente de Major. Era carioca, com formao na Es-

    cola de Oficiais do Rio de Janeiro e em 1774 se encontrava em servio em Cuiab, vindo

    em 1776 para Gois. Este oficial engenheiro seria encarregado da cartografia oficial, do

    estudo e construo de uma fonte para o abastecimento de gua potvel em Vila Boa e de

    outro importante empreendimento, que foi o desvio das guas do Rio Maranho em 1779,

    j no governo de Luiz da Cunha.

    As mos que desenhavam os mapas eram importantes. Mas era o olhar para a paisa-

    gem que iria dar s cartas o carter informativo, e, histria, os rastros da compreenso

    do espao, paisagem e sociedade de Gois em tempos de capitania.

    Durante um ano, o engenheiro militar percorreu toda a capitania. Fez o que chamou de

    Caminho das guas, visitando toda a hidrografia goiana. Em janeiro de 1778, apresen-

    tou os mapas produzidos pela expedio militar ao Conselho Ultramarino.

    A construo cartogrfica da Carta ou Plano da Capitania de Goyaz de 1778, docu-

    mento oficial da Coroa Portuguesa, reunia elementos da paisagem, representava o relevo

    e as bacias hidrogrficas, as construes como interveno no territrio e apropriao

  • 28

    do espao, as estradas que liga-

    vam Gois a Minas, a Cuiab e a

    Salvador. Apresentava uma hie-

    rarquia para classificar os povo-

    amentos conforme sua insero

    na economia da minerao: Vila

    Boa, arraiais com freguesia, ar-

    raiais sem freguesia e as aldeias

    (estas por ltimo, representando

    onde a sociedade mineira de Goi-

    s enxergava o ndio).

    Ao inserir a identificao

    poltica, os 13 julgados e os ele-

    mentos de fronteiras que faziam

    emergir Gois como territrio, o

    arranjo de todas estas informa-

    es indicava a quem remetia: a

    Coroa Portuguesa e seu projeto

    de colonizao.

    por trs de cada cartgrafo

    existe um patrono. Logo, o mapa

    possui necessidades externas a ele, e se torna uma ferramenta para a manuteno do po-

    der governamental, para gerenciar suas fronteiras, comrcio, administrao interna, con-

    trole de populaes e fora militar, atravs de um discurso social, ideolgico e retrico.

    Nessa concepo, o mapa uma construo social que no neutra, e atravs de seu

    estudo possvel descrever o mundo considerando relaes de poder e prticas culturais,

    preferncias e prioridades.

    (HARLEY, 2001)

    O mapa De Tomaz de Souza definiu as fronteiras de Gois, estabelecendo limites iden-

    tificados em coordenadas astronmicas, conhecimento tcnico avanado poca. Seu tra-

    balho foi to preciso que em 1920, quando houve um questionamento das fronteiras pelo

  • 29

    Projeto do Ten. Cel. Eng. Oliveira Lobo de uma Igreja para o Presdio de Leopoldina

    governador de Mato Grosso, em uma discusso que foi levada ao Congresso Nacional,

    o preciosismo de Tomaz de Souza foi decisivo para a manuteno da fronteira. A modifi-

    cao do territrio goiano s ocorreu em 1989, com a criao do estado do Tocantins. O

    desenho feito por esse engenheiro prevaleceu oficialmente at o sculo 20.

    Os presdios a fortificao militar para a posse das guas do serto

    Chamadas de fortificaes tranquilizadoras, essas construes foram implantadas

    durante o processo de povoamento em todo o Brasil colnia. Era a unidade da Coroa que

    garantia a posse de terra em detrimento de invases estrangeiras que porventura ousas-

    sem penetrar pelo Brasil via regio central, atravs da navegao das bacias amaznicas

    e goianas.

    Estas construes ti-

    nham um projeto padro, que

    era enviado pela Coroa Portu-

    guesa e adaptado pelo corpo

    de engenheiros do destaca-

    mento militar responsvel pela

    construo dos presdios no

    Brasil Colnia. Estas unidades

    foram adotadas por Sebastio

    Jos de Carvalho, o Marqus

    de Pombal, a partir de 1750.

    Como ocorreu uma

    grave invaso espanhola na

    colnia de Sacramento, em

    1745, a Coroa Portuguesa fi-

    cou temerosa em perder as

    terras da colnia, da transfor-

    mou os presdios como uma

  • 30

    estratgia de ocupao e segurana. Em Gois, o primeiro presdio seria o de So Joo

    da Barra, cuja construo comeou em 1798 e terminou em 1802. Depois se seguiram a

    construo de mais 21 unidades em toda a Capitania, preferencialmente s margens do

    Araguaia e do Tocantins. Foram estas fortificaes as principais obras de engenharia da

    segunda metade do sculo 19, tendo Ernesto Valle, um engenheiro Civil, como seu prin-

    cipal administrador.

  • 31

    CAPTULO 2 - Transportes2.1 A Navegao no Araguaia / Estrada de Ferro Tocantins

    O Difcil Caminho de Desenvolvimento

    A navegao nos rios Araguaia e Tocantins estava interrompida desde 1733 devido

    ao contrabando de ouro, mas foi liberada em 1782 e teve grande impulso no sculo 19. O

    Governo Imperial incentivou a navegao fluvial como uma maneira de melhorar as trocas

    comerciais entre o interior e o litoral atravs de Belm.

    A produo de ouro estava em declnio e os dois rios passaram a ser vistos como o

    caminho para o desenvolvimento, integrando uma vasta regio do Brasil Central com o

    Par e seus portos. No havia estradas e este era um dos grandes entraves ao crescimento

    da economia. Os insumos necessrios produo e os produtos para consumo chega-

    vam a Gois por um preo muito alto e as mercadorias vendidas pelo Estado no tinham

    preo competitivo. Gois no tinha ainda nada para substituir o ouro como base de sua

    economia.

    Para que fosse possvel essa navegao comercial, no entanto, era necessrio garantir

    sua segurana e o governo comeou ento a construir s margens do Araguaia algumas

    fortificaes militares a que se dava o nome de Presdios. Esta construo inicial depois

    evoluiu para pontos de abastecimento e pernoite, ncleos de aproximao com os indge-

    nas, catequese e posteriormente transformaram-se em aldeamentos. Um dos primeiros

    a serem construdos, com o nome de Leopoldina para homenagear a Imperatriz, hoje a

    cidade de Aruan. Outro que teve funo importantssima no meio do trajeto, Santa Maria,

    hoje Araguacema, no Tocantins.

    A Capitania nada exportava; o seu comrcio externo era absolutamente passivo, os

    gneros da Europa vinham em bestas do Rio de Janeiro, ou Bahia pelo espao de 300

    lguas, chegavam carssimos; os negociantes vendiam tudo fiado: da a execues, da a

    total runa da Capitania [] (Joaquim Teotnio Segurado Memria Econmica e Poltica

    sobre o Comrcio Ativo da Capitania de Gois, 1806, Apud Carvalho (2008).

    A navegao foi o caminho procurado para o desenvolvimento de Gois, principal-

  • 32

    mente atravs dos negcios com o Par e tambm para negcios com o exterior atravs de

    seu porto. Para isto era preciso remover todos os obstculos, melhorar as passagens nas

    corredeiras e catequizar os ndios. A implantao de presdios militares era o primeiro pas-

    so para viabilizar essa rede de navegao e o governo da Capitania concedeu at iseno

    de impostos para as pessoas que se mudassem para as margens dos rios. Estava claro

    para o Governo que a navegao era o caminho que traria o desenvolvimento para Gois.

    Na segunda metade do sculo 19 houve um grande desenvolvimento da navegao a

    vapor no Brasil, cobrindo toda a regio costeira entre o Par e o Rio Grande do Sul. O Mato

    Grosso se comunicava com todo o litoral brasileiro atravs do Rio Paraguai e da Bacia do

    Prata. O Amazonas tambm articulou, atravs do Madeira e do Negro, suas ligaes com

    o restante da Regio Amaznica.

    Couto Magalhes foi o grande defensor da navegao do Araguaia, consciente que

    essa era a sada para a explorao do grande potencial econmico de Gois e seria o

    indutor do seu desenvolvimento. A exportao se desenvolveria a partir da fabricao de

    produtos utilizando as riquezas vegetais e minerais de Gois. S faltava o transporte ba-

    rato e essa era a sua luta.

    Aos 24 anos, Couto Magalhes foi nomeado presidente da Provncia de Gois em

    outubro de 1862. No ano seguinte ele fez uma viagem pelo Araguaia, saindo do porto de

    Manoel Alves no dia 25 de setembro e voltando no dia 31 de outubro. Ele descreveu esta

    viagem no livro Viagem ao Araguaia, publicado pela primeira vez em 1863.

    Para ter uma viso mais precisa do trajeto das embarcaes e das providncias tc-

    nicas que deveriam ser tomadas para viabilizar a navegao comercial no Araguaia/To-

    cantins, no dia 10 de julho de 1863 ele havia designado o diretor geral dos presdios, o

    engenheiro Ernesto Vale, para fazer um estudo detalhado do roteiro desde o Ponto do

    Travesso, no Rio Vermelho, at Belm, registrando principalmente as dificuldades que

    seriam encontradas no perodo da estiagem.

    Vale dividiu o trajeto em quinze trechos e o resultado de seu trabalho foi publicado

    no Jornal da Provncia de Goyaz no dia 5 de novembro de 1870. O primeiro trecho est no

    Rio Vermelho, do segundo ao nono esto no Araguaia e o restante est no Rio Tocantins.

  • 33

    Jos Vieira Couto de Magalhes nasceu em Diamantina, Minas Gerais,

    no dia primeiro de novembro de 1837 e faleceu no dia 14 de setembro de

    1898. Cursou o Seminrio de Mariana e a Faculdade de Direito de So Pau-

    lo, formando-se em 1859, e foi um incansvel estudioso dos nossos sertes.

    Estudante dedicado e pesquisador de lnguas estrangeiras e indgenas,

    foi uma pessoa de grande atividade intelectual. Estudou astronomia, fsica e

    mecnica, tendo posteriormente seus instrumentos para experincias cient-

    ficas sido doados ao Instituto Politcnico de So Paulo. Fundou o Clube de

    Caa e Pesca de So Paulo e organizou a Sociedade Paulista de Imigrao.

    Colaborou com muitos jornais, principalmente no Jornal do Comrcio e no

    Dirio Popular, tendo tambm pertencido ao Instituto Histrico e Geogrfico

    Brasileiro. Deixou indita uma gramtica da lngua geral indgena.

    Exerceu o cargo de Secretrio do Governo de Minas Gerais entre 1860

    e 1861. Envolvido na poltica do Imprio, e afiliado ao Partido Liberal, foi

    Presidente das Provncias de Gois, Par, Mato Grosso e So Paulo. Aps

    a Guerra do Paraguai, na qual foi o comandante em chefe no Mato Grosso e

    participou da batalha de reconquista de Corumb, ganhou do governo im-

    perial o ttulo de Baro de Corumb mas o recusou, preferindo o de General

    Brigadeiro, distino que raras vezes se concedia a civis.

    Escritor e folclorista, teve obras importantes publicadas: O Selvagem,

    obra escrita a pedido de D. Pedro II para figurar na Exposio de Filadlfia

    em 1876, tratando do idioma, dos costumes, mitos e usanas dos nossos

    ndios; Viagem ao Araguaia; A Revolta de Felipe dos Santos em 1720, que

    abriu-lhe as portas do Instituto Histrico Geogrfico; Os Guaianases (ro-

    mance histrico) ou a Fundao de So Paulo; Anchieta e as Lnguas Ind-

    genas, por ocasio do tri-centenrio do famoso jesuta.

  • 34

    A distncia total de pouco mais de 400 lguas, ou 2.640km.

    No dia 24 de janeiro de 1864, o engenheiro terminara os estudos tcnicos, acompa-

    nhados da cartografia hidrogrfica e apresentou-os a Couto Magalhes, observando que

    a navegabilidade do Araguaia, durante todo o ano, restrita ao trecho Leopoldina Santa

    Maria e tambm que, nos meses de dezembro a maio (poca das enchentes) o rio Verme-

    lho navegvel do Ponto do Travesso a Leopoldina.

    Bastante conhecedor do sistema de presdios, Vale observou que os principais pres-

    dios, Santa Maria (atual Araguacema - TO), Leopoldina (atual Aruan - GO) e So Joo do

    Araguaia, poderiam ser pontos de abastecimento para a tripulao e para o fornecimento

    de lenha aos barcos, sendo tambm portos de embarque e entrepostos comerciais. Ele

    sugeriu ainda que a lenha pudesse ser fornecida pelos ndios.

    O Presdio de Santa Maria tinha vantagens especficas como localizao estratgica,

    regio de solo frtil, rica em fauna e flora, abundncia de peixes. De acordo com Vale,

    provavelmente ele se tornaria o maior centro abastecedor e props que se promovesse o

    fortalecimento do Presdio de Santa Maria e de So Joo e a criao de novos ncleos.

    Atendendo s sugestes, o presidente da Provncia Jos Martins Pereira de Alencastre de-

    terminou, em 1861, que os negros sentenciados fossem trabalhar na defesa dos presdios

    juntamente com os soldados.

    Os Presdios de Santa Maria e de So Joo so indispensveis, porque esse terreno

    compe-se de 150 lguas, inteiramente deserto de gente civilizada e povoado de selva-

    gens. Nele existem as cachoeiras do Araguaia, que, dificultando a viagem, exigem mais

    demora e maior nmero de socorros (MAGALHES, 1957: 194).

    Levando-se em conta os esforos que ele fez e o trabalho permanentemente dirigido

    para sua viabilizao, podemos afirmar que se deve a Couto de Magalhes o estabeleci-

    mento da navegao a vapor no Araguaia. Ele sempre teve como objetivo estabelecer um

    caminho fluvial entre Mato Grosso, Gois e Par, comunicando a bacia do rio da Prata

    com a do Amazonas atravs de um pequeno trecho de terra. Mesmo utilizando-se barcos

    a remo no trecho onde a navegao a vapor no era vivel, o tempo de viagem entre Leo-

    poldina e Belm deveria cair de sete para trs meses.

  • 35

    Antes da navegao a vapor ele j era entusiasta da ligao de Gois com o litoral

    atravs do Araguaia. Para mostrar a vantagem de adotar esta sada, no segundo captulo

    do seu livro Viagem ao Araguaia, publicado em 1863, ele apresentou planilhas para

    comparar o preo do frete, comentando tambm as vantagens adicionais. Veja nas pala-

    vras dele mesmo:

    Sempre que se fala na navegao do Araguaia apresentam-se logo dois ar-

    gumentos, que aos olhos de muitos parecem irrespondveis: as cachoeiras do

    Tocantins e o deserto das margens do Araguaia.

    Entretanto estes argumentos de nada valem.

    No se trata de saber se a navegao ou no dificultosa; trata-se, sim, de sua

    convenincia. Quando que um meio comercial qualquer convm? Todos sabem

    que quando deixa lucro. Desde que se demonstre que o transporte por via do

    Araguaia muito mais barato do que outro qualquer meio, est demonstrado que

    o Araguaia o melhor dos meios de transporte.

    Falar em cachoeiras, em praias desertas, pedantismo prprio de quem no

    v as questes por sua verdadeira face.

    Eu, que sou consumidor, que me importa se o ferro que eu compro custou a

    quem o conduziu muitos trabalhos e lutas? Para mim a nica questo interessante

    a do preo do ferro.

    Se, por via do Araguaia, compro-o por preo inferior ao que compraria por

    meio das estradas do sul, o Araguaia me deixa um grande benefcio.

    Por outro lado, o transportador pe em linha de conta todos os trabalhos por

    que passa e se, mesmo assim, ele vende o frete, por via do Araguaia, mais barato

    do que por via das estradas do sul, claro fica que por lhe fazer conta.

    o que justamente acontece.

    Com todas as dificuldades que existem atualmente na navegao do Araguaia,

    e que sero removidas desde o momento em que a navegao se estabelea mais

    regularmente, a arroba chega muito mais barata, vinda do Par, do que do Rio de

    Janeiro.

    Fiz um clculo minucioso destas despesas, e a o deixo, a fim de que o leitor

  • 36

    Item Preo unitrio Preo total

    2 arrieiros 150$000 300$000

    2 ajudantes 80$000 160$000

    2 camaradas dianteiros 60$000 120$000

    18 tocadores de lote 50$000 900$000

    1 cozinheiro 40$000 40$000

    1 ajudante de cozinheiro 35$000 35$000

    Raes dos camaradas $240 864$000

    Despesas com as bestas de carga 40$000 7:080$000

    Despesas com 26 bestas dos camaradas 26$000 676$000

    Amortizao do valor da tropa 6$250 1:112$500

    Juro do valor da tropa, a 5 % por viagem 895$000

    Soma 12:182$500

    Importncia do frete por arroba 6$411

    DESPESAS COM UM BOTE E UMA IGARIT, QUE CONDUZEM 1.900 ARROBAS, NUMA VIAGEM DE IDA E VOLTA DO PORTO DE SANTA LEOPOLDINA AO PAR.

    Item Preo unitrio Preo total

    1 piloto de bote 300$000 300$000

    1 piloto de igarit 150$000 150$000

    2 proeiros 120$000 240$000

    2 contraproeiros 100$000 200$000

    2 popeiros 90$000 180$000

    1 caador 100$000 100$000

    1 ajudante de caador 80$000 80$000

    20 remeiros 80$000 1:600$000

    Sustento de ida e volta 800$000 800$000

    Calafetagem no Par 100$000 100$000

    Calafetagem em Santa Leopoldina 25$000 25$000

    Cordas de piaaba 60$000 60$000

    Passaporte e visita 50$000 50$000

    Amortizao do valor do bote 250$000 250$000

    Juro do valor do bote, da igarit e de uma montaria a 10% 120$000 120$000

    TOTAL 4.255$000

    Preo do frete por arroba 2$239

    aprecie cada um dos dados em que me baseei:

    Por esse clculo, v-se que a arroba, partindo do Par, chega a Gois com a

  • 37

    despesa de 2$239; que a arroba, partindo do Rio de Janeiro, chega a Gois com a

    despesa de 6$411, isto , o transporte por via do Rio de Janeiro mais caro quase

    300%, do que pelo Araguaia.

    Note-se que, neste clculo, s compreendo e comparo peso com peso; exis-

    tem, porm, muitas outras coisas que valeria a pena mencionar-se e que, entre-

    tanto, no ponho em linha de conta, tais como: o transporte pelas bestas no pode

    carregar volumes superiores a seis arrobas; o transporte por barcos pode carregar

    de 20, 30 e mais; resulta:

    1, que,por viadasestradasdosul,muitosobjetosessenciais nossaindstria aqui no podem chegar, como sejam grandes alambiques, cilindros de

    ferro etc. e mil outros instrumentos necessrios para a indstria da cana, da ex-

    trao do ouro e diamante e para outras que jazem inexploradas at hoje por esse

    obstculo;

    2,desdequeosvolumessomenores,opesodoscaixesmuitomaior;assim, se houvermos de transportar cem arrobas em um s caixo e cem arrobas

    em dez caixes, o peso do primeiro ser aproximadamente cinco vezes menor do

    que dos dez. Ora, esse peso carregado no frete da arroba vendvel, de modo que

    o negociante que transporta por via das estradas do sul paga em cem arrobas perto

    de 25 de peso intil, o que faz com que, para no perder, carregue sobre o preo

    da mercadoria a quantia assim despendida.

    Ao trmino de seu governo foi chamado ao Rio de Janeiro. Para fazer esta viagem foi

    novamente de barco, descendo os rios Vermelho, Araguaia e Tocantins at chegar a Belm

    e pegar o navio para a capital federal onde recebeu a nomeao de presidente da Provncia

    do Par. Enquanto esteve frente do governo desta Provncia mandou construir um vapor

    e tentou com ele subir o Tocantins, mas naufragou nas corredeiras em um canal chamado

    Inferno. Terminado seu perodo de governo voltou para o Rio, onde foi nomeado para a

    presidncia da Provncia do Mato Grosso, nos anos em que se desenrolava a Guerra do

    Paraguai e parte da Provncia estava em poder do inimigo.

  • 38

    Transcrevemos um trecho do relato do prprio Couto de Magalhes para que se possa

    apreciar sua personalidade:

    Para desalojar os paraguaios de Mato Grosso e cortar-lhes as comunicaes com

    a Bolvia, fui eu escolhido, em falta de melhor, porque todos os nossos generais vlidos

    estavam no sul, empenhados na guerra, e c s tnhamos os velhos, de todo imprprios

    para fazer a viagem dificlima daqui a Cuiab, por terra, e os quatro que me antecederam

    ficaram no caminho, e foram: o sr. coronel Carneiro de Campos, que ficou preso em As-

    suno; o sr. general Visconde de Camam, que morreu creio que sem ter passado alm

    de Campinas; o sr. general Drago, que no passou, creio eu, alm de Uberaba; o sr. general

    Galvo, que morreu no Daboco, se me no falha a memria, pois estou escrevendo sem

    documentos, e a mais de 20 anos de distncia.

    Segui para l, alegre e contente, certo de que, se houvesse rios cheios e sem pontes,

    eu os passaria a nado; se os bugres me quisessem estorvar, eu os afugentaria a bala... Que

    que a gente no imagina na dezena dos 20 aos 30 anos, quando tem boa sade?

    Efetivamente, fui mais que feliz; em pouco mais de dois meses, fiz a viagem, e em

    menos de um ano tinha conseguido derrotar os paraguaios, libertar a provncia e impedir

    os auxlios que da Bolvia pudessem ir aos paraguaios, como consta dos relatrios dos

    ministros da Guerra desse tempo.MAGALHES (1957)

    ROTEIRO DE FILME

    Terminada a guerra no territrio do Mato Grosso, depois da tomada de Co-

    rumb e do Rio Apa, Couto Magalhes considerou que o vapor de guerra Antonio

    Joo era dispensvel e conseguiu autorizao do Governo Federal para desarmar o

    vapor e traz-lo para o porto de Itacayu, na margem esquerda do Araguaia. O navio

    foi desmontado e colocado em 14 carros de boi para a viagem e rodaram cerca de

    cem lguas (660 quilmetros) em estradas que no existiam, atravessando rios sem

  • 39

    Cena do filme Fitcarraldo, em que um navio transportado atravs da floresta

    pontes. Os caminhos foram abertos por eles para trazer o vapor, sob o comando

    do capito paulista Antonio Gomes Pinheiro.

    Em Itacayu ele foi montado e colocado para navegar. Nesse porto, a recons-

    truo do vapor foi feita sob a direo do capito de mar e guerra, comendador

    Balduno Jos Ferreira de Aguiar, do primeiro tenente Peixoto e do maquinista

    Felisberto Newzam, auxiliados pelos soldados de linha do comando do capito

    Lima e operrios trazidos de Cuiab (MAGALHES,1957: XXXVII).

    No dia 28 de maio de 1868 foi inaugurada a navegao a vapor no rio Ara-

    guaia, no Porto de Santa Leopoldina. O vapor Antnio Joo teve na inaugurao

  • 40

    o nome de Araguay-ner-a, mas depois foi simplificado para Araguaya. Estavam pre-

    sentes Couto Magalhes, Presidente da Provncia de Mato Grosso, o desembargador Joo

    Bonifcio Gomes de Siqueira, vice-Presidente da Provncia de Gois, acompanhado do

    funcionalismo oficial, outras autoridades e cidados que foram assistir quele ato hist-

    rico.

    Estava dado o primeiro passo para a navegao do Araguaia. Se fosse confirmada a

    expectativa de Couto Magalhes, a partir da seriam mais viveis os negcios da Provncia

    e maiores as chances de prosperidade. Parecia a todos que, resolvido o problema do frete

    barato, estariam superados todos os problemas causados pela distncia do litoral. Ernesto

    Augusto Pereira, presidente da Provncia de Gois em 1870, relata:

    A navegao do Araguaya dever sem dvida abranger a do Tocantins e estender-se

    at o Par, de modo que o negociante desta Provncia apenas tenha o trabalho de remeter a

    sua encomenda ao seu correspondente no Par e receber os gneros em Santa Leopoldina

    ou em outro ponto mais prximo. [...] Os gneros do comrcio viro mais bem acondi-

    cionados, menos sujeitos deteriorao e estragos, chegaro pelo menos cento por cento

    mais baratos; viro para o comrcio objetos que atualmente impossvel trazer do Rio de

    Janeiro; toda a provncia de Goys gozar do benefcio, e a exportao, quase nula do sul

    desta provncia, aumentar assim como a importao. (Trecho do Relatrio da Presidncia

    Ernesto Augusto Pereira

    Como previsto pelo enge-

    nheiro Ernesto Vale, os pres-

    dios do vale do Araguaia tor-

    naram-se portos de embarque

    e entrepostos comerciais. Ali

    era o referencial da navegao.

    Ali acontecia o reabastecimento

    dos barcos e o apoio s peque-

    nas embarcaes.

  • 41

    Demonstrando tambm o acerto das previses de Couto Magalhes, os povoados

    criados em torno dos presdios tiveram grande desenvolvimento econmico, principal-

    mente por causa da facilidade no transporte. Havia mais viajantes e hspedes e o inter-

    cmbio com outros povoados aumentou, com ligaes terrestres do Presdio de Santa

    Maria com Pedro Afonso e Porto Imperial (hoje Porto Nacional), e tambm do Presdio de

    Santa Leopoldina com a cidade de Gois.

    Em 1870 Couto Magalhes foi novamente ao Par e de l trouxe outro vapor, o Co-

    lombo. Segundo as palavras dele foram os primeiros vapores que jamais chegaram em

    cima do plateau central da Amrica do Sul.

    Ele era um entusiasta das viagens:

    Cortar o plateau central no rumo Norte a Sul em uma extenso de duzentas lguas. A

    o vapor, passando por entre as numerosas aldeias de ndios que ainda andam nus, apre-

    senta em contraste os dois extremos da cadeia humana: a raa civilizada que usa desse

    primeiro agente do progresso e o homem nu, imagem viva da primeira rudeza e barbarida-

    de selvagem de nossos maiores. (MAGALHES, 1957: 103)

    No dia 24 de novembro de 1870 o Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pbli-

    cas publicou o edital da concorrncia para a navegao a vapor no Araguaia, entre os por-

    tos de Itacayu e Santa Maria, com escalas em So Jos de Jamimbu, Luiz Alves ou Foz de

    Crixs, So Jos dos Martrios, So Vicente e So Joo do Araguaia. Passageiros e cargas

    que iam para Belm seguiam de bote a partir de Santa Maria. As viagens de Leopoldina a

    Belm duravam em mdia seis meses.

    A direo do servio de navegao foi entregue a Couto Magalhes, e Joo Jos

    Corra de Moraes foi contratado para explorar a navegao comercial. Dentre outras con-

    dies, o contrato estipulava que a companhia tinha uma subveno anual de 40 contos

    de reis e se obrigava a fazer seis viagens de ida e volta por ano entre os portos de Itacayu

    e Santa Maria, um percurso de 1.200 km, com escalas em So Jos dos Martrios e Santa

    Leopoldina. Os navios teriam capacidade mnima de quatro mil arrobas (60 toneladas) e

  • 42

    o preo do frete e das passagens devia ter aprovado pelo governo, que teria frete gratuito

    para os malotes do correio.

    O empresrio, no entanto, trs anos depois devolveu a navegao no Araguaia ao Go-

    verno e assumiu a do Baixo Tocantins, fazendo por ano doze viagens entre Patos e Belm,

    com subveno de oitenta e dois contos de reis por ano.

    Aps dez anos do funcionamento da navegao, havia progresso nos neg-

    cios de Gois com outras regies do Brasil e at com o exterior. Na cidade de

    Gois era possvel encontrar vrios produtos importados, como por exemplo:

    VinhodoPorto(2$500agarrafa) CervejaTivole(2$000agarrafa) Azeitonas,latagrande(3$000)Alm desses, havia bolachas americanas, molho ingls, conserva inglesa,

    azeite francs e machados americanos marca Collins.

    (DOLES, 1973: 119, Apud Carvalho, 2008).

    O fortalecimento dos presdios era uma necessidade constante para viabilizar

    a navegao. Couto Magalhes tambm percebia que a navegao s se consolidaria se

    o Vale do Araguaia estivesse povoado.

    O Presdio de Santa Maria, por sua comunicao com o rio do Sono, no Tocantins,

    de que dista apenas trs dias de viagem e, finalmente pela fertilidade do seu solo, passou a

    ser a mais importante povoao do Araguaia. Com a interrupo da navegao e a ameaa

    dos ndios Caiaps caiu em decadncia, porm parece reanimar-se, e, com efeito, de

    esperar que isso acontea, se a empresa de navegao florescer.

    (Relatrio do Sr. Dr. Aristides de Souza Spindola, presidente da provncia Assem-

    blia Provincial de Goyaz, de 1 de maro de 1880 Livro de Relatrios da Presidncia,

    1880 - Presdios. Arquivo do Museu das Bandeiras).

    No final da dcada dos anos de 1870 a companhia de navegao tinha trs vapores,

  • 43

    vrias embarcaes menores e mais de 150 funcionrios. Alm do pessoal administrati-

    vo havia tambm tcnicos responsveis pelas mquinas, marinheiros, foguistas e todo o

    pessoal necessrio para um bom desempenho da navegao. Alm desse pessoal empre-

    gado, havia necessidade de grande nmero de fornecedores e a navegao trouxe novas

    fontes de trabalho e de renda para a populao. Nesta poca os presdios de Santa Maria e

    Leopoldina haviam se tornado importantes aglomeraes, verdadeiros centros de comr-

    cio e prestao de servios.

    Um relatrio da presidncia da provncia reflete o bom momento para os negcios

    causado pela navegao:

    O movimento de impor-

    tao e exportao realiza-

    do entre esta provncia e do

    Par, pelo Araguaya, affirma

    o desenvolvimento da nave-

    gao e progresso da empre-

    za proporo que as foras

    productoras da Provncia se

    augmentam, corresponden-

    do s suas exigncias. A ex-

    portao realizada de 1879

    de 167.234 kilos de peso de

    gneros; a importao, no

    mesmo perodo, de 120.000

    Kilos (Trecho do Relatrio da

    presidncia Dr. Joaquim de

    Almeida Leite Moraes 10 de

    fevereiro de 1881).

    No final dessa dcada foi

  • 44

    assinado novo contrato com Joo Jos Correia de Moraes, mas a qualidade dos servios

    comeou a entrar em declnio, aparentemente por problemas administrativos da empresa

    e falta de fiscalizao.

    Mesmo contando com o apoio estratgico dos presdios militares, havia outros gran-

    des obstculos navegao no trecho completo, principalmente os ndios e as cachoeiras.

    Abaixo de Santa Maria, onde s se utilizava os barcos movidos a remo, era grande o risco

    para vidas, mercadorias e embarcaes.

    O governo e os empresrios vinham h algum tempo estudando a possibilidade de

    uma ligao terrestre entre Santa Maria e algum ponto do Xingu onde pudesse ser feito um

    transbordo para navegao at Belm.

    Em um relatrio feito pelo Vice-Presidente da Provncia no dia 10 de fevereiro de

    1881, ele registrou:

    Ou a comunicao do Araguaya com o Xingu, no ponto em que ambos so naveg-

    veis a vapor, salvar a empreza, e com ella os grandes interesses comerciaes e polticos

    que repousam sobre a ligao do norte ao sul do Imprio, ou ento sua impossibilidade

    aniquilar a empreza no dia de amanh.

    Em 1878 Joo Jos de Moraes havia transferido a companhia de navegao para uma

    empresa americana, a The Par Transportation and Trading Company, que tinha capital

    de sete milhes de dlares para a desobstruo dos vrios canais de navegao. Aps

    estudar as condies econmicas da regio atendida pela hidrovia e tomar conhecimento

    dos elevados investimentos que seriam necessrios para que o empreendimento fosse

    operado de maneira adequada, levando em conta tambm que vrias iniciativas deveriam

    ser dos governos das provncias e do Imprio, a empresa desistiu dos investimentos e foi

    extinta ao final do contrato, em 1.888, entregando o equipamento em pssimo estado de

    conservao.

    A navegao foi suspensa e os presdios ficaram sem comunicao, causando enor-

    me retrocesso no sistema que tinha sido criado com base na navegao.

    Em setembro de 1889 o presidente da Provncia de Goyaz, Loureno Cavalcante de

    Albuquerque, enviou ofcio ao ministro responsvel pelas obras pblicas, solicitando que

  • 45

    fosse aberta nova licitao para o servio de navegao. O ministro at que atendeu o pe-

    dido no dia 23 de outubro, mas eles no sabiam que o Imprio iria acabar no ms seguinte.

    A Intermodalidade a SoluoEm 1873, a Comisso Pereira do Lago props a construo de uma ferrovia no trecho

    de corredeiras de Chambios a Alcobaa, no Par, que resolveria o antigo problema de se

    estabelecer o transporte confivel entre Gois e o Par. Seria a concretizao do sonho de

    escoar os produtos goianos e permitir a importao com fretes baratos.

    Este ilustre companheiro concluiu que era prefervel vencer os trechos intranspon-

    veis pela navegao por uma estrada de ferro entre Alcobaa e Santa Maria do que realizar

    melhoramentos no leito do rio, pois estes subiriam as quantias incompatveis com as

    populaes e com as possibilidades imediatas da regio. (JUB, 1929: 08-10).

    A ferrovia criaria a intermodalidade com o transporte fluvial, eliminando o gargalo

    para facilitar o transporte entre o Araguaia e o Baixo Tocantins. Couto Magalhes sempre

    tinha entendido que o foco para resolver o problema deveria ser a questo econmica:

    O que se tem em vista no navegar os rios, como meio de dar maior incremento

    marinha, e, sim, dar o desenvolvimento industria e ao comrcio, proporcionando-lhe

    fceis vias de comunicao; a questo da navegao dos nossos rios uma questo eco-

    nmica, que em nada se diferencia das de estradas de ferro, de rodagem, ou de quaisquer

    outras vias de comunicao, e parece-me que so os menos prprios para cuidar delas os

    ministros, que tem sobre seus ombros o grande peso de velar por que o pas tenha fora

    armada, terrestre ou martima, para manter a paz interna e o respeito s instituies e di-

    reitos, tanto por nacionais, como por estrangeiros.

    Para resolver a transposio, o Decreto 862, de 16 de outubro de 1890, j na Repbli-

    ca, concedeu ao engenheiro Joaquim de Moraes Jardim o direito de construir uma ferrovia

    com 180 km entre Alcobaa e Praia da Rainha e subveno para as linhas de navegao.

    Em 1905 foi criada a Companhia de Viao Frrea e Fluvial do Tocantins que conse-

    guiu emprstimo no exterior e comeou a construo da estrada em janeiro de 1908, mas

  • 46

    apenas 80 km foram construdos

    ligando a cidade de Tucuru (an-

    tiga Alcobaa) vila de Jotobal,

    no Par. Em 1916 a companhia

    entrou em liquidao por dificul-

    dades financeiras.

    Em 1967 o Governo Federal

    decidiu substituir a Estrada de

    Ferro Tocantins por uma estrada

    de rodagem e em 1974 os trilhos

    foram arrancados.

    Os presidentes da Provncia

    de Gois vislumbravam que a sa-

    da para o desenvolvimento seria a

    navegao pelo Araguaia e tenta-

    ram fazer que ela fosse vivel du-

    rante todo o sculo 19. Ela fun-

    cionou durante um breve perodo

    mas, no final do sculo as condi-

    es ainda eram praticamente as

    mesmas do incio.

    Comeou ento a se falar no prolongamento at a cidade de Gois dos trilhos da

    Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que chegara a Uberaba e iria at Araguari em

    1896.

    Em seu relato feito alguns anos antes, Couto Magalhes comentava que Minha opi-

    nio, com respeito a essa navegao, que ela nunca ser coisa regular enquanto a estra-

    da de ferro da Companhia Mogyana no chegar s guas do Araguaia. Outra observao

    no mesmo texto dizia que, para os goianos, O futuro grandioso com a navegao do

    Araguaia; sem ela, tudo raqutico e mesquinho, como tem sido at o presente.

    Seu projeto, que ele sonhava ver implantado no longo prazo, previa a interligao da

    navegao nas bacias do Tocantins e do Prata, atravs de uma ligao terrestre entre o

  • 47

    ponto navegvel mais a montante do Araguaia e o rio Taquari, no Mato Grosso.

    Um dos pontos que ele gostava de insistir em sua argumentao que Gois teria

    vrios produtos que passariam para a categoria de exportveis a partir do momento em

    que pudessem ser produzidos no vale do Araguaia e tivessem um frete competitivo at o

    porto. Os exemplos citados eram o caf, algodo, acar, aguardente, fumo, carne seca,

    couro, sola, trigo, que agora so produzidos na provncia quase que exclusivamente para

    seu consumo.

    A Repblica tinha chegado e com ela as mudanas. Antecipando o final melanclico

    da Estrada de Ferro do Tocantins, o Dirio Official do dia 20 de junho de 1900 publicou o

    edital da concorrncia para a venda de todo o material da extinta Empresa da Navegao a

    Vapor do Rio Araguaia. O Ministrio da Indstria, Viao e Obras Pblicas publicou edital

    em que se apresentavam as condies do equipamento:

    Vapor Araguaya

    Machina em bom estado; caldeira velha, porm em estado de servir, obras mor-

    tas bastante danificadas. Apparelhado com todos os pertences para viagem, como

    sejam gualdrapos, correntes para priso e ncoras, sineta, lanterna etc. Casco j

    podre.

    Vapor Colombo

    Apenas resta o casco, com-

    pletamente inutilisado, caldeira

    em estado de poder servir, ma-

    china inutilisada.

    Vapor Mineiro

    Casco inutilisado, machi-

    na muito estragada, caldeira no

    mesmo estado, armao de fer-

    ro, tambm estragada.

  • 48

    2.2 Estrada de Ferro Gois

    A transferncia da capital do pas para o planalto central j estava sendo tratada logo

    depois da Proclamao da Repblica, quando os deputados preparavam a nova Consti-

    tuio que entraria em vigor em 1891. No ano anterior, atravs do Decreto 862, de 16 de

    outubro de 1890, foram concedidos vrios trechos de ferrovia. De interesse para o Estado

    de Gois constavam:

    1. A extenso de rede da Mogiana at Catalo.

    2. Uma linha saindo de Catalo e passando pela cidade de Gois, Cuiab e Cceres,

    indo at um ponto navegvel do Rio Guapor, devendo obrigatoriamente servir navega-

    o do Araguaia e do Rio das Mortes.

    3. A extenso da Estrada de Ferro Oeste de Minas de Perdes at Catalo.

    4. Uma estrada de ferro saindo de Catalo e indo at Palma (atualmente Paran) ou

    outro ponto mais conveniente de conexo com a navegao no Rio Tocantins.

    5. Uma linha de na-

    vegao a vapor no Rio

    Tocantins de Belm at

    Alcobaa (hoje Tucuru),

    uma estrada de ferro de

    Alcobaa at a Praia da

    Rainha e outras duas de

    vapor, uma no Rio To-

    cantins at Palma (hoje

    Paran) e outra no Rio

    Araguaia e das Mortes

    em todo o trajeto nave-

    gvel.

    Se essas conces-

    ses tivessem sido im-

    plantadas, Catalo seria

    o maior entroncamento

  • 49

    ferrovirio do Brasil, ligando-se aos portos do Rio, de Santos, Belm e ao trecho navegvel

    do Rio Guapor, no extremo oeste brasileiro. No entanto,

    - A linha de vapores no Araguaia/Tocantins e sua intermodalidade ferroviria no

    chegaram a funcionar, o pequeno trecho de ferrovia construdo no Par foi desativado por

    inviabilidade econmica e depois submerso pelo lago da represa de Tucuru.

    - A linha de Catalo em direo ao norte nunca saiu do papel.

    - A Mogiana chegou a Araguari em 1896 e parou.

    - A extenso da ferrovia Oeste de Minas s chegou a Catalo e Goiandira em 1942,

    agora com o nome de Rede Mineira de Viao. Esta ligao com o Estado de Minas Gerais

    atravs de Trs Ranchos e a ponte sobre o rio Paranaba foi desativada com a formao do

    lago da represa de Emborcao. A ligao de Catalo com a malha ferroviria hoje se d

    apenas atravs do ramal para Goiandira.

    - A linha de Catalo em direo ao Oeste tambm no foi construda.

    O direito da Mogiana caducou e a Estrada de Ferro Alto Tocantins, reorganizada atra-

    vs do Decreto 5.949, de 28 de maro de 1906, passou a se denominar Companhia Es-

    trada de Ferro de Gois e ficou com a concesso para construir a ferrovia que, saindo de

    Araguari iria at Leopoldina (hoje Aruan), passando pela cidade de Gois, ento capital

    do Estado. O contrato foi assinado no dia 17 de maio de 1907 e as obras comearam no

    dia 27 de dezembro de 1909, chegando ao Rio Paranaba em 28 de setembro de 1911.

    Aps a construo de uma ponte de quase 300 metros, inaugurada em 1912, o trecho de

    Anhanguera a Catalo foi inaugurado em 1913, com as estaes intermedirias de Cumari

    e Goiandira.

    No ano de 1920 o Governo Federal, que tinha como Secretrio de Viao o Dr. Pires

    do Rio, encampou a ferrovia que alterou o nome para Estrada de Ferro Gois. Nesta data

    ela estava pronta de Goiandira at a estao do Roncador, nas margens do Rio Corumb.

    O trecho at Leopoldo de Bulhes estaria pronto em 1931 e at Anpolis em 1935. Os

    trilhos s chegariam a Goinia em 1950, capital desde 1937 e sepultando o projeto de

    prosseguimento da ferrovia.

  • 50

    ESTAES DA ESTRADA DE FERRO GOISESTAES DA ESTRADA DE FERRO GOIS

  • 51

    A Estrada de Ferro Gois teria, para a construo de Goinia, a mesma importncia

    que teve, 25 anos depois, para a construo de Braslia. Para estabelecer a logstica que

    seria necessria construo, uma das primeiras providncias que Israel Pinheiro tomou

    ao assumir a direo das obras da nova capital foi asfaltar uma estrada para Anpolis, que

    era a estao ferroviria mais prxima.

    Em discurso no dia 30 de junho de 1958, Juscelino disse que A rodovia Anpo-

    lis-Braslia acha-se concluda, com 130 quilmetros asfaltados, estabelecendo assim a

    ligao indispensvel da nova cidade com a Estrada de Ferro Gois. Neste trecho foram

    feitas onze pontes, com um comprimento total de 590 metros. O padro da estrada era

    de primeira classe, com raio mnimo de 225 metros e rampa mxima de 6% havendo a

  • 52

    Panfleto de divulgao das viagens de trem para Gois

    Fonte: Acervo Eduardo Bilemjian

    Traado da Estrada de Ferro Gois

    Fonte: Centenrio das Ferrovias Brasileiras, IBGE (1954)

  • 53

    escavao de trs milhes de metros cbicos de terra.

    De acordo com o Sindicato da Indstria do Cimento, em 1958 foram transportadas

    para Braslia 55.222 toneladas de cimento. Neste ano foi registrado tambm o transporte

    pela ferrovia de 11.478 toneladas de estruturas metlicas, alm de outros 560 vages com

    vergalhes e tubos de ao, mquinas, estacas e guindastes.

    Estao de Araguari

    Fonte: Secretaria da Cultura de Araguari

    Araguari foi a sede da Estrada de Ferro Gois at 1954, quando Mauro Borges

    Teixeira assumiu a direo da ferrovia e mudou a sede para Goinia.

  • 54

    Essa ponte antiga, que na verdade era composta por trs pontes emendadas, foi subs-

    tituda por uma ponte de concreto. Ela fica bem prxima estao do Roncador, onde tem

    incio o ramal para Braslia.

    A ponte Emlio Schnoor, sobre o Rio Paranaba, foi vendida como sucata depois de submersa para a formao do lago da represa de Furnas, em Itumbiara. Ela tinha 287,5 metros e pesava 592 toneladas. De acordo com registros da poca, a alvenaria, de diver-sos tamanhos, foi executada em pedras artificiais de concreto, o que exigiu contrato com fbrica especializada.

    Pilares da antiga ponte Emlio Schnoor, sobre o Rio Paranaba

    Fonte: Acervo Glucio Henrique Chaves

    Ponte Epitcio Pessoa (Rio Corumb)

  • 55

    O 2o Batalho Ferrovirio (Batalho Mau) transferiu-se de Rio Negro, no Paran, para

    Araguari em 1965 com a misso construir uma ligao ferroviria de Braslia com o siste-

    ma ferrovirio nacional. A melhor alternativa foi um ramal de Braslia a Pires do Rio (246

    Ponte sobre o Rio AraguariFonte: Acervo Glucio Henrique Chaves

    Corte 81Fonte: Acervo Batalho Mau

  • 56

    Ponte sobre o Rio ParanabaAcervo: Glucio Henrique Chaves

    Obra da Ponte sobre o Rio Pirapitinga (Cumari)Acervo: Batalho Mau

  • 57

    km). Depois de concluda esta obra o Batalho Mau executou a obra de um novo traado

    entre Uberlndia e Araguari (45 km) e outra de Araguari at Pires do Rio (268 km). Com

    isto Braslia ficou ligada s capitais do Sudeste e do Sul atravs de uma ferrovia que trouxe

    para a antiga estrada de ferro uma nova concepo de projeto. Tneis, viadutos e pontes

    monumentais, raio mnimo de curva de 880 m, rampa mxima de 1,35%, substituindo

    tudo o que havia de antigo no trecho.

    2.3 Malha Rodoviria

    O DNER, Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, foi criado em 1937. Ele

    veio para substituir a Comisso de Estradas de Rodagem Federais, criada 10 anos antes

    e financiada por sobretaxas nos impostos sobre a gasolina, veculos e acessrios. Era a

    primeira vez que o sistema rodovirio tinha fonte definida de recursos para financiar sua

    expanso.

    Na dcada de 40 o DNER construiu uma rodovia para ligar o ponto final da ferrovia,

    ento em Anpolis, a So Jos do Tocantins, que depois teria seu nome alterado para

    Niquelndia em funo da sua riqueza mais expressiva. O incio da obra aconteceu ainda

    durante a Segunda Guerra Mundial, com escavaes manuais e transporte de terra em ve-

    culos de trao animal. Mesmo depois, quando comearam a ser usados os caminhes

    basculantes, seu carregamento ainda era manual. Apesar das condies precrias de exe-

    cuo, o traado era bom e o projeto geomtrico muito bem elaborado.

    De acordo com uma publicao do DNER de 1984, a implantao dessa estrada pros-

    seguiu muito lentamente, com vrias paralisaes, de acordo com os parcos recursos

    anualmente destinados obra.

    Uma outra estrada federal foi feita no incio da dcada de 40, por iniciativa do Minis-

    trio da Agricultura, para ligar Anpolis Colnia Agrcola Nacional de Gois que estava

    sendo implantada em Ceres. Esta estrada, que viria depois a ser parte da Belm-Braslia,

    comeou a ser construda em abril de 1941 por Bernardo Sayo. Em 15 de maio de 1958 o

    presidente Juscelino Kubitschek assinou o Decreto 43.710 que criou a Comisso Executi-

    va da Rodovia Belm-Braslia Rodobrs, tendo Sayo como diretor.

  • 58

    O Distrito Rodovirio Federal em Gois 12o DRF, foi criado em 1954 para executar

    as obras rodovirias