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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto SP – 17 a 19/06/2016 1 LIVE STORIES O Snapchat como uma pasta compartilhada de registros da vida 1 Roberta de Oliveira MONTEIRO 2 Paola MAZZILLI 3 ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP RESUMO Neste artigo, pretendemos analisar o aplicativo Snapchat, com destaque para uma de suas ferramentas, a função “Live Stories”, que permite o acesso a uma série de vídeos e filmes enviados por usuários e selecionados por funcionários da aplicação, sempre a respeito de algum assunto ou evento específico, para exibição na rede durante 24 horas. Para a construção de nossa análise, nos valemos de estudos referentes à cibercultura, refletindo sobre o uso das redes sociais como plataformas que viabilizam dinâmicas de construção identitária e exposição dos sujeitos na contemporaneidade. Como referencial teórico, destacamos autores como Guy Debord, Douglas Kellner, Henry Jenkins, André Lemos, Paula Sibilia, Lucia Santaella e Juremir Machado Silva. PALAVRAS-CHAVE: comunicação; cibercultura; identidade; convergência; Snapchat. Com o advento da sociedade de consumo (BAUMAN, 2008) e dos mass media, se consolida na segunda metade do século XX a ideia de pós-modernidade. Muitos autores se ocuparam de discutir esse cenário, atentando-se para diferentes aspectos que, de alguma maneira, convergiram no sentido de uma nova temporalidade. Marcada por uma lógica de “eternos recomeços”, a experiência do sujeito contemporâneo mostra-se cada vez mais fortalecida por um sentimento de imediatismo, no qual se prioriza o “aqui e agora” em detrimento da “espera” e “prudência” que caracterizariam a era moderna. De fato, percebe-se hoje tanto no âmbito das comunicações, quanto nas práticas de consumo uma espécie de descontinuidade, a partir 1 Trabalho apresentado no IJ 5 – Rádio, TV e Internet do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Recém-graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela ESPM-SP, e-mail: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Doutoranda em Psicologia Clínica e em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professora do Curso de Comunicação Social da ESPM, e-mail: [email protected].

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LIVE STORIES O Snapchat como uma pasta compartilhada de registros da vida1

Roberta de Oliveira MONTEIRO2

Paola MAZZILLI3 ESPM – Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, SP

RESUMO Neste artigo, pretendemos analisar o aplicativo Snapchat, com destaque para uma de suas ferramentas, a função “Live Stories”, que permite o acesso a uma série de vídeos e filmes enviados por usuários e selecionados por funcionários da aplicação, sempre a respeito de algum assunto ou evento específico, para exibição na rede durante 24 horas. Para a construção de nossa análise, nos valemos de estudos referentes à cibercultura, refletindo sobre o uso das redes sociais como plataformas que viabilizam dinâmicas de construção identitária e exposição dos sujeitos na contemporaneidade. Como referencial teórico, destacamos autores como Guy Debord, Douglas Kellner, Henry Jenkins, André Lemos, Paula Sibilia, Lucia Santaella e Juremir Machado Silva. PALAVRAS-CHAVE: comunicação; cibercultura; identidade; convergência; Snapchat.

Com o advento da sociedade de consumo (BAUMAN, 2008) e dos mass media, se

consolida na segunda metade do século XX a ideia de pós-modernidade. Muitos autores

se ocuparam de discutir esse cenário, atentando-se para diferentes aspectos que, de

alguma maneira, convergiram no sentido de uma nova temporalidade.

Marcada por uma lógica de “eternos recomeços”, a experiência do sujeito

contemporâneo mostra-se cada vez mais fortalecida por um sentimento de imediatismo,

no qual se prioriza o “aqui e agora” em detrimento da “espera” e “prudência” que

caracterizariam a era moderna. De fato, percebe-se hoje tanto no âmbito das

comunicações, quanto nas práticas de consumo uma espécie de descontinuidade, a partir

1 Trabalho apresentado no IJ 5 – Rádio, TV e Internet do XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 17 a 19 de junho de 2016. 2 Recém-graduada em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela ESPM-SP, e-mail: [email protected]. 3 Orientadora do trabalho. Doutoranda em Psicologia Clínica e em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professora do Curso de Comunicação Social da ESPM, e-mail: [email protected].

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da qual não apenas objetos sucumbem ao contínuo descarte, mas também as próprias

relações ganham novos significados.

É neste momento que ganha destaque, ao lado da informatização da produção, a

midiatização do cotidiano dos sujeitos. Esta segunda, tema de grande interesse deste

artigo. Enquanto no século passado surgiram meios de comunicação de massa baseados

em tecnologias eletrônicas, atualmente temos computadores interconectados por meio de

redes digitais de abrangência global e nelas, sites de redes sociais que possuem como

propósito inicial reunir, entreter e dar visibilidade aos seus usuários.

Para este artigo, nos valeremos de estudos que permeiam o cenário

comunicacional contemporâneo a partir das temáticas da cibercultura e das estratégias de

exposição e interação na web. No primeiro momento discutiremos acerca de construção

identitária na contemporaneidade, utilizando conceitos como sociedade do espetáculo

(DEBORD, 1967) e personalidades alterdirigidas (SIBILIA, 2008). Depois disso,

abordaremos a cultura da mídia (KELLNER, 2001) e da convergência (JENKINS, 2008),

a fim de tratarmos das dinâmicas de produção e circulação de conteúdos nas mídias

digitais e, finalmente no terceiro momento, exemplificaremos a teoria apresentada aa

partir de uma análise da ferramenta ‘Live”, disponibilizada pelo aplicativo Snapchat.

Só me vejo quando me mostro ao outro

Em um contexto em que usuários passam a interferir no conteúdo circulante na

internet, reconfigura-se a maneira como são constituídas suas próprias subjetividades. Tal

como propõe Sibilia (2008), novos formatos de relações sociais são estabelecidos em um

cenário digital onde os sujeitos parecem ser convocados a “se mostrarem” através da

criação e atualização de perfis pessoais em redes sociais. Estas, por sua vez, se

assemelhariam a verdadeiros confessionários onde seus usuários expõem detalhes de suas

intimidades para uma audiência, no caso, seus amigos virtuais.

Há, assim, um dinâmico processo de publicização do privado, de modo que todo e

qualquer tipo de informação se tornaria algo maleável e decifrável, como se nada pudesse

permanecer eternamente oculto. Sobre as novas facetas da construção identitária dos

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indivíduos, Sibilia e Diogo afirmam haver “um deslocamento dos alicerces em torno dos

quais cada sujeito edifica o que é, uma espécie de deslizamento de ‘dentro’ de si mesmo,

para ‘fora’, ou melhor: para tudo aquilo que os outros podem enxergar” (SIBILIA e

DIOGO, 2011, p.133).

Na pós-modernidade, são inúmeras as possibilidades de exposição do “eu” e, na

internet, parece sempre haver espaço para relatar e se sentir observado. Segundo Sibilia,

“milhões de usuários de todo o planeta têm se apropriado das diversas ferramentas

disponíveis on-line, que não cessam de surgir e se expandir, e as utilizam para expor

publicamente a sua intimidade” (SIBILIA, 2008, p. 27). Os relatos em primeira pessoa,

sejam eles imagéticos ou textuais, são ponto de partida para as interações que ganham

forma neste meio, e acabam por realizar também certa manutenção da “imagem” destes

sujeitos na web.

É dessa forma que muda a maneira como os sujeitos constroem suas identidades

perante seus pares, de modo que há, na atualidade, uma proliferação de “personalidades

alterdirigidas e não mais introdirigidas, construções de si orientadas para o olhar alheio

ou exteriorizadas, não mais introspectivas ou intimistas” (SIBILIA, 2008, p. 23). Assim,

tornar-se visível seria o primeiro passo para que estes indivíduos se reconheçam enquanto

sujeitos. Para se ver, é preciso mostrar e, mais do que isso, obter alguma reação, seja ela

representada através de curtidas, comentários ou compartilhamentos.

Como sinalizou Bauman em um vídeo do seminário internacional Fronteiras do

Pensamento publicado em 2012, são múltiplas as possibilidades de identidades que se

admite ao longo da vida4. Nos casos das redes sociais, isso se torna ainda mais evidente,

na medida em que tantas ferramentas e tecnologias são disponibilizadas com o intuito de

delinear as infinitas possibilidades de construção do eu.

Nesses espaços encontramos o que Sibilia caracteriza como “eu tríplice”. Segundo

a autora, “o eu que fala e se mostra incansavelmente [na web] costuma ser uma tríplice: é

ao mesmo tempo autor, narrador e personagem” do conteúdo que posta. O ciberespaço

4 “Zygmunt Bauman Fronteiras do Pensamento” Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=POZcBNo-D4A> Acesso em: 01/05/16

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consiste, dessa forma, em um ecossistema um tanto quanto dinâmico, de modo que as

interações que nele se concretizam não são lineares e tampouco unidirecionais.

Todos os dias, observamos um acrescimento exponencial da quantidade de

informações que circulam na internet. Com isso, multiplica-se a extensão de registros

online, em formato de narrativa, que mais se parecem com um arquivo digital de nossas

vidas. Estes arquivos se entrelaçariam justamente por contarem as histórias dos sujeitos

na web e partirem da premissa de que permaneceriam arquivados dentro da plataforma

onde foram publicados. Sobre o caráter narrativo dessas postagens, Sibilia afirma que:

Assim como seu protagonista, essa vida possui um caráter eminentemente narrativo. Pois a experiência vital de cada sujeito é um relato que só pode ser pensado e estruturado como tal se for dissecado na linguagem. Mas, assim como ocorre com seu personagem principal, esse relato não representa simplesmente a história que se tem vivido: ele a apresenta. E, de alguma maneira, também a realiza, concede-lhe consistência e sentido, delineia seus contornos e a constitui (SIBILIA, 2008, p.32).

Dentre os autores que revisita, Sibilia aborda o conceito de “Sociedade do

Espetáculo” (DEBORD, 1967), cunhado no século XX para caracterizar uma sociedade

em que a vida de todos havia se degradado em um universo especulativo, e os indivíduos

necessitariam parecer algo às custas do que consumiam, consumindo por fim a si próprio.

Debord escreveu em sua “tese 4” que “o espetáculo não é um conjunto de

imagens, mas uma relação social entre pessoas mediada por imagens” (1997, p. 4). Este

pensamento se mostra um tanto quanto valioso e ainda pertinente para descrever as

relações entre os sujeitos na contemporaneidade, pois as redes sociais impulsionaram a

quantidade de imagens circulantes no ciberespaço, bem como as interações que se dão

ali.

Juremir Machado Silva, ao revisitar a “tese 4” de Debord (1967), afirma estarmos

vivendo a era do hiperespetáculo (SILVA, 2007), período em que os sujeitos mantêm

uma “relação social entre competidores, mediada por imagens de autodivulgação” (2007,

p.37). Silva ainda reitera que:

Estamos na época do “sorria, você está sendo filmado”. Apogeu do Big Brother como divertimento de massa. A câmara total, contudo, não inibe nem coíbe.

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Apenas registra. Positividade absoluta. Positivismo total. Enfim, a neutralidade. Salvo se for a indiferença como princípio geral da isonomia. Quando tudo é tela, a imagem torna-se a única realidade visível (SILVA, 2007, p.32).

A possibilidade de registrar algum instante passa a capturar as esferas mais

comuns da vida dos sujeitos, e as experiências vividas “fora” da internet parecem se

concretizar em função do seu potencial de serem publicadas na web, trazendo a seus

usuários valores recorrentes neste meio, como visibilidade e popularidade.

É neste contexto, no qual mostrar-se parece um imperativo e condição para o

status de sujeito, que a postagem de conteúdos pessoais torna-se uma prática necessária,

sem a qual parece difícil conectar-se aos demais e consigo próprio.

O resultado desse esforço de comunicação do eu acaba resultado em uma espécie

de polifonia de discursos, em que histórias de vida se esbarram, sobrepõem-se e se

entrelaçam. Assim, ocorre uma espécie de convergência de narrativas pessoais, que

acabam por configurarem uma produção coletiva de acontecimentos midiáticos e

midiatizados.

Convergência para além dos aparelhos eletrônicos

Segundo uma pesquisa do IBGE5, “oito em cada dez brasileiros entre 25 e 49

anos possuíam um celular para uso pessoal em 2013”. Estes celulares, em grande parte

usados para acessar a internet, parecem ter tornado o uso de computadores em casa

menos imprescindível. Cerca de 48% dos domicílios pesquisados possuíam acesso à

internet, sendo que enquanto em 2011, 46,5% dos brasileiros afirmaram acessá-la por

meio de um computador. Em 2013, este número diminuiu para 45,3%, indicando um

acesso à internet por meio de outros equipamentos, como tablets e celulares. Temos, na

difusão do uso destes dispositivos móveis, um crescimento no potencial de registro que é

realizado pelos brasileiros, que não precisam mais do suporte de um computador de mesa

para concretizar práticas de documentação da vida.

5 “IBGE: Metade dos brasileiros estão conectados à internet; Norte lidera em acesso por celular” Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/04/150429_divulgacao_pnad_ibge_lgb> Acesso em: 01/05/16

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Seja através da criação ou interferência nas informações que circulam pelo

ciberespaço, as interações na web se tornaram mais significativas e multifacetadas. Por

isso, reconhecer o papel mediador exercido por estes usuários é de extrema importância.

Dentre os avanços tecnológicos que propiciaram uma maior interferência dos sujeitos no

que é postado, identificamos a possibilidade de compartilhar acontecimentos enquanto

estão trânsito, ou seja, deslocamento pelo espaço urbano.

A possibilidade de compartilhar algum evento por meio de um celular ou tablet,

por exemplo, potencializa a velocidade e o alcance das informações que podem ser

publicadas nas mídias digitais, permitindo a publicação de fragmentos da vida quase que

no momento em que se concretizam. Segundo Santaella:

Hoje, redes de celulares, sinais de GPS, e estações de rede sem fio estão sempre on-line, especialmente o celular com suas “widgets” (lindas, úteis e divertidas pequenas aplicações para os equipamentos!). Isso se tornou uma constante na vida de bilhões de pessoas, apagando as fronteiras entre aqui e lá, entre o mundo físico e o ciberespaço, usuários e computadores [...] (SANTAELLA, 2010, p. 69).

Vale notar que mais do que meros portadores de perfis pessoais, os sujeitos

contemporâneos estão sempre conectados, estabelecendo relações que se dão a partir dos

mais diversos âmbitos, inclusive propiciando que “todos” possam “falar” ao mesmo

tempo sobre os mesmos assuntos. Em uma rede como o Facebook, por exemplo,

eventualmente nos deparamos com assuntos como política e futebol, que parecem ser

tema das postagens de boa parte de seus usuários em algumas ocasiões. Sobre a estrutura

comunicativa do ciberespaço, Lemos explica que: [...] se constitui [...] de livre circulação de mensagens, agora não mais editada por um centro, mas disseminada de forma transversal e vertical, aleatória e associativa. Esta nova racionalidade dos sistemas informatizados age sobre um homem que não mais recebe informações homogêneas de um centro “editor-coletor-distribuidor”, mas de forma caótica, multidirecional, entrópica, coletiva e, ao mesmo tempo, personalizada (LEMOS, 2002, p. 85).

É evidente que as transformações que se dão no âmbito da cibercultura não

ocorrem de maneira isolada. São, justamente, fator e produto que sofrem influências de

outros aspectos da vida social contemporânea. Por estarmos inseridos neste cenário, a

cultura da mídia, estudada por autores como Kellner (2001), refere-se às grandes

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indústrias como a da TV, cinema e música, que de certa forma influenciam no consumo

de outras plataformas, como as mídias digitais que estudamos. Segundo o autor: Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade (KELLNER, 2001, p. 9).

Discute-se muito a respeito da convergência de meios de comunicação, narrativas

transmidiáticas e cultura participativa, em função da multiplicidade de aparelhos, gadgets

e serviços disponíveis aos consumidores. Sobre esta temática, Jenkins explica que: Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam (JENKINS, 2008, p. 29).

As redes sociais parecem se encaixar neste modelo de convergência e

entretenimento, tendo em vista que nelas se concentram conteúdos de diferentes formatos

e assuntos, mas sempre em função da visibilidade de seus usuários. Kellner afirma,

inclusive, que a “identidade pós-moderna gira em torno do lazer e está centrada na

aparência, na imagem e no consumo” (KELLNER, 2001, p. 311).

Assim, por mais que uma discussão acerca da complexidade dos aparelhos e

plataformas existentes pareça atrativo, o que nos interessa neste artigo são os sentidos

atribuídos aos conteúdos que transitam entre eles.

Quando estudamos convergência e produções transmidiáticas, comumente nos

deparamos com exemplos de filmes, narrativas seriadas e reality shows. Neste artigo,

entretanto, pensamos no significado ainda mais literal dessas expressões. Nossas

reflexões se valem acerca da maneira como estas transformações interferem no âmbito

das nossas vidas. Mais precisamente, na maneira como interagimos em plataformas

digitais quando postamos relatos em primeira pessoa sobre um evento ou momento

vivido através de um celular, por exemplo.

As mudanças não cessam somente no plano das plataformas. Segundo Jenkins,

“convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos

midiáticos dispersos” (JENKINS, 2008, p. 27).

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A fim de ilustrarmos os conceitos já expostos, no tópico seguinte analisaremos o

aplicativo Snapchat, com destaque para uma de suas ferramentas, denominada Live, cujo

funcionamento se dá a partir da reunião de parte do conteúdo postado por alguns usuários

desta rede e disponibilizado para toda ela.

Conectando-se com o Snapchat:

O Snapchat é um aplicativo, disponível para download em aparelhos celulares

Android e IOS, que foi lançado em 2011 por Evan Spiegel. A aplicação opera a partir do

que seu fundador chama de “mídia efêmera”6, que consiste em interações sociais na web

que não deixam rastros. O Snapchat é atualmente usado por uma audiência

predominantemente jovem, com idade entre 13 a 34 anos7. A rede tem atingido números

notáveis, como 100 milhões de snapchatters8 ativos e mais de 4 bilhões de visualizações

diárias em vídeos.

Sua mecânica de funcionamento é supostamente simples. Consiste no envio de

imagens ou vídeos que, após abertos, permanecerão visíveis para quem os recebeu pelo

prazo de um até dez segundos, tempo estipulado por quem envia a mensagem em questão

(sendo este o principal diferencial desse aplicativo). Além disso, é possível adicionar no

registro filtros, emojis9, geofilters10 e também textos.

A estrutura do Snapchat poderia ser dividida em três principais interfaces. Logo

que o aplicativo é aberto, encontramos uma tela inicial semelhante à exibida pela câmera

de aparelho celular:

6 “Conheça o fundador do Snapchat, app que destrói mensagens” Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/11/conheca-o-fundador-do-snapchat-app-que-destroi-mensagens.html> Acesso em: 02/05/16 7 Disponível em: <https://www.snapchat.com/ads> Acesso em: 03/10/15 8 Usuários da rede social Snapchat 9 Pequenas imagens que representam ideias, coisas ou ações. 10 Ilustrações referentes à diferentes lugares.

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Figure 1 - Interface da tela inicial do Snapchat vista através de um iPhone

A segunda interface do Snapchat consiste no que optamos chamar de “Feed”. Nele, ficam

em evidência as últimas ações do usuário dentro do aplicativo. O “Feed” é organizado

em ordem cronológica, exibindo os snapchats11 recebidos e enviados, com a indicação de

terem sido visualizados ou não pelos amigos adicionados na plataforma.

O usuário do Snapchat pode selecionar quais “amigos” receberão sua mensagem,

além de permitir que o arquivo em questão seja disponibilizado em sua “Story”. A

“Story” consiste na terceira aba que compõe esta rede social. Quando ali adicionado, o

conteúdo da mensagem permanecerá disponível para visualização dos amigos por 24

horas, de modo que desaparecerá no fim desse prazo.

11 Vídeos e imagens que circulam nesta rede.

Figure 2 - Interface da aba "Feed" do Snapchat vista através de um iPhone

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Esta aba possui algumas particularidades. Dentre elas, a possibilidade de

acompanhar as postagens dos snapchatters a partir da mais antiga, de modo que se acessa

o que os outros usuários contam desde o início, ou seja, desde a primeira captura até os

registros mais recentes. Esta característica diferencia este aplicativo de outras redes, que

tendem a priorizar os conteúdos mais novos e atuais. Com essa particularidade, o

Snapchat oferta a seus usuários a ideia de que nele são contadas histórias espontâneas,

com o mínimo de edição possível, sendo estas histórias temporalizadas a partir de uma

lógica de início, meio e fim.

O Snapchat parece priorizar a velocidade e a quantidade de trocas de mensagens

em detrimento de um registro “cuidadoso”, em que seria levada em conta a “qualidade”

da imagem.12 A questão da temporalidade, muito presente neste aplicativo, também nos

põe diante de alguns questionamentos. O Snapchat ressignifica a percepção do que é

considerado pouco e muito tempo. Enquanto em nosso dia a dia dez segundos podem

parecer insignificantes para qualquer ação, nesta plataforma, dez segundos constituem o

tempo máximo para acesso de um conteúdo. No Snapchat, dez segundos são, seguindo a

proposta dos programadores deste sistema, longos o suficiente para exibição e apreensão

uma mensagem.

É interessante notar que há certo jogo de poder entre quem envia e recebe um

registro. Pelo fato de o usuário que envia uma mensagem ser o responsável por definir

por quantos segundos ela poderá ser visualizada, temos na ferramenta do temporizador

12 Enquanto em outros períodos da história a documentação da vida através de um registro imagético geralmente teria como objetivo eternizar um momento fazendo-o resistir à passagem do tempo, o Snapchat não exige nenhum rigor técnico por parte de seus usuários. Segundo Evan Spiegel, “o Snapchat não é sobre capturar aquele tradicional momento Kodak. Trata-se de comunicar toda a gama de emoções humanas, e não apenas parecer bonito ou perfeito”.

Figure 3 - Interface da aba "Stories" do Snapchat vista através de um iPhone

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um dos principais recursos desta rede social, que pode ser mais ou menos abundante para

o receptor da mensagem, podendo ser considerado também um item raro.

Após abertos, a imagem ou vídeo em questão aparecem sob a mediação deste

temporizador, que opera em modo decrescente, o que pode aumentar a tensão gerada pela

ausência de controle do receptor sobre o conteúdo que recebe, tendo em vista que

desaparecerá nos próximos segundos.13

Estamos, então, em uma “era digital que eliminou muros, portas, paredes”14.

Neste cenário, “a web se tornou uma grande janela indiscreta que não consegue ser

fechada” e que não trabalha a favor de manter nada em segredo eternamente. O Snapchat

pareceu entender isso e, apesar de operar a partir da captura e envio de mensagens

instantâneas, “garante” a seus usuários a segurança de que estes registros não

permanecerão armazenados para sempre na imensidão do ciberespaço, evitando

desconfortos por parte de seus emissores.

O aplicativo trabalha, então, sobre uma brecha na promessa de que nada se

deletaria neste meio em que usuários, produtores de conteúdo, perdem o controle de suas

postagens com o passar do tempo. Em um comentário sobre a temática da “reputação

digital”, a advogada especialista em cultura e inovação, Patricia Pinheiro, afirmou que:

Para Manuel Castells, aquele que decide se conectar aceita, mesmo que tacitamente, o resultado da "socialização dos seus dados", ou melhor, a perda do controle das suas próprias informações. Portanto, há um preço a pagar para se sentir inserido no mundo digital, para participar de mídias sociais, para ter o direito de usar uma imensidão de aplicativos viciantes que são oferecidos gratuitamente em um esquema muito bem elaborado que troca superficialidades e banalidades por dados da intimidade, vida e rotina das pessoas que aceitam participar. 15

Por outro lado, apesar de as imagens e vídeos enviados via Snapchat

desaparecerem, sua mecânica reafirma o modelo de superprodução de imagens da 13 Ainda sobre a lógica de desaparecimento das postagens, especula-se que o Snapchat incentive o envio de fotos ainda mais íntimas, como de nudez e semi-nudez. Ao contrário de outras redes, em que o conteúdo postado tende a alcançar um número maior de usuários, o público que recebe uma mensagem nesta plataforma é personalizável e, em geral, restrito, uma alternativa à sensação de vigilância a qual se sentem submetidos os usuários que produzem conteúdo na web. 14 “Cuidado com a reputação digital!” Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/patricia-peck-pinheiro/cuidado-com-a-reputacao-digital_b_4895448.html> Acesso em: 05/05/16 15 “Cuidado com a reputação digital!” Disponível em: <http://www.brasilpost.com.br/patricia-peck-pinheiro/cuidado-com-a-reputacao-digital_b_4895448.html> Acesso em: 11/10/15

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atualidade. Nesta plataforma, para que se registre um momento não é mais necessário

dispor de memória no aparelho celular, tampouco de alguma técnica de captura. O

registro está a distância de um toque, o que acaba por “banalizar” estas imagens que,

agora, são facilmente capturadas e postas em circulação.

Snapchat Live Stories: convergência de olhares para o mesmo evento

Nesta etapa, aprofundaremos nossa análise em uma das ferramentas

disponibilizadas pela aba “Stories” do Snapchat. Trata-se da função “Live Stories”16, que

permite o acesso a uma série de vídeos e filmes enviados por usuários e selecionados por

funcionários da aplicação, sempre a respeito de algum assunto ou evento específico.

Assim como no restante da dinâmica do aplicativo, estes conteúdos são disponibilizados

pelo período de 24 horas, criando uma espécie de narrativa efêmera.

Inicialmente a ferramenta foi chamada de “Our Story” e era aplicada somente

para festivais de música, como o Coachella17e o Lollapalooza18. Recentemente, passou a

ser usada em outras modalidades de acontecimentos, como aniversários de cidades,

feriados nacionais, campeonatos esportivos e manifestações políticas.

O “Live Stories” consiste em uma ferramenta real-time, isto é, em tempo real, que

é impulsionada pelos mais de 100 milhões de usuários diários da rede. Como

mencionamos, os usuários que “gravam” um Snapchat podem optar por enviar a

postagem para o “Live Stories”, mas isto não garante que será um dos conteúdos

selecionados para o acesso de toda a rede de snapchatters.

16 Histórias ao vivo, tradução nossa. 17 Festival anual de música e arte norte-americano sediado na Califórnia. 18 Festival anual de música composto por gêneros como rock alternativo, heavy metal, punk rock e grunge.

Figure 4 - Ferramenta "Stories" do Snapchat

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Para selecionar os “snaps” que comporão esta “história ao vivo”, há um time de

curadores funcionários do escritório dessa aplicação em Nova Iorque. Eles recebem mais

de 20.000 registros por dia para estas histórias ao vivo, sendo que acabam selecionando

entre 20 e 50 “snaps”, um número que, segundo o diretor de parcerias do “Live Stories”

Ben Schwerin, representa 0,25% de chance de que a postagem de um usuário seja

escolhida19.

Esta ferramenta opera como uma espécie de plataforma de broadcast, tendo em

vista que disponibiliza a seus usuários múltiplas perspectivas de um mesmo evento.

Schwerin afirmou inclusive que sua equipe tem preferência por “snaps” em vídeo,

porque a junção de diversos em uma única história entrega aos consumidores desta

aplicação uma verdadeira narrativa do evento em questão. O diretor explica que quando

foi feito um “Live” sobre a cidade de Nova Iorque, por exemplo, o primeiro “snap” da

“Story” era um vídeo de “bom dia” e o último uma foto com a legenda de “boa noite”.

Esta ferramenta oferece aos seus usuários a possibilidade de consumo de um

mesmo evento através de diferentes perspectivas, e não somente sua própria. Esta série de

“snaps" parece oferecer aos seus usuários mais profundidade em relação aos conteúdos

de um mesmo evento, tendo em vista que as câmeras dos celulares dos usuários

supostamente retratam visões até mesmo complementares sobre um tema.

Seria uma “perspectiva 360º”, que é oferecida aos usuários do Snapchat sob a

premissa de que eles também podem colaborar e fazer parte como produtores de

conteúdo a respeito deste assunto que todos parecem falar a respeito ou, ainda, do lugar

onde tanta gente está. Esta função é um tanto quanto atrativa também por disponibilizar

perspectivas que poucos têm acesso, pois o Live muitas vezes exibe o “por trás das

câmeras” de shows, competições e festivais.

Assim, entendemos que esta ferramenta parece funcionar a partir da convergência,

não apenas de imagens, linguagem e tecnologias, mas principalmente pela experiência do

vivido. Assim é como se a partir do “Live” uma série de histórias de vida passassem a

19 “How Snapchat Built its Most Addictive Feature” Disponível em: <http://time.com/4049026/snapchat-live-stories/> Acesso em: 06/05/16

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girar em torno de um mesmo eixo, que estaria sendo atravessado em seus múltiplos

ângulos subjetivos. Daí, resultaria uma espécie de “pasta compartilhada da vida”.

Se pensarmos na posição destes usuários enquanto espectadores, podemos notar

que esta ferramenta oferece a seus consumidores uma experiência completa de consumo

de um acontecimento e, mais ainda, um senso de participação, pertencimento e afinidade

com o assunto que está em evidência durante aquele período de 24 horas. É como se o

aplicativo oferecesse uma promessa de que todos seus usuários acompanharão os mesmos

vídeos e fotos durante o período estabelecido, reforçando uma sensação de conexão entre

seus consumidores.

Considerações finais

Neste artigo, nos propomos a fazer uma breve analise do aplicativo Snapchat.

Percorremos temas pertinentes ao cenário comunicacional contemporâneo e demos

ênfase em estudos sobre cibercultura bem como estratégias de exposição e interação na

web. Para isso, abordamos conceitos como sociedade do espetáculo (DEBORD, 1967),

personalidades intro e alterdirigidas (SIBILIA, 2008) e cultura da mídia (KELLNER,

2001) e da convergência (JENKINS, 2008).

Com a intenção de compreendermos um pouco mais a respeito das lógicas de uso

de redes sociais, aprofundamos nossa discussão na ferramenta Snapchat Stories, cujo

funcionamento evidencia, por exemplo, que a postagem de um usuário sobre determinado

evento pode compor uma perspectiva ainda maior, oferecendo a todos os usuários da rede

a possibilidade de consumo um conteúdo “completo” e real-time.

Como contraponto, esta mesma ferramenta, ao realizar uma curadoria das

inúmeras postagens que são enviadas, parece fomentar a sensação de que sempre se

estará “perdendo algo”. A tradução da palavra live remete à vida, algo vivo. Quando o

Snapchat é aberto, seus usuários entram em contato justamente com algo em movimento,

que se concretiza no momento presente. É como se a interação com o conteúdo

disponibilizado via aplicativo fosse uma maneira, menos ou mais efetiva, de contato com

a vida.

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São recorrentes discussões sobre a existência de uma suposta divisão entre os

meios online e offline. Se pensarmos nesta questão sob a ótica dos conceitos e análises

apresentadas neste artigo, observamos que é delicado estabelecer limites entre o que é ou

não do domínio do ciberespaço, visto que as práticas relacionadas à web frequentemente

se imbricam em ações que por vezes podem parecer desvinculadas a este meio.

Finalmente, salientamos que este artigo se trata de um estudo preliminar sobre

como se dão interações dentro de uma rede social. Esperamos que as reflexões aqui

apresentadas fomentem discussões futuras a respeito do compartilhamento de registros

midiáticos no que entendemos aqui como “pastas compartilhadas de arquivos da vida”.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro:

Zahar, 2008.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1967.

FREIRE FILHO, João. Guy Debord: Antes e Depois do Espetáculo. In: GUTFREIND,

Cristinane; DA SILVA, Juremir Machado. 1a ed. Porto Alegre: ediPUCRS, 2007.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia - estudos culturais: identidade e política

entre o moderno e o pós-moderno. São Paulo: EDUSC, 2001.

LEMOS, André. Cibercultura. Tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto

Alegre: Ed. Sulina, 2008.

SANTAELLA, Lucia. A ecologia pluralista da comunicação. Conectividade, mobilidade e

ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010.

SIBILIA, Paula: Show do Eu. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008.

SIBILIA, Paula e DIOGO, Ligia: Vitrines da intimidade na internet: imagens para guardar

ou para mostrar? UFF – Universidade Federal Fluminense. Programa de Pós-Graduação em

Comunicação. Rio de Janeiro, 2011.