Livia Oushiro
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W e b - R e v i s t a S O C I O D I A L E T O • w w w . s o c i o d i a l e t o . c o m . b r Bacharelado em Linguística e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande M e s t r a d o e m L e t r a s • U E M S / C a m p o G r a n d e ISSN: 2178-1486 • Volume 1 • Número 6 • feverei ro 2012
Homenagem ao Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho
1
ANÁLISE VARIACIONISTA DAS INTERROGATIVAS-Q NO
PORTUGUÊS PAULISTANO
Livia Oushiro (FFLCH-USP)1
Resumo: Este artigo faz um resumo da dissertação de mestrado intitulada “Uma análise
variacionista para as Interrogativas-Q” (Oushiro, 2011), que analisa, a partir dos pressupostos
teóricos e metodológicos da Sociolinguística Variacionista (Labov, 1972), a alternância entre
quatro estruturas de interrogativas: (i) interrogativas-qu (“Onde você mora?”); (ii)
interrogativas qu-que (“Onde que você mora?”); (iii) interrogativas é-que (“Onde é que você
mora?”); e (iv) interrogativas qu-in-situ (“Você mora onde?”). O corpus se compõe de uma
amostra robusta de língua oral e escrita do português paulistano contemporâneo, com cerca de
um milhão de palavras. Após a apresentação de problemáticas e de critérios para o estudo da
variação morfossintática, definem-se dois envelopes de variação – e, portanto, duas variáveis:
uma que envolve a alternância na posição do constituinte interrogativo (in situ ou não), e outra
que encerra as três estruturas com constituinte interrogativo pré-verbal (-qu, qu-que, é-que). Os
resultados de análises quantitativas mostram que as interrogativas qu-in-situ são favorecidas
principalmente por fatores morfossintáticos e discursivo-pragmáticos; fatores extra-linguísticos,
como o sexo/gênero e a faixa etária do falante, também se correlacionam indiretamente através
do emprego de diferentes estratégias discursivas. O uso de interrogativas qu-que, por sua vez,
demonstra uma provável mudança linguística em progresso, uma vez que a análise em tempo
aparente revela o favorecimento da estrutura por falantes mais jovens; nesse caso, a variação é
influenciada principalmente por fatores sintáticos e prosódicos.
Palavras-chave: Interrogativas-Q; interrogativas qu-in-situ; interrogativas qu-que; variação
morfossintática; português paulistano
1 Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), Proc. Número 2009/03190-0.
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Introdução
Este artigo faz um resumo da dissertação de mestrado intitulada “Uma
análise variacionista para as Interrogativas-Q” (Oushiro, 2011).2 A partir da
proposta teórica e metodológica da Sociolinguística Variacionista (Labov, 1972),
o trabalho investiga o emprego variável de quatro estruturas interrogativas de
constituinte, também chamadas de Interrogativas-Q (Mioto & Kato, 2005) – ou
seja, sentenças que contêm um pronome, advérbio ou adjetivo interrogativo (o
que, que + NP, qual(-is), qual(-is) + NP, quanto(-a, -os, -as), quanto(-a, -os, -as)
+ NP, quem, como, quando, onde e por que):
(1) a. Interrogativas-qu: Onde você mora?
b. Interrogativas qu-que: Onde que você mora?
c. Interrogativas é-que: Onde é que você mora?
d. Interrogativas qu-in-situ: Você mora onde?
Duas das quatro estruturas apresentadas em (1) despertam um interesse
especial: as interrogativas qu-que (1b), agramaticais no português europeu
(Lopes-Rossi, 1996; Ambar et al, 2001; Mioto & Kato, 2005), e as interrogativas
qu-in-situ (1d), construção pouco produtiva e frequentemente restrita à função de
pergunta-eco em línguas com movimento do constituinte interrogativo (Cheng,
1991). Nas gramáticas tradicionais, tais formas raramente são mencionadas; em
pesquisas linguísticas, os trabalhos se concentram no arcabouço da Teoria da
2 A dissertação foi realizada e defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Semiótica e Linguística Geral do Departmento de Linguística da Universidade de São Paulo,
sob orientação do Prof. Dr. Ronald Beline Mendes (DL/USP).
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Regência e Ligação (ver p.ex. Kato, 1987; Mioto, 1989), Teoria de Princípios e
Parâmetros (ver p.ex. Mioto, 1997; Ambar et al., 2001) e do Programa
Minimalista (ver p.ex. Lopes-Rossi, 1996; Pires & Taylor, 2007), e se preocupam
em descrever as propriedades formais dos diferentes tipos de Interrogativas-Q em
termos de sua representação sintática de acordo com as propostas do Programa
Gerativista.
Esta dissertação, ao explorar uma nova abordagem no estudo de
Interrogativas-Q, capaz de levantar questões outras e trazer novas percepções,
procura encaminhar respostas para as seguintes questões: (i) Que critérios podem
ser aplicados para determinar a factual opcionalidade de emprego entre diferentes
estruturas morfossintáticas?; (ii) Nos contextos em que as estruturas de
Interrogativas-Q são, de fato, variantes de uma variável, quais fatores linguísticos
e não-linguísticos influenciam a variação entre esssas estruturas?; (iii) Quais
explicações podem ser fornecidas para a alternância?; e (iv) Como a variação
morfossintática se encaixa no quadro mais amplo da Teoria da Variação?
Corpus e Metodologia
O material analisado compreende diversas amostras do português
paulistano contemporâneo: (i) 53 entrevistas sociolinguísticas, coletadas por
alunos do curso de Sociolinguística da USP entre 2003 e 2008, com informantes
paulistanos, estratificados de acordo com o seu sexo/gênero, três faixas etárias
(de 20 a 30 anos; de 35 a 45 anos; 50 anos ou mais) e dois níveis de escolaridade
(até Ensino Fundamental II; curso superior em andamento ou concluído); (ii) 5
edições da revista Veja (nov-dez/2008); (iii) amostras do jornal Folha de São
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Paulo online (2008-2010); e (iv) 1470 redações escolares (2005) de alunos do
Ensino Fundamental II e do Ensino Médio de escolas públicas e privadas na
cidade de São Paulo. As amostras de língua oral (i) e escrita (ii-iv) se distribuem
equilibradamente, cada qual com cerca de meio milhão de palavras. A escolha de
um corpus robusto deveu-se à frequência relativamente reduzida das formas
linguísticas investigadas (sobretudo em comparação com variáveis do nível
fonológico ou morfológico), a fim de que o número total de dados permitisse o
teste de hipóteses quantitativamente. Verificou-se, no entanto, que na modalidade
escrita o uso de interrogativas-qu (como em 1a) é quase categórico (mais de
93%); a análise multivariada se debruça então sobre a amostra de língua oral,
considerando-se tanto os dados dos 53 informantes quanto aqueles de 19
documentadores paulistanos.
As ocorrências das quatro estruturas de interrogativas de constituinte
foram extraídas automaticamente para uma planilha de codificação com o auxílio
da aplicação de rotinas automatizadas no programa R,3 artifício que reduz
enormemente o tempo e o esforço empregados nessa etapa da análise
variacionista. Os dados foram analisados quantitativamente no programa
GoldVarb X, seguindo os preceitos do Paradigma Quantitativo (Guy, 1993;
Bayley, 2002). Tais análises quantitativas foram precedidas de uma análise
qualitativa minuciosa dos dados, que se apresenta resumidamente a seguir.
3 Ver script em Oushiro (2011, p. 151). O script pode ser adaptado para a extração de
ocorrências de outras variáveis sociolinguísticas.
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O Estudo da Variação Morfossintática: Definição dos Envelopes de
Variação
A análise de variáveis além do nível fonológico levanta questões teórico-
metodológicas que têm sido discutidas no âmbito dos estudos sociolinguísticos
desde o debate entre Lavandera (1978) e Labov (1978). Uma dessas questões
refere-se à definição do envelope de variação: em quais contextos e com base em
que critérios duas ou mais estruturas podem ser consideradas “formas alternativas
de dizer a mesma coisa”? (Labov, 1972, 1978) Este estudo se baseia no conceito
de competência comunicativa (Hymes, 1991 [1979]) para estabelecer critérios
para o estudo da variação de Interrogativas-Q. Duas ou mais formas são
consideradas opcionais quando são (i) possíveis, (ii) factíveis, (iii) apropriadas e
(iv) factualmente empregadas nos mesmos contextos; desse modo, a análise
qualitativa das ocorrências de Interrogativas-Q encontradas no corpus leva em
conta testes de gramaticalidade, viabilidade, adequação pragmática e de
produção, atendendo respectivamente aos quatro critérios acima estabelecidos.
A partir dessa análise, são definidos dois envelopes de variação e,
portanto, duas variáveis sociolinguísticas. A primeira envolve a alternância na
posição do constituinte interrogativo (in situ ou não, i.e. 1d vs. 1a-1c) e se define
pelo seguinte envelope de variação: sentenças completas com até 20 palavras que
contêm apenas um constituinte interrogativo em uma oração finita principal ou
em uma oração encaixada introduzida por um complementizador, excetuando-se
expressões semilexicalizadas e os casos de interrogativas-qu/qu-in-situ em que o
constituinte interrogativo exerce a função de sujeito. A segunda encerra as três
estruturas com constituinte interrogativo pré-verbal (1b vs. 1a/1c) em sentenças
completas que contêm apenas um constituinte interrogativo pré-verbal em uma
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oração finita principal ou encaixada, excetuando-se expressões cristalizadas ou
semilexicalizadas.
Resultados de análises quantitativas
Na análise da variação da posição do constituinte interrogativo (in situ ou
não), foram testados seis grupos de fatores extralinguísticos4 e oito grupos de
fatores linguísticos5 em 999 ocorrências de Interrogativas-Q. Os grupos de
fatores morfossintáticos (Função sintática, Constituinte interrogativo e Tipo de
verbo) e discursivo-pragmáticos (Que outro elemento ocorre antes da oração
principal, Conjunto de respostas previstas, Grau de ativação do fundo comum e
Sinceridade pragmática da pergunta) são aqueles que têm maior influência na
variação. A variação está correlacionada à distância de movimento do
constituinte interrogativo (quanto maior seria o movimento, maior a tendência de
o constituinte permanecer in situ) e à sua “obrigatoriedade” ou não na estrutura
argumental (quanto menor a “obrigatoriedade”, maior a tendência de emprego de
qu-in-situ). Os grupos de fatores discursivo-pragmáticos mostram a importância
do fluxo de informações no aqui-e-agora da conversação para a alternância entre
diferentes estruturas sintáticas: qu-in-situ é favorecido em contextos em que há
maior previsibilidade da pergunta e em que a pressuposição ou um dos referentes
está mais ativado; nesta pesquisa, atribui-se a seleção desses fatores ao papel do
fundo comum (Stalnaker, 2002) entre os interlocutores, que deve ser examinado
4 Sexo/gênero, Faixa etária, Escolaridade, Quem fala: documentador ou informante, Grau de
relação entre documentador e informante, e Espontaneidade da pergunta (em relação ao roteiro
da entrevista). 5 Número de palavras na oração, Constituinte interrogativo, Tipo de verbo, Função sintática,
Que outro elemento ocorre antes da oração principal, Conjunto de respostas previstas, Grau de
ativação do fundo comum e Sinceridade pragmática da pergunta.
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em sua dinamicidade: os interlocutores se baseiam em seu conjunto de crenças
compartilhadas para organizar o discurso, o que evidencia o caráter cooperativo
da conversação face-a-face. Fatores prosódicos também se mostram relevantes:
qu-in-situ é favorecido por sentenças curtas (menos de 6 palavras), embora, neste
caso, a correlação provavelmente seja inversa: a estrutura in situ é que favorece a
concisão da oração. Embora categorias sociais clássicas como Escolaridade e
Sexo/gênero não sejam selecionadas como significativas, o cruzamento desse
último com grupos de fatores discursivo-pragmáticos revela que o encaixamento
social da variação sintática pode ocorrer de modo indireto (Cheshire, 2005).
Esses resultados trazem novas questões à Teoria da Variação sobre a relação
entre fatores linguísticos e não linguísticos para variáveis de diferentes níveis de
análise.
Na análise da variável (Constituinte interrogativo pré-verbal), foram
testados seis grupos de fatores extralinguísticos6 e cinco grupos de fatores
linguísticos7 em 1421 ocorrências de Interrogativas-Q. A análise do grupo de
fatores Faixa etária aponta para uma possível mudança linguística em progresso,
observada em tempo aparente, em favor das interrogativas qu-que, uma vez que
falantes mais jovens favorecem a variante. O padrão verificado segue uma
tendência geral identificada por Bybee (2002) no curso de mudanças linguísticas,
em que a implementação da variante inovadora tende a ocorrer mais rapidamente
em orações principais do que em orações encaixadas. A covariação com grupos
de fatores morfossintáticos (Constituinte interrogativo e Função sintática) não
demonstra uma hierarquia de restrições coerente, em razão de um efeito indireto
6 Sexo/gênero, Faixa etária, Escolaridade, Quem fala: documentador ou informante,
Espontaneidade da pergunta e Grau de relação entre documentador e informante. 7 Tipo de verbo, Tipo de oração, Função sintática, Constituinte interrogativo e Tonicidade da
sílaba seguinte.
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da tonicidade da última sílaba do constituinte interrogativo (oxítono vs.
paroxítono). O cruzamento entre Constituinte interrogativo e Tonicidade da
sílaba seguinte mostra que o emprego de interrogativas qu-que é favorecido em
contextos em que haveria choque de acento (constituintes oxítonos seguidos de
sílabas tônicas) e desfavorecido em sequências de sílabas átonas (constituinte
paroxítono seguido de sílaba átona), resultado sugere que a presença de um
complementizador que átono obedece ao Princípio de Alternância Rítmica
(Selkirk, 1984).
Considerações finais
Esta dissertação se volta para a língua em uso pela comunidade de fala
paulistana e, a partir da premissa de que o sistema linguístico é heterogêneo e
ordenado, busca descrever e explicar a alternância entre quatro estruturas de
Interrogativas-Q. As principais contribuições do trabalho consistem (i) na
descrição e na análise de uma variável sociolinguística do português paulistano,
variedade ainda pouco estudada; (ii) no emprego de novas ferramentas
computacionais como o programa R; (iii) no desenvolvimento de critérios para o
estudo de uma variável morfossintática, que possivelmente podem ser aplicados a
outras variáveis sociolinguísticas; e (iv) em uma descrição detalhada dos padrões
de covariação entre Interrogativas-Q e variáveis linguísticas e não-linguísticas,
bem como uma discussão a respeito da variação morfossintática dentro da Teoria
da Variação e da Mudança.
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Aprovado Para Publicação em 23 de janeiro de 2012.