Linguagens em dialogo 4

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Nosso objetivo com este livro é divulgar as açōes que estāo sendo realizadas no PNAIC/UFScar.

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RELATOS E REFLEXÕES EM TORNODOS LETRAMENTOS NOS ANOS INICIAIS

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Linguagens em DiálogoRelatos e Reflexões

em torno dos Letramentos nos Anos Inicias

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Laboratório de Linguagens LEETRAUniversidade Federal de São Carlos - Campus São CarlosRod. Washington Luís, km. 235 - Departamento de Letras - Sala 07CEP: 15.566-905 - São Carlos - SP | Telefone: (16) 3306-6510Pedido de assinaturas e envio de artigos parawww.leetra.ufscar.br | [email protected]

Conselho EditorialMaria Silvia Cintra MartinsEld Johonny Joice Camila CorsiLarissa de Paula FerreiraPedro Ribeiro Pinto

EditoraMaria Sílvia Cintra Martins

Design e DiagramaçãoEld Johonny

RevisãoMaria Silvia Cintra MartinsEld Johonny Jackeline Lopes PaivaJoice Camila CorsiLarissa de Paula FerreiraPedro Ribeiro Pinto

CapaCarolina Akemi Martins Morita

Ficha Catalográfica L6493 Relatos e Reflexões em torno dos Letramentos nos Anos Iniciais

Maria Silvia Cintra Martins (organizadora) São Carlos: LEETRA, 2015. - 136 p. (Linguagens em Diálogo) ISBN 978-85-917532-4-6

1. Educação. 2. Linguística Aplicada 3. Letramento I. Martins Maria Silvia Cintra, org. II. Série. CDD 370 (20º)

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Linguagens em DiálogoRelatos e Reflexões

em torno dos Letramentos nos Anos Inicias

Maria Silvia Cintra Martins (Org.)

PNAIC - Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade CertaLaboratório de Linguagens LEETRA

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SumárioApresentação

ArtigosReflexões em torno do trabalho interdisciplinar com Língua Portuguesa e Matemática nos Anos Iniciais, 08(Maria Sílvia Cintra Martins)

Percepção sonora da cor, 15(Mônica Baltazar Diniz Signori)

Modelagem Matemática na Educação Matemática:pensando o novo, 20(Maria Carolina Machado Magnus, Ademir Donizeti Caldeira)

Currículo Escolar e Multiculturalismo: algumas reflexões, 20(Flávio de Souza Pires, Lenita Martins do Nascimento)

A Necessidade de Práticas Interdisciplinares: Problematizando a interdisciplinaridade a partir de uma perspectiva marxista, 27(Everaldo Gomes Leandro)

O uso de gêneros digitais em contextos de formação continuada, 37(Larissa de Paula Ferreira)

Conhecendo a criança de 6 anos do 1° ano do Ensino Fundamental, 44(Gerson Sousa Ruas)

Relatos de ExperiênciaSequência didática com o gênero do poema, 53(Adriana Regina Furlan dos Santos)

Jogos na alfabetização matemática, 59(Nelita Aparecida Lorenzato da Silva)

Alfabetização matemática nos anos iniciais: um desafio que exige formação continuada, 61(Janaína De Souza Silva, Marisa De Souza Cunha Moreira, Elisângela Aparecida Francischetti)

Registro reflexivo relatando experiências: A diversidade textual em sala de aula - projeto “Chapeuzinho Vermelho”, 66(Hellen Krys Rodrigues)

Projeto gibi: “Quanto mais amigos eu tenho, mais feliz eu sou!”, 68(Flávia Rosana Boni Ribeiro)

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Outros relatos de experiência:Ana Paula de Lima Leão, 71Flávia de Cássia Cicone Rossin, 72Valéria Freitas Munhoz, 73Denise Alvarinho, 74Patrícia Aparecida Sanches Serveli, 74Aline Amorim Marques, 76Clara Cristina Lima Pacheco Magalhães, 77Sandra Luz Camargo Silva, 78Maísa Amariles da Silva, 80Rafael Artur Battani, 81Telma Araújo Porto Couto, 83Cintia Maria Ambrosio de Oliveira, 84Aparecido Donizeti Volkman, 86Eliane Aparecida Galante, 87Kátia Cristina Barbatano dos Santos, 88Elis Branquinho Coelho Barsoteli, 90Evandra Sala, 92Maria Angélica Campiteli, 93Fernanda Giovani, 94Mirian Cristiane Rizzo, 96Renata dos Santos Oliveira Silva, 98Claudia Maria Gordin, 99Andréia Cristina de Oliveira, 100Luzinaide Mota Klen, 101Cândida Margarete Briense, 103Nilce Helene Poiatti Danaga, 104

Contribuições da Equipe Técnica PNAIC/UFSCarO infinito em páginas: Um olhar sobre o livro infantil, 106(Joice Camila Corsi)

Pitágoras, o serrote e a caixa de giz de cera, 115(Daniel Perico Graciano)

O universo de Beatriz Milhazes, 120(Gabriela Scardone Ávila)

A música como ferramenta de inclusão do PNEE, 128(Julio Ribeiro)

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O Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (MEC) apresenta-se como compromisso formal assumido pelos governos federal, estadual e municipal de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do terceiro ano do ensino fundamental. Uma das principais metas do PNAIC é a formação continuada dos Professores Alfabetizadores. Para essa formação foram definidos conteúdos que contribuem, dentre outros aspectos, para o debate acerca dos direitos de aprendizagem das crianças do ciclo de alfabetização; para os processos de planejamento e avaliação das situações didáticas; para o conhecimento e o uso dos materiais distribuídos pelo Ministério da Educação com a finalidade de aprimorar o ensino no ciclo de alfabetização. O PNAIC possui uma ação metodológica em rede, de tal forma que a formação continuada de professores ocorre dentro desta sequência: Formadores (pertencentes às equipes das universidades parceiras onde realizam reuniões de planejamento em conjunto com os Supervisores e os Coordenadores Geral e Adjuntos) - Orientadores de Estudo (OEs, que participam dos encontros de formação presencial, sob a coordenação dos Formadores, nos núcleos e polos das universidades) - Professores Alfabetizadores (que participam da formação com os OEs nos municípios).

O Projeto Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa do Núcleo UFSCar (PNAIC/UFSCar), sediado no Departamento de Letras da UFSCar, oferecido como Curso de Extensão em nossa universidade, possui atualmente em sua equipe de trabalho dez formadores, que atuam junto a cerca de oitenta municípios do estado de São Paulo. Esses formadores, em conjunto com dois supervisores, atendem dois polos de formação presencial no interior paulista, em São Carlos e em Mogi das Cruzes. Merece destaque, além da atuação dos Coordenadores Geral e Adjuntos na articulação das várias ações de planejamento e de formação, aquela dos Coordenadores Locais, que vêm atuando de forma eficaz e solidária para que a formação que se dá nos dois polos possa chegar, de fato, aos Professores Alfabetizadores e, com isso, às crianças

APRESENTAÇÃO

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em sala de aula. A equipe do PNAIC/UFSCar ainda conta com o apoio das tecnologias de informação e comunicação (TICs) para subsidiar a formação dos Orientadores de Estudo (OEs) via ambiente virtual de aprendizagem (AVA) e por meio de webconferências. Os OEs possuem, assim, contato frequente com os seus formadores, além de terem acesso a outras leituras para engendrar as discussões acerca dos materiais utilizados no PACTO. Alguns municípios vêm, também, aderindo à utilização de plataformas virtuais de forma a poder complementar as horas de formação presencial de seus professores.

O Grupo de Pesquisa LEETRA (CNPq) possui um papel importante nesse processo, dado o seu compromisso com a formação continuada de professores alfabetizadores e, principalmente, com a responsabilidade de propiciar a vivência com os novos letramentos, como o letramento digital, para que os professores possam se utilizar, na prática, de diferentes instrumentos e recursos didáticos em prol da alfabetização de forma compatível com as pesquisas de ponta nessa área. Proporciona-se, assim, o elo desejável entre ensino, pesquisa e extensão.

Com a publicação da Série Linguagens em Diálogo, a partir do volume inicial dedicado aos Letramentos em Língua Materna e Matemática, visamos dar visibilidade às diversas produções que já vêm sendo construídas na interação entre formadores e orientadores de estudo no ambiente virtual, assim como propiciar um lugar de reflexão e de relatos de experiência a respeito dos diferentes desafios que hoje envolvem o trabalho com letramentos nos anos iniciais, cujos reflexos, conforme acreditamos, possam se fazer sentir em momentos posteriores da escolaridade.

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Reflexões em torno do trabalho interdisciplinar com Língua Portuguesa e Matemática nos Anos Iniciais

Maria Sílvia Cintra Martins1

Termina a semana de Formação Inicial do PNAIC/UFSCar no iní-cio de agosto de 2015, e me lembro da premência de escrever um arti-go para esta edição. Como todo evento bem-sucedido, este me deixava dúvidas e esclarecimentos. Quanto aos esclarecimentos, o principal era aquele da importância da vivência contínua nos processos de formação continuada, pois era assim, mês a mês, ano a ano, que vínhamos cons-truindo o repeito e a confiança mútua, na certeza de que o que estava em andamento tinha tudo a ver com o diálogo horizontal ao qual Freire (1967) se referira, também com a esperança e com a amorosidade; tinha também a ver com o diálogo de saberes de Tardif (2007), aquele diá-logo em que nós, da academia, partilhávamos nossos conhecimentos, enquanto aprendíamos a reconhecer e compartilhar dos conhecimen-tos teórico-práticos, da práxis pedagógica de que eram portadores os Orientadores de Estudo, os Coordenadores e também os Professores Alfabetizadores, com quem dialogávamos de forma indireta.

E as dúvidas, quais seriam elas? Dúvidas naquele sentido muito fértil dos questionamentos e incertezas que nos conduzem ao espírito de pesquisa, à vontade de entender mais a fundo algumas questões que nos desafiam, sendo algumas delas: até que ponto são mesmo tão perversos os trabalhos em sala de aula conduzidos de forma relativamente fragmentada, ou seja, dentro da divisão clássica entre disciplinas? Como conduzir o trabalho com projetos e o trabalho interdisciplinar dando conta, simultaneamente, das especificidades de cada conteúdo e de seus necessários aprofundamentos?

1 Professora do Departamento de Letras/UFSCar. Coordenadora Geral do PNAIC/UFSCar. Líder do Grupo de Pesquisa LEETRA (CNPq).

ARTIGOS

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E, ainda: por que os professores e pesquisadores de Matemática nos anos iniciais fazem referência tão frequente às habilidades linguísticas, aos vários letramentos, à argumentação, à oralidade e à escrita, sendo que os professores de Português, seja nos anos iniciais ou em outros níveis, quase nunca se sentem na necessidade de fazer referência à Mate-mática, a suas contas, a seus problemas, cálculos e formas geométricas, senão talvez apenas através da referência a algum poema - seja aquele da Hipotenusa de Millôr Fernandes?2

É certo que na área de pesquisa de Linguística há estudos que levam em consideração elementos ou categorias da Álgebra e da Topologia, sejam os conceitos de limite e de domínio, mas não para fazer referência aos processos de ensino e aprendizagem nos anos iniciais. Quem sabe neste caso estejamos diante de um dos resultados perversos da com-partimentação do conhecimento e da subdivisão em especificidades e especialidades de pesquisa.

De toda forma, mais uma dúvida me sobreveio, esta, sim, digna, ainda de muita pesquisa: será fato que o incentivo às habilidades do raciocínio matemático pode ser mobilizador de competências linguísti-co-discursivas - questão que em princípio ainda arrepiaria os linguistas?

Vamos iniciar de trás para frente, tentando explicar, primeiro, por que a eventual dependência das habilidades linguísticas em relação às matemáticas poderia parecer estranha aos linguistas, e assim, de refle-xão em reflexão, vamos atravessar essas diversas perguntas que propus acima, sem talvez lhes dar nenhuma resposta definitiva.

É fato que Piaget (1959) apresentou essa postulação de que o pri-mordial seria o incentivo ao raciocínio lógico-matemático, que teria o potencial de alavancar a competência linguística; mas também é fato aquela postulação já clássica (e refutada pela Linguística contemporâ-nea) de que a linguagem seria um reflexo do pensamento, assim como outra, que lhe é próxima, de que as análises sintáticas (que possuem um fundamento lógico) constituiriam uma base fundamental para se escrever bem.

Acontece que, por um lado, a postulação de Piaget dessa dependên-cia entre pensamento lógico e habilidade linguística ficou entre aqueles

2 Às folhas tantas/ do livro matemático/ um Quociente apaixonou-se/ um dia/doidamente/ por uma Incógnita./ Olhou-a com seu olhar inumerável/ e viu-a do ápice à base/ uma figura ímpar (...) Ver o poema completo em http://www.releituras.com/millor_poesia.asp

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trechos de obscurecimento que costumam visitar todas as grandes teo-rias, ou seja, outras questões piagetianas acabaram ganhando destaque, ao menos entre nós, aqui no Brasil.

Por outro lado, grande parte dos estudos linguísticos contemporâne-os construiu-se sobre a negação de uma base lógico-matemática para se poder dar conta do que é a linguagem, seja para entender que aquilo que pronunciamos ou escrevemos como linguagem não estaria na depen-dência de um pensamento previamente construído, seja para enfatizar outras habilidades linguístico-discursivas que permitiriam o domínio de uma escrita competente sem que se precisasse passar por análises de teor lógico.

Diga-se, de passagem, que em Ciências Humanas tem sido comum esse movimento pendular, em outras palavras, entre o oito e o oitenta, já que quando se enfatiza exageradamente certa vertente (seja aquela do excesso das análises linguísticas em detrimento da vivência com a linguagem propriamente dita) há a tendência a se voltar para outra pro-posta, abandonando-se quase que totalmente os princípios precedentes, e partindo-se, mesmo, para seu desmerecimento.

É, aliás, por isso tudo que a pesquisa na área da Educação e da Lin-guística Aplicada, particularmente com foco nos anos iniciais, torna--se muito instigante e desafiadora, pois acima de qualquer modismo, o que nos importa é encontrar caminhos e soluções que tragam, de fato, avanços nos processos de ensino e aprendizagem com que estamos comprometidos. Sendo assim, não podem nos importar os mitos ou os preconceitos: se acaso a prática cotidiana nos apontar que o incentivo ao raciocínio lógico das crianças pode trazer progressos em seu desem-penho linguístico, vamos insistir nessa direção.

Vou remeter, no entanto, a duas questões que presenciei em nosso evento de forma a poder tecer uma reflexão mais adequada - e menos perigosa ou comprometedora - a esse respeito.

Ao final de uma das mesas redondas, uma das participantes manifes-tou-se: “Eu queria saber em que momento devemos apresentar para as crianças uma terminologia técnica, por exemplo, quando a criança se re-fere ao ‘cantinho’ do triângulo, devo dizer ‘ângulo’?” Outra participante: “como fazer uma boa pergunta para a criança?” Referia-se, nesse caso, a uma pergunta boa no sentido de ser fértil para mobilizar o raciocínio da criança. Retomo essas duas colocações, pois para mim ambas remetem ao mesmo fundamento, que é aquele do real comprometimento com

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a aprendizagem da criança, assim como, nos termos freireanos, ambas remetem à necessária amorosidade que precisa estar presente para que se configure um trabalho eticamente comprometido com a Educação. Então, no primeiro caso, em princípio, a resposta é: sim, deve-se, sim, contemplar a criança com o conhecimento da palavra “ângulo”, já que faz parte de seus direitos de aprendizagem o conhecimento de termino-logia técnica; mas até que ponto faz também parte de seus deveres, ou seja, até que ponto ela seria obrigada a pronunciar “ângulo” em vez de “cantinho”? - ai já temos uma outra questão, uma outra problemática.

Algo semelhante acontece com a segunda questão, semelhante por-que também depende do respeito aos direitos de aprendizagem, e da amorosidade: a melhor pergunta será aquela que mobilize a aprendiza-gem da criança sem diminuí-la, sem proporcionar-lhe o sentimento de incapacidade ou de inferioridade.

E o que tudo isso tem a ver com o assunto da Matemática e de sua relação com a aprendizagem da língua materna? Vale lembrar, a essas alturas, por questão de reconhecimento, que os professores ditos tradi-cionais não foram sempre maléficos, nem agiram sempre desprovidos de amorosidade. O problema do assim chamado ensino tradicional não resi-de, assim, necessariamente, em sua tendência a abordar questões de teor lógico, mas no fato de ter, em certos momentos, feito isso de forma dis-criminatória, excludente ou depreciativa. E como em Ciências Humanas temos frequentemente agido de forma pendular, a rejeição aos excessos, aos desmandos, ao autoritarismo de alguns conduziu à rejeição de toda uma forma de pensar.

Deixamos assim no horizonte da pesquisa que precisamos ainda apri-morar (seja nas universidades, seja na sala de aula, sempre tendo o profes-sor como pesquisador) essa dúvida instigante: será fato que as habilidades lógico-matemáticas contribuem para a competência linguístico-discursiva da criança em processo de aprendizagem escolar nos anos iniciais? Uma primeira tentativa de resposta conduz-me a ponderar que pode haver duas formas diferentes do incentivo ao raciocínio lógico: uma que ao buscar contemplar essa questão vai se deter nos exercícios que se concentram na forma analítica e formal desse raciocínio; outra que envolve o diálogo e a exploração de recursos da língua materna nas modalidades oral e escrita como forma de mobilizá-lo.

Notemos que ambas as vertentes nos remetem a questão que esteve presente no II EEMAI: o que é habilidade matemática? Questão que

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podemos vir a desdobrar em outra: o que é raciocínio lógico? E, ainda: O que é competência linguístico-discursiva?

Vamos agora pensar juntos sobre o trabalho com projetos e sobre sua potencialidade para conduzir ao obscurecimento ou ao aprofundamento das especificidades de cada disciplina, e com isso estaremos simultanea-mente tentando responder de forma mais acabada (mesmo que ainda preli-minar) a dúvida relativa ao envolvimento e interdependência maior ou me-nor entre habilidades linguísticas e matemáticas.

Participei de uma das discussões presentes na oficina que versava sobre matemática financeira e histórias em quadrinhos (HQ), e ao acompanhar o debate que se estabelecia entre as cinco professoras surgiu- me a preocupa-ção: mas onde estão os números, onde está a Matemática? No quadrinho em questão, da Turma da Mônica, Cebolinha conta para sua mãe que está se desfazendo de seus brinquedos velhos, o que a deixa preocupada, por certo pensando em termos do orçamento doméstico e do desperdício. Cebolinha a tranquiliza, ao esclarecer que a turma queria fazer uma feira de trocas de brinquedos. No último quadro a mãe aparece em uma das bancas, já que por gostar tanto da ideia decidira participar também. No caso da oficina, a conversa entre as professoras estendeu- se pelo consumismo, pela ênfase ao ter produtos de primeira linha, pela forma com que se pode trabalhar o senso crítico da criança mesmo nas aulas de matemática - e quase que se esqueciam as possibilidades do incentivo ao cálculo, às comparações entre valores (quanto vale cada brinquedo numa feira de trocas?), à construção de uma tabela provida de números do orçamento familiar.

Volto à questão do pêndulo, do oito ou oitenta: uma vez que já não nos convencemos com o trabalho conteudístico centrado nas discipli-nas, puxamos o pêndulo para o lado oposto, em que as disciplinas e seus conteúdos específicos tendem a desaparecer em favor das discussões voltadas à construção do senso crítico do pequeno cidadão. Corremos com isso o risco de perder de vista o papel, destacado por Angela Klei-man em sua palestra de abertura, da escola como agência de letramen-tos, de letramentos críticos, sem dúvida, mas de toda forma de uma crítica fundada nos mais diversos letramentos!

Concluo essas minhas divagações de tom memorialístico - já que minha escrita se apresenta como relato de fatos acontecidos em nosso Seminário Inicial, e como memória reflexiva a respeito deles - com a enumeração de alguns pontos que acredito nos sirvam para a retomada de aspectos abor-dados aqui, ou que de alguma forma têm a ver com eles:

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1. Se a escola é uma agência de letramentos é porque há nela po-tencial para se explorarem de forma relativamente mais sistemática e intencional certos saberes e competências necessários à constru-ção da cidadania;

2. Uma das principais ênfases do PNAIC - e seu principal dife-rencial em relação a programas governamentais anteriores voltados aos professores dos anos iniciais - reside nos Direitos de Apren-dizagem, daí a própria denominação que inclui “na idade certa” apontando não para o fato de que há uma única idade certa para todos se alfabetizarem, mas para o fato de que todos os pequenos cidadãos brasileiros têm esse direito respaldado em legislação de terem acesso a determinados saberes até os oito anos;

3. Outro diferencial importantíssimo do PNAIC - que não é gratuito, centra- se em pesquisa, conforme nos alertou em sua palestra de encerramento o professor Arthur Powell - é a inclusão do foco no letramento matemático nos anos iniciais. E o profes-sor Arthur nos lembrou que a apreensão (ou não) desses conhe-cimentos de forma mais prematura comporta efeitos (benéficos ou perversos) sobre o sucesso (ou insucesso) no percurso escolar posterior - vejam mais uma vez a responsabilidade dos professo-res dos anos iniciais!

4. Os direitos do pequeno cidadão não se resumem, é claro, ao incentivo à criticidade, mesmo porque sempre somos críticos em relação a algo. Ou seja, se temas como o da sustentabilidade, da crítica social, da preservação ambiental precisam e devem es-tar presentes desde os anos iniciais, também precisa e deve estar presente uma sólida formação que tem base nos conteúdos curri-culares. Nos casos de que tratamos aqui estes envolvem, por um lado (além das Artes e das Ciências), as operações aritméticas, a resolução de problemas, o reconhecimento e construção de for-mas geométricas, entre outros componentes. Por outro, a leitu-ra e produção de textos nos mais variados gêneros do discurso (lembrando que aqui a palavra leitura torna-se também apropriada quando queremos nos aludir a textos orais, ou a textos não ver-bais), assim como aquelas atividades de teor epilinguístico, que envolvem o jogo ou o trabalho com a linguagem através das mais variadas propostas de substituições.

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Para finalizar, relembro que os professores de Matemática já vêm sentindo, há anos, a necessidade de conversar com os compo-nentes de língua materna, de certo para tentar afastar o fantasma do monstro da Matemática, envolvendo-o com matizes das formas, das cores, da oralidade, dos registros escritos, de forma a torná-lo mais acessível, desfazendo assim o espectro da monstruosidade.

Cabe a nós, no entanto, do lado da língua materna e das di-ficuldades inegáveis que nos cercam no ciclo da alfabetização - reverberando efeitos perversos que atingem o Ensino Médio - aceitar melhor esse convite do «vamos trabalhar juntos?»: quem sabe a questão não reside, propriamente, nos números, mas na corporalidade inerente a esses números, ou seja, já iniciamos a vida aprendendo que temos dez dedos nas mãos e outros tantos nos pés, dois olhos, frente e costas, direita e esquerda; acompa-nhamos nossos familiares nas compras desde bem cedo e os ve-mos ponderando sobre o que é caro e o que é barato, quantas pessoas cabem num carro, e assim vai.

O número e o fascínio pelos números nos acompanham bem de perto desde cedo, talvez por isso mesmo falar sobre os números, executar em conjunto, com o professor ou com seus pares, cálcu-los em voz alta, medir, traçar, conversando sobre essas atividades constitua um poderoso mobilizador das linguagens oral e escrita nos anos iniciais!...

Referências BibliográficasFREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.PIAGET, J. A linguagem e o pensamento da criança. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

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Percepção sonora da cor

Mônica Baltazar Diniz Signori3 Há a história de Diego4, um encantador garotinho que, cego, não se

deixou abater por qualquer dificuldade que sua condição pudesse lhe ocasionar. Muito pelo contrário, integrou-se à rotina de seus colegas videntes, assumindo-se, efetivamente, como sujeito responsável pelo processo de sua própria aprendizagem.

E foi assim que, certo dia, deparou-se com o desafio de redigir um texto com o tema “as cores das flores”, nada muito trivial para quem tem comprometido o sentido da visão. Mas Diego não era mesmo um menino comum – como, aliás, todos os nossos meninos: especialmente únicos – e, em sua singularidade, traçou o caminho que lhe permitiu produzir conhecimento sobre o assunto em pauta em sala de aula.

Dois fatos, de imediato, nos chamam a atenção em sua trajetória de pesquisa.

O primeiro deles ocorre quando um colega vidente manifesta, ainda que não ostensivamente, dúvidas quanto à capacidade de Diego desin-cumbir-se da tarefa apresentada pela professora e, no intuito de socor-rê-lo, informa o nome das cores de algumas flores:

Olha, Diego, as margaridas são amarelas.As rosas são rosas.As violetas são violetas.

O segundo fato tem lugar quando Diego busca na internet o signi-ficado de cor, e encontra a seguinte descrição: “cor é uma percepção visual que tem origem no cérebro ao interpretar sinais nervosos gerados pelos fotorreceptores da retina”.

Ambos os episódios são muito sugestivos pelo fato de nenhum deles favorecer qualquer significação: o primeiro, para o menino cego; o se-gundo, também para o vidente.

3 Professora associada do Departamento de Letras e do PPGL/UFSCar. Coordenadora Adjunta do PNAIC/UFSCar.4 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=s6NNOeiQpPM.

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Quando, arbitrariamente, atribuíram-se nomes à rosa e à violeta ten-do em vista as cores dessas flores5, deixou-se, evidentemente, de con-siderar que tal forma de nomeação só faz sentido para quem enxerga. Para a pessoa cega, afirmações como “rosas são rosas” e “violetas são violetas” soam tautológicas, provocando risos em Diego, já que, em seu hermetismo, não levam a nada, não constroem pontes para o saber.

Quanto ao segundo episódio, constatamos que a pesquisa na inter-net resulta em uma definição que coloca a criança em contato com uma linguagem técnica, inalcançável ainda para sua faixa etária e grau de escolarização. Diante desse resultado, a história descreve duas atitudes diferentes: Diego abandona logo esse projeto de investigação, já que “fotorreceptores” é uma palavra que sequer consegue pronunciar; mas o seu colega vidente, aquele que imaginou poder auxiliar Diego com as “rosas rosas” e as “violetas violetas”, recorre à mesma definição, evi-denciando um problema comum em nossas salas de aula, que é a repro-dução de informações ocupando o lugar da produção do conhecimento.

A esse propósito, saliente-se que os dois fatos, ainda que distintos, aproximam-se justamente por sustentarem, cada um a sua maneira, sis-temas herméticos que não propiciam o encadeamento de relações entre o dado e o novo, ou seja, entre o que já se sabe e o que ainda se ignora: para Diego, não é possível associar coisas e cores; para Diego e seu colega, não é possível associar “fotorreceptores” a nada, uma vez que a palavra, na definição encontrada pelos meninos, não está contextualiza-da de maneira adequada à sua condição de aprendizado6.

Diego segue sua rotina, atento, entretanto, à necessidade de escre-ver a redação: é a realidade integrada à escola; é a escola não restrita à sala de aula, mas participando do dia a dia que se constitui em am-bientes diversos; é o encanto da educação manifestando-se como ação de sujeitos imersos em tempos e espaços por eles mesmos idealizados, reconhecendo maravilhosas lições na simplicidade do cotidiano que, a mancheias, disponibiliza ensinamentos durante toda a vida.

5 Essa nomeação poderia ter sido por qualquer outra razão, quanto ao formato, por exemplo, como temos “brinco de princesa”, “boca de leão”, “beijo”, etc.6 Não se trata aqui de dificuldades centradas na própria palavra, relacionadas ao seu aspecto gráfico-fonológico ou ao seu aspecto semântico, mas na maneira de se mobi-lizar a palavra.

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Com essa disposição, quando sua mãe lhe lê uma história, Diego intui sobre algo que começa a lhe fazer sentido, algo que, finalmente, faz irromper seu percurso particular de aprendizado, delineado a par-tir de sua singular condição de ser/estar no mundo: em meio a pro-cessos significativos, valores são agregados, e o menino cego, graças a um simples trabalho escolar, consolida seu aprendizado a propósito do que venha a ser “cor”.

O dever de casa que Diego precisava realizar excedeu em muito uma simples tarefa a ser entregue à professora: longe de tão somente acumu-lar mais uma informação, Diego superou limites pessoais. Sua história nos inspira, por isso, a também nos empenharmos pelo nosso próprio aprimoramento e, como professores, propormos os melhores meios para que nossos alunos se sintam provocados ao aperfeiçoamento con-tínuo de suas potencialidades, vencendo desafios íntimos, inventando alternativas adequadas à sua individualidade.

Diego, motivado para o aprendizado, interrompe o fluxo de leitura da mãe, solicitando-lhe que repita um trecho que acabara de ler: “e en-tão, o caracol e o passarinho começaram a discutir quem ficaria com a flor”. Essa interrupção, acompanhada de uma releitura, recontextualiza o trecho em destaque, tece novos elos, dá início à exploração de cone-xões não habituais, como trilhas em direção ao objetivo a ser concreti-zado: formular, para si mesmo, o conceito de cor.

Guardando consigo essa percepção, no dia seguinte, quando cami-nha com a mãe por um parque, Diego ouve o canto de um pássaro, sonoridade que, naquele momento, lhe chega aos ouvidos de maneira especial. Mais uma vez, pede à mãe uma interrupção, pois havia tido uma ideia: são as conexões se tornando mais nítidas por diluírem as fronteiras da sala de aula, do material didático que, então, se reconfigu-ram como impulsos para a observação do mundo em seu funcionamen-to. E é assim que o texto de Diego finalmente é composto:

As flores são de cor passarinho.E há muitas cores de flores.Por isto há muitos passarinhos, porque há um passarinho para que cada flor tenha a sua cor.Também há flores cor abelha, ou cor vaquinha do campo.

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Em função de sua maneira específica de apropriar-se da realidade pela audição, Diego discrimina as espécies de pássaros por meio de seu canto: para Diego, afirmar que “há muitos passarinhos” equivale a dizer que há muitas sonoridades.

A multiplicidade de passarinhos é então combinada à história ouvida na noite anterior: “o caracol e o passarinho começaram a discutir quem ficaria com a flor”. Caracteriza-se, então, uma relação entre a flor e o passarinho, e entre a diversidade de passarinhos (classificada pela dife-rença de sonoridade de seu canto) e a consequente variedade de flores. Essa variedade, entretanto, não pode ser concebida sonoramente, o que leva o menino a inferir que a variedade das flores está condicionada à multiplicidade dos passarinhos que ficam com elas.

A organização das informações necessárias para que Diego escreves-se sobre “as cores das flores” implicou, para o menino cego, o arranjo de relações singulares, determinadas por sua maneira também singular de entender o mundo à sua volta.

A primeira dessas relações se estabeleceu entre a flor e o caracol, ou entre a flor e o passarinho, de alguma maneira, portanto, igualmente entre o passarinho e o caracol. É possível notar nessas associações que Diego se deixa guiar por seu tato: enquanto a mãe lia a história, o me-nino acompanhava com as mãos as gravuras, assim como as crianças videntes as acompanham pelo olhar.

Após esse primeiro conjunto de possibilidades, Diego considera uma segunda associação, agora entre o passarinho e seu canto. Dife-rentemente da primeira relação entre múltiplas coisas – passarinho, caracol, flor – que podem ser identificadas pelo tato, opera-se a apro-ximação entre elementos de naturezas diversas: a coisa “passarinho”, apreendida pelo tato, e uma qualidade dessa coisa – canto –, apreen-dida pela audição.

A última relação que, associada às anteriores, possibilita a resolução do problema de Diego – a redação –, se dá entre o canto do passarinho e as cores das flores, ou seja, entre dois tipos de qualidade: Diego pro-move uma espécie de tradução de uma qualidade acessível pela audição para uma qualidade não acessível por sua ausência de visão, mas que ele sabe existir: a cor.

Examinando as etapas percorridas por Diego, verificamos um pro-cesso crescente de abstração, em que parte de associações vinculadas a um de seus sentidos básicos – o tato –, amplia suas possibilidades por

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meio de outro sentido básico – a audição –, lançando mão de sua inte-ligência para a elaboração de um saber que supera sua limitação relativa a outro sentido básico – a visão.

Não por sua deficiência, mas por sua singularidade, Diego constrói, de maneira única, seu conhecimento, ensinando-nos que as possibili-dades associativas não se definem de antemão, por algum mecanismo natural que fosse alheio ao ser humano. Pelo contrário, é o ser humano que determina como se dará a captura do que o rodeia e como interagirá com o outro e consigo mesmo, individualizando percepções a partir de seus sentidos mas, principalmente, se dispondo a compreender o que essas percepções significam, deixando, assim, o imediato e concreto, para aprofundar-se em cogitações sempre mais abstratas, movidas pela inteligência capaz de transpor obstáculos de várias ordens que atraves-sam, inevitavelmente, o caminho de todo aprendiz.

A cegueira de Diego representa, desse ponto de vista, um dentre inúmeros desafios inerentes ao aprendizado: a própria ciência nos en-sina que “os nossos sentidos, embora muito desenvolvidos, percebem apenas uma parte do mundo à nossa volta” (OLIVEIRA, 2010). Ou seja, mesmo enxergando ou ouvindo, falando ou degustando, cheirando ou apalpando, ainda assim seremos todos, indistintamente, convocados ao esforço científico contínuo – não importa em que nível – de criar e recriar a compreensão humana da vida, construindo e desconstruindo saberes sobre ela, forjando meios que nos possibilitem ultrapassar os limites de nossos sentidos, exatamente como fez Diego.

Referência bibliográficaOLIVEIRA, A. Um olhar para além dos sentidos. Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/fisica-sem-misterio/um-olhar-para-alem-dos-sentidos. Consultado em 10/agosto/2015.

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Modelagem Matemática na Educação Matemática:pensando o novo

Maria Carolina Machado Magnus7

Ademir Donizeti Caldeira8

Os próprios alunos resistem “ao novo”, porque a eles foi

ensinado – de múltiplas formas – que a aula de matemática éum território neutro, em que a exatidão, o resultado único, a abstração

reinam soberanas e seu reinado não pode ser perturbado pelas coisas “mundanas”.(KNIJNIK et al, 2012, p. 85)

Introdução A disciplina de Matemática carrega consigo um aspecto de neutra-

lidade, exatidão e resultado único. Os cálculos matemáticos ocupam um espaço de certeza e confiança nas resoluções dos problemas. Ve-jam o exemplo:

Qual é o preço da comida necessária para seguir uma dada receita (para quatro pessoas), quando nove pessoas são esperadas para a festa?” [...] Imagine, entretanto, um comentário como este: “Eu conheço uma re-ceita um pouco diferente e, se usarmos algumas cenouras a mais, não precisamos tanto disso; eu acho, até, que poderia ficar mais saboroso. Na verdade, gosto de cenouras […] (SKOVSMOSE, 2008, p. 130).

Um professor de matemática ao avaliar o comentário do aluno jul-gá-lo-á equivocado, pois este não utilizou dados matemáticos que com-provem sua resposta. Mas, será que faz sentido usar fórmulas para recal-cular a quantidade de ingredientes da receita? Será que se acrescentarem mais cenouras, a receita não ficará mais saborosa e suficiente para nove pessoas? A matemática ainda é vista como sendo sempre confiável, ou seja, se a receita for recalculada, então esta poderá ser feita para nove

7 Mestra em Educação Científica e Tecnológica pela UFSC, atualmente é Doutoranda em Educação pela UFSCar e formadora do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.8 Doutor em Educação pela UNICAMP, Professor do Departamento de Metodolo-gias da UFSCar.

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pessoas. Skovsmose (2008) enfatiza que a ideologia da certeza que pos-sui a matemática faz com que os resultados obtidos com auxílio da mes-ma sejam necessariamente melhores do que aqueles obtidos sem a ajuda dela. Portanto, apenas acrescentar mais cenouras não me dá garantia de que a receita será suficiente para nove pessoas, mas, se eu utilizar a ma-temática e recalculá-a proporcionalmente terei garantia de que a mesma poderá ser feita para o número de pessoas necessárias.

Será que há um único resultado para esse problema? Há uma respos-ta exata? O que pretendemos com esse artigo é mostrar que a matemá-tica escolar pode nos dar respostas múltiplas, a partir de discussões de problemas que envolvam a realidade dos alunos.

Discutindo “o novo”

Propomos como possibilidade para problematizarmos a exatidão e a neutralidade desta disciplina a tendência em Educação Matemática de-nominada de Modelagem Matemática, como uma nova concepção em educação matemática (CALDEIRA, 2009). As atividades de Modelagem têm por objetivo a resolução de algum problema da realidade, por meio de conceitos matemáticos. Barbosa (2001, p.6, itálico do autor) conceitua a modelagem como “[...] um ambiente de aprendizagem no qual os alunos são convidados a indagar e/ou investigar, por meio da matemática, situações oriundas de outras áreas da realidade”. O autor usa a expressão ‘situações oriundas de outras áreas da realidade’, pois ele não aceita essa oposição entre matemática e realidade, e enfatiza que a matemática é tão real quanto qualquer outro domínio da realidade. Quanto ao termo ambien-te de aprendizagem, Skovsmose (2000 apud Barbosa 2001) se refere às condições nas quais os alunos são estimulados a desenvolverem deter-minadas atividades.

As aulas de Matemática desenvolvidas num ambiente de aprendiza-gem pela Modelagem possibilitam, além da discussão dos conteúdos de matemática, também o trabalho interdisciplinar, mostrando que o ensino de matemática pode ser desenvolvido juntamente com outras ciências. A preocupação, neste caso, não é, apenas, resolver cálculos ma-temáticos, mas possibilitar que o aluno discuta questões referentes a outras áreas do conhecimento e tenha possibilidade de compreendê-las melhor por meio da matemática. As atividades de modelagem, enquan-to uma concepção em educação matemática, são realizadas na perspec-

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tiva do letramento. Ou seja, os alunos são capazes de aprender e utilizar a matemática em sua demanda social.

Modelagem Matemática: um pequeno enfoque

Basicamente, as atividades de Matemática realizadas em sala de aula envolvendo a Modelagem, apresentam cinco etapas: investigação da re-alidade; escolha do tema a ser trabalhado; elaboração de um problema sobre o tema; uso da matemática para compreensão do tema e validação matemática dos resultados.

No desenvolvimento destas etapas podem surgir algumas varia-ções, dependendo da escolha do professor. Em alguns casos, o educa-dor traz o tema e o problema matemático para os alunos, neste caso, não há um trabalho de investigação da realidade por parte deles para a escolha do tema; em outros, algumas etapas são desenvolvidas em conjunto; professor e alunos. Não há uma regra básica para todos os casos (BARBOSA, 2003).

O consenso com relação a Modelagem é de que, por meio dela, seja possível aprender as regras e as convenções (os conteúdos) da mate-mática escolar aplicando tais regras à situações da realidade dos alunos. Isto pode proporcionar uma concepção de ensino de matemática onde possa ser trabalhada a imagem de que os problemas não são sempre exatos e nem da mesma forma, pois as atividades podem ser produ-zidas por meio de problemas abertos, com soluções aproximadas ou mesmo sem soluções. Outra, e não menos importante concepção, é a do conhecimento sobre temas ligados à realidade do aluno por meio da matemática.

Um exemplo

Para justificar nossa defesa de que o uso da Modelagem pode favorecer outro entendimento sobre o ensino da matemática escolar, principalmente no que se refere à concepção de que ela é única e exata, descreveremos o trabalho desenvolvido por Santana e Silva (2015). A atividade de modelagem foi desenvolvida em uma turma do 9° ano9 de uma escola pública do Distrito de Barreira - Bahia. A atividade desenvolvida teve como tema o Restaurante Universitário da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

9 A atividade embora tinha sido desenvolvida em uma turma de 9º ano, pode ser adaptada para os anos iniciais.

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O tema para o desenvolvimento da atividade foi escolhido pelo pro-fessor e as questões também foram elaboradas por ele. Este processo de Modelagem é conhecido como caso 110, “no qual o professor sele-ciona um tema da realidade ou de outras áreas das ciências, elabora uma situação problema e juntamente com os alunos propõe soluções para o problema” (SANTANA; SILVA, 2015, p. 3).

A partir do tema, Restaurante Universitário, o professor elaborou as seguintes situações problemas: A primeira, solicitava que calculasse quantos reais um estudante da UEFS que tem subsídio parcial, gastará com alimentação no Restaurante Universitário, durante um mês, supon-do que ele faça as três refeições todos os dias, inclusive finais de sema-na? A segunda questionava: E se esse estudante ficar 6 meses, nas mes-mas condições, qual será esse valor? Já a terceira questão solicitava que o aluno calculasse o valor total que o estudante gastou com as refeições, em um determinado mês de conclusão do curso, assim por conta de muitos trabalhos para fazer, esse estudante tenha feito as três refeições apenas nos dias em que são primos (SANTANA; SILVA 2015, p.4).

Neste artigo vamos discutir somente a primeira situação problema. Na construção do problema não há dados que possibilitem a resolução do mesmo. Isto significou que os alunos teriam que realizar alguma pesquisa para a coleta dos dados. No entanto, como se tratava de dados reais, seria possível que os alunos realizassem tal coleta. Esta é uma das principais características da Modelagem. Neste caso, o professor disponibilizou aos alunos um texto, no qual informava os reais valores das refeições, mas, num outro caso de Modelagem, os próprios alunos teriam que realizar esta tarefa.O texto apresentava os seguintes valores: Café da Manhã – R$ 0,50; Almoço – R$ 1,00; Jantar – R$ 0,70.

Embora não tenhamos resultados de pesquisas que comprovem que trabalhando em grupo os alunos podem obter maiores vantagens edu-cacionais, as atividades de Modelagem, na maioria das vezes, são prati-cadas em grupos. Assim, em conjuntos, os alunos resolveram a situação proposta. O grupo A utilizou a estratégia de que o mês possui 31 dias. E fez os seguintes cálculos: primeiro, somou os três valores e encontrou o valor de R$ 2,20, valor gasto em um dia de refeição. Feito isto, ao consi-derar o mês de 31 dias, multiplicou o valor encontrado das três refeições pelo número de dias, obtendo o valor de R$ 68,20 por mês.

10 Ver essa discussão em Barbosa (2003).

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Figura 1 - Resolução da questão 1, do grupo AFonte: SANTANA; SILVA, 2015.

Os grupos B, C e D utilizaram a mesma estratégia do grupo A para resolver o problema, porém, consideraram o mês de 30 dias, o que in-fluenciou no resultado final. Enquanto o grupo A chegou ao resultado de R$68,20 os grupos B, C e D, chegaram ao resultado de R$66,00.

Na perspectiva educacional em que estamos defendendo aqui, am-bos os resultados estão corretos, e devem ser considerados como tal. Esse tipo de atividade possibilita que um mesmo problema possa ter mais de uma resposta correta, dependendo das estratégias utilizadas. O processo matemático para o desenvolvimento dos cálculos foi o mesmo nos quatro grupos, mas a escolha das informações, referente a quantida-de de dias que possui um mês, foi diferente.

Diferentemente de um problema fechado em que os dados já es-tão estabelecidos e que a resposta deve ser única, o que pretendíamos com esse exemplo era mostrar que ao desconsiderar essa informação há possibilidade de pensarmos em múltiplos resultados para uma mesma situação.

ConclusãoMostramos neste artigo um pequeno exemplo de como a Modelagem

Matemática propicia um novo entendimento sobre as questões educacio-nais da matemática. Diferentemente de outras abordagens, a Modelagem sempre parte de um determinado tema a ser estudado e podemos fazer uso da matemática para que esse tema possa ser melhor compreendido. Com isso, tentamos fazer com que os alunos possam perceber a multipli-cidade de possíveis soluções para um mesmo problema dependendo dos parâmetros matemáticos e de que conteúdo, denominado de “ferramen-tas matemáticas” o professor utiliza para sua resolução.

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Isto vai gerar um grau de aproximação das respostas obtidas sempre partindo do pressuposto de que possa existir várias respostas para um mesmo problema e que estas respostas irão evidenciar uma concepção de ensino e da própria matemática de que ela não é única e verdadeira, mas que depende de como tais dados são submetidos às regras e con-venções denominados de conteúdos matemáticos.

Referências bibliográficasBARBOSA, J. C.. Modelagem na Educação Matemática: contribuições para o debate teórico. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 24., 2001b, Caxambu. Anais... Rio Janeiro: ANPED, 2001.BARBOSA, J. C. Modelagem matemática na sala de aula. Perspectiva, Erechim, v. 27, n. 98, p. 65-74, jun. 2003.CALDEIRA, A. D. Modelagem Matemática: um outro olhar. Alexandria Revista de Edu-cação em Ciência e Tecnologia, v.2, n.2, p.33-54, jul. 2009.SANTANA, E. S. de.; SILVA, J. N. D. da. Modelagem Matemática: o caso do restau-rante universitário da UEFS. In: IX CONFERENCIA NACIONAL SOBRE MODE-LAGEM NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA – CNMEM, 2015, São Carlos – SP. Anais... São Carlos – SP: UFSCar, 2015.SKOVSMOSE, O.Educação Matemática Crítica: a questão da democracia. Trad. Abgail Lins, Jussara de Loiola Araújo. 4 ed. Campinas, SP: Papirus, 2008.

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Currículo Escolar e Multiculturalismo: algumas reflexões

Flávio de Souza Pires11

Lenita Martins do Nascimento12

Globalização e Educação13 A globalização mudou e afetou as relações de trabalho; a autoafir-

mação das pessoas que não se identificam mais com seus ambientes, devido às constantes mudanças; a identidade e cultura que se tornaram dinâmicas e híbridas, às experiências adquiridas ao longo da vida e a velocidade de acesso às informações, bem como as controvérsias da tecnologia, que inclui e exclui, aproxima e afasta, etc.

A escola não fica ilesa a esse contexto e abriga em seu seio essas con-tradições, deixando que emerjam explicitamente ou implicitamente, de-pendendo de como elas serão tratadas, reconhecidas ou negligenciadas. Nessa colcha de retalhos, questões relacionadas à etnia, à manutenção do poder hegemônico no currículo escolar, à cultura, à religião, aos há-bitos e comportamentos, entre outros são importantes para a educação, cujo desafio é compreender como a globalização afeta a política educa-cional em uma perspectiva crítica.

Pesquisadores como Candau (2002), Gonçalves e Lima (2006), Caputo (2006) e Leite (2009) abordaram essas tensões dentro da escola. Em síntese, as polarizações consequentes da globalização na educação escolar, a relação entre a formação de identidade e o multiculturalismo, que de um lado apresenta a exacerbação do indivíduo e do outro a hi-bridização deles.

A escola e o dinamismo da cultura

Nesse contexto contemporâneo globalizado, Hall (2006) discute questões culturais e chama atenção para uma “não-identidade” cultural,

11 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar e Forma-dor do PNAIC/UFSCar.12 Pedagoga e Formadora do PNAIC/UFSCar.13 Os conceitos que aqui serão tratados são polêmicos e polissêmicos e na medida do possível foram referenciados. Quando nos referirmos à educação será a escolar.

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ou melhor dizendo, uma identidade cultural em construção, porém im-pregnada de dilemas e conflitos devido às novas relações estabelecidas pela globalização e suas implicações na fragmentação do “eu”, o qual globaliza o local e torna híbrido e homogêneo o particular.

Entende-se aqui uma cultura que pode ser interpretada como signo, simbólica e a identidade individual e coletiva são ressignificadas e tradu-zidas pelas atividades do outro, de quem dependem as escolhas a serem feitas, as decisões a serem tomadas e a formação do outro. Assim, a globalização exerce um impacto sobre a identidade, no que diz respeito ao tempo e espaço, a percepção da importância do outro na relação do ser com o mundo tornou as atividades entre os povos mais dinâmicas, porém mais egocêntricas.

Nesse contexto Candau (2002) propõe uma alternativa para a esco-la: a educação intercultural para o empoderamento de culturas “opri-midas” e desvalorizadas, caracterizadas pelas minorias. A proposta de encarar as tensões entre globalização versus multiculturalismo, igualdade versus diferença e universalismo versus relativismo cultural, a partir de uma das diferentes posições existentes no campo da educação multicul-tural, impulsiona a pesquisadora a privilegiar a abordagem da educação intercultural. Além disso, não se desvincula as questões referentes à di-ferença e à desigualdade de nossa sociedade.

Gonçalves e Lima (2006) e Caputo (2006) configuram questões deli-cadas inerentes à cultura escolar, entretanto silenciadas pela hegemonia de culturas e práticas sociais dominantes que perpetuam até inconscien-temente. A proposição de ambos os pesquisadores é aproveitar esse es-paço da cultura escolar para contemplar a diversidade emergente e pro-blematizá-la, enquanto ela for silenciada e/ou negligenciada, de modo que as tensões existentes nesse espaço diminuam com a conscientização de tais práticas preconceituosas.

Ocorre, porém que, muitas vezes, a escola acaba por reforçar estas práticas preconceituosas ao invés de colocá-las em debate e reflexão. Podemos elucidar, por exemplo, o caso das culturas negras, muitas vezes trabalhadas em datas próximas e relacionadas à abolição da escravatura ou ao dia Nacional da Consciência Negra, colocando-as com um caráter de vitimização extrema ou como algo inferior, quando na verdade, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro--Brasileira e Africana, tal temática deveria estar presente no currículo

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oficial, estabelecendo-se por meio de parcerias, pesquisas, formação de professores e amplo debate da questão. Sendo trabalhada de maneira estanque a escola, ao invés de promover a valorização da identidade afro-brasileira, acaba reafirmando os preconceitos existentes.

Gonçalves e Lima (2006) problematizam o caso de crianças negras e de sua cultura, que são desconsideradas no ambiente escolar, práticas preconceituosas são realizadas com o silêncio e o pesquisador desvela e denuncia evidências de processos de discriminação no ambiente esco-lar, até então invisíveis.

Em relação aos temas transversais, pautados em diferentes questões como ética, orientação sexual ou diversidade cultural, encontramos a questão de gênero, que propõe uma inversão da ordem atual proposta socialmente e historicamente. Nesse sentido, a prática de resolução de conflitos mostra-se muito importante no que diz respeito à educação moral, e leva à superação da violência relacionada ao gênero. Dessa for-ma, um trabalho baseado na construção de valores, com base na ética, direitos humanos e na igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres em situações de conflito de gênero, é possível e surte efeito para uma sociedade mais justa e cidadã.

Mas, como diminuir as tensões causadas pela diversidade e diferen-ças no ambiente escolar, sem priorizar a cultura hegemônica e tradicio-nalmente predominante, sem negligenciar e silenciar as minorias?

Leite (2009) propõe o diálogo intergeracional, bem como a proposta intercultural como pano de fundo e cenário para o currículo escolar, o eixo articulador entre a pluralidade, a ética e a formação humana dos estudantes, que não exclui, por exemplo, a “cultura” adolescente e suas tecnologias, nem relativiza o papel da educação e da aprendizagem, incorporando esses aspectos de forma potencializadora e pedagógica através das ações do educador, sendo possível agregar aspectos da cul-tura adolescente, como as tecnologias no currículo escolar através da interação, do diálogo e da disposição do educador.

Vale ressaltar que o costume de discriminar aquele que se mostra diferente de alguma forma é encontrado além dos muros da escola, mas também nos múltiplos segmentos da sociedade. E, apesar de todas as transformações vividas na sociedade a escola mantém praticamente análogo seu aspecto curricular. Visando superar tal realidade, e propor maior estreitamento entre a teoria e a prática, entre o que se é estabe-lecido por normas e diretrizes e o que é efetivado na escola, é de suma

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importância, o investimento em formação de professores no que diz respeito à pluralidade cultural e outros temas transversais, assim como o subsídio com materiais, investimento na valorização da comunidade, avaliação e acompanhamento, além do desenvolvimento de projetos condizentes com a realidade escolar, que evidenciem as diferentes práticas culturais e superem o preconceito e a inferiorização.

Assim, a prática escolar poderá englobar a valorização da cultura de seus alunos, o que, por conseguinte, evidenciará a compreensão do valor de cada um, tenderá na potencialização do processo de ensino e aprendizagem, visto que pressupõe uma formação a partir da inter-disciplinaridade e transversalidade. Enfim, os conteúdos educacionais devem estar em concordância com questões sociais que demarcam a realidade dos indivíduos, assim como cada momento histórico, reque-rendo da instituição escolar um espaço de formação e informação.

Currículo como configurador da prática e agente de trans-formação

Diante de todo o contexto e atividades expostas anteriormente é importante reconhecer o papel do currículo na educação, uma vez que ele é “o projeto seletivo de cultura, cultural, social, política e administra-tivamente condicionado, que preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condições da escola tal como se acha configurada” (GIMENO SACRISTÁN, 1998, p. 34), ou seja, as transformações mais efetivas podem começar aqui, afinal currículo é seleção e é muito mais que uma lista de conteúdos.

O pesquisador cria uma ponte entre a teoria e a prática através do currículo como configurador de prática, recontextualiza a história da “teoria” do currículo para a elaboração de um novo olhar na educação, por meio da dialética teoria-prática. Uma das ideias principais é que a prática pode ser compreendida por meio do currículo, alicerçada na terna sociedade-cultura-currículo-prática para uma formação mais au-tônoma, crítica e independente do currículo pelos seus atores. É neces-sário, portanto um ensino de diferentes conteúdos não pertencentes à cultura dominante, a ênfase nas relações humanas como a cooperação e o respeito mútuo, na promoção do pluralismo, na diversidade cultural e na equidade social.

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Enfim, com todas essas transformações constantes, temos sujeitos múltiplos, formados em uma sociedade multicultural. Na escola temos pessoas que concebem valores e situações de diversas maneiras, assim como instituição obrigatória deve ter uma seleção e reflexão adequada para o currículo, baseada numa reflexão crítica, a fim de garantir que o aluno interaja de maneira cidadã e ativa na sociedade democrática, glo-balizada e multicultural em que está inserido.

É necessário permanecer atento à monotonia, ao comodismo, ao óbvio e à normalidade na educação, as ações ocorridas nesse espaço de alguma maneira possuem uma intencionalidade, seja ela consciente ou inconsciente, antes de tudo é necessário preocupar-se com a formação humana das crianças, conscientizando-as de qualquer forma de discri-minação, intolerância e exploração.

Referências bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes curriculares nacionais para a edu-cação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica. 2004.CANDAU, Vera Maria Ferrão. Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproxi-mação. Educação e Sociedade, vol. 23, no. 79. Campinas, Aug. 2002.CAPUTO, Stela Guedes. Educação em terreiros de candomblé. Contribuições para uma educação multicultural crítica. In: CANDAU, Vera Maria (org). Educação intercultu-ral e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 180-207.GIMENO SACRISTÁN, J. Aproximação ao conceito de currículo. In: ________. Currículo. Trad. Ernani da F. Rosa, 3ª ed, Porto Alegre, ArtMed, 1998, p. 13-53.GONÇALVES E LIMA, Augusto César. Cultura escolar/cultura da escola e a questão racial numa escola pública de subúrbio carioca. In: CANDAU, Vera Maria (org). Edu-cação intercultural e cotidiano escolar. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006, p. 161-178.HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 (11ª edição).LEITE, Miriam S. Entre a bola e o MP3 – novas tecnologias e diálogo intercultural no cotidiano escolar adolescente. In: CANDAU, Vera Maria (org). Didática. Questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Ed Forma e Ação, 2009, p. 121-138

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A Necessidade de Práticas Interdisciplinares: Problemati-zando a interdisciplinaridade a partir de uma perspectiva marxista

Everaldo Gomes Leandro14

Um dos focos de discussão do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) no ano de 2015 é o trabalho interdisciplinar nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Entendemos que essa discussão já estava presente nos cadernos de formação voltados à Educação Ma-temática em 2014 e que a proposta destes cadernos se constituía na re-flexão sobre a aprendizagem de Matemática nos anos iniciais, articulada com as propostas de letramento das crianças.

Desta forma, percebemos que se torna relevante discutir os moti-vos pelos quais se buscam práticas interdisciplinares na escola e como esse processo de busca se estabeleceu a partir de uma concepção de mundo em que a fragmentação e a especialização do conhecimento se tornaram presentes.

Nesse sentido, temos por objetivos (1) compreender o que enten-demos por interdisciplinaridade e, a partir de uma visão de mundo ali-cerçada na perspectiva marxista, (2) problematizar tal conceito a fim de perceber qual concepção de mundo faz com que as práticas interdisci-plinares se tornem necessárias.

A Interdisciplinaridade nos Anos Iniciais: Quais discussões?A partir dos movimentos estudantis nos anos 60 na Europa, princi-

palmente na França e Itália, colocou-se em debate a estrutura discipli-nar presente nas universidades (COSTA; LOUREIRO, 2012, p.4). Esse debate surge em contraposição à fragmentação demasiada do conheci-mento e entende que o ensino deveria considerar o todo, o global e a relação entre as diversas áreas (FAZENDA, 2002). Apoiadas em Santo-mé (1998), Mendes, Gomes e Silva (2015, p.11) entendem o conceito de interdisciplinaridade como

14 Mestrando em Educação PPGE/UFSCar. Licenciado em Matemática UFLA. For-mador do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC/UFSCar).

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[...] uma proposta que exige interação entre duas ou mais disciplinas, o que resultará em intercomunicação e enriquecimento recíproco e, con-sequentemente, em uma transformação das metodologias de pesquisa, em uma modificação de conceitos, de terminologias fundamentais etc. Entre as diferentes matérias ocorrem intercâmbios mútuos e recíprocas integrações; existe um equilíbrio de forças nas relações estabelecidas.

Deste modo, em um primeiro momento, a interdisciplinaridade possibilita a interação/intercomunicação entre duas ou mais áreas do conhecimento e essa discussão se dá nos espaços acadêmicos. Em ou-tro momento, esse debate se estende à educação básica e ao ciclo de alfabetização, fazendo com que os cursos de formação de professores coloquem em evidência essa temática.

Para nós, torna-se relevante perceber quais contribuições a obra de Marx traz para o entendimento desse processo de fragmentação do co-nhecimento e a posterior necessidade de pensar na interdisciplinarida-de. Percebemos que elementos da crítica feita por Marx à sociedade do século XIX possibilita a compreensão de diversos processos e práticas da sociedade do século XXI, dentre as quais a busca por práticas inter-disciplinares nos espaços escolares.

Sendo assim, nos apoiamos em Marx e Engels (1984), Sanfelice (2005), Bittar e Ferreira Jr (2009) e TONET (s. d.) para entendermos alguns dos elementos da teoria marxista que possibilitam problematizar o conceito de interdisciplinaridade a fim de perceber qual concepção de mundo faz com que práticas interdisciplinares se tornem necessárias.

Problematizando a Interdisciplinaridade a partir do pensa-mento marxista

O desenvolvimento das sociedades acarretou em um processo de complexificação da realidade material e dos conhecimentos; assim, a fragmentação se tornou presente. Neste contexto, o sujeito é impossibi-litado de conhecer o todo. Para Tonet (s. d., p.6):

[...] dos grupos primitivos e mais simples ao mundo atual, temos um processo ao longo do qual a realidade social vai se tornando cada vez mais complexa e universal. Por seu lado, a complexificação resulta, ne-cessariamente, na especificação, pois, de fato, é impossível a um único indivíduo abarcar a totalidade do fazer e do saber sociais.

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Na passagem de grupos primitivos mais simples a grupos mais com-plexos surge a divisão social do trabalho. Para Marx, é por meio do trabalho que os seres humanos criam os meios materiais para sua so-brevivência. A partir do surgimento da divisão social do trabalho, há uma cisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Para Marx e Engels (1984, p.45) “a divisão do trabalho torna-se realmente divisão apenas a partir do momento em que surge uma divisão entre o trabalho material e espiritual”. Deste processo, o saber e o fazer estão a partir de agora separados e a fragmentação presente. Esta fragmentação, por sua vez, contribuiu com a exploração e dominação dos sujeitos. Bittar e Ferreira (2009, p.500) complementam que:

A fragmentação do conhecimento chegou a tal nível que cada ci-ência, de certo modo, acabou por produzir a sua própria “teoria do conhecimento”, originando, assim, uma situação fecunda para o que se convencionou chamar de pós-modernidade. Ou seja: com o crepúsculo do século XX, foi se perdendo a importância das epistemologias que haviam sido engendradas pelos sistemas filosóficos que objetivavam a ideia de totalidade.

Entendendo os processos de complexificação da realidade material e do conhecimento e da fragmentação dos mesmos nos perguntamos: Então quais são os objetivos de práticas interdisciplinares em uma so-ciedade, onde a fragmentação e a especificação tornam-se elementos de exploração e dominação dos sujeitos? A interdisciplinaridade torna-se uma solução para a fragmentação do conhecimento ou encobre a ori-gem de um problema mais amplo?

Pesquisadores da obra marxista (TONET, s. d.; SANFELICE, 2005) acreditam que não há sentido focar a discussão nas (im)possibilidades de práticas interdisciplinares em uma perspectiva de pensamento mar-xista, pois o foco de discussão deveria estar na própria conjuntura social que faz com que práticas interdisciplinares se tornem necessárias.

Quando Tonet (s. d. p.4) equacionou tal problemática percebeu que “a crítica da interdisciplinaridade não é a crítica da interdisciplinaridade, mas a crítica do mundo que produz e necessita dessa forma de produção do saber. A questão inicial e fundamental, então é: que mundo é este?”. Para ele, este mundo é o mundo que a fragmentação se tornou presente a partir de uma concepção de ciência fragmentada acrescentando ainda que na origem da ciência moderna também encontra-se uma acirrada disputa entre a concepção de mundo cristã e as novas tendências profa-

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nas do conhecimento. Disputa que, como se sabe, não era meramente teórica, mas tinha consequências práticas de maior gravidade. A solução intermediária encontrada foi atribuir a cada ciência a competência de falar sobre um determinado campo restrito da realidade. À religião se reservava a competência de elaborar uma visão de mundo totalizante. Deste modo, as diversas ciências se viam impedidas de extrair das suas pesquisas considerações a respeito do mundo em geral.

As implicações dessa disputa, ciência versus religião, atrelada a divi-são social do trabalho traz implicações as instituições escolares atuais e a fragmentação pode ser vista, por exemplo, nos currículos, parâmetros (BRASIL, 1998) e diretrizes (BRASIL, 1996) de todos os níveis educa-cionais. A solução encontrada por tais documentos passa pela orienta-ção de práticas interdisciplinares, multidisciplinares e/ou trandisciplina-res nos espaços escolares.

Cabe, a nosso ver, ressaltar que tais orientações presentes nesses do-cumentos partem de uma realidade onde as áreas estão divididas e toma essa realidade como algo dado a priori e de certa maneira imutável, di-minuindo, algumas vezes, a discussão ampla em torno de um problema mais geral: os porquês da necessidade de práticas interdisciplinares.

Tonet (s.d) argumenta que a teoria da interdisciplinaridade não tem como ponto de partida explicar uma teoria da fragmentação, mas ape-nas reconhece que há a fragmentação do conhecimento e seus pontos negativos e “deste modo, a proposta de superação da fragmentação do saber ganha um caráter marcadamente subjetivo. Deixando de lado as raízes materiais da fragmentação do conhecimento, e mesmo admitindo que este é um processo natural.” (idem, p. 9).

Desta discussão, nos perguntamos: como superar a naturalização do processo de fragmentação? Como pensar na materialidade das práticas interdisciplinares existentes de uma forma crítica?

Não temos por objetivo responder tais questionamentos e esgotar tal problemática, mas para alguns um caminho possível para a solução do processo de fragmentação do conhecimento pode estar na modi-ficação da estrutura escolar e na separação dos conhecimentos em caixinhas (disciplinas).

Hernández (2011, n.p), quando pesquisa projetos de trabalho como sendo uma concepção de educação, se pergunta: “Por que, dos 6 mil campos de estudo que existem, ensinamos apenas 8? Por que não en-sinamos Antropologia, Cosmologia, Sociologia, Economia?” Para esse

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autor os assuntos não deveriam ser pensados por meio de disciplinas, mas sim por problemas amplos que buscamos, como sociedade, res-postas: Vida, morte, ser humano, cosmos e origem da vida são alguns destes problemas.

Tonet (s.d, p.10), a partir de uma perspectiva marxista, acredita que a solução do problema passa pela transformação radical do mundo. Para ele a superação da fragmentação do saber não tem a menor possibilida-de de acontecer pela via puramente epistemológica e nem mesmo por nenhum esforço pedagógico ou comportamental. E mais ainda: quanto mais perdura essa forma de sociabilidade, mais se intensifica a fragmen-tação, pois isto é da lógica do capital e, portanto, mais forte se torna a mistificação do saber, independente de quantos esforços forem envida-dos para superá-la por via puramente epistemológica.

Nesse sentido, compreendemos que a discussão em relação à inter-disciplinaridade abarca a discussão das necessidades desta em nossa so-ciedade, que é demarcada pela divisão social do trabalho. Entendemos também que esperar uma sociedade em que o trabalho tenha um caráter coletivo, tanto na produção como na apropriação de riquezas, não seja um caminho viável e imediato.

Sendo assim, entendemos que a transformação do modo como o conhecimento é produzido e ensinado parte da reflexão da/sobre a ma-terialidade deste modo de conhecer; assim, torna-se importante, a nosso ver, perceber quais os fins das práticas interdisciplinares e se questionar sobre como fazer destas, práticas que não entendam a fragmentação do conhecimento como um processo natural e imutável.

Considerações FinaisEntendemos que a discussão sobre interdisciplinaridade é complexa,

seja de um ponto de vista epistemológico quanto de um ponto de vista das práticas escolares que buscam a interdisciplinaridade. Marx e Engels (1984) entendem que, todas as representações e abstrações partem da realidade material, do mundo sensível e que para modificar essa reali-dade não se pode em nenhum momento abandonar a reflexão sobre as condições/práticas determinadas e empiricamente visíveis.

A interdisciplinaridade é uma dessas práticas presentes nos discur-sos de pesquisadores, no pensamento, no planejamento e na prática de professores e é vivenciada (ou não) pelas crianças nas escolas. Concor-

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damos que o entendimento da necessidade de práticas interdisciplinares é o centro da reflexão/provocação que abordamos neste trabalho.

Quando da escolha de um projeto interdisciplinar, por exemplo, de-fendemos que algumas questões poderiam emergir para que professores e crianças possam refletir sobre a fragmentação do conhecimento em nossa sociedade, sobre como esta fragmentação auxilia na exploração dos sujeitos, impossibilita a percepção de totalidade de um processo e faz com que, no ambiente escolar, sejam privilegiadas algumas áreas, que são chamadas de disciplinas, em detrimento de outras.

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O uso de gêneros digitais em contextos de formação continuada

Larissa de Paula Ferreira15

IntroduçãoCom a popularização dos meios de comunicação e o avanço tecno-

lógico e informacional, tivemos uma evolução da Educação a distância (EaD), ampliando as possibilidades de interação entre os indivíduos, com destaque para a internet, uma importante ferramenta mediadora das relações/interações. Para Silva (2003, p. 11), “a educação a distância já tem história, mas só agora vive seu boom com a internet. Mesmo que ainda prevaleçam os suportes tradicionais (o impresso via correio, o rádio e a TV) não há dúvida de que seu futuro promissor é online”.

Na sociedade atual, a EaD tende a explorar algumas técnicas de en-sino a distância que incluem as hipermídias, as redes de comunicação interativas e as tecnologias intelectuais da cibercultura, mas destaca- se que o essencial é o novo estilo de ensino que esse ambiente pode pro-porcionar, pois em determinados contextos favorece aprendizagens personalizadas e a aprendizagem coletiva em rede. Como já preconizava Levy (1999, p. 170), “a distinção entre ensino ‘presencial’ e ensino ‘a distância’ será cada vez menos pertinente, já que o uso das redes de telecomunicação e dos suportes multimídia interativos vem sendo pro-gressivamente integrado às formas mais clássicas de ensino”.

Tendo em vista a ampliação de cursos a distância, foram criados alguns programas denominados ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) com o objetivo de contribuir e fornecer apoio para a formação a distância. Esses ambientes virtuais se caracterizam por apresentarem uma gama de recursos que possibilitam a comunicação, tanto síncrona, como assíncrona, além de contribuir para a construção do conhecimen-to. Dentre essas ferramentas o fórum de discussão vem sendo muito utilizado, pois ele se destaca por ser um gênero que estimula a partici-pação, comunicação e a troca de experiência, possibilitando diálogos enriquecedores.

15 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos.

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Outro gênero que enfatizamos nesse contexto é o diário reflexivo, que permite aos indivíduos refletir sobre suas atitudes, práticas pedagó-gicas e também sobre o processo de ensino-aprendizagem.

1. Gêneros digitaisA língua, na perspectiva de Bakhtin, é de caráter interacional discur-

sivo, e segundo o autor “A verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade funda-mental da língua.” (BAKHTIN, 1997, p. 123). Desse modo, compreen-de- se que os gêneros discursivos são formas comunicativas que não são adquiridas em manuais, mas a partir dos processos interativos.

Nessa perspectiva, a língua possui um caráter multiforme e os mo-dos de utilizá-la são variados, podendo se dar tanto por meio de enun-ciados orais como escritos, concretos e únicos. Esses enunciados, que são constitutivos dos gêneros discursivos, refletem as condições espe-cíficas e as finalidades de cada referido campo por meio do conteúdo, estilo e construção composicional. Estes três elementos fundem-se no todo do enunciado, além de que todos eles possuem sua especificidade de acordo com a esfera da comunicação em que se encontram.

Para Bakhtin (1997), utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, ou seja, todos os enunciados proferidos pelos sujeitos dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo, sendo assim, possuímos um grande repertório dos gêneros do discurso tanto orais como escritos.

À vista disso, se os gêneros não existissem e se os indivíduos não o dominassem e toda vez que fossem comunicar algo, tivessem que criar esses gêneros, e construir cada enunciado, seria muito difícil existir uma comunicação verbal (BAKHTIN, 1997).

Marcuschi (2008), na linha do pensamento de Bakhtin (1997), consi-dera os gêneros como sendo sócio históricos pois se atenta para os as-pectos discursivos e enunciativos. O autor traz um conceito importante sobre gêneros, afirmando que estes são os textos materializados em si-tuações comunicativas cotidianas, além de apresentarem certos padrões sócio comunicativos, definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos.

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O autor, ainda ressalta que os gêneros não são modelos estanques e nem estruturas rígidas, são, na verdade, formas culturais e cognitivas de ação social corporificadas na linguagem. Isto posto, considera-se que os gêneros possuem uma identidade que condiciona as escolhas que não são totalmente livres nem aleatórias, seja sob o ponto de vista do léxico, grau de formalidade ou natureza dos temas. Depreende-se que os gêneros vão se constituindo no dia-a-dia e surgem de acordo com as necessidades e a evolução da sociedade.

Nesse sentido, Marcuschi (2008) afirma que a partir das três últimas décadas do século XX foi desenvolvido um conjunto de novos gêneros textuais, no contexto de hoje, denominada mídia virtual, e identificada centralmente na tecnologia computacional. O autor reitera que “daí sur-ge um novo tipo de comunicação conhecido como comunicação media-da por computador (CMC) ou comunicação eletrônica, que desenvolve uma espécie de ‘discurso eletrônico’. A CMC abarca todos os formatos de comunicação e os respectivos gêneros que surgem nesse contexto” (MARCUSCHI, 2008, p. 199-200).

A partir do surgimento dessas novas tecnologias a internet passou a ser um espaço que traz algumas inovações, principalmente no que se refere aos gêneros virtuais, pois observa-se nesse ambiente uma plura-lidade de textos polissêmicos, multimodais. Marcuschi (2008) mostra que há novos gêneros, destacando como os mais conhecidos e que vêm sendo objeto de estudo de vários autores: o e-mail, os chats, os fóruns de discussão e os blogs. Esses gêneros emergentes se caracterizam por manterem uma relação estreita com outros gêneros textuais já existen-tes. Porém, os referidos gêneros virtuais apresentam características pró-prias do ambiente em que se inserem. A seguir, faremos uma breve descrição dos gêneros que têm sido foco de estudos, atualmente.

- E-mail (mensagem eletrônica): forma de comunicação escrita assíncrona que permite ao usuário enviar mensagens eletrônicas para um ou mais re-ceptores. A natureza dos textos e da linguagem são muito variadas, poden-do ser formal ou informal. Em relação ao formato textual, é muito comum que esse gênero seja comparado a uma carta, um bilhete ou um recado.- Chats (bate-papo): espaço de interação síncrono, onde os usuários se co-municam com outros. Marcuschi (2010) elenca alguns tipos de chats, dentre os quais destacamos: chat privado; chats em aberto; chat reservado; chat agendado. Os textos normalmente são curtos e a linguagem é objetiva.

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- Blogs: o blog é uma espécie de diário virtual, segundo Marcuschi (2010, p.72) “os blogs funcionam como um diário pessoal na ordem cronológica com anotações diárias ou em tempos regulares que perma-necem acessíveis a qualquer um na rede”. Nesse gênero pode-se pos-tar mensagens diariamente, com diversos temas, colocar fotos, vídeos, músicas, etc. Os textos, usualmente, se caracterizam por serem breves, além de terem um teor opinativo.

Outro fato importante, é que esses e outros gêneros que emergem nessa nova tecnologia são diversos e apresentam algumas características peculiares, além de proporcionar diferentes formas de comunicação. No entanto, a maioria deles advém de gêneros similares em outros am-bientes, sejam orais ou escritos.

1.1. Gênero fórum de discussões Os ambientes virtuais de aprendizagem disponibilizam aos seus

usuários uma gama de ferramentas que podem auxiliá-los no proces-so de construção do conhecimento. Dentre elas, destaco o fórum de discussão, que tem como principal característica a comunicação assín-crona. Além de propiciar a discussão de temas entre os participantes, esse gênero permite a troca de sentidos construídos pela singularidade de cada indivíduo que produzem e expressam diferentes saberes, de-senvolvem competências comunicativas e contribuem para o conhe-cimento coletivo.

Originalmente a palavra fórum significa lugar de reunião, assim sen-do, na internet se caracteriza por ser um espaço virtual que tem como propósito agrupar as diversas opiniões de uma comunidade discursiva, no caso em questão a comunidade de aprendizagem do ambiente virtu-al – o Moodle. No fórum pode-se apenas ler os comentários que ficam dispostos em uma homepage, publicar ou responder determinada questão.

A característica essencial do referido gênero é promover discussões em torno de questões específicas, além de servir de instrumento para a reflexão e a construção coletiva do conhecimento. Segundo Xavier e Santos (2005, p. 34) o fórum “continua a preservar a função inicial de jogar com argumentos, refinar raciocínios, fazer ecoar e desenvolver novas ideias, reafirmar ou modificar posições, e sobretudo aprofundar conhecimentos que permitam decisões mais conscientes”. Esse gênero

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também favorece a interação e propicia diálogos enriquecedores entre os participantes, gerando grandes debates.

2. Utilização dos gêneros no curso de formação continuada do PNAIC/UFSCar via Plataforma MOODLE

No curso do PNAIC/UFSCar-2015 realizado via plataforma Moodle os Orientadores de Estudos devem realizar algumas atividades que são propostas, para tanto eles utilizam dois gêneros muito importantes que são o fórum de discussões, e o diário reflexivo. Destacaremos a seguir como esses gêneros têm sido praticados neste curso em específico.

2.1. Gênero fórum de discussões

No ano de 2015, o foco do PNAIC se volta para o estudo das áreas de Artes, Ciências Humanas e Ciências da Natureza, tendo como prin-cipal objetivo promover a educação integral das crianças que estão em processo de alfabetização. Nesse sentido, os fóruns foram elaborados, para que fosse possível discutir sobre essas temáticas, tendo como ali-cerce algumas leituras de diversos tipos de textos, que encaminharão as discussões dentro deste ambiente.

No fórum voltado para a temática de Artes, especificamente, nosso principal objetivo foi refletir e problematizar como essa área fascinan-te tem sido ensinada no processo de alfabetização. Para tanto, o texto que embasou as discussões foi pautado no artigo intitulado: “Educação musical nos anos iniciais da escola: identidade e políticas educacionais”.

Observamos que as discussões nesse contexto, fez com que os Orientadores refletissem sobre a educação musical e outras vertentes artísticas, como a pintura, a dança, o teatro, e qual a importância deles no processo de ensino-aprendizagem. Os diálogos foram muito enri-quecedores, pois constatamos que os professores compartilharam expe-riências, discutiram sobre a importância de se trabalhar a disciplina de Artes junto as demais, e relataram o quanto ela é essencial na alfabetiza-ção, visto que é uma área que desenvolve a criatividade, as emoções, e a cognição dos alunos, por exemplo.

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2.2. Gênero diário reflexivo O gênero diário surgiu em meados do século XIX, período onde

ocorreu grandes mudanças históricas e sociais. Segundo Machado (1998), essa forma de expressão estava ligada a questões identitárias, e através dessa escrita os sujeitos tentariam solucionar “às contradições existentes entre a afirmação de determinados princípios de ordem so-cial, tais como a da liberdade e da igualdade e as reais condições com as quais os indivíduos se confrontariam no seu cotidiano” (MACHADO, 1998, p.21-22). A partir desse momento, o gênero diário vem sendo uti-lizado de diversas maneiras e abordado por diferentes pontos de vista, como o literário, o educacional, o metodológico e o científico.

No curso do PNAIC, utilizamos o diário, para que os Orientadores possam refletir sobre algumas questões relacionadas ao processo de al-fabetização dos alunos, e também sobre a prática docente. Para tanto, os diários elaborados nesse ano de 2015 foram baseados nos seguintes questionamentos: a importância das ações do PNAIC no processo de alfabetização e expectativas para 2015; e como a área de Arte pode ser trabalhada na alfabetização.

O trabalho baseado nesse gênero se volta para uma reflexão do pro-fessor. Observamos que o diário faz com que o indivíduo traga ques-tões relacionadas a um assunto que considera importante ou mesmo relacionado a si próprio, também constatamos que ele é propício a ex-pressão de desejos ou impressões, e traz principalmente uma marca de subjetividade.

Dessa maneira, consideramos que o diário reflexivo é um instru-mento primordial, visto que é capaz de fazer com que o professor re-flita sobre sua prática pedagógica, seus anseios, suas dificuldades, o seu papel no processo de ensino, além de contribuir para a reflexão sobre a própria escrita.

Considerações finais

Na educação a distância online, o gênero fórum se destaca por ser o principal meio de comunicação utilizado nesses ambientes; além do mais consideramos que ele é muito importante na formação continu-ada de professores, uma vez que eles podem debater assuntos espe-cíficos da área, ler textos que promovam a reflexão e discutir sobre a prática pedagógica. Conforme ressalta Kenski (2002), é necessário

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interagir com o conhecimento e com as pessoas para que haja apren-dizado. Sendo assim, é importante que os participantes debatam sobre o tema, e reflitam e analisem os diversos posicionamentos, pois é a partir dessas interações e trocas comunicativas que se pode construir e reelaborar o conhecimento.

Por outro lado, também consideramos importante incluir o gênero diário em um curso de formação continuada de professores, visto que por meio dele os indivíduos trazem relatos, experiências importantes pelas quais passaram ao longo de sua carreira, fazendo do diário um instrumento que possibilita a autorreflexão, principalmente.

Referências bibliográficas:BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.KENSKI, V. M. Processos de interação e comunicação mediados pelas tecnologias. In: ROSA, D., SOUZA, V. (orgs.). Didática e práticas de ensino: interfaces com diferentes sabe-res e lugares formativos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1a edição, 1999.LIMA, B.D. A constituição do espaço Fórum a partir do Paradigma da Atenção Psicossocial. Revista de Psicologia da UNESP 12(2), p. 30-41, 2013.MACHADO, A.R. O diário de leituras. São Paulo: Martins Fontes, 1998.MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.MARCUSCHI, L. A; XAVIER, A.C (orgs). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido.3.ed. – São Paulo : Cortez Editora, 2010, pp 15-80.PAIVA, V. L. M.; RODRIGUES JR., A. S. 2007. O footing do moderador em fóruns educacionais. In: J. C. Araújo (Org.). Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, pp. 144-164.SILVA, M. (Org.). Educação online. São Paulo: Loyola, 2003.

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Conhecendo a criança de 6 anos do 1° ano do Ensino Fun-damental

Gerson Sousa Ruas16

No âmbito educacional, muitas teorias e metodologias são apre-sentadas para os professores a fim de promover uma educação de qualidade e significativa para os educandos. O fato é: os livros estão cheios de concepções que valorizam o processo escolar dos alunos, mas a realidade na sala de aula segue outra dinâmica, ainda existem posturas e metodologias pedagógicas tradicionais que desvalorizam as demandas da criança e a ludicidade que este indivíduo carrega em sua essência humana.

Diante dessa prática educacional que contradiz o universo infantil, é destaque deste trabalho acadêmico a criança de seis anos de idade que tornou-se integrante da garantia de escolarização por meio da Lei n°11.274 de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL, documento eletrônico), Lei esta que altera os artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei 9.394 de 20 de de-zembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Neste contexto, o Ensino Fundamental que durava oito anos, agora terá nove; portanto, a matrícula é obrigatória para a criança de seis anos, e não só para a de sete como antigamente.

Observa-se então, no 1° ano do Ensino Fundamental, uma mudança significativa do sistema escolar brasileiro. Atualmente, o público que encontramos em nossas salas de aula no estágio escolar do 1° ano são as crianças oriundas da Educação Infantil, que integravam a pré-escola.

Com efeito, as expectativas e habilidades exigidas para as crianças da antiga 1° série, do Ensino Fundamental que durava oito anos, onde as crianças ingressavam por volta dos sete anos de idade, vêm sendo aplicadas e impostas para as crianças na faixa dos seis, desconsideran-do todo o processo de maturação mental, físico e social, isto é, a fase humana – auge da infância – em que estão inseridas as crianças do 1° ano. Desta forma, toda a proposta lúdica pertinente a esta faixa etá-ria se perde, e essas crianças vêm sendo expostas a um bombardeio de conteúdos, à metodologias que não evoluíram pedagogicamente, que estão estagnadas, embasadas em cópias, “decorebas” e repetições, mais precisamente. Não sobra mais tempo para que as crianças possam

16 Professor alfabetizador do município de Itapecerica da Serra (SP).

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brincar, interagir, fantasiar, se divertir, não somente as de seis anos, mas todas as demais. Outro fator preocupante é que o ingresso dessa crian-ça no Ensino Fundamental que deveria ocorrer de forma acolhedora não acontece assim, não atende às exigências do sistema educacional. Portanto, as posturas e as metodologias tradicionais vigentes em nossas escolas poderão evidenciar consideráveis dificuldades de aprendizagem.

Este artigo acadêmico tem como finalidade compreender melhor a criança de seis anos por meio do conhecimento de suas características psíquicas, físicas, afetivas e sociais, especificamente. Ao mesmo tempo, pretende-se abordar a importância do lúdico para o efetivo, significativo e prazeroso trabalho pedagógico no desenvolvimento educacional desta criança, que é a protagonista dessa discussão.

É valido mencionar que o fio condutor para a referida pesquisa é a convicção, e logo ideologia, que Santos (1998, p.62) expressa bem: “Só será possível ensinar e aprender prazerosamente quando compreender-mos melhor nossas crianças.”

Iniciando a abordagem sobre a criança de seis anos, em sua essên-cia lúdica e suas características, é fundamental expor que: No sexto ano de vida, os meninos iniciam as brincadeiras com revólveres, espa-das, espingardas. São as fantasias de bandido e herói que povoam seus pensamentos, enquanto a menina inicia a identificação com a mãe, usa roupas, sapatos e maquiagem da mãe nas brincadeiras (BOSSA e OLIVEIRA, 1994).

Seguindo e solidificando esta mesma caracterização, nesta idade, os meninos se envolvem “com brincadeiras de conquista, de mistério, de ação” (ABERASTURY, 1992, p. 64).

Por outro lado, Aberastury (1992) revela que a menina se envolve com atividades mais pacíficas, como: bonecas, brincadeiras do universo feminino, voltadas especialmente à identificação com a mãe.

É válido mencionar que neste mundo lúdico recheado de brinquedos e brincadeiras, Bee (2003) revela que tanto a menina quanto o meni-no de quatro e de nove anos aprovam meninos brincarem de boneca. Porém, muitas das crianças de seis, sejam elas meninas ou meninos, recriminam, de modo geral, as trocas de atividades, acreditando que é “errado um menino fazer coisas de menina ou uma menina fazer coisas de menino” (BEE, 2003, p. 337).

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Piaget (1990) descreve que a criança desta faixa etária realiza diálogos consigo mesma durante seus atos cotidianos e especialmente em ativi-dades de teor lúdico. Em meio a este mundo de fantasias e imaginação, o autor nos revela que a criança apresenta animismo, isto é, o poder de dar vida aos objetos a fim de compor suas brincadeiras e interações.

Prosseguindo no levantamento das características dessa criança, vi-sando seu mundo infantil, é válido mencionar que:

Seis anos é uma idade ativa. A criança está em atividade quase cons-tante, seja de pé, seja sentada. Parece manter, equilibrando consciente-mente, seu próprio corpo no espaço. Está em todas as partes: trepando em árvores, arrastando-se debaixo, em cima e ao redor de estruturas de grandes blocos ou de outras crianças. (...) Parece ser todo pernas e bra-ços, dançando ao redor da casa. (...) Encara suas atividades com maior abandono e, ao mesmo tempo, com maior deliberação e talvez tropece e caia em seus esforços por dominar uma atividade. (...)gosta de ativida-des e o desagrada a interrupção (BOSSA e OLIVEIRA, 1994, p. 147).

No âmbito dos aspectos da motricidade, a criança desta idade “Sobe e desce degraus usando um pé por degrau; caminha na ponta dos pés; caminha de uma linha fina; pula; arremessa e agarra muito bem” (BEE, 2003, p. 148). Sem contestações, conforme Bossa e Oliveira (1994, p. 149), “tão ativo sentado como de pé. Volta-se na cadeira, senta-se na borda, podendo até cair. Tem uma abundante atividade oral: extensão da língua e mastigação, assoprar e morder lábios.”

Apesar disso, outras habilidades rodeiam esta fase humana, uma vez que a criança, de acordo com Roman e Steyer (2001, p.41) “pula, brinca e joga habilmente, copia triângulos, amarra cordões de sapatos, coloca cinto, repete quatro dígitos, diz corretamente sua idade, dá nome às cores, conta histórias reais e fantasias”.

Percebe-se também que esta criança integra um estágio motor no qual, segundo Ferreira (2000), vai aperfeiçoando sua coordenação mo-tora, em especial, o aprimoramento dos movimentos envolvendo os órgãos específicos da coordenação motora fina – punho e dedos, que futuramente ou no presente, serão fundamentais para a aquisição da escrita no desenvolvimento educacional.

De acordo com a exposição de Ferreira (2000), observa-se que a criança engloba o período de descoberta da lateralidade, identificando e tonificando a preferência dos membros corporais para sua vivência,

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como por exemplo, a melhor utilização, seja do lado esquerdo ou direito dos braços, pernas e olhos.

Pensando por ora no esquema corporal, Oliveira (1997) menciona que dentre os estágios descritos por Le Boulch17 no âmbito psicomotor, a criança de seis anos integra a segunda fase titulada como Corpo Percebi-do ou Descoberto. Segundo a autora, esse estágio está em correlação com a organização do esquema corporal.

Na fase do Corpo Percebido, Oliveira (1997) reforça o que Ferreira (2000) mencionou sobre o aperfeiçoamento da motricidade, e vai além, revelando que a criança adquire “uma maior coordenação dentro de um espaço e tempo determinado” (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

Não obstante, Oliveira (1997, p.59) descreve também que neste pe-ríodo a criança tem a percepção de ter o “seu corpo como um ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo”. Outras habilidades desenvolvidas pela criança nesta etapa, conforme a autora, são: “Neste momento assimila conceitos como embaixo, acima, direita, esquerda. Adquire noções temporais como a duração dos inter-valos de tempo, de ordem e sucessão, isto é, o que vem antes, depois, primeiro, último” (OLIVEIRA, 1997, p. 59).

Voltando nosso olhar para as questões cerebrais, Roman e Styer (2001) mencionam que o peso do cérebro da criança é de aproxima-damente 1240g, o que equivale a 10% a menos em relação ao cérebro de um adulto. Com base nesse apontamento é válido descrever que o período entre dois e sete anos:

(…) é fortemente influenciado por mudanças na área neurológica. (...) o amadurecimento neurológico atinge o processo de ramificação dos dentritos e a conexão dos neurônios entre si. (...) Graças ao amadureci-mento ainda de importantes áreas do cérebro até os 5-6 anos a criança poderá regular importantes funções e, dessa forma, apresentar um con-trole cortical e deixando de ser involuntários. Esse é o caso, por exem-plo, da função de atenção, que irá se tornando progressivamente mais consciente, estável e duradouro (FERREIRA, 2000, p. 130).

17 Francês, Le Boulch defende a Psicocinética, a chamada teoria geral do movimento, e propõe meios práticos que, por meio dos movimentos, possibilita aos professores desenvolver uma base fundamental para a educação global da criança.

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Por outro lado, revelando características emocionais, Bee (2003) menciona que esta criança progride no enfrentamento de situações de desequilíbrio sentimental, isto é, controla seus atos, como bater no outro e chorar descontroladamente.

Pensando em fases de desenvolvimento, a criança de seis anos está no período de latência, conforme Bee (2003). Nesta fase, as crian-ças tendem geralmente a interagir com outras do mesmo sexo, isto é, “meninas brincam com meninas, e meninos brincam com meninos” (BEE, 2003,p. 307).

Por outro lado, conforme Bee (2003), a criança oscila em duas fases: período Pré-operacional, em que ela tem em sua essência vestígios sig-nificativos de simbolismo, egocentrismo, por exemplo; e o período das Operações Concretas, em que “está apta a iniciar as operações, aumenta a sua compreensão sobre os fatos da vida e ela já pode aceitar explica-ções dos adultos e, a partir destas, reestruturar suas hipóteses” (BOSSA e OLIVEIRA, 1994, p. 18-19).

Esta criança, segundo Piaget (1990) atravessa a fase dos famosos porquês, se mostra desbravadora, a fim de conhecer melhor o mundo que a cerca e sua importância ou papel no mesmo. Mas, é evidente que a criança, para sua vivência, é dependente dos adultos que a cerca para seu desenvolvimento social, afetivo e humano, conforme Wallon (1975).

Para Bee (2003), embora estejam próximas as faixas etárias de cinco e seis anos, a de seis anos tem maior qualidade no que se refere à res-ponsabilidade e à capacidade de compreensão de ideias complexas. O autor nos revela que nos povos dos Kipsigis do Quênia, essa idade é o estágio em que o ser humano tem “ng´omnotet,” – inteligência.

Reavendo as questões intelectuais, referindo-se a capacidade de com-preensão, Galimard (1983) revela que é apenas a partir dos seis anos de idade que a criança tem a capacidade de relacionar com maior precisão a medição temporal, tendo como ponto de partida a sua vida, em rela-ção a dias, semanas e meses. Por outro lado, pensando em questões no âmbito religioso, a criança de seis anos está na fase de:

(...) uma abertura para o mundo e, ao mesmo tempo, uma crise religiosa: porque é também o período da dúvida sobre as qualidades divinas dos pais. Progressivamente, ou de repente, uma constatação se impõe, que, em termos familiares, poderíamos formular desta maneira: Os pais não são o bom Deus (GALIMARD, 1983, p. 58-59).

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É valido lembrar que o reenquadramento da criança de seis anos no 1° ano do Ensino Fundamental é um indício significativo de que o desenvolvimento cognitivo, mediante o processo de aprendizagem, em especial de alfabetização, está sofrendo uma evolução na sociedade.

Comparando as diversas civilizações, Ferreira (2000) descreve que em todas elas as crianças que possuem, aproximadamente, seis e sete anos de idade percorrem um sistema instrucional. A autora, valorizando este processo, afirma que “Essa é também uma experiência importante porque a escola passa a exercer sobre ela uma influência social, cultural e afetiva necessária ao seu desenvolvimento” (FERREIRA, 2000, p. 107).

Porém, é preciso ter sensibilidade ao interagir com esta criança, pois:

O perigo dessa etapa é o desenvolvimento de inadequação e inferio-ridade. Isso pode acontecer quando a família não preparou a criança para a vida escolar, ou quando a própria escola não consegue assumir seu papel, levando a criança a fracassar frente aos objetivos da escola (FERREIRA, 2000, p. 108).

Ao desconhecer o desenvolvimento educacional da criança, seja ela

em qual for a fase, mas pensando na aptidão para a escolarização, Ca-gliari (2009) nos revela que uma criança de cinco anos já evidencia a capacidade cognitiva para o processo de alfabetização, porém, o autor, em contrapartida, descreve que ter esta maturidade não condiz necessa-riamente com o desejo desta criança se alfabetizar.

A criança ao ingressar na escola, segundo Bossa e Oliveira (1994, p.18), altera seu mundo lúdico, porém neste ambiente educacional o despertar do conhecimento “é uma extensão da curiosidade e da ex-ploração do mundo, que se deu através da brincadeira dos zero aos seis anos”.

De acordo com Aberastury (1992, p. 68) em meio a esta alteração, “as letras e os números convertem-se em brinquedos para as crianças”; assim, o prazer em brincar se reflete no aprendizado.

Reforçando o que já foi dito, Galimard (1983, p. 21) afirma que a criança com seis anos “inicia a aprendizagem da linguagem escrita: ler, escrever, contar”. Em meio a este processo de inserção e vivência esco-lar, o autor revela que “a partir deste momento, metade da sua vida, das suas preocupações e dos seus interesses gravitará em torno da escola” (GALIMARD, 1983, P.21). Desta forma:

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A criança torna-se então capaz de reconhecer num elemento, por exem-plo, numa letra do alfabeto, uma unidade que pode combinar com outras letras em conjuntos variados: a mesma letra pode entrar em diferentes sílabas, em diferentes palavras. Da mesma maneira, em aritmética, a criança é capaz de fazer uma soma, não sob a simples forma perceptiva que lhe fez sentir conjunto, uma constelação mais do que unidades, mas é capaz de conceber que uma unidade pode ser aumentada ou diminu-ída a um conjunto e que, aumentando-a ou retirando-a desse conjunto, o modifica (WALLON, 1975, p. 213).

Neste contexto, segundo Rosa (2003), a criança precisa de um es-paço físico e social que a leve a transpor de forma saudável do mun-do lúdico, da brincadeira para o da escolarização, despertando assim o prazer de estudar. A autora ressalta que o educador neste caso, deverá ter sensibilidade em sua prática de ensino, visando sempre “o desenvol-vimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral do educando” (ROSA, 2003, p. 39), pois:

A capacidade de atenção da criança é pequena. Fixa pouca atenção numa tarefa, não ouve por muito tempo uma explicação, cansa- se, so-nha, distrai- se, apega- se a um detalhe sendo difícil chamar- lhe a aten-ção, perde o contato com a tarefa, faz as coisas apressadamente, fica nervoso, chora. São como aquelas crianças que, num passeio, não con-seguem acompanhar o ritmo da caminhada dos grandes; elas correm, olham um inseto, correm de novo, esperneiam de cansaço e exigem voltar para casa (GALIMARD, 1983, p. 22-23).

Outro aspecto fundamental tanto para os educadores, quanto para a escola, é que:

A criança já não é função unicamente do grupo familiar. Concebe- se no meio dos seus camaradas com unidade que se pode acrescentar a grupos diferentes, que se pode classificar de modo diferente, segundo actividades nas quais toma parte: a corrida, a facilidade na aprendiza-gem da leitura, do cálculo, etc. A criança é capaz de se ver como unidade susceptível de entrar em vários grupos e, juntando- se- lhes, de os mo-dificar (WALLON, 1975, p. 213).

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Pensando na inserção desta criança no ambiente escolar, Aberastury (1992, p. 68) menciona que o lúdico se relaciona com as habilidades cognitivas. Assim, valorizar o mundo lúdico nesta faixa etária é efetiva-mente contribuir para o desenvolvimento desta criança.

Outro ponto fundamental é que a criança de seis anos passa por um processo transitório, segundo Ferreira (2000, p. 139), em que inicia o espírito de cooperação, interagindo com outras crianças, e logo, dá evi-dências do desenvolvimento no convívio social

Já é sabido que a oferta de atividades lúdicas são importante na vida escolar dos alunos. O que se questiona é se elas já não estão presen-tes durante a rotina escolar. Trabalhar de forma lúdica, não é inovar as metodologias e práticas de ensino, é trazer o “quintal” da criança para dentro da sala de aula. O “quintal” que menciono é o ambiente de prazer que temos (geralmente) em nossas casas para brincar, e que devido ao sistema educacional e as grades curriculares não são encon-trados na escola.

Acredito que as teorias, ou pesquisas no ramo da educação sobre propostas efetivas de ensino e aprendizagem, só surtirão efeito se co-nhecermos de fato quem são os indivíduos que participarão deste pro-cesso.

A criança de seis anos tem um grande potencial para aprender, mas é frágil frente às árduas práticas educacionais que não valorizam seu desenvolvimento. Contudo, entre teorias e práticas, fica evidente que o lúdico é fundamental para o processo de ensino e aprendizagem da criança de seis anos. A não oferta do lúdico supõe possíveis implicações negativas na escolarização desta criança. Reafirmo, assim, que: “Só será possível ensinar e aprender prazerosamente quando compreendermos melhor nossas crianças.” (SANTOS, 1998, p. 62).

Referências bibliográficasABERASTURY, Arminda. A criança e seus jogos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2003. 9. ed.BOSSA, Nadia A.; OLIVEIRA, Vera Barros de. (org.). Avaliação psicopedagogica da crian-ça de zero a seis anos. Petrópolis: Vozes, 1994.BRASIL. Lei No. 11.274 (altera a Redaçãoo dos Artigos 29, 30, 32, 87 da Lei 9.394 20/12/1996). Disponível em: < http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 13 jan. 2012.CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 2009.FERREIRA, Berta Weil (org.). Psicologia e Educação. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. 2 v.

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GALIMARD, Pierre. A criança de 6 a 11 anos: desenvolvimento da inteligência, amadurecimento afetivo, descoberta da vida social, atritos familiares. São Paulo: Paulinas, 1983.OLIVEIRA, Gislene de Campos. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psico-pedagogico. Petropoles: Vozes, 1997.PIAGET, Jean. Seis estudos de Psicologia. Lisboa: Dom Quixote, 1990.ROMAN, Eurilda Dias; STEYER, Vivian Edite (org.). A criança de 0 a 6 anos e a educação infantil: um retrato multifacetado. Canoas: ULbra, 2001.ROSA, Adriana (Org.). Lúdico e alfabetização. Curitiba: Juruá, 2003.SANTOS, Carlos Antonio dos. Jogos e atividades lúdicas na alfabetização. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.WALLON, Henri. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975.

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RELATOS DE EXPERIÊNCIA18

1. Sequência didática com o gênero do poemaProfessora: Adriana Regina Furlan dos SantosOrientadora de Estudos: Marisa de Souza Cunha Moreira e Janaína De Souza SilvaTurma: 1° anoEscola: EMEIEF “Profª. Maria Aparecida Degaspare”Município: Limeira

A presente sequência didática é resultado do trabalho desenvol-vido pela professora Adriana, cursista do PNAIC (município de Li-meira-SP), com sua turma do 1º ano, na EMEIEF “Professora Maria Aparecida Degaspare”. Para a elaboração da sequência, foi utilizado como base o livro “Beijo de Bicho”, da escritora Rosângela Lima com imagens de Anielizabeth.

No dia 01 de setembro, propus para a turma o trabalho com o gê-nero poema. Primeiramente, perguntei aos meus alunos o que sabiam sobre o tema:

Prof.ª: O que é poema?Aluna Carolina: É alguma coisa que a gente pensa e escreve.Prof.ª: O que tem que ter para ser um poema?Falei diversas palavras e perguntei se formavam um poema, as crian-

ças responderam que não.Apresentei o livro aos alunos, explorando capa, título, autora, ilustra-

dora e editora. Fomos à sala de informática, onde fiz a leitura e alguns alunos a realizaram também, pois a classe apresenta treze alunos alfabé-ticos. Utilizei 30 minutos nesta atividade.

17 Todos os relatos desta seção foram gerados e coletados no decorrer de curso de extensão (PROEX/UFSCar) a distância fornecido pelo Departamento de Letras da UFSCar no ano de 2015.

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Selecionei e apresentei aos alunos os livros que iriam ser lidos no decorrer da semana: “Beijo de bicho” e “Soltando os bichos” (autores: Rosana Ferrão e Dylan Ralphes; imagens: Humberto Barros); “História da tartaruga” (autor: Ledô Ivo; imagens: Isabel Paiva); “Quer brincar de Pique-Esconde?” (autoras: Isabella e Angiolina); “O tempo” (autor e imagens: Ivo Minkovicius); “O seu lugar” (autor: Patrício Dugnani). A leitura desse último já havia sido realizada na semana anterior para explorar o lugar de cada um no planeta.

Para o Jogo das Rimas a turma foi dividida em duplas, ficando assim distribuídos: Pedro C. – Paulo; Maria J. – Lucas; Rayssa – Wilton; Ana B. – Jhenifer; Alex- Eric; Francine - José P.; Bruno – Carolina; Larissa – Luiz. Os alunos Pedro F., Júlia e Ana L. faltaram e não realizaram essa atividade.

As duplas Alex e Eric, Ana B. e Jhenifer não precisaram de interven-ção, pois realizaram o jogo com autonomia.

Maria J. e Lucas achavam que a rima deveria começar com a mesma sílaba: eles estavam com a palavra BRINCALHÃO; eles procuravam qual palavra começava com bri; ao questioná-los, intervi relembrando que a rima termina com o mesmo som, então acabaram lendo todas as rimas e associando-as.

No caso da dupla Francine e José P. tive que realizar intervenções pontuais:

Prof.ª: Geladinho rima com o quê?Dupla: Peixinho.Prof.ª: Procura então nas fichinhas onde está escrito peixinho.Prof.ª: Brincalhão rima com o quê?Dupla: Termina com ão – leão.

A partir deste momento eles entenderam e realizaram as outras rimas sem intervenção.

Os alunos Rayssa e Wilton colaram na folha a palavra jeitinho e dis-seram que jeitinho rimava com porco-espinho. Solicitei a eles que pro-curassem a ficha contendo a palavra porco- espinho e, assim, realizaram as demais associações sozinhos.

Os estudantes Larissa e Luiz precisaram de intervenção, colaram na folha a palavra pesada e não sabiam com o que rimava, por isso, recorri à história.

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Prof.ª: O elefante deu um beijo da PESADA em quem?Larissa: Na namorada.Prof.ª: Graça rima com o quê?Luiz: Fumaça.A dupla formada por Pedro C. e Paulo precisou de intervenções em

todas as rimas. Tive que recorrer à escrita do livro.No dia 02 de setembro iniciei a aula lendo “Beijo de Bicho”. Em

seguida, solicitei que sentassem em duplas (as mesmas do dia anterior); como a aluna Jhenifer faltou, a Ana B. ficou com a Júlia, Pedro For-ti com a Ana Luíza e as demais duplas ficaram iguais. Orientei que o trabalho seria entre os parceiros e a professora não iria intervir neste momento. Dei a comanda e assim, deveriam, em duplas, escrever alguns personagens da história (lista de animais). O tempo estipulado para a atividade foi de 40 minutos.

Na atividade seguinte entreguei a cruzadinha dos animais, sendo que, mesmo em duplas cada aluno tinha a sua atividade que contemplava os níveis de escrita. Os alunos Carolina e Bruno precisaram de intervenção para escrever a palavra peixe. Com os estudantes Paulo e Pedro Cordei-ro tive que intervir, pois Pedro mesmo com o banco de palavras teve dificuldade em encontrar o que precisava. As demais duplas realizaram essa atividade com autonomia e tranquilidade.

Nossa última atividade do dia foi de Matemática: os alunos apre-sentaram dúvidas de interpretação na resolução de situações-problema, sendo necessária a intervenção de leitura em todas as duplas.

Dupla: Lucas e MariaProf.ª: (na situação-problema) Quantos têm?Dupla: 9Prof.ª: Quantos fugiram?Dupla: 2Prof.ª: O que preciso fazer para descobrir quantos gatos ficaram?Dupla: Vamos fazer a conta porque é mais rápido que o desenho.

Carolina e Bruno pediram se podiam contar no palito, e eu disse que sim.Dupla: Paulo e Pedro C.Prof.ª: Quantos animais havia na história?Paulo: 16Prof.ª: Qual número vem antes?

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Paulo: 15Prof.ª: Qual número vem depois?Paulo: Não sei.Prof.ª: Como resolver isso?Paulo: Posso contar?Prof.ª: Pode.Paulo: 14, 15, 16, 17. É o 17.

No dia 03 de setembro, dividi a classe em duplas. Coloquei o cartaz na lousa em branco e perguntei como deveria começar a escrever o po-ema; os alunos responderam que primeiramente poderíamos colocar o nome do poema e quem o escreveu. Nesse momento retomei a conver-sa sobre o que tem no poema, relendo o cartaz e eles me disseram que o título e autor todos os livros têm, e pensaram não ser necessário falar, pois todo mundo sabe disto.

Escrevi no cartaz o título e a autora, e pedi para a classe realizar a leitura. Deste modo, a cada estrofe escrita eu convidava um aluno para ler e apontar a rima de cada verso, e a cada estrofe escrita contávamos quantas estrofes já havíamos escrito. Cada aluno possuía uma folha com o texto impresso.

Exemplo de estrofe: “O cachorro tem um beijo lambuzado, É beijo pra tudo quanto é lado.”Ao ler essa estrofe conversamos que lambuzado começa com la e

termina com do, igual a lado.Essa atividade de análise do texto, das rimas, das expressões utili-

zadas pelo autor, bem como a leitura, analisando as marcas do gênero, foram realizadas em 2 (duas) horas. Posteriormente, foi destinada meia hora para cada atividade na área de Ciências.

Primeira atividade: deveriam pintar os animais domésticos e circular os selvagens. As duplas realizaram tal atividade com autonomia.

Segunda atividade - área de História: deveriam desenhar o habitat natural de cada animal. A realizaram sem necessidade de intervenção da professora.

O trabalho realizado nesse dia foi proveitoso e rico em aprendizado para todos.

No dia 4 de setembro, iniciei a aula compartilhando com os alunos nossas atividades para este dia. Primeiro entreguei a atividade de Ciên-

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cias/ Língua Portuguesa, em que os alunos com o banco de palavras de-veriam escrever o feminino. Tempo destinado à atividade: 20 minutos. Avaliação: ocorreu tranquilamente sem necessidade de intervenções.

Na segunda atividade as crianças deveriam em duplas ler a dica e co-lar o animal correspondente, escrevendo seu respectivo nome. Tempo: 30 minutos. Realizaram com autonomia sem intervenções.

A terceira atividade foi a sondagem, e neste momento deveriam pin-tar os animais, porém eles escreveram os nomes dos animais e vieram falar que sobraram três linhas, então iriam escrever mais 3 nomes de animais que apareceram no poema.

Nossa quarta atividade: “Mundo Animal”, no qual foi entregue uma folha para cada aluno e os mesmos deveriam colocar os nomes nos per-sonagens; três alunos receberam as fichas para ler e colar no respectivo lugar, pois estes alunos requerem este recurso, em que a leitura se faz necessária para o avanço na aprendizagem.

Os alunos Wilton e Luíz identificaram sozinhos a escrita e associaram em seus respectivos retângulos. O aluno Pedro Cordeiro necessitou de in-tervenção. Os alunos já alfabéticos encontraram dificuldade em escrever flor.

Nossa última proposta para o dia foi a criação de novas rimas. Solicitei às duplas para falarem novas estrofes, para escrevermos o poema do 1º ano B , e como escriba fui anotando todas as ideias das duplas.

No dia 5 de setembro, iniciei a aula conversando com a turma e expli-quei que iríamos criar o novo poema. Coloquei as cartolinas na lousa e per-guntei como deveríamos começá-lo, então o aluno Alex disse: “temos que criar um título para o nosso poema”. Nesse momento eles começaram a falar: “O beijo dos animais”; “Animais e seus beijos”; “O beijo lá na mata”; “Os animais da floresta”. Posteriormente, coloquei à classe que deveríamos escolher um título; os alunos decidiram por “O beijo dos animais”.

Fui lendo as estrofes criadas por eles no dia anterior e eles foram es-colhendo quais fariam parte do poema, já que a classe estava dividida em dez duplas o poema deveria ter dez estrofes; conforme iam escolhendo eu registrava no cartaz.

Alguns alunos falaram que o beijo da rima tartaruga com pulga não era legal e que também ficaria melhor escrever unhada do que unha; na dos dentões e valentões acharam estranha essa rima, borboleta com prefeita não rima muito, e que doces como pirulito e partes do corpo não tinham no poema estudado durante a semana.

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Quando fui escrevendo eles foram falando o que ficava bom e o que não ficava. Ao final, o poema ficou assim:

O beijo dos animaisDisfarçado é o camaleão,Quando beija o leão.O macaco é engraçadoSeu beijo é amassado.Beijo de sapo é muito frio,Veja só: Pula lá no rio!O gato tem um beijo arranhado,É unhada pra todo lado.Esse peixinho colorido,Tem seu beijo bem florido!

O beijo deste leãoÉ bem brincalhãoOlhe que graçaO beijo destas garças!!!A joaninha bonitinhaDeu um beijo na gatinha.A cobra dorminhocaDeu um beijo na minhocaE, por fim a lagartixa exibida,Deu um beijo na querida!

No texto questionei se iríamos pôr os sons dos beijos dos animais (onomatopeias) e eles disseram que gostariam sem os sons.

Depois do cartaz pronto, entreguei a cada dupla as fichas contendo estrofes para que eles completassem a rima, e desenvolveram a ativi-dade com autonomia, porém as duplas para as quais dei enfoque nesta sequência foram a dos alunos Paulo e Pedro C, Francine e José Paulo, pois para eles foi preciso ler as estrofes e fazer intervenções na escrita das rimas, objetivando a escrita correta das palavras.

Propus também uma atividade de classificação dos animais em colunas segundo a locomoção de cada um. Os alunos a realizaram tranquilamente, pois os que apresentavam dificuldades na escrita se basearam nas palavras escritas na própria atividade, utilizando-se de

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estratégias pessoais tais como: riscar, circular e colorir as que já tinham sido usadas.

Essa atividade com a pesquisa dos animais domésticos foi realizada na semana anterior e os dados coletados foram distribuídos na tabela e representados em gráfico de barras. Por fim, realizamos a última atividade em que estudamos os espaços e ambientes, suas diferenças e semelhanças. Os alunos representaram em forma de desenho.

ConclusãoFoi um trabalho de muito ensino e aprendizagem; notei que os alu-

nos tiveram autonomia para resolver as escritas e as atividades volta-das para as áreas do conhecimento em Língua Portuguesa, Ciências, Geografia, História. As duas duplas que necessitaram de intervenções pontuais em todas as atividades desenvolvidas foram: Paulo e Pedro C., Francine e José P.

Concluí que na área de Matemática, mesmo aplicando jogos, os alu-nos demonstraram saber os resultados a partir do cálculo mental. Por outro lado, apresentaram dificuldades nas situações-problema, no re-gistro convencional, sendo necessária a sistematização de estratégias de registro nesta área.

2. Jogos na alfabetização matemática Professora: Nelita Aparecida Lorenzato da SilvaOrientadora de Estudos: Daniela de Arruda FernandesTurma: 3° ano AEscola: EMEF “ Prof. Altino Jacintho Tovo”Município: Dumont

Meu nome é Nelita, sou professora alfabetizadora, participo do PNAIC há dois anos e tenho experiência no magistério há doze. Em todas as capacitações que fiz e com a vivência em sala de aula aprendi que os jogos são muito colaborativos, pois brincando as crianças se expressam e imaginam, o que contribui muito para a aprendizagem. Desenvolvi com meus alunos o cantinho de matemática, possibilitando a compreensão e produção de significados e proporcionando a troca de estratégias.

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Relato aqui uma experiência com meus alunos do 3º ano sobre o tra-balho que desenvolvo com jogos na alfabetização matemática. O jogo escolhido foi “Qual a representação do número?”, do caderno nº 3 do Pacto, página 71, com o objetivo de representar o agrupamento decimal e compreender o valor posicional. Ao aplicar o jogo, percebi que este ajudou os alunos na construção do número de base dez e seu significa-do posicional; neste jogo optei por utilizar o material dourado.

A minha sala é organizada todos os dias em duplas facilitando as atividades lúdicas. Comecei explicando as regras do jogo e eles ficaram empolgados para iniciar. Nas primeiras jogadas precisei intervir para que todos os alunos percebessem como jogar, mas logo entenderam e jogaram sozinhos.

Auxiliei os alunos andando entre os grupos, observando e pedindo para lembrarem das regras. Ao final da atividade eles conseguiram en-tender bem, construindo a noção de agrupamento decimal, compreen-dendo o valor do número. Esse jogo é muito interessante, pois quando os alunos representam em seu tapetinho o número com o material dou-rado eles conseguem entender com clareza o significado e seus valores.

Durante o exercício uma das alunas queria construir atividades mais elaboradas, com números maiores. É a partir dessas possibilidades que os alunos se desenvolvem e conseguem avanços significativos na apren-dizagem de matemática.

Trabalho na minha sala com outros jogos quase todos os dias. Eles pedem para brincar, pois passaram a adorar o cantinho. Um jogo muito legal, com o qual eles se identificaram foi o da memória, que confec-cionei com papel EVA, ele envolve conhecimentos de adição, subtra-ção, multiplicação, dobro, triplo, quádruplo, antecessor e sucessor. No referido jogo, o objetivo é conseguir retirar o maior número de pares (operação e resultado), e memorizar a posição e o conteúdo de cada um, pode-se encontrar facilmente os pares correspondentes, o que aumenta o número de pontos. Outro jogo que teve bons resultados foi o da ta-buada com tampinhas, que ajudou os alunos a entenderem claramente o significado da multiplicação.

Ao trazer os jogos para dentro da sala de aula, pude perceber quais os alunos que estão em uma fase de compreensão mais avançada em re-lação a matemática, e ao mesmo tempo estimular o aprendizado através de brincadeiras, tornando a matéria mais interessante na perspectiva do aluno.

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3. Alfabetização matemática nos anos iniciais: um desafio que exige formação continuada

Janaína De Souza Silva - Orientadora de estudo do PNAIC, em Limeira-SP,

mestranda do PPGE - UNESPMarisa De Souza Cunha Moreira - Orientadora de estudo do PNAIC, em Limeira-

SP, mestranda do PPGE - UFSCarElisângela Aparecida Francischetti - Orientadora de estudo do PNAIC, em Limeira-

SP, mestranda do PPGE - UFSCar

Resumo: O presente texto tem como objetivo relatar um trabalho de formação continuada, fruto de nossa vivência enquanto orientadoras de estudo, o qual foi concretizado por meio de oficinas temáticas desen-volvidas no âmbito do II Encontro de Educação Matemática nos Anos Iniciais, realizado no 2º semestre do ano vigente na Universidade Fede-ral de São Carlos. Partindo de nossas experiências com formação con-tinuada de professores no município de Limeira, ano a ano nos depara-mos com as dificuldades dos docentes em articular a integralização da matemática às outras áreas do conhecimento. Nesse sentido, o trabalho norteou-se pelos cadernos de orientação do PNAIC em Alfabetização Matemática e por outras literaturas da mesma temática, com o intuito de provocar reflexões sobre as práticas desenvolvidas em sala de aula para o ensino da matemática. Com efeito, as condições didáticas garan-tidas no desenvolvimento das oficinas possibilitaram mobilizar diversos saberes e reconhecer a importância do trabalho interdisciplinar em sala de aula. As manifestações dos professores por meio de avaliações escri-tas afirmam o quanto foram proveitosos os conteúdos desenvolvidos e reforçam a necessidade constante de um trabalho para a formação continuada voltada ao ensino da matemática em sala de aula, desde a Educação Infantil.

Palavras-chave: alfabetização matemática; formação continuada; oficinas.

Nas últimas décadas, no Brasil e em outros países, a formação con-

tinuada de professores tem ganhado força por meio de estudos e pes-quisas realizadas nesse campo. A busca por uma educação de qualidade, o aprimoramento das práticas educativas realizadas em sala de aula, e

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a garantia de melhores resultados de nossos estudantes ressaltam os esforços empreendidos para essa temática.

Nesse contexto, as políticas públicas voltadas para a educação são convertidas em programas, que tem como objetivo melhorar os índices de alfabetização e combater o analfabetismo no país. Um desses pro-gramas é o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC.

Esse programa tem como compromisso alfabetizar todas as crianças até os 8 anos de idade, ou seja, no final do primeiro ciclo de alfabeti-zação. No ano de 2013, o trabalho desenvolvido contemplou a Língua Portuguesa e, em 2014, a Alfabetização Matemática.

Diante desse cenário, este texto tem como objetivo versar as implica-ções da formação continuada para o trabalho na educação escolar, à luz dos cadernos de orientação do PNAIC em Alfabetização Matemática, uma vez que o programa se constitui como instância de formação.

Assim, há que se aclarar qual o enfoque dado pelo PNAIC nos ca-dernos de orientação para à Alfabetização Matemática.

Segundo o Caderno de Apresentação (2014, p. 31)

A alfabetização Matemática que se propõe, por se preocupar com as diversificadas práticas de leitura e escrita que envolvem as crianças e com as quais as crianças se envolvem – no contexto escolar e fora dele -, refere-se ao trabalho pedagógico que contempla as relações com o espaço e as formas, processos de mediação, registro e uso de medidas, bem como as estratégias de produção, reunião, organização, registro, di-vulgação, leitura e análise de informações, mobilizando procedimentos de identificação e isolamento de atributos, comparação, classificação e ordenação.

Nesse sentido, a referência que o material faz à Alfabetização Mate-

mática, implica reconhecê-la não mais como uma ciência isolada, mas como uma disciplina que deve ser integrada às outras áreas do conhe-cimento, conforme o próprio caderno de apresentação destaca (2014, p. 19):

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[...] aprender Matemática em um ambiente colaborativo é importante para a leitura e escrita. Ler e escrever são ações não somente restritas ao campo da linguagem e da alfabetização em língua. Compreender um texto em língua materna e que apresenta escritas próprias da Ma-temática e representações de conceitos e ideias matemáticas exige um conhecimento pelo aluno para além da decodificação da lín gua para um conhecimento de uma linguagem específica matemática

A dimensão desse trabalho para o ensino da matemática dentro dessa perspectiva exige da parte do professor o domínio de uma vasta gama de conhecimentos e saberes. O PNAIC possibilita, enquanto instância de formação, a mobilização desses conhecimentos, que devem ser ga-rantidos de modo que o docente possa superar as práticas simplistas, isoladas e fragmentadas do ensino de matemática em sala de aula.

Desse modo, o aprimoramento na formação docente pode implicar na atuação do professor e, consequentemente, potencializar o processo educativo desenvolvido nos âmbitos escolares.

Com efeito, uma das ações organizadas para a concretização do PNAIC constitui-se por meio de parceria realizada entre o Governo Federal e as Universidades Públicas, e apresenta-se como um dos prin-cipais eixos que contribui para a eficácia do desenvolvimento da forma-ção continuada e consequentemente, do trabalho educativo.

O papel da universidade nesse processo é promover o acesso aos conhecimentos necessários para a formação docente e contribuir com melhorias para a educação nacional, conforme destaca o caderno de apresentação do PNAIC (2013, p.06):

Instituições de Ensino Superior e de Educação Básica, neste momento histórico, assumem o compromisso de unirem suas reflexões para pen-sar nas estratégias para melhoria da Educação Brasileira, tendo como norte que a instituição escolar é um espaço plural, e nesse sentido, a diversidade tem que ser considerada como parte de sua essência e não como algo que justifique a exclusão do aluno.

Assim, o exposto aponta dois aspectos que devem ser considerados

como indicativos para o compromisso básico das universidades públi-cas em relação à parceria estabelecida com o Governo Federal, os quais se destacam como mola propulsora para a elaboração e o desenvol-vimento da oficina. O primeiro refere-se aos processos de formação

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continuada, de modo que, o pensar em estratégias para melhoria da educação básica empreende pensar nos conteúdos necessários para al-fabetização matemática, como objetos de ensino. O segundo refere-se ao trabalho desenvolvido nas escolas em relação às ações constituídas como processo educativo e suas especificidades.

Sabemos que a matemática é uma das mais antigas ciências exploradas nos espaços de instituições escolares; portanto, traz arraigada culturas e mo-dos de aprender cristalizados no decorrer dos tempos.

Nesse sentido, o trabalho desenvolvido para o ensino da matemática em sala de aula parte muitas vezes de uma ação fragmentada e isolada, de tal forma que, em muitos casos, essa disciplina é excluída de outras áreas do conhecimento.

Em geral, as experiências pessoais negativas dos professores em rela-ção ao ensino e a aprendizagem da matemática refletem diretamente nos modos como esse profissional desenvolve seu trabalho em sala de aula. Vários docentes, devido a alguns dos fatores mencionados, ficam condicio-nados a ensinar às crianças exatamente do modo como aprenderam, isto é, tornam-se reféns de um processo falido e mecanizado. A escassez de um repertório de saberes que possa possibilitar o avanço na aprendizagem dos alunos contribui negativamente para as práticas de ensino da matemática em sala de aula.

Destarte, os resultados apresentados pelas avaliações externas denotam a deficiência que os alunos encontram para desenvolver o raciocínio lógico, para ler e compreender os enunciados dos problemas, e para elaborar e organizar algoritmos. De fato, esses resultados expõem as dificuldades do professor para abordar os conteúdos necessários como objeto de ensino e aprendizagem.

Desse modo, o investimento na formação continuada contribui positi-vamente com as relações entre ensino e aprendizagem, uma vez que a for-mação continuada é considerada por uma parcela significativa de docentes e pesquisadores, como fundamental, sendo compreendida como: um dos espaços de reflexões contínuas, um lócus privilegiado que exige pensar em múltiplas ações oriundas das demandas apresentadas pelo processo educa-tivo, além de um momento de desenvolvimento profissional19 do professor.

19 Desenvolvimento profissional segundo Nóvoa (2008), Imbernón (2009) e Marcelo (2009) substituindo os termos de formação inicial e formação continuada. In (André, 2010, p. 175).

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A experiência de formação docente com professores alfabetizadores tem sido muito rica, pois partimos do pressuposto de que em um processo formativo, intencional e planejado há um intercâmbio de conhecimentos, possibilitando aprendizagem aos professores cursistas e aos orientadores de estudo, por meio do diálogo, da exposição, do compartilhamento e de trocas de experiência.

O processo formativo que estamos participando na UFSCar, pelo PNAIC, tem a cada encontro demonstrado a importância do coletivo, da apropriação e retomada de conceitos referentes à alfabetização ma-temática, subsidiando-nos para que, em união com nossa coordena-dora local e com as demais orientadoras de estudo, busquemos a cada dia a ampliação dos conhecimentos, de modo a possibilitarmos aos professores alfabetizadores de nosso município uma reflexão sobre o nosso papel enquanto docentes e da necessidade de estudarmos, ou seja, da formação contínua, do aprimoramento profissional visando um ensino de qualidade que efetivamente proporcione a aprendiza-gem aos nossos estudantes.

A importância da formação continuada se tornou ainda mais clara para nós, com a oportunidade que tivemos de ministrar três oficinas no II Encontro de Alfabetização Matemática, na UFSCar. Nos dias oito e nove de agosto de 2014, ofertamos oficinas que objetivaram o trabalho com a alfabetização matemática, por meio do material Cuisenaire, de jogos e brincadeiras como recursos para o ensino da matemática e a produção textual aliada à matemática. A presença expressiva de profes-sores alfabetizadores, de orientadores de estudo e de alguns graduandos demonstrou a demanda, a necessidade e o interesse de educadores com-prometidos com a educação, preocupados com a alfabetização matemá-tica de seus estudantes e ao mesmo tempo, buscando o aprofundamen-to nessa área do conhecimento e apresentando uma agenda pontual que prima por uma transformação no processo de ensino-aprendizagem.

De modo sintético, nossa avaliação é: enquanto orientadoras, perce-bemos muitos professores ávidos por compreender a matemática para melhor ensiná-la, outros no anseio de aprofundar seus conhecimentos e vários em busca de estratégias, recursos diferenciados e outras possibili-dades para o ensino da matemática com significado e conteúdo.

Tivemos a preocupação de ouvir os docentes que participaram de nossas oficinas e de solicitar a eles também uma avaliação por escrito. Uma das avaliações enfatizou a conciliação da teoria com a prática e o

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domínio do conteúdo: “Domínio por parte das ministrantes, jogos interessantes, a importância com o trabalho das funções psíquicas superiores, entre outras” ....

As avaliações consideraram positivamente os conteúdos abordados e a forma como foram conduzidas as oficinas. Mais da metade dos pro-fessores solicitou que sejam organizados mais encontros dessa natureza e que as temáticas que abordamos tenham sequência. Isso ratifica a ne-cessidade da formação continuada na área da alfabetização matemática e o papel da universidade como instância de formação.

Portanto, entendemos e defendemos a ampliação dos espaços de formação continuada e das ofertas de encontros, simpósios e congres-sos que permitam estudos e trocas de experiência e, na condição de orientadoras de estudo, temos consenso de que se queremos melhorar a educação brasileira, é necessária uma ação clara, objetiva, que envolva e se prontifique a mudar. O PNAIC é um programa no qual enxergamos esses itens tão urgentes e necessários.

Referências BibliográficasBRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela alfabetização na idade certa: Caderno de apresentação. Ministério da Educação. Brasília: MEC. SEB. 2012.BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. Pacto Nacional pela alfabetização na idade certa: Caderno de apresentação. Ministério da Educação. Brasília: MEC. SEB. 2014.

4. Registro reflexivo relatando experiências: A diversidade textual em sala de aula- projeto “Chapeuzinho Vermelho”Professora: Hellen Krys RodriguesOrientadora de estudos: Maria Celeste Lascalla FerreiraTurma: 3° anoEscola: E.M.E.F Profª Elza Leite da CostaMunicípio: Brodowski

Foi desenvolvido entre os meses de julho e agosto com os alunos do

3° ano A, da escola E.M.E.F “Profª Elza Leite da Costa”, localizada no interior do município de Brodowski- SP, o projeto Chapeuzinho Ver-melho, cujo objetivo foi contribuir para que os alunos se construíssem como sujeitos e compreendessem um pouco do mundo em que vivem.

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Além disso, o projeto pretendeu proporcionar o aprendizado e envol-vimento com a leitura, estabelecendo relações de sentido e construções de significados a partir do texto, considerando o conhecimento do gê-nero textual e diferenciando-os..

Neste projeto vivenciamos a sequência didática sobre os gêneros: contos clássicos, textos instrucionais, entre outros. A sequência se or-ganizou em 11 momentos contemplando atividades que envolveram os eixos de leitura e escrita.

O primeiro momento consistiu na apresentação do conto, levanta-mento de hipóteses da obra, listagem dos personagens participantes e desenhos. Em seguida, realizaram a socialização. No segundo momento foram entregues algumas folhinhas com o conto para a leitura em du-plas. Na sequência realizamos uma roda de conversa sobre esse gênero (suporte, finalidades, recurso gráfico).

Posteriormente, no terceiro momento, organizados novamente em duplas, os alunos tiveram que ordenar as palavras (nomes das persona-gens), e em seguida descrever as características das mesmas, e também recontaram oralmente o conto e enumeraram a sequência dos fatos da história. Já no quarto momento, realizamos atividades de compreen-são textual em duplas, e no quinto momento abordamos outro gênero textual; texto informativo sobre o lobo- guará. Após a apresentação e leitura, os alunos fizeram uma ficha técnica do animal.

No sexto e sétimo momentos foram produzidos textos, e logo após, no oitavo momento, foram apresentadas outras versões da história da “Chapeuzinho Vermelho”dos Irmãos Grimm, por exemplo, “Chapeu-zinho Amarelo” de Chico Buarque, “Chapeuzinhos Coloridos” de José Roberto Torero.

No nono momento trabalhamos a lista de doces que Chapeuzinho levava na cesta para a vovó e também a reescrita do final da história, feita de forma coletiva, tendo o professor como escriba. Já no décimo momento trabalhamos o texto instrucional “receita de bolo”. Aprovei-tamos para trabalhar a interdisciplinaridade da temática com a alfabe-tização matemática, pois fizemos uma votação para a escolha do sabor predileto da turma. Para isso montamos um gráfico de barras e traba-lhamos o conceito de dobro. Por fim, no décimo primeiro momento organizamos todos os trabalhos desenvolvidos pela turma, para a socia-lização e exposição dos mesmos na escola.

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Parecer FinalA realização do projeto foi de suma importância, não só para os alu-

nos que tiveram a oportunidade de exercitar sua imaginação e colocar em prática a leitura e a produção de textos, como também para mim, pois diante do desempenho dos alunos nessas atividades pude planejar outras que possibilitarão o desenvolvimento das habilidades de leitura tão essenciais à vida daqueles que serão efetivos leitores do mundo.

Diante disso, acredito que o projeto sobre a diversidade textual foi um sucesso e que a produção textual, pode sim, se tornar prazerosa quando feita com um propósito real e não apenas como um exercício de sala de aula.

5. Projeto gibi: “Quanto mais amigos eu tenho, mais feliz eu sou!” Orientadora de Estudos: Flávia Rosana Boni RibeiroTurma: 2º anoEscola: E.M. Vereador João MarquesMunicípio: Itaquaquecetuba/SP.

“A minha contribuição foi encontrar uma explicação segundo a qual, por trás da mão que pega o lápis, dos olhos que olham, dos ouvidos que escutam, há

uma criança que pensa”. (Emília Ferreiro)

Introdução

A aprendizagem da linguagem oral e escrita é um dos elementos importantes para as crianças ampliarem suas possibilidades de inser-ção e de participação nas diversas práticas sociais. Quando se pensou na elaboração de um projeto de leitura e escrita, a primeira indagação foi sobre o tipo de texto que seria trabalhado, já que deveria favorecer o estudo e a compreensão de um público-alvo determinado (alunos do 2º ano do Ensino Fundamental). Portanto, surgiu a ideia de enfo-car a História em Quadrinhos como recurso norteador do despertar da leitura e da escrita.

A Turma da Mônica é pretexto para desenvolver a leitura, escrita e habilidades comunicativas, visto que envolvem os alunos em um for-

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mato literário que eles conhecem. As histórias em quadrinhos “falam” com essas crianças de uma forma que elas entendem, motivando-as ao aprendizado da leitura e da escrita.

Objetivos- Permitir o estabelecimento de relações entre os conteúdos propostos e o que os alunos já sabem, podendo assim avançar além do que eles já conhecem; e o melhor, de forma prazerosa;- Favorecer o domínio da linguagem em uso, oportunizando a conversa informal que trate do cotidiano dos alunos, das suas experiências em família e na própria comunidade;- Despertar a sensibilidade do aluno pelo gosto da leitura de histórias em quadrinhos, trazendo para a realidade o que há de particular nessas histórias; - Levar o aluno a conhecer outro tipo de discurso, a história em qua-drinhos, ajudando-o também a distinguir a fala das personagens da fala do narrador; - Reconhecer o uso da linguagem formal e da linguagem regional;- Construir uma história em quadrinhos, a partir dos parâmetros adqui-ridos nos estudos anteriores.

Metodologia- Conversa com todo o grupo sobre o que é uma história em quadri-nhos, questionamentos sobre quem conhecem, se já viu ou já leu algu-ma história em quadrinhos e as que gostam mais; - Disponibilizar gibis da Turma da Mônica para as crianças folhearem e lerem; - Roda de leitura;- Apresentação de DVD’s dos desenhos animados da Turma da Mô-nica;- Biografia do Maurício de Sousa e da criação das personagens dos gibis;- Atividades de interpretação de texto;- Regionalismo;- Troca de ideias;- Passatempos.

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Relatório de Desenvolvimento e Conclusão Iniciamos com o Cantinho da Leitura, horário reservado diariamente

para as crianças se dedicarem à leitura de gibis em rodinhas, formadas na sala de aula. As crianças receberam informações sobre a vida e a obra de Maurício de Sousa. Logo após, foi aberto um espaço para discussão, le-vando os alunos a pensarem sobre a possibilidade de qualquer criança de-senvolver-se profissionalmente, e ser bem sucedida na vida, por meio da determinação, da confiança em si mesma e do trabalho sério.

A fim de conhecerem melhor os personagens e o trabalho do autor, assistiram a uma sequência de curtas-metragens dos desenhos animados Turma da Mônica. Posteriormente, foi formado um círculo para discussão, e pudemos analisar as características físicas e psicológicas de cada persona-gem (Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali), baseados no filme e nas várias histórias lidas.

Fizemos interpretações de texto com as histórias em quadrinhos e com as tirinhas da Mônica. Outra atividade desenvolvida foi a análise da fala do personagem Chico Bento. As questões propostas foram: Por que ele fala assim? Por que a fala dele é diferente? Quem fala assim? Como se fala em nosso meio? Vimos também exemplos da fala dos cariocas, gaúchos, cea-renses, baianos etc., e concluímos a existência da grande variação linguística.

Vimos também os quadrinhos do Cebolinha e conversamos a respeito da linguagem utilizada pelo personagem que troca o “r” pelo “l”, após a leitura de algumas tirinhas, fizemos oralmente a correção de algumas pala-vras. As crianças desenvolveram a atividade de reescrever as falas dos per-sonagens Chico Bento e Cebolinha, contidas nos balões das histórias em quadrinhos, levando-as para o mais próximo possível da linguagem formal.

Além das atividades de leitura e interpretação de texto, selecionei alguns passatempos para que as crianças aprendessem se divertindo também. Por fim, a última atividade desenvolvida foi a produção de uma história em quadrinhos.

Como se pode ver, um único material, no caso o gibi, pode ser explorado numa sala de aula de forma significativa e dinâmica: por meio dos gibis as crianças leem, escrevem, criam, pesquisam, dramatizam. Sem ao menos se darem conta, do ponto de vista pedagógico, de tudo o que estão fazendo, uma vez que, para elas, o que importa é o momento, a significação daquilo que fazem e o prazer com que fazem, vendo resultados, respostas para suas ações.

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No início do projeto, não havia um tema específico, era apenas “Projeto Gibi”. Ao final, questionados sobre o que mais gostaram, sur-preendi-me com a resposta de alguns alunos, que disseram que além de aprenderem bastante com os gibis, também gostaram de trocar ideias com os amigos, pois em vários momentos indicaram a leitura de deter-minado gibi para o amigo e depois conversaram sobre a história lida. Então, perguntei que nome poderíamos dar ao nosso projeto, e surgiu o tema: “Quanto mais amigos eu tenho, mais feliz eu sou!”

Avaliação A avaliação ocorreu diariamente, por meio da observação da partici-

pação e interesse dos alunos na realização das atividades propostas, bem como da socialização dos alunos entre si.

6. Outros Relatos de Experiência

Orientadora de Estudos: Ana Paula de Lima LeãoMunicípio: Diadema

O PNAIC teve início em minha cidade no ano de 2013 e vem con-

tribuindo sensivelmente para o processo de educação em língua mater-na e Matemática. Por meio dele, os professores têm tido a oportunidade de refletir e aprimorar suas práticas pedagógicas de forma organizada e problematizadora, discutindo, aprendendo e buscando novas formas de ensinar e de resolver questões relacionadas ao letramento dos alunos.

A rede ganhou muito com a possibilidade de debate e de reflexão, pois foi a partir daí que analisamos o que estamos fazendo e aquilo que é ou não relevante na alfabetização das crianças. Assim como todo o material de apoio, o uso de jogos que são propostos no curso engendra essa teia que garante maior êxito no processo com sistematização e lu-dicidade, garantindo que o aluno tenha acesso a um ensino que prevê suas necessidades.

A cidade tem se mobilizado para garantir que essas práticas cheguem aos educandos e que esse ensino seja cada vez mais planejado e cuida-do. Os resultados vão aparecendo aos poucos, pois esse é um trabalho contínuo, que não pretendemos parar. De qualquer forma, já é possível observar a diferença na postura dos professores que falam dessas ques-

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tões com mais propriedade, apontando soluções antes não pensadas para problemas simples da sala de aula. Há também a própria multipli-cação desse conhecimento com outros professores que não tiveram a possibilidade de fazer o curso. Nesse caso, são compartilhados saberes em momentos de HTPC e planejamento de aulas.

Orientadora de Estudos: Flávia de Cássia Cicone RossinMunicípio: Araraquara

Temos investido na intervenção pedagógica no município de Ara-

raquara. Sendo assim, a maioria dos professores do primeiro ciclo da rede, inclusive os coordenadores das unidades escolares, participaram das formações do PNAIC em 2013 e 2014.

Para podermos acompanhar o desenvolvimento do trabalho peda-gógico nas escolas, a equipe de professoras formadoras (Orientadoras de estudo do PNAIC) elaborou uma Avaliação diagnóstica de Língua Portuguesa e Matemática que deve ser aplicada no início do primeiro semestre e no final do segundo semestre de cada ano letivo, observando os direitos de aprendizagem.

Já no primeiro semestre deste ano realizamos a aplicação e o acom-panhamento dessa avaliação. Analisamos os dados (gráficos de desem-penho), pontuamos a respeito das necessidades de intervenções junto às equipes pedagógicas das escolas e visitamos as unidades escolares para monitorar e ter conversas pontuais com os professores do 1º ciclo. As estratégias citadas estão vinculadas ao desenvolvimento de várias ações pontuadas nos estudos do material do PNAIC, e nosso esforço está em sistematizar e não deixar que as orientações dadas se percam.

Como estratégia, foram realizadas intervenções no espaço físico, como o cantinho da leitura. Em algumas escolas foi possível implantar a brinquedoteca/sala de jogos e a mediação pedagógica para utilização desse material, foco das formações do PNAIC.

Podemos observar a querência dos professores em realizar uma prá-tica diária baseada na interdisciplinaridade, principalmente no que se refere aos componentes de língua portuguesa e matemática, na pers-pectiva do letramento. Também é possível observar uma prática mais centrada na resolução de problemas, em que os professores vêm pon-tuando a necessidade de materiais concretos (tampinhas, palitos), a so-

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cialização das formas de pensar a resolver problemas pelos alunos... Enfim, avanços concretos na prática pedagógica.

Temos muito a aprender e o PNAIC, como temos visto, tem muito a contribuir. Minhas expectativas em relação ao ano de 2015 são as melhores: tenho visto a contribuição para as estratégias didáticas e os encontros de formação têm acrescentado em minhas experiências. O meu anseio é que sejam contínuas as oportunidades de reflexão, apri-morando meu conhecimento, fazendo com que eu me torne um par ex-periente para as colegas do meu município e que tudo isso seja refletido em nossas práticas pedagógicas.

Orientadora de Estudos: Valéria Freitas MunhozMunicípio: Franca

Sabemos que o professor, especialmente das séries iniciais, se forma a partir de um processo dinâmico de interações e experiên-cias, no qual os saberes são construídos de modo a dinamizar a sua prática pedagógica. Ser professor implica o domínio de uma sé-rie de saberes; assim, as formações são sempre muito bem-vindas. Em 2013, o PNAIC trouxe reflexões em Língua Portuguesa e, em 2014, tivemos a formação em Matemática. Desde então, temos nos dedicado a novas experiências e propostas. Destaco aqui a formação recente em Matemática, que foi um marco em nosso município junto aos profes-sores do ciclo de alfabetização. A aceitação foi tão contagiante que os professores de Educação Infantil e de outros segmentos se interessaram e viveram as experiências nas escolas juntamente com os professores cursistas, que não se intimidaram em compartilhar os conhecimentos adquiridos. Acredito que houve uma mudança de postura, uma quebra de paradigmas e de concepções frente ao ensino da Matemática.

Durante toda a formação percebemos o entusiasmo, evidenciado pe-las devolutivas. Depoimentos de atividades que deram certo, jogos que surpreenderam, aulas mais motivadoras, alunos interessados e ávidos por novas descobertas, envolvimento de todos nas escolas, tudo isso foi muito positivo e nos impulsionou a investir cada vez mais em nossos encontros. Tivemos em nosso seminário apresentações de práticas, e tudo isso ficou evidente, o que nos deu uma satisfação muito grande e uma vontade enorme de compartilhar com toda a rede. Quem sabe

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consigamos atingir a todos! Estamos muito ansiosos para as formações de 2015, para ampliar ainda mais nossa rede de conhecimentos e ver brilhar nos olhos das crianças o desejo de aprender.

Orientadora de Estudos: Denise AlvarinhoMunicípio: Limeira

A formação continuada teve como foco a organização do trabalho pedagógico, a fim de reconhecer o ato de ensinar como uma ação in-tencional que envolve um movimento contínuo de avaliação e plane-jamento para definição de conteúdo e encaminhamentos, ressaltando a competência do fazer docente. Houve reflexão sobre a sala de aula como lugar privilegiado de ensino e aprendizagem, pois a crença de como o aluno aprende influencia a maneira como o professor ensina. Quanto maior o domínio do conteúdo de ensino e da forma (metodo-logia) maior a dimensão artística do ensinar. Desta forma, os encontros corroboraram para o desenvolvimento dessas questões, sobretudo pelo fato de que, nos momentos de planejamento de pautas dos encontros, a equipe de orientadores pedagógicos também se flagrou analisando sua própria prática e redirecionando suas ações. Respaldados pelo arca-bouço teórico do material, todos os envolvidos obtiveram crescimento teórico-metodológico.

Com relação às expectativas para 2015, espero que os conteúdos ul-trapassem a visitação das áreas do conhecimento que serão abordadas a partir do tema interdisciplinaridade, a fim de consolidar aprendizagens.

Orientadora de Estudos: Patrícia Aparecida Sanches ServeliMunicípio: Orlândia

Meu nome é Patrícia e nos últimos quatro anos tenho trabalhado

como professora alfabetizadora. Antes de iniciarmos as formações, nosso trabalho pedagógico enquanto alfabetizadoras se pautava num modelo mais tradicional, isto é, trabalhávamos o alfabeto, o estudo de cada letra do alfabeto e suas sílabas, quadro de sílabas, leitura e in-terpretação de textos, produções de texto coletivas tendo o professor como escriba, lista de palavras, ditado visual, ditado de palavras e fra-

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ses e produções de frases, além da introdução das sílabas complexas. Com a chegada do Pacto em Língua Portuguesa em 2013, pudemos inovar nossa prática fazendo uso de diversos jogos específicos para a al-fabetização, bem como introduzindo as produções de textos individuais e, principalmente, deixando de exigir somente dos alunos e cobrando também de nós mesmas que todas as crianças concluíssem o segundo ano alfabetizadas, uma vez que o ciclo de alfabetização se encerra ao final do terceiro ano.

Em relação ao Pacto de 2014, que abordou a alfabetização matemáti-ca, pude perceber que o aprendizado e a mudança da prática foram mais notáveis, tendo em vista que não fazíamos a interligação entre o conhe-cimento matemático e a língua portuguesa. Nosso trabalho era pautado no ensino do símbolo numérico e sua respectiva quantidade, nas quatro operações, porém explorando mais a adição e subtração, sendo a nossa principal preocupação fazer o aluno assimilar o algoritmo; além disso, trabalhávamos também algumas situações-problema.

Com a formação, passamos a explorar e valorizar as estratégias utilizadas pelos alunos, as hipóteses por eles levantadas, as investiga-ções realizadas, o caminho que os conduziram a um resultado, seja por meio do registro escrito ou das ilustrações, além da introdução de jogos - que muito contribuíram para o aprendizado dos conteúdos abordados e explorados em cada caderno estudado nos encontros e aplicados em sala de aula.

A grande inovação da prática foi o “casamento” da matemática com os gêneros textuais. Antes, líamos algumas obras literárias sem fazer este paralelo com os conteúdos matemáticos. Agora, conseguimos identi-ficar os conteúdos de matemática - presentes em muitos textos abor-dados - e articulá-los com outros tipos de texto para a produção de conhecimento matemático.

Como consequência da inovação da prática pedagógica observa-mos maior interesse, participação, interação, cooperação, aprendiza-do e construção do conhecimento de forma significativa por parte dos alunos. Quanto aos professores, percebemos que a resistência e a apreensão do início da formação foram vencidas, pois pudemos cons-tatar, na prática, que este novo jeito de ensinar funciona, dá bons resultados e garante o aprendizado e a alfabetização em Língua Por-tuguesa e Matemática.

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Para este ano de 2015, as expectativas são altas. A formação abor-dará conhecimentos nas áreas de Ciências, História, Geografia e Artes perpassando ainda pela Matemática e pela Língua Portuguesa, de modo a garantir que todas as áreas do saber sejam exploradas em sala de aula, retomando o que já foi visto e acrescentando novidades. Acredito que o estudo dos cadernos enriquecerá o trabalho em sala de aula, desper-tando um novo olhar para estas áreas do conhecimento, trazendo ideias diferentes e contemplando habilidades que com certeza produzirão aprendizado.

Orientadora de Estudos: Aline Amorim MarquesMunicípio: Guararema

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) tem contribuído para muitos avanços na alfabetização de crianças até os oito anos de idade. A alfabetização é, sem dúvida, uma das prioridades na-cionais no contexto atual. A formação continuada, de acordo com os princípios do PNAIC, contribui para que este objetivo seja alcançado, assegurando uma reflexão minuciosa sobre os processos de alfabetização e letramento, bem como sobre a prática docente.

Ensinar é, antes de tudo, a arte de conduzir conhecimentos, formar, educar e guiar no sentido de transformar o comportamento das pesso-as. Nesse contexto, o papel do professor é o de ajudar os alunos tanto na construção de sua identidade, do seu caminho pessoal e profissional, quanto na compreensão e na emoção, de maneiras que lhes permitam encontrar seus espaços pessoais e sociais.

O ofício do professor na ação de educar não se limita à absorção passiva de conhecimentos; abarca também a possibilidade de transfor-mar o sujeito de forma que ele se liberte do espaço e do tempo presente, que faça relações mentais na ausência das próprias coisas, permitindo--lhe imaginar, fazer planos, ter intenções, realizar sínteses, tomar posse do fazer/conhecer.

O aluno deve organizar e integrar os novos conhecimentos aos já existentes e o professor deve estar em pleno processo de transforma-ção, procurando inovar sua prática, adotando um modelo de ensino que pressupõe a construção do conhecimento, funcionando então “como uma espécie de diretor de cena ou de contra-regra e cabe a ele montar o

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andaime para apoiar a construção do aprendiz” (WEISZ, O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, 2002, pp.62-63).

Há, portanto, um grande desafio na tarefa de educar. Para alcan-çar a qualidade de ensino desejada é preciso muito mais do que dominar os conteúdos e conseguir mediá- los de forma eficiente, sendo também necessário estimular a solidariedade, a cooperação, a valorização indi-vidual e do grupo, com bons exemplos de ética, humildade e cidadania. Cabe ao professor também estar atento às transformações do mundo e à realidade de seus alunos, ensinando-os a pensar, estimulando-os a debater questões e a dar opiniões, como profissional em movimento permanente e constante, que estuda, aperfeiçoa-se, qualifica-se para exercer de maneira cada vez melhor a profissão docente, com um novo olhar sobre o processo de ensino-aprendizagem.

A educação continuada é fundamental para subsidiar a prática docen-te. O professor precisa de apoio contínuo e de motivação para que possa refletir sobre a sua prática e, assim, obter avanços. Como Orientadora de estudos há dois anos, posso afirmar que a formação do PNAIC tem sido fundamental neste processo, no sentido de contribuir para a inovação da prática pedagógica, com a inserção de atividades lúdicas, como jogos e brin-cadeiras, além de variadas estratégias de ensino e aprendizagem, que têm refletido em sala de aula, com melhores resultados, tanto em Língua Portu-guesa como em Matemática.

Orientadora de Estudos: Clara Cristina Lima Pacheco MagalhãesMunicípio: Caçapava

No início das formações do PNAIC, em 2014, a rede municipal de Caçapava, ofereceu aos professores amplo acesso a um modelo de trabalho no ensino da Matemática, embasamento teórico e material para um trabalho efetivo.

Fundamentados nos cadernos e materiais do PNAIC, observamos que realmente houve uma grande preocupação do governo federal, por meio do MEC e das universidades, em promover a formação de professores para garantir as melhores condições do desenvolvimento lógico-matemático dos alunos, através da aplicação de novas meto-dologias e estratégias, incentivando-os na construção da linguagem matemática. Dessa forma, os objetivos foram ampliar, conduzir e es-

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timular os alunos a terem iniciativa e a utilizar o raciocínio, a criativi-dade e a autonomia.

Em sala de aula, os alunos puderam compartilhar o trabalho com os colegas por meio de vivências práticas e situações específicas. As crianças já possuem uma curiosidade natural e o trabalho com jogos au-menta o desejo de aprender; desse modo, o processo de ensino-apren-dizagem ocorre com ludicidade. Por serem atividades em que a criança se sente livre e sem pressões, os jogos propiciam um clima favorável à descoberta, à experimentação e à reflexão, sendo um incentivador para a aprendizagem.

O professor deve planejar e elaborar atenciosamente os jogos peda-gógicos com os objetivos propostos bem definidos para que essas pro-postas não caiam no vazio de um fazer apenas por fazer, tornando-se independente e desligada das concepções prévias do educador. Atra-vés dos jogos, as crianças interagem, vivenciam situações, e formulam estratégias ao constatarem seus acertos e erros, podendo reformular sem penalidades seus planejamentos e suas novas ações. Quando o jogo acontece em situações tranquilas, sem coação, num clima familiar, sem perigo ou tensão, em completa segurança emocional, ele pode propor-cionar condições de aprendizagem das normas sociais em circunstân-cias de nenhum ou quase nenhum risco.

Nesse ano de 2015, com o desenvolvimento dos trabalhos em sala de aula, estamos comprovando que os jogos atendem todos os blocos, permitem uma sequência de atividades, contemplando os conteúdos de maneira sequenciada, harmonizando-se com o Plano de Ensino da Rede e com o Plano de Ação, que já estão sendo direcionados aos alu-nos a partir das avaliações diagnósticas realizadas em março.

Orientadora de Estudos: Sandra Luz Camargo SilvaMunicípio: Ibiúna

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compro-

misso assumido entre Governo Federal, estados, municípios e socieda-de para assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade. A realidade que temos vivenciado no Brasil é a de muitas crianças concluindo sua escolarização sem estarem alfabetizadas e letra-das. Com o PNAIC, essa realidade vem sendo alterada, pois o trabalho

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pedagógico é voltado ao lúdico, aproximando-se o máximo possível do universo da criança, respeitando o modo de pensar e a lógica no proces-so de construção dos conhecimentos.

O professor alfabetizador tem demonstrado, gradativamente, mu-danças em suas práticas pedagógicas à medida que reflete teoricamente sobre elas, oferecendo ao educando atividades que fazem parte do co-tidiano, valorizando o modo de pensar de cada um, incentivando-os a produzir os seus próprios registros, buscando diferentes estratégias de solução e argumentando sobre elas. O registro se faz através de diferen-tes gêneros textuais: registro reflexivo, registro de comunicação etc., de modo que a produção de textos tem a mesma importância em todas as áreas do conhecimento.

Conforme a LDB nº 9394/96, a organização do currícu-lo superou as disciplinas estanques. Dessa forma, o que se pre-tende é a integração e articulação dos conhecimentos num pro-cesso permanente de interdisciplinaridade e contextualização. A contextualização do conteúdo traz importância ao cotidiano do aluno, mostra que aquilo que se aprende em sala de aula tem aplicação prática em nossas vidas. Ela também possibilita ao aluno sentir que o saber não é apenas um acúmulo de conhecimentos técnico- científicos, mas sim uma ferramenta que o prepara para enfrentar o mundo, permitindo-lhe resolver situações até então desconhecidas. A fragmentação e a distân-cia entre os conteúdos geram desinteresse pelo fato da aprendizagem não ser significativa. Por outro lado, essa aprendizagem ocorre quando há relação entre o aluno e o que ele está aprendendo, considerando-o como o centro da aprendizagem, sendo ativo.

Além do diálogo entre as áreas do saber, a alfabetização, na pers-pectiva do letramento, deve ter um constante diálogo entre as práticas sociais, sejam elas do mundo das crianças, como jogos e brincadeiras, sejam elas do mundo adulto ou as realidades das diversas comunidades que formam o Brasil.

As sequências didáticas têm sido de grande valia para o trabalho in-terdisciplinar, pois é por meio delas que o educador tem conseguido desenvolver junto aos alunos um trabalho completo, em que a constru-ção do conhecimento se faz gradativamente com uma aprendizagem em espiral.

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Orientadora de Estudos: Maísa Amariles da SilvaMunicípio: Salto

A ideia de que não deve existir uma ruptura entre o tempo de apren-der, o de trabalhar e o de descansar ou parar, faz com que os seres hu-manos sejam vistos como pessoas que vivem em um processo constan-te de construção do conhecimento para si, para a vida e para o trabalho. Nessa perspectiva, a formação continuada, por sua vez, veio provocar uma série de transformações nas orientações de nosso sistema educati-vo, na cultura escolar, como também nas diversas reformas e métodos de ensino. Como não poderia deixar de ser, isso implicou em uma mu-dança de mentalidade na vida profissional docente.

Durante as formações, buscou- se um equilíbrio entre a teoria e a prática, no intuito de potencializar uma nova cultura formadora, a partir de diversas perspectivas e metodologias.

A atividade de análise de prática em sala de aula constitui-se como um bom dispositivo para trabalhar a reflexividade durante a formação. Ela se justifica principalmente pelo fato de se estabelecer por meio de análises contextualizadas e próximas das vivenciadas cotidianamente, permitindo ao professor deparar- se com diferentes situações, conhe-cidas ou não, e colocá- las em xeque. Segundo Houpert (Quels principes pour la formation continue? Enseigner, un métier qui s’apprend. Cahiers péda-gogiques, n.435, 2005, pp. 45-49), essa capacidade deve ser exercitada e fazer parte da prática cotidiana do professor, pois favorece as tomadas de decisão na sala de aula e pode ajudar a antecipar os atos cognitivos dos seus alunos.

Desse modo, os profissionais que estão vivenciando a formação continuada já possuem um saber sobre a sua profissão e, nos processos formativos eles precisam compreender que o que eles já sabem pode ser modificado, melhorado, trocado, ratificado, reconstruído, refeito ou abandonado. Como Nóvoa (Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995) e outros autores já afirmaram, é importante dar voz aos professores, trazer à tona o saber que eles possuem e colocá-lo em pau-ta a partir de determinadas temáticas sobre a escola, o fazer pedagógico e o mundo (por meio dos documentos oficiais, propostas curriculares, pesquisas científicas, etc.) para serem conhecidos pelos professores. Ou melhor, colocar em cena saberes diversos para que eles sejam confron-tados, estudados, analisados e aprendidos.

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A partir das formações, os professores alfabetizadores desenvolve-ram um belíssimo trabalho com os educandos. Em especial, os conte-údos de matemática nos trouxeram muitos resultados positivos, uma vez que a disciplina era estigmatizada por muitos professores, devido às suas próprias experiências. A prática intencional da utilização de jogos nas aulas de matemática foi determinante para tal sucesso.

Uma vez que o educador compreende que a linguagem materna e matemática contribuem para o ato de aprender, de ler e de compreender o mundo, sua didática sofrerá transformações, permitindo assim melho-rias no ensino e no processo de alfabetização.

A metodologia abordada proporcionou aos educadores a oportuni-dade de integrar a Matemática com a língua materna, o que até o mo-mento alguns acreditam ser impossível. Muitos foram os relatos de que a “caixinha” da disciplina deixou de existir para dar lugar à interdiscipli-naridade. Os jogos têm sido desenvolvidos e abordados em diferentes momentos da rotina escolar, cujo enfoque é modificado de acordo com o objetivo e o objeto de estudo.

A partir do acompanhamento e a análise do desempenho dos alunos, pudemos concluir que a formação continuada trouxe mudanças signi-ficativas na didática e metodologia abordada, cuja pesquisa científica, que anteriormente causava estranheza ou até mesmo era desconhecida, passou a ser considerada como ponto de partida para o planejamento dos educadores.

Orientador de Estudos: Rafael Artur BattaniMunicípio: Mogi das Cruzes

Atuar no PNAIC pode ser considerado uma oportunidade de apren-dizado, uma vez que o programa e seu desdobramento possibilita-nos muitas visões sobre o trabalho de “colegas de luta”, colabora para que possamos enxergar como a criança elabora e reelabora seus pensamen-tos diante de algumas situações e, principalmente, contribui muito para a observação de diversas práticas no ciclo de alfabetização. Tarefa fácil?

Estudos apontam que trabalhar com a formação dos saberes dos professores depende do esforço de explicitação e de comunicação, ou seja, infere-se que os professores possuem um conhecimento vivido (prático) e que tais conhecimentos precisam ser valorizados, lapidados e

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compartilhados (FAZENDA, 1995). Mas o que priorizar? Como com-partilhar os saberes sobre a língua materna ou matemática?

Ao pensar em linguagem, precisamos tratar a oralidade como ponto de partida, pois é parte integrante do cotidiano das pessoas e é usada para a comunicação em todos os instantes, juntamente com outros sons e gestos. Considerando que a escola não deve estar alheia à realidade vigente, seria possível desvincular do processo de ensino-aprendizagem o desenvolvimento desse eixo?

Os encontros deram luz à forma de planejar atividades com inten-ções comunicativas, como escutar a criança, atentar ao que ela fala, atri-buir sentido e significado ao conteúdo, respeitar e encorajar as outras crianças a falar, responder ou comentar aquilo que foi dito por ela, or-ganizar junto a elas a agenda do dia, elaborar avisos, pedidos ou recados, organizar rodas de histórias, rodas de notícias; momentos de recontos de histórias pelas crianças e criação de narrativas, enfim, esses tópicos formaram uma gama de temas importantes para serem refletidos e re-pensados nas práticas escolares.

Seja para o desenvolvimento da linguagem oral ou escrita, o papel do PNAIC pautou- se em favorecer também momentos em que as crianças se relacionassem com a matemática de maneira curiosa, percebendo-a no contexto real e descobrindo que os conceitos matemáticos que são construídos, decorrem da atividade humana no próprio cotidiano, de-monstrando que a criança precisa estabelecer algumas outras relações entre os objetos, como a de ordem. Isso significa que ela deve perceber que cada objeto só será contado uma vez, que um objeto entre outros já foi contado e passa a pertencer ao grupo dos já contados.

Nos encontros de formação foi possível pensar em maneiras de se organizar situações e atividades que fizessem as crianças pensarem e ordenarem algumas relações, como comparar, separar e ordenar os ob-jetos, mas, principalmente, priorizar o desenvolvimento de tais habilida-des nos trabalhos com os jogos (que são ricos aliados dos professores).

A proposta do Pacto sobre a alfabetização nas cidades baseia- se nas investigações e troca de saberes com o propósito de trazer ricas contri-buições, intervenções consistentes e um super caderno de apoio com jogos, atrelando a esses materiais a oportunidade dos professores evi-denciarem seu protagonismo e produzirem suas próprias ferramentas; caixas matemáticas, tabuleiros numéricos em maior tamanho e em teci-dos para algumas atividades coletivas; objetos para coleção, contagem

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e escrita numérica entre os colegas do ciclo, enfim, criar situações que, de alguma forma, concedam oportunidade aos alunos de terem contato com instrumentos concretos e significativos.

Com um investimento dessa proporção, a tarefa continuaria difícil?

Orientadora de Estudos: Telma Araújo Porto CoutoMunicípio: Jacareí

A Formação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa

tem promovido a concepção do letramento, tanto na alfabetização Ma-temática como na Língua Materna. Todas as reflexões, trocas de experi-ências, elaboração do portfólio e os encontros formativos contribuíram para as transformações positivas nas práticas pedagógicas dos profes-sores alfabetizadores e na aprendizagem dos alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Nesse sentido, foram vivenciados momentos de reflexão sobre a al-fabetização para a melhoria da qualidade nesse segmento com a forma-ção do PNAIC, pois a partir de 2013 foi possível vislumbrar avanços significativos que contribuíram para aperfeiçoar a prática pedagógica dos professores alfabetizadores do município de Jacareí.

A cada encontro de formação, tanto na dos Orientadores de estudo, quanto na formação desenvolvida em nosso município, foram aborda-das várias temáticas; planejamento e organização do trabalho pedagógi-co, projetos de letramento, resolução de problemas, sequências didáti-cas, gêneros textuais, educação inclusiva, avaliação, entre outras.

Conforme alguns relatos dos professores alfabetizadores, a forma-ção do PNAIC é considerada relevante, pois a partir da reflexão foi fa-cilitada a troca de experiência entre os professores tornando a aula mais atrativa, criativa, fazendo a diferença na sala de aula. As atividades e os temas desenvolvidos nas formações proporcionaram aos professores a oportunidade de mudarem suas atitudes e práticas nas salas de aula.

Os educadores também ressaltaram a importância de serem ouvintes e poderem tomar atitudes a partir de novos olhares e conceitos sobre te-oria e prática de alfabetização, proporcionados a partir das sugestões de jogos e atividades desenvolvidas nas formações, as quais possibilitaram o resgate de inúmeras metodologias de aprendizagem usadas no passa-do, assim como novas técnicas de ensino e aprendizagem. Destacaram

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que a formação aprofundou temas e assuntos relevantes e pertinentes para o processo de alfabetização matemática e da língua materna.

Vários alfabetizadores relataram que o curso causou várias mudan-ças entre as quais se destaca: a superação, por saberem que podem ir muito além do que imaginavam. Isso se deu devido às atividades diferentes que foram elaboradas e aplicadas com os alunos em sala de aula; o querer saber, estar aberto para aprender, para realizar cada vez mais um bom trabalho, pontos marcantes nos relatos dos professores alfabetizadores.

O grande impacto da formação foi o trabalho desenvolvido a partir da temática “ludicidade”. As atividades, como os jogos, fizeram com que as aulas dos alfabetizadores trouxessem resultados positivos em re-lação ao processo de alfabetização. Os alunos ficaram mais motivados e interessados em querer aprender. A aprendizagem torna-se mais praze-rosa, o que facilita a compreensão e o entendimento das crianças.

Diante do exposto acima, é possível afirmar que o PNAIC contri-buiu para as transformações positivas nas práticas pedagógicas dos pro-fessores alfabetizadores e na aprendizagem dos alunos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Orientadora de Estudos: Cintia Maria Ambrosio de OliveiraMunicípio: Mogi das Cruzes

As ações empreendidas pelos estados e municípios a partir do com-promisso com o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, pri-meiramente com foco na aquisição da língua escrita e, num segundo momento, no letramento matemático, impactaram positivamente na rotina escolar à medida que oportunizaram ao professor um retorno aos ambientes acadêmicos. Esse retorno, enriquecido pela dinâmica de fortalecimento das construções coletivas, tanto de materiais didáticos quanto de metodologias diferenciadas de utilização, teve efeito sistê-mico e pavimentou uma nova perspectiva de se considerar o tempo destinado à aprendizagem.

Há que se considerar como demonstração cabal da eficácia do Pacto o aprimoramento docente, no sentido de relacionar a língua materna, foco em 2013, e a matemática tematizada em 2014 em seus quatro ei-xos. Esse trânsito entre as duas áreas do conhecimento ficou evidente

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nas sequências didáticas elaboradas durante as formações. Entretanto, outras áreas do conhecimento não são relegadas ao esquecimento. A percepção de que a proficiência leitora é condição indispensável para a elucidação de situações-problema, embora panoramicamente nos pare-ça óbvia, agregou impagável valor às atividades desenvolvidas.

O protagonismo atribuído ao elemento lúdico como norteador dos planejamentos também figura entre as conquistas do PNAIC. Ficou evi-dente que as atividades descontraídas, como os jogos e as brincadeiras, foram vetores de uma aquisição consistente de conteúdos curriculares. São muitos os sinais que apontam nessa direção, mas é sempre perti-nente apontar suas benesses para uma vida escolar de melhor qualidade.

A escolha acertada de paradidáticos enviados às escolas demonstra-ram a preocupação necessária com a conquista dos pequenos leitores. Foram escolhidos diversos gêneros da literatura infantil, atentando tam-bém para estilos múltiplos de ilustrações. Autores e editoras oriundos da maioria dos estados brasileiros contribuem sobremaneira para ofe-recer uma degustação cultural mais ampla e democrática, permeando temas de genuíno interesse dos alunos.

Em Mogi das Cruzes, são realizadas, periodicamente, avaliações in-ternas para depurar os processos de aprendizagem e retroalimentar os planos de ação dos professores. Ficam evidentes os avanços já conso-lidados e é válido creditar esses reflexos positivos aos desdobramentos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

Outro aspecto positivo que merece relevo é a demonstração de en-tusiasmo que tem se tornado costumeira entre os professores da rede, ansiosos pelo início da edição de 2015 deste programa. Os Orienta-dores de Estudo são constantemente indagados quanto às últimas orientações, quanto ao componente curricular que será destaque nas formações, quanto ao calendário possível e mais uma infinidade de questionamentos que desvelam o interesse docente, como efeito colate-ral da percepção de que os resultados das aprendizagens, nos domínios da sala de aula, materializaram-se em gráficos positivos. E, mais do que isso, fortaleceram a autonomia do sujeito aprendiz para uma permanên-cia mais significativa na escola ao longo de toda a sua vida acadêmica.

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Orientador de Estudos: Aparecido Donizeti VolkmanMunicípio: Cássia dos Coqueiros

Tendo como principal desafio garantir que todas as crianças brasi-leiras, com até os 8 anos de idade estejam plenamente alfabetizadas, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa tem promovido gran-des mudanças nas localidades onde foi implantado. Estas mudanças, evidenciadas na qualidade do ensino que é levada a todas as crianças, começam já na seleção de conteúdos, passando por uma apurada esco-lha de atividade, proposta e executada de maneira coerente e atrativa.

Os professores alfabetizadores possuem uma responsabilidade ím-par na vida das crianças, por isso, estão sempre abertos às novas manei-ras de ensinar, de trabalhar, de compartilhar, visando sempre ao ensino e aprendizagem de qualidade para os seus educandos. Neste sentido, a implantação do PNAIC no município de Cássia dos Coqueiros foi uma ótima opção, afinal, chegou para somar.

Inicialmente, os professores ficaram um pouco apreensivos com a novidade, mas no decorrer dos encontros e do desenvolvimento de seus trabalhos, os docentes foram percebendo que este projeto era uma for-ma de aprimorar o trabalho que já faziam. Assim, foi uma interessante e divertida experiência.

O primeiro desafio foi o trabalho com a língua materna, pois os alunos não estavam habituados a realizar leituras diárias com prazer. Com a ajuda na preparação, na troca de experiências de uma professora com a outra, o trabalho começou a funcionar direitinho e as crianças passaram a assumir a leitura deleite como um compromisso diário. No ano seguinte, ao incluir a capacitação matemática, tivemos uma perfei-ta articulação entre as frentes. As professoras conseguiram realizar um trabalho interdisciplinar, o que aumentou o interesse dos alunos e, con-sequentemente promoveu uma aprendizagem mais significativa.

Todas estas afirmações podem ser verificadas através da apresenta-ção do trabalho realizado ao longo do ano com as crianças no Seminá-rio Educacional. Ao expor os trabalhos aos pais e à comunidade escolar era visível como as crianças estavam empolgadas em aprender. Durante a exposição, os próprios alunos contavam como as atividades foram realizadas na sala de aula. Nada melhor do que a opinião deles sobre como anda a aprendizagem.

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Ademais, as participações dos pais, com elogios e sugestões, mostra-ram que o conhecimento não ficou restrito apenas ao ambiente escolar, mas sim, que as crianças conseguem levar o que aprendem na escola para a comunidade.

Esta é a melhor avaliação que se pode ter a respeito destas crianças, pois percebe- se que elas são espontâneas e autônomas para realizar as atividades, para falar e convencer também, um requisito importantíssi-mo para que o aluno se efetive como um cidadão participativo e atuante.

Tendo em vista os argumentos apresentados, é notório que as im-plantações das ações do PNAIC foram essenciais para que o progres-so se instalasse nas classes dos anos iniciais da nossa cidade, contri-buindo para que o ensino e a aprendizagem estivessem melhorando a cada dia mais. Esta transformação na forma de ensinar pode ser per-cebida até mesmo pelos professores que receberam os alunos antes e depois do PNAIC, pois todos relataram que os alunos chegaram mais ávidos pelo conhecimento.

Orientadora de Estudos: Eliane Aparecida GalanteMunicípio: Aguas de São Pedro

O novo ministro da Educação diz- nos que: na Educação, assim

como na cultura, não há limites, sempre se pode descobrir ou inventar mais (...). E, de repente, o PNAIC trouxe exatamente isso, desde 2013, quando iniciou: descobrir e redescobrir metodologias que transformem o cotidiano escolar da sala de aula num espaço produtivo, com interação e provocador de descobertas. Ao pensar nesses dois anos de formação, remete- se à ideia de que educar é investir no ser humano, e que a postu-ra ética adotada e as estratégias fazem toda diferença frente aos alunos. E nesse universo de Brasil do giz e lousa e de altas tecnologias, a escola se vê numa busca pela alfabetização na idade certa, de modo a equalizar as diferenças, apostando no professor, nas suas práticas e na condução da construção da aprendizagem.

O PNAIC tem corroborado com a disseminação de boas práticas, muitas delas presentes no material, assim como a formatação das for-mações presenciais e online possibilitam as trocas com os diversos pa-res constituídos no grupo. O diálogo permanente, a experimentação e as leituras pontuadas contribuem significativamente. Isso traz uma nova

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perspectiva de condução do trabalho, no qual não existem modelos, mas ideias que provocam novas ideias, e o respeito pelo fazer do outro, já que este apresenta situações reais, cotidianas no desafio de alfabetizar.

Com isso, constata-se a apropriação e a criação de atividades novas, possibilidades essas de reconstruir e inventar são realizadas, pautan-do-se nos direitos de aprendizagem e no respeito ao desenvolvimento destes alunos, considerando todos os aspectos envolvidos neste proces-so. Teoria e prática caminham lado a lado, sem atropelos, favorecendo mudanças nas práticas pedagógicas, norteadas pelas orientações e pro-duções de atividades nas formações. De certo modo, os recursos dis-ponibilizados (caixa de jogos, livros,etc.) favorecem e criam ambientes incentivadores de leitura, conspiram para a formação de bons leitores, envolvendo inclusive a família neste processo, em boas práticas, pois só ensina bem quem vivencia e acompanha esta construção.

Nas dinâmicas de sala de aula isso se reflete no repertório, amplia o léxico, facilitando o entendimento e a organização do pensar. Ao tra-balhar com os jogos, a ludicidade amplia e provoca o “fazer do aluno” nas descobertas dos números, agrupamentos e formas, de maneira a superar desafios e, por vezes, propõe situações inusitadas ao professor.

Portanto, para finalizar, a condução das salas sofre mudanças, de modo positivo, o que era benéfico, melhora e pode melhorar ainda mais, visto que a sala de aula é um espaço dinâmico, de trocas, intervenções e construções.

Orientadora de Estudos: Kátia Cristina Barbatano dos Santos Município: Guarulhos

O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) é um excelente projeto em larga escala de parceria entre os Governos Federal, Estadual e Municipal, cujo principal objetivo é a alfabetização dos alunos até os oito anos de idade, alcançado por meio principalmente da forma-ção continuada dos professores que lecionam no ciclo de alfabetização.

Guarulhos aderiu a esse projeto no ano de 2013, em sua primeira edi-ção, atendendo 850 Professores Alfabetizadores (PAs) com 35 Orienta-dores de Estudos (OEs), como forma de potencializar as ações de for-mação permanente já desenvolvidas no município. Nosso diferencial, no entanto, foi a vinculação da formação presencial dos OEs, realizada pri-

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meiramente pela UNESP (2013) e depois pela UFSCAR (2014 e 2015), a um processo semanal de acompanhamento e reflexão coletiva, a partir da realidade do município, realizado pelos próprios OEs em conjunto com a coordenadora local, favorecendo o aprofundamento dos estudos, o debate a respeito do material elaborado pelo MEC, proporcionando um melhor planejamento e avaliação dos encontros com os PAs.

Tanto nas discussões realizadas durante os encontros quinzenais ou mensais com os PAs, quanto nos seminários anuais locais, conseguimos ter uma visão clara das transformações ocorridas nas escolas por meio das escolhas de ações pedagógicas feitas por estes, para que seus alunos pudessem aprender de forma mais efetiva. Muitos já buscam a articulação entre as áreas de conhecimento e propõem atividades que levam o aluno a pensar, favorecendo a construção do conhecimento e de um posiciona-mento crítico frente à realidade. O aspecto lúdico está presente em quase todas as propostas apresentadas, seja por meio dos jogos, da imaginação, da criatividade, seja por meio dos cantinhos de leitura e da caixa matemá-tica, enriquecidos com o envio de materiais pelo MEC e a confecção de outras tantas ideias autorais. O trabalho com os gêneros textuais e com as situações problemas como estruturantes da ação pedagógica, embora não estejam completamente sistematizadas, têm se tornado alvo de reflexão e prática pelos professores na maioria das escolas.

Mesmo aqueles que ainda estão tateando essas mudanças, já se questio-nam sobre a eficácia e aplicabilidade das ações pedagógicas fragmentadas e focadas apenas na memorização de conteúdo, propostas anteriormente. Os professores trazem para os encontros a preocupação em refletir sobre o contexto e as formas de atingir cada aluno em sua especificidade, por meio das atividades realizadas em agrupamentos produtivos para favo-recer a interação social e a consequente aprendizagem de todos. Além do mais, buscam diferentes formas de organização, nas quais sejam mais mediadores e menos transmissores.

Os alunos também têm demonstrado maior prazer em aprender, fato relatado nos depoimentos trazidos pelos PAs, além de apresentarem maior domínio tanto da língua materna quanto da linguagem matemática, nas quais já começam a esboçar um melhor desempenho, verificado tam-bém nos resultados das avaliações externas, como a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) e a Provinha Brasil.

Hoje os PAs já têm consciência de que os alunos criam hipóteses para tudo que tentam entender, e que trabalhar com essas hipóteses, com a

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realidade e com o conhecimento para a vida, é um caminho bastante pro-dutivo para o processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, além de aprenderem os alunos passam a acreditar que são capazes.

Pelo sucesso alcançado em tudo o que foi exposto, estamos mais um ano no projeto para aprimorar esse movimento de reflexão, investindo na formação continuada docente e aliando a prática pedagógica à fundamen-tação e consciência teórica. Assim, todos os alunos estarão alfabetizados até os oito anos de idade.

Orientadora de Estudos: Elis Branquinho Coelho BarsoteliMunicípio: Cristais Paulista

A educação matemática sempre foi conteudista, um depósito de in-formações, números e operações a serem desvendados sabe-se lá quan-do na vida. “Estudos relatam que 89% dos estudantes chegam ao Ensi-no Médio sem aprender o esperado em Matemática, esse resultado foi extraído de avaliações como a Prova Brasil e a Avaliação da Educação Básica (dados referentes ao ano de 2009)”. 20

Não há dúvida de que isso se reflete no modo como é executado o processo de ensino-aprendizagem nos anos iniciais, que na maioria das vezes torna o aluno fatigado de uma disciplina que tão pouco conhece. Ainda hoje, podemos notar que a educação matemática carece de cui-dado. Dessa forma, o desafio é compreender como ela se apresenta e poder transformá-la praticamente através dos estudos da matemática contemporânea, dos quais, este abordado pelo PNAIC em 2014.

O curso do PNAIC/2014, por sua vez, trouxe uma nova visão e constituiu a matemática de entendimento e significados enquanto prá-tica social. Passa-se assim a ter uma nova reflexão sobre a metodologia da resolução de problemas, em que as novas propostas de atividades são ampliadas.

20 Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2012/10/por-que--89-dos-estudantes-chegam-ao-final-do-ensino-medio-sem-aprender-o-esperado--em-matematica-3931330.html. Acesso em: 20/06/2015

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Tudo isso trouxe a necessidade de refazer nossos pensamentos e reconduzir nossos procedimentos, e ao mesmo tempo, proporcionar uma volta ao passado, na busca de reflexão sobre nossas ações como educador no âmbito da matemática. Esta volta ao passado agora é re-ferência e trará condições de interferir em ações futuras, a fim de nos direcionar na aprendizagem significativa, realizando uma investigação de nossas práticas e estratégias, em busca do aperfeiçoamento. Outro benefício se refere ao ato de ensinar, houve melhoria da capacidade de improvisar, tomar decisões, abordar situações de incerteza e instabili-dade. Dessa forma, a resolução de problemas na sala de aula não nos preocupa como antes, pois hoje temos mais segurança.

A formação que tivemos com o PNAIC não se embasou apenas na busca pelo conhecimento científico, fomos estimulados a nos realizar pessoalmente, pois o professor que trabalha com disposição e dedi-cação no desenvolvimento de suas tarefas terá sempre um incentivo maior para procurar novas técnicas, e assim desenvolverá seu trabalho de maneira inovadora.

Para que os alunos se tornem aptos efetivamente, apresentamos a matemática construindo narrativas e significados, despertando o inte-resse. É um desafio encantar as crianças, mas devemos superar a prática da ideia fundamental da matemática e devemos ensiná-la como um “ins-trumento utilitário”, ou seja, algo que faça parte da realidade cotidiana.

Precisamos, por fim, criar instrumentos eficazes de avaliação após transmitir este novo conceito de ensino da matemática, para que seja alcançado o principal objetivo: incluir todas as crianças neste novo processo de ensino-aprendizagem. É com estes dados que poderemos afirmar que estamos contribuindo na formação de sujeitos inseridos no mundo, de maneira ativa e participativa. Tivemos um compromisso assumido de respeitar e fazer realizar o direito de cada criança brasileira de ter a plena alfabetização no momento adequado. Por isso, devemos começar mais uma etapa para alfabetizar na idade certa, utilizando as novas experiências no ensino da matemática.

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Orientadora de Estudos: Evandra SalaMunicípio: Itápolis

O objetivo principal do trabalho com a Matemática apresentado pelo PNAIC é o letramento. Nesse contexto, entende-se por letramento a integração entre práticas sociais de leitura e a escrita matemática, re-lacionadas a quantificar, classificar, ordenar, medir, contar, localizar-se espacialmente e geometrizar, dentre outras práticas existentes nos dife-rentes grupos sociais. Pela prática da leitura, os alunos devem ser esti-mulados a compreender e interpretar o que leem, atribuir significados aos conceitos e procedimentos matemáticos e adquirir novas possibi-lidades de leitura de mundo e de intervenção nas práticas sociais nas quais estão inseridos.

Por isso, durante a formação do PNAIC foi possível compreender a importância de valorizar as habilidades de leitura e incentivar os alunos gradativamente a se apropriarem dessa habilidade, reforçando a prática de destacar no texto lido quais as ideias principais e quais as ideias ma-temáticas presentes.

Assim, a sala de aula passou a ser vista como o espaço em que se dá a escolarização como prática social, e um ambiente de aprendizagem que abrange os diferentes gêneros textuais, fortalecendo a leitura e a escrita de enunciados de problemas, relatórios e registros de estratégias.

Como pressupomos que a aprendizagem ocorre em um processo contínuo de elaboração e reelaboração de significados, e não por sim-ples repetição e mecanização. Os alunos têm um papel importante no processo de ensino-aprendizagem, pois são considerados os constru-tores do próprio conhecimento. Essa construção se dá por meio de interações entre eles e os colegas, os materiais didáticos e o professor. O professor deixa de ser o detentor/transmissor do conhecimento e assume o caráter de mediador, conciliando o conhecimento matemático e os alunos. Em razão disso, a teoria passa a ser construída durante a execução das atividades desenvolvidas. Quando viável, serão apresenta-das situações contextualizadas (fora ou dentro da própria Matemática), significativas para os alunos e passíveis de problematizações. E, sempre que possível, serão aproveitadas situações do cotidiano que permitam a exploração dos temas transversais (ética, pluralidade cultura, meio am-biente, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo), para promover o desenvolvimento procedimental e atitudinal.

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A problematização auxilia os alunos a refletirem sobre o conheci-mento. E entendemos por problematização os momentos em que os alunos são incentivados a observar a realidade de maneira crítica e saber relacioná-la aos temas estudados. Desse modo, uma problematização pode partir de um texto, de um jogo, de um desafio, de um quebra-ca-beça, etc. O papel do professor é central como condutor do processo, propondo boas questões para os alunos, de forma que a sala de aula seja um ambiente que incentive os questionamentos.

Foram diversos os recursos apresentados para que sejam utilizados com nossos alunos para que se atinja satisfatoriamente os objetivos tra-çados. Dentre eles: jogos, resolução e elaboração de problemas con-vencionais e não convencionais, gráficos e tabelas, calculadora, desafios e história da Matemática. A leitura também é considerada um recurso fundamental, pois engloba poemas, textos de iniciação científica, repor-tagens, notícias e entrevistas. Por fim, ainda é importante e necessário trabalhar com leitura de imagens, como ilustrações, histórias em quadri-nhos, pinturas, fotografias, cartuns, anúncios publicitários, etc, para que nossos alunos se familiarizem com todos os recursos.

Orientadora de Estudos: Maria Angélica CampiteliMunicípio: Ibitinga

A educação no Brasil vem passando por transformações que vão mui-to além do material pedagógico. A ação do PNAIC veio com o objetivo de unir esforços nas esferas federal, estadual e municipal para assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até oito anos de idade.

O Pacto enquanto programa de formação de professores alfabetiza-dores, trouxe para a sala de aula, ações que mobilizam os saberes articu-lando a alfabetização na perspectiva do letramento. A escola hoje, mais que informar, tem o papel de “tratar” essas informações. O PNAIC atra-vés de um trabalho pautado em estudo e pesquisa, traz para dentro das universidades, professores que são capacitados a levar até seus municípios as novas tendências educacionais que farão a diferença em sala de aula.

A logística para desenvolver esse trabalho se iniciou em 2013 com o estudo e aprofundamento de novas organizações pedagógicas para o en-sino da Língua Materna (Língua Portuguesa), em 2014 o olhar voltou-se para a Matemática, ou melhor para o letramento em matemática, uma

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visão inovadora para essa educação que exige raciocínio, estratégia, leitura e interpretação. E agora em 2015, o estudo será aprofundado em Ciências Humanas e Arte.

Pesquisas anteriores iniciaram o trabalho que hoje o Pacto usa como ponto de partida, muitos educadores e pesquisadores estudaram a árdua tarefa de ensinar a ler e a escrever. Entendemos hoje que ensinar é criar condições e situações para a aprendizagem, levando o aluno a construir seus conhecimentos, e que o professor é o mediador desse processo.

O PNAIC tem tido um importante papel dentro desse processo, fo-mentando nos professores o desejo de estudar, para conhecer melhor tanto seu aluno, como as práticas pedagógicas que são necessárias para atingir seus objetivos. Hoje, além do livro didático, os materiais concretos como jogos de alfabetização (que trabalham a consciência fonológica), livros de literatura infantil, organização da sala de aula, rotina, agrupa-mentos produtivos, calculadora, caixa de jogos matemáticos, sequências didáticas, projetos e o trabalho com gêneros textuais, aproximam profes-sores e alunos por meio da troca de experiência, no qual o aprendizado acontece paralelamente.

Tendo contato com os relatos de experiências dos professores alfabe-tizadores, podemos notar que hoje o objetivo da educação não se restrin-ge apenas ao aprendizado do aluno, mas muito mais do professor, que sente a necessidade de estudar e se preparar para entrar na sala de aula e realmente fazer a diferença na vida de seu aluno. Sendo assim, a ação da educação ultrapassou os muros das universidades, conseguindo entrar nas salas de aulas, trazendo uma cara nova para a bela tarefa de ensinar.

Orientadora de Estudos: Fernanda GiovaniMunicípio: São Carlos

A educação passou nos últimos anos por muitas transformações em

todos os setores. A transformação mais recente está na retirada das crian-ças de 6 anos da Educação Infantil para incluí- las no Ensino Fundamen-tal obrigatório, ampliando este último nível de 8 (oito) para 9 (nove) anos. Penso que a educação está construindo novos paradigmas, novas formas de se pensar. Para isso é importante que os professores compreendam os saberes e as necessidades dos alunos.

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As formações do PNAIC estão no caminho para se tornar um es-paço aberto a sugestões e desafios, deixando de lado a característica de reproduzir o sistema, com a finalidade de formar o cidadão crítico, participativo e atuante na sociedade. Penso que a educação tem como principal função auxiliar o aluno para que ele reflita sobre a vida, lan-çando um olhar sobre o mundo que está em constante transformação, dessa forma a educação também é desafiada a estar em constante aper-feiçoamento, desenvolvendo e estimulando a criança como um todo.

Acredito que a função da escola vem se ampliando à medida que o direito à educação se alarga, considerando-se as individualidades e sub-jetividades, na perspectiva que busca formar sujeitos comprometidos eticamente com a sociedade e com o meio em que vivem.

Existem também os profissionais que valorizam e acreditam ser im-portante iniciar esse processo desde a infância. É neste contexto que o PNAIC vem contribuir, pois de um lado está a implantação do Ensino Fundamental de nove anos com início aos seis anos e do outro, professo-res alfabetizadores que com esta formação continuada podem enriquecer ainda mais suas práticas, fortalecendo- se com um trabalho dinâmico, de-senvolvendo a ludicidade. A escola passa a ter um papel muito importante de aproximação entre educação e suas vivências. Neste contexto, o pro-fessor assume o papel de mediador de novas reflexões de aprendizagens, percebendo que para educar é preciso ter uma visão voltada ao mundo e seus avanços, integrando as experiências do cotidiano.

Para que a proposta tenha sua efetiva compreensão e funcionalidade é preciso resgatar o comprometimento do professor e sua participação e aplicação das práticas sugeridas pelo PNAIC no espaço alfabetizador, e que este subsidie essa nova concepção. E neste contexto, o PNAIC propicia a exploração da produção de textos escritos e o educador na sua função não pode deixar o aluno perder a autonomia, ele precisa mediar, criando novos desafios e sistematizando os conhecimentos, de forma que o aluno possa planejar a escrita de textos considerando o contexto de produção, criar textos de diferentes gêneros, atendendo às diversas fina-lidades. As professoras adotaram em sua prática nas turmas atuantes as atividades sugeridas em cada encontro, atividades planejadas eram desen-volvidas por elas e aplicadas nas suas respectivas turmas.

Com o PNAIC, ocorreram grandes mudanças nos espaços escolares, como a criação e aprimoramento do cantinho da leitura, aulas mais di-nâmicas, utilização de mais jogos, cantos e brincadeiras, as crianças es-

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tão sendo contempladas com atividades lúdicas, práticas efetivas no seu aprendizado.

De fato, é possível destacar que os professores que participaram do curso do PNAIC levam em consideração as particularidades das crianças e este trabalho desenvolvido com elas no ciclo da alfabetização, destacando que as suas necessidades precisam ser respeitadas e valorizadas na sua individualidade, como seres únicos e especiais.

A educação tem alcançado grandes mudanças, mas ainda é preciso fazer muito para que se possa alcançar uma educação que contemple as diversidades e as necessidades das nossas crianças. Uma educação que proporcione um aprendizado dinâmico e atenda as necessidades das no-vas gerações, e o PNAIC vem contribuindo muito para tal.

Orientadora de Estudos: Mirian Cristiane RizzoMunicípio: Taquaritinga

O letramento matemático se faz mediante a aprendizagem da lin-guagem matemática, que se constitui dentro de uma “modalidade” da língua materna, ou seja, mais uma possibilidade de apropriação e uso da língua que deve ser construído pelas crianças ainda nos anos iniciais de alfabetização. Em muitos momentos o que se observa é que as crianças têm dificuldade em “traduzir” a linguagem matemática presente nos enunciados, em consequência enfrentam dificuldades na compreensão para escolher uma estratégia para a resolução. Desta forma, buscaremos compreender como essa relação influencia na aprendizagem dos alunos.

A linguagem matemática abrange conceitos, regras, sinais, letras e palavras utilizadas para expressar, descrever, relatar, investigar, levantar hipóteses e construir ativamente o próprio conhecimento como ator do processo de ensino-aprendizagem. No entanto, tal conhecimento se faz realmente necessário?

A presente reflexão foi levantada pelas formações do PNAIC- Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e evidenciou como os con-ceitos matemáticos são construídos pelos alunos por meio da pesquisa, análise, síntese, significação, exploração, argumentação e problematiza-ção que se mostram significativas quando vivenciadas em seu contexto, favorecendo a comunicação de ideias e a reflexão do conhecimento so-cialmente construído por meio da leitura de diferentes gêneros textuais,

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do estímulo à oralidade e do registro escrito.A leitura de diferentes gêneros textuais mobiliza conhecimentos que

envolvem os conceitos matemáticos, à medida em que exigem com-preensão, entendimento, reflexão, além das capacidades de relacionar, organizar, descrever, fazer conjecturas e analisar informações.

No processo de construção de diálogos entre a Língua Materna e Matemática a exploração da oralidade é um estímulo importante, pois propõe a sistematização do conhecimento, a argumentação, que evi-denciam o uso do pensamento matemático de forma significativa e apropriada ao contexto no qual se insere, por meio da verbalização dos procedimentos que adotaram (como, porque resolveram desta forma), justificativas, comentários, representações e esquematização dos conhe-cimentos prévios. Dessa forma Diniz e Smole (2001, p.17) reiteram que:

Estamos permitindo que [os alunos] modifiquem conhecimentos pré-vios e construam novos significados para as ideias matemáticas. Dessa forma, simultaneamente, os alunos refletem sobre os conceitos e os procedimentos envolvidos na atividade proposta, apropriam-se deles, revisam o que não entenderam, ampliam o que compreenderam e, ain-da, explicitam suas dúvidas e dificuldades.

O registro constitui-se em forma de sistematização do conhecimen-to, apropriação da linguagem, constituição da memória, comunicação da resolução da atividade ou mesmo formulação de um problema, sempre estimulando a criança a produzir os seus próprios registros e sentidos.

Por fim, podemos dizer que a aprendizagem da matemática por meio da linguagem evidencia a função da escrita para que muito mais que en-sinar a decodificação se construa um ambiente interativo que favoreça o informar, relatar, descrever, mas também que estimula a capacidade inventiva e questionadora, oportuniza a interação, o estabelecimento de relações, a aplicação de conceitos e, inclusive como instrumento de reflexão do conhecimento produzido de forma crítica.

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Orientadora de Estudos: Renata dos Santos Oliveira Silva Município: Pirassununga

A Arte como conhecimento está perfeitamente ligada à formação in-tegral do educando, pois nessa disciplina ele se expressa utilizando ele-mentos verbais e não-verbais, como resposta a realidade que ele mesmo pode transformar. Ao propor vivências com experiências artísticas, os alunos desenvolvem a percepção e o senso estético para a compreensão do mundo, tendo um diálogo mais efetivo com a realidade.

O conhecimento de conceitos significativos depende da relação es-tabelecida pela criança e as experiências vividas concretamente, apri-morando a sensibilidade, a forma de se comunicar e interagir com os outros e o mundo, compreendendo que ela faz parte de uma sociedade e que pode transformá-la.

É fundamental que o professor desenvolva uma prática pedagógica que estimule esse potencial dos alunos e os incentive à elaborar e reela-borar suas próprias ideias criativas num ambiente rico de provocações, que desafiem a criação e expressão de diversas linguagens- corporais, sonoras e visuais, oportunizando uma mudança significativa, um novo olhar sobre o mundo.

Uma pessoa criativa interage de forma diferente com o mundo. Desse modo, utilizando uma metodologia adequada, o professor define caminhos que serão percorridos pelos alunos no processo expressivo, usando méto-dos de investigação como: pesquisas, contatos com artistas, visitas à exposi-ções, concertos de música, apresentações de teatro e dança. Estes e outros recursos utilizados viabilizam a concretização dos objetivos previstos das diferentes áreas do conhecimento. Dentro de uma metodologia inovadora em Arte, é preciso envolver a prática, a apreciação estética e o conhecimen-to histórico, articulado em seu contexto social, além de intensificar no aluno o desejo de exploração e inserção no mundo letrado, fazendo-se entender e sendo entendido.

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Orientadora de Estudos: Claudia Maria Gordin Município: Arujá

Pensar em um projeto de Arte na escola e, especialmente um pro-

jeto que contemple o ensinar/ aprender Arte nas séries iniciais do Ensino Fundamental, requer a clareza de dois pontos fundamentais - 1) Arte é a área do conhecimento humano, patrimônio histórico e cultural da humanidade; 2) Arte é linguagem, portanto um sistema simbólico de representação.

A escola é um local privilegiado onde os saberes acumulados pelo homem é aqueles que serão produzidos coletivamente e são compar-tilhados na busca da construção do cidadão consciente, participativo, crítico, sensível e transformador da sociedade.

O professor precisa ter como foco principal o desenvolvimento às competências da leitura e da escrita, ele deve propiciar as crianças o acesso à leitura e produção de textos nas linguagens não verbais e tam-bém manipular, organizar, compor, significar, decodificar, interpretar, produzir, conhecer imagens visuais, sonoras e gestuais/corporais -to-dos requisitos indispensáveis. Pois, a leitura de mundo e o letramento vão além do texto escrito.

Assim, entendemos que aprender Artes envolve não apenas uma ati-vidade de produção artística pelos alunos, mas também a conquista da significação do que fazem, por meio do desenvolvimento da percepção estética, alimentada pelo contato com o fenômeno artístico visto como objetivo da cultura, por meio da história e como conjunto organizado das relações formais.

E o próprio ato de criar, construir, produzir que são os momentos em que a criança desenha, pinta, esculpe, modela, recorta, cola, canta, toca um instrumento, compõe, atua, dança, representa, constrói perso-nagens e simboliza esse processo de pensar/construir/fazer o lúdico e o estético incluindo atos técnicos e inventivos de transformar, de pro-duzir formas novas a partir da matéria oferecida pelo mundo da nature-za e da cultura onde vive.

Segundo Vygotsky nos mostra o desenho é como uma representa-ção da língua escrita em seu primeiro estágio. Os desenhos podem ser interpretados como um estágio preliminar no desenvolvimento da lin-guagem escrita, quando as crianças desenham objetos complexos, elas o fazem a partir das suas qualidades gerais e não pelas partes componen-

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tes. Portanto, a maneira global como realizam seus rabiscos e desenhos podem estar nos indicando as maneiras como entendem a representa-ção da língua escrita.

Concluindo, o professor deverá proporcionar aos seus alunos a lei-tura das mais diversas obras de arte e produtos artísticos de todas as épocas, povos, países, culturas, gêneros, estilos, movimentos, técnicas, autores, artistas, bem como as produções da própria classe envolvida.

Orientadora de Estudos: Andréia Cristina de OliveiraMunicípio: Arujá

Desde os primórdios, os seres humanos produzem formas visuais,

se expressam e se comunicam, atribuem sentidos, sensações, senti-mentos, pensamentos, realidades e sonhos, utilizando símbolos par-ticulares constituídos socialmente para exprimirem mundos objetivos e subjetivos. No entanto, a maioria dos professores esquecem dessa linguagem tão rica e prazerosa (Artes), que fica deixada para trás por volta dos seis anos de idade, fase em que se inicia um ensino mais formal, caracterizado por um ensino cronológico, gradual, hierárquico e de conteúdos sistematizados em que valoriza-se a linguagem verbal--escrita. Desse modo, ao interromper o desenvolvimento da lingua-gem gráfico-plástica (rabiscar, desenhar no chão, na areia, em muros) as crianças passam a reproduzir imagens estereotipadas e impostas pelos adultos.

O desenho infantil é o resultado da interpretação espontânea dos momentos de aprendizagem, da conquista, da organização e do ma-nuseio adequado dos materiais e das cores. Porém, como a escola enfatiza o desenvolvimento do raciocínio lógico e da comunicação verbal (oral e escrita), nesse momento são apresentadas às crianças algumas formas padronizadas como a casinha, o sol, a árvore, as nuvens azuis, a figura humana em forma de palito, entre outras, ou seja, é organizado um repertório reduzido de formas, que são deno-minados estereótipos.

A criança se torna mais “crítica” e descobre que seus traçados não conseguem imitar fielmente as formas reais e se convence de que não sabe desenhar, assim ela deixa de construir sua própria linguagem. Portanto, para que as crianças tenham possibilidades de se desenvol-

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verem na área expressiva, é imprescindível que o professor rompa seus próprios estereótipos, a fim de que consiga realizar intervenções pedagógicas no sentido de trazer à tona o universo expressivo infantil.

Orientadora de Estudos: Luzinaide Mota Klen Município: Ribeirão Pires

Arte é para artistas e professor não é artista... já pensei assim! Por muito tempo, a expressão artística ficou desvinculada dos saberes esco-lares, o ensino baseado nas crenças mecanicistas furtava das escolas a criatividade, os “exercícios estéreis a formação do homem”, como disse Carlos Drummond, tomavam conta das salas de aula. Aos poucos, a Arte foi encontrando seu espaço, primeiramente baseada em técnicas, essa foi a Educação Artística que provei na escola e que muitas vezes matava a “ARTE”.

Ainda hoje, quando a criança chega à escola quer seja na Educação Infantil ou nos anos iniciais do fundamental está cheia de ideias, um verdadeiro casulo de criatividade, sabe bem “ FAZER ARTE”, uma pelota de massinha vira de um nada a tudo nas habilidosas mãos desses pequenos escultores, um simples pedaço de papel vira um universo de desenhos, a criança viaja na imaginação transformando riscos, bolinhas, traçados em castelos, dragões, princesas, carros voadores, foguetes, en-fim ela usa o desenho para representar sua criatividade, seus sentimen-tos, desejos e angústias... isto não é ARTE ?

E o que faz a escola? - “Assim não, querido! O carro não voa!”, “Cadê a rua ?”, “Tem que fazer o sol, o chão, é assim que se faz uma casa..”, e assim, em menos de um ano, a criança já está VICIADA em desenhos escolares. Uma casa composta de linhas retas, com um tri-ângulo no telhado, uma porta e uma janela, uma árvore ao lado, um sol e uma flor com miolo e pétalas... onde foram parar os dragões ? os castelos? os foguetes... foram mortos pela viciante escola que deseja que todos reproduzam igualmente os preceitos e conceitos que julga essenciais.

É com pesar que assumo: já fiz isso! Nestes meus vinte e cinco anos de docência matei muita criatividade, apliquei muitos exercícios mecâ-nicos e alfabetizei sem paixão muitos alunos. “Águas passadas não mo-vem moinho” - no meu caso tem movido é muita reflexão. Sei que na

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minha caminhada enquanto alfabetizadora errei e acertei, nem dá para fazer as contas de quantas ensinei a ler e escrever e isso foram acertos, pois é maravilhoso ver uma criança descobrir o mundo letrado, é como se fosse uma lagarta que, após uma fase de inanição dentro do casulo, se liberta e ganha a liberdade, voando e conhecendo o mundo com um olhar muito diferente do de lagarta.

Ler liberta o ser humano e cria novas possibilidades. Sei que cumpri meu papel de alfabetizadora, mas poderia ter feito coisas diferentes. Hoje vejo a ARTE como parte da leitura, não dá para ler o mundo plenamente sem fazer uso da sensibilidade que a ARTE carrega em si. Se pudesse voltar no tempo, levaria comigo toda essa bagagem de conhecimento e a arte estaria num lugar privilegiado dessa “mala”, pois a ARTE na escola propõe experiências extraordinárias, coloca o alu-no como principal ator do processo educativo, levando-o a participar, perceber que seus sentimentos, ideias e criações não estão desconecta-das do aprender, pois esse processo mágico da aprendizagem ocorre de dentro para fora e não como pensamos por muito tempo...o professor ensina e o aluno aprende. Na verdade, só há aprendizado se houver SIGNIFICADO, não para quem ensina, mas para quem APRENDE!

Estou aprendendo muito no PNAIC, sinto como se estivesse rea-prendendo a ser professora e alfabetizadora, que não é só ensinar o B-A BA, é muito mais: é mostrar caminhos para que nossas crianças leiam o mundo sabendo interagir e agir dentro dele. E qual a modalidade da ARTE que seria melhor para o ciclo de alfabetização? Todas! Teatro, pintura, fotografia, música, dança, literatura, escultura, desenho, qual-quer manifestação artística pode e deve ser explorada pelo professor. No entanto, é importante ter claro os objetivos da atividade proposta e quais intervenções o professor deve realizar para fomentar a aprendi-zagem.

A ARTE é um instrumento maravilhoso que aguça e não pode ficar fora das salas de alfabetização ou restrita ao professor específico nos seus 50 minutos de aula. A escola precisa aprender a “pintar o sete” usando a Arte como passaporte para uma aprendizagem viva, rica, significativa, criativa, deixando e incentivando o casulo de professores e alunos a rom-per num turbilhão de criatividade. SOMOS ARTISTAS SIM!

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Coordenadora local do PNAIC: Cândida Margarete BrienseMunicípio: Águas de São Pedro

Ao refletirmos sobre Artes, pensamos em história, cultura, valores, emoção, tanto do criador de uma obra quanto dos apreciadores desta, os quais são remetidos a sentimentos subjetivos. É por meio da Arte que o ser humano se compreende e compreende o mundo que o cerca.

A arte sempre esteve presente na vida do homem e desde a mais ten-ra idade as crianças se expressam artisticamente. Rabiscos, aos olhos de um adulto, são expressões significantes produzidas pela criança.

Na educação a arte é uma presença forte no cotidiano, embora não seja considerada como tal. O próprio PCN (1997, p.17) em seu volume destinado à Arte afirma que “A educação em arte propicia o desenvol-vimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracteri-zam um modo próprio de ordenar e dar sentido à existência humana”. Assim, pensar em arte e alfabetização é uma combinação perfeita. A arte está diretamente ligada à razão e à emoção da criança, promovendo uma educação integral.

Disciplina obrigatória no currículo escolar brasileiro, a Arte vem sen-do oferecida de forma pouco satisfatória, muitas vezes como mero pas-satempo ou como meio de manter as crianças ocupadas ou distraídas. É um instrumento de lazer e não uma ferramenta de trabalho. Em muitas escolas é ministrada pelo professor polivalente e está sujeita à experi-ência, ou não, deste professor na área. Este fato não exime o professor habilitado de usá-la corretamente.

Digamos que é imprescindível no processo de alfabetização a inter-disciplinaridade com a arte, uma vez que esta é fator de desenvolvimen-to da coordenação motora, capacidade de atenção e concentração, re-conhecimento de cores, formas, memórias... e o que são as letras senão retas e curvas?

É fundamental ofertar às crianças atividades significativas com mú-sica, teatro, expressão corporal, desenho, imitação, dança, enfim, com as inúmeras linguagens artísticas dando sentido ao aprendizado através da vivência, consolidando a alfabetização de forma criativa e prazerosa.

Relato uma experiência bem sucedida por uma colega de trabalho, uma vez que não estou mais em sala de aula. A professora do 1º ano apresentou a parlenda “UNI DUNI TE” aos alunos e as professoras de Arte e Música trabalharam juntas a origem da música, a brincadeira,

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a letra inicial e final das palavras, quais alunos tinham o nome que co-meçava com a mesma letra, a confecção do sorvete colorê entre outras atividades. Foram momentos muito ricos em que as crianças e as profes-soras aprenderam e se realizaram ao produzir o trabalho.

Coordenadora local do PNAIC: Nilce Helene Poiatti DanagaMunicípio: Descalvado

A Arte é um assunto que permeia a imaginação e a curiosidade dos seres humanos desde épocas remotas quando os nômades se utilizavam de abrigos naturais e ali nas pedras imprimiam todas as manifestações, que se desenvolveram antes do surgimento das primeiras civilizações. Isso ocorreu com uma diversidade grande de povos em diferentes locais.Ela está presente em toda a história das civilizações e, na área educacio-nal também fez parte dos currículos desde o Trivium e o Quadrivium - as sete Artes Liberais - até a atualidade, cada vez mais se pronunciando tanto na forma de expressão artística, quanto na forma cultural - de re-conhecimento e valorização de autores pelo mundo afora.

Referenciamo-nos aqui a Arte enquanto disciplina que, após a ins-tauração dos Parâmetros Curriculares Nacionais - 1996, se fez presente em todos os níveis de escolaridade, desde a Educação Infantil, trazendo possibilidades de compreensão da mesma como manifestação humana, sendo elaborada para que o professor pudesse conhecer a área na sua contextualização histórica e ter contato com os conceitos relativos à natureza do conhecimento artístico.

Tendo como base esse documento e outros que estão ao alcance dos professores, não podemos dizer que a Arte está distante da realidade dos mesmos - como ocorria em décadas passadas, em que somente a pintura de um desenho já construído e rodado em mimeógrafo fazia parte de sua prática pedagógica. O trabalho disciplinar e interdisciplinar da Arte é um meio em que podemos dar sentido ao ensino e à aprendi-zagem, no qual alunos e professores podem realizar juntos seus projetos envolvendo pesquisas, saberes e fazeres.

A interdisciplinaridade em si passa a ser um processo de dar e re-ceber, é movimento, é constante transformação de novas descobertas e possibilidades. Esse caminho pelo mundo da alfabetização pode ser explorado de forma que a criança é convidada a conhecer, por exemplo,

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um artista e, suas obras, e estes passam a fazer parte das aulas sendo um tema gerador. A partir dessas obras, que servirão de pretexto para o trabalho com textos, imagens, frases, palavras, letras, o trabalho do professor partiria para a exploração das obras no que concerne suas for-mas (Matemática), a Geografia (tratando-se de uma paisagem), Ciências (obras com pessoas - etnias), etc.

A motivação da criança que quer conhecer mais sobre o artista ou uma de suas obras o levará a percorrer o processo de alfabetização sem se dar conta. Muitos outros aprendizados estarão engajados na leitura e escrita fazendo do aluno um protagonista de seu aprendizado, alfa-betizando-se, transformando a si próprio e também o mundo. Como expressou Leonardo da Vinci - “Saber não é o bastante, necessitamos aplicar o conhecimento”, e isso uma criança envolvida com seus saberes e suas práticas realizará, pois está vivenciando e degustando esse duplo aprendizado - o conhecimento da leitura, escrita e interpretação e o co-nhecimento da Arte como forma de expressão.

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O infinito em páginas: Um olhar sobre o livro infantil

Joice Camila Corsi

Um folhear mais acurado nos livros infanto- juvenis pode eviden-ciar muito do que se espera deste material. O livro paradidático tem sido utilizado pelo MEC como uma importante ferramenta no processo de letramento e alfabetização. Suas contribuições são notáveis, já que permitem ao professor introduzir e conduzir a criança pelo universo letrado utilizando-o como um valioso instrumento mediador da apren-dizagem, e principalmente motivando nos alunos, desde a mais tenra idade, a curiosidade e consequentemente o prazer que uma boa leitura pode proporcionar.

Segundo Kleiman (1995a, p. 49), “a leitura é um ato individual de construção de significado num contexto que se configura mediante a interação entre autor e leitor”. Cabe, portanto, ao professor encontrar meios para promover esta interação. Ler para os alunos é uma excelente oportunidade para envolver os educandos nesse contexto tão rico, em muitos casos esse será o primeiro contato efetivo da criança com este material, já que, segundo Miguez (2000, p. 28), “na maioria dos casos, a escola acaba sendo a única fonte de contato da criança com o livro e, sendo assim, é necessário estabelecer-se um compromisso maior com a qualidade e o aproveitamento da leitura como fonte de prazer”.

CONTRIBUIÇÕES DA EQUIPE TÉCNICA PNAIC/UFSCAR

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O percurso diacrônico do livro infanto- juvenilUm dos primeiros livros destinados ao público infantil foi “Orbis

sensualium pictus” [O mundo visível em pintura], escrito por John Amos Comenius entre os anos de 1651 e 1654, e publicado pela primeira vez em 1658, ele teria sido o primeiro livro a trazer ilustrações direcionadas às crianças, o que facilitava sobremaneira a interpretação delas. Segundo Linden (2011, pp. 8 –9).

Assim, ler um livro ilustrado não se resume a ler texto e imagem. É isso, e muito mais. Ler um livro ilustrado é também apreciar o uso de um formato, de enquadramentos, da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é também associar representações, optar por uma ordem de leitura no espaço da página, afinar a poesia do texto com a poesia da imagem, apreciar os silêncios de uma em relação à outra (....) Ler um livro ilustrado depende certamente da formação do leitor.

No entanto, muito antes da confecção ou impressão dos livros infan-

tis, podemos ressaltar a relevância dos contos clássicos que, antes de se eternizarem tanto nas páginas dos livros paradidáticos quanto nas gran-des produções cinematográficas, não passavam de narrativas, oriundas de diversas culturas, de tradição oral, e que como herança familiar, pas-savam de pais para filhos. Não eram direcionadas exclusivamente às crianças, a maioria tinha desfechos trágicos, e severas punições para os transgressores, que refletiam em certa medida o ideal de infância na Idade Média, principalmente anterior ao século XV, quando a sociedade fazia pouca distinção de faixa etária, diferente de hoje. Segundo Áries (1981, p.10):

A sociedade via mal a criança, e pior ainda o adolescente. A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos.

Coube a Charles Perrault, aos irmãos Grimm e a Hans Christian

Andersen, entre outros escritores, coletar esses relatos da oralidade e adaptá-los para o universo infantil, criando, posteriormente, o que hoje conhecemos por conto de fadas. Muitos deles foram adaptados, sendo que poucos conhecem sua versão original já que segundo Bettelheim

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(2003, p. 22), “[...] a maioria dos contos se originou em períodos em que a religião era parte muito importante da vida; assim, eles lidam, diretamente ou por inferência, com temas religiosos”. Um exemplo do abandono das versões originais, fica ilustrado pelos contos; A filha da Virgem Maria, O osso cantante, A noiva do ladrão, entre outros, todos com características eminentemente cristãs. Outro motivo que teria inviabili-zado a manutenção dos contos segundo as narrativas originais, seria o teor violento de muitos deles além dos desfechos macabros.

De toda forma, certamente os contos foram e ainda são de gran-de relevância, já que essas produções precursoras serviram de inspira-ção para o desenvolvimento do incrível mundo dos livros de histórias infanto-juvenis.

Um rico acervo O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) dis-

ponibilizou um acervo de literatura para as redes de ensino que aderiram ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). No por-tal do MEC, na aba “ Acervos Complementares”, é possível encontrar uma lista com todos os exemplares disponibilizados e direcionados para cada um dos três primeiros anos do Ensino Fundamental. O professor pode contar com títulos de diversos gêneros textuais, tais como Livros Literários Narrativos, Histórias em Quadrinhos, Biografias, Livros de Imagens (sem legenda), Livros de cantigas, parlendas, trava- línguas, en-tre outros. Segundo Brasil (2012, p.23)

Ao contrário das coleções didáticas, as Obras Complementares não fo-ram escritas para o professor. Por isso mesmo, não objetivam concreti-zar um plano de curso, nem estabelecer roteiros de aula. Nenhum deles pretende, ainda, nem cobrir todo um programa de ensino, nem propor a alunos e professores um apoio permanente para o cotidiano da sala de aula, como os dicionários, atlas e enciclopédias. Na verdade, foram escritos para estimular e ajudar a formar os jovens leitores; e é a essas crianças de até oito anos que eles pretendem seduzir, informar, divertir, convencer etc. Dentre esses livros estão alguns sobre os quais discorreremos, com

o intuito de otimizar o acesso aos seus conteúdos.

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A árvore generosa - Editora Cosac & Naify, de Shel Silverstein, foi traduzido por Fernando Sabino. O livro conta a história de um menino e seu relacionamento fraternal com uma árvore. O que a princípio era uma relação de amizade e ternura dá lugar a raros encontros, já que a criança cresce, envelhece, e não dá mais a costumeira atenção à árvore que se mantém a mesma; amorosa e servil. As ilustrações de Shel Sil-verstein são em preto e branco. O desfecho consegue cativar o leitor pelo apelo emocional e a lealdade da árvore.

A melhor família do mundo - Editora Base Sistema Educacional, de Susana López, traduzido por Rodrigo Vilela. Esse livro traz a história inspiradora de Carlota, uma menina que vivia num orfanato e diante da notícia da adoção começa a imaginar várias possibilidades da família perfeita. Quando finalmente vai morar com os pais adotivos percebe que ainda que eles não sejam piratas, nem doceiros, nem nada inusi-tados, eles são os melhores pais que ela poderia ter. As ilustrações de Ulisses Wenselle conseguem captar as emoções da pequena menina e chegam a tocar o leitor pela doçura. Aqui é a minha casa - Martins Editora, de Jérôme Ruillier, foi traduzi-do por Estela dos Santos Abreu, este é um livro no qual prevalece o tex-to visual. As ilustrações de Jérôme Ruillier são criativas, e junto ao texto verbal adicionam significado a história. O menino descobre que é mais legal ter amigos ao invés de ficar delimitando o espaço e as amizades. Até as Princesas Soltam Pum - Editora Brinque Book , de Ilan Brenman revela que até as princesas; seres idealizados soltam pum. O pai conta à Laura, as peripécias de famosas princesas, que segundo ele também cometiam tais “gafes”. As ilustrações de Ionit Zilberman são encantadoras e complementam a bela obra. Bruxinha Zuzu - Editora Moderna, de Eva Furnari é majoritariamente um livro de ilustrações. A Bruxinha Zuzu é um pouco diferente das de-mais, pois sua varinha é de fada. O texto visual e as curiosas ilustrações dão dinamismo à obra.

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Chapeuzinho Vermelho - Uma aventura borbulhante - Editora No-bel Franquias, de Lynn Roberts reconta a tradicional história de Cha-peuzinho Vermelho. Na nova trama a menina de capa vermelha dá lugar a Tomas, um menino de casaco vermelho que adora ouvir os relatos dos viajantes que passam pela pensão dos pais. A trama segue na mes-ma direção da anterior, isto é, com um lobo, uma vovó, até o desfecho inusitado; em que o lobo e a Chapeuzinho chegam a um trato. As ilus-trações de David Roberts são fascinantes, os personagens usam roupas glamurosas já que a história foi ambientada no século XVIII, período em que o vestuário era muito requintado. Condomínio dos monstros - RHJ Livros, de Alexandre de Castro Gomes conta a rotina dos habitantes de um prédio nada convencional. Os monstros do local, em especial a múmia, exigem uma reunião de condomínio para se queixarem dos problemas com os outros morado-res, mas a múmia acaba sendo vítima de um plano que a manda de volta para o Egito. O livro é muito bem ilustrado por Cris Alhadeff. Há uma equivalência entre texto verbal e visual. De quem tem medo o Lobo mau? - Elementar Publicações e Editora, de Silvana de Menezes, conta a história de um lobo velho e de um caça-dor também vitimado pela idade e cheio de lembranças de um passado de glórias. As enigmáticas ‘ ilustrações que também são da autora estão em preto e branco, o recurso ajuda a dar o tom a trama, já que refletem a oposição vida e morte. É tudo invenção - editora Ática, de Ricardo Silvestrin é um livro in-teressantíssimo, com ilustrações e textos muito criativos. O exemplar descreve a invenção de várias coisas no mundo, não do ponto de vista da ciência, mas de uma forma ficcional e extremamente criativa. Os desenhos de Luiz Maia parecem feitos de linhas coloridas, com caneta comum, são autênticos e garantem muito significado ao exemplar. Feminina de menina, masculino de menino - Casa da Palavra Pro-duções Editora, de Márcia Leite mostra de forma bem suave como meninos e meninas se enxergam e como veem o sexo oposto. As ilus-trações de Sônia Magalhães são sensacionais, refletem os conflitos de gênero explorado pelo livro e contribuem para uma excelente leitura.

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Isto é um poema que cura os peixes - Editora Comboio de Cor-da, de Jean-Pierre Siméon traduzido por Ruy Proença, a história conta como ouvindo um pouco da poesia de cada pessoa é possível compor um poema inteiro capaz de curar até um peixe doente. As ilustrações de Olivier Tallec são belíssimas, repletas de significado, assim como o texto verbal. Mamãe, por que os dinossauros não vão à escola? - Berlendis Editora, de Quentin Gréban e tradução de Newton Cassiolato, narra as curiosas perguntas que uma criança faz sobre a vida dos animais e as respostas nada convencionais de sua mãe. O texto verbal é bem fluido e o texto visual é bem humorado, ele ilustra as respostas nada convencionais que a mãe dá as questões levantadas pela criança. O leão e o camundongo - Da editora WMF Martins Fontes, de Jerry Pinkeney e tradução de Monica Stahel é uma adaptação da famosa fábula de Esopo, mostra que até o “rei dos animais” pode precisar de ajuda. O livro é praticamente todo ilustrado, conta apenas com algumas onomatopeias, enquanto os incríveis desenhos do aclamado ilustrador Jerry Pinkney ocupam quase que na íntegra as páginas do exemplar.

Lino - Callis Editora, de André Neves um premiado escritor, conta a relação de amizade que um porquinho de brinquedo constrói com a Lua, uma coelhinha de brinquedo que acende uma luz na barriga quando dá uma gargalhada. Triste pelo seu desaparecimento ele acaba reencontrando-a na casa de uma bela menina chamada Estrela, quan-do inesperadamente vira o presente da criança. O livro tem ilustrações instigantes, maravilhosas, minimamente pensadas, além de ser um texto muito fluido. O maluco do céu – Editora Gutenberg Comércio e Representações, de Ana Gobel conta de forma fictícia como surgiram os continentes. O tal “maluco do céu” é na verdade um rochedo que mora no fundo do oceano, mas sonha com a superfície. O trabalho de ilustração desse texto é muito inusitado, autêntico, e algumas imagens são projetadas no exemplar. O texto verbal se equilibra com o texto visual, garantindo uma excelente experiência ao leitor.

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Os três jacarezinhos - Autêntica Editora, de Helen Ketterman é uma divertida paródia de Os três porquinhos. Nessa história os jacarés saem da casa da mamãe e precisam construir suas casas para se esconderem de um javali muito perigoso; Javali Bundudo. Como no outro conto a his-tória tem um final feliz, e também ensina que nem sempre o mais fácil é o mais seguro. As belas ilustrações de Will Terry são bem humoradas e funcionam como um texto paralelo, e mais do que ilustrar, poderiam contar a história apenas com os textos visuais. Palavras, palavrinhas e palavrões - editora FTD, de Ana Maria Ma-chado conta a divertida história de uma menina e sua relação de curiosi-dade e descoberta com as palavras. O que afinal era um palavrão, como a mesma palavra se referia a duas coisas? Essas indagações podem ser vistas nas páginas do livro bem ilustrado pela autora, em que texto ver-bal e visual se equilibram e garantem uma gostosa leitura. Quando nasce um monstro - Editora Richmond Educação, de Sean Taylor e tradução de Lenice Bueno narra várias hipóteses para quando nasce um monstro e sempre apresenta duas possibilidades para cada circunstância, até que por fim a pergunta seja respondida. As ilustrações de Nick Sharratt são muito interessantes, fortes, criativas e são comple-mentadas pelos efeitos de diagramação. O texto visual ocupa grande parte da obra, e garantem um toque de humor à história. Quem tem medo do ridículo - Editora Gaia, de Ruth Rocha fala do maior medo que uma pessoa pode enfrentar; o medo do ridículo. Conta as situações embaraçosas que podemos vivenciar. O livro é bem diverti-do e distribui de forma equilibrada o texto verbal e o visual. Só um minutinho - Editora FTD, de Yuyi Morales e traduzido por Ana Maria Machado é uma história muito instigante. Aparentemente “a morte” na forma de um simpático esqueleto aguarda a vovó Carocha, mas não antes dela preparar dezenas e dezenas de gostosuras para os seus nove netos que a visitam em seu aniversário. A festança faz o es-queleto desistir de levá-la, só para poder voltar no próximo aniversário. As ilustrações de Ana Maria Machado são ótimas e harmonizam com o texto escrito.

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Tanto, tanto! - Gráfica e Editora Anglo, de Trish Cooke e traduzi-do por Ruth Salles conta a história de uma família muito harmoniosa. Pouco a pouco os parentes vão chegando para o aniversário do papai, o anfitrião da casa e o pequeno menino; o bebê, muito amado por to-dos pode desfrutar de muitos mimos, carinhos de todos aqueles que o amam TANTO, TANTO! As páginas têm belíssimas ilustrações de Helen Oxenbury. Vizinho, Vizinha - Editora Schwarcz, de Roger Mello conta a rotina de vizinhos do mesmo prédio, suas inusitadas manias e hábitos guardados no interior de seus apartamentos na rua do Desassossego. O pequeno texto todo em caixa alta divide o espaço com ricas ilustrações feitas por Graça Lima e Mariana Massarani que ocupam boa parte das páginas. O texto visual é tão rico que poderia contar uma história sem precisar do texto escrito.

Considerações finaisDiante da pequena amostra do acervo disponível, é importante res-

saltar que seja para a leitura deleite, ou para auxiliar o professor servindo como ponto de partida para uma abordagem interdisciplinar, o livro paradidático cumpre o seu papel. A leitura acompanha o homem desde o princípio de seus dias, não necessariamente a escrita, mas toda for-ma de texto que se apresenta aos nossos olhos. De acordo com Freire (1986,p.22) “[...] a leitura do mundo precede a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele’’.

O livro de história infanto-juvenil tem um aspecto lúdico, pois per-mite que a criança utilize sua criatividade, seu poder imaginativo, consi-ga fazer associações entre o texto escrito e o texto visual de forma mais natural. Popularizar a leitura por meio da democratização do acesso e da mediação constante nesses momentos tão preciosos são responsabi-lidades que cabem a todos os envolvidos no processo. Essa pequena ex-posição do acervo complementar teve como propósito elucidar alguns títulos e suas peculiaridades, para nortear o professor acerca das inú-meras possibilidades que ele dispõe na sua digníssima tarefa de educar.

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Referências bibliográficas ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. 2ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. BRASIL. Acervos complementares : alfabetização e letramento nas diferentes áreas do conhecimento / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. -- Brasília : A Secretaria, 2012. CORTE, Ângela Christina de Oliveira. Professor e construção do leitor: importância da forma-ção docente em leitura. São Paulo, 1998. Tese (Mestrado). Faculdade de Educação/USP.FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80 p.KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes. 1995.MIGUEZ, Fátima. Nas arte-manhas do imaginário infantil. 14. ed. Rio de Janeiro: Zeus, 2000.LINDEN, S.V. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011.DALCIN, Andréa Rodrigues. A leitura do livro ilustrado e livro-imagem: da criação ao leitor e suas relações entre texto, imagem e suporte. In: IX ANPED Sul Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. Caxias do Sul, 2012.

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Pitágoras, o serrote e a caixa de giz de cera

Daniel Perico Graciano

Ocidente - AcidenteNo que afinal consiste a música? Na maioria dos dicionários encon-

traremos algo como: “a música é a arte de combinar sons e ritmos”... Mas, neste momento, não estamos interessados em dicionários. Dicio-nários são frios e nada sabem sobre a emoção que podemos sentir ao sermos tocados por um Stravinsky, um Villa Lobos, um Bartok e mes-mo por um Tião Carreiro e Pardinho.

Os gregos, que muitos consideram os pais da teoria musical do oci-dente (que cá entre nós deveria ser chamado de acidente), também bati-zaram essa arte: “mousiké tékne”. Traduzindo literalmente chegamos em “arte das musas”.

Mas porque essa séria brincadeira de relacionar ocidente à aciden-te? Minha justificativa é simples: acaso para combinar sons e ritmos é preciso algo mais que criatividade? Os passarinhos não estudam os módulos gregos, o atonalismo, o dodecafonismo nem o serialismo para cantar suas melodias nos domingos de manhã. Toda prática cultural é de autoria da humanidade. O povo Kayapó, por exemplo, dependeu das regras criadas pelos gregos ou pelo papa Gregório para compor seu belo canto Kworo Kango? É obvio que não. Longe de mim desmerecer ou subestimar o trabalho importantíssimo dos nossos professores de música, muito pelo contrário. O que pretendemos aqui não é necessa-riamente desenvolver uma percepção musical, mas estimular o uso da criatividade por meio da interdisciplinaridade, e devo ressaltar que esses dois termos não rimam por acaso. Então, vamos lá!

Por uma música aberta

No século passado, alguns pensadores e vários artistas perceberam que a música (a arte em geral) pode ser um exercício criativo muito mais “livre” do que normalmente imaginamos. Compositores como o alemão Karlheins Stockhausen (de nome complexo e personalidade simples) e o italiano Luciano Berio criaram algumas obras em que a liberdade do

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executor consiste em estruturas de combinação e montagem de pe-quenos trechos de partitura, ou seja, o maestro tem uma partitura e uma orquestra à sua frente para literalmente brincar com ambas: se ele quiser tocar a partitura de trás para frente, se quiser começar do compasso 215 e continuar do compasso 4, finalizando a execução com o compasso 1 (ou tudo isso ao contrário), a escolha é dele, a música não perderá em qualidade e tudo fará “sentido”.

O compositor Henri Pousseur (com esse nome nem precisamos fa-lar que era francês) criou uma peça meio maluca chamada Trocas, que consiste na exploração de um campo de possibilidades: cada parte pode ser encaixada em outras duas e, ao mesmo tempo, duas partes podem ser encaixadas no tempo de uma; trata- se de uma brincadeira cronoló-gica com as 16 seções que constroem a partitura.

O conteúdo e a expressão são moldáveis, de acordo com a vontade do executor. O universo, na arte, é um universo individual, ou o indi-vidual como universo, dar tonalidade a um conteúdo, expressá-lo em forma de arte, é o mesmo que dar um sopro cósmico. O ouvinte que contempla uma música “aberta” compreende nela suas próprias pers-pectivas, sua própria memória, seus medos, seus preconceitos.

Vamos passar agora a outro tipo de experimento que vale a pena ser relatado. Havia, também na França, dois compositores que apresenta-ram grandes contribuições para a música contemporânea: Pierre Henry e Pierre Schaeffer (o único problema era quando os dois estavam juntos e alguém gritava: “Pierre!”...). Schaeffer experimentou a execução de sons tocando-os no sentido inverso, alterando o tempo dos compassos e criando contrapontos por meio da sobreposição de sons; uma obra bem representativa é Étude aux chemins de fer, de 1948. Pierre Henry, co-nhecido pela obra Messe pour le temps présent, de 1967, uniu fragmentos de sons naturais e artificiais; ele conseguia gravar a partir dos sons de coisas como motosserras, motores e coisas do gênero, além de elementos da natureza, e, acredite se quiser, de instrumentos musicais (como pode um compositor de música erudita usar instrumentos musicais ?!!!).

Um outro bom exemplo de experimento musical está relacionado ao nome do compositor russo Ivan Wyschnegradsky, que nos remete a duas coisas; a primeira sem dúvida é uma questão que surge mesmo quando não sabemos de sua contribuição; essa questão é: como se pronuncia isso? A segunda seria sua associação dos 12 tons da escala cromática às cores, sendo: dó = vermelho, dó# = vermelho alaranjado, ré = laranja,

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ré# = amarelo alaranjado, mi = amarelo, fá = amarelo esverdeado, fá# = verde, sol = verde azulado, sol# = azul, lá = azul “violetado”, lá# = violeta e si = violeta avermelhado. A partir dessas associações, Wys-chnegradsky, elaborou um projeto em que uma espécie de cúpula he-misférica que continha um grande número de células criadas por luzes coloridas se acendiam quando as notas que lhe eram correspondentes soavam. O sinestésico experimento wyschnegradskyano pode gerar um número infinito de obras criativas envolvendo som e imagem, além de auxiliar muito no treinamento de um ouvido musical. Há, sem dúvidas, um claro exemplo de sincretismo aí, um diálogo em que o cromático e o sonoro coexistem e promovem uma “brilhante” tradução intersemió-tica. Esse sincretismo se manifesta por meio da concomitância das duas linguagens (cores e notas), as intervenções acontecem como interferentes, em outras palavras, as duas formas juntas constroem o mesmo efeito de sentido, agindo por sinestesia.

Interdisciplinaridade e criatividade Vamos imaginar uma cena um pouco improvável: damos um trom-

pete para o Miles Davis, um serrote para Pierre Henry e uma caixinha de giz de cera, ou melhor, um piano para Wyschnegradsky:

- O russo cria uma harmonia de 4 compassos e 4 tempos numa pro-gressão: vermelho – verde – azul – amarelo;- Quantos quartos de tempo durará cada nota?

Ainda insistindo em nossa viagem sonora: o serrote de Henry (por-que Pierre temos dois, e, pensando melhor, Henry com “y”, porque o segundo nome de Pierre Schaeffer era Henri, com “i”) vai entrar na nossa “jam session”, mas foi convencionado (!!) que por ser um instru-mento musical um tanto melodioso, cada nota executada por esse serro-te duraria dois tempos dentro de cada compasso: quantas notas seriam executadas por ele no intervalo entre 7 desses compassos? Quanto ao trompete de Miles Davis, vamos deixar pra lá, ele já fez tudo que era possível e impossível.

Nós, os músicos, até queríamos acreditar que a matemática não exis-te, que o que realmente existe é a presença matemática nas coisas e chega uma hora em que percebemos que isso é verdade. Quando va-

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mos aprender a ler as partituras (aliás, me lembro de uma do Bach que quase me enlouqueceu) somos forçados a desenvolver um raciocínio matemático bem rápido, caso contrário não há monge budista que te-nha paciência. Um dos primeiros exercícios na formação de um músico consiste na compreensão, além das notas, dos tempos de duração e sua repartição dentro dos compassos. Cada nota traz consigo, na partitura, um signo que nos indica seu tempo de duração relacionada.

A mitologia dos sons Pitágoras, o samiano, filósofo Grego “morto desde 496, 497 a.C”

(há uma lenda que diz que morreu porque um gavião confundiu sua cabeça calva com uma pedra e atirou uma tartaruga para que o casco se quebrasse), um dia caminhava por Samos, quando ouviu um ferreiro construindo uma espada. Esse ferreiro usava quatro martelos. Esses martelos soavam harmonicamente, exceto um. O pensador resolveu então se perguntar o porquê daquele martelo desafinado tentar estra-gar a música minimalista (que ainda não era nem música e tampouco minimalista), mas não encontrou resposta. Tentou então relacionar o peso dos martelos ao som: a massa de cada um deles era de 12 quilos, 9 quilos, 8 quilos e 6 quilos. O próximo passo do pensador foi fazer um experimento em seu monocórdio, e o resultado dessa experiência foi a descoberta de que o martelo que pesava 6 quilos tinha a metade (1/2) do peso do martelo de 12 quilos, assim como o martelo de 8 quilos tinha 2/3 do peso do mesmo martelo de 12 quilos, tal como o de 9 quilos correspondia a 3/4.

Devemos aqui nos lembrar de que a escala cromática tem 12 notas.Mas o que esses números nos dizem? Se eu pressionar a metade da

corda do meu violino ele soará a mesma nota da corda solta, só que bem mais aguda: é o que chamamos de uma oitava (7 tons inteiros, mais um, aquele se repete). Se a primeira corda, por exemplo, solta soa a nota mi, pressionando dois terços da corda teríamos a nota lá, três quartos de 12 são 9, e lá é a nona nota da escala cromática se partir-mos de mi... E assim surgiram as primeiras escalas musicais do mundo ocidental, chamadas (não sei por que) de modos gregos.

Não fica difícil concluir que tanto a Matemática pode ser de grande auxílio na compreensão da arte como a arte pode ser de grande auxí-lio na compreensão da Matemática. Nada mais maçante que aprender

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estruturas abstratas por meio de abstracionismos, por isso, quando nosso objeto de estudo ganha uma roupagem concreta, ele se torna muito mais prático e instigante, pois talvez nosso erro seja tentar en-fiar coisas dentro de nossa cabeça à força, lembrando as palavras de Gilles Deleuze (1972, p. 23): “o erro é o acerto de um movimento errado” (tradução nossa).

Devemos talvez, fazer como fez Wyschn..., colorir o preto e branco da abstração do mundo.

Referências bibliogáficas:DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. L’Anti-OEdipe – Capitalisme et schizophrénie. Paris: Les éditions de minuit (coll. Critique), 1972.ECO, Umberto. Obra Aberta. São Paulo: Perspectiva, 1997.SCHAEFFER, Pierre. De la musique concrète à la musique même. Québec: Mémoire du Livre, 2002.PAHLEN, Kurt. História universal da música. São Paulo: Melhoramentos, 1965.

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O universo de Beatriz Milhazes

Gabriela Scardone Ávila

É pensando na multidisciplinaridade e na interdisciplinaridade entre conteúdos de português e de matemática, por meio da arte, que surge a possibilidade de trabalhar com as obras de Beatriz Milhazes, artista de grande destaque no cenário mundial atual. Isso porque suas obras apresentam certa facilidade de reprodução no que diz respeito às com-posições formais. Nesse artigo vamos procurar fazer um exercício - por meio de percursos teóricos - de explicitar esses padrões, além de conhe-cer um pouco sobre a artista.

Beatriz Milhazes é brasileira, nascida no Rio de Janeiro, no ano de 1960. Formada em comunicação, durante o tempo em que morou no Brasil frequentou cursos livres de Artes Plásticas no Parque Lage e foi, por algum tempo, também professora de Matemática. Após passar por ambientes e áreas de atuação aparentemente distintas, a artista desen-volve, em 1989, uma maneira própria de criar suas obras.

As obras de Beatriz Milhazes têm como características principais a intensidade das cores, das figuras geométricas e seus dinamismos, além de uma forte inspiração no estereótipo visual brasileiro, criado por meio de elementos de contrastes e de excessos.

Outro ponto interessante de suas obras são os títulos que carregam, como:

Rosa branca no centro, 1997Serigrafia, 76.2 x 76,2 cm

Papel Somerset Velvet Radiant White 300gm2

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Em que a rosa ao centro é, arbitrariamente, azul.Os mecanismos lógicos que conduzem o percurso do olhar para den-

tro da obra merecem destaque: a atenção do observador é mantida por mais tempo, afinal “algo precisa ser resolvido”. No processo de leitura que se estabelece na relação entre o visual e o verbal, as duas formas de linguagem se entrelaçam por, aparentemente, evocarem sentidos opos-tos: à medida que o olhar é guiado para o centro, a “rosa branca” tor-na-se negra. No jogo entre o verbal e o visual, observamos, então, uma tentativa de tradução, evidenciada justamente pela não coincidência de sentidos evocados pelas duas linguagens: como sabemos, uma tradução é sempre uma traição. E aqui ela nos parece mais do que evidente.

Para a teoria semiótica greimasiana, as articulações entre o /ser/ e o /parecer/ são representadas por meio do quadrado semiótico da veridicção, que se configura da seguinte maneira:

Ao aplicarmos essas articulações ao trabalho de Beatriz Milhazes, construímos, até certo ponto, uma verdade, pela confirmação que se estabelece na convergência entre as duas linguagens: o verbal nos diz que há uma rosa onde, de fato, o olhar a encontra. Mas esse encontro é desencadeador de uma inquietação, pois frustra a expectativa gerada pelo verbal, já que onde se esperava encontrar o branco, encontra-se o azul: mentira, segredo, falsidade?

A artista tenta se explicar: “O branco é a minha cor favorita, mas te-nho muita dificuldade de trabalhar o branco, porque tenho a impressão de que ali é onde o olhar vai e fica, é difícil sair e se mover para outro lugar” (SESCTV, 2007).

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Pois, se o branco não é mesmo uma cor que chama atenção?! Kan-dinsky, no seu Curso da Bauhaus (1922-1933), observa a reflexão da luz sobre as cores, sendo a cor branca a que menos absorve a luz, apenas 8%, refletindo todo o resto. É também, além da maior quantidade de luz, a onda mais longa, o que significa que esta é a cor que primeiro en-xergamos quando somos expostos juntamente a outras tantas.

Frequência e comprimento das ondas nas cores

O curioso sobre a rosa branca – que se mostra azul – é que esse azul vai ser tornando cada vez mais escuro conforme chega ao centro, bei-rando ao preto, sua cor complementar. Que, aliás, produz um efeito de profundidade, uma vez que as cores claras e luminosas são as primeiras que saltam aos nossos olhos, o que também cria um efeito tridimen-sional. Várias possibilidades se apresentam, então, pela exploração dos recursos da luminosidade. Aplicando-os à Rosa branca no centro, obte-mos o seguinte resultado:

Rosa branca no centro Rosa negra no centro

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Ao invertermos as cores do quadro, opondo o claro ao escuro, obte-mos como efeito uma oposição de cores, momento em que passamos a enxergar a rosa branca no centro, como a revelação de um segredo: não parecia mas, de fato, havia mesmo uma rosa branca no centro, em certa medida escondida pela rosa azul.

Verbal e visual, assim, tanto quanto as cores, se complementam para convidarem o leitor a se aprofundar em seu processo de produção da significação, não se restringindo apenas aos elementos que mais se evi-denciam, mas buscando aqueles que se interpenetram e se pressupõem. Por princípio, o sentido se constrói não pelos elementos isolados, mas por suas articulações. Isoladamente, pois, nem o azul nem o branco se sustentam, mas inter-relacionados ampliam a condição de leitura.

Utilizando-nos dos conceitos da teoria dos conjuntos, podemos evi-denciar as associações semânticas presentes na obra, já que vemos que uma versão da obra estaria derivada na outra em alguma medida. Veja-mos:

Todos os elementos do conjunto A pertencem ao seu contradomínio e fazem relação com o conjunto B, onde imagem e contradomínio se correspondem respectivamente no processo de inversão.

1. Rosa negra2. Fundo rosa claro3. Colar de contas verde claro4. Renda preta5. Fundo do centro branco6. Arabescos sobretons de rosa

7. Rosa branca8. Fundo verde escuro9. Colar de contas rosa escuro10. Renda branca11. Fundo do centro negro12. Arabescos sobretons verde

Cunjunto A (original) Conjunto B (invertido)

f: A B

A Domínio {1,2,3,4,5 e 6}B Contradomínio {7,8,9,10,11 e 12}Imagem {7,8,9,10,11 e 12}

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E uma primeira oposição semântica pode ser compreendida, sendo a versão original a mais iluminada, e a segunda, invertida, como a mais sombria: /vida/ e /morte/.

Lembrando que o preto não é uma cor. O que temos como preto é sempre uma cor muito escura que, de tão escura, se apaga e vice-versa. Tampouco o branco, que é, na verdade, a junção de todas elas, como se pode notar com o Disco de Newton, que é um dispositivo utilizado em demonstrações de composição de cores, e que recebeu esse nome pelo fato do físico e matemático inglês Sir Isaac Newton ter descoberto que a luz branca do sol é composta por todas as cores do arco-íris.

A composição das formas geométricas também é muito pensada nas obras de Beatriz Milhazes. Fazendo um exercício de abstração, pode-mos enxergar as formas puras. O quadrado que recorta o que deve ser visto, com um círculo no meio, que joga o olhar do observador, nova-mente, para o centro. E, se observarmos ainda mais cuidadosamente, podemos ver, ainda, um pequeno triângulo nessa obra.

Processo de Abstração das formas

Beatriz Milhazes se utiliza da temática feminina em seu trabalho. Cada elemento usado para a composição dos seus quadros tem nome, como o Colar de Contas que desenha os círculos, ou as Rendas que fazem referência às mulheres rendeiras do Brasil, mesmo os Arabescos de formas arredondadas que nos remetem às ondas do mar, e que saem do centro e se voltam para ele - bem, Beatriz nasceu e cresceu no Rio de Janeiro. Esses elementos conferem texturas e volumes à obra. E esses movimentos concêntricos produzem um efeito de hipnose, algo que parece desejado pela artista.

Esse exercício de abstração joga as obras de Beatriz Milhazes para uma análise própria do período renascentista, um período marcado por

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uma matematização de todos os fenômenos naturais, e que temos como referência os estudos e pinturas de Leonardo DaVinci, que tinham o homem como o centro do universo. No entanto, pode ser um bom exercício no que diz respeito à identificação dos padrões no mundo, já que contém elementos mais exatos para serem analisados e que podem fazer uma boa relação arte/matemática em nossos estudos.

Todos os elementos parecem ter movimento, pois não são exatos, possuem irregularidades junto aos traços circulares, e dessa forma, já não poderíamos nos apegar a posição fixa do triângulo no centro. Pois, esse triângulo está dentro de uma circunferência, que tem a sua estabilidade no movimento, e que por sua vez está dentro de um qua-drado que tem a sua estabilidade em uma de suas quatro bases, qual-quer uma. Tudo isso gera uma estesia, uma sensação de movimento à obra, e produz sentido na semiose e contribui na significação por meio dessas arbitrariedades.

Pensando na simbologia, o triângulo equilátero é uma forma geo-métrica muito presente nas religiões em todo o mundo, devido ao seu equilíbrio perfeito, sendo, por isso, lido como o “equilíbrio divino”, for-mando a segunda categoria semântica possível: /divino/ e /profano/.

Mas essa é apenas uma das categorias e significados que possui. O triângulo também pode simbolizar a terceira categoria semântica: o /feminino/ e o /masculino/.

Dependendo de para onde está virada a sua base, no que diz respeito às tensões criadas pela disposição de sua forma, segundo Kandinsky, temos:

Muito estável Pouco estável Masculino Feminino

Beatriz Milhazes parece tentar criar uma harmonia o tempo todo, um balanço quase ideal de equilíbrio e caos, algo que a princípio po-deria nos remeter a um caráter decorativo de suas produções. Fugindo das abstrações, no entanto, o seu excesso nos faz pensar melhor sobre

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o assunto. É difícil conviver com as suas obras por muito tempo, esse excesso de detalhes e informação é algo relevante. E são exatamente essas características pós-modernas que a colocam como uma artista de destaque do seu tempo. Se essas oposições são intensões propostas a se-rem sentidas e pensadas pela artista, não sabemos. Mas atribuir sentidos parece ser algo próprio à natureza humana.

É importante ressaltar que problematizar questões pertinentes ao nosso tempo de forma abstrata deve ser feita com sensibilidade, pois valorizar as liberdades individuais e subjetivas é uma necessidade na sociedade que vivemos pois, assim como as obras, também somos seres únicos e insubstituíveis.

http://www.durhampress.com/artist/beatriz-milhazes

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Referências BibliográficasA.J., GREIMAS, e J. COURTÈS, Dicionário de semiótica. Tradução de Alceu Dias Lima, Diana Luz Pessoa de Barros, Eduardo Perñuela Cañizal, Edward Lopes, Ignácio Assis da Silva, Maria José Castagnetti SOMBRA, Tieko Yamaguichi Miyazaki. Editora Contexto, 1999.BARROS, Diana de Luz Pessoa de. Teórica semiótica do texto / Diana de Luz Pessoa. – 5. Ed. – São Paulo: Ática, 2011.BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Diccionario de los símbolos. Barcelona: Herder, 1986.FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso / José Luiz Fiorin. 15.ed. – São Paulo: Contexto, 2011.HJELMSLEV, L. Prolegômenos a Uma Teoria da Linguagem. São Paulo: Editora Perspectiva, 1975.KANDINSKY, Wassily - Curso da Bauhaus. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2003.PIETROFORTE, Antonio Vicente. Semiótica Visual, os percursos do olhar. São Pau-lo: Editora Contexto, 2012.SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 1997.

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A música como ferramenta de inclusão do PNEE

Julio Ribeiro

1. Sobre a Música Música, “uma sucessão de sons, entremeados por curtos períodos de

silêncio” (LOUREIRO, 2011, p.3 apud Lima e Melo, 2015, p.99), que, de sinapse em sinapse, atingem estruturas cerebrais superiores, sensibi-lizando as nossas emoções e estimulando o desenvolvimento de nossas competências. Frequências que vibram em nossas cócleas auditivas, con-vidando-nos a sorrir, a chorar, a cantar, a dançar. Nos acalmam ou nos es-timulam. Construídas sobre ondas sonoras, constituem poderosas pontes entre mim e meu interior e entre mim e o outro.

Podemos conceber a música como um bem cultural acessível a todas as pessoas e já amplamente utilizada como recurso facilitador nos pro-cessos de aprendizagem, sobretudo nos primeiros anos da Educação Infantil. Para Barreto & Chiarelli (2011, p.1) apud Lima e Melo, (2015, p.99), “a musicalização pode contribuir para a aprendizagem, evoluindo o desenvolvimento musical, cognitivo, linguístico e psicomotor” que, por proporcionar um ambiente agradável e interativo entre os partici-pantes, estimula o desenvolvimento de crianças com deficiências e/ou dificuldades de aprendizado – um ponto de intersecção entre o sensível e o inteligível.

A música, conforme sugere Belloti apud Lima e Melo (2015, p.103) “proporciona à criança movimentar-se, socializar-se, criar espaço de res-peito mútuo, espírito de criatividade e de solidariedade e a compreensão de conviver com os conflitos facilmente”, sendo contemplada por correntes recentes como atividade vital ao desenvolvimento das crianças.

Em um primeiro momento, podemos conceber um texto pertencente ao gênero musical como um campo frutífero no qual o professor, dentro de seus propósitos pedagógicos, poderá eleger a melhor maneira de utilizá-lo.

Neste sentido, buscamos o dialogismo entre a música e a prática peda-gógica tradicional. Assim, devemos deixar claro o nosso objetivo: utilizar a música como ferramenta pedagógica voltada para o processo de inclu-são de pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais.

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Tomar a música como ferramenta pedagógica em medida alguma anula a importância e a significância do ensino de Arte – artes visuais, dança, música e teatro - no processo de alfabetização, cuja fundamenta-ção é pautada na contextualização e interdisciplinaridade, “sem perder de vista as especificidades que cada linguagem artística possui” (VI-DAL; SILVA, 2015, p.7).

2. Sobre o portador de necessidades educacionais especiais (PNEE)

Para a ONU, “pessoa com deficiência é aquela que tem impedimen-tos de natureza física, intelectual ou sensoriais as quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade e com as demais pessoas”. As limitações, que podem ser reversíveis ou irreversíveis, não eliminam possibilidades de aprendiza-gem e adaptações ao meio (ver Santos, 2012). Neste sentido, a institui-ção escolar, enquanto uma das primeiras experiências de vida em socie-dade, torna-se um campo fértil em que a educação e a inclusão podem ser semeadas.

Harmonizando-se com as propostas de educação inclusiva, a Cons-tituição Brasileira prevê que o atendimento educacional aos portadores de deficiência deve ser realizado preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1988). O Censo Escolar realizado em 2014, mostra--nos que, entre os anos de 2005 e 2011, as matrículas de crianças e jovens com algum tipo de necessidade especial nas escolas regulares cresceu 112%. Apesar da crescente presença do aluno especial na rede regular de ensino, temos que 37% da população com algum tipo de deficiência em idade escolar obrigatória por Lei (dos 5 aos 14 anos) encontra-se fora da escola.

O aumento da demanda sugere articulações estratégicas constantes por parte das instituições escolares, cujo objetivo é estimular “a eman-cipação intelectual por meio da incorporação de novos conhecimentos, de acordo com a possibilidade de ampliar o que se conhece e favorecer o desenvolvimento geral” (BATISTA; ENUMO 2004; BRASIL; 2012; LIMA, 2009; MANTOAN, 2006; SÁNCHEZ, 2005 apud SANTOS, 2012, p.929).

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Salientamos que “As possibilidades humanas não podem ser to-madas como cristalizadas, uma vez considerado o poder da influência externa na determinação do comportamento” (BANACO, 1997 apud SANTOS, 2012, p.937). Sendo assim, o desenvolvimento do aluno es-pecial – sobretudo o aluno com deficiência intelectual – deve ser pauta-do em espaços cronológicos diferenciados e individualizados, de acordo com as limitações impostas pelo quadro particular, tendo primazia os conteúdos que podem ser assimilados por cada aluno “afinal, caso não ocorra a assimilação, não haverá aquisição (aprendizagem), memoriza-ção, recuperação e aplicação” (SANTOS, 2012 p.940).

3. As atividades As atividades com as quais nos engajaremos têm a tônica da inclu-

são. Além de fomentar o desenvolvimento dos alunos, essas atividades buscam a valorização das competências do sujeito a partir das suas con-tribuições individuais. Estas atividades podem estar norteadas por um objetivo coletivo cuja efetivação esteja pautada na colaboração de todos (jogos cooperativos, por exemplo) de modo a promover, em alguma medida, visibilidade e reconhecimento de competências da pessoa por-tadora de algum tipo de deficiência junto à sociedade.

Atentemos à inversão proporcional entre preconceito e inclusão. Neste sentido, a inclusão dos alunos especiais na escola regular logo nos anos iniciais pode ser considerado como um estímulo contrário à formação do preconceito. Com isso, as crianças se desenvolverão res-peitando as limitações e, ao mesmo tempo, reconhecendo as competên-cias particulares, sobretudo no tocante ao aluno especial. Outrossim, crianças, a partir das suas vivências na escola, poderão fomentar a nossa ideia de inclusão junto a outras instituições da sociedade, como a famí-lia, junto aos amigos do bairro, os amigos do clube, etc, contribuindo para a construção de uma sociedade em que o deficiente seja reconhe-cido, respeitado e valorizado.

Para o desenvolvimento das atividades, Santos (2012) atenta-nos à importância do ambiente em que serão geradas. Mediados pelo(s) pro-fessor(es), o ambiente deve permitir ou reforçar a identidade dos alu-nos, promovendo segurança, contingências positivas, favorecendo o bem-estar pessoal e as relações interpessoais, afastando discriminações.

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As práticas devem considerar a fase do desenvolvimento do aluno, as quais, em consequência das limitações impostas pelas patologias pode prolongar-se. Estas atividades devem ser motivadas, alegres, afirmativas e com estratégias ricas em estimulação, diversificadas, quando necessá-rio – e, neste sentido, enxergamos o potencial da música.

4) Aperta o play! Antes de discorrermos sobre a elaboração de propostas, devemos fa-

zer algumas observações. Tendo em vista a heterogeneidade da institui-ção escolar em nosso país, a primeira observação versa sobre a adequação da atividade à realidade social específica .

Muito se tem feito em prol da educação inclusiva, entretanto sabe-se que algumas escolas ainda não foram beneficiadas com ações específicas – tal qual Atendimento Educacional Especializado e Sala de Recursos Especializados - para contemplar seus alunos deficientes intelectuais e/ou sensoriais. Isso, entretanto, não deve interromper o nosso potencial de ação, não deve nos desestimular.

A segunda consideração põe luz às experiências bem-sucedidas, às quais podemos recorrer como fonte de inspiração, afirmando-nos sobre as competências de pessoas portadoras de necessidades especiais e a importância do estímulo.

O Conservatório Estadual de Música Pavan Caparelli (Uberlândia, MG) desde 2001 promove o ensino de música voltado para as crianças que possuem algum grau de deficiência intelectual, sendo as mais recor-rentes Síndrome de Down e Dificuldade de Aprendizagem. A proposta pedagógica volta-se para o “aprender fazendo”, não se preocupando, em primeiro momento, com notação e teoria musical.

Outra proposta bem-sucedida parte da bailarina paulistana Suzie Bianchi. No ano de 1994, Suzie inicia atividades com crianças portado-ras de necessidades especiais – sensoriais, motoras e intelectuais – com diferentes níveis de comprometimento. Os métodos de abordagem va-riam conforme o grau de independência de cada aluno, sendo as aulas realizadas de maneira individual ou em grupo. Com muito talento e dedicação, Suzie formou artistas que atuam profissionalmente em es-petáculos.

Como resultado dos estímulos – os quais, algumas vezes, evocam

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múltiplas intervenções –, podemos destacar o desenvolvimento social, psicológico e escolar dos alunos. Outro ponto tange à inserção do de-ficiente junto a sociedade. Estimulados e tendo competências valori-zadas, os outrora segregados por algum escore de comprometimento ocupam 357,8 mil postos de trabalhos21.

Face aos benefícios almejados, as nossas atividades não exigirão grandes esforços. O professor, então, pode selecionar seu próprio re-pertório motivado por sua realidade social e do projeto pedagógico sub-jacente e oferecê-lo às crianças, permitindo que elas escolham uma peça central, que servirá como ponto de partida para os trabalhos. Valorizar as escolhas das crianças permite que elas se sintam ativas durante proje-to – o que pode ser um agente motivador.

É muito importante que a escola possibilite a esses alunos o contato com o diferente, com o novo, com o estranho – e a experiência estética derivada do contato com o novo dilatará o repertório cultural do aluna-do. Entretanto é igualmente importante que concebamos a música, tal qual as demais áreas das Artes, como uma expressão humana em um de-terminado período sócio-histórico, sendo a contextualização essencial.

Neste sentido, as crianças poderão reconhecer que estão rodeadas de arte. As produções artísticas com as quais convivemos (músicas, fil-mes, leituras) são expressões de nossos tempos, devendo ser reconhe-cidas e contempladas como arte. Reconhecer a arte como forma de expressão humana – esteja ela numa galeria, num grafite no muro da própria escola –, pode convidar a criança para o contato com o novo e aflorar suas vocações artísticas.

Escolhida a peça central, o professor pode iniciar as suas atividades, as quais podem envolver o cantar, interpretação do texto em grupos, produção de textos de outros gêneros (narrativa, paródia, reportagem) a partir do texto central, o desenho, colagens, coreografias, encenações, etc. Uma sugestão: a partir do texto central podem ser contempladas as questões de interdisciplinaridade, o que pode tornar a prática ainda mais produtiva.

O nível de complexidade nesta etapa depende da proposta pedagó-gica e dos recursos disponíveis dentro do contexto, indo, neste sentido,21 Dados apresentados pela Relação Anual de Informação Social – RAIS / 2013. As pessoas portadoras de deficiências são contempladas pela Lei de Cotas (Lei 8213/91) a qual determina que empresas com mais de cem funcionários disponibilizem vagas para pessoas portadoras de deficiência. Fonte: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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do raso para o profundo: do individual (o professor polivalente) para o coletivo (atividades com a colaboração de professores especialistas inte-ressados em engajar-se); da atividade que envolve uma única classe para aquela que envolve toda a escola, quiçá toda a comunidade; em suma, do previsível para o desconhecido.

É importante que, ao sugerirmos atividades, consideremos a plura-lidade (social, étnica, cultural) nas salas de aulas reais – daí a nossa pre-ferência por propostas de ideias articuláveis às necessidades pontuais ao invés de atividades a serem seguidas como algoritmos para finalidades específicas.

Para não perder de vista o nosso objetivo – utilizar-se da música como ferramenta pedagógica voltada para a inclusão – cabe ao profes-sor mediar estas atividades, instigando a participação do especial junto aos demais e dos demais junto ao especial em um processo de troca/interação entre os participantes.

No ponto tocante a interação, vale destacarmos a importância da exploração da oralidade na emancipação social e no desenvolvimento geral do aluno especial (sobretudo em se tratando de transtornos inte-lectuais), sendo importante, neste sentido, que os alunos sejam convida-dos às práticas de oralidade. Martins (2012, p.39), pautada no postulado da Escola de Vygotsky, sugere o jogo do faz de conta como uma ma-neira de incentivar a “participação das crianças, neste caso, como autora do enredo que elas vão improvisando” . Neste sentido, a produção de textos oralizados (uma narrativa, uma paródia, uma discussão), a partir de uma música, pode vir a ser uma boa pedida.

O professor, confrontando as suas experiências anteriores com as suas observações pontuais, poderá identificar as competências/habi-lidades individuais e realizar intervenções. Assim, torna-se produtivo que os professores motivem os alunos a desenvolvê-las, mobilizando também os pais acerca das competências da criança e, quando possível e/ou necessário, oriente a família em relação a projetos sociais que po-tencializem estas características em prol do desenvolvimento do aluno.

Apesar do foco sobre a educação inclusiva, as nossas propostas não se restringem ao aluno portador de necessidades educacionais especiais. É importante destacarmos que a utilização da música como ferramenta pedagógica contribui para o desenvolvimento holístico de todo o alu-nado. Além da dilatação do repertório cultural a partir de experiências

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estéticas, o uso da música como ferramenta pedagógica valoriza a sub-jetividade. Não somente, propostas neste sentido podem contemplar questões como interdisciplinaridade, tido que nos torna possível articu-larmos música e outras áreas do conhecimento de acordo com a moti-vação pedagógica subjacente a um contexto específico.

Referências bibliográficasBRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasí-lia, DF: Senado, 1988.Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) – http://portal.inep.gov.br/web/educacenso/educacao-especial. Acesso em 17 de ju-lho de 2015.LIMA; MELLO. A importância da música no processo de aprendizagem. In: Ciência Atual, v.1, n.1, p.98-106.Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: www.inseer.ibict.br/cafsj. Acesso em: 14 de junho de 2015.MARTINS, Maria Sílvia Cintra. Letramento, interdisciplinaridade e multiculturalismo no ensino fundamental de nove anos – Campinas, SP. Mercado das Letras, 2012. – (Coleção Gêneros e Formação)SANTOS, D. Potenciais dificuldades e facilidades na educação de deficiência intelec-tual. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, .38, pp.935,948, out./dez.. 2012.VIDAL & SILVA (org.). Iniciando a conversa. In: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. A arte no ciclo de Alfabetização. Caderno 06 / Ministério da Educa-ção, Secretaria da Educação Básica, Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. - Bra-sília: MEC, SEB, 2015.Secretaria dos Direitos Humanos. Cresce o número de pessoas com deficiência com contrato formal de trabalho. Novembro de 2014. Disponível em http://www.sdh.gov.br/noti-cias/2014/novembro/cresce-em-8-3-o-numero-de-pessoas-com-deficiencia-com--contrato-formal-de-trabalho. Acesso em 21 de julho de 2015.

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