Livre adaptação para teatro feita por Dallva Rodrigues ... · 1943 pelo francês Antoine de...

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Não pode ser encenada sem autorização da autora. Dallva Rodrigues, [email protected] www.recantodasletras.com.br/autores/dallvarodrigues Página 1 Livre adaptação para teatro feita por Dallva Rodrigues ([email protected] ) da obra de Antoine de Saint Exupéry. Março de 2011. Personagens: PILOTO (Saint Exupéry) PEQUENO PRÍNCIPE FLOR (Rosa) RAPOSA SERPENTE REI HOMEM DE NEGÓCIOS ACENDEDOR GEOGRAFO DEMAIS ROSAS SINOPSE O Pequeno Príncipe é um dos maiores clássicos da literatura infantil universal. Escrita em 1943 pelo francês Antoine de Saint-Exupéry, a obra permanece atual e atrai leitores jovens e adultos de todo mundo, embora tenha sido escrita para o público infantil. Além de haver produzido a narrativa, o autor é responsável também pelas aquarelas que ilustram a história do garotinho de cabelos dourados que caiu no espaço. Um piloto de avião, após uma pane em sua aeronave, é obrigado a fazer um pouso forçado no meio do deserto do Saara. O aviador, solitário, tem pouco tempo para fazer os reparos necessários antes que seu estoque de água termine. É nesse cenário tenso que surge, inesperadamente, um menino em busca de um carneiro. Aos poucos, o pequeno príncipe revela, ao surpreso piloto, sua fantástica história: sua vida no pequeno asteróide B-612, suas viagens antes da chegada à Terra e, especialmente, suas preocupações e reflexões. O Pequeno Príncipe é uma narrativa repleta de emoção e revela ao leitor a história de um homem que reencontra a sensibilidade que tinha quando criança e que havia sido reprimida pelos adultos. O encontro e a convivência com o misterioso menino do deserto fazem esse adulto repensar a própria vida, seus valores pessoais, levando-o a acreditar que as relações afetivas são o grande vínculo entre os seres. CENÁRIOS 1. O deserto do Saara, onde o avião está pousado e onde acontecerão a maioria das cenas, com o aviador e o Pequeno Príncipe. 2. O Asteróide B-612, onde o Pequeno Príncipe vive com sua rosa. 3. Os planetas habitados pelo Rei, Geógrafo, Homem de Negócios, Acendedor de lampiões. 4. O poço onde o Pequeno Príncipe encontrará a Serpente. 5. O jardim, onde ele verá as rosas, iguais a sua, e onde ele conhecerá a Raposa.

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Não pode ser encenada sem autorização da autora. Dallva Rodrigues, [email protected]

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Livre adaptação para teatro feita por

Dallva Rodrigues ([email protected]) da obra de

Antoine de Saint Exupéry. Março de 2011.

Personagens:

PILOTO (Saint Exupéry) PEQUENO PRÍNCIPE FLOR (Rosa) RAPOSA SERPENTE REI HOMEM DE NEGÓCIOS ACENDEDOR GEOGRAFO DEMAIS ROSAS SINOPSE

O Pequeno Príncipe é um dos maiores clássicos da literatura infantil universal. Escrita em 1943 pelo francês Antoine de Saint-Exupéry, a obra permanece atual e atrai leitores jovens e adultos de todo mundo, embora tenha sido escrita para o público infantil. Além de haver produzido a narrativa, o autor é responsável também pelas aquarelas que ilustram a história do garotinho de cabelos dourados que caiu no espaço.

Um piloto de avião, após uma pane em sua aeronave, é obrigado a fazer um pouso forçado no meio do deserto do Saara. O aviador, solitário, tem pouco tempo para fazer os reparos necessários antes que seu estoque de água termine. É nesse cenário tenso que surge, inesperadamente, um menino em busca de um carneiro. Aos poucos, o pequeno príncipe revela, ao surpreso piloto, sua fantástica história: sua vida no pequeno asteróide B-612, suas viagens antes da chegada à Terra e, especialmente, suas preocupações e reflexões.

O Pequeno Príncipe é uma narrativa repleta de emoção e revela ao leitor a história de um homem que reencontra a sensibilidade que tinha quando criança e que havia sido reprimida pelos adultos. O encontro e a convivência com o misterioso menino do deserto fazem esse adulto repensar a própria vida, seus valores pessoais, levando-o a acreditar que as relações afetivas são o grande vínculo entre os seres. CENÁRIOS

1. O deserto do Saara, onde o avião está pousado e onde acontecerão a maioria das cenas, com o aviador e o Pequeno Príncipe.

2. O Asteróide B-612, onde o Pequeno Príncipe vive com sua rosa. 3. Os planetas habitados pelo Rei, Geógrafo, Homem de Negócios, Acendedor de lampiões. 4. O poço onde o Pequeno Príncipe encontrará a Serpente. 5. O jardim, onde ele verá as rosas, iguais a sua, e onde ele conhecerá a Raposa.

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CENA I PILOTO (Entrando com um caderno de desenho em mãos, fala com o público): Boa noite! (Ou bom dia, ou boa tarde)

Certa vez, quando eu tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta Virgem, Histórias Vividas, uma impressionante gravura. Ela representava uma jibóia engolindo um animal. Eis a cópia do desenho: (Mostra para o público)

Dizia o livro: “As jibóias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão”. Refleti muito sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho. O meu desenho número 1. Ele era assim: (Mostra novamente para o público)

Mostrei minha obra prima às pessoas grandes e perguntei se o meu desenho lhes dava medo. Responderam-me: (mostra novamente) “Por que é que um chapéu daria medo?” (Olhando o desenho) Meu desenho não representava um chapéu. Representava uma jibóia digerindo um elefante. (Para público) Desenhei então, o interior da jibóia, a fim de que as pessoas grandes pudessem entender melhor. Elas têm sempre necessidade de explicações detalhadas. Meu desenho número 2 era assim:

As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jibóias abertas ou fechadas e a dedicar-me de preferência à geografia, à história, à matemática, à gramática. (Suspira triste) Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma promissora carreira de pintor. Fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar a toda hora explicando.

Tive então, que escolher outra profissão e aprendi a pilotar aviões. (Orgulhoso) Voei por quase todas as regiões do mundo. E a geografia, é claro, me serviu muito. Sabia distinguir, num relance, a China e o Arizona. Isso é muito útil quando se está perdido na noite.

Desta forma, ao longo da vida, tive vários contatos com muita gente séria. Convivi com as pessoas grandes. Via-as bem de perto. (À parte, como se contasse um segredo) Isso não melhorou muito a minha antiga opinião.

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Quando encontrava uma que me parecia um pouco esclarecida, fazia a experiência do meu desenho número 1, que sempre trazia comigo. (Observa e escolhe alguém da platéia. Mostra o

desenho) Eu queria saber se ela era na verdade uma pessoa inteligente. Mas a resposta era sempre a mesma: (Mostra novamente. Se a pessoa responder, bem, se não, continua) “É um chapéu.” Então eu não falava nem de jibóias, nem de florestas virgens, nem de estrelas. Colocava-me no meu nível. Falava de Bridget, de golfe, de política, de gravatas. E a pessoa grande ficava encantada de conhecer um homem tão versátil.

Vivi, portanto, só, sem alguém com quem pudesse realmente conversar, até o dia em que uma pane obrigou-me a fazer um pouso de emergência no deserto do Saara, há cerca de seis anos. (Vai tirando a mochila, capa de aviador, boina, cachecol) Alguma coisa se quebrara no motor. E como não trazia comigo nem mecânico nem passageiros, preparei-me para executar sozinho aquele difícil conserto. (Se dirige ao avião. Larga as coisas no chão e se volta ao público,

com sua garrafa de água nas mãos) Era, para mim, questão de vida ou morte. A água que eu tinha para beber só dava para oito dias. Na primeira noite adormeci sobre a areia, a milhas e milhas de qualquer terra habitada. Estava mais isolado do que um naufrago numa tábua perdido no meio do mar. Imaginem então a minha surpresa, quando ao despertar do dia, uma vozinha estranha me acordou...

(Segue até o avião. Pega uma caixa de ferramentas e começa a remexê-la a procura de ferramentas. Surge o Pequeno Príncipe.)

PEQ. PRINCIPE: Por favor, desenha-me um carneiro!

PILOTO (Sentado, olha-o assustado): Hein? O quê?

PEQ PRINCIPE: Desenha-me um carneiro...

(Aviador se levanta num salto, como que atingido por um raio. Esfrega bem os olhos. Olha a seu redor. E se vira para o homenzinho extraordinário que o observa seriamente. Olha aquela aparição com olhos arregalados de espanto. Afinal, ele está a milhas e milhas de qualquer terra habitada.

O Pequeno Príncipe não parece nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de medo. Não tem a aparência de uma criança perdida no deserto.)

PILOTO: Mas... Que fazes aqui?

PEQ. PRINCIPE (Repete, lentamente, como que dizendo algo muito sério): Por favor... Desenha-me um carneiro...

PILOTO (Sorri, impressionado. Resolve não fazer mais perguntas e desenhar. Pega seu caderno de desenho e uma

caneta. Mas, antes de começar, resmunga um pouco mal-humorado): Olha, eu sinto muito. Eu sou péssimo para desenhar. Eu só estudei geografia, história, matemática, gramática...

PEQ.PRINCIPE: Não tem importância... Desenha-me um carneiro.

PILOTO (Como jamais desenhou um carneiro, refaz para ele um dos dois únicos desenhos que sabe: o da jibóia

fechada): Tá bom! Vamos ver o que eu consigo fazer... Vamos lá... Isso... Mais um detalhe e... Pronto. (Mostra a figura) É o melhor que eu consigo, certo?

PEQ.PRINCIPE: Não! Não! Eu não quero um elefante numa jibóia. A jibóia é perigosa e o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Desenha-me um carneiro.

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PILOTO (Surpreso com a explicação, desenha novamente): Tá bom, garoto!... Tá bom!... Vamos lá novamente, não é?... Saindo um carneiro especial pra esse garoto que mora num lugar pequeno e que não tem muito espaço. Pronto... O que acha?

PEQ.PRINCIPE (Olha atentamente): Não! Esse já está muito doente. Desenha outro.

(Aviador desenha outro.)

PEQ.PRINCIPE (Sorri paciente): Bem vês que isto não é um carneiro. É um bode... Olha os chifres...

(Aviador desenha novamente.)

PEQ.PRINCIPE: Esse aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito tempo.

PILOTO (Perdendo a paciência, rabisca outro desenho e arrisca): Tá bom! Tá bom!... Mas, olha! Você esta atrasando o meu serviço, viu?... Eu tenho muito trabalho para fazer. Pronto! Esta é a caixa. O carneiro que queres está aí dentro.

PEQ.PRINCIPE (Com a face iluminada de felicidade): Era assim mesmo que eu queria! Será preciso muito capim para esse carneiro?

PILOTO: Por quê?

PEQ.PRINCIPE: Porque é muito pequeno onde eu moro...

PILOTO: Não se preocupe, qualquer coisa chega. Eu te dei um carneirinho de nada!

PEQ.PRINCIPE (Inclina a cabeça sobre o desenho): Não é tão pequeno assim... Olha! Ele adormeceu...

(Aviador se dirige novamente ao seu avião. O principezinho continua com suas milhares de perguntas, mas, parece nunca escutar as do piloto. Ele vai pronunciando palavras ao acaso, que vão aos poucos, revelando sua história! O príncipe acompanha o aviador, e pára quando avista o avião.)

PEQ.PRINCIPE: Que coisa é aquela?

PILOTO (Orgulhoso de lhe dizer que voa): Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu avião.

PEQ.PRINCIPE (Assustado): Como? Tu caíste do céu?

PILOTO (Humildemente, responde): Sim.

PEQ.PRINCIPE (Rindo): Como é engraçado! (Dá uma bela risada)

PILOTO (Profundamente irritado): Se não se importa... Gosto que levem as minhas desgraças a sério!

PEQ.PRINCIPE (Rindo): Então, tu também vens do céu! De que planeta és tu?

PILOTO (Vislumbrando um clarão de mistério em sua origem, pergunta repentinamente): Tu vens então de outro planeta?

PEQ.PRINCIPE (Ainda sorridente): É verdade que, nisto aí, não podes ter vindo de muito longe...

(O Pequeno Príncipe mergulha em seus pensamentos, sempre olhando as estrelas. Aviador o observa, abismado. Depois, tira do bolso o carneiro desenhado pelo piloto e o contempla, como se fosse um tesouro guardado.)

PILOTO (Intrigado com aquela simples menção sobre “os outros planetas”, esforça-se, então, para saber um pouco

mais): De onde vens, meu caro? Onde é tua casa? Para onde queres levar meu carneiro?

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PEQ.PRINCIPE (Fica algum tempo em silêncio, e depois responde): O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa para ele.

PILOTO: Sem dúvida. E se fores um bom menino, te darei também uma corda para amarrá-lo durante o dia. E uma estaca para prendê-lo.

PEQ.PRINCIPE (Chocado): Amarrar? Que idéia estranha!

PILOTO: Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde...

PEQ.PRINCIPE: Mas onde queres que ele vá?

PILOTO (Rindo): Não sei... Por aí... Andando sempre pra frente.

PEQ.PRINCIPE (Fala muito sério): Não faz mal, é tão pequeno onde moro! (Com um tom melancólico,

acrescenta) Quando a gente anda sempre para frente, não pode mesmo ir longe... (Como que

mudando de assunto, sorri) Gosto muito do pôr-do-sol. Vamos ver um...

PILOTO: Mas é... Preciso esperar...

PEQ.PRINCIPE: Esperar o quê?

PILOTO (Rindo): Esperar que o sol se ponha.

PEQ.PRINCIPE (Faz um ar de surpresa, e logo depois, ri de si mesmo, dizendo): Eu sempre imagino estar em casa!

PILOTO: De fato. Quando é meio dia nos Estados Unidos, o sol, todo mundo sabe, está se pondo na França. Bastaria poder ir à França num minuto para assistir ao pôr-do-sol. Infelizmente, a França é longe demais.

PEQ.PRINCIPE: De onde eu venho, basta apenas recuar um pouco a cadeira. E assim, contemplar o crepúsculo todas as vezes que eu desejar... Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes! (Dá uma pequena pausa e depois acrescenta) Quando a gente está muito triste, gosta de admirar o pôr-do-sol...

PILOTO: Estavas tão triste assim no dia em que contemplaste os quarentas e três?

(O principezinho não responde. Se afasta devagar e senta. Aviador se lembra de voltar ao seu avião e executar o conserto. Pequeno Príncipe o observa, mas, também de olho em seu carneiro na caixa. Depois de um tempo, volta a fazer perguntas.)

PEQ.PRINCIPE (Depois de uma longa reflexão, pergunta): Um carneiro se come arbusto, como também as flores?

PILOTO (Consertando o motor, responde sem se dirigir a ele): Um carneiro come tudo encontra.

PEQ.PRINCIPE: Mesmo as flores que tenham espinhos?

PILOTO: Sim, mesmo as que têm.

PEQ.PRINCIPE: Então... Para que servem os espinhos?

(Aviador não sabe a resposta. Está ocupadíssimo naquele instante tentando desatarraxar do moto um parafuso muito apertado. Está bastante preocupado, pois a pane está começando a parecer muito grave, e a água que tem para beber é tão pouca que ele teme o pior.)

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PEQ.PRINCIPE (Que jamais renuncia a uma pergunta, uma vez que a faz, repete): Para que servem os espinhos?

PILOTO (Irritado com o parafuso, responde qualquer coisa): Espinhos não servem pra nada. São pura maldade das flores.

PEQ.PRINCIPE: Oh!... (Fala com uma espécie de rancor) Não acredito! As flores são tão fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus espinhos...

(Aviador nada responde. Naquele instante pensa: “Se esse parafuso não afrouxar, vou fazê-lo soltar com uma martelada.” O principezinho perturba de novo seus pensamentos:

PEQ.PRINCIPE: E tu pensas então que as flores...

PILOTO: Ora! Eu não penso nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas sérias!

PEQ.PRINCIPE (O olha surpreso): Coisas sérias! (Olha pro aviador, de martelo em punho, dedos sujos de graxa,

curvado sobre um objeto que lhe parece muito feio) Tu falas como as pessoas grandes!

(Aviador pára e o escuta meio envergonhado.)

PEQ.PRINCIPE (Implacável): Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo! (Continua irritado, de pé,

sacudindo ao vento seus cabelos dourados) Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo ele repete como tu: “Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!”. E isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!

PILOTO: Um o quê?

PEQ.PRINCIPE: Um cogumelo! (Agora pálido de cólera) Há milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões de anos que, apesar disso, os carneiros as comem. E não será uma coisa séria, procurar saber por que elas perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? (Triste, pensativo) E seu eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta e que um belo dia um carneirinho pode destruir num só golpe, sem saber o que faz – isto não tem importância? (Cora um pouco, mas continua, olhando o

céu, como se avistasse sua rosa) Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando a contempla. Ele pensa: “Minha flor está lá, em algum lugar...” Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! (Chorando) E isto não tem importância?!

(O principezinho não consegue dizer mais nada. Imediatamente, se põe a soluçar. O aviador larga as ferramentas. Se ri do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Há numa estrela, num planeta, o seu, a Terra, um principezinho a consolar! Se aproxima devagar, com receio.)

PILOTO: A flor que tu amas não está em perigo... Eu vou desenhar uma pequena mordaça para o carneiro... Hum?! Uma cerca para sua flor... Eu...

(Aviador fica sem palavras. Sente-se envergonhado. Não sabe como consolá-lo, como se aproximar dele. Acha misterioso o país das lágrimas! A luz apaga sobre os dois.)

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CENA II (Luz. O príncipe se aproxima de uma flor que dorme. Ela acorda com a presença dele. É uma flor vaidosa, muito bonita.)

FLOR: Ah! Eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda toda despenteada...

PEQ.PRINCIPE (Espantado, com tanta beleza): Como és bonita!

FLOR: É verdade. (Fala docemente) E nasci ao mesmo tempo que o sol...

(O Pequeno Príncipe percebe logo que a flor não é modesta. Mas ela é muito envolvente!)

FLOR: Creio que é hora do café da manhã. Tu poderias cuidar de mim.

(O principezinho, atordoado, pega um regador com água fresca e aguoa a flor, e ela começa a atormentá-lo com sua doentia vaidade.)

FLOR: Tá vendo os meus espinhos? Com eles eu posso me defender dos tigres e suas garras.

PEQ.PRINCIPE: Não há tigres no meu planeta. Além disso, tigres não comem ervas.

FLOR (Ofendida): O quê? Não sou uma erva!

PEQ.PRINCIPE: Perdoa-me...

FLOR: Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar. Não terias por acaso um pára-vento?

(“Horror das correntes de ar... Isso não é bom para uma planta”, pensa o Pequeno Príncipe. “É bem complicada essa flor...”)

FLOR: A noite me colocará sob a redoma de vidro. Faz muito frio no teu planeta. Não é nada confortável. De onde eu venho... (De repente, cala-se. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer nada dos outros mundos. Encabulada por ter sido pega com uma mentira tão tola, tosse duas ou três vezes e, para fazê-lo se

sentir culpado, pede) E o pára-vento?

PEQ.PRINCIPE: Ia buscá-lo. Mas tu me falavas!

(A Rosa força a tosse para causar remorso no príncipe. Ele se afasta, lentamente, triste, reflexivo. Apesar da boa vontade do seu amor, ele logo duvida dela, toma a sério palavras sem importância e se torna infeliz. Fala para o público.)

PEQ.PRINCIPE: Não devia tê-la escutado. Não se deve nunca escutar as flores. Basta admirá-las, sentir seu aroma. A minha embalsamava todo o meu planeta (Olha de longe a flor, se volta para

público), mas eu não me contentava com isso. Aquela história das garras, que tanto me irritava, devia ter-me enternecido...

(A luz cai sobre a Rosa. Ele continua pensativo. O aviador se aproxima dele, como se estivesse escutando seu lamento sobre a flor. O príncipe agora fala com ele.)

PEQ.PRINCIPE (Amargurado, para o piloto, que se aproxima): Não soube compreender coisa alguma! Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras. Ela exalava perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la abandonado. Não deveria ter fugido. Deveria ter percebido sua ternura por trás daquelas tolas mentiras. As flores são tão contraditórias! Mas eu era jovem demais para saber amá-la.

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(A luz cai sobre eles e acende sobre a Rosa. Aviador sai de cena e o príncipe se aproxima dela, lentamente. Ele a rega novamente e pela última vez, logo em seguida, traz uma redoma. Quando se prepara para colocá-la sobre ela, percebe tem vontade de chorar.)

PEQ.PRINCIPE: Adeus!

(A flor não responde.)

PEQ.PRINCIPE (Repetindo): Adeus!

FLOR (Tosse, mas não por causa do resfriado): Eu fui uma tola. Peço perdão. Procura ser feliz.

(A ausência de censuras o surpreende. Fica parado, completamente sem jeito, com a redoma nas mãos. Não compreende a delicadeza.)

FLOR: Eu te amo! É claro que eu te amo! Foi minha culpa não perceberes isto. Mas não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga esta redoma, não preciso mais dela.

PEQ.PRINCIPE: Mas o vento?

FLOR: Bobagem... Não estou tão resfriada assim... O ar fresco da noite me fará bem. Eu sou uma flor.

PEQ.PRINCIPE: Mas os bichos...

FLOR: É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas... Dizem que são tão belas! Do contrário, quem virar visitar-me? Tu estarás longe... (Triste, escondendo os

olhos com lágrimas) Bem longe. Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu tenho minhas garras. (Mostra ingenuamente seus quatros espinhos, e em seguida acrescenta) Não demores assim, que é exasperante. Tu decidiste partir. Então vai!

PEQ.PRINCIPE: Então, adeus!

(Ela não quer que ele a veja chorar. É uma flor muita orgulhosa. Príncipe sai lentamente sem olhar para trás. A luz cai sobre a Rosa que chora, baixinho. Luz cai sobre ela.)

CENA III (O Pequeno Príncipe segue viagem pela região dos asteróides 325, 326, 327, 328, 329 e 330, afim de encontrar uma ocupação e se instruir. A cada visita, ele vai se convencendo que as pessoas grandes são muito bizarras. A luz acende sobre um Rei, sentado num trono muito simples, embora majestoso. Ele está vestido de púrpura e arminho. Entra o príncipe.)

REI (Avistando o príncipe): Ah! Eis um súdito!

(“Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu?” Pensa o príncipe. Ele não sabe que, para os reis, o mundo é muito mais simples. Todos os homens são súditos.)

REI: Aproxima-te, para que eu te veja melhor. (Fala todo orgulhoso, por poder ser rei para alguém)

(O príncipe olha em volta para achar onde sentar-se, mas o planeta está todo ocupado pelo magnífico manto de arminho. Fica, então, de pé. Mas, como está cansado, boceja.)

REI: Mas o que é isso? É contra a etiqueta real bocejar na frente do rei. Eu o proíbo!

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PRINCIPE (Meio sem jeito): Desculpe, meu senhor!... Não posso evitá-lo. Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...

REI: Então, eu te ordeno que bocejes! Há anos que eu não vejo ninguém bocejar. Os bocejos são uma raridade pra mim. Vamos, boceja! É uma ordem!

PRINCIPE (Enrubescido): Isso me intimida... Assim eu não consigo...

REI (Gaguejando, um pouco envergonhado): Hum... Hum... Então... Então eu te ordeno ora bocejares e ora...

(O Rei faz questão de que sua autoridade seja respeitada. Não tolera desobediência. É um monarca absoluto. Mas, como é muito bom, dá ordens razoáveis.)

PRINCIPE (Timidamente): Eu posso sentar-me?

REI: Eu te ordeno que te sentes! (Puxando majestosamente um pedaço do manto de arminho)

(O príncipe está espantado. O planeta é minúsculo. “Sobre quem reina o Rei?”)

PRINCIPE: Obrigado, majestade. Eu vos peço perdão de ousar interrogar-vos...

REI (Apressadamente): Eu te ordeno que me interrogues!

PRINCIPE: Majestade... Sobre quem é que reinais?

REI (Responde com muita simplicidade): Sobre tudo.

PRINCIPE: Sobre tudo?

(O Rei, com um gesto simples, indica seu planeta, os outros planetas, e também as estrelas.)

PRINCIPE: Sobre tudo isso?

REI: Sobre tudo isso...

(O Rei não é apenas um monarca absoluto, é também um monarca universal.)

PRINCIPE: E as estrelas vos obedecem?

REI: Sem dúvida. Obedecem prontamente. Eu não tolero indisciplina.

(O príncipe fica maravilhado com tanto poder. Pensa que se ele fosse detentor desse poder, teria podido assistir, não a quarenta e três, mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo a duzentos pores-de-sol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira! Se sente um pouco triste ao pensar em seu pequeno planeta abandonado e ousa solicitar ao Rei uma graça:)

PRINCIPE: Eu desejava ver um pôr-do-sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se ponha...

REI: Se eu ordenasse a um general voar de uma flor a outra como uma borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se numa gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem, ele ou eu, estaria errado?

PRINCIPE (Responde firmemente): Vossa Majestade estaria errada.

REI: Exato. É preciso exigir de cada um, o que cada um pode dar. A autoridade se baseia na razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, todos se rebelarão. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis.

PRINCIPE (Lembrando, pois nunca esquece uma pergunta que foi feita): E o meu pôr-do-sol?

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REI: Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha sabedoria de governante, que as condições sejam favoráveis.

PRINCIPE: Quando serão?

REI (Consultando um enorme calendário): Hum... Será lá por volta de... Por volta de sete e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem obedecido. Até pelo sol.

PRINCIPE (Boceja. Sente falta de seu pôr-do-sol e fala aborrecido): Não tenho mais nada que fazer aqui. Vou prosseguir minha viagem.

REI: Não partas. Não partas! Eu te faço ministro!

PRINCIPE: Ministro de quê, majestade?

REI: Da... Da justiça!

PRINCIPE: Mas não há ninguém aqui pra ser julgado!

REI: Nunca se sabe. Ainda não dei a volta no meu reino. Estou muito velho, não tenho espaço para uma carruagem, nem cavalos pra puxá-la, e andar cansa-me muito!

PRINCIPE: Oh! Mas eu já vi. (Se inclinando para dar uma olhada no outro lado do planeta) Não consigo ver ninguém...

REI: Então, como ministro da justiça, tu julgarás a ti mesmo! É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti, és um verdadeiro sábio.

PRINCIPE: Mas eu posso julgar a mim próprio em qualquer lugar. Não preciso, para isso, ficar morando aqui.

REI: Ah! Eu tenho quase certeza de que há um velho rato no meu planeta. Eu o escuto de noite. Tu poderás julgar esse rato! Tu condenarás à morte de vez em quando: assim a vida dele dependerá da tua justiça. Mas tu o perdoarás sempre, para poupá-lo. Pois só temos um.

PRINCIPE: Eu... Eu não gosto de condenar à morte, e acho que vou mesmo embora.

REI: Não!

PRINCIPE (Sem querer afligir o velho monarca): Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poderá dar-me uma ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo, que partisse em menos de um minuto. Parece que as condições são favoráveis...

(O Rei não diz nada. O Príncipe hesita um pouco; depois suspira e parte.)

REI (Apressado, grita): Eu te faço meu embaixador!

(Luz abaixa sobre o Rei. O Príncipe fala com a platéia.)

PRINCIPE (Para a platéia): As pessoas grandes são muito esquisitas.

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CENA IV

(O Príncipe avista e se aproxima de um empresário. Ele está tão ocupado, que não levanta sequer a cabeça à chegada do pequeno príncipe. Tem um cigarro apagado na boca.)

PRINCIPE: Bom dia! O teu cigarro está apagado.

HOMEM DE NEGOCIOS (Ignorando-o): Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três, quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e oito. Não tenho tempo para acendê-lo de novo. Vinte e seis e cinco, trinta e um. Ufa! São quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil, setecentos e trinta e um.

PEQ.PRINCIPE: Quinhentos milhões de quê?

HOMEM DE NEGOCIOS: Hein? Ainda está aí? Quinhentos e um milhões de... Eu não sei mais... Tenho tanto trabalho! Sou um sujeito sério, não me preocupo com futilidades! Dois e cinco, sete...

PEQ.PRINCIPE (Repetindo a pergunta): Quinhentos milhões de quê?

HOMEM DE NEGOCIOS (Levantando a cabeça): Há cinqüenta e quatro anos habito este planeta e só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há vinte e dois anos por um besouro que veio não sei de onde. Fazia um barulho terrível, e cometi quatro erros na soma. A segunda foi há onze anos, quando tive uma crise de reumatismo. Por falta de exercício. Não tenho tempo para passear. Sou um sujeito sério! Não posso perder tempo com besteiras. A terceira... É esta agora! Eu dizia, portanto, quinhentos e um milhões...

PEQ.PRINCIPE (Repetindo novamente a pergunta, sem dar ouvidos a reclamação dele): Milhões de quê?

HOMEM DE NEGOCIOS (Compreendendo que não haverá chance de ter paz): Milhões dessas coisinhas que a se vêem às vezes no céu.

PEQ.PRINCIPE: Moscas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Não, não. Essas coisinhas que brilham.

PEQ.PRINCIPE: Vaga-lumes?

HOMEM DE NEGOCIOS: Também não. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar preguiçosos... Que brilham no céu... Que fazem muitos desocupados sonhar e escrever poemas sobre elas. Mas eu, sou uma pessoa séria! Não tenho tempo pra essas bobagens de escrever poemas e poesias.

PEQ.PRINCIPE: Ah! Estrelas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Isso mesmo! Estrelas. Eu até tinha me esquecido do nome delas. Mas eu não tenho tempo pra ficar me lembrando desses detalhes de nomes...

PEQ.PRINCIPE: E que fazes com quinhentos milhões de estrelas?

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HOMEM DE NEGOCIOS: Quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e duas mil, setecentos e trinta e uma. Eu sou um sujeito sério! Gosto de exatidão!

PEQ.PRINCIPE: E que fazes com essas estrelas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Que faço com elas?

PEQ.PRINCIPE: Sim.

HOMEM DE NEGOCIOS: Nada. Eu as possuo.

PEQ.PRINCIPE: Tu possuis as estrelas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Sim, é isso mesmo. Elas são minhas!

PEQ.PRINCIPE: Mas eu já vi um rei que...

HOMEM DE NEGOCIOS: Os reis não possuem nada... Eles “reinam” sobre as coisas e pessoas. É muito diferente.

PEQ.PRINCIPE: E de que te serve possuir as estrelas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Serve-me para ser rico.

PEQ.PRINCIPE: E para que te serve ser rico?

HOMEM DE NEGOCIOS: Para comprar outras estrelas, se alguém achar. Essa é a minha vida: Ficar cada vez mais rico, cada vez mais rico... (Vai saindo) Retornando a minha soma, 501.622.731 com mais 11 são...

PEQ.PRINCIPE (Chamando sua atenção para mais perguntas): Como pode a gente possuir estrelas?

HOMEM DE NEGOCIOS (Voltando, exaltado): De quem são elas?

PEQ.PRINCIPE: Eu não sei. De ninguém.

HOMEM DE NEGOCIOS: Logo, são minhas, porque pensei nisso primeiro.

PEQ. PRINCIPE: Basta isso?

HOMEM DE NEGOCIOS: Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é de ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que não é de ninguém, ela é tua. Quando tens uma idéia antes dos outros, tu a registras: ela é tua. Portanto, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a idéia de as possuir.

PEQ.PRINCIPE: Isso é verdade. E que fazes tu com elas?

HOMEM DE NEGOCIOS: Eu as administro. Eu as conto e reconto. É complicado! Mas, eu sou um homem sério!

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PEQ.PRINCIPE (Ainda insatisfeito): Eu, se possuo um lenço de seda, posso amarrá-lo em volta do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colhê-la e levá-la comigo. Mas tu não podes levar as estrelas.

HOMEM DE NEGOCIOS: Não. Mas posso colocá-las no banco.

PEQ.PRINCIPE: Que quer dizer isso?

HOMEM DE NEGOCIOS: Isso quer dizer que eu escrevo num pedaço de papel o número de estrelas que possuo. Depois tranco o papel à chave numa gaveta.

PEQ.PRINCIPE: Só isso?

HOMEM DE NEGOCIOS: Isso basta...

PEQ.PRINCIPE (Fala com a platéia): É divertido... É bastante poético, mas sem utilidade. Eu (Relembra saudoso)... Possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe! É útil para os meus vulcões, é útil para a minha flor que eu os possua. (Para o empresário) Mas tu não és útil às estrelas...

(O empresário abre a boca, mas não encontra nenhuma resposta. Sai, sem jeito.)

PEQ. PRINCIPE (À platéia novamente): As pessoas grandes são mesmo extraordinárias.

CENA V

(Passa um homem com um lampião numa mão e um acendedor na outra. Ele apaga o lampião. Pequeno Príncipe o observa.)

PEQ. PRINCIPE (À platéia novamente): Talvez esse homem seja mesmo um tolo. No entanto, é menos tolo que o rei, que o empresário. Seu trabalho ao menos tem um sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais uma estrela, ou uma flor. Quando o apaga, porém, faz adormecer a estrela ou a flor. É um belo trabalho. E sendo belo, tem sua utilidade. (Se aproximando, saúda educadamente o acendedor) Bom dia! Por que acabas de apagar teu lampião?

ACENDEDOR: É o regulamento. Bom dia.

PEQ. PRINCIPE: Qual é o regulamento?

ACENDEDOR: É apagar meu lampião. Boa noite. (Torna a acender)

PEQ. PRINCIPE: Mas por que acabas de acendê-lo de novo?

ACENDEDOR: É o regulamento.

PEQ. PRINCIPE: Eu não compreendo.

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ACENDEDOR: Não é para compreender. Regulamento é regulamento. Bom dia. (Apaga o lampião.

Em seguida, enxuga a testa com um lenço de losangos vermelhos) Eu executo uma tarefa difícil! No passado, era mais sensato. Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e toda a noite para dormir...

PEQ. PRINCIPE: E depois disso, mudou o regulamento?

ACENDEDOR: O regulamento não mudou. Aí é que está o problema! O planeta a cada ano gira mais depressa, e o regulamento não muda!

PEQ. PRINCIPE: Então?

ACENDEDOR: Agora, que ele dá uma volta por minuto, não tenho mais um segundo de repouso. Acendo e apago uma vez por minuto!

PEQ. PRINCIPE (Sorrindo): Ah! Que engraçado! Os dias aqui duram um minuto!

ACENDEDOR: Nada é engraçado! Já faz um mês que estamos conversando.

PEQ. PRINCIPE (Pára de rir): Um mês?

ACENDEDOR: Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite. (Acende o lampião)

(O pequeno príncipe respeita e gosta daquele acendedor tão fiel ao regulamento. Lembra-se dos pores-do-sol que ele mesmo provocava, apenas recuando sua cadeira. Decide ajudar seu amigo.)

PEQ. PRINCIPE: Sabes... Conheço uma maneira de descansares quando quiseres...

ACENDEDOR (Suspirando): Eu sempre quero descansar. Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e preguiçoso.

PEQ. PRINCIPE: Teu planeta é tão pequeno, que podes, com três passos, contorná-lo. Basta andares bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando desejares descansar, tu caminharás... E o dia durará o tempo que quiseres!

ACENDEDOR (Responde triste): Isso não adianta muito! O que eu mais gosto na vida é de dormir.

PEQ. PRINCIPE: Então, não há solução.

ACENDEDOR: Não há solução. Bom dia. (Apaga o lampião e segue viagem)

PEQ. PRINCIPE (À platéia): Esse aí... Seria desprezado pelos outros... O Rei... O empresário. No entanto, é o único que não me parece ridículo. Talvez por ser o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio. (Suspira, lamentando) Era o único com quem eu poderia ter feito amizade. Mas seu planeta é mesmo pequeno demais. Não há lugar para dois.

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CENA VI

(Se aproxima um velho, trazendo consigo um livro enorme.)

GEOGRAFO (Avistando o principezinho): Ora vejam! Eis um explorador!

(O Geógrafo senta-se em sua mesa e abre seu enorme livro. O príncipe também senta-se, meio ofegante. Está cansado de tanto viajar.)

GEOGRAFO: De onde vens?

PEQ. PRINCIPE: Que livro é esse? Que faz o senhor aqui?

GEOGRAFO: Sou Geógrafo.

PEQ. PRINCIPE: Que é um geógrafo?

GEOGRAFO: É um especialista que sabe onde se encontram os mares, os rios, as cidades, as montanhas, os desertos.

PEQ. PRINCIPE: Isto é bem interessante! Eis, afinal, uma verdadeira profissão! (Lança um olhar, ao

seu redor, no planeta do geógrafo. Nunca havia visto planeta tão grandioso) O seu planeta é muito bonito! Há oceanos nele?

GEOGRAFO: Não sei te dizer.

PEQ. PRINCIPE (Decepcionado): Ah! E montanhas?

GEOGRAFO: Não sei te dizer.

PEQ. PRINCIPE: E cidades, e rios, e desertos?

GEOGRAFO: Também não sei te dizer.

PEQ. PRINCIPE: Mas o senhor é geógrafo!

GEOGRAFO: É verdade. Mas não sou explorador. Faltam-me exploradores! Não é o geógrafo quem vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é muito importante para estar passeando. Nunca abandona a sua escrivaninha. Mas recebe os exploradores, interroga-os, e anota seus relatos de viagem. E quando algum lhe parece mais interessante, o geógrafo faz um inquérito sobre a moral do explorador.

PEQ. PRINCIPE: Por quê?

GEOGRAFO: Porque um explorador que mentisse, produziria catástrofes nos livros de geografia. Assim, como um explorador que bebesse demais.

PEQ. PRINCIPE: Por quê?

GEOGRAFO: Porque os bêbados vêem em dobro. Então o geógrafo anotaria duas montanhas onde, na verdade, só há uma.

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PEQ. PRINCIPE: Conheço alguém... Que seria um mau explorador.

GEOGRAFO: É possível. Pois bem, quando a moral do explorador parece boa, faz-se uma investigação sobre a sua descoberta.

PEQ. PRINCIPE: Vai-se vê-la?

GEOGRAFO: Não. Seria muito complicado. Mas, exige-se do explorador que ele forneça provas. Tratando-se, por exemplo, da descoberta de uma grande montanha, é essencial que ele traga grandes pedras. (De repente, se entusiasma) Mas tu... Tu vens de longe. Certamente, és explorador! Portanto, vais descrever-me o teu planeta! (Aponta um lápis) Então?

PEQ. PRINCIPE: Oh! Onde eu moro... Não é interessante: é muito pequeno. Eu tenho três vulcões. Dois vulcões em atividade e um vulcão extinto. A gente nunca sabe...

GEOGRAFO (Repetindo): A gente nunca sabe.

PEQ. PRINCIPE: Tenho também uma flor.

GEOGRAFO: Nós não anotamos as flores.

PEQ. PRINCIPE: Por que não? É o mais bonito!

GEOGRAFO: Porque as flores são efêmeras.

PEQ. PRINCIPE: Que quer dizer “efêmera”?

GEOGRAFO: Os livros de geografia são os mais exatos. Nunca ficam ultrapassados. É muito raro que uma montanha mude de lugar. É muito raro um oceano secar. Nós escrevemos coisas eternas...

PEQ. PRINCIPE (Interrompendo): Mas os vulcões extintos podem voltar à atividade. Que quer dizer “efêmera”?

GEOGRAFO: Que os vulcões estejam extintos ou não, isso dá no mesmo para nós. O que nos interessa é a montanha. Ela não muda.

PEQ. PRINCIPE (Preocupado, insiste): Mas que quer dizer “efêmera”?

GEOGRAFO: Quer dizer “ameaçada de desaparecer brevemente”.

PEQ. PRINCIPE: Minha flor está ameaçada de desaparecer brevemente?

GEOGRAFO: Sem dúvida.

PEQ. PRINCIPE (Levanta-se. Caminha até a platéia e desabafa): Minha flor é efêmera... E não tem mais que quatro espinhos para defender-se do mundo! E eu a deixei sozinha! (Se sente com remorso.

Engasga um pouco. Mas retoma coragem e se volta novamente para o geógrafo) Qual planeta me aconselha a visitar?

GEOGRAFO: A Terra. Goza de boa reputação...

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(Pequeno Príncipe olha platéia. Respira fundo e sai. Luz se apaga sobre geógrafo.)

CENA VII (O Pequeno Príncipe chega então a Terra. Fica muito surpreso de não ver ninguém. Já receia ter se enganado de planeta, quando um anel cor de lua mexe na areia. É uma Serpente.)

PEQ. PRINCIPE (Avistando-a): Boa noite!

SERPENTE (Se aproximando): Boa noite!

PEQ. PRINCIPE: Em que planeta me encontro?

SERPENTE: Na Terra, na África.

PEQ. PRINCIPE: Ah!... E não há mais ninguém na Terra?

SERPENTE: Aqui é o deserto. Não há ninguém nos desertos. A Terra é grande!

PEQ. PRINCIPE (Senta-se numa pedra e ergue os olhos para o céu): As estrelas são todas iluminadas... Será que elas brilham para que cada um possa um dia encontrar a sua? Olha o meu planeta. Está bem acima de nós... Mas como ele está longe!

SERPENTE (Se aproximando mais): Teu planeta é belo! Que vens fazer aqui?

PEQ. PRINCIPE (Triste): Tive problemas com uma flor.

SERPENTE: Ah!

(Os dois se calam por uns instantes. A Serpente o observa, ainda olhando o céu.)

PEQ. PRINCIPE (Se voltando pra ela, torna a perguntar): Onde estão os homens? A gente se sente um pouco só no deserto.

SERPENTE: Entre os homens também.

PEQ. PRINCIPE (A olha por um longo tempo. Sorri): Tu és um bichinho engraçado! Fino como um dedo...

SERPENTE (Ofendida, ameaça): Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei!

PEQ. PRINCIPE (Sorrindo): Tu não és tão poderosa assim... Não tens nem patas... Não podes sequer viajar...

SERPENTE (Em tom ameaçador): Eu posso levar-te mais longe que um navio! (O cerca, como se enrolasse

nele) Aquele que eu toco, eu o devolvo à terra de onde veio! Mas tu és puro... E vens de uma estrela...

(O Principezinho não responde.)

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SERPENTE (Ainda enroscada nele): Tenho pena de ti, tão fraco, nessa Terra de granito. Posso ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu planeta. Posso...

PEQ. PRINCIPE (Interrompendo-a, se afasta): Oh! Eu te compreendo muito bem. Mas por que falas sempre por enigmas?

SERPENTE (Encara, cruel): Eu os resolvo! Todos!

(Os dois se calam novamente. A luz cai sobre eles.)

CENA VIII (Luz. O Príncipe chega a um jardim. É cercado por vários rosas, que cantam e dançam, o acolhendo, felizes.

ROSA 1 (Simpática, sorrindo): Bom dia!

PEQ. PRINCIPE (Admirado): Quem sóis?

TODAS AS ROSAS: Somos rosas!

PEQ. PRINCIPE (Desnorteado, disfarça): Ah! E quantas de vocês são?

ROSA 1 (Simpática, sorrindo): Quatro mil... Cinco mil... (Saem cantando, felizes)

PEQ. PRINCIPE (Chorando, fala com platéia): Minha flor me disse que era a única de sua espécie em todo o Universo. E eis que aqui na Terra há... Cinco mil, iguaiszinhas, num só jardim!... Ela teria se envergonhado se as tivesse visto. Começaria a tossir, simularia morrer, para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ele seria bem capaz de morrer de verdade. (Reflete um pouco e continua) Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não passam do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso... (E volta a chorar)

(A Raposa que o observava de longe, resolve se aproximar, mas logo desaparece.)

RAPOSA (Fala e se esconde): Bom dia!

PEQ. PRINCIPE (Responde educadamente, olhando a sua volta, sem nada ver): Bom dia!

RAPOSA (Fala e se esconde): Eu estou aqui!

PEQ. PRINCIPE: Quem és tu? Tu és bem bonita...

RAPOSA (Fala e se esconde): Sou uma raposa.

PEQ. PRINCIPE (Triste): Vem brincar comigo! Estou tão triste...

RAPOSA (Fala e se esconde): Eu não posso brincar contigo. Não me cativaram ainda.

PEQ. PRINCIPE: Ah! Desculpa! (Reflete um pouco e acrescenta) Que quer dizer “cativar”?

RAPOSA (Olhando por mais tempo): Tu não és daqui. Que procuras?

PEQ. PRINCIPE: Procuro os homens. Que quer dizer “cativar”?

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RAPOSA: Os homens... Têm fuzis e caçam! É assustador! Criam galinhas também! É a única coisa que fazem de interessante. (Entusiasmada, sorrindo) Tu procuras galinhas?

PEQ. PRINCIPE: Não. Eu procuro amigos. Que quer dizer “cativar”?

RAPOSA (Ainda de longe): É algo quase sempre esquecido. Significa “criar laços”...

PEQ. PRINCIPE: Criar laços?

RAPOSA: Exatamente. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

PEQ. PRINCIPE: Começo a compreender... Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...

RAPOSA: É possível. Vê-se tanta coisa na Terra...

PEQ. PRINCIPE: Oh! Não foi na Terra.

RAPOSA (Intrigada): Num outro planeta?

PEQ. PRINCIPE: Sim.

RAPOSA (Curiosa): Há caçadores nesse planeta?

PEQ. PRINCIPE: Não.

RAPOSA (Aliviada): Que bom! (Esperançosa) E galinhas?

PEQ. PRINCIPE: Também não.

RAPOSA (Decepcionada, suspira): Nada é perfeito. (Retomando o raciocínio) Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me aborrece um pouco. (Muda o semblante) Mas... Se tu me cativas, minha vida será como cheia de sol. (Sorri, feliz) Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar para debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois... Olha! (Aponta para o horizonte (platéia)) Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! (Olhando para ele) Mas tu... Tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando tiveres me cativado. (Olha trigo) O Trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo... (Cala-se

e observa o príncipe por muito tempo) Por favor... Cativa-me!

PEQ. PRINCIPE: Eu até gostaria... Mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

RAPOSA: A gente só conhece bem, as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não tem mais amigos. Se tu queres um amigo... Cativa-me!

PEQ. PRINCIPE: Que é preciso fazer?

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RAPOSA: É preciso ser paciente. (Se afastando dele) Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim na relva. (Vai exemplificando o que diz) Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas cada dia... Te sentarás um pouco mais perto... E todo dia tu virás à mesma hora. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde... Desde as três eu começarei a ser feliz! (Sorrindo) Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração... É preciso que haja um ritual.

PEQ. PRINCIPE: Que é um “ritual”?

RAPOSA: É uma coisa muito esquecida também. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, adotam um ritual. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. (Sorri, feliz) A quinta-feira é então o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. (Séria) Se os caçadores dançassem em qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu nunca teria férias!

(Os dois vão se aproximando. Estão felizes. Sorriem. A luz sobre eles vão caindo. E subindo em seguida. Os dois estão se olhando, tristes.)

PEQ. PRINCIPE: Preciso partir agora.

RAPOSA (Chorosa): Ah! Eu vou chorar.

PEQ. PRINCIPE (Preocupado): A culpa é tua. Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

RAPOSA (Chorando, baixinho): Quis.

PEQ. PRINCIPE: Mas, tu vais chorar!

RAPOSA: Vou.

PEQ. PRINCIPE: Então, não terás ganho nada!

RAPOSA (Enxugando as lágrimas): Terei sim... Por causa do trigo. (Acrescenta) Vai rever as rosas. Assim, compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.

(A luz cai sobre eles. O Príncipe caminha um pouco. Logo as rosas se aproximam. São carinhosas, sorridentes. Ele conversa com elas.)

PEQ. PRINCIPE: Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu a tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo. (Percebe que as rosas ficam desapontadas) Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer, sem dúvida, pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela quem eu reguei. Foi ela quem pus sob a redoma. Foi ela quem abriguei com o pára-vento. Foi nela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi ela quem eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. Já que ela é a minha rosa.

(As rosas saem chorosas. O príncipe avista a raposa, que vem ao seu encontro. Está triste.)

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PEQ. PRINCIPE (Para a raposa): Adeus.

RAPOSA: Adeus... Eis o meu segredo. É muito simples: SÓ SE VÊ BEM COM O CORAÇÃO. O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS.

PEQ. PRINCIPE (Repetindo para não esquecer. Fala para a platéia): O essencial é invisível aos olhos.

RAPOSA: FOI O TEMPO QUE PERDESTE COM A TUA ROSA, QUE FEZ TUA ROSA TÃO IMPORTANTE.

PEQ. PRINCIPE: Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Que a fez tão importante.

RAPOSA: Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves esquecer. TU TE TORNA ETERNAMENTE RESPONSÁVEL POR AQUILO QUE CATIVAS. Tu és responsável pela tua rosa...

PEQ. PRINCIPE (Repetindo para não esquecer, emocionado): Eu sou responsável pela minha rosa...

(A luz cai sobre eles.)

CENA IX (Luz. O Aviador se aproxima do príncipe. Fala como se tivesse acabado de escutar toda a história de sua viagem.)

AVIADOR: Ah! São bens bonitas as tuas lembranças, mas eu não consertei meu avião, não tenho mais nada para beber, e eu também seria feliz se pudesse ir caminhando calmamente em direção a uma fonte!

PEQ. PRINCIPE: Minha amiga raposa me disse...

AVIADOR (Interrompendo): Meu caro, não se trata mais da raposa!

PEQ. PRINCIPE: Por quê?

AVIADOR: Porque vamos morrer de sede...

PEQ. PRINCIPE (Sem compreender o raciocínio do aviador): É bom ter tido um amigo, mesmo se a gente vai morrer. Eu estou muito contente de ter tido uma raposa como amiga...

(O aviador o observa e pensa: “Ele não pode avaliar o perigo. Não tem nunca fome ou sede. Um raio de sol lhe basta...”)

PEQ. PRINCIPE (Respondendo ao pensamento do aviador): Tenho sede também... Procuremos um poço...

(O aviador faz um gesto de desânimo: é absurdo procurar um poço ao acaso, na imensidão do deserto. Caminham um pouco.)

AVIADOR (Olhando para o céu, admirando as estrelas. Repete as palavras do príncipe, que ressoam em sua mente): Tu tens sede também?

PEQ. PRINCIPE (Sem responder a pergunta, apenas diz): A água também é boa para o coração...

(O aviador não entende a resposta e se cala. Ele sabe que não adianta interrogar o príncipe. Eles estão cansados. Sentam-se um pouco. O pequeno príncipe também olha o céu.)

PEQ. PRINCIPE: As estrelas são belas por causa de uma flor que não se pode ver...

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AVIADOR: É verdade! (Fica em silêncio e fixa os olhos nas ondulações da areia iluminada pela Lua)

PEQ. PRINCIPE: O deserto é belo... O que torna belo o deserto... É que ele esconde um poço em algum lugar.

AVIADOR: Sim! Quer seja a casa, as estrelas ou o deserto, o que os torna belo é invisível!

PEQ. PRINCIPE (Sorri para o aviador, satisfeito): Estou contente que esteja de acordo com a minha raposa. (Levantando) Os homens do teu planeta... Cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim... E não encontram o que procuram...

AVIADOR (De pé, ao seu lado): É verdade!

PEQ. PRINCIPE: E no entanto o que eles procuram poderia ser encontrado numa só rosa, ou num poço de água...

AVIADOR: É verdade! (Aviador se sente triste de repente. Presente a despedida)

PEQ. PRINCIPE: Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração... (Fala baixinho) É preciso que cumpras a tua promessa.

AVIADOR: Que promessa?

PEQ. PRINCIPE: Tu sabes... A mordaça do meu carneiro... Eu sou responsável por aquela flor!

(O aviador tira do bolso os esboços de desenho.)

PEQ. PRINCIPE (Vendo os desenhos, fala rindo): Teus baobás mais parecem repolhos...

AVIADOR (Olhando os desenhos, decepcionado): Oh! Eu caprichei tanto nos meus baobás!

PEQ. PRINCIPE (Ainda rindo): Tua raposa... As orelhas dela... Parecem chifres... E são compridas demais! (Ri alto)

AVIADOR (Sorri também): Tu é injusto, meu caro, eu só sabia desenhar jibóias abertas e fechadas...

PEQ. PRINCIPE: Não faz mal. As crianças entendem.

AVIADOR (Rabisca, então, uma pequena mordaça. Mas, ao entregá-la, sente um aperto no coração): Tu tens planos que eu desconheço...

PEQ. PRINCIPE (Sem responder, diz apenas): Lembras-te da minha chegada na Terra? Será amanhã o aniversário... (Silêncio. Olha horizonte (platéia), depois acrescenta) Caí pertinho daqui... (Enrubesce)

AVIADOR (Sem compreender por que, sente uma estranha tristeza. Mas insiste em querer saber mais): Então, não foi por acaso que vagavas sozinho, quando te encontrei, há oito dias, a milhas e milhas de qualquer região habitada! Estavas retornando ao local onde chegaste?

(O príncipe enrubesce novamente.)

AVIADOR (Hesita um pouco): Talvez... Por causa... Do aniversário?

(O principezinho fica mais vermelho. Não responde nunca às perguntas. Mas quando enrubesce, é o mesmo que dizer “sim”)

AVIADOR: Ah! Eu tenho medo...

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PEQ. PRINCIPE: Tu deves agora trabalhar. Voltar para teu aparelho. Espero-te aqui. Volta amanhã de noite...

(O aviador se afasta um pouco. O príncipe avista a serpente que se aproxima, maliciosa, cruel, vitoriosa. O aviador assiste a cena de longe, sem perceber que ele fala com a serpente.)

PEQ. PRINCIPE: Tu não te lembras então? Não foi bem esse o lugar!

(A serpente o cerca. Mas o príncipe replica, como se conversasse com ela.)

PEQ. PRINCIPE: Não! Não estou enganado. O dia é este, mas não é este o lugar... Está bem. Tu verás na areia onde começam as marcas dos meus passos. Basta me esperar. Estarei lá esta noite. O teu veneno é do bom? Estás certa de que não vou sofrer por muito tempo?

(O aviador grita de longe e se aproxima do príncipe. A serpente sai.)

AVIADOR (Com o coração apertado, sem compreender, procurando a serpente): Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes? (Afrouxa o nó do lenço que o príncipe usa no pescoço. Molha sua testa. Dar-lhe de beber. E não ousa perguntar-lhe mais nada. Olha-o seriamente e o abraça. Sente o coração do príncipe bater, como o de um pássaro morrendo, atingido por um tiro.)

PEQ. PRINCIPE (Pálido, como a neve): Eu volto para casa hoje... É bem mais longe... Bem mais difícil... (Seu olhar está sério, vagando no além) Tenho o teu carneiro. E a caixa para o carneiro. E a mordaça... (E sorri com tristeza)

AVIADOR (Sente que o príncipe está melhor, sua temperatura voltara ao normal): Meu caro, tu tiveste medo...

PEQ. PRINCIPE (Sabe que o aviador tem razão, mas, sorri, docemente): Terei mais medo esta noite...

AVIADOR (O sentimento do irremediável o gela de novo. Compreende que não poderá suportar a idéia de nunca mais

escutar o riso do príncipe, que era para ele como uma fonte no deserto): Meu caro, eu quero ainda escutar o teu riso...

PEQ. PRINCIPE: Faz já um ano esta noite. Minha estrela estará exatamente sobre o lugar onde cheguei no ano passado...

AVIADOR: Meu caro, essa história de serpente, de encontro marcado, de estrela, não passa de um pesadelo, não é mesmo?

PEQ. PRINCIPE: O que é importante não se vê...

AVIADOR: Sim, eu sei...

PEQ. PRINCIPE (Olhando o céu, com esperança): É como a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é bom, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estão floridas.

AVIADOR: É verdade...

PEQ. PRINCIPE: À noite, tu olhará as estrelas. Aquela onde moro é muito pequena, para que eu possa te mostrar. É melhor assim. Minha estrela será para ti qualquer uma das estrelas. Assim, gostarás de olhar todas elas... Serão, todas, tuas amigas. E, também, eu te darei um presente... (Ri outra vez)

AVIADOR: Ah! Meu caro, meu querido amigo, como eu gosto de ouvir esse riso!

PEQ. PRINCIPE: Pois é ele o meu presente...

Não pode ser encenada sem autorização da autora. Dallva Rodrigues, [email protected]

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AVIADOR: Que queres dizer?

PEQ. PRINCIPE (Se aproxima do público e fala seriamente): As pessoas vêem estrelas de maneira diferente. Para aqueles que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para os sábios, elas são problemas. Para o empresário, eram ouro. (Se volta

para o aviador) Mas todas essas estrelam se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém nunca as teve...

AVIADOR: Que queres dizer?

PEQ. PRINCIPE: Quando olhares o céu de noite, eu estarei habitando uma delas, e de lá estarei rindo; então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir! (Ri mais uma vez) E quando estiveres consolado (a gente sempre se consola), tu ficarás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo! Terás vontade de rir comigo. E às vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer... E teus amigos ficarão espantados de ver-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: “Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão louco. Será como uma peça que te prego... (Ri de novo) Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montes de pequenos guizos que sabem rir... (Ri de novo. Depois fica sério) Esta noite... Por favor... Não venhas...

AVIADOR (Sério): Eu não te deixarei!

PEQ. PRINCIPE: Eu parecerei estar sofrendo... Parecerei estar morrendo. É assim. Não venhas ver. Não vale a pena...

AVIADOR: Eu não te abandonarei!

PEQ. PRINCIPE (Preocupado): Se eu te peço isto... É também por causa da serpente. As serpentes são más. Podem morder apenas por prazer...

AVIADOR: Eu não te abandonarei! (Fica calado nas falas a seguir. Emudece de desespero)

PEQ. PRINCIPE (Mais tranqüilo, fala para platéia): É verdade que elas não têm veneno para uma segunda mordida... (Para o aviador) Eu parecerei estar morto e isso não será verdade... (Dá as

costas para o aviador, segura a vontade de chorar) Tu compreendes. É muito longe. Eu não posso carregar este corpo. É muito pesado. Mas será como uma velha concha abandonada. (Sorri

tristemente) Não tem nada de triste numa velha concha... (Perde um pouco da coragem, mas faz ainda um

esforço, olhando o céu, com os olhos rasos d’água) Será lindo, sabes? Eu também olharei as estrelas. Todas as estrelas serão como poços com uma roldana enferrujada. Todas as estrelas me darão de beber... (Vai enfraquecendo a voz) Será tão divertido! Tu terás quinhentos milhões de guizos, e eu terei quinhentos milhões de fontes... (Se cala, e chora. Olha o aviador pela última vez) É aqui. Deixe-me ficar só. (Engasga ao falar) Tu sabes... Minha flor... Eu sou responsável por ela! Ela é tão frágil! Tão ingênua! E tem apenas quatro pequenos espinhos para defendê-la do mundo...

(O aviador cai de joelhos no chão. Mudo, desesperado, não consegue mais ficar de pé.)

PEQ. PRINCIPE (Encara platéia): Pronto... É isso.

(A serpente volta e o abraça por trás. A luz cai sobre os dois. Quando a luz volta, aviador está sozinho, se levantando. Se aproxima do público.)

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AVIADOR: E agora já se passaram seis anos... Jamais contara esta história. Os companheiros que me encontraram quando voltei ficaram contentes de me ver são e salvo. Eu estava triste, mas lhes dizia: “É o cansaço...” agora já me conformei um pouco. Mas não completamente. Tenho certeza que ele voltou ao seu planeta, pois ao raiar do dia, não encontrei seu corpo. Não era um corpo tão pesado assim... E gosto, à noite, de escutar as estrelas. É como ouvir quinhentos milhões de guizos...

Mas uma coisa me preocupa: na mordaça que desenhei para o pequeno príncipe, esqueci de juntar a correia de couro! Ele não poderá jamais prendê-la no carneiro. E então eu pergunto: “O que terá acontecido no seu planeta? Talvez o carneiro tenha comido a flor...”

Às vezes penso: “Certamente que não! O principezinho guarda sua flor todas as noites na redoma de vidro e vigia atentamente seu carneiro...” Então, eu me sinto feliz. E todas as estrelas riem docemente. Ou penso: “Às vezes a gente se distrai e isso basta! Uma noite ele esqueceu de colocar a redoma de vidro ou o carneiro saiu de mansinho, no meio da noite, sem que fosse notado...” E todos os guizos então se transformam em lágrimas!...

(Sério) Eis aí um grande mistério. Para vocês, que também amam o pequeno príncipe, como para mim, todo o Universo fica diferente, se em algum lugar, que não sabemos onde, um carneiro, que não conhecemos, comem ou não uma rosa...

Olhem o céu. Perguntem a si mesmos: O carneiro terá ou não comido a flor? E verão como tudo fica diferente...

E nenhuma pessoa grande jamais entenderá que isso possa ter tanta importância!

(Pegando do bolso, os dois últimos desenho que fez. Mostra ao público, o desenho 1) Esta é, para mim, a mais bela e triste paisagem do mundo. Foi aqui que o pequeno príncipe apareceu na Terra, (Mostra o desenho 2) e depois desapareceu.

Olhem atentamente esta paisagem... Para que estejam certos de reconhecê-la, se um dia viajarem pela África, através do deserto.

Se passarem por ali... (Emocionado) Eu lhes suplico! Eu lhes peço que não tenham pressa... E esperem um pouco bem debaixo da estrela!

Se... De repente... Um menino vem ao encontro de vocês... Se ele ri... Se tem cabelos dourados... Se não responde quando é perguntado... Adivinharão quem ele é.

Façam-me, então um favor! Não me deixem tão triste: escrevam-me depressa... Dizendo que ele voltou...

(Luz cai lentamente sobre o aviador.)

FIM